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ENTREVISTA – MIGUEL

A: O senhor participou da formação do comitê?

M: Comecei quando começou a mobilização dos membros. Ele já tinha uma fase de preparação dos
membros e eu entrei depois.

A: E quando foi a mobilização?

M: Não sei precisamente a data, mas foi perto de 98. Não lembro mais a data exata.

A: O senhor acha que a formação do comitê aconteceu de forma descentralizada e participativa


como é proposta?

M: Totalmente. Foi uma mobilização boa, intensa e conflitiva.

A: Você acha que esse modelo descentralizado e participativo tem sido potencializador do processo
ou tem sido restritivo?

M: Esse comitê precisamente, apesar de ter sido descentralizado e participativo, como outros comitês
também foram, tem uma particularidade muito importante porque houve um nível elevado de conhecimento
das pessoas, tanto dos usuários como da sociedade civil e das prefeituras naquele momento. Falo naquele
momento porque atualmente perdemos muito as prefeituras por diferentes motivos. Em conseqüência disso,
por serem três segmentos e o comitê ser um colegiado de representações, posso dizer soberamente que
ele teve uma inclinação muito grande parte dentro do conflito. Não somos especialistas em conflito.

A: Mas uma das propostas do comitê é de gerir conflitos, não é?

M: A proposta do comitê seria de conflitos técnicos, não de conflitos políticos.

A: E esses conflitos políticos partem mais do Estado, do pessoal do poder público, ou dos
usuários...?

M: Passamos por várias etapas. Passamos por conflitos técnico-políticos em relação ao Estado, passamos
por conflitos só políticos, e passamos por uma reunião de conflito técnico que você presenciou. Mas ao meu
ver, foi o primeiro que passamos desde a iniciação do comitê.

A: Você participa de outras atividades em alguma comunidade da bacia além do comitê?

M: Eu participo muito ativamente na região que me corresponde, que é Lauro de Freitas, discuto muito a
cidade, e lógico que a região metropolitana de Salvador é muito ligada a Camaçari, Simões Filho, Dias
D’ávila...

A: O que levou o senhor a assumir o cargo de diretoria desse comitê?

M: Sempre que você assume o cargo, não é você que está querendo, o que você representa a o seu
segmento que te indicam. Isso foi feito assim pelo amplo conhecimento e participação que a sociedade teve
nesse comitê. Não fomos bem sucedidos com as eleições do comitê, foram prejudicadas por problemas
políticos, problemas de eleição, problemas de mudança de secretário, entre outros que atrasaram muito a
parte democrática do andamento das eleições do comitê.

A: E na diretoria do comitê o senhor está há quanto tempo?

M: Acho que depois da primeira eleição já posso dizer que sou vitalício. Não gosto disso, fui contra
sempre...

A: Tem mais de dez anos?


M: Acho que sim.

A: Você sempre foi da área de sociedade civil?

M: Não, fui governo municipal por um momento, mas o fato de você representar um segmento não significa
que você tenha pensamentos diferentes, até porque eu considero que sociedade civil e prefeitura não são
iguais mas correm em paralelo, tudo se passa dentro do município e deveria haver uma interação muito
grande entre município e a parte municipal. Quando eu fui governo, eu fazia muita questão que a sociedade
civil participasse mesmo que as opiniões sejam diferentes, até porque é importante ouvir as opiniões
diferentes, ouvir o que se passa na sua comunidade...

A: Se você já está há dez anos, não vou nem perguntar quantas vezes já fez parte da diretoria, já que
o senhor disse que é quase vitalício!

M: Posso dizer que estou no terceiro mandato.

A: De que maneira a renovação dos membros, tanto do comitê como da diretoria, poderia trazer
benefícios pro comitê?

M: É uma pergunta complicada de responder porque, embora a gente milite na área há aproximadamente
20 anos, o comitê de bacia ainda é uma coisa considerada nova. E nós sempre tivemos muito preocupados
com a sequência de trabalho, conhecimento específico na área. Vamos passar por momentos importantes
agora, acho que fatalmente vai acontecer, que é o ato de cobrança pelo uso da água, e as pessoas não
estão preparadas. Você vai para uma reunião no interior e pergunta numa platéia numerosa quantas
pessoas conhecem o comitê e você pode esperar qualquer resposta, menos algo relacionado com a água.

A: Como o senhor avalia a participação dos representantes dos três segmentos nesse comitê?

M: Pelo que conheço de comitês, de 1 a 10, eu avaliaria 9. A nível federal, eu tenho contato com quase
todos os estados da união e acredito que o nosso é um nível muito alto, até no segmento das áreas que não
são de conhecimentos específicos, áreas difusas.

A: E nesse comitê, mesmo a gente tendo uma participação muito menor em termo de freqüência do
pessoal do município, como o senhor avaliaria?

M: Do município ou dos municípios?

A: Do poder público em geral.

M: Eu acho que por uma questão de desinformação dos governos a nível municipal, falta de interesse,
alguns governos são menos participativos que outros, alguns governos municipais acham que podem fazer
tudo com respeito ao meio ambiente, com a água... E você tem ainda hoje um pessoal que passa pelo
território e diz “o rio é meu”.

A: O que você acha que poderia se fazer pra melhorar a participação dos membros desse comitê?

M: Trabalhar, e trabalhar muito, trabalhar na mobilização. Estar constantemente mobilizando, estar


constantemente em cima dos conselhos, explicando, fazendo palestras. Esse é um trabalho que tem que
ser feito.

A: Então o senhor acha que o papel da mobilização é imprescindível?

M: Sim, porque cada membro do comitê não tem condições físicas e humanas de participar de todo território
vasto que tem, e você se não tem essa mobilização de participante de fora, então tem que haver
participantes de outros municípios pra te contar o que está acontecendo no dia-a-dia.

A: Você acha que uma participação maior das pessoas desse comitê facilitaria o processo?
M: Nesse momento posso dizer que já estou acostumado com esse número, mas acho que não passa por
aí. Passa pelo fato da sociedade civil e dos governos municipais estarem juntos trabalhando
constantemente, como pontuei anteriormente.

A: Como são definidas as atividades que são desenvolvidas pelos membros?

M: As atividades são definidas para as camadas que tem aqui, mas temos que saber que a sociedade civil
trabalha, e ela tem um ponto a menos, ocorre com uma vantagem que é a de não ter um incentivo de
participar dentro do trabalho, não tem porque estar trabalhando em uma empresa e sair pra fazer outra
coisa. Os outros segmentos (usuário e poder político) são financiados para participar, então eles podem
tomar decisões no seu segmento de forma diferente.

A: De que maneira ocorre a participação das comunidades que envolvem a bacia?

M: Não posso te dizer a respeito de tudo, sobre os outros municípios que também participam. O que diz
respeito a mim particularmente, eu discuto muito dentro do meu município, tanto sendo governo como
sociedade civil. Eu represento uma associação que se mobiliza muito em cima dos problemas da cidade e
se amanhã eu não estiver mais, eu faria questão de que quem me representasse fizesse o mesmo trabalho
que faço.

A: Como as deliberações e atividades que são desenvolvidas aqui nesse comitê chegam à
sociedade?

M: Eu tenho uma interação com todos os governos que passam, a nível municipal, com secretários e com
as equipes de trabalho, porque a gente tá trabalhando na mesma coisa e acaba conhecendo um número
considerável de pessoas. Escrevo muito a nível de facebook, e-mail, participação eletrônica. Eu faço uma
reunião por mês com minha comunidade e aproveito os conselhos que tem a ver com meio ambiente dentro
do município para levar a notícia. Tanto é que trouxe uns quatro ou cinco participantes de Lauro de Freitas e
outras instituições que não sabiam que existia o comitê.

A: Eu percebo, por meio da minha pesquisa, que existe pouca coisa divulgada na internet sobre
comitês de maneira geral, mas especificamente do recôncavo norte que é o que estamos
trabalhando aqui. A gente tem as atas até 2010 no site do Inema, mas as atas das reuniões não tem,
até ia ter o site...

M: Existe um dilema a partir disso daí que é responsabilidade do governo do Estado. Os comitês tem como
secretaria executiva órgão do Governo do Estado, e a secretaria executiva tem a obrigação de financiar e
nos dar uma secretária e alimentar o comitê. O dilema seria: ‘quem é a secretaria executiva?’, a gente
pensa ‘é a secretária que fica com a gente?’, ‘é o funcionário graduado do segundo ou terceiro escalão do
estado?’, a palavra secretaria sempre ficou à míngua nessa situação. O recôncavo norte nunca teve uma
secretaria executiva forte para alimentar essa informação que você está perguntando.

A: Você acha que há pessoas ou grupos que dificultam a atividade do comitê?

M: Eu tenho certeza disso.

A: E quem seria? O segmento, pelo menos?

M: Houve uma modificação dentro da questão governamental que foi a mudança de 2005, que passou de
Paulo Souto para Wagner, e foi uma modificação do governo, não boa ou ruim, mas prejudicou porque
houve a mudança de pessoas envolvidas, a coisa mudou, outras orientações.

A: De que forma esses grupos ou essas pessoas atrapalham?

M: Não é que atrapalham, houve momentos que a orientação política era muito forte e o comitê, por serem
três segmentos, tem pessoas de todo tipo, como na região, na política... Então a discussão fica muito
acalorada e você se perde nela...
A: Quais os principais problemas enfrentados pelo comitê hoje?

M: Particularmente, nenhum, mas nós estamos desde 2007 muito presos com a questão do plano. E o
diretor prometia o plano em 2007 e não saiu até hoje, e hoje com a licitação em andamento e empresas já
trabalhando, você presenciou como é a situação.

A: Você disse que não tem problema, mas ele tá sendo tratado agora que tá sendo desenvolvido o
plano. E como é definida a locação de recursos?

M: Foi definida a empresa que ganhou, quando a empresa ganha já tem uma contratação certa e ela tem
um dinheiro no caixa ativo para poder movimentar, aí isso garante que a empresa que ganha precisa ter
dinheiro para movimentar qualquer trabalho.

A: Mas e a locação de recursos do comitê?

M: Tá sendo paga pela secretaria executiva que o Inema, e quando são as câmera térmicas de interesse da
empresa pelo plano, o usuário pode financiar.

A: As empresas em geral?

M: Não é em todo comitê que acontece isso, esse comitê foi particularmente financiado e os usuários
tiveram uma participação econômica grande dentro dele.

A: E a locação é de acordo com o projeto que está sendo desenvolvido naquele momento?

M: Ou, talvez, interesse do segmento.

A: Posso dizer que a atuação desse comitê é efetiva?

M: Sim, totalmente. Em colapsos de momentos mínimos, não, mas no geral sim.

A: De que forma o senhor pode avaliar que a atuação desse comitê é efetiva?

M: Você vê o resultado quando você se encontra com outro comitê de outro lugar do Brasil. Nós estamos
abaixo de Fortaleza do Ceará, mas estamos muito a frente da Argentina, embora eu seja suspeito de falar.
Nós temos leis dentro da legislação que são muito avançadas e a gente faz tudo para colocá-las em prática.

A: Existe algum parâmetro, indicador..?

M: Você vê com o grau de apresentação com que se faz, dos membros que vão uma vez por ano na
reunião, e você tira as conclusões das pessoas preparadas e de comitês que não participam tanto.

A: Mas vocês fazem uma avaliação periódica?

M: Nunca me preocupei com isso, e também a função do comitê é apresentar e contar suas boas
experiências para outras pessoas, esse é o ponto fundamental do encontro. Quando você vai, você conta
uma experiência que foi bem sucedido. Mas as experiências bem sucedidas sempre foram no conflito, não
sei porquê...

A: Mas tem que ter o conflito. Nós que achamos que a existência do conflito é uma coisa ruim, mas a
forma como lidamos com ele que vai dizer se é bom ou ruim. Obrigada, fechamos a nossa entrevista.
ENTREVISTA – SÉRGIO

A: Você participou da formação do comitê desde o início?

S: Sim.

A: O senhor começou como membro?

S: Eu sempre fui secretário executivo.

A: Já que o senhor começou desde o início, o senhor acha que a formação ocorreu de forma
descentralizada e participativa?

S: Sim.

A: O senhor acha, hoje e dentro da sua experiência, que esse modelo tem se mostrado, dentro desse
comitê, potencializador desse processo ou restritivo?

S: Olha, ele tem um modelo conceitual muito propositivo, não é restritivo, o que é existe é um sistema que
roda muito lentamente.

A: Mas esse ‘lentamente’..?

S: Porque o modelo é assim e porque fazer participação entre três segmentos diferentes conflitantes, até
que você tenha participação plena, leva muito tempo.

A: Você participa de alguma outra atividade em alguma comunidade dentro da bacia?

S: Sim, eu participo de algumas no polo petroquímico, no segmento de indústria.

A: E na comunidade?

S: Nas comunidades não.

A: Quem motivou o senhor a assumir o cargo de membro de diretoria?

S: Foi um interesse do meu segmento, que era promover e fazer com que essa gestão fosse a mais
organizada possível, que não criasse problemas e nem distorções nos nossos interesses. Então não só dos
recursos hídricos, mas todas as áreas de interesse, você tem representantes que acompanham setores
governamentais ou técnicos no sentido de que haja uma defesa de interesses da indústria naquela posição,
seja nos conselhos de meio ambiente... Então a indústria da Bahia nos últimos dez anos converteu um
pouco o seu posicionamento, ao invés de ficar aguardando as coisas acontecerem e resolver as coisas dos
bastidores, ela não consegue mais fazer isso e nem é uma prática inteligente da indústria. Ela tem que se
mostrar, existe muita desinformação, existe muita confusão criada pela falta de informação, então esse é
um processo que deve participar e se antecipar em situações que podem ou não afetar a indústria e
defender nossos interesses.

A: Quantas vezes você já fez parte da diretoria?

S: Cinco. Agora sou presidente.

A: Na sua opinião, de que maneira a renovação dos membros, tanto do comitê como da diretoria,
poderia trazer benefícios pro comitê?

S: Qualquer conselho, qualquer fórum de debate, uma renovação de uns 35%, no máximo 40%, é benéfica.
Se você sempre ficar no mesmo segmento você não inova, mas ao mesmo tempo se você renovar 90%
você perde muito do histórico. Então você tem que ter uma base que permanece dando continuidade pelo
menos por uns 8 ou 6 anos, se você renovar 80% a cada 4 anos você perde muito, é muito lento pra você
chegar. Inclusive quem é capacitado se desinteressa, às vezes as coisas ficam acontecendo de forma muita
lenta, então normalmente alguns segmentos renovam essas questões. Como uma coisa que você discute
de participação, recurso público, isso tudo leva um tempo para decidir, tem o conselho...

A: Uma coisa que tenho observado, com relação a aqui na Bahia, as diretorias dos comitês são as
mesmas desde que os mesmos foram fundados, e se repete aqui, se repete no Paraguaçu, tanto que
a falta de criação aparece o nome dos mesmos até hoje. Por que isso acontece?

S: Se você for pegar e fazer uma análise nesses 10 anos, o que ocorre é que 5 ou 6 foram só discussões
administrativas de entendimento do que foi produzido, então essa turma que fica aguardando o plano
chegar... O comitê não existe sem plano, fica discutindo como foi, lugar onde foi, que assunto precisa ser
mais disputado, que a Embasa cortou o negócio, eles perdem o foco do que se destina... Então durante
muito tempo sem plano isso ocorreu, agora que essa turma vai exercer de fato. Por isso a gente faz a
eleição aqui, talvez uma troca de presidente... Aqui não tem muito candidato também, porque pra você
exercer essa função você precisa ter alguma qualificação técnica, algum suporte, e tem muito conflito pra
você gerir e às vezes não tem muita gente à disposição pra fazer, então os eleitos votaram neles mesmos.
Até acabar esse plano, eles não devem querer que seja alterado. Tem pouca gente qualificada, pouco
interesse de todos os segmentos, todos menos a indústria. A gente se baseou na experiência da indústria, a
gente está formando um grupo de recursos hídricos na Federação, vai inaugurar amanhã. O objetivo é
orientar nosso segmento nesse assunto, todo mundo fala que a água é importante mas as efetivas práticas
estão muito longe do que a gente... São poucas as que fazem o uso adequado, que entende que é um
recurso finito, que concordam em pagar pelo usado desde que o recurso seja usado de forma adequada.
Isso não é unanimidade no segmento usuário, principalmente o que mais usa que é a agricultura, eles
acham que a água é eterna. Não estou dizendo no geral, mas muitos são muito mais atrasados que a
indústria.

A: Como o senhor avalia a participação dos representantes dos três segmentos nesse comitê?

S: A sociedade civil tem altos e baixos, já teve aqui quase cem brigas no comitê, foi mais conflituosa. Hoje,
o pessoal que ficou entende mais essas questões. De todos os segmentos, aqueles participantes que estão
há mais tempo, eles estão autenticamente interessados em fazer um bom trabalho. Então 1/3 do comitê
está muito qualificado para participar, entender seu papel, já sabe funcionar. Os outros 2/3, tem uma parte
que senta aqui quando vem, falta... Eu diria que o que tá mais próximo de participar é o segmento de óleo,
ele agora tá até faltando a reunião porque tá querendo ver o plano acontecer, mas essas reuniões demoram
muito e às vezes eles têm pouca paciência de ficar ouvindo. Então quando chega uma hora de reunião
satura o núcleo, então a gente tem que dar tempo aos outros segmentos de ter essa discussão, ter a
paciência de deixar todo mundo subir junto. Se deixar por conta do usuário, ele já tinha feito o plano dele, já
tinha pago, já tava rodando, entendeu? A gente tem algumas informações de algumas bacias que a gente já
tem a gestão que é mais do Estado, o poder público tem esse poder de trocar de eleição, os prefeitos nunca
se apropriaram disso, eles não conseguem sanar essa questão de saneamento, e eu até entendo porque
eles têm outras prioridades. Não é a prioridade das agendas das prefeituras esse assunto de água, como
não é nem da ministra, comparado com outras prioridades que ela tem. Quem paga água no país é a
indústria, o segmento de agronegócio paga 40 vezes menos, quando paga, e isso é um questionamento
forte da indústria. A gente entende que o segmento do agronegócio tem muito mais adversidades, é muito
mais difícil de se organizar, tem a questão climática, questão de perda de colheita... A gente não perde uma
planta petroquímica, uma refinaria, o cara tem que fazer tudo errado para perder. Então isso é uma das
coisas que no recôncavo, interagindo com Paraguaçu, a gente quer reaver. Por exemplo, nos comitês do
Oeste baiano, no ponto de vista dos recursos hídricos eles são privilegiados, eles têm condição de
aumentar aquele aqüífero deles muito, é só eles não deixarem ter erosão, é uma terra privilegiada.

A: Eu não sei se esse plano engloba o aqüífero daqui do Recôncavo.

S: Tudo, tudo... Mas a visão da sociedade civil, isso tá no subconsciente.

A: Não é nem só no subconsciente, é o que eles expressam e verbalizam o tempo todo.


S: Por isso que o comitê sem plano não existe, eles vão aprender onde estão as reservas de água. Por
exemplo, eu como presidente não conheço detalhes de toda a disponibilidade. Quanto tem de água tem no
recôncavo?

A: Por incrível que pareça todos os dados eu peguei na CEI, de um estudo antigo de 1995 e de um
estudo feito por uma indústria petroquímica em parceria com o Estado.

S: E mesmo assim são deficientes. A gestão de recursos hídricos carece primeiro porque o pessoal daqui
tem algumas reações, por exemplo, como você faz uma decisão sobre enquadramento sem informação?
Isso é ficção científica, vai falar besteira? Se você não mede, você não gerencia, então você vai tomar a
decisão errada. Então esse processo de aprendizado e acerto vai ocorrer ainda durante muito tempo. Há
quantos anos tem a CEI? Sempre... Porque falta recurso, falta educação, falta uma série de coisas que
nosso país é carente, e falta prioridade também. O que a gente quer aqui dentro é fazer o melhor trabalho
possível e que esse trabalho seja aperfeiçoado ao longo do tempo. Esse primeiro plano vai sair 30% do que
é um plano bem feito, espero que o próximo seja de aproximadamente 50%, e daqui a 10 anos terá uma
gestão de águas participativa. O modelo conceitual é lindo e é muito difícil de aplicar.

A: Principalmente em um país sem participação.

S: Se você não começar e não educar...

A: O que você acha que seria necessário para estimular mais a participação?

S: Cada segmento tem que cuidar do seu segmento, aí depende de determinação do mesmo.

A: Mas aqui são três segmentos e cada um tem seu interesse.

S: Onde existem mais conflitos é no segmento dos usuários, é usuário brigando com usuário.

A: E por que acontece maior conflito lá dentro?

S: Porque “eu quero ter água pra irrigar e eu quero água pra gerar energia elétrica”, se não tiver pros dois
como vai fazer? Brigas e conflitos. São muito mais intensos e maiores do que o conflito entre uma prefeitura
e uma indústria, porque eles têm interesse em comum. O prefeito abre mão de algumas coisas, a indústria
de outras, e o prefeito sabe dosar isso, ele é inteligente. Então embora esses conflitos existam, são mais
fáceis, diferentemente se houvesse conflito entre dois segmentos industriais, aí seria advogado...

A: Mas quando o senhor fala que no comitê cada setor deve se organizar pra estimular a sua própria
participação...

S: Por exemplo, eu não posso escolher qual a prefeitura que deve tá aqui, eles que tem que saber que as
prefeituras que estão aqui representam todas, eles que tem que escolher. Eles não têm a UPB? Se ela
botar na pauta que a água é uma prioridade, ela saberá escolher os prefeitos. Então o segmento de usuário
não pode se meter no da sociedade civil, e eles não aceitam isso, porque eu podia trazer dez homens que
considero mais inteligentes e colocar aqui, mas não posso fazer isso. Temos que deixar que eles falem, eles
têm que se sentir incomodados aqui, sentir que o papel deles não está sendo feito, eles são capazes, mas
você não pode interferir.

A: Como são definidas as atividades que são desenvolvidas pelos membros do comitê?

S: Todas são decididas no plenário.

A: De que maneira ocorre a participação das comunidades que envolvem a bacia nesse comitê?

S: Como isso é um fórum público, as comunidades podem vir aqui e colocar suas coisas, e o comitê é, em
primeira instância, quem habita os conflitos em relação a água. E às vezes isso se confunde, por exemplo,
eu não posso substituir o papel do INEMA, mas eu posso provocar o INEMA para atuar numa comunidade
que nós entendemos que é importante. Então a participação vai depender da qualidade e da importância
que os membros daqui têm nas suas regiões e com sua representatividade.
A: Como as deliberações, atividades e prestações de contas que são desenvolvidas aqui nesse
comitê chegam à sociedade? Uma das coisas que tive dificuldade foi de acessar informações
relativas ao comitê.

S: O comitê não tem recurso, no dia que nós tivermos a cobrança implantada, aí teremos recurso para fazer
isso, para fazer a gestão. Então até que isso ocorra... O secretário disse que colocaria até o fim do ano para
cobrar em 2014. No dia que isso tiver, vamos ter que prestar contas. Por exemplo, o comitê de São
Francisco tem uma agência que tem tudo, viagem, reunião, site, as informações e deliberações. Então hoje
como não temos isso, quem faz isso é o INEMA. E como não temos recurso, falta a nós um braço de
comunicação institucional, essa é a uma deficiência do nosso comitê.

A: São de todos os comitês, tirando o do São Francisco.

S: Por exemplo, eu sou representante da Bahia de Indústria e eu sei que minha participação podia ser
melhor.

A: Há pessoas ou grupos que dificultam as atividades do comitê?

S: Sempre tem, mas nesse daqui não posso dizer que não anda por isso, até porque temos certa
organização para deliberar, pra votar, pra cumprir o regimento. Nós somos disciplinados nesse ponto.

A: Quem seriam esses grupos que atrapalham o trabalho?

S: Os grupos que atrapalham são aqueles que não entendem o nosso papel. Por exemplo, às vezes entra
uma central sindical aqui e vê que tem um espaço pra ele viver do conflito, porque sindicato vive de conflito,
então ele vê que aqui há uma oportunidade para vender seu peixe. Então eles chegam aqui, são
despreparados, e começam a colocar o dedo em todas as feridas. Nós já tivemos membros do comitê
extremamente perigosos, que vem e “é o seguinte, a reunião não vai acontecer porque o senhor descumpriu
o artigo 33 do regimento”, aí você vê que deveria ter mandado o material pra reunião com 15 dias de
antecedência e mandou com 14. Então, quando ele sente que vai perder tudo e que um dia não vai fazer
diferença para o que ele está colocando, essas são as pessoas que atrapalham o fórum público, o interesse
dele não é construído, é vender o peixe e se vender. Sindicatos, líderes comunitários... Às vezes, quando
isso é feito de forma boa, você reage e isso é bom. Então tudo na dose certa é bom. Esse comitê tá
precisando de uma balançada.

A: Então posso entender que os grupos que atrapalham são do segmento da sociedade civil?

S: Sim, são. Quando você for colocar a cobrança pelo uso da água você vai ver isso aqui encher de
prefeitos. Por exemplo, no comitê do São Francisco, há uma reunião que decide pra onde vão os recursos
da cobrança e não falta nenhum prefeito. Então tá faltando esse produto, o jogo fica mais real, por enquanto
estamos ensaiando para o futuro, a bola tá lá mas ainda não começou a partida.

A: Quais são os principais problemas enfrentados no comitê e como eles têm sido trata dos?

S: Os principais problemas são freqüência, manter uma capacitação mínima, que você possa conversar,
porque tem muita gente que pega esse documento e não entende. E também há toda a parte de recursos,
enquanto não temos recursos a gente não roda, o Estado está com o orçamento fechado, só começa em
março, então a indústria paga. Eu já tive muita dificuldade com o Estado porque ele não permitia que eu
pagasse, eu estava comprando o comitê. Isso é um problema, a burocracia estatal tem muito no sistema, é
um trauma porque ele acha que vai ser acusado. Agora melhorou muito, a gente tem participado direto dos
movimentos da área ambiental e o empresariado entendeu o quão importante é isso, não é construir o que
ele quer e sim fazer uma lei governável. Por exemplo, o código florestal saiu e nenhum segmento gostou,
porque foi mal feito. É um conflito de interesses muito grande. A parte política aqui já foi muito maior e hoje
não tem, o comitê é um ente político, mas ele não pode errar na dose se não ele não faz nada. Esse
despreparo da gestão pública já foi pior.

A: Como é definida a locação de recursos no comitê?


S: Hoje, como deve ser feito. Quando o plano estiver pronto, ele vai identificar as deficiências, para que se
faça uma gestão das águas. Quando você faz essa gestão, você precisa identificar todos os instrumentos.
Se tudo isso tivesse implantado, você poderia dizer “estou fazendo uma gestão de águas decente”. Então
quanto tempo vai levar pra eu implantar todos os instrumentos? O Estado tá falido. Ele ainda não entendeu
como se faz gestão de águas, você tem que reciclar, ouvir besteiras, explicar de novo. O segmento da
indústria de usuário, que tem mais chance e é mais capacitado, precisa entrar num fórum desses pra educar
e mostrar boas práticas. O sistema do ponto de vista de gestão é lindo, mas quero ver pra rodar, porque
são três segmentos. Numa ditadura você determina o que vai ser feito e faz, mas você não pode fazer isso
em gestão pública.

A: Você não me disse como os problemas têm sido tratados aqui, o senhor levantou os problemas e
explicou mas...

S: Nós fizemos duas capacitações, mas são lentas.

A: Quando foram?

S: A cada renovação a gente faz. Fizemos uma agora, e reciclagem fazemos uma a cada dois meses mais
ou menos, e mesmo assim com dificuldade. Eu chamo todo mundo, ligo pra cada um, “você vai continuar ou
vai ser trocado?”, mas como fazer isso com o poder público? A sociedade civil se ajuda. Então isso é
problema de cada segmento, não tem um segredo, ele tem que chegar aqui e constranger e ver que tá
perdendo o espaço de decisão.

A: Então o senhor liga pra os usuários ou pra o poder público?

S: É muito mais fácil porque o segmento usuário tem mais recurso, a sociedade civil não tem recurso, e
quando você pagar o segmento de olha meio desconfiado, você se sente meio cobrado, então como resolve
isso? Agora não é o segmento que menos participa, quem menos dá calote é quem é mais pobre, e quem
tem mais e tem direito a crédito tá sempre devendo. O que menos vem é o poder público.

A: O senhor acha que a atuação do comitê é efetiva?

S: Não, eu acho que ela tá plantando, vai plantar em 5 anos pra colher, não em 10.

A: E o senhor avalia isso de que forma? Existe algum parâmetro, algum indicador?

S: “Vocês estão aqui há 7 anos, o que de fato vocês construíram? O que de fato vocês modificaram, vocês
implementaram?”, porque cada segmento fez suas modificações mas não de forma integrada, não de forma
participativa. O plano vai ser o elemento integrador, por isso digo que não existe comitê sem plano. O
comitê de São Francisco tem uma lista de aplicação de recursos, ele tem trabalho feito, tem tudo feito, tem
contribuições aos segmentos, têm estudos, deliberações, melhorias. O Estado tem que fazer o dever dele
que já faz, a sociedade tem que entender que não adianta começar pela cobrança, e o segmento usuário
tem que equilibrar isso tudo, fazer o papel de usar de forma mais racional possível e ajudar os outros
segmentos a entender qual seu papel nesse sistema. Existe muito conhecimento acumulado de todos os
representantes que vão, na hora oportuna, serem usados, disponibilizados, ou não. A Petrobrás já sabe
onde tem água e onde tem petróleo há mais de 30 anos. Tem tudo, até mais do que precisa. Uma empresa
tipo ela, que já participou mais, participa pouca, mas ela é atuante, o representante aqui que tá fraco. A
Embasa, por exemplo, tinha que tá aqui brigando, dizendo, é assim, assado. Quando o plano sair e tiver
ameaçando os interesses de alguém, cobrando, aí veremos melhorar, naturalmente os segmentos vão
participar de forma mais qualificada no comitê.

A: Muito obrigada.

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