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Ciência e Pseudociência, questão de método ou ética?

por Fernando Alves da Silva Filho1

Quem nunca se deparou na internet com a seguinte manchete: "Cientistas


comprovam que comer ovo faz mal a saúde?" ou "novas" teorias dos renomados
cientistas defensores da Terra Plana, mesmo que no século XVII apenas com um
telescópio rudimentar (perto das tecnológicas do século XXI) um pseudocientista
condenado pela Igreja2 tenha confirmado que a Terra era Redonda. E, uma semana
depois essas pesquisas são refutadas por outros cientistas dizendo que "Comer ovo
todos os dias não faz mal a saúde". Para falar a verdade, no século XXI e sua
configuração política, econômica e informacional, não é estranho que cientistas (ou se
pudermos dizer, pseudocientistas) ou empresas falsificarem ou manipularem resultados
de pesquisas para obterem financiamento para seus projetos ou venderem seus
produtos3. Esta semana lendo algumas notícias sobre ciência e divulgação científica,
esbarrei em um artigo cujo tema era como as terapias holísticas 4 estão ganhando espaço
no Sistema Único de Saúde (SUS)5. E, isso fez reemergir reflexões sobre os
preconceitos recorrentes nos espaços acadêmicos e de pesquisa em relação as
consideradas pseudociências (astrologia, homeopatia, parapsicologia, medicinas
orientais, medicina indígena, entre várias outras, apenas alguns exemplos). Seria essa
reação de aversão uma questão arbitrária ou ética?
Lembro da primeira vez que assisti ao anime Saint Seiya6, a história baseada na
mitologia grega, conta a saga de um grupo de jovens usando armaduras representativas
dos aspectos cosmológicos das constelações do zodíaco. Enquanto tinham a missão de
proteger a reencarnação da deusa Atena e manter a paz no mundo. Para uma criança isso
era apenas diversão, simples entretenimento, porém pensando sobre o assunto, foi o
primeiro contato direto de muitos nascidos no fim da década de 1980 e início de 1990
1
Licenciado em História (UVA), Pedagogo (UERJ) e Mestrando em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde
(COC/FIOCRUZ). Email: bomfasf@hotmail.com
2
No dia 31 de outubro de 1992, o então papa João Paulo II, reconheceu os enganos cometidos pelo tribunal
eclesiástico que condenou Galileu Galilei
3
Informações superficiais amparadas por dados científicos ajudam a reforçar preconceitos
<http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/9-informacoes-superficiais-amparadas-por-dados-cientificos-ajudam-a-
reforcar-preconceitos/> último acesso em 09/02/2018
4
Crescimento da busca por terapia alternativas <http://www.plox.com.br/noticia/16/01/2018/cresce-busca-por-
terapia-alternativa-mas-oferta-ainda-e-pequena> último acesso em 02/02/2018
5
SUS passa a oferecer terapias alternativas <http://www.brasil.gov.br/saude/2017/01/sus-passa-a-oferecer-terapias-
alternativas-para-a-populacao> último acesso em 02/02/2018
6
No Brasil foi exibido, primeiramente na antiga TV Manchete, como Os Cavaleiros do Zodíaco entre os anos de
1994 e 1997
com os conceitos relacionados a astrologia e a influência dos signos no comportamento
psicológico, emocional e social tão relevante na Era de Aquário 7. Não que temas como
astrologia, signos zodiacais fossem uma novidade, muito pelo contrário, tanto no
ocidente quanto no oriente, fazem parte das culturas humanas muito antes do
nascimento de Cristo. Por exemplo, as origens da Astrologia datam do antigo Egito.
Pensando nisso, se a ciência através da história comprovou que a Terra é
redonda, mas não era o centro do Universo - no entanto os barcos continuam sumindo
no horizonte, argumento consistente com a lógica (absurda) dos terraplanistas; a
gravidade da Lua exerce influência sobre aspectos da vida na Terra (ciclos das mares); a
matemática é a linguagem universal da ciência para explicar os fenômenos da natureza;
por que é tão ofensivo acreditar que as estrelas influenciam no comportamento das
pessoas ou que existam terapias alternativas capazes de curarem doenças que a medicina
tradicional não dá conta? Não estou dizendo que devemos mergulhar no mar de
supertições e ignorar que existe charlatanismo disfarçado de curas milagrosas, apenas
questiono a questão arbitrária e, muita das vezes, autoritária do campo científico. O
conhecimento científico e os cientistas, se distanciam do senso comum e das culturas
populares e quando tentam retornar para esse público não cientista, encontram
resistência e ceticismo ao tentarem demonstrar o resultado de suas pesquisas.
Em sua tese de doutorado - As Serpentes e o Bastão 8, Juri Castelfranchi fala
sobre a caixa de vidro de conhecimento baseadas na caixa-preta de Bruno Latour:

Por sinal, Latour (2005) enfatiza como o processo de fechamento da caixa


preta seja, na verdade, dinâmico, nunca acabado, fruto de um esforço constante
e de praticas complexas de negociação. Minha proposta de tratar a caixa preta
como sendo de vidro, no entanto, significa enfocar na analise de como, quando
e quanto tais processos de construção da caixa preta podem ser percebidos e
influenciados por grupos sociais e sujeitos considerados nao-especialistas, não
pertencentes a ciência. (CASTELFRANCHI, 2008, p. 14)

E ao ler a tese, lembrei de uma fala do Professor Castelfranchi durante as aulas


da disciplina de Divulgação Científica (segundo semestre de 2016) para nossa turma do
Mestrado9, na qual explicava como a ciência por muito tempo moldou, padronizou e
encaixotou os conhecimentos e os colocou em pedestais anti-contestação. Quando na
verdade essas caixas deveriam estar abertas disponibilizadas para constante exame,
7
Era Astrológica que se iniciaria (ou iniciou) no século XXI, após a Era de Peixes
8
CASTELFRANCHI, Juri. As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e inexorabilidade. UNICAMP,
Campinas, São Paulo, 2008.
9
Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde pela Casa de Oswaldo
Cruz - FIOCRUZ <http://www.coc.fiocruz.br/index.php/educacao/mestrado-em-divulgacao-da-ciencia-tecnologia-e-
saude> último acesso em 02/02/2018
modificação e inovação. O que é a ciência, se não fruto da imaginação, criatividade e
capacidade humana de ressignificar a natureza que nos cerca.
A Enciclopédia de Filosofia de Stanford 10 explica as diferenças, descreve os
parâmetros e características existentes entre ciência e pseudociência, e que essa
demarcação é a base para determinar quais crenças são "epistemologicamente
justificadas" (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2008),

The demarcation between science and pseudoscience is part of the larger task
of determining which beliefs are epistemically warranted. This entry clarifies
the specific nature of pseudoscience in relation to other categories of non-
scientific doctrines and practices, including science denial(ism) and resistance
to the facts.11 (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2008)

A entrada decorre explicando muito bem o propósito de demarcar o que é ciência,


o que é pseudociência, o que não é nem ciência nem pseudociência – recomendo a
leitura. Porém, a intenção aqui é questionar o que trás mais malefícios a sociedade, uma
ciência comprovada distante da população não científica e a evolução tecnológica ao
ponto de causar problemas climáticos - levando ao Efeito Estufa; ao derretimento das
calotas polares - aquelas que delimitam o plano terrestre com monstros além da
Muralha12; ao aumento de atividade sísmica da crosta terrestre; poluição do ar nas
grandes capitais mundiais; escassez de água potável para consumo humano; crises
nucleares; aumento da incidência de doenças de origem cancerígenas; uso de
agrotóxicos; desigualdades sociais; a famigerada Geração Tarja Preta; entre outros
males do século XXI - ou uma pseudociência que exerça influência no bem estar
individual e social? Essa diferenciação entre Ciência e Pseudociência é realmente uma
questão epistemológica ou ética?
Eu sou de Câncer, com Lua em Touro, Ascendente em Peixes. Será que meu
questionamento é influência da veia dramática proveniente da constelação do
caranguejo, da intuição do peixe ou da estabilidade do touro? Quando era criança odiava
o signo de Câncer, afinal o Mascará da Morte 13 do anime era um dos piores cavaleiros
de ouro, mas passei a admirar muito esse signo depois de assistir e ler The Lost

10
https://plato.stanford.edu/entries/pseudo-science/
11
"A demarcação entre ciência e pseudociência é parte de um objetivo maior de determinar quais crenças são
epistemologicamente justificadas. Essa entrada clarifica a natureza específica da pseudociência em relação a outras
categorias de doutrinas e práticas não científicas, incluindo negação da ciência e resistência para os fatos." Tradução
própria
12
MARTIN, George R. R. As Crônicas de Gelo e Fogo. 1996 - em lançamento
13
Cavaleiro guardião da casa zodiacal de câncer no anime Saint Seiya
Canvas14, afinal de contas Manigold e o Mestre Sage 15 enfrentaram os deuses gêmeos
Thanatos e Hypnos de igual para igual, mostrando que nem tudo é drama e choradeira
no reino da quarta casa do zodíaco. E aí, você acredita, conhece ou pratica alguma
pseudociência? Como perguntaria a amiga Carol Castro 16: "E afinal de contas, o seu
mapa astral influencia as suas atitudes?".

14
Anime que conta a história de gerações que precederam os cavaleiros de Saint Seiya
15
Manigold e Sage, foram os cavaleiros de ouro protetores da casa zodiacal de câncer no Anime The Lost Canvas.
Sendo que posteriormente, Sage se torna o Mestre de todo o Santuário e das doze casas do zodíaco
16
Mestranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Graduada em pedagogia pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Pesquisadora assistente na Flacso Brasil, LPP/UERJ, Brasil. E-mail:
carolinacastrosilva@hotmail.com

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