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TURISMO

A morte, para os
mexicanos, é uma festa há
pelo menos 3 mil anos
Eles acreditam que todos retornam do além para
comer, beber e dançar

Por
28/12/2011 10:26

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Estar no México durante a celebração do


Dia dos Mortos (2 de novembro) é como
desembarcar no Rio de Janeiro em plena
folia carnavalesca. Ou flagrar as vitrines
nova-iorquinas repletas de enfeites de
Natal e bonecos de neve. A experiência
ultrapassa a esfera das revelações
turísticas e ganha um tom de intimidade.
É como espiar pela fresta uma das
características mais vívidas da alma
mexicana.

No país, a morte significa festa, e essa


constatação é tão antiga quanto seus sítios
arqueológicos, sua alegria e sua
exuberância natural. Há registros de que,
há pelo menos 3 mil anos, as civilizações
pré-hispânicas celebravam a passagem
para o mundo espiritual de forma
divertida e inusitada aos olhos dos
estrangeiros. Enquanto esse ritual é visto
de forma mórbida pela maioria das
culturas, no México, representa o
momento de reencontrar os que já se
foram. Acredita-se que todos retornam do
além para uma visita regada a comida,
bebida e dança, sobre as lápides dos
cemitérios. ;Desde crianças, crescemos
com o rito da morte ao lado;, revela o
antropólogo e guia turístico Adolfo
Cortes.

As celebrações começam em 1; de
novembro, quando se comemora o Dia de
Todos os Santos. De acordo com a crença
local, nesse dia as almas das crianças
retornam. Por isso, as ruas são tomadas
por uma meninada que não tem medo de
maquiagem carregada e fantasias de
personagens um tanto assustadores.
Levadas pelas mãos dos pais, imitam
vampiros, múmias, bruxos e personagens
de filmes (como Chucky, o boneco
assassino, e Willy Wonka, de A fantástica
fábrica de chocolate). Vale tudo, desde
que seja em tons sombrios, com olheiras
realçadas a lápis preto. No dia seguinte,
quando as almas dos mais velhos voltam a
esta dimensão, os adultos repetem o ritual.

Não há festa completa sem alguns itens de


primeira necessidade para os mexicanos.
O mais onipresente deles é o altar.
Construído em três níveis, está sempre
perto de uma janela (para facilitar a
entrada dos mortos). Os copos d;água
servem para acalmar a longa viagem dos
espíritos, que se guiam pelo perfume de
uma flor de pétalas alaranjadas, a
cempasúchil. Para agradar aos
homenageados, comidas e bebidas de sua
preferência também são ofertados, além
de velas, plantas e fotos.

Os altares não são erguidos apenas nas


casas. Em lojas, museus e até mesmo
escritórios, uma mesa é sempre destinada
às oferendas. As ruas e os monumentos
(especialmente estátuas e bustos) são
cercados por cruzes, velas e flores. Se no
Brasil as festas juninas são enfeitadas com
bandeirinhas típicas, geralmente feitas em
papel de seda, no México, o mesmo
material é recortado em grafias alusivas a
caveiras, imagem-símbolo de toda a
festança. Esses orifícios no papel,
acreditam os fiéis, permitem que as almas
passem através da celulose. Em todos os
lugares, é possível encontrar o pan de
muertos (ou pão dos mortos), geralmente
assado em formato de coração, jacaré ou
borboleta, e recoberto por uma camada de
açúcar cristalizado.

Nesse período, os brindes mais comuns


são as caveirinhas de açúcar (também
feitas de chocolate ou amaranto, um tipo
de grão). As caveiras foram alçadas ao
posto de expressão máxima da celebração
pelo gravurista mexicano José Guadalupe
Posada. Usando a técnica de água-forte,
ele eternizou o esqueleto de uma mulher
(batizada de La Catrina), envergando um
chapéu pomposo e distintivo da alta
sociedade, lembrando que a morte anula
qualquer diferença social.

A imagem foi reproduzida pelo pintor


Diego Rivera em um de seus famosos
murais e acabou simbolizando a data. Em
trajes e materiais diferentes, as miniaturas
da musa controversa dominam as lojas de
presentes do país e é difícil voltar para
casa sem uma caveirinha na bagagem. As
catrinas também inspiram fantasias e
concursos. Em um famoso museu da
cidade, a comemoração deste ano
envolvia vestir-se de Catrina tropical.

Nem os políticos e as pessoas que ocupam


a vida pública escapam da brincadeira. As
caveiras políticas tratam de criar epitáfios
(frases para decorar túmulos) ou rimas
que ironizam a situação do país. ;Como tu
te vês, eu me vi. Como tu me vês, tu te
verás;, dizem os mexicanos, assumindo o
papel dos mortos. No país, em vez de
flertar com a melancolia, seus habitantes
andam de mãos dadas com o grande
mistério que começa quando a vida se
extingue. (MM)

A fé em Guadalupe move até o turismo

peregrinação é importante dentro do


turismo do país. Todas as preces se
encontram na Basílica de Nossa Senhora
de Guadalupe, na Cidade do México.
Segundo estimativas, é o segundo
santuário religioso mais visitado do
planeta (atrás apenas da Basílica de São
Pedro, no Vaticano).

A visita começa pelo ponto mais místico


do centro de peregrinação. Logo na
entrada da basílica, há um altar a céu
aberto, destinado à limpeza da alma e à
purificação espiritual e corporal. Ali,
crianças são salvas de mau olhado e
religiosos fazem seus pedidos, entre velas
e flores.

A história começa em 12 de dezembro de


1531, quando a virgem faz uma aparição
para o índio Juan Diego, pedindo a ele
para comunicar ao bispo do México que
uma templo em homenagem a ela deveria
ser construído no local. Ele usou seu
manto para desenhar a visão, e a
observação dessa pintura é, até hoje, o
ponto alto da visita.

O próprio material, fibra de agave, planta


típica do país, se deteriora com rapidez,
durando, no máximo, 20 anos. Mas o
tecido de Juan Diego não dá sinais de se
desfazer até hoje.

Assim como outras regiões da Cidade do


México, o ponto onde foi erguida a
primeira igreja (cuja construção começou
em 1531, mesmo ano da aparição)
também afunda. Um novo templo foi
construído entre 1973 e 1976: é a única
igreja circular do país, com nove capelas
ao redor da nave central. Em cada uma
delas, são realizadas missas
independentes, e um estudo de acústica
permite que, mesmo sem nenhuma
divisória nos ambientes, o som das
orações não se misture.

Além do roteiro básico de uma visita à


basílica, o turista pode topar com algumas
surpresas. Em dias de celebrações
especiais, é possível topar com povos de
regiões remotas e origem exótica
circulando pelos templos e recantos do
santuário. Um exemplo são os indígenas
da aldeia Oxchuc, nos Chiapas, sul do
México. Com suas roupas coloridas,
forradas por gibeiras de couro, chapéus
rústicos, peles de animais, máscaras,
defumadores, berrantes e apitos, esses
descendentes dos povos maias ; que, em
sua terra natal, nem sequer se deixam
fotografar ; revelaram à curiosidade alheia
o exotismo de seus rituais sagrados. (MM)

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