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IRB, Short Squeeze e Teoria dos Jogos: o Bom e Velho Dilema do Prisioneiro!

Assunto mais comentado nas últimas semanas no mercado financeiro foi o efeito dos
minoritários sobre ações da GameStop (NYSE:GME), nos EUA, que se alastrou para o
mercado da prata e, aqui na nossa bolsa, principalmente para ações do IRB (SA:IRBR3).
Focando no caso brasileiro, grupos online foram criados com milhares de pessoas com
o propósito de se unirem para não vender ações do IRB, a fim de pressionar o papel para
o alto. Mas, o que isso tem a ver com teoria dos jogos? Venha comigo neste artigo!

Primeiramente, é preciso entender a dinâmica do mercado da bolsa. Nela, os preços


sobem ou descem de acordo com, respectivamente, as pressões de compra e venda em
determinado ativo. Quanto mais pessoas querem comprar o ativo, mais ele subirá seu
preço e o inverso, claro, também é verdadeiro. Para comprar uma ação é preciso ter o
dinheiro e adquiri-la. Simples assim. Mas, na pressão vendedora, há algo que muitos
iniciantes desconhecem.

Há dois tipos de vendedores de ações: o primeiro é naturalmente aqueles investidores


que possuem as ações de determinada companhia e desejam vendê-las no mercado (tal
como quando você resolve vender seu carro ou sua casa). Mas, há também aqueles que
vendem ações sem possuí-las (algo que você não pode fazer no mercado automotivo ou
imobiliário). Esse processo é chamado de venda a descoberto. O investidor que vende a
descoberto um papel está apostando na queda do preço do mesmo para comprá-lo no
futuro a um preço menor, obtendo lucro. Imagine que você venda a descoberto uma
ação a R$ 100,00 hoje, assumindo, assim, o que no mercado chamamos de posição
vendida. Amanhã, ela cai para R$ 85,00 e você compra a mesma ação. Note que sua
posição final no papel voltou a ser nula, pois as operações se cancelaram. Entretanto,
você obteve um lucro de R$ 15,00, pois gastou apenas R$ 85,00 para comprar algo
vendido anteriormente a R$ 100,00.

Contudo, há um detalhe importante: para realizar vendas a descoberto, exige-se que


você alugue as ações de quem as possui. Isto serve para dar segurança ao mercado. É
como se você alugasse o meu carro, vendesse-o no mercado com a expectativa de
recomprá-lo no futuro (a um preço mais baixo) para, então, me devolvê-lo. Para alugar
determinada ação informe-se junto à sua corretora de como fazê-lo, bem como a
respeito de valores e prazos de aluguel. Os valores de aluguel pagos dependem
igualmente do mercado e variam diariamente. Quando uma ação está com forte pressão
vendedora, em geral os aluguéis aumentam em quantidade e em valor.

Do lado de quem possui as ações e as aluga (no mercado, chamamos essa pessoa de
doador), seu único interesse é realmente fazer uma renda extra com o dinheiro recebido
pelo aluguel, porém paga-se IR como investimento de renda fixa, ou seja, 22,5% para
aluguéis até 180 dias. Note que eventuais dividendos, juros sobre capital próprio,
bonificações e tudo mais continuam pertencendo ao doador, à exceção do direito à
participação e ao voto em assembleias de acionistas, que passam para a outra parte,
chamada tomador. Além disso, claro, o doador perde o direito de vender as ações
alugadas. Este é repassado para o tomador durante o período de aluguel.
Da parte do tomador, além da taxa de aluguel combinada, ele tem a obrigação de
devolver o papel ao doador (até em contratos flexíveis, que são os de maior liquidez) ou
na data estipulada, podendo nesta ocasião alugar novamente as ações nas condições de
mercado à época. O tomador obriga-se ainda a manter bloqueado em conta margem
um montante (financeiro ou em ativos líquidos) que cubra o risco da operação. Podemos
concluir que o tomador possui apenas dois interesses ao alugar um papel: vendê-lo a
descoberto no mercado para recomprá-lo no futuro (especulando que o papel sofrerá
queda de preço) ou adquirir o direito de voto em eventual assembleia de acionista.

Apesar do segundo motivo ser plausível, ele é raro porque há outras maneiras de se
adquirir o direito a voto e ainda muitas empresas têm o controle assegurado por
acionista majoritário. Podemos assim trabalhar com a hipótese de que quem aluga um
papel (como tomador) possui o objetivo claro de vendê-lo a descoberto e, portanto,
especular contra ele. Para esses investidores, a venda a descoberto (passando
obrigatoriamente pelo seu aluguel) é uma opção atraente e barata. Há ainda a
alternativa via mercado de derivativos, mas nem sempre há liquidez disponível para
grandes posições e nem todos os investidores operam neste mercado por sua maior
complexidade.

Entretanto, como não existe “almoço grátis”, o vendedor a descoberto corre o risco do
papel subir sua cotação e, então, ele realizar perdas que podem ser enormes. Na
verdade, o potencial de perda para o vendedor a descoberto é infinito e é exatamente
por esse motivo que se exige dele uma conta margem com montante capaz de honrar
possíveis perdas. Na medida em que o papel sobe de valor, este investidor é “chamado
na margem”, expressão utilizada para se referir à situação na qual ele está perdendo
dinheiro no mercado. Então, a corretora o chama e exige que aumente o valor
depositado como garantia de segurança em sua conta margem.

Caso um papel esteja sendo muito vendido a descoberto pelo mercado e ele comece a
subir, os investidores vendidos começam a ser chamados na margem, podendo chegar
ao limite no qual a maioria deles não tem como honrar e precisará, então, desfazer suas
posições recomprando o papel (pode acontecer o mesmo com fundos que atingem o
limite da posição de risco estabelecida em suas políticas de investimento). Mas, quando
esses vendedores passam a comprar o papel, isso significa que grande parte da pressão
vendedora passa a ser agora pressão compradora, gerando um enorme desequilíbrio
em prol do buy side. A consequência natural é o book de vendas ser exaurido, gerando
uma acentuada subida de preços por haver muitos compradores obrigados a desfazer
suas posições em um ambiente com escassez de vendedores. Esse movimento é
precisamente o que chamamos de short squeeze.

E o que a teoria dos jogos tem a ver com tudo isso? O dilema dos prisioneiros,
provavelmente o exemplo mais utilizado dessa teoria, apresenta o seguinte problema a
dois investigados pela polícia (Paulo e Pedro) que, por hipótese, realmente cometeram
um crime, mas com provas ainda frágeis onde apenas um pode comprovar
fidedignamente a participação do outro. Caso um deles dê provas e incrimine o outro
sem este denunciá-lo, ele será liberado por acordo de delação premiada e o acusado
será preso por 10 anos. Agora se ambos denunciarem, o acordo cai por haver provas
fortes contra os dois e, pela coparticipação no crime, eles pegam oito anos de cadeia.
Por último, caso nenhum deles incrimine seu colega, por conta de provas muito frágeis,
eles pegam apenas um ano de prisão. Paulo e Pedro, claro, têm acesso um ao outro e
podem combinar a melhor estratégia.

Note que o melhor para ambos é não confessar, pois assim cada um fica apenas um ano
na cadeia, num total de dois anos presos em conjunto. Entretanto, cada um pode pensar
em obter um resultado ainda melhor para si, denunciando o colega na expectativa de
que este não o denunciará, livrando-se assim da cadeia. Mas, da mesma forma, o outro
pode pensar igual e ainda ficar com medo de pegar o pior cenário individual possível: 10
anos de cadeia. O equilíbrio de Nash aponta o cenário onde ambos denunciarão,
pegando 8 anos de cadeia, num cenário absolutamente pior para ambos, pois caso não
denunciassem, pegariam apenas um ano cada.

No caso de uma ação como a do IRB, em que muitos investidores graúdos e fundos
apostavam (ou ainda apostam) na queda, é possível notar que muitos deles utilizavam
de ações alugadas para pressionarem vendas e a queda do preço do papel (outros
atuavam via derivativos). O interessante é que quem dá esta munição para os vendidos
é exatamente quem sai perdendo, ou seja, quem está comprado no papel. Há um claro
paralelo com o dilema do prisioneiro aqui: cada investidor, acreditando que é pequeno
o suficiente e que esta “munição” seja pouca para fazer o papel cair e na ânsia de ganhar
a taxa de aluguel, acaba permitido a venda a descoberto de suas ações por terceiros,
almejando assim o ganho máximo individual. Quando esses investidores se unem via
redes sociais, fazendo um pacto de não alugarem suas ações (e até combinam comprar
mais), caso esse pacto seja honrado, aumentam-se as chances de um short squeeze no
mercado, ou seja, corre-se para o melhor cenário possível para o conjunto de
investidores comprados no papel. Resumindo, somente um acordo fiel faria Paulo e
Pedro não denunciarem um ao outro, atingindo assim a resolução ideal do dilema dos
prisioneiros: foi o que os minoritários fizeram (ou, ao menos, tentaram fazer aqui e lá
fora).

Enfim, a teoria dos jogos é fascinante e nos ajuda a interpretar diversas situações do dia
a dia, tendo aplicações diretas na regulação de mercados, em políticas públicas etc. Ela
analisa, inclusive, situações nas quais os participantes podem se aliar e combinar
estratégias, tal como o que ocorreu com a Gamestop e com o IRB. Por fim, mas não
menos importante, meu intuito aqui foi explicar toda a situação de forma
absolutamente didática, sem absolutamente entrar no mérito da discussão se esse
pacto entre investidores comprados é legal ou indica manipulação de mercado. Deixo
este ponto para a CVM, instituição altamente competente e com tal responsabilidade.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e


especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas

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