Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SÃO PAULO
2008
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
DE HEITOR VILLA-LOBOS:
Dissertação de mestrado
apresentado no Instituto de Artes
da Universidade Estadual Paulista
– UNESP, como exigência para o
título de mestre em música.
SÃO PAULO
2008
3
Banca Examinadora
Dedicatória
À Lucia Faria,
Agradecimentos
muitas pessoas e instituições. Manifesto minha gratidão a todas elas e de modo particular:
Ao meu orientador Prof. Dr. Marcos Pupo Nogueira, pela confiança e pelas pacientes
correções de curso durante todo o processo de confecção deste trabalho, o que certamente o
À Profª. Dra. Valerie Albright e ao Prof. Dr. Vitor Gabriel, pelas valiosas sugestões em
Aos meus amigos que incentivaram e foram “bons ouvidos” durante o período de
confecção deste trabalho: Paulo de Tarso Salles, Gilberto Assis Rosa, Sérgio Molina, Orlando
São Paulo.
portuguesa.
Ao Julio César Lancia pelas revisões das citações traduzidas da língua inglesa.
Resumo
Abstract
SUMÁRIO
Dedicatória
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Sumário
Introdução .................................................................................................... 10
Introdução
“Toda ocasião em que um coral (de louvores) patriótico cantava maravilhas do autor do
‘Descobrimento do Brasil’, glorificando-o como o músico maior das Américas, eu – por meu turno –
sempre exigi que as loas correspondessem à verdade, e o fato é que desde a base das argumentações
dos Novos Compositores Seriais, duvidei. Uma ou outra coisa do Villa chegava-me, mas a
responsabilidade da consciência da História me impedia de dizer amém a mais esta glória nacional,
de cujo cimo esplendia Rui Barbosa, a Águia de Haia, Marechais diversos da terra mar e ar, e quase
uma vintena do Forte, e vocês sabem quanto mais. Assim foi que desde início dos anos sessenta tive
que matar Villa-Lobos. Parricídio ou Regicídio. Para que a verdade que se fizera em mim:
triunfasse.”(Willy Corrêa de Oliveira, 2008)1.
1
Em artigo “Com Villa-Lobos”: O Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 2008 p. 7).
2
Na partitura a palavra “chôros” obedece à ortografia antiga, com acento circunflexo, por este motivo está
acentuação será mantida no texto desta dissertação sempre que tiver como referência esta obra.
11
Choros, de caráter marcadamente nacional. Esses fatos, entre outros, podem ter mergulhado a
última fase do compositor em desconhecimento e a distanciado da crítica especializada.
No entanto, outro fator contribuiu para a falta de divulgação e realização de obras desse
último período villalobiano, como a divergência de opiniões sobre a figura de Villa-Lobos na
cultura nacional. De um lado, havia uma bibliografia impregnada de superlativos e juízos
fantasiosos direcionados a um herói nacional, cuja incompreensão técnica de seu trabalho
impedia uma avaliação objetiva da sua produção musical. Por outro, um natural reflexo da
geração musical posterior, manifestada na epígrafe, com o relato do compositor Willy Corrêa,
para quem a vanguarda brasileira precisou estabelecer a “morte simbólica de Villa-Lobos” por
razões principalmente ideológicas. Eero Tarasti identifica que o estilo tardio de Villa-Lobos,
nos anos 50, “foram criticados com ouvidos da vanguarda européia, serealista e darmatadtiana
– cujos pendores meio ‘totalitários’ só foram notados depois.” (TARASTI, 2006, p. 47). Talvez
essa geração tivesse mais condições de oferecer uma contribuição objetiva para o entendimento
da obra de Villa-Lobos.
Assim, foram popularizadas opiniões sobre Villa-Lobos estranhamente divididas entre
uma “genialidade inspirada” de cunho romântico e autodidata contra a de um compositor
nacionalista, sem formação acadêmica consistente que, às vezes, compunha uma obra-prima,
garimpada de uma quantidade de obras quase inexplicável. Essas duas vertentes tinham em
comum a identificação da “intuição” como explicação para a qualidade desta produção e o
reconhecimento internacional alcançado nesse processo.
Neste sentido, uma bibliografia cercada de mitificação, municiada pela própria
personalidade do compositor, traduz as contradições de um Brasil em busca de identidade. A
primeira biografia escrita sobre Villa-Lobos, pelo jovem Vasco Mariz na década de 40, contava
com a enorme admiração do biógrafo, ampliada pela presença viva do biografado:
Digo que o livro era imaturo porque, com a minha juventude (tinha 25 anos), era difícil
não ceder aos conselhos cautelosos de amigos e colegas interessados no assunto.
Minhas entrevistas com Villa-Lobos causaram-me profunda impressão, tão grande que
achei melhor, por prudência, qualificar os elogios ou até agravar as restrições, a fim de
não parecer dominado pela personalidade gigantesca do biografado. (MARIZ, 1989, p.
7).
12
Essa biografia tornou-se uma fonte inicial relevante para conhecer Villa-Lobos, e,
apesar de ter sofrido algumas modificações em suas reedições, segundo Paulo Renato
Guérios3, a concepção original é mantida nas edições subseqüentes.
Neste hiato temporal, marcado entre a estréia mundial e a estréia brasileira da Fantasia
em três movimentos, outras obras foram escritas sobre Villa-Lobos. Entre elas, uma coleção de
12 volumes sob o título Presença de Villa-Lobos que reúne depoimentos, opiniões e
comentários de pessoas que conviveram com ele ou estudaram sua obra. Alguns autores
brasileiros, em outras publicações, reafirmavam as qualidades contidas no ciclo dos Choros e
nas Bachianas Brasileiras, como Adhemar Nóbrega e José Maria Neves. Outros, como José
Miguel Wisnik, iniciam uma retomada sobre a significação da obra do compositor Villa-Lobos
contextualizada na cultura brasileira, em O coro dos contrários, de 1977, que se detinha, como
foco principal, na música em torno da Semana de 22. Um pouco mais tarde, em 1986, Bruno
Kiefer publicava Villa-Lobos e o modernismo na música brasileira, que, embora trate também
da Semana de 22, realiza uma abordagem analítica mais profunda e permite uma avaliação
histórica mais contextualizada da produção musical de Villa-Lobos e avança sobre a produção
da década de 20.
O prestígio internacional alcançado pela música de Villa-Lobos referendou um
conjunto de estudos sobre ele fora do Brasil. Lisa Peppercorn4, a autora com maior número de
obras catalogadas sobre o compositor, escreveu mais de 25 títulos que tratam de aspectos
bibliográficos e analíticos. Essas publicações variam entre quatro livros – dois deles em língua
inglesa, um em alemão e outro em português - e vários artigos publicados entre 1940 e 1991,
escritos em inglês, alemão, italiano e holandês.
Entretanto, os trabalhos mais importantes publicados fora do Brasil foram: Heitor Villa-
Lobos – the search of Brazil’s musical soul, de Gerard Béhague5, de 1994, e Heitor Villa-
3
Paulo Renato Guérios aborda questões sociológicas em tangência com a biografia de Villa-Lobos em sua
Dissertação de Mestrado realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional
(PPGAS), posteriormente transformada em livro com o título Heitor Villa-Lobos - O caminho sinuoso da
predestinação.
4
Lisa Peppercorn acompanhou a trajetória de Villa-Lobos a partir do final da década de 30, quando era
correspondente musical do The New York Times e Musical America no Rio de Janeiro, onde o conheceu
pessoalmente.
5
Formado como músico pelo Conservatório Nacional de Música na década de 50, pós-graduado na Universidade
de Paris na década de 60 em etnomusicologia, foi responsável pelo verbete “Heitor Villa-Lobos” e mais de 120
verbetes no The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Escreveu uma monografia sobre Villa-Lobos
para participar de um concurso promovido pela OEA em comemoração de 100 anos de nascimento do compositor,
em 1987. O seu trabalho ganhou o primeiro prêmio e foi publicado em 1994 com algumas revisões.
13
Lobos – the life and works, do finlandês Eero Tarasti6, publicado em 1995, livros que se
tornaram referência para qualquer pesquisador cujo assunto seja Villa-Lobos.
Com linguagem analítica profunda e atualizada, quatro trabalhos acadêmicos brasileiros
revisitaram a obra de Villa-Lobos no novo milênio: em 2002, a tese de doutoramento de
Valerie Ann Albright, Aproximações entre duas culturas americanas na linguagem de Ives e
Villa-Lobos; e a tese de doutoramento de Gilmar Roberto Jardim, Bachianas Brasileiras n.° 7:
O estilo Antropofágico de Heitor Villa-Lobos, transformado em livro em 2005; em 2003, a
dissertação de Renata Botti, Aspectos de textura na música de Heitor Villa-Lobos; e em 2005,
a tese de doutoramento de Paulo de Tarso Salles, Processos composicionais de Villa-Lobos:
um guia teórico.
Outras pesquisas somam-se a essas importantes contribuições citadas acima, mas, ainda
assim, não há uma abordagem analítica minuciosa sobre o último período da produção de
Villa-Lobos. Esta última fase do compositor brasileiro não tem despertado grande interesse de
pesquisadores, que concentram suas investigações em obras consideradas mais significativas
na trajetória do compositor.
Neste sentido, este trabalho propõe uma visita aos últimos 14 anos da produção musical
de Villa-Lobos, ao realizar uma análise da Fantasia em três movimentos em forma de chôros.
Essa obra representa a intersecção de fatores que caracterizam esse período, ou seja, a
ampliação geográfica de sua atuação para os Estados Unidos, e foi comissionada por uma
entidade norte-americana e composta em 1958. Neste sentido, a proposição para esta análise é
avaliar se há alguma transformação estilística como conseqüência desta ampliação geográfica,
conforme sugere Lisa Peppercorn, com referência aos Estados Unidos. Ela supõe, como uma
hipótese, que as inúmeras encomendas recebidas por Villa-Lobos durante este período tenham
condicionado seu processo criativo a compor “inspirado” nos Estados Unidos, recorrendo a
formas tradicionais, em decorrência do conservadorismo das orquestras e dos empresários
norte-americanos. Seguem-se duas afirmações de Peppercorn sobre esse momento final
villalobiano, “[...] depois da primeira visita aos Estados Unidos, a sua tendência era cada vez
mais a de voltar às formas tradicionais às quais acabou retornando totalmente.”
(PEPPERCORN, 2000, p.136) e “A operação parece não ter afetado em nada a sua carreira
6
Musicólogo e semiólogo finlandês, veio ao Brasil interessado em Lévi-Strauss e os índios do Brasil em 1976, e
acabou por várias razões se envolvendo com a música de Villa-Lobos e escreveu um livro sobre a vida e a obra do
compositor brasileiro, considerado um dos mais livros completos sobre o assunto.
14
como regente – mas seus efeitos podem ser percebidos nas obras que compôs nos seus últimos
anos de vida: a maioria, embora não todas, testemunham um declínio da sua capacidade
criativa.” (Ibidem, idem, p. 143).
Essa avaliação de Peppercorn é questionada por Maria de Fátima Granja Tacuchian7,
que considera problemático estabelecer uma relação direta sem uma reflexão mais aprofundada
sobre as obras deste último período (TACUCHIAN, 1998a, p. 175-176).
A partir dessas considerações estrutura-se este trabalho em três capítulos. O primeiro
capítulo procura definir a última fase produtiva de Villa-Lobos, fundamentado em quatro
pesquisadores com obras importantes sobre o compositor: Lisa Peppercorn, autora que possui o
maior número de publicações sobre Villa-Lobos, sejam artigos, sejam livros, e cuja abordagem
é mais biográfica, embora faça alguns comentários analíticos sobre algumas obras; Gérard
Béhague, autor do livro Heitor Villa-Lobos: The Search for Brazil's Musical Soul, responsável
pelo verbete “Heitor Villa-Lobos” e mais de 120 verbetes no The New Grove Dictionary of
Music and Musicians, como coordenador dos verbetes sobre a América Latina; Paulo de Tarso
Salles, que escreveu sua tese de doutoramento, pelo Instituto de Artes da UNICAMP, intitulada
Processos composicionais de Villa-Lobos: um guia Teórico, cuja investigação analítica dos
procedimentos composicionais do compositor brasileiro permite um olhar mais profundo sobre
a produção musical e suas transformações estilísticas; com complemento a esses três autores
consideram-se alguns questionamentos sobre datações de algumas obras, realizados por
Guérios em seu livro Heitor Villa-Lobos: O caminho sinuoso da predestinação.
A partir da definição do último período, procede-se a um esclarecimento quanto à
aproximação e a ampliação das atividades musicais de Villa-Lobos relacionadas aos Estados
Unidos, com apoio, principalmente, dos trabalhos de Lisa Peppercorn e Maria de Fátima
Granja Tacuchian. E, por fim, passa-se a relacionar a produção musical desse período, com
enfoque nas obras comissionadas. Finalizando este capítulo, aborda-se o grupo que
encomendou a Fantasia em três movimentos, a “American Wind Symphony Orchestra”.
No segundo capítulo, é investigada a utilização de nomes como “fantasia” e “forma de
chôros”, para avaliar qual a proposição formal realizada por Villa-Lobos ao usar tais termos.
Para o termo “fantasia” é realizada uma digressão histórica desde suas primeiras ocorrências
7
Autora de Panamericanismo, propaganda e música erudita: Estados Unidos e Brasil (1939-1948), tese de
doutoramento apresentada no Departamento de História da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas de
Universidade de São Paulo.
15
nos últimos anos, que, por sua vez, formam um corpo teórico importante para a sua
compreensão.
17
Primeiro Capítulo
(PEPPERCORN, 1992, p. 16). Dessa maneira, tais obras acabaram mascaradas com datas
anteriores ao momento estilístico no qual foram compostas.
Mesmo diante de algumas imprecisões como essas, ainda assim será útil neste estudo
definir o último período da produção de Villa-Lobos, buscando contextualizar o presente
objeto dessa pesquisa, isto é, a Fantasia em três movimentos em forma de chôros, escrita em
1958. É óbvio que, como uma obra comissionada nos últimos anos de vida, não há qualquer
possibilidade de antecipação em sua data. Assim, para determinar os interesses musicais do
compositor brasileiro nesta fase, propõe-se a delimitação deste último momento villalobiano,
com uma breve contextualização histórica e a análise da Fantasia em três movimentos. Leva-se
em conta também que o último período da produção musical de Villa-Lobos não tem tido
grande interesse da comunidade musical, por considerar que sua contribuição mais
significativa está concentrada em obras de fases anteriores.
A definição deste último período fundamenta-se na reflexão comparativa de pesquisas
realizadas por quatro estudiosos da obra de Villa-Lobos: Lisa Peppercorn, Gérard Béhague,
Paulo de Tarso Salles e, por fim, consideram-se alguns fatos abordados por Paulo Renato
Guérios, como uma proposição para reavaliação das datas de algumas obras na trajetória
produtiva do compositor brasileiro.
Lisa Peppercorn acompanhou a trajetória de Villa-Lobos a partir do final da década de
30, quando era correspondente do jornal The New York Times no Rio de Janeiro, onde o
conheceu pessoalmente. Escreveu vários artigos e estudos sobre o compositor brasileiro, em
um do quais, publicado em 1979 com o título “The Fifteen-Year Periods in Villa-Lobos’s life”,
ela sugeriu uma divisão em ciclos de quinze anos na vida do compositor brasileiro, e os
organizou em quatro fases delimitadas por diferenças causadas, principalmente, por
acontecimentos externos. A primeira fase dessa seqüência cíclica ordenada por ela começa em
1900, quando o compositor tinha 13 anos, e segue até 1915. É um período marcado pela
formação e escolhas profissionais de Villa-Lobos. Na segunda etapa, de 1915 a 1930,
considera seu mais importante período criativo. De 1930 a 1945, Peppercorn estabelece como
terceira fase, quando Villa-Lobos se fixou no Brasil, fazendo viagens curtas, ligadas ao sistema
educacional que idealizara junto ao governo de Getúlio Vargas, e escrevendo as Bachianas
Brasileiras. Finalmente, a autora considera os anos de 1945 a 1959 como a quarta fase, período
em que Villa-Lobos entra definitivamente no mundo musical norte-americano e divide suas
19
atividades entre Brasil, Europa e Estados Unidos. Neste período, Peppercorn enfatiza o
tratamento recebido por Villa-Lobos nos Estados Unidos, onde foi homenageado em várias
oportunidades e tratado como uma verdadeira celebridade do mundo da música, e considerado
como um dos mais importantes compositores das Américas. Tal prestígio refletiu-se em
inúmeras obras comissionadas durante este período, o que se tornou, sem dúvida, um
diferencial claro desta fase (PEPPERCORN, 1992, p. 69-88). Gérard Béhague parte de uma
análise mais geral da produção villalobiana, separa em três fases com uma ordenação distinta
de Peppercorn. Ele denomina o primeiro período criativo até 1922, como definição estilística.
A seguir, os anos 20, a fase das experimentações e, por fim, dos anos 30 aos 50, como uma
continuação, embora com menor ênfase na de renovação de sua linguagem (BÉHAGUE, 1994,
p. 104). Paulo de Tarso Salles, partindo de um trabalho de cunho analítico direcionado aos
processos composicionais de Villa-Lobos, propõe a seguinte reflexão cronológica: de 1900 a
1917 – a adoção de modelos franceses e wagnerianos com o compositor estabelecido no Brasil;
de 1917 a 1929 – a transição para formas e estruturas mais livres em ambiente musical
parisiense; de 1930 a 1948 – o retorno ao Brasil em plena revolução varguista como símbolo
da cultura brasileira; e o seu último período criativo, de 1948 a 1959, marcado pelo diagnóstico
de sua doença, obras comissionadas, principalmente por instituições norte-americanas, e o
trânsito entre Brasil-EUA-Europa (SALLES, 2005a, p. 15).
Observam-se nestes três pesquisadores algumas divergências na proposição das fases
produtivas do compositor brasileiro. Eles possivelmente partiram de catálogos oferecidos pelo
Museu Villa-Lobos, com uma fonte comum, uma variedade de fontes bibliográficas e reflexões
pessoais de seus trabalhos. A comparação entre os resultados obtidos por esses estudiosos
mostra uma proximidade entre Peppercorn e Salles, com pequenas diferenças de 2 ou 3 anos
em cada período, e também na divisão em quatro fases distintas. Béhague já propõe três
períodos, sendo o primeiro e o último período mais longos, e trata de maneira indiferenciada
algumas mudanças.
A visão de Salles oferece uma divisão mais próxima das mudanças objetivas
empreendidas na produção musical e na estrutura das obras do compositor brasileiro, exceto as
considerações dirigidas à última fase, quando aponta um fato externo como determinante para
o período em questão, o diagnóstico da doença em 1948, a seu ver, uma sentença sombria que
afetaria a produção posterior de Villa-Lobos. Assim, para definir este último período, propõe-
20
se uma aproximação com a última fase descrita por Lisa Peppercorn, isto é, a partir de 1945,
pouco tempo depois de sua primeira viagem aos EUA, e após o ciclo das Bachianas
Brasileiras, que terá como marco inicial a realização de suas primeiras encomendas para
instituições norte-americanas.
Contudo, a trajetória de Villa-Lobos nos propõe outros questionamentos, em 19 de
setembro de 1922, José Rodrigues Barbosa escreveu um artigo para o jornal O Estado de São
Paulo, com o título “Um século de música brasileira” (CASTAGNA, 2007, p. 106-109). Neste
texto, no verbete “Heitor Villa-Lobos” consta, além de uma curta biografia do compositor, um
catálogo com as obras compostas até aquela data, porém com a ausência de obras como
Uirapuru, Amazonas, Trio para oboé, clarineta e fagote, entre outras. Segundo o catálogo do
Museu Villa-Lobos de 1989, essas três obras foram datadas como antes de 1922. Com uma
semelhante organização das obras do referido verbete, Paulo Renato Guérios cita um catálogo
de 1923, no verso de um programa de concerto realizado em São Paulo em 21 de abril, antes da
primeira viagem a Paris e supostamente feito pelo próprio Villa-Lobos.
O poema sinfônico Tédio de Alvorada (1916) com estréia em 1918, por exemplo, foi
transformado em Uirapuru (datada por Villa-Lobos como 1917), com estréia realizada
somente em 1935. Em uma análise realizada por Salles são comparadas as duas partituras. As
conclusões desta análise apontam para um contato de Villa-Lobos com a obra de Igor
Stravinsky, principalmente O pássaro de Fogo e A Sagração da Primavera, somado às
influências de juventude como Wagner, Franck, D’Indy, entre outros, e a politonalidade
presente em Darius Milhaud. Finaliza Salles dizendo “que as ampliações da orquestração
revelam uma sofisticação da técnica de Villa-Lobos, não apenas com relação ao colorido, mas
em relação ao delineamento mais equilibrado da massa orquestral.” (SALLES, 2005b, p. 2-9).
21
nacional e universal, é uma simplificação para as várias questões presentes na obra de Villa-
Lobos (BÉHAGUE, 1994, p. 44).
Assim, a partir da reflexão e considerações sobre todos estes fatos toma-se como base
de ordenação cronológica a proposta de Lisa Peppercorn, na qual se delimita esta última fase
criativa de Villa-Lobos de 1945, após o ciclo das Bachianas Brasileiras, até sua morte em
novembro de 1959. O trânsito entre EUA-Europa-América do Sul durante este período marca a
ampliação das atividades musicais do compositor brasileiro para os Estados Unidos, lugar onde
recebeu grande reconhecimento e atuou como compositor e regente. O final da Segunda
Grande Guerra também favoreceu esse trânsito intercontinental. No entanto, as obras
comissionadas, principalmente por entidades culturais e grupos orquestrais norte-americanos,
impõem-se como ponto de referência importante na produção musical deste período.
A primeira viagem de Villa-Lobos aos Estados Unidos abre uma página sobre as
relações entre os países do continente americano, destacadamente Brasil e EUA, durante a
Segunda Guerra Mundial. Para compreensão deste período, proceder-se-á a uma pequena
digressão histórica e política para se definir Panamericanismo e, posteriormente, a “Política de
Boa Vizinhança” estabelecida pelos Estados Unidos junto aos demais países do continente
americano.
O Panamericanismo surgiu no século XIX como manifestação premente da integração
dos países americanos. Com objetivos de união e cooperação, em 1826, Simon Bolívar
defendeu tais idéias no I Congresso Internacional realizado na então província colombiana do
Panamá. Em seu início as propostas tinham em vista os países hispano-americanos e tinham o
apoio da Grã-Bretanha e não dos Estados Unidos, que por sua vez disputavam território com o
México. O México passou, então, por volta de 1830, a pressionar os países latino-americanos a
se organizarem contra a posição imperialista de seu vizinho. Entretanto, a idéia de um
continente amplamente integrado já estava presente na Doutrina Monroe nos Estados Unidos
em dezembro de 1823. Tal doutrina declarava repúdio aos movimentos neo-colonialistas de
23
países europeus contra nações americanas. Assim, vê-se claramente que, enquanto havia um
repúdio ao imperialismo norte-americano, esse mesmo país assumia um estratégico
paternalismo, colocando-se como protetor do hemisfério (TACUCHIAN, 1998a, p.7).
Oficialmente, a idéia do Panamericanismo foi apresentada em 1889 na Conferência
Panamericana em Washington, à qual compareceram dezessete países. A intenção era
fortalecer as relações dos EUA com os vizinhos do sul, tentando superar conflitos, com
objetivos comerciais. Deste encontro foi criado o Escritório Internacional das Repúblicas
Americanas, que em 1910 se tornou a Pan American Union (PAU), sediada em Washington.
Mais tarde, em 1948, foi dissolvida e transformada em Organização dos Estados Americanos
(OEA), que serviu como um reforço da liderança dos Estados Unidos no continente (Ibidem,
idem, p.7).
A partir de 1933, a “política de boa vizinhança” foi estabelecida pelo presidente
Franklin Delano Roosevelt, que iniciou nova estratégia política com os países americanos,
motivado pelos efeitos da crise econômica de 1929, como o elevado índice de desemprego e a
queda nas exportações de mais de 60% para países do continente americano (ADAMS, 1979,
p.292). Tornou-se célebre a afirmação de Roosevelt sobre a necessidade de os Estados Unidos
exercerem o papel de "bons vizinhos" em relação aos demais países, o que já deixava claro em
seu discurso de posse em 4 de março de 1933: "No campo da política mundial, eu dedicarei
esta nação à política da boa vizinhança, uma vizinhança que resulte do respeito mútuo e,
devido a isso, respeite o direito dos outros, uma vizinhança que respeite suas obrigações e
respeite a santidade dos seus acordos para com todos os seus vizinhos do mundo inteiro”
(DUROSELLE, 2001, p. 256). Assim a idéia do Panamericanismo é retomada.
A ascensão de ditaduras na Europa, no final da década de 20, evidencia o fascismo na
Itália e o crescimento do nacional-socialismo na Alemanha. Em 1933, a chegada de Adolf
Hitler ao poder na Alemanha aponta para um futuro sombrio para a humanidade. A América do
Sul, na década de 30, recebia imigrantes alemães e italianos, e o Brasil, por sua vez, mantinha
relações comerciais com a Alemanha. O Brasil vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas após a
revolução de 1930. Todos estes fatos somados formavam um contexto ameaçador aos norte-
americanos quando estourou a Segunda Guerra, o que deflagrou uma política de aproximação
mais agressiva direcionada aos países sul-americanos e mais diretamente ao Brasil (MOURA,
1984, p. 37).
24
10
Ross foi regente da Schola Cantorum de Nova York e amigo próximo de Villa-Lobos. Eles se encontraram pela
primeira vez em Paris no final dos anos 20. Sempre este próximo de Villa-Lobos no período em que esteve nos
Estados Unidos, sendo também um dos responsáveis pela encomenda da ópera “Yerma”.
26
fisicamente aos concertos, Villa-Lobos ouviu-os pelo rádio e seu julgamento a respeito da
execução foi curioso; disse a Armando Vidal Ribeiro que desejava uma regência “menos reta,
mais curva” (RIBEIRO, 1965, p. 23).
Esses concertos contaram com a presença da soprano brasileira Elsie Houston (1902-
1943), interprete e divulgadora da música brasileira, considerada pelo próprio Villa-Lobos
como uma das maiores intérpretes de sua música. Houston participou deste evento cantando
canções populares e temas de macumba. Ela viveu nos Estados Unidos de 1937 até sua morte,
em 1943, e chegou a ter um programa de rádio sobre música brasileira na NBC, embora não
haja documentação, Houston deve ter divulgado a música de Villa-Lobos em seus programas,
considerando-se que as obras do compositor brasileiro quase sempre estiveram incluídas nos
seus recitais11.
11
Artigo em jornal e data não identificados, sob o título “Elsie Houston na hora brasileira da NBC todas as sextas-
feiras a partir do dia 15 de maio”. (BERTEVELLI, 2000, p. 75)
12
Louis Charles Seeger (1886-1979), musicólogo e professor norte-americano nascido no México, concentrou-se
na etnomusicologia em geral e em sua teoria, tendo exercido influência como escritor altamente prescritivo e
27
Contudo, a proposta inicial de levar Villa-Lobos como educador mudou, porque ele se
recusou a atrelar sua carreira somente ao seu projeto de educação. Além disso, John Beattie,
educador enviado ao Brasil para fazer o convite formalmente a Villa-Lobos, mostrou-se
decepcionado com os métodos de ensino do compositor brasileiro. Com parecer semelhante de
Lincoln Kirstein, diretor do American Ballet Caravan, em turnê pela América do Sul, Seeger
suspende o projeto inicial de convidar Villa-Lobos como educador (TACUCHIAN, 1998b, p.
244-245). Começa, então, um período de negociações para apresentá-lo, conforme
manifestação de seu desejo, como compositor e artista.
As negociações duraram meses e foram realizadas por cartas entre o diretor da Pan
American Union (PAU), Charles Seeger, e Heitor Villa-Lobos13. Assim o convite foi
formalizado em 18 de abril de 1944 com um contrato com a Jassen Symphony Orchestra de
Los Angeles. Nessas negociações, Villa-Lobos condicionou seu convite à participação em
outros concertos em grandes centros musicais norte-americanos, como Nova York, Chicago,
Boston e Filadélfia. Seeger uniu esforços e montou uma programação com o envolvimento de
orquestras norte-americanas e visitas a diversas cidades14.
Finalmente, a conjugação de todos estes fatores levou Villa-Lobos para os Estados
Unidos no final de 1944. Em 26 de novembro, do mesmo ano, Villa-Lobos dirigiu um
programa integralmente de obras orquestrais suas com a Jassen Symphony Orchestra em Los
filosófico. Exerceu atividades na organização e desenvolvimento dos Composers Colectives, e trabalhou como
crítico de música para vários jornais e periódicos.
13
Este conjunto de cartas encontra-se na Columbus Memorial Library da OEA, Washington DC, abrangendo
correspondência entre Seeger e Villa-Lobos, Seeger e Departamento de Estado, com empresários norte-
americanos e instituições musicais no período de 15/08/43 a 15/03/45. Cópias destas correspondências encontram-
se no volume 2 da tese de doutorado de Maria de Fátima Granja Tacuchian: Panamericanismo, propaganda e
música erudita: Estados Unidos e Brasil (1939-1948), Universidade de São Paulo, 1998, 2v.
14
idem, Carta de Villa-Lobos a Seeger, 18/08/44 na mesma coleção.
28
Angeles. O evento foi patrocinado por um grupo de instituições do qual faziam parte: Southern
California Council of Inter-American Affairs, Motion Pictures Society for the Americas (seção
de música) e Occidental College, instituições que representavam diferentes segmentos da
comunidade, abrangendo setores oficiais, a indústria cinematográfica e orgãos educacionais.
Em uma cerimônia de gala, alguns dias antes do primeiro concerto, o compositor foi
homenageado pelo Occidental College com o título honorário de Doctorate in Law. Durante
algumas semanas seguiu-se programação semelhante em outras cidades, como Nova York,
Chicago, Boston e Filadélfia (Ibidem, idem, p. 244).
Peppercorn comentou a volta de Villa-Lobos dos Estados Unidos da seguinte maneira:
Villa-Lobos voltou para o Brasil satisfeito com a recepção que teve nos
Estados Unidos. O caráter direto e franco do povo americano e o seu alto nível cultural
o haviam deixado surpreso e emocionado, e o grande interesse de pessoas de todas as
idades por música – e isto incluía a música moderna – sensibilizou-o profundamente.
Ele percebeu como seus preconceitos haviam sido infundados: fora recebido com uma
disposição e simpatia com as quais jamais sonhara. Não demorou muito e ele começou,
talvez por intuição, talvez intencionalmente, a compor inspirado nos Estados Unidos.
(PEPPERCORN, 2000, p. 135).
A sugestão romântica utilizada por Peppercorn, quando diz que Villa-Lobos começou
“a compor inspirado nos Estados Unidos”, poderia supor um aprofundamento na cultura
musical norte-americana por parte de Villa-Lobos. Mas aqui, ela atribui a essa fase do
compositor brasileiro, a partir da primeira visita aos Estados Unidos, uma tendência crescente
de se “voltar às formas musicais tradicionais às quais acabou voltando totalmente”
(PEPPERCORN, 1998, p. 136). As hipóteses levantadas por ela para a escolha de tal caminho
por Villa-Lobos incluem: a de procurar descobrir que tipo de música que teria mais
probabilidade de sucesso em seus variados estilos de composição; o conservadorismo das
orquestras e dos empresários norte-americanos ter estimulado, através das inúmeras
encomendas, a utilização de formas tradicionais neste período; ou a busca de um
distanciamento do nacionalismo do período anterior. A interpretação firmada por Peppercorn
de que Villa-Lobos tenha se voltado totalmente para as formas tradicionais, em seu último
período, está fundamentada no fato de a produção musical desta fase ser representada, em sua
maior parte, por sinfonias, concertos, poemas sinfônicos, quartetos de cordas e óperas. Essa
premissa é, entretanto, questionada por Maria de Fátima Granja Tacuchian, que considera
problemático estabelecer uma relação direta sem uma reflexão mais profunda sobre as obras
29
produzidas neste último período; todavia não nega que Villa-Lobos tenha sido um artista
envolvido com o contexto que o cercava (Tacuchian, 1998a: 175-176).
De fato, a quantidade de obras comissionadas desse período é diferencial na trajetória
de Villa-Lobos e o maior número dessas encomendas veio dos Estados Unidos, mas para
determinar um estilo formal tradicional nas composições deste período é necessário examinar
essa produção comissionada.
15
Esta obra foi composta em um período de 20 dias e sem piano, conforme Jorge Dodsworth Martins em
Presença de Villa-Lobos (MARTINS, 1969, p. 111).
30
Magdalena tem sido uma das obras mais controvertidas do autor, pois para avaliá-la
não há consenso, seja na recepção do público e da imprensa especializada, na época de
sua encenação ou na forma como tem sido mencionada em trabalhos teórico-analíticos,
incluindo-se aqui as diferentes classificações que recebeu, como ‘opereta’, ‘ópera
ligeira’, ‘comédia musical’ ou ‘aventura musical’. (TACUCHIAN, 1998a, p. 177).
16
Carta de Hugh Ross para Peppercorn, Nova York, 16 de outubro de 1973 (PEPPERCORN, 1992, p. 94).
31
17
Estas informações foram obtidas do catálogo de 1989, editado pelo Museu Villa-Lobos.
18
Embora não conste como obra encomendada no catálogo de 1989, segundo Peppercorn, foi encomendada por
Edwin Lester (PEPPERCORN, 1992, p. 198).
32
Ao examinar este quadro, percebe-se realmente uma grande quantidade de obras com a
utilização de formas instrumentais originárias do período clássico, no entanto associar o
emprego de seus títulos à utilização de formas tradicionais, como propõe Peppercorn, implica o
risco de estabelecer um juízo equivocado, se não forem investigadas as aplicações estruturais
realizadas nessas composições. A hipótese, sugerida por ela, de que o conservadorismo das
orquestras e agentes norte-americanos tivesse estimulado a produção de formas tradicionais
nesse período é enfraquecida , ao se observar a quantidade de obras com essas características
entre as obras comissionadas por eles (todas as obras em vermelho no quadro). Entre as cinco
sinfonias escritas neste período, apenas a Sinfonia n.° 11 foi comissionada por norte-
americanos, ele escreveu 12 sinfonias em toda sua obra. Os cinco poemas sinfônicos foram
comissionados por entidades norte-americanas, no entanto, possuem estruturas mais ou menos
livres. O The Emperor Jones, considerado como poema sinfônico no catálogo de 1989, foi
escrito para ballet, com partes vocais para contralto e barítono solistas. Os concertos para piano
e orquestra números 1, 3, 4 e 5 foram encomendados, mas nenhum por norte-americanos.
Outras encomendas feitas por norte-americanos foram uma obra para cinema, a Floresta do
Amazonas, e o musical Magdalena, que possuem roteiros preestabelecidos. O trio para violino,
viola e violoncelo, a primeira obra comissionada neste período, necessitaria ser analisado, mas
não faz parte da tradição camerística clássica. Os nove quartetos de cordas foram iniciativas
musicais de Villa-Lobos, nenhum foi encomendado, tendo sido escritos 17 no total. O
Magnificat Alleluia foi encomendado pela Associação Italiana de Santa Cecília para o
suplemento musical “Lourdiano”, ofertado ao Papa Pio XII. Seguem-se outros títulos com
denominações características de períodos pré-clássicos como as suítes para orquestra de
câmara, o concerto grosso e, por fim, uma grande quantidade de fantasias escritas por Villa-
Lobos nesse período, somando-se cinco: a Fantasia para saxofone, a Fantasia para violoncelo,
a Fantasia Concertante para trio, a Fantasia Concertante para orquestra de violoncelos e a
Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Entre elas duas foram comissionadas por
norte-americanos. Em 1953, a Fantasia Concertante para piano, clarinete e fagote,
encomendada pelo pianista norte-americano Eugene Liszt, e, m 1958, a Fantasia em três
movimentos em forma de chôros, comissionada pela American Wind Symphony Orchestra.
O número de obras comissionadas por norte-americanos, com títulos que poderiam
significar a utilização de formas clássicas, é insuficiente para justificar tal generalização feita
36
O convite recebido por Villa-Lobos para escrever para a American Wind Simphony
Orchestra ocorreu em um momento importante de transformação desta espécie de conjunto
instrumental. Em meados do século XX, nos Estados Unidos era realizada uma ampla discussão
sobre bandas de sopros pela College Band Directors National Association (CBDNA), tendo como
assuntos principais, repertório, padronizações instrumentais para sopros e percussão e formação
de regentes. A forte tradição de bandas de sopros nos Estados Unidos desencadeou a formação de
um grande número delas, e havia vários tipos de bandas espalhadas por todo o país, desde bandas
militares, bandas de estudantes (High School Bands), até as bandas profissionais de concerto.
A partir dessas discussões nasceu a American Wind Symphony Orchestra (AWSO). A
concepção e criação da AWSO foi responsabilidade de Robert Austin Boudreau, no ano de 1957.
No início de suas atividades, como Wind Symphony Boudreau, foram selecionados músicos de
universidades de música e conservatórios de vários Estados norte-americanos e, mais tarde,
também músicos de outros países.
Tal concepção para a formação de uma orquestra de sopros propunha uma instrumentação
distinta dos grupos de sopros já existentes, que mantinham um padrão instrumental aproximado
37
nos vários tipos de bandas em atividade. Boudreau dobrou a seção de madeiras das orquestras
sinfônicas e enriqueceu o naipe de percussão, sem saxofones ou eufônios muito utilizados nas
bandas de sopros. A instrumentação original consistia de: 6 flautas, 2 piccolos, 6 oboés, 2 corne
ingês, 6 clarinetas, 2 clarinetas baixo, 6 fagotes, 2 contrafagotes, 6 trompas, 6 trompetes, 6
trombones, 2 tubas, percussão, harpa, piano e contrabaixo (único representante da família das
cordas).
No entanto, um dos principais problemas enfrentados por Boudreau foi repertório. Assim,
colocou em prática um projeto para construção de um repertório original para seu conjunto de
sopros. Boudreau convidou e incentivou importantes compositores dos Estados Unidos e do
mundo, especialmente compositores da Europa, América do Sul e América Central, para
escreverem para a AWSO. Esse projeto, nos Estados Unidos, nasceu não somente da necessidade
específica de ampliação da literatura para um grupo de sopros, mas também da busca de qualidade
artística neste segmento musical, que possuía em seu repertório com muitas obras transcritas de
peças orquestrais e obras de entretenimento ligadas às suas heranças cívicas, destinadas a vários
outros tipos de agrupamento de sopros.
Algumas obras importantes haviam sido escritas antes da existência da AWSO, que
funcionaram como modelos para busca de qualidade e utilização de recursos específicos e
modernos para instrumentos de sopros. Igor Stravinsky escrevera a Sinfonia para sopros, em
1920, e o Concerto para piano e instrumentos de sopros, em 1923-24. Edgar Varèse criou peças
revolucionárias para madeiras, metais e percussão, Octandre e Hiperprism, em 1923, Intégrales,
em 1925, e somente para percussão Ionisation, em 1931. Arnold Schoenberg, respondendo à
sugestão de seu editor Carl Engel, compôs para banda de sopros completa o Tema com variações,
op. 43a19, em 1943. Entre várias peças para sopros, Paul Hindemith escreve em 1951 a Sinfonia
em Sib. E em 1955-56, Oliver Messiaen compõe Oiseaux Exotiques.
Cada uma dessas obras possui uma instrumentação diferente, com distintas preocupações
artísticas relativas à utilização dos instrumentos de sopros; somente Schoenbrg e Hindemith
seguem um padrão instrumental aproximado de bandas de concerto, enquanto as outras peças
apresentam concepções independentes. Neste sentido, a Eastman Wind Ensemble, criada por
Frederick Fennell, em 1952, introduz uma concepção flexível de instrumentação e repertório para
19
Schoenberg escreveu uma versão para orquestra, op. 43b, a pedido de Serge Koussevitzky, cuja estréia aconteceu
antes da versão para banda, realizada somente em 1946 pela Goldman Band, regida por Richard Franko Goldman, no
Central Park em Nova York.
38
grupo de sopros. Tal concepção permite a realização de uma variedade de obras com diferentes
formações sem prender-se a uma padronização de instrumentação específica. Como conseqüência,
amplia-se consideravelmente seu repertório, tornando-o ao mesmo tempo eclético e dinâmico,
possibilitando ao público ouvir peças novas, com as quais não estava familiarizado, juntamente
com obras do repertório tradicional, “O primeiro concerto da Eastman Wind Ensemble foi um
exemplo perfeito de sua implementação desta formula: Mozart – Serenade n.° 10 em Sib, K. 370a;
Riegger – Noneto para Metais, e Hindemith – Sinfonia em Sib.” (BATTISTI, 2002, p.58)20. Esta
concepção introduzida por Fennell estava presente nas idéias iniciais para formação da AWSO por
Boudreau, porém sua instrumentação era distinta.
Neste primeiro período de obras comissionadas para a AWSO, encontram-se duas peças de
Villa-Lobos, a Fantasia em três movimentos em forma de chôros, que obteve sua primeira
performance em 29 de junho de 1958, em Pittisburgh, e o Concerto Grosso para flauta, oboé,
clarineta, fagote e orquestra de sopros, apresentado pela primeira vez em 5 de julho de 1959, na
mesma cidade. Essas obras foram comissionadas por Mrs. S. J. Anathan. Durante um período de
mais de 40 anos, entre 1957 e 2002, as obras encomendadas pela AWSO ultrapassaram o número
de 400, das quais aproximadamente 150 foram editadas pela C. F. Peters Corporation. Outros
grupos tiveram iniciativas semelhantes, porém com menor intensidade. Hoje, o repertório para
orquestra de sopros conta com obras de compositores como: Vincent Persichetti, Karel Husa, Igor
Stravinsky, Arnold Schoenberg, Paul Hindemith, Edgar Varèse, Oliver Messian, K. Penderecki,
Heitor Villa-Lobos, Percy Grainer, Gordon Jacob, William Schuman, Walter Piston, Samuel
Barber, Aaron Copland, Alfred Reed, Morton Gould, Robert Russel Bennett, Norman Dello Joio,
David Maslanka entre outros (BATTISTI, 2002, p. 53-64).
No Brasil, a criação da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo em 1989, iniciativa do
maestro Roberto Farias, permitiu também uma considerável ampliação do repertório brasileiro
para esta formação instrumental, por meio de um projeto semelhante de obras comissionadas, além
da realização de obras importantes para sopros da literatura já existente. A Banda Sinfônica foi
responsável por mais de 70 obras comissionadas até 2008. Além disso, este grupo foi responsável
pela estréia brasileira da Fantasia em três movimentos, de Villa-Lobos, em 13 de outubro de 1992,
sob a regência do maestro Graham Griffiths, como regente convidado, em um concerto
20
“The first concert of the Eastman Wind Ensemble was a perfect example of this formula: Mozart – Serenade n.°
10 in B-flat, K. 370a; Rigger – Nonet for Brass, and Hindemith - Symphony in B-flat.
39
comemorativo dos 500 anos do descobrimento da América. Mais tarde, em 2005, a Fantasia foi
incluída no CD Fantasia Amazônica, deste mesmo grupo sinfônico, sob a regência do maestro
Abel Rocha.
No entanto, o padrão instrumental estabelecido para a Banda Sinfônica do Estado de São
Paulo foi o padrão das bandas de concerto, tendo Villa-Lobos escrito para a AWSO completa, isso
trouxe dificuldades para realização de obra mesmo com a padronização de uma banda de
concertos. Desta forma, foi necessário realizar algumas adaptações na instrumentação para
execução da Fantasia em três movimentos de Villa-Lobos21. No quadro abaixo é possível
comparar a adaptação da instrumentação original da AWSO com a instrumentação utilizada pela
Banda Sinfônica do Estado de São Paulo na gravação realizada em 2005.
21
Conforme informações constatadas no arquivo da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.
40
A gravação dessa obra realizada pela Banda Sinfônica do Estado de São Paulo consta
como anexo deste trabalho nas faixas 1, 2 e 3 do CD “Fantasia Amazônica”.
41
Segundo Capítulo
procedimento composicional livre com recursos musicais bastante diversificados. No The New
Grove’s Dictionary of Music and Musicians encontra-se a seguinte definição inicial para o
verbete “fantasia”:
Esta licença subjetiva presente na “fantasia”, conforme texto acima, parece dar ao
compositor uma liberdade de proceder em seu material musical completamente desprovido de
uma estrutura conhecida, para compor, quase como um programa imaginário, uma retórica
pessoal aliada à prática de seu tempo. Contudo, ao observar as transformações sofridas pela
“fantasia” durante seu percurso histórico, como um gênero musical, percebe-se que sua
aparente flexibilidade formal traz consigo vários recursos que caracterizam elementos
essencialmente musicais para a prática da música instrumental. Tais elementos, condizentes
com a música polifônica da renascença, foram: a imitação – como característica do
contraponto imitativo e, em alguns casos, com proximidade ao ricercare monotemático e
conseqüentemente à fuga; a variação – com a utilização de temas e seqüências de notas e
procedimentos como ostinatos com transformações nas figurações aproximando-se da
passacaglia ou da chacona; e a improvisação – com aspectos mais livres de criação, às vezes
de caráter recitativo, que acabaram por constituir procedimentos paralelos à toccata e ao
prelúdio.
Arnold Schoenberg, no livro Funções estruturais da harmonia, aponta como um erro de
antigos teóricos o de descrever alguns procedimentos nomeados como introdução, prelúdio,
fantasia, recitativo, entre outros, como “formas livres”. “As formas para eles não são
organizações, mas sim restrições; assim, as formas livres resultariam amorfas e
desorganizadas. A causa deste erro teórico pode ser o fato de que não existam duas de suas
22
A term adopted in the Renaissance for an instrumental composition whose form and invention spring ‘solely
from the fantasy and skill of the author who created it’ (Luis de Milan, 1535). From the 16th century to the 19th
the fantasia tended to retain this subjective licence, and its formal and stylistic characteristics may consequently
vary widely from free, improvisatory types to strictly contrapuntal and more or less standard sectional forms.
43
formas livres que tenham uma estrutura similar.” (SCHOENBERG, 1990, p. 161). Schoenberg
ainda comenta que entre outras formas que não são livres de restrições formais como scherzos,
rondós, primeiros movimentos de sonatas e sinfonias não se encontram semelhanças mais que
um esboço primordial.
Desta maneira, a “fantasia” foi encontrada, desde o século XVI, em vários lugares da
Europa como Itália, Espanha, França, Holanda, Alemanha, Polônia e Inglaterra, com pequenas
diferenças de instrumentação e de estrutura.
Uma das primeiras referências do termo fantasia, utilizado em música, é encontrada em
uma carta de 5 de fevereiro de 1492, endereçada a Francesco Gonzaga, enviada de um cortesão
de Ferrara. Nessa carta, menciona uma “magna fantasia” que o músico Lapacino esperava
compor, o contexto expressa uma intenção de um trabalho vocal. Em outra carta, escrita de
Ferrara, provavelmente em 1502, para Ercole d’Este, denomina-se (de “uno moteto sopra una
fantasia”) uma peça instrumental de Isaac sobre oito notas de um cantus firmus, lá mi lá sol lá
sol lá mi.
Aqui, nestas primeiras utilizações do termo “fantasia”, têm-se duas interessantes
informações, uma possível proveniência da música vocal e, posteriormente, uma peça
instrumental, com uma proposição a variações sobre oito notas.
Em 1532, uma publicação feita em Milão reunia várias fantasias com peças de Marco
d’Aquila, Francesco da Milano, Alberto Ripa, Albutio e Borrono. Dentre elas, as fantasias para
alaúde de Francesco da Milano continham técnicas imitativas com execução idiomática que
foram amplamente difundidas em toda Europa.
No trecho da Fantasia XX, de Francesco da Milano, tem-se um exemplo de contraponto
imitativo livre, em uma peça escrita originalmente para alaúde e transcrita para violão por
Jean-François Delcamp. Podem-se observar as imitações assinaladas em vermelho, nesta
primeira página; são três pequenos temas imitados, conforme figura 2.1, abaixo:
44
Fig. 2.1
Na Espanha, Luis de Milan cultivou fantasias para vihuela como reflexo da influência
italiana, porém com mais refinamento na combinação da imitação, com claro motivo
contrapontístico, e escrita simples e ornamentada em arpejos, apresentada em três secções
45
seguidas. O termo “tiento”23, também utilizado para fantasia, era preferido por organistas
espanhóis como Antonio de Cabezón e Pedro Vila. Algumas fantasias de vihuela foram
adaptadas para teclado, a partir dos livros de Luys de Narváez. Em 1565, Frei Tomás de Santa
Maria publicou seu tratado Arte de tañer fantasia, para teclado, vihuela ou qualquer outro
instrumento harmônico, com instruções técnicas para improvisação instrumental e contraponto
imitativo com características próximas à fuga (MANN, 1986, p. 26).
Na figura 2.2, abaixo, a Fantasia de Frei Tomás de Santa Maria apresenta características
de fuga com entradas em pares de vozes:
Fig. 2.2
23
“Tiento” em espanhol significa “toque”; foi um termo usado nos séculos XVI e XVII para equivalentes
espanhóis e portugueses do ricercare, em geral intercambiáveis com fantasia.
46
como ostinato, no qual o tema é repetido contra uma figuração em transformação; como
ricercare, com temas cromáticos com inversões, diminuições e aumento; e, por fim, como a
toccata, com algumas características improvisatórias.
Neste exemplo de Sweelink, apesar de as entradas serem imitativas no início, elas tendem
mais adiante a se transformarem em quatro vozes livres. As mais graves, com movimentos
rítmicos de figuras mais longas, contra a voz mais aguda, com um movimento melódico mais
livre, conforme figura 2.3 abaixo:
Fig. 2.3
Fig. 2.4
24
A “cambiata” ou “nota cambiata” é uma expressão introduzida no século XVII para uma nota de passagem
acentuada, mas que passou a significar uma nota não harmônica e não acentuada, da qual se sai através de um
salto de uma terça para baixo ou para cima.
48
A Inglaterra também não escapou da influência inicial italiana trazida por Alfonso
Ferrabosco I, com suas fantasias para alaúde, entre 1562 a 1578. Mas, sem dúvida, o grande
mestre inglês das fantasias para alaúde, neste período, foi John Dowland, com suas complexas
fantasias polifônicas. Somando-se à música para alaúde, uma grande tradição de tecladistas
ingleses reservou à fantasia um eminente lugar na música no século XVII, entre eles Willian
Byrd, Orlando Gibbons e Matthew Locke.
Além desses autores ingleses, outros compositores de outros países tornaram-se
importantes referências para a fantasia para teclado no século XVII, tais como Frescobaldi,
Sweelinck, Scheidt, Froberger. Um dos maiores organistas de seu tempo, Girolamo
Frescobaldi chamou a atenção sobre o termo “fantasia”, ao dar a este a mesma significação que
o ricercare. Trata-se, segundo o organista, de um ricercare monotemático apresentado de duas
maneiras, um tema variado de seção em seção e um tema que se mantém constante de seção
em seção, porém munido de contra-sujeitos distintos (KIEFER, 1981, pp. 189-190).
A utilização da fantasia para conjunto instrumental também teve repercussão na Europa,
especialmente na Inglaterra, que teve uma grande produção musical neste gênero. Desta
maneira, Henry Purcell teve como referência uma longa tradição de compositores ingleses com
contribuições para tal procedimento musical, foram eles: Byrd, Gibbons, Jenkins, Willian
Lawes e Locke.
Dentre as principais transformações evidenciadas na fantasia no transcorrer do século
XVI ao século XX, destaca-se a quebra de laços com o contraponto imitativo no século XVIII.
No entanto, na obra de J. S. Bach, constata-se uma conjugação desses vários procedimentos
musicais aplicados à fantasia.
J. S. Bach compôs várias fantasias. A “Fantasia Coral” (Christ lag in Todesbanden –
BWV 718) apresenta uma peça para órgão escrita em textura coral com grandes fragmentos
utilizando técnicas distintas – fugato, linha melódica semelhante a uma giga, efeitos de eco e,
por último, uma grande passagem baseada em um cantus firmus com notas sustentadas. Nas
Fantasia e Fuga em Dó menor (BWV 537) - primeira página da partitura exemplificada na
figura 2.5 - e Fantasia e Fuga em Dó menor (BWV 562), apresentam-se na primeira parte, a
Fantasia, características de fuga, embora não sejam rigorosamente uma fuga, apresentam um
contraponto imitativo livre com exposições individuais do tema.
49
Fig. 2.5
Outras obras, como a fantasia da Fantasia e Fuga em Sol menor (BWV 542) e Fantasia
em Sol maior (BWV 572), aproximam-se mais da tocata e do prelúdio. Na Fantasia cromática
50
e Fuga (BWV 903), figura 2.6, por exemplo, J. S. Bach combina elementos da toccata ao
caráter improvisatório em três claras seções.
Fig. 2.6
51
25
Em algumas das Bachianas Brasileiras observa-se que Villa-Lobos dá um nome duplo aos movimentos, um
deles relacionado a termos comuns utilizados na música e outro relacionado a termos da música brasileira.
52
ambiente com o tema a cargo do corne inglês e depois nos violoncelos. Este tema,
acompanhado de u’a marcha harmônica em estilo coral, é uma franca inovação à
maneira de Bach. Finalmente, último episódio, como ‘coda’ da Fantasia, no número 9,
aparece, por aumentação, um dos temas já expostos, a cargo dos metais, dentro de uma
frase em notas ligeiras e células melódicas curtas, em forma de sucessivas ‘bordaduras
inferiores’, dando aspecto brilhante e grandioso à terminação deste número. (PALMA,
JÚNIOR, 1971, 59).
Embora seja uma descrição dos acontecimentos musicais nas Bachianas Brasileiras n.°
3, Villa-Lobos revela alguns procedimentos técnicos utilizados na construção de sua música: o
recitativo, a virtuosidade técnica do piano solo, a utilização de imitação por “aumentação” e,
principalmente, o comentário sobre a inovação à maneira Bach do estilo coral. Como foi visto
anteriormente, na Alemanha a “fantasia” foi utilizada também como sinônimo de prelúdio com
textura coral, o que demonstra uma assimilação de procedimentos relacionados à trajetória
histórica da “fantasia”.
Na Fantasia (Allegro) das Bachianas Brasileiras n.° 6, escrita para flauta e fagote, as
observações feitas por Villa-Lobos, citadas também por Palma e Júnior (PALMA, JÚNIOR,
1971, 121), demonstram a busca de uma sonoridade específica da música brasileira
apresentando improviso contrapontístico com algumas características imitativas:
Fig. 2.7
A partir do compasso 49, a flauta em trecho solo faz uma espécie de cadência de caráter
improvisatório; esse solo termina no compasso 59, assinalado pela volta do fagote, conforme
figura 2.8.
54
Fig. 2.8
exemplo, a Fantasia cromática e fuga (BWV 903), de J. S. Bach. As implicações tonais são
fundamentais na construção de suas fantasias. Wallace Berry comenta os aspectos formais e
cadenciais de duas fantasias de C. P. E. Bach, a Fantasia em Ré menor e a Fantasia em Sol
menor, e reconhece uma grande forma ternária, com a seção intermediária improvisatória com
progressões harmônicas e, a seguir, um retorno no final a aspectos texturais e harmônicos do
início, e diz: “[...] apesar do caráter recapitulativo de alguns aspectos da sua cadência final, é
livre na forma. Isto é, em estilo, uma forma improvisatória típica do Barroco, um tipo de
escrita expressa pelo compositor de características próximas a práticas improvisatórias no
teclado.” (BERRY, 1966, p. 438)26. Berry ainda destaca elementos de unidade e variedade
presentes nestas fantasias como padrão rítmico, progressões harmônicas, contrastes,
movimentação rítmica, textura homofônica, entre outras características. As fantasias de C. P.
E. Bach são representativas em sua obra, as mais importantes foram escritas entre 1782 e 1787.
Observa-se em suas fantasias para clavicórdio o tratamento seccional e improvisatório, uma
herança de parte de algumas das fantasias de J. S. Bach, e exemplo para as fantasias de Mozart.
Dessa maneira, tais procedimentos impulsionaram estruturas com caráter seccional,
que estão presentes nas fantasias para piano de Mozart, embora em seções organizadas
coerentemente com a estruturação formal do classicismo. Um exemplo é a Fantasia em Dó
menor K. 475, quando Mozart faz súbitas mudanças de modo e de andamento apresentando
uma série de seções distintas com transições abruptas de uma seção para a outra, e desse modo
evidencia a utilização de várias melodias divididas em seções de caráter quase improvisatório,
e por fim retorna ao material do início.
Beethoven, na Fantasia para piano op. 77, de 1809, oferece uma peça em um único
movimento com contrastes de tempo e de figuração, próxima às estruturas de C. P. E. Bach.
No entanto, em suas sonatas “quasi una fantasia” op. 27 n.° 1 e 2, de 1802, sete anos antes, já
havia rompido com a tradição, ao apresentar pela primeira vez a idéia de unificação dos
movimentos, utilizando para isso, segundo Reti, na n.° 2 da op. 27, derivações do tema do
Adágio, do primeiro movimento, nos outros dois movimentos, com recursos de supressão de
partes temáticas e concepção de um contorno temático (RETI, 1951, p.91-93). A integração
dos movimentos é manifestada na indicação do termo “attaca” entre eles. Na Fantasia para
26
[...] despite the recapitulative character of some aspects of its final cadence, is free in form. It is, in style, typical
of the Barroque improvisatory fantasy, a kind of written statement by the composer of approaches characteristics
of his improvisational practices at the keyboard.
57
piano, coral e orquestra op. 80, Beethoven rompe com a tradicional instrumentação, incluindo
um coral.
O romantismo converteu a fantasia em um meio de expansão formal sem as restrições
da forma sonata rígida, tornando-a uma peça instrumental de maior duração, vários
movimentos e, além de lhe conferir um caráter improvisatório, empregou o virtuosismo com
explorações harmônicas de características modulantes.
Franz Schubert escreveu quatro fantasias, a Wanderer-Fantasie e a ‘Graz’ Fantasia
para piano solo, a Fantasia em Fá menor para dois pianos e a Fantasia em Dó menor para
violino e piano. Essas fantasias possuem uma integração dos três ou quatro movimentos
contínuos como um único grande movimento. A Wanderer-Fantasie e a Fantasia para violino
e piano são importantes por anteciparem estruturas cíclicas em forma de movimentos
interligados, usadas posteriormente por Schumann e Liszt, representando um elo na tradição
musical que as liga às sonatas cíclicas de Beethoven, op. 101 e op. 102 n.° 1 (1815-16). O
jovem Franz Liszt fez um arranjo da Wanderer-Fantasie para piano e orquestra.
Sobre a estrutura cíclica da Wanderer-Fantasie tem-se o seguinte comentário de
Clemens Küln:
27
O fragmento romântico, na literatura, tem sua referência a partir do movimento romântico inicial como a
principal forma de manifestação. Pode-se dizer que o criador do fragmento foi o escritor Friedrich Schlegel, que
nomeou a definição dessa forma em uma das séries de 451 “Fragmentos” publicados em 1798: Um fragmento
deveria ser como uma pequena obra-de-arte, completo nele mesmo, e separado do restante do universo como
ouriço-cacheiro. (ROSEN, 2000, p. 88-89).
59
Rosen relata que Chopin recebeu muitas críticas pelo seu distanciamento das
proporções e estruturas do classicismo, mas pontuado pela sua original visão hamônica, a qual
“transformou os deslocamentos de mediante em mudanças de modos em vez de alterações de
tonalidade”, isso deu grande fôlego formal a suas obras de estruturas mais longas.
A influência da obra de Chopin na música para piano de Villa-Lobos é discutida por
alguns estudiosos como Lisa Peppercorn, Andrade Muricy, Maria Augusta Machado da Silva,
Lúcia Silva Barrenechea e Cristina Capparelli Gerling. Na identificação dessa influência vários
fatores são destacados na produção desses dois compositores: aspectos musicais relacionados
às nacionalidades, a presença da música de J. S. Bach, a Ópera Italiana e alguns aspectos
organizacionais de estruturas formais que geraram críticas semelhantes. Claude Debussy e
Ernesto Nazareth, que apresentaram alguns aspectos de continuidade da música de Chopin, são
citados como referências para Villa-Lobos.
Na peça Hommage à Chopin para piano solo, composta em 1949, em resposta a uma
encomenda da UNESCO para comemoração do centenário de morte do compositor polonês,
Villa-Lobos demonstrou um conhecimento profundo da linguagem musical de Chopin. Esta
obra, que é a última para piano solo do compositor brasileiro, recebe as seguintes
considerações de Barrenechea e Gerling em um artigo sobre os dois compositores:
[...] Na sua última composição para piano, já distante dos tempos em que incorporava
elementos exóticos e voltando para uma produção de inserção internacional, Villa-
Lobos presenteia-nos com a sua interpretação e sua transformação dos gestos musicais
do compositor polonês tão presente e reverenciado com um outro inconfundível, o dele
próprio. Esta homenagem explícita é a culminância de um processo composicional
onde modelos do século anterior ao seu, exemplificáveis por Chopin, marcam uma
indelével presença de forma não tão invisível mas sempre sutil ou mesmo
transcendente como deve ser operada a influência de um mestre sobre o outro.
(BARRENECHEA; GERLING, 2000, p. 65).
60
28
Bruno Kiefer comenta a utilização do título em francês, para as duas sonatas, possivelmente pela simples razão
de terem sido editadas pela Max Eschig, sendo designados os andamentos em italiano, conforme era tradição
(KIEFER, 1986, p.23).
29
França, Eurico Nogueira. A evolução de Villa-Lobos na Música de Câmara. MEC/ Museu Villa-Lobos, Rio de
Janeiro, 1976, p.9.
61
com que essas imagens sonoras, impregnadas de romantismo sonhador, mas com um
requinte trazido por sua filiação à música francesa, brotem com naturalidade absoluta.
(FRANÇA, 1976, p. 13).
Entre as referências que poderiam apontar para uma concepção de “fantasia” na obra de
Villa-Lobos, pode ser encontrada no período de sua formação a utilização do livro Cours de
Composition Musicale, de Vincent D’Indy, citado por Mariz como “o método de composição
que deixou traços sensíveis em sua composição” (MARIZ, 1989, p.45)30. Este livro é uma
única fonte de estudo confirmada por Villa-Lobos.
Segundo Adhemar Nóbrega, Villa-Lobos teria recebido o livro Cours de Composition
Musicale de presente do Dr. Leão-Veloso. (NÓBREGA, 1969, p. 14). Manoel Aranha Corrêa
do Lago, em sua tese de doutoramento, O círculo Veloso-Guerra e Darius Milhaud no Brasil:
Modernismo musical no Rio de Janeiro antes da Semana, confirma esta informação e
identifica Godofredo Leão-Veloso presenteando Villa-Lobos com este livro em 1914. Embora
Villa-Lobos não fizesse “parte inner cicle dos Veloso-Guerra [...] houve um número suficiente
de pontos de contato entre Villa-Lobos e os Veloso-Guerra, para poder-se considerar que esses
representam uma das fontes importantes de ‘atualização’ de Villa-Lobos em relação à música
moderna, no período anterior a sua partida para Paris.” (LAGO, 2005, p. 86).31
Vincent D’Indy (1851-1931), discípulo de César Franck e criador da Scola Cantorum,
representou um dos caminhos da música francesa na passagem do século XIX para o XX. Ele
utilizou a técnica da “forma cíclica”, melodias populares francesas e (ultra) cromatismo com
influência wagneriana. Cours de Composition Musicale tem característica enciclopédica e
abrange desde aspectos iniciais do estudo de contraponto até análises genéricas de formas
30
Cours de Composition Musicale, de Vincent D’Indy, que é uma apresentação de notas tomadas por Auguste
Sérieyx das Classes de Composição da Scola Cantorum. São três volumes, dos quais somente os dois primeiros
podem ter sido estudados por Villa-Lobos em seu período de formação, porque o terceiro volume foi publicado
somente em 1950.
31
O “Círculo Veloso Guerra” é identificado pelas atividades de Godofredo Leão-Veloso, de Nininha e Oswaldo
Guerra no papel de difusores do modernismo musical europeu no Brasil.
62
32
A rapsódia (de rhapsodós, cantor itinerante da Grécia antiga, que recitava poemas épicos) designa uma
composição instrumental ou sinfônica, de essência romântica, de estilo e de formas livres bastante próxima da
fantasia, mas que sempre se baseia em temas, ritmos etc., nacionais ou regionais. Aparece no início do século XIX
e revela uma consciência nacionalista de certos povos europeus. Venceslas Tomasek, músico tcheco adepto do
improviso, é tido como o primeiro compositor de peças deste gênero.
63
Essa verdadeira “evasão de regras” aceita muito bem a palavra que lhe dá
significado: Fantasia. Não é sem ter refletido longamente que daremos ênfase neste
capítulo a essa verdadeira “variedade do Poema Sinfônico” que foi a Fantasia, quando
esse vocábulo ainda não englobava essas “melodias costuradas” que justificariam
melhor, por essa mesma razão, o título de Rapsódia, a não ser que a qualidade dessas
“melodias”, tão mal “costuradas” com fios grosseiros, as relegue à condição de simples
Pots-pourris, chamados também de Seleções ou Buquês, como observamos em relação
às Aberturas desse tipo. (D’INDY, 1912, p. 299).33
As aberturas às quais D’Indy se refere neste trecho são vulgarização de aberturas sem
nenhuma ligação com a representação cênica, com o propósito de “invasão dos temas do
Drama”, geralmente das Comédias, como simples justaposições, sem ordem definida, de
motivos e árias com caráter rapsódico, segundo ele “uma denominação mais elegante que a que
se emprega normalmente: um Pot-pourri” (D’INDY, 1912, p. 283).34 Neste sentido, D’Indy
investiga, especificamente, nos dois gêneros, poema sinfônico e fantasia, a indefinição atrelada
a seus títulos e à variedade de suas estruturas. Mas esta característica do pot-pourri,
considerada por ele como pejorativa, não representa toda produção da fantasia deste período.
No decorrer do século XIX, o termo fantasia foi utilizado, sistematicamente, como
variações baseadas em temas operísticos. A forma da fantasia operística assemelhava-se à
estrutura do tema com variações, com uma introdução livre e um extenso final, ressaltando
aspectos virtuosísticos dos intérpretes. Nas obras de Sigismond Thalberg35, constam inúmeras
fantasias e variações sobre árias operísticas. Algumas delas apresentaram transformações para
este gênero, como por exemplo, as fantasias sobre temas da ópera Moisés, de Rossini, e Os
Huguenotes, de Meyerbeer, entre outros. As fantasias de Liszt são exemplos notáveis desse
tratamento como variações de temas operísticos neste gênero, as fantasias sobre temas de Don
Giovanni, de Mozart, e de Simon Boccanegra, de Verdi, representam em sua obra algumas de
suas mais importantes composições para piano. No final do século XIX, no entanto, houve um
declínio na popularidade desse gênero. Entretanto, a música de Carmen ainda inspirou uma
33
Cette véritable “évasion des règles” s’accommode fort bien du mot qui la signifie: Fantasie. Ce n’est pas sans
mûre réflexion que nous ferons dans ce chapitre une place particulière à cette véritable “varieté du Poème
Symphonique” que fut la Fantasie, au temps ou ce vocable ne recouvrait pas encore ces “airs cousus ensemble”
qui justifieraient mieux par cela mème le titre Rapsodie, à moins que la qualité de ces “airs”, si mal “cousus” de
gro fils, ne lea fasse rejeter au rang de simples Pots-ppurris, que des euphémismes polis appellent aussi Sélections
ou Bouquets, ainsi que nous l’avons remarque à propos des Ouvertures de cette sorte. (Tradução de Margarita
Lamelo).
34
A palavra Pot-Pourri é uma metáfora culinária traduzida literalmente da língua espanhola “olla podrida”, que
significa um tipo de guisado ou de sopa onde há de tudo.
35
Pianista e compositor austríaco, com carreira internacional, rivalizava com Liszt como maior virtuose da época,
esteve no Brasil nos anos de 1850.
64
grande quantidade de obras e deve-se salientar a Kammerfantasie (1920), de Busoni, que teve
como subtítulo Sonatina super Carmen.
Alguns compositores do início do século XX adotaram algumas características do
período barroco para “fantasia”, tendo como modelos as fantasias corais ou livres. Esse
caminho foi seguido por Max Reger e Busoni, especialmente em sua Fantasia contrapontística
de 1910. Schoenberg escreveu sua Fantasia para violino e piano, op. 47, com um tema
original, em um movimento, apresentado com uma introdução lenta, Grave, repetida entre duas
seções semelhantes ao scherzo. Benjamin Britten escreveu uma Fantasia para quarteto, para
oboé e cordas também em um único movimento. Outros compositores ingleses como Vaughan
Williams (Fantasia sobre Greensleeves e Fantasia sobre um tema de Thomas Tallis) e
Michael Tippett (Fantasia concertante sobre um tema de Corelli) adotam as variações como
procedimento de suas “fantasias”.
piano e orquestra sobre o carnaval das crianças, de 1929, baseado na série Carnaval das
crianças, de 1919.
O Mômo Precoce não apresenta um único tema para gerar uma série de variações, mas
oito temas originais variados sem interrupção36. Essas variações são conduzidas habilmente
com a utilização de desenhos motívicos com afinidades aos novos temas nas transições,
dotando-as de unidade. Segundo Tarasti, a obra nada mais seria que uma série de variações
para piano e orquestra, e poderia ser vista como um exemplo da habilidade de Villa-Lobos para
a estrutura rapsódica, característica do romantismo tardio. Tarasti complementa sua avaliação:
“Um dos méritos apresentados no Mômo Precoce é a habilidade do compositor em realizar sua
intenção musical com um material de significado escasso” (TARASTI, 1995, pp. 336-338).
Para música de câmara, sem contar o segundo movimento das Bachianas Brasileiras
n.° 6, existem ainda a Ciranda das sete notas, fantasia para fagote e quinteto de cordas37,
composta em 1933, e a Fantasia Concertante para piano, clarinete e fagote, escrita em 1953.
Na Ciranda das sete notas, as três grandes seções são interligadas, e o compasso de 3/4
é mantido durante a obra inteira, com pequenas mudanças de caráter e andamento. O tema da
primeira seção é construído com as sete primeiras notas da escala de dó maior em movimento
ascendente resolvendo na nota lá, descendente. Observa-se a utilização imitativa deste tema
organizado em elementos contrapontísticos nas cordas e no fagote (figura 2.9), no decorrer
desta primeira seção ainda encontram-se aspectos virtuosísticos explorados pelo fagote.
36
Os oito temas utilizados são: 1) O chicote do diabinho; 2) A manhã de Pierrette; 3) Os guizos de dominozinho;
4) As peripécias do trapeirozinho; 5) A gaita de um precoce fantasiado; 6) As traquinices do mascarado mignon;
7) A folia de um bloco infantil; 8) O ginete de pierrozinho.
37
Esta obra é, geralmente, apresentada com acompanhamento de uma pequena orquestra ao invés do quinteto de
cordas.
66
Fig. 2.9
Fig. 2.10
A maturidade constatada por Tarasti nesta obra de Villa-Lobos pode ser identificada
pela utilização de alguns processos composicionais de outros períodos do compositor, porém
mesclados objetivamente para construir uma ambientação com colorido tragicômico de
sutileza, humor e ironia. A maestria, nesta composição camerística, é evidenciada, na última
parte, com uma construção de variações de tipos texturais.
Em “Paradigmas do Estudo sobre Villa-Lobos”, Tarasti aborda a diversidade estilística
de Villa-Lobos, presentes no seu caráter de folclorista, e distingue três estilos diferentes. O
primeiro deles é o Indianismo, com referência à utilização de melodias indígenas. À segunda
tendência Tarasti chama Africanismo, traçando uma relação com o que considera uma
“semelhança surpreendente” entre Darius Milhaud e Villa-Lobos, no uso da polirritmia e no
acréscimo de instrumentos de percussão de origem africana à orquestra. A terceira denomina
Fauvismo39, utilizada em seus comentários sobre a Fantasia Concertante, como uma tendência
38
Fantasie concertante is an apt reflection of the late style at which the composer arrived. Most composer’s late
style typically involves a distancing from the expressive methods of earlier periods, but also their ripening into
new forms. Villa-Lobos likewise preserves from his Brasilianism certain cubistically stylized melodic shapes,
passing quotations: from the fauvist style of the 1920s a certain harshness, but not compactness, of sonority is
maintained. (in this respect he momentarily distances himself radically from the open neo-romanticism of the
1930s and 1940s). Harmonic parameters give way to linearity in other respects as well. Exclamation marks are
replaced by parallelism of chords and melodic movements (in the piano works almost evocative of Schumann)
and simple contrapuntal devises: canon, mirror inversions, augmentation, diminution, imitation.
39
Fauvismo é o nome dado à tendência estética na pintura que buscou explorar ao máximo a expressividade das
cores na representação pictórica, e teve origem no final do século 19, ao contar com precursores como Paul
Gauguin e Vincent Van Gogh. Essa tendência não só revolucionou o uso das cores na pintura moderna como
também foi uma das origens dos posteriores movimentos de ruptura estética nas artes plásticas. O termo
“fauvismo”, na verdade, teve origem a partir das observações corrosivas do crítico de arte Louis Vauxcelles, após
ter visitado uma mostra de pinturas de vários artistas, entre eles Henry Matisse. Vauxcelles utilizou a expressão
69
“Les Fauves” ao se referir aos artistas. Nas críticas imediatamente posteriores, prevaleceu o uso pejorativo da
expressão, que pode significar “os animais selvagens”.
70
[...] os Choros refletem alguns dos mais ousados experimentos composicionais até
aquele momento no Brasil, e, como um todo, são as melhores conquistas em relação à
ideologia do modernismo - isto é, a glorificação do país, em geral, por meio da total
assimilação das suas fontes musicais nacionais, em um estilo de composição
perfeitamente sincronizado com o moderno. Estes fatores combinados fazem dos
Choros, prontamente, ao mesmo tempo, a mais madura expressão artística de Villa-
Lobos e do Brasil e seu povo. (BÉHAGUE, 1994, pp. 72-74).40
40
[...] the Choros reflect some of the most daring composicional experiments to that point in Brasil and, as a
whole, are the best achievements in relation to the ideology of modernismo – that is, the glorification of the
country in general through a total assimilation of its most nationalizing musical sources, within a perfectly,
synchronous, modern style of composition. Those factors combine to make the Choros, at once, the most mature
artistic expression of Villa-Lobos and of Brasil and its people”.
71
No entanto, essa “nova forma musical” utilizada na série dos Choros, conforme relato
do próprio Villa-Lobos, foi alvo de muitas dúvidas.
Em uma palestra ministrada em 1958, em Paris, Villa-Lobos disse:
O que é uma sinfonia, em meu ponto de vista, no ponto de vista de todas as pessoas
que escreveram sinfonias? É uma música pela música. Música superior, música
intelectual, não é uma música para ser assobiada por todo mundo. Bem, quando há uma
sinfonia, se alguém tenta empregar efeitos especiais, de tipo exótico, folclore ou algo
parecido, eu não acho correto chamá-la de sinfonia. (...) Mas e os Choros? Eu tenho a
pretensão de crer que criei uma forma de fato especial quando estudei como eles
deveriam ser construídos. Então, para chegar a uma dimensão muito grande, eu
comecei pelo princípio. Isso quer dizer que comecei por algo que era a razão de ser dos
Choros. O que eram esses Choros? Esses Choros eram a música popular. Os choros no
Brasil (...) são sempre músicos que tocam, bons ou maus músicos que tocam à vontade,
normalmente à noite, fazem improvisações em que o músico mostra a sua técnica. E é
sempre muito sentimental, eis a questão! (Apud GUÉRIOS, 2003, p.142).
Eero Tarasti antes de empreender a análise dos Choros, em seu estudo sobre Villa-
Lobos, coloca esta questão sobre a estrutura formal dos Choros, sem respondê-la
completamente ainda:
[...] Os Choros são realmente uma nova forma de composição? Para esta pergunta,
Peppercorn responde negativamente. Na visão dela, Villa-Lobos somente inventou o
nome para aparecer nos círculos musicais europeus dos anos 1920, como original, isto
é, um compositor tão brasileiro quanto possível. A verdade é que ele também compôs
várias obras semelhantes sem, entretanto, chamá-las de choros. De qualquer forma, a
questão que permanece é se Villa-Lobos aplicou alguma técnica composicional nova
para as obras do período mencionado acima, não somente para os Choros, mas também
possivelmente para suas outras composições. Somente uma análise cuidadosa apoiará a
resposta. (TARASTI, 1995, p. 87).41
41
“[...] Are the Choros really une nouvelle forme de la composition? To which Peppercorn answers in the
negative. In her view Villa-Lobos only invented the name in order to appear in tha European musical circles of the
1920s as original, i.e., as Brazilian a composer as possible. The truth is that he also composed numerous similar
works without, however, for some reason calling them choros. In any case, the question remains whether Villa-
Lobos applied some new compositional techinique to the works of the above-mentioned period, not only to the
Choros but also possibly to his other compositions. Only careful analysis will provide the answer”.
72
referências dadas por ele são de formas clássicas, coerência estrutural e orgânica. Ao comentar
os Choros n.º 8, diz: “Três compassos antes do 34 (número de ensaio na partitura) esta obra
toma outra direção temática e orgânica, como se fosse uma parte de sua construção. É
justamente em um destes momentos que mais se concretiza no que se refere à forma
rapsódica” (GUÉRIOS, 2003, p. 235).
Tanto Béhague quanto Tarasti analisaram os Choros de Villa-Lobos. A comparação
entre a maneira de avaliar essa série do compositor brasileiro, feita por esses dois estudiosos, é
apresentada por Maria Cristina Futuro Bittencourt42 com uma interessante conclusão. Béhague
interpreta os Choros como um exemplo de obra nacionalista, apesar de salientar sua
modernidade, direciona sua análise a elementos que contribuem para o ponto de vista
geográfico, e nomeia estilisticamente Villa-Lobos como um nacionalista eclético. Tarasti, por
sua vez, inscreve Villa-Lobos em um contexto moderno, descrito em seus procedimentos
composicionais, nas características expressivas e no contexto estético.
A análise do Choros n.° 8 realizada por Salles amplia consideravelmente estas
questões. As três categorias as quais Salles se refere para descrever os processos
composicionais de Villa-Lobos encontram aplicabilidade no Choros n.° 8, a saber:
42
Maria Cristina Futuro Bittencourt escreveu a dissertação de mestrado, Dois Livros sobre Villa-Lobos, pela
UNIRIO em 1997.
73
Jazz”, no qual aparece, uma única vez no livro, o nome de Heitor Villa-Lobos, com alusão ao
material folclórico presente em sua música. (Kostka, 1999, p.165). Apesar dessa restrição, em
vários outros capítulos caberiam exemplos da música do compositor brasileiro e o
reconhecimento de que os procedimentos composicionais utilizados por ele extrapolam em
muito o alinhamento único à idéia do nacionalismo, sempre ligado ao seu nome. Como ainda
observa Salles, há uma ausência da música de Villa-Lobos como exemplo na estruturação de
cursos de composição nos programas de graduação e pós-graduação no Brasil (SALLES,
2005a, p. 12-13). Em decorrência deste comportamento, perde-se de vista a diversidade das
técnicas composicionais utilizadas por ele em sintonia com a modernidade da primeira metade
do século XX.
Assim, outra pergunta relacionada diretamente à proposição deste trabalho se impõe: a
referência à forma de “chôros” traz consigo algum elemento nacional na Fantasia em três
movimentos em forma de chôros? Em uma apreciação auditiva inicial, não. Porém, nos estilos
villalobianos, podem conter elementos dissimulados de nossa geografia não percebidos. Mas o
diálogo com a tradição musical, segundo a maneira de pensar de Villa-Lobos, propõe modelos
universais em oposição a aspectos nacionais. Neste sentido, a referência dos choros, nesta
Fantasia, não apresenta elementos nacionais claros, propondo, talvez, uma identificação ou
simplesmente uma assinatura do compositor brasileiro com o termo choros, como foram os
dumks de Dvorak, as goyescas de Granados ou a série Ibéria de Albeniz, expressões paralelas
na Europa, e outras tipologias novas usadas na América como pampeanas de Ginastera, sones
de Chaves, ponteios de Guarnieri ou rthmicones de Roldan, como assinala Tarasti.
Assim, será possível dizer que o título, Fantasia em três movimentos em forma de
chôros, propõe duas referências simultâneas, uma delas, o diálogo com o passado,
concretizado na construção da fantasia e seus procedimentos em tangência com a tradição
musical, e a outra, uma auto-referência, com alusão a sua própria produção musical? A análise
estrutural desta obra, na próxima etapa deste trabalho, dará subsídios para se avalizar essa
questão melhor.
74
Terceiro Capítulo
Nesta epígrafe, pode-se deduzir que Villa-Lobos, em suas inquietações, tinha presente a
responsabilidade de um artífice e trazia consigo o domínio do material musical, conquistado à
custa de muito trabalho. A quantidade e variedade de composições contidas em sua trajetória
extrapolam qualquer expectativa. Tarasti e Béhague, entre vários musicólogos e pesquisadores,
sublinham na obra de Villa-Lobos, ao analisarem seus procedimentos composicionais, a
multiplicidade estilística e sua inventividade temática como traços característicos de seu
trabalho composicional. Para abordar analiticamente os procedimentos composicionais
utilizados por Villa-Lobos na Fantasia em três movimentos em forma de chôros, dar-se-á
43
“A Contribuição Harmônica de Villa-Lobos para a Música Brasileira” (LORENZO FERNANDEZ, 1946, p.
283).
75
destaque para o diálogo entre a tradição e modernidade com a proposição de soluções pessoais
manifestada nesta multiplicidade estilística e inventividade temática.
Dentre as fantasias escritas por Villa-Lobos, conforme foi abordado no capítulo
anterior, a Fantasia em três movimentos, para grupo sinfônico sem solista, é a única que
apresenta movimentos claramente seccionados. Essa separação por movimentos apresenta um
princípio de variedade como um plano geral, tendo no primeiro movimento, Andante quasi
Adagio, um único tema com elementos de variação; no segundo, Allegretto (scherzando), um
motivo textural como fonte de construção na primeira seção; e no último movimento, Molto
Allegro, a seqüência de vários temas em andamentos diferentes e contínuos. Apesar desta
diversidade de procedimentos composicionais apresentada nos três movimentos, há elementos
musicais que os unificam.
A partitura desta obra, tanto o autógrafo manuscrito quanto a publicação da C. F. Peters
Corporation, é escrita com a armadura clave de dó maior para toda obra, somente mudando a
armadura para instrumentos transpositores, sendo que trompas (em fá) e corne inglês não
foram transpostos, mas suas linhas necessitam ser transportadas. As mudanças para outras
regiões “escalares” são feitas com alterações nas notas, sempre mantendo a armadura de dó
maior. Com isso, as alterações nas notas para sustenidos ou bemóis serão denominadas
acidentes ocorrentes.
44
“[...] the great composers invariably develop the true form of their creations – that “form” which at same time is
content and essence – also through inner struture, through the evolution and relationship of the tematic material”.
45
Na revisão do texto de 1950, “Choros: Estudos Técnicos, Estéticos e Psicológicos de Villa-Lobos”, realizado
por Adhemar Nóbrega em 1972, Villa-Lobos faz o seguinte comentário como preâmbulo ao Choros 11: “Como
concepção de forma, e para melhor definição em face dos interessados na lógica escolar das obras musicais, na
construção dos Choros são aproveitadas as formas musicais universais do Poema Sinfônico, da Sinfonia, da
Rapsódia, da Serenata Clássica, do Concerto e da Fantasia”. (NOBREGA, 1972, p. 204).
77
abordagens sonoras para ampliação das várias dimensões imanentes à arte musical. Desta
maneira, novos paradigmas reinventam limites para estabelecer novas poéticas e novas escutas.
Assim, procedimentos composicionais apresentados nas obras de compositores como Debussy,
Stravinsky, Schoenberg, Webern, Bártok e Varèse (para citar alguns dos mais importantes)
podem ser relacionados nos seguintes enunciados: novas formações escalares, novas
organizações de alturas, transformações na estrutura do acorde, movimentação paralela de
acordes, sobreposições de modos e tons, novas ordenações métricas e rítmicas, novas
estruturações formais e o timbre utilizado como elemento estrutural. Tais recursos estendem-se
por um campo estabelecido como pós-tonais, a partir do qual se formularam novos conceitos
sistêmicos, como politonalidade, polimodalidade, atonalidade, pantonalidade e pandiatonismo,
correspondentes a um conjunto de procedimentos no continuum temporalis que constitui a
história da música no século XX.
Villa-Lobos, atento a este cenário musical em transformação, utiliza-se desses
conceitos em sua obra. A presença de parte desses recursos musicais é constatada nesta análise
da Fantasia em três movimentos. No primeiro movimento, encontram-se variações derivadas
de um tema construído a partir de modos gerados de escalas menores harmônicas e menores
melódicas, cujo ponto culminante utiliza um modo semelhante a um dos modos referidos por
Ferrucio Busoni (1866-1924) em seu Esboço para uma nova estética musical (1907). No
segundo movimento, na primeira seção, apresenta-se um motivo textural, construído em uma
imitação por movimento contrário de dois grupos instrumentais paralelos sobrepostos,
utilizando a textura como elemento estrutural, segundo conceito de Wallace Berry. Além disso,
esse movimento apresenta procedimentos que, conforme referência teórica de Vincent
Persichetti e Stefan Kostka, poderiam ser chamados de pandiatônicos. Por fim, no terceiro
movimento, repetem-se tendências pandiatônicas e diversifica-se o emprego de formações
escalares em novos temas, estruturados em forma rapsódica. Esse rápido esboço mostra a
mescla de aspectos da tradição musical e procedimentos composicionais pós-tonais inserida
nesta obra escrita pouco mais de um ano antes da morte de Villa-Lobos.
A análise da Fantasia em três movimentos inicia-se com sua forma externa e mais
aparente e a seguir esmiúça-se o que essa aparência pode revelar de sua organização interna,
como um plano mais profundo de construção. Não se espera encontrar uma lógica formal
78
pautada pela pontuação tonal, pois o modo de Villa-Lobos estruturar as partes, também como
uma postura pós-tonal, assemelha-se a uma colagem com recursos diversificados.
Willy Corrêa relaciona este procedimento a uma poética múltipla de paisagens no
decurso de uma viagem:
Villa-Lobos atinou para um dos mais graves problemas da música do século XX: a
questão da forma, do encadeamento das idéias no discurso musical. Soube que as
formas do passado não viriam em socorro da sintaxe das partes de uma exposição que
não mais se justificavam pelo modo de organizar as alturas que geraram aquelas
formas. [...] Ele encontrou modo de coser as partes, com cuidado de dar a cada a
atenção devida; e que cada parte ajunte ao discurso força e causa de sua participação no
conjunto; que se disponha claramente em sua ocorrência (por mais fortuita que possa
ser) antes de se dissolver em outra parte, ou que – dramaticamente – seja silenciada
pela parte seguinte. Eis a dramaturgia das colagens (collages), a lógica siléptica dos
sonhos e o que se poderia ajuntar: como multiplicidade de paisagens no decurso de
uma viagem: sua interiaventura sendo a remembrança de tudo que ocorreu um seu
percurso. (OLIVEIRA, 2008, p. 12).
Assim, as denominações de seções ou partes da estrutura formal desta obra não seguem
uma lógica tonal pontuada por cadências padronizadas, mas obedecem a uma diferenciação das
partes por mudanças temáticas ou transformações em seus componentes sonoros, procurando
aproximar-se do universo terminológico utilizado por Schoenberg no livro Fundamentos da
composição musical.
46
Toma-se a denominação de A’ como uma maneira de diferenciá-la da seção inicial, a seção A, não há uma
implicação tonal ou direcionamento resolutivo implícito.
79
A exposição do tema, conduzida pelo oboé, tem três compassos, dois em 5/4 e um em
3/4, tendo nos compassos em 5/4 praticamente a mesma estrutura rítmica e melódica, e em 3/4
apenas uma nota longa resolutiva, conforme figura 3.1 abaixo:
A estrutura deste tema é bem simples e pode ser dividida em duas características
motívicas básicas. A primeira ascendente, motivo “a”, contendo os quatro primeiros tempos
do primeiro compasso, começa na nota lá, uma semínima pontuada seguida por um movimento
de colcheias até a nota ré. A segunda característica motívica é descendente, motivo “b”, com
movimento de tercinas de colcheias, atingindo novamente a nota lá, primeira nota do compasso
seguinte, alcançada por uma segunda maior abaixo. Desta maneira, esse desenho melódico do
primeiro compasso da exposição tem como eixo a nota “lá”, que funciona como primeira e
última nota. A mesma estrutura rítmica é aplicada no segundo compasso, porém há uma
pequena mudança melódica causada por uma transposição, a partir da terceira nota, de um tom
abaixo sem alteração do modo, que prepara a resolução na nota sol. Salles ao abordar simetrias
na construção temática em Villa-Lobos comenta esse tipo de compensação motívica para obter
equilíbrio. Assim, com pequenas diferenças intervalares têm-se os motivos “a1” e “b1”,
conforme figura 1. Esta terminação em nota diferente da inicial só ocorre na exposição, pois
em todas as repetições do tema a nota inicial é a mesma nota resolutiva.
As repetições do tema serão consideradas como variações, tanto em A como em A’.
Elas obedecem a um ciclo de quartas, sendo a nota inicial um eixo de partida e de chegada.
Essas variações apresentam pequenas modificações rítmicas e melódicas sem, todavia, mudar
as características do tema. Na variação inicial, observa-se na primeira parte do tema uma
81
mudança na última figura rítmica do motivo “a”, a saber: no lugar das duas últimas colcheias
há uma semínima, e as notas da tercina de colcheias do motivo “b” caminham por grau
conjunto descendente até a nota “eixo”, neste caso a nota ré. No compasso seguinte repete-se o
desenho da resolução da exposição, porém não há transposição, resolvendo-se assim também
na nota inicial. Deste modo, as variações seguintes respeitam esta mesma construção com
pequenas mudanças nas figuras rítmicas sem grande interferência no desenho melódico, como
pode ser constatado pela comparação de todas as repetições na figura 3.2:
82
A 7.ª menor na exposição (fá-mib) com a 7.ª maior (láb-sol) na última variação da
seção A’; uma 6.ª maior (dó-lá) na primeira variação em A com a 6.ª menor (mib-dob), na
quarta variação; uma 6.ª menor na segunda repetição (fá-réb) ainda na seção A com a 6.ª maior
(sib-sol) da terceira variação na seção A’.
exposição, que possui a transposição no segundo compasso, e a última variação que apresenta
6.ª maior e menor, o sexto grau do modo não aparece no tema, mas está presente na harmonia.
Assim, dois modos podem ser reconhecidos, o lócrio e frígio, a maioria das vezes com a 6.ª
maior. Este padrão modal é utilizado durante todo o movimento com algumas alterações nas
últimas variações. Como se pode observar no mapeamento dos modos utilizados nas seções A
e A’ (figura 3.3), há um plano de pequenas transformações nestes modos:
A escala formada com as notas que compõem a exposição da melodia, lá sib dó ré mib
fá sol (lá), polarizada47 na nota lá, configura o modo lócrio, mas a terminação na nota sol
poderia indicar também o modo eólio, se a nota sol fosse polarizada. No entanto,
47
Embora a noção de modo pressupõe centralidade e não polaridade, adota-se a denominação de nota
“polarizada” para a altura que estabelece um centro gravitacional dentro de um modo, seja ele alcançado por
atração, por reiteração, por duração mais longa ou pelo posicionamento estratégico da altura em tempos portes,
inícios e finais de frase.
84
considerando-se que este tema é repetido várias vezes, e a exposição é a única delas que não
finaliza na nota inicial, e somando-se a isso a forte presença do semitom no início, a idéia do
modo lócrio é reforçada. A figuração de acompanhamento realizada pela orquestra
corresponde a um acorde constituído por uma sobreposição de terças (um Dó menor com
sétima, nona, décima primeira e décima terceira com bequadro), isto é, todas as notas da escala
citada acima tendo dó como a nota fundamental do acorde, o que poderia dar a idéia do modo
eólio com a 6ª. maior (lá natural) de dó. Mas neste ponto surge outra questão relevante para
esta análise. Villa-Lobos cria, já nos primeiros compassos, uma relação ambígua entre o modo
utilizado e as formações acórdicas, com uma aparente autonomia da melodia em relação à
harmonia e estende esta ambigüidade até os últimos compassos do movimento,
proporcionando uma tensão que só se resolve no último acorde do movimento, ainda com certa
surpresa. Essa aparente autonomia é causada pela tensão entre a nota de polarização do modo e
a fundamental do acorde sustentado durante a apresentação do tema, e é reforçada pela
defasagem rítmica de uma semínima da harmonia em relação à melodia nas seções A e A’.
Assim, tanto na exposição como nas variações, isto é, em A e A’, mais precisamente até o
compasso 36, o acompanhamento da orquestra apresenta essa defasagem rítmica de uma
semínima. A importância deste efeito está na ênfase dada à primeira nota do tema que polariza
o modo.
Como pode ser percebido nas seções A e A’, a harmonia tem um comportamento
estático nestas seções externas. Um mesmo acorde sustentado durante os três compassos do
tema funciona como uma ocorrência textural, eximindo-se do propósito de harmonizar o tema.
Algumas vezes repete a direção do movimento de quartas do tema.
Na seção A, nas duas variações posteriores à exposição, e nas variações 4 e 5 de A’,
pode-se observar que o tema, apresentando uma semínima antes da entrada da orquestra, está
uma 9.ª acima da fundamental do acorde que funciona aqui como acompanhamento durante a
toda duração do tema, e reforça a tensão entre harmonia e melodia, a nota ré da melodia contra
o acorde de Dóm 7+, na primeira repetição, e a nota sol contra o acorde de Fám 7+, na segunda
repetição em A e na seção A’, a nota dó contra um acorde de Sibm 7, terceira repetição, e a
nota fá contra o acorde de Mibm 7 na quarta repetição. Na figura 3.4, abaixo, pode-se ver a
defasagem rítmica e a harmonia da seção A, com as pausas escritas em vermelho.
85
86
Essa citada tensão criada entre melodia e harmonia, gerada pela dissonância de nona
entre a nota inicial do tema e a fundamental dos acordes conforme figura 4, não cria nem uma
polarização politonal ou polimodal, porque não são gerados tons ou modos sobrepostos, nem
notas estranhas aos modos utilizados, pois todas as notas encontradas são de modos derivados
das escalas menores harmônicas.
48
Além das denominações presentes em Persichetti, há algumas denominações de modos alterados provenientes
de publicações dirigidas à música popular ou mais diretamente ao Jazz, adotadas do terceiro livro de Harmonia da
Berklee College of Music de Barrie Nettes.
88
nota dó, tem-se a seguinte eneatônica - dó, réb, mib, fab (mi natural), solb, sol natural, láb, sib,
dób (si natural), dó – fortalecida pelo acorde que a acompanha, um Dó 7/9b/11. Considerando-
se sol natural e si natural como notas de passagens cromáticas, restariam as seguintes notas:
dó, réb, mib, fáb, solb, láb, sib – um modo lócrio gerado a partir da escala menor melódica
ascendente de réb menor, modo denominado por Persichetti como “super lócrio”
(PERSICHETTI, 1961, p. 42).
Para reforçar esta interpretação é interessante comparar a ordem de tons e semitons da
escala descendente, iniciada na nota fáb, com a escala ascendente cuja primeira nota é dó. Ao
manter os mesmos acidentes e excluir as notas cromáticas de passagem, si natural e sol natural,
conforme figura 3.5, constata-se que a ordem de tons e semitons é a mesma do modo “super
lócrio”:
A utilização deste mesmo modo no compasso de número 43, a dois compassos antes do
fim do movimento, reforça esta interpretação. Ele é apresentado transposto, ou seja, lá, sib, dó,
réb, mib, fá, sol, la, modo gerado da escala de sib menor melódica ascendente, polarizado na
nota lá, a mesma nota inicial da exposição. A estrutura desse modo gera interpretações
distintas, por ter em sua estrutura as cinco notas iniciais de uma das escalas octatônicas (dó,
réb, mib, fáb, solb) e cinco notas finais de uma hexatônica (fáb, solb, láb, sib, dó). No entanto,
pode ser relacionado com um modo derivado da escala menor melódica ascendente, polarizada
no sétimo grau.
89
Este lócrio com a 4ª. diminuta é um dos modos enfatizados por Ferruccio Busoni
(1866-1924) em seu Esboço para uma nova estética musical, incluído nos 113 modos de sete
notas iniciadas na nota dó. Busoni faz o seguinte comentário sobre essas pesquisas:
Busoni ressalta a significativa diferença em utilizar os sons deste modo (dó, réb, mib,
fáb, solb, láb, sib, dó), quando a nota dó é usada como tônica e harmonizada com um acorde
perfeito de Dó maior.
Daniel Raessler, em seu artigo na The music review, “The ‘113’ Scales of Ferruccio
Busoni”, supõe que haja grande probabilidade de estas idéias relacionadas à utilização deste
modo com acorde perfeito de Dó maior estarem muito próximas da “mente [de Busoni] nos
acordes finais de Erscheimung, a sexta Elegien (1907)” (RAESSLER, 1982, p. 55), como
pode ser observado nos compassos 66 e 68 desta obra, conforme figura 3.6 abaixo:
49
“I have made an attempt to exhaust the possibilities of the arrangement of the degrees within the seven-tone
scale; and succeeded, by raising and lowering the intervals, in establishing one hundred and thiteen different
scales. These 113 scales (within the octave C-C) comprise the greater part of our familiar twenty-four keys, and,
furthermore, a series of new keys of peculiar character. But with these the mine is not exhausted, for we are at
liberty to transpose each one of 113, besides the blending of such keys in harmony and melody” ( BUSONI, 1962,
p.92)49.
90
Quando Villa-Lobos utiliza a escala eneatônica faz uma harmonia próxima à sugerida
por Busoni, mas não um acorde perfeito maior, e sim um acorde de Dó maior/menor 7/9b/11.
Nessa passagem, terceiro compasso da coda, esse escala é realizada passando por vários
instrumentos, do agudíssimo até o gravíssimo, um efeito tímbrico valorizado pela
orquestração, que pode ser visto na página 9 da partitura anexada à dissertação. Na figura 3.7,
abaixo, essa passagem está reduzida:
91
Embora nos Esboços para uma nova estética musical (1907) Busoni preconize várias
transformações musicais que estão por vir nos períodos subseqüentes, segundo Alex Ross, sua
produção musical não estava “em conformidade aparente com seus pensamentos estéticos”, ele
manifestava um ideal de performance musical personificado na figura de Mozart (ROSA,
2000, p.27).
Os aspectos inovadores presentes nos Esboços receberam grande impulso nas obras de
Edgard Varèse, que em muitos momentos demonstrou sua admiração por Busoni, relatando o
período em que esteve próximo a ele, entre 1907 e 1913, período em que viveu quase
continuamente em Berlim. Na dissertação de mestrado, intitulada Edgard Varèse: A busca pela
liberação de som, Gilberto Assis de Oliveira Rosa demonstra as várias instâncias musicais
sugeridas por Busoni nos Esboços, que foram trabalhadas por Varèse em sua obra, levantando
92
Antokoletz sublinha trechos desta escala como segmentos de uma das octatônicas e
uma escala de tons inteiros, além de um segmento diatônico, conforme exemplo acima. Este
modo é gerado também de uma escala menor melódica, a de sib, que tem como nota polarizada
do modo a nota sol, e pode ser denominado sol eólio 4b. O último modo utilizado por Villa-
Lobos, no final do primeiro movimento da Fantasia, é derivado da mesma escala, a menor
melódica ascendente, com a polarização na nota lá, gerando o modo super lócrio. Na análise do
Quarteto IV de Bela Bartók, Sérgio Augusto Molina cita o mesmo modo com outra nota
polarizada. Neste caso, a escala de dó menor melódica tem como nota polarizada a nota fá e
recebe a denominação de fá Lídio com 7.ª menor.
93
Paul Wilson, em seu livro The Music of Béla Bartók, menciona um conjunto de
musicólogos húngaros, sem entrar em detalhes sobre eles, que denomina a geração de modos
diferentes a partir do conjunto de sete notas diatônicas como “heptatonia prima”, ao passo que
o “conjunto escalar de sete notas, no qual os dois semitons, em sua posição mais próxima,
estão separados por um tom, e em sua posição mais afastada, por 4 tons”, denomina
“heptatonia seconda” (MOLINA, 2004, p. 17). Esta característica escalar da “heptatonia
seconda” é a ordenação de tons e semitons da escala ascendente da menor melódica.
Assim, no primeiro movimento da Fantasia em três movimentos, nas seções A e A’,
todos os acordes formados estão edificados nas notas dos modos aos quais seguem como
acompanhamento sem uma idéia de encadeamento com funções tonais, movimento em que
quase todos os acordes são menores. Os modos utilizados seguem um plano de derivação de
escalas menores, tanto harmônicas como melódicas ascendentes, traçando afinidades entre o
modo lócrio e o frígio. Na conclusão, o super lócrio traz consigo a ambigüidade de segmentos
escalares presentes em sua ordenação de tons e semitons, como foi mencionado no exemplo
de Antokoletz. Villa-Lobos faz uma lenta transformação do colorido modal, isto é, estabelece
um processo por modos menores, com um princípio de variação, tendo no tema um suporte
para utilização deste recurso. Na figura 3.9, um mapeamento completo da utilização dos modos
neste movimento com suas derivações e os acordes que os acompanham.
94
95
50
A utilização do termo “camada” não tem qualquer relação com a análise schenkeriana, sua aplicação refere-se à
formação de texturas paralelas, para distinguir outras ocorrências sonoras superpostas.
96
97
Recursos semelhantes aos utilizados na seção A podem ser constatados na seção A’. O
tema mantém suas qualidades melódicas na terceira e quarta variação e apresenta pequenas
alterações rítmicas na quinta variação. A primeira apresentação do tema em A’, terceira
variação do tema, conduzida pela primeira clarineta, apresenta um pequeno contraponto da
segunda clarineta e o primeiro fagote em uma passagem cromática em oitavas paralelas,
fazendo uma primeira intervenção contrapontística em relação ao tema. Esse recurso passa a
ser a novidade da quarta variação, conduzida ainda pela primeira clarineta, que tem uma linha
contrapontística um pouco mais definida, apresentada pelo corne inglês e o primeiro fagote em
uníssono, embora faça alguns movimentos paralelos. As ocorrências homofônicas nos oboés,
flautas e piccolos continuam, porém com pequenas alterações no desenho rítmico. Encerrando
o ciclo de quartas, iniciado em A, na última variação em A’, o tema é apresentado em uníssono
nas madeiras e trompetes (sem clarineta alto, clarone e clarineta contrabaixo), o acorde de
acompanhamento, um fáb menor 7+/9 aumentada ou fáb menor/maior, é apresentado nos
metais (sem trompetes) e clarineta alto, clarone e clarineta contrabaixo (figura 3.11).
98
99
Salles apresenta duas fórmulas básicas de cadências utilizadas por Villa-Lobos para
finalizar suas obras, às quais designou tipologicamente como “wagnerianas” e “varèsianas”.
A cadência “wagneriana” “descende diretamente do prelúdio de Tristan und Isolde,
onde toda a agitação harmônica da obra conclui em oitavas na região grave sobre a nota SOL”
(SALLES, 2005a, p. 166).
O segundo tipo, “varèsiana”, indica o acorde final marcado por ressonâncias e sons
resultantes de diversas dissonâncias agregadas e exemplifica com Intégrales, para 11 sopros e
percussão, mas pode ser percebido também na cadência final do Hyperprism conforme figura
3.13 abaixo:
mais adiante como material temático, utilizado como referência para um tipo de variação livre
sem rigor às suas características melódicas.
A última apresentação do tema na seção A, conduzida pelo primeiro fagote, termina na
nota sol, no compasso número 9. Essa nota é transformada em um pedal que dura até o
compasso número 15, no qual muda para a nota dó, presente nos três compassos seguintes,
antecipando a nota que será polarizada na volta do tema na seção A’, quando é apresentado um
dó frígio com sexta maior (figura 3.14). Esta ocorrência conduz a uma interpretação de que
toda a seção B pode ser entendida como uma transição para A’. Porém a partir da apresentação
de detalhes do tema em variações livres e os vários contrastantes citados acima, considera-se
esta uma seção independente. Essas variações apresentam transformações das características
melódicas e rítmicas do tema, mas não chegam a desfigurá-lo totalmente. Entretanto, no final
desta seção, compassos número 20, um novo tema, a partir desses detalhes temáticos, é
apresentado em textura homofônica com acordes paralelos estendidos para seis compassos.
Algumas características rítmicas deste novo tema são utilizadas na primeira seção do último
movimento.
104
105
notas polarizadas ou no padrão modal característico do tema. No compasso 13, por exemplo,
os metais graves realizam um desenho em terças e oitavas paralelas iniciadas por uma
passagem cromática, ré# - mi – fá, nas notas agudas, si – do – réb, nas notas graves. O desenho
rítmico deste começo, uma colcheia pontuada e uma semicolcheia, é contração da semínima
pontuada e colcheia do começo do tema, porém com movimento contrário. Posteriormente,
realizam um movimento ascendente até as notas sol e sib, como uma transformação do motivo
“a”, depois resolvem em mib e sol com movimento por grau conjunto descendente, a seguir
fazem um desenho semelhante tendo em seu final um desenho rítmico de tercinas descendente,
uma transformação do motivo “b1”. A resolução desta frase, a nota sol das madeiras, é o início
de outra menção temática que utiliza como material o mesmo modo da última variação do
tema na seção A, um sol lócrio com 6.ª Maior. Porém a nota resolução é dó, a mesma que será
polarizada no início da seção A’, alguns compassos adiante. Uma nova frase dos metais em
tercinas, em acordes paralelos, apresenta notas do desenho melódico realizado no compasso
anterior, escondidas entre as notas dos acordes paralelos. No compasso número 17, as flautas e
as clarinetas em uníssono apresentam outra transformação temática, uma variação do motivo
“a” em quiálteras no modo de dó frígio com uma passagem cromática no quarto grau do modo,
fá natural e fá bemol. Essas afinidades temáticas podem ser constatadas na figura 11, acima.
No compasso 20, a última frase da seção B apresenta um desenho melódico em tercinas
de colcheias em contraponto acórdico com tercinas de semínimas com alguns traços do tema,
realiza acordes paralelos, e demonstra maior autonomia. Neste trecho a harmonia apresenta
polarizações tonais, mas nos acordes paralelos da melodia, a voz mais aguda realizada pela
flauta faz um ré eólio cujo desenho melódico realiza um movimento ascendente e descendente
tendo as notas ré e lá como eixos até o compasso número 24 (figura 3.15). Os dois compassos
seguintes, números 25 e 26, preparam a volta do tema no modo de dó frígio com o sexto grau
natural (6.ª maior), início da seção A’.
107
51
The spectrum of color, both instrumental and harmonic, in Romantic music is so rich and varied in its nuances
and gradations that quantification and categorization would require immensely detailed descriptions Yet when we
link sound qualities to firmly established, fixed compositional processes, we have a method by which the fluid
play of sound can be evauated interms of its effect on syntax. The deployment of sound was an important strategy
of composition in Romantic music, equal in significance to strategies and processes that have received attencion
in analytic studies – layout of themes, organicism, developing variation, harmonic processes, Ursats and Urlinie.
109
52
To me the funcional possibilities of the timbre only seem valid if they are linked to language and to the
articulation of a discourse through strutural relationships; timbre both explains and masks at the same time.
Whithout musical discourse it is nothing, but it can also form the entire discourse on its own.
110
53
The texture of music concist of its sounding components; it is conditioned in part by the number of those
components souding in simultaneity or concurrence, its qualities determined by the interactions, and relative
projections and substances of component lines or other componet sounding factors.
111
O grau de complexidade em uma textura pode ser estabelecido desde a mais simples
configuração, a monofonia, até a mais complexa, contrarrítmica-contraintervalar-
contradirecional, encontrada na textura polifônica. A combinação de texturas pode gerar,
segundo Berry, acréscimo e decréscimo de sons ou linhas melódicas em um determinado fluxo
sonoro. Este fato determinará o desenvolvimento de progressões e recessões. A utilização
destes dois fatores pode provocar contrastes ou mudanças que indicam uma ordenação da
estrutura formal de uma obra musical.
Em uma fuga a quatro vozes, por exemplo, a sucessiva entrada das vozes proporcionará
uma progressão até o momento em que todas elas estiverem presentes. Esse pode ser o
momento de maior densidade. À medida que o número de vozes diminui ou que elas se tornam
interdependentes, dependendo do movimento rítmico e o grau de compressão entre eles, se
estabelece uma recessão.
Mas há outros aspectos a serem observados. Além do número de componentes, deve ser
considerada a disposição intervalar entre as linhas independentes. Berry denomina essa relação
intervalar entre os componentes como “grau de compressão”: quanto menor o intervalo entre
os componentes, mais elevado o grau de compressão. Neste sentido, as dissonâncias também
quantificam a densidade, a elevação do grau de compressão é causada por intervalos mais
próximos. Uma sobreposição de terças, por exemplo, possui um grau mais elevado de
compressão do que uma sobreposição de quartas.
113
O termo camada, aplicado em vários momentos nesta análise, não faz parte da
terminologia de Berry. Refere-se a um componente com uma linha melódica independente ou
um número de componentes simultâneos, realizando o mesmo ritmo e direcionalidade. Esta
ocorrência é causada pelo paralelismo que determina uma sonoridade integrada. Na
terminologia de Berry, um fator real.
Apesar da abrangência da abordagem analítica de Berry, algumas ausências são
notadas: aspectos tímbricos, relacionados principalmente à orquestração; e variações de
articulação.
No entanto, o principal enfoque proposto na análise deste movimento é a utilização de
um motivo com características texturais, gerando uma seção inteira com esta identificação. Em
“Motivic texture; the provocative effect of unusual textures”, um dos subtítulos do capítulo
Texture, Berry aborda o motivo textural como um elemento da estrutura musical.
Alguns autores têm tratado da textura como elemento estrutural na música de Villa-
Lobos nos últimos anos. Em 2003, Renata Botti, em sua dissertação de mestrado com o título
Aspectos de Textura na Música de Heitor Villa-Lobos, aborda esse recurso utilizado no ciclo
dos Choros, nas Bachianas Brasileiras e em uma das peças da Prole do Bebê n.° 2, O
passarinho de pano. Na conclusão desta pesquisa, Botti considera que “o tratamento da textura
faz parte do vocabulário utilizado pelo compositor brasileiro, de maneira indissociável de sua
linguagem.” (BOTTI, 2003, p. 106). Em 2005, o artigo “A Prole do Bebê n.° 1 e n.° 2 de Villa-
Lobos: estratégias da textura como recurso composicional”, de Maria Lúcia Pascoal, detalha
este procedimento composicional utilizado na obra para piano. Ainda em 2005, em sua tese
Processos composicionais de Villa-Lobos: um Guia Teórico, Paulo de Tarso Salles trata esse
recurso como um dos fatores mais relevantes incluídos entre os procedimentos composicionais
do compositor brasileiro.
Além da textura, outro recurso utilizado na música do século XX, denominado por
Nicolas Slonimsky como pandiatonismo, pode ser relacionado aos procedimentos aplicados
por Villa-Lobos na Fantasia em três movimentos, distintivamente no segundo e terceiro
movimentos. Pandiatonismo é, segundo Kostka, “uma passagem que utiliza apenas as notas de
alguma escala diatônica, mas que não depende das progressões harmônicas tradicionais e nem
do tratamento da dissonância” (KOSTKA, 1999, p. 107). Persichetti refere-se a este recurso
como “escrita pandiatônica”. Segundo ele, tal procedimento causa falta de ritmo harmônico,
114
gerando uma harmonia estática, “útil quando a atenção está direcionada para o movimento
rítmico” (PERSICHETTI, 1985, p. 225). Villa-Lobos utiliza este recurso nos nove compassos
iniciais do segundo movimento e em outros momentos sem muita intensidade. Porém, esse
procedimento é utilizado no terceiro movimento com maior vigor, e receberá uma abordagem
com maior profundidade na análise do último movimento.
desenvolvida a partir da seção A, dividida em três frases. O andamento inicial é mantido nesta
última seção.
Há muitas ocasiões na música (talvez especialmente aquela dos últimos cem anos) em
que os materiais têm características texturais tão distintas, e em que as qualidades
particulares da textura são fatores tão vitais na identidade e interesse do material
temático-motívico, que parece plausível pensar e falar de textura como “motívica” – ou
de um específico motivo-textura. (Berry, 1987, p. 254).54
54
There are many times in music (perhaps especially that of the last hundred years) when materials are of such
distinctive textural cast, and when the particular qualities of texture are so vital a factor in the identity and interest
of thematic-motivic material, that it seems plausible to think and speak of texture as “motivic”- or of a specific
texture-motive.
117
Nas frases seguintes esta figuração é repetida com poucas modificações. A maneira
como esse recurso de textura homofônica por movimento contrário é desenvolvido por Villa-
Lobos gera movimentos ascendentes e descendentes pontuados por acordes fechados. Esses
movimentos aumentam e diminuem o contorno da tessitura destas duas camadas contidas neste
desenho motívico, provocando progressões e recessões moderadas. Ao assinalar as notas do
contorno de tessitura alcançada neste efeito obtém-se o espaço textural, conforme método
proposto por Berry, mas articulado de modo um pouco diferente. Na figura 3.20 abaixo, há
uma representação diagramática do espaço textural dessas duas camadas na primeira seção do
segundo movimento, onde, além de se perceber o espaço textural, pode-se constatar
119
Outro fato que pode ser constatado neste trecho é a utilização das notas da escala de dó
maior, ou modo jônico, durante esses nove compassos sem uma única alteração. Não há, no
entanto, qualquer cadência clara que estabeleça a tonalidade de Dó maior ou qualquer
tratamento de dissonâncias. Este procedimento permite estabelecer neste trecho uma tendência
pandiatônica. Nos compassos seguintes desta seção, há um procedimento semelhante, mas a
presença de duas alterações na terceira camada, dó# e láb, utilizados nos acordes dos
contratempos, interfere na continuidade da escrita pandiatônica, embora sua utilização seja
curta e percussiva. Contudo, as outras duas camadas se mantêm sem alterações até o compasso
25, o último compasso desta seção. Nele aparece a nota láb, formando um acorde de Fá menor,
120
indicativo da mudança por vir. Esta tendência à escrita pandiatônica é abordada mais
profundamente na análise do terceiro movimento.
Os acordes formados nesta seção refletem o campo harmônico de Dó como
conseqüência do material escalar. As frases mantêm divisões em suas estruturas de três
compassos, em quase todos os casos iniciadas por acordes fechados. No quadro abaixo os
acordes formados de três em três compassos nas camadas que apresentam o motivo textural:
n.° 1 4 7 10 13 16 19 22
compasso
n.° 1 4 7 10 13 16 19 22
compasso
Para esta supressão de partes do tema do primeiro movimento, utilizou-se como modelo
a primeira variação, em virtude de o tema resolver na nota inicial, nota eixo, característica não
compartilhada unicamente pela exposição. Considerando-se que o primeiro acorde formado por
este motivo textural é um Dó maior, toma-se como referência a linha melódica da nota dó na
122
segunda clarineta - dó, si, dó, ré, dó – que, comparada com as notas que sobram da supressão
de partes do tema (figura 17) – ré, mib, ré, dó, ré –, evidencia a inversão transposta um tom
acima. As outras notas que compõem o acorde, as mais graves – dó, sol – realizam em suas
linhas melódicas a mesma direção melódica das notas restantes da supressão, sem necessidade
de inverter seus intervalos. Mas seus desenhos melódicos não obedecem aos mesmos
intervalos. Constata-se, com o isolamento das linhas, que se trata de uma dupla bordadura
aplicada a todas as vozes, sendo duas delas a inversão das outras. Ao observar a parte superior
da figura 3.21, parece tratar-se de uma redução da melodia às notas essenciais, mas é uma
supressão de partes temáticas, categoria de transformação temática, que aponta para como o
tema foi reduzido a cinco notas do desenho melódico do tema inicial. Assim, com este recurso,
é possível demonstrar afinidade do tema do primeiro movimento com o motivo “a” do primeiro
tema do segundo movimento. Além dessa afinidade, outros elementos podem ser considerados
para traçar uma relação entre os dois movimentos como uma derivação temática: o desenho
rítmico semelhante dos dois motivos “a”, a utilização de uma nota eixo e a terceira camada
utilizando acordes no contratempo. Estas evidências podem ser confirmadas na figura 3.21,
acima.
A harmonia paralela (ou melodia acórdica) é uma extensão textural equivalente a uma
linha melódica; sua direção está governada primariamente por considerações melódicas
e sua construção intervalar pela classe de textura requerida pela forma dramática. Na
harmonia paralela, as quartas e quintas são tão transparentes como as terças e sextas e
os intervalos de segunda e sétima encontram liberdade horizontal. (PERSICHETTI,
1985, p. 201).
Neste sentido, o paralelismo deve ser compreendido como mais um artifício para
estabelecer texturas distintas. Em uma peça orquestral como esta a instrumentação de acordes
paralelos amplia consideravelmente a paleta de cores manipuláveis pelo compositor. Este
recurso foi utilizado repetidas vezes por compositores franceses como Debussy e Ravel, tanto
como um enriquecimento tímbrico, como para um deliberado enfraquecimento da
funcionalidade da harmonia tonal.
O paralelismo é utilizado nesta seção, a segunda deste movimento, como recurso
textural, além da mudança de andamento e temas contrastantes.
No compasso 25, o acorde de Fá menor com sétima maior e nona anuncia uma
mudança de modo e, por meio de um ritardando, anuncia uma mudança de andamento, Meno
and Broader. A textura passa a ter duas camadas com dois grupos de instrumentos atuando
como melodia acompanhada, porém a melodia é realizada em quartas paralelas, conforme
figura 3.22, abaixo:
124
125
No compasso número 25, Villa-Lobos muda apenas uma nota em relação ao modo
jônico que vinha sendo utilizado. Ao invés de lá natural usa o láb e modula para o modo menor
de fá. Não utiliza armadura de clave de láb maior, mas omite a nota si (bemol ou natural) e
utiliza as notas ré e mi naturais, deixando claro o modo de fá menor melódico. A partir do
compasso 27, na melodia dos oboés, tem-se a presença das notas sib, mib, mas a nota ré
continua natural, um fá eólio com sexta maior. Nos compassos seguintes o modo de fá menor
continua, porém com algumas mudanças entre o sexto e sétimo graus até o compasso 31.
Na anacruse para o compasso número 27, o tema é apresentado pelos oboés e
posteriormente fragmentado entre outros instrumentos, tendo como principal característica o
paralelismo de quartas constituído pelo material dos modos menores polarizados na nota fá
(figura 18). A textura resultante desta melodia, agora em legato, no modo menor em quartas
paralelas contrasta fortemente com a textura com staccato da primeira seção. Mas o
paralelismo de quartas cessa no compasso número 31. Uma cadência com resolução em um
acorde de Si menor, nos compassos de número 31 e 32, prepara a entrada do segundo tema
desta seção no compasso de número 33, como representado na figura 3.22.
O tema apresentado a seguir, o segundo desta seção, prossegue com o paralelismo, mas
não mais de quartas. Mantendo a textura de melodia acompanhada, apresenta oito compassos
em frases organizadas de duas em duas. A partir do compasso de número 35, a entrada da
harpa como movimento independente estabelece a terceira camada.
O desenho rítmico e melódico deste tema apresenta algumas afinidades com o tema do
primeiro movimento. Os dois temas organizam-se em dois compassos e nos motivos que os
constituem pode-se constatar a derivação deste tema, segundo da seção B, com o tema do
primeiro movimento. No motivo “a” o desenho rítmico inicial é o mesmo, mudando um pouco
o desenho melódico, e o motivo “b2” tem o desenho rítmico ampliado e obedecendo à mesma
direcionalidade, isto é, às três semínimas descendentes por grau conjunto, conforme
comparação dos dois temas na figura 3.23:
126
A última seção deste movimento é uma Coda com motivos e recortes do tema
apresentado na seção A. Iniciada no compasso 58, estende-se até o final, compasso 89, e
mantém o andamento da seção anterior. De acordo com o material temático utilizado, pode ser
dividida em três partes: a primeira parte do compasso 58 ao 65; a segunda, do compasso 66 ao
80; e a última parte, do 81 ao 89. Não há nesta coda qualquer implicação tonal para justificá-
la. O que ocorre neste trecho é, após uma clara apresentação de uma estrutura ternária – A B A
–, a apresentação de uma seção com a utilização de um material motívico derivado da seção
A, sendo liquidado por meio de recortes do tema e conduzindo-o para a cadência final.
Na primeira parte desta seção, organizada em três camadas, o grupo de vozes mais
agudas, flautas, oboés e posteriormente as clarinetas, realiza terças paralelas em colcheias
ligadas com movimentos descendentes. O grupo de vozes mais graves - trombones, tuba e
contrabaixos - faz acordes paralelos em movimento contrário aos da primeira camada,
mantendo um intervalo paralelo de quinta entre as notas mais graves, movimentando-se em
130
figuras de mínimas pontuadas. O paralelismo dessas duas camadas é uma das características
da seção A deste movimento e ocorre durante os oito compassos desta parte. A novidade fica
por conta da camada intermediária com as trompas e os trompetes que apresentam uma
melodia independente em acordes fechados e paralelos, conforme figura 3.25 abaixo.
No início da segunda parte desta coda, compassos de número 66, 67 e 68, são
apresentados recortes do motivo “a” deste movimento com o ritmo modificado. As
acentuações no quinto tempo destes compassos provocam um efeito tímbrico causado pelas
131
Este efeito tímbrico nas madeiras pode ser interpretado como uma menção ao primeiro
movimento, utilizado como acompanhamento do tema em ostinato. Embora Villa-Lobos utilize
acordes do campo harmônico de Dó maior nos compassos de número 66 e 67, o caminho
harmônico descrito neste trecho demonstra uma não funcionalidade resultante da
especificidade do motivo proposto. Ou seja, terças e quintas paralelas em movimento
contrário, efeito utilizado em toda a seção A deste movimento. No compasso de número 68,
132
neste caminho harmônico, faz uma aproximação cromática com sobreposições de quartas para
alcançar o acorde de Dó maior.
Mais adiante no compasso 74, outra utilização do motivo da primeira seção, uma oitava
acima do compasso número 10, porém ocorrem modificações nos compassos seguintes. A
partir do compasso de número 77, Villa-Lobos realiza um jogo rítmico durante três compassos
com a utilização de partes do motivo com respostas em eco oitava acima. A seguir dois grupos
mantendo terças e quintas paralelas em movimento contrário encerram a segunda parte desta
seção, conforme figura 3.27 abaixo.
133
A última parte desta seção divide-se em duas camadas. Uma delas realiza um
movimento de colcheias preparando o fim do movimento, enquanto a outra camada apresenta
uma cadência de dominante e tônica em notas longas. No compasso 81, início desta parte, há
um acorde de Mi menor com notas longas tocadas por quase toda orquestra; excetuando-se os
trompetes que realizam um desenho melódico com paralelismo acórdico. São três vozes que se
alternam em terças e quartas paralelas durante quatro compassos, enquanto há um
acompanhamento com notas longas se movendo também paralelamente. Nesta seção mantém-
se uma textura com duas camadas, melodia e acompanhamento até o compasso de número 88.
No último compasso, número 89, a nota dó é realizada por toda orquestra em uníssono e
fortíssimo.
Os cinco últimos compassos apresentam figurações paralelas. Os dois primeiros deles em
quintas paralelas descendentes que passam dos instrumentos agudos aos instrumentos graves
do naipe das madeiras, com uma pequena intervenção dos trompetes. Segue-se outro
paralelismo descendente, desta vez com três vozes alternando terças e quintas paralelas,
repetindo a instrumentação, porém agora alcançando notas mais graves do naipe dos metais.
No primeiro desenho descendente, compassos de número 85 e 86, as vozes mais agudas,
utilizando somente o fá# e omitindo as notas dó e sol, fazem um escala pentatônica - si, lá, fa#,
mi, ré. A segunda voz omite o dó e o fá#, outra pentatônica – mi, ré, si, lá, sol - e durante estes
dois compassos um acorde de Sol maior é sustentado em notas longas. No compasso
subseqüente, número 87, um acorde de Dó maior com sétima maior e nona é sustentado,
enquanto três escalas paralelas descendentes sobrepostas com os mesmos acidentes, isto é,
realizam a mesma escala iniciada em notas diferentes. Na voz mais aguda as notas são mib,
134
réb, si, láb, sol fá; na segunda voz são si, láb, sol, fá, ré, réb; e na terceira voz são sol, fá, ré,
réb, si, láb. Embora não sejam escalas pentatônicas, causam um efeito semelhante ao que
acarretam os dois compassos anteriores. O mesmo efeito é utilizado no compasso 88, porém
com outras notas e em uma região mais grave. Na voz mais aguda as notas são fá, mi, réb, si,
láb, sol; na segunda voz são réb, si, láb, sol, fá; e na terceira voz são láb, sol, fá, ré, réb. É um
efeito puramente horizontal provocado pelo paralelismo das notas agudas em direção às notas
graves, semelhante ao efeito utilizado no primeiro movimento com a escala eneatônica, cuja
resultante vertical nada carrega da funcionalidade harmônica, mas sim da construção de um
tecido sonoro. O acorde que se forma no final desse efeito, no quarto tempo do penúltimo
compasso, soa quase como um cluster, um dó, réb, mi, fá, sol, ré natural e sol, e resolve em um
dó uníssono de toda orquestra.
135
Esta cadência final assemelha-se ao tipo “wagneriano” citado por Salles, com pequenas
diferenças, dado que ela se relaciona à cadência final do prelúdio de Tristão e Isolda,
resolvendo toda agitação harmônica em oitavas na região grave. Com algumas diferenças o
terceiro movimento apresenta também uma final cadencial em oitavas.
Persichetti associa esta escrita a uma harmonia estática, na qual a escala é utilizada
verticalmente, e raramente emprega duplicação de notas. Ele ressalta que as vozes graves
podem apresentar intervalos consecutivos de quintas e décimas, por serem mais fluidos do que
terças ou quartas. Ainda aponta a tendência de utilização das quartas nas vozes superiores, as
137
segundas e sétimas podem engrossar a textura para a próxima chegada cadencial. Além disso,
considera rara a utilização de “uma seção inteira pandiatônica, particularmente com um modo
sem bemóis ou sustenidos” (PERSICHETTI, 1985, p. 226). De modo geral, estas
características são percebidas na Fantasia, principalmente quintas e décimas paralelas nas
vozes graves e quartas nas vozes agudas, embora haja um uso freqüente de duplicação de notas
verticalmente.
Reti, ao abordar estilos particulares com diferentes técnicas de composição, cita o
“pandiatonicismo”55 como um termo batizado por Nicolas Slonimsky para explicar um método
de formação estrutural aplicado por Stravinsky e outros compositores:
55
A utilização do termo “pandiatonicismo” por Reti não propõe nenhuma modificação conceitual ao termo, o
próprio Slonimsky quando perguntado sobre esta diferença semântica, diz ter resolvido esse dilema ao escrever
um artigo para o Grove, no qual apresenta o termo da seguinte maneira: “pandiaton(ic)ismo”.
56
Also some specific shapes in between the main roads of the evolution, as for instance a certain method of
structural formation for which Nicolas Slonimsky coined the term ‘pandiatonicism’, come into this category. The
term refers to a principle of formation, applied by Stravinsky and others, in wich tonality would reign in the
vertical sense but where no correponding tonal idea directs the horizontal succession.
138
57
“Pandiatonic Harmony is the twentieth century counterpart of classical harmony. Modern composers of such
varied backgrounds and musical persuasions as Ravel, Stravinsky, Hindemith, Milhaud, Copland and Roy Harris
make use of this technique, arriving at it by different creative processes. Jazz composers, too, have found, by
sheer experimentation application for the enriched chords of Pandiatonic formations. It is a common pratice to
139
end an orchestral arrangement of a popular song by the enriched major triad with an added sixth, seventh, or
ninth”.
140
Esses dois compassos iniciais funcionam como uma pequena menção variada do tema
que vem sendo transformado desde o início. É, também, uma preparação vigorosa para a frase
seguinte.
As duas frases seguintes apresentam estruturas semelhantes de oito compassos. Na
primeira dessas frases, após três grupos de sextinas com acordes de sétima em terças
sobrepostas, tendo um pedal com a nota dó, forma-se no compasso número 4 uma polirritmia
na qual se distinguem quatro camadas trímbricas. A camada mais aguda realiza um desenho
paralelo de sobreposição de terças, formado de acordes de sétima, apresentados por flautas,
oboés e clarinetas, em tercinas de colcheias com notas repetidas de duas em duas. Outra
camada faz tercinas de semínimas, também em acordes de sétimas paralelos, realizadas pela
harpa. Considerados como outra camada tímbrica, vários instrumentos graves realizam um
pedal de cinco compassos, na nota dó, depois retornam ao desenho rítmico dos dois primeiros
compassos. A camada mais importante neste trecho fica por conta dos trompetes e trompas, um
desenho melódico de seis compassos que também faz um paralelismo de acordes de sétima,
conforme figura 3.31.
141
142
conflitantes e pode ser interpretado como outra passagem de escrita pandiatônica, desta vez
com as notas da escala de fá menor harmônica (figura 3.35).
145
146
58
Este termo, interpolarização, foi proposto por Nicolas Slonimsky em seu livro “Thesaurus of scales and
melodic patterns” para indicar a inserção de uma ou mais notas entre as notas principais de uma progressão
(SLONIMSKY, 1947, p. vii).
147
com pentatônicas diferentes e segmentos de escalas octatônicas simultâneas. “Cada das duas
sucessões de dezesseis notas (no violino I e viola/clarineta) está baseada em uma fusão de
grupos de octatônicas e pentatônicas” (ANTOKOLETZ, 1992, p.233)59.
Na seção C, Villa-Lobos mostra outra maneira de sobrepor escalas pentatônicas,
utilizando-se de um recurso que Salles chamou de “figuração de dois registros (ziguezague)”.
Este recurso consiste em “[...] realizar um contorno melódico que estabelece uma espécie de
contraponto consigo mesmo, um tipo de polifonia interna, inerente a uma melodia
singularmente sinuosa. Tal sinuosidade chega ao ponto em que se tem a impressão de ouvir
duas linhas melódicas expressas em um único instrumento [...]”(SALLES, 2005a, p. 131). A
figura 3.37 exemplifica a maneira como este procedimento é utilizado na seção C. Nas notas
pretas tem-se a escala pentatônica formada pelas notas dó, lá, sol, fá, ré, dó. Nas notas
vermelhas – fá, ré, dó, lá, sol, fá –, a mesma escala pentatônica iniciada uma quarta acima.
Nas notas azuis emprega-se réb, sib, láb, solb, mib, réb e nas verdes, as notas mib, réb, sib, láb,
solb, mib - a mesma pentatônica das notas azuis um tom acima.
figura 32
O efeito causado por este recurso beira o atonalismo, das 12 notas da escala cromática
somente o mi natural e o si natural não estão presentes. O primeiro grupo de quatro
semicolcheias apresenta um salto ascendente de quarta justa, seguido de outro salto
descendente de terça maior e, por último, segunda maior ascendente. Este desenho melódico
não chega a estabelecer um padrão rígido por que há algumas modificações de intervalo, mas
59
“Each of the two sixteenth-note successions (in violin I and viola/clarinet) is based on a fusion of octatonic and
pentatonic sets” .
148
segue mais ou menos este padrão. Ao se pensar no teclado do piano, reproduz-se uma ordem
de duas teclas brancas e duas pretas, apoiadas na progressão descendente da escala pentatônica
constatada nas primeiras notas dos grupos de semicolcheias. A utilização de recursos desta
natureza na obra de Villa-Lobos demonstra um modo lúdico de construção melódica.
Este desenho melódico passa por vários grupos de instrumentos com entradas
defasadas, simulando um contraponto imitativo fugato. Simultaneamente a este desenho, há
uma progressão escalística descendente com acidentes da escala de solb maior. O desenho
rítmico em 3/4 do Tambour de Provence com a duração de dez compassos contrapõe-se a
métrica das outras vozes desta seção, que está em 4/4, o que aponta para outro aspecto
polirrítmico nesta seção.
A seção E pode ser dividida em duas partes. A primeira parte compõe-se de quatro
compassos, na qual é exposto um pequeno desenho melódico seguido de três variações
rítmicas. Inicialmente realizado pelos oboés, este desenho melódico apresenta duas vozes
paralelas com predominância de quartas; a seguir, é repetido três vezes com variações rítmicas.
A primeira e terceira repetição são realizadas por flautas e clarinetas, enquanto a segunda
repetição é realizada novamente pelos oboés. Nesse trecho, há um único acorde sustentado
durante os quatro compassos, um Láb 7 com 5.ª aumentada. Conforme figura 3.39.
150
Outras duas camadas fazem escalas cromáticas em quintas paralelas, por movimento
contrário e duplicações de oitavas. Uma delas é ascendente, realizada pelos trombones,
enquanto a outra é descendente, realizada por trombone baixo, tuba e contrabaixo, com
unidades rítmicas diferentes, conforme figura 3.42, abaixo:
152
A última camada, realizada pela harpa, respeita a métrica indicada, mas a subdivide em
semicolcheias arpejadas, conforme figura 3.43:
A última nota de cada uma dessas camadas coincide com o terceiro tempo do segundo,
quarto e sexto compassos desta seção. Nos três pontos de convergência desses desenhos
rítmicos há um acorde sustentado durante dois tempos, enquanto uma das camadas realiza uma
escala maior descendente. No primeiro ponto de convergência há um acorde de LáM7 e a
realização da escala de mi maior. No segundo ponto, um acorde de Mibm13 e a escala de solb
maior e o último novamente o acorde de LáM7 e a escala de mi maior, mas começando e
terminando na nota lá. O resultado desse trecho, além de polirítmico, é atonal com uma
resolução tonal. Na figura abaixo, de número 39, os últimos dois compassos desse efeito, de
números 118 e 119:
Todo este início da seção F comporta-se como uma introdução sem uma idéia temática
clara. No entanto a segunda parte desta seção, a partir do compasso de número 122, é
153
apresentado um tema por flautas e oboés em terças paralelas nas vozes mais agudas,
juntamente com as clarinetas, também em terças paralelas, porém duplicadas oitava abaixo,
fazendo movimento contrário a partir do contratempo do terceiro tempo do compasso. Todos
esses instrumentos realizam o mesmo desenho rítmico, conforme exemplo abaixo, na figura
3.45. Simultaneamente a este desenho as trompas apresentam uma linha melódica
independente em contraponto:
Nos quatro compassos seguintes, de número 126 a 129, este tema é feito por clarinetas
e trompetes em dó, repetindo o desenho ascendente das flautas e oboés da frase anterior, porém
com modificações nos dois compassos finais. As flautas e oboés realizam um efeito
polirrítmico e melódico em relação ao tema enquanto outros instrumentos com uma textura
homofônica paralela fazem a harmonia. Outras repetições variadas são apresentadas nos oito
compassos seguintes, de número 130 a 137. A figura 3.47, abaixo exemplifica essas variações
motívicas:
155
Nesta última seção, a partir do compasso 120 até o compasso 141, repete-se a tendência
pandiatônica, embora mais próxima de uma linguagem tonal, realizando a escala de mi maior
com algumas incursões de ré natural e algumas poucas passagens cromáticas. A partir do
compasso número 138 este desenho melódico é transformado em uma escala ascendente com
praticamente todas as notas da armadura de mi maior durante quatro compassos. Nos seis
compassos finais, uma recessão rítmica marcada por tercinas anuncia o final, com uma
sucessão de acordes, sem realizar em nenhum momento uma cadência V-I. O fim é
direcionado para um dó uníssono, semelhante ao final do segundo movimento, com uma
cadência próxima ao tipo “wagneriano”.
A ênfase sobre afinidades temáticas expostas durante toda essa análise tem como fim
demonstrar um princípio de unidade temática empregada por Villa-Lobos nesta obra. Embora
o compositor utilize várias modificações, há uma preocupação em resgatar detalhes do tema
em um processo de transformação presente nos três movimentos. Neste sentido, é possível
aproximar este procedimento da variação, como recurso utilizado nesta “fantasia”, em
tangência com o processo de variação em desenvolvimento, formulado juntamente com o
conceito de “idéia”, do pensamento de Schoenberg direcionado para construção de uma
estrutura orgânica.
156
4. Conclusões
5. Bibliografia
ADAMS, Willi Paul. Los Estados Unidos de America, v.30 Madrid: Editora Siglo XXI, 1979.
ADORNO, Theodor W. Filosofia da nova música. Tradução de Magda França. São Paulo:
Perspectiva, 1974.
ALBRIGHT, Valerie Ann. Aproximações entre duas culturas americanas na linguagem de Ives
e Villa-Lobos.São Paulo: PUC, Doutorado em Comunicação e Semiótica, 2002.
ANDRADE, Mário de. Aspectos da Música Brasileira. São Paulo: Martins, 1977.
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a Música Brasileira. São Paulo: Martins, 1962.
ANDRADE, Mário de. Música, Doce Música. São Paulo: Martins, 1963.
ANDRADE, Mário de. Pequena História da Música Brasileira. São Paulo: Martins, 1976.
ANTOKOLETZ, Elliott. The Music of Béla Bartók – A study of tonality and Progression in
Twentieth-Century Music. Los Angeles, London: University of California Press, 1984.
AZEVEDO, Luiz Heitor Correia de. Evolução de Villa-Lobos [1974]. In: Presença de Villa-
Lobos, v. 10, p. 129-133, 1ªed. Rio de Janeiro: MEC/DAC/Museu Villa-Lobos, 1977.
BATTISTI, Frank L. The Winds of Change – The Evolution of the Contemporary American
Wind Band/ Ensemble and Its Conductor. Massachusetts: Meredith Music Publications, 2002.
BÉHAGUE, Gerard. Music in Latin America: na introdution. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-
Hall, 1979.
BÉHAGUE, Gerard. Heitor Villa-Lobos: the search for Brazil’s musical soul. Austin:
University of Texas – Institute of Latin American Studies, 1994.
BÉHAGUE, Gerard. Villa-Lobos, Heitor. In: Grove’s Dictionary of Music and Musicians, p.
613-621, 2001a.
BERRY, Wallace. Structural Functions in Music. Dover Publications, New York, 1987.
161
BERRY, Wallece. Form in Music. Prentice-Hall, Inc., Englewood Cliffs, New Jersey, 1966.
BERTEVELLI, Isabel Cristina Dias. Elsie Houston (1902-1943): Cantora e pesquisadora
brasileira. Dissertação de Mestrado: UNESP, 2000.
BOULEZ, Pierre. Timbre and composition – timbre and language. In: Contemporary Music
Review, Vol. 2, 1987, pp. 87-96.
BUKOFZER, Manfred F. Music in the Broque Era from Monteverdi to Bach. New York: W.W.
Norton & Company Inc, 1947.
BUSONI, Ferrucio. Sketch of a New Esthetic of Music. In: Three Classics in the Aesthetic of
Music, p. 73-102. New York: Dover Publications, 1962.
FERRAZ, S. “Análise e percepção textural: o Estudo n° VII, para sopros, de G. Ligeti”. In:
Cadernos de Estudo: Análise Musical, n.° 3, p. 68-79, São Paulo, 1989.
162
FIELD, Christopher D. S.; HELM, Eugene; DRABKIN, William. Fantasia p. 391 - In: Grove’s
Dictionary of Music and Musicians, p.380-392, 2001.
FLEM, Paul Le. Villa-Lobos em Paris. In: Presença de Villa-Lobos, v.1: p. 173.
HORTA, Luiz Paulo. Villa-Lobos, Uma Introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
HEITOR, Luiz. 150 Anos de Música no Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1956.
KATER, Carlos. A modernidade brasileira nas artes, na música em Villa-Lobos. In: Música
Viva e H. J. Koellreuter: movimentos em direção à modernidade, pp. 17-40. São Paulo:
Musa/Atravez, 2001.
KIEFER, Bruno. História e significado das formas musicais. Porto Alegre: Movimento, 1981.
KÜHN, Clemens. Tratado de la Forma Musical. 2ª ed. Tradudion para o castellano de Miguel
Angel Centenero Gallego Cubeirta de Jordi Vives . Barcelona: Editorial Labor S.A., 1992.
LESSEM, Alan. Schoenberg, Stravinsky and Neo-Classicism: the issues reexamined. In: The
Musical Quaterly, v. 68, n. 4, p. 527-542, October, 1982.
MANN, Alfred. The Study of Fugue. New York: Dover Publications, 1986.
MARIZ, Vasco. Heitor Villa-Lobos - Compositor Brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 11.a ed.,
1989.
MARTINS, Jorge Dodsworth. Villa-Lobos. In: Presença de Villa-Lobos, v.1, p. 111-113. Rio
de Janeiro: MEC/Museu Villa-Lobos, 1965.
MAUL, Carlos. A Glória Escandalosa de Heitor Vila Lôbos. Rio de Janeiro: Império, 1960.
MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil – A penetração cultural americana. São Paulo,
Editora Brasiliense, 1984.
NEVES, José Maria. Villa-Lobos, o choro e os choros. São Paulo: Musicália S/A, 1977.
164
NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981.
NEVES, José Maria. Béhague’s Villa-Lobos (review). In: Latin American Music Review, v. 16,
n. 1, pp. 95-106, 1995.
OLIVEIRA, Willy Corrêa. “Com Villa-Lobos”. In: O Estado de São Paulo. Disponível no site
< http:www.estadao.com.br/e/d2>. Acesso em 25 mar. De 2008.
PALISCA, Claude V. Baroque Music. 3ª ed. New Jersey: Prentice Hall, 1991.
PASCOAL, Maria Lúcia e ROSA, Carlos. “Um Estudo da Textura em peças de Villa-Lobos”.
In: Anais do XIV Encontro Nacional da ANPPOM, pp. 937-944, versão eletrônica (pdf.). Porto
Alegre – RS: UFRGS, 18 a 21 de agosto de 2003.
PASCOAL, Maria Lúcia. “A Prole do Bebê n.1 e n.2 de Villa-Lobos: estratégias da textura
como recurso composicional”. Per Musi, Belo Horizonte, n.°11, 2005, p. 95-105.
PEPPERCORN, Lisa M. Villa-lobos: the music: an analysis of his style. Traduzido para o
inglês por Stefan de Haan. Londres: Kahn & Averrill, 1991.
PERSICHETTI, Vincent. Armonia Del Siglo XX. Madrid: Real Musical, 1985.
RAESSLER, Daniel. The “113” Scales of Ferrucio Busoni. In: The music review. Cambridge:
Heffers Printers Ltd., v. 43, n.1, pp. 51-56, 1982.
RATNER, Leonard G.. Romantic Music: sound and sintax. New York: Schirmer Books, 1992.
ROSEN, Charles. A Geração Romântica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2000.
RETI, Rudolph. The Thematic Process in Music. New York: The Macmillan Company, 1951.
RETI, Rudolph. Tonality, Atonality, Pantonality – a study of some trends in twentieth century
music. Westport, Connecticut: Greenwood Press, 1978.
RIBEIRO, Armando Vidal. Villa-Lobos nos Estados Unidos em 1939 e 1940. In: Presença de
Villa-Lobos, V.1. pp. 21-25. Rio de Janeiro: MEC/Museu Villa-Lobos 1965.
ROSA, Gilberto Assis de Oliveira. Edgard Varèse: A busca pela liberação do som. Dissertação
de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2000.
SLONIMSKY, Nicolas. Thesaurus of scales and melodic patterns. Nee York: Charles
Scribner’s Sons, 1947.
SLONIMSKY, Nicolas. Perfect Pitch an autobiography. Nee York: Schirmer Trade Books,
1988.
STRAVINSKY, Igor e CRAFT, Robert. Conversas com Igor Stravinsky. Tradução de Stella
Moutinho. São Paulo: Perspectiva, 1982.
STRAVINSKY, Igor. Poética Musical em 6 Lições. Tradução de Luiz Paulo Horta. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
TARASTI, Eero. “Villa-Lobos – Sinfônico dos trópicos”. In: Presença de Villa-Lobos, v.11, p.
55-63. Rio de Janeiro: MEC/Museu Villa-Lobos, 1980.
TARASTI, Eero. “Heitor Villa-Lobos e a Música dos Índios Brasileiros”. In: Presença de
Villa-Lobos, v.12, p. 65-80. Rio de Janeiro: MEC/Museu Villa-Lobos, 1981a.
TARASTI, Eero. “Heitor Villa-Lobos – The life and Works (1887-1959). Jefferson, North
Carolina and London: Mc Farland & Company, Inc., Publishers. (Trad. para inglês de Eero
Tarasti),1995.
TARASTI, Eero. “É preciso reler Macunaíma”. In: Revista Diapason nº 3, pp. 46-47. São
Paulo, Duetto Editorial 2006.
TONI, Flávia Camargo. Mário de Andrade e Villa-Lobos. São Paulo: Centro Cultural São
Paulo, 1987.
WILSON, Paul. The Music of Béla Bartók. New Haven and London: Yale University Press,
1992.
WISNIK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22. São
Paulo: Duas Cidades/SCCT, 1977.
5.1 Partituras
BACH, Johann Sebastian. Chromatische Fantasie. Boosey & Hawes: London, 1951.
BACH, Johann Sebastian. Fantasia and Fuga in C minor BWV 537. Dover: New York, 1987,
pp. 1-3.
BACH, Johann Sebastian. Fantasia and Fuga in G minor BWV 542. Dover: New York, 1987,
pp. 35-44.
BACH, Johann Sebastian. Fantasia and Fuga in C minor BWV 562. Dover: New York, 1987,
pp. 45-48.
BACH, Johann Sebastian. Fantasia and Fuga in G maior BWV 572. Dover: New York,
1987, pp. 97-105.
BACH, Johann Sebastian. Fantasia e Fuga (n.° 6) para órgão. Trancription pour orchestre de
H. Villa-Lobos, Partitura Manuscrita,1938.
SWEELINCK, Jan Pieterszon. Fantasia para órgano. In: Florilegium Musicum History of
Music in 180 examples. Ricordi Americana: Buenos Aires, 1964, pp. 157-160.
VILLA-LOBOS, Heitor. Mômo Precoce – Fantaisie pour Piano et Orchestre. Editions Max
Eschig: Paris,1934.
VILLA-LOBOS, Heitor. Bachianas Brasileiras n.° 6. Associated Music Publishers, inc. New
York, 1946.
VILLA-LOBOS, Heitor. Bachianas Brasileiras n.° 3. G. Ricordi & C. New York, 1953.
VILLA-LOBOS, Heitor. Fantaisie Concertante pour Piano, clarinette et basson. Editions Max
Eschig: Paris,1956.
VILLA-LOBOS, Heitor. Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Partitura
Manuscrita e Autógrafa, 1958.
VILLA-LOBOS, Heitor. Ciranda das Sete Notas. Southern Music Publishing Co. Inc, 1961.
5.2 Gravações
Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.