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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

INSTITUTO DE ARTES – SÃO PAULO

JOSÉ IVO DA SILVA

FANTASIA EM TRÊS MOVIMENTOS EM FORMA DE


CHÔROS DE HEITOR VILLA-LOBOS:

ANÁLISE E CONTEXTUALIZAÇÃO DE SEU ÚLTIMO


PERÍODO

SÃO PAULO

2008
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2

JOSÉ IVO DA SILVA

FANTASIA EM TRÊS MOVIMENTOS EM FORMA DE CHÔROS

DE HEITOR VILLA-LOBOS:

ANÁLISE E CONTEXTUALIZAÇÃO DE SEU ÚLTIMO PERÌODO

Dissertação de mestrado
apresentado no Instituto de Artes
da Universidade Estadual Paulista
– UNESP, como exigência para o
título de mestre em música.

Orientador: Prof. Dr. Marcos


Fernandes Pupo Nogueira

SÃO PAULO

2008
3

Banca Examinadora

Prof. Dr. Marcos Pupo Nogueira __________________________________

Profª. Dra. Valerie Ann Albright __________________________________

Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles __________________________________


4

Dedicatória

Em memória de Ricardo Rizek, professor e amigo,

silenciosamente presente neste trabalho.

À Lucia Faria,

uma ouvinte paciente e grande incentivadora.


5

Agradecimentos

A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indireta de

muitas pessoas e instituições. Manifesto minha gratidão a todas elas e de modo particular:

Ao meu orientador Prof. Dr. Marcos Pupo Nogueira, pela confiança e pelas pacientes

correções de curso durante todo o processo de confecção deste trabalho, o que certamente o

dotou de qualidade e relevância.

À Profª. Dra. Valerie Albright e ao Prof. Dr. Vitor Gabriel, pelas valiosas sugestões em

meu exame de qualificação.

Aos meus amigos que incentivaram e foram “bons ouvidos” durante o período de

confecção deste trabalho: Paulo de Tarso Salles, Gilberto Assis Rosa, Sérgio Molina, Orlando

Marcos Mancini, Itamar Vidal, César Henrique Franco e Alexandre Franciscini.

Ao maestro Abel Rocha, Sérgio Wontroba e ao staff da Banda Sinfônica do Estado de

São Paulo.

À Cláudia Leopoldino e Pedro Belchior, do Museu Villa-Lobos, que gentilmente

atenderam minhas solicitações.

À Lucia Faria e Luciana Soldi pelas preciosas revisões e correções da língua

portuguesa.

Ao Julio César Lancia pelas revisões das citações traduzidas da língua inglesa.

Aos funcionários da Secretaria e da Biblioteca da UNESP.


6

Resumo

Esta pesquisa aborda, analiticamente, a Fantasia em três movimentos em forma de chôros,


de Heitor Villa-Lobos, uma das obras de sua produção sinfônica para orquestra de sopros. Inserida
em seu último período de produção musical, esta obra foi comissionada pela American Wind
Symphony Orchestra e composta em 1958. A contextualização deste período é o assunto do início
deste trabalho. Em seguida, procede-se à análise em duas etapas: a primeira tem o foco
direcionado para os termos “fantasia” e “forma de chôros”, sugeridos no título; e a segunda etapa
é a análise dos procedimentos e técnicas composicionais utilizados pelo compositor brasileiro
nesta obra, principalmente, material escalar, textura e tendências pandiatônicas. O principal
objetivo desse trabalho é evidenciar procedimentos musicais presentes nesta fase do compositor.

Palavras-chave: Villa-Lobos, fantasia, análise musical, orquestra de sopros.


7

Abstract

This research analytically approaches Heitor Villa-Lobos’s Fantasia em três movimentos


em forma de chôros, one of his symphonic pieces for wind orchestra. From the latter period of his
production, this piece was commissioned by the American Wind Symphony Orchestra and
composed in 1958. The first section of this study contextualizes the period. A two-stage analysis
follows: the first part focuses the words “fantasia” and “forma de chôros” as suggested in the title;
the second part analyzes the compositional procedures and techniques used by the Brazilian
composer in the piece, mainly scale material, texture and pandiatonic tendencies. The main
purpose of this work is to make evident the musical procedures used by the composer at that time
of his life.

Keywords: Villa-Lobos, fantasia, musical analysis, wind orchestra.


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SUMÁRIO

Dedicatória

Agradecimentos

Resumo

Abstract

Sumário

Introdução .................................................................................................... 10

1. Primeiro Capítulo - Villa-Lobos: Último período de sua produção musical


1.1 Fases produtivas de Villa-Lobos ........................................................ 17
1.2 Panamericanismo e “Política de Boa Vizinhança”...............................22
1.3 Primeiras obras de Villa-Lobos ouvidas nos Estados Unidos ....... 24
1.4 Negociações para a primeira viagem aos Estados Unidos ........... 26
1.5 Produção musical do último período .................................................. 29
1.6 American Wind Symphony Orchestra ................................................ 36

2. Segundo Capítulo - Fantasia em três movimentos em forma de chôros


2.1 O termo “fantasia”: conceito e transformações da Renascença ao
Barroco ................................................................................................. 41
2.1.1 Alguns traços da assimilação dos procedimentos da “fantasia”
presentes nas Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos ............... 51
2.1.2 A “fantasia” nos períodos clássico e romântico ....................... 55
2.1.3 Alguns traços românticos nas primeiras “fantasias”
de Villa-Lobos ......................................................................... 60
2.1.4 D’Indy e Villa-Lobos ............................................................... 61
2.1.5 Outras “fantasia” de Villa-Lobos ............................................. 64
2.2 O termo “forma de chôros”.................................................................. 70
9

3. Terceiro Capítulo – Análise da Fantasia em três movimentos em


forma de Chôros ........................................................................................ 74
3.1 Forma: uma conformidade externa da organização temática ............... 75
3.2 Primeiro Movimento – Andante quase Adagio ................................ 78
3.2.1 Aspectos temáticos ................................................................... 80
3.2.2 O uso de modos menores ......................................................... 82
3.2.3 O uso de modos derivados da menor harmônica e melódica ... 86
3.2.4 Variações no acompanhamento ................................................. 95
3.2.5 Material contrastante e derivações temáticas .......................... 102
3.3 Segundo Movimento - Allegretto (scherzando) e o conceito de textura
.............................................................................................................. 107
3.3.1 Aspectos formais ..................................................................... 114
3.3.2 Motivo textural e seus desdobramentos na primeira seção ..... 115
3.3.3 Afinidades temáticas entre primeiro e segundo movimentos .. 121
3.3.4 O emprego de paralelismo ....................................................... 122
3.3.5 Paralelismo aplicado ao tema da seção B ................................ 125
3.3.6 Última seção do segundo movimento ...................................... 129
3.4 Terceiro movimento - Molto Allegro .............................................. 135
3.4.1 Tendência pandiatônica ........................................................... 136
3.4.2 O uso de escalas pentatônicas .................................................. 146
3.4.3 Variações melódicas ................................................................ 148
3.4.4 Polirritmia e tendências pandiatônicas .................................... 151

4. Conclusões ................................................................................................ 156

5. Referências bibliográficas ....................................................................... 160


5.1 – Partituras e CD .............................................................................. 167

6. Anexo 1 – Partitura da Fantasia em três movimentos em forma de chôros


Anexo 2 – CD Fantasia Amazônica
10

Introdução

“Toda ocasião em que um coral (de louvores) patriótico cantava maravilhas do autor do
‘Descobrimento do Brasil’, glorificando-o como o músico maior das Américas, eu – por meu turno –
sempre exigi que as loas correspondessem à verdade, e o fato é que desde a base das argumentações
dos Novos Compositores Seriais, duvidei. Uma ou outra coisa do Villa chegava-me, mas a
responsabilidade da consciência da História me impedia de dizer amém a mais esta glória nacional,
de cujo cimo esplendia Rui Barbosa, a Águia de Haia, Marechais diversos da terra mar e ar, e quase
uma vintena do Forte, e vocês sabem quanto mais. Assim foi que desde início dos anos sessenta tive
que matar Villa-Lobos. Parricídio ou Regicídio. Para que a verdade que se fizera em mim:
triunfasse.”(Willy Corrêa de Oliveira, 2008)1.

Em 13 de outubro de 1992, a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo promovia a


estréia brasileira da Fantasia em três movimentos em forma de chôros2 de Heitor Villa-Lobos.
Ao se considerar que esta obra foi escrita em 1958 e obteve sua estréia mundial em 29 de junho
desse mesmo ano, nos Estados Unidos, o que causaria esse hiato de 34 anos antes de ser ouvida
em seu país?
A Fantasia em três movimentos, juntamente com o Concerto Grosso para flauta, oboé,
clarineta, fagote e orquestra de sopros (1959) são obras para orquestra de sopros que integram
uma lista de composições comissionadas por entidades norte-americanas no último período da
produção musical do compositor brasileiro. Elas foram encomendadas por Mrs. S. J. Anathan,
para a American Wind Symphony Orchestra, sediada em Pittsburgh.
A resposta mais natural à questão formulada acima seria a de que não havia nenhum
grupo brasileiro com a formação sinfônica de sopros necessária para a realização desta obra até
o final da década de 80. Mas, também é possível considerar que nesse período houve uma
concentração de interesses em obras consideradas mais significativas, entre a imensa produção
musical de Villa-Lobos. É o caso, por exemplo, dos ciclos das Bachianas Brasileiras e dos

1
Em artigo “Com Villa-Lobos”: O Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 2008 p. 7).
2
Na partitura a palavra “chôros” obedece à ortografia antiga, com acento circunflexo, por este motivo está
acentuação será mantida no texto desta dissertação sempre que tiver como referência esta obra.
11

Choros, de caráter marcadamente nacional. Esses fatos, entre outros, podem ter mergulhado a
última fase do compositor em desconhecimento e a distanciado da crítica especializada.
No entanto, outro fator contribuiu para a falta de divulgação e realização de obras desse
último período villalobiano, como a divergência de opiniões sobre a figura de Villa-Lobos na
cultura nacional. De um lado, havia uma bibliografia impregnada de superlativos e juízos
fantasiosos direcionados a um herói nacional, cuja incompreensão técnica de seu trabalho
impedia uma avaliação objetiva da sua produção musical. Por outro, um natural reflexo da
geração musical posterior, manifestada na epígrafe, com o relato do compositor Willy Corrêa,
para quem a vanguarda brasileira precisou estabelecer a “morte simbólica de Villa-Lobos” por
razões principalmente ideológicas. Eero Tarasti identifica que o estilo tardio de Villa-Lobos,
nos anos 50, “foram criticados com ouvidos da vanguarda européia, serealista e darmatadtiana
– cujos pendores meio ‘totalitários’ só foram notados depois.” (TARASTI, 2006, p. 47). Talvez
essa geração tivesse mais condições de oferecer uma contribuição objetiva para o entendimento
da obra de Villa-Lobos.
Assim, foram popularizadas opiniões sobre Villa-Lobos estranhamente divididas entre
uma “genialidade inspirada” de cunho romântico e autodidata contra a de um compositor
nacionalista, sem formação acadêmica consistente que, às vezes, compunha uma obra-prima,
garimpada de uma quantidade de obras quase inexplicável. Essas duas vertentes tinham em
comum a identificação da “intuição” como explicação para a qualidade desta produção e o
reconhecimento internacional alcançado nesse processo.
Neste sentido, uma bibliografia cercada de mitificação, municiada pela própria
personalidade do compositor, traduz as contradições de um Brasil em busca de identidade. A
primeira biografia escrita sobre Villa-Lobos, pelo jovem Vasco Mariz na década de 40, contava
com a enorme admiração do biógrafo, ampliada pela presença viva do biografado:

Digo que o livro era imaturo porque, com a minha juventude (tinha 25 anos), era difícil
não ceder aos conselhos cautelosos de amigos e colegas interessados no assunto.
Minhas entrevistas com Villa-Lobos causaram-me profunda impressão, tão grande que
achei melhor, por prudência, qualificar os elogios ou até agravar as restrições, a fim de
não parecer dominado pela personalidade gigantesca do biografado. (MARIZ, 1989, p.
7).
12

Essa biografia tornou-se uma fonte inicial relevante para conhecer Villa-Lobos, e,
apesar de ter sofrido algumas modificações em suas reedições, segundo Paulo Renato
Guérios3, a concepção original é mantida nas edições subseqüentes.
Neste hiato temporal, marcado entre a estréia mundial e a estréia brasileira da Fantasia
em três movimentos, outras obras foram escritas sobre Villa-Lobos. Entre elas, uma coleção de
12 volumes sob o título Presença de Villa-Lobos que reúne depoimentos, opiniões e
comentários de pessoas que conviveram com ele ou estudaram sua obra. Alguns autores
brasileiros, em outras publicações, reafirmavam as qualidades contidas no ciclo dos Choros e
nas Bachianas Brasileiras, como Adhemar Nóbrega e José Maria Neves. Outros, como José
Miguel Wisnik, iniciam uma retomada sobre a significação da obra do compositor Villa-Lobos
contextualizada na cultura brasileira, em O coro dos contrários, de 1977, que se detinha, como
foco principal, na música em torno da Semana de 22. Um pouco mais tarde, em 1986, Bruno
Kiefer publicava Villa-Lobos e o modernismo na música brasileira, que, embora trate também
da Semana de 22, realiza uma abordagem analítica mais profunda e permite uma avaliação
histórica mais contextualizada da produção musical de Villa-Lobos e avança sobre a produção
da década de 20.
O prestígio internacional alcançado pela música de Villa-Lobos referendou um
conjunto de estudos sobre ele fora do Brasil. Lisa Peppercorn4, a autora com maior número de
obras catalogadas sobre o compositor, escreveu mais de 25 títulos que tratam de aspectos
bibliográficos e analíticos. Essas publicações variam entre quatro livros – dois deles em língua
inglesa, um em alemão e outro em português - e vários artigos publicados entre 1940 e 1991,
escritos em inglês, alemão, italiano e holandês.
Entretanto, os trabalhos mais importantes publicados fora do Brasil foram: Heitor Villa-
Lobos – the search of Brazil’s musical soul, de Gerard Béhague5, de 1994, e Heitor Villa-

3
Paulo Renato Guérios aborda questões sociológicas em tangência com a biografia de Villa-Lobos em sua
Dissertação de Mestrado realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional
(PPGAS), posteriormente transformada em livro com o título Heitor Villa-Lobos - O caminho sinuoso da
predestinação.
4
Lisa Peppercorn acompanhou a trajetória de Villa-Lobos a partir do final da década de 30, quando era
correspondente musical do The New York Times e Musical America no Rio de Janeiro, onde o conheceu
pessoalmente.
5
Formado como músico pelo Conservatório Nacional de Música na década de 50, pós-graduado na Universidade
de Paris na década de 60 em etnomusicologia, foi responsável pelo verbete “Heitor Villa-Lobos” e mais de 120
verbetes no The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Escreveu uma monografia sobre Villa-Lobos
para participar de um concurso promovido pela OEA em comemoração de 100 anos de nascimento do compositor,
em 1987. O seu trabalho ganhou o primeiro prêmio e foi publicado em 1994 com algumas revisões.
13

Lobos – the life and works, do finlandês Eero Tarasti6, publicado em 1995, livros que se
tornaram referência para qualquer pesquisador cujo assunto seja Villa-Lobos.
Com linguagem analítica profunda e atualizada, quatro trabalhos acadêmicos brasileiros
revisitaram a obra de Villa-Lobos no novo milênio: em 2002, a tese de doutoramento de
Valerie Ann Albright, Aproximações entre duas culturas americanas na linguagem de Ives e
Villa-Lobos; e a tese de doutoramento de Gilmar Roberto Jardim, Bachianas Brasileiras n.° 7:
O estilo Antropofágico de Heitor Villa-Lobos, transformado em livro em 2005; em 2003, a
dissertação de Renata Botti, Aspectos de textura na música de Heitor Villa-Lobos; e em 2005,
a tese de doutoramento de Paulo de Tarso Salles, Processos composicionais de Villa-Lobos:
um guia teórico.
Outras pesquisas somam-se a essas importantes contribuições citadas acima, mas, ainda
assim, não há uma abordagem analítica minuciosa sobre o último período da produção de
Villa-Lobos. Esta última fase do compositor brasileiro não tem despertado grande interesse de
pesquisadores, que concentram suas investigações em obras consideradas mais significativas
na trajetória do compositor.
Neste sentido, este trabalho propõe uma visita aos últimos 14 anos da produção musical
de Villa-Lobos, ao realizar uma análise da Fantasia em três movimentos em forma de chôros.
Essa obra representa a intersecção de fatores que caracterizam esse período, ou seja, a
ampliação geográfica de sua atuação para os Estados Unidos, e foi comissionada por uma
entidade norte-americana e composta em 1958. Neste sentido, a proposição para esta análise é
avaliar se há alguma transformação estilística como conseqüência desta ampliação geográfica,
conforme sugere Lisa Peppercorn, com referência aos Estados Unidos. Ela supõe, como uma
hipótese, que as inúmeras encomendas recebidas por Villa-Lobos durante este período tenham
condicionado seu processo criativo a compor “inspirado” nos Estados Unidos, recorrendo a
formas tradicionais, em decorrência do conservadorismo das orquestras e dos empresários
norte-americanos. Seguem-se duas afirmações de Peppercorn sobre esse momento final
villalobiano, “[...] depois da primeira visita aos Estados Unidos, a sua tendência era cada vez
mais a de voltar às formas tradicionais às quais acabou retornando totalmente.”
(PEPPERCORN, 2000, p.136) e “A operação parece não ter afetado em nada a sua carreira

6
Musicólogo e semiólogo finlandês, veio ao Brasil interessado em Lévi-Strauss e os índios do Brasil em 1976, e
acabou por várias razões se envolvendo com a música de Villa-Lobos e escreveu um livro sobre a vida e a obra do
compositor brasileiro, considerado um dos mais livros completos sobre o assunto.
14

como regente – mas seus efeitos podem ser percebidos nas obras que compôs nos seus últimos
anos de vida: a maioria, embora não todas, testemunham um declínio da sua capacidade
criativa.” (Ibidem, idem, p. 143).
Essa avaliação de Peppercorn é questionada por Maria de Fátima Granja Tacuchian7,
que considera problemático estabelecer uma relação direta sem uma reflexão mais aprofundada
sobre as obras deste último período (TACUCHIAN, 1998a, p. 175-176).
A partir dessas considerações estrutura-se este trabalho em três capítulos. O primeiro
capítulo procura definir a última fase produtiva de Villa-Lobos, fundamentado em quatro
pesquisadores com obras importantes sobre o compositor: Lisa Peppercorn, autora que possui o
maior número de publicações sobre Villa-Lobos, sejam artigos, sejam livros, e cuja abordagem
é mais biográfica, embora faça alguns comentários analíticos sobre algumas obras; Gérard
Béhague, autor do livro Heitor Villa-Lobos: The Search for Brazil's Musical Soul, responsável
pelo verbete “Heitor Villa-Lobos” e mais de 120 verbetes no The New Grove Dictionary of
Music and Musicians, como coordenador dos verbetes sobre a América Latina; Paulo de Tarso
Salles, que escreveu sua tese de doutoramento, pelo Instituto de Artes da UNICAMP, intitulada
Processos composicionais de Villa-Lobos: um guia Teórico, cuja investigação analítica dos
procedimentos composicionais do compositor brasileiro permite um olhar mais profundo sobre
a produção musical e suas transformações estilísticas; com complemento a esses três autores
consideram-se alguns questionamentos sobre datações de algumas obras, realizados por
Guérios em seu livro Heitor Villa-Lobos: O caminho sinuoso da predestinação.
A partir da definição do último período, procede-se a um esclarecimento quanto à
aproximação e a ampliação das atividades musicais de Villa-Lobos relacionadas aos Estados
Unidos, com apoio, principalmente, dos trabalhos de Lisa Peppercorn e Maria de Fátima
Granja Tacuchian. E, por fim, passa-se a relacionar a produção musical desse período, com
enfoque nas obras comissionadas. Finalizando este capítulo, aborda-se o grupo que
encomendou a Fantasia em três movimentos, a “American Wind Symphony Orchestra”.
No segundo capítulo, é investigada a utilização de nomes como “fantasia” e “forma de
chôros”, para avaliar qual a proposição formal realizada por Villa-Lobos ao usar tais termos.
Para o termo “fantasia” é realizada uma digressão histórica desde suas primeiras ocorrências

7
Autora de Panamericanismo, propaganda e música erudita: Estados Unidos e Brasil (1939-1948), tese de
doutoramento apresentada no Departamento de História da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas de
Universidade de São Paulo.
15

em música, na Renascença. Posteriormente, comparam-se os procedimentos utilizados em sua


estrutura aos empregados nas obras de Villa-Lobos que recebem o título de “fantasia”,
investigando a assimilação desses procedimentos históricos à concepção musical deste gênero
pelo compositor brasileiro. O apoio teórico para realização deste capítulo considerou vários
autores. O verbete “Fantasia” do The New Grove Dictionary of Music and Musicians ofereceu
uma linha aproximativa de transformação enriquecida por outras publicações de autores como
Manfred Bukofzer, Rudolph Reti, Charles Rosen e Wallace Berry. Os comentários sobre as
“fantasias” escritas por Villa-Lobos foram tirados de publicações de Bruno Kiefer, Adhemar
Nóbrega, Eero Tarasti, Gérard Béhague, Lúcia Silva Barranechea, Cristina Capparelli Gerling,
entre outros. A abordagem referente a “forma de chôros” é relacionada diretamente a estudos
sobre produção do ciclo dos Choros.
O terceiro capítulo analisa a Fantasia em três movimentos. Esta análise poderia
direcionar seu foco unicamente para a utilização de texturas musicais como procedimento
composicional, mas o emprego de outros recursos de igual relevância sugere outras
abordagens. Assim, no primeiro movimento, o emprego de modos diatônicos e sintéticos,
fundamentados em estudiosos como Vincent Persichetti, Daniel Raessler e Elliot Antokoletz,
aproxima Villa-Lobos das pesquisas de Ferrucio Busoni e Béla Bartók. No segundo
movimento, a presença de um motivo com características homofônicas particulares propõe um
enfoque de textura musical como elemento ordenador da estrutura. Apresenta o conceito sobre
textura de Wallace Berry com uma abordagem específica sobre motivo textural. O último
movimento apresenta uma tendência à escrita “pandiatônica” e a utilização de escalas
pentatônicas, fundamentadas novamente nos estudos formulados por Persichetti, e ampliados
para Nicolas Slonimsky e Stefan Kostka.
Villa-Lobos dizia que suas obras existiam para serem executadas e não analisadas. A
dificuldade de realização de uma das etapas do processo de criação, ou seja, a difusão e
execução da produção musical, problema que afeta até hoje a vida dos compositores,
especialmente no Brasil, pode ter gerado tal ponto de vista. Sabe-se que Villa-Lobos trabalhou
muito pela execução de suas nos vários lugares por onde passou. Seguindo-se esse raciocínio, a
análise seria um procedimento, hierarquicamente, posterior a sua execução. Não obstante, hoje,
nos primórdios do século XXI, Villa-Lobos é o compositor erudito brasileiro mais tocado no
mundo e a relevância de sua obra vem sendo fortalecida por trabalhos analíticos apresentados
16

nos últimos anos, que, por sua vez, formam um corpo teórico importante para a sua
compreensão.
17

Primeiro Capítulo

1. Villa-Lobos: Último período de sua produção musical

1.1 Fases Criativas de Villa-Lobos

Existem alguns caminhos para se compreender a produção musical de um compositor


como um todo. Um deles é traçar sua trajetória produtiva e dividi-la cronologicamente em
fases. Na verdade, são poucos os compositores com uma linearidade evolutiva claramente
definida, pois há muitas variantes que desencaminham tal processo; mas, em razão de uma
estratégia pedagógica direcionada à busca de entendimento desse processo criativo, costuma-se
dividir cronologicamente a obra de um artista em fases para demonstrar as preocupações e
realizações, durante os vários períodos da sua vida criativa.
Inicialmente, podem-se destacar em um compositor as bases de sua formação e suas
influências mais importantes; em seguida, evidenciar, por meio da análise de suas obras mais
significativas, os gestos que determinam seu domínio particular do material musical e o
diferenciam de seus contemporâneos. Por fim, assinalar de que maneira as proposições do
continuum de transformações inseridas na história alinharam sua linguagem e, a partir delas,
de que forma estabeleceram ou não uma efetiva contribuição ao repertório universal.
Quando o compositor é Heitor Villa-Lobos a tarefa se torna mais complexa. Ao avaliar
as considerações feitas por estudiosos sobre suas fases, percebem-se as várias dificuldades com
as quais eles se depararam. As mudanças de estilo repentinas e a grande variedade estilística
presente em suas composições são, sem dúvida, os primeiros fatores de dificuldade para traçar
uma possível linearidade ou uma cronologia clara neste processo. No entanto, as alterações de
datas em várias de suas obras tornam-se o fator de maior dificuldade a ser considerado. Um
simples esboço é tomado como o momento de sua “concepção espiritual”, termo utilizado pelo
próprio compositor para justificar as datas de algumas de suas obras, mesmo que estas obras
sejam escritas integralmente 12 anos mais tarde, como é o caso do Choros n.° 11
18

(PEPPERCORN, 1992, p. 16). Dessa maneira, tais obras acabaram mascaradas com datas
anteriores ao momento estilístico no qual foram compostas.
Mesmo diante de algumas imprecisões como essas, ainda assim será útil neste estudo
definir o último período da produção de Villa-Lobos, buscando contextualizar o presente
objeto dessa pesquisa, isto é, a Fantasia em três movimentos em forma de chôros, escrita em
1958. É óbvio que, como uma obra comissionada nos últimos anos de vida, não há qualquer
possibilidade de antecipação em sua data. Assim, para determinar os interesses musicais do
compositor brasileiro nesta fase, propõe-se a delimitação deste último momento villalobiano,
com uma breve contextualização histórica e a análise da Fantasia em três movimentos. Leva-se
em conta também que o último período da produção musical de Villa-Lobos não tem tido
grande interesse da comunidade musical, por considerar que sua contribuição mais
significativa está concentrada em obras de fases anteriores.
A definição deste último período fundamenta-se na reflexão comparativa de pesquisas
realizadas por quatro estudiosos da obra de Villa-Lobos: Lisa Peppercorn, Gérard Béhague,
Paulo de Tarso Salles e, por fim, consideram-se alguns fatos abordados por Paulo Renato
Guérios, como uma proposição para reavaliação das datas de algumas obras na trajetória
produtiva do compositor brasileiro.
Lisa Peppercorn acompanhou a trajetória de Villa-Lobos a partir do final da década de
30, quando era correspondente do jornal The New York Times no Rio de Janeiro, onde o
conheceu pessoalmente. Escreveu vários artigos e estudos sobre o compositor brasileiro, em
um do quais, publicado em 1979 com o título “The Fifteen-Year Periods in Villa-Lobos’s life”,
ela sugeriu uma divisão em ciclos de quinze anos na vida do compositor brasileiro, e os
organizou em quatro fases delimitadas por diferenças causadas, principalmente, por
acontecimentos externos. A primeira fase dessa seqüência cíclica ordenada por ela começa em
1900, quando o compositor tinha 13 anos, e segue até 1915. É um período marcado pela
formação e escolhas profissionais de Villa-Lobos. Na segunda etapa, de 1915 a 1930,
considera seu mais importante período criativo. De 1930 a 1945, Peppercorn estabelece como
terceira fase, quando Villa-Lobos se fixou no Brasil, fazendo viagens curtas, ligadas ao sistema
educacional que idealizara junto ao governo de Getúlio Vargas, e escrevendo as Bachianas
Brasileiras. Finalmente, a autora considera os anos de 1945 a 1959 como a quarta fase, período
em que Villa-Lobos entra definitivamente no mundo musical norte-americano e divide suas
19

atividades entre Brasil, Europa e Estados Unidos. Neste período, Peppercorn enfatiza o
tratamento recebido por Villa-Lobos nos Estados Unidos, onde foi homenageado em várias
oportunidades e tratado como uma verdadeira celebridade do mundo da música, e considerado
como um dos mais importantes compositores das Américas. Tal prestígio refletiu-se em
inúmeras obras comissionadas durante este período, o que se tornou, sem dúvida, um
diferencial claro desta fase (PEPPERCORN, 1992, p. 69-88). Gérard Béhague parte de uma
análise mais geral da produção villalobiana, separa em três fases com uma ordenação distinta
de Peppercorn. Ele denomina o primeiro período criativo até 1922, como definição estilística.
A seguir, os anos 20, a fase das experimentações e, por fim, dos anos 30 aos 50, como uma
continuação, embora com menor ênfase na de renovação de sua linguagem (BÉHAGUE, 1994,
p. 104). Paulo de Tarso Salles, partindo de um trabalho de cunho analítico direcionado aos
processos composicionais de Villa-Lobos, propõe a seguinte reflexão cronológica: de 1900 a
1917 – a adoção de modelos franceses e wagnerianos com o compositor estabelecido no Brasil;
de 1917 a 1929 – a transição para formas e estruturas mais livres em ambiente musical
parisiense; de 1930 a 1948 – o retorno ao Brasil em plena revolução varguista como símbolo
da cultura brasileira; e o seu último período criativo, de 1948 a 1959, marcado pelo diagnóstico
de sua doença, obras comissionadas, principalmente por instituições norte-americanas, e o
trânsito entre Brasil-EUA-Europa (SALLES, 2005a, p. 15).
Observam-se nestes três pesquisadores algumas divergências na proposição das fases
produtivas do compositor brasileiro. Eles possivelmente partiram de catálogos oferecidos pelo
Museu Villa-Lobos, com uma fonte comum, uma variedade de fontes bibliográficas e reflexões
pessoais de seus trabalhos. A comparação entre os resultados obtidos por esses estudiosos
mostra uma proximidade entre Peppercorn e Salles, com pequenas diferenças de 2 ou 3 anos
em cada período, e também na divisão em quatro fases distintas. Béhague já propõe três
períodos, sendo o primeiro e o último período mais longos, e trata de maneira indiferenciada
algumas mudanças.
A visão de Salles oferece uma divisão mais próxima das mudanças objetivas
empreendidas na produção musical e na estrutura das obras do compositor brasileiro, exceto as
considerações dirigidas à última fase, quando aponta um fato externo como determinante para
o período em questão, o diagnóstico da doença em 1948, a seu ver, uma sentença sombria que
afetaria a produção posterior de Villa-Lobos. Assim, para definir este último período, propõe-
20

se uma aproximação com a última fase descrita por Lisa Peppercorn, isto é, a partir de 1945,
pouco tempo depois de sua primeira viagem aos EUA, e após o ciclo das Bachianas
Brasileiras, que terá como marco inicial a realização de suas primeiras encomendas para
instituições norte-americanas.
Contudo, a trajetória de Villa-Lobos nos propõe outros questionamentos, em 19 de
setembro de 1922, José Rodrigues Barbosa escreveu um artigo para o jornal O Estado de São
Paulo, com o título “Um século de música brasileira” (CASTAGNA, 2007, p. 106-109). Neste
texto, no verbete “Heitor Villa-Lobos” consta, além de uma curta biografia do compositor, um
catálogo com as obras compostas até aquela data, porém com a ausência de obras como
Uirapuru, Amazonas, Trio para oboé, clarineta e fagote, entre outras. Segundo o catálogo do
Museu Villa-Lobos de 1989, essas três obras foram datadas como antes de 1922. Com uma
semelhante organização das obras do referido verbete, Paulo Renato Guérios cita um catálogo
de 1923, no verso de um programa de concerto realizado em São Paulo em 21 de abril, antes da
primeira viagem a Paris e supostamente feito pelo próprio Villa-Lobos.

[...] há um documento importante que não é referido por nenhum estudioso do


compositor: o programa do concerto realizado em 21 de abril de 1923 em São Paulo,
dois meses antes de sua partida para a Europa. Esse programa é extremamente
interessante por conter um catálogo das composições que Villa-Lobos tinha produzido
até então – catálogo que só poderia ter sido elaborado pelo próprio compositor. O
catálogo interessa mais pelas obras que não estão ali presentes do que pelas que estão
relacionadas. Entre as músicas de câmara, por exemplo, não constam o Trio para oboé,
clarineta e fagote, o Nonetto, as Canções típicas brasileiras (atribuídas a 1919), nas
quais Villa-Lobos utiliza cantos indígenas, nem Uirapuru e Amazonas – constam, no
entanto, o Tédio de alvorada e Myremis, que foram inclusive executados neste dia.
(GUÉRIOS, 2003, p. 138).

O poema sinfônico Tédio de Alvorada (1916) com estréia em 1918, por exemplo, foi
transformado em Uirapuru (datada por Villa-Lobos como 1917), com estréia realizada
somente em 1935. Em uma análise realizada por Salles são comparadas as duas partituras. As
conclusões desta análise apontam para um contato de Villa-Lobos com a obra de Igor
Stravinsky, principalmente O pássaro de Fogo e A Sagração da Primavera, somado às
influências de juventude como Wagner, Franck, D’Indy, entre outros, e a politonalidade
presente em Darius Milhaud. Finaliza Salles dizendo “que as ampliações da orquestração
revelam uma sofisticação da técnica de Villa-Lobos, não apenas com relação ao colorido, mas
em relação ao delineamento mais equilibrado da massa orquestral.” (SALLES, 2005b, p. 2-9).
21

Mesmo com as dificuldades para se estabelecerem referências corretas nas datações de


algumas obras, percebe-se que o ambiente parisiense propiciou uma transformação qualitativa
na obra de Villa-Lobos, mesmo tendo ele dito que foi a Paris para mostrar seu trabalho8.
Neste ponto é interessante notar que, sem levar em conta qualquer ordem cronológica,
Villa-Lobos adotou uma maneira para classificar sua própria obra, como nos lembra o
musicólogo Adhemar Nóbrega. Segundo ele, aproximadamente em 1947, Villa-Lobos fez uma
ordenação de sua obra, em que qualifica cinco grupos a partir do nível de aproveitamento ou
não do folclore, revelando alguns critérios nos processos de composição. Esta classificação,
relatada por Nóbrega, foi reproduzida literalmente como o compositor a ditou, tendo sido
acrescentadas posteriormente apenas as datas, para situar cada obra no tempo. (NÓBREGA,
1971, p. 15-30). Tal ordenação é descrita sucintamente por Béhague da seguinte maneira:

[...] O critério básico refere-se à relativa presença ou ausência de elementos da música


folclórica ou de influência. O Grupo 1, ‘com intervenção indireta do folclore’, por
exemplo, corresponde a algumas obras como as primeiras duas sinfonias (1916, 1917),
o ballet O Papagaio do Moleque (1932), as quatro peças para piano que compõem o
Ciclo brasileiro (1936) bem como algumas canções solo da década de 10. Ao Grupo 2,
“com alguma intervenção direta do folclore”, pertencem algumas peças como a Prole
do Bebê (1918) a Lenda do Caboclo (1920), e trabalhos de música de câmara como o
Trio para sopros (1921) e o Sexteto Místico (1917). Os Choros são listados sob o
Grupo 3, “com influência folclórica transfigurada”, enquanto o Grupo 4, “com
influência folclórica transfigurada e permeada com atmosfera musical de Bach”, a
missa-oratório Vidapura (1919) e os Prelúdios para violão. Finalmente, como Grupo
5, “em controle total do universalismo”, são listadas as sexta e sétima sinfonias (1944,
1945) e várias obras de música de câmara da década de 40. (BÉHAGUE, 1994, p. 44)9.

Esta maneira de relacionar as obras tiraria de pauta as discussões sobre as antecipações


realizadas pelo compositor brasileiro. Porém, após descrever tal classificação, Béhague
considerou que a identificação de Villa-Lobos com o folclore não pode ser minimizada, mas
utilizar somente o critério de ausência ou presença da música folclórica, como dicotomia entre
8
A afirmação que teria sido feita por Villa-Lobos em uma entrevista concedida ao chegar em Paris era: “Eu não
vim aqui para aprender; mas mostrar o que fiz” (GUÉRIOS, 2003, p. 128).
9
[...] The basic criteria refer to the relative presence or absence of folk-music elements or influence. To Group 1,
“with indirect folk intervention,” for example, correspond such works as the first two symphonics (1916, 1917),
the ballet O Papagaio do Moleque (1932), the four piano pieces that make up the Ciclo Brasileiro (1936), as well
as several solo songs of the 1910s. To Group 2, “with some direct folk intervention,” belong such piano pieces as
the Prole do Bebê n°.1 (1918), Lenda do Caboclo (1920), and chamber music works as the Trio for woodwinds
(1921) and the Sexteto Místico (1917). The Choros are listed under Group 3, “with transfigured folk influence,”
while Group 4, “with transfigured folk influence permeated with the musical atmosphere of Bach,” includes the
Bachianas, the mass-oratorio Vidapura (1919), and the guitar preludes. Finally, with Group 5, “in total control of
universalism”, are listed the Sixth and Seventh symphonies (1944, 1945), the First piano concerto (1945) and
several chamber music works of the 1940s.
22

nacional e universal, é uma simplificação para as várias questões presentes na obra de Villa-
Lobos (BÉHAGUE, 1994, p. 44).
Assim, a partir da reflexão e considerações sobre todos estes fatos toma-se como base
de ordenação cronológica a proposta de Lisa Peppercorn, na qual se delimita esta última fase
criativa de Villa-Lobos de 1945, após o ciclo das Bachianas Brasileiras, até sua morte em
novembro de 1959. O trânsito entre EUA-Europa-América do Sul durante este período marca a
ampliação das atividades musicais do compositor brasileiro para os Estados Unidos, lugar onde
recebeu grande reconhecimento e atuou como compositor e regente. O final da Segunda
Grande Guerra também favoreceu esse trânsito intercontinental. No entanto, as obras
comissionadas, principalmente por entidades culturais e grupos orquestrais norte-americanos,
impõem-se como ponto de referência importante na produção musical deste período.

1.2 Panamericanismo e “Política de Boa Vizinhança”

A primeira viagem de Villa-Lobos aos Estados Unidos abre uma página sobre as
relações entre os países do continente americano, destacadamente Brasil e EUA, durante a
Segunda Guerra Mundial. Para compreensão deste período, proceder-se-á a uma pequena
digressão histórica e política para se definir Panamericanismo e, posteriormente, a “Política de
Boa Vizinhança” estabelecida pelos Estados Unidos junto aos demais países do continente
americano.
O Panamericanismo surgiu no século XIX como manifestação premente da integração
dos países americanos. Com objetivos de união e cooperação, em 1826, Simon Bolívar
defendeu tais idéias no I Congresso Internacional realizado na então província colombiana do
Panamá. Em seu início as propostas tinham em vista os países hispano-americanos e tinham o
apoio da Grã-Bretanha e não dos Estados Unidos, que por sua vez disputavam território com o
México. O México passou, então, por volta de 1830, a pressionar os países latino-americanos a
se organizarem contra a posição imperialista de seu vizinho. Entretanto, a idéia de um
continente amplamente integrado já estava presente na Doutrina Monroe nos Estados Unidos
em dezembro de 1823. Tal doutrina declarava repúdio aos movimentos neo-colonialistas de
23

países europeus contra nações americanas. Assim, vê-se claramente que, enquanto havia um
repúdio ao imperialismo norte-americano, esse mesmo país assumia um estratégico
paternalismo, colocando-se como protetor do hemisfério (TACUCHIAN, 1998a, p.7).
Oficialmente, a idéia do Panamericanismo foi apresentada em 1889 na Conferência
Panamericana em Washington, à qual compareceram dezessete países. A intenção era
fortalecer as relações dos EUA com os vizinhos do sul, tentando superar conflitos, com
objetivos comerciais. Deste encontro foi criado o Escritório Internacional das Repúblicas
Americanas, que em 1910 se tornou a Pan American Union (PAU), sediada em Washington.
Mais tarde, em 1948, foi dissolvida e transformada em Organização dos Estados Americanos
(OEA), que serviu como um reforço da liderança dos Estados Unidos no continente (Ibidem,
idem, p.7).
A partir de 1933, a “política de boa vizinhança” foi estabelecida pelo presidente
Franklin Delano Roosevelt, que iniciou nova estratégia política com os países americanos,
motivado pelos efeitos da crise econômica de 1929, como o elevado índice de desemprego e a
queda nas exportações de mais de 60% para países do continente americano (ADAMS, 1979,
p.292). Tornou-se célebre a afirmação de Roosevelt sobre a necessidade de os Estados Unidos
exercerem o papel de "bons vizinhos" em relação aos demais países, o que já deixava claro em
seu discurso de posse em 4 de março de 1933: "No campo da política mundial, eu dedicarei
esta nação à política da boa vizinhança, uma vizinhança que resulte do respeito mútuo e,
devido a isso, respeite o direito dos outros, uma vizinhança que respeite suas obrigações e
respeite a santidade dos seus acordos para com todos os seus vizinhos do mundo inteiro”
(DUROSELLE, 2001, p. 256). Assim a idéia do Panamericanismo é retomada.
A ascensão de ditaduras na Europa, no final da década de 20, evidencia o fascismo na
Itália e o crescimento do nacional-socialismo na Alemanha. Em 1933, a chegada de Adolf
Hitler ao poder na Alemanha aponta para um futuro sombrio para a humanidade. A América do
Sul, na década de 30, recebia imigrantes alemães e italianos, e o Brasil, por sua vez, mantinha
relações comerciais com a Alemanha. O Brasil vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas após a
revolução de 1930. Todos estes fatos somados formavam um contexto ameaçador aos norte-
americanos quando estourou a Segunda Guerra, o que deflagrou uma política de aproximação
mais agressiva direcionada aos países sul-americanos e mais diretamente ao Brasil (MOURA,
1984, p. 37).
24

Com isso, uma campanha de penetração gradativa da cultura norte-americana no Brasil


se tornava real. A estratégia dos Estados Unidos era promover uma cooperação interamericana
e a solidariedade hemisférica para enfrentar o desafio do Eixo. Assim, em agosto de 1940, foi
criada uma agência de coordenação dos negócios interamericanos, sob a chefia de Nelson
Rockefeller, chamada Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA). Essa
iniciativa se diferenciava dos programas de colaboração já em funcionamento, por estar
diretamente vinculada ao Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos (MOURA, 1984,
p. 40). O OCIAA contava com as divisões de comunicações, relações culturais, saúde,
comércio e finanças, para alcançar seus objetivos. Cada uma dessas seções se subdividia em:
rádio, cinema, imprensa, arte, música, literatura, exportação, transporte, políticas sanitárias e
finanças.
As ações desta “superagência” abrangiam várias áreas. Na saúde, houve uma ação para
o controle da malária com treinamento de enfermeiras e educação médica. Na comunicação e
informação procurava-se veicular na imprensa brasileira notícias favoráveis aos Estados
Unidos e, paralelamente divulgar o Brasil nos Estados Unidos. A recepção e transmissão de
radiofotos foram difundidas no Brasil como técnicas mais modernas nesta área. O rádio foi um
dos mais importantes meios para a propaganda na guerra. O OCIAA apresentava programas
transmitidos diretamente dos Estados Unidos. O cinema também desempenhava um papel de
difusor cultural e ideológico. O nascimento da personagem “Zé Carioca” data desta época,
caracterizando o estereótipo do brasileiro simpático. Carmem Miranda se torna símbolo da
cultura brasileira nos Estados Unidos. A coca-cola começa a substituir o suco de frutas nas
mesas brasileiras. Com isso, apesar de algumas resistências, o OCIAA conseguiu erradicar
gradualmente a influência do Eixo no Brasil e dar força ao discurso panamericanista de
solidariedade continental (MOURA, 1984, p. 43).

1.3 Primeiras obras de Villa-Lobos ouvidas nos Estados Unidos

A música de Villa-Lobos chegou timidamente ao solo norte-americano em meados dos


anos 20, executada por Artur Rubinstein.
25

No final de novembro de 1928, no Carnegie Hall, em Nova York, a Orquestra da


Filadélfia tocou as Danças Características Africanas, de Villa-Lobos, com regência de
Leopold Stokowsky. Esta é considerada por Peppercorn a primeira apresentação da música de
Villa-Lobos em solo norte-americano (PEPPERCORN, 1992, p. xii).
Em janeiro de 1930, também no Carnegie Hall, Hugh Ross10 regeu a estréia americana
do Choros n.° 10, com a Philharmonic Symphony Orchestra.
Em 1938, na preparação para Feira Mundial de New York, que aconteceria de 1939 a
1949, Armando Vital Leite Ribeiro, na qualidade de Comissário-Geral do Brasil, resolveu
mostrar a produção musical brasileira, especialmente a moderna, e contatou o então Reitor da
Universidade do Brasil, Professor Leitão da Cunha. Os professores Guilherme Fontainha e
Luiz Heitor foram indicados para a organização do programa. Villa-Lobos e Francisco
Mignone se propuseram, gratuitamente, a reger a orquestra para a gravação de vários discos.
Num árduo trabalho, foram 31 discos duplos com música de Carlos Gomes, Francisco Braga,
Henrique Oswald, Alexandre Levi, Camargo Guarnieri, Radamés Gnatalli, Lorenzo Fernandes
e Francisco Mignone, sendo que 10 discos se compunham de músicas de Villa-Lobos. Além
das gravações também foram organizadas coleções de partituras que compreendiam obras de
Carlos Gomes, Francisco Braga, Henrique Oswald, Alexandre Levi, Francisco Mignone,
Luciano Gallet, Barroso Neto, Frutuoso Vianna, Lorenzo Fernandez, João Nunes e Villa-
Lobos. As partituras de Villa-Lobos levadas foram Momoprecoce, Bachianas Brasileiras 1, 2 e
5, Amazonas (redução para piano), 1ª. Suite do Descobrimento do Brasil, Cirandas, Prole do
Bebê e Suíte Floral (RIBEIRO, 1965, p. 21-22).
Houve três concertos com músicas e artistas brasileiros no “Music Hall”, construído
especialmente para a Feira Mundial, sendo dois inteiramente dedicados a obras de Villa-Lobos.
No primeiro concerto, Bidu Sayão cantou a Ária das Bachianas Brasileiras n.° 5, e obteve
grande sucesso. A primeira parte terminou com o Choros n.° 8, que deixou a platéia surpresa.
No segundo concerto foram executados, de Villa-Lobos, Caixinha de Boas-Festas e o Choros
n.° 10 sob a regência de Hugh Ross. Este foi, até aquele momento, o contato mais efetivo do
povo norte-americano com a música de Villa-Lobos. Embora não pudesse estar presente

10
Ross foi regente da Schola Cantorum de Nova York e amigo próximo de Villa-Lobos. Eles se encontraram pela
primeira vez em Paris no final dos anos 20. Sempre este próximo de Villa-Lobos no período em que esteve nos
Estados Unidos, sendo também um dos responsáveis pela encomenda da ópera “Yerma”.
26

fisicamente aos concertos, Villa-Lobos ouviu-os pelo rádio e seu julgamento a respeito da
execução foi curioso; disse a Armando Vidal Ribeiro que desejava uma regência “menos reta,
mais curva” (RIBEIRO, 1965, p. 23).
Esses concertos contaram com a presença da soprano brasileira Elsie Houston (1902-
1943), interprete e divulgadora da música brasileira, considerada pelo próprio Villa-Lobos
como uma das maiores intérpretes de sua música. Houston participou deste evento cantando
canções populares e temas de macumba. Ela viveu nos Estados Unidos de 1937 até sua morte,
em 1943, e chegou a ter um programa de rádio sobre música brasileira na NBC, embora não
haja documentação, Houston deve ter divulgado a música de Villa-Lobos em seus programas,
considerando-se que as obras do compositor brasileiro quase sempre estiveram incluídas nos
seus recitais11.

1.4 Negociações para primeira viagem aos Estados Unidos

A busca pela integração panamericana continuava firme como propósito norte-


americano. Na América do Sul, Villa-Lobos se tornara um símbolo importante na área da
música, como compositor, e já projetava seu sistema de educação musical, em plena realização
no Brasil. Desse modo, com um nome já constituído de forma incontestável, tornou-se alvo de
interesse de um projeto para levá-lo aos Estados Unidos.
Neste período Villa-Lobos estava envolvido com seu projeto de educação, trabalhando
na Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), órgão da Secretaria de
Educação e Cultura da prefeitura do então Distrito Federal no Rio de Janeiro, ligado ao
governo de Getúlio Vargas e fortemente identificado com o nacionalismo. Em sua produção
musical, encontrava-se compondo o ciclo das Bachianas. Em virtude da projeção de Villa-
Lobos com perfil de educador, Charles Seeger12, diretor da Divisão de Música da Pan
American Union, iniciava suas tentativas para levá-lo aos Estados Unidos.

11
Artigo em jornal e data não identificados, sob o título “Elsie Houston na hora brasileira da NBC todas as sextas-
feiras a partir do dia 15 de maio”. (BERTEVELLI, 2000, p. 75)
12
Louis Charles Seeger (1886-1979), musicólogo e professor norte-americano nascido no México, concentrou-se
na etnomusicologia em geral e em sua teoria, tendo exercido influência como escritor altamente prescritivo e
27

Em meados de 1941, encontramos o comitê de música do OCIAA iniciando


articulações para visita de Villa-Lobos ao país. A proposta inicial era convidá-lo a
reger um coral de três mil estudantes e participar da conferência bienal da associação
de educadores da música, Music Educators National Conference, programada para
março de 1942, em Milwukee e, após o evento, para uma apresentação como regente,
em Washington, nas comemorações do dia Panamericano, em 14 de abril. Enquanto
isso, Charles Seeger insistia junto ao educador John Beattie, sobre a visita,
considerando ser a mesma de ‘primordial importância [...] seu incontestável sucesso
trará repercussões benéficas aos interesses das relações interamericanas’.
(TACUCHIAN, 1998b, p. 244).

Contudo, a proposta inicial de levar Villa-Lobos como educador mudou, porque ele se
recusou a atrelar sua carreira somente ao seu projeto de educação. Além disso, John Beattie,
educador enviado ao Brasil para fazer o convite formalmente a Villa-Lobos, mostrou-se
decepcionado com os métodos de ensino do compositor brasileiro. Com parecer semelhante de
Lincoln Kirstein, diretor do American Ballet Caravan, em turnê pela América do Sul, Seeger
suspende o projeto inicial de convidar Villa-Lobos como educador (TACUCHIAN, 1998b, p.
244-245). Começa, então, um período de negociações para apresentá-lo, conforme
manifestação de seu desejo, como compositor e artista.
As negociações duraram meses e foram realizadas por cartas entre o diretor da Pan
American Union (PAU), Charles Seeger, e Heitor Villa-Lobos13. Assim o convite foi
formalizado em 18 de abril de 1944 com um contrato com a Jassen Symphony Orchestra de
Los Angeles. Nessas negociações, Villa-Lobos condicionou seu convite à participação em
outros concertos em grandes centros musicais norte-americanos, como Nova York, Chicago,
Boston e Filadélfia. Seeger uniu esforços e montou uma programação com o envolvimento de
orquestras norte-americanas e visitas a diversas cidades14.
Finalmente, a conjugação de todos estes fatores levou Villa-Lobos para os Estados
Unidos no final de 1944. Em 26 de novembro, do mesmo ano, Villa-Lobos dirigiu um
programa integralmente de obras orquestrais suas com a Jassen Symphony Orchestra em Los

filosófico. Exerceu atividades na organização e desenvolvimento dos Composers Colectives, e trabalhou como
crítico de música para vários jornais e periódicos.
13
Este conjunto de cartas encontra-se na Columbus Memorial Library da OEA, Washington DC, abrangendo
correspondência entre Seeger e Villa-Lobos, Seeger e Departamento de Estado, com empresários norte-
americanos e instituições musicais no período de 15/08/43 a 15/03/45. Cópias destas correspondências encontram-
se no volume 2 da tese de doutorado de Maria de Fátima Granja Tacuchian: Panamericanismo, propaganda e
música erudita: Estados Unidos e Brasil (1939-1948), Universidade de São Paulo, 1998, 2v.
14
idem, Carta de Villa-Lobos a Seeger, 18/08/44 na mesma coleção.
28

Angeles. O evento foi patrocinado por um grupo de instituições do qual faziam parte: Southern
California Council of Inter-American Affairs, Motion Pictures Society for the Americas (seção
de música) e Occidental College, instituições que representavam diferentes segmentos da
comunidade, abrangendo setores oficiais, a indústria cinematográfica e orgãos educacionais.
Em uma cerimônia de gala, alguns dias antes do primeiro concerto, o compositor foi
homenageado pelo Occidental College com o título honorário de Doctorate in Law. Durante
algumas semanas seguiu-se programação semelhante em outras cidades, como Nova York,
Chicago, Boston e Filadélfia (Ibidem, idem, p. 244).
Peppercorn comentou a volta de Villa-Lobos dos Estados Unidos da seguinte maneira:

Villa-Lobos voltou para o Brasil satisfeito com a recepção que teve nos
Estados Unidos. O caráter direto e franco do povo americano e o seu alto nível cultural
o haviam deixado surpreso e emocionado, e o grande interesse de pessoas de todas as
idades por música – e isto incluía a música moderna – sensibilizou-o profundamente.
Ele percebeu como seus preconceitos haviam sido infundados: fora recebido com uma
disposição e simpatia com as quais jamais sonhara. Não demorou muito e ele começou,
talvez por intuição, talvez intencionalmente, a compor inspirado nos Estados Unidos.
(PEPPERCORN, 2000, p. 135).

A sugestão romântica utilizada por Peppercorn, quando diz que Villa-Lobos começou
“a compor inspirado nos Estados Unidos”, poderia supor um aprofundamento na cultura
musical norte-americana por parte de Villa-Lobos. Mas aqui, ela atribui a essa fase do
compositor brasileiro, a partir da primeira visita aos Estados Unidos, uma tendência crescente
de se “voltar às formas musicais tradicionais às quais acabou voltando totalmente”
(PEPPERCORN, 1998, p. 136). As hipóteses levantadas por ela para a escolha de tal caminho
por Villa-Lobos incluem: a de procurar descobrir que tipo de música que teria mais
probabilidade de sucesso em seus variados estilos de composição; o conservadorismo das
orquestras e dos empresários norte-americanos ter estimulado, através das inúmeras
encomendas, a utilização de formas tradicionais neste período; ou a busca de um
distanciamento do nacionalismo do período anterior. A interpretação firmada por Peppercorn
de que Villa-Lobos tenha se voltado totalmente para as formas tradicionais, em seu último
período, está fundamentada no fato de a produção musical desta fase ser representada, em sua
maior parte, por sinfonias, concertos, poemas sinfônicos, quartetos de cordas e óperas. Essa
premissa é, entretanto, questionada por Maria de Fátima Granja Tacuchian, que considera
problemático estabelecer uma relação direta sem uma reflexão mais profunda sobre as obras
29

produzidas neste último período; todavia não nega que Villa-Lobos tenha sido um artista
envolvido com o contexto que o cercava (Tacuchian, 1998a: 175-176).
De fato, a quantidade de obras comissionadas desse período é diferencial na trajetória
de Villa-Lobos e o maior número dessas encomendas veio dos Estados Unidos, mas para
determinar um estilo formal tradicional nas composições deste período é necessário examinar
essa produção comissionada.

1.5 Produção musical do último período

As três primeiras obras de Villa-Lobos comissionadas neste período datam de 1945. A


primeira delas foi encomendada pela Elizabeth Sprague Coolidge Foundation, da Livraria do
Congresso, Washington, D.C., respondida com o Trio para Violino, Viola e Violoncelo, com
estréia em 30 de outubro de 1945, realizada pelo Albeneri Trio, no Coolidge Auditorium. O
segundo convite veio de Ellen Ballon (1898-1969), pianista canadense, filha de russos, para
compor um concerto para piano e orquestra. Em resposta a este convite Villa-Lobos escreveu
seu Concerto n.° 1 para piano e orquestra15. O poema sinfônico Madona foi a terceira obra
encomendada neste período, porém, desta vez, a iniciativa foi da Fundação Koussevitzky,
dedicada a Natalie Koussevitzky, esposa falecida do famoso regente da Orquestra Sinfônica de
Boston, Serge Koussevitzky (PEPPERCORN, 1992, p. 198).
Villa-Lobos escreveu também em 1945 a Sinfonia n.° 7, para comemorar o final da
guerra. Sua estréia foi em Londres, em 26 de março de 1949, com a execução da Orquestra
Sinfônica da BBC, regida pelo próprio compositor (PEPPERCORN, 2000, p. 139).
A “aventura musical” Magdalena, comissionada por Edwin Lester, presidente da Los
Angeles Civic Light Opera Association, foi escrita entre janeiro e março de 1947. Sua primeira
apresentação foi em 26 de julho de 1948, na Philharmonic Hall em Los Angeles. Em sua
temporada teve 32 performances em Los Angeles e São Francisco e 72 no Ziegfeld Theatre de
Nova York. Segundo Tacuchian:

15
Esta obra foi composta em um período de 20 dias e sem piano, conforme Jorge Dodsworth Martins em
Presença de Villa-Lobos (MARTINS, 1969, p. 111).
30

Magdalena tem sido uma das obras mais controvertidas do autor, pois para avaliá-la
não há consenso, seja na recepção do público e da imprensa especializada, na época de
sua encenação ou na forma como tem sido mencionada em trabalhos teórico-analíticos,
incluindo-se aqui as diferentes classificações que recebeu, como ‘opereta’, ‘ópera
ligeira’, ‘comédia musical’ ou ‘aventura musical’. (TACUCHIAN, 1998a, p. 177).

A partitura original de Magdalena sofreu drásticas alterações para se adaptar ao


espetáculo musical. O descontentamento de Villa-Lobos foi grande, mas as receitas o ajudaram
a custear as despesas de hospital relacionadas à cirurgia a que precisou se submeter, devido ao
câncer de bexiga diagnosticado neste ínterim. Villa-Lobos não esteve presente na estréia, pois
estava no hospital, mas seu amigo Hugh Ross lembra tê-lo ouvido dizer, antes da estréia,
zangado: “Na primeira apresentação, vou me levantar no meu camarote e dizer: ‘Povo de Nova
York, esta não é minha música’.” E Ross continua: “Ele só não fez isso porque, infelizmente,
estava no hospital na hora.” (PEPPERCORN, 2000, p.140)16.
O musical Magdalena (1947) e a trilha sonora para o filme Green Mansions (1958) da
MGM, tornaram-se para Villa-Lobos acontecimentos incomuns para um artista latino-
americano, o de integrar um espaço, até então ocupado predominantemente por artistas norte-
americanos ou um seleto grupo de europeus (TACUCHIAN, 1998a, p.176-177).
Neste último período criativo, além dos concertos para piano n.° 1, 3, 4 e 5, outros
concertos foram encomendados por instrumentistas virtuoses, como o Concerto para harpa e
orquestra, em 1955, para Nicanor Zabaleta, e o Concerto para harmônica e orquestra, em
1955, para John Sebastian. O Concerto para violão e orquestra, inicialmente intitulado
Fantasia Concertante, foi transformado em concerto a pedido de André Segóvia, e a ele
dedicado.
Seguem-se a estas obras comissionadas outras como: Hommage à Chopin, de 1949; a
Sinfonia n.° 10, intitulada Sumé Pater Patrium para solo, coro misto e orquestra composta em
1953/54; a Sinfonia n.° 11, de 1955; a Fantasia Concertante para piano, clarineta e fagote, de
1953; a Ouverture Alvorada na Floresta Tropical, de 1953; os poemas sinfônicos Erosão, de
1950, e Gênesis, de 1954; o balé The Emperor Jones, em 1956; a ópera Yerma, The Unfruitful,
peça de Lorca de 1955/56; Magnificat Aleluia, para coro misto e orquestra, de 1958.
Para ilustrar e estabelecer um parâmetro comparativo entre as obras escritas neste
último período villalobiano, segue uma lista das obras mais significativas, em sua maioria

16
Carta de Hugh Ross para Peppercorn, Nova York, 16 de outubro de 1973 (PEPPERCORN, 1992, p. 94).
31

orquestrais, distinguindo as obras comissionadas por norte-americanos em vermelho, as


comissionadas por outros países em negrito e obras não comissionadas sem nenhum
destaque17.

Título Instrumentação Editora Ano


Trio para violino, Max-Eschig 1945
viola e violoncelo
Concerto para Piano e Orquestra Max-Eschig 1945
Piano e Orq. n.° 1
Fantasia para Orquestra Max-Eschig 1945
Violoncelo
Madona Orquestra Max-Eschig 1945

Quarteto de Cordas Peer-Southern 1945


n.° 9
Sinfonia n.° 7 Orquestra Manuscrita 1945
Quarteto de Cordas Peer-Southern 1946
n.° 10
Magdalena Coros e Orquestra Manuscrita 1947
(Aventura Musical
em 2 atos) 18
Quarteto de Cordas Peer-Southern 1947
n.° 11
Big-Ben Canto e Orquestra Southern Music Pub. 1948
Comp.
Concerto para Piano Piano e Orquestra Max-Eschig 1948
e Orq. n.° 2

17
Estas informações foram obtidas do catálogo de 1989, editado pelo Museu Villa-Lobos.
18
Embora não conste como obra encomendada no catálogo de 1989, segundo Peppercorn, foi encomendada por
Edwin Lester (PEPPERCORN, 1992, p. 198).
32

Fantasia para Saxofone Soprano Southern Music Pub. 1948


Saxofone ou Tenor (3 trps. e Comp.
cordas)
Erosão Orquestra Max-Eschig 1950
(Poema Sinfônico)
Quarteto de Cordas Associated Music 1950
n.° 12 Pub.
Samba Clássico Canto e Orquestra Max-Eschig 1950
Sinfonia n.° 8 Orquestra Max-Eschig 1950

Concerto para Violão e Orquestra Max-Eschig 1951


Violão e Orquestra

Quarteto de Cordas Max-Eschig 1951


n.° 13
Rudá (Dio Orquestra Max-Eschig 1951
D’Amore) Bailado
Concerto para Piano e Orquestra Max-Eschig 1952/1957
Piano e Orq. n.° 3
Concerto para Piano e Orquestra Max-Eschig 1952
Piano e Orq. n.° 4
Ouvertude Orquestra Max-Eschig 1952
L’Homme tel...
Sinfonia n.° 9 Orquestra Max-Eschig 1952
Sinfonia Ameríndia Coro, Cantores e Max-Eschig 1952
n.° 10 Orquestra
Concerto para Harmônica (Gaita) e Max-Eschig 1953
Harmônica e Orq. Orquestra
Concerto para Piano e Orquestra Max-Eschig 1953
Violoncelo e Orq.
n.° 2
33

Fantasia Piano, Clarineta e Max-Eschig 1953


Concertante Fagote
Odisséia de uma Orquestra Israeli music.Pub. 1953
Raça
Quarteto de Cordas Max-Eschig 1953
n.° 14
Concerto para Piano e Orquestra Max-Eschig 1954
Piano e Orq. n.° 5
Gênesis Orquestra Max-Eschig 1954

Quarteto de Cordas Max-Eschig 1954


n.° 15
Quarteto de Cordas Max-Eschig 1954
n.° 16
Yerma (Ópera em Coro, Cantores Manuscrita 1955/1956
3 atos) Solistas e Orq.
Sinfonia n.° 11 Orquestra Max-Eschig 1955
Canção das Águas Canto e Orquestra Max-Eschig 1956
Claras
The Emperor Jones Canto e Orquestra Manuscrita 1956
A Menina das Coro, Cantores e Manuscrita 1957/1958
Nuvens (Aventura Orquestra
Musical em 3 atos)
Quarteto de Cordas Max-Eschig 1957
n.° 17
Quinteto Flauta, Violino, Max-Eschig 1957
Instrumental Viola, Cello e
Harpa
Poema sem Palavras Canto e Orquestra Max-Eschig 1957
Sinfonia n.° 12 Orquestra Max-Eschig 1957
34

Modinhas e Canções Canto e Orquestra Manuscrita e Max- 1958/1959


(Álbum n.°2) Eschig (Canto e
Piano)
Floresta do Canto e Orquestra Manuscrita 1958
Amazonas
Cair da Tarde,
Canção do Amor
Fantasia Concertante 32 Violoncelos Max-Eschig 1958
Fantasia em 3 Mov. Orq. de Sopros C. F. Peters Corp. 1958
(em forma de
chôros)
Floresta do Coro e Orquestra Manuscrita 1958
Amazonas (Filme
Green Mansions)
Francette e Piá Orquestra Manuscrita 1958
Magnificat Alleluia Coro e Orquestra Max-Eschig 1958
Melodia Canto e Orquestra Manuscrita 1958
Sentimental
Floresta do
Amazonas
Sete Vezes Canto e Orquestra Max-Eschig 1958
Veleiros Canto e Orquestra Manuscrita 1958
Canção do Poeta do Canto e Orquestra Manuscrita 1959
Século XVIII
Concerto Grosso Orq. de Sopros C. F. Peters Corp. 1959
Suite For Chamber Orquestra de Max-Eschig 1959
Orchestra n.° 1 Câmara
Suite For Chamber Orquestra de Max-Eschig 1959
Orchestra n.° 2 Câmara
35

Ao examinar este quadro, percebe-se realmente uma grande quantidade de obras com a
utilização de formas instrumentais originárias do período clássico, no entanto associar o
emprego de seus títulos à utilização de formas tradicionais, como propõe Peppercorn, implica o
risco de estabelecer um juízo equivocado, se não forem investigadas as aplicações estruturais
realizadas nessas composições. A hipótese, sugerida por ela, de que o conservadorismo das
orquestras e agentes norte-americanos tivesse estimulado a produção de formas tradicionais
nesse período é enfraquecida , ao se observar a quantidade de obras com essas características
entre as obras comissionadas por eles (todas as obras em vermelho no quadro). Entre as cinco
sinfonias escritas neste período, apenas a Sinfonia n.° 11 foi comissionada por norte-
americanos, ele escreveu 12 sinfonias em toda sua obra. Os cinco poemas sinfônicos foram
comissionados por entidades norte-americanas, no entanto, possuem estruturas mais ou menos
livres. O The Emperor Jones, considerado como poema sinfônico no catálogo de 1989, foi
escrito para ballet, com partes vocais para contralto e barítono solistas. Os concertos para piano
e orquestra números 1, 3, 4 e 5 foram encomendados, mas nenhum por norte-americanos.
Outras encomendas feitas por norte-americanos foram uma obra para cinema, a Floresta do
Amazonas, e o musical Magdalena, que possuem roteiros preestabelecidos. O trio para violino,
viola e violoncelo, a primeira obra comissionada neste período, necessitaria ser analisado, mas
não faz parte da tradição camerística clássica. Os nove quartetos de cordas foram iniciativas
musicais de Villa-Lobos, nenhum foi encomendado, tendo sido escritos 17 no total. O
Magnificat Alleluia foi encomendado pela Associação Italiana de Santa Cecília para o
suplemento musical “Lourdiano”, ofertado ao Papa Pio XII. Seguem-se outros títulos com
denominações características de períodos pré-clássicos como as suítes para orquestra de
câmara, o concerto grosso e, por fim, uma grande quantidade de fantasias escritas por Villa-
Lobos nesse período, somando-se cinco: a Fantasia para saxofone, a Fantasia para violoncelo,
a Fantasia Concertante para trio, a Fantasia Concertante para orquestra de violoncelos e a
Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Entre elas duas foram comissionadas por
norte-americanos. Em 1953, a Fantasia Concertante para piano, clarinete e fagote,
encomendada pelo pianista norte-americano Eugene Liszt, e, m 1958, a Fantasia em três
movimentos em forma de chôros, comissionada pela American Wind Symphony Orchestra.
O número de obras comissionadas por norte-americanos, com títulos que poderiam
significar a utilização de formas clássicas, é insuficiente para justificar tal generalização feita
36

por Peppercorn sobre a produção da última fase do compositor brasileiro. No entanto, a


diminuição de obras com caráter nacional e a busca do que Villa-Lobos considerou como “as
formas universais do Poema Sinfônico, da Sinfonia, da Rapsódia, da Serenata Clássica, do
Concerto e da Fantasia” (VILLA-LOBOS, 1950, p. 204) podem significar uma direção seguida
pelo compositor brasileiro nesse último período.
Neste sentido, pode-se considerar que a Fantasia em três movimentos em forma de
chôros reune elementos necessários para um exame minucioso dos procedimentos
composicionais empregados por Villa-Lobos nos seus últimos anos de vida. Além dos
aspectos já apontados, isto é, ter sido comissionada por uma entidade norte-americana, a
American Wind Symphony Orchestra, composta em 1958, e é também um gênero considerado
por ele como uma “forma universal”.

1.6 American Wind Symphony Orchestra

O convite recebido por Villa-Lobos para escrever para a American Wind Simphony
Orchestra ocorreu em um momento importante de transformação desta espécie de conjunto
instrumental. Em meados do século XX, nos Estados Unidos era realizada uma ampla discussão
sobre bandas de sopros pela College Band Directors National Association (CBDNA), tendo como
assuntos principais, repertório, padronizações instrumentais para sopros e percussão e formação
de regentes. A forte tradição de bandas de sopros nos Estados Unidos desencadeou a formação de
um grande número delas, e havia vários tipos de bandas espalhadas por todo o país, desde bandas
militares, bandas de estudantes (High School Bands), até as bandas profissionais de concerto.
A partir dessas discussões nasceu a American Wind Symphony Orchestra (AWSO). A
concepção e criação da AWSO foi responsabilidade de Robert Austin Boudreau, no ano de 1957.
No início de suas atividades, como Wind Symphony Boudreau, foram selecionados músicos de
universidades de música e conservatórios de vários Estados norte-americanos e, mais tarde,
também músicos de outros países.
Tal concepção para a formação de uma orquestra de sopros propunha uma instrumentação
distinta dos grupos de sopros já existentes, que mantinham um padrão instrumental aproximado
37

nos vários tipos de bandas em atividade. Boudreau dobrou a seção de madeiras das orquestras
sinfônicas e enriqueceu o naipe de percussão, sem saxofones ou eufônios muito utilizados nas
bandas de sopros. A instrumentação original consistia de: 6 flautas, 2 piccolos, 6 oboés, 2 corne
ingês, 6 clarinetas, 2 clarinetas baixo, 6 fagotes, 2 contrafagotes, 6 trompas, 6 trompetes, 6
trombones, 2 tubas, percussão, harpa, piano e contrabaixo (único representante da família das
cordas).
No entanto, um dos principais problemas enfrentados por Boudreau foi repertório. Assim,
colocou em prática um projeto para construção de um repertório original para seu conjunto de
sopros. Boudreau convidou e incentivou importantes compositores dos Estados Unidos e do
mundo, especialmente compositores da Europa, América do Sul e América Central, para
escreverem para a AWSO. Esse projeto, nos Estados Unidos, nasceu não somente da necessidade
específica de ampliação da literatura para um grupo de sopros, mas também da busca de qualidade
artística neste segmento musical, que possuía em seu repertório com muitas obras transcritas de
peças orquestrais e obras de entretenimento ligadas às suas heranças cívicas, destinadas a vários
outros tipos de agrupamento de sopros.
Algumas obras importantes haviam sido escritas antes da existência da AWSO, que
funcionaram como modelos para busca de qualidade e utilização de recursos específicos e
modernos para instrumentos de sopros. Igor Stravinsky escrevera a Sinfonia para sopros, em
1920, e o Concerto para piano e instrumentos de sopros, em 1923-24. Edgar Varèse criou peças
revolucionárias para madeiras, metais e percussão, Octandre e Hiperprism, em 1923, Intégrales,
em 1925, e somente para percussão Ionisation, em 1931. Arnold Schoenberg, respondendo à
sugestão de seu editor Carl Engel, compôs para banda de sopros completa o Tema com variações,
op. 43a19, em 1943. Entre várias peças para sopros, Paul Hindemith escreve em 1951 a Sinfonia
em Sib. E em 1955-56, Oliver Messiaen compõe Oiseaux Exotiques.
Cada uma dessas obras possui uma instrumentação diferente, com distintas preocupações
artísticas relativas à utilização dos instrumentos de sopros; somente Schoenbrg e Hindemith
seguem um padrão instrumental aproximado de bandas de concerto, enquanto as outras peças
apresentam concepções independentes. Neste sentido, a Eastman Wind Ensemble, criada por
Frederick Fennell, em 1952, introduz uma concepção flexível de instrumentação e repertório para

19
Schoenberg escreveu uma versão para orquestra, op. 43b, a pedido de Serge Koussevitzky, cuja estréia aconteceu
antes da versão para banda, realizada somente em 1946 pela Goldman Band, regida por Richard Franko Goldman, no
Central Park em Nova York.
38

grupo de sopros. Tal concepção permite a realização de uma variedade de obras com diferentes
formações sem prender-se a uma padronização de instrumentação específica. Como conseqüência,
amplia-se consideravelmente seu repertório, tornando-o ao mesmo tempo eclético e dinâmico,
possibilitando ao público ouvir peças novas, com as quais não estava familiarizado, juntamente
com obras do repertório tradicional, “O primeiro concerto da Eastman Wind Ensemble foi um
exemplo perfeito de sua implementação desta formula: Mozart – Serenade n.° 10 em Sib, K. 370a;
Riegger – Noneto para Metais, e Hindemith – Sinfonia em Sib.” (BATTISTI, 2002, p.58)20. Esta
concepção introduzida por Fennell estava presente nas idéias iniciais para formação da AWSO por
Boudreau, porém sua instrumentação era distinta.
Neste primeiro período de obras comissionadas para a AWSO, encontram-se duas peças de
Villa-Lobos, a Fantasia em três movimentos em forma de chôros, que obteve sua primeira
performance em 29 de junho de 1958, em Pittisburgh, e o Concerto Grosso para flauta, oboé,
clarineta, fagote e orquestra de sopros, apresentado pela primeira vez em 5 de julho de 1959, na
mesma cidade. Essas obras foram comissionadas por Mrs. S. J. Anathan. Durante um período de
mais de 40 anos, entre 1957 e 2002, as obras encomendadas pela AWSO ultrapassaram o número
de 400, das quais aproximadamente 150 foram editadas pela C. F. Peters Corporation. Outros
grupos tiveram iniciativas semelhantes, porém com menor intensidade. Hoje, o repertório para
orquestra de sopros conta com obras de compositores como: Vincent Persichetti, Karel Husa, Igor
Stravinsky, Arnold Schoenberg, Paul Hindemith, Edgar Varèse, Oliver Messian, K. Penderecki,
Heitor Villa-Lobos, Percy Grainer, Gordon Jacob, William Schuman, Walter Piston, Samuel
Barber, Aaron Copland, Alfred Reed, Morton Gould, Robert Russel Bennett, Norman Dello Joio,
David Maslanka entre outros (BATTISTI, 2002, p. 53-64).
No Brasil, a criação da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo em 1989, iniciativa do
maestro Roberto Farias, permitiu também uma considerável ampliação do repertório brasileiro
para esta formação instrumental, por meio de um projeto semelhante de obras comissionadas, além
da realização de obras importantes para sopros da literatura já existente. A Banda Sinfônica foi
responsável por mais de 70 obras comissionadas até 2008. Além disso, este grupo foi responsável
pela estréia brasileira da Fantasia em três movimentos, de Villa-Lobos, em 13 de outubro de 1992,
sob a regência do maestro Graham Griffiths, como regente convidado, em um concerto

20
“The first concert of the Eastman Wind Ensemble was a perfect example of this formula: Mozart – Serenade n.°
10 in B-flat, K. 370a; Rigger – Nonet for Brass, and Hindemith - Symphony in B-flat.
39

comemorativo dos 500 anos do descobrimento da América. Mais tarde, em 2005, a Fantasia foi
incluída no CD Fantasia Amazônica, deste mesmo grupo sinfônico, sob a regência do maestro
Abel Rocha.
No entanto, o padrão instrumental estabelecido para a Banda Sinfônica do Estado de São
Paulo foi o padrão das bandas de concerto, tendo Villa-Lobos escrito para a AWSO completa, isso
trouxe dificuldades para realização de obra mesmo com a padronização de uma banda de
concertos. Desta forma, foi necessário realizar algumas adaptações na instrumentação para
execução da Fantasia em três movimentos de Villa-Lobos21. No quadro abaixo é possível
comparar a adaptação da instrumentação original da AWSO com a instrumentação utilizada pela
Banda Sinfônica do Estado de São Paulo na gravação realizada em 2005.

AWSO Banda Sinfônica do Estado de São Paulo


2 piccolos 2 piccolos
6 flautas 6 flautas
6 oboés 1,2,3,5 oboés
4 e 6 redução - saxofone soprano
2 corne inglês corne inglês
6 clarinetas em Sib 12 clarinetas
clarineta em Mib (requinta) clarineta em Mib (requinta)
clarineta alto em Mib clarineta alto em Mib
clarineta baixo em Mib clarineta baixo em Mib
clarineta contrabaixo em Mib Voz dobrada com contrabaixo ou fagote
6 fagotes 1,2, 5 fagotes
3 e 4 redução para saxofone tenor
6 para saxofone barítono
2 contrafagotes contrafagote
6 trompas 6 trompas
3 trompetes em Sib 3 trompetes em Sib

21
Conforme informações constatadas no arquivo da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.
40

flugelhorn em Sib flugelhorn em Sib


2 trompetes em Dó 2 trompetes em Dó
4 trombones 4 trombones
2 trombones baixo trombone baixo
tuba tuba
2 contrabaixo (cordas) 4 contrabaixo (cordas)
tímpano tímpano
Percussão – (4 percussionistas) idem
caixa clara, bombo, pandeiro, tambour de
provence, matraca, castanhola, coco, pratos,
chocalho, tamtam, triângulo,
vibrafone, xilofone e celesta

A gravação dessa obra realizada pela Banda Sinfônica do Estado de São Paulo consta
como anexo deste trabalho nas faixas 1, 2 e 3 do CD “Fantasia Amazônica”.
41

Segundo Capítulo

2. Fantasia em três movimentos em forma de chôros

O título Fantasia em três movimentos em forma de chôros propõe duas investigações


iniciais antes de abordar a composição em sua sintaxe estrutural. São elas as duas proposições
utilizadas por Villa-Lobos no título desta obra, isto é, os termos “fantasia” e “forma de
chôros”.
No primeiro capítulo desta dissertação foi citada uma classificação feita por Villa-Lobos
de sua própria obra. Dentre os grupos nos quais estão subdivididas suas obras, há um nomeado
“controle total do universalismo”, endereçado às peças cuja relação com a tradição é
estabelecida a partir do alinhamento de algumas obras a títulos como sinfonia, concerto ou
quarteto de cordas, sem sugestões temáticas relacionadas ao folclore, compreendidas como
modelos sugeridos pela história, segundo o entendimento de Villa-Lobos, “a música pela
música” ou “a música universal”. Assim, até que ponto a utilização do termo “fantasia” é um
indício para estabelecer esse diálogo com a tradição? Para responder a tal indagação será
ilustrativamente interessante relacionar as transformações e estruturas apresentadas pela
fantasia no decorrer da história da música, como procedimento musical, a algumas peças que
Villa-Lobos nomeou como “fantasia” em sua produção.

2.1 O termo “fantasia”: conceito e transformações


da Renascença ao Barroco

O conceito do termo “fantasia”, de modo geral, traz como principal referência a


imaginação. Em sua utilização na música, deixou rastros desde a renascença como um
42

procedimento composicional livre com recursos musicais bastante diversificados. No The New
Grove’s Dictionary of Music and Musicians encontra-se a seguinte definição inicial para o
verbete “fantasia”:

Um termo adotado na Renascença para uma composição instrumental cuja


forma e fonte de invenção vem ‘unicamente da fantasia e habilidade do autor que a
criou’ (Luis de Milan, 1535-6). Do século XVI ao século XIX a fantasia tende a reter
esta licença subjetiva, e podem conseqüentemente variar amplamente suas
características formais e estilísticas, desde tipos improvisatórios livres até o
estritamente contrapontístico e formas seccionais mais ou menos padronizadas.
(FIELD; HELM; DRABKIN, Grove’s Dictionary, 2001, p. 380).22

Esta licença subjetiva presente na “fantasia”, conforme texto acima, parece dar ao
compositor uma liberdade de proceder em seu material musical completamente desprovido de
uma estrutura conhecida, para compor, quase como um programa imaginário, uma retórica
pessoal aliada à prática de seu tempo. Contudo, ao observar as transformações sofridas pela
“fantasia” durante seu percurso histórico, como um gênero musical, percebe-se que sua
aparente flexibilidade formal traz consigo vários recursos que caracterizam elementos
essencialmente musicais para a prática da música instrumental. Tais elementos, condizentes
com a música polifônica da renascença, foram: a imitação – como característica do
contraponto imitativo e, em alguns casos, com proximidade ao ricercare monotemático e
conseqüentemente à fuga; a variação – com a utilização de temas e seqüências de notas e
procedimentos como ostinatos com transformações nas figurações aproximando-se da
passacaglia ou da chacona; e a improvisação – com aspectos mais livres de criação, às vezes
de caráter recitativo, que acabaram por constituir procedimentos paralelos à toccata e ao
prelúdio.
Arnold Schoenberg, no livro Funções estruturais da harmonia, aponta como um erro de
antigos teóricos o de descrever alguns procedimentos nomeados como introdução, prelúdio,
fantasia, recitativo, entre outros, como “formas livres”. “As formas para eles não são
organizações, mas sim restrições; assim, as formas livres resultariam amorfas e
desorganizadas. A causa deste erro teórico pode ser o fato de que não existam duas de suas

22
A term adopted in the Renaissance for an instrumental composition whose form and invention spring ‘solely
from the fantasy and skill of the author who created it’ (Luis de Milan, 1535). From the 16th century to the 19th
the fantasia tended to retain this subjective licence, and its formal and stylistic characteristics may consequently
vary widely from free, improvisatory types to strictly contrapuntal and more or less standard sectional forms.
43

formas livres que tenham uma estrutura similar.” (SCHOENBERG, 1990, p. 161). Schoenberg
ainda comenta que entre outras formas que não são livres de restrições formais como scherzos,
rondós, primeiros movimentos de sonatas e sinfonias não se encontram semelhanças mais que
um esboço primordial.
Desta maneira, a “fantasia” foi encontrada, desde o século XVI, em vários lugares da
Europa como Itália, Espanha, França, Holanda, Alemanha, Polônia e Inglaterra, com pequenas
diferenças de instrumentação e de estrutura.
Uma das primeiras referências do termo fantasia, utilizado em música, é encontrada em
uma carta de 5 de fevereiro de 1492, endereçada a Francesco Gonzaga, enviada de um cortesão
de Ferrara. Nessa carta, menciona uma “magna fantasia” que o músico Lapacino esperava
compor, o contexto expressa uma intenção de um trabalho vocal. Em outra carta, escrita de
Ferrara, provavelmente em 1502, para Ercole d’Este, denomina-se (de “uno moteto sopra una
fantasia”) uma peça instrumental de Isaac sobre oito notas de um cantus firmus, lá mi lá sol lá
sol lá mi.
Aqui, nestas primeiras utilizações do termo “fantasia”, têm-se duas interessantes
informações, uma possível proveniência da música vocal e, posteriormente, uma peça
instrumental, com uma proposição a variações sobre oito notas.
Em 1532, uma publicação feita em Milão reunia várias fantasias com peças de Marco
d’Aquila, Francesco da Milano, Alberto Ripa, Albutio e Borrono. Dentre elas, as fantasias para
alaúde de Francesco da Milano continham técnicas imitativas com execução idiomática que
foram amplamente difundidas em toda Europa.
No trecho da Fantasia XX, de Francesco da Milano, tem-se um exemplo de contraponto
imitativo livre, em uma peça escrita originalmente para alaúde e transcrita para violão por
Jean-François Delcamp. Podem-se observar as imitações assinaladas em vermelho, nesta
primeira página; são três pequenos temas imitados, conforme figura 2.1, abaixo:
44

Fig. 2.1

Na Espanha, Luis de Milan cultivou fantasias para vihuela como reflexo da influência
italiana, porém com mais refinamento na combinação da imitação, com claro motivo
contrapontístico, e escrita simples e ornamentada em arpejos, apresentada em três secções
45

seguidas. O termo “tiento”23, também utilizado para fantasia, era preferido por organistas
espanhóis como Antonio de Cabezón e Pedro Vila. Algumas fantasias de vihuela foram
adaptadas para teclado, a partir dos livros de Luys de Narváez. Em 1565, Frei Tomás de Santa
Maria publicou seu tratado Arte de tañer fantasia, para teclado, vihuela ou qualquer outro
instrumento harmônico, com instruções técnicas para improvisação instrumental e contraponto
imitativo com características próximas à fuga (MANN, 1986, p. 26).
Na figura 2.2, abaixo, a Fantasia de Frei Tomás de Santa Maria apresenta características
de fuga com entradas em pares de vozes:

Fig. 2.2

Na Holanda, também eram difundidas algumas publicações italianas, e mais tarde


inglesas. A chegada de Peter Philips da Inglaterra, em 1588, trouxe um estilo que influenciaria
mais tarde Jan Pieterszoon Sweelinck. Philips tratava a fantasia com imitações por diminuição
e aumento. Mais tarde, as fantasias de Sweelinck foram apresentadas em três tipos principais:

23
“Tiento” em espanhol significa “toque”; foi um termo usado nos séculos XVI e XVII para equivalentes
espanhóis e portugueses do ricercare, em geral intercambiáveis com fantasia.
46

como ostinato, no qual o tema é repetido contra uma figuração em transformação; como
ricercare, com temas cromáticos com inversões, diminuições e aumento; e, por fim, como a
toccata, com algumas características improvisatórias.
Neste exemplo de Sweelink, apesar de as entradas serem imitativas no início, elas tendem
mais adiante a se transformarem em quatro vozes livres. As mais graves, com movimentos
rítmicos de figuras mais longas, contra a voz mais aguda, com um movimento melódico mais
livre, conforme figura 2.3 abaixo:

Fig. 2.3

No próximo exemplo (figura 2.4), a Fantasia Fa-Mi-Ut-Re do século XVI, anônimo,


retirado da Florilegium Musicum History of Music in 180 examples, o tema (assinalado em
vermelho), é utilizado em ostinato durante toda a obra com poucas alterações ornamentais,
47

algumas vezes transpostas, tendo as figurações modificadas com elementos contrapontísticos.


Ao observar este tema percebe-se o desenho melódico de uma cambiata24.

Fig. 2.4

Na Alemanha a influência italiana é também confirmada com a reimpressão do livro para


alaúde de Conrad Gerle (1552), com fantasias de d’Aquila, Francesco da Milano, Alberto
Ripa, Albutio e Pietro Paolo Borrono. A fantasia, na Alemanha, foi apresentada como uma
categoria de composição improvisatória com o uso de técnicas imitativas, e também foi
utilizada como sinônimo de prelúdio com textura coral. Nos primeiros manuscritos
encontrados de fantasias para teclado a Fantasia in ut, de Hans Kotter, cópia provável de
1513-14, com tratamento imitativo, como uma curta introdução em três partes, cuja função era
semelhante à das peças chamadas por Kotter de praeambulum ou proeminium.

24
A “cambiata” ou “nota cambiata” é uma expressão introduzida no século XVII para uma nota de passagem
acentuada, mas que passou a significar uma nota não harmônica e não acentuada, da qual se sai através de um
salto de uma terça para baixo ou para cima.
48

A Inglaterra também não escapou da influência inicial italiana trazida por Alfonso
Ferrabosco I, com suas fantasias para alaúde, entre 1562 a 1578. Mas, sem dúvida, o grande
mestre inglês das fantasias para alaúde, neste período, foi John Dowland, com suas complexas
fantasias polifônicas. Somando-se à música para alaúde, uma grande tradição de tecladistas
ingleses reservou à fantasia um eminente lugar na música no século XVII, entre eles Willian
Byrd, Orlando Gibbons e Matthew Locke.
Além desses autores ingleses, outros compositores de outros países tornaram-se
importantes referências para a fantasia para teclado no século XVII, tais como Frescobaldi,
Sweelinck, Scheidt, Froberger. Um dos maiores organistas de seu tempo, Girolamo
Frescobaldi chamou a atenção sobre o termo “fantasia”, ao dar a este a mesma significação que
o ricercare. Trata-se, segundo o organista, de um ricercare monotemático apresentado de duas
maneiras, um tema variado de seção em seção e um tema que se mantém constante de seção
em seção, porém munido de contra-sujeitos distintos (KIEFER, 1981, pp. 189-190).
A utilização da fantasia para conjunto instrumental também teve repercussão na Europa,
especialmente na Inglaterra, que teve uma grande produção musical neste gênero. Desta
maneira, Henry Purcell teve como referência uma longa tradição de compositores ingleses com
contribuições para tal procedimento musical, foram eles: Byrd, Gibbons, Jenkins, Willian
Lawes e Locke.
Dentre as principais transformações evidenciadas na fantasia no transcorrer do século
XVI ao século XX, destaca-se a quebra de laços com o contraponto imitativo no século XVIII.
No entanto, na obra de J. S. Bach, constata-se uma conjugação desses vários procedimentos
musicais aplicados à fantasia.
J. S. Bach compôs várias fantasias. A “Fantasia Coral” (Christ lag in Todesbanden –
BWV 718) apresenta uma peça para órgão escrita em textura coral com grandes fragmentos
utilizando técnicas distintas – fugato, linha melódica semelhante a uma giga, efeitos de eco e,
por último, uma grande passagem baseada em um cantus firmus com notas sustentadas. Nas
Fantasia e Fuga em Dó menor (BWV 537) - primeira página da partitura exemplificada na
figura 2.5 - e Fantasia e Fuga em Dó menor (BWV 562), apresentam-se na primeira parte, a
Fantasia, características de fuga, embora não sejam rigorosamente uma fuga, apresentam um
contraponto imitativo livre com exposições individuais do tema.
49

Fig. 2.5

Outras obras, como a fantasia da Fantasia e Fuga em Sol menor (BWV 542) e Fantasia
em Sol maior (BWV 572), aproximam-se mais da tocata e do prelúdio. Na Fantasia cromática
50

e Fuga (BWV 903), figura 2.6, por exemplo, J. S. Bach combina elementos da toccata ao
caráter improvisatório em três claras seções.

Fig. 2.6
51

Na fantasia da Fantasia e Fuga em Lá menor (BWV 904), percebe-se claramente a


semelhança com o prelúdio, construído em “expansão contínua” de um longo tema, termo
utilizado por Bukofzer para descrever um princípio formal característico do Barroco tardio
(BUKOFZER, 1947, p. 359).

2.1.1 Alguns traços da assimilação dos procedimentos da “fantasia”


presentes nas Bachianas Brasileiras, de Villa-Lobos

Na década de 30, Villa-Lobos empreende uma série de estudos sobre as obras de J. S.


Bach, visando às Bachianas Brasileiras. Neste período, Villa-Lobos transcreve para orquestra
várias obras de Bach escritas originalmente para teclado. Uma delas é a Fantasia e Fuga BWV
537 (figura 2.5), originalmente escrita para órgão, transcrita para orquestra em 1938. Os
resultados desses estudos estão presentes no ciclo das Bachianas Brasileiras em duas fantasias
nomeadas, o segundo movimento das Bachianas Brasileiras n.° 3, Fantasia (Devaneio)25, de
1938, e o último movimento das Bachianas Brasileiras n.° 6, também de 1938, Fantasia
(Allegro).
Na Fantasia (Devaneio) das Bachianas Brasileiras n.° 3, escrita para piano e orquestra,
as observações feitas por Villa-Lobos e citadas por Palma e Júnior em seus estudos sobre as
Bachianas Brasileiras ilustram a consciência do compositor ao utilizar este termo:

A estrutura da Fantasia, embora em forma de devaneio musical, tem o aspecto


de uma Ária, cuja melodia principal, em recitativo, é contrastada com acordes secos,
sincopados pela orquestra até o número 1, Più Mosso, onde entra o segundo episódio,
alegre e vivaz, destacando-se o piano solo numa técnica de virtuosidade brilhante.
(PALMA, JÚNIOR, 1971, 57).

Em outra citação, referente a essa Fantasia, Villa-Lobos comenta:

No último stretto, no número 7, da “reexposição” e em forma de conclusão,


aparecem duas melodias dialogadas em movimento contrário preparando novo

25
Em algumas das Bachianas Brasileiras observa-se que Villa-Lobos dá um nome duplo aos movimentos, um
deles relacionado a termos comuns utilizados na música e outro relacionado a termos da música brasileira.
52

ambiente com o tema a cargo do corne inglês e depois nos violoncelos. Este tema,
acompanhado de u’a marcha harmônica em estilo coral, é uma franca inovação à
maneira de Bach. Finalmente, último episódio, como ‘coda’ da Fantasia, no número 9,
aparece, por aumentação, um dos temas já expostos, a cargo dos metais, dentro de uma
frase em notas ligeiras e células melódicas curtas, em forma de sucessivas ‘bordaduras
inferiores’, dando aspecto brilhante e grandioso à terminação deste número. (PALMA,
JÚNIOR, 1971, 59).

Embora seja uma descrição dos acontecimentos musicais nas Bachianas Brasileiras n.°
3, Villa-Lobos revela alguns procedimentos técnicos utilizados na construção de sua música: o
recitativo, a virtuosidade técnica do piano solo, a utilização de imitação por “aumentação” e,
principalmente, o comentário sobre a inovação à maneira Bach do estilo coral. Como foi visto
anteriormente, na Alemanha a “fantasia” foi utilizada também como sinônimo de prelúdio com
textura coral, o que demonstra uma assimilação de procedimentos relacionados à trajetória
histórica da “fantasia”.
Na Fantasia (Allegro) das Bachianas Brasileiras n.° 6, escrita para flauta e fagote, as
observações feitas por Villa-Lobos, citadas também por Palma e Júnior (PALMA, JÚNIOR,
1971, 121), demonstram a busca de uma sonoridade específica da música brasileira
apresentando improviso contrapontístico com algumas características imitativas:

Escolhi a combinação destes dois instrumentos (flauta e fagote) para sugerir a


velha serenata brasileira para dois instrumentos, e substituí o oficlide pelo fagote,
porque este instrumento está mais próximo do espírito de Bach e quis dar a impressão
de improvisação como na serenata cantada. Esta é mais ‘bachiana’ na sua forma do que
brasileira. (PALMA, JÚNIOR, 1971, 121).

Assim, no Allegro das Bachianas Brasileiras n.° 6, a construção da “fantasia” está


estruturada em um tema básico apresentado no início, depois de uma pequena introdução de
sete compassos (figura 2.7). A flauta apresenta este tema, que é imitado imediatamente pelo
fagote em movimento contrário; em seguida, há outras pequenas seções contrastantes, voltando
sistematicamente a este tema inicial, porém sempre variado. Na introdução, o fagote apresenta
um desenho melódico de dois compassos que é repetido pela flauta uma quinta acima, seguido
de outro recurso muito utilizado nesta obra, os ostinatos de três notas com variação rítmica,
como pode ser observado na introdução, exemplo abaixo, o desenho do fagote no sexto e
sétimo compassos em relação ao desenho apresentado pela flauta no quinto compasso:
53

Fig. 2.7

A partir do compasso 49, a flauta em trecho solo faz uma espécie de cadência de caráter
improvisatório; esse solo termina no compasso 59, assinalado pela volta do fagote, conforme
figura 2.8.
54

Fig. 2.8

Os procedimentos apresentados por Villa-Lobos na estrutura destas duas obras


demonstram a assimilação de traços estabelecidos pela tradição musical, embora empregados
de maneira pessoal, claramente constatada na imitação, nas variações e na improvisação como
características da “fantasia”. No entanto, outras transformações estruturais na “fantasia”,
presentes nos próximos períodos da história da música, permitirão dar maior precisão às suas
proposições musicais.
55

2.1.2 A “fantasia” nos períodos clássico e romântico

As transformações da “fantasia” nos períodos clássico e romântico, a partir de C. P. E.


Bach, consistem em uma mudança de textura, da polifonia para homofonia e melodia
acompanhada, evidenciando a ruptura com o contraponto imitativo. Outros elementos, além da
textura, contribuíram para essas transformações na música; por exemplo, o pensamento tonal
foi o grande reorganizador formal e estrutural nesta passagem. Segundo Rudolph Reti, essas
mudanças, de maneira geral na música, são de extrema importância para a compreensão dos
processos composicionais no que diz respeito ao tratamento temático. O autor não considera
que os recursos contrapontísticos tenham sido abandonados, mas, pelo contrário, eles
intensificaram sua significação e enriqueceram seu uso ao modificar seu método e sua
aplicação. Os recursos composicionais utilizados na imitação contrapontística são basicamente
reiterativos com possibilidades de serem apresentados invertidos, retrogradados, aumentados,
diminuídos ou com variações ornamentais. Para essas variações ornamentais, o passo decisivo,
de um estágio de variação simples para um outro estágio mais elaborado, é dado em direção a
um método de variação mais complexo chamado “transformação temática”. O que evidenciaria
essa diferença fundamental entre princípios como imitação contrapontística e variação simples
para a transformação temática é um princípio gerador e modelador formal, cuja identificação
não é aparente, como nos períodos anteriores, mas velada, por apresentar várias categorias de
transformação temática (RETI, 1951, pp. 56-65). Ao sugerir esta distinção, Reti separa a
variação com imitação, representante do agente estrutural anterior ao período clássico, da
transformação com variação e imitação, como o principal fator de formação estrutural na era
posterior ao classicismo (RETI, 1951, p. 61). Esse modo de compreensão de Reti apresenta
uma tangência com o conceito de “transformação em desenvolvimento” de Schoenberg, que
tem na “idéia” o fundamento gerador.
Como momento intermediário desta passagem, C. P. E. Bach desempenhou um papel
importante com a produção de várias fantasias. Ele escreveu o Ensaio sobre a verdadeira arte
da execução ao teclado e destinou um capítulo para a fantasia livre, em que suprime as barras
de compasso para aplicar técnicas de improvisação. Embora obedeça a um pensamento
homofônico, não representa uma mudança substancial para o procedimento, considerando, por
56

exemplo, a Fantasia cromática e fuga (BWV 903), de J. S. Bach. As implicações tonais são
fundamentais na construção de suas fantasias. Wallace Berry comenta os aspectos formais e
cadenciais de duas fantasias de C. P. E. Bach, a Fantasia em Ré menor e a Fantasia em Sol
menor, e reconhece uma grande forma ternária, com a seção intermediária improvisatória com
progressões harmônicas e, a seguir, um retorno no final a aspectos texturais e harmônicos do
início, e diz: “[...] apesar do caráter recapitulativo de alguns aspectos da sua cadência final, é
livre na forma. Isto é, em estilo, uma forma improvisatória típica do Barroco, um tipo de
escrita expressa pelo compositor de características próximas a práticas improvisatórias no
teclado.” (BERRY, 1966, p. 438)26. Berry ainda destaca elementos de unidade e variedade
presentes nestas fantasias como padrão rítmico, progressões harmônicas, contrastes,
movimentação rítmica, textura homofônica, entre outras características. As fantasias de C. P.
E. Bach são representativas em sua obra, as mais importantes foram escritas entre 1782 e 1787.
Observa-se em suas fantasias para clavicórdio o tratamento seccional e improvisatório, uma
herança de parte de algumas das fantasias de J. S. Bach, e exemplo para as fantasias de Mozart.
Dessa maneira, tais procedimentos impulsionaram estruturas com caráter seccional,
que estão presentes nas fantasias para piano de Mozart, embora em seções organizadas
coerentemente com a estruturação formal do classicismo. Um exemplo é a Fantasia em Dó
menor K. 475, quando Mozart faz súbitas mudanças de modo e de andamento apresentando
uma série de seções distintas com transições abruptas de uma seção para a outra, e desse modo
evidencia a utilização de várias melodias divididas em seções de caráter quase improvisatório,
e por fim retorna ao material do início.
Beethoven, na Fantasia para piano op. 77, de 1809, oferece uma peça em um único
movimento com contrastes de tempo e de figuração, próxima às estruturas de C. P. E. Bach.
No entanto, em suas sonatas “quasi una fantasia” op. 27 n.° 1 e 2, de 1802, sete anos antes, já
havia rompido com a tradição, ao apresentar pela primeira vez a idéia de unificação dos
movimentos, utilizando para isso, segundo Reti, na n.° 2 da op. 27, derivações do tema do
Adágio, do primeiro movimento, nos outros dois movimentos, com recursos de supressão de
partes temáticas e concepção de um contorno temático (RETI, 1951, p.91-93). A integração
dos movimentos é manifestada na indicação do termo “attaca” entre eles. Na Fantasia para

26
[...] despite the recapitulative character of some aspects of its final cadence, is free in form. It is, in style, typical
of the Barroque improvisatory fantasy, a kind of written statement by the composer of approaches characteristics
of his improvisational practices at the keyboard.
57

piano, coral e orquestra op. 80, Beethoven rompe com a tradicional instrumentação, incluindo
um coral.
O romantismo converteu a fantasia em um meio de expansão formal sem as restrições
da forma sonata rígida, tornando-a uma peça instrumental de maior duração, vários
movimentos e, além de lhe conferir um caráter improvisatório, empregou o virtuosismo com
explorações harmônicas de características modulantes.
Franz Schubert escreveu quatro fantasias, a Wanderer-Fantasie e a ‘Graz’ Fantasia
para piano solo, a Fantasia em Fá menor para dois pianos e a Fantasia em Dó menor para
violino e piano. Essas fantasias possuem uma integração dos três ou quatro movimentos
contínuos como um único grande movimento. A Wanderer-Fantasie e a Fantasia para violino
e piano são importantes por anteciparem estruturas cíclicas em forma de movimentos
interligados, usadas posteriormente por Schumann e Liszt, representando um elo na tradição
musical que as liga às sonatas cíclicas de Beethoven, op. 101 e op. 102 n.° 1 (1815-16). O
jovem Franz Liszt fez um arranjo da Wanderer-Fantasie para piano e orquestra.
Sobre a estrutura cíclica da Wanderer-Fantasie tem-se o seguinte comentário de
Clemens Küln:

Na Fantasia para piano em Dó maior op. 15 (1822), a Wanderer-Fantasie


(Fantasia do Caminhante), de Franz Schubert, os quatro movimentos cíclicos se
escondem entre si, com uma pequena pausa de respiração depois do ‘Adági’: ‘Allegro
com fuoco’ – ‘Adágio’, ‘Presto’- ‘Allegro’. Mas o que acontece aqui de visão de futuro
é a elaboração formal de Schubert. O único motivo temático de todos os movimentos é
uma semínima e duas colcheias do Adágio; seu tema varia do lied de Schubert ‘Der
Wanderer’ (O Caminhante). A obra toda sai deste núcleo, em sua voluntariosa
combinação de princípios formais. A quase improvisação caminha paralela com a
variação progressiva [o desenvolvimento] – o impulso romântico para formas
<<abertas>> como fantasia se liga a um ‘todo a partir de um’ unificador -, e por trás do
ciclo de sonata transparece a forma do movimento de sonata. (KÜLN, 1992, p. 221).

Na Fantasia em Dó maior op. 17, escrita em 1836, de Robert Schumann, os três


movimentos são separados, e originalmente, foi denominada “grande sonata”, porém, “[...] não
opera como uma sonata clássica ou mesmo pós-clássica, apesar de aparentemente adotar suas
proporções e estrutura [...]”, comenta Charles Rosen, ao utilizá-la como exemplo para ilustrar a
58

idéia de fragmento romântico27 na música. No primeiro movimento, intitulado “Ruínas”, a


maioria dos temas está baseada na citação que só ocorrerá na última página. Trata-se do início
da última canção de An die ferne Geliehte (À amada distante), de Beethoven. “A citação é,
portanto, o ponto de repouso e o centro de gravidade.” (ROSEN, 2000, 157).
O gênero fantasia foi trabalhado por Schumann em diversas outras obras, as
Fantasiestück, peças instrumentais curtas com estruturas simples, semelhantes às formas de
canção, a Fantasia para Violino e Orquestra em Dó maior, opus 131, de 1853. A Sinfonia n.°
4, composta em 1941, cronologicamente seria a segunda, mas após ser revisada, dez anos mais
tarde, transformou-se na quarta sinfonia. Sob o título original Symphonische Phantasie, ela
apresenta, além de movimentos interligados, uma grande originalidade na forma e nas
transformações do material temático, que pode ser um exemplo muito interessante de forma
cíclica simples, devido à freqüência com que Schumann retorna, ao longo da obra, ao primeiro
movimento (SIMPSON, 1983, p.227).
Na produção musical de Frédéric Chopin encontram-se algumas fantasias, cujo
elemento aparentemente mais desenvolvido é a improvisação, são elas: a Fantasia sobre Árias
Polonesas em lá maior, op. 13; a Fantasia em fá menor, opus 49; a Polonese-Fantasia em La
bemol maior opus 61 e a Fantasia-Impromptu em Dó sustenido menor, opus póstuma 66,
composta em 1834. Todas elas se constituem em um único movimento com mudanças de
andamento e de caráter com muitas modulações. A Fantasia-Impromptu em Dó sustenido
menor teve como modelo o terceiro movimento da Sonata op. 27 n°2, em Dó# menor, de
Beethoven, e foi editada após a morte de Chopin, embora tenha sido recomendado pelo
compositor que não fosse publicada. A Fantasia sobre Árias Polonesas foi escrita antes de o
compositor completar vinte anos, e apresenta efeitos virtuosísticos diretamente ligados às
técnicas oriundas das fantasias de óperas e pot-pourri populares no fim da primeira metade do
século XIX, assunto que será abordado mais adiante. Na Polonese-Fantasia em La bemol
maior, opus 61, uma das últimas peças escritas por Chopin, há uma concepção harmônica
inovadora, nas palavras de Charles Rosen:

27
O fragmento romântico, na literatura, tem sua referência a partir do movimento romântico inicial como a
principal forma de manifestação. Pode-se dizer que o criador do fragmento foi o escritor Friedrich Schlegel, que
nomeou a definição dessa forma em uma das séries de 451 “Fragmentos” publicados em 1798: Um fragmento
deveria ser como uma pequena obra-de-arte, completo nele mesmo, e separado do restante do universo como
ouriço-cacheiro. (ROSEN, 2000, p. 88-89).
59

Foi, sobretudo, a originalidade harmônica que lhe permitiu criar formas ao


modo narrativo de contínuo sentimento lírico: substituir as mais duras oposições de
dominante – tônica por deslocamentos entre os modos maior e menor, e redefinir as
mediantes como sendo mudanças de modo, lhe permitiu se alongar em uma mesma
região tonal (esta também, redefinida com mais fôlego) e, ao mesmo tempo, adquirir
um rico e complexo sentido de movimento consistentemente expressivo e
delicadamente matizado. (ROSEN, 2000, p. 469).

Rosen relata que Chopin recebeu muitas críticas pelo seu distanciamento das
proporções e estruturas do classicismo, mas pontuado pela sua original visão hamônica, a qual
“transformou os deslocamentos de mediante em mudanças de modos em vez de alterações de
tonalidade”, isso deu grande fôlego formal a suas obras de estruturas mais longas.
A influência da obra de Chopin na música para piano de Villa-Lobos é discutida por
alguns estudiosos como Lisa Peppercorn, Andrade Muricy, Maria Augusta Machado da Silva,
Lúcia Silva Barrenechea e Cristina Capparelli Gerling. Na identificação dessa influência vários
fatores são destacados na produção desses dois compositores: aspectos musicais relacionados
às nacionalidades, a presença da música de J. S. Bach, a Ópera Italiana e alguns aspectos
organizacionais de estruturas formais que geraram críticas semelhantes. Claude Debussy e
Ernesto Nazareth, que apresentaram alguns aspectos de continuidade da música de Chopin, são
citados como referências para Villa-Lobos.
Na peça Hommage à Chopin para piano solo, composta em 1949, em resposta a uma
encomenda da UNESCO para comemoração do centenário de morte do compositor polonês,
Villa-Lobos demonstrou um conhecimento profundo da linguagem musical de Chopin. Esta
obra, que é a última para piano solo do compositor brasileiro, recebe as seguintes
considerações de Barrenechea e Gerling em um artigo sobre os dois compositores:

[...] Na sua última composição para piano, já distante dos tempos em que incorporava
elementos exóticos e voltando para uma produção de inserção internacional, Villa-
Lobos presenteia-nos com a sua interpretação e sua transformação dos gestos musicais
do compositor polonês tão presente e reverenciado com um outro inconfundível, o dele
próprio. Esta homenagem explícita é a culminância de um processo composicional
onde modelos do século anterior ao seu, exemplificáveis por Chopin, marcam uma
indelével presença de forma não tão invisível mas sempre sutil ou mesmo
transcendente como deve ser operada a influência de um mestre sobre o outro.
(BARRENECHEA; GERLING, 2000, p. 65).
60

2.1.3 Alguns traços românticos nas primeiras


fantasias de Villa-Lobos

O ambiente musical brasileiro da segunda metade do século XIX não oferece um


repertório rico de “fantasias”. No movimento romântico brasileiro, entre as primeiras
composições de Alexandre Levy, encontram-se em seu opus 2 as Fantasias sobre motivos do
Guarany, para dois pianos, dedicadas a Carlos Gomes, e opus 3, sobre motivos da Fosca,
escrita por volta de 1880 (HEITOR, 1952, p. 156). Mais tarde Glauco Velásquez escreveria
duas fantasias para piano e violoncelo.
As primeiras obras de Villa-Lobos com sugestão de “fantasia”, em seus títulos, são as
sonatas-fantasia n.°s 1 e 2, para piano e violino. A Première Sonate-Fantasie pour piano et
violon e subtítulo Désespérance28, de 1912, segundo Eurico Nogueira França29, mostra uma
proximidade entre Villa-Lobos e a primeira fase de Debussy, e compara esta primeira sonata-
fantasia de Villa-Lobos com os primeiros cinco compassos da Ballade, de Debussy, apontando
uma influência do pós-romantismo francês, associada, entretanto, a uma eloqüência romântica.
Observa-se nesta obra uma integração de andamentos, tocados sem interrupção, com a
imitação das seis notas iniciais exposta pela mão esquerda, começando pela nota mi, depois
imitada pela voz mais aguda da mão direita, começando pela nota lá, e depois a entrada do
violino no quarto compasso na nota sol, embora antecedido por um sol oitava abaixo. Mas essa
não será uma característica da peça, que tem uma proximidade maior com a maneira como a
“fantasia” foi tratada no início do romantismo.
Na segunda sonata-fantasia, de 1914, o jovem Villa-Lobos a trata mais livremente, com
a mesma configuração estilística. Kiefer observa nela “um domínio da técnica de composição
incomparavelmente maior” (KIEFER, 1986, p.36). E segundo os comentários de França:

A música jorra com facilidade feliz, e a circunstância de ser uma Sonata-


Fantasia, mais uma Fantasia do que Sonata, dá-lhe uma despreocupação formal que faz

28
Bruno Kiefer comenta a utilização do título em francês, para as duas sonatas, possivelmente pela simples razão
de terem sido editadas pela Max Eschig, sendo designados os andamentos em italiano, conforme era tradição
(KIEFER, 1986, p.23).
29
França, Eurico Nogueira. A evolução de Villa-Lobos na Música de Câmara. MEC/ Museu Villa-Lobos, Rio de
Janeiro, 1976, p.9.
61

com que essas imagens sonoras, impregnadas de romantismo sonhador, mas com um
requinte trazido por sua filiação à música francesa, brotem com naturalidade absoluta.
(FRANÇA, 1976, p. 13).

2.1.4 D’Indy e Villa-Lobos

Entre as referências que poderiam apontar para uma concepção de “fantasia” na obra de
Villa-Lobos, pode ser encontrada no período de sua formação a utilização do livro Cours de
Composition Musicale, de Vincent D’Indy, citado por Mariz como “o método de composição
que deixou traços sensíveis em sua composição” (MARIZ, 1989, p.45)30. Este livro é uma
única fonte de estudo confirmada por Villa-Lobos.
Segundo Adhemar Nóbrega, Villa-Lobos teria recebido o livro Cours de Composition
Musicale de presente do Dr. Leão-Veloso. (NÓBREGA, 1969, p. 14). Manoel Aranha Corrêa
do Lago, em sua tese de doutoramento, O círculo Veloso-Guerra e Darius Milhaud no Brasil:
Modernismo musical no Rio de Janeiro antes da Semana, confirma esta informação e
identifica Godofredo Leão-Veloso presenteando Villa-Lobos com este livro em 1914. Embora
Villa-Lobos não fizesse “parte inner cicle dos Veloso-Guerra [...] houve um número suficiente
de pontos de contato entre Villa-Lobos e os Veloso-Guerra, para poder-se considerar que esses
representam uma das fontes importantes de ‘atualização’ de Villa-Lobos em relação à música
moderna, no período anterior a sua partida para Paris.” (LAGO, 2005, p. 86).31
Vincent D’Indy (1851-1931), discípulo de César Franck e criador da Scola Cantorum,
representou um dos caminhos da música francesa na passagem do século XIX para o XX. Ele
utilizou a técnica da “forma cíclica”, melodias populares francesas e (ultra) cromatismo com
influência wagneriana. Cours de Composition Musicale tem característica enciclopédica e
abrange desde aspectos iniciais do estudo de contraponto até análises genéricas de formas

30
Cours de Composition Musicale, de Vincent D’Indy, que é uma apresentação de notas tomadas por Auguste
Sérieyx das Classes de Composição da Scola Cantorum. São três volumes, dos quais somente os dois primeiros
podem ter sido estudados por Villa-Lobos em seu período de formação, porque o terceiro volume foi publicado
somente em 1950.
31
O “Círculo Veloso Guerra” é identificado pelas atividades de Godofredo Leão-Veloso, de Nininha e Oswaldo
Guerra no papel de difusores do modernismo musical europeu no Brasil.
62

musicais. No capítulo VI do segundo volume, D’Indy aborda o termo “fantasia”, paralelamente


ao poema sinfônico, como gêneros sem uma estrutura formal definida.
A fantasia, como chega ao final do século XIX, seccionada, mas integrada em um
único grande movimento rapsódico32, poderia assemelhar-se ao poema sinfônico no que se
refere à flexibilidade aos padrões formais, porém se diferencia em sua intenção programática
de construção musical, ou seja, não depende de uma narrativa externa para sua estruturação. O
poema sinfônico, em geral, apresenta uma forma contínua com várias secções de caráter e
andamento mais ou menos contrastantes e alguns temas que são desenvolvidos, repetidos,
variados ou transformados de acordo com a estrutura do programa a que ele se remete,
segundo a interpretação do compositor. No entanto, é interessante notar que no Cours de
Composition Musicale, de Vincent D’Indy, os dois gêneros musicais são apresentados no
mesmo capítulo, com o título de “Le Poème Symphonique et la Fantasie”.
Esta leitura conjunta de Poema Sinfônico e Fantasia feita por D’Indy, no Cours de
Composition Musicale, possível referência para Villa-Lobos, tem como objetivo principal
demonstrar uma certa “evasão de regras” relacionadas ao aspecto formal destes dois gêneros
musicais. D’Indy trata o poema sinfônico como um gênero “híbrido”, que não é nem dramático
nem música absoluta, mas com uma estrutura dependente de elementos extra-musicais como
um poema, um programa ou um título que exercem influência em sua forma. Já o gênero
fantasia, segundo D’Indy, obedece a uma transformação de seu procedimento pré-clássico,
quando era originariamente prelúdio de fugas, significando então uma peça livre das
obrigações estreitas da escrita fugata, para se tornar, a partir do classicismo, uma peça sem
qualquer vestígio de uma forma estável, cujo único elemento comum seria seu título. D’Indy
ainda salienta que, no século XIX, a fantasia, ao receber um tratamento musical utilizando
temas populares diferentes, deveria ser chamada de Rapsódia, e em outra categoria estariam
esses “terríveis conjuntos de melodias de óperas”, os pot-pourris. Assim, D’Indy diz o
seguinte:

32
A rapsódia (de rhapsodós, cantor itinerante da Grécia antiga, que recitava poemas épicos) designa uma
composição instrumental ou sinfônica, de essência romântica, de estilo e de formas livres bastante próxima da
fantasia, mas que sempre se baseia em temas, ritmos etc., nacionais ou regionais. Aparece no início do século XIX
e revela uma consciência nacionalista de certos povos europeus. Venceslas Tomasek, músico tcheco adepto do
improviso, é tido como o primeiro compositor de peças deste gênero.
63

Essa verdadeira “evasão de regras” aceita muito bem a palavra que lhe dá
significado: Fantasia. Não é sem ter refletido longamente que daremos ênfase neste
capítulo a essa verdadeira “variedade do Poema Sinfônico” que foi a Fantasia, quando
esse vocábulo ainda não englobava essas “melodias costuradas” que justificariam
melhor, por essa mesma razão, o título de Rapsódia, a não ser que a qualidade dessas
“melodias”, tão mal “costuradas” com fios grosseiros, as relegue à condição de simples
Pots-pourris, chamados também de Seleções ou Buquês, como observamos em relação
às Aberturas desse tipo. (D’INDY, 1912, p. 299).33

As aberturas às quais D’Indy se refere neste trecho são vulgarização de aberturas sem
nenhuma ligação com a representação cênica, com o propósito de “invasão dos temas do
Drama”, geralmente das Comédias, como simples justaposições, sem ordem definida, de
motivos e árias com caráter rapsódico, segundo ele “uma denominação mais elegante que a que
se emprega normalmente: um Pot-pourri” (D’INDY, 1912, p. 283).34 Neste sentido, D’Indy
investiga, especificamente, nos dois gêneros, poema sinfônico e fantasia, a indefinição atrelada
a seus títulos e à variedade de suas estruturas. Mas esta característica do pot-pourri,
considerada por ele como pejorativa, não representa toda produção da fantasia deste período.
No decorrer do século XIX, o termo fantasia foi utilizado, sistematicamente, como
variações baseadas em temas operísticos. A forma da fantasia operística assemelhava-se à
estrutura do tema com variações, com uma introdução livre e um extenso final, ressaltando
aspectos virtuosísticos dos intérpretes. Nas obras de Sigismond Thalberg35, constam inúmeras
fantasias e variações sobre árias operísticas. Algumas delas apresentaram transformações para
este gênero, como por exemplo, as fantasias sobre temas da ópera Moisés, de Rossini, e Os
Huguenotes, de Meyerbeer, entre outros. As fantasias de Liszt são exemplos notáveis desse
tratamento como variações de temas operísticos neste gênero, as fantasias sobre temas de Don
Giovanni, de Mozart, e de Simon Boccanegra, de Verdi, representam em sua obra algumas de
suas mais importantes composições para piano. No final do século XIX, no entanto, houve um
declínio na popularidade desse gênero. Entretanto, a música de Carmen ainda inspirou uma

33
Cette véritable “évasion des règles” s’accommode fort bien du mot qui la signifie: Fantasie. Ce n’est pas sans
mûre réflexion que nous ferons dans ce chapitre une place particulière à cette véritable “varieté du Poème
Symphonique” que fut la Fantasie, au temps ou ce vocable ne recouvrait pas encore ces “airs cousus ensemble”
qui justifieraient mieux par cela mème le titre Rapsodie, à moins que la qualité de ces “airs”, si mal “cousus” de
gro fils, ne lea fasse rejeter au rang de simples Pots-ppurris, que des euphémismes polis appellent aussi Sélections
ou Bouquets, ainsi que nous l’avons remarque à propos des Ouvertures de cette sorte. (Tradução de Margarita
Lamelo).
34
A palavra Pot-Pourri é uma metáfora culinária traduzida literalmente da língua espanhola “olla podrida”, que
significa um tipo de guisado ou de sopa onde há de tudo.
35
Pianista e compositor austríaco, com carreira internacional, rivalizava com Liszt como maior virtuose da época,
esteve no Brasil nos anos de 1850.
64

grande quantidade de obras e deve-se salientar a Kammerfantasie (1920), de Busoni, que teve
como subtítulo Sonatina super Carmen.
Alguns compositores do início do século XX adotaram algumas características do
período barroco para “fantasia”, tendo como modelos as fantasias corais ou livres. Esse
caminho foi seguido por Max Reger e Busoni, especialmente em sua Fantasia contrapontística
de 1910. Schoenberg escreveu sua Fantasia para violino e piano, op. 47, com um tema
original, em um movimento, apresentado com uma introdução lenta, Grave, repetida entre duas
seções semelhantes ao scherzo. Benjamin Britten escreveu uma Fantasia para quarteto, para
oboé e cordas também em um único movimento. Outros compositores ingleses como Vaughan
Williams (Fantasia sobre Greensleeves e Fantasia sobre um tema de Thomas Tallis) e
Michael Tippett (Fantasia concertante sobre um tema de Corelli) adotam as variações como
procedimento de suas “fantasias”.

2.1.5 Outras “fantasias” escritas por Villa-Lobos

Na trajetória de Villa-Lobos encontram-se várias fantasias com uma diversificada


instrumentação que abrange desde música de câmara até obras sinfônicas. Entre elas, obras
escritas para instrumento solo com algum tipo de acompanhamento variado, tais como:
Fantasia de movimentos mistos – para violino e orquestra, de 1921; Mômo Precoce - Fantasia
para piano e orquestra sobre o “Carnaval das crianças”, de 1929; Ciranda das Sete Notas –
Fantasia para fagote e quinteto de cordas, de 1933; Fantasia para violoncelo e orquestra, de
1945; Fantasia para saxofone soprano ou tenor e pequena orquestra, de 1948. Esta maneira de
pensar a fantasia, algumas vezes seccionada outras vezes integrada em um único movimento
com mudanças de andamento, traz o instrumento solista, de modo virtuosístico, em estruturas
de variações e características improvisatórias, relacionadas ou não a temas nacionais. Pode-se
citar, como exemplo, o tratamento dado por Villa-Lobos ao Mômo Precoce – Fantasia para
65

piano e orquestra sobre o carnaval das crianças, de 1929, baseado na série Carnaval das
crianças, de 1919.
O Mômo Precoce não apresenta um único tema para gerar uma série de variações, mas
oito temas originais variados sem interrupção36. Essas variações são conduzidas habilmente
com a utilização de desenhos motívicos com afinidades aos novos temas nas transições,
dotando-as de unidade. Segundo Tarasti, a obra nada mais seria que uma série de variações
para piano e orquestra, e poderia ser vista como um exemplo da habilidade de Villa-Lobos para
a estrutura rapsódica, característica do romantismo tardio. Tarasti complementa sua avaliação:
“Um dos méritos apresentados no Mômo Precoce é a habilidade do compositor em realizar sua
intenção musical com um material de significado escasso” (TARASTI, 1995, pp. 336-338).
Para música de câmara, sem contar o segundo movimento das Bachianas Brasileiras
n.° 6, existem ainda a Ciranda das sete notas, fantasia para fagote e quinteto de cordas37,
composta em 1933, e a Fantasia Concertante para piano, clarinete e fagote, escrita em 1953.
Na Ciranda das sete notas, as três grandes seções são interligadas, e o compasso de 3/4
é mantido durante a obra inteira, com pequenas mudanças de caráter e andamento. O tema da
primeira seção é construído com as sete primeiras notas da escala de dó maior em movimento
ascendente resolvendo na nota lá, descendente. Observa-se a utilização imitativa deste tema
organizado em elementos contrapontísticos nas cordas e no fagote (figura 2.9), no decorrer
desta primeira seção ainda encontram-se aspectos virtuosísticos explorados pelo fagote.

36
Os oito temas utilizados são: 1) O chicote do diabinho; 2) A manhã de Pierrette; 3) Os guizos de dominozinho;
4) As peripécias do trapeirozinho; 5) A gaita de um precoce fantasiado; 6) As traquinices do mascarado mignon;
7) A folia de um bloco infantil; 8) O ginete de pierrozinho.
37
Esta obra é, geralmente, apresentada com acompanhamento de uma pequena orquestra ao invés do quinteto de
cordas.
66

Fig. 2.9

No início da última seção percebe-se nos violinos um novo desenho melódico


progressivo de colcheias que continua recorrendo ao recurso da imitação nas vozes mais
agudas das cordas e posteriormente no fagote, enquanto as vozes mais graves - viola,
violoncelo e contrabaixo - formam tríades, porém com a terça do acorde escrita 8.ª acima,
movimentam-se por grau conjunto em mínimas pontuadas, repetindo o tema da primeira seção
em imitação por aumentação, sendo que a viola reproduz as notas literais deste tema, conforme
figura 2.10.
67

Fig. 2.10

Algumas características do estilo barroco, presentes nesta peça, demonstram a


aplicação de recursos do contraponto imitativo, relacionados aos estudos sobre a obra de Bach
para compor as Bachianas Brasileiras na década de 30. Esta obra foi escrita em 1933.
A Fantasia Concertante para piano, clarinete e fagote faz parte da última fase
produtiva de Villa-Lobos e foi encomendada por Eugene Liszt e a ele dedicada. Ela foi escrita
em três movimentos separados, Allegro non troppo, Lento e Allegro Impetuoso. Tarasti
reconhece nesta obra importantes aspectos de maturidade do compositor brasileiro em seu
estilo tardio, muitas vezes negligenciado, que simboliza a síntese de elementos dos vários
estilos expressos no decorrer de sua trajetória musical:
68

A Fantasie concertante é um reflexo adequado do estilo tardio ao qual o


compositor chegou. O estilo tardio da maioria dos compositores tipicamente envolve
um distanciamento dos métodos expressivos dos períodos iniciais, mas também seu
amadurecimento para novas formas. Villa-Lobos, igualmente, preserva de seu
brasileirismo certas formas melódicas estilizadas cubisticamente, citações de
passagem: do fauvismo do estilo dos anos de 1920, uma sonoridade um pouco áspera,
mas não compacta, é mantida (nesse sentido ele momentaneamente se distancia de
forma radical do neo-romantismo dos anos de 1930 e 1940). Parâmetros harmônicos
dão lugar à linearidade em outro aspecto também. Pontos de exclamação são
substituídos por mera alusão; a impressão gráfica é suportada mais pelo paralelismo
dos acordes e movimentos melódicos (nas obras para piano quase evoca Schumann) e
recursos contrapontísticos simples: cânones, inversões espelhadas, aumentação,
diminuição, imitação. (TARASTI, 1995, p. 291-292).38

A maturidade constatada por Tarasti nesta obra de Villa-Lobos pode ser identificada
pela utilização de alguns processos composicionais de outros períodos do compositor, porém
mesclados objetivamente para construir uma ambientação com colorido tragicômico de
sutileza, humor e ironia. A maestria, nesta composição camerística, é evidenciada, na última
parte, com uma construção de variações de tipos texturais.
Em “Paradigmas do Estudo sobre Villa-Lobos”, Tarasti aborda a diversidade estilística
de Villa-Lobos, presentes no seu caráter de folclorista, e distingue três estilos diferentes. O
primeiro deles é o Indianismo, com referência à utilização de melodias indígenas. À segunda
tendência Tarasti chama Africanismo, traçando uma relação com o que considera uma
“semelhança surpreendente” entre Darius Milhaud e Villa-Lobos, no uso da polirritmia e no
acréscimo de instrumentos de percussão de origem africana à orquestra. A terceira denomina
Fauvismo39, utilizada em seus comentários sobre a Fantasia Concertante, como uma tendência

38
Fantasie concertante is an apt reflection of the late style at which the composer arrived. Most composer’s late
style typically involves a distancing from the expressive methods of earlier periods, but also their ripening into
new forms. Villa-Lobos likewise preserves from his Brasilianism certain cubistically stylized melodic shapes,
passing quotations: from the fauvist style of the 1920s a certain harshness, but not compactness, of sonority is
maintained. (in this respect he momentarily distances himself radically from the open neo-romanticism of the
1930s and 1940s). Harmonic parameters give way to linearity in other respects as well. Exclamation marks are
replaced by parallelism of chords and melodic movements (in the piano works almost evocative of Schumann)
and simple contrapuntal devises: canon, mirror inversions, augmentation, diminution, imitation.

39
Fauvismo é o nome dado à tendência estética na pintura que buscou explorar ao máximo a expressividade das
cores na representação pictórica, e teve origem no final do século 19, ao contar com precursores como Paul
Gauguin e Vincent Van Gogh. Essa tendência não só revolucionou o uso das cores na pintura moderna como
também foi uma das origens dos posteriores movimentos de ruptura estética nas artes plásticas. O termo
“fauvismo”, na verdade, teve origem a partir das observações corrosivas do crítico de arte Louis Vauxcelles, após
ter visitado uma mostra de pinturas de vários artistas, entre eles Henry Matisse. Vauxcelles utilizou a expressão
69

futurista de textura tônica e ritmicamente complexa e muitas vezes fortemente dissonante,


multitonal e até atonal (TARASTI, 1995, p. 60-61).
Algumas características da “fantasia” podem ser mencionadas na estrutura da Fantasia
Concertante, tais como a utilização de recursos contrapontísticos com inflexões imitativas
livres, aspectos improvisatórios e variações texturais como um elemento pessoal. Tarasti
aponta, nesta obra, a negação de esquemas formais tradicionais como também a ausência de
desenvolvimento temático. Com isso, ele distingue recursos imitativos, citados por ele como
elementos da estruturação desta obra, de elementos tematicistas. Esse ponto de vista se coloca
contrário em alguns aspectos à maneira de pensar de Reti, que considera os recursos imitativos
possibilidades de transformação temática, o modo como essas imitações ocorrem é que pode
evidenciar essas diferenças na Fantasia Concertante.
Em 1958, Villa-Lobos compôs suas duas últimas fantasias, a Fantasia em três
movimentos, objeto desta pesquisa, e a Fantasia Concertante para conjunto de violoncelo.
Os comentários citados ou formulados sobre as “fantasias” compostas por Villa-Lobos
e aqui relacionada ressaltam procedimentos musicais presentes na obra do compositor
brasileiro comparativamente à trajetória histórica do termo desde a renascença: a imitação
(embora não seja utilizada por ele próximo à fuga), a variação e a improvisação. Villa-Lobos
não usou a fantasia como prelúdio ou toccata, mas em uma acepção mais próxima do
virtuosismo romântico. Todas essas obras, as fantasias, demonstram uma assimilação do
conceito histórico do termo, porém a partir de uma concepção pessoal. Investigar essa
assimilação da tradição pode revelar um campo vasto e incerto, alguns fatores são possíveis de
verificação, como alguns que foram citados; outros fatores, ligados a processos psicológicos de
apreensão do contexto musical, inerentes aos processos pessoais da criação, limitam qualquer
afirmação categórica no intuito de esgotar a compreensão de tal processo. Assim, uma questão
fica em aberto sobre Villa-Lobos ou qualquer outro compositor: É possível fugir
completamente do diálogo com a tradição musical?

“Les Fauves” ao se referir aos artistas. Nas críticas imediatamente posteriores, prevaleceu o uso pejorativo da
expressão, que pode significar “os animais selvagens”.
70

2. 2 O termo “forma de chôros”

Ao denominar Fantasia em três movimentos em forma de chôros, Villa-Lobos propõe


a expressão “forma de chôros”. O choro (s) colocado no plural aproxima esta obra do ciclo dos
choros, como uma auto-referência. O ciclo dos Choros é considerado por muitos estudiosos,
brasileiros ou estrangeiros, como a mais significativa contribuição musical de Villa-Lobos. São
dezesseis obras escritas entre 1920 e 1929, embora os Choros de número 13 e 14 estejam
perdidos.
Gérard Béhague, ao analisar os Choros, faz o seguinte comentário sobre este ciclo:

[...] os Choros refletem alguns dos mais ousados experimentos composicionais até
aquele momento no Brasil, e, como um todo, são as melhores conquistas em relação à
ideologia do modernismo - isto é, a glorificação do país, em geral, por meio da total
assimilação das suas fontes musicais nacionais, em um estilo de composição
perfeitamente sincronizado com o moderno. Estes fatores combinados fazem dos
Choros, prontamente, ao mesmo tempo, a mais madura expressão artística de Villa-
Lobos e do Brasil e seu povo. (BÉHAGUE, 1994, pp. 72-74).40

O choro, como gênero, é identificado como uma manifestação da música popular


urbana brasileira do final do século XIX, o caráter lamentoso da melodia do primeiro
movimento da Fantasia em três movimentos poderia ser associado a este gênero em suas
primeiras manifestações. Mas os Choros de Villa-Lobos transcendem as fronteiras das
características do gênero popular. Villa-Lobos considera os Choros uma nova forma musical
de composição, “construídos de acordo com uma nova técnica especial e baseada na
manifestação dos nativos brasileiros”, que abarca várias tendências culturais inseridas nas
etnias que compõem o Brasil, exteriorizadas na música popular urbana, na música folclórica,
música africana e na música indígena. A partir dessas fontes, sintetiza elementos rítmicos,
melódicos e tímbricos em uma linguagem moderna, construída, principalmente, no ambiente
parisiense assimilado depois de sua primeira viagem a Paris.

40
[...] the Choros reflect some of the most daring composicional experiments to that point in Brasil and, as a
whole, are the best achievements in relation to the ideology of modernismo – that is, the glorification of the
country in general through a total assimilation of its most nationalizing musical sources, within a perfectly,
synchronous, modern style of composition. Those factors combine to make the Choros, at once, the most mature
artistic expression of Villa-Lobos and of Brasil and its people”.
71

No entanto, essa “nova forma musical” utilizada na série dos Choros, conforme relato
do próprio Villa-Lobos, foi alvo de muitas dúvidas.
Em uma palestra ministrada em 1958, em Paris, Villa-Lobos disse:

O que é uma sinfonia, em meu ponto de vista, no ponto de vista de todas as pessoas
que escreveram sinfonias? É uma música pela música. Música superior, música
intelectual, não é uma música para ser assobiada por todo mundo. Bem, quando há uma
sinfonia, se alguém tenta empregar efeitos especiais, de tipo exótico, folclore ou algo
parecido, eu não acho correto chamá-la de sinfonia. (...) Mas e os Choros? Eu tenho a
pretensão de crer que criei uma forma de fato especial quando estudei como eles
deveriam ser construídos. Então, para chegar a uma dimensão muito grande, eu
comecei pelo princípio. Isso quer dizer que comecei por algo que era a razão de ser dos
Choros. O que eram esses Choros? Esses Choros eram a música popular. Os choros no
Brasil (...) são sempre músicos que tocam, bons ou maus músicos que tocam à vontade,
normalmente à noite, fazem improvisações em que o músico mostra a sua técnica. E é
sempre muito sentimental, eis a questão! (Apud GUÉRIOS, 2003, p.142).

Eero Tarasti antes de empreender a análise dos Choros, em seu estudo sobre Villa-
Lobos, coloca esta questão sobre a estrutura formal dos Choros, sem respondê-la
completamente ainda:

[...] Os Choros são realmente uma nova forma de composição? Para esta pergunta,
Peppercorn responde negativamente. Na visão dela, Villa-Lobos somente inventou o
nome para aparecer nos círculos musicais europeus dos anos 1920, como original, isto
é, um compositor tão brasileiro quanto possível. A verdade é que ele também compôs
várias obras semelhantes sem, entretanto, chamá-las de choros. De qualquer forma, a
questão que permanece é se Villa-Lobos aplicou alguma técnica composicional nova
para as obras do período mencionado acima, não somente para os Choros, mas também
possivelmente para suas outras composições. Somente uma análise cuidadosa apoiará a
resposta. (TARASTI, 1995, p. 87).41

Na estrutura formal relacionada aos Choros, Tarasti aponta características rapsódicas,


imaginativas e multireferenciadas (BITENCOURT, 1997, p. 43), mas não reconhece qualquer
novidade neste aspecto.
Para demonstrar a existência de lógica na construção dos Choros, Villa-Lobos
escreveu, em 1950, o “Estudo técnico, estético e psicológico”, da série dos Choros. As

41
“[...] Are the Choros really une nouvelle forme de la composition? To which Peppercorn answers in the
negative. In her view Villa-Lobos only invented the name in order to appear in tha European musical circles of the
1920s as original, i.e., as Brazilian a composer as possible. The truth is that he also composed numerous similar
works without, however, for some reason calling them choros. In any case, the question remains whether Villa-
Lobos applied some new compositional techinique to the works of the above-mentioned period, not only to the
Choros but also possibly to his other compositions. Only careful analysis will provide the answer”.
72

referências dadas por ele são de formas clássicas, coerência estrutural e orgânica. Ao comentar
os Choros n.º 8, diz: “Três compassos antes do 34 (número de ensaio na partitura) esta obra
toma outra direção temática e orgânica, como se fosse uma parte de sua construção. É
justamente em um destes momentos que mais se concretiza no que se refere à forma
rapsódica” (GUÉRIOS, 2003, p. 235).
Tanto Béhague quanto Tarasti analisaram os Choros de Villa-Lobos. A comparação
entre a maneira de avaliar essa série do compositor brasileiro, feita por esses dois estudiosos, é
apresentada por Maria Cristina Futuro Bittencourt42 com uma interessante conclusão. Béhague
interpreta os Choros como um exemplo de obra nacionalista, apesar de salientar sua
modernidade, direciona sua análise a elementos que contribuem para o ponto de vista
geográfico, e nomeia estilisticamente Villa-Lobos como um nacionalista eclético. Tarasti, por
sua vez, inscreve Villa-Lobos em um contexto moderno, descrito em seus procedimentos
composicionais, nas características expressivas e no contexto estético.
A análise do Choros n.° 8 realizada por Salles amplia consideravelmente estas
questões. As três categorias as quais Salles se refere para descrever os processos
composicionais de Villa-Lobos encontram aplicabilidade no Choros n.° 8, a saber:

[...] (1) transformações obtidas a partir de simetrias, que se tornam progressivamente


assimétricas ou balanceadas pela ocorrência de ‘acidentes’. [...] (2) A projeção de
determinados elementos, sonoridades, timbres, que estabelecem um novo estatuto do
motivo, desvinculado de sua função temporal-formal para tornar-se um elemento
qualitativo na consecução e fruição da obra. [...] (3) transformações por turbulência,
resultantes sobretudo de procedimentos rítmicos ou tímbricos, onde Villa-Lobos gera
sonoridades pelos elementos constituintes da textura, desencadeando processos
irreversíveis de expansão ou contração de unidades métricas. (SALLES, 2005a, pp.
279-280).

Nesta atualizada avaliação dos processos composicionais de Villa-Lobos, vale


considerar, como um exercício de reflexão, a bibliografia da música do século XX no que se
refere a Villa-Lobos. Ao estudar as técnicas composicionais do século XX, Stefan Kostka, em
seu livro Materials and Techniques of Twentieth-Century Music, cita vários procedimentos
composicionais utilizados por compositores no decorrer do século. No oitavo capítulo,
intitulado “Imports and Allusions”, encontra-se o subtítulo “Influences from folk music and

42
Maria Cristina Futuro Bittencourt escreveu a dissertação de mestrado, Dois Livros sobre Villa-Lobos, pela
UNIRIO em 1997.
73

Jazz”, no qual aparece, uma única vez no livro, o nome de Heitor Villa-Lobos, com alusão ao
material folclórico presente em sua música. (Kostka, 1999, p.165). Apesar dessa restrição, em
vários outros capítulos caberiam exemplos da música do compositor brasileiro e o
reconhecimento de que os procedimentos composicionais utilizados por ele extrapolam em
muito o alinhamento único à idéia do nacionalismo, sempre ligado ao seu nome. Como ainda
observa Salles, há uma ausência da música de Villa-Lobos como exemplo na estruturação de
cursos de composição nos programas de graduação e pós-graduação no Brasil (SALLES,
2005a, p. 12-13). Em decorrência deste comportamento, perde-se de vista a diversidade das
técnicas composicionais utilizadas por ele em sintonia com a modernidade da primeira metade
do século XX.
Assim, outra pergunta relacionada diretamente à proposição deste trabalho se impõe: a
referência à forma de “chôros” traz consigo algum elemento nacional na Fantasia em três
movimentos em forma de chôros? Em uma apreciação auditiva inicial, não. Porém, nos estilos
villalobianos, podem conter elementos dissimulados de nossa geografia não percebidos. Mas o
diálogo com a tradição musical, segundo a maneira de pensar de Villa-Lobos, propõe modelos
universais em oposição a aspectos nacionais. Neste sentido, a referência dos choros, nesta
Fantasia, não apresenta elementos nacionais claros, propondo, talvez, uma identificação ou
simplesmente uma assinatura do compositor brasileiro com o termo choros, como foram os
dumks de Dvorak, as goyescas de Granados ou a série Ibéria de Albeniz, expressões paralelas
na Europa, e outras tipologias novas usadas na América como pampeanas de Ginastera, sones
de Chaves, ponteios de Guarnieri ou rthmicones de Roldan, como assinala Tarasti.
Assim, será possível dizer que o título, Fantasia em três movimentos em forma de
chôros, propõe duas referências simultâneas, uma delas, o diálogo com o passado,
concretizado na construção da fantasia e seus procedimentos em tangência com a tradição
musical, e a outra, uma auto-referência, com alusão a sua própria produção musical? A análise
estrutural desta obra, na próxima etapa deste trabalho, dará subsídios para se avalizar essa
questão melhor.
74

Terceiro Capítulo

3. Análise da Fantasia em três movimentos em forma de chôros

“Quando se consulta e estuda a obra de Villa-Lobos, o que demanda tempo,


dada a sua espantosa fecundidade, adquire-se logo a convicção de estar tratando
com um grande músico, seguro de seu métier; de um músico que estuda e
observa muito e que além de acompanhar a evolução da música contemporânea,
ainda, em muitos pontos, traz a sua própria contribuição, com soluções que,
longe de serem meros acasos, como a muitos se afigura, são fruto de longas e
pacientes observações. Só quem convive com esse grande artista, exteriormente
tão desigual, é capaz de compreender a sua evolução lenta e segura, pois Villa-
Lobos, desde os seus trabalhos de mocidade, em que se sente uma técnica
deficiente e mão incerta, embora já se notem acentos de sua força criadora,
começa uma ascensão em que a técnica vai melhorando dia a dia, vai
enriquecendo-se até um período em que atinge grande complexidade, para
alcançar, uma maior simplicidade de meios e, ao mesmo tempo, grande poder de
síntese e de emoção, numa cristalização total de sua poderosíssima
personalidade”
Lorenzo Fernandez 43.

Nesta epígrafe, pode-se deduzir que Villa-Lobos, em suas inquietações, tinha presente a
responsabilidade de um artífice e trazia consigo o domínio do material musical, conquistado à
custa de muito trabalho. A quantidade e variedade de composições contidas em sua trajetória
extrapolam qualquer expectativa. Tarasti e Béhague, entre vários musicólogos e pesquisadores,
sublinham na obra de Villa-Lobos, ao analisarem seus procedimentos composicionais, a
multiplicidade estilística e sua inventividade temática como traços característicos de seu
trabalho composicional. Para abordar analiticamente os procedimentos composicionais
utilizados por Villa-Lobos na Fantasia em três movimentos em forma de chôros, dar-se-á

43
“A Contribuição Harmônica de Villa-Lobos para a Música Brasileira” (LORENZO FERNANDEZ, 1946, p.
283).
75

destaque para o diálogo entre a tradição e modernidade com a proposição de soluções pessoais
manifestada nesta multiplicidade estilística e inventividade temática.
Dentre as fantasias escritas por Villa-Lobos, conforme foi abordado no capítulo
anterior, a Fantasia em três movimentos, para grupo sinfônico sem solista, é a única que
apresenta movimentos claramente seccionados. Essa separação por movimentos apresenta um
princípio de variedade como um plano geral, tendo no primeiro movimento, Andante quasi
Adagio, um único tema com elementos de variação; no segundo, Allegretto (scherzando), um
motivo textural como fonte de construção na primeira seção; e no último movimento, Molto
Allegro, a seqüência de vários temas em andamentos diferentes e contínuos. Apesar desta
diversidade de procedimentos composicionais apresentada nos três movimentos, há elementos
musicais que os unificam.
A partitura desta obra, tanto o autógrafo manuscrito quanto a publicação da C. F. Peters
Corporation, é escrita com a armadura clave de dó maior para toda obra, somente mudando a
armadura para instrumentos transpositores, sendo que trompas (em fá) e corne inglês não
foram transpostos, mas suas linhas necessitam ser transportadas. As mudanças para outras
regiões “escalares” são feitas com alterações nas notas, sempre mantendo a armadura de dó
maior. Com isso, as alterações nas notas para sustenidos ou bemóis serão denominadas
acidentes ocorrentes.

3.1 Forma: uma conformidade externa da organização temática

No início do livro Fundamentos da Composição Musical, Arnold Schoenberg conceitua


forma musical em três acepções, segundo a sua utilização. A primeira, como o número de
partes contidas em uma obra, tais como “forma binária”, “forma ternária” ou “forma de
rondó”. A segunda acepção, como formas de dança, preestabelecendo características rítmicas,
métricas e de andamento, como ocorre quando se nomeia um minueto ou scherzo. A terceira e
última acepção, quanto à complexidade de suas inter-relações e tamanho de suas partes. Já no
sentido estético, Schoenberg trata dos elementos que funcionam como um “organismo vivo”,
76

hierarquizados e organizados de modo compreensível, fundamentados na “lógica” e na


“coerência” do discurso musical (SCHOENBERG, 1991, p. 27).
Rudolph Reti, a partir de um ponto de vista do processo temático como fundamento de
estruturas musicais, conduz seu conceito para duas forças de construção formal em música:
uma delas é interna, compreendida como toda a rede de relações do fenômeno temático, a
outra é a forma externa modelada por agrupamentos temáticos. A maneira de compreender de
Reti transforma as três acepções propostas por Schoenberg em duas: uma delas interna, com
maior grau de complexidade perceptiva, e a outra externa, com pontuações determinadas por
exposições de conjuntos temáticos de características mais aparentes, perceptivamente. Reti
afirma: “[...] o grande compositor, invariavelmente, desenvolve a verdadeira forma de sua
criação – aquela ‘forma’ a qual ao mesmo tempo é conteúdo e essência – também através da
estrutura interna e da evolução e relação do material temático44” (RETI, 1951, p. 109). Assim,
essas duas forças de construção formal são dependentes uma da outra, sendo suas inter-
relações determinantes para compreensão integral da obra.
Neste sentido, a fantasia, como gênero musical, possui um plano a ser realizado, com
características determinadas por uma prática estabelecida no decorrer da história da música,
conforme foi abordado no capítulo anterior, mas apresenta diferenças de aplicação formal, em
conformidade aos estilos pessoais e às especificidades temáticas. Não é plausível, portanto,
pensar sua construção de fora para dentro com uma estrutura preestabelecida cuja organização
temática tenha de ser forçosamente padronizada.
Na Fantasia em três movimentos (1958), Villa-Lobos demonstra ter conhecimento dos
procedimentos composicionais que cercam o gênero “fantasia” e o considera como integrante
das formas universais da tradição musical45. Juntamente com estes procedimentos de referência
histórica do gênero “fantasia”, percebe-se a presença de recursos de linguagem construídos na
primeira metade do século XX.
As técnicas de composição praticadas a partir do início do século XX, respondendo a
um esgotamento expressivo do romantismo enraizado no sistema tonal, direcionam suas

44
“[...] the great composers invariably develop the true form of their creations – that “form” which at same time is
content and essence – also through inner struture, through the evolution and relationship of the tematic material”.
45
Na revisão do texto de 1950, “Choros: Estudos Técnicos, Estéticos e Psicológicos de Villa-Lobos”, realizado
por Adhemar Nóbrega em 1972, Villa-Lobos faz o seguinte comentário como preâmbulo ao Choros 11: “Como
concepção de forma, e para melhor definição em face dos interessados na lógica escolar das obras musicais, na
construção dos Choros são aproveitadas as formas musicais universais do Poema Sinfônico, da Sinfonia, da
Rapsódia, da Serenata Clássica, do Concerto e da Fantasia”. (NOBREGA, 1972, p. 204).
77

abordagens sonoras para ampliação das várias dimensões imanentes à arte musical. Desta
maneira, novos paradigmas reinventam limites para estabelecer novas poéticas e novas escutas.
Assim, procedimentos composicionais apresentados nas obras de compositores como Debussy,
Stravinsky, Schoenberg, Webern, Bártok e Varèse (para citar alguns dos mais importantes)
podem ser relacionados nos seguintes enunciados: novas formações escalares, novas
organizações de alturas, transformações na estrutura do acorde, movimentação paralela de
acordes, sobreposições de modos e tons, novas ordenações métricas e rítmicas, novas
estruturações formais e o timbre utilizado como elemento estrutural. Tais recursos estendem-se
por um campo estabelecido como pós-tonais, a partir do qual se formularam novos conceitos
sistêmicos, como politonalidade, polimodalidade, atonalidade, pantonalidade e pandiatonismo,
correspondentes a um conjunto de procedimentos no continuum temporalis que constitui a
história da música no século XX.
Villa-Lobos, atento a este cenário musical em transformação, utiliza-se desses
conceitos em sua obra. A presença de parte desses recursos musicais é constatada nesta análise
da Fantasia em três movimentos. No primeiro movimento, encontram-se variações derivadas
de um tema construído a partir de modos gerados de escalas menores harmônicas e menores
melódicas, cujo ponto culminante utiliza um modo semelhante a um dos modos referidos por
Ferrucio Busoni (1866-1924) em seu Esboço para uma nova estética musical (1907). No
segundo movimento, na primeira seção, apresenta-se um motivo textural, construído em uma
imitação por movimento contrário de dois grupos instrumentais paralelos sobrepostos,
utilizando a textura como elemento estrutural, segundo conceito de Wallace Berry. Além disso,
esse movimento apresenta procedimentos que, conforme referência teórica de Vincent
Persichetti e Stefan Kostka, poderiam ser chamados de pandiatônicos. Por fim, no terceiro
movimento, repetem-se tendências pandiatônicas e diversifica-se o emprego de formações
escalares em novos temas, estruturados em forma rapsódica. Esse rápido esboço mostra a
mescla de aspectos da tradição musical e procedimentos composicionais pós-tonais inserida
nesta obra escrita pouco mais de um ano antes da morte de Villa-Lobos.
A análise da Fantasia em três movimentos inicia-se com sua forma externa e mais
aparente e a seguir esmiúça-se o que essa aparência pode revelar de sua organização interna,
como um plano mais profundo de construção. Não se espera encontrar uma lógica formal
78

pautada pela pontuação tonal, pois o modo de Villa-Lobos estruturar as partes, também como
uma postura pós-tonal, assemelha-se a uma colagem com recursos diversificados.
Willy Corrêa relaciona este procedimento a uma poética múltipla de paisagens no
decurso de uma viagem:

Villa-Lobos atinou para um dos mais graves problemas da música do século XX: a
questão da forma, do encadeamento das idéias no discurso musical. Soube que as
formas do passado não viriam em socorro da sintaxe das partes de uma exposição que
não mais se justificavam pelo modo de organizar as alturas que geraram aquelas
formas. [...] Ele encontrou modo de coser as partes, com cuidado de dar a cada a
atenção devida; e que cada parte ajunte ao discurso força e causa de sua participação no
conjunto; que se disponha claramente em sua ocorrência (por mais fortuita que possa
ser) antes de se dissolver em outra parte, ou que – dramaticamente – seja silenciada
pela parte seguinte. Eis a dramaturgia das colagens (collages), a lógica siléptica dos
sonhos e o que se poderia ajuntar: como multiplicidade de paisagens no decurso de
uma viagem: sua interiaventura sendo a remembrança de tudo que ocorreu um seu
percurso. (OLIVEIRA, 2008, p. 12).

Assim, as denominações de seções ou partes da estrutura formal desta obra não seguem
uma lógica tonal pontuada por cadências padronizadas, mas obedecem a uma diferenciação das
partes por mudanças temáticas ou transformações em seus componentes sonoros, procurando
aproximar-se do universo terminológico utilizado por Schoenberg no livro Fundamentos da
composição musical.

3.2 Primeiro Movimento – Andante quase Adagio

O primeiro movimento, o Andante quase Adágio, apresenta uma textura de melodia


acompanhada em uma forma ternária com uma coda (A B A’ coda)46. As seções A e A’ são
caracterizadas pela ostensiva repetição de uma melodia, que a partir de agora será chamada de
tema, tendo em seu acompanhamento figurações que são modificadas em sua textura por meio
de variações de instrumentação. São semelhantes às variações de um tema em ostinato, no qual
as características melódicas são mantidas e seu acompanhamento é variado, no entanto, suas

46
Toma-se a denominação de A’ como uma maneira de diferenciá-la da seção inicial, a seção A, não há uma
implicação tonal ou direcionamento resolutivo implícito.
79

repetições são transpostas respeitando-se um ciclo de quartas. A seção B apresenta como


contraste outra maneira de variar o tema, transformando-o de tal forma que seu
reconhecimento necessita de uma audição mais atenta, pois ele aparece com a instrumentação
fragmentada, com mudanças no desenho rítmico, contraído e expandido, técnicas herdadas da
tradição e utilizadas por muitos compositores do século XX. Em alguns momentos esta seção
porta-se como uma transição para A’, para dar continuidade ao ciclo de quartas, iniciado em A.
Assim, este movimento é monotemático e apresenta na variação, como recurso do gênero
“fantasia”, seu fundamento.
No capítulo “La Variación”, do tradicional livro Curso de Formas Musicales, de
Joaquim Zamacois, há uma classificação em três tipos de variação, organizada segundo a
maneira e a dimensão da música em que ocorre a variação. Se a variação é no tema, mas a
música mantém suas características melódicas, é chamada Variação Ornamental; se a variação
é na harmonia ou no contraponto, sem variar o tema, Variação Decorativa ou Harmônica
Contrapontística; e quando a variação é “no tema, de modo que dele só subsista algum
fragmento ou detalhe, com o qual se crie uma nova e circunstancial idéia temática”, denomina-
se Variação Ampliada ou Livre (ZAMACOIS, 1960, p.136). Considerando-se esta
classificação, é possível identificar no primeiro movimento uma mistura de dois destes tipos de
variação. As seções A e A’ apresentam a Variação Decorativa ou Harmônica Contrapontística,
o tema é repetido mantendo suas características melódicas, porém variando seu
acompanhamento, e na seção B, há uma proximidade com a Variação Ampliada ou Livre. O
tema aparece transformado de tal forma que perde suas características melódicas. Assim,
embora tenha um único tema repetido no primeiro movimento, em nenhum momento ele é
igual, sempre oferece alguma novidade ao tema, como um princípio de variedade aplicado à
repetição.
Este movimento é relativamente curto, possui 45 compassos divididos em três seções,
organizados da seguinte forma: A – exposição do tema e duas repetições (do compasso 1 ao
9)– 9 compassos; B – variações livres do tema (do compasso 10 ao 27) – 17 compassos; A’ –
três repetições do tema (28 ao 35) 9 compassos e a Coda (35 ao 45) – 10 compassos.
80

3.2.1 Aspectos temáticos

A exposição do tema, conduzida pelo oboé, tem três compassos, dois em 5/4 e um em
3/4, tendo nos compassos em 5/4 praticamente a mesma estrutura rítmica e melódica, e em 3/4
apenas uma nota longa resolutiva, conforme figura 3.1 abaixo:

A estrutura deste tema é bem simples e pode ser dividida em duas características
motívicas básicas. A primeira ascendente, motivo “a”, contendo os quatro primeiros tempos
do primeiro compasso, começa na nota lá, uma semínima pontuada seguida por um movimento
de colcheias até a nota ré. A segunda característica motívica é descendente, motivo “b”, com
movimento de tercinas de colcheias, atingindo novamente a nota lá, primeira nota do compasso
seguinte, alcançada por uma segunda maior abaixo. Desta maneira, esse desenho melódico do
primeiro compasso da exposição tem como eixo a nota “lá”, que funciona como primeira e
última nota. A mesma estrutura rítmica é aplicada no segundo compasso, porém há uma
pequena mudança melódica causada por uma transposição, a partir da terceira nota, de um tom
abaixo sem alteração do modo, que prepara a resolução na nota sol. Salles ao abordar simetrias
na construção temática em Villa-Lobos comenta esse tipo de compensação motívica para obter
equilíbrio. Assim, com pequenas diferenças intervalares têm-se os motivos “a1” e “b1”,
conforme figura 1. Esta terminação em nota diferente da inicial só ocorre na exposição, pois
em todas as repetições do tema a nota inicial é a mesma nota resolutiva.
As repetições do tema serão consideradas como variações, tanto em A como em A’.
Elas obedecem a um ciclo de quartas, sendo a nota inicial um eixo de partida e de chegada.
Essas variações apresentam pequenas modificações rítmicas e melódicas sem, todavia, mudar
as características do tema. Na variação inicial, observa-se na primeira parte do tema uma
81

mudança na última figura rítmica do motivo “a”, a saber: no lugar das duas últimas colcheias
há uma semínima, e as notas da tercina de colcheias do motivo “b” caminham por grau
conjunto descendente até a nota “eixo”, neste caso a nota ré. No compasso seguinte repete-se o
desenho da resolução da exposição, porém não há transposição, resolvendo-se assim também
na nota inicial. Deste modo, as variações seguintes respeitam esta mesma construção com
pequenas mudanças nas figuras rítmicas sem grande interferência no desenho melódico, como
pode ser constatado pela comparação de todas as repetições na figura 3.2:
82

Percebe-se que os motivos não sofrem grandes transformações no ritmo ou no padrão


melódico, no entanto, são transpostos. Há uma permutação de elementos rítmicos e um
aumento de densidade até chegar nas semicolcheias por grau conjunto no motivo b4. É
importante ressaltar que esta identificação será útil na análise da seção B e em algumas
derivações temáticas utilizadas nos outros movimentos.
Outro aspecto identificado neste trecho diz respeito à tessitura do tema que, tanto na
exposição como nas variações, apresenta pequena variação em seu âmbito, e a ordem de suas
entradas revela uma simetria por inversão:

Seção A 7ª menor 6ª maior 6ª menor Seção A’ 6ª maior 6ª menor 7ª maior


exposição Var. 1 Var. 2 Var. 3 Var. 4 Var. 5

A 7.ª menor na exposição (fá-mib) com a 7.ª maior (láb-sol) na última variação da
seção A’; uma 6.ª maior (dó-lá) na primeira variação em A com a 6.ª menor (mib-dob), na
quarta variação; uma 6.ª menor na segunda repetição (fá-réb) ainda na seção A com a 6.ª maior
(sib-sol) da terceira variação na seção A’.

3.2.2 O uso de modos menores

Na estrutura do tema, e também em suas variações, observa-se um padrão modal


caracterizado por uma escala ascendente com os seguintes intervalos: 2.ª menor, 3.ª menor, 4.ª
justa, uma alternância no quinto grau do modo entre 5.ª justa e 5.ª diminuta e na resolução do
tema, com uma segunda maior abaixo da nota inicial, a 7.ª menor do modo. Excluindo a
83

exposição, que possui a transposição no segundo compasso, e a última variação que apresenta
6.ª maior e menor, o sexto grau do modo não aparece no tema, mas está presente na harmonia.
Assim, dois modos podem ser reconhecidos, o lócrio e frígio, a maioria das vezes com a 6.ª
maior. Este padrão modal é utilizado durante todo o movimento com algumas alterações nas
últimas variações. Como se pode observar no mapeamento dos modos utilizados nas seções A
e A’ (figura 3.3), há um plano de pequenas transformações nestes modos:

A escala formada com as notas que compõem a exposição da melodia, lá sib dó ré mib
fá sol (lá), polarizada47 na nota lá, configura o modo lócrio, mas a terminação na nota sol
poderia indicar também o modo eólio, se a nota sol fosse polarizada. No entanto,

47
Embora a noção de modo pressupõe centralidade e não polaridade, adota-se a denominação de nota
“polarizada” para a altura que estabelece um centro gravitacional dentro de um modo, seja ele alcançado por
atração, por reiteração, por duração mais longa ou pelo posicionamento estratégico da altura em tempos portes,
inícios e finais de frase.
84

considerando-se que este tema é repetido várias vezes, e a exposição é a única delas que não
finaliza na nota inicial, e somando-se a isso a forte presença do semitom no início, a idéia do
modo lócrio é reforçada. A figuração de acompanhamento realizada pela orquestra
corresponde a um acorde constituído por uma sobreposição de terças (um Dó menor com
sétima, nona, décima primeira e décima terceira com bequadro), isto é, todas as notas da escala
citada acima tendo dó como a nota fundamental do acorde, o que poderia dar a idéia do modo
eólio com a 6ª. maior (lá natural) de dó. Mas neste ponto surge outra questão relevante para
esta análise. Villa-Lobos cria, já nos primeiros compassos, uma relação ambígua entre o modo
utilizado e as formações acórdicas, com uma aparente autonomia da melodia em relação à
harmonia e estende esta ambigüidade até os últimos compassos do movimento,
proporcionando uma tensão que só se resolve no último acorde do movimento, ainda com certa
surpresa. Essa aparente autonomia é causada pela tensão entre a nota de polarização do modo e
a fundamental do acorde sustentado durante a apresentação do tema, e é reforçada pela
defasagem rítmica de uma semínima da harmonia em relação à melodia nas seções A e A’.
Assim, tanto na exposição como nas variações, isto é, em A e A’, mais precisamente até o
compasso 36, o acompanhamento da orquestra apresenta essa defasagem rítmica de uma
semínima. A importância deste efeito está na ênfase dada à primeira nota do tema que polariza
o modo.
Como pode ser percebido nas seções A e A’, a harmonia tem um comportamento
estático nestas seções externas. Um mesmo acorde sustentado durante os três compassos do
tema funciona como uma ocorrência textural, eximindo-se do propósito de harmonizar o tema.
Algumas vezes repete a direção do movimento de quartas do tema.
Na seção A, nas duas variações posteriores à exposição, e nas variações 4 e 5 de A’,
pode-se observar que o tema, apresentando uma semínima antes da entrada da orquestra, está
uma 9.ª acima da fundamental do acorde que funciona aqui como acompanhamento durante a
toda duração do tema, e reforça a tensão entre harmonia e melodia, a nota ré da melodia contra
o acorde de Dóm 7+, na primeira repetição, e a nota sol contra o acorde de Fám 7+, na segunda
repetição em A e na seção A’, a nota dó contra um acorde de Sibm 7, terceira repetição, e a
nota fá contra o acorde de Mibm 7 na quarta repetição. Na figura 3.4, abaixo, pode-se ver a
defasagem rítmica e a harmonia da seção A, com as pausas escritas em vermelho.
85
86

Essa citada tensão criada entre melodia e harmonia, gerada pela dissonância de nona
entre a nota inicial do tema e a fundamental dos acordes conforme figura 4, não cria nem uma
polarização politonal ou polimodal, porque não são gerados tons ou modos sobrepostos, nem
notas estranhas aos modos utilizados, pois todas as notas encontradas são de modos derivados
das escalas menores harmônicas.

3.2.3 O uso de modos derivados da menor harmônica e melódica

Vários compositores utilizaram novas formações escalares a partir do final do século


XIX, impulsionados pela necessidade de revigorar as sonoridades desgastadas pelos modelos
maior e menor estabelecidos e difundidos durante os períodos Barroco, Clássico e Romântico,
alguns deles espelhados em aspectos de caráter nacional. Algumas dessas modificações não
eram exatamente escalas novas, mas utilização de “modos diatônicos”, conforme
87

denominações de Vincent Persichetti, para os modos gregos ou eclesiásticos, que enfraqueciam


as polarizações tonais. Além das possibilidades derivadas dessas ordenações modais, outros
modelos escalares foram utilizados no século XX, e abarcam desde escalas pentatônicas,
hexatônicas, octatônicas até escalas microtonais. Elliott Antokoletz classificou essas escalas
como não diatônicas por conterem alterações às ordens de tons e semitons dos modelos fixados
pelas polarizações tonais. Persichetti identifica várias construções escalares fora da esfera dos
modos maiores e menores como “escalas sintéticas” com diferentes formações de tetracordes e
coincidentes com escalas folclóricas.
O material escalar utilizado por Villa-Lobos, no primeiro movimento da Fantasia,
corresponde a escalas geradas de modos diatônicos e não diatônicos. Nas primeiras,
construídas a partir de modos diatônicos, há o modo lócrio da exposição e o modo frígio no
compasso número 36, enquanto as escalas derivadas de polarizações de modos alterados são
constatadas em diversos outros momentos deste movimento, conforme mapeamento
apresentado acima e detalhado a seguir. O frígio com 6.ª maior48, apresentado na primeira
repetição do tema, é um modo derivado da escala de Dó menor melódica (dó, ré, mib, fá, sol,
lá, si, dó) com polarização na nota ré, embora seja utilizada a nota láb na última nota de cada
compasso no acompanhamento; e na terceira repetição do tema, início da A’, é derivado de Sib
menor harmônica (sib, dó réb, mib, fá, sol, lá, sib) com polarização na nota dó. O lócrio com
6.ª maior, encontrado na segunda repetição do tema, é construído a partir da escala de fá menor
harmônica, polarizada na nota sol, e na 4ª repetição do tema a derivação é da escala de mib
menor harmônica com polarização na nota fá. Portanto, essas variações do tema respeitam um
padrão de modos gerados da escala menor harmônica. A quinta repetição, iniciada em sib,
apresenta um lócrio com 6.ª maior e menor, que pode ser entendido como uma passagem
cromática ou uma preparação para a escala eneatônica que vem a seguir. O acorde que
acompanha a quinta repetição é um Mib 7/9b sem terça, mas as duas terças (maior e menor) aparecem
no desenho melódico (sol, solb).
Nos compassos números 37 e 38, uma escala descendente iniciada no fáb 4 até fáb
(cinco oitavas abaixo), passando por vários instrumentos, apresenta uma escala eneatônica
(escala de nove notas, fáb, mib, réb, dó, dób, sib, láb, sol, solb). Supondo uma polarização na

48
Além das denominações presentes em Persichetti, há algumas denominações de modos alterados provenientes
de publicações dirigidas à música popular ou mais diretamente ao Jazz, adotadas do terceiro livro de Harmonia da
Berklee College of Music de Barrie Nettes.
88

nota dó, tem-se a seguinte eneatônica - dó, réb, mib, fab (mi natural), solb, sol natural, láb, sib,
dób (si natural), dó – fortalecida pelo acorde que a acompanha, um Dó 7/9b/11. Considerando-
se sol natural e si natural como notas de passagens cromáticas, restariam as seguintes notas:
dó, réb, mib, fáb, solb, láb, sib – um modo lócrio gerado a partir da escala menor melódica
ascendente de réb menor, modo denominado por Persichetti como “super lócrio”
(PERSICHETTI, 1961, p. 42).
Para reforçar esta interpretação é interessante comparar a ordem de tons e semitons da
escala descendente, iniciada na nota fáb, com a escala ascendente cuja primeira nota é dó. Ao
manter os mesmos acidentes e excluir as notas cromáticas de passagem, si natural e sol natural,
conforme figura 3.5, constata-se que a ordem de tons e semitons é a mesma do modo “super
lócrio”:

A utilização deste mesmo modo no compasso de número 43, a dois compassos antes do
fim do movimento, reforça esta interpretação. Ele é apresentado transposto, ou seja, lá, sib, dó,
réb, mib, fá, sol, la, modo gerado da escala de sib menor melódica ascendente, polarizado na
nota lá, a mesma nota inicial da exposição. A estrutura desse modo gera interpretações
distintas, por ter em sua estrutura as cinco notas iniciais de uma das escalas octatônicas (dó,
réb, mib, fáb, solb) e cinco notas finais de uma hexatônica (fáb, solb, láb, sib, dó). No entanto,
pode ser relacionado com um modo derivado da escala menor melódica ascendente, polarizada
no sétimo grau.
89

Este lócrio com a 4ª. diminuta é um dos modos enfatizados por Ferruccio Busoni
(1866-1924) em seu Esboço para uma nova estética musical, incluído nos 113 modos de sete
notas iniciadas na nota dó. Busoni faz o seguinte comentário sobre essas pesquisas:

Eu tentei esgotar as possibilidades de organizar os graus dentro da escala de sete notas;


e, elevando e abaixando os intervalos, consegui formar 113 escalas diferentes. Estas
113 escalas (com a oitava dó-dó) compreendem a maior parte das 24 tonalidades às
quais estamos acostumados, e, além disso, uma série de novos modos de características
peculiares. Mas com estas escalas a mina não se esgota, pois nós temos a liberdade de
transpor cada uma das 113, além de misturar tais modos com a harmonia e melodia.
(BUSONI, 1962, p.92)49.

Busoni ressalta a significativa diferença em utilizar os sons deste modo (dó, réb, mib,
fáb, solb, láb, sib, dó), quando a nota dó é usada como tônica e harmonizada com um acorde
perfeito de Dó maior.
Daniel Raessler, em seu artigo na The music review, “The ‘113’ Scales of Ferruccio
Busoni”, supõe que haja grande probabilidade de estas idéias relacionadas à utilização deste
modo com acorde perfeito de Dó maior estarem muito próximas da “mente [de Busoni] nos
acordes finais de Erscheimung, a sexta Elegien (1907)” (RAESSLER, 1982, p. 55), como
pode ser observado nos compassos 66 e 68 desta obra, conforme figura 3.6 abaixo:

49
“I have made an attempt to exhaust the possibilities of the arrangement of the degrees within the seven-tone
scale; and succeeded, by raising and lowering the intervals, in establishing one hundred and thiteen different
scales. These 113 scales (within the octave C-C) comprise the greater part of our familiar twenty-four keys, and,
furthermore, a series of new keys of peculiar character. But with these the mine is not exhausted, for we are at
liberty to transpose each one of 113, besides the blending of such keys in harmony and melody” ( BUSONI, 1962,
p.92)49.
90

Quando Villa-Lobos utiliza a escala eneatônica faz uma harmonia próxima à sugerida
por Busoni, mas não um acorde perfeito maior, e sim um acorde de Dó maior/menor 7/9b/11.
Nessa passagem, terceiro compasso da coda, esse escala é realizada passando por vários
instrumentos, do agudíssimo até o gravíssimo, um efeito tímbrico valorizado pela
orquestração, que pode ser visto na página 9 da partitura anexada à dissertação. Na figura 3.7,
abaixo, essa passagem está reduzida:
91

Embora nos Esboços para uma nova estética musical (1907) Busoni preconize várias
transformações musicais que estão por vir nos períodos subseqüentes, segundo Alex Ross, sua
produção musical não estava “em conformidade aparente com seus pensamentos estéticos”, ele
manifestava um ideal de performance musical personificado na figura de Mozart (ROSA,
2000, p.27).
Os aspectos inovadores presentes nos Esboços receberam grande impulso nas obras de
Edgard Varèse, que em muitos momentos demonstrou sua admiração por Busoni, relatando o
período em que esteve próximo a ele, entre 1907 e 1913, período em que viveu quase
continuamente em Berlim. Na dissertação de mestrado, intitulada Edgard Varèse: A busca pela
liberação de som, Gilberto Assis de Oliveira Rosa demonstra as várias instâncias musicais
sugeridas por Busoni nos Esboços, que foram trabalhadas por Varèse em sua obra, levantando
92

quatro pontos de grande relevância: a necessidade de novos instrumentos musicais, a grafia


musical, o sistema temperado e a forma.
A aproximação entre Varèse e Villa-Lobos na década de 20 é um ponto de contato e
uma provável troca de informações musicais e estéticas entre os dois compositores, com uma
possível conversa sobre os Esboços de Busoni.
A busca de novas formações escalares não ficou restrita às pesquisas de Busoni, outros
compositores empreenderam pesquisas semelhantes. Bartók e Kodály, no início dos estudos
sobre a música camponesa húngara, segundo Antokoletz, já tinham consciência de que “as
tradicionais escalas maiores e menores estavam genericamente ausentes das autênticas
melodias folclóricas” (ANTOKOLETZ, 1984, p. 204). Os modelos que prevaleciam eram
modos da igreja medieval ou modos gregos, além de outros que eram inteiramente
desconhecidos na “modal arte musical”. Assim, Antokoletz diferencia os modos diatônicos e
não diatônicos e cita um modo não diatônico encontrado na música húngara com divergentes
segmentos modais incluídos, conforme figura 3.8:

Antokoletz sublinha trechos desta escala como segmentos de uma das octatônicas e
uma escala de tons inteiros, além de um segmento diatônico, conforme exemplo acima. Este
modo é gerado também de uma escala menor melódica, a de sib, que tem como nota polarizada
do modo a nota sol, e pode ser denominado sol eólio 4b. O último modo utilizado por Villa-
Lobos, no final do primeiro movimento da Fantasia, é derivado da mesma escala, a menor
melódica ascendente, com a polarização na nota lá, gerando o modo super lócrio. Na análise do
Quarteto IV de Bela Bartók, Sérgio Augusto Molina cita o mesmo modo com outra nota
polarizada. Neste caso, a escala de dó menor melódica tem como nota polarizada a nota fá e
recebe a denominação de fá Lídio com 7.ª menor.
93

Paul Wilson, em seu livro The Music of Béla Bartók, menciona um conjunto de
musicólogos húngaros, sem entrar em detalhes sobre eles, que denomina a geração de modos
diferentes a partir do conjunto de sete notas diatônicas como “heptatonia prima”, ao passo que
o “conjunto escalar de sete notas, no qual os dois semitons, em sua posição mais próxima,
estão separados por um tom, e em sua posição mais afastada, por 4 tons”, denomina
“heptatonia seconda” (MOLINA, 2004, p. 17). Esta característica escalar da “heptatonia
seconda” é a ordenação de tons e semitons da escala ascendente da menor melódica.
Assim, no primeiro movimento da Fantasia em três movimentos, nas seções A e A’,
todos os acordes formados estão edificados nas notas dos modos aos quais seguem como
acompanhamento sem uma idéia de encadeamento com funções tonais, movimento em que
quase todos os acordes são menores. Os modos utilizados seguem um plano de derivação de
escalas menores, tanto harmônicas como melódicas ascendentes, traçando afinidades entre o
modo lócrio e o frígio. Na conclusão, o super lócrio traz consigo a ambigüidade de segmentos
escalares presentes em sua ordenação de tons e semitons, como foi mencionado no exemplo
de Antokoletz. Villa-Lobos faz uma lenta transformação do colorido modal, isto é, estabelece
um processo por modos menores, com um princípio de variação, tendo no tema um suporte
para utilização deste recurso. Na figura 3.9, um mapeamento completo da utilização dos modos
neste movimento com suas derivações e os acordes que os acompanham.
94
95

3.2.4 Variações no acompanhamento

O ostinato configurado nas reiterações do tema recebe um acompanhamento de figuras


texturais que se modificam a cada nova repetição temática. Na exposição, a figuração utilizada
como acompanhamento tem uma edificação harmônica estática, um acorde de Dó menor
7/9/11/13 bequadro, com a mesma duração do tema. Este acorde é instrumentado para harpa,
metais e madeiras em notas longas, juntamente com o tam-tam em uma métrica diferente, em
3/4, formando uma textura homogênea, com a já comentada defasagem rítmica de uma
semínima. Na primeira variação do tema, compasso número 4, conforme a figura 8, essa
figuração é modificada em sua textura com a utilização de arpejos no piano e na harpa em
uníssono. Somando-se a esta ocorrência, oboés, flautas e piccolos, com defasagem de uma
mínima em relação ao tema, apresentam uma camada50 sonora no acompanhamento, uma
superposição de notas (sol, si, ré em oitavas), em uma textura homofônica, com notas repetidas
e com um ritmo independente dos outros instrumentos. Simultaneamente as cinco trompas
realizam notas longas, um acorde de Dó menor 7+, enquanto a primeira trompa conduz o tema.
Há, também, uma pequena intervenção de celesta (sol, si, ré) com uma defasagem de três
semínimas e meia em relação ao tema, compassos 4 e 5, formando camadas texturais com
entradas defasadas. Na segunda variação, esses planos sonoros continuam. O tema, conduzido
pelo primeiro fagote, é acompanhado pelos outros cinco fagotes, formando um acorde de Fá
menor 7+, o grupo homofônico, agora com as flautas e clarinetas (dó, mi, sol em oitavas) e a
entrada do vibrafone no lugar da celesta, realizando o mesmo efeito rítmico.
Esses componentes tímbricos com entradas defasadas são alguns recursos estilísticos
característicos de Villa-Lobos. Eles podem ser constatados em dois pontos nesta obra: o timbre
definindo estruturalmente texturas, abordagem do segundo movimento, e a riqueza rítmica
apresentada nas mudanças de acentuação ocasionadas por sobreposição de desenhos rítmicos
com subdivisões de dois contra três, quatro contra três, ou seja, hemiolas espalhadas em todos
os movimentos. Estes recursos podem ser observados na figura 9 abaixo, juntamente com as
transformações do acompanhamento do tema.

50
A utilização do termo “camada” não tem qualquer relação com a análise schenkeriana, sua aplicação refere-se à
formação de texturas paralelas, para distinguir outras ocorrências sonoras superpostas.
96
97

Recursos semelhantes aos utilizados na seção A podem ser constatados na seção A’. O
tema mantém suas qualidades melódicas na terceira e quarta variação e apresenta pequenas
alterações rítmicas na quinta variação. A primeira apresentação do tema em A’, terceira
variação do tema, conduzida pela primeira clarineta, apresenta um pequeno contraponto da
segunda clarineta e o primeiro fagote em uma passagem cromática em oitavas paralelas,
fazendo uma primeira intervenção contrapontística em relação ao tema. Esse recurso passa a
ser a novidade da quarta variação, conduzida ainda pela primeira clarineta, que tem uma linha
contrapontística um pouco mais definida, apresentada pelo corne inglês e o primeiro fagote em
uníssono, embora faça alguns movimentos paralelos. As ocorrências homofônicas nos oboés,
flautas e piccolos continuam, porém com pequenas alterações no desenho rítmico. Encerrando
o ciclo de quartas, iniciado em A, na última variação em A’, o tema é apresentado em uníssono
nas madeiras e trompetes (sem clarineta alto, clarone e clarineta contrabaixo), o acorde de
acompanhamento, um fáb menor 7+/9 aumentada ou fáb menor/maior, é apresentado nos
metais (sem trompetes) e clarineta alto, clarone e clarineta contrabaixo (figura 3.11).
98
99

Após a última variação do tema da seção A’, há uma coda de 11 compassos na


qual predominam desenhos escalares passando por alguns modos que repetem o mesmo padrão
modal apresentado desde o início. No compasso 41, a nota polarizada volta a ser a nota lá, a
mesma da exposição do tema, mas agora um lócrio derivado da menor melódica de sib com a
6ª. maior e menor (fáb e fá natural), harmonizado por um acorde de Sib menor. No último
tempo deste compasso, esse acorde é transformado em um Sib menor com sétima maior. Na
linha melódica do compasso 43, o fáb desaparece do modo, tornando-o um lá “super lócrio”,
como mencionado anteriormente. As notas do acorde de Sib menor com sétima maior ainda
soam como acompanhamento desta linha melódica, com notas ligadas, até o terceiro tempo
deste compasso. No compasso 45, um Ré menor com sétima, nona e décima terceira natural,
contendo todas as notas do modo dórico de ré, encerra este movimento. As notas deste acorde
estão dispostas simetricamente, de maneira que as notas das pontas, tanto graves como agudas,
possuem um espaçamento maior, concentrando as notas médias mais próximas, conforme
figura 3.12, abaixo:
100
101

Salles apresenta duas fórmulas básicas de cadências utilizadas por Villa-Lobos para
finalizar suas obras, às quais designou tipologicamente como “wagnerianas” e “varèsianas”.
A cadência “wagneriana” “descende diretamente do prelúdio de Tristan und Isolde,
onde toda a agitação harmônica da obra conclui em oitavas na região grave sobre a nota SOL”
(SALLES, 2005a, p. 166).
O segundo tipo, “varèsiana”, indica o acorde final marcado por ressonâncias e sons
resultantes de diversas dissonâncias agregadas e exemplifica com Intégrales, para 11 sopros e
percussão, mas pode ser percebido também na cadência final do Hyperprism conforme figura
3.13 abaixo:

A cadência final do primeiro movimento apresenta semelhanças com o segundo tipo,


conforme figura 3.12a abaixo:
102

3.2.5 Material Contrastante e derivações temáticas

Na seção B, vários elementos musicais são modificados para estabelecer um contraste


em relação às seções A e A’. A mudança mais evidente é o desaparecimento do tema em
ostinato. A linha melódica é expandida para uma textura homofônica formada de tríades
predominantemente invertidas, acordes paralelos, e a seguir transforma-se em sobreposições de
quartas. Esta linha comporta-se como continuação da textura homofônica realizada com notas
repetidas pelas madeiras agudas da seção A, porém neste trecho obedece a um desenho
melódico, conforme compasso de número 10, na figura 3.14. A harmonia ganha mais
mobilidade com seus acordes sendo apresentados nos primeiros tempos dos compassos. O
primeiro acorde maior deste movimento aparece somente no compasso número 12, o que
demonstra a predominância de sonoridades menores. A métrica agora estabelecida é em 4/4, o
primeiro compasso em 5/4 poderia ser interpretado como uma transição. A característica
modal da seção A é quebrada nos dois primeiros compassos com passagens cromáticas na
primeira trompa, depois no oboé, corne inglês e primeiro e segundo trompetes, mas é retomada
103

mais adiante como material temático, utilizado como referência para um tipo de variação livre
sem rigor às suas características melódicas.
A última apresentação do tema na seção A, conduzida pelo primeiro fagote, termina na
nota sol, no compasso número 9. Essa nota é transformada em um pedal que dura até o
compasso número 15, no qual muda para a nota dó, presente nos três compassos seguintes,
antecipando a nota que será polarizada na volta do tema na seção A’, quando é apresentado um
dó frígio com sexta maior (figura 3.14). Esta ocorrência conduz a uma interpretação de que
toda a seção B pode ser entendida como uma transição para A’. Porém a partir da apresentação
de detalhes do tema em variações livres e os vários contrastantes citados acima, considera-se
esta uma seção independente. Essas variações apresentam transformações das características
melódicas e rítmicas do tema, mas não chegam a desfigurá-lo totalmente. Entretanto, no final
desta seção, compassos número 20, um novo tema, a partir desses detalhes temáticos, é
apresentado em textura homofônica com acordes paralelos estendidos para seis compassos.
Algumas características rítmicas deste novo tema são utilizadas na primeira seção do último
movimento.
104
105

A presença de elementos temáticos da seção A pode ser constatada em alguns detalhes


motívicos durante toda a seção B. Nos três compassos iniciais de B, compassos 10, 11 e 12
presentes na figura acima, observa-se a nota sol, eixo da última apresentação do tema, sendo
utilizada como pedal e eixo de movimentos ascendentes e descendentes com desenhos rítmicos
contraídos com alguma relação com o tema. São apresentados em fragmentos tímbricos nas
madeiras, divididas em dois grupos, um deles de flautas e clarinetas e o outro com dois
piccolos e um requinta (clarineta em mib). Este desenho melódico realizado pelas flautas e
clarinetas, compassos 10 e 11, formam tríades paralelas que se invertem (mi – sol – si), com
passagens cromáticas utilizando mib e sib. A última sobreposição deste grupo de instrumentos
é em quartas, porém invertidas (sol – lá – ré). Sua continuação é realizada pelos piccolos e
requinta em sobreposições de quartas sem inversão, mantendo o sol com pedal. No compasso
número 12, as flautas e clarinetas apresentam outra contração rítmica do tema com intervalos
maiores em oitavas paralelas, em uma fusão de timbres que resolve novamente na nota sol.
A partir do compasso número 13, um diálogo entre os naipes de madeiras e metais é
estabelecido até o compasso número 19, sempre apresentando alguns elementos temáticos,
sejam eles rítmicos, seja no direcionamento de movimentos ascendentes e descendentes com
106

notas polarizadas ou no padrão modal característico do tema. No compasso 13, por exemplo,
os metais graves realizam um desenho em terças e oitavas paralelas iniciadas por uma
passagem cromática, ré# - mi – fá, nas notas agudas, si – do – réb, nas notas graves. O desenho
rítmico deste começo, uma colcheia pontuada e uma semicolcheia, é contração da semínima
pontuada e colcheia do começo do tema, porém com movimento contrário. Posteriormente,
realizam um movimento ascendente até as notas sol e sib, como uma transformação do motivo
“a”, depois resolvem em mib e sol com movimento por grau conjunto descendente, a seguir
fazem um desenho semelhante tendo em seu final um desenho rítmico de tercinas descendente,
uma transformação do motivo “b1”. A resolução desta frase, a nota sol das madeiras, é o início
de outra menção temática que utiliza como material o mesmo modo da última variação do
tema na seção A, um sol lócrio com 6.ª Maior. Porém a nota resolução é dó, a mesma que será
polarizada no início da seção A’, alguns compassos adiante. Uma nova frase dos metais em
tercinas, em acordes paralelos, apresenta notas do desenho melódico realizado no compasso
anterior, escondidas entre as notas dos acordes paralelos. No compasso número 17, as flautas e
as clarinetas em uníssono apresentam outra transformação temática, uma variação do motivo
“a” em quiálteras no modo de dó frígio com uma passagem cromática no quarto grau do modo,
fá natural e fá bemol. Essas afinidades temáticas podem ser constatadas na figura 11, acima.
No compasso 20, a última frase da seção B apresenta um desenho melódico em tercinas
de colcheias em contraponto acórdico com tercinas de semínimas com alguns traços do tema,
realiza acordes paralelos, e demonstra maior autonomia. Neste trecho a harmonia apresenta
polarizações tonais, mas nos acordes paralelos da melodia, a voz mais aguda realizada pela
flauta faz um ré eólio cujo desenho melódico realiza um movimento ascendente e descendente
tendo as notas ré e lá como eixos até o compasso número 24 (figura 3.15). Os dois compassos
seguintes, números 25 e 26, preparam a volta do tema no modo de dó frígio com o sexto grau
natural (6.ª maior), início da seção A’.
107

3.3 Segundo movimento – Allegretto (scherzando) e o conceito de textura

No segundo movimento, Villa-Lobos utiliza procedimentos distintos aos apresentados


no movimento anterior. O principal recurso deste movimento é a textura empregada como
elemento estrutural.
Toda e qualquer composição musical, por mais simples que seja, é passível de receber
uma classificação textural. É plenamente possível, no decorrer da história, contrastar práticas
que diferenciam os vários períodos e estilos com tecidos característicos, como, por exemplo, a
108

monodia na Idade Média, a polifonia na Renascença, a homofonia no Classicismo etc. Mas, ao


pensar a textura musical como a somatória de ocorrências sonoras percebidas como uma massa
estruturalmente construída, transforma-se esse elemento em um conceito musical novo na
prática composicional do século XX. Neste sentido, desde o mais simples desenho melódico
até a mais complexa superposição de melodias independentes são recebidos pelos ouvidos
como um tecido único, diferençável em sua possível variedade constitutiva. Leonard Ratner,
em seu livro Romantic Music: Sound and Syntax, reconhece que no período romântico foi
promovida uma transformação na sintaxe sonora:

O espectro da cores, tanto instrumental quanto harmônico, na música romântica é tão


rico e variado em suas nuances e gradações que para quantificá-los e categorizá-los
exigiria descrições imensamente detalhadas. Ainda assim, quando ligamos as
qualidades sonoras a processos composicionais fixos e firmemente estabelecidos,
temos um método pelo qual o fluido jogo dos sons pode ser avaliado em termos de seu
efeito na sintaxe. O emprego do som foi uma importante estratégia da composição na
música romântica, de relevância igual às estratégias e processos que recebem a atenção
de estudos analíticos – a disposição de temas, organicismo, variação que se desenvolve,
processos harmônicos, Ursatz e Urline. (RATNER, 1992, p. xiv)51.

Assim, o colorido sonoro e refinamento harmônico alcançados pelas duas principais


tradições musicais do início do século XX, a francesa e a alemã, respondem a um conjunto de
transformações que terão na música de Claude Debussy e na melodia de timbres de Arnold
Schoenberg, concretizada na terceira peça de seu opus 16, Farben, o emprego do timbre como
uma das dimensões musicais de maior relevância para a música do século XX.
Pierre Boulez, em seu artigo “Timbre and composition – timbre and language” (1985),
aponta duas formas de entender o timbre. Uma delas é objetiva, científica, fundada na acústica
e não possui critérios estéticos, enquanto a outra é artística, subjetiva, trata o timbre como um
componente da linguagem musical fundada em critérios estéticos e formais. A mistura destas
formas pode revelar estruturas composicionais formalizáveis:

51
The spectrum of color, both instrumental and harmonic, in Romantic music is so rich and varied in its nuances
and gradations that quantification and categorization would require immensely detailed descriptions Yet when we
link sound qualities to firmly established, fixed compositional processes, we have a method by which the fluid
play of sound can be evauated interms of its effect on syntax. The deployment of sound was an important strategy
of composition in Romantic music, equal in significance to strategies and processes that have received attencion
in analytic studies – layout of themes, organicism, developing variation, harmonic processes, Ursats and Urlinie.
109

Para mim, as possibilidades funcionais do timbre só são válidas se elas estiverem


relacionadas à linguagem e à articulação de um discurso através de relacionamentos
estruturais; o timbre ao mesmo tempo expõe e mascara. Sem um discurso musical ele é
nada, porém pode por si próprio formar um discurso inteiro. (BOULEZ, 1985, p.
170)52.

Neste processo de integração estrutural do timbre nasce o conceito de composição


textural. Tal conceito, embora não tenha sido nomeado dessa maneira, foi difundido por vários
compositores na primeira metade do século XX. Esta abordagem dirigida à música de Villa-
Lobos, isto é, a textura como um elemento estrutural, alinha a sua música às transformações
ocorridas na primeira metade do século XX, colocando-o em um período intermediário em
relação a compositores que promoveram a textura a principal elemento constitutivo de suas
obras. Entre esses compositores estava Edgar Varèse, com suas idéias de planos e massas
sonoras, e posteriormente György Ligeti, Iannis Xenakis e Krysztof Penderecki, com
experiências acústicas. Paralelamente, outro processo desenvolvido por Pierre Schaeffer, em
seu Traité des objets musicaux, abriu-se uma perspectiva em torno de novos sons com a
intervenção de meios eletrônicos e desencadeou um caminho em direção à música eletrônica e
à música eletroacústica. No bojo deste processo encontra-se também a textura como um dos
principais elementos de sua ordenação. A textura torna-se um elemento estrutural relevante
para os principais compositores do século XX.
Wallace Berry, ao tratar da textura como elemento estrutural em seu livro Strutural
functions in music, além de sistematizar o entendimento clássico de textura como um elemento
da teoria musical, desenvolve uma metodologia específica para a análise textural.
Embora a textura tenha-se tornado um conceito analítico e constitutivo relacionado à
música eletroacústica, Berry aborda somente eventos musicais acústicos direcionados,
principalmente, para a classificação de tecidos musicais e organização estrutural desses tecidos.
A definição de textura estabelecida por ele, no início do capítulo “Texture”, já antevê uma
terminologia específica para este tipo de abordagem musical:

A textura da música consiste de seus componentes sonoros; ela é


condicionada, em parte, pelo número de componentes soando em simultaneidade ou

52
To me the funcional possibilities of the timbre only seem valid if they are linked to language and to the
articulation of a discourse through strutural relationships; timbre both explains and masks at the same time.
Whithout musical discourse it is nothing, but it can also form the entire discourse on its own.
110

concorrência, suas qualidades determinadas pelas interações, inter-relações e projeções


relativas e substâncias das linhas componentes ou outros fatores sonoros. (BERRY,
1976, p. 184)53.

Os procedimentos analíticos aplicados à textura, como somatória dos componentes


sonoros, distinguem dois aspectos constitutivos da obra musical, quantitativo e qualitativo. A
densidade, definida como aspecto quantitativo, é determinada pelo número de componentes
simultâneos, com grau de compressão entre eles, utilização de dissonâncias, progressões e
recessões texturais. Por outro lado, o aspecto qualitativo compreende o timbre, as relações
interlineares e a hierarquização de linhas que incluem variáveis rítmicas, direcionais e
intervalares.
A densidade, como aspecto quantitativo da textura musical, refere-se ao parâmetro que
quantifica o número de linhas independentes e o grau de compressão entre elas dentro do
espaço textural. O espaço textural são os contornos limítrofes estabelecidos entre o som mais
grave e o som mais agudo que determina a resultante vertical. Assim, forma a espessura do
tecido musical. O movimento estabelecido pela sucessividade pode proporcionar: progressões -
causadas pelo aumento da densidade sonora ou maior número de ocorrências sonoras - e
recessões – resultado da diminuição da densidade sonora ou menor número de componentes
com linhas independentes.
Os componentes soando em simultaneidade ou concorrência apresentados em uma
determinada textura musical indicam o modo como estão organizados internamente, de acordo
com os sistemas e procedimentos típicos reconhecidos na música, ou seja, monodia, polifonia,
homofonia etc. Então, uma textura homofônica pressupõe componentes em simultaneidade,
enquanto em uma textura polifônica seus componentes estão em concorrência. Para diferenciar
essas ocorrências, Berry nomeia como “fator real” a resultante sonora estabelecida pelo ritmo,
pela direção ou distância do movimento e por algum outro sentido. Assim, duas vozes em
terças paralelas com o mesmo desenho rítmico resultam em uma sonoridade composta de dois
sons, mas é considerado “um fator real”. Já um trecho de uma imitação a duas vozes,
ritmicamente independente, apresenta “dois fatores reais”.

53
The texture of music concist of its sounding components; it is conditioned in part by the number of those
components souding in simultaneity or concurrence, its qualities determined by the interactions, and relative
projections and substances of component lines or other componet sounding factors.
111

Desta maneira, a determinação de um “fator real” está diretamente ligada às interações


e inter-relações entre os componentes. Elas, as interações e inter-relações, definem as diversas
maneiras de independência e interdependência entre os componentes, são referidas por Berry,
como: homorritmia, heterorritmia, contrarritmia, homodirecionalidade, heterodirecionalidade,
contradirecionalidade, homointervalaridade, heterointervalidade, contraintervalaridade
(BERRY, 1987, pp. 194-195), conforme exemplos na figura 3.16 abaixo:
112

O grau de complexidade em uma textura pode ser estabelecido desde a mais simples
configuração, a monofonia, até a mais complexa, contrarrítmica-contraintervalar-
contradirecional, encontrada na textura polifônica. A combinação de texturas pode gerar,
segundo Berry, acréscimo e decréscimo de sons ou linhas melódicas em um determinado fluxo
sonoro. Este fato determinará o desenvolvimento de progressões e recessões. A utilização
destes dois fatores pode provocar contrastes ou mudanças que indicam uma ordenação da
estrutura formal de uma obra musical.
Em uma fuga a quatro vozes, por exemplo, a sucessiva entrada das vozes proporcionará
uma progressão até o momento em que todas elas estiverem presentes. Esse pode ser o
momento de maior densidade. À medida que o número de vozes diminui ou que elas se tornam
interdependentes, dependendo do movimento rítmico e o grau de compressão entre eles, se
estabelece uma recessão.
Mas há outros aspectos a serem observados. Além do número de componentes, deve ser
considerada a disposição intervalar entre as linhas independentes. Berry denomina essa relação
intervalar entre os componentes como “grau de compressão”: quanto menor o intervalo entre
os componentes, mais elevado o grau de compressão. Neste sentido, as dissonâncias também
quantificam a densidade, a elevação do grau de compressão é causada por intervalos mais
próximos. Uma sobreposição de terças, por exemplo, possui um grau mais elevado de
compressão do que uma sobreposição de quartas.
113

O termo camada, aplicado em vários momentos nesta análise, não faz parte da
terminologia de Berry. Refere-se a um componente com uma linha melódica independente ou
um número de componentes simultâneos, realizando o mesmo ritmo e direcionalidade. Esta
ocorrência é causada pelo paralelismo que determina uma sonoridade integrada. Na
terminologia de Berry, um fator real.
Apesar da abrangência da abordagem analítica de Berry, algumas ausências são
notadas: aspectos tímbricos, relacionados principalmente à orquestração; e variações de
articulação.
No entanto, o principal enfoque proposto na análise deste movimento é a utilização de
um motivo com características texturais, gerando uma seção inteira com esta identificação. Em
“Motivic texture; the provocative effect of unusual textures”, um dos subtítulos do capítulo
Texture, Berry aborda o motivo textural como um elemento da estrutura musical.
Alguns autores têm tratado da textura como elemento estrutural na música de Villa-
Lobos nos últimos anos. Em 2003, Renata Botti, em sua dissertação de mestrado com o título
Aspectos de Textura na Música de Heitor Villa-Lobos, aborda esse recurso utilizado no ciclo
dos Choros, nas Bachianas Brasileiras e em uma das peças da Prole do Bebê n.° 2, O
passarinho de pano. Na conclusão desta pesquisa, Botti considera que “o tratamento da textura
faz parte do vocabulário utilizado pelo compositor brasileiro, de maneira indissociável de sua
linguagem.” (BOTTI, 2003, p. 106). Em 2005, o artigo “A Prole do Bebê n.° 1 e n.° 2 de Villa-
Lobos: estratégias da textura como recurso composicional”, de Maria Lúcia Pascoal, detalha
este procedimento composicional utilizado na obra para piano. Ainda em 2005, em sua tese
Processos composicionais de Villa-Lobos: um Guia Teórico, Paulo de Tarso Salles trata esse
recurso como um dos fatores mais relevantes incluídos entre os procedimentos composicionais
do compositor brasileiro.
Além da textura, outro recurso utilizado na música do século XX, denominado por
Nicolas Slonimsky como pandiatonismo, pode ser relacionado aos procedimentos aplicados
por Villa-Lobos na Fantasia em três movimentos, distintivamente no segundo e terceiro
movimentos. Pandiatonismo é, segundo Kostka, “uma passagem que utiliza apenas as notas de
alguma escala diatônica, mas que não depende das progressões harmônicas tradicionais e nem
do tratamento da dissonância” (KOSTKA, 1999, p. 107). Persichetti refere-se a este recurso
como “escrita pandiatônica”. Segundo ele, tal procedimento causa falta de ritmo harmônico,
114

gerando uma harmonia estática, “útil quando a atenção está direcionada para o movimento
rítmico” (PERSICHETTI, 1985, p. 225). Villa-Lobos utiliza este recurso nos nove compassos
iniciais do segundo movimento e em outros momentos sem muita intensidade. Porém, esse
procedimento é utilizado no terceiro movimento com maior vigor, e receberá uma abordagem
com maior profundidade na análise do último movimento.

3.3.1 Aspectos formais

O segundo movimento, Allegretto (scherzando), apresenta um desenho rítmico


dinâmico com acentuações rítmicas deslocadas. O compasso em 6/4 é mantido durante todo o
movimento. Há uma predominância da textura homofônica dividida em três camadas durante
praticamente todo o movimento. Sua organização formal é ternária, A (compasso 1 ao 25), B (
compasso 26 ao 41), A ( compasso 42 ao 57) e Coda (compasso 58 ao 89), e apresenta na
seção B não só contrastes temáticos com andamentos diferentes como também diferentes
tratamentos em seu tecido homofônico, tornando a textura um ordenador formal. Na seção A,
este tecido homofônico é composto de três camadas simultâneas com grupos instrumentais
diferentes. Duas delas se mantêm com o mesmo ritmo em movimento contrário durante
praticamente toda seção A, caracterizando uma textura homorítmica. A terceira camada
apresenta um desenho rítmico distinto composto, principalmente, de contratempos acentuados.
O staccato prevalece como uma articulação característica em todas as camadas durante esta
seção, de maneira que quando exposto com densidade de grande compressão resulta em uma
massa ruidosa. Na seção B, o andamento mais lento, Meno and Broader, há um predomínio de
ligaduras com paralelismos de várias características intervalares. Compõe-se de duas partes, a
primeira homofônica com predomínio de quartas paralelas e a segunda parte apresenta uma
melodia acompanhada de um tema repetido em transposições de quartas. A seguir, volta o
Tempo Primo, com uma variação da seção A, há um corte dos nove compassos iniciais.
Excluindo este corte, a estrutura da seção A é exatamente igual, com pequenas modificações
na orquestração. A última seção é uma grande coda com uma elaboração motívica
115

desenvolvida a partir da seção A, dividida em três frases. O andamento inicial é mantido nesta
última seção.

3.3.2 Motivo textural e seus desdobramentos na primeira seção

A seção A está organizada em cinco frases. A primeira frase, composta de três


compassos, apresenta um tema constituído de dois motivos. O primeiro e mais importante, o
motivo “a”, funciona como um motor propulsor desta seção, fortemente marcado com uma
textura homorrítmica. O motivo “b” funciona como uma extensão de recondução para o
“motivo a”, e é apresentado com dois movimentos escalares simultâneos, um descendente e
outro ascendente, devido às duas camadas em movimento contrário. Não obstante, apresenta
maior densidade ocasionada pela entrada de outros instrumentos nas duas linhas, conforme
figura 3.17 abaixo. Outra conduta reconhecida nesta passagem é o contraponto de acordes,
recurso textural utilizado exaustivamente nesse movimento:

As três frases subseqüentes são transformações da primeira. Sofrem também pequenas


modificações nos motivos “a” e “b” e acabam por se estender a seis compassos. Em cada frase
há uma mudança na orquestração, seja nos instrumentos que realizam o desenho rítmico e
melódico, seja no número de instrumentos. Conseqüentemente essas mudanças transformam a
116

densidade, ao mesmo tempo que gera movimentos ascendentes e descendentes, sempre


mantendo a textura proposta por movimento contrário nos dois grupos de terças e quintas
paralelas. A última frase desta seção, composta de quatro compassos, repete a primeira parte da
terceira frase, do compasso número 10 ao 12, e no último compasso faz a transição para a
seção B, apresentando um acorde de Fá menor.
O motivo “a”, composto de quatro vozes, apresenta como resultante uma textura
homofônica por movimento contrário, tendo nas duas vozes mais agudas, realizadas pelas
clarinetas em terças paralelas, a inversão das duas vozes mais graves realizadas pelos fagotes
em quintas paralelas, conforme figura 3.18, abaixo:

A textura resultante desse motivo, uma homofonia homorítmica e contradirecional,


constitui a base de construção de toda a seção A deste movimento.
Ao mencionar esse recurso como motivo textural, Berry assinala que:

Há muitas ocasiões na música (talvez especialmente aquela dos últimos cem anos) em
que os materiais têm características texturais tão distintas, e em que as qualidades
particulares da textura são fatores tão vitais na identidade e interesse do material
temático-motívico, que parece plausível pensar e falar de textura como “motívica” – ou
de um específico motivo-textura. (Berry, 1987, p. 254).54

54
There are many times in music (perhaps especially that of the last hundred years) when materials are of such
distinctive textural cast, and when the particular qualities of texture are so vital a factor in the identity and interest
of thematic-motivic material, that it seems plausible to think and speak of texture as “motivic”- or of a specific
texture-motive.
117

Assim a primeira seção do segundo movimento desta Fantasia apresenta características


texturais como fator de identidade, lançado por seu motivo, agora qualificado de motivo
textural. O efeito sonoro resultante desse motivo é formado por dois grupos instrumentais com
timbres e movimentos independentes, por isso consideram-se esses dois grupos como duas
camadas.
Com uma figuração diferente, a terceira camada faz intervenções rítmicas com acordes
no contratempo, e apresenta um curto desenho em colcheias com saltos de oitavas da região
média para a região agudíssima, articuladas em staccato, uma espécie de contracanto rítmico
em relação às outras camadas. Estes acordes pontuados no contratempo podem ser
relacionados como uma das afinidades com o tema do primeiro movimento, se comparado à
defasagem rítmica da harmonia em relação à melodia. Na figura 3.19 abaixo, os nove primeiros
compassos da seção A com os contratempos da terceira camada assinalados.
118

Nas frases seguintes esta figuração é repetida com poucas modificações. A maneira
como esse recurso de textura homofônica por movimento contrário é desenvolvido por Villa-
Lobos gera movimentos ascendentes e descendentes pontuados por acordes fechados. Esses
movimentos aumentam e diminuem o contorno da tessitura destas duas camadas contidas neste
desenho motívico, provocando progressões e recessões moderadas. Ao assinalar as notas do
contorno de tessitura alcançada neste efeito obtém-se o espaço textural, conforme método
proposto por Berry, mas articulado de modo um pouco diferente. Na figura 3.20 abaixo, há
uma representação diagramática do espaço textural dessas duas camadas na primeira seção do
segundo movimento, onde, além de se perceber o espaço textural, pode-se constatar
119

visualmente o funcionamento do movimento contrário na evolução do desenho motívico de


toda esta seção.

Outro fato que pode ser constatado neste trecho é a utilização das notas da escala de dó
maior, ou modo jônico, durante esses nove compassos sem uma única alteração. Não há, no
entanto, qualquer cadência clara que estabeleça a tonalidade de Dó maior ou qualquer
tratamento de dissonâncias. Este procedimento permite estabelecer neste trecho uma tendência
pandiatônica. Nos compassos seguintes desta seção, há um procedimento semelhante, mas a
presença de duas alterações na terceira camada, dó# e láb, utilizados nos acordes dos
contratempos, interfere na continuidade da escrita pandiatônica, embora sua utilização seja
curta e percussiva. Contudo, as outras duas camadas se mantêm sem alterações até o compasso
25, o último compasso desta seção. Nele aparece a nota láb, formando um acorde de Fá menor,
120

indicativo da mudança por vir. Esta tendência à escrita pandiatônica é abordada mais
profundamente na análise do terceiro movimento.
Os acordes formados nesta seção refletem o campo harmônico de Dó como
conseqüência do material escalar. As frases mantêm divisões em suas estruturas de três
compassos, em quase todos os casos iniciadas por acordes fechados. No quadro abaixo os
acordes formados de três em três compassos nas camadas que apresentam o motivo textural:

n.° 1 4 7 10 13 16 19 22
compasso

acorde DóM Lám7/9 SolM SolM Rém7/9 SolM7 FáM7/9 SolM

Abaixo uma tabela com os acordes formados na camada dos contratempos:

n.° 1 4 7 10 13 16 19 22
compasso

acorde DóM9 Lám7 Mim7 SolM7 FáM7/9 SolM7 SolM7


9b/11#/13 9b/11#/13 9b/11#/13

Acordes formados na camada dos contratempos refletem o campo harmônico de Dó


maior até o compasso número 9. Nos compassos de número 10, 16 e 22, o acorde de Sol maior
com sétima, nona menor, décima primeira aumentada e décima terceira indica a presença de
do# e láb em sua estrutura. Este acorde com sete notas, ao ser transformado em uma escala,
partindo da nota sol, torna-se uma escala octatônica sem o sib, - sol, láb, (sib), si, dó#, ré, mi,
fá - com três tritonos, sol-dó#, láb-ré, si-fá. Seu funcionamento assemelha-se a um cluster,
porém seu peso é atenuado por ser uma intervenção curta, uma colcheia com staccato, o que o
torna uma interferência rítmica, sempre apoiada por um ou mais instrumentos de percussão.
121

3.3.3 Afinidades temáticas entre primeiro e segundo movimentos

Ao comparar o motivo “a” do segundo movimento com o tema do primeiro movimento,


duas características iniciais são perceptíveis: a primeira delas é o desenho rítmico do motivo
“a” do primeiro movimento, e a outra característica é a utilização da nota inicial como um eixo
da melodia.
Nas categorias de transformação temática, citadas por Reti no capítulo “Various
categories of transformation”, do The thematic process in music, uma delas pode ser utilizada
aqui, a “supressão de partes temáticas” quando “partes de um tema são utilizadas para criar
um novo tema” (RETI, 1950, p.88). Ao se aplicar essa categoria nomeada por Reti, de
supressão de partes do tema, obtém-se o seguinte resultado (figura 3.21):

Para esta supressão de partes do tema do primeiro movimento, utilizou-se como modelo
a primeira variação, em virtude de o tema resolver na nota inicial, nota eixo, característica não
compartilhada unicamente pela exposição. Considerando-se que o primeiro acorde formado por
este motivo textural é um Dó maior, toma-se como referência a linha melódica da nota dó na
122

segunda clarineta - dó, si, dó, ré, dó – que, comparada com as notas que sobram da supressão
de partes do tema (figura 17) – ré, mib, ré, dó, ré –, evidencia a inversão transposta um tom
acima. As outras notas que compõem o acorde, as mais graves – dó, sol – realizam em suas
linhas melódicas a mesma direção melódica das notas restantes da supressão, sem necessidade
de inverter seus intervalos. Mas seus desenhos melódicos não obedecem aos mesmos
intervalos. Constata-se, com o isolamento das linhas, que se trata de uma dupla bordadura
aplicada a todas as vozes, sendo duas delas a inversão das outras. Ao observar a parte superior
da figura 3.21, parece tratar-se de uma redução da melodia às notas essenciais, mas é uma
supressão de partes temáticas, categoria de transformação temática, que aponta para como o
tema foi reduzido a cinco notas do desenho melódico do tema inicial. Assim, com este recurso,
é possível demonstrar afinidade do tema do primeiro movimento com o motivo “a” do primeiro
tema do segundo movimento. Além dessa afinidade, outros elementos podem ser considerados
para traçar uma relação entre os dois movimentos como uma derivação temática: o desenho
rítmico semelhante dos dois motivos “a”, a utilização de uma nota eixo e a terceira camada
utilizando acordes no contratempo. Estas evidências podem ser confirmadas na figura 3.21,
acima.

3.3.4 O emprego de paralelismo

O emprego de duas camadas em movimento contrário exposto na primeira seção é


determinado por um paralelismo em cada camada, de modo que nas vozes mais agudas são
inicialmente terças paralelas. Sucessivamente outras linhas vão sendo sobrepostas, para formar
uma camada com maior densidade, movimentando-se na mesma direção. O mesmo ocorre com
as vozes mais graves na outra camada, obedecendo inicialmente a um paralelismo de quintas e
movimentando-se em direção oposta à da camada mais aguda. Isso caracteriza um contraponto
de acordes estabelecido em progressão e recessão.
123

Mas o paralelismo de acordes resultante em cada camada destrói a direcionalidade


tonal estabelecida nas regras que compõem a condução de vozes, procedimento tão caro às
relações harmônicas tonais. Persichetti aborda esse recurso como “harmonia paralela”, uma
tendência para romper as conexões de qualquer centro tonal, determinando uma ampliação
textural da melodia:

A harmonia paralela (ou melodia acórdica) é uma extensão textural equivalente a uma
linha melódica; sua direção está governada primariamente por considerações melódicas
e sua construção intervalar pela classe de textura requerida pela forma dramática. Na
harmonia paralela, as quartas e quintas são tão transparentes como as terças e sextas e
os intervalos de segunda e sétima encontram liberdade horizontal. (PERSICHETTI,
1985, p. 201).

Neste sentido, o paralelismo deve ser compreendido como mais um artifício para
estabelecer texturas distintas. Em uma peça orquestral como esta a instrumentação de acordes
paralelos amplia consideravelmente a paleta de cores manipuláveis pelo compositor. Este
recurso foi utilizado repetidas vezes por compositores franceses como Debussy e Ravel, tanto
como um enriquecimento tímbrico, como para um deliberado enfraquecimento da
funcionalidade da harmonia tonal.
O paralelismo é utilizado nesta seção, a segunda deste movimento, como recurso
textural, além da mudança de andamento e temas contrastantes.
No compasso 25, o acorde de Fá menor com sétima maior e nona anuncia uma
mudança de modo e, por meio de um ritardando, anuncia uma mudança de andamento, Meno
and Broader. A textura passa a ter duas camadas com dois grupos de instrumentos atuando
como melodia acompanhada, porém a melodia é realizada em quartas paralelas, conforme
figura 3.22, abaixo:
124
125

No compasso número 25, Villa-Lobos muda apenas uma nota em relação ao modo
jônico que vinha sendo utilizado. Ao invés de lá natural usa o láb e modula para o modo menor
de fá. Não utiliza armadura de clave de láb maior, mas omite a nota si (bemol ou natural) e
utiliza as notas ré e mi naturais, deixando claro o modo de fá menor melódico. A partir do
compasso 27, na melodia dos oboés, tem-se a presença das notas sib, mib, mas a nota ré
continua natural, um fá eólio com sexta maior. Nos compassos seguintes o modo de fá menor
continua, porém com algumas mudanças entre o sexto e sétimo graus até o compasso 31.
Na anacruse para o compasso número 27, o tema é apresentado pelos oboés e
posteriormente fragmentado entre outros instrumentos, tendo como principal característica o
paralelismo de quartas constituído pelo material dos modos menores polarizados na nota fá
(figura 18). A textura resultante desta melodia, agora em legato, no modo menor em quartas
paralelas contrasta fortemente com a textura com staccato da primeira seção. Mas o
paralelismo de quartas cessa no compasso número 31. Uma cadência com resolução em um
acorde de Si menor, nos compassos de número 31 e 32, prepara a entrada do segundo tema
desta seção no compasso de número 33, como representado na figura 3.22.

3.3.5 Paralelismo aplicado ao tema da seção B

O tema apresentado a seguir, o segundo desta seção, prossegue com o paralelismo, mas
não mais de quartas. Mantendo a textura de melodia acompanhada, apresenta oito compassos
em frases organizadas de duas em duas. A partir do compasso de número 35, a entrada da
harpa como movimento independente estabelece a terceira camada.
O desenho rítmico e melódico deste tema apresenta algumas afinidades com o tema do
primeiro movimento. Os dois temas organizam-se em dois compassos e nos motivos que os
constituem pode-se constatar a derivação deste tema, segundo da seção B, com o tema do
primeiro movimento. No motivo “a” o desenho rítmico inicial é o mesmo, mudando um pouco
o desenho melódico, e o motivo “b2” tem o desenho rítmico ampliado e obedecendo à mesma
direcionalidade, isto é, às três semínimas descendentes por grau conjunto, conforme
comparação dos dois temas na figura 3.23:
126

Outra semelhança desse tema é a utilização, em suas repetições, de um ciclo de quartas


de dois em dois compassos, sugerindo um recurso imitativo. As entradas seguem a seguinte
ordem: a primeira apresentação é iniciada pela nota si, a segunda pela nota mi, a terceira pela
nota lá. Na quarta apresentação do tema, em que há pequenas variações, este ciclo é quebrado
com o início na nota fá#, porém o segundo compasso desta é iniciado pela nota ré.
Mesmo com todas estas implicações citadas acima, o paralelismo com intenções
texturais continua, e dissimula qualquer funcionalidade harmônica. Nestes trechos ocorrem
polirritmias como resultado de algumas hemiolas.
Nos compassos 33 e 34, nota-se um paralelismo acórdico nas flautas, oboés e clarinetas
com deslocamento rítmico de uma semínima em relação à entrada do tema 2 (figura 3.24). O
tema é apresentado em oitavas paralelas pelos trombones, tuba e contrabaixos. Nos dois
compassos seguintes o tema passa para o grupo do naipe das madeiras, flautas, oboés e
clarinetas, agora em paralelismo acórdico, acompanhado pelo grupo de metais em oitavas
paralelas, e a harpa apresenta arpejos em quiálteras. Nos outros dois seguintes (37 e 38),
inverte-se novamente esta ordem. Por fim, uma variação rítmica e melódica deste tema é
apresentada em uníssono no corne inglês, clarinete alto, fagotes, trompas e flugelhorn, durante
os dois últimos compassos desta frase. Encerrando esta seção, um compasso prepara o retorno
à seção A, conforme figura 3.24.
127
128
129

Neste trecho, há uma polirritmia provocada pelo deslocamento da acentuação da


métrica proposta pelo compasso em 6/4, produzida na textura resultante das três linhas
independentes presentes neste momento. Nos compassos de número 33 e 34, há um
deslocamento de uma semínima nos acordes paralelos - outro detalhe do primeiro movimento -
que apresenta notas ligadas e articuladas a cada três semínimas. Nos dois compassos seguintes,
35 e 36, o tema passa para os acordes paralelos e obedece à métrica regular estabelecida na
fórmula de compasso, com mínimas pontuadas no grupo de oitavas paralelas. A seguir, nos
compassos 37 e 38 há uma divisão em três tempos como se estivesse em 3/2, uma hemiola, nos
acordes paralelos, depois volta à divisão de duas mínimas pontuadas. Esses efeitos são
característicos do estilo de Villa-Lobos e estão presentes em sua música em maior ou menor
complexidade.
Os próximos 16 compassos apresentam a repetição da seção A, com um corte dos nove
primeiros compassos, com pequenas modificações na orquestração.

3.3.6 Última seção do segundo movimento

A última seção deste movimento é uma Coda com motivos e recortes do tema
apresentado na seção A. Iniciada no compasso 58, estende-se até o final, compasso 89, e
mantém o andamento da seção anterior. De acordo com o material temático utilizado, pode ser
dividida em três partes: a primeira parte do compasso 58 ao 65; a segunda, do compasso 66 ao
80; e a última parte, do 81 ao 89. Não há nesta coda qualquer implicação tonal para justificá-
la. O que ocorre neste trecho é, após uma clara apresentação de uma estrutura ternária – A B A
–, a apresentação de uma seção com a utilização de um material motívico derivado da seção
A, sendo liquidado por meio de recortes do tema e conduzindo-o para a cadência final.
Na primeira parte desta seção, organizada em três camadas, o grupo de vozes mais
agudas, flautas, oboés e posteriormente as clarinetas, realiza terças paralelas em colcheias
ligadas com movimentos descendentes. O grupo de vozes mais graves - trombones, tuba e
contrabaixos - faz acordes paralelos em movimento contrário aos da primeira camada,
mantendo um intervalo paralelo de quinta entre as notas mais graves, movimentando-se em
130

figuras de mínimas pontuadas. O paralelismo dessas duas camadas é uma das características
da seção A deste movimento e ocorre durante os oito compassos desta parte. A novidade fica
por conta da camada intermediária com as trompas e os trompetes que apresentam uma
melodia independente em acordes fechados e paralelos, conforme figura 3.25 abaixo.

No início da segunda parte desta coda, compassos de número 66, 67 e 68, são
apresentados recortes do motivo “a” deste movimento com o ritmo modificado. As
acentuações no quinto tempo destes compassos provocam um efeito tímbrico causado pelas
131

sobreposições de notas realizada por piccolos, flautas, oboés e clarinetas, um acorde de Lá


menor, conforme figura 3.26, abaixo.

Este efeito tímbrico nas madeiras pode ser interpretado como uma menção ao primeiro
movimento, utilizado como acompanhamento do tema em ostinato. Embora Villa-Lobos utilize
acordes do campo harmônico de Dó maior nos compassos de número 66 e 67, o caminho
harmônico descrito neste trecho demonstra uma não funcionalidade resultante da
especificidade do motivo proposto. Ou seja, terças e quintas paralelas em movimento
contrário, efeito utilizado em toda a seção A deste movimento. No compasso de número 68,
132

neste caminho harmônico, faz uma aproximação cromática com sobreposições de quartas para
alcançar o acorde de Dó maior.
Mais adiante no compasso 74, outra utilização do motivo da primeira seção, uma oitava
acima do compasso número 10, porém ocorrem modificações nos compassos seguintes. A
partir do compasso de número 77, Villa-Lobos realiza um jogo rítmico durante três compassos
com a utilização de partes do motivo com respostas em eco oitava acima. A seguir dois grupos
mantendo terças e quintas paralelas em movimento contrário encerram a segunda parte desta
seção, conforme figura 3.27 abaixo.
133

A última parte desta seção divide-se em duas camadas. Uma delas realiza um
movimento de colcheias preparando o fim do movimento, enquanto a outra camada apresenta
uma cadência de dominante e tônica em notas longas. No compasso 81, início desta parte, há
um acorde de Mi menor com notas longas tocadas por quase toda orquestra; excetuando-se os
trompetes que realizam um desenho melódico com paralelismo acórdico. São três vozes que se
alternam em terças e quartas paralelas durante quatro compassos, enquanto há um
acompanhamento com notas longas se movendo também paralelamente. Nesta seção mantém-
se uma textura com duas camadas, melodia e acompanhamento até o compasso de número 88.
No último compasso, número 89, a nota dó é realizada por toda orquestra em uníssono e
fortíssimo.
Os cinco últimos compassos apresentam figurações paralelas. Os dois primeiros deles em
quintas paralelas descendentes que passam dos instrumentos agudos aos instrumentos graves
do naipe das madeiras, com uma pequena intervenção dos trompetes. Segue-se outro
paralelismo descendente, desta vez com três vozes alternando terças e quintas paralelas,
repetindo a instrumentação, porém agora alcançando notas mais graves do naipe dos metais.
No primeiro desenho descendente, compassos de número 85 e 86, as vozes mais agudas,
utilizando somente o fá# e omitindo as notas dó e sol, fazem um escala pentatônica - si, lá, fa#,
mi, ré. A segunda voz omite o dó e o fá#, outra pentatônica – mi, ré, si, lá, sol - e durante estes
dois compassos um acorde de Sol maior é sustentado em notas longas. No compasso
subseqüente, número 87, um acorde de Dó maior com sétima maior e nona é sustentado,
enquanto três escalas paralelas descendentes sobrepostas com os mesmos acidentes, isto é,
realizam a mesma escala iniciada em notas diferentes. Na voz mais aguda as notas são mib,
134

réb, si, láb, sol fá; na segunda voz são si, láb, sol, fá, ré, réb; e na terceira voz são sol, fá, ré,
réb, si, láb. Embora não sejam escalas pentatônicas, causam um efeito semelhante ao que
acarretam os dois compassos anteriores. O mesmo efeito é utilizado no compasso 88, porém
com outras notas e em uma região mais grave. Na voz mais aguda as notas são fá, mi, réb, si,
láb, sol; na segunda voz são réb, si, láb, sol, fá; e na terceira voz são láb, sol, fá, ré, réb. É um
efeito puramente horizontal provocado pelo paralelismo das notas agudas em direção às notas
graves, semelhante ao efeito utilizado no primeiro movimento com a escala eneatônica, cuja
resultante vertical nada carrega da funcionalidade harmônica, mas sim da construção de um
tecido sonoro. O acorde que se forma no final desse efeito, no quarto tempo do penúltimo
compasso, soa quase como um cluster, um dó, réb, mi, fá, sol, ré natural e sol, e resolve em um
dó uníssono de toda orquestra.
135

Esta cadência final assemelha-se ao tipo “wagneriano” citado por Salles, com pequenas
diferenças, dado que ela se relaciona à cadência final do prelúdio de Tristão e Isolda,
resolvendo toda agitação harmônica em oitavas na região grave. Com algumas diferenças o
terceiro movimento apresenta também uma final cadencial em oitavas.

3.4 Terceiro movimento - Molto Allegro

A estrutura formal empregada no último movimento apresenta maior proximidade com


as formas utilizadas no ciclo dos Choros, e pode ser uma justificativa do subtítulo “em forma
de chôros”. Sua estrutura é constituída por várias seções organizadas em continuidade com
mudanças de andamento e mudanças métricas, sem qualquer preocupação de reiteração
temática, aproximando-se assim da forma rapsódica, construção associada genericamente ao
ciclo dos Choros de Villa-Lobos. Este movimento apresenta um material escalar variado, que
ainda envolve tendências pandiatônicas, além de outros recursos com escalas pentatônicas e
cromáticas. A presença de hemiolas distintas divididas em linhas simultâneas provoca
polirritmias que alcançam a maior densidade textural da obra. A organização harmônica desse
movimento mescla aspectos tonais, atonais e algumas sugestões pontuadas de poliacordes.
Neste movimento, diferente dos outros, a divisão por seções está definida com a
sinalização de barras duplas, indicando em sua estrutura seis seções distintas com recursos
composicionais diversificados, a saber:

• Seção A – Molto Allegro – 34 compassos em 4/4;


• Seção B – Allegro meno mosso – 32 compassos em 6/8;
• Seção C – Allegro giusto – 16 compassos em 4/4;
• Seção D – Andante – 15 compassos em 4/4;
• Seção E – Più mosso – 16 compassos, sendo 4 compassos em 4/4 e 12 compassos em
3/4;
• Seção F – Molto Allegro – 34 compassos em 4/4.
136

3.4.1 – Tendência pandiatônica

A seção A apresenta dois grupos temáticos, “a” com 18 compassos organizados em


2+8+8, e o “b” com 16 compassos em 5+11. Essa primeira divisão corresponde ao emprego de
um material temático e escalístico distinto. Nos 18 compassos iniciais, por exemplo, não há
acidentes ocorrentes, novamente predomina uma tendência ao pandiatonismo. Ao apontar a
escrita pandiatônica em Villa-Lobos como uma tendência, considera-se o conceito mais
rigoroso recebido por esse termo. O conceito oferecido por Kotska, abordado na análise do
segundo movimento, trata de modo genérico sem detalhar a utilização dessa técnica
composicional. Ele supõe que tal prática tenha sido uma reação de alguns compositores contra
o cromatismo excessivo do final do século XIX, utilizada como recurso que gerou tanto
passagens tonais como atonais, e cita exemplos na produção musical de Charles Ives e Igor
Stravinsky.
Conforme definição de Kotska, o pandiatonismo é “uma passagem que utiliza apenas as
notas de alguma escala diatônica, mas que não depende das progressões de harmonias
tradicionais e nem do tratamento da dissonância”. (KOSTKA, 1999, p. 107).
Neste sentido não haveria dúvidas em associar este tipo de escrita à técnica utilizada
por Villa-Lobos em vários pontos da Fantasia em três movimentos. No entanto, Vincent
Persichetti, sob um ponto de vista harmônico, conceitua pandiatonismo da seguinte forma:

A escrita pandiatônica é um tipo específico de harmonia estática na qual uma


escala completa é utilizada para formar os membros de um acorde implícito por
segundas, estático. As estruturas verticais são combinações de qualquer número de
sons da escala prevalecente, colocadas em disposições variáveis. A sucessão de acordes
horizontais não tem direção tonal; os sons da escala são manipulados como material
dos acordes básicos criando movimento harmônico fora da escala subjacente estática e
inalterada. A harmonia não tem funções características; o contraponto é ritmicamente
ativo, e o acorde disposto de modo acidental. (PERSICHETTI, 1985, p. 226).

Persichetti associa esta escrita a uma harmonia estática, na qual a escala é utilizada
verticalmente, e raramente emprega duplicação de notas. Ele ressalta que as vozes graves
podem apresentar intervalos consecutivos de quintas e décimas, por serem mais fluidos do que
terças ou quartas. Ainda aponta a tendência de utilização das quartas nas vozes superiores, as
137

segundas e sétimas podem engrossar a textura para a próxima chegada cadencial. Além disso,
considera rara a utilização de “uma seção inteira pandiatônica, particularmente com um modo
sem bemóis ou sustenidos” (PERSICHETTI, 1985, p. 226). De modo geral, estas
características são percebidas na Fantasia, principalmente quintas e décimas paralelas nas
vozes graves e quartas nas vozes agudas, embora haja um uso freqüente de duplicação de notas
verticalmente.
Reti, ao abordar estilos particulares com diferentes técnicas de composição, cita o
“pandiatonicismo”55 como um termo batizado por Nicolas Slonimsky para explicar um método
de formação estrutural aplicado por Stravinsky e outros compositores:

Algumas formas específicas intermediárias nos principais caminhos da evolução,


como, por exemplo, certo método de formação estrutural para o qual Nicolas
Slonimsky cunhou o termo ‘pandiatonicismo’, também entram nesta categoria [estilos
particulares com diferentes técnicas]. O termo refere-se ao princípio de formação,
aplicado por Stravinsky e outros, no qual a tonalidade reinaria no sentido vertical, mas
onde nenhuma a idéia tonal correspondente dirige a sucessão horizontal. (RETI, 1958,
p.119).56

A definição de Slonimsky do sistema de composição pandiatônica aponta para uma


resposta diatônica à técnica dodecafônica, denotando “a livre utilização das sete notas da
escala diatônica, melódica e harmonicamente” (SLONIMSKY, 1947, p.iv). Mas aponta três
possibilidades de utilização, a Progressão Pandiatônica, Contraponto Pandiatônico e Harmonia
Pandiatônica. A Progressão Pandiatônica é a ordenação de alturas semelhantes à série
dodecafônica, uma melodia ou uma ordem com as sete notas diferentes de uma escala
diatônica, e suas outras três formas possíveis de ordenação: invertida, retrogradada, inversão
retrogradada. Conforme figura 3.29, abaixo.

55
A utilização do termo “pandiatonicismo” por Reti não propõe nenhuma modificação conceitual ao termo, o
próprio Slonimsky quando perguntado sobre esta diferença semântica, diz ter resolvido esse dilema ao escrever
um artigo para o Grove, no qual apresenta o termo da seguinte maneira: “pandiaton(ic)ismo”.
56
Also some specific shapes in between the main roads of the evolution, as for instance a certain method of
structural formation for which Nicolas Slonimsky coined the term ‘pandiatonicism’, come into this category. The
term refers to a principle of formation, applied by Stravinsky and others, in wich tonality would reign in the
vertical sense but where no correponding tonal idea directs the horizontal succession.
138

O Contraponto Pandiatônico usa a progressão de sete notas em cada voz, sem


duplicação vertical. E a Harmonia Pandiatônica:

[...] é o correspondente do século XX à harmonia clássica. Compositores modernos de


antecedentes e convicções musicais tão diversos quanto Ravel, Stravinsky, Hindemith,
Milhaud, Copland a Roy Harris fizeram uso desta técnica, chegando a ela por
diferentes processos criativos. Os compositores de jazz também encontraram, pela
experimentação, uma aplicação eficaz para acordes enriquecidos de formação
Pandiatônica. É prática comum finalizar um arranjo orquestral de uma canção popular
com uma tríade maior enriquecida com uma sexta, sétima ou nona acrescentada.
(SLONIMSKY, 1947, p.iv)57.

57
“Pandiatonic Harmony is the twentieth century counterpart of classical harmony. Modern composers of such
varied backgrounds and musical persuasions as Ravel, Stravinsky, Hindemith, Milhaud, Copland and Roy Harris
make use of this technique, arriving at it by different creative processes. Jazz composers, too, have found, by
sheer experimentation application for the enriched chords of Pandiatonic formations. It is a common pratice to
139

Em vários momentos da Fantasia, Villa-Lobos emprega acordes com todas as notas da


escala que esta sendo utilizada horizontalmente, como, por exemplo, no primeiro acorde do
primeiro movimento e no último acorde faz uso do acorde de Ré menor 7/9/11/13, mas com
duplicação de notas. Não faz, portanto, uma aplicação rigorosa desta técnica, como sugerida de
Slonimsky. No entanto, apresenta em vários trechos da Fantasia uma escrita pandiatônica
como uma tendência, aproximando-se mais do conceito utilizado por Kotska.
Na primeira parte da seção A do último movimento, a escrita pandiatônica é aplicada
durante os 18 primeiros compassos, que podem ser subdivididos em 2+8+8. Os dois
compassos iniciais apresentam mais uma modificação do tema do primeiro movimento, que
vem sendo transformado durante os dois movimentos anteriores. O compasso em 4/4 é
dividido em tercinas de semínimas, como se fosse continuação do 6/4 do movimento anterior.
A primeira frase, com duração de dois compassos, é realizada por trompetes, trompas e
trombones, que se dividem em duas vozes. Uma delas realiza um pedal na nota dó, a outra voz
iniciada na nota dó em uníssono movimenta-se em grau conjunto descendente e volta para dó.
Este desenho apresenta características texturais, mas quando é repetido, mais adiante, o pedal
desaparece e se dilui em notas repetidas, transformando-se em um ritmo. Os dois motivos
presentes neste desenho melódico são semelhantes aos motivos do segundo tema da segunda
seção, no segundo movimento, conforme figura 26, abaixo:

end an orchestral arrangement of a popular song by the enriched major triad with an added sixth, seventh, or
ninth”.
140

Esses dois compassos iniciais funcionam como uma pequena menção variada do tema
que vem sendo transformado desde o início. É, também, uma preparação vigorosa para a frase
seguinte.
As duas frases seguintes apresentam estruturas semelhantes de oito compassos. Na
primeira dessas frases, após três grupos de sextinas com acordes de sétima em terças
sobrepostas, tendo um pedal com a nota dó, forma-se no compasso número 4 uma polirritmia
na qual se distinguem quatro camadas trímbricas. A camada mais aguda realiza um desenho
paralelo de sobreposição de terças, formado de acordes de sétima, apresentados por flautas,
oboés e clarinetas, em tercinas de colcheias com notas repetidas de duas em duas. Outra
camada faz tercinas de semínimas, também em acordes de sétimas paralelos, realizadas pela
harpa. Considerados como outra camada tímbrica, vários instrumentos graves realizam um
pedal de cinco compassos, na nota dó, depois retornam ao desenho rítmico dos dois primeiros
compassos. A camada mais importante neste trecho fica por conta dos trompetes e trompas, um
desenho melódico de seis compassos que também faz um paralelismo de acordes de sétima,
conforme figura 3.31.
141
142

Essa sobreposição rítmica de tercinas de colcheias com tercinas de semínimas já foi


utilizada por Villa-Lobos no primeiro movimento na última frase da seção B, embora o
desenho melódico seja diferente. Conforme figura 3.32, abaixo.

A segunda frase de oito compassos apresenta a mesma estrutura da primeira frase,


exemplificada na figura 27, variando apenas a região, isto é, começa uma terça abaixo da
primeira frase, não contendo a camada intermediária dos trompetes e trompas, mas mantém a
escrita pandiatônica.
A segunda parte desta seção, do compasso 19 ao 34, apresenta características distintas
da primeira parte em vários pontos. Os primeiros cinco compassos, do 19 ao 23, são uma
transição para um segundo tema. Com um desenho progressivo de tercinas de semínimas
entram lentamente notas que são do campo harmônico de láb maior, mas direcionados para fá
menor. A entrada da nota lab quebra a escrita pandiatônica, e realiza função semelhante à do
segundo movimento, mas desta vez forma um acorde de Láb com quinta aumentada. No
compasso 22 e 23 parece se fixar em Fá menor, conforme figura 29, mas inicia-se outra frase
no compasso 24 com características diferentes.
143

A frase que se segue propõe outros procedimentos composicionais. Um ostinato rítmico


com notas repetidas é apresentado nas vozes agudas por flautas, oboés e clarinetas nos
compassos 24 e 25, realizando um acorde de Sol maior. Nos compassos 30, 31, 32, 33 e 34
repete-se o mesmo desenho, desta vez com um acorde de Dó maior. Este ostinato rítmico
contrapõe-se ao desenho rítmico apresentado por trompetes e trompas. Eles realizam acordes
paralelos mantendo acidentes da armadura de clave de lá bemol até o compasso 27. Nos
compassos 24 e 25 omite-se o sib, e a rápida aparição da nota solb no compasso 28 não
interfere nesta direção harmônica (figura 3.34). Nos compassos que se seguem, do 29 ao 34, a
utilização do mi natural confirma a escala de fá menor harmônica como material escalar. No
compasso 30, instrumentos graves como clarone, fagote, contrafagote, trompa, tuba e
contrabaixo, realizam uma escala descendente – sib, lab, sol, fá, mi, reb, dó, sib – uma escala
de fá menor harmônica polarizada na nota sib, ou sib dórico com quarta aumentada. Esta
escala vai se repetindo progressivamente mudando a nota que polariza o modo para um tom
abaixo até chegar à nota sol, no compasso 34, resolvendo-se no compasso de número 35, já na
seção B. Com essa polarização na nota sol tem-se o modo lócrio com sexta maior, modo
utilizado no primeiro movimento. Um outro recurso sugerido é a utilização de poliacordes. O
primeiro ostinato apresenta a nota ré natural, quinta do acorde de Sol maior, contra o réb da
camada intermediária, portando um conflito entre estas duas notas, o ré natural e réb, que pode
ser interpretado como sobreposição de acordes de campo harmônico distinto ou poliacorde. O
segundo ostinado, do compasso 29 ao 34, no acorde de Dó maior, não apresenta notas
144

conflitantes e pode ser interpretado como outra passagem de escrita pandiatônica, desta vez
com as notas da escala de fá menor harmônica (figura 3.35).
145
146

3.4.2 – O uso de escalas pentatônicas

Nas seções B e C são apresentadas maneiras diferentes de empregar escalas


pentatônicas nas estruturas temáticas.
Na seção B, há uma mudança métrica em relação à seção anterior, passa para 6/8. O
andamento Allegro meno mosso desta seção apresenta um efeito rítmico entrecortado causado
por um desenho de acordes paralelos de sétima. Estes acordes são realizados por flautas, oboés
e trompetes, como se fossem contratempos de um compasso em 3/4, contra uma sucessão de
semicolcheias realizadas pelo primeiro oboé e a primeira clarineta. O recurso utilizado neste
desenho melódico, no oboé e clarineta, são interpolarizações cromáticas de três notas
descendentes58, tendo nas notas principais uma escala pentatônica (sol, lá, si, ré, mi, sol, lá, si),
seguida por um desenho melódico de quartas (ré, lá, mi, si, fá, dó e sol) e outra
interpolarização, compasso 38, desta vez de quatro notas cromáticas ascendentes tendo nas
notas principais mi, dó, lá, conforme figura 3.36, abaixo.

Recursos semelhantes a este são utilizados por Villa-Lobos em outras obras.


Antokoletz, por exemplo, cita uma passagem no Choros 10, em que ocorre interpolarizações

58
Este termo, interpolarização, foi proposto por Nicolas Slonimsky em seu livro “Thesaurus of scales and
melodic patterns” para indicar a inserção de uma ou mais notas entre as notas principais de uma progressão
(SLONIMSKY, 1947, p. vii).
147

com pentatônicas diferentes e segmentos de escalas octatônicas simultâneas. “Cada das duas
sucessões de dezesseis notas (no violino I e viola/clarineta) está baseada em uma fusão de
grupos de octatônicas e pentatônicas” (ANTOKOLETZ, 1992, p.233)59.
Na seção C, Villa-Lobos mostra outra maneira de sobrepor escalas pentatônicas,
utilizando-se de um recurso que Salles chamou de “figuração de dois registros (ziguezague)”.
Este recurso consiste em “[...] realizar um contorno melódico que estabelece uma espécie de
contraponto consigo mesmo, um tipo de polifonia interna, inerente a uma melodia
singularmente sinuosa. Tal sinuosidade chega ao ponto em que se tem a impressão de ouvir
duas linhas melódicas expressas em um único instrumento [...]”(SALLES, 2005a, p. 131). A
figura 3.37 exemplifica a maneira como este procedimento é utilizado na seção C. Nas notas
pretas tem-se a escala pentatônica formada pelas notas dó, lá, sol, fá, ré, dó. Nas notas
vermelhas – fá, ré, dó, lá, sol, fá –, a mesma escala pentatônica iniciada uma quarta acima.
Nas notas azuis emprega-se réb, sib, láb, solb, mib, réb e nas verdes, as notas mib, réb, sib, láb,
solb, mib - a mesma pentatônica das notas azuis um tom acima.
figura 32

O efeito causado por este recurso beira o atonalismo, das 12 notas da escala cromática
somente o mi natural e o si natural não estão presentes. O primeiro grupo de quatro
semicolcheias apresenta um salto ascendente de quarta justa, seguido de outro salto
descendente de terça maior e, por último, segunda maior ascendente. Este desenho melódico
não chega a estabelecer um padrão rígido por que há algumas modificações de intervalo, mas

59
“Each of the two sixteenth-note successions (in violin I and viola/clarinet) is based on a fusion of octatonic and
pentatonic sets” .
148

segue mais ou menos este padrão. Ao se pensar no teclado do piano, reproduz-se uma ordem
de duas teclas brancas e duas pretas, apoiadas na progressão descendente da escala pentatônica
constatada nas primeiras notas dos grupos de semicolcheias. A utilização de recursos desta
natureza na obra de Villa-Lobos demonstra um modo lúdico de construção melódica.
Este desenho melódico passa por vários grupos de instrumentos com entradas
defasadas, simulando um contraponto imitativo fugato. Simultaneamente a este desenho, há
uma progressão escalística descendente com acidentes da escala de solb maior. O desenho
rítmico em 3/4 do Tambour de Provence com a duração de dez compassos contrapõe-se a
métrica das outras vozes desta seção, que está em 4/4, o que aponta para outro aspecto
polirrítmico nesta seção.

3.4.3 Variações melódicas

Os 15 compassos da seção D contrastam em vários aspectos com a seção C, a começar


pelo andamento, um Andante, ainda em 4/4. Outro aspecto são repetições variadas realizadas
de uma melodia exposta nas vozes graves. O recurso da variação é utilizado também na seção
E, porém direcionada a aspectos rítmicos.
Na seção D, uma melodia modal é realizada por clarinete contrabaixo, contrafagote e
trombone baixo. Essa melodia possui algumas similaridades com o tema do primeiro
movimento. Construída com uma tessitura de uma quinta, tem a nota sol como eixo, e
apresenta o modo de sol lócrio derivado do modo fá menor com algumas incursões de mi
natural e ré natural. Em seu desenho melódico apresenta o padrão de segunda menor
ascendente e resolução em segunda maior. Repetida duas vezes, apresenta na primeira delas
uma pequena mudança de instrumentação, agora realizada por fagote, contrafagote e
contrabaixo. Seu desenho melódico é variado com dobramento nas figuras rítmicas no trecho
final. A segunda repetição mantém a mesma instrumentação da primeira repetição, mas muda a
nota-eixo, que passa a ser a nota sib, e seu desenho rítmico é ampliado no início da melodia,
com o dobramento das figuras rítmicas. Essas pequenas variações estão exemplificadas na
figura 33.
149

A seção E pode ser dividida em duas partes. A primeira parte compõe-se de quatro
compassos, na qual é exposto um pequeno desenho melódico seguido de três variações
rítmicas. Inicialmente realizado pelos oboés, este desenho melódico apresenta duas vozes
paralelas com predominância de quartas; a seguir, é repetido três vezes com variações rítmicas.
A primeira e terceira repetição são realizadas por flautas e clarinetas, enquanto a segunda
repetição é realizada novamente pelos oboés. Nesse trecho, há um único acorde sustentado
durante os quatro compassos, um Láb 7 com 5.ª aumentada. Conforme figura 3.39.
150

Na segunda parte da seção E, a fórmula de compasso passa a indicar uma métrica de


3/4, mas o que acontece é uma polirritmia. Com uma figuração de três semínimas, de acordo
com a métrica indicada, os trombones realizam uma progressão em quintas paralelas durante
cinco compassos. Simultaneamente, outra figuração realiza uma métrica em 2/4, tendo
mínimas sustentadas e articuladas em oitavas paralelas com a nota mi. A instrumentação dessa
figuração é iniciada por piccolos, flautas e harpa, durante quatro compassos, e muda para
celesta, vibrafone e harpa nos quatro compassos seguintes. A nota mi é também o pedal dos
cinco compassos iniciais mudando para dó nos últimos cinco desta seção. Nesta textura insere-
se um desenho rítmico e melódico proveniente da primeira parte desta seção. Nada mais é do
que uma continuidade das variações rítmicas iniciadas no compasso 99. Tal desenho inicia-se
no compasso 105, nos trompetes, depois passa para os oboés e por fim termina nas flautas. O
último acorde é ainda o Lá bemol 7 com 5.ª aumentada, mas agora com 13.ª, isto é, não
estabelece nenhum movimento harmônico durante esse trecho, conforme figura 3.40, abaixo.
151

3.4.4 Polirritmia e tendências pandiatônicas

A seção F, a última deste movimento, muda completamente o caráter em relação à


seção anterior. O andamento Molto allegro em quaternário simples é o mesmo do início do
movimento. O começo desta seção estabelece um dos momentos mais densos da Fantasia.
Seus 34 compassos dividem-se em quatro partes, conforme sua organização temática, sendo
distribuídos da seguinte maneira: a primeira parte com oito compassos; a segunda parte com
12; a terceira parte com oito e a quarta parte com seis compassos.
A primeira parte abre vigorosamente esta seção com uma polirritmia de quatro camadas
independentes, cada uma corresponde a notas de valores variados que coincidem em pontos
ocasionais. Uma delas divide o compasso de 4/4 em três tempos, sendo duas tercinas de
semínimas escritas em três mínimas articuladas, com textura homofônica realizadas por
flautas, oboés, clarinetas 1, 2 e 3, corne inglês e celesta, como exemplificada na figura 3.41:

Outras duas camadas fazem escalas cromáticas em quintas paralelas, por movimento
contrário e duplicações de oitavas. Uma delas é ascendente, realizada pelos trombones,
enquanto a outra é descendente, realizada por trombone baixo, tuba e contrabaixo, com
unidades rítmicas diferentes, conforme figura 3.42, abaixo:
152

A última camada, realizada pela harpa, respeita a métrica indicada, mas a subdivide em
semicolcheias arpejadas, conforme figura 3.43:

A última nota de cada uma dessas camadas coincide com o terceiro tempo do segundo,
quarto e sexto compassos desta seção. Nos três pontos de convergência desses desenhos
rítmicos há um acorde sustentado durante dois tempos, enquanto uma das camadas realiza uma
escala maior descendente. No primeiro ponto de convergência há um acorde de LáM7 e a
realização da escala de mi maior. No segundo ponto, um acorde de Mibm13 e a escala de solb
maior e o último novamente o acorde de LáM7 e a escala de mi maior, mas começando e
terminando na nota lá. O resultado desse trecho, além de polirítmico, é atonal com uma
resolução tonal. Na figura abaixo, de número 39, os últimos dois compassos desse efeito, de
números 118 e 119:

Todo este início da seção F comporta-se como uma introdução sem uma idéia temática
clara. No entanto a segunda parte desta seção, a partir do compasso de número 122, é
153

apresentado um tema por flautas e oboés em terças paralelas nas vozes mais agudas,
juntamente com as clarinetas, também em terças paralelas, porém duplicadas oitava abaixo,
fazendo movimento contrário a partir do contratempo do terceiro tempo do compasso. Todos
esses instrumentos realizam o mesmo desenho rítmico, conforme exemplo abaixo, na figura
3.45. Simultaneamente a este desenho as trompas apresentam uma linha melódica
independente em contraponto:

Este desenho melódico apresentado em progressão descendente pode ser comparado ao


tema do início deste movimento e relacionado como outra transformação temática, incluído
neste processo de variações do tema do primeiro movimento, figura 3.46:
154

Nos quatro compassos seguintes, de número 126 a 129, este tema é feito por clarinetas
e trompetes em dó, repetindo o desenho ascendente das flautas e oboés da frase anterior, porém
com modificações nos dois compassos finais. As flautas e oboés realizam um efeito
polirrítmico e melódico em relação ao tema enquanto outros instrumentos com uma textura
homofônica paralela fazem a harmonia. Outras repetições variadas são apresentadas nos oito
compassos seguintes, de número 130 a 137. A figura 3.47, abaixo exemplifica essas variações
motívicas:
155

Nesta última seção, a partir do compasso 120 até o compasso 141, repete-se a tendência
pandiatônica, embora mais próxima de uma linguagem tonal, realizando a escala de mi maior
com algumas incursões de ré natural e algumas poucas passagens cromáticas. A partir do
compasso número 138 este desenho melódico é transformado em uma escala ascendente com
praticamente todas as notas da armadura de mi maior durante quatro compassos. Nos seis
compassos finais, uma recessão rítmica marcada por tercinas anuncia o final, com uma
sucessão de acordes, sem realizar em nenhum momento uma cadência V-I. O fim é
direcionado para um dó uníssono, semelhante ao final do segundo movimento, com uma
cadência próxima ao tipo “wagneriano”.
A ênfase sobre afinidades temáticas expostas durante toda essa análise tem como fim
demonstrar um princípio de unidade temática empregada por Villa-Lobos nesta obra. Embora
o compositor utilize várias modificações, há uma preocupação em resgatar detalhes do tema
em um processo de transformação presente nos três movimentos. Neste sentido, é possível
aproximar este procedimento da variação, como recurso utilizado nesta “fantasia”, em
tangência com o processo de variação em desenvolvimento, formulado juntamente com o
conceito de “idéia”, do pensamento de Schoenberg direcionado para construção de uma
estrutura orgânica.
156

4. Conclusões

A primeira constatação decorrente da análise da Fantasia em três movimentos de Heitor


Villa-Lobos, é a ausência de material nacional, seja ele melodias folclóricas, seja referente à
proximidade com a música popular urbana. Esta constatação pode apontar uma tendência
“universalista” no último período, mas uma conclusão definitiva sobre essa direção estética
necessita de uma maior abrangência analítica das obras deste período. Mesmo considerando tal
tendência, isso não significa a total adoção de formas tradicionais ou mesmo um declínio da
capacidade criativa do compositor brasileiro, como julga de maneira taxativa Lisa Peppercorn.
Vários compositores do século XX escreveram fantasias, suítes, sinfonias, concertos e
quartetos de cordas sem que este comportamento significasse uma decadência estética. As
técnicas composicionais utilizadas na primeira metade do século XX demonstram uma
ampliação de possibilidades não só quanto à construção de sonoridades, mas também quanto às
mudanças de escuta. Estabelecer como único valor estético na obra de Villa-Lobos o
alinhamento a sua geografia é reduzir sua arte musical a melodias e ritmos regionais. A análise
da Fantasia em três movimentos demonstra um compositor extremamente hábil em manipular
sua poética sonora com consciência das práticas composicionais da primeira metade do século
XX. Na escolha do título “Fantasia” constata-se a assimilação histórica dos procedimentos
deste gênero articulado conscientemente à tradição musical, mas em momento nenhum é
exposta sem o emprego de um plano sonoro e estético construído no século XX.
A tendência à escrita pandiatônica é outra constatação desta análise. Esse procedimento
soma-se aos recursos já empregados por Villa-Lobos em suas obras. Dentre as várias técnicas e
procedimentos abordados em estudos sobre o compositor brasileiro, essa tendência parece não
ter sido considerada.
A variação, como um dos recursos composicionais do gênero “fantasia”, tornou-se
predominante no final do século XIX. Villa-Lobos a utiliza como princípio fundamental nesta
obra. Estabelecido de maneiras distintas, esse princípio é apresentado com maior evidência no
primeiro movimento. O tema em ostinato com alterações de textura no acompanhamento, nas
seções externas, e transformações temáticas na seção intermediária evidenciam tipos de
variação que funcionam também como um estruturador formal. O emprego de escalas menores
157

como material escalar estabelece o padrão de construção temática. Simultaneamente é definido


um outro modo de variação, apresentado na sucessiva transformação da estrutura dos modos.
Essas modificações são aplicadas de maneira sutil às repetições do tema e estabelecem um
processo gradual de transformação entre modos com padrões semelhantes - lócrio e frígio.
Esses modos seguem um plano de derivação de escalas menores, tanto harmônicas como
melódicas ascendentes. Na conclusão, o super lócrio traz consigo a ambigüidade de segmentos
escalares presentes em sua ordenação de tons e semitons de uma das escalas octatônicas e
escala de tons inteiros. A utilização desses modos como centro, somada a uma harmonia
estática sem direção tonal, gera instabilidade e evidencia uma clara preocupação com a
construção de sonoridades tímbricas organizada em camadas texturais.
No segundo movimento a idéia de variação é apresentada como um processo de
transformação temática a partir do tema do primeiro movimento, que tem sido denominado
como supressão de partes temáticas. A linha melódica resultante desse processo tornou-se base
para a criação de um novo motivo, cuja principal característica é uma textura homofônica
contradirecional. A utilização deste incomum motivo torna a textura seu principal recurso de
construção. A estruturação formal deste movimento é realizada por alteração de textura,
evidenciando novamente uma preocupação com sonoridades tímbricas.
No último movimento, a organização formal rapsódica apresenta vários temas. Alguns
deles são transformações do tema do primeiro movimento. São utilizados recursos como a
escrita pandiatônica em camadas texturais, ostinatos, interpolarizações cromáticas com escalas
pentatônicas e polirritmia. Essa diversificação de procedimentos musicais organizados sem
reiterações, empregados neste movimento, aproxima esta obra do ciclo dos Choros, muito
embora não contenha referências nacionais. Assim, este último movimento da Fantasia possui
uma estrutura rapsódica munida de vários recursos composicionais. Esta relação pode ser a
explicação mais convincente para a “forma de chôros” aplicada ao título. O caráter lamentoso
da melodia do primeiro movimento poderia ser comparado ao antigo gênero popular urbano, o
“choro”, mas essa interpretação se enfraquece, ao considerar-se a “forma de chôros” como uma
auto-referência dirigida à estrutura utilizada por Villa-Lobos no ciclo dos Choros.
De modo geral, em todos os movimentos não há reconhecimento de centros tonais, mas
sim flutuações entre modalismo, tonalismo e alguns trechos atonais. Neste sentido pode
aproximar-se do conceito de pantonalidade sugerido por Rudolph Reti. Além da relevância da
158

textura como elemento estrutural e a utilização de escalas sintéticas, procedimentos difundidos


na primeira metade do século XX, a especificidade apresentada nesta análise é a utilização por
Villa-Lobos da escrita pandiatônica entre seus recursos composicionais. Tais procedimentos
demonstram o quanto Villa-Lobos estava atento aos acontecimentos musicais deste momento e
alinhava seu trabalho composicional a nomes como Claude Debussy, Igor Stravinsky, Béla
Bartók, Edgar Varèse.
O modo de projetar os motivos e estruturas temáticas durante toda a obra vincula-os a
um processo de transformação e recriação corporificado em um discurso de variação em
desenvolvimento. Villa-Lobos aplica a variação em sentenças simples como um princípio de
não repetição direcionado à estrutura melódica e rítmica, à métrica, ao timbre e,
conseqüentemente, às dimensões texturais. A menor estrutura musical, o motivo, é apresentada
em processo de transformação constante, resultando em novos temas com elementos derivados
que perpassam todos os movimentos. Neste sentido é possível aproximar-se dos conceitos de
“idéia” e de “variação em desenvolvimento”, de Schoenberg, denotando um sentido orgânico à
estrutura.
O poema sinfônico Amazonas e os Choros n.° 8 e n.° 10 são exemplos, entre outras
obras, principalmente dos anos 20, de um elevado grau de pesquisa na linguagem musical de
Villa-Lobos, e adquiriram grande representatividade em sua obra. No entanto, os recursos
composicionais utilizados na Fantasia em três movimentos demonstram várias dessas
conquistas adquiridas em todos os momentos da sua trajetória de compositor.
A ampliação geográfica de suas atividades musicais relativas aos Estados Unidos não
estabelece transformações ou diferenças estéticas claramente identificáveis no que se refere à
Fantasia. A ausência de material nacional e a utilização da escrita pandiatônica poderiam ser
apontadas como características deste período. Contudo, a Fantasia em três movimentos,
embora reúna elementos plenamente relacionados ao contexto dos últimos anos do compositor
brasileiro, não esgota a identificação dos procedimentos composicionais utilizados na produção
musical deste momento. A inclusão da análise de obras desse período poderia ampliar a
reflexão sobre esta questão e dar respostas mais definitivas.
Os conceitos musicais formulados pela vanguarda européia dos anos 50 endossaram e
influenciaram o desinteresse pela última fase villalobiana. Ao reconhecer esse fato, Eero
Tarasti cita uma distinção feita pelo filósofo francês Vladimis Jankelevitch, a respeito da
159

existência de dois tipos de compositores: os inovadores e os inventores. No primeiro grupo, os


que criaram as novas gramáticas, como Schoenberg. No grupo dos inventores situa Villa-
Lobos como um criador de novidades na linguagem antiga. Os processos criativos envolvem
grande complexidade de perfis psicológicos e contextualização histórica que poderiam
multiplicar esta distinção em vários grupos. Contudo, além dos procedimentos composicionais
abordados nesta análise, Villa-Lobos apresenta outros aspectos de seus processos criativos que
não foram mencionados entre suas técnicas musicais. Um desses procedimentos é a
transformação de cada letra da palavra “América” em notas musicais, através de um processo
de serealização envolvendo o alfabeto associado à escala diatônica, para escrever a melodia do
tema do primeiro movimento da Sinfonia n.° 7, de 1945. Um outro método extramusical
aplicado por Villa-Lobos para construção melódica de algumas obras, este idealizado por ele
mesmo, é a transposição de imagens para sons, através da “milimetrização gráfica”. As obras
que listam deste processo são: a Melodia da montanha (1938), New York skyline melody
(1939), As Três Marias (1939) e a Sinfonia n.° 6 (1944), embora não tenham sido encontrados
registros gráficos sobre os contornos das montanhas nesta sinfonia. Em As Três Marias, uma
possível sugestão de Varèse, este método foi utilizado a partir do desenho das estrelas. Este
processo sugere um aspecto lúdico. Slonimsky, muito espirituoso, comenta que Villa-Lobos
aplicou seu método de “graphical millimetration” em uma foto de sua família em pleno café da
manhã, quando esteve no Brasil, em outubro de 1941: “O resultado foi uma melodia um tanto
quanto angular e difícil de cantar: minha família não era aparentemente fotogênica”
(SLONIMSKY, 1988, p.157).
Esses fatos, entre outros constatados na análise, distanciam Villa-Lobos, em grande
parte, da visão romântica de um compositor “intuitivo”. A intuição, sem dúvida, faz parte do
processo de criação, mas não sobrevive sem uma técnica segura e sedimentada em um árduo
trabalho. As construções musicais propostas por Villa-Lobos na Fantasia não são fruto único
da intuição, mas de um processo que une tradição e modernidade.
160

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BACH, Johann Sebastian. Fantasia and Fuga in C minor BWV 562. Dover: New York, 1987,
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VILLA-LOBOS, Heitor. Fantaisie Concertante pour Piano, clarinette et basson. Editions Max
Eschig: Paris,1956.
VILLA-LOBOS, Heitor. Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Partitura
Manuscrita e Autógrafa, 1958.

VILLA-LOBOS, Heitor. Fantasy in three moviments in form of a Chôros. Partitura, C. F.


Peters Corporation, New York, 1959.

VILLA-LOBOS, Heitor. Ciranda das Sete Notas. Southern Music Publishing Co. Inc, 1961.

VILLA-LOBOS, Heitor. Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Partitura Editada


para Conservatório de Tatuí por Ediso Lopes, 1998.

VILLA-LOBOS, Heitor. Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Partitura reduzida


por José Ivo da Silva, 2007.

5.2 Gravações

Fantasia em três movimentos em forma de chôros. Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.

Fantasia Amazônica. Faixas 1-3, n.BSSP2D11053K, compact disc.


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