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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ

CAMPUS DE CURITIBA II - FACULDADE DE ARTES DO PARANÁ


BACHARELADO EM MÚSICA POPULAR

FÁBIO LIMA MARINHO GOMES

TIMELINES EM ALGUMAS “COISAS” DE MOACIR SANTOS

CURITIBA

2019
FÁBIO LIMA MARINHO GOMES

TIMELINES EM ALGUMAS “COISAS” DE MOACIR SANTOS

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do título de Bacharel em Música Popular, Curso
de Bacharelado em Música Popular, Campus de Curitiba
II - Faculdade de Artes do Paraná, Universidade Estadual
do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Luciano Chagas Lima

CURITIBA

2019
TERMO DE APROVAÇÃO
AGRADECIMENTOS

“A água sempre descobre um meio” (Provérbio africano). Somos água, que flui e
acessa o meio das coisas, onde as concretudes não podem delimitar. Por isso, precisamos ajustar
o tamanho da inundação. Inúmeras pessoas contribuíram, de diversas maneiras, para a
descoberta de um jeito equilibrado no processo de elaboração deste trabalho de conclusão de
curso. Para todas, o meu reconhecimento.

A Luciano Lima, pela orientação e pelas aulas, em vários sentidos.

A Júlio Erthal, pelo cuidado, supervisão e conselhos, nas salas de aula, nos ensaios e
nos palcos.

A Simone Cit, pelo carinho e generosidade, dentro e fora da faculdade.

A todo o quadro de professores pelos ensinamentos, em especial a Aglaê Frigeri,


Marília Giller e Vicente Ribeiro.

Às amizades e aos encontros feitos em Curitiba, pela reunião intermunicipal,


interestadual e internacional na vivência da música e das artes e pela companhia divertida e
prazerosa.

Às amizades antigas e consistentes de Salvador, que resistiram e se fortificaram com


a distância, pelo imenso afeto e confiança.

À minha família, pelo amor e proteção.


RESUMO
Este trabalho busca analisar a presença de timelines em três peças do álbum “Coisas”
(1965), de Moacir Santos. O estudo não é orientado pela metodologia convencional da análise
musical e tem como foco o aspecto rítmico, destacando a verticalidade das composições, as
texturas polirrítmicas e os contrates entre as ideias musicais articuladas por Moacir Santos nas
“Coisas” nº 4, nº 5 e nº 9. Esta investigação procura demonstrar a influência marcante da música
de matriz africana nas peças do compositor por meio das timelines, tendo como base as
gravações originais e o livro de partituras “Coisas: cancioneiro Moacir Santos”. Observa-se que
as timelines identificadas não são copiadas dos padrões rítmicos comumente utilizados na
música popular brasileira, mas customizadas em novas combinações com a função de orientar
a estrutura rítmica das peças. Ademais, foram elaboradas transcrições das “Coisas” nº 4 e nº 5
para violão e instrumento melódico e um arranjo da “Coisa nº 9” para violão solo, juntamente
com um breve memorial descritivo do processo.
Palavras-chave: Moacir Santos. Álbum Coisas. Timeline. Análise musical. Transcrição e
arranjo.
ABSTRACT
This research analyzes the use of timelines in three pieces of the album “Coisas”
(1965), by Brazilian composer Moacir Santos. However, instead of a traditional analysis, the
present study is based on the rhythmic aspect, drawing attention to the vertical perspective of
the compositions, the polyrhythmic textures and the contrasts between the musical ideas
articulated by Moacir Santos in “Coisas” Nº 4, Nº 5 and Nº 9. The main goal is to show the
significant influence of African matrix in these pieces through the timelines, based on the
original recordings and the scores published in the book “Coisas: cancioneiro Moacir Santos”.
As a result, it is possible to observe that the identified timelines are not reproductions of
rhythmic patterns commonly found in Brazilian popular music, but rather new combinations
created to guide the rhythmic structure of these pieces. Additionally, this research resulted in
transcriptions of “Coisas” Nº 4 and Nº 5 for guitar and melodic instrument and an arrangement
of “Coisa Nº 9” for solo guitar, along with a brief descriptive memorial of the process.
Keywords: Moacir Santos. Coisas album. Timeline. Musical Analysis. Transcription and
arrangement.
LISTA DE EXEMPLOS

EXEMPLO 1 – TIMELINE NO SAMBA ................................................................................ 14

EXEMPLO 2 – ARTICULAÇÃO COMÉTRICA EM COMPASSO BINÁRIO SIMPLES... 15

EXEMPLO 3 – ARTICULAÇÃO CONTRAMÉTRICA EM COMPASSO BINÁRIO


SIMPLES ....................................................................................................... 15

EXEMPLO 4 – ASSIMETRIA NA TIMELINE ....................................................................... 16

EXEMPLO 5 – RÍTMICA DIVISIVA ..................................................................................... 21

EXEMPLO 6 – RÍTMICA ADITIVA ...................................................................................... 21

EXEMPLO 7 – FORMAÇÃO DA TIMELINE POR MEIO DE ACENTUAÇÕES EM


COMPASSO TERNÁRIO SIMPLES ........................................................... 23

EXEMPLO 8 – TIMELINE DO TOQUE ALUJÁ .................................................................... 45

EXEMPLO 9 – TEXTURAS (COISA Nº 4/PARTE A) .......................................................... 48

EXEMPLO 10 – MELODIA PRINCIPAL E OSTINATO (COISA Nº 4/PARTE A) .............. 49

EXEMPLO 11 – RITMO MS 1 NO OSTINATO (COISA Nº 4/PARTE A) ........................... 49

EXEMPLO 12 – CICLO DE 4 TEMPOS DAS PERCUSSÕES (COISA Nº 4) ..................... 50

EXEMPLO 13 – POLIRRITMIA (COISA Nº 4/PARTE A) ................................................... 50

EXEMPLO 14 – POLIRRITMIA (COISA Nº 4/PARTE B) .................................................... 51

EXEMPLO 15 – INTERESSE HARMÔNICO (COISA Nº 4/PARTE B) ............................... 51

EXEMPLO 16 – TIMELINE NO AGOGÔ (COISA Nº 4) ....................................................... 52

EXEMPLO 17 – TIMELINE NO AGOGÔ EM 12/8 (COISA Nº 4) ....................................... 52

EXEMPLO 18 – OSTINATO COMO TIMELINE (COISA Nº 4) ............................................ 53

EXEMPLO 19 – ANTECIPAÇÃO NO OSTINATO (COISA Nº 4) ........................................ 53

EXEMPLO 20 – TEXTURAS (COISA Nº 5/SEÇÃO INTRODUTÓRIA) ............................. 57


EXEMPLO 21 – HEMÍOLA NO MIOLO X OSTINATO (COISA Nº 5/SEÇÃO
INTRODUTÓRIA) ..................................................................................... 57

EXEMPLO 22 – MARCAÇÃO DO OSTINATO E DO AGOGÔ (COISA Nº 5/SEÇÃO


INTRODUTÓRIA) ..................................................................................... 58

EXEMPLO 23 – TIMELINE DA SEÇÃO INTRODUTÓRIA (COISA Nº 5) ......................... 58

EXEMPLO 24 – RITMO MS 1 NA CAIXA CLARA (COISA Nº 5) ..................................... 59

EXEMPLO 25 – RITMO MS 2 E TIMELINE NA CAIXA CLARA (COISA Nº 5) ............... 59

EXEMPLO 26 – TIMELINE REDUZIDA NA CAIXA CLARA (COISA Nº 5) .................... 60

EXEMPLO 27 – MELODIA PRINCIPAL EM 2/4 E 6/8 (COISA Nº 5) ................................ 60

EXEMPLO 28 – MIOLO E OSTINATO (COISA Nº 5/PARTE A) ......................................... 61

EXEMPLO 29 – MOJO (COISA Nº 5/PARTE A) .................................................................. 62

EXEMPLO 30 – TIMELINE X MOJO (COISA Nº 5/PARTE A) ........................................... 62

EXEMPLO 31 – SEÇÃO RÍTMICA (COISA Nº 5/PARTE A) .............................................. 62

EXEMPLO 32 – FRASE INICIAL (COISA Nº 9/INTRODUÇÃO) ....................................... 65

EXEMPLO 33 – 1º AGRUPAMENTO DA FRASE INICIAL (COISA Nº


9/INTRODUÇÃO)....................................................................................... 65

EXEMPLO 34 – 1º AGRUPAMENTO DA FRASE INCIAL EM BLOCO (COISA Nº


9/INTRODUÇÃO) ...................................................................................... 66

EXEMPLO 35 – 2º AGRUPAMENTO DA FRASE INICIAL (COISA Nº


9/INTRODUÇÃO)....................................................................................... 66

EXEMPLO 36 – INTRODUÇÃO (COISA Nº 9) .................................................................... 67

EXEMPLO 37 – SIMETRIA ENTRE A 1ª E 3ª FRASE (COISA Nº 9/INTRODUÇÃO) ..... 67

EXEMPLO 38 – SIMETRIA E ESPELHO ENTRE A 2º FRASE E A ANACRUSE (COISA


Nº 9/INTRODUÇÃO) ................................................................................. 68

EXEMPLO 39 – FRASES (COISA Nº 9/PARTES A E A’) .................................................... 69

EXEMPLO 40 – FRASE (COISA Nº 9/PARTE B) ................................................................. 69


EXEMPLO 41 – TEXTURAS (COISA Nº 9/PARTES A E A’) ............................................. 70

EXEMPLO 42 – TIMELINE (COISA Nº 9) ............................................................................. 70

EXEMPLO 43 – ASSIMETRIA NA TIMELINE (COISA Nº 9) ............................................. 71

EXEMPLO 44 – “COISA Nº 9” X ALUJÁ ............................................................................. 71


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – TEMA AFRO BLUE ........................................................................................... 19

FIGURA 2 – GRADE RECORTADA DO TEMA “CAXIXI” (LETIERES LEITE) –


INDICAÇÃO DAS CLAVES (TIMELINES) .......................................................................... 20

FIGURA 3 – CAPA ORIGINAL DO LP “COISAS” (1965) ................................................... 33

FIGURA 4 – CONTRACAPA ORIGINAL DO LP “COISAS” (1965) .................................. 34

FIGURAS 5 E 6 – CARTAZES DOS FILMES “GANGA ZUMBA” E “O BEIJO” .............. 37

FIGURA 7 – TRILHA SONORA DE MOACIR SANTOS EM “GANGA ZUMBA” ........... 37

FIGURA 8 – MANUSCRITO DE MOACIR SANTOS NO CADERNO “PRÉ-COISAS” .... 39

FIGURA 9 – EXERCÍCIOS DE COMBINAÇÃO DOS RITMOS MS .................................. 43

FIGURA 10 – RITMO MS 3 EM “BERIMBAU” ................................................................... 43

FIGURA 11 – RITMO MS 1 NA “COISA Nº 4” .................................................................... 44

FIGURA 12 – RITMO MS 2 (PERCUSSÃO) NA “COISA Nº 5” .......................................... 44

FIGURA 13 – ANOTAÇÕES PARA A TRILHA SONORA DE “GANGA ZUMBA” (COISA


Nº 5) ................................................................................................................. 56

FIGURA 14 – ANOTAÇÕES PARA A TRILHA SONORA DE “GANGA ZUMBA” (COISA


Nº 9) ................................................................................................................. 64
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11

2 TIMELINE .................................................................................................................. 12

3 A ESTRELA, AS ANDANÇAS E AS “COISAS” DE MUACY ................................. 26

3.1 ÁLBUM “COISAS” ..................................................................................................... 32

4 ANÁLISES .................................................................................................................. 42

4.1 COISA Nº 4 .................................................................................................................. 46

4.2 COISA Nº 5 .................................................................................................................. 53

4.3 COISA Nº 9 .................................................................................................................. 63

5 TRANSCRIÇÃO E ARRANJO ................................................................................. 72

5.1 COISA Nº 4 .................................................................................................................. 72

5.2 COISA Nº 5 .................................................................................................................. 72

5.3 COISA Nº 9 .................................................................................................................. 73

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 74

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 76

APÊNDICES ...................................................................................................................... 78
11

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi motivada pelo interesse na obra do compositor brasileiro Moacir
Santos (1926–2006) e, mais especificamente, na maneira como ele utiliza os elementos rítmicos
nas músicas do álbum “Coisas”, lançado em 1965. Nascido no interior de Pernambuco, Moacir
Santos foi, além de compositor, um maestro, arranjador e instrumentista que se radicou nos
Estados Unidos a partir do ano de 1967. Com a análise de três faixas do álbum, as “Coisas” nº
4, nº 5 e nº 9, este trabalho busca um aprofundamento no processo de composição do álbum
inaugural do músico. O tratamento analítico é norteado pelos conceitos de timeline, termo
cunhado por J. H. Kwabena Nketia e presente na estrutura rítmica das peças selecionadas. Dessa
maneira, esta investigação tem como objetivo principal identificar as timelines e analisar suas
relações com os demais elementos musicais.

Fazer um estudo da obra de Moacir Santos reafirma a sua singularidade, na medida em


que “contém uma das mais marcantes e originais sonoridades já construídas no Brasil” (DIAS,
2010, p. 90). Desta forma, esta investigação tem como foco o aspecto rítmico explorado no
referido álbum do compositor pernambucano e que representa uma marcante característica da
música de matriz africana na música brasileira (SANDRONI, 2001). Por fim, esta pesquisa
aborda o conceito de timeline como uma ferramenta pertinente para a análise da música popular
do país. Isso se deve ao fato de a música popular nacional estar baseada, em grande parte, na
música de origem africana (SANDRONI, 2001) e, por isso, as timelines “estão inseridas em
uma grande variedade de repertórios de música brasileira” (OLIVEIRA PINTO, 1999, p. 95).

Este trabalho é dividido em quatro seções. A primeira dedica-se a tratar dos conceitos
de timeline elaborados por Agawu (2017), Oliveira Pinto (1991-2001), Sandroni (2001), Leite
(2017) e Ribeiro (2017). A seguir, uma biografia resumida de Moacir Santos com enfoque
contextual no álbum “Coisas” (1965) produzida a partir da tese de Dias (2010). Já na terceira
seção, são feitas análises das três peças selecionadas com base na audição dos fonogramas
originais, no livro de partituras “Coisas: cancioneiro Moacir Santos” (ADNET; NOGUEIRA,
2005) e no tratamento analítico de Dias (2010), Bonetti (2014), França (2007) e Vicente (2012).
No final, a última seção apresenta um breve memorial descritivo sobre o processo de elaboração
das partituras feitas especialmente para este trabalho: transcrições das “Coisas” nº 4 e nº 5, em
formato de redução para o violão e instrumento melódico, e um arranjo da “Coisa nº 9” para
violão solo.
12

2 TIMELINE

O termo timeline foi concebido pelo etnomusicólogo ganense Joseph Hanson Kwabena
Nketia (1921-2019) na década de 1960, quando estudava a rítmica da música africana ocidental
em “African music in Ghana” (1963). A expressão obteve grande repercussão no estudo da
música africana (AGAWU, 2017) e da música afro brasileira (OLIVEIRA PINTO, 1999;
SANDRONI, 2001; LEITE, 2017; RIBEIRO, 2017). Assim, pretende-se apresentar nesta seção,
de forma seletiva e gradativa, as principais contribuições destes autores para o conceito de
timeline e suas implicações.

O etnomusicólogo africano, também nascido em Gana, Kofi Agawu propõe uma


definição de timeline em uma palestra organizada pela Library of Congress, nos Estados
Unidos.1 Intitulada “Rhythmic Imagination in African Music”, a palestra apresenta os pontos
centrais do livro The African Imagination in Music (2016), de sua própria autoria. Na
minutagem 36’57”, Agawu diz:

A timeline é um padrão rítmico de curta duração que é repetido na forma de um


ostinato, através de uma batida de percussão específica (...). Normalmente atreladas
ao uso de sinos, baquetas ou pedra, as timelines, muitas vezes, projetam forma distinta
e até memorável. Embora existam padrões percussivos de pulsação imutável, a
maioria das timelines exibe pelo menos dois valores de modo contrastantes, um longo
e um curto. Isso, a propósito, é outro sinal do impulso minimalista que é difundido na
criatividade africana. Embora a função dos padrões timeline seja comparada, às vezes,
com a de um metrônomo, há uma diferença significativa. Diferindo do metrônomo,
que demarca o tempo e com isso ajuda a localizar a “parede de ataques sem acento”,
as timelines esculpem o tempo, elas são parte integrante da música. Cada timeline é,
em princípio, estruturalmente dependente de uma fundação metronômica anterior
(AGAWU, 2017, tradução nossa).2

Percebe-se, nesta definição de Agawu, as seguintes características da timeline: a)


padrão rítmico de curta duração, em forma de ostinato, tocado por instrumentos percussivos; 3

1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uyRG9T7CGt8&t=2619s. Acesso em: 30 mar. 2019.
2
“A timeline is a rhythmic pattern of modest lenght that is repeated in a manner of austinato throughout a particular
dance drumming (...). Normally entrusted to the bell or custonet or sticks or stone, timelines often project a distinct
perhaps even memorable shape. Although there are bells and sticks patterns made up of unchanging pulsation, the
majority of timelines display at least two contrasting node values, a long and a short. This, by the way, is another
sign of the minimalist impulse that is widespread in african creativity. Although the function of timeline patterns
is sometimes likened to that of a metronome, there is a significant difference. Unlike metronomes wich mark time
and thus help to locate patterns against a wall of accentless strikes, timelines carve time, they are integral to the
music. Each individual timeline is in principle structurally dependent on prior metronomic foundation” (AGAWU,
2017, informação verbal).
3
Ostinato é uma palavra italiana que significa obstinado, em tradução literal para o português. Como termo
musical, traz a ideia de repetição de uma frase rítmica e/ou melódica.
13

b) pulsação constante com dois valores de duração contrastantes; c) possui função distinta do
metrônomo, uma vez que integra a música ao invés de ajudar a localizar o tempo de maneira
externa à música, como faz o metrônomo.

No artigo As cores do som: estruturas sonoras e concepção estética na música afro-


brasileira, Tiago de Oliveira Pinto (1999-2001) busca sistematizar as estruturas sonoras da
música afro brasileira, que possui como alicerce a música de matriz africana. Segundo o autor,
a música africana se alastrou pelo continente americano originando uma vasta lista de estilos
musicais afro americanos, na qual o blues, a rumba, o reggae e o calypso estão presentes.
Especificamente no Brasil, o samba possui maior destaque. Dessa maneira, há um processo de
criação/recriação desses estilos musicais de forma contínua em todo o continente americano,
tendo como base a construção formal e estrutural da música africana (OLIVEIRA PINTO,
1999-2001, p. 89). Ele afirma que a musicalidade africana na América proporciona uma “fusão
contínua com outros elementos, conferindo a estes gêneros um status que é renovado
permanentemente. Mesmo assim, permanecem elementos formais e de estrutura” (OLIVEIRA
PINTO, 1999-2001, p. 89). Com enfoque nas estruturas sonoras, Oliveira Pinto, após os
resultados de pesquisa da musicologia africana em convergência com as pesquisas feitas no
Brasil, relata: “encontramos estruturas sonoras que perduraram durante sua história (do Brasil)
e que marcam as músicas afro-brasileiras” (OLIVEIRA PINTO, 1999-2001, p. 91).

Uma destas estruturas sonoras é a timeline, que Oliveira Pinto traduz como “linha
rítmica” e nos apresenta exemplos da sua inserção no samba e no candomblé, duas importantes
manifestações da música afro brasileira. Segundo ele, “os time-line-pattern estão inseridos em
uma grande variedade de repertórios de música brasileira e funcionam como linha rítmica de
orientação para as demais partes da música na sua sequência temporal” (OLIVEIRA PINTO,
1999-2001, p. 95). Embora a timeline se mantenha como elemento estruturante da música afro
brasileira, Oliveira Pinto constata que “no Brasil houve uma ressignificação do time-line
africano em relação ao seu novo meio musical (...). Há momentos em que certas batidas do
time-line são suprimidas, como se pode verificar com frequência na MPB” (OLIVEIRA
PINTO, 1999-2001, p. 97). Neste caso, o autor se refere aos momentos, principalmente na
prática do samba, em que a timeline não é tocada exclusiva e integralmente por um determinado
instrumento, sendo distribuída pelas diferentes partes instrumentais e existindo como referência
interna para os músicos. Segundo ele, o fato de o padrão rítmico da timeline não estar sendo
“marcado com a batida de um tamborim, não significa que a fórmula não esteja presente no
14

fazer musical. (Ela) É mentalizada pelos músicos e inerente às diferentes seqüências


instrumentais do conjunto” (OLIVEIRA PINTO, 1999-2001, p. 99).

Oliveira Pinto propõe a seguinte notação para representar uma timeline, a qual consiste
na diferenciação dos pulsos elementares, representados pelas semicolcheias na notação
convencional. O “x” é a pulsação percutida e o “.” é a pulsação muda nesta linha rítmica com
16 pulsos elementares:

EXEMPLO 1 – TIMELINE NO SAMBA

.x.x.xx.x.x.xx.x

Carlos Sandroni (2001), por sua vez, traduz o termo timeline como “linha-guia” e
elabora o seguinte conceito:

Em muitos repertórios musicais da África Negra, “linhas-guia” representadas por


palmas, ou por instrumentos de percussão de timbre agudo e penetrante (como
idiofones metálicos do tipo do nosso agogô), funcionam como uma espécie de
metrônomo, um orientador sonoro que possibilita a coordenação geral em meio a
polirritmias de estonteante complexidade. O fato é que essas “linhas-guia” têm
especial predileção por fórmulas assimétricas como as mencionadas, que são, então,
repetidas em ostinato estrito, do início ao fim de certas peças (SANDRONI, 2001, p.
31).

A partir deste conceito, observa-se que a timeline: a) é produzida por instrumentos de


percussão de timbre agudo; b) se assemelha ao metrônomo, funcionando como um orientador
sonoro; 4 c) possui, em sua maioria, fórmulas assimétricas executadas em longas repetições. No
que concerne à semelhança com o metrônomo, como um orientador sonoro, Sandroni traz a
ideia de “ostinato variado”, termo criado pelo etnomusicólogo franco-israelense Simha Arom.
Sandroni afirma que “(...) a fórmula rítmica assimétrica ora é repetida, ora variada através de
improvisações do músico responsável pela ‘linha-guia’. Estas variações em muitos casos
obedecem ao princípio da subdivisão, ou seja, a decomposição de valores menores (...)”
(SANDRONI, 2001, p. 25). Assim, a timeline, embora seja geralmente executada da mesma
maneira em toda a música (ostinato estrito), não é sempre reproduzida de forma regular,
podendo haver variações (ostinato variado).

4
A semelhança da timeline com o metrônomo será abordada em detalhe mais adiante nas reflexões de Bianca
Ribeiro (2017).
15

Já com relação às fórmulas assimétricas executadas em longas repetições, o autor


apresenta as expressões “cometricidade”, “contrametricidade” e “síncope” para explicar as
fórmulas assimétricas das timelines. As expressões “cometricidade” e “contrametricidade” são
usadas por Simha Arom e por Mieczyslaw Kolinski (1901-1981), e o termo “síncope” advém
do sistema de notação musical europeu do século XIX. Elas foram criadas para designar o tipo
da articulação rítmica (exemplos 2 e 3), de acordo com a métrica da musicalidade europeia. Ou
seja, se a articulação é irregular à métrica, ela é “contramétrica”. Sandroni afirma: “uma
articulação rítmica será dita cométrica quando ocorrer na primeira, terceira, quinta ou sétima
semicolcheia do 2/4; se será dita contramétrica quando ocorrer nas posições restantes, à
condição de não ser seguida por nova articulação na posição seguinte” (SANDRONI, 2001, pp.
26-27).

EXEMPLO 2 - ARTICULAÇÃO COMÉTRICA EM COMPASSO BINÁRIO SIMPLES

EXEMPLO 3 – ARTICULAÇÃO CONTRAMÉTRICA EM COMPASSO BINÁRIO SIMPLES

Segundo Sandroni, a “síncope” surgiu quando os compositores europeus do século


XIX quiseram representar em suas partituras os ritmos africanos que ouviam. Porém, esses
ritmos misturam as divisões rítmicas binária e ternária enquanto que a concepção rítmica
europeia é baseada na separação dessas divisões. Como o sistema de notação utilizado pelos
compositores não prevê a coexistência de grupos rítmicos binários e ternários, esses ritmos
foram considerados irregulares e compostos por “síncopes”, por meio do recurso das ligaduras
(SANDRONI, 2001, p. 26). Ele explica:

Nossa teoria musical clássica prevê dois tipos de compasso, os simples e os


compostos. Nos compassos simples, as unidades de tempo são binárias. Por exemplo,
nos compassos 2/4, 3/4 e 4/4, a unidades de tempo são as semínimas, que, dividindo-
se sempre por dois, serão equivalentes a duas colcheias ou quatro semicolcheias etc.
16

(Os casos em que semínimas são divididas do modo ternário constituem exceções à
regra, são chamados de “quiálteras” e exigem sinalização especial.) Por outro lado,
nos compassos compostos, como o 6/8 ou o 9/8, as unidades de tempo são ternárias e
são representadas por semínimas pontuadas (divididas portanto em três colcheias).
Mas o fato é que não há compassos que misturem de modo sistemático agrupamentos
de duas e de três pulsações, como semínimas e semínimas pontuadas. É precisamente
esta mistura que vai desempenhar um papel muito importante nas músicas da África
subsaariana (SANDRONI, 2001, p. 24).

Dito isto, a assimetria presente nas timeline a que Sandroni se refere, advém do termo
“imparidade rítmica” cunhado por Simha Arom.5 Ao estudar a música africana, Arom constatou
que a combinação dos agrupamentos binários e ternários resultava sempre em um período
rítmico par na soma, porém com sua estrutura interna ímpar, ou seja, assimétrica (SANDRONI,
2001, p. 24).

EXEMPLO 4 – ASSIMETRIA NA TIMELINE (Conhecida como tresillo, esta timeline possui período
rítmico par em sua soma, com 8 pulsações internas. Porém, apresenta disposição interna ímpar: 3 + 3 +
2)

O músico e pesquisador baiano Letieres Leite (2017),6 em Rumpilezzinho laboratório


musical de jovens: relatos de uma experiência, buscou justificar a importância da timeline na
música de matriz africana ao escrever sobre a aplicação do seu Método Universo Percussivo
Baiano (UPB) na primeira turma do Laboratório Musical Rumpilezzinho. 7 Para se referir à
timeline, ele adota o termo “clave”, oriundo do sistema musical cubano, e que significa
literalmente “chave” em português. Segundo Leite:

CLAVES – AS CHAVES RÍTMICAS: Também conhecidas como “linhas-guia”,


“time-line”, “padrão rítmico”, “toque” (nas religiões afro-brasileiras). Ao longo deste
relato, seguirei adotando a denominação “clave”, pelo fato de ter me “iniciado” com

5
É um etnomusicólogo franco-israelense especialista na música da África Central.
6
Criador, maestro, compositor, arranjador e multi-instrumentista da Orkestra Rumpilezz, grupo instrumental
baiano de música matricial africana formado por percussão e sopros. Neste ano de 2019, a orquestra gravou um
álbum de releituras das “Coisas”, de Moacir Santos.
7
Projeto de formação musical de jovens idealizado por Letieres Leite em 2014 na cidade de Salvador, Bahia. Foi
vencedor do edital do programa Natural Musical do respectivo ano e desenvolve atividades de prática em conjunto,
arranjo, composição e história da música afro baiana. O diminutivo refere-se à Orkestra Rumpilezz, sugerindo uma
orquestra mirim.
17

músicos cubanos nesta matéria. Em suma, “clave” pode ser entendida como a menor
porção rítmica que define não só um ritmo, como aponta para a sua localização
geográfica, sua origem e percurso étnico e histórico (LEITE, 2017, p. 18).

Seu interesse na complexidade rítmica da música brasileira o levou a concluir, através


das suas pesquisas, que a perspectiva musical europeia (modelo dominante nas instituições de
ensino) não é suficiente para explicar as peculiaridades da cultura musical nacional (LEITE,
2017, p. 17). Considerando a música brasileira estruturada pelos elementos da música negra
africana, principalmente no que tange às suas organizações rítmicas, Leite converge com as
ideias de Oliveira Pinto e Sandroni, já explicitadas anteriormente. Ao afirmar que a clave é o
segredo, ele diz: “percebi que nossa música (brasileira) era constituída e estruturada da mesma
forma que a música cubana, inclusive pelas influências comuns de matrizes africanas, e que as
claves se mantinham, mas mudavam apenas seus acompanhamentos (...)” (LEITE, 2017, p. 22).

Dessa forma, o músico baiano ressalta a importância da timeline através do processo


denominado “clave consciente”, originado em Cuba, aprendido com o maestro Alfredo De La
Fé no período que morou e estudou em Viena, Áustria.8 Foi nesse contexto que Leite se
questionou a respeito do processo: “se este rigor de transmissão rítmica acontecia nesse meio
musical, (...) por que não trabalhar seguindo esses passos na música profissional brasileira?
Pensava assim porque sabia que estávamos tratando de músicas com uma origem em comum
(as de matrizes africanas)” (LEITE, 2017, p. 21).

O processo da “clave consciente” envolve uma conexão entre o arranjo e a execução


instrumental de um determinado conjunto musical. Segundo Leite, essa coesão é que deixa as
músicas “amarradas”, por meio de muito rigor rítmico. O termo “amarrar” se refere ao
entrosamento dos instrumentistas, que reflete a organização e a qualidade do arranjo. Já o termo
“consciente” envolve o entendimento da clave por parte dos instrumentistas, na medida em que
o corpo processa a informação rítmica de forma satisfatória e coerente. A transmissão oral da
clave possibilita que o músico receba a informação por outro caminho, que não o do processo
racional da leitura musical através de uma partitura. As claves são transmitidas e recebidas por
outros sistemas de cognição, o que proporciona um entendimento pelo corpo, uma “apropriação
corporal” (LEITE, 2017, p. 43). Ao estabelecer a clave como protagonista na música de matriz
africana, Leite recorda o comentário que fez em um ensaio na Bahia, quando iniciou o processo
de inserir a importância da consciência da clave na música: “a gente só pode começar a ensaiar

8
Alfredo Manuel De La Fé, violinista de origem cubana radicado em Nova Iorque. É considerado o responsável
por destacar e inovar a forma de tocar o violino no gênero da salsa e da música latina.
18

a música quando a gente souber qual o “toque” sobre o qual estamos tocando” (LEITE, 2017,
p. 30). Ele ressalta que “passou a haver uma preocupação dos bateristas em tocar menos notas
para criarem um ambiente para a percussão se desenvolver, assim como para os arranjadores
de sopro” (LEITE, 2017, p. 30).

Ao longo dos anos 2000, juntamente com a criação da Orkestra Rumpilezz em 2006,
Leite desenvolveu o Método Universo Percussivo Baiano (UPB). Ele envolve os meios de
transmissão musical oral e escrito na busca de suprir a insuficiência dos métodos de ensino
musical com base na música europeia ocidental:

E é exatamente este ponto (da oralidade) que quero abordar através do


desenvolvimento do Método UPB, em que venho tentando somar o que essas culturas
orais nos oferecem. Ao meu ver, os métodos europeus de ensino musical, tão centrais
no ensino de música no Brasil, não dão conta das questões estruturais, rítmicas da
cultura musical de matriz africana. Não funcionam porque não foram pensadas para
incorporar as nuances rítmicas e os micro ritmos destas músicas (LEITE, 2017, p. 41).

O Método UPB tem como base uma vivência musical em que a cultura oral da
transmissão musical seja desenvolvida no instrumentista. Letieres Leite, ao elaborar o método
para músicos que não tiveram contato com essa vivência da oralidade, se deparou com o
seguinte desafio: “como fazer com que esses músicos tenham um entendimento de uma
execução próxima da realidade rítmica das músicas que possuem matrizes africanas, (...)
utilizando-se também de ferramentas da escrita musical tradicional?” (LEITE, 2017, p. 42). A
solução foi se basear na escrita aproximada da execução musical. Primeiramente, é preciso que
o músico esteja “dentro da clave”, com “consciência de clave”. Depois, a leitura tradicional da
partitura serve como um guia da execução, em que os valores rítmicos não equivalem
exatamente ao que está escrito, a exemplo das lead sheet no jazz (figura 1).9 Segundo Leite,
“não é possível realizar a transmissão gráfica dos micro ritmos contidos nas claves rítmicas
através das notações gráficas convencionais da música tal qual conhecemos; apenas é possível
realizar aproximações representativas” (LEITE, 2017, p. 46).

9
De acordo com o Grove Music Online (Oxford), é “uma partitura, manuscrita ou impressa, que mostra somente
a melodia, a estrutura harmônica básica e a letra (se tiver) de uma composição. Várias performances no jazz são
feitas através de lead sheets, que são coletadas e agrupadas nos Real Book” (tradução nossa). Original: “A score,
in manuscript or printed form, that shows only the melody, the basic harmonic structure, and the lyrics (if any) of
a composition. Many performances of jazz are realized from lead sheets, which may be collected and bound
together to form a Real Book”.
19

FIGURA 1 – TEMA AFRO BLUE

FONTE: Real Book Vl. 1

Um dos princípios norteadores do Método UPB é a circularidade, que advém das


músicas de matriz africana e se relaciona com o conceito de rítmica aditiva.10 Segundo o músico
baiano, a circularidade é “um fenômeno amplo, ligado à cosmovisão africana, e que na música,
ocorre quando há o estabelecimento de ciclos através das claves ou a combinação delas ou
variações, em movimentos cíclicos circulares (...)” (LEITE, 2017, p. 44). Ele também aponta a
falta de necessidade de barras de compasso para demarcar os ciclos e de ritornelos para sinalizar
as repetições, uma vez que são ferramentas da escrita musical europeia.

Nesse sentido, em confluência com Sandroni (2001), Leite comenta sobre a relação
das timeline com as síncopes e as acentuações na partitura, ao relatar a experiência do
Rumpilezzinho. O jovem músico do Laboratório Musical, quando for ler uma partitura, “vai
praticar a leitura a partir da escrita tradicional, mas executada em concordância com os acentos
naturais contidos nas claves rítmicas não escritas na partitura” (LEITE, 2017, p. 55). Isso ocorre
porque o jovem já está familiarizado com as claves dos ritmos, através da vivência musical que
o Método UPB proporciona. O autor afirma:

Com o passar do tempo, quando ele (o jovem músico) receber uma partitura cujo o
ritmo é “tal”, ele vai interpretar síncopes da clave rítmica. De outra maneira,
escrevendo os acentos das síncopes na partitura, sem essa vivência anterior, ele estaria
executando de maneira artificial, em outras palavras, mais distantes do balanço natural
(acentos musicais naturais existentes nos padrões das claves rítmicas) (LEITE, 2017,
p. 55).

Para resumir o Método UPB, ele confessa que houve a escolha de seguir o modelo
utilizado no jazz com suas lead sheet (melodia cifrada): os temas são escritos de maneira
simples, no que se refere à representação rítmica, dentro do padrão de notação tradicional,

10
O conceito será explorado mais adiante tendo Bianca Ribeiro (2017) como referência.
20

porém são executados de acordo com as convenções do gênero, orientado pelas claves rítmicas
indicadas na partitura (figura 2). Nas palavras dele, “preferimos seguir o método utilizado
notadamente pelos jazzistas norte-americanos, cujo princípio é o de manter a sua escrita na sua
forma original, mas interpretar dentro dos sistemas das síncopes da sua cultura musical”
(LEITE, 2017, p. 55).

FIGURA 2 – GRADE RECORTADA DO TEMA “CAXIXI” (LETIERES LEITE) - INDICAÇÃO DAS CLAVES
(TIMELINES)

FONTE: Leite (2017)

Bianca Ribeiro (2017), na dissertação de mestrado DO TACTUS AO PULSO: A


rítmica de Gramani na confluência do tempo sentido e medido, trata dos limites e propriedades
de duas concepções acerca do tempo na música: a rítmica divisiva e a aditiva. Ela analisa os
métodos elaborados por José Eduardo Gramani com o objetivo de destacar seu caráter
agregador e plural no que se refere a essas duas concepções. 11 Segundo Ribeiro, são ideias
culturais antagônicas de entendimento do tempo, sendo que a rítmica divisiva (exemplo 5)
baseia-se no maior valor, no tempo (tactus), para fazer a divisão em valores menores, agrupados

11
José Eduardo Gramani (1944 – 1998) foi um violinista, rabequista, compositor, professor e pesquisador musical
brasileiro que desenvolveu uma metodologia própria na área da rítmica. Nascido em São Paulo, ministrou aulas
na Unicamp e integrou os grupos Oficina de Cordas, Trem das Cordas, Grupo Anima, Trio Bem Temperado, entre
outros.
21

de forma simétrica e hierárquica. Já a rítmica aditiva (exemplo 6) parte do menor valor, a


pulsação elementar (pulso), para fazer o agrupamento em múltiplos de 2 ou 3, resultando em
imparidades rítmicas e motivos rítmicos assimétricos (RIBEIRO, 2017, p. 71).

EXEMPLO 5 – RÍTMICA DIVISIVA

EXEMPLO 6 – RÍTMICA ADITIVA

A rítmica divisiva foi adotada pelo sistema de notação musical tradicional para
representar um determinado contexto sonoro de composição, inserido em um contexto histórico
específico. Cope afirma que:

O ritmo oferece um grande potencial para delinear o estilo de um compositor como


elemento de estímulo e contraste por meio de variações e desenvolvimento. O sistema
de notação adotado na Europa a partir da Renascença, que valorizou o aspecto divisivo
do ritmo e sua organização em fórmulas simétricas de compasso, se mostrou restrito
para expressar ideias musicais que se desviassem desse padrão. A organização da
música em unidades de medidas ditadas pelos compassos criou padrões de acentuação
(tempos fortes e fracos) que restringiram a composição, tendo sido necessário criar
meios alternativos para novas possibilidades e maior liberdade para a exploração
rítmica (COPE, 1997 apud RIBEIRO, 2017, p. 71).

Conforme mencionado anteriormente, Sandroni (2001) afirma que a “síncope” surgiu


da necessidade que os compositores do século XIX tinham em representar uma rítmica que o
sistema tradicional de notação não previa. Em consonância, a autora aponta que:

No decorrer do século XIX, os compositores passaram a procurar novos efeitos


harmônicos e sonoridades para expressar sua individualidade. Um uso maior de
cromatismos e dissonâncias seria um mecanismo que viria a enfraquecer as relações
harmônicas, a estabilidade da tonalidade e por consequência, a regularidade do ritmo.
Convenções de organização métrica foram se perdendo. Os compositores passaram a
valorizar novos princípios de organização interna, como o emprego de estratégias
rítmicas capazes de produzir irregularidades métricas. O uso constante de
cromatismos gerou a gradativa dissolução da tonalidade, coincidindo com a
flexibilidade do ritmo e uma perturbação da organização métrica estável comum ao
22

período tonal. Neste contexto, a rítmica aditiva e as imparidades e assimetrias rítmicas


passam a ser valores estéticos incorporados à prática musical (RIBEIRO, 2017, p. 82).

Dessa forma, a rítmica aditiva se insere como um dos elementos que formaram a nova
sonoridade composicional do século XIX. Vale ressaltar que antes desse fenômeno descrito por
Ribeiro acontecer, a rítmica aditiva já existia na prática musical de outros continentes, a
exemplo da África e Ásia. Conforme observado por Sandroni (2001), os compositores do século
XIX desejavam inserir em suas composições os ritmos africanos que ouviam. Também, Oliveira
Pinto (1999-2001) reforça esta ideia afirmando que as estruturas e formas musicais da
musicalidade africana, da qual a rítmica aditiva faz parte, são pilares para a formação da música
americana como um todo. Ao tratar da rítmica aditiva, Ribeiro discute seus componentes
fundamentais: pulso, ritmo, polimetria, polirritmia, hemíola, periodicidade, timeline, entre
outros. Considerando o foco da presente pesquisa, faz-se necessário tratar dos dois primeiros,
pulso e ritmo, antes de chegar à timeline.

Segundo Meyer e Cooper:

O pulso consiste em uma divisão de tempo em batidas regulares, indiferenciadas,


como o som de um relógio ou de um metrônomo. Estímulos de igual intensidade e
igual duração não criam impressões rítmicas no cérebro. Essas impressões surgem por
diferenciações entre os estímulos. A partir do momento em que essas batidas possuem
acentuação, com distinção de pulsação entre acentos e a falta dos mesmos, ocorre a
percepção métrica. Para sentí-la, é necessário primeiramente sentir o pulso, que pode
existir subjetivamente (MEYER; COOPER, 1960 apud RIBEIRO, 2017, p. 83).

Arom utiliza os termos “pulso” e “pulsação” para designar durações “como aquelas
produzidas por um metrônomo: unidades neutras e referenciais que se repetem entre intervalos
de tempo regulares (...) e se mantêm como o único elemento invariável durante o curso de uma
peça” (AROM, 2004 apud RIBEIRO, 2017, pp. 83-84). Ribeiro traz ainda o pensamento de
Dauer (apud AROM, 2004), concluindo que o pulso é a única referência para o músico africano,
uma vez que eles não dividem as unidades de tempo para formar o compasso, algo inerente à
rítmica divisiva.

A palavra ritmo origina-se do grego rhythmos, que significa aquilo que flui, que se
movimenta, sendo a forma com que algo avança no tempo (MAMMI, 1995 apud RIBEIRO,
2017). Em convergência com o pensamento aditivo do ritmo, “o tempo só adquire significado
racional se houver regularidade periódica ou, o ritmo. (...) A existência do ritmo se faz pela
formação de agrupamentos de batidas acentuadas e não acentuadas (...)” (MAMMI, 1995 apud
RIBEIRO, 2017, p. 85). Constata-se que o ritmo, pela lógica aditiva, necessita de uma
23

periodicidade para existir, na qual se faz pela acentuação do pulso. Dessa forma, a construção
das timeline se dá pelas acentuações das pulsações de menor valor (elementares):

EXEMPLO 7 – FORMAÇÃO DA TIMELINE POR MEIO DE ACENTUAÇÕES EM COMPASSO


TERNÁRIO SIMPLES

Finalmente, chega-se ao conceito de timeline elaborado por Ribeiro:

Timeline ou linha guia é o termo empregado para representar uma linha rítmica curta,
distinta, de ciclo simples, executada por palmas ou por um instrumento de percussão
de timbre agudo que serve como referência temporal em meio a outras linhas rítmicas
simultâneas. (...) As timelines caracterizam-se por serem cíclicas e por não admitirem
variações. Podem ser chamadas também de bell pattern, topos, clave, referência de
fraseado ou linha temporal e podem ser tocadas, por exemplo, por um agogô ou um
par de claves. Representam uma camada da textura rítmica que se forma por tambores,
chocalhos, palmas de vozes que dão suporte ou criam contraste durante uma
performance (RIBEIRO, 2017, p. 104).

Constituinte de umas das principais características da musicalidade afro americana, ela


salienta que a timeline “não se trata apenas de um período musical básico estabelecido por um
instrumento, mas uma estrutura rítmica moldada que influencia todos os aspectos da música e
da dança” (RIBEIRO, 2017, p. 104). Essa estrutura rítmica se assemelha a um ostinato, de modo
que é executada por meio de uma frase curta com periodicidade invariável, podendo existir duas
ou mais através de contraponto. Assim, cada timeline pode se movimentar de forma
independente, originando o cross rhythm, que é o cruzamento de padrões rítmicos distintos
(AROM, 1991 apud RIBEIRO, 2017, p. 108). Ribeiro afirma que “as timelines caracterizam-
se por serem cíclicas e por não admitirem variações” (AROM, 1991 apud RIBEIRO, 2017, p.
104) e neste ponto converge com a ideia de um metrônomo. Porém, elas podem ser executadas
em qualquer lugar do ciclo:

Uma vez iniciado o ciclo, ele se repete imutável ao longo da peça. Tal limitação é uma
das razões pela qual alguns estudos fazem uma analogia entre a timeline como função
de metrônomo. Esta analogia não é muito feliz, pois o metrônomo mensura o tempo
com unidades repetitivas isócronas e amorfas enquanto que a timeline molda o
dimensionamento temporal por séries rítmicas geradas por imparidades de 5 pulsos (2
24

+ 3), 7 pulsos (2 + 2 + 3) ou 9 pulsos (2 + 2 + 2 + 3), dispostas em uma ordenação


plena de significado (RIBEIRO, 2017, p. 109).

A definição dada por Agawu, já apresentada, aponta justamente para esta diferença
com relação ao metrônomo. Portanto, “mais que uma pontuação metronômica de tempo: (a
timeline) é uma fórmula rítmica/semântica assimétrica que sustenta o tempo de uma música
polirrítmica complexa” (RIBEIRO, 2017, p. 109).

Por último, Ribeiro trata dos conceitos divisivo e aditivo nas timelines. A notação
musical europeia pode gerar incoerências ao tentar organizar a música de matriz africana, uma
vez que esta é baseada no conceito aditivo de rítmica e não possui acentos regulares. Um
exemplo é o uso equivocado de fórmulas de compasso ocidentais, que acabam gerando
acentuações inexistentes (AROM, 2004 apud RIBEIRO, 2017, p. 110). Pelo fato da timeline
apresentar, necessariamente, uma estrutura interna assimétrica, sua representação relaciona-se
mais com a concepção aditiva do que divisiva. A soma de dois grupos rítmicos irregulares
remonta à adição (AGAWU, 2006 apud RIBEIRO, 2017, p. 111). Em sintonia com o exposto
por Sandroni (2001), Ribeiro explica:

Arom (1989, p.94) descreve uma estrutura rítmica como simétrica ou assimétrica, com
a assimetria podendo ser ainda regular ou irregular. Toda estrutura que pode ser
dividida igualmente em duas partes é chamada simétrica. Quando essa segmentação
não existe, dada pela posição dos acentos, alternância de timbres ou ataques, tal
estrutura é chamada assimétrica. Se o ciclo pode ser separado em partes iguais,
diferente de dois, trata-se de uma assimetria regular (RIBEIRO, 2017, p. 111).

Considerando os conceitos de timeline dos autores aqui expostos, a tabela abaixo reúne
de forma sucinta os principais pontos, mostrando suas convergências e divergências.
25

AUTOR (A) CONCEITO DE TIMELINE

1. AGAWU Padrão rítmico de curta duração repetido na forma de ostinato;


executado por instrumentos percussivos; possui pulsação
constante com dois valores de duração, um curto e um longo;
diferente do metrônomo, a timeline integra a música.

2. OLIVEIRA Linha rítmica que compõe a estrutura sonora afro brasileira; está
presente em grande parte do repertório musical brasileiro;
PINTO
funciona como uma orientadora para os demais instrumentos; foi
ressignificada pela MPB, podendo ser suprimida em algumas
partes da música, sendo mentalizada pelos músicos – ou ser
tocada por outro instrumento que não seja percussivo.

3. SANDRONI Linha guia executada por instrumentos percussivos de timbre


agudo ou palmas; funciona como um metrônomo, um orientador
sonoro que coordena o ritmo de forma geral; geralmente possui
formas assimétricas repetidas em ostinato estrito por toda a
música, porém admite variações.

Clave é a menor porção rítmica que define um ritmo, sua


4. LEITE
localização geográfica, origem e percurso étnico/histórico;
também chamada de “toque” nas religiões afro brasileiras; é
transmitida de forma oral, gerando uma apropriação corporal, por
meio do processo da clave consciente.

Timeline ou linha guia é uma linha rítmica curta executada por


5. RIBEIRO
palmas ou instrumentos de percussão de timbre agudo; serve de
referência temporal em meio a outras linhas rítmicas simultâneas;
é cíclica e não admite variações.
26

3 A ESTRELA, AS ANDANÇAS E AS “COISAS” DE MUACY

Esta seção pretende traçar um resumo biográfico de Moacir Santos tendo como
referência principal a tese de doutorado Mais “Coisas” sobre Moacir Santos, ou Os Caminhos
de um músico brasileiro, de Andrea Ernest Dias (2010). O objetivo é destacar a cronologia dos
acontecimentos musicais de maior relevância na vida do músico, a fim de contextualizar a
produção do álbum “Coisas”, de 1965, objeto de enfoque desta monografia. Para tal, esta
pesquisa também se orienta pelas dissertações de mestrado de Gabriel França (2007), Alexandre
Vicente (2012) e Lucas Bonetti (2014).

Moacir José dos Santos nasceu em 1926 entre os municípios de Serra Talhada (antiga
Vila Bela), Flores, São José do Belmonte e Bom Nome, no sertão pernambucano. Até os 16
anos, aproximadamente, não possuía um documento que comprovasse sua data de nascimento.
Foi batizado na Capela de Santo Antônio do município de Bom Nome com o nome de “Muacy”
(DIAS, 2010, pp. 25 e 26). Negro, órfão da mãe aos 3 anos de idade e com um pai ausente,
Moacir foi cursar o ginásio no município de Flores, a 340 km de Recife. Ali, na década de 1930,
começou a enfrentar o preconceito racial. Frequentador assíduo dos ensaios da Banda
Municipal de Flores, aproveitava os momentos de descanso dos músicos para explorar as
sonoridades dos instrumentos que, aos 9 anos, já havia aprendido a tocar: trombone, trompete,
trompa, clarineta, saxofone, percussões, violão, banjo e bandolim (DIAS, 2010, p. 37).

Já como integrante da Banda Municipal, Moacir recebeu o seu primeiro cachê tocando
trompa nas festividades religiosas em devoção à Virgem Maria (comemorações e novenas da
tradição católica que ocorrem no mês do maio). O período entre os 11 e 14 anos de idade foi
considerado por ele como a fase áurea de sua vida, “tocando em eventos nas cidades próximas,
como por exemplo as disputas futebolísticas entre os times da região nas quais as bandas de
música seguiam junto e promoviam suas próprias disputas” (DIAS, 2010, p. 41). Segundo
Andrea Ernest Dias, “guiado por uma intuição que o fez andarilho pelo Alto Sertão de
Pernambuco e estados vizinhos, experimentou todas as oportunidades que sua vocação lhe
proporcionava” (DIAS, 2010, p. 41). Sua intuição o levava a “apanhar sua estrela” – termo
usado pelo músico em depoimento - algo semelhante a uma estrela guia que norteia os caminhos
de uma pessoa em busca de realização pessoal, sentido de vida, vocação (DIAS, 2010, p. 42).

Moacir seguiu seu caminho até chegar em Recife, em 1941, com seus 15 anos
incompletos. Logo foi tocar saxofone na Banda dos Operários do Recife, porém se desentendeu
27

com seu tutor e resolveu se mudar para Serra Talhada, cidade importante do sertão
pernambucano (DIAS, 2010, p. 45). Lá, o jovem saxofonista integrou a Filarmônica
Vilabelense e trabalhou como fiscal de imposto de feirantes para ajudar no seu sustento
financeiro (DIAS, 2010, p. 48). Ainda em Serra Talhada, Moacir se tornou diretor musical do
Circo Farranha, aos 15 anos de idade, e essa experiência o levou a conhecer várias cidades até
chegar em Salvador, onde aconteceu um episódio marcante. De acordo com a autora:

Em seu período na capital baiana, um fato foi determinante para a modificação de sua
postura em relação à música. Convidado a ensaiar na orquestra do trompetista Joca,
músico do famoso Cassino Tabaris e a quem conhecera, Moacir viu-se em apuros
diante de tantos profissionais peritos em leitura musical. A orquestra parou duas vezes
por conta de erros de leitura que Moacir cometera, o que provocou uma convulsão de
lágrimas angustiadas do rapaz. Uma coisa era contar com o próprio brilho para
impressionar a audiência, outra era contar com uma habilidade requerida no exercício
da profissão, em que as particularidades dos repertórios trazem consigo dificuldades
inesperadas. Embora possuísse o embasamento teórico adquirido nas filarmônicas,
encarou o ocorrido como uma espécie de rito de passagem para superar essa
insuficiência musical, e como mais um passo consciente dado em direção ao
desenvolvimento de suas capacidades (DIAS, 2010, pp. 50-51).

Ainda na capital baiana, o saxofonista teve contato com músicos estadunidenses no


Cassino Tabaris. Em período de Segunda Guerra Mundial, dois saxofonistas impressionaram o
jovem Moacir quando tocavam. Nesse momento, foi plantada a semente do jazz como ideal
artístico e sonoro a ser buscado pelo adolescente pernambucano (DIAS, 2010, p. 51). “Muacy”,
como consta em sua certidão de nascimento, aproveitou a carona de um caminhoneiro em sua
saída de Salvador e, ao invés de retornar diretamente para Serra Talhada, foi rumo à cidade de
Crato, interior do Ceará. Em uma das paradas do caminhão, foi convidado a fazer trabalhos
braçais em uma fazenda. Mas ele recusou, pois não estava disposto a fazer esse tipo de trabalho,
tão comumente atrelado aos negros. Em contraposição, o jovem músico seguia “apanhando sua
estrela” em cada cidade que passava no interior nordestino alertando: “Eu toco saxofone! Estou
com fome! Quero comer!” (DIAS, 2010, pp. 52-53).

Ao chegar em Crato, Moacir passou a temporada carnavalesca e retornou à Serra


Talhada. Porém, mudou de ideia e foi morar em Pesqueira, cidade vizinha, onde integrou grupos
musicais e foi operário de uma grande indústria alimentícia. Posteriormente, residiu na cidade
de Gravatá, integrando a banda local e trabalhando como podador de árvores na prefeitura.
Depois de uma poda malfeita, motivo de sua demissão, voltou ao Recife em 1943. (DIAS, 2010,
pp. 53-56).

Após Moacir ter adquirido bastante experiência em suas andanças, principalmente no


período em que tocou no Cassino Tabaris em Salvador, dois radialistas e agentes de publicidade
28

recifenses “lançaram Moacir Santos como ‘O Saxofonista Negro’, no programa Vitrine da


Rádio Clube de Pernambuco, PRA-8, destacando-o como ‘artista’” (DIAS, 2010, p. 56). No
entanto, o músico não encontrou continuidade em seu trabalho na capital pernambucana, frente
às instabilidades de ser “artista”. Antes de partir para a cidade de Timbaúba, o jovem ficou
bastante decepcionado pelo racismo sofrido quando tentou alistar-se na Banda da Aeronáutica,
que estava recrutando músicos. Ele recebeu a informação de que o quadro de músicos já estava
completo, mas depois soube que a banda só estava interessada em músicos brancos (DIAS,
2010, p. 57).

Moacir depositava esperanças na cidade de Timbaúba, a cerca de 100km de Recife,


pois enxergava nela algumas atrações - a exemplo de uma banda que era formada por pessoas
de todas as cores de pele. Lá ele trabalhou em uma fábrica de sapatos, onde foi maltratado pelo
patrão por causa de uma péssima costura que fez. Por isso, pediu demissão e retornou à capital
pernambucana (DIAS, 2010, p. 58). Na sua última andança em Pernambuco, o saxofonista
negro ingressou na jazz band da Fábrica de Tecidos Othon Bezerra de Mello.12 Com 19 anos,
ele tocava no recreio dos demais funcionários da fábrica e conseguia uma razoável
remuneração, além de receber moradia e refeição. Porém:

Supervisionado pelo mestre da banda operária, foi alocado, a contragosto, na


carpintaria. Respirar o pó da madeira causava-lhe mal-estar, e Moacir solicitou
transferência para um trabalho burocrático no escritório, mais à altura de sua formação
e onde trabalhavam outros músicos. Foi, porém, transferido para o trabalho nas
calandras, mais uma vez relegado à atividade braçal. A atividade na banda da fábrica
rendeu-lhe o seu primeiro arranjo orquestral (DIAS, 2010, p. 58).

Posteriormente, ao saber que a Banda da Política Militar do Estado da Paraíba estava


convocando músicos, lembrou-se que precisava se apresentar ao serviço militar e aproveitou a
oportunidade para tal, indo à capital paraibana, João Pessoa. Lá, quase foi impedido de ingressar
na banda após ser novamente discriminado pela cor da sua pele:

Ao cruzar com um soldado vestido com a farda da corporação musical, e ansioso por
conseguir um local para trabalhar, comer e dormir, Moacir aproximou-se e lhe disse:
“Ô moço, o senhor é músico da polícia? / Sou. / O senhor quer me dizer se há vaga
para músico de primeira classe?” (Dep. MS 1992). O diálogo com o soldado chegou
ao conhecimento do tenente Adauto Camilo, regente da banda, que tomou de
curiosidade para ouvir o “presunçoso” Moacir Santos. Dessa vez – e já superada a
questão da deficiência em leitura à primeira vista – o rapaz arrebatou os que o

12
Grupos musicais influenciados pela música estadunidense, bastante difundidos no Brasil após a Primeira Guerra
Mundial. Comumente encontradas em cidades do sertão nordestino, as jazz band se diferenciavam das filarmônicas
pelo repertório, formação e função social. O repertório era composto de foxtrotes, maxixes, valsas, baiões e
sucessos da rádio para agitar bailes e festas, servindo como uma possibilidade de profissionalização dos músicos.
Possuíam menos integrantes do que as filarmônicas e geralmente eram formadas por naipes de três saxofones, três
trompetes, dois trombones, bateria, banjo, violão e percussão (DIAS, 2010, p. 47).
29

avaliaram. O tenente Adauto reportou-se ao comandante geral da Polícia para


providenciar a inclusão de Santos na corporação, no que imediatamente foi contestado
pelo superior. O diálogo que se sucedeu entre os dois e que transcrevo a seguir
expresso o arraigado preconceito racial na hierarquia militar: “Mas ele é preto! / Sr.
Comandante, há alguns pretos na banda que eu não trocaria por muitos brancos da
mesma banda” (Dep. MS 1992). Os argumentos do tenente Adauto foram
convincentes e, com o ingresso marcado pela intolerância étnica, Moacir Santos pôde
finalmente cumprir o seu serviço militar como sargento-músico de primeira classe
(DIAS, 2010, p. 59).

Assim, foi saxofonista da Banda da Polícia Militar do Estado da Paraíba de julho de


1944 a dezembro de 1945. Com a saída do maestro da Orquestra Tabajara e de vários músicos
para o Rio de Janeiro, Moacir desvinculou-se do serviço militar e aproveitou as vagas abertas
para ingressar como saxofonista tenor solista da Rádio PRI-4, Rádio Tabajara da Paraíba
(DIAS, 2010, pp. 59-60). Mesmo como instrumentista da rádio, foi mostrando suas outras
habilidades para além do saxofone e “seu talento como arranjador e compositor de choros e
valsas o levou a ser escolhido, por unanimidade, o novo regente da Jazz-Band Tabajara, e assim
inserido no mecanismo de produção musical da indústria radiofônica e fonográfica” (DIAS,
2010, p. 60).

Ainda em João Pessoa Moacir conheceu Cleonice Santos (João Pessoa, 1928 –
Pasadena, 2010), com quem se casou em Recife, em 1947. Retornando em seguida à capital
paraibana, foi líder da Jazz-Band Tabajara durante um ano, aproximadamente (DIAS, 2010, pp.
60-61). Em 1948, o casal Moacir e Cleonice se mudou para o Rio de Janeiro. Segundo Dias:

Não encontrando mais ambiente para permanecer como diretor da orquestra, Moacir
assentiu na proposta feita pelo governo – por intermédio do usineiro Renato Ribeiro,
admirador de Santos – de sair de João Pessoa para um destino de sua escolha. Sem
hesitar muito, declarou que iria para o Rio de Janeiro, provavelmente estimulado pela
ótima repercussão da atuação da Orquestra Tabajara de Severino Araújo na então
capital nacional (DIAS, 2010, p. 61).

Chegando em terras cariocas, Moacir logo conseguiu um emprego como clarinetista e


saxofonista de uma casa noturna. Percebeu a discrepância salarial que havia entre o que ele
ganhava em João Pessoa e no Rio de Janeiro, por isso conseguiu ter uma tranquilidade
financeira (DIAS, 2010, p. 62-63). O ingresso como instrumentista na jazz-band do Maestro
Chiquinho, na PRE-8, Rádio Nacional, foi um grande acontecimento para o músico no final de
1948. Além de integrar o quadro instrumental, também fazia arranjos e “envolveu-se com as
diferentes formações orquestrais da emissora” (DIAS, 2010, p. 67). A Rádio Nacional possuía
uma produção efervescente com várias possibilidades sonoras – a exemplo de uma orquestra
30

de tango, de jazz, regionais de choro, orquestra de salão, orquestra sinfônica, etc. (DIAS, 2010,
pp. 67-68).

Ainda em 1948, aos 23 anos de idade, Moacir teve aulas com Guerra-Peixe13 por um
curto período, até que seu professor foi para o Recife desenvolver uma pesquisa. O jovem
saxofonista foi aconselhado a continuar seus estudos com Koellreuter,14 ao passo que também
recebia ensinamentos paralelos de Newton Pádua, Assis Republicano, José Siqueira, Joaquina
Campos, José Batista Siqueira, Radamés Gnattali e Paulo Silva (DIAS, 2010, p. 69). Todo esse
aprendizado ajudou Moacir a se tornar o primeiro maestro negro da Rádio Nacional, em 1951,
após ter feito o arranjo sinfônico para “A Baixa do Sapateiro” (Ari Barroso) e composto
“Melodia em Fá para trompa”. O jovem pernambucano seguia “apanhando sua estrela”.

Em 1954, interrompeu suas atividades na Rádio Nacional e se mudou para a cidade de


São Paulo ao aceitar a proposta de ser diretor musical da TV Record por dois anos. Quando o
contrato rescindiu, Moacir voltou para as atividades da Rádio Nacional no Rio de Janeiro, em
1956, com uma grande produção de arranjos (DIAS, 2010, p. 72).15 “Muacy” recebeu o diploma
de Músico do Ano em 1960 por conta de seu destaque como arranjador, instrumentista e
compositor de trilhas sonoras. Começou também a dar aulas de música para importantes nomes
do cenário musical carioca: Nara Leão, Baden Powell, Sérgio Mendes, Carlos Lyra, Oscar
Castro Neves, Roberto Menescal, Dori Caymmi, João Donato, Nelson Gonçalves, Pery Ribeiro,
Carlos José, as integrantes do Quarteto em Cy, Mestre Marçal, Dom Um Romão, Raul de Souza,
Bola Sete, o casal Airto Moreira e Flora Purim, dentre outras (CASTRO, 1990; GOMES, 2008
apud DIAS, 2010, p. 73).

Logo após o lançamento do álbum “Coisas” em 1965, Moacir teve o seu primeiro
contato profissional com os Estados Unidos, sendo convidado para fazer a trilha sonora do filme
Love in the Pacific, do diretor austríaco Zigmunt Sulistrowsky. Dois anos depois, o músico
tomou a decisão de sair do Brasil e se mudar para os Estados Unidos, pois como relata Dias
“em 1967, com medalhas no peito, mas acumulando contas a pagar e salários atrasados, o
compositor chegou a pensar em alugar o próprio carro para rodar na praça como táxi” (DIAS,

13
César Guerra-Peixe (1914–1993) foi um compositor, arranjador, professor e pesquisador carioca.
14
Hans Joachim Koellreuter (1915–2005) foi um compositor, professor e pesquisador alemão naturalizado
brasileiro.
15
Essa vasta produção foi homenageada com um concerto da Orquestra Sinfônica Nacional da Universidade
Federal Fluminense, em 2019, regido pelo maestro Tobias Volkmann. O repertório traz alguns arranjos que Moacir
fez, especialmente para a Rádio Nacional, de grandes sucessos das décadas de 1940 e 1950. Disponível em:
http://tvbrasil.ebc.com.br/partituras/2019/06/partituras-homenageia-o-maestro-moacir-santos. Acesso em: 19 de
agosto, 2019.
31

2010, p. 119). A situação estava complicada para Moacir e emigrar lhe parecia a melhor
solução. Segundo suas próprias palavras, “na TV Rio não se recebia, os artistas sentados na
escada esperando, estrelas inclusive. Um músico me mostrou a arma que levava, para forçar o
pagamento. Crise por crise, fiquei nos Estados Unidos” (DIAS, 2010, p. 119).

Quando chegou em Newark (Nova Jersey), Moacir confirmou a ideia que tinha acerca
do alto grau de profissionalismo e competitividade no mercado musical estadunidense. No ano
seguinte, em 1968, mudou-se para Hollywood, na Califórnia, onde colaborou na composição
de trilhas sonoras e gravou as primeiras músicas do LP “Opus 3 nº 1”, que só foi lançado anos
mais tarde (DIAS, 2010, p. 123). Em 1972, foi lançado o primeiro LP do compositor
pernambucano nos Estados Unidos pela Blue Note, gravadora a qual acompanhou Moacir em
outros dois álbuns. “Maestro” (1972) possui grande importância em sua discografia e, segundo
relato do flautista Ray Pizzi, que participou das gravações, os produtores “deixaram que ele
mesmo o fizesse, deixaram-no sozinho, livre, como uma ‘estrela brilhando’” (DIAS, 2010, p.
129). A questão rítmica na sonoridade do LP se destaca por conta da técnica de arranjo mojo,
assim chamada por Moacir, e que será explicada no próximo capítulo.

Ao se mudar para a cidade de Pasadena, também localizada no distrito de Los Angeles,


Califórnia, o músico começou a dar aulas de piano e leitura musical na Nova Music Studio, em
1974, quando lançou seu segundo LP pela Blue Note, denominado “Saudade”. No ano seguinte,
foi lançado seu terceiro e último álbum pela gravadora, “Carnival of Spirits” (1975). Em 1978,
iniciou-se a segunda etapa de gravações do LP “Opus 3 nº 1” (1979), lançado pela Discovery
Records.

Em 1995, Moacir Santos sofreu um acidente vascular-cerebral em sua residência, aos


69 anos de idade. O AVC:

(...) trouxe-lhe como consequências a imobilidade da mão direita e a perda de fluência


na fala em língua inglesa. A partir de então, o cotidiano de Moacir foi radicalmente
alterado e dedicado integralmente à sua convalescência. Cleonice Santos e Moacir Jr.
(filho do casal) estabeleceram nova rotina em suas vidas, acompanhando de perto as
sucessivas sessões de fisioterapia a que o maestro era submetido (DIAS, 2010, p. 147).

Mesmo com o acidente, a estrela de “Muacy” continuou brilhando por meio dos
trabalhos de revalorização da sua obra no Brasil, visto que ela foi pouco difundida no país desde
a emigração do músico para os Estados Unidos, em 1967. Esse movimento de resgate musical
foi necessário, pois “seus discos norte-americanos sequer foram lançados aqui, e o disco Coisas,
saído de catálogo, havia se tornado uma raridade (...). As gerações nascidas dos anos 60 em
32

diante desconheciam até mesmo sua existência” (DIAS, 2010, p. 152). Em 1998, os músicos
cariocas Mario Adnet e Zé Nogueira começaram o projeto “Ouro Negro”, que se concretizou a
partir do lançamento do CD duplo em 2001, através do selo MP,B e distribuído pela Universal,
sob patrocínio da Petrobras. O repertório inclui músicas de toda a carreira do compositor
pernambucano, inclusive as “Coisas”, com exceção da “Coisa nº 3”. Impossibilitado de tocar
por conta do AVC, Moacir voltou ao Brasil e acompanhou as gravações do CD, fato que foi
muito importante na condução dos ensaios. As partituras das “Coisas”, que se perderam após o
fechamento do selo Forma, foram reescritas por Mario Adnet e Zé Nogueira e revisadas pelo
compositor (DIAS, 2010, p. 154).

Anos depois, os músicos cariocas se dedicaram à gravação do CD “Choros e Alegria”,


lançado pelo selo Biscoito Fino, em 2005. O álbum reúne choros antigos do jovem Moacir
juntamente com músicas não gravadas compostas na época em que morava na cidade de
Pasadena. No mesmo ano, foi gravado o DVD “Ouro Negro” (MP,B / Canal Brasil / Petrobras
/ Zenog / Adnet Música) no palco do SESC Pinheiro, em São Paulo. A dupla Mario Adnet e Zé
Nogueira também lançou o “Cancioneiro Moacir Santos” (Jobim Music, 2005), que possui três
volumes com partituras do “Ouro Negro”, das “Coisas” e do álbum “Choros e Alegria”. Moacir
Santos estava com a saúde cada vez mais debilitada e sua morte se deu no dia 6 de agosto de
2006, em Pasadena, nos Estados Unidos. Noticiado na imprensa nacional e internacional, seu
falecimento foi de grande perda para a comunidade musical: a estrela de “Muacy” foi brilhar
em outro lugar.

3.1 ÁLBUM “COISAS”

Foi no cenário plural e culturalmente agitado do Rio de Janeiro da década de 1960 que
Moacir Santos organizou as suas “coisas” e lançou seu primeiro LP (figura 3), em 1965, através
do pequeno selo Forma.16 Fora de catálogo durante décadas, o álbum ganhou versão
remasterizada em CD, como afirma Dias: “Mario Adnet e Zé Nogueira, associados ao produtor
João Linhares, coordenaram, em 2004, a reedição do LP Coisas em CD remasterizado a partir

16
Fundado por Wadih Gebara e Roberto Quartin no Rio de Janeiro, o selo Forma voltava-se à produção e difusão
de artistas de pouca projeção no cenário nacional, em oposição às grandes gravadoras Philips, Odeon, RCA e CBS.
33

da fita original, de 1965, e lançado pela Universal” (2010, p. 161). Em 2013, a gravadora
Polysom relançou o LP “Coisas” em vinil de 180 gramas, pela coleção Clássicos em Vinil.

FIGURA 3 – CAPA ORIGINAL DO LP “COISAS” (1965)

FONTE: Acervo pessoal

O álbum, com suas dez faixas, é um marco na música instrumental brasileira por conta
de sua forte singularidade sonora (FRANÇA, 2007; DIAS, 2010; VICENTE, 2012; BONETTI,
2014). Roberto Quartin (1943-2004), responsável pela produção musical, afirma no texto de
apresentação da primeira edição do disco (figura 4), como se pode constatar na nota de Juvenal
Portella para o Jornal do Brasil, no seu ano de lançamento:

Ao reunir suas composições, Moacir Santos criou, mais do que um disco, um


documento histórico autêntico dentro do mapa da música popular brasileira.
Autêntico, pois trata-se de um músico negro escrevendo música negra e não de um
garoto de Ipanema contando as tristezas da favela ou de um carioca que nunca foi
além de Petrópolis a enriquecer o cancioneiro nordestino. Histórico, em primeiro
lugar, por conter uma síntese completa e expressiva do formidável papel que o negro
desempenhou em toda a formação de nossa música popular. Este disco é negro desde
a capa até a vinilite, do músico ao som que ouve. Também histórico, porque Moacir
mostra, como um Edu Lobo ou uns poucos mais, que se pode dar um sentido social à
música, sem que, para isso, se precise mediocrizá-la.
34

FIGURA 4 – CONTRACAPA ORIGINAL DO LP “COISAS” (1965)

FONTE: Acervo Pessoal

Em matéria para o jornal Última Hora no ano de 1965, o crítico musical Sérgio Porto
(1923-1968) resenha sobre a inovação que o álbum traz e a importância de Moacir Santos para
a música brasileira:

Ouvindo os dez números deste “Coisas de Moacir Santos” a pessoa de boa


receptividade musical percebe logo que está diante de algo novo, de uma nova maneira
de exprimir a nossa música, que usa um som diferente, mas sem fugir às raízes do
samba. (...) E Moacir – ressalte-se – é um grande músico e um grande estudioso, esta
a grande diferença entre ele e certos rapazes inconformados por atitude. Os rapazes
deturpam, Moacir pesquisa.

Nas palavras de Dias, “é fundamental observar os antecedentes dessa obra, que contém
uma das mais marcantes e originais sonoridades já construídas no Brasil” (DIAS, 2010, p. 90).
35

Pixinguinha17, Abigail Moura18 e sua Orquestra Afro-Brasileira19, Hindemith20, Koellreuter e


Guerra-Peixe tiveram grande influência na construção do álbum, uma vez que foram figuras
importantes na sonoridade de Moacir. A combinação da instrumentação jazzística das big band
com a polirritmia africana já estava sendo feita por Pixinguinha desde os anos 1920 nos seus
lundus-africanos intitulados “Yaô”, “Benguelê”, “Festa de Nanã” e “Iemanjá” (DIAS, 2010, p.
90).

Seguindo o caminho de Pixinguinha, o maestro Abigail Moura criou a Orquestra Afro-


Brasileira para ser um grupo vocal instrumental que juntasse a percussão afro religiosa com os
instrumentos melódicos e harmônicos da tradição jazzística, embora declare que a orquestra
“não tem influência do que estava em evidência no Brasil naquele momento, a exemplo da
projeção do jazz no cenário musical a partir da chegada dos primeiros discos de jazz no Brasil”
(IPEAFRO, 1949 apud MOTTA, 2017, p. 35). As músicas da orquestra possuíam padrões
rítmicos (timeline) que serviam de referência para o canto e o conjunto instrumental (MOTTA,
2017). Hindemith, Koellreuter e Guerra-Peixe forneceram a base teórica para a “sonoridade
moderna” de Moacir Santos. O dodecafonismo, enquanto movimento teórico pós-tonal, o
conceito de harmonia acústica e a técnica de contraponto possibilitaram ao maestro “criar uma
música popular ‘erudita’ que soasse diferente do padrão do samba-jazz em voga, já bastante
‘evoluído’ (...)” (DIAS, 2010, p. 99).

Por possuir grande admiração e encanto pela música erudita, Moacir quis nomear suas
músicas seguindo a tradição clássica do opus, termo latino que significa “obra” e cujo plural é
ópera. Porém, ao invés de chamá-las de “Opus nº 1”, “Opus nº 2”, preferiu “Coisa nº 1”, “Coisa
n° 2”, etc. Na dissertação Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na década
de 1960, Gabriel França (2007) entrevistou o compositor em abril de 2006. Sobre o motivo do
título “Coisas”, o músico comenta:

(...) eu, quando na minha vida de estudos, fiquei muito entusiasmado com a erudição,
o clássico... eu fiquei agarrado com a palavra opus. Quando eu cheguei na gravação,
a convite do Baden, no estúdio, o moço desceu da ... técnica e disse: maestro, qual é
o nome dessa... aí eu disse: isso é uma coisa. Por que? Porque eu gostaria de dizer
opus 5, number tal, mas é uma coisa muito elevada para mim. Pelo menos naquela

17
Batizado pelo nome de Alfredo da Rocha Viana Filho, Pixinguinha (1897-1973) foi um compositor carioca de
grande importância para o choro, atuando também como maestro, flautista, saxofonista e arranjador.
18
Abigail Moura (1905-1970) foi um maestro, compositor, arranjador, instrumentista e copista mineiro, radicado
no Rio de Janeiro, que possuía forte ligação com a música afro brasileira.
19
Criada por Abigail Moura em 1942, no Rio de Janeiro, mesclava elementos jazzísticos de big band com a
percussão afro brasileira, juntamente com a voz da cantora Maria do Carmo. A orquestra lançou dois álbuns:
“Obaluayê!” (1957) e “Orquestra Afro-Brasileira” (1968).
20
Paul Hindemith (1895-1963) foi um maestro, compositor, violinista, violista e professor alemão. É considerado
um dos compositores de maior destaque na vanguarda alemã da década de 1920.
36

ocasião, naquela época... Mas eu sei que eu estou muito mais maduro, em vez de opus
qualquer, no popular, jazz. Mas eu ainda não posso dizer opus, não, porque eu sempre
fui admirador do clássico também, a música erudita, quer dizer, desenvolvimento e
etc... então é uma coisa: Coisa nº 1, Coisa nº 2... (FRANÇA, 2007, p. 142-143).

O jornalista e crítico musical Juvenal Portella, na matéria para o Jornal do Brasil, de


1965, comenta sobre os músicos que gravaram o LP:

(...) Coisas vale, ainda, como uma lição de ritmo e harmonia, do cuidado na escolha
dos músicos, todos de um gabarito invejável. (...) Os instrumentistas que aparecem no
disco são: Julinho Barbosa, Dulcilando Pereira, Luíz Bezerra, Geraldo Medeiros,
Eduardo Maciel, Armando Pallas, João Jerônimo Medeiros, Nicolino Cópia, Chaim
Lewak, Cláudio das Neves, Wilson das Neves, Elias Ferreira, Jorge Ferreira da Silva,
Giorgio Bariola, Peter Dautsberg, Watson Clis e o fabuloso Moacir Santos.

De acordo com Lucas Bonetti (2014), em sua dissertação A trilha musical como gênese
do processo criativo na obra de Moacir Santos, parte do disco origina-se da trilha sonora
composta por Moacir para os filmes “Ganga Zumba” (figura 5) e “O Beijo” (figura 6), de Carlos
Diegues e Flávio Tambellini, respectivamente, ambos lançados em 1964.21 Segundo o
pesquisador, as “Coisas” de número 4, 5 e 9 são desdobramentos da trilha sonora em “Ganga
Zumba” (figura 7) enquanto que e as “Coisas” de número 2 e 8 tiveram origem na trilha de “O
Beijo”.

21
Lucas Zangirolami Bonetti é criador e produtor do projeto “Trilhas Musicais de Moacir Santos” (Itaú
Cultural/FAPESP), que visa sistematizar, analisar e divulgar as trilhas sonoras compostas por Moacir Santos ao
longo de sua carreira em plataforma digital. As transcrições musicais contam com revisão do pianista André
Mehmari e inclui depoimentos de Andrea Ernest Dias, Ney Carrasco, Paulo Tiné, Mario Adnet, Moacir Santos Jr.,
Zé Nogueira, Wynton Marsalis, dentre outros. Disponível em: http://www.trilhasmoacirsantos.com.br/.
37

FIGURAS 5 E 6 – CARTAZES DOS FILMES “GANGA ZUMBA” E “O BEIJO”

FIGURA 7 – TRILHA SONORA DE MOACIR SANTOS EM “GANGA ZUMBA”

FONTE: Créditos iniciais de “Ganga Zumba”

O longa metragem “Ganga Zumba” conta ainda com as participações de Nara Leão
(1942-1989) e dos Filhos de Gandhi na interpretação e performance, além de Angenor de
Oliveira (1908-1980), o Cartola, no papel do personagem Salustiano. Sobre a sinopse, Bonetti
informa:

Filme produzido por Carlos Diegues e baseado no livro homônimo de João Felício
dos Santos (1911-1989), o filme Ganga Zumba conta a trajetória de um grupo de
escravos que foge da fazenda onde estavam até Palmares, o quilombo mais conhecido
da história. Junto com esse grupo está Antão (Antônio Pitanga), que todos acreditam
ser Ganga Zumba, o próximo rei de Palmares (BONETTI, 2014, p. 53).
38

Alexandre Vicente (2012), em sua dissertação Moacir Santos, seus ritmos e modos:
“Coisas” do Ouro Negro, afirma:

Coisas é o nome do primeiro álbum de Moacir, lançado em 1965 pelo extinto selo
Forma. Foi o único LP lançado no Brasil sob sua direção integral. Coisas tem parte
de sua gênese no longa-metragem Ganga Zumba, de Carlos Diegues, filme de 1964,
que traz a temática afro-brasileira da escravidão, sob direção musical integral de
Moacir Santos. Neste filme, ouvem-se pela primeira vez gravações de trechos das
Coisas nº 5, 4 e 9 (VICENTE, 2012, p. 34).

As futuras “Coisas” de número 4, 5 e 9 são nomeadas na trilha sonora do filme por


“tema do personagem principal”; “tema da procissão a Palmares” e “tema principal”; e “tema
do amor”, respectivamente (BONETTI, 2014). E essas são precisamente as “coisas” a serem
analisadas no próximo capítulo desta pesquisa. Sobre a trilha sonora de “Ganga Zumba”, Dias
(2010) explica a sua importância para o processo composicional das “Coisas” (1965):

A trilha sonora de Ganga Zumba antecipou sonoridade que se tornaria a marca


característica de Moacir Santos a partir do lançamento do seminal LP Coisas, em
1965, pelo selo Forma. Constam na trilha, além do tema de abertura “Nanã”, os que
posteriormente conhecidos como “Coisa nº 4”, “Coisa nº 9” e “Mãe Iracema”, em
instrumentações que variam do tratamento a capella às combinações tímbricas de
piccolo, flauta, clarinete, clarone, fagote, saxofone, trombone e percussão, em que
predomina a utilização de atabaques e tímpanos. Ganga Zumba funcionou como uma
espécie de laboratório para o LP Coisas (grifo meu): no filme, ouve-se destacada do
tema, a parte que posteriormente ficaria integrada à partitura de “Coisa nº 5 – Nanã”
como introdução (DIAS, 2010, p. 107).

Essas e outras “coisas” já vinham sendo anotadas por Moacir em um caderno, chamado
por Dias de caderno “Pré-Coisas”. Um fato curioso é que, inicialmente, seriam onze ao invés
das dez “coisas” gravadas, como consta na lista anotada por Moacir (figura 8). A “Coisa nº 11”,
se existisse, equivaleria ao “tema do banzo”, que integra a trilha sonora de Ganga Zumba, por
conta do motivo inicial (BONETTI, 2014, p. 296).
39

FIGURA 8 – MANUSCRITO DE MOACIR SANTOS NO CADERNO “PRÉ-COISAS”

FONTE: Dias (2010) apud Bonetti (2014)

Observa-se na lista acima que cada “Coisa” possui um padrão rítmico na melodia que
funciona como mote da composição. Esses padrões são oriundos dos “Ritmos MS” juntamente
com a influência da diversidade de ritmos afro brasileiros que nortearam o processo
composicional de Moacir Santos no álbum “Coisas”. Os “Ritmos MS” foram criados pelo
músico, com a denominação aludindo às suas iniciais, para serem um recurso pedagógico e
composicional, como será visto na próxima seção. Segundo Dias, “trata-se de pequenos padrões
rítmicos que, combinados entre si, resultam na criação de motivos ou temas melódicos” (DIAS,
2010, p. 77). Essa confluência rítmica produz um resultado sonoro de muita singularidade na
música instrumental brasileira. Como aponta Dias (2010):

No plano rítmico, fica clara a opção de Moacir Santos por estilizar os padrões da
cultura musical afro-brasileira, dando ao conjunto de Coisas uma caracterização única
na sonoridade instrumental dos anos 60, alcançada tanto pela associação da
instrumentação usual das bandas de música e big-bands jazzísticas à percussão típica
dessa tradição cultural (atabaques, agogôs, afoxés, etc.) quanto pelo tratamento
polirrítmico dispensado ao contraponto (DIAS, 2010, p. 114).

Dias (2010) associa, com a ajuda dos percussionistas Marcos Suzano e Carlos
Negreiros, as dez “Coisas” com ritmos oriundos da tradição musical afro brasileira,
40

principalmente os toques do candomblé. No entanto, é necessário frisar que são associações,


pois esses ritmos não são executados em suas formas convencionais no álbum. Nas “Coisas”
de número 4, 5 e 9, o alujá está presente.22 O ijexá é identificado nas “Coisas” 1 e 10; Côco e
gonguê de maracatu na “Coisa nº 3”; Bravun com a melodia em alujá na 2; Maracatu na 6;
Samba na 7 e barravento na 8 (DIAS, 2010, p. 115). Como diz Vicente:23

Das dez Coisas de Moacir Santos, a nº 1 e nº 10, assim como várias de suas
composições têm como referência o toque ijexá para a construção da levada da seção
rítmica, em uma concepção não estritamente ligada à linha-guia. As gravações de
Coisas (1965) são possivelmente as primeiras a proporem e estilizarem (grifo meu)
este ritmo dentro do mercado fonográfico brasileiro, que se tornou constante ao longo
da produção de Moacir Santos (VICENTE, 2012, p. 88).
Moacir Santos estiliza (grifo meu) o toque ijexá, e transpõe a estrutura agogô, lé e
rumpi respectivamente para seu conjunto instrumental, violão, contrabaixo acústico e
atabaque (VICENTE, 2012, p. 89).

Embora haja uma predominância de ritmos presentes nas cerimônias do candomblé


em seu primeiro LP, Moacir não tinha proximidade com a religião de matriz africana, a não ser
com a sua cultura musical. Em depoimento à França, ele se diz adepto à Teosofia, mesmo tendo
sido iniciado no catolicismo:

M: (...) Porque eu fui criado na religião católica, mas eu hoje me considero além da
religião católica.
E: No candomblé?
M: Não, teosofia. Têm mais coisas do que própria religião católica, pode crer. Fui
criado na Igreja até que aprendi outras coisas e expandi o horizonte dos meus
conhecimentos. Eu amo mais por causa dos meus conhecimentos. O ser humano tem
muito mais valor do que antes, para mim (FRANÇA, 2007, p. 149-150).

Por possuírem raízes africanas, esses ritmos caracterizam-se pela rítmica aditiva e as
polirritmias que a compõem (DIAS, 2010, p. 112). O conjunto de ritmos “prevê também a ação
de um fio condutor, o time line ou a menor célula constante que perpassa e dá referência ao
jogo polirrítmico” (DIAS, 2010, p. 113). Em sua dissertação, ao prosseguir para a seção de
análise rítmica, Vicente sinaliza: “Friso aqui, que nas análises e interpretações que se seguirão
sobre os instrumentos da seção rítmica de Moacir Santos, é fundamental a compreensão da
função cíclica das linhas-guia” (VICENTE, 2012, p. 66). No caso, ele adota o termo linha-guia,

22
O ritmo alujá será explicado em detalhe mais adiante, na seção de análises.
23
Os grifos referentes ao verbo “estilizar” foram feitos para sinalizar que neste trabalho o termo foi substituído
por “customizar”, como será visto adiante. Embora ambos signifiquem alterações pessoais em algo, o primeiro
termo também pode remeter ao aprimoramento de uma determinada coisa, segundo o Dicionário Michaelis Online.
Por isso, a escolha feita em usar o verbo “customizar” evidencia a intenção desta pesquisa em não emitir juízos de
valor sobre qualidade musical, uma vez que o verbo “estilizar” pode transmitir a ideia de sofisticação na obra de
Moacir Santos por conta de um suposto refinamento dos padrões rítmicos da música popular brasileira.
41

proposto por Oliveira Pinto (1999-2001), para se referir à timeline. O jornalista Sérgio Porto,
na matéria para o jornal Última Hora, também sinaliza para as timelines, ainda que de forma
menos técnica, ao tratar da repetição que os instrumentos percussivos executam no primeiro LP
do músico pernambucano: “o tom afro das músicas de Moacir é incontestável e sua maneira de
fazer de qualquer instrumento, um instrumento de percussão, às vezes de forma exaustiva (grifo
meu), nos dá a certeza de um caminho novo”. Portanto, as timelines são uma ferramenta crucial
na análise musical das “Coisas” de Moacir Santos, principalmente no que se refere à questão
rítmica, que será discutida em detalhe a seguir.
42

4 ANÁLISES

Nesta seção, pretende-se fazer uma análise das “Coisas” nº 4, nº 5 e nº 9 tendo como
base a escuta dos fonogramas originais de 1965 (fonte primária) e o livro de partituras
confeccionado por Adnet e Nogueira. Nesse sentido, esta pesquisa se insere na metodologia
descritiva e documental, de acordo com Gerhardt e Silveira (2009). Segundo eles, esta
investigação é descritiva, pois “pretende descrever os fatos e fenômenos de uma determinada
realidade” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35) e é documental, visto que “recorre a fontes
mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.
37). Além das análises, este capítulo conta com algumas informações anteriores ao álbum
“Coisas” que são relevantes para contextualizar o processo composicional. Como não se trata
de uma análise musical convencional, o trabalho não se restringe aos cânones metodológicos
da análise harmônica, melódica e formal, apesar de explanar aspectos formais em uma
abordagem global das músicas. O que se faz aqui é uma análise com foco no aspecto rítmico,
mas também incorporando outros elementos de ordem melódica e/ou harmônica que possam
auxiliar em uma melhor compreensão do discurso musical. Com isso, priorizou-se a
verticalidade das composições, os contrastes entre as ideias musicais articuladas por Moacir
Santos e as texturas polirrítmicas.24

As composições do álbum “Coisas” encontram fundamento em alguns exercícios


rítmicos que o músico pernambucano criava para seus alunos na década de 1960, no Rio de
Janeiro. Um desses alunos, Baden Powell, fez um interessante depoimento sobre a metodologia
de ensino e a origem das primeiras “Coisas”, contido no encarte do CD Ouro Negro
(MP,B/Universal, 2001):

Todos os músicos profissionais, naquela época, iam estudar música “superior” com
ele. Era um professor sensacional, meio metafísico, explicava a harmonia, os
intervalos entre as notas, as dissonâncias, usando como exemplo as estrelas. Fui
estudar com ele essas “sabedorias”, ficamos muito amigos e por causa dessa amizade
ele começou a me mostrar as composições que fazia no piano e não mostrava a
ninguém. Tocava para mim as músicas e dizia: “- Olha essa coisa que eu fiz, escuta
essa outra coisa”. As composições não tinham nome, foi então que ele resolveu batizá-
las de “Coisa nº 1”, “Coisa nº 2” etc. (grifo meu). (DIAS, 2010, p. 74).

24
A verticalidade mencionada neste trabalho refere-se à interação (ou sobreposição) das partes instrumentais,
tendo como foco as relações rítmicas. Por isso, as análises possuem como um dos critérios a perspectiva, ou o
olhar, vertical sobre as ideias composicionais.
43

“Usando como exemplo as estrelas”, Moacir Santos ensinou pontos importantes da


teoria musical a Baden Powell e parte desses ensinamentos foram resultar nos “Afro-sambas”,
que são um “conjunto de temas modais compostos por Baden Powell a partir dos exercícios de
composição sobre os modos gregos que Moacir aplicava em seus cursos, segundo depoimento
do violonista” (DIAS, 2010, p. 75).25 Os “Ritmos MS” faziam parte da estrutura rítmica que
Moacir ensinava aos seus alunos através de anotações em caderno (figura 9) e que foi
incorporada nos Afro-sambas, por exemplo (figura 10).

FIGURA 9 – EXERCÍCIOS DE COMBINAÇÃO DOS RITMOS MS

FONTE: Dias (2010)

FIGURA 10 – RITMO MS 3 EM “BERIMBAU” (BADEN POWELL/VINÍCIUS DE MORAES)

FONTE: Dias (2010)

Os “Ritmos MS” também apareceram nas “Coisas”, como fica claro nos trechos
selecionados de “Coisa nº 4” e “Coisa nº 5” (figuras 11 e 12).

25
“Os Afro-sambas”, lançado em 1966, é um álbum com composições de Baden Powell e Vinícius de Moraes,
arranjado por Guerra-Peixe. Ficou bastante conhecido pela sonoridade de matriz africana, principalmente no que
se refere à música de candomblé, atrelada ao samba.
44

FIGURA 11 – RITMO MS 1 NA “COISA Nº 4”

FONTE: Dias (2010)

FIGURA 12 – RITMO MS 2 (PERCUSSÃO) NA “COISA Nº 5”

FONTE: Dias (2010)

O uso que Moacir atribuía a esses ritmos pode ser remetido aos conceitos de timeline,
expostos na segunda seção deste trabalho. A partir de uma motivação composicional, os
“Ritmos MS” serviam como orientação rítmica na música, sejam executados por instrumentos
melódicos, harmônicos ou percussivos.

Dias (2010) identificou, segundo exposto anteriormente, os ritmos que podem ser
associados às composições do álbum “Coisas”, e as de número 4, 5 e 9 foram remetidas ao
toque de candomblé denominado alujá (exemplo 8).26 Esse toque também pode ser remetido à
ideia de timeline, pois é executado por um instrumento percussivo agudo (agogô) de maneira
cíclica e repetitiva, orientando as variações dos atabaques do candomblé: o rum, rumpi e lé.

26
Segundo o Dicionário Michaelis Online, é um “toque de candomblé com o fim de provocar a vinda de Xangô
nas festas do terreiro de candomblé”.
45

EXEMPLO 8 – TIMELINE DO TOQUE ALUJÁ

É importante reforçar que a pesquisa feita por Dias (2010), com auxílio de
percussionistas, é uma associação dos ritmos escritos por Moacir Santos no álbum “Coisas”
com os toques de candomblé. Pode-se dizer que o compositor fez uma customização rítmica,
visto que as timelines foram criadas por ele mesmo, ainda que façam alusão a outros padrões
rítmicos. Retomando ao que já foi citado no final da seção anterior, Vicente comenta sobre o
toque ijexá ao analisar as “Coisas” nº 1 e nº 10:

Das dez Coisas de Moacir Santos, a nº 1 e nº 10, assim como várias de suas
composições têm como referência o toque ijexá para a construção da levada da seção
rítmica, em uma concepção não estritamente ligada à linha-guia (grifo meu). As
gravações de Coisas (1965) são possivelmente as primeiras a proporem e estilizarem
este ritmo (grifo meu) dentro no mercado fonográfico brasileiro, que se tornou
constante ao longo da produção de Moacir Santos (VICENTE, 2012, p. 88).

No mesmo sentido, França (2007) aponta para a criação da timeline na “Coisa nº 5”,
quando discute a suposta referência do “jongo da Serrinha” que Moacir teve na composição:

Enfatizamos, no entanto, que não se pode afirmar que a levada utilizada por Moacir
Santos seja retirada da levada do jongo da Serrinha, mas, somente, que são
semelhantes. Acreditamos que não haja uma levada única, original, da qual Santos
retirou material para uma estilização (grifo meu) e sim que, sendo Moacir Santos um
músico profissional atuante desde a infância em diversas cidades do país, que
cultivava a música afro-brasileira (...), o material utilizado para a criação de uma nova
levada (grifo meu) vinha do seu arcabouço musical adquirido por sua vivência (...)
(FRANÇA, 2007, p. 117).

As “Coisas” nº 4, nº 5 e nº 9 foram selecionadas para análise, em um primeiro


momento, por possuírem fortes características afro americanas em suas estruturas melódica,
harmônica e rítmica (OLIVEIRA PINTO, 1999-2001). A presença marcante das timeline e
polirritmias nessas composições fortalece as características africanas que se dissiparam pelo
continente americano nos séculos XIX e XX, a exemplo da assimilação do blues, gênero
estadunidense, na “Coisa nº 5”, que será discutida adiante. Embora possuam andamentos
distintos, as músicas contam com ritmos cadenciados juntamente com a percussão executando
“levadas afro”, como se costuma dizer no ambiente da música popular. O contrabaixo exerce
uma função importante, de marcação contundente, ainda que não seja muito elaborado, e a linha
46

melódica principal revela independência rítmica. Em meio a esse contexto, as timelines se


destacam por serem orientadoras rítmicas. Além do interesse rítmico que essas três “Coisas”
compartilham, a escolha se justifica também pelo caráter contrastante entre elas, contribuindo
para um leque mais variado de elementos explorados na análise.

A escolha dessas três “Coisas” também revelou coincidências, ou sincronias, que


foram notadas posteriormente:

• São as três “Coisas” que têm origem na trilha sonora do filme “Ganga Zumba” que
trata da escravidão dos negros no Brasil, e isso reafirma o fato dessas composições se
destacarem pelo acentuado caráter de matriz africana no álbum “Coisas”;
• A soma de 4 + 5 é igual a 9.

Em 2005, Mário Adnet e José Nogueira realizaram um importante trabalho de


reconstrução das partituras originais do álbum “Coisas”, as quais desapareceram com o fim do
selo Forma, resultando na publicação do livro de partituras “Coisas: cancioneiro Moacir
Santos”. Segundo Adnet:

Esse livro (...), com os arranjos completos das dez “Coisas” moderníssimas de Moacir,
exerce um fascínio especial sobre nós, talvez pelo fato de as partituras terem
desaparecido à época em que o selo Forma (...), foi vendido para a antiga Philips (atual
Universal). Ficamos imaginando o que teria acontecido ao baú entregue à gravadora
no início dos anos 1970. Para a sorte de todos nós a fita, com a caixa toda escrita por
Moacir, estava intacta e através de uma cópia, feita pelo Zé (José Nogueira), pudemos
reescrever as partituras, nota por nota, fazendo consultas regulares ao maestro, que
mora em Los Angeles, por telefone (ADNET; NOGUEIRA, 2005, p. 7).

Esse material servirá como fonte de consulta para as análises que virão a seguir, assim
como os trabalhos dos pesquisadores França (2007), Dias (2010), Vicente (2012) e Bonetti
(2014).

4.1 COISA Nº 4

A “Coisa nº 4” tem seu primeiro arranjo na trilha sonora do filme “Ganga Zumba”,
intitulado “tema de apresentação do personagem principal”, e auxilia na construção do papel
47

do personagem principal: Ganga Zumba, “suposto neto de Zambi e futuro rei de Palmares”
(BONETTI, 2014, p. 74). Executado duas vezes durante o longa metragem, o “tema de
apresentação do personagem principal” possui a seguinte instrumentação: na primeira vez, há
um coro masculino, trompete em Bb, naipe de metais, clarone, atabaques e um rum (atabaque
grave); na segunda aparição, Moacir utilizou apenas um trombone com surdina e um atabaque
(BONETTI, 2014, p. 75). Já na gravação do álbum “Coisas”, a instrumentação utilizada foi:
flauta, trompete em Bb, sax alto, sax tenor, sax barítono, trompa, trombone, trombone baixo,
contrabaixo, agogô e congas (ADNET; NOGUEIRA, 2005).

Coisa nº 4 (álbum) – Forma


Introdução Compasso 1 ao 4
A Compasso 5 ao 36
B Compasso 37 ao 44
A’ Compasso 45 ao 58
Seção de improvisos – A Compasso 59 ao 90
B Compasso 91 ao 98
A’ Compasso 99 ao 112
Coda Compasso 113 ao 120

A estrutura ABA’ pode ser relacionada à forma binária circular ou forma canção. Na
parte A, Moacir estabelece um centro em Dó menor utilizando a repetição dos acordes de Cm
e Gm. Considerando este contexto harmônico, a linguagem não é tonal e também não é possível
estabelecer um modo específico. Como diz Vicente, “é ausente o intervalo de 6ª, o que
novamente não define um modo. (...) Não é possível caracterizar o modo eólio, tampouco dórico
pela ausência da nota característica destes modos” (VICENTE, 2012, p. 158). Na parte B, são
utilizados os acordes de Gm7, Fm7, G7sus4 e G7(b9), sendo este último um acorde dominante
que confirma o centro em Dó menor. Por fim, na Coda há uma progressão com um novo
desenho na linha do baixo nos quatro últimos compassos finalizando com um acorde de Dó
maior (terça de picardia).
48

Uma característica marcante da composição é a maneira como as camadas sonoras que


vão surgindo formam a textura da parte A da “Coisa nº 4”: melodia principal, miolo, ostinato e
percussões.

EXEMPLO 9 – TEXTURAS (Coisa nº 4/Parte A)

Sobre a melodia principal, Moacir comenta no encarte do álbum duplo “Ouro Negro”
(2001): “Foi como imaginei os negros fugindo da senzala. A melodia, com as notas longas,
significa a esperança... (...)” (SANTOS, 2001, p. 31). O miolo possui, talvez, uma função mais
rítmica do que harmônica, completando os espaços do ostinato. As notas longas da melodia
principal, tocadas pelo trombone e pela flauta na parte A, contrastam com o ostinato composto
por colcheias e executado pelo sax barítono, trombone baixo e contrabaixo.
49

EXEMPLO 10 – MELODIA PRINCIPAL E OSTINATO (Coisa nº 4/Parte A)

O padrão rítmico composto por quatro notas, que forma uma unidade de dois
compassos, constitui um ostinato repetido quase de forma minimalista na parte A. Ele também
traz uma sensação de movimento contundente e bravo, de alguma forma ilustrando a intenção
do compositor em representar a fuga dos negros da senzala. O padrão associa-se ao Ritmo MS
1 (ver figura 9). Ajustando a duração das figuras rítmicas, essa relação fica ainda mais clara nos
dois primeiros compassos da obra.

EXEMPLO 11 – RITMO MS 1 NO OSTINATO (Coisa nº 4/Parte A)

Além de evidenciar o uso composicional dos Ritmos MS 1, a relação acima


questiona a escolha do compasso quaternário na “Coisa nº 4”. Possivelmente, essa opção foi
tomada por causa das frases das percussões (agogô e congas), ambas com o ciclo de 4 tempos
durante toda a música. A presença das tercinas é o que define a “levada afro”, já comentada
anteriormente.
50

EXEMPLO 12 – CICLO DE 4 TEMPOS DAS PERCUSSÕES (Coisa nº 4)

Há uma marcação dos sopros no primeiro e terceiro contratempos preenchendo um


lugar que não é ocupado pelo ostinato, (exceto no terceiro contratempo do segundo compasso
do ciclo em staccato). O fraseado tercinado das percussões somado ao ostinato, juntamente
com este miolo executado pelos saxofones alto e tenor e pela trompa a partir da segunda parte
A, resulta em uma polirritmia que pode ser visualizada melhor no exemplo abaixo:

EXEMPLO 13 – POLIRRITMIA (Coisa nº 4/Parte A)

A polirritmia permanece na parte B, mas de maneira diferente: o ostinato é


fragmentado em uma unidade de dois tempos e formado por colcheias, enquanto o miolo só
marca o primeiro contratempo do compasso.
51

EXEMPLO 14 – POLIRRITMIA (Coisa nº 4/Parte B)

Nos primeiros quatro compassos da parte B, o ostinato é formado por graus conjuntos
seguidos por um salto. A partir desta última nota mais aguda forma-se um contracanto
cromático descendente da sétima menor até a quinta justa. Este movimento é antecipado pelo
miolo no primeiro contratempo, mais especificamente pela trompa, combinando o interesse
rítmico com a harmonia do trecho.

EXEMPLO 15 – INTERESSE HARMÔNICO (Coisa nº 4/Parte B)

Na “Coisa nº 4” é possível identificar, em um primeiro momento, a função de timeline


no agogô, com base nos conceitos destacados na tabela exposta no final da segunda seção deste
trabalho. A timeline é executada em um instrumento percussivo de timbre agudo (AGAWU,
2017; SANDRONI, 2001; RIBEIRO, 2017), possui linha rítmica cíclica que é repetida durante
a música (AGAWU, 2017; SANDRONI, 2001; RIBEIRO, 2017) e funciona como orientador
rítmico (OLIVEIRA PINTO, 1999-2001; SANDRONI, 2001; RIBEIRO, 2017).
52

EXEMPLO 16 – TIMELINE NO AGOGÔ (Coisa nº 4)

Essa timeline fecha uma unidade de compasso e contém 12 pulsações divididas nas
tercinas no compasso quaternário simples. De acordo com Ribeiro (2017), o pensamento da
rítmica aditiva é calcado nos valores rítmicos enquanto pulsações e não subdivisões, como é
comum na rítmica divisiva. A adição dos valores pode resultar em subdivisões ímpares na
notação tradicional, como acontece no exemplo acima através das tercinas. Conforme descrito
no capítulo sobre timeline, Oliveira Pinto (1999-2001) propõe uma notação que mostra a
diferenciação dos pulsos elementares, representados pelas semicolcheias na notação
convencional. O “x” é a pulsação percutida e o “.” é a pulsação muda na linha rítmica. Assim,
o exemplo acima poderia ser representado da seguinte maneira:

..x.x.xxxx..

Esta timeline também poderia ser escrita em compasso 12/8, quaternário composto,
pois nota-se a ligadura como uma das características da timeline na notação tradicional.
Observa-se, também, o desaparecimento das tercinas visto que o compasso 12/8 contém quatro
agrupamentos de três colcheias ao invés de duas, como no compasso quaternário simples.

EXEMPLO 17 – TIMELINE NO AGOGÔ EM 12/8 (Coisa nº 4)

Por outro ângulo, podemos afirmar que o ostinato também cumpre função de
orientador rítmico na “Coisa nº 4”, uma que vez a timeline pode ser executada por um
instrumento que não seja percussivo (OLIVEIRA PINTO, 1999-2001). O ostinato possui ciclo
de dois compassos quaternários simples e 16 pulsações, sendo a colcheia a figura de menor
duração.
53

EXEMPLO 18 – OSTINATO COMO TIMELINE (Coisa nº 4)

..xxx.xxx.xxxxxx

Para terminar esta análise da “Coisa nº 4”, é importante sinalizar que ocorre uma
antecipação da última colcheia no ostinato. Há dois motivos em cada frase, de ritmos iguais
porém com contornos melódicos distintos: Mib, Dó e Sib (descendente); Sol, Sib e Dó
(ascendente). No segundo compasso, espera-se que ocorra uma repetição do primeiro, mas no
final acontece uma antecipação de colcheia, contrariando a sensação de que a última nota fosse
situada no primeiro tempo do primeiro compasso.

EXEMPLO 19 – ANTECIPAÇÃO NO OSTINATO (Coisa nº 4)

4.2 COISA Nº 5

A “Coisa nº 5” possui origem no filme “Ganga Zumba” (1964) de maneira dividida: a


seção introdutória aparece no “tema de procissão a Palmares” e as partes A e B, juntamente
com a Coda, estão contidas no “tema principal”. Nas aparições do filme, os dois temas possuem,
ao todo, a seguinte instrumentação: voz, piccolo, flauta de bambu, clarinete, clarone, trompete,
trombone, agogô e atabaque (BONETTI, 2014). Já na versão para o álbum “Coisas”, os
instrumentos são: flauta, trompete, sax alto, sax tenor, sax barítono, trompa, trombone,
trombone baixo, guitarra, contrabaixo acústico e percussão (ADNET; NOGUEIRA, 2005).
Posteriormente, a “Coisa nº 5” teve uma versão com letra de Mário Telles que foi intitulada
54

“Nanã”. Lançada no álbum “The Maestro” (1972), consiste no material do “tema principal”,
sem a parte introdutória do “tema de procissão a Palmares”. Como afirma Bonetti:

Fica claro que Moacir, para compor a versão da “Coisa nº 5” presente no álbum
Coisas, utilizou o material composicional de dois fragmentos diferentes de sua trilha
para Ganga Zumba. A introdução foi desenvolvida por meio do “tema da procissão a
Palmares” e o corpo principal da música a partir do “tema principal”. Já a composição
de “Nanã”, presente no disco The Maestro de 1972, só se baseia no “tema principal”
(BONETTI, 2014, p. 283).

O título “Nanã” foi dado por Moacir e faz referência à divindade do candomblé,
representante dos mistérios e considerada matriarca suprema, pois é associada à fertilidade na
mitologia nagô-iorubá. Sobre a escolha do nome, o músico comentou em depoimento:

Uma é coisa é que Cleonice tinha ligação espiritual com Nanã, a mãe d’Água. Mas
“Nanã” não foi diretamente inspirada em Cleonice. No Rio de Janeiro, no Parque
Guinle, foi onde me inspirei. (...) Um dia estava nos jardins do parque e me veio a
idéia para “Nanã”. Intitulei dessa maneira porque me pareceu como algo assim, que
desse a idéia de alguma coisa sem muita experiência, “Nanã”, duas sílabas. Penso que
sou muito espiritual, mas não era muito ligado nessas coisas. Cleonice é muito
espiritual, e então uma amiga depois lhe disse: “Enquanto Nanã existir no céu, essa
música não vai deixar de ser tocada no mundo”. Então eu estou nessas águas, nas
águas de Nanã (risos) (Dep. MS 1992 apud DIAS, 2010, p. 208).

Coisa nº 5 (álbum) – Forma


Seção introdutória (Tema de procissão a Palmares) Compasso 1 ao 25
A (Tema principal) Compasso 26 ao 33
B Compasso 34 ao 37
A’ Compasso 38 ao 41
Seção de improvisos – A, B e A’ Compasso 42 ao 58
Modulação – A Compasso 59 ao 68
B Compasso 69 ao 72
A’ Compasso 73 ao 77
Coda Compasso 78 ao 85

A seção introdutória é intitulada dessa maneira porque tem conteúdo suficiente para se
sustentar como uma parte, tanto que é substancialmente mais longa do que as partes A e B. Por
isso, ela não é somente uma introdução. Em uma visão mais ampla, a peça está dividida em
55

duas seções: 1) “tema de procissão a Palmares” (seção introdutória) e 2) “tema principal” (A,
B e Coda).

Assim como na “Coisa nº 4”, a estrutura ABA’ pode ser relacionada à forma binária
circular ou forma canção. Entretanto, há uma compactação dessa forma na “Coisa nº 5”, visto
que as partes possuem metade da quantidade padrão de compassos. A soma 8 + 4 + 4 (ABA’)
substitui a configuração tradicional 16 + 8 + 8 da forma canção. A parte A é formada por uma
frase de oito compassos com um desenho periódico, ou seja, uma ideia básica de dois compassos
seguida por uma ideia contrastante, executada pelo sax barítono e trombone. Já a parte B, que
é executada pelo sax tenor e trombone, possui uma unidade de dois compassos que serve de
modelo para repetição um tom abaixo na sequência, totalizando quatro compassos. Com
duração de oito compassos, a Coda explora material melódico da parte A com uma unidade de
quatro compassos que se repete. Cada unidade tem dois motivos com contornos e ritmos iguais,
porém os intervalos são distintos: quinta justa (ascendente) e segunda maior (descendente);
terça menor (ascendente) e terça menor (descendente).

Na seção introdutória, Moacir estabelece um centro em Ré com a melodia principal


alternando entre as notas Fá natural e Fá sustenido, criando uma ambiguidade em relação ao
modo utilizado (maior ou menor). No entanto, pensando em enarmonia, o Fá natural poderia
ser encarado como Mi sustenido (nona aumentada) que, no desenrolar do tema, poderia criar a
sensação de um acorde de D7(#9). Desta forma, este seria um elemento em comum com a
harmonia da parte A, conferindo unidade e equilíbrio à peça como um todo. Esta sonoridade
remonta à música negra estadunidense, mais especificamente ao blues com o uso idiossincrático
da blue note (nona aumentada) e dos acordes maiores com sétima menor juntamente com a
progressão harmônica I7 – V7 – IV7. Há dois depoimentos de Moacir que versam sobre isso:

M: Isso é uma outra coisa [quando questionado sobre terça maior e menor]. Boa
pergunta, que eu tenho o prazer de explicar: eu nas minhas aulas, na seção de
aprendizagem do Moacir, eu fui formado pelo Guerra-Peixe (...). Então ele me disse
em uma ocasião que há coisas que... (canta o arpejo de um acorde maior com sétima
menor e nona aumentada) o negro nunca alcançou... (canta novamente provavelmente
referindo-se à terça menor/nona aumentada).
E: O Sr. está dizendo que isto é um arpejo de um acorde maior com sétima menor com
a terça menor oitava acima, que tem caráter “negro” (grifo meu)?
M: É isso, mas o Guerra-Peixe me falou que o negro não alcançou... isso é coisa dele,
ele era muito pesquisador, então não sei onde ele arranjou isso. Pode ser uma invenção
dele, eu não sei. (FRANÇA, 2007, p. 143).
Para mim, “Nanã” é um blues, é o meu blue, completamente (grifo meu). Mas é bem
diferente, a atmosfera, o aspecto, o blues tem um número de compassos, é outra coisa
(eu digo, a medida), tem bastante coisa aí que é diferente do blues. Sim, é
completamente diferente, é a coisa brasileira, é outro vocabulário (Dep. MS 1996
apud DIAS, 2010, p. 212).
56

Moacir escreve no encarte do CD “Ouro Negro”: “Fico muito feliz de vocês terem
gravado a versão original, porque foi assim que ouvi e assim que fiz. É uma grande procissão”
(SANTOS, 2001, p. 17). Em depoimento nas gravações do DVD “Ouro Negro” (2005), o
músico comenta que a música foi pensada a partir de uma procissão de negros.27 Nessa mesma
ocasião, é ressaltado o caráter binário da composição, quando Zé Nogueira e Moacir cantam a
melodia da parte A e marcam o tempo com as mãos. No “Caderno Pré-Coisas”, a anotação para
a trilha de “Ganga Zumba” revela o compasso binário simples (2/4) na melodia principal (ver
também figura 8) e o compasso binário composto (6/8) na parte intitulada “ritmo” (figura 13).

FIGURA 13 – ANOTAÇÕES PARA A TRILHA SONORA DE “GANGA ZUMBA” (COISA Nº 5)

FONTE: DIAS (2010) apud BONETTI (2014)

Entretanto, no livro de partituras “Coisas: Cancioneiro Moacir Santos” (2005), que


teve revisão do próprio Moacir, a música está inteiramente escrita em compasso binário
composto (6/8) e essa configuração será mantida nesta análise. De acordo com Bonetti, “essa
ambiguidade se dá pois ao se sobrepor os planos rítmicos simples e composto o compositor (ou
transcritor) pode escolher se basear em qualquer um deles, utilizando quiálteras para encaixar
a rítmica diferente” (BONETTI, 2014, p. 65).

27
Depoimento contido em trecho extraído do DVD Ouro Negro, em que Moacir conversa com Mário Adnet e José
Nogueira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gVeE7WZG_IY. Acesso em: 23 out, 2019.
57

Na metade da seção introdutória (C. 10), é revelada a sonoridade resultante das quatro
texturas formadas pela melodia principal, miolo, ostinato e percussões.

EXEMPLO 20 – TEXTURAS (Coisa nº 5/Seção introdutória)

O miolo, representado pela trompa e pelo trombone, executa duínas (quiálteras de dois
tempos em compasso composto) que se contrastam com as colcheias do ostinato, tocado pelo
sax barítono, trombone baixo e contrabaixo, na segunda parte dos compassos.

EXEMPLO 21 – HEMÍOLA NO MIOLO X OSTINATO (Coisa nº 5/Seção introdutória)

Moacir comenta em entrevista para França: “Tem uma coisa chamada hemíola. (...) eu
uso muito hemíola, o dois para três” (FRANÇA, 2007, p. 141). Trata-se de um fenômeno
rítmico em que há uma coexistência de dois e três pulsos no mesmo intervalo de tempo ou,
como afirmam Cooper e Meyer, “no qual a oposição de três grupos tocados contra dois grupos
58

de três (2+2+2/3+3) é resolvido depois de seis tempos” (COOPER; MEYER, 1960 apud
VICENTE, 2012, p. 93). Ao comentar sobre a “Coisa nº 5”, Dias ressalta que “o plano rítmico
é todo estruturado na perspectiva polirrítmica, justapondo agrupamentos binários a ternários
(grifo meu), (...) uma das características do mundo sonoro afro-ocidental” (DIAS, 2010, p. 213).
Em convergência, Ribeiro explica:

Uma vez que um compasso 3/4 e o compasso 6/8 têm o mesmo número de colcheias,
é possível mudar o agrupamento binário de três colcheias para um agrupamento
ternário de duas colcheias. Esta troca entre binários e ternários no mesmo nível
métrico, chamada ocidentalmente de hemíola (grifo meu) (...) (RIBEIRO, 2017, p.
98).

A marcação feita pelo ostinato e pelo agogô apontam para a formação de uma timeline
na introdução da música.

EXEMPLO 22 – MARCAÇÃO DO OSTINATO E DO AGOGÔ (Coisa nº 5/Seção introdutória)

Conforme mencionado anteriormente, pelo fato de ser um instrumento percussivo de


timbre agudo que possui linha rítmica cíclica repetida ao longo da música, o padrão rítmico do
agogô é priorizado nesta análise como orientador rítmico.

EXEMPLO 23 – TIMELINE DA SEÇÃO INTRODUTÓRIA (Coisa nº 5)

No final da seção introdutória (C.20 e C.21), o Ritmo MS 1 está presente na caixa


clara. Em 6/8, esse ritmo produz um efeito de hemíola, pois é executado três vezes nos dois
59

tempos constituintes do compasso. Sendo agrupado de maneira distinta, o Ritmo MS 1 torna-


se mais evidente em compasso 3/4.

EXEMPLO 24 – RITMO MS 1 NA CAIXA CLARA (Coisa nº 5)

No entanto, a análise da levada executada pela caixa clara a partir do compasso 22,
juntamente com as acentuações, conduz à intenção do compositor em utilizar o Ritmo MS 2
nos motivos. Cada um deles dura duas colcheias sendo repetidos quatro vezes no ciclo da
levada, somado a um rulo de caixa no final, totalizando cinco ataques. É importante atentar para
a seguinte observação: em dois compassos binários compostos (somando quatro tempos no
total), com a subdivisão de três colcheias em cada tempo, há cinco acentuações na execução da
caixa, sendo que a última rompe com a regularidade dos motivos. Esse padrão rítmico se
mantém durante quase toda a música e pode ser considerado uma timeline, pois, além de ser
executado por um instrumento percussivo agudo, tem uma irregularidade interna. Assim, ele
também pode ser utilizado como orientador rítmico na composição, sobretudo porque o último
golpe na caixa contraria a duração regular dos anteriores.

EXEMPLO 25 – RITMO MS 2 E TIMELINE NA CAIXA CLARA (Coisa nº 5)

Se a levada acima for trocada por uma linha rítmica restrita às notas acentuadas, obtém-
se uma timeline reduzida.
60

EXEMPLO 26 – TIMELINE REDUZIDA NA CAIXA CLARA (Coisa nº 5)

Por meio de anacruse, a melodia principal da música inicia-se no compasso 26 com a


parte A. Na primeira versão da “Coisa nº 5”, ela foi escrita em 2/4, como se pode comprovar
nos esboços contidos no “Caderno Pré-Coisas” de Moacir (ver figuras 8 e 13). Com a finalidade
de comparar a escrita das duas versões da obra, o exemplo abaixo expõe o trecho inicial da
melodia no “tema principal” (figura 8) e na parte A da “Coisa nº 5” em 2/4 e 6/8,
respectivamente. Além das fórmulas de compasso distintas, é importante perceber as diferenças
existentes entre as duas melodias no que tange a duração das notas.

EXEMPLO 27 – MELODIA PRINCIPAL EM 2/4 E 6/8 (Coisa nº 5)

Continuando na parte A, a partir do compasso 22, surge uma interação entre o miolo e
o ostinato na seção rítmica da “Coisa nº 5”, com uma unidade de dois compassos. Dessa vez, o
miolo é executado pelo trompete, saxofones alto e tenor, trompa e guitarra (que condensa as
quatro vozes dos sopros). E o ostinato é composto somente pelo trombone baixo e contrabaixo.
61

EXEMPLO 28 – MIOLO E OSTINATO (Coisa nº 5/Parte A)

Em uma visão vertical, constata-se que os dois padrões rítmicos se complementam. É


possível relacionar o exemplo acima com o mojo, que é “uma nova estilização rítmica de
concepção pessoal, (...) levada criada pelo compositor (Moacir Santos) que se tornou conhecida
no meio musical” (FRANÇA, 2007, p. 90).28 Segundo Dias, ao criar “um jogo contrapontístico
entre graves e agudos (grifo meu), o compositor faz com que os instrumentos melódicos e
harmônicos também participem da ideia percussiva que constitui o mojo” (DIAS, 2010, p. 175).
Certamente, o mojo é um traço marcante da sonoridade de Moacir e, em entrevista para França,
ele conta sobre a sua criação:

E: Sobre a fase dos Estados Unidos, o Sr. criou um ritmo que é chamado de Mojo...
M: Eu cheguei lá nos Estados eu vi um ritmo... então eu criei o Mojo, eu inventei essa
palavra: Mojo [...] vindo do negro americano.
E: O Sr. criou esse ritmo porque os músicos americanos tinham dificuldade de tocar
samba?
M: Não, criei por vaidade mesmo, porque ouvi uma expressão negroide, da África. O
negro foi espalhado pelo mundo inteiro. Então, naturalmente, o negro americano veio
da África. Ele é diferente, anda diferente. Então eu inventei uma coisa diferente
também, como um negro brasileiro, semi-americano (FRANÇA, 2007, p. 144).

Na redução do miolo e do ostinato em uma mesma pauta, percebe-se mais


claramente a relação com o mojo, por meio de duas alturas: uma grave (ostinato) e outra aguda
(miolo).

28
Na cultura afro americana, mojo é um pequeno objeto ou bolsa que representa magia, feitiço ou amuleto.
Geralmente, é utilizado na prática do hoodoo ou voodoo.
62

EXEMPLO 29 – MOJO (Coisa nº 5/Parte A)

Na comparação abaixo, verifica-se que a timeline reduzida da caixa clara (exemplo 26)
está contida no mojo e essa relação torna-se mais clara com as acentuações. Dessa forma,
podemos deduzir que o mojo é uma variação da timeline reduzida.

EXEMPLO 30 – TIMELINE X MOJO (Coisa nº 5/ Parte A)

Finalmente, o exemplo abaixo expõe as interações e os contrastes existentes entre o


miolo, o ostinato e a caixa clara na parte A.

EXEMPLO 31 – SEÇÃO RÍTMICA (Coisa nº 5/ Parte A)


63

4.3 COISA Nº 9

Assim como as obras anteriores, a “Coisa nº 9” possui sua primeira versão no filme
“Ganga Zumba” e integra a trilha sonora como “tema do amor”. Esse tema aparece três vezes
durante o longa metragem e, na primeira aparição, é responsável por criar a atmosfera musical
do romance entre dois escravos: os personagens Ganga Zumba e Cipriana. Na segunda aparição,
a melodia é cantada sem letra (de forma silábica e vocalizada) por Cipriana enquanto trabalha
na senzala e transmite lamento, fazendo alusão a um canto de trabalho. E na última aparição, o
tema ambienta a separação do casal Ganga Zumba e Cipriana em clima de ciúmes, por meio de
um arranjo melancólico e introspectivo (BONETTI, 2014). Em diálogo com a segunda aparição
do “tema do amor” no filme “Ganga Zumba”, Moacir comenta sobre a “Coisa nº 9” no encarte
do CD “Ouro Negro”: “Isso é um lamento” (SANTOS, 2001, p. 27).

A instrumentação utilizada na trilha sonora do filme é composta por voz, flauta,


clarinete, saxofones alto e tenor, trombone, fagote e tímpano (BONETTI, 2014). Na gravação
do álbum “Coisas”, Moacir optou pelos seguintes instrumentos: trompete, sax alto, violoncelo,
guitarra, órgão, contrabaixo e percussão (ADNET; NOGUEIRA, 2005).

Coisa nº 9 (álbum) – Forma


Introdução Compasso 1 ao 4
A Compasso 5 ao 14
A’ Compasso 15 ao 23
B Compasso 24 ao 32
A Compasso 33 ao 42
Seção de improviso – A e A’ Compasso 43 ao 61
B Compasso 62 ao 70
A Compasso 71 ao 80

Novamente, Moacir utiliza a estrutura ABA’, relacionada à forma binária circular ou


forma canção, como nas peças anteriores. Todavia, a medida padrão de 16 + 8 + 8 compassos
sofre alterações na “Coisa nº 9”, resultando na sequência 19 + 9 + 10. Essa irregularidade deve-
se ao fato da parte A possuir 10 compassos, em contraste à simetria dos 9 compassos presentes
64

nas partes A’ e B. Se a parte A tivesse 9 compassos, a proporção seria regular, de dobro e


metade, com somente um compasso a mais em comparação à quadratura clássica, gerando a
relação de 18 + 9 + 9. Nas partes A e A’, Moacir estabeleceu o Fá Dórico como centro modal
por meio dos acordes Fm7, Fm7(9), Fm6 e Fm(add9). Na parte B, há uma preparação IIm7 -
V7 para o grau relativo maior, Ab7M. Posteriormente, esse acorde passa a ser menor e é seguido
do movimento V7/V7 - V7 - Im7. Segundo Vicente, o Ab7M “torna-se menor, como um sub II
do dominante da dominante, que neste surgiria como um Db7(#11) ou G7(alt.), que é o que se
segue. Logo se completa a cadência V/V, V, I – Fá dórico (...)” (VICENTE, 2012, p. 163).

No “Caderno Pré-Coisas” de Moacir Santos (ver figura 8), a “Coisa nº 9” foi pensada
em Dó menor e em 4/4. Ao lado do tema há uma sinalização vinculando-a ao filme “Ganga
Zumba”. Porém, um outro manuscrito do mesmo tema (figura 14) que parece ser anterior ao
“Caderno Pré-Coisas”, indica o centro harmônico em Fá menor e o compasso 2/4. No título, há
a seguinte evidência de que o esboço é mais antigo: “Um tema ‘afro-brasileiro’ (talvez p/
‘Ganga Zumba’)”. Um detalhe nesta partitura é o Gb anotado acima do acorde de C, sugerindo
uma substituição por trítono.

FIGURA 14 – ANOTAÇÕES PARA A TRILHA SONORA DE “GANGA ZUMBA” (COISA Nº 9)

FONTE: DIAS (2010) apud BONETTI (2014)

Na figura acima, percebe-se que a parte B (chamada de 2ª parte) tem a quadratura de


8 compassos. Na versão do álbum, o nono compasso da parte B seria a anacruse para a parte A.
No manuscrito, observa-se que a escrita do tema é diferente. O que depois foi tratado como
anacruse, era o primeiro compasso.
65

Na introdução, a primeira frase (C. 1 e C. 2) executada pelo trompete é composta pelas


notas da escala pentatônica de Fá menor nesta ordem de aparição: Dó, Fá, Si bemol, Mi bemol
e Lá bemol.

EXEMPLO 32 – FRASE INICIAL (Coisa nº 9/Introdução)

Pode-se agrupar as oito notas da frase na sequência 2 + 3 + 3, formando três grupos.


Em um primeiro momento, observa-se o contorno melódico ascendente na dimensão interna
dos grupos. Entretanto, o contorno melódico presente na frase é descendente, considerando a
primeira e última nota dos grupos juntamente com a nota intermediária dos dois últimos. Além
disso, os saltos descendentes de 5ª justa seguidos por graus conjuntos caracterizam essa
melodia, sendo o salto de 4ª justa ascendente no início (Dó – Fá) uma inversão do intervalo de
5ª justa descendente.

EXEMPLO 33 – 1º AGRUPAMENTO DA FRASE INICIAL (Coisa nº 9/Introdução)

Dessa forma, nota-se o movimento por graus conjuntos nas notas mais graves e
intermediárias, além dos intervalos de segunda maior e terça menor nas mais agudas. Os dois
últimos blocos produzem um efeito de hemíola, pois ocupam o espaço dos três últimos tempos
no compasso quaternário. A escrita de cada grupo em bloco, em conformidade com a rítmica
aditiva, facilita a explicação e a execução dos apoios sobre as notas, que realçam a mudança na
sensação de tempo provocada pela hemíola.
66

EXEMPLO 34 – 1º AGRUPAMENTO DA FRASE INICIAL EM BLOCO (Coisa nº 9/Introdução)

Também é possível o agrupamento das notas pela sequência inversa: 3 + 3 + 2. Assim,


os três grupos possuem contornos melódicos distintos. Na dimensão interna, os dois primeiros
grupos têm o contorno ascendente e descendente, enquanto que o último grupo conta com um
movimento ascendente. Já na dimensão externa, a frase configurada dessa maneira é composta
por um contorno descendente, levando em consideração as notas mais agudas de cada grupo.
Desta vez, o efeito de hemíola ocorre no início do compasso.

EXEMPLO 35 – 2º AGRUPAMENTO DA FRASE INICIAL (Coisa nº 9/Introdução)

As outras duas frases da introdução (C. 2 e C. 3; C. 3 e C. 4), executadas pelo


violoncelo e órgão, respectivamente, são constituídas por arpejos de Ré bemol maior e Sol
bemol maior. O C. 2 inicia-se com o arpejo de Ré bemol e segue com o de Sol bemol, enquanto
que na frase do C. 3 há uma inversão, começando com o arpejo de Sol bemol. Nos compassos
2 e 3, o trompete e o sax alto sustentam a nota Dó, que também será mantida pelo violoncelo
no C. 3. Isso revela a relação do acorde dominante C7 com o acorde de Gb, visto que ocorre
uma substituição por trítono, tornando o Gb uma dominante substituta. Vale ressaltar que no
primeiro manuscrito da peça Moacir já havia sinalizado essa opção harmônica (figura 14).
Dessa maneira, a introdução, em uma visão ampla, pode ser analisada como uma dominante
alterada que possui contorno descendente em contraste com a anacruse da parte A. O mesmo
intervalo de 4ª justa que inicia a primeira frase é usado no final da introdução (C. 3), executado
pelo violoncelo e pelo órgão.
67

EXEMPLO 36 – INTRODUÇÃO (Coisa nº 9)

A terceira frase (C. 3 e C. 4) possui relação com a primeira (C. 1 e C. 2) no que tange
à sequência do agrupamento e ao contorno melódico, revelando um padrão. Ambas têm oito
notas e podem ser agrupadas em três grupos. Porém, a terceira frase encontra-se invertida
comparada à primeira (considerando o primeiro agrupamento), tanto na sequência quanto no
contorno. Ela possui a sequência 3 + 3 + 2 e o contorno descendente nas dimensões interna e
externa, sendo simétrica à primeira frase da peça.

EXEMPLO 37 – SIMETRIA ENTRE A 1ª E 3ª FRASE (Coisa nº 9/Introdução)

Da mesma maneira, a segunda frase (C. 2 e C. 3) é simétrica à anacruse da parte A (C.


4 e C. 5), mas como um espelho. Além de serem inversas na sequência do agrupamento e no
contorno melódico, as duas frases também se relacionam na extensão (intervalo entre a nota
mais grave e a mais aguda, que coincidem com a nota inicial e final de cada frase) e os graus
68

conjuntos no final e início da frase, respectivamente, contrapondo os intervalos de terça que


formam os arpejos. A segunda frase possui a sequência 3 + 3 + 2, com um contorno inteiramente
descendente, o âmbito de uma 13ª menor e os graus conjuntos no final. Enquanto isso, a
anacruse possui a sequência 2 + 3 + 3, um contorno inteiramente ascendente, o âmbito de uma
13ª maior e os graus conjuntos no início.

EXEMPLO 38 – SIMETRIA E ESPELHO ENTRE A 2ª FRASE E A ANACRUSE (Coisa nº


9/Introdução)

As frases presentes nas partes A e A’ são construídas como períodos, apresentando


uma ideia básica de dois compassos, porém, com uma ideia contrastante estendida de três
compassos por causa da frase da anacruse. O tema utiliza o modo Dórico de Fá, que é enfatizado
pelo repouso na nota característica (sexta maior – Ré natural) com duração de mínima no
primeiro compasso de ambas as partes. A ideia básica pode ter servido de molde na composição
da introdução, que possui arpejos descendentes e graus conjuntos ao final. Na parte A, no início
dos compassos há uma nota longa que pode ser considerada a principal enquanto as outras
cumprem um papel de ornamentação e existe uma bordadura inferior no final dos primeiros
compassos: Sol – Fá – Sol no primeiro e Dó – Si bemol – Dó no segundo. Na parte A’, há uma
variação no final com um contorno ascendente em direção à tônica, conferindo uma ideia
conclusiva: Dó, Mi bemol e Fá. Na parte A, nota-se uma relação intervalar de 5ª justa
descendente entre as notas iniciais dos compassos Ré – Sol – Dó. Nos dois primeiros
compassos, os arpejos de Gm e Cm estão presentes numa relação de 5ª justa descendente,
considerando a tercina com as notas Mi bemol – Fá – Mi bemol, no segundo compasso do tema,
somente um ornamento. Essa relação intervalar também se encontra nos arpejos de Db e Gb na
introdução (exemplo 36).
69

EXEMPLO 39 – FRASES (Coisa nº 9/ Partes A e A’)

A frase de oito compassos com anacruse na parte B apresenta, de início, um modelo


que é variado na segunda metade, na qual há a criação de novos contornos melódicos em uma
terça maior abaixo. A execução é feita em oitavas distintas pelo trompete e violoncelo. Pode-
se dizer que a frase foi construída como sentença, uma vez que os quatro primeiros compassos
apresentam duas ideias básicas do tipo “pergunta e resposta” com o intervalo de 3ª maior
ascendente. E a outra parte da frase continua as ideias apresentadas com novos elementos.

EXEMPLO 40 – FRASE (Coisa nº 9/Parte B)

Além do tema, há quatro texturas nas partes A e A’ executadas pela guitarra, órgão,
contrabaixo e congas (simplificadas em duas alturas: grave e agudo). Observa-se a
predominância de quiálteras na guitarra, órgão e congas, formando uma polirritmia com o
contrabaixo e a melodia principal.
70

EXEMPLO 41 – TEXTURAS (Coisa nº 9/Partes A e A’)

A timeline está presente nas congas e fica melhor representada em compasso 12/8, pois
é composta exclusivamente de quiálteras. É também possível reduzi-la em uma única altura e
vale ressaltar que essa timeline se mantém igualmente na parte B.

EXEMPLO 42 – TIMELINE (Coisa nº 9)

Entretanto, se a divisão em duas alturas for mantida, verifica-se a presença de duas


partes na timeline. A primeira é estabelecida pelas três figuras iniciais (grave, agudo, agudo) e
a segunda é formada só pelos graves, com cinco figuras. Dessa forma, gera-se uma assimetria
na medida em que as oito figuras são distribuídas na sequência 3 + 5. De acordo com o
pensamento de Simha Arom (apud SANDRONI, 2001), já explicado no capítulo 2, o total de
pulsações nessa timeline é 12 e sua estrutura interna está distribuída irregularmente na soma 5
+ 7, considerando a colcheia como pulsação elementar.
71

EXEMPLO 43 – ASSIMETRIA NA TIMELINE (Coisa nº 9)

Para concluir, o exemplo abaixo compara a timeline da “Coisa nº 9” com a do alujá


(toque de candomblé associado ao orixá Xangô) com o intuito de expor suas similaridades e,
sobretudo, reforçar a intenção de Moacir em customizar os padrões rítmicos da música afro
brasileira. Vale ressaltar que a timeline do alujá também possui a assimetria 5 + 7.

EXEMPLO 44 – “COISA Nº 9” X ALUJÁ


72

5 TRANSCRIÇÃO E ARRANJO

O processo de transcrição e arranjo das “Coisas” selecionadas para esta pesquisa teve
como fonte o livro “Coisas: cancioneiro Moacir Santos” (2005), bem como as gravações
originais do álbum de 1965. Assim, foram elaboradas transcrições das “Coisas” nº 4 e nº 5, em
formato de redução para instrumento melódico e violão, e um arranjo para violão solo da “Coisa
nº 9”. Nesta seção, busca-se fazer um breve memorial descritivo sobre a construção das
partituras, que teve como laboratório inicial a disciplina optativa “Seminário em Música:
Tópicos especiais III (Transcrição, Arranjo e Composição para Violão)”, ministrada pelo
orientador prof. Dr. Luciano Lima. O conteúdo aqui mencionado encontra-se disponível nos
apêndices deste trabalho.

5.1 COISA Nº 4

A peça foi escolhida para ser transcrita em formato de redução, utilizando o violão
como instrumento acompanhador. Para tal, optou-se por alterar a tonalidade original de Dó
menor para Mi menor com o intuito de facilitar a execução violonística por conta do
idiomatismo que a tonalidade propicia. No violão encontram-se reduzidos os seguintes
instrumentos: saxofones alto, tenor e barítono, trompa, trombone, trombone baixo e
contrabaixo. No tema encontram-se representados a flauta, trompete (somente na Coda), sax
alto e tenor (somente na Coda) e trombone. A resposta melódica do trompete na parte B não foi
adicionada ao tema e nem ao acompanhamento do violão. Na transcrição, manteve-se a forma
original, porém sem as seções de improvisação. Nos apêndices estão a grade e as partes do tema
em Bb e Eb, para o caso de instrumentos transpositores.

5.2 COISA Nº 5

Assim como na “Coisa nº 4”, a peça foi selecionada para ser transcrita em formato de
redução, tendo o violão como instrumento acompanhador. A tonalidade original de Ré menor
foi mantida, pois traz vantagens à execução violonística com a 6ª corda afinada em Ré.
73

Entretanto, a modulação súbita para Mi bemol menor, que ocorre na segunda metade da obra,
não foi acolhida por não ter um resultado satisfatório ao violão. Por causa disso, a forma original
não foi mantida e a seção de improvisos não está presente. No violão encontram-se reduzidos
os seguintes instrumentos: trompete (somente na Coda), saxofones alto (somente na Coda),
tenor (somente na Coda) e barítono, trompa, trombone, trombone baixo, guitarra, contrabaixo,
agogô (timeline da introdução) e caixa clara (menção à timeline da parte A), nos C. 20 e C. 21.
Já no tema, encontram-se representados a flauta, trompete, saxofones alto, tenor e barítono e
trombone. Nos apêndices estão a grade e as partes do tema em Bb e Eb, para o caso de
instrumentos transpositores.

5.3 COISA Nº 9

Ao contrário das anteriores, esta peça foi escolhida para ser arranjada para violão solo
por conta do seu caráter lamentoso, já comentado por Moacir no encarte do álbum “Ouro
Negro”. A tonalidade original de Fá menor foi alterada para Mi menor, objetivando uma melhor
execução violonística, o que também proporcionou o uso de harmônicos naturais na introdução
(C.1) e na improvisação escrita (C. 41). A forma original foi mantida, inclusive contando com
uma seção de improvisação criada especialmente para este arranjo, sendo adicionada uma
Codetta ao final, utilizando material melódico da introdução. No violão, encontram-se
reduzidos todos os instrumentos presentes na gravação original, com suas devidas adaptações.
Nesse sentido, como a pesquisa trata do aspecto rítmico, uma realização da percussão encontra-
se no trecho do C. 50 ao C. 53, adaptada ao corpo do violão com três alturas (grave, médio e
agudo). Também, a região grave do violão, além de marcar a linha original do contrabaixo, faz
alusão à timeline da peça na parte A e na improvisação escrita, a exemplo do C. 7 e C.8. A
fórmula de compasso original da obra (4/4) foi alterada para 12/8 (exceto na introdução) a fim
de reproduzir com mais fluidez na leitura as tercinas executadas na gravação original, sem que
houvesse a indicação de quiálteras em demasia. Assim, só há indicação de alteração rítmica,
sob a forma de duínas, na anacruse do tema e em momentos pontuais da parte A e da
improvisação escrita. Optou-se, também, por não considerar as bordaduras da parte A presentes
na execução da gravação original.
74

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo principal identificar e analisar as timelines presentes
nas “Coisas” nº 4, nº 5 e nº 9. Atrelada a isso, a pesquisa também pretendeu fazer uma análise
musical das peças por meio de uma abordagem rítmica (capítulo 4), tendo como critérios a
verticalidade das composições, as texturas polirrítmicas e os contrastes entre as ideias musicais
articuladas por Moacir Santos. Dessa forma, gerou-se resultados pertinentes no tratamento
analítico, que podem despertar novos olhares para a obra do compositor. No que tange à revisão
bibliográfica sobre timeline e o universo rítmico da música de matriz africana e,
especificamente, afro brasileira (capítulo 2), houve uma coleta de informações para a discussão
dos conceitos e suas implicações na música popular brasileira. Sobre a biografia de Moacir
Santos (capítulo 3), foi feita uma reunião compacta e concisa dos principais fatos na vida do
músico, juntamente com uma contextualização do período em que foi lançado o álbum
“Coisas”. Além disso, a pesquisa também se propôs a construir duas transcrições e um arranjo
para violão das três peças selecionadas para análise (capítulo 5 e apêndices). Esse material
revela o vínculo desta investigação com a prática musical, atribuindo importância às atividades
da transcrição e do arranjo, fundamentais ao ofício do músico popular. E, sobretudo, essas
partituras divulgadas podem ser difusoras da música de Moacir Santos, ativando sua circulação.

Especificamente sobre o uso que Moacir faz das timelines, esta pesquisa evidenciou a
estreita relação da música de matriz africana com as composições analisadas, realçando as
características afro brasileiras. Entretanto, as análises realizadas revelaram que as timelines
identificadas apresentam configurações diferentes das que são normalmente utilizadas na
música popular do país. Embora alguns desses padrões rítmicos tradicionais, já internalizados
na cultura musical brasileira, se encaixem nas peças selecionadas, Moacir os customiza criando
novas combinações que funcionam como orientadoras do ritmo. A timeline contida no toque de
candomblé alujá poderia ser aplicada sem nenhum prejuízo rítmico nas músicas investigadas.
Porém, com a ressignificação desse padrão no processo composicional de Moacir, constatou-se
o uso de timelines distintas nas três peças. No caso das “Coisas” nº 4 e nº 5, observou-se o uso
de mais de uma timeline. Ademais, um outro resultado foi o vínculo percebido, na “Coisa nº 5”,
entre a timeline e a técnica de arranjo mojo já na sua primeira produção autoral, ainda em solo
brasileiro.
75

Para terminar, vale retomar os comentários feitos por Moacir no encarte do álbum
“Ouro Negro” sobre as três “Coisas” analisadas. Para ele, a “Coisa nº 4” representa uma fuga
dos escravos e traz esperança por meio das notas longas do tema. Já a “Coisa nº 5” está ligada
a uma procissão de negros, com características do blues estadunidense. E a “Coisa nº 9” é, para
Moacir, um lamento, que também já foi chamado por ele de “tema do amor” na trilha sonora
do filme “Ganga Zumba”. Fuga, esperança, procissão, blues, lamento e amor talvez sejam
palavras que simbolizem a música de Moacir Santos.
76

REFERÊNCIAS

ADNET, Mário; NOGUEIRA, José. Coisas: cancioneiro Moacir Santos. Rio de Janeiro:
Jobim Music, 2005.

AGAWU, Kofi. Rhythmic Imagination in African Music. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=uyRG9T7CGt8&t=2619s. Acesso em: 30 mar. 2019.

BONETTI, Lucas Zangirolami. A trilha musical como gênese do processo criativo na obra
de Moacir Santos. 545 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-Graduação
em Música do Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.

DIAS, Andrea Ernest. Mais “coisas” sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 326 f. Tese (Doutorado em Música) – Escola de Música, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2010.

FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção
rítmica na década de 1960. 183 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-
Graduação em Música, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

GERHARDT, Tatiana Engel.; SILVEIRA, Denise Tolfo. (orgs.). Métodos de Pesquisa.


Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação
Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. –
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

LEITE, Letieres. Rumpilezzinho laboratório musical de jovens: relatos de uma experiência.


Salvador: LeL Produção Artística, 2017.

MOTTA, Jefferson Luis Gonçalves da. Orquestra Afro-brasileira: Aspectos da resistência


cultural e a música afro-religiosa no Disco Obaluayê. 69 f. Monografia (Bacharelado em
Música) – Faculdade Cantareira, São Paulo, 2017.

NKETIA, Joseph Hanson Kwabena. African music in Ghana. Evanston, IL: Northwestern
University Press, 1963.

OLIVEIRA PINTO, Tiago de. As cores do som: estruturas sonoras e concepção estética na
música afro-brasileira. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, São Paulo, p. 87-
109, 1999/2000/2001.

PORTELLA, Juvenal. Discos Populares: Moacir Santos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16
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PORTO, Sérgio. Discos: Coisas de Moacir Santos. Última Hora, Rio de Janeiro, 11 out. 1965.
Número 1649, p. 40.

RIBEIRO, Bianca. Do tactus ao pulso: a rítmica de Gramani na confluência do tempo sentido


e medido. 152 f. Dissertação (Mestrado em música) – Programa de Pós-Graduação em Música,
Centro de Artes, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
77

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917 –


1933). Rio de Janeiro: Zahar/UFRJ, 2001.

SANTOS, Moacir. Coisas. Rio de Janeiro: Forma, 1965. Disco em vinil, estéreo.

SANTOS, Moacir. Ouro Negro. Rio de Janeiro: Som Livre, 2001. 2 discos compactos digitais,
estéreo.

VICENTE, Alexandre Luís. Moacir Santos, Seus Ritmos e Modos: "Coisas" do Ouro Negro.
218 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de
Artes (CEART), Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.
78

APÊNDICES

Nesta seção, está presente o conteúdo mencionado no capítulo 5 (Transcrição e


arranjo), na seguinte ordem de aparição:

- Transcrição da “Coisa nº 4”

- Parte em Bb da “Coisa nº 4”

- Parte em Eb da “Coisa nº 4”

- Transcrição da “Coisa nº 5”

- Parte em Bb da “Coisa nº 5”

- Parte em Eb da “Coisa nº 5”

- Arranjo da “Coisa nº 9”
Coisa nº 4
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)

q = 120

∀ 3
% 3 ∑ ∑ ∑ Ó Œ ϖ
3

œœ
Tema

∀ 3 ι
% 3 œ ‰ œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ
œ œ œ œ œ
Violão

∀ ϖ
œ œ αœ œ œ
6

% œœ œ œœ ˙
3

œ ϖ ϖ
3

∀ ι‰
% œ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ
6

œ œ œ œ œ


Œ ϖ ϖ œ œ αœ œ œ
11

%
3

ϖ ˙ œœ 3
œœ

∀ Œ
œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ
11

%
œ œ œ œ œ


Œ
16

% œ œœ ˙ œ œ˙ ˙
3 3 3

ϖ ϖ ˙ œœ
∀ ι‰
% œ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ Œ œ œ œι ‰ œ œι ‰ œ œ œ œ œ
16

œ œ œ œ œ
2 Coisa nº 4

∀ œ œ αœ œ œ
% ϖ ϖ
21

œœ œœ œ ˙
3

œ
Œ ι Œ Œ 3 ι Œ Œ 3 ιŒ ‰ ι Œ Œ 3 ι Œ Œ 3 ι Œ Œ 3 ι Œ ‰ ι Œ
3

∀ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ
3

œœ
21

% œ
œœ‰ œœ œ‰ œœœ œœ Œ œ œ
œœ‰ œœ œ‰ œœœ œœ
Œ Ι Ι
Ι Ι

25
∀ Œ
%
3

ϖ ϖ ϖ ˙ œ œ
ι Œ œι Œ Œ œι Œ ‰ œι Œ Œ œι Œ Œ œι Œ Œ œι Œ ‰ œι Œ
∀ œŒ
Œ
3 3 3 3 3 3

% Œ œœ œ œ ‰œ œ œ œ ‰œ œ œ œ œœ œ œ Œ œ œ œ œ ‰œ œ œ œ ‰œ œ œ œ œœ œ œ
25

Ι Ι Ι Ι

∀ ϖ
ϖ œ œ αœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
29

%
3

œ
ι ι ι ι ι ι ι ι
∀ Œ œœ Œ Œ œœ Œ Œ œœ Œ ‰ œœ Œ Œ œœ Œ Œ œœ Œ Œ œœ Œ ‰ œœ Œ
3
3 3 3 3 3 3
29

% Œ œœœ‰ œ œ‰ œœœ œœ Œ œ œœ‰ œ œ‰ œœœ œœ


Ι œ Ι œ Ι œ Ι œ


‰ − œθ
33

% ϖ ϖ ϖ ˙−
Œ ιŒ Œ 3 ιŒ Œ 3 ιŒ ‰ ι Œ Œ 3 ιŒ Œ 3 ιŒ Œ 3 ι Œ ι ‰ ι
∀ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
3

% Œ œ œ œ œ ‰œ œ œ ‰œ œ œ œ œ œ œ Œ œ œ œ œ ‰œ œ œ ‰œ œ œ œœ œœ ‰
33

Ι œ Ι œ Ι œ Ι œ
Coisa nº 4 3

∀ − ‰ − θ œ− œ− œ− α œ− œ œ œ œ ‰− θ
% − œ− œ− œ− α œ− œ œ œ œ ˙− ˙−
37 3 3

œ œ
ι ‰ œι ˙ − ‰ œι ˙ − ‰ œι ˙ −
∀ − ‰ œœ ˙˙ −−
œ œ ˙ −œ œ ˙ −µ œ œ ˙−
37

% − œ œ œ œ œ
œœ œ œ œ œ œœ œ œœœ œœ œ œ œ œ œœ œ œœœ


œ− œ− œ− α œ− œ œ œ œ ˙ ≈œœ œœœœ ϖ Œ œ
41 3

% ˙
3

œ
ι ‰ œι œ œ ι
∀ ‰ œ ˙− œœ œ −
% ∀ œœ ∀ ˙œ − œ µ œ ∀ œ œ ∀ œœ ∀ œœ œ œ µ ˙˙ ˙˙ œœ −− œœ Ó
41

œŒ œ œ
œ œ œ œ œ ∀œ œ œ œ µœ œ œ œ œ

∀ ϖ
ϖ œ œ αœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
45

%
3

œ
ι ι ι ι ι ι ι ι
∀ Œ œœ Œ Œ œœ Œ Œ œœ Œ ‰ œœ Œ Œ œœ Œ Œ œœ Œ Œ œœ Œ ‰ œœ Œ
3
3 3 3 3 3 3
45

% œ‰ œœœ‰ œ œ‰ œœœ œœ Œ œ œœ‰ œ œ‰ œœœ œœ


Ι Ι œ Ι œ Ι œ Ι œ


Œ
49

%
3

ϖ ϖ ϖ ˙ œ œ
Œ ιŒ Œ 3 ιŒ Œ 3 ιŒ ‰ ι Œ Œ 3 ιŒ Œ 3 ιŒ Œ 3 ι Œ ‰ ι Œ
∀ œ œ œ œ œ œ œ œ
3

% Œ œ œ œ œ ‰œ œ œ ‰œ œ œ œ œ œ œ Œ œ œ œ œ ‰œ œ œ ‰œ œ œ œ œ œ œ
49

Ι œ Ι œ Ι œ Ι œ
4 Coisa nº 4

∀ œ œ αœ œ œ
% ϖ ϖ
53

œœ œœ œ ˙
3

œ
Œ ι Œ Œ 3 ι Œ Œ 3 ιŒ ‰ ι Œ Œ 3 ι Œ Œ 3 ι Œ Œ 3 ι Œ ‰ ι Œ
3

∀ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ
3

œœ
53

% œ
œœ‰ œœ œ‰ œœœ œœ Œ œ œ
œœ‰ œœ œ‰ œœœ œœ
Œ Ι Ι
Ι Ι

∀ ‰ − œθ −− ϖ ‰ œœ≈œœœ
57 1. 2.

% ϖ ˙− ˙
Œ ιŒ Œ 3 ιŒ Œ 3 ιŒ ι ‰ ι Œ ιŒ Œ 3 ιŒ ‰ ι ι
∀ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
3 3

% Œ œ œ œ œ ‰œ œ œ ‰œ œ œ œœ œœ ‰ −− Œ œ œ œ œ ‰œ œ œ œœ ‰ œ Ó
57

Ι œ Ι œ Ι œ œ
œ

∀ ϖ ˙ ϖ ˙ œœ
‰ œ œ ≈ ∀œ œ œ ‰∀œ œ ≈ œ
61

%
ι ‰ œι ‰
∀ ‰ œœ œ ‰ œ œ œ ˙ Ó
∀ œ œ œ ˙ Ó
∀œ œ œ œ
61

% œ œ œ ‰ Œ
œ œ œ œ œ œœ œ œ œœœ‰ Œ œ œ ∀ œ œ µ œ ∀ œ œ œ ∀ œ œ
Ι Ι

65
∀ ϖ ϖ ϖ ϖ
%
ι ι ι‰ Œ
‰ ‰
rall.

∀ œ
∀ œ ˙− ˙ − ∀ œ
œœ ∀ œœœ œœœ ϖϖ ϖ
œ œ œœ ∀ ϖϖ
65

% µœ œ œœ ∀ ϖœ œ
œ œ œ œ µœ œ œ œ œ œœ œ œ ϖ
Parte em Bα Coisa nº 4
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)

2
q = 120

∀∀∀ 3 ϖ ϖ œ œ µœ œ œ
% 3 Ó Œ
œ œ œœ
3

∀∀∀ ϖ
œ œ œ ˙ Œ
8

% œ
3 3

œ ϖ ϖ ϖ ˙ œ

14
∀∀∀ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
% œ œ ˙
3

˙ ϖ
3

∀∀∀ ϖ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
Œ
19

% ϖ ˙ œ
3 3

œ œ
3

∀∀∀ ϖ ϖ
Œ
25

%
œ œ
3

ϖ ϖ ϖ ˙

∀∀∀ œ œ µ œ
œœœœ œœœ ˙ œ ϖ ‰ − œθ
31

% ϖ ϖ ˙−
3

3
2 Coisa nº 4

∀ ∀ ∀ − œ− œ− œ− µ œ− œ 3 œ œ ˙ − ‰ − œθ œ− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ ˙ −
3

‰ − œθ œ− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ
3

œ
37

% −

∀∀∀ ϖ ϖ
˙ ≈œœ œœœœ ϖ Œ
42

% ˙
œ œ
3

∀∀∀ œ œ µ œ œ Œ
œœœ œœœ ˙ œ
47

% œ œ
3 3

3
ϖ ϖ ϖ ˙

∀∀∀ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
ϖ ‰ − œθ −−
53 1.

% œ ϖ ˙−
3

∀∀∀ ϖ ˙ œ œ ∀œ œ œ ϖ
‰ œœ≈œœœ ‰ ≈
59 2.

% ϖ ˙

∀∀∀ ˙ œœœ ϖ ϖ ϖ ϖ
rall.

∀ œ œ
‰ ≈
64

%
Parte em E α Coisa nº 4
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)

2 œ œ µœ œ œ
q = 120

∀∀∀∀ 3 ϖ ϖ
% 3 Ó Œ œ œ œœ
3
3

∀∀∀∀ œ œ œ ˙ ϖ
œ ϖ Œ œ œ
8

% ϖ ϖ ˙
3 3

∀∀∀∀ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
œ œ ˙ ˙ ϖ
14

%
3 3
3

∀∀∀∀ ϖ ϖ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
˙ Œ œ œ œ
19

%
3
3 3

∀∀∀∀ ϖ ϖ
Œ œ œ
25

% ϖ ϖ ϖ ˙
3

∀∀∀∀ œ œ µ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙
œ ϖ ϖ ϖ ˙− ‰− œ
31

% Θ
3
3
2 Coisa nº 4

37
∀ ∀ ∀ ∀ − œ− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ ˙ − ‰− œ
− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ ˙ −
œ ‰− œ
− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ
œ
% − Θ Θ
3 3 3

∀∀∀∀ ˙ œ œœœœ ϖ ˙ ϖ ϖ
≈œ Œ œ œ
42

%
3

œ
47
∀∀∀∀ œ µ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙ œ Œ œ œ
% ϖ ϖ ϖ ˙
3
3 3

∀∀∀∀ ϖ ϖ œ œ µœ œ œ œ
œœ œ œ ˙ œ ϖ ˙− ‰ − œ −−
53 1.

% Θ
3
3

∀∀∀∀ ϖ ˙ ‰ œœ≈œœœ ϖ ˙ ‰ œ œ ≈ ∀œ œ œ ϖ
59 2.

∀∀∀∀ ˙ ϖ ϖ ϖ ϖ
‰ ∀œ œ ≈ œ œ œ
rall.
64

%
Coisa nº 5
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)

qd = 65

5 œœœ ∀œ ˙−
Tema %α 7 ∑ ∑ ‰ ↑ ‰ Ι

ι ‰ ι ‰ ι ‰ ι ‰
5 œ œ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ
Violão % α 7 œœ Œ œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
(6 = D)

Ι Ι Ι Ι

=œ =œ =
œ µœ œ œ= œ −
‰ ↑ œ ‰ Ι ∀œ
œ œ Ι œ œ µœ œ œ œ œ
α ‰ ↑ ‰ Ι œ
5

%
ι ‰ ι ‰ ι ‰ ι ‰
œ
% α œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ
5

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Ι Ι Ι Ι

=œ =œ
˙−
‰ ↑œ œ œ ‰ Ι ∀ œ ‰ ↑ œ ‰ Ι µœ
œ œ
% α œ− œ œ œ ˙−
9

ι ‰ ι œœ
œ− œœ œ œœ −− œœ œ œœ
2

œ œœ œ œ œœ œ
% α œœ Œ œœ œœ œœ Œ œ œœ œ −
2 2 2 2
9

œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œœ
Ι Ι
2 Coisa nº 5

=
œ œ= œ − œ œ œ œΙ ∀ œ= µœ œ œ œ œ ˙−
%α Ι ‰ ↑ ‰ œ œ− œœœ
14

œœ œ œœ −− œœ −− œœ œ œœ œœ œœ œ ˙˙ −−
2

œœ œ
2 2 2 2

% α œœ −−
14

œ œ œ œ
œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ


%α ˙ ∑ ∑ ∑ ∑
19

− ν2 1 3 ν
‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −−
˙
% α ˙− œœœ œ ∀ œœ œœ œœ −−
19

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œŒ
œ œ œ ∀ œœ
Œ−
œ− œ œ œ œ œ− Ι œ−

œœœ
% α −− ∑ Œ− ‰œœ œ œœœœœ œ Ι œ ∀ œ œ œ œ œι
24

‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰
% α −− µ ∀ œœ œœ œœ œœ œ ∀ œœ œœ œœ −− µœœœœ ∀ œœ œœ œœ −− µœœœ œ
24

∀œ œ œ œ œ ∀œ œ œ œœ
Œ Ι œ− Œ− Œ Ι œ− Œ− Œ Ι
œ− œ− œ−

œœœ œœ
% α œ− ‰œœ œ œœœœœ œ Ι œ ∀œ œ œ œ ι ‰
29

œ œ−
‰ œœ œœ α ∀ œœ −− ‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œ ‰ α œι ‰ µ œœ œœ œœ −
% α œ œ µ œœ −− œ œ œ œ ∀ œœ œœ œœ −− µœ œ ∀ œœ −œ œ Œ
29

∀œ œ œ œœ œ ∀œ œ œ œ œ
œ− Œ− Œ Ι œ− Œ− Ι Ι
œ−
Coisa nº 5 3

œ− œ œ œ œ œ œ− αœ ι œ
%α œ œ œ œ œ− ‰ œ œœœ œ œ œ ‰
34

œ œ αœ Ι
‰ œ œ− ‰œ œœ −− ‰ ι ιŒ
% α µ œœ œ œœœ −− œ œ œ− œ ∀ œœ œœ
α α œœ œ œœœ −− α α œœœ
34

œœ œ−œ
µœ
œ œ
œ αœ
œ Ι Ι œ œ œ œ œ Ι Ι œ
Ι Ι Ι

œ œ œ œ
%α œ œ œ œ œ œ Ι œ ∀œ œ œ œ ι −−
38

œ ˙−
ι
‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œœ ‰ ∀ œœ ‰ œ œ œœ ‰ œœ œœ
% α ∀ œœ œ œ œ ∀ œœ œœ œœ −− µœ ∀ œœ µ µ œœ œœ œ œ œ −−
38

œ œ œ œ ∀œ ∀œ œ œ œ œ
Œ Ι œ− Œ− œ Œ−
œ− œ œ œ œ−
Ι Ι

œ œ ˙− œ œ ˙− œ œ
%α œ
Œ Ι Ι Œ Ι œ œ
Œ Ι Ι
42

Ι
ε ι ο
œœ œœ œœ œœ α œœ −− œœ œ µ œœ œœ œœ œœ µ œœ
œ Œ Œ−
%α µ œœ œœ ∀ œœ Œ Œ −
42

∀œ œ œ œ œœ − œœ œ œ ∀œ
− œ
Ι œ− œ œ − − Ι
Ι
ε

˙− œ œ œ œ− − œ− œ− Œ
%α Œ ‰ œ Œ−
47

Ι Ι Ι
− − −ι
‰ œ œœ œœ œœ α œœ −− ‰ µœ œ œœ µ œœ
œœ œ ‰ œœ Œ−
% α µ œœ œœ − œ œ ∀œ Œ
47

œ œ œ œœ − œ −∀œ œ
œ− œ œ − œ œ
Ι œ
ο Ι
Parte em B α Coisa nº 5
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)

qd = 65
1 =œ
∀ 5 œœ Ι ∀œ ˙−
% 7 ‰ ↑ œ‰

=œ =œ =
∀ ‰ ↑ œœœ µœ œ œ= œ − œœœ ∀œ µœ œ œ œ œ
‰ Ι Ι ‰ ↑ ‰ Ι œ
5


∀ œ− œœœ Ι ∀œ ˙−
œ œ œ ˙− ‰ ↑ ‰
9

= =œ =
∀ ‰ ↑ œ œ œ ‰ œΙ µ œ œ œ= œ − œœœ ∀œ µœ œ œ œ œ
Ι ‰ ↑ ‰ Ι œ
13

∀ œ− ˙− ˙− 2
œ œ œ ∑
17

∀ − œ œ œ œ ι
∑ Œ− ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ Ι œ ∀œ œ œ œ œ
24

% −
2 Coisa nº 5

∀ œ œ œ
œ− ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ Ι œ œ œ ∀œ œ œ œ ι ‰
29

% œ œ−

∀ œ− œ œ œ œ œ œ œ − µœ
œ œœœ œ
œœœ œ− ‰ œ µ œ œ œ ‰ œΙ
34

% œ Ι

∀ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Ι œ ∀œ œ œ œ ι −−
38

% œ ˙−

∀ Œ œ œ œ ˙− œ œ œ ˙−
Ι Œ
42

% Ι Ι Ι
ε

∀ Œ œ œ œ
Ι
˙−
Œ œ œ œ œ− − − −
‰ œ œ œΙ Œ Œ−
46

% Ι Ι Ι
ο
Parte em E α Coisa nº 5
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)

1 =œ
qd = 65

∀∀ 5 ˙−
% 7 ‰ ↑œ œ œ ‰ Ι ∀œ

∀ ∀ ‰ ↑ œ œ œ ‰ =œ µ œ œ œ= œ −
=œ =
Ι ‰ ↑ œ œ ‰ Ι ∀œ
œ µœ œ œ œ œ
5

% Ι œ

∀∀ =œ
‰ ↑œ œ œ ‰ Ι ∀œ ˙−
9

% œ− œ œ œ ˙−

∀ ∀ ‰ ↑ œ œ œ ‰ =œ µ œ œ œ= œ −
=œ =
Ι ‰ ↑ œ œ ‰ Ι ∀œ
œ µœ œ œ œ œ
13

% Ι œ

∀∀ 2
˙− ˙− ∑
œ œ œ
17

% œ−

∀∀ −
∑ Œ− ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œΙ œ œ œ ι
24

% − ∀œ œ œ œ œ
2 Coisa nº 5

∀ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œΙ œ œ œ ‰ œ œ
% ∀ œ− ι
29

∀œ œ œ œ œ œ−

∀∀ œ − œ ι ‰ œι
œ œœœœœ ‰ œ œ œ − µœ œ œ œ œ œ
34

% œ− œ œ µœ œ œ

∀ œ œ œ
% ∀ œ œ œ œ œ œ œ −−
38

Ι œ ∀œ œ œ œ ι
œ ˙−

∀∀ Œ œ œ ˙− œ
œ Œ œ œ ˙−
42

% Ι Ι Ι Ι
ε

∀∀ Œ
œ œ œ ˙− Œ œ œ œ œ− ‰ œ− œ− œ− Œ Œ−
46

% Ι Ι Ι Ι Ι
ο
Coisa nº 9
Moacir Santos
(Arranjo: Fábio Marinho)
q = 100

‚ ‚ ‚‚ ‚ ∂
∀3 ‚ ‚‚ œœœ ‰ œœ
œ œ
rit.

% 3 œ µœ œ œ œ œ
œ ˙ µœ œ œ œœœ
µœ œ

harmônicos naturais

∀ œ − œœ œι œ ι ι
a tempo
(Œ=Œ.)
∀ 01 − œ œ ˙ − œ ι ι ι Œ ι
œ œ ∀ œ œ œ œ œ œ − ι
% 7 − ‰ œ Ι œ œ œ œœ ‰ œ œ œΙ œ œœ œœ œœ œ œ œ œœ œ œœœ œ œœœ
5

Ι Ι Ι Ι ‰∀œ Ι œœ œœ
œ− œ− œ− œ− œ− œ− Ι Ι

ι
∀ ‰ ι ι ι =2 2
œ œ ∀ œ − œœ œ œ œι œι œ
œ œ œ œ œœœ œœœ œœœ œ œ œ œ ‰œœ œ
Ι œ œ∀ œ œœ œ œ
8

% ∀ œ œ œœ œœœœ œœ œ œ − œ Ι Ι
œ− œ− Ι Ι 2
2
œ− œ−

ι
∀ ˙− œ œ œ œ ˙− ι ‰ ιŒ ι ι ι
2 1.

% ‰ œ œ œΙ œ œ œ œœ − ‰ œ œ œ œœœ œ œœœ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ


11

∀ œ œ œ œ œ ∀ œ œœ œ œ
œ− œ− Ι œ− œ− Ι Ι Ι œ− œ− Ι Ι

=2 2 2 œ œ− œ − œ œι œ œι œ −
ι œ− œ
2

∀ œ œ œ −− ‰ œ œ œ
2.

œ œœœ œœœ −−− ‰ œ œ œ−


14

% œœ œ œ‰ œœ œ ∀ œ œœ œœ Œ−
− Ι œ œ œ œ− ˙− œ−
2
˙−
ι
2

œœ œ − œ− œ œ œ ι
2

˙− Œ œ œœ œœ œι
∀ ‰ œ œ œ œœ Ι ‰ œ œ œ− œ œœ œι œ ι œœ −−
œ−
17

% ˙− Ι œ− œ− ˙− Œ− œ− œ œ œ− œ−
˙− œ−
2 Coisa nº 9

ι ι ι ι ι ι
α œ œ œ µ œ − œ œ œ œ−
∀ ‰ œ µ œ œ − œ œœ − œ œ −
− − −
Œ œ ∀ œœ − œ µ œœ − ∀ œœ ∀ œ œ µ œœ œœ ∀ œ œœ −−
αœ− ‰˙ −œ ∀ œœ −− ‰ Œ − œ œœ µ œœ
20

% ˙− œ− œœ −
œ− œ− œ Ι Ι −

= ι
œ ∀ œ − œœ œ œ œι œι œ
2

∀ ι œ œ ‰œœ œ
% œ œΙ œ œ µ œ α œιœ œ œ œι œœœ œ œ‰ œœ œœ Ι œ œ∀ œ œœ œ œ
2
23 2
2

œ− Ι œ œ œ œ− œ− Ι Ι
2
2
2

∀ ˙ − œ œ œι ι
œœ œ œι œ œœ − ι
Œ ι ‰ ι ι ι
% ‰ œ œ œΙ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
26

œ œ ‰∀œ œ œ œœœœ œ œ œ œœ ∀ œ œ œœ œœœœ œœ œœœ œœœ


œ− œ− Ι Ι œ− œ− ΙΙ Ι œ− œ− Ι Ι

=2 œ ∀œ − œœ œι œ ι ι − ι 2
∀ œ œ œ œ œ œ ˙
∀ œ œ œœ œ ‰ œ œ œ œ œ œœ œ œ
% œœ− œ œ œ œ œ ‰œ
29

Ι œœ œ Ι
2

Ι œ œ œ−
2
2
œ− œ− Ι œ− œ− Ι

∀ ˙− Œ ι ‰ ι ι ι ∀œ œ œ
ι − œ
% ‰ œ œ œ œœœ œ œœœ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œ œ œœ
32 2

∀œ œœ œœ ∀œ œœ œ œ
œ− œ− Ι Ι Ι œ− œ− Ι Ι 2 2 2
=

‰ Œ ιœ − =
∀ œ œ ι
œœ − œ œ œ − œ œ −
œ œ œ −œ œ œ œ ∀œ œ − œœœ −−− œœœ œœœ
35

% œ
µœ
œ − ∀œ − Ι µœ œ œ œ œ Ó− −
œ− œ− œ− œ œ− œ−

ι =2
∀ Œ œœ œ − ι ι ‰
œ− œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œ œœ œ œœ ∀ œœ œ œœ œœ œ œœ
38

% œ
2 2


œ œ œ œ œ œ œ ∀œ − œ − œ− œ−
œ− œ œ ˙− œ
Ι
Coisa nº 9 3

ι
‚‚ ‚‚ −− =
∀ œ œ œ Œ− Œ ‚ ‚− ‰ ι ‰ ι ι
% ∀ œœ µ œœ œœ œ œ − œœœ− −−− œœœ œœœ œ − œœ œœ œœœ œœœ
œ
41

œ œ µ œ
œ− ∀œ œ ∀œ Ó − œ −∀ œ œ œ ˙ −
˙− ˙−
Ι
œ ι ι ι
ι ι ι
∀ œ− œ œ œ œ 2œ œœ œœ œœ œœœ œ
œœ œœ œœ µ œœ ˙˙ −−−
œ œ œ ˙ œœœ œœ œœ œœ
œ œ œ œ œ œ œ œ
44

% µ œœ œ œ œ œ œ ˙− Ó−
µœ − œ Ι Ι Ι
=
2 2
2

ι= ι ι
∀ œι œ œ− œ œ ‰ œ œ œ œ œ−
% µ œœ − œœ œœœ −−− œ −− œ œ œ œ − œ œ œ œ œ œ œ α œ œ œ œ œœ
47 2

Œ Œ œ œ œŒ− œ œ œ œ œ œ
œ œ− œ œ− œ œ ˙−
Ι Ι Ι =
2
2
2

percussão

∀ œ ι œœ      ι  
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50

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4 Coisa nº 9

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68

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71

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Percussão - compassos 50 ao 53:

%  Som grave: percutir com a mão direita no tampo, atrás do cavalete.

%  Som médio: percutir com a mão direita no tampo, bojo superior,


abaixo da escala entre os trastes 12 e 19.


% Som agudo: percutir com a mão esquerda na lateral.

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