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CURITIBA
2019
FÁBIO LIMA MARINHO GOMES
CURITIBA
2019
TERMO DE APROVAÇÃO
AGRADECIMENTOS
“A água sempre descobre um meio” (Provérbio africano). Somos água, que flui e
acessa o meio das coisas, onde as concretudes não podem delimitar. Por isso, precisamos ajustar
o tamanho da inundação. Inúmeras pessoas contribuíram, de diversas maneiras, para a
descoberta de um jeito equilibrado no processo de elaboração deste trabalho de conclusão de
curso. Para todas, o meu reconhecimento.
A Júlio Erthal, pelo cuidado, supervisão e conselhos, nas salas de aula, nos ensaios e
nos palcos.
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11
2 TIMELINE .................................................................................................................. 12
4 ANÁLISES .................................................................................................................. 42
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 76
APÊNDICES ...................................................................................................................... 78
11
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa foi motivada pelo interesse na obra do compositor brasileiro Moacir
Santos (1926–2006) e, mais especificamente, na maneira como ele utiliza os elementos rítmicos
nas músicas do álbum “Coisas”, lançado em 1965. Nascido no interior de Pernambuco, Moacir
Santos foi, além de compositor, um maestro, arranjador e instrumentista que se radicou nos
Estados Unidos a partir do ano de 1967. Com a análise de três faixas do álbum, as “Coisas” nº
4, nº 5 e nº 9, este trabalho busca um aprofundamento no processo de composição do álbum
inaugural do músico. O tratamento analítico é norteado pelos conceitos de timeline, termo
cunhado por J. H. Kwabena Nketia e presente na estrutura rítmica das peças selecionadas. Dessa
maneira, esta investigação tem como objetivo principal identificar as timelines e analisar suas
relações com os demais elementos musicais.
Este trabalho é dividido em quatro seções. A primeira dedica-se a tratar dos conceitos
de timeline elaborados por Agawu (2017), Oliveira Pinto (1991-2001), Sandroni (2001), Leite
(2017) e Ribeiro (2017). A seguir, uma biografia resumida de Moacir Santos com enfoque
contextual no álbum “Coisas” (1965) produzida a partir da tese de Dias (2010). Já na terceira
seção, são feitas análises das três peças selecionadas com base na audição dos fonogramas
originais, no livro de partituras “Coisas: cancioneiro Moacir Santos” (ADNET; NOGUEIRA,
2005) e no tratamento analítico de Dias (2010), Bonetti (2014), França (2007) e Vicente (2012).
No final, a última seção apresenta um breve memorial descritivo sobre o processo de elaboração
das partituras feitas especialmente para este trabalho: transcrições das “Coisas” nº 4 e nº 5, em
formato de redução para o violão e instrumento melódico, e um arranjo da “Coisa nº 9” para
violão solo.
12
2 TIMELINE
O termo timeline foi concebido pelo etnomusicólogo ganense Joseph Hanson Kwabena
Nketia (1921-2019) na década de 1960, quando estudava a rítmica da música africana ocidental
em “African music in Ghana” (1963). A expressão obteve grande repercussão no estudo da
música africana (AGAWU, 2017) e da música afro brasileira (OLIVEIRA PINTO, 1999;
SANDRONI, 2001; LEITE, 2017; RIBEIRO, 2017). Assim, pretende-se apresentar nesta seção,
de forma seletiva e gradativa, as principais contribuições destes autores para o conceito de
timeline e suas implicações.
1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uyRG9T7CGt8&t=2619s. Acesso em: 30 mar. 2019.
2
“A timeline is a rhythmic pattern of modest lenght that is repeated in a manner of austinato throughout a particular
dance drumming (...). Normally entrusted to the bell or custonet or sticks or stone, timelines often project a distinct
perhaps even memorable shape. Although there are bells and sticks patterns made up of unchanging pulsation, the
majority of timelines display at least two contrasting node values, a long and a short. This, by the way, is another
sign of the minimalist impulse that is widespread in african creativity. Although the function of timeline patterns
is sometimes likened to that of a metronome, there is a significant difference. Unlike metronomes wich mark time
and thus help to locate patterns against a wall of accentless strikes, timelines carve time, they are integral to the
music. Each individual timeline is in principle structurally dependent on prior metronomic foundation” (AGAWU,
2017, informação verbal).
3
Ostinato é uma palavra italiana que significa obstinado, em tradução literal para o português. Como termo
musical, traz a ideia de repetição de uma frase rítmica e/ou melódica.
13
b) pulsação constante com dois valores de duração contrastantes; c) possui função distinta do
metrônomo, uma vez que integra a música ao invés de ajudar a localizar o tempo de maneira
externa à música, como faz o metrônomo.
Uma destas estruturas sonoras é a timeline, que Oliveira Pinto traduz como “linha
rítmica” e nos apresenta exemplos da sua inserção no samba e no candomblé, duas importantes
manifestações da música afro brasileira. Segundo ele, “os time-line-pattern estão inseridos em
uma grande variedade de repertórios de música brasileira e funcionam como linha rítmica de
orientação para as demais partes da música na sua sequência temporal” (OLIVEIRA PINTO,
1999-2001, p. 95). Embora a timeline se mantenha como elemento estruturante da música afro
brasileira, Oliveira Pinto constata que “no Brasil houve uma ressignificação do time-line
africano em relação ao seu novo meio musical (...). Há momentos em que certas batidas do
time-line são suprimidas, como se pode verificar com frequência na MPB” (OLIVEIRA
PINTO, 1999-2001, p. 97). Neste caso, o autor se refere aos momentos, principalmente na
prática do samba, em que a timeline não é tocada exclusiva e integralmente por um determinado
instrumento, sendo distribuída pelas diferentes partes instrumentais e existindo como referência
interna para os músicos. Segundo ele, o fato de o padrão rítmico da timeline não estar sendo
“marcado com a batida de um tamborim, não significa que a fórmula não esteja presente no
14
Oliveira Pinto propõe a seguinte notação para representar uma timeline, a qual consiste
na diferenciação dos pulsos elementares, representados pelas semicolcheias na notação
convencional. O “x” é a pulsação percutida e o “.” é a pulsação muda nesta linha rítmica com
16 pulsos elementares:
.x.x.xx.x.x.xx.x
Carlos Sandroni (2001), por sua vez, traduz o termo timeline como “linha-guia” e
elabora o seguinte conceito:
4
A semelhança da timeline com o metrônomo será abordada em detalhe mais adiante nas reflexões de Bianca
Ribeiro (2017).
15
(Os casos em que semínimas são divididas do modo ternário constituem exceções à
regra, são chamados de “quiálteras” e exigem sinalização especial.) Por outro lado,
nos compassos compostos, como o 6/8 ou o 9/8, as unidades de tempo são ternárias e
são representadas por semínimas pontuadas (divididas portanto em três colcheias).
Mas o fato é que não há compassos que misturem de modo sistemático agrupamentos
de duas e de três pulsações, como semínimas e semínimas pontuadas. É precisamente
esta mistura que vai desempenhar um papel muito importante nas músicas da África
subsaariana (SANDRONI, 2001, p. 24).
Dito isto, a assimetria presente nas timeline a que Sandroni se refere, advém do termo
“imparidade rítmica” cunhado por Simha Arom.5 Ao estudar a música africana, Arom constatou
que a combinação dos agrupamentos binários e ternários resultava sempre em um período
rítmico par na soma, porém com sua estrutura interna ímpar, ou seja, assimétrica (SANDRONI,
2001, p. 24).
EXEMPLO 4 – ASSIMETRIA NA TIMELINE (Conhecida como tresillo, esta timeline possui período
rítmico par em sua soma, com 8 pulsações internas. Porém, apresenta disposição interna ímpar: 3 + 3 +
2)
5
É um etnomusicólogo franco-israelense especialista na música da África Central.
6
Criador, maestro, compositor, arranjador e multi-instrumentista da Orkestra Rumpilezz, grupo instrumental
baiano de música matricial africana formado por percussão e sopros. Neste ano de 2019, a orquestra gravou um
álbum de releituras das “Coisas”, de Moacir Santos.
7
Projeto de formação musical de jovens idealizado por Letieres Leite em 2014 na cidade de Salvador, Bahia. Foi
vencedor do edital do programa Natural Musical do respectivo ano e desenvolve atividades de prática em conjunto,
arranjo, composição e história da música afro baiana. O diminutivo refere-se à Orkestra Rumpilezz, sugerindo uma
orquestra mirim.
17
músicos cubanos nesta matéria. Em suma, “clave” pode ser entendida como a menor
porção rítmica que define não só um ritmo, como aponta para a sua localização
geográfica, sua origem e percurso étnico e histórico (LEITE, 2017, p. 18).
8
Alfredo Manuel De La Fé, violinista de origem cubana radicado em Nova Iorque. É considerado o responsável
por destacar e inovar a forma de tocar o violino no gênero da salsa e da música latina.
18
a música quando a gente souber qual o “toque” sobre o qual estamos tocando” (LEITE, 2017,
p. 30). Ele ressalta que “passou a haver uma preocupação dos bateristas em tocar menos notas
para criarem um ambiente para a percussão se desenvolver, assim como para os arranjadores
de sopro” (LEITE, 2017, p. 30).
Ao longo dos anos 2000, juntamente com a criação da Orkestra Rumpilezz em 2006,
Leite desenvolveu o Método Universo Percussivo Baiano (UPB). Ele envolve os meios de
transmissão musical oral e escrito na busca de suprir a insuficiência dos métodos de ensino
musical com base na música europeia ocidental:
O Método UPB tem como base uma vivência musical em que a cultura oral da
transmissão musical seja desenvolvida no instrumentista. Letieres Leite, ao elaborar o método
para músicos que não tiveram contato com essa vivência da oralidade, se deparou com o
seguinte desafio: “como fazer com que esses músicos tenham um entendimento de uma
execução próxima da realidade rítmica das músicas que possuem matrizes africanas, (...)
utilizando-se também de ferramentas da escrita musical tradicional?” (LEITE, 2017, p. 42). A
solução foi se basear na escrita aproximada da execução musical. Primeiramente, é preciso que
o músico esteja “dentro da clave”, com “consciência de clave”. Depois, a leitura tradicional da
partitura serve como um guia da execução, em que os valores rítmicos não equivalem
exatamente ao que está escrito, a exemplo das lead sheet no jazz (figura 1).9 Segundo Leite,
“não é possível realizar a transmissão gráfica dos micro ritmos contidos nas claves rítmicas
através das notações gráficas convencionais da música tal qual conhecemos; apenas é possível
realizar aproximações representativas” (LEITE, 2017, p. 46).
9
De acordo com o Grove Music Online (Oxford), é “uma partitura, manuscrita ou impressa, que mostra somente
a melodia, a estrutura harmônica básica e a letra (se tiver) de uma composição. Várias performances no jazz são
feitas através de lead sheets, que são coletadas e agrupadas nos Real Book” (tradução nossa). Original: “A score,
in manuscript or printed form, that shows only the melody, the basic harmonic structure, and the lyrics (if any) of
a composition. Many performances of jazz are realized from lead sheets, which may be collected and bound
together to form a Real Book”.
19
Nesse sentido, em confluência com Sandroni (2001), Leite comenta sobre a relação
das timeline com as síncopes e as acentuações na partitura, ao relatar a experiência do
Rumpilezzinho. O jovem músico do Laboratório Musical, quando for ler uma partitura, “vai
praticar a leitura a partir da escrita tradicional, mas executada em concordância com os acentos
naturais contidos nas claves rítmicas não escritas na partitura” (LEITE, 2017, p. 55). Isso ocorre
porque o jovem já está familiarizado com as claves dos ritmos, através da vivência musical que
o Método UPB proporciona. O autor afirma:
Com o passar do tempo, quando ele (o jovem músico) receber uma partitura cujo o
ritmo é “tal”, ele vai interpretar síncopes da clave rítmica. De outra maneira,
escrevendo os acentos das síncopes na partitura, sem essa vivência anterior, ele estaria
executando de maneira artificial, em outras palavras, mais distantes do balanço natural
(acentos musicais naturais existentes nos padrões das claves rítmicas) (LEITE, 2017,
p. 55).
Para resumir o Método UPB, ele confessa que houve a escolha de seguir o modelo
utilizado no jazz com suas lead sheet (melodia cifrada): os temas são escritos de maneira
simples, no que se refere à representação rítmica, dentro do padrão de notação tradicional,
10
O conceito será explorado mais adiante tendo Bianca Ribeiro (2017) como referência.
20
porém são executados de acordo com as convenções do gênero, orientado pelas claves rítmicas
indicadas na partitura (figura 2). Nas palavras dele, “preferimos seguir o método utilizado
notadamente pelos jazzistas norte-americanos, cujo princípio é o de manter a sua escrita na sua
forma original, mas interpretar dentro dos sistemas das síncopes da sua cultura musical”
(LEITE, 2017, p. 55).
FIGURA 2 – GRADE RECORTADA DO TEMA “CAXIXI” (LETIERES LEITE) - INDICAÇÃO DAS CLAVES
(TIMELINES)
11
José Eduardo Gramani (1944 – 1998) foi um violinista, rabequista, compositor, professor e pesquisador musical
brasileiro que desenvolveu uma metodologia própria na área da rítmica. Nascido em São Paulo, ministrou aulas
na Unicamp e integrou os grupos Oficina de Cordas, Trem das Cordas, Grupo Anima, Trio Bem Temperado, entre
outros.
21
A rítmica divisiva foi adotada pelo sistema de notação musical tradicional para
representar um determinado contexto sonoro de composição, inserido em um contexto histórico
específico. Cope afirma que:
Dessa forma, a rítmica aditiva se insere como um dos elementos que formaram a nova
sonoridade composicional do século XIX. Vale ressaltar que antes desse fenômeno descrito por
Ribeiro acontecer, a rítmica aditiva já existia na prática musical de outros continentes, a
exemplo da África e Ásia. Conforme observado por Sandroni (2001), os compositores do século
XIX desejavam inserir em suas composições os ritmos africanos que ouviam. Também, Oliveira
Pinto (1999-2001) reforça esta ideia afirmando que as estruturas e formas musicais da
musicalidade africana, da qual a rítmica aditiva faz parte, são pilares para a formação da música
americana como um todo. Ao tratar da rítmica aditiva, Ribeiro discute seus componentes
fundamentais: pulso, ritmo, polimetria, polirritmia, hemíola, periodicidade, timeline, entre
outros. Considerando o foco da presente pesquisa, faz-se necessário tratar dos dois primeiros,
pulso e ritmo, antes de chegar à timeline.
Arom utiliza os termos “pulso” e “pulsação” para designar durações “como aquelas
produzidas por um metrônomo: unidades neutras e referenciais que se repetem entre intervalos
de tempo regulares (...) e se mantêm como o único elemento invariável durante o curso de uma
peça” (AROM, 2004 apud RIBEIRO, 2017, pp. 83-84). Ribeiro traz ainda o pensamento de
Dauer (apud AROM, 2004), concluindo que o pulso é a única referência para o músico africano,
uma vez que eles não dividem as unidades de tempo para formar o compasso, algo inerente à
rítmica divisiva.
A palavra ritmo origina-se do grego rhythmos, que significa aquilo que flui, que se
movimenta, sendo a forma com que algo avança no tempo (MAMMI, 1995 apud RIBEIRO,
2017). Em convergência com o pensamento aditivo do ritmo, “o tempo só adquire significado
racional se houver regularidade periódica ou, o ritmo. (...) A existência do ritmo se faz pela
formação de agrupamentos de batidas acentuadas e não acentuadas (...)” (MAMMI, 1995 apud
RIBEIRO, 2017, p. 85). Constata-se que o ritmo, pela lógica aditiva, necessita de uma
23
periodicidade para existir, na qual se faz pela acentuação do pulso. Dessa forma, a construção
das timeline se dá pelas acentuações das pulsações de menor valor (elementares):
Timeline ou linha guia é o termo empregado para representar uma linha rítmica curta,
distinta, de ciclo simples, executada por palmas ou por um instrumento de percussão
de timbre agudo que serve como referência temporal em meio a outras linhas rítmicas
simultâneas. (...) As timelines caracterizam-se por serem cíclicas e por não admitirem
variações. Podem ser chamadas também de bell pattern, topos, clave, referência de
fraseado ou linha temporal e podem ser tocadas, por exemplo, por um agogô ou um
par de claves. Representam uma camada da textura rítmica que se forma por tambores,
chocalhos, palmas de vozes que dão suporte ou criam contraste durante uma
performance (RIBEIRO, 2017, p. 104).
Uma vez iniciado o ciclo, ele se repete imutável ao longo da peça. Tal limitação é uma
das razões pela qual alguns estudos fazem uma analogia entre a timeline como função
de metrônomo. Esta analogia não é muito feliz, pois o metrônomo mensura o tempo
com unidades repetitivas isócronas e amorfas enquanto que a timeline molda o
dimensionamento temporal por séries rítmicas geradas por imparidades de 5 pulsos (2
24
A definição dada por Agawu, já apresentada, aponta justamente para esta diferença
com relação ao metrônomo. Portanto, “mais que uma pontuação metronômica de tempo: (a
timeline) é uma fórmula rítmica/semântica assimétrica que sustenta o tempo de uma música
polirrítmica complexa” (RIBEIRO, 2017, p. 109).
Por último, Ribeiro trata dos conceitos divisivo e aditivo nas timelines. A notação
musical europeia pode gerar incoerências ao tentar organizar a música de matriz africana, uma
vez que esta é baseada no conceito aditivo de rítmica e não possui acentos regulares. Um
exemplo é o uso equivocado de fórmulas de compasso ocidentais, que acabam gerando
acentuações inexistentes (AROM, 2004 apud RIBEIRO, 2017, p. 110). Pelo fato da timeline
apresentar, necessariamente, uma estrutura interna assimétrica, sua representação relaciona-se
mais com a concepção aditiva do que divisiva. A soma de dois grupos rítmicos irregulares
remonta à adição (AGAWU, 2006 apud RIBEIRO, 2017, p. 111). Em sintonia com o exposto
por Sandroni (2001), Ribeiro explica:
Arom (1989, p.94) descreve uma estrutura rítmica como simétrica ou assimétrica, com
a assimetria podendo ser ainda regular ou irregular. Toda estrutura que pode ser
dividida igualmente em duas partes é chamada simétrica. Quando essa segmentação
não existe, dada pela posição dos acentos, alternância de timbres ou ataques, tal
estrutura é chamada assimétrica. Se o ciclo pode ser separado em partes iguais,
diferente de dois, trata-se de uma assimetria regular (RIBEIRO, 2017, p. 111).
Considerando os conceitos de timeline dos autores aqui expostos, a tabela abaixo reúne
de forma sucinta os principais pontos, mostrando suas convergências e divergências.
25
2. OLIVEIRA Linha rítmica que compõe a estrutura sonora afro brasileira; está
presente em grande parte do repertório musical brasileiro;
PINTO
funciona como uma orientadora para os demais instrumentos; foi
ressignificada pela MPB, podendo ser suprimida em algumas
partes da música, sendo mentalizada pelos músicos – ou ser
tocada por outro instrumento que não seja percussivo.
Esta seção pretende traçar um resumo biográfico de Moacir Santos tendo como
referência principal a tese de doutorado Mais “Coisas” sobre Moacir Santos, ou Os Caminhos
de um músico brasileiro, de Andrea Ernest Dias (2010). O objetivo é destacar a cronologia dos
acontecimentos musicais de maior relevância na vida do músico, a fim de contextualizar a
produção do álbum “Coisas”, de 1965, objeto de enfoque desta monografia. Para tal, esta
pesquisa também se orienta pelas dissertações de mestrado de Gabriel França (2007), Alexandre
Vicente (2012) e Lucas Bonetti (2014).
Moacir José dos Santos nasceu em 1926 entre os municípios de Serra Talhada (antiga
Vila Bela), Flores, São José do Belmonte e Bom Nome, no sertão pernambucano. Até os 16
anos, aproximadamente, não possuía um documento que comprovasse sua data de nascimento.
Foi batizado na Capela de Santo Antônio do município de Bom Nome com o nome de “Muacy”
(DIAS, 2010, pp. 25 e 26). Negro, órfão da mãe aos 3 anos de idade e com um pai ausente,
Moacir foi cursar o ginásio no município de Flores, a 340 km de Recife. Ali, na década de 1930,
começou a enfrentar o preconceito racial. Frequentador assíduo dos ensaios da Banda
Municipal de Flores, aproveitava os momentos de descanso dos músicos para explorar as
sonoridades dos instrumentos que, aos 9 anos, já havia aprendido a tocar: trombone, trompete,
trompa, clarineta, saxofone, percussões, violão, banjo e bandolim (DIAS, 2010, p. 37).
Já como integrante da Banda Municipal, Moacir recebeu o seu primeiro cachê tocando
trompa nas festividades religiosas em devoção à Virgem Maria (comemorações e novenas da
tradição católica que ocorrem no mês do maio). O período entre os 11 e 14 anos de idade foi
considerado por ele como a fase áurea de sua vida, “tocando em eventos nas cidades próximas,
como por exemplo as disputas futebolísticas entre os times da região nas quais as bandas de
música seguiam junto e promoviam suas próprias disputas” (DIAS, 2010, p. 41). Segundo
Andrea Ernest Dias, “guiado por uma intuição que o fez andarilho pelo Alto Sertão de
Pernambuco e estados vizinhos, experimentou todas as oportunidades que sua vocação lhe
proporcionava” (DIAS, 2010, p. 41). Sua intuição o levava a “apanhar sua estrela” – termo
usado pelo músico em depoimento - algo semelhante a uma estrela guia que norteia os caminhos
de uma pessoa em busca de realização pessoal, sentido de vida, vocação (DIAS, 2010, p. 42).
Moacir seguiu seu caminho até chegar em Recife, em 1941, com seus 15 anos
incompletos. Logo foi tocar saxofone na Banda dos Operários do Recife, porém se desentendeu
27
com seu tutor e resolveu se mudar para Serra Talhada, cidade importante do sertão
pernambucano (DIAS, 2010, p. 45). Lá, o jovem saxofonista integrou a Filarmônica
Vilabelense e trabalhou como fiscal de imposto de feirantes para ajudar no seu sustento
financeiro (DIAS, 2010, p. 48). Ainda em Serra Talhada, Moacir se tornou diretor musical do
Circo Farranha, aos 15 anos de idade, e essa experiência o levou a conhecer várias cidades até
chegar em Salvador, onde aconteceu um episódio marcante. De acordo com a autora:
Em seu período na capital baiana, um fato foi determinante para a modificação de sua
postura em relação à música. Convidado a ensaiar na orquestra do trompetista Joca,
músico do famoso Cassino Tabaris e a quem conhecera, Moacir viu-se em apuros
diante de tantos profissionais peritos em leitura musical. A orquestra parou duas vezes
por conta de erros de leitura que Moacir cometera, o que provocou uma convulsão de
lágrimas angustiadas do rapaz. Uma coisa era contar com o próprio brilho para
impressionar a audiência, outra era contar com uma habilidade requerida no exercício
da profissão, em que as particularidades dos repertórios trazem consigo dificuldades
inesperadas. Embora possuísse o embasamento teórico adquirido nas filarmônicas,
encarou o ocorrido como uma espécie de rito de passagem para superar essa
insuficiência musical, e como mais um passo consciente dado em direção ao
desenvolvimento de suas capacidades (DIAS, 2010, pp. 50-51).
Ao cruzar com um soldado vestido com a farda da corporação musical, e ansioso por
conseguir um local para trabalhar, comer e dormir, Moacir aproximou-se e lhe disse:
“Ô moço, o senhor é músico da polícia? / Sou. / O senhor quer me dizer se há vaga
para músico de primeira classe?” (Dep. MS 1992). O diálogo com o soldado chegou
ao conhecimento do tenente Adauto Camilo, regente da banda, que tomou de
curiosidade para ouvir o “presunçoso” Moacir Santos. Dessa vez – e já superada a
questão da deficiência em leitura à primeira vista – o rapaz arrebatou os que o
12
Grupos musicais influenciados pela música estadunidense, bastante difundidos no Brasil após a Primeira Guerra
Mundial. Comumente encontradas em cidades do sertão nordestino, as jazz band se diferenciavam das filarmônicas
pelo repertório, formação e função social. O repertório era composto de foxtrotes, maxixes, valsas, baiões e
sucessos da rádio para agitar bailes e festas, servindo como uma possibilidade de profissionalização dos músicos.
Possuíam menos integrantes do que as filarmônicas e geralmente eram formadas por naipes de três saxofones, três
trompetes, dois trombones, bateria, banjo, violão e percussão (DIAS, 2010, p. 47).
29
Ainda em João Pessoa Moacir conheceu Cleonice Santos (João Pessoa, 1928 –
Pasadena, 2010), com quem se casou em Recife, em 1947. Retornando em seguida à capital
paraibana, foi líder da Jazz-Band Tabajara durante um ano, aproximadamente (DIAS, 2010, pp.
60-61). Em 1948, o casal Moacir e Cleonice se mudou para o Rio de Janeiro. Segundo Dias:
Não encontrando mais ambiente para permanecer como diretor da orquestra, Moacir
assentiu na proposta feita pelo governo – por intermédio do usineiro Renato Ribeiro,
admirador de Santos – de sair de João Pessoa para um destino de sua escolha. Sem
hesitar muito, declarou que iria para o Rio de Janeiro, provavelmente estimulado pela
ótima repercussão da atuação da Orquestra Tabajara de Severino Araújo na então
capital nacional (DIAS, 2010, p. 61).
de tango, de jazz, regionais de choro, orquestra de salão, orquestra sinfônica, etc. (DIAS, 2010,
pp. 67-68).
Ainda em 1948, aos 23 anos de idade, Moacir teve aulas com Guerra-Peixe13 por um
curto período, até que seu professor foi para o Recife desenvolver uma pesquisa. O jovem
saxofonista foi aconselhado a continuar seus estudos com Koellreuter,14 ao passo que também
recebia ensinamentos paralelos de Newton Pádua, Assis Republicano, José Siqueira, Joaquina
Campos, José Batista Siqueira, Radamés Gnattali e Paulo Silva (DIAS, 2010, p. 69). Todo esse
aprendizado ajudou Moacir a se tornar o primeiro maestro negro da Rádio Nacional, em 1951,
após ter feito o arranjo sinfônico para “A Baixa do Sapateiro” (Ari Barroso) e composto
“Melodia em Fá para trompa”. O jovem pernambucano seguia “apanhando sua estrela”.
Logo após o lançamento do álbum “Coisas” em 1965, Moacir teve o seu primeiro
contato profissional com os Estados Unidos, sendo convidado para fazer a trilha sonora do filme
Love in the Pacific, do diretor austríaco Zigmunt Sulistrowsky. Dois anos depois, o músico
tomou a decisão de sair do Brasil e se mudar para os Estados Unidos, pois como relata Dias
“em 1967, com medalhas no peito, mas acumulando contas a pagar e salários atrasados, o
compositor chegou a pensar em alugar o próprio carro para rodar na praça como táxi” (DIAS,
13
César Guerra-Peixe (1914–1993) foi um compositor, arranjador, professor e pesquisador carioca.
14
Hans Joachim Koellreuter (1915–2005) foi um compositor, professor e pesquisador alemão naturalizado
brasileiro.
15
Essa vasta produção foi homenageada com um concerto da Orquestra Sinfônica Nacional da Universidade
Federal Fluminense, em 2019, regido pelo maestro Tobias Volkmann. O repertório traz alguns arranjos que Moacir
fez, especialmente para a Rádio Nacional, de grandes sucessos das décadas de 1940 e 1950. Disponível em:
http://tvbrasil.ebc.com.br/partituras/2019/06/partituras-homenageia-o-maestro-moacir-santos. Acesso em: 19 de
agosto, 2019.
31
2010, p. 119). A situação estava complicada para Moacir e emigrar lhe parecia a melhor
solução. Segundo suas próprias palavras, “na TV Rio não se recebia, os artistas sentados na
escada esperando, estrelas inclusive. Um músico me mostrou a arma que levava, para forçar o
pagamento. Crise por crise, fiquei nos Estados Unidos” (DIAS, 2010, p. 119).
Quando chegou em Newark (Nova Jersey), Moacir confirmou a ideia que tinha acerca
do alto grau de profissionalismo e competitividade no mercado musical estadunidense. No ano
seguinte, em 1968, mudou-se para Hollywood, na Califórnia, onde colaborou na composição
de trilhas sonoras e gravou as primeiras músicas do LP “Opus 3 nº 1”, que só foi lançado anos
mais tarde (DIAS, 2010, p. 123). Em 1972, foi lançado o primeiro LP do compositor
pernambucano nos Estados Unidos pela Blue Note, gravadora a qual acompanhou Moacir em
outros dois álbuns. “Maestro” (1972) possui grande importância em sua discografia e, segundo
relato do flautista Ray Pizzi, que participou das gravações, os produtores “deixaram que ele
mesmo o fizesse, deixaram-no sozinho, livre, como uma ‘estrela brilhando’” (DIAS, 2010, p.
129). A questão rítmica na sonoridade do LP se destaca por conta da técnica de arranjo mojo,
assim chamada por Moacir, e que será explicada no próximo capítulo.
Mesmo com o acidente, a estrela de “Muacy” continuou brilhando por meio dos
trabalhos de revalorização da sua obra no Brasil, visto que ela foi pouco difundida no país desde
a emigração do músico para os Estados Unidos, em 1967. Esse movimento de resgate musical
foi necessário, pois “seus discos norte-americanos sequer foram lançados aqui, e o disco Coisas,
saído de catálogo, havia se tornado uma raridade (...). As gerações nascidas dos anos 60 em
32
diante desconheciam até mesmo sua existência” (DIAS, 2010, p. 152). Em 1998, os músicos
cariocas Mario Adnet e Zé Nogueira começaram o projeto “Ouro Negro”, que se concretizou a
partir do lançamento do CD duplo em 2001, através do selo MP,B e distribuído pela Universal,
sob patrocínio da Petrobras. O repertório inclui músicas de toda a carreira do compositor
pernambucano, inclusive as “Coisas”, com exceção da “Coisa nº 3”. Impossibilitado de tocar
por conta do AVC, Moacir voltou ao Brasil e acompanhou as gravações do CD, fato que foi
muito importante na condução dos ensaios. As partituras das “Coisas”, que se perderam após o
fechamento do selo Forma, foram reescritas por Mario Adnet e Zé Nogueira e revisadas pelo
compositor (DIAS, 2010, p. 154).
Foi no cenário plural e culturalmente agitado do Rio de Janeiro da década de 1960 que
Moacir Santos organizou as suas “coisas” e lançou seu primeiro LP (figura 3), em 1965, através
do pequeno selo Forma.16 Fora de catálogo durante décadas, o álbum ganhou versão
remasterizada em CD, como afirma Dias: “Mario Adnet e Zé Nogueira, associados ao produtor
João Linhares, coordenaram, em 2004, a reedição do LP Coisas em CD remasterizado a partir
16
Fundado por Wadih Gebara e Roberto Quartin no Rio de Janeiro, o selo Forma voltava-se à produção e difusão
de artistas de pouca projeção no cenário nacional, em oposição às grandes gravadoras Philips, Odeon, RCA e CBS.
33
da fita original, de 1965, e lançado pela Universal” (2010, p. 161). Em 2013, a gravadora
Polysom relançou o LP “Coisas” em vinil de 180 gramas, pela coleção Clássicos em Vinil.
O álbum, com suas dez faixas, é um marco na música instrumental brasileira por conta
de sua forte singularidade sonora (FRANÇA, 2007; DIAS, 2010; VICENTE, 2012; BONETTI,
2014). Roberto Quartin (1943-2004), responsável pela produção musical, afirma no texto de
apresentação da primeira edição do disco (figura 4), como se pode constatar na nota de Juvenal
Portella para o Jornal do Brasil, no seu ano de lançamento:
Em matéria para o jornal Última Hora no ano de 1965, o crítico musical Sérgio Porto
(1923-1968) resenha sobre a inovação que o álbum traz e a importância de Moacir Santos para
a música brasileira:
Nas palavras de Dias, “é fundamental observar os antecedentes dessa obra, que contém
uma das mais marcantes e originais sonoridades já construídas no Brasil” (DIAS, 2010, p. 90).
35
Por possuir grande admiração e encanto pela música erudita, Moacir quis nomear suas
músicas seguindo a tradição clássica do opus, termo latino que significa “obra” e cujo plural é
ópera. Porém, ao invés de chamá-las de “Opus nº 1”, “Opus nº 2”, preferiu “Coisa nº 1”, “Coisa
n° 2”, etc. Na dissertação Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica na década
de 1960, Gabriel França (2007) entrevistou o compositor em abril de 2006. Sobre o motivo do
título “Coisas”, o músico comenta:
(...) eu, quando na minha vida de estudos, fiquei muito entusiasmado com a erudição,
o clássico... eu fiquei agarrado com a palavra opus. Quando eu cheguei na gravação,
a convite do Baden, no estúdio, o moço desceu da ... técnica e disse: maestro, qual é
o nome dessa... aí eu disse: isso é uma coisa. Por que? Porque eu gostaria de dizer
opus 5, number tal, mas é uma coisa muito elevada para mim. Pelo menos naquela
17
Batizado pelo nome de Alfredo da Rocha Viana Filho, Pixinguinha (1897-1973) foi um compositor carioca de
grande importância para o choro, atuando também como maestro, flautista, saxofonista e arranjador.
18
Abigail Moura (1905-1970) foi um maestro, compositor, arranjador, instrumentista e copista mineiro, radicado
no Rio de Janeiro, que possuía forte ligação com a música afro brasileira.
19
Criada por Abigail Moura em 1942, no Rio de Janeiro, mesclava elementos jazzísticos de big band com a
percussão afro brasileira, juntamente com a voz da cantora Maria do Carmo. A orquestra lançou dois álbuns:
“Obaluayê!” (1957) e “Orquestra Afro-Brasileira” (1968).
20
Paul Hindemith (1895-1963) foi um maestro, compositor, violinista, violista e professor alemão. É considerado
um dos compositores de maior destaque na vanguarda alemã da década de 1920.
36
ocasião, naquela época... Mas eu sei que eu estou muito mais maduro, em vez de opus
qualquer, no popular, jazz. Mas eu ainda não posso dizer opus, não, porque eu sempre
fui admirador do clássico também, a música erudita, quer dizer, desenvolvimento e
etc... então é uma coisa: Coisa nº 1, Coisa nº 2... (FRANÇA, 2007, p. 142-143).
(...) Coisas vale, ainda, como uma lição de ritmo e harmonia, do cuidado na escolha
dos músicos, todos de um gabarito invejável. (...) Os instrumentistas que aparecem no
disco são: Julinho Barbosa, Dulcilando Pereira, Luíz Bezerra, Geraldo Medeiros,
Eduardo Maciel, Armando Pallas, João Jerônimo Medeiros, Nicolino Cópia, Chaim
Lewak, Cláudio das Neves, Wilson das Neves, Elias Ferreira, Jorge Ferreira da Silva,
Giorgio Bariola, Peter Dautsberg, Watson Clis e o fabuloso Moacir Santos.
De acordo com Lucas Bonetti (2014), em sua dissertação A trilha musical como gênese
do processo criativo na obra de Moacir Santos, parte do disco origina-se da trilha sonora
composta por Moacir para os filmes “Ganga Zumba” (figura 5) e “O Beijo” (figura 6), de Carlos
Diegues e Flávio Tambellini, respectivamente, ambos lançados em 1964.21 Segundo o
pesquisador, as “Coisas” de número 4, 5 e 9 são desdobramentos da trilha sonora em “Ganga
Zumba” (figura 7) enquanto que e as “Coisas” de número 2 e 8 tiveram origem na trilha de “O
Beijo”.
21
Lucas Zangirolami Bonetti é criador e produtor do projeto “Trilhas Musicais de Moacir Santos” (Itaú
Cultural/FAPESP), que visa sistematizar, analisar e divulgar as trilhas sonoras compostas por Moacir Santos ao
longo de sua carreira em plataforma digital. As transcrições musicais contam com revisão do pianista André
Mehmari e inclui depoimentos de Andrea Ernest Dias, Ney Carrasco, Paulo Tiné, Mario Adnet, Moacir Santos Jr.,
Zé Nogueira, Wynton Marsalis, dentre outros. Disponível em: http://www.trilhasmoacirsantos.com.br/.
37
O longa metragem “Ganga Zumba” conta ainda com as participações de Nara Leão
(1942-1989) e dos Filhos de Gandhi na interpretação e performance, além de Angenor de
Oliveira (1908-1980), o Cartola, no papel do personagem Salustiano. Sobre a sinopse, Bonetti
informa:
Filme produzido por Carlos Diegues e baseado no livro homônimo de João Felício
dos Santos (1911-1989), o filme Ganga Zumba conta a trajetória de um grupo de
escravos que foge da fazenda onde estavam até Palmares, o quilombo mais conhecido
da história. Junto com esse grupo está Antão (Antônio Pitanga), que todos acreditam
ser Ganga Zumba, o próximo rei de Palmares (BONETTI, 2014, p. 53).
38
Alexandre Vicente (2012), em sua dissertação Moacir Santos, seus ritmos e modos:
“Coisas” do Ouro Negro, afirma:
Coisas é o nome do primeiro álbum de Moacir, lançado em 1965 pelo extinto selo
Forma. Foi o único LP lançado no Brasil sob sua direção integral. Coisas tem parte
de sua gênese no longa-metragem Ganga Zumba, de Carlos Diegues, filme de 1964,
que traz a temática afro-brasileira da escravidão, sob direção musical integral de
Moacir Santos. Neste filme, ouvem-se pela primeira vez gravações de trechos das
Coisas nº 5, 4 e 9 (VICENTE, 2012, p. 34).
Essas e outras “coisas” já vinham sendo anotadas por Moacir em um caderno, chamado
por Dias de caderno “Pré-Coisas”. Um fato curioso é que, inicialmente, seriam onze ao invés
das dez “coisas” gravadas, como consta na lista anotada por Moacir (figura 8). A “Coisa nº 11”,
se existisse, equivaleria ao “tema do banzo”, que integra a trilha sonora de Ganga Zumba, por
conta do motivo inicial (BONETTI, 2014, p. 296).
39
Observa-se na lista acima que cada “Coisa” possui um padrão rítmico na melodia que
funciona como mote da composição. Esses padrões são oriundos dos “Ritmos MS” juntamente
com a influência da diversidade de ritmos afro brasileiros que nortearam o processo
composicional de Moacir Santos no álbum “Coisas”. Os “Ritmos MS” foram criados pelo
músico, com a denominação aludindo às suas iniciais, para serem um recurso pedagógico e
composicional, como será visto na próxima seção. Segundo Dias, “trata-se de pequenos padrões
rítmicos que, combinados entre si, resultam na criação de motivos ou temas melódicos” (DIAS,
2010, p. 77). Essa confluência rítmica produz um resultado sonoro de muita singularidade na
música instrumental brasileira. Como aponta Dias (2010):
No plano rítmico, fica clara a opção de Moacir Santos por estilizar os padrões da
cultura musical afro-brasileira, dando ao conjunto de Coisas uma caracterização única
na sonoridade instrumental dos anos 60, alcançada tanto pela associação da
instrumentação usual das bandas de música e big-bands jazzísticas à percussão típica
dessa tradição cultural (atabaques, agogôs, afoxés, etc.) quanto pelo tratamento
polirrítmico dispensado ao contraponto (DIAS, 2010, p. 114).
Dias (2010) associa, com a ajuda dos percussionistas Marcos Suzano e Carlos
Negreiros, as dez “Coisas” com ritmos oriundos da tradição musical afro brasileira,
40
Das dez Coisas de Moacir Santos, a nº 1 e nº 10, assim como várias de suas
composições têm como referência o toque ijexá para a construção da levada da seção
rítmica, em uma concepção não estritamente ligada à linha-guia. As gravações de
Coisas (1965) são possivelmente as primeiras a proporem e estilizarem (grifo meu)
este ritmo dentro do mercado fonográfico brasileiro, que se tornou constante ao longo
da produção de Moacir Santos (VICENTE, 2012, p. 88).
Moacir Santos estiliza (grifo meu) o toque ijexá, e transpõe a estrutura agogô, lé e
rumpi respectivamente para seu conjunto instrumental, violão, contrabaixo acústico e
atabaque (VICENTE, 2012, p. 89).
M: (...) Porque eu fui criado na religião católica, mas eu hoje me considero além da
religião católica.
E: No candomblé?
M: Não, teosofia. Têm mais coisas do que própria religião católica, pode crer. Fui
criado na Igreja até que aprendi outras coisas e expandi o horizonte dos meus
conhecimentos. Eu amo mais por causa dos meus conhecimentos. O ser humano tem
muito mais valor do que antes, para mim (FRANÇA, 2007, p. 149-150).
Por possuírem raízes africanas, esses ritmos caracterizam-se pela rítmica aditiva e as
polirritmias que a compõem (DIAS, 2010, p. 112). O conjunto de ritmos “prevê também a ação
de um fio condutor, o time line ou a menor célula constante que perpassa e dá referência ao
jogo polirrítmico” (DIAS, 2010, p. 113). Em sua dissertação, ao prosseguir para a seção de
análise rítmica, Vicente sinaliza: “Friso aqui, que nas análises e interpretações que se seguirão
sobre os instrumentos da seção rítmica de Moacir Santos, é fundamental a compreensão da
função cíclica das linhas-guia” (VICENTE, 2012, p. 66). No caso, ele adota o termo linha-guia,
22
O ritmo alujá será explicado em detalhe mais adiante, na seção de análises.
23
Os grifos referentes ao verbo “estilizar” foram feitos para sinalizar que neste trabalho o termo foi substituído
por “customizar”, como será visto adiante. Embora ambos signifiquem alterações pessoais em algo, o primeiro
termo também pode remeter ao aprimoramento de uma determinada coisa, segundo o Dicionário Michaelis Online.
Por isso, a escolha feita em usar o verbo “customizar” evidencia a intenção desta pesquisa em não emitir juízos de
valor sobre qualidade musical, uma vez que o verbo “estilizar” pode transmitir a ideia de sofisticação na obra de
Moacir Santos por conta de um suposto refinamento dos padrões rítmicos da música popular brasileira.
41
proposto por Oliveira Pinto (1999-2001), para se referir à timeline. O jornalista Sérgio Porto,
na matéria para o jornal Última Hora, também sinaliza para as timelines, ainda que de forma
menos técnica, ao tratar da repetição que os instrumentos percussivos executam no primeiro LP
do músico pernambucano: “o tom afro das músicas de Moacir é incontestável e sua maneira de
fazer de qualquer instrumento, um instrumento de percussão, às vezes de forma exaustiva (grifo
meu), nos dá a certeza de um caminho novo”. Portanto, as timelines são uma ferramenta crucial
na análise musical das “Coisas” de Moacir Santos, principalmente no que se refere à questão
rítmica, que será discutida em detalhe a seguir.
42
4 ANÁLISES
Nesta seção, pretende-se fazer uma análise das “Coisas” nº 4, nº 5 e nº 9 tendo como
base a escuta dos fonogramas originais de 1965 (fonte primária) e o livro de partituras
confeccionado por Adnet e Nogueira. Nesse sentido, esta pesquisa se insere na metodologia
descritiva e documental, de acordo com Gerhardt e Silveira (2009). Segundo eles, esta
investigação é descritiva, pois “pretende descrever os fatos e fenômenos de uma determinada
realidade” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35) e é documental, visto que “recorre a fontes
mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.
37). Além das análises, este capítulo conta com algumas informações anteriores ao álbum
“Coisas” que são relevantes para contextualizar o processo composicional. Como não se trata
de uma análise musical convencional, o trabalho não se restringe aos cânones metodológicos
da análise harmônica, melódica e formal, apesar de explanar aspectos formais em uma
abordagem global das músicas. O que se faz aqui é uma análise com foco no aspecto rítmico,
mas também incorporando outros elementos de ordem melódica e/ou harmônica que possam
auxiliar em uma melhor compreensão do discurso musical. Com isso, priorizou-se a
verticalidade das composições, os contrastes entre as ideias musicais articuladas por Moacir
Santos e as texturas polirrítmicas.24
Todos os músicos profissionais, naquela época, iam estudar música “superior” com
ele. Era um professor sensacional, meio metafísico, explicava a harmonia, os
intervalos entre as notas, as dissonâncias, usando como exemplo as estrelas. Fui
estudar com ele essas “sabedorias”, ficamos muito amigos e por causa dessa amizade
ele começou a me mostrar as composições que fazia no piano e não mostrava a
ninguém. Tocava para mim as músicas e dizia: “- Olha essa coisa que eu fiz, escuta
essa outra coisa”. As composições não tinham nome, foi então que ele resolveu batizá-
las de “Coisa nº 1”, “Coisa nº 2” etc. (grifo meu). (DIAS, 2010, p. 74).
24
A verticalidade mencionada neste trabalho refere-se à interação (ou sobreposição) das partes instrumentais,
tendo como foco as relações rítmicas. Por isso, as análises possuem como um dos critérios a perspectiva, ou o
olhar, vertical sobre as ideias composicionais.
43
Os “Ritmos MS” também apareceram nas “Coisas”, como fica claro nos trechos
selecionados de “Coisa nº 4” e “Coisa nº 5” (figuras 11 e 12).
25
“Os Afro-sambas”, lançado em 1966, é um álbum com composições de Baden Powell e Vinícius de Moraes,
arranjado por Guerra-Peixe. Ficou bastante conhecido pela sonoridade de matriz africana, principalmente no que
se refere à música de candomblé, atrelada ao samba.
44
O uso que Moacir atribuía a esses ritmos pode ser remetido aos conceitos de timeline,
expostos na segunda seção deste trabalho. A partir de uma motivação composicional, os
“Ritmos MS” serviam como orientação rítmica na música, sejam executados por instrumentos
melódicos, harmônicos ou percussivos.
Dias (2010) identificou, segundo exposto anteriormente, os ritmos que podem ser
associados às composições do álbum “Coisas”, e as de número 4, 5 e 9 foram remetidas ao
toque de candomblé denominado alujá (exemplo 8).26 Esse toque também pode ser remetido à
ideia de timeline, pois é executado por um instrumento percussivo agudo (agogô) de maneira
cíclica e repetitiva, orientando as variações dos atabaques do candomblé: o rum, rumpi e lé.
26
Segundo o Dicionário Michaelis Online, é um “toque de candomblé com o fim de provocar a vinda de Xangô
nas festas do terreiro de candomblé”.
45
É importante reforçar que a pesquisa feita por Dias (2010), com auxílio de
percussionistas, é uma associação dos ritmos escritos por Moacir Santos no álbum “Coisas”
com os toques de candomblé. Pode-se dizer que o compositor fez uma customização rítmica,
visto que as timelines foram criadas por ele mesmo, ainda que façam alusão a outros padrões
rítmicos. Retomando ao que já foi citado no final da seção anterior, Vicente comenta sobre o
toque ijexá ao analisar as “Coisas” nº 1 e nº 10:
Das dez Coisas de Moacir Santos, a nº 1 e nº 10, assim como várias de suas
composições têm como referência o toque ijexá para a construção da levada da seção
rítmica, em uma concepção não estritamente ligada à linha-guia (grifo meu). As
gravações de Coisas (1965) são possivelmente as primeiras a proporem e estilizarem
este ritmo (grifo meu) dentro no mercado fonográfico brasileiro, que se tornou
constante ao longo da produção de Moacir Santos (VICENTE, 2012, p. 88).
No mesmo sentido, França (2007) aponta para a criação da timeline na “Coisa nº 5”,
quando discute a suposta referência do “jongo da Serrinha” que Moacir teve na composição:
Enfatizamos, no entanto, que não se pode afirmar que a levada utilizada por Moacir
Santos seja retirada da levada do jongo da Serrinha, mas, somente, que são
semelhantes. Acreditamos que não haja uma levada única, original, da qual Santos
retirou material para uma estilização (grifo meu) e sim que, sendo Moacir Santos um
músico profissional atuante desde a infância em diversas cidades do país, que
cultivava a música afro-brasileira (...), o material utilizado para a criação de uma nova
levada (grifo meu) vinha do seu arcabouço musical adquirido por sua vivência (...)
(FRANÇA, 2007, p. 117).
• São as três “Coisas” que têm origem na trilha sonora do filme “Ganga Zumba” que
trata da escravidão dos negros no Brasil, e isso reafirma o fato dessas composições se
destacarem pelo acentuado caráter de matriz africana no álbum “Coisas”;
• A soma de 4 + 5 é igual a 9.
Esse livro (...), com os arranjos completos das dez “Coisas” moderníssimas de Moacir,
exerce um fascínio especial sobre nós, talvez pelo fato de as partituras terem
desaparecido à época em que o selo Forma (...), foi vendido para a antiga Philips (atual
Universal). Ficamos imaginando o que teria acontecido ao baú entregue à gravadora
no início dos anos 1970. Para a sorte de todos nós a fita, com a caixa toda escrita por
Moacir, estava intacta e através de uma cópia, feita pelo Zé (José Nogueira), pudemos
reescrever as partituras, nota por nota, fazendo consultas regulares ao maestro, que
mora em Los Angeles, por telefone (ADNET; NOGUEIRA, 2005, p. 7).
Esse material servirá como fonte de consulta para as análises que virão a seguir, assim
como os trabalhos dos pesquisadores França (2007), Dias (2010), Vicente (2012) e Bonetti
(2014).
4.1 COISA Nº 4
A “Coisa nº 4” tem seu primeiro arranjo na trilha sonora do filme “Ganga Zumba”,
intitulado “tema de apresentação do personagem principal”, e auxilia na construção do papel
47
do personagem principal: Ganga Zumba, “suposto neto de Zambi e futuro rei de Palmares”
(BONETTI, 2014, p. 74). Executado duas vezes durante o longa metragem, o “tema de
apresentação do personagem principal” possui a seguinte instrumentação: na primeira vez, há
um coro masculino, trompete em Bb, naipe de metais, clarone, atabaques e um rum (atabaque
grave); na segunda aparição, Moacir utilizou apenas um trombone com surdina e um atabaque
(BONETTI, 2014, p. 75). Já na gravação do álbum “Coisas”, a instrumentação utilizada foi:
flauta, trompete em Bb, sax alto, sax tenor, sax barítono, trompa, trombone, trombone baixo,
contrabaixo, agogô e congas (ADNET; NOGUEIRA, 2005).
A estrutura ABA’ pode ser relacionada à forma binária circular ou forma canção. Na
parte A, Moacir estabelece um centro em Dó menor utilizando a repetição dos acordes de Cm
e Gm. Considerando este contexto harmônico, a linguagem não é tonal e também não é possível
estabelecer um modo específico. Como diz Vicente, “é ausente o intervalo de 6ª, o que
novamente não define um modo. (...) Não é possível caracterizar o modo eólio, tampouco dórico
pela ausência da nota característica destes modos” (VICENTE, 2012, p. 158). Na parte B, são
utilizados os acordes de Gm7, Fm7, G7sus4 e G7(b9), sendo este último um acorde dominante
que confirma o centro em Dó menor. Por fim, na Coda há uma progressão com um novo
desenho na linha do baixo nos quatro últimos compassos finalizando com um acorde de Dó
maior (terça de picardia).
48
Sobre a melodia principal, Moacir comenta no encarte do álbum duplo “Ouro Negro”
(2001): “Foi como imaginei os negros fugindo da senzala. A melodia, com as notas longas,
significa a esperança... (...)” (SANTOS, 2001, p. 31). O miolo possui, talvez, uma função mais
rítmica do que harmônica, completando os espaços do ostinato. As notas longas da melodia
principal, tocadas pelo trombone e pela flauta na parte A, contrastam com o ostinato composto
por colcheias e executado pelo sax barítono, trombone baixo e contrabaixo.
49
O padrão rítmico composto por quatro notas, que forma uma unidade de dois
compassos, constitui um ostinato repetido quase de forma minimalista na parte A. Ele também
traz uma sensação de movimento contundente e bravo, de alguma forma ilustrando a intenção
do compositor em representar a fuga dos negros da senzala. O padrão associa-se ao Ritmo MS
1 (ver figura 9). Ajustando a duração das figuras rítmicas, essa relação fica ainda mais clara nos
dois primeiros compassos da obra.
Nos primeiros quatro compassos da parte B, o ostinato é formado por graus conjuntos
seguidos por um salto. A partir desta última nota mais aguda forma-se um contracanto
cromático descendente da sétima menor até a quinta justa. Este movimento é antecipado pelo
miolo no primeiro contratempo, mais especificamente pela trompa, combinando o interesse
rítmico com a harmonia do trecho.
Essa timeline fecha uma unidade de compasso e contém 12 pulsações divididas nas
tercinas no compasso quaternário simples. De acordo com Ribeiro (2017), o pensamento da
rítmica aditiva é calcado nos valores rítmicos enquanto pulsações e não subdivisões, como é
comum na rítmica divisiva. A adição dos valores pode resultar em subdivisões ímpares na
notação tradicional, como acontece no exemplo acima através das tercinas. Conforme descrito
no capítulo sobre timeline, Oliveira Pinto (1999-2001) propõe uma notação que mostra a
diferenciação dos pulsos elementares, representados pelas semicolcheias na notação
convencional. O “x” é a pulsação percutida e o “.” é a pulsação muda na linha rítmica. Assim,
o exemplo acima poderia ser representado da seguinte maneira:
..x.x.xxxx..
Esta timeline também poderia ser escrita em compasso 12/8, quaternário composto,
pois nota-se a ligadura como uma das características da timeline na notação tradicional.
Observa-se, também, o desaparecimento das tercinas visto que o compasso 12/8 contém quatro
agrupamentos de três colcheias ao invés de duas, como no compasso quaternário simples.
Por outro ângulo, podemos afirmar que o ostinato também cumpre função de
orientador rítmico na “Coisa nº 4”, uma que vez a timeline pode ser executada por um
instrumento que não seja percussivo (OLIVEIRA PINTO, 1999-2001). O ostinato possui ciclo
de dois compassos quaternários simples e 16 pulsações, sendo a colcheia a figura de menor
duração.
53
..xxx.xxx.xxxxxx
Para terminar esta análise da “Coisa nº 4”, é importante sinalizar que ocorre uma
antecipação da última colcheia no ostinato. Há dois motivos em cada frase, de ritmos iguais
porém com contornos melódicos distintos: Mib, Dó e Sib (descendente); Sol, Sib e Dó
(ascendente). No segundo compasso, espera-se que ocorra uma repetição do primeiro, mas no
final acontece uma antecipação de colcheia, contrariando a sensação de que a última nota fosse
situada no primeiro tempo do primeiro compasso.
4.2 COISA Nº 5
“Nanã”. Lançada no álbum “The Maestro” (1972), consiste no material do “tema principal”,
sem a parte introdutória do “tema de procissão a Palmares”. Como afirma Bonetti:
Fica claro que Moacir, para compor a versão da “Coisa nº 5” presente no álbum
Coisas, utilizou o material composicional de dois fragmentos diferentes de sua trilha
para Ganga Zumba. A introdução foi desenvolvida por meio do “tema da procissão a
Palmares” e o corpo principal da música a partir do “tema principal”. Já a composição
de “Nanã”, presente no disco The Maestro de 1972, só se baseia no “tema principal”
(BONETTI, 2014, p. 283).
O título “Nanã” foi dado por Moacir e faz referência à divindade do candomblé,
representante dos mistérios e considerada matriarca suprema, pois é associada à fertilidade na
mitologia nagô-iorubá. Sobre a escolha do nome, o músico comentou em depoimento:
Uma é coisa é que Cleonice tinha ligação espiritual com Nanã, a mãe d’Água. Mas
“Nanã” não foi diretamente inspirada em Cleonice. No Rio de Janeiro, no Parque
Guinle, foi onde me inspirei. (...) Um dia estava nos jardins do parque e me veio a
idéia para “Nanã”. Intitulei dessa maneira porque me pareceu como algo assim, que
desse a idéia de alguma coisa sem muita experiência, “Nanã”, duas sílabas. Penso que
sou muito espiritual, mas não era muito ligado nessas coisas. Cleonice é muito
espiritual, e então uma amiga depois lhe disse: “Enquanto Nanã existir no céu, essa
música não vai deixar de ser tocada no mundo”. Então eu estou nessas águas, nas
águas de Nanã (risos) (Dep. MS 1992 apud DIAS, 2010, p. 208).
A seção introdutória é intitulada dessa maneira porque tem conteúdo suficiente para se
sustentar como uma parte, tanto que é substancialmente mais longa do que as partes A e B. Por
isso, ela não é somente uma introdução. Em uma visão mais ampla, a peça está dividida em
55
duas seções: 1) “tema de procissão a Palmares” (seção introdutória) e 2) “tema principal” (A,
B e Coda).
Assim como na “Coisa nº 4”, a estrutura ABA’ pode ser relacionada à forma binária
circular ou forma canção. Entretanto, há uma compactação dessa forma na “Coisa nº 5”, visto
que as partes possuem metade da quantidade padrão de compassos. A soma 8 + 4 + 4 (ABA’)
substitui a configuração tradicional 16 + 8 + 8 da forma canção. A parte A é formada por uma
frase de oito compassos com um desenho periódico, ou seja, uma ideia básica de dois compassos
seguida por uma ideia contrastante, executada pelo sax barítono e trombone. Já a parte B, que
é executada pelo sax tenor e trombone, possui uma unidade de dois compassos que serve de
modelo para repetição um tom abaixo na sequência, totalizando quatro compassos. Com
duração de oito compassos, a Coda explora material melódico da parte A com uma unidade de
quatro compassos que se repete. Cada unidade tem dois motivos com contornos e ritmos iguais,
porém os intervalos são distintos: quinta justa (ascendente) e segunda maior (descendente);
terça menor (ascendente) e terça menor (descendente).
M: Isso é uma outra coisa [quando questionado sobre terça maior e menor]. Boa
pergunta, que eu tenho o prazer de explicar: eu nas minhas aulas, na seção de
aprendizagem do Moacir, eu fui formado pelo Guerra-Peixe (...). Então ele me disse
em uma ocasião que há coisas que... (canta o arpejo de um acorde maior com sétima
menor e nona aumentada) o negro nunca alcançou... (canta novamente provavelmente
referindo-se à terça menor/nona aumentada).
E: O Sr. está dizendo que isto é um arpejo de um acorde maior com sétima menor com
a terça menor oitava acima, que tem caráter “negro” (grifo meu)?
M: É isso, mas o Guerra-Peixe me falou que o negro não alcançou... isso é coisa dele,
ele era muito pesquisador, então não sei onde ele arranjou isso. Pode ser uma invenção
dele, eu não sei. (FRANÇA, 2007, p. 143).
Para mim, “Nanã” é um blues, é o meu blue, completamente (grifo meu). Mas é bem
diferente, a atmosfera, o aspecto, o blues tem um número de compassos, é outra coisa
(eu digo, a medida), tem bastante coisa aí que é diferente do blues. Sim, é
completamente diferente, é a coisa brasileira, é outro vocabulário (Dep. MS 1996
apud DIAS, 2010, p. 212).
56
Moacir escreve no encarte do CD “Ouro Negro”: “Fico muito feliz de vocês terem
gravado a versão original, porque foi assim que ouvi e assim que fiz. É uma grande procissão”
(SANTOS, 2001, p. 17). Em depoimento nas gravações do DVD “Ouro Negro” (2005), o
músico comenta que a música foi pensada a partir de uma procissão de negros.27 Nessa mesma
ocasião, é ressaltado o caráter binário da composição, quando Zé Nogueira e Moacir cantam a
melodia da parte A e marcam o tempo com as mãos. No “Caderno Pré-Coisas”, a anotação para
a trilha de “Ganga Zumba” revela o compasso binário simples (2/4) na melodia principal (ver
também figura 8) e o compasso binário composto (6/8) na parte intitulada “ritmo” (figura 13).
27
Depoimento contido em trecho extraído do DVD Ouro Negro, em que Moacir conversa com Mário Adnet e José
Nogueira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gVeE7WZG_IY. Acesso em: 23 out, 2019.
57
Na metade da seção introdutória (C. 10), é revelada a sonoridade resultante das quatro
texturas formadas pela melodia principal, miolo, ostinato e percussões.
O miolo, representado pela trompa e pelo trombone, executa duínas (quiálteras de dois
tempos em compasso composto) que se contrastam com as colcheias do ostinato, tocado pelo
sax barítono, trombone baixo e contrabaixo, na segunda parte dos compassos.
Moacir comenta em entrevista para França: “Tem uma coisa chamada hemíola. (...) eu
uso muito hemíola, o dois para três” (FRANÇA, 2007, p. 141). Trata-se de um fenômeno
rítmico em que há uma coexistência de dois e três pulsos no mesmo intervalo de tempo ou,
como afirmam Cooper e Meyer, “no qual a oposição de três grupos tocados contra dois grupos
58
de três (2+2+2/3+3) é resolvido depois de seis tempos” (COOPER; MEYER, 1960 apud
VICENTE, 2012, p. 93). Ao comentar sobre a “Coisa nº 5”, Dias ressalta que “o plano rítmico
é todo estruturado na perspectiva polirrítmica, justapondo agrupamentos binários a ternários
(grifo meu), (...) uma das características do mundo sonoro afro-ocidental” (DIAS, 2010, p. 213).
Em convergência, Ribeiro explica:
Uma vez que um compasso 3/4 e o compasso 6/8 têm o mesmo número de colcheias,
é possível mudar o agrupamento binário de três colcheias para um agrupamento
ternário de duas colcheias. Esta troca entre binários e ternários no mesmo nível
métrico, chamada ocidentalmente de hemíola (grifo meu) (...) (RIBEIRO, 2017, p.
98).
A marcação feita pelo ostinato e pelo agogô apontam para a formação de uma timeline
na introdução da música.
No entanto, a análise da levada executada pela caixa clara a partir do compasso 22,
juntamente com as acentuações, conduz à intenção do compositor em utilizar o Ritmo MS 2
nos motivos. Cada um deles dura duas colcheias sendo repetidos quatro vezes no ciclo da
levada, somado a um rulo de caixa no final, totalizando cinco ataques. É importante atentar para
a seguinte observação: em dois compassos binários compostos (somando quatro tempos no
total), com a subdivisão de três colcheias em cada tempo, há cinco acentuações na execução da
caixa, sendo que a última rompe com a regularidade dos motivos. Esse padrão rítmico se
mantém durante quase toda a música e pode ser considerado uma timeline, pois, além de ser
executado por um instrumento percussivo agudo, tem uma irregularidade interna. Assim, ele
também pode ser utilizado como orientador rítmico na composição, sobretudo porque o último
golpe na caixa contraria a duração regular dos anteriores.
Se a levada acima for trocada por uma linha rítmica restrita às notas acentuadas, obtém-
se uma timeline reduzida.
60
Continuando na parte A, a partir do compasso 22, surge uma interação entre o miolo e
o ostinato na seção rítmica da “Coisa nº 5”, com uma unidade de dois compassos. Dessa vez, o
miolo é executado pelo trompete, saxofones alto e tenor, trompa e guitarra (que condensa as
quatro vozes dos sopros). E o ostinato é composto somente pelo trombone baixo e contrabaixo.
61
E: Sobre a fase dos Estados Unidos, o Sr. criou um ritmo que é chamado de Mojo...
M: Eu cheguei lá nos Estados eu vi um ritmo... então eu criei o Mojo, eu inventei essa
palavra: Mojo [...] vindo do negro americano.
E: O Sr. criou esse ritmo porque os músicos americanos tinham dificuldade de tocar
samba?
M: Não, criei por vaidade mesmo, porque ouvi uma expressão negroide, da África. O
negro foi espalhado pelo mundo inteiro. Então, naturalmente, o negro americano veio
da África. Ele é diferente, anda diferente. Então eu inventei uma coisa diferente
também, como um negro brasileiro, semi-americano (FRANÇA, 2007, p. 144).
28
Na cultura afro americana, mojo é um pequeno objeto ou bolsa que representa magia, feitiço ou amuleto.
Geralmente, é utilizado na prática do hoodoo ou voodoo.
62
Na comparação abaixo, verifica-se que a timeline reduzida da caixa clara (exemplo 26)
está contida no mojo e essa relação torna-se mais clara com as acentuações. Dessa forma,
podemos deduzir que o mojo é uma variação da timeline reduzida.
4.3 COISA Nº 9
Assim como as obras anteriores, a “Coisa nº 9” possui sua primeira versão no filme
“Ganga Zumba” e integra a trilha sonora como “tema do amor”. Esse tema aparece três vezes
durante o longa metragem e, na primeira aparição, é responsável por criar a atmosfera musical
do romance entre dois escravos: os personagens Ganga Zumba e Cipriana. Na segunda aparição,
a melodia é cantada sem letra (de forma silábica e vocalizada) por Cipriana enquanto trabalha
na senzala e transmite lamento, fazendo alusão a um canto de trabalho. E na última aparição, o
tema ambienta a separação do casal Ganga Zumba e Cipriana em clima de ciúmes, por meio de
um arranjo melancólico e introspectivo (BONETTI, 2014). Em diálogo com a segunda aparição
do “tema do amor” no filme “Ganga Zumba”, Moacir comenta sobre a “Coisa nº 9” no encarte
do CD “Ouro Negro”: “Isso é um lamento” (SANTOS, 2001, p. 27).
No “Caderno Pré-Coisas” de Moacir Santos (ver figura 8), a “Coisa nº 9” foi pensada
em Dó menor e em 4/4. Ao lado do tema há uma sinalização vinculando-a ao filme “Ganga
Zumba”. Porém, um outro manuscrito do mesmo tema (figura 14) que parece ser anterior ao
“Caderno Pré-Coisas”, indica o centro harmônico em Fá menor e o compasso 2/4. No título, há
a seguinte evidência de que o esboço é mais antigo: “Um tema ‘afro-brasileiro’ (talvez p/
‘Ganga Zumba’)”. Um detalhe nesta partitura é o Gb anotado acima do acorde de C, sugerindo
uma substituição por trítono.
Dessa forma, nota-se o movimento por graus conjuntos nas notas mais graves e
intermediárias, além dos intervalos de segunda maior e terça menor nas mais agudas. Os dois
últimos blocos produzem um efeito de hemíola, pois ocupam o espaço dos três últimos tempos
no compasso quaternário. A escrita de cada grupo em bloco, em conformidade com a rítmica
aditiva, facilita a explicação e a execução dos apoios sobre as notas, que realçam a mudança na
sensação de tempo provocada pela hemíola.
66
A terceira frase (C. 3 e C. 4) possui relação com a primeira (C. 1 e C. 2) no que tange
à sequência do agrupamento e ao contorno melódico, revelando um padrão. Ambas têm oito
notas e podem ser agrupadas em três grupos. Porém, a terceira frase encontra-se invertida
comparada à primeira (considerando o primeiro agrupamento), tanto na sequência quanto no
contorno. Ela possui a sequência 3 + 3 + 2 e o contorno descendente nas dimensões interna e
externa, sendo simétrica à primeira frase da peça.
Além do tema, há quatro texturas nas partes A e A’ executadas pela guitarra, órgão,
contrabaixo e congas (simplificadas em duas alturas: grave e agudo). Observa-se a
predominância de quiálteras na guitarra, órgão e congas, formando uma polirritmia com o
contrabaixo e a melodia principal.
70
A timeline está presente nas congas e fica melhor representada em compasso 12/8, pois
é composta exclusivamente de quiálteras. É também possível reduzi-la em uma única altura e
vale ressaltar que essa timeline se mantém igualmente na parte B.
5 TRANSCRIÇÃO E ARRANJO
O processo de transcrição e arranjo das “Coisas” selecionadas para esta pesquisa teve
como fonte o livro “Coisas: cancioneiro Moacir Santos” (2005), bem como as gravações
originais do álbum de 1965. Assim, foram elaboradas transcrições das “Coisas” nº 4 e nº 5, em
formato de redução para instrumento melódico e violão, e um arranjo para violão solo da “Coisa
nº 9”. Nesta seção, busca-se fazer um breve memorial descritivo sobre a construção das
partituras, que teve como laboratório inicial a disciplina optativa “Seminário em Música:
Tópicos especiais III (Transcrição, Arranjo e Composição para Violão)”, ministrada pelo
orientador prof. Dr. Luciano Lima. O conteúdo aqui mencionado encontra-se disponível nos
apêndices deste trabalho.
5.1 COISA Nº 4
A peça foi escolhida para ser transcrita em formato de redução, utilizando o violão
como instrumento acompanhador. Para tal, optou-se por alterar a tonalidade original de Dó
menor para Mi menor com o intuito de facilitar a execução violonística por conta do
idiomatismo que a tonalidade propicia. No violão encontram-se reduzidos os seguintes
instrumentos: saxofones alto, tenor e barítono, trompa, trombone, trombone baixo e
contrabaixo. No tema encontram-se representados a flauta, trompete (somente na Coda), sax
alto e tenor (somente na Coda) e trombone. A resposta melódica do trompete na parte B não foi
adicionada ao tema e nem ao acompanhamento do violão. Na transcrição, manteve-se a forma
original, porém sem as seções de improvisação. Nos apêndices estão a grade e as partes do tema
em Bb e Eb, para o caso de instrumentos transpositores.
5.2 COISA Nº 5
Assim como na “Coisa nº 4”, a peça foi selecionada para ser transcrita em formato de
redução, tendo o violão como instrumento acompanhador. A tonalidade original de Ré menor
foi mantida, pois traz vantagens à execução violonística com a 6ª corda afinada em Ré.
73
Entretanto, a modulação súbita para Mi bemol menor, que ocorre na segunda metade da obra,
não foi acolhida por não ter um resultado satisfatório ao violão. Por causa disso, a forma original
não foi mantida e a seção de improvisos não está presente. No violão encontram-se reduzidos
os seguintes instrumentos: trompete (somente na Coda), saxofones alto (somente na Coda),
tenor (somente na Coda) e barítono, trompa, trombone, trombone baixo, guitarra, contrabaixo,
agogô (timeline da introdução) e caixa clara (menção à timeline da parte A), nos C. 20 e C. 21.
Já no tema, encontram-se representados a flauta, trompete, saxofones alto, tenor e barítono e
trombone. Nos apêndices estão a grade e as partes do tema em Bb e Eb, para o caso de
instrumentos transpositores.
5.3 COISA Nº 9
Ao contrário das anteriores, esta peça foi escolhida para ser arranjada para violão solo
por conta do seu caráter lamentoso, já comentado por Moacir no encarte do álbum “Ouro
Negro”. A tonalidade original de Fá menor foi alterada para Mi menor, objetivando uma melhor
execução violonística, o que também proporcionou o uso de harmônicos naturais na introdução
(C.1) e na improvisação escrita (C. 41). A forma original foi mantida, inclusive contando com
uma seção de improvisação criada especialmente para este arranjo, sendo adicionada uma
Codetta ao final, utilizando material melódico da introdução. No violão, encontram-se
reduzidos todos os instrumentos presentes na gravação original, com suas devidas adaptações.
Nesse sentido, como a pesquisa trata do aspecto rítmico, uma realização da percussão encontra-
se no trecho do C. 50 ao C. 53, adaptada ao corpo do violão com três alturas (grave, médio e
agudo). Também, a região grave do violão, além de marcar a linha original do contrabaixo, faz
alusão à timeline da peça na parte A e na improvisação escrita, a exemplo do C. 7 e C.8. A
fórmula de compasso original da obra (4/4) foi alterada para 12/8 (exceto na introdução) a fim
de reproduzir com mais fluidez na leitura as tercinas executadas na gravação original, sem que
houvesse a indicação de quiálteras em demasia. Assim, só há indicação de alteração rítmica,
sob a forma de duínas, na anacruse do tema e em momentos pontuais da parte A e da
improvisação escrita. Optou-se, também, por não considerar as bordaduras da parte A presentes
na execução da gravação original.
74
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo principal identificar e analisar as timelines presentes
nas “Coisas” nº 4, nº 5 e nº 9. Atrelada a isso, a pesquisa também pretendeu fazer uma análise
musical das peças por meio de uma abordagem rítmica (capítulo 4), tendo como critérios a
verticalidade das composições, as texturas polirrítmicas e os contrastes entre as ideias musicais
articuladas por Moacir Santos. Dessa forma, gerou-se resultados pertinentes no tratamento
analítico, que podem despertar novos olhares para a obra do compositor. No que tange à revisão
bibliográfica sobre timeline e o universo rítmico da música de matriz africana e,
especificamente, afro brasileira (capítulo 2), houve uma coleta de informações para a discussão
dos conceitos e suas implicações na música popular brasileira. Sobre a biografia de Moacir
Santos (capítulo 3), foi feita uma reunião compacta e concisa dos principais fatos na vida do
músico, juntamente com uma contextualização do período em que foi lançado o álbum
“Coisas”. Além disso, a pesquisa também se propôs a construir duas transcrições e um arranjo
para violão das três peças selecionadas para análise (capítulo 5 e apêndices). Esse material
revela o vínculo desta investigação com a prática musical, atribuindo importância às atividades
da transcrição e do arranjo, fundamentais ao ofício do músico popular. E, sobretudo, essas
partituras divulgadas podem ser difusoras da música de Moacir Santos, ativando sua circulação.
Especificamente sobre o uso que Moacir faz das timelines, esta pesquisa evidenciou a
estreita relação da música de matriz africana com as composições analisadas, realçando as
características afro brasileiras. Entretanto, as análises realizadas revelaram que as timelines
identificadas apresentam configurações diferentes das que são normalmente utilizadas na
música popular do país. Embora alguns desses padrões rítmicos tradicionais, já internalizados
na cultura musical brasileira, se encaixem nas peças selecionadas, Moacir os customiza criando
novas combinações que funcionam como orientadoras do ritmo. A timeline contida no toque de
candomblé alujá poderia ser aplicada sem nenhum prejuízo rítmico nas músicas investigadas.
Porém, com a ressignificação desse padrão no processo composicional de Moacir, constatou-se
o uso de timelines distintas nas três peças. No caso das “Coisas” nº 4 e nº 5, observou-se o uso
de mais de uma timeline. Ademais, um outro resultado foi o vínculo percebido, na “Coisa nº 5”,
entre a timeline e a técnica de arranjo mojo já na sua primeira produção autoral, ainda em solo
brasileiro.
75
Para terminar, vale retomar os comentários feitos por Moacir no encarte do álbum
“Ouro Negro” sobre as três “Coisas” analisadas. Para ele, a “Coisa nº 4” representa uma fuga
dos escravos e traz esperança por meio das notas longas do tema. Já a “Coisa nº 5” está ligada
a uma procissão de negros, com características do blues estadunidense. E a “Coisa nº 9” é, para
Moacir, um lamento, que também já foi chamado por ele de “tema do amor” na trilha sonora
do filme “Ganga Zumba”. Fuga, esperança, procissão, blues, lamento e amor talvez sejam
palavras que simbolizem a música de Moacir Santos.
76
REFERÊNCIAS
ADNET, Mário; NOGUEIRA, José. Coisas: cancioneiro Moacir Santos. Rio de Janeiro:
Jobim Music, 2005.
BONETTI, Lucas Zangirolami. A trilha musical como gênese do processo criativo na obra
de Moacir Santos. 545 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-Graduação
em Música do Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.
DIAS, Andrea Ernest. Mais “coisas” sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 326 f. Tese (Doutorado em Música) – Escola de Música, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2010.
FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção
rítmica na década de 1960. 183 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-
Graduação em Música, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
NKETIA, Joseph Hanson Kwabena. African music in Ghana. Evanston, IL: Northwestern
University Press, 1963.
OLIVEIRA PINTO, Tiago de. As cores do som: estruturas sonoras e concepção estética na
música afro-brasileira. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, São Paulo, p. 87-
109, 1999/2000/2001.
PORTELLA, Juvenal. Discos Populares: Moacir Santos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16
set. 1965. Caderno B, p. 22.
PORTO, Sérgio. Discos: Coisas de Moacir Santos. Última Hora, Rio de Janeiro, 11 out. 1965.
Número 1649, p. 40.
SANTOS, Moacir. Coisas. Rio de Janeiro: Forma, 1965. Disco em vinil, estéreo.
SANTOS, Moacir. Ouro Negro. Rio de Janeiro: Som Livre, 2001. 2 discos compactos digitais,
estéreo.
VICENTE, Alexandre Luís. Moacir Santos, Seus Ritmos e Modos: "Coisas" do Ouro Negro.
218 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de
Artes (CEART), Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.
78
APÊNDICES
- Transcrição da “Coisa nº 4”
- Parte em Bb da “Coisa nº 4”
- Parte em Eb da “Coisa nº 4”
- Transcrição da “Coisa nº 5”
- Parte em Bb da “Coisa nº 5”
- Parte em Eb da “Coisa nº 5”
- Arranjo da “Coisa nº 9”
Coisa nº 4
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)
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2 Coisa nº 4
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Coisa nº 4 3
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4 Coisa nº 4
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Parte em Bα Coisa nº 4
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)
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q = 120
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3
3
2 Coisa nº 4
∀ ∀ ∀ − œ− œ− œ− µ œ− œ 3 œ œ ˙ − ‰ − œθ œ− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ ˙ −
3
‰ − œθ œ− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ
3
œ
37
% −
∀∀∀ ϖ ϖ
˙ ≈œœ œœœœ ϖ Œ
42
% ˙
œ œ
3
∀∀∀ œ œ µ œ œ Œ
œœœ œœœ ˙ œ
47
% œ œ
3 3
3
ϖ ϖ ϖ ˙
∀∀∀ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
ϖ ‰ − œθ −−
53 1.
% œ ϖ ˙−
3
∀∀∀ ϖ ˙ œ œ ∀œ œ œ ϖ
‰ œœ≈œœœ ‰ ≈
59 2.
% ϖ ˙
∀∀∀ ˙ œœœ ϖ ϖ ϖ ϖ
rall.
∀ œ œ
‰ ≈
64
%
Parte em E α Coisa nº 4
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)
2 œ œ µœ œ œ
q = 120
∀∀∀∀ 3 ϖ ϖ
% 3 Ó Œ œ œ œœ
3
3
∀∀∀∀ œ œ œ ˙ ϖ
œ ϖ Œ œ œ
8
% ϖ ϖ ˙
3 3
∀∀∀∀ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
œ œ ˙ ˙ ϖ
14
%
3 3
3
∀∀∀∀ ϖ ϖ ϖ œ œ µœ œ œ œ œ œ œ œ ˙
˙ Œ œ œ œ
19
%
3
3 3
∀∀∀∀ ϖ ϖ
Œ œ œ
25
% ϖ ϖ ϖ ˙
3
∀∀∀∀ œ œ µ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙
œ ϖ ϖ ϖ ˙− ‰− œ
31
% Θ
3
3
2 Coisa nº 4
37
∀ ∀ ∀ ∀ − œ− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ ˙ − ‰− œ
− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ ˙ −
œ ‰− œ
− œ− œ− µ œ− œ œ œ œ
œ
% − Θ Θ
3 3 3
∀∀∀∀ ˙ œ œœœœ ϖ ˙ ϖ ϖ
≈œ Œ œ œ
42
%
3
œ
47
∀∀∀∀ œ µ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙ œ Œ œ œ
% ϖ ϖ ϖ ˙
3
3 3
∀∀∀∀ ϖ ϖ œ œ µœ œ œ œ
œœ œ œ ˙ œ ϖ ˙− ‰ − œ −−
53 1.
% Θ
3
3
∀∀∀∀ ϖ ˙ ‰ œœ≈œœœ ϖ ˙ ‰ œ œ ≈ ∀œ œ œ ϖ
59 2.
∀∀∀∀ ˙ ϖ ϖ ϖ ϖ
‰ ∀œ œ ≈ œ œ œ
rall.
64
%
Coisa nº 5
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)
qd = 65
=œ
5 œœœ ∀œ ˙−
Tema %α 7 ∑ ∑ ‰ ↑ ‰ Ι
ι ‰ ι ‰ ι ‰ ι ‰
5 œ œ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ
Violão % α 7 œœ Œ œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
(6 = D)
Ι Ι Ι Ι
=œ =œ =
œ µœ œ œ= œ −
‰ ↑ œ ‰ Ι ∀œ
œ œ Ι œ œ µœ œ œ œ œ
α ‰ ↑ ‰ Ι œ
5
%
ι ‰ ι ‰ ι ‰ ι ‰
œ
% α œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ œœ Œ œœ œœ
5
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Ι Ι Ι Ι
=œ =œ
˙−
‰ ↑œ œ œ ‰ Ι ∀ œ ‰ ↑ œ ‰ Ι µœ
œ œ
% α œ− œ œ œ ˙−
9
ι ‰ ι œœ
œ− œœ œ œœ −− œœ œ œœ
2
œ œœ œ œ œœ œ
% α œœ Œ œœ œœ œœ Œ œ œœ œ −
2 2 2 2
9
œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œœ
Ι Ι
2 Coisa nº 5
=
œ œ= œ − œ œ œ œΙ ∀ œ= µœ œ œ œ œ ˙−
%α Ι ‰ ↑ ‰ œ œ− œœœ
14
œœ œ œœ −− œœ −− œœ œ œœ œœ œœ œ ˙˙ −−
2
œœ œ
2 2 2 2
% α œœ −−
14
œ œ œ œ
œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ œ− œ œ œ
−
%α ˙ ∑ ∑ ∑ ∑
19
− ν2 1 3 ν
‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −−
˙
% α ˙− œœœ œ ∀ œœ œœ œœ −−
19
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œŒ
œ œ œ ∀ œœ
Œ−
œ− œ œ œ œ œ− Ι œ−
œœœ
% α −− ∑ Œ− ‰œœ œ œœœœœ œ Ι œ ∀ œ œ œ œ œι
24
‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰
% α −− µ ∀ œœ œœ œœ œœ œ ∀ œœ œœ œœ −− µœœœœ ∀ œœ œœ œœ −− µœœœ œ
24
∀œ œ œ œ œ ∀œ œ œ œœ
Œ Ι œ− Œ− Œ Ι œ− Œ− Œ Ι
œ− œ− œ−
œœœ œœ
% α œ− ‰œœ œ œœœœœ œ Ι œ ∀œ œ œ œ ι ‰
29
œ œ−
‰ œœ œœ α ∀ œœ −− ‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œ ‰ α œι ‰ µ œœ œœ œœ −
% α œ œ µ œœ −− œ œ œ œ ∀ œœ œœ œœ −− µœ œ ∀ œœ −œ œ Œ
29
∀œ œ œ œœ œ ∀œ œ œ œ œ
œ− Œ− Œ Ι œ− Œ− Ι Ι
œ−
Coisa nº 5 3
œ− œ œ œ œ œ œ− αœ ι œ
%α œ œ œ œ œ− ‰ œ œœœ œ œ œ ‰
34
œ œ αœ Ι
‰ œ œ− ‰œ œœ −− ‰ ι ιŒ
% α µ œœ œ œœœ −− œ œ œ− œ ∀ œœ œœ
α α œœ œ œœœ −− α α œœœ
34
œœ œ−œ
µœ
œ œ
œ αœ
œ Ι Ι œ œ œ œ œ Ι Ι œ
Ι Ι Ι
œ œ œ œ
%α œ œ œ œ œ œ Ι œ ∀œ œ œ œ ι −−
38
œ ˙−
ι
‰ µ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ ∀ œœ œœ œœ −− ‰ µ œœ ‰ ∀ œœ ‰ œ œ œœ ‰ œœ œœ
% α ∀ œœ œ œ œ ∀ œœ œœ œœ −− µœ ∀ œœ µ µ œœ œœ œ œ œ −−
38
œ œ œ œ ∀œ ∀œ œ œ œ œ
Œ Ι œ− Œ− œ Œ−
œ− œ œ œ œ−
Ι Ι
œ œ ˙− œ œ ˙− œ œ
%α œ
Œ Ι Ι Œ Ι œ œ
Œ Ι Ι
42
Ι
ε ι ο
œœ œœ œœ œœ α œœ −− œœ œ µ œœ œœ œœ œœ µ œœ
œ Œ Œ−
%α µ œœ œœ ∀ œœ Œ Œ −
42
∀œ œ œ œ œœ − œœ œ œ ∀œ
− œ
Ι œ− œ œ − − Ι
Ι
ε
˙− œ œ œ œ− − œ− œ− Œ
%α Œ ‰ œ Œ−
47
Ι Ι Ι
− − −ι
‰ œ œœ œœ œœ α œœ −− ‰ µœ œ œœ µ œœ
œœ œ ‰ œœ Œ−
% α µ œœ œœ − œ œ ∀œ Œ
47
œ œ œ œœ − œ −∀œ œ
œ− œ œ − œ œ
Ι œ
ο Ι
Parte em B α Coisa nº 5
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)
qd = 65
1 =œ
∀ 5 œœ Ι ∀œ ˙−
% 7 ‰ ↑ œ‰
=œ =œ =
∀ ‰ ↑ œœœ µœ œ œ= œ − œœœ ∀œ µœ œ œ œ œ
‰ Ι Ι ‰ ↑ ‰ Ι œ
5
=œ
∀ œ− œœœ Ι ∀œ ˙−
œ œ œ ˙− ‰ ↑ ‰
9
= =œ =
∀ ‰ ↑ œ œ œ ‰ œΙ µ œ œ œ= œ − œœœ ∀œ µœ œ œ œ œ
Ι ‰ ↑ ‰ Ι œ
13
∀ œ− ˙− ˙− 2
œ œ œ ∑
17
∀ − œ œ œ œ ι
∑ Œ− ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ Ι œ ∀œ œ œ œ œ
24
% −
2 Coisa nº 5
∀ œ œ œ
œ− ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ Ι œ œ œ ∀œ œ œ œ ι ‰
29
% œ œ−
∀ œ− œ œ œ œ œ œ œ − µœ
œ œœœ œ
œœœ œ− ‰ œ µ œ œ œ ‰ œΙ
34
% œ Ι
∀ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Ι œ ∀œ œ œ œ ι −−
38
% œ ˙−
∀ Œ œ œ œ ˙− œ œ œ ˙−
Ι Œ
42
% Ι Ι Ι
ε
∀ Œ œ œ œ
Ι
˙−
Œ œ œ œ œ− − − −
‰ œ œ œΙ Œ Œ−
46
% Ι Ι Ι
ο
Parte em E α Coisa nº 5
Moacir Santos
(Transcrição: Fábio Marinho)
1 =œ
qd = 65
∀∀ 5 ˙−
% 7 ‰ ↑œ œ œ ‰ Ι ∀œ
∀ ∀ ‰ ↑ œ œ œ ‰ =œ µ œ œ œ= œ −
=œ =
Ι ‰ ↑ œ œ ‰ Ι ∀œ
œ µœ œ œ œ œ
5
% Ι œ
∀∀ =œ
‰ ↑œ œ œ ‰ Ι ∀œ ˙−
9
% œ− œ œ œ ˙−
∀ ∀ ‰ ↑ œ œ œ ‰ =œ µ œ œ œ= œ −
=œ =
Ι ‰ ↑ œ œ ‰ Ι ∀œ
œ µœ œ œ œ œ
13
% Ι œ
∀∀ 2
˙− ˙− ∑
œ œ œ
17
% œ−
∀∀ −
∑ Œ− ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œΙ œ œ œ ι
24
% − ∀œ œ œ œ œ
2 Coisa nº 5
∀ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œΙ œ œ œ ‰ œ œ
% ∀ œ− ι
29
∀œ œ œ œ œ œ−
∀∀ œ − œ ι ‰ œι
œ œœœœœ ‰ œ œ œ − µœ œ œ œ œ œ
34
% œ− œ œ µœ œ œ
∀ œ œ œ
% ∀ œ œ œ œ œ œ œ −−
38
Ι œ ∀œ œ œ œ ι
œ ˙−
∀∀ Œ œ œ ˙− œ
œ Œ œ œ ˙−
42
% Ι Ι Ι Ι
ε
∀∀ Œ
œ œ œ ˙− Œ œ œ œ œ− ‰ œ− œ− œ− Œ Œ−
46
% Ι Ι Ι Ι Ι
ο
Coisa nº 9
Moacir Santos
(Arranjo: Fábio Marinho)
q = 100
‚ ‚ ‚‚ ‚ ∂
∀3 ‚ ‚‚ œœœ ‰ œœ
œ œ
rit.
% 3 œ µœ œ œ œ œ
œ ˙ µœ œ œ œœœ
µœ œ
harmônicos naturais
∀ œ − œœ œι œ ι ι
a tempo
(Œ=Œ.)
∀ 01 − œ œ ˙ − œ ι ι ι Œ ι
œ œ ∀ œ œ œ œ œ œ − ι
% 7 − ‰ œ Ι œ œ œ œœ ‰ œ œ œΙ œ œœ œœ œœ œ œ œ œœ œ œœœ œ œœœ
5
Ι Ι Ι Ι ‰∀œ Ι œœ œœ
œ− œ− œ− œ− œ− œ− Ι Ι
ι
∀ ‰ ι ι ι =2 2
œ œ ∀ œ − œœ œ œ œι œι œ
œ œ œ œ œœœ œœœ œœœ œ œ œ œ ‰œœ œ
Ι œ œ∀ œ œœ œ œ
8
% ∀ œ œ œœ œœœœ œœ œ œ − œ Ι Ι
œ− œ− Ι Ι 2
2
œ− œ−
ι
∀ ˙− œ œ œ œ ˙− ι ‰ ιŒ ι ι ι
2 1.
∀ œ œ œ œ œ ∀ œ œœ œ œ
œ− œ− Ι œ− œ− Ι Ι Ι œ− œ− Ι Ι
=2 2 2 œ œ− œ − œ œι œ œι œ −
ι œ− œ
2
∀ œ œ œ −− ‰ œ œ œ
2.
% œœ œ œ‰ œœ œ ∀ œ œœ œœ Œ−
− Ι œ œ œ œ− ˙− œ−
2
˙−
ι
2
œœ œ − œ− œ œ œ ι
2
˙− Œ œ œœ œœ œι
∀ ‰ œ œ œ œœ Ι ‰ œ œ œ− œ œœ œι œ ι œœ −−
œ−
17
% ˙− Ι œ− œ− ˙− Œ− œ− œ œ œ− œ−
˙− œ−
2 Coisa nº 9
ι ι ι ι ι ι
α œ œ œ µ œ − œ œ œ œ−
∀ ‰ œ µ œ œ − œ œœ − œ œ −
− − −
Œ œ ∀ œœ − œ µ œœ − ∀ œœ ∀ œ œ µ œœ œœ ∀ œ œœ −−
αœ− ‰˙ −œ ∀ œœ −− ‰ Œ − œ œœ µ œœ
20
% ˙− œ− œœ −
œ− œ− œ Ι Ι −
= ι
œ ∀ œ − œœ œ œ œι œι œ
2
∀ ι œ œ ‰œœ œ
% œ œΙ œ œ µ œ α œιœ œ œ œι œœœ œ œ‰ œœ œœ Ι œ œ∀ œ œœ œ œ
2
23 2
2
œ− Ι œ œ œ œ− œ− Ι Ι
2
2
2
∀ ˙ − œ œ œι ι
œœ œ œι œ œœ − ι
Œ ι ‰ ι ι ι
% ‰ œ œ œΙ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
26
=2 œ ∀œ − œœ œι œ ι ι − ι 2
∀ œ œ œ œ œ œ ˙
∀ œ œ œœ œ ‰ œ œ œ œ œ œœ œ œ
% œœ− œ œ œ œ œ ‰œ
29
Ι œœ œ Ι
2
Ι œ œ œ−
2
2
œ− œ− Ι œ− œ− Ι
∀ ˙− Œ ι ‰ ι ι ι ∀œ œ œ
ι − œ
% ‰ œ œ œ œœœ œ œœœ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œ œ œœ
32 2
∀œ œœ œœ ∀œ œœ œ œ
œ− œ− Ι Ι Ι œ− œ− Ι Ι 2 2 2
=
‰ Œ ιœ − =
∀ œ œ ι
œœ − œ œ œ − œ œ −
œ œ œ −œ œ œ œ ∀œ œ − œœœ −−− œœœ œœœ
35
% œ
µœ
œ − ∀œ − Ι µœ œ œ œ œ Ó− −
œ− œ− œ− œ œ− œ−
ι =2
∀ Œ œœ œ − ι ι ‰
œ− œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œ œœ œ œœ ∀ œœ œ œœ œœ œ œœ
38
% œ
2 2
−
œ œ œ œ œ œ œ ∀œ − œ − œ− œ−
œ− œ œ ˙− œ
Ι
Coisa nº 9 3
ι
‚‚ ‚‚ −− =
∀ œ œ œ Œ− Œ ‚ ‚− ‰ ι ‰ ι ι
% ∀ œœ µ œœ œœ œ œ − œœœ− −−− œœœ œœœ œ − œœ œœ œœœ œœœ
œ
41
œ œ µ œ
œ− ∀œ œ ∀œ Ó − œ −∀ œ œ œ ˙ −
˙− ˙−
Ι
œ ι ι ι
ι ι ι
∀ œ− œ œ œ œ 2œ œœ œœ œœ œœœ œ
œœ œœ œœ µ œœ ˙˙ −−−
œ œ œ ˙ œœœ œœ œœ œœ
œ œ œ œ œ œ œ œ
44
% µ œœ œ œ œ œ œ ˙− Ó−
µœ − œ Ι Ι Ι
=
2 2
2
ι= ι ι
∀ œι œ œ− œ œ ‰ œ œ œ œ œ−
% µ œœ − œœ œœœ −−− œ −− œ œ œ œ − œ œ œ œ œ œ œ α œ œ œ œ œœ
47 2
Œ Œ œ œ œŒ− œ œ œ œ œ œ
œ œ− œ œ− œ œ ˙−
Ι Ι Ι =
2
2
2
percussão
∀ œ ι œœ ι
% µ œœ œ œ œœ œœ Ι ‰ ‰ µ œœœ œ œ œ
50
œ œœ œœ
œ− œ− α œ− œ−
ι ι
∀ œ− œ− œ œ œ œ œ−
œ − œœ ˙ − œ œ œ Œ œœ œ −
‰ ‰ œ œ ‰ œ œΙ Ι
œ−
53
% ˙− œ− œ−
˙− œ−
ι
œ − œ œ œœ œι œ ι ι ι
α œ − µœ œ œ œ œ œ −
∀ ‰ œ œ− œ œ œ œ ι ι œœ −− ‰ œ œ − α œœ −−
œ œ − œ œ œœ œ œ œ − œ−
56
% ˙− − œ− ˙− œ−
Œ ˙− œ−
ι ι µœ œ ι ι
− − œ − œ œ œ−
∀ Œ‰ œ œ ∀ œœ − œ µ œœ − ∀ œœ ‰ ∀ œ
œ œ œœ
Œ − µ œœ œœ µ ∀ œœœ œœ −− œ œ œι µ œ ι
∀ œœ −− ι
59
% ˙− œ− œ− Ι α œ œ
œ− œ Ι Ι œ− œ œ œ œ
4 Coisa nº 9
= ι
∀ 2 2 œ œ œ
∀ œ − œœ œœ œ œι œι œ ˙ − œ œ œι ι
2
‰œœ ∀œ œ œœ œ
2
% ∀ œœœ µ œ œ œœ œœ Ι œ œ œ œ œΙ ‰ œ œ œΙ œ œ œ
62
œ− ‰ Ι œ œ œ œ œ
œ− œ− Ι œ− œ− Ι Ι
2
2
2
=2 2
∀ ι œ œ − œ ι Œ œι ‰ œ œ
ι
œ œ
ι ι
œœœ œœœ œœœ œ œ œ œ œ
œ
% œ‰ ∀ œ œ œ œ œœœœ œ œ œ œœ ∀ œ œ œœ œœœ œ œœ
65
œ œ − œ
œ− œ− Ι Ι Ι œ− œ− Ι Ι 2
2
ι
−
∀ ∀ œ œ œœ œ œ œι œι œ ˙ − œ ι 2 Œ ι
% ‰œ œ ∀œ œ œ œ œ ˙− ι
Ι œ œ œ œ œ ‰ œ œ œΙ œ œ œ œœ − ‰ ∀ œ œ œ œ œ
68
Ι œ œ Ι œ œœœœ œ œ œ œœ
œ− œ− Ι − − œ− œ− ΙΙ Ι
∀ ˙ −−
∀ ‰ œ œ ι œ µœ œ ‰ ∀ œ œ ˙
rit.
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
71
% œ œ œ œ œ ˙−
∀œ œ œ œ œ µ˙ − µœ œ œ ˙ − œ œ µœ ∀œ
œ− œ− Ι Ι ˙− ˙−
% Som agudo: percutir com a mão esquerda na lateral.