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CELIO R. L. RENTROIA
Rio de Janeiro
2019
CELIO R. L. RENTROIA
Rio de Janeiro
2019
CELIO R. L. RENTROIA
AGRADECIMENTOS:
RESUMO
ABSTRACT
The present work consists on a theoretical and practical study of Chiquinha Gonzaga´s
musical production directed to singing in popular music and musical theater, with
phonographic record of representative pieces. The selection will be directed to pieces with no
available records or still unreleased. The final product will be a CD with 12 tracks.
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO....................................................................................... 10
2- CHIQUINHA GONZAGA................................................................... 12
3- PESQUISA MUSICAL.......................................................................... 33
4- ELABORAÇÃO DE ARRANJOS........................................................ 41
5- REGISTRO FONOGRÁFICO............................................................. 45
6- CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 46
REFERÊNCIAS..................................................................................... 47
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APÊNDICE - PARTITURAS
1- AMOR...................................................................................................... 51
2- ANSELMO.............................................................................................. 54
3- CALA (TACI)......................................................................................... 64
4- CANÇONETA CÔMICA...................................................................... 72
7- EUSÉBIO................................................................................................ 92
10 - MODINHA.............................................................................................. 114
1 - INTRODUÇÃO
Sem dúvida Callado foi muito importante para ela como amigo, protetor e mestre. (...)
E sua influência fundamental. A morte o colheu prematuramente em março de 1880,
com apenas 32 anos de idade deixando o caminho aberto para que outro compositor o
seguisse. As bases que lançara para a nacionalização da música popular tiveram assim
uma continuadora em Chiquinha Gonzaga, que lhe estava mais próxima e se
identificava com aquele tipo de trabalho. Seria longo o caminho até conseguir afastar
a música produzida aqui das matrizes musicais estrangeiras. Chiquinha tomou a si a
tarefa de consolidar a proposta inicial de Callado e encaminhar o processo de
abrasileiramento musical. O gosto popular aceitou de imediato a nova música que se
formava e já no final do século o triunfo alcançado pela música popular - em
detrimento de outras formas de música - demonstrava sua adoção pelo grande público.
Para isso o teatro foi imprescindível. (DINIZ, 1999, p.62)
http://promus.musica.ufrj.br/index.php/estrutura-curricular/pesquisas-
encerradas/?&pesquisa=37#produto-artistico-ou-pedagogico
13
2 - CHIQUINHA GONZAGA
Esse fato dispara um processo civilizatório com características muito particulares que
se acentuam com o passar dos anos. A demanda pelos produtos e serviços se intensificou e
especializou com as levas migratórias de estrangeiros que chegavam, e tal desenvolvimento
atraía também moradores de outras regiões do Brasil. O mercado de escravos atingia seu
ápice, conforme descreve Alencastro:
Enfim, chegam mais africanos, dado que a baía de Guanabara convertera-se, desde o
final do século XVIII, no maior terminal negreiro da América. Embora a maioria
desses indivíduos se destinasse à zona agrícola, um número crescente de escravos será
retido no meio urbano para atender à demanda de serviços: entre 1799 e 1821 a
percentagem de cativos no município salta de 35% para 46%. (ALENCASTRO, 1997,
p. 14).
No Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, que então recebia muitos
artistas estrangeiros para óperas e recitais, o piano difundiu-se como instrumento
tocado em salões particulares e festas familiares, gradualmente ganhando as salas de
concerto. Ainda nesse período, a prática musical foi valorizada ao ser incluída
oficialmente na educação brasileira: um decreto federal de 1854 regulamentou o
ensino de música no país e passou a orientar as atividades docentes, enquanto que,
no ano seguinte, outro decreto fez exigência de concurso público para a contratação
de professores de música. De grande relevância, igualmente, foi a criação do
Imperial Conservatório de Música do Rio de Janeiro, ainda em 1841. (AMATO,
2008, p. 169)
Diante disso a relativa estabilidade polı́tica e econômica que o paıś vinha atravessando
é abalada. Discute-se a questao ̃ institucional. Novas parcelas da populaçao ̃ procuram
formas de participar politicamente do processo de mudança. A pequena burguesia,
inquieta, adere. Academias, cursos jurıd́ icos e jornais revelam-se focos de ebulição
intelectual e polıt́ ica. O entusiasmo popular pelas grandes campanhas sociais é
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1
Opereta – Ópera leve, curta, com diálogos falados, música e dança. Referia-se a assuntos do cotidiano, tendo
normalmente o amor como tema central, e era entremeada por números musicais; Burleta – Gênero híbrido, com
estrutura textual e músicas ligadas a um enredo coeso. No teatro italiano, burleta significava comédia musicada,
e o uso inicial do termo no Brasil é atribuído a Artur Azevedo; Mágica – Com enredo simples e sem conexão
obrigatória com a realidade, tinha forma híbrida, com elementos da ópera italiana, da zarzuela e da opereta
francesa. Abordava temas fantásticos e utilizava maquinaria engenhosa em seus recursos visuais; Revista –
Gênero que articulava fatos políticos, econômicos, culturais e artísticos ocorridos durante o ano. A estrutura era
fragmentada em quadros, que misturavam teatro, música e dança, conduzidos pela figura do compadre ou da
comadre, de forma cômica ou caricata. (ABREU, págs. 54 a 57).
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França em meados do século XIX e rapidamente sua influência era absorvida em outros
países da Europa, inclusive Portugal, chegando pouco tempo depois no Brasil. Aguiar
discorre sobre essas duas tendências do teatro na época:
Ainda no início do século XX, a mulher não tinha direito ao voto e à participação
política, e suas aptidões deveriam desenvolver-se apenas no que se referisse a tarefas
essencialmente domésticas: cozinha, bordados, crochês, familiaridade com a língua
francesa e com a música, especialmente com a execução pianística. (AMATO, 2008,
p. 172)
Neste decurso, o Rio de Janeiro não poupava esforços para manter-se no rol dos
grandes centros, adotando, para isto, medidas severas que incluíram desde a
proclamação da República, em 15 de novembro de 1899, até o bota-abaixo de Pereira
Passos, as quais transformaram consideravelmente a rotina dos habitantes e dividiram
a população em dois pólos antagônicos: de um lado a ostentação do luxo se refletindo
em vários momentos, tais como na vida noturna incrementada pela iluminação a gás e
o surgimento dos teatros, cabarés e salões; nas tardes nas confeitarias; nos passeios
nos jardins públicos; no flanar nas grandes avenidas e em oposição a isto, a varredura
da classe pobre, negra e mestiça varrida do centro para a periferia e subúrbios, zonas
com pouca ou nenhuma infra-estrutura. (DONATO, 2008, p. 3)
Além do contato com o professor maestro e com um tio músico amador, pode-se supor
que Chiquinha tenha recebido a influência da moda musical da época e do repertório popular
das ruas, desde então presente na cultura carioca. Apesar de sua educação claramente não ter
sido negligenciada, não se pode afirmar que tenha sido muito mais esmerada do que os
padrões sociais vigentes permitiam às moças em geral e às de sua camada social em
particular.
Ainda de acordo com os costumes da época, casou-se bem cedo, aos 16 anos, em 5 de
novembro de 1863. O noivo, Jacinto Ribeiro do Amaral, era um jovem militar filho de um
proprietário de terras, rico e com razoável posição social. Como a grande maioria dos
casamentos de então, esta união foi resultado de arranjos entre os pais dos noivos, em que
pesavam significativamente aspectos financeiros.
A vida pacata de casada, com os confortos que permitiam as posses do marido,
escravos para realizar todas as tarefas e o tempo dedicado a bordados e doces não eram
suficientes para satisfazer o temperamento irrequieto que Chiquinha sempre demonstrara. O
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dificuldades de toda ordem que aguardavam uma mulher nas suas condições. Por outro lado,
abre-se um novo caminho, no qual ela poderia realizar seus sonhos e conquistar o espaço na
música que tanto adorava.
Apadrinhada pelo flautista Callado, considerado um dos criadores do “choro” e
nacionalizador da música popular, Chiquinha foi imediatamente adotada pelo ambiente
musical boêmio. Devido à fama de galanteador que o flautista cultivava e a duas composições
dedicadas a ela, Querida por todos e A sedutora, a natureza do interesse de Callado sempre
foi motivo de especulações. De qualquer forma, tudo indica que estes sentimentos, se
existiram, não foram correspondidos. Chiquinha apaixona-se pelo engenheiro João Batista de
Carvalho Jr., amigo da família Gonzaga e freqüentador da casa dos Amaral, o que levanta em
todos a suspeita de que a ligação era antiga. Passam a viver juntos, despertando a censura e a
discriminação da sociedade conservadora da corte carioca, onde eram bastante conhecidos. O
gosto de João Batista pela vida boêmia e pelas mulheres também provoca ciúmes em
Chiquinha, fatores que tornavam a vida do casal na corte cada vez mais complicada. Até que
um contrato de trabalho para o engenheiro leva o casal, acompanhado de João Gualberto, a ir
morar no interior de Minas Gerais. Um anos depois, nasce a filha Alice. A personalidade do
marido e os ciúmes de Chiquinha, entretanto, chegam a uma crise séria, quando ela o
surpreende dançando em casa com uma mulher estranha, ao som de castanholas. Ela decide
abandoná-lo e à filha recém-nascida, voltando ao Rio de Janeiro com João Gualberto.
Todos estes acontecimentos criaram em torno de Chiquinha uma reputação
significativamente escandalosa para os padrões da época. Abandonar um casamento, dedicar-
se a uma união não aceita socialmente, freqüentar o meio musical boêmio e atuar
profissionalmente na música era tudo o que não se esperava de uma mulher respeitável,
especialmente ao levar em consideração sua origem mestiça, também digerida com
dificuldades pela sociedade da corte. O desenvolvimento da cidade favorecia ainda a presença
de atrizes e cantoras estrangeiras, com frequência também adeptas da prostituição, o que
gerava um acirramento dos padrões de conduta feminina.
De volta ao Rio de Janeiro e com a responsabilidade de manter a si mesma e ao filho
João Gualberto, Chiquinha inicia suas atividades como compositora de polcas, “pianeira de
choros” (DINIZ, p. 51) e professora de piano. O choro desenvolvia-se francamente como uma
nova forma de tocar gêneros musicais europeus, como a polca, a valsa, o schottisch, o tango, a
habanera, etc. O flautista e maestro Callado, padrinho musical de Chiquinha, destacava-se na
nova tendência, com seu conjunto Choro Carioca. Quando começam a ser requisitados para
tocar em casas com piano, Chiquinha junta-se ao grupo. Com este trabalho, torna-se o
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primeiro profissional de piano ligado ao choro. Paralelamente, continua dando aulas de piano
e compondo, e suas músicas tornam-se sucessos rapidamente. Em apenas um ano, sua polca
Atraente já chegava à 15ª edição. O nome de Chiquinha Gonzaga tornava-se conhecido e
comentado em toda a cidade. Na mesma proporção do sucesso, entretanto, crescia a
maledicência dirigida a ela, afinal, seria impensável que uma mulher desafiasse todos os
padrões sociais de seu tempo impunemente.
Seu nome era cantarolado ou recitado em quadrinhas maliciosas pelas ruas, a
sociedade e mesmo a própria família condenavam seu comportamento, considerado
impróprio, mas suas composições caíam facilmente no gosto popular. Em 1879, ela deixa a
editora Viúva Canongia, onde publicara suas primeiras peças, e migra para a editora de Arthur
Napoleão, pianista conceituado. Com ele, continua seu aprimoramento musical e vê sua
popularidade aumentar cada vez mais.
Enquanto isso, sua filha Maria havia sido criada pelos avós maternos, que inclusive a
batizaram, sem nunca ter tido contato com Chiquinha, nem mesmo saber que ela era sua mãe.
Chegou a ser matriculada em um internato, sob ordens expressas de que não recebesse visitas,
para evitar qualquer tentativa de aproximação. Ao concluir sua educação básica, volta a morar
com os avós, que acreditava serem seus pais. Por um acaso do destino, encontram-se em uma
viagem de trem e Chiquinha se apresenta a Maria. Mais tarde, em casa, a verdade finalmente
lhe é contada pelos avós. Além das conseqüências emocionais da revelação, Maria vê aos
poucos seu noivado esfriar, até o rompimento final por parte do pai do noivo, sob o
argumento de que ela era filha de Chiquinha Gonzaga, nome impronunciável nas famílias de
respeito da corte. Algum tempo depois, Maria acaba se casando com Gustavo Mancebo, que
não demonstrava preconceito sobre sua filiação. Tiveram três filhas, e Maria não retornaria a
encontrar Chiquinha até ficar viúva, anos mais tarde.
Na década de 1880, Chiquinha trabalhava arduamente como professora de piano e
outras disciplinas para garantir seu sustento e do filho João Gualberto, enquanto começava a
ganhar popularidade com suas composições. Percebe no teatro musicado emergente um
campo de trabalho a ser explorado, e após algumas tentativas infrutíferas, chama a atenção da
crítica especializada com a trilha da peça A corte na roça.
A partir desse momento, sua vida começa a mudar significativamente. Participa de
sucessivas produções, conquistando o respeito e a admiração do público e da crítica, até seu
nome se tornar quase sinônimo de sucesso na ficha técnica de um espetáculo. Maiores
detalhes sobre este e outros aspectos de sua trajetória artística serão abordados no próximo
capítulo.
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Ainda segundo Diniz, a primeira referência ao termo choro surge no nome do conjunto
do maestro Callado, o Choro Carioca, composto por um instrumento solista (a flauta do
maestro), dois violões e um cavaquinho, os quais deveriam ser músicos improvisadores. A
autora detalha:
Com o aumento da procura por este tipo de conjunto, contratado para tocar em festas,
e frequentemente em casas que tinham piano, Chiquinha é convidada a integrar o Choro
Carioca, tornando-se a primeira “pianeira” e a primeira chorona. Em 1877, publica sua
primeira composição de sucesso, a polca Atraente, no mês de fevereiro. Em novembro, a
partitura já está em sua 15ª edição. Nesse mesmo ano, ainda lança as valsas Desalento e
Harmonias do coração, a polca Não insistas, rapariga e o tango Sedutor, sempre com
sucesso.
Callado morre prematuramente aos 32 anos, em 1880, deixando em Chiquinha uma
continuadora da trajetória de nacionalização da música popular que ele abraçara e com a qual
ela sempre se identificou. A busca por uma expressão musical brasileira, que se distinguisse
da matriz européia sem negá-la, mas incorporando também influências das culturas africana e
indígena, resultaria numa música que agradou o gosto do povo e foi aos poucos consolidando
os rumos da música popular brasileira. Nesse processo, o teatro teve enorme importância.
Com a modernização da sociedade carioca, emergem camadas de público ávidas pelo
consumo de novos produtos culturais, e o teatro musicado rapidamente conquistou sua
preferência. A influência europeia em todos os âmbitos era ainda bastante presente, e as
companhias francesas em particular traziam ao Rio de Janeiro as novidades do teatro ligeiro
musicado parisiense, sob a forma de operetas, burletas, mágicas e revistas, entre outras
denominações. À medida em que chegavam aqui, iam-se aos poucos abrasileirando, a
exemplo da música popular, através de traduções, adaptações e paródias. Na segunda metade
da década de 1880, consolida-se o gênero do teatro de revista, que consistia na passagem em
“revista”, como o nome sugere, dos acontecimentos do ano. Os fatos são levemente
alinhavados por um enredo de comédia, e a música é um elemento fundamental e de
sustentação desse tipo de espetáculo, sempre de forma alegre, brejeira e jocosa. Acerca desse
período, o crítico de teatro Macksen Luiz discorre sobre a consolidação do dramaturgo Artur
Azevedo como grande revisteiro carioca:
conhecido como a moderna música popular brasileira. A revista foi o primeiro meio
para sua difusão e popularização. (LUIZ, 2011).
Assim, com frequência, a música ouvida nos teatros ganhava as ruas sob a forma de
assobios, e o inverso também ocorria, com a incorporação de músicas populares já conhecidas
ao enredo de peças teatrais. Essas características tornam o teatro um elemento importante de
divulgação da música popular. Esta situação não passou despercebida por Chiquinha, que
ainda lutava com dificuldade pelo seu sustento e viu no teatro um território profissional
promissor, apesar de todas as dificuldades.
Sua tentativa inicial se dá com a criação do libreto e a composição musical da peça
Festa de São João, estudando orquestração e arranjo para outros instrumentos de forma
autodidata, através de manuais elementares encontrados no mercado. Apesar de seus esforços,
a peça não é produzida e permanece inédita. Três anos depois, envolve-se na composição de
uma peça de Artur Azevedo, Viagem ao Parnaso, chega a escrever quase toda a parte de
piano e canto, mas finalmente é rejeitada pelo empresário, sob o argumento de que uma
mulher não era confiável para a tarefa. Em 1885, finalmente ela consegue estrear como
compositora e maestrina (termo que gerava estranhamento, pela absoluta raridade da
referência à atividade do maestro no feminino), com a peça A corte na roça, um enredo sobre
costumes no interior do país, com libreto do iniciante Palhares Ribeiro.
A produção teve vários contratempos, com a ausência do empresário, os atrasos nos
salários dos membros da companhia, a dificuldade de Chiquinha fazer-se respeitada nos
ensaios e até mesmo a censura policial a alguns trechos das letras considerados impróprios.
Ao estrear, apesar do pouco público, a peça foi aplaudida e o número final dançado teve
pedidos de bis, o que não aconteceu por intervenção policial, obrigando a companhia a baixar
o pano. Esta dança censurada era o maxixe. A imprensa criticou o libretista e os atores, mas a
música de Chiquinha foi unanimemente aclamada pela graça, elegância, originalidade, caráter
nacional, e com ênfase ao ineditismo de uma composição produzida por uma mulher. Esta
receptividade foi um divisor de águas em sua trajetória profissional, e em pouco tempo sua
assinatura num libreto se tornaria sinônimo de sucesso e casas cheias. Na primeira biografia
sobre Gonzaga, a autora Mariza Lira nos informa sobre os grandes êxitos da maestrina
relacionados ao teatro:
Ao teatro legou quase um cento de partituras, com libretos assinados por nomes
brilhantes, como Arthur Azevedo, Valentim Magalhães, Filinto de Almeida, Furtado
Coelho, Batista Coelho (João Foca), Osório Duque Estrada, Paulo Silva Araújo,
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No mesmo ano, a estréia de A filha do Guedes repete fatos da produção anterior, com a
censura da polícia, as críticas à produção e ao elenco e os rasgados elogios à música de
Chiquinha, incluindo uma canção que conquistaria grande popularidade, Menina faceira. A
partir desse momento a vida de Chiquinha se encaminharia para um sucesso estável e um
progressivo reconhecimento pelo seu trabalho. O maxixe era elemento frequente em sua obra,
ainda que sem esta denominação, associada ao modo sensual de se dançar. De qualquer
forma, Chiquinha é considerada a maior maxixeira de seu tempo. De acordo com Edinha
Diniz:
Devido ao caráter sensual e até mesmo erótico que caracterizava o maxixe, os números
eram frequentemente chamados de polcas, tanguinhos, tangos brasileiros, lundus ou algum
outro rótulo que não se mostrasse tão polêmico. José Ramos Tinhorão também faz referência
a este ponto:
brasileiro forte, mereciam maior atenção e respeito aqui. A atividade musical dela é
tipicamente oitocentista. (ANDRADE, 2015, p. 168)
Simultaneamente, no âmbito político, Chiquinha assumia cada vez mais uma postura
ativista, aderindo ao movimento abolicionista e posteriormente ao republicano. Participava
com entusiasmo e trabalho, o que talvez representasse, além do apreço pelas causas
humanistas, uma forma de denunciar o atraso da sociedade que a condenava. Um terceiro
fator a ser considerado era a popularidade que este tipo de envolvimento agregava aos artistas,
e que definitivamente a favoreceu. Além disso, o próprio envolvimento com o teatro
musicado, de caráter eminentemente crítico, colocava-a permanentemente em contato com
temas e indivíduos questionadores da ordem social estabelecida, em todos seus aspectos.
Nas duas últimas décadas do século XIX, a maestrina firmava-se como um grande
nome, sempre empenhada no processo de abrasileiramento da música popular e do teatro
musicado. Tornara-se compositora de grande parte das músicas de sucesso de sua época. Em
1889, conhece o maestro Carlos Gomes, então em visita ao Brasil. Participa de uma
homenagem a ele, realizada no teatro São Pedro de Alcântara, em que ela atua como regente
de suas próprias composições e inclui um número apresentado por violões, violas e pandeiros,
executados por amadores, o que era uma atitude transgressora. Como mais uma homenagem,
ela toca ao piano e rege a valsa Carlos Gomes, conquistando a atenção e o apoio do grande
compositor. A respeito desse acontecimento e de sua relação com o grande maestro, Donato
diz que:
banal, mas que não tinha ocorrido a outros compositores. Era Ó Abre Alas, criado como
marcha-rancho e considerada a primeira canção carnavalesca brasileira. Foi imediatamente
adotada pelo cordão e durante anos cantada apenas por seus integrantes. Em 1904, a canção é
incluída na peça Não Venhas, de temática carnavalesca, e cujas apresentações eram seguidas
de bailes. A canção foi ganhando popularidade e longevidade. Ao longo de mais de um
século, passou a fazer parte da identidade do próprio carnaval, e ainda é para muitos a
principal referência musical da produção de Chiquinha Gonzaga. Sobre esta época, Edinha
Diniz esclarece:
Era o carnaval começando a despontar como tema nos palcos dos teatros, filão
̃ . Para se ter uma idéia dos gêneros musicais utilizados
depois explorado à exaustao
numa peça desse tipo, nitidamente popular, enumeramos os encontrados nos
manuscritos da maestrina: choro, dueto recitativo, lundu, dobrado carnavalesco (Ó
Abre Alas, também apresentado como maxixe de cordão e conhecido como marcha),
modinha, chula, marcha, hino maxixe, valsa, fado português, giga espanhola e
samba. (DINIZ, 1999, p.83)
Após duas visitas breves a Portugal em 1902 e 1904, a maestrina parte em 1906 para
uma estadia de três anos em Lisboa, onde suas partituras já eram editadas e conhecidas. A
princípio, manteve-se afastada do meio artístico, mas após algum tempo começou a participar
da vida cultural, tocando e compondo. Chega a compor a trilha das revistas A Batota e Cá e
lá, além das óperas cômicas As três graças e A bota do diabo, que foi seu maior sucesso em
Portugal. Apesar das eventuais críticas às peças, a música de Chiquinha sempre agradou o
público e a crítica, consolidando a popularidade que suas composições já haviam conquistado
por lá.
De volta ao Rio de Janeiro, encontra uma cidade mudada não só pela reforma
urbanística promovida pelo prefeito Pereira Passos, mas também pela presença crescente do
cinematógrafo e sua concorrência com o teatro, que por sua vez já reduzia a duração dos
espetáculos para se adaptar aos novos hábitos do público. Pouco tempo após sua chegada, já
estreava o vaudeville Casei com titia, a opereta de costumes Manobras de amor (com libreto
de Osório duque Estrada, autor do Hino Nacional), a opereta Colégio de senhoritas, e ainda
gravaria diversas participações em disco com o Grupo Chiquinha Gonzaga, acompanhada por
uma formação típica do choro: violão, cavaquinho e flauta. Em 1912, estreia a burleta
Forrobodó, que viria a se tornar seu maior sucesso teatral, contabilizando mais de 1.500
apresentações. O tango (maxixe) Não se impressione e a modinha Lua branca ganharam
popularidade nas ruas, bem como expressões e gírias usadas na peça, que trazia linguagem
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inovadora, ao retratar de modo caricatural uma festa dançante em uma casa de classe baixa no
bairro da Cidade Nova. Sobre Forrobodó, a autora Neyde Veneziano informa que:
(...) esta peça que foi musicada por Chiquinha Gonzaga, representou um marco para
o teatro nacional, pois, a partir dela, a linguagem popular brasileira entrou em cena.
As gírias, o carioquês, os nossos sotaques, passaram imediatamente às revistas, que
até então, mantinham-se fiéis à prosódia lusitana. (VENEZIANO, 1991, P. 40)
música era considerada uma síntese da alma brasileira de norte a sul, apesar das diferenças
regionais:
Sua última trilha foi composta aos 86 anos, em 1933, para a peça Maria, em cujo
elenco figuravam, entre outros, Vicente Celestino e Brandão Filho. Quando faleceu, dois anos
depois, deixava um legado de 77 trilhas para teatro e mais de 2.000 composições, sempre com
a assinatura de brasilidade que consolidou seu nome com destaque na história da música
popular e do teatro musicado brasileiros.
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3 - PESQUISA MUSICAL
Amor - Publicada pela primeira vez, Acervo Digital Chiquinha Gonzaga, 2011.
Cala (Taci) - Publicado pela primeira vez, Acervo Digital Chiquinha Gonzaga, 2011. A
composição seria de 1900, pois em 23 de março deste ano Chiquinha vendeu esta romanza ao
editor Manoel Antônio Guimarães. A autoria dos versos é desconhecida, tendo a maestrina
cometido um erro no título em um dos seus manuscritos, grafado, erradamente, como ‘Tachi’.
O título significa ‘cala-te’; Taci é a segunda pessoa do singular do presente do verbo italiano
tacere, que significa ‘silenciar-se’.
Dueto Maestro e Rita - Da burleta Depois do forrobodó. Letra: Carlos Bettencourt (1890-
1941).
Dueto Mário e Beatriz - Publicada pela primeira vez, Acervo Digital Chiquinha Gonzaga,
2011. Em 1921 Chiquinha escreveu a partitura para a peça, símbolo em 2 atos, Romeu e
Julieta, com libreto do escritor teatral Renato Vianna (1894-1953). A peça permaneceu
inédita, por razões ignoradas, embora a maestrina tenha escrito 28 músicas para piano, canto e
orquestra. Este dueto tem data anotada em manuscrito: 1924.
Fado das Tricanas de Coimbra - Publicado pela Casa Mozart como “Arranjo por Francisca
Gonzaga”, com versos populares, sugerindo origem no folclore de Portugal. Também
conhecido como As tricanas de Coimbra. Lino Barbosa, a quem a maestrina dedica a música,
é o proprietário da editora Casa Mozart, estabelecido desde 1905 na Avenida Central, no Rio
de Janeiro, editor também de Ernesto Nazareth, Paulino Sacramento, Anacleto de Medeiros e
outros. Este fado foi gravado por Risoleta (voz) com orquestra, em disco Columbia, c. 1911
(gravação não disponível).
Meu Deus que maxixe gostoso - Publicado pela primeira vez, Acervo Digital Chiquinha
Gonzaga, 2011. Composição de 1911, integrante da revista em 3 atos e 2 apoteoses Pomadas
e farofas, escrita por Frederico Cardoso de Menezes e representada no Teatro São José em
agosto de 1912. A própria autora pretendeu publicar este tango na série Canções Brasileiras e
chegou a anunciá-lo como a última da primeira série, mas permaneceu inédito.
de costumes nacionais Zizinha Maxixe, que ele teria imitado do francês, representada no
Teatro Éden Lavradio em agosto de 1895, para a qual Chiquinha Gonzaga escreveu a trilha
que inclui o tango O gaúcho, música que se popularizou com o nome de Corta-jaca.
Teus olhares - Publicada pela primeira vez, Acervo Digital Chiquinha Gonzaga, 2011. A
canção parece ter sido composta para a burleta em 3 atos Depois do Forrobodó, de Carlos
Bettencourt (1890-1941), representada no Teatro São José em 1913, como modinha de
Escandanhas. No ano seguinte ganhou versos de Avelino de Andrade (1866-1937), mas
permaneceu inédita.
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5 -Seleção de repertório
4 - ELABORAÇÃO DE ARRANJOS
Amor - Partitura original: piano e voz. Arranjo: piano e voz. O ritmo original de valsa (3/4)
foi transformado em balada (4/4), com adaptação da divisão rítmica e métrica. O tom foi
transposto de Lá maior para Sol maior e a peça foi rearmonizada.
Anselmo - Partitura original: piano e voz (manuscrita). Arranjo: piano, clarineta, baixo,
percussão e voz. Foram criados a introdução e os contrapontos da clarineta ao longo da
melodia, bem como o fraseado do baixo. Foi mantido o ritmo original de chula.
Cala (Taci) - Partitura original: piano e voz. Arranjo: piano, violino, violoncelo e voz. A letra
original em italiano foi vertida para o português. Foram compostas a introdução e os
contrapontos de violino e violoncelo ao longo da melodia.
Cançoneta cômica - Partitura original: piano e voz. Arranjo: piano, clarineta, baixo,
percussão e voz. A melodia da introdução passou do piano para a clarineta. Foram compostos
os contrapontos de clarineta ao longo da melodia e o fraseado de baixo. O ritmo original
(maxixe) foi mantido.
Dueto Maestro/Rita - Partitura original: piano, uma voz masculina e uma feminina. Arranjo:
piano, clarineta, vozes masculina e feminina. Foram compostos a introdução, com clarineta e
piano, e os contrapontos de clarineta ao longo da melodia. O ritmo original (maxixe) foi
mantido.
43
Dueto Mario/Beatriz - Partitura original: piano, uma voz masculina e uma feminina.
Arranjo: mesma formação. Foram compostos uma nova introdução e um interlúdio entre as
partes A e B. O tom original foi transposto de Mi bemol maior para Dó maior. A peça foi
rearmonizada e as vozes da última parte foram adaptadas à nova harmonia.
Eusébio - Partitura original: piano e voz (manuscrita). Arranjo: piano, baixo, percussão e voz.
O ritmo original ganhou um acento latino na primeira parte, tornando-se maxixe na segunda.
Foram compostos o fraseado de baixo e a melodia do piano na introdução. O arranjo prevê a
possibilidade de improviso do pianista ao longo de toda a peça, a partir da harmonia cifrada.
Fado das Tricanas de Coimbra - Partitura original: piano e voz. Arranjo: piano, violoncelo e
voz. Foram criados contrapontos do violoncelo na introdução e ao longo da melodia.
Meu Deus, que maxixe gostoso – Partitura original: piano e voz. Arranjo: piano, flauta,
baixo, percussão e voz. Foi composta a introdução de 8 compassos, com melodia conduzida
pela flauta e harmonia pelo piano. Foram criados também contrapontos de flauta ao longo da
melodia e o fraseado do baixo. Na primeira parte o ritmo original de maxixe foi mantido, já na
segunda parte foi mudado para baião.
Modinha - Partitura original: piano e voz. Arranjo: piano, violino, violoncelo e voz. Foram
compostas a introdução e o interlúdio com violino e violoncelo. A estrutura e a tonalidade
originais foram mantidas.
Teus Olhares - Partitura original: piano e voz. Arranjo: piano, violino, baixo, bateria e voz. A
valsa original foi transformada em valsa-jazz (jazz waltz), com a forma musical dividida em
três partes. Na primeira parte, o tom original foi transposto uma terça menor abaixo, de Ré
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menor para Si menor. A segunda parte é uma ponte modulatória composta para conduzir à
terceira parte, em Ré menor. Foi composta a parte de violino, com introdução, melodia da
ponte e intervenções ao longo do canto. A parte do baixo é apresentada cifrada, dando
liberdade ao baixista. Apesar de o ritmo de jazz waltz não se configurar como tipicamente
nacional, já foi incorporado pela música brasileira e se apresentou aqui como uma opção
considerada adequada.
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5 - REGISTRO FONOGRÁFICO
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABREU, Solange Pereira de. Chiquinha Gonzaga e o teatro musicado. Rio de Janeiro: Nota
Terapia, 2018.
ALMEIDA, Alexandre Zamith. Por uma visão de música como performance. Porto Alegre:
Opus, v. 17, n. 2, p. 63-76, dez. 2011.
ANDRADE, Mário de. Pequena História da Música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga - Uma história de vida. Rio de Janeiro: Editora Rosa
dos Tempos, 1999.
LIRA, Mariza. Chiquinha Gonzaga, grande compositora brasileira. 2ª Ed. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1978.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular (da Modinha à Canção
de Protesto). Petrópolis: Vozes, 1974.
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