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Artigo

Quimiodiversidade, Bioatividade e Quimiossistemática do


Gênero Inga (FABACEAE): Uma Breve Revisão
Lima, N. M.*; Santos, V. N. C.; La Porta, F. A.**
Rev. Virtual Quim., 2018, 10 (3), 459-473. Data de publicação na Web: 16 de maio de 2018
http://rvq.sbq.org.br

Chemodiversity, Bioactivity and Chemosystematics of the Genus Inga (FABACEAE): A


Brief Review
Abstract: The Inga genus belongs to the Fabaceae family, subfamily Mimosoideae, Ingeae tribe, and comprises
about 300 species, whose name derives from the indigenous terminology "Angá" or "inga", which in reality means
"seed is involved." This genre has economic potential in reforestation, herbal medicine, energy production and
supply. Many species of this genus are used by Amazonian tribes for the treatment of various diseases. The
secondary metabolism of this kind attests to the presence of phenolic substances belonging to the class of
flavonoids, anthocyanins, tannins, phenolic acids, terpene substances such as saponins, triterpenes, phytosteroids,
nitrogenous as L-tyrosine derivatives, proline and pipecolic acids, which are considered chemical markers of the
gender. Pharmacological studies show important biological properties of pharmaceutical and agronomic interest for
species of this genus, particularly antioxidant, insecticide, antiparasitic, antimicrobial, allelochemicals, antifungal
and antitumor. Therefore, this review paper aims to show the main bioactivities reported for the genus, the
chemical diversity of their secondary metabolism and its chemotaxonomic relevance of nitrogenous substances in
the genus Inga.
Keywords: pipecolic acid, chemodiversity, pharmacological activity, chemotaxonomy.

Resumo
O gênero Inga pertence à família Fabaceae, subfamília Mimosoideae, tribo Ingeae, e compreende cerca de 300
espécies, cujo nome deriva da terminologia indígena angá ou ingá , que na realidade significa tem semente
envolvida . Este gênero apresenta potencial econômico no reflorestamento, fitoterapia, produção de energia e na
alimentação. Muitas espécies deste gênero são usadas por tribos da Amazônia para o tratamento de diversas
doenças. O metabolismo secundário deste gênero atesta para a presença de substâncias fenólicas pertencentes à
classe dos flavonoides, antocianinas, taninos, ácidos fenólicos, substâncias terpênicas como saponinas, triterpenos,
fitoesteroides, nitrogenados como derivados de L-tirosina, prolina e ácidos pipecólicos, os quais são considerados
marcadores quimiotaxônomicos do gênero. Estudos farmacológicos mostram importantes propriedades biológicas
de grande interesse farmacêutico e agronômico para espécies deste gênero, com destaque para sua atividade
antioxidante, inseticida, antiparasitária, antimicrobiana, aleloquímica, antifúngica e antitumoral. Portanto, este
trabalho de revisão tem como principal objetivo mostrar as principais bioatividades relatadas para as espécies do
gênero, a diversidade química do seu metabolismo secundário e a relevância quimiotaxonômica das substâncias
nitrogenadas no gênero Inga.
Palavras-chave: ácidos pipecólicos, quimiodiversidade, atividade farmacológica, quimiotaxonomia.

* Universidade Estadual Paulista, Departamento de Análises Clínicas, CEP 14801-970, Araraquara-SP, Brasil.
nerilsonmarques@gmail.com
** Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Departamento de Química, CEP 86036-370, Londrina-PR, Brasil.
felipe_laporta@yahoo.com.br ou felipelaporta@utfpr.edu.br
DOI: 10.21577/1984-6835.20180035

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Volume 10, Número 3 Maio-Junho 2018

Revista Virtual de Química


ISSN 1984-6835

Quimiodiversidade, Bioatividade e Quimiossistemática do


Gênero Inga (FABACEAE): Uma Breve Revisão
Nerilson M. Lima,a,* Vanessa N. C. Santos,b Felipe A. La Portac,**
a
Universidade Estadual Paulista, Departamento de Análises Clínicas, CEP 14801-970,
Araraquara-SP, Brasil.
b
Universidade Federal do Amazonas, CEP 69067-005, Manaus-AM, Brasil.
c
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Departamento de Química, CEP 86036-370,
Londrina-PR, Brasil.
* nerilsonmarques@gmail.com; ** felipe_laporta@yahoo.com.br ou
felipelaporta@utfpr.edu.br

Recebido em 22 de dezembro de 2016. Aceito para publicação em 7 de maio de 2018

1. Introdução
2. O gênero Inga
3. Etnofarmacologia e bioatividade
4. Quimiodiversidade do gênero Inga
5. Quimiossistemática do gênero Inga
6. Conclusão

1. Introdução inibição enzimática, proteção contra


microrganismos, entre outras.1-3
Particularmente, o gênero Inga (Fabaceae,
A família Fabaceae compreende 730 Mimosoideae) possui aproximadamente 400
gêneros e aproximadamente 19400 espécies espécies de distribuição neotropical, dentre
distribuídas em três subfamílias: as quais 140 estão distribuídas no Brasil e
Papilionoideae ou Faboideae, destas, cerca de 93 ocorrem no litoral
Caesalpinioideae e Mimosoideae. Esta família brasileiro, sendo um dos mais
contém um alto teor de flavonoides e outras representativos desta importante família de
substâncias biossinteticamente relacionadas plantas.4,5 Desse modo, em particular,
como os rotenoides e isoflavonoides. Os podemos observar um grande interesse no
flavonoides são, na realidade, uma das estudo dos principais membros desta
maiores classes de metabólitos secundários importante família de plantas, em especial na
com importantes propriedades sua potencial aplicação como agentes
farmacológicas nos animais, desempenhando terapêuticos. Apesar de seu grande interesse,
nos vegetais, funções como a proteção em particular, até o presente momento não
contra a radiação UV, ação antioxidante, foram identificados nenhum estudo
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sistemático sobre este gênero. Esse trabalho em regiões que se alagam com grande
visa justamente suprir esta deficiência, de facilidade. Os frutos em forma de vagem, por
modo a contribuir com a literatura, sua vez, são comestíveis e possuem muitas
proporcionando um direcionamento para sementes que estão envoltas por uma polpa
futuros estudos. Assim, no presente trabalho branca flocosa e adocicada, sendo muito
de revisão o nosso foco será dedicado ao apreciada pelas populações da região
estudo da quimiodiversidade, bioatividade e Amazônica.9
quimiossistemática do gênero Inga.
Inga constitui-se um dos mais importantes
gêneros na Amazônia, devido ao seu
potencial como recurso em sistemas
2. O gênero Inga agroflorestais, recuperação de áreas
degradadas e comercialização dos seus
frutos. Abundante em diversos ambientes,
O gênero Inga Mill., é exclusivamente ocorre comumente em florestas secundárias
neotropical, pertencente à família Fabaceae, ou em florestas de várzea. Muitas espécies
subfamília Mimosoideae e tribo Ingae com deste gênero são árvores pequenas, porém,
sete principais áreas fitogeográficas de crescem rapidamente e mostram uma alta
distribuição, tendo como principais centros produtividade, contribuindo com a fertilidade
de diversidade do gênero: o litoral e o dos solos.10 Na figura 1 são apresentados
interior do Brasil, o sudeste da América alguns detalhes gerais das flores, folhas e dos
Central bem como a região oeste da América frutos de uma espécie de Inga.
do Sul.6
Em consequência da ampla variabilidade
A terminologia Inga deriva do vulgar morfológica de espécies deste gênero, em
indígena (tupi), angá = ingá, que significa geral, persiste uma divergência taxonômica
que possui semente envolvida .7 considerável. No entanto, a presença dos
Particularmente, os tegumentos ( casca da derivados de ácidos pipecólicos, presentes
semente) destas espécies parecem estar em cerca de 47 espécies de Inga, constitui
aderidos inseparavelmente ao endocarpo. Os uma característica relativamente constante e
cotilédones (primeiras folhas que surgem dos sua diversidade química os tornam
embriões) são protegidos contra o sol através particularmente útil para a resolução de
das antocianinas e predação através dos diversos problemas taxonômicos nesse
taninos.8 Diversas espécies são comumente gênero.11
encontradas nas margens de rios e lagos, ou

Figura 1. Detalhe das flores, folhas e frutos de uma espécie de Inga. Fonte: Adaptado de
Tropicos (2016)12

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3. Etnofarmacologia e bioatividade atividade foi atribuída a misturas complexas


de monômeros e polímeros de flavan-3-óis,
cujas substâncias compreendem mais de 30%
do peso seco de folhas jovens de ambas as
Diversas espécies deste gênero são usadas
espécies.17
em comunidades indígenas, especialmente
para o tratamento de feridas, dores de Estudos realizados com o extrato
ouvido, descongestionante nasal (em caso de hidroalcoólico das folhas de I. edulis
resfriado), curar espinhas, antipirético, demonstrou um elevado teor de compostos
lavagens intestinais, etc. Algumas fenólicos e uma alta capacidade antioxidante,
comunidades indígenas também utilizam bem como uma significativa atividade
como adstringente, antiartrítica, antiulcerogênica.18
antirreumático, antidiarreico e anti-
O estudo fitoquímico das sementes de I.
inflamatória.9 Em particular, estudos da
laurina (SW.) Willd. levou ao isolamento de
espécie I. edulis, usada na medicina
um novo complexo de saponina
tradicional como antidiarreico e anti-
triterpenoide, chamado ingasaponin.
inflamatório, apresentou elevada capacidade
Enquanto que ensaios biológicos in vitro, e
antioxidante e capacidade de prevenção
utilizando modelos experimentais in vivo,
contra a oxidação da LDL.13
indicaram que ingasaponin exibiu
Extrato etanólico de I. verna apresentou significativa atividade, apontando a sua
propriedades inibidoras da xantina oxidase possível utilização em formulações de
com uma capacidade adicional de sequestro algumas vacinas.19 A composição química e as
de superóxido. Em particular, o grande atividades antimicrobiana e citotóxica dos
potencial antioxidante deste extrato foi óleos essenciais da mesma espécie foram
confirmado pelo método DPPH (2,2-difenil-1- estudadas por Furtado et al.20
picrilhidrazil) que apresentou sequestro de
No entanto, uma pesquisa mais detalhada
cerca de 50% dos radicais livres deste radical
na literatura especializada demonstrou que o
na concentração de 11,6 µg/mL, sendo o
gênero Inga tem sido pouco estudado do
ácido gálico e o ácido elágico identificados
ponto de vista químico-farmacológico.
como os principais responsáveis por esta
Portanto, os estudos químicos encontrados
elevada atividade.14,15
mostram uma ampla diversidade química de
Os frutos secos da espécie I. umbratica metabólitos secundários, incluindo
apresentaram elevada atividade hemolítica e terpenoides, esteroides, saponinas, ácidos
inibitória contra tripsina (85,8%) e fenólicos, substâncias nitrogenadas,
quimotripsina (99,1%).16 Em outro bioensaio flavonoides e outros compostos
avaliado pelos mesmos autores, esta espécie quimicamente relacionados.
não mostrou potencial inibitório contra o
fator humano Xa, que converte a
protrombina em trombina, impedindo a 4. Quimiodiversidade do gênero
conversão de fibrinogênio em fibrina, que é
Inga
responsável pela coagulação do sangue em
um vaso lesado.16
Em ensaios realizados com as espécies I. Visando completar os estudos
goldmaniiee I. umbellifera, respectivamente, quimiossistemáticos da tribo Ingeae, faz-se
foi observada atividade inibitória de larvas de necessário um levantamento bibliográfico
Heliothis, que é uma importante praga mais aprofundado e atual das microléculas
agrícola conhecida como lagarta-das-maçãs- produzidas pelas espécies do gênero Inga.
do-algodoeiro, que tradicionalmente ataca Em particular, os estudos químicos
cultivos de algodão, soja e tomate. Esta mostraram que as folhas de espécies do

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gênero Inga possuem grandes quantidades amplamente usadas na medicinal tradicional


de compostos fenólicos (5-20% da massa como laxativa. Do extrato de suas raízes
seca). Além disso, foram também observados foram isolados os metabólitos: 7,22-
que as folhas das espécies de Inga que estigmastadien- β-ol, o glicosídeo de 7,22-
crescem em maiores altitudes possuem estigmastadien- β-ol e 3 flavonoides.23
quantidade de fenóis maior do que as que
As folhas de I. edulis apresentaram uma
crescem em baixas altitudes. Esta correlação
alta capacidade antioxidante, a qual está
positiva entre intensidade de radiação solar e
relacionada provavelmente com a presença
produção de compostos fenólicos pode ser
das substâncias fenólicas: ácido gálico (1),
explicada, principalmente, pela proteção
catequina (2), epicatequina (3), quercetina-3-
contra a fotodestruição proporcionada por
O-α-L-ramnopiranosídeo (4) e miricetina-3-O-
estes metabólitos ao absorver e/ou dissipar a
α-L-ramnopiranosídeo (5). Estes
energia solar, ou seja, dificultando assim a
componentes químicos, em particular,
danificação dos tecidos mais internos pela
correspondem a 10% do total de compostos
radiação UV-B.21,22
fenólicos da planta.24
As sementes de Inga edulis são

3
1 2

4 5

Além disso, nas folhas de I. edulis foram trihidroxiaurona (12).25


também identificados os taninos
No caule da espécie I. edulis também foi
proantocianidina B1 (6) e proantocianidina
identificada a presença do
B2 (7), as antocianinas cianidina (8) e
cafeatohexacosanil (13), glicerol 1-
delfinidina (9),24 enquanto que nas raízes
tetracosanoil (14), glicerol 1-24-
foram identificados os flavonoides 5,7,3’,4’-
hidroxitetracosanoil (15), estigmasterol (16) e
tetrahidroxi-3-metoxiflavona (10), 5,7,4’-
o estigmasterol 3-O-β-D-glucopiranosídeo
trihidroxi-6,8-dimetilflavona (11) e 6,3’,4’-
(17) e nas folhas o flavonoide
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ingacamerounol (18) e o ácido kójico (19).26

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Estudos realizados por Lokvam e catequina- α-8-epicatequina) (20) em I.


Kursar,27em particular, mostraram diversos goldmaniie, e um dímero de procianidina
fenólicos presentes nas espécies I. (catequina-3-O-β-D-glucopirano-catequina-
goldmaniie e I. umbellifera, entre eles, um ( α-8)-epicatequina-3-O-β-D-gluco-(6-
trímero de procianidina (epicatequina- β-8- cinamoil)-piranosídeo) (21) em I. umbellifera.

20 21

Por outro lado, na espécie I. umbellifera identificados os fenólicos: ácido gálico e


foram também identificadas cinco estruturas ácido elágico (28).14
inéditas de flavan-3-óis, sendo os três
Além do aminoácido L-tirosina (29) foram
monômeros de (+)-catequina-3-O-β-D-gluco
encontradas altas concentrações de galoil
(2-cinamoil) piranosídeo (22), (+)-catequina-
(30), m-digaloil (31) e m-trigaloil-L-tirosina
3-O-β-D-gluco (6-cinamoil) piranosídeo (23),
(32) em folhas jovens de I. laurina. Estes
5,7,3’,4’-tetra-O-metilcatequina-3-O- β-D-
compostos são importantes para a defesa
glucose (24), (+)-catequina-3-O-β-D-gluco
química dos vegetais durante a fase de
(2,6-bis-cinamoil)-piranosídeo (25) e a
expansão foliar.30
catequina-3-O-β-D-glucopirano-( α-8)-
epicatequina-3-O-β-D-gluco-(6-cinamoil)- Também foram identificados desta
piranosídeo (26).28 espécie, em elevada concentração, o
flavonoide miricetina 3-O-α-(2 -O-galoil)-
Na espécie I. sapindoides foi identificada a
ramnopiranosídeo (33) e o ácido ascórbico
presença da 5,6-epoxidoluteina (27),29
(34).31
enquanto que na espécie I. verna foram

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27 28

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Estudo metabolômico realizado por Lima32 ácido p-metoxicinâmico, ácido p-


com as espécies I. edulis, I. marginata e I. hidroxibenzoico, derivado metilado do ácido
laurina, permitiu a caracterização das 4-hidroxibenzoico, ácido ferúlico, miricetina,
su stân ias: lupeol, éster graxo da α-amirina, miricetina-3-O-ramnosídeo, miricetina-3-O-
éster do olean-18-eno, friedelina, ácido (2 -O-galoil)-α-ramnopiranosídeo, apigenina,
vanílico, ácido 3,4,5-trimetoxi-benzoico, quercetina, proantocianidina A2, procianidina
ácido gálico, galato de metila, ácido p- B, galato de 2-ramnopiranosil-4,6-
cumárico, ácido benzoico, ácido dihidroxifenila, galato de 2-ramnopiranosil-
protocateuico, ácido tânico, ácido caféico, 3,5-dihidroxifenila e do glicosídeo do 4-vinil-

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fenol. Também foi identificada nas sementes desta


espécie uma estrutura de uma complexa
Do óleo essencial de I. laurina foram
saponina triterpênica chamada de
identificados os seguintes constituintes: fitol,
ingasaponina (35) com pronunciada atividade
linalool, α-terpineol, geraniol, γ-eudesmol,
imunológica adjuvante.19
fitoeno, eremofileno, e 9-epi-(E)-cariofileno.20

35

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Na espécie I. marginata foram detectados gálico, cinâmico (37), tirosina, derivados de


taninos, saponinas, fitoesterois e tirosina e tiramina (38) nas suas formas pura
triterpenos.33 Estudos desenvolvidos por ou conjugadas. Em geral, neste trabalho a
Kursar et al.34 com 37 espécies do gênero substância fenólica mais encontrada nas
Inga mostraram em sua composição química, espécies foram os taninos condensados.
substâncias como os ácidos quínico (36),

Ácidos pipecólicos hidroxilados foram derivado metoxilado de ácido pipecólico


caracterizados nas espécies I. brenesii, I. inédito, denominado ácido trans-4-
longispica, I. oerstediana e I. paterno.35,36 Das metoxipipecólico (39).35
folhas da espécie I. paterno foi elucidado um

39

Nas folhas de I. punctata foi identificado o espinasterona (41) na espécie I. paraenses e


ácido pipecólico cis-5-hidroxpipecólico.37 os flavonoides taxifolina (42), butina (43), 3-
Enquanto que em estudos com resíduos O-metilquercetina (44) e uma outra
madeireiros de duas espécies de Inga (I. substância inédita glicosilada derivada do
paraenses e I. alba), os autores identificaram ácido mentiafólico (dapaznídeo) (45) em I.
a presença dos esteroides espinasterol (40) e alba.

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42 43

44 45

5. Quimiossistemática do gênero particular, as folhas jovens são


principalmente defendidas por aleloquímicos,
Inga substâncias associadas à defesa química, que
são mais propensas de serem encontradas
em folhas jovens do que em folhas maduras.
Inga é um grande táxon neotropical, cuja
maioria das espécies são árvores da floresta Os ácidos pipecólicos são uma classe de
de várzea. Estudos realizados com a espécie I. metabólitos especiais que têm sido relatados
laurina mostrou importantes concentrações em poucas espécies de Fabaceae,
do aminoácido L-tirosina condensados com Mimosoideae. Entre eles, estão os isômeros
unidades de galoil, m-digaloil e m-trigaloil-L- cis e trans dos ácidos 4- e 5-
tirosina em folhas jovens.30 Estudos monohidroxipipecólico, bem como, os quatro
realizados por Lima e colaboradores com possíveis estereoisômeros do ácido 4,5-
extratos foliares da mesma espécie não dihidroxipipecólico, e do ácido trans-4-
mostrou a presença desta classe de acetilaminopipecólico, formas de ambos os
metabólitos.32 Possivelmente devido ao fato ácidos 4- e 5-monohidroxipipecólico, todos
que esses metabólitos se acumulam apenas os quatro possíveis estereoisômeros do ácido
em folhas jovens, uma vez que estas 4,5-dihidroxi-pipecólico, e de um ácido trans-
geralmente experimentam taxas muito mais 4-acetilamino-pipecólico. Investigação
altas de herbivoria do que as folhas maduras química realizada por Morton et al.35 com
em árvores de florestas tropicais.39 As folhas essa classe de substâncias no gênero Inga foi
jovens, diferente das folhas maduras, não reportado o isolamento de um novo
podem ser defendidas por tecidos estruturais composto, o ácido metoxipipecólico. Este é o
inelásticos (lignina) durante sua fase de primeiro relato de um ácido metoxipipecólico
expansão, resultando em teor de energia e de fonte natural, cuja substância se acumula
de nutrientes das folhas jovens mais elevado em níveis apreciáveis em quatro de oito
em relação às folhas maduras, sendo então espécies de Inga pesquisadas.
uma fonte de alimento preferido para muitos Devido às espécies do gênero Inga
herbívoros. Na ausência de resistência, em apresentarem uma nítida semelhança

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vegetativa, resultando em divergências na à descoberta de novos agentes terapêuticos.


identificação taxonômica de suas espécies, os Mesmo sendo poucos os estudos disponíveis
ácidos pipecólicos, marcadores taxonômicos na literatura sobre o gênero Inga, uma
do gênero, e outros compostos nitrogenados atualização dos trabalhos já existentes é de
como os derivados de tirosina têm se grande valor para o meio acadêmico atual,
mostrado importante ferramenta nos pois permitem direcionar o planejamento de
estudos de quimiossistemática. Desta forma, novos estudos experimentais, os quais
a química do metabolismo secundário pode poderão, futuramente, fazer parte de
fornecer uma visão única para a delimitação trabalhos grandiosos e de alto valor
de fronteiras entre as espécies e as relações científico. Certamente, estes esforços
entre os táxons. Há ainda uma grande resultarão no desenvolvimento e na
divergência em torno de sua nomenclatura. descoberta de novas e potenciais drogas
Por outro lado, os derivados de ácidos baseados neste gênero que permitam,
pipecólicos têm se mostrado promissores portanto, viabilizar sua aplicação em escala
candidatos nos estudos quimiotaxonômicos industrial.
para este gênero.39 Seus derivados, incluindo
o ácido trans-4-acetilaminopipecólico,40ácido
trans-4-metoxipipecólico35 e outros derivados Agradecimentos
de imino são conhecidos no gênero.
Derivados de ácido pipecólico hidroxilado
de 47 espécies de Inga foram analisados Os autores agradecem CNPq e CAPES pelo
principalmente a partir de amostras de folhas suporte financeiro.
herbário em um trabalho realizado por
Morton.36 A diversidade química torna os
ácidos pipecólicos particularmente úteis na Referências Bibliográficas
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