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ISSN 1982-3541

Campinas-SP
2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19

Análise funcional do comportamento na


avaliação e terapia com crianças

Functional analysis of behavior in the assessment and


therapy of children

Rochele Paz Fonseca1


Janaína Thaís Barbosa Pacheco2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Resumo
Este artigo objetiva apresentar a importância da análise funcional do comportamento na avaliação
e terapia comportamentais com crianças. Tomou parte um caso com oito anos e seis meses de
idade, sexo feminino e dois anos de escolaridade. Sua mãe procurou atendimento com as
descrições comportamentais da filha: desatenta, agitada, agressiva, desobediente e com
dificuldades escolares. A avaliação funcional foi realizada em seis situações: terapeuta-cliente,
terapeuta-mãe, terapeuta-pai, terapeuta-pais, terapeuta-tia e terapeuta-professora. Os principais
procedimentos foram a observação do repertório comportamental da cliente, o relato verbal e a
aplicação de instrumentos específicos. A análise funcional do comportamento foi promovida com
base na formulação de hipóteses dos efeitos de mudanças ambientais nos comportamentos-queixa
da cliente. Procedimentos de reforço verbal e generalizado foram utilizados para aumentar a auto-
estima e desenvolver um comportamento de melhor desempenho aritmético e acadêmico. Ambos
os objetivos foram alcançados. Esse estudo de caso demonstrou que a análise funcional pode
embasar processos de avaliação e psicoterapia infantil, tornando-os mais efetivos.
Palavras-chave: Análise funcional; Avaliação funcional; Terapia comportamental; Infância.

Abstract
This article aims to demonstrate the importance of functional behavior analysis in behavioral
evaluations and therapy involving children. A client took part who was eight years and six months
old, female and with two years of schooling. Her mother sought assistance with the behavioral
descriptions of her daughter: listless, agitated, aggressive, disobedient and with learning
difficulties. The evaluation was conducted in six functional situations: therapist-client, therapist-
mother, therapist-father, therapist-both parents, therapist-aunt and therapist-teacher. The main

1 Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Área de Concentração em Cognição Humana. Grupo de Neuropsicologia Clínica e Experimental
(GNCE), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Av. Ipiranga, 6.681 - Prédio 11 - 9º andar, sala 932
90619-900. Porto Alegre, RS, Brasil. Fone / Fax: 55-513320-3500 ramal 7742. E-mail: rochele.fonseca@pucrs.br
2 Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUCRS). Bolsista PNPD.

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Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças

procedures involved the observation of the behavioral repertoire of the client, verbal account and
the application of specific tools. The functional analysis of behavior was promoted based on the
formulation of hypotheses of the effects of environmental changes on the client’s complaint-
behavior. Procedures of verbal and generalized reinforcement were used to increase self-esteem
and develop a behavior that included better arithmetical and academic performance. Both goals
were achieved. This case study demonstrated that functional analysis can be based on processes of
evaluation and child psychotherapy, making them more effective.
Keywords: Functional analysis; Functional evaluation; Behavioral therapy; Childhood.

Introdução

O presente artigo tem por objetivo como Psicoterapia Analítica Funcional –


ilustrar a importância da análise PAF. Delitti (2001) ressalta o papel
funcional na avaliação e na terapia fundamental da análise funcional para o
comportamentais com crianças através de levantamento adequado dos dados
um estudo de caso. De acordo com Conte necessários para o processo terapêutico,
e Regra (2004), a psicoterapia ou seja, essencial na perspectiva de
comportamental infantil é considerada aproximação efetiva entre o clínico e o
uma atividade clínica diferenciada que pesquisador. A dificuldade de promover
visa à modificação e a ampliação do uma análise funcional correta é, também,
repertório comportamental infantil. Esta salientada pela autora. Neste contexto,
abordagem estabeleceu-se como modelo estudos que ilustrem como esta análise
psicoterápico infantil apenas a partir das pode ser promovida em ambiente clínico
décadas de 1950 e 1960. podem contribuir para reflexões teórico-
metodológicas, acerca da sua
Os pressupostos desta abordagem
aplicabilidade em consultório.
de psicoterapia infantil fazem parte do
corpo teórico-metodológico da terapia Uma intervenção psicoterápica
comportamental, propriamente dita. A infantil efetiva deve partir de um
terapia comportamental consiste na diagnóstico cuidadoso. Na abordagem
intervenção terapêutica baseada no comportamental, a análise funcional
Behaviorismo Radical e na Análise consiste na principal ferramenta para um
Experimental do Comportamento; é processo de avaliação e de terapia de
também conhecida como Terapia modificação do repertório de
Analítico-Comportamental – TAC – ou comportamentos de uma criança (Delliti,

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2001; Moura, Grossi e Hirata, 2009; ambiente consiste na base da análise


Silvares, 2004). funcional do comportamento. Esta
análise pressupõe que um indivíduo
emite um dado comportamento por este

Análise funcional do comporta- ter sido selecionado por suas


mento conseqüências. Assim, todo e qualquer
O Behaviorismo preconiza, comportamento possui uma função
segundo Delitti (2001), que a dentro do repertório comportamental de
compreensão do homem só é alcançada a um indivíduo (Skinner, 1953). A busca
partir de conhecimentos empíricos e da das variáveis externas, independentes,
obtenção de dados em laboratório. Matos das quais o comportamento (variável
(1999b), ao abordar o Behaviorismo dependente) é função, consiste na
Radical, proposto por Skinner, ressalta principal finalidade de uma análise
que o eu é o construtor do conhecimento funcional. No contexto terapêutico, o foco
e que a metodologia do n=1 é aceita. Para da análise funcional é o comportamento
esta autora, o Behaviorismo é radical por do cliente e pode ser utilizada em
negar radicalmente a existência de algo diferentes momentos da terapia, tais
que não seja identificável no espaço e no como a avaliação, a intervenção e o
tempo e por aceitar radicalmente todos os processo de alta (Delliti, 2001).
fenômenos comportamentais.
A análise funcional realizada na
Para Skinner (1953), o avaliação do cliente objetiva desenvolver
comportamento é o resultado da hipóteses sobre o efeito de variáveis
interação organismo-ambiente, só ambientais na modelagem e na
podendo ser entendido a partir da manutenção de comportamentos-
identificação das circunstâncias em que -problema e, dessa forma, identificar a
ocorre. O comportamento é, então, uma função do comportamento-problema
unidade interativa que deve ser (Field, Nash, Handwerk & Friman, 2000;
investigada sistematicamente. Essa Santarém, 2000). Quanto à análise
investigação se dá mediante a descrição e funcional na psicoterapia, é a etapa de
a interpretação de relações funcionais verificação das hipóteses, através da
entre comportamento e ambiente (Matos, manipulação sistemática dos eventos
1999b). ambientais (Santarém, 2000). Alguns
Esse entendimento das relações autores denominam essa etapa de análise
funcionais entre comportamento e funcional experimental, consistindo na
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etapa que tem por objetivo central testar a evocação de eventos da história de vida
experimentalmente as hipóteses da etapa do indivíduo. O comportamento atual e a
anterior, usando variáveis independentes relação cliente-terapeuta podem ser
derivadas da avaliação funcional (Field et analisados, tanto a partir da observação
al, 2000). de comportamentos variados do
indivíduo, como a partir da interpretação
No que diz respeito aos
do seu relato verbal (Delliti, 2001).
procedimentos a serem tomados em uma
análise funcional durante a avaliação do Com base nesta breve revisão da
cliente, Meyer (2001) retoma três literatura, observa-se que a análise
aspectos indicados como essenciais por funcional realizada na avaliação não tem
Skinner, para uma formulação adequada o objetivo de estabelecer um diagnóstico
da interação organismo-ambiente: 1) psiquiátrico tradicional, como Torós
ocasião da ocorrência da resposta; 2) (2001) ressalta, mas buscar entender qual
resposta propriamente dita e 3) é a função dos comportamentos-
conseqüências reforçadoras. Delitti problema no ambiente do cliente, através
(2001) enfatiza que, para a descoberta das de hipóteses sobre relações entre
contingências em que o comportamento- variáveis independentes e dependentes.
problema se instalou e de como ele é Del Prette, Silvares e Meyer (2005)
mantido, estão envolvidos três momentos enfatizam que a avaliação, em terapia
da vida do cliente: 1) sua história passada; comportamental, visa a uma análise
2) seu comportamento atual e 3) sua funcional que oriente a seleção de
relação com o psicoterapeuta. estratégias de intervenção, fornecendo,
ainda, indicadores para posteriores
Os métodos utilizados neste
avaliações da sua efetividade. Esses
processo são a observação e o relato
últimos autores em sua meta-análise de
verbal. Estes podem ser utilizados no
estudos de caso verificaram uma
contexto clínico, ou seja, em consultório,
predominância do uso dos seguintes
ou no contexto natural, residência, escola,
procedimentos de avaliação: entrevistas
local de trabalho do cliente, por exemplo.
iniciais com os pais e a criança e a
A história passada só pode ser acessada
observação direta da criança, no contexto
por intermédio do relato verbal, que pode
da terapia.
ser uma conversação dialogada, o relato
de sonhos, fantasias, filmes, que tenham a Mediante uma visão conceitual
função de estímulos discriminativos para mais ampla da análise funcional do

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comportamento, Matos (1999a) sugere sendo, as vantagens de uma análise


cinco procedimentos básicos, cada um funcional completa são a identificação de
desses com estratégias específicas variáveis que influenciam na ocorrência
envolvidas, para a realização de uma do comportamento de interesse, o
avaliação e de uma intervenção planejamento de intervenções, através da
funcionais, conforme pode ser observado modificação destas variáveis e,
na Tabela 1 abaixo. conseqüentemente, do comportamento-
problema, e a previsão das condições que
Tabela 1. Cinco procedimentos básicos para uma análise
funcional do comportamento. podem proporcionar a generalização e a
Procedimentos Estratégias envolvidas
Definição precisa do 1) observação do comportamento de manutenção das modificações
comportamento de interesse
interesse 2) relato de outras pessoas sobre o comportamentais efetuadas.
comportamento

Identificação e descrição 1) especificação do efeito


do efeito comportamental comportamental (freqüência de Quanto à aplicação da análise
ocorrência, por exemplo)
funcional no atendimento clínico de
Identificação de relações 1) descrição da situação que antecede
ordenadas entre variáveis e da situação que sucede o
ambientais e o comporta- comportamento de interesse
crianças, Conte e Regra (2004) e Silvares
mento de interesse, assim 2) identificação das conseqüências
como entre o dentre as situações que sucedem o (2004) mencionam a importância desta
comportamento-alvo e comportamento de interesse
demais comportamentos 3) identificação das condições dentre ferramenta para que os antecedentes e os
as situações que antecedem o
comportamento de interesse conseqüentes ambientais, que controlam
Formulação de predições 1) descrição da natureza das relações
sobre os efeitos de funcionais dentro de um
o comportamento-queixa infantil atuais,
manipulações das referencial conceitual
variáveis ambientais e de 2) identificação do envolvimento de sejam identificados. A busca por como,
outros comportamentos eventos físicos e/ou
sobre o comportamento comportamentos (da própria quando e onde tal comportamento ocorre,
de interesse pessoa ou de outras pessoas) nas
condições antecedentes é essencial para o planejamento da
Teste das predições 1) intervenção clínica ou institucional psicoterapia comportamental infantil.
2) investigação laboratorial

Para esta autora, então, uma Psicoterapia comportamental com


análise funcional completa deve englobar crianças
observação, suposição e verificação, A Psicoterapia Comportamental
visando à produção de uma definição pode ser entendida como aquela
funcional do comportamento. Matos intervenção para a modificação e
(1999a) enfatiza, ainda, a impossibilidade ampliação de comportamentos, baseada
de se observar diretamente uma relação na aprendizagem, na preocupação com o
funcional. Esta pode ser, apenas, método e na especificação das relações
investigada com base na observação dos funcionais (Kerbauy, 2001; Kohlenberg &
comportamentos de um indivíduo. Assim Tsai, 2001). Sua utilidade é associada ao

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tratamento de indivíduos de diferentes variáveis independentes mantenedoras


faixas etárias. Entretanto, na literatura do comportamento de interesse da
que aborda a aplicação da terapia criança em análise. O comportamento da
comportamental no processo de avaliação criança continua sendo o alvo primário,
e intervenção com crianças, algumas mas para as modificações
especificidades são apontadas. comportamentais serem generalizadas e
duradouras, o treino de pais e/ou
Silvares (2004), ao mencionar a
professores torna-se essencial.
análise funcional no contexto da
psicoterapia infantil, enfatiza que a forma
Desta forma, a análise funcional do
de conduzir esta análise muda de acordo
comportamento infantil requer o
com a idade do cliente, mas os objetivos
entendimento das relações funcionais
de buscar as relações funcionais não
entre o comportamento-queixa e as
sofrem modificações. Regra (2000) e
conseqüências comportamentais dos pais,
Conte e Regra (2004) esclarecem que,
dos professores e do terapeuta
tanto na avaliação quanto na intervenção
comportamental. O método mais
psicoterápica, o envolvimento de outras
utilizado para esta análise é o relato
pessoas, em casa e na escola, além da
verbal das pessoas envolvidas (Deaver,
própria criança, é fundamental para o
Miltenberger & Stricker, 2001). Frente à
sucesso de uma análise funcional do
revisão apresentada, conclui-se que a
comportamento infantil.
análise funcional do comportamento é
O manejo de contingências, a uma ferramenta importante na terapia
partir da interação de, no mínimo, três comportamental. No entanto, a sua
pessoas, pode ser chamado de modelo implementação na prática clínica, ainda
triádico (Silvares, 1995). Assim, além do se constitui em um desafio. A fim de
envolvimento do terapeuta e do cliente, contribuir com a literatura sobre o tema,
conforme o modelo diático, geralmente este estudo de caso visa a apresentar
aplicado na terapia comportamental com procedimentos de avaliação e de
adultos, na terapia comportamental com intervenção sustentados pela análise
crianças, um mediador também é funcional do comportamento, em um
envolvido. Este pode ser representado contexto de psicoterapia infantil.
pelos pais, pela professora, entre outros.
A efetividade da intervenção será maior,
Método
quanto maior for a modificação das

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O método utilizado para a A fim de tornar claros os


realização deste estudo de caso foi a procedimentos desenvolvidos com a
análise funcional do comportamento que cliente, o método será dividido em:
guiou as duas etapas de intervenção método do procedimento de avaliação e
promovidas: 1) avaliação e 2) terapia. método da intervenção terapêutica. É
Ressalta-se que, como primeiro importante salientar que ambos foram
procedimento deste estudo de caso, desenvolvidos utilizando a análise
conduziu-se a aplicação de um Termo de funcional.
Consentimento Livre e Esclarecido, que foi
assinado pelo pai e pela mãe da cliente. Método do Procedimento de
Primeiramente, uma descrição geral da Avaliação
participante e da queixa será promovida. Instrumentos e Procedimentos

A avaliação foi efetuada mediante


Participante e relato da queixa contato em seis situações: terapeuta-

A participante, por critérios éticos, cliente, terapeuta-mãe, terapeuta-pai,

será chamada de A. Esta tem oito anos e seis terapeuta-pais, terapeuta-tia e terapeuta-

meses de idade e é do sexo feminino. professora. Diferentes instrumentos e

Encontra-se cursando a terceira série do quantidade de sessões foram utilizados

Ensino Fundamental. Mora com seus pais e em cada situação, conforme pode ser

com sua irmã gêmea, B (nome fictício, visualizado na Tabela 2.

ressaltando-se a semelhança entre os nomes Tabela 2. Número de sessões e instrumentos para cada
situação da avaliação funcional.
reais), permanecendo no turno da manhã, sob
sessões
Situações Instrumentos
(n)
os cuidados de uma tia materna. Terapeuta-cliente 4 Atividade lúdica livre
Ditado de palavras e frases
A mãe de A procurou atendimento em Exame do caderno
Teste das Matrizes
Progressivas de Raven
uma clínica psicoterápica da região Seqüências lógicas
Tarefa de habilidades
metropolitana de Porto Alegre, RS, com as aritméticas
Terapeuta-mãe 2 Entrevista ficha de
seguintes queixas comportamentais anamnese
Questionário parental de
relacionadas à sua filha: desatenta, agitada, sintomas
Terapeuta-pai 1 Entrevista - Ficha de
agressiva (com familiares e amigos), anamnese
Terapeuta-pais 1 Entrevista
desobediente e apresentando dificuldades
Terapeuta-tia materna 1 Entrevista
escolares. Terapeuta-professora 1 Entrevista
Total 10 17

Nota: As entrevistas estão apresentadas na ordem em que


foram realizadas, sendo a segunda entrevista com mãe
Método efetuada após aquela com os pais.

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Quanto aos procedimentos encontram-se explicitados na


utilizados na avaliação, a observação do Tabela 3.
repertório comportamental da cliente foi
efetuada desde a sala de espera até cada Tabela 3. Intervenções clínicas, através das interações
terapeuta-cliente-familiar-professora.
sessão individual de avaliação e aplicação

Interações
Terapeuta-cliente
dos instrumentos. Além disso, as
Terapeuta-familiares
relações funcionais também foram e
Terapeuta-professora
inferidas a partir do relato verbal das Aumentar auto-estima

Objetivos
pessoas que convivem com a cliente:
Desenvolver comportamento de melhor desempenho
mãe, pai, tia e professora. Foram aritmético e acadêmico

definidos os comportamentos de Reforço verbal

Procedimentos
interesse, com a posterior Reforço generalizado
Orientações para diminuição na freqüência de
identificação dos efeitos comparações entre irmãs
comportamentais.
Elogiar sua aparência e produção escrita
Técnica de economia de fichas
Estratégias

Relato verbal do efeito do comportamento


Método da Intervenção Terapêutica comparativo dos pais sobre a cliente

Relato verbal do efeito da demonstração verbal e não-


Instrumentos e Procedimentos verbal de afeto após melhoras de desempenho da
cliente

A análise funcional do
comportamento foi realizada em Resultados
ambiente clínico, a partir de três Assim como na seção Método, os
interações: 1) terapeuta-cliente (29 resultados serão apresentados em dois
sessões); 2) terapeuta-familiares (3 momentos: 1) Resultados da avaliação e
sessões) e 3) terapeuta-professora (2 2) Resultados da intervenção terapêutica.
sessões). A partir dos resultados da
avaliação, foram formuladas predições
sobre as conseqüências, no Resultados da avaliação

comportamento de interesse da História pregressa e atual


cliente, de modificações nas A e sua irmã-gêmea, B, dormem no
variáveis ambientais. Assim, foram mesmo quarto há sete meses. Antes,
efetuadas intervenções específicas dormiam no quarto dos pais. Quanto à
em cada interação, cujos objetivos, escolarização, A finalizou a segunda série
procedimentos e estratégias do Ensino Fundamental em dezembro de

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2004. Não freqüentou pré-escola, sendo A ficava sob os cuidados diários de


sua primeira série realizada com sua tia materna, juntamente com sua
dificuldades atribuídas a questões irmã e um primo. Estudava no turno
institucionais, tais como greve, falta de vespertino. Costumava brincar na escola
professor e violência no bairro, em que a apenas com crianças de seu sexo,
escola se localiza. Nos dois anos escolares, preferindo a companhia de uma amiga
teve sua irmã como colega, na maior (amiga em comum com sua irmã) e de
parte do tempo. A professora e seus sua irmã. Gostava de assistir televisão,
familiares referiram que ela sem permanecer muito tempo nesta
freqüentemente demorava a terminar as atividade. Optava freqüentemente por
atividades propostas em aula, tendo que brincadeiras de rua, tais como pular
levar tarefas para casa ou pedir auxílio à corda, subir em árvores, correr, entre
irmã, para que esta terminasse as suas outras. Relacionava-se melhor com o pai
tarefas. Sua professora salientou, ainda, (sic. pai e mãe). Ocorriam, com
que A apresentava dificuldades no freqüência, episódios de discussão verbal
reconhecimento de números, na entre as irmãs, iniciados sempre por A
realização de tarefas que demandavam (sic. pais e tia).
habilidades aritméticas, assim como No Questionário Parental de
habilidades mais complexas de linguagem Sintomas, respondido pela mãe, esta
escrita (narrativa escrita, por exemplo). referiu problemas de alimentação, sono,
ocorrência de medos e preocupações
Através da análise das fichas de
excessivos, assim como de hábitos de
anamnese, preenchidas individualmente
onicofagia e mordedura de objetos.
pelos pais de A, observou-se que não
Quanto aos aspectos afetivos
houve intercorrências, durante a
propriamente ditos, a mãe mencionou
gestação. Seu parto foi realizado com o
sintomas de dependência na realização de
procedimento de cesariana. Nasceu após
atividades e tarefas diárias, problemas
sua irmã, com hipóxia. Seu
com sentimentos, problemas em fazer e
desenvolvimento psicomotor e lingüístico
manter amigos, problemas com a irmã,
é sugestivo de normalidade neurológica.
agitação, intolerância à frustração e
Foi amamentada naturalmente, até os
desatenção, temperamento explosivo
seis meses de idade e artificialmente, até
associado a mau-humor, problemas na
cinco anos e um mês. Apresentava sono
escola, ocorrência de mentiras,
agitado.
provocação de danos à propriedade. Por

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fim, classificou o problema de sua filha a executarem-nas conjuntamente.


como menor, apesar de graduar a Enfatiza-se, ainda, que a mãe comparava
freqüência de observação desses com freqüência as filhas gêmeas,
comportamentos como “muito”, numa destacando as qualidades de B, em
escala Likert de quatro graus (nunca, um contraponto às dificuldades de A. Esta
pouco, bastante, muito) (para uma última, percebia o comportamento
revisão, consultar Pasquali, 2003). materno.
Sentia-se culpada por ter demonstrado
Na execução das tarefas em geral,
preferência por B, referindo que na época
A apresentou comportamentos de
da avaliação, amava de modo igualitário
impulsividade e pouca tolerância a um
suas filhas.
preparo e a uma espera para uma
No processo de avaliação, o execução mais cuidadosa das atividades
repertório de comportamentos e condutas propostas. Mostrou comportamentos
da cliente foi observado em diferentes ligados à desejabilidade social,
situações. Na sala de espera, pode-se procurando agradar a terapeuta
constatar que as irmãs vestiam-se com constantemente, apesar de demonstrar
roupas, calçados e acessórios de modelos irritabilidade aumentada, frente à maior
idênticos, apenas com cores complexidade das tarefas.
diversificadas. A procurava ficar longe da
irmã, demonstrando satisfação ao afirmar No que concerne às habilidades
que, apenas ela, entrava na sala de lingüísticas e comunicativas, A
atendimento. Mostrava-se agitada, apresentou discursos oral e escrito
alternando sistematicamente os lugares restritos, para sua idade. Teve
em que permanecia sentada ou em pé, dificuldades em organizar logicamente as
enquanto aguardava ser chamada. seqüências de quatro e seis peças,
Ressalta-se que a mãe da cliente apresentando sentenças de extensão curta
demonstrava carinho direcionado à B, e narrativa das respectivas histórias com
com maior expressão. Costumava fazer conteúdo e forma lingüísticos pouco
comentários sobre as dificuldades explorados. No exame do caderno,
apresentadas por A, na própria sala de observaram-se equívocos ortográficos e
espera. Além disso, nas tarefas gramaticais, de um modo geral, bastante
domiciliares e escolares, mesmo que freqüentes, com a maioria das tarefas
apenas uma das irmãs pudesse executá- inacabadas. No ditado de palavras e
las, ambas eram estimuladas pela família sentenças, demonstrou encontrar-se na

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fase alfabética do desenvolvimento da os comportamentos-queixa apresentados


linguagem escrita (Ferreito & Teberosky, pelos entrevistados. Na Tabela 4,
1985), com aumento de dificuldade frente encontram-se as definições dos
à maior complexidade dos estímulos comportamentos-queixa de interesse.
lingüísticos. Tais características de escrita
Tabela 4. Definições dos comportamentos de interesse ou
alfabética são esperadas para sua série comportamentos-queixa.
escolar. Entretanto, sua exploração Comportamento-queixa Definição
“agitada” Comportamento de movimentação
restrita da linguagem escrita não é típica excessiva, com pouco tempo de
manutenção em uma atividade
de sua faixa etária.
“desobediente” Comportamento de discordância
com figuras de autoridade frente à
Quanto à inteligência, no teste solicitação de execução de tarefas
domésticas e escolares
Matrizes Progressivas de RAVEN
“desatenta” Comportamento de atribuição de
atenção a quaisquer tarefas exceto
(Angelini, Alves, Custódio et al, 1999), a àquelas solicitadas por professora e
familiares
cliente obteve desempenho classificado
“agressiva com Comportamento de discussão e de
como grau III, ou seja, intelectualmente familiares e amigos” enfrentamento com familiares e
amigos
médio. Observaram-se, qualitativamente,
“tem dificuldades Comportamento de não execução
escolares” das atividades escolares ou de
respostas com características de execução incompleta, com mais
erros do que acertos
impulsividade, desatenção, com pouco
tempo de manutenção de observação dos Posteriormente, foram
estímulos visuais. Além disso, apresentou identificadas e descritas as relações
desempenho regular na tarefa de ordenadas entre as variáveis ambientais
habilidades aritméticas, realizando (antecedentes e conseqüentes) e os
adequadamente as operações de soma comportamentos de interesse. Na Tabela
com unidades, com respostas 5, os resultados destes procedimentos
inadequadas para as demais operações. podem ser visualizados para cada
Tais dados confirmaram as observações comportamento-queixa.
efetuadas pela professora da cliente. Assim sendo, a partir dos
resultados das observações efetuadas no
processo de avaliação de A, evidenciaram-
Resultados dos procedimentos da
se dificuldades relacionais
avaliação
predominantemente nas díades cliente-
Primeiramente, os comportamentos de
irmã e cliente-mãe. A demonstrava
interesse foram definidos o mais dependência com relação à sua irmã e
precisamente possível, mediante
busca por desejabilidade social e materna.
solicitação de exemplos que ilustrassem Apresentava dificuldades aritméticas e

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lingüísticas, provavelmente oriundas da cliente no seu processo de independência,


falta de estimulação e da demanda melhorar sua auto-estima e auto-
reduzida do ambiente. Este último fator confiança e contribuir para o
está ligado às dificuldades afetivas da aprimoramento do seu desempenho
cliente, ou seja, ela era reforçada ao não acadêmico, estimulando suas habilidades
realizar as tarefas solicitadas. linguísticas e aritméticas.

Tabela 5. Antecedentes e conseqüentes dos comportamentos-queixa


da cliente.
Resultados da intervenção à luz
Antecedentes Comportamentos- Conseqüentes
queixa da análise funcional do compor-
Solicitação “agitada” – exemplo: Não completa as tamento
repetida de A não pára quieta atividades e a tia
execução das enquanto faz os permite que ela vá
tarefas escolares temas brincar Em um primeiro instante,
pela tia ou pela
mãe predições foram formuladas acerca dos
Solicitação “desobediente” – Mãe arruma seu
repetida de exemplo: A nega a quarto, enquanto
arrumação e solicitação da mãe de briga com ela
efeitos de manipulação das variáveis
organização de arrumar a bagunça de
roupas e objetos, seu quarto ambientais sobre os comportamentos-
acompanhada de
comparação com queixa da cliente. No contexto terapeuta-
a excelente
organização da cliente, os reforços verbais de elogio à
irmã-gêmea
Aumento da “desatenta” – Não termina as
demanda de exemplo: A olha pela tarefas e sua mãe ou
aparência e vestimenta da cliente,
execução da janela enquanto faz professora briga com
tarefa com as tarefas escolares ela; sua irmã assim como à legibilidade de sua letra,
delimitação de em casa ou na escola completa as tarefas
tempo da A para que as duas foram promovidos com a finalidade de
possam brincar ou ir
para casa contribuir para o aumento da auto-
Prima, amiga da “agressiva com A recebe atenção da
escola ou familiar familiares e amigos” prima, da amiga ou estima da cliente. Mostraram um efeito
optam por dar – exemplo: chama a do familiar, uma vez
atenção (brincar, prima, a amiga da que estes passam a
conversar) à irmã escola ou o pai com discutir com ela
de modificação do comportamento,
algum apelido ou
palavrão conforme pode ser observado na Tabela
Aumento da “tem dificuldades Professora e
demanda de escolares” – familiares conversam 6, em que pode ser observada uma
realização de exemplo: erra com ela, em tom de
uma tarefa operações xingamento por não comparação entre os comportamentos
escolar com matemáticas ter se desempenhado
exigência de bom conforme o esperado
desempenho e
verificados antes e depois do esquema
delimitação de
tempo de reforçamento de razão variável: a
quantidade de reações
Indicou-se atendimento psico- comportamentais aos elogios
terápico individual com freqüência de aumentaram, após esse esquema de
duas vezes semanais para A e separação reforçamento. O aumento do repertório
das irmãs em duas turmas de terceira de habilidades sociais da cliente,
série. Os objetivos predominantes da representado pelo aceite aos elogios e
intervenção psicoterápica foram auxiliar a às mudanças na interação com os

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demais membros da clínica, denota simples, a cliente foi apresentando


uma melhora de sua auto-estima. ganhos em desempenho, até alcançar
100%.

Tabela 6. Comparação antes e depois do esquema de


120%
reforçamento de razão variável.

percentual de acertos
100%
Comportamentos Antes Depois 80%
/Intervenção
Comportament Silêncio Agradecimentos e 60%
os verbais concordância com 40%
Intensidade os elogios da 20%
vocal quase terapeuta
inaudível ao Cumprimentos 0%

linha de base

D1

D2

D3

D4

D5

D6

D7

D8

D9
D10

D11

D12

D13
cumprimentar audíveis com
equipe equipe fase de intervenção
Comportament Flexão da cabeça Sorriso e abraço na
os não-verbais e expressão terapeuta percentual de acertos
facial de
descontentament Direcionamento do
o olhar, sorrisos e
Evitação do abraços nos Figura 1. Percentual de acertos em operações matemáticas da
olhar aos membros da equipe linha de base até o décimo terceiro dia de
membros da intervenção.
equipe
Nota: D = dia. De tal modo, D1 = dia 1, D2 = dia 2 e assim
sucessivamente.

Ainda no contexto terapeuta-


Após atingir 100% de desempenho
cliente, foi utilizada a técnica
positivo por dois atendimentos
comportamental de economia de fichas,
consecutivos, A mostrou o pote de fichas
sendo as fichas corações desenhados
conquistadas para seus pais, que a
com régua específica de desenho
elogiaram e demonstraram carinho
infantil em papel cartolina e
através de trocas de abraços e beijos, com
recortados pela cliente. O objetivo
a cliente. No contexto terapeuta-
dessa técnica foi instalar o
familiares e terapeuta-professora, o
comportamento de desempenho
resultado das orientações para
aritmético e acadêmico satisfatório,
diminuição da freqüência de comparações
assim como, indiretamente,
entre irmãs pelos pais e pela professora
generalizar o reforço atribuído às
pode ser evidenciado na Figura 2. Nesta,
fichas para a atenção e valorização das
pode-se notar uma diminuição da
pessoas ao seu redor. Na Figura 1, na
quantidade de emissões de comparação
qual é exposto o percentual de acertos
A-B pelos familiares (principalmente
em operações matemáticas da linha de
mãe, pois pai e tia tinham poucas
base, até o 13º dia de intervenção,
emissões, desde a primeira entrevista) e
pode-se constatar um aumento
pela professora. Na Figura 2 são
gradativo do desempenho em tarefas
apresentados, então, o número de
aritméticas. A partir da linha de base
emissões, em cada entrevista.
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Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças

Além desta orientação, também foi em silêncio, enquanto a professora


efetuada uma combinação de pais e explica o conteúdo, termina as atividades,
professora elogiando A, após cada embora demore, ainda, mais que alguns
pequena conquista (acerto em uma colegas. Veste-se diferentemente da irmã,
operação matemática, por exemplo). Na está fazendo novas amizades e impõe sua
última entrevista com cada um deles, a vontade à da irmã (de modo, ainda,
partir de seu relato verbal, os efeitos agressivo). A terapeuta, então, explicitou
dessa mudança comportamental puderam que estas mudanças representam melhora
ser identificados no repertório e não piora, no comportamento de A.
comportamental de A: aumento da
atenção nas atividades escolares e
Discussão
execução independente das tarefas de
aula e de casa.
Os comportamentos-queixa
12 trazidos pelos familiares e pela professora
Número de emissões

10
da cliente consistem em características de
8
6 comportamento bastante freqüentes, no
4
início da fase escolar. A contingência de
2
0 evitar tarefas escolares é considerada
Emãe1

Emãe2

Epai

Eprof1

Etia

Epais1

Epais2

Eprof2

Epais3

comum por Northup, Kodak, Lee e Coyne

Momento (2004). Apesar de queixas, tais como as


de desobediência, agitação e desatenção
Figura 2. Quantidade de emissões de comparação entre
irmãs nas entrevistas realizadas com pais, serem frequentemente originadas pelos
professora e tia.
Nota: Emãe1 = Primeira entrevista com a mãe; Emãe2 = pais (Shapiro & Bradley, 1999), na
Segunda entrevista com a mãe; Epai = Entrevista com o pai;
Eprof1 = Primeira entrevista com a professora; Etia =
Entrevista com a tia; Epais1 = Primeira entrevista com os pais;
literatura, a utilização da análise
Epais2 = Segunda entrevista com os pais; Eprof2 = Segunda
entrevista com a professora; Epais3 = Terceira entrevista com funcional, tanto na avaliação, como na
os pais.
terapia comportamentais, é mais

Atualmente, A encontra-se em fase incidente em casos de queixas mais

final de generalização dos resultados bizarras do desenvolvimento infantil, tais

obtidos em consultório, para os como distúrbios alimentares (Piazza,

ambientes casa e escola. Os pais e a Fisher, Brown, Shore, Patel et al., 2003),

professora demonstraram preocupação, transtornos do desenvolvimento (Bosch,

inicialmente, com as modificações dos 2002) e auto-agressão (Deaver et al.,

comportamentos da cliente: A mantém-se 2001), entre outros.

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Os comportamentos-queixa, pais, contribuíram para o entendimento


embora considerados inadequados pelas da sua função do repertório da cliente.
pessoas com quem a cliente convivia, Pela observação dos antecedentes e
mostraram-se funcionais, ou seja, dos conseqüentes de cada
apresentavam uma função no seu comportamento-queixa (Tabela 5), pode-
repertório de comportamentos, com um se, também, inferir que, em geral, o
antecedente que contribuía para sua aumento da demanda por desempenho do
ocorrência e um consequente que ambiente e as freqüentes comparações
contribuía para a sua manutenção e com sua irmã gêmea foram variáveis
posterior repetição. Para a identificação independentes significativas no
dos antecedentes e consequentes de cada estabelecimento e manutenção dos seus
comportamento de interesse, assim como padrões comportamentais de não
da relação funcional entre execução das tarefas. Ressalta-se que a
comportamentos da cliente e variáveis regra familiar que categorizou B como a
ambientais, os procedimentos sugeridos irmã-modelo e A como a irmã mal-
por Delitti (2001) e Matos (1999a) foram sucedida, associada à constante punição
fundamentais. A observação das relações materna, contribuiu muito para a
funcionais na história de vida permitiu a ocorrência dos comportamentos
inferência de que a cliente estabeleceu indicativos de baixa auto-estima e de
uma auto-regra de que já era a pior e que busca constante por aceitação materna.
nada que fizesse mudaria este status na Além disso, associação entre baixa auto-
sua família. Esta auto-regra, segundo a estima e dificuldades escolares é
conceituação e classificação de Jonas amplamente destacada na literatura (por
(1999), pode ser considerada encoberta. exemplo, Shirk & Harter, 1999).
Graças a esta regra, A passou a tomar
A partir da identificação destas
decisões de não completar as tarefas
variáveis, a análise funcional do
domésticas e escolares, além do que sua
comportamento de A pôde ser planejada.
mãe e sua irmã, as faziam, reforçando o
Conforme o modelo triádico preconiza, a
comportamento de A. Além da história de
participação de, no mínimo, três pessoas
vida, comportamentos apresentados na
é fundamental para o sucesso da
relação terapeuta-cliente (busca por
intervenção psicoterápica infantil. Elliott
agradar constantemente a terapeuta –
e Fuqua (2000) ilustram casos bem-
desejabilidade social) e relatados por seus
sucedidos de tratamento de auto-agressão

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Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças

infantil, a partir do envolvimento de ampliados para o ambiente casa, a partir


modificações comportamentais dos pais, da transferência do controle por elas
do terapeuta e da professora. Para tanto, exercido para a aprovação de seus pais
a conscientização dos pais sobre as (reforçador natural).
contingências que circundam o Apesar de se ter conquistado bons
comportamento da criança, mostram-se resultados até o momento, a fase atual de
essenciais (Bosch, 2002; Rocha & generalização é crucial para a conclusão
Brandão, 2001). No caso em estudo, o efetiva da terapia comportamental.
relato verbal da terapeuta, sobre os Simonassi et al. (2000) abordam a
antecedentes e conseqüentes dos importância desta ampliação do efeito
comportamentos de A, auxiliaram neste alcançado de alguns estímulos
processo de conscientização dos seus pais discriminativos para outros importantes,
e da professora, sendo fundamental para tendo-se em vista uma maior adaptação
o aceite das orientações de modificação da cliente ao seu ambiente. O processo de
dos seus comportamentos nos ambientes generalização em contexto clínico é
casa e escola. McNeill, Watson, complexo e envolve variáveis extrínsecas
Henington e Meeks (2002) salientam, ao setting terapêutico, podendo ser
inclusive, que em seu estudo o dificultado pela inconsistência ou não
treinamento de pais na realização de sistematicidade dos esquemas de
análises funcionais foi bem-sucedido, reforçamento (Gadelha & Vasconcelos,
conseguindo estes identificar as relações 2005). Dessa forma, a manutenção das
funcionais entre os comportamentos. orientações ensinadas à família de A,
No contexto terapeuta-cliente, o principalmente no sentido de reforçar
reforço verbal (ver em Simonassi, Borges positivamente as condutas esperadas,
& Loja, 2000 e Tomanari, 2000) e a será fundamental para que o processo de
técnica de economia de fichas (ver em generalização das aprendizagens ocorra
Tomanari, 2000), o elogio e as fichas satisfatoriamente, ampliando o repertório
foram muito importantes para o comportamental da cliente.
estabelecimento de padrões compor-
tamentais de maior auto-estima e de Conclusão
melhor desempenho escolar. As fichas
Apesar de o ambiente de
atuaram como reforçadores condicio-
consultório não permitir um controle
nados generalizados, cujos comporta-
rigoroso como o laboratório o faria e de a
mentos a elas relacionados foram

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Rochele Paz Fonseca - Janaína Thaís Barbosa Pacheco

modificação do comportamento em contextos de interação comportamental,


ambiente natural não ter sido efetuada, o relato verbal e aplicação de
presente estudo de caso demonstrou que alguns instrumentos, que objetivaram a
os pressupostos da avaliação e da análise avaliação clínica. Com base nestes
funcional do comportamento podem procedimentos avaliativos, conduziu-se a
embasar os processos de avaliação e de uma análise funcional do
psicoterapia de uma criança, tornando-os
comportamento, que fundamentou a
mais efetivos. A ferramenta análise
intervenção de mudanças ambientais,
funcional foi essencial para que as refletindo diretamente nos comporta-
funções das variáveis, que controlavam os mentos disfuncionais da cliente.
comportamentos-queixa da cliente, Procedimentos de reforço verbal e
fossem identificadas e, a partir da generalizado foram utilizados para
previsão do efeito da manipulação de aumentar a auto-estima e desenvolver
variáveis independentes (comportame- comportamento de melhor desempenho
ntos do pai, da mãe, da terapeuta e da aritmético e acadêmico, com objetivos de
professora), novos padrões comporta- intervenção atingidos. Esse estudo de
mentais fossem planejados e instalados. caso reforça a importância da aplicação
Assim sendo, a avaliação funcional da análise experimental do comporta-
foi promovida, graças à observação do mento, na clínica psicoterápica infantil.
comportamento da cliente em diversos

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Recebido em: 03/04/2007


Aceito para publicação em: 04/03/2009

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19 19

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