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04.

Montando o altar

Em primeiro lugar, vamos definir a palavra. Altar vem do latim altare e significa plataforma
alta.

Utilizado em muitas religiões, os altares na antiguidade estavam relacionados ao local de


sacrifício nos templos, sacrifício este que era a forma de se comunicar com o Sagrado para
pedidos e agradecimentos.

Na Umbanda não é diferente, pois o altar é sim um ponto de irradiação energética e, depois
de consagrado, torna-se um dos locais de irradiação de axé de um terreiro.

Também conhecido como peji ou congá, sendo que o último pode se referir tanto ao altar
quanto ao recinto onde são realizados os trabalhos espirituais.

Mas, qual a melhor forma de montar nosso altar? E a resposta é: depende do uso que você
fará dele.

É muito comum, hoje em dia, que os filhos de fé montem pequenos altares em suas
residências, como um ponto para ofertas e orações. Estes altares normalmente são elaborados
aos poucos, através do tempo, com a aquisição de imagens e outros elementos de culto.

Este tipo de altar até pode ser consagrado, mas a consagração virá pelo seu uso periódico,
quanto mais constante seu dono utilizá-lo para firmezas, ofertas e orações, mais energia ele
acumulará e irradiará. Sua função será apenas de conexão com o Sagrado e nada mais que isso.

Já em um terreiro é diferente. Além da função de conexão com o Sagrado, ele também deverá
prover energias para os trabalhos espirituais, de forma que os espíritos benfeitores que
trabalham nas forças da Umbanda tenham maior força para levar o descarrego, a cura, a
libertação e as orientações superiores a todos aqueles que buscarem aquele terreiro.

Para isso é necessário formar um altar com um mínimo de critério. Digo um mínimo, pois
devemos lembrar sempre que a base de nossa Umbanda é a simplicidade.

Existem muitas formas de se montar um altar. Desde a mais simples, que seria reunir em uma
mesa as imagens e objetos que deseja utilizar, podendo ser dividido em prateleiras ou até
mesmo um simples aparador.

Sempre dizemos que todo terreiro tem a cara de seu dirigente. Dessa forma você nunca
encontrará dois atares completamente iguais. Casa sacerdote reunirá em seu altar as imagens
e objetos que melhor reflitam suas próprias crenças.

Fora isso, normalmente o sacerdote adapta seu altar ao tamanho e às condições que seu
espaço físico lhe proporciona.
Mesmo diante disto, existem dois tipos de altares que são mais comuns de serem encontrados
nos diversos terreiros do nosso Brasil.

O mais comum, é o tipo aparador, onde o dirigente cria vários degraus para colocar suas
imagens, exatamente como Zélio de Moraes fez na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade.
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Perceba que no altar de Zélio, todos os Orixás estavam representados e alguns outros santos
católicos, mas as imagens foram dispostas sem nenhum critério aparente, com exceção da
imagem de Nossa Senhora da Piedade, que está acima de todas, por representar a própria
tenda, e Jesus, que se encontra bem no meio do altar, em lugar de destaque.

A título de curiosidade, listamos abaixo as imagens identificadas no altar.

Nossa Senhora da Piedade sincretizada com Iemanjá e Oxum


Jesus sincretizando com Oxalá
Senhor do Bonfim sincretizando com Oxalá
São Jorge sincretizando com Ogum
São Sebastião sincretizando com Oxóssi
São Benedito sincretizando com Obaluaê
São Cosme e São Damião sincretizado com Ibeji
São Jerônimo sincretizado com Xangô
Santa Bárbara sincretizada com Iansã
Sant’Anna sincretizada com Nanã
Santo Antonio pode ser sincretizado com Ogum ou Exu
São Pedro pode ser sincretizado com Xangô ou Exu
São Paulo raramente sincretizado com Ogum
Santa Maria Madalena
São Miguel Arcanjo patrono da Umbanda

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Na foto é difícil de identificar, mas existe um castiçal para a firmeza de uma vela, sempre havia
um copo com água e uma rosa branca, além das demais flores que sempre adornavam o altar.

Podemos verificar acima do altar o ponto riscado do Caboclo das Sete Encruzilhadas, que é o
coração deitado transpassado por uma flecha, que representava, segundo o ‘Chefe’, todos os
sentimentos em direção a Deus. Verifica-se ainda o Cristo crucificado ao lado direito, bem
como as imagens mediunicamente pintadas do Caboclo das Sete Encruzilhadas e Pai Antonio.

Este modelo de altar é muito utilizado por ser fácil, barato e por ocupar menos espaço. Sendo
que o dirigente pode iniciar este tipo de peji com poucas imagens e ir incrementando com o
tempo.

Outro modelo de altar muito escolhido pelos pais e mães-de-santo é o modelo pirâmide, onde
Oxalá ficará no vértice da pirâmide, acima dos demais Orixás. No andar imediatamente abaixo
de Oxalá ficarão os Orixás de coroa do sacerdote, sendo que o Orixá de Frente ficará à direita
de Oxalá e à esquerda de quem vê, e o Orixá Adjunto ficará à esquerda de Oxalá,
consequentemente à direita de que olha.

Os outros Orixás podem ser distribuídos nos andares inferiores, de acordo com a vontade ou
a veneração de cada dirigente. Lembrando ainda que mesmo neste modelo, você não
precisaria representar todos os Orixás em um primeiro instante.

Veja a imagem do nosso congá, da Tenda de Umbanda Francisco de Assis:

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Perceba que você poderá colocar imagens das linhas de trabalho da Umbanda como caboclos,
pretos-velhos, crianças, baianos, boiadeiros, ciganos e marinheiros.

Neste ponto você pode se perguntar: e Exu? Posso representa-lo no altar?

E eu respondo sua pergunta com outra pergunta. Como você irá representar Exu?

É necessário ter muito cuidado nesta hora. A princípio, a maioria dos terreiros não deixa à
mostra suas representações de Exu, ficando estas ocultas dentro das tronqueiras.

O grande problema são as imagens utilizadas para cultuar este Orixá e seus representantes.
Infelizmente ainda é comum terreiros que utilizam imagens demonizadas de Exu ou mostrando
Pombagira como uma mulher vulgar, ou mesmo uma prostituta. Exu não precisa deste tipo de
publicidade negativa, o que, além de denegrir a sua imagem, ainda afasta muitos simpatizantes
da religião pelo medo que elas incutem nas pessoas.

Em nosso terreiro, o TUFRA, deixamos Exu à mostra, mas não junto ao altar. As imagens de Exu
e Pombagira ficam expostas perto da porta de nossa tronqueira. Entretanto, elas mostram Exu
como um cavaleiro e um guardião que ele é, e Pombagira como uma mulher forte e consciente,
de sua beleza e poder.

Pessoalmente, acredito que Exu e Pombagira devam ser desmistificados, mostrados e


explicados como eles verdadeiramente são. Para isso é necessário encontrar a forma e a
imagem correta para fazer isso.

Já conheci terreiros que expunham as imagens de Exu e Pombagira no chão, abaixo de seus
altares. Infelizmente as imagens ainda mostravam esse Orixá e seus trabalhadores como
demônios.

Quem decidirá como fazer isso é você. No caso do TUFRA, minha decisão de não colocá-los no
altar está ligada a duas coisas: a primeira, para não melindrar pessoas que não conhecem
verdadeiramente o trabalho de Exu, e a segunda, para deixar claro que existem diferenças no
tipo dos trabalhos de Exu, com relação aos demais espíritos trabalhadores da Umbanda. Não
à toa separamos os espaços de culto como as forças da direita e as forças da esquerda.

E isso nos remete a como utilizar seu altar. O altar pode apenas expor imagens, e dessa forma
terá um tratamento, e também poderá ser o ponto de todas as oferendas e firmezas da casa,
e nesse caso o tratamento deverá ser diferente.

Se for utilizar o altar para a colocação de imagens e objetos de culto, firmando poucas velas
ou para fazer pequenas ofertas, deverá ter uma casa de santo, também conhecida como roncó,
e será neste espaço que fará todas as suas firmezas, grandes oferendas, firmeza de velas, e
também onde assentará o axé de todos os Orixás. Dessa forma seu altar será uma extensão de
seu roncó ou de seu quarto de santo.

Este modelo é interessante, pois você mantém todo o seu material sagrado fora do alcance
dos curiosos e terá privacidade para fazer sua conexão com os Orixás sempre que necessário.
Se for colocar papéis de pedido de auxílio para alguém, estes ficarão longe dos olhares de

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outras pessoas. Por fim, somente você e o seu pessoal autorizado poderão adentrar a este
cômodo.

Mas nem sempre temos o que queremos. Muitas vezes, o espaço que você tem para a
atividade religiosa não oferece condições para desenvolver um espaço destes. Neste caso você
deverá partir para a segunda alternativa.

Neste caso você utilizará seu altar para absolutamente tudo. Tudo o que se referir ao Sagrado
deverá estar nele, desde uma pemba ou concha de batismo, até as imagens e mesmo seu
Amaci.

É óbvio que, na maioria das vezes, você não irá conseguir colocar tudo em seu altar, mas deverá
adaptar espaços ao redor, como embaixo dele, ou mesmo em prateleiras ao lado. Não é
recomendável que se façam prateleiras acima do altar, para não simbolizar um obstáculo na
comunicação com o Sagrado.

Quando for fazer oferendas maiores você deverá fazê-las de frente para o altar, e mesmo
preparações como a do Amaci e de outros fundamentos como a pemba-pilada, por exemplo,
também deverão ser feitas defronte ao seu congá. A própria firmeza de velas em suas orações
periódicas, se não dispuser de um local efetivo para isso, deverá ser feita a frente de seu peji.

O importante é entender o conceito e, depois disso, aplicar à sua realidade. Todo sacerdote
deve compreender que tudo deverá ser instalado e adaptado conforme seus próprios recursos.
O mais importante é que você conheça a fundamentação de seu altar e que ele represente
verdadeiramente todo o amor, força e simplicidade da nossa religião.

Lembre-se que, independente de possuir ou não um quarto para os Orixás, seu terreiro deverá
ter uma tronqueira condizente com seu espaço de trabalho. Para um local pequeno, uma
tronqueira pequena e vice-versa.

Se preferir, poderá ter um altar simples, um local à parte para a firmeza e oferendas, e ainda
outro para guardar seus fundamentos sagrados, sem necessariamente ter um quarto para os
Orixás. Este seria um modelo alternativo com relação aos dois primeiros.

Acima de tudo, respeite a sua própria história. Cada sacerdote terá seus próprios motivos para
montar seu altar e nele colocar os objetos, fundamentos e imagens que desejar, mesmo que
em um primeiro momento isso não pareça estar ligado à Umbanda. E é por isso que
observamos altares que contém bíblia, bustos de santos pouco conhecidos ou que, num
primeiro momento, não sincretizam na Umbanda, imagens de Alan Kardec, Buda, ou ainda
elementos como incensários, pedras e cristais. Tudo tem sentido se faz sentido para você, mas
é importante tomar cuidado com os excessos para não ficar com um congá eclético demais, a
ponto de desfigurar a imagem da Umbanda. Bom senso acima de tudo.

Outro conceito válido é com relação às cortinas. Em terreiros de tamanhos médio e grande,
normalmente são observadas cortinas que isolam a assistência do congá (local de trabalho) e
outra cortina para fechar o altar, que fica imediatamente à frente dele.

A primeira cortina serve para separar o espaço de trabalho da assistência. Ficando fechada
antes do início dos trabalhos, no momento da abertura da gira ela é aberta. Podemos entender
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também que delimita o que é sagrado e o que é profano no terreiro. Além disso, esta cortina
gera privacidade para o sacerdote e seus filhos de fé antes do começo da sessão espiritual,
podendo serem feitas preparações do altar e dos trabalhos sem que a assistência veja. Em
alguns locais esta cortina pode proporcionar até mesmo uma conversa ou orientação do
dirigente para seus médiuns e trabalhadores, sem que a assistência possa ouvir.

Já a cortina do altar em si tem sua história e seus motivos.

Na esmagadora maioria dos templos de Umbanda, as giras de Exu são feitas no mesmo congá
onde são feitos os demais trabalhos das outras linhas como caboclos e pretos-velhos por
exemplo. Por este motivo os antigos terreiros tinham o costume de fechar a cortina do altar
durante os trabalhos de Exu. As alegações dadas variam, alguns dirigentes mais velhos dizem
que o trabalho de Exu libera energia incondizente com as forças da direita, outros ainda
colocam que é somente por respeito, pois o que Exu faz não pode ser feito diante dos outros
Orixás.

Isto para mim nada mais é do que o próprio preconceito falando, coisa feita em um tempo
onde os próprios sacerdotes não conheciam plenamente os trabalhos de Exu, e ainda
atribuíam a ele um caráter negativo ou mesmo demoníaco.

Entretanto, quero aqui contar uma situação vivida por mim.

Certa feita, fui destacado com outro companheiro de terreiro, por nosso sacerdote, para irmos
a casa de uma filha de fé fazer uma limpeza espiritual.

Depois da preparação, da oração inicial e da defumação, sentimos por necessidade incorporar


Exu. Depois de alguns pesados descarregos, o compadre Tranca Ruas das Almas firmou um
ponto com pólvora no quintal da casa, para desagregar as negatividades restantes, lembrando
que isso para ele era uma tarefa comum.

Tentou acender o ponto uma vez, duas. Tentou cinco vezes e a pólvora não acendia. Então ela
parou, pensou e começou a olhar ao seu redor. Foi quando viu uma imagem de Nossa Senhora
da Boa Morte. Ele perguntou à dona da casa do que se tratava aquela imagem e ela respondeu
que era uma relíquia de família. Então ele pediu que cobrissem a imagem com um lençol.

Depois que cobriram a imagem, a pólvora acendeu instantaneamente. Foi realmente como um
passe de mágica.

De volta ao terreiro comentei com meu zelador o que havia acontecido. Ele ouviu e respondeu
que aquilo já havia acontecido com ele em uma situação parecida, onde Exu Veludo, que
trabalhava através dele, também não conseguia acender um ponto de pólvora, só conseguindo
depois que pediu para cobrir uma imagem da Nossa Senhora.

Digo a você meu aluno que eu não sei tudo, mas gosto de dividir minhas experiências com
vocês. O que ensino é o que tenho certeza que funciona. Agora, apesar do meu relato, posso
te garantir que no TUFRA trabalhamos sem cortinas e os trabalhos de esquerda fluem
perfeitamente, tanto para os médiuns quanto para a assistência, que recebe as graças tanto
de Exu quanto de Pombagira.

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Por fim, ainda com relação à cortina do altar, muitos alegam que a cortina protege o altar e as
imagens do excesso de sujeira física, e isso sim faz muito sentido.

Para finalizar, devemos lembrar que um altar deve estar sempre limpo e zelado.
Desorganização e sujeira física não combinam com energias elevadas e positivas, e podem
mesmo atrapalhar a irradiação de bons fluidos. Mantenha sempre seu altar limpo e arrumado,
não se esqueça de devotar orações periódicas e mesmo velas para seu altar, isso ajudará a
manter sempre a boa energia no congá.

Por tudo isso é que entendemos a importância de um altar e o reconhecemos como o maior
ponto sagrado de um terreiro. Não é à toa que devemos sempre saudar o espaço sagrado antes
de adentrar nele, e também é por isso que batemos cabeça durante os trabalhos espirituais.

Saudar o congá significa pedir autorização para entrar em um espaço que não nos pertence,
mas que pertence aos Orixás e seus representantes, é como se entrássemos na própria
residência da espiritualidade superior, temos obrigação de fazê-lo com respeito.

O ato de bater cabeça é o reconhecimento de que nada somos sem o axé dos Orixás e as forças
das linhas de trabalho. Quando batemos cabeça demonstramos humildade e pedimos a
benção para sermos pessoas melhores, médiuns melhores e para que os trabalhos ocorram de
forma positiva.

O sacerdote tem a obrigação de mostrar seu respeito ao altar, peji ou congá. Também deve
orientar seus filhos de fé para que façam o mesmo. Afinal de contas, isso é o mínimo que se
espera de quem respeita as coisas sagradas.

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