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Recordações 2020 11

01/11/2020 Durante o ano em que trabalhei no Bonifacio de Carvalho, conheci o Kestutis. Namoramos alguns
meses. Ele se dizia apaixonado e era muito amoroso. De repente, rompeu comigo, alegando que não gostava mais
de mim. Fiquei arrasada e não consegui até hoje entender o que acontecera. Depois de algum tempo me interessei
pelo professor de Matemática. No ano seguinte comecei a namorar o Paulo, e ficamos num relacionamento aberto
por mais ou menos três anos. Eu tinha verdadeiramente fascinação pelo Paulo, mas achava que ele não me
correspondia. Durante estes anos, resolvi morar sozinha. Mas alugar um apartamento era difícil por exigir fiador.
Encontrei no jornal um anuncio de aluguel para tratar diretamente com o proprietário, e ele não exigiu fiador. Então
me mudei. Para amenizar o sofrimento de meus pais, disse a eles que uma amiga se mudara e me pedira para
tomar conta do apartamento para ela. Quando o prazo do aluguel estava acabando, minha amiga, Edna Felizardo,
que mais tarde se casou com o João Paulo Maffei, nosso colega do curso de Direito, me convidou para morar com ela
e mais uma amiga dela e dividirmos as despesas. Então fui morar com ela. Também comprei a prestação um
apartamento ainda em fase final de construção. Mas havia tremenda antipatia recíproca entre o Maffei e eu. Para
não interferir no namoro deles, o Paulo me indicou um pensionato para moças, um casarão na rua Pará, no bairro
de Higienópolis. Morei lá por cerca de três meses, até o meu próprio apartamento, na rua Consolação, ficar pronto.
Um dia, estava de viagem para a formatura, no interior, do meu primo Bazilio, filho da tia Dulce. Já tinha
meu carro. Comprei o primeiro por consórcio, forma de compra muito comum. As pessoas compravam o carnê e
pagavam mensalmente, por até 50 ? 100? Meses uma prestação e concorriam ao sorteio do carro, usado ou novo,
de acordo com o valor escolhido, e participavam do sorteio. Também podiam fazer lances, para aumentar suas
chances de ser sorteado. Uma vez com o carro, este ficava alienado judicialmente até o término do pagamento das
prestações. Meu primeiro carro foi um Volkswagen verde claro, de cerca de 6 anos. Quando entrei no consórcio
comecei a auto-escola. Tinha muito medo. Tomava banho antes de ir para a aula. Quando voltava tinha de tomar
outro, pois suara demais, um suor horrivelmente fedido. Com 9 aulas o professor achou que já podia fazer exame,
mas o nervosismo me atrapalhou a baliza. Fiz mais algumas aulas, e o examinador quis me ajudar. Piorou tudo, errei
até a faixa, estacionamento em linha reta, de ré. Fiz mais algumas aulas. No terceiro exame o examinador quis me
ajudar, mas não deixei. Aí acertei tudo e finalmente tirei a carta de motorista. Quando consegui o carro, queria ter
algumas aulas no meu próprio carro, mas o instrutor não quis dar aula assim. Preferia trabalhar com o carro da auto-
escola. No primeiro dia que saí com meu carro, estava apavorada! No meio do trajeto, meu joelho tremia tanto que
parecia bola de pingue pongue. Insisti mesmo assim. Odiava os ônibus super lotados que tinha que tomar. Com o
tempo perdi o medo, mas levou quase três anos para ter prazer em dirigir.
Comprei um par de faróis de milhas, colocado acima dos faróis normais, e que ajudavam a guiar com neblina.
Com eles debaixo do braço, fui visitar meus pais. No andar de baixo do prédio, tinha o bar Ferro’s. O Kestutis estava
jantando com um grupo de colegas, comemorando seu primeiro emprego como engenheiro, numa firma localizada a
cerca de dois quarteirões do prédio. Ele me cumprimentou e deu seu telefone. Isso foi na véspera da viagem para
Uberaba,para a festa de formatura do meu primo. Pouco tempo depois disso meu apartamento ficou pronto e me
mudei para ele. Queria comemorar saindo com alguns amigos. O Paulo tinha acabado de voltar da cidade dele no
interior. Mas manteve total distância, alegando ter pego sífilis de uma prostituta muito bonita da cidade. Fiquei
muito chateada. Então convidei o Luis Duarte, amigo meu e da minha grande amiga Marilu, a própria Marilu, a irmão
do Luis e convidei o Kestutis. Todos nos divertimos muito e recomecei a namorar o Kestutis.

02/11/2020 Não procurei mais o Paulo. Que eu saiba, ele também não me procurou. Depois de alguns meses
comecei a morar no apartamento do Kestutis. No ano seguinte nos casamos e aí alugamos meu apartamento. Logo
fiquei grávida da Lara. O Kestutis preferia morar de aluguel, mas o convenci a comprar um imóvel. Eu já me efetivara
no cargo de professora do ensino secundário, na rede pública estadual, e a minha escola era bem longe, perto de
Avaré, mas estava comissionada na CENP. A CENP funcionava em duas sedes, uma no Brooklin e outra na ‘Agua
Branca, entre o bairro de Pompéia e o de Perdizes. Encontramos um apartamento, em fase final de construção e o
Kestutis conseguiu boas condições de pagamento e compramos. Ficava na rua Diana, a dois quarteirões apenas de
uma das sedes da CENP. Tivemos tanta sorte, que a sede definitiva ficou sendo esta perto do apartamento. O
Kestutis trabalhava como engenheiro de projetos industriais, num projeto de construção de uma fábrica construída
pela sua empregadora para a firma japonesa Sakura, na Bahia. Mudou-se para lá para supervisionar a
implementação do projeto. Antes da viagem dele para a Bahia o apartamento ficou pronto e nos mudamos. Ainda
nem tinha o habite-se. Fiquei sozinha no apartamento. Mas a empregada, dona Iracema, que o Kestutis contratara
assim que se formou, nos acompanhou ao novo apartamento. Era uma senhora,desquitada, com um casal de filhos,
e já casada com um senhor, também desquitado e com filhos. Ela vinha de manhã, fazia todo o serviço, e voltava
para a casa dela de tardezinha. Foi um período muito bom na minha vida. A gravidez foi tranqüila, trabalhei quase
até o final para poder passar mais tempo de licença gestante com a criança. Podia levar qualquer um para almoçar
em casa, pois tudo estava perfeito, limpo e organizado, com comida gostosa pronta para ser servida. A Iracema fazia
inclusive as compras, a feira, até flor ela comprava e enfeitava o apartamento. Minha mãe implicava. Dizia que
empregada que traz sacola rouba os patrões. Mas nunca percebi nenhum roubo, nem falta de nada. Era apenas
paranóia da minha mãe.
Um primo me visitou, quase no fim da gravidez, e ficou muito assustado de eu morar sozinha no prédio ,que
ainda estava vazio,e sem o marido. Até achei graça da preocupação dele. Estava completamente tranqüila. O
Kestutis já tinha combinado com a firma de passar vários dias comigo, coincidindo com o período provável do parto.
E assim foi feito.
Durante a gravidez fiz o curso de parto sem dor no Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo. Era
bem longe de onde morávamos. Não queria faltar muito no trabalho. Então só fiz as aulas teóricas e o treino de
respiração. Mesmo assim ajudou muito no parto. Amanheci meio mole, sem disposição. A Iracema achou que já era
hora de ir para o hospital e o Kestutis, que já tinha vindo da Bahia, me levou. Fiquei internada, porque realmente o
trabalho de parto já tinha se iniciado. No começo, toda hora vinha alguém me examinar. Anoiteceu e as visitas
começaram a rarear. Isso me incomodou.De manhã resolveram induzir o parto. As contrações ficaram bem fortes.
Na sala de parto deram a anestesia peridural. Para que depois não tivesse dor de cabeça teria que ficar deitada e de
costas pelo menos 12 horas depois do parto. Obedeci direitinho e não tive dor em nenhum momento. Mas tiveram
que usar fórceps no parto. Fiquei cinco dias internada, o que era a praxe para os partos normais.
A Iracema contava que eu fiquei parecendo uma fera que não deixa ninguém chegar perto. Quinze dias
depois normalizei.

03/11/2020
Alguns dias depois do nascimento da Lara o Kestutis voltou para Salvador, Bahia, para continuar trabalhando.
Fiquei de mudar para lá com a Lara assim que ela completasse um mês. Mamãe ficou de ir comigo para me ajudar.
Naquele mês fiquei muito neurótica, com medo da responsabilidade e de ela ficar doente e o Kestutis me culpar.
Vivia de máscara para não passar doença para ela. Pedi para a Terezinha Fram me indicar locais e pessoas para que
eu pudesse trabalhar lá, pois o Kestutis queria muito ficar na Bahia para sempre. Ele alugou um apartamento para
nós, mobiliado, perto de uma praia central, Barra? Gostei muito do apartamento. Mas tinha alguns senões. Era um
prédio de poucos andares, sem elevador. Nosso apartamento era de fundo, e muito quente.
Ele já tinha contratado empregada, uma moça legal. Mas minha mãe implicava, dizia que ela não sabia cozinhar.
Quase perdi a empregada. Mas consegui acalmar a moça. Disse a ela que ela sabia cozinhar sim, mas a comida
baiana. Minha mãe só gostava da comida paulista. Pedi para ela ouvir a minha mãe e aprender a fazer comida
paulista, que quanto mais ela soubesse seria melhor para ela. Ela me ouviu e tudo se pacificou. O Kestutis saia bem
cedo e levava marmita. Logo cedo fazia sol, mas depois o tempo nublava e depois o sol ficava muito forte para dar
banho de sol em bebê. Eu descia bem cedo, com muito esforço pelas escadas e dava banho de sol na Lara antes de
nublar. Fiquei amiga da esposa de um colega do Kestutis, que também estava na Bahia a serviço. Ela morava num
prédio próximo do nosso. Eles tinham carro, que ficava na garagem, porque ela tinha carta de motorista mas tinha
medo de guiar. Graças ao meu incentivo, perdeu o medo e fazíamos compras no supermercado de carro. Mamãe
gostava de fazer feira, mas era muito explorada, porque só de ouvir o pessoal sabia que não era baiana e aumentava
os preços. Sentimos muita falta de verdura, que quase não tinha e quando tinha era muito cara. Eu fazia questão de
desinfetar tudo com álcool. Um dia o álcool caiu no fogão aceso. Minha mãe correu para desligar a geladeira, e se
queimou bastante. Graças a Deus um vizinho nos levou correndo para o hospital mais próximo e não houve piores
conseqüências. A Lara já tinha uns três meses e mamãe fez questão de voltar para São Paulo.
Nos finais de semana não tínhamos a empregada. De carona ou de táxi íamos para praias mais badaladas
encontrar os amigos de trabalho do Kestutis. Não consegui ficar bronzeada, nem dourada. Só com muita urticária e
vermelhidão.
No Carnaval a empregada não veio nenhum dia. O Kestutis ficou chateado porque não conseguiu participar
em nada do carnaval baiano, mesmo morando bem perto da rota do carnaval de rua.
O Kestutis não conseguiu emprego para continuar na Bahia e voltamos para São Paulo. Minha licença
maternidade já tinha vencido. Consegui, com alguma dificuldade, retomar meu serviço na CENP.
A Iracema tinha conservado nosso apartamento limpo, organizado, com as gavetas da Lara forradas de
papel muito bonito e tudo com perfume muito suave. Ela convenceu o Kestutis que era necessário por uma babá e
trouxe a própria filha para a função. A moça era legal e adorava a Lara. Era bonita e se vestia muito bem, melhor do
que eu. Pudera, todo o seu salário era livre de despesas, e ela usava para se vestir bem. O meu, assim que chegava,
pagava uma série de despesas fixas, o salário das duas, parte das prestações do apartamento etc, etc. Não sobrava
dinheiro para mim. Assim foi daí para frente, em toda a minha vida até hoje.

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