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2014
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
Por
Samuel de Freitas Salgado
Orientador: Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
CDD 224.207
A tese de doutorado sob o título “A palavra de Javé em Jeremias 7,1–8,3: uma análise da
novembro de 2014, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Tércio Machado
________________________________________
Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
____________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
RESUMO
Esta pesquisa privilegia o enfoque histórico ao analisar o texto bíblico, como produto
histórico-social, a partir do método sociológico. O material disposto ao longo desta
investigação pretende ser uma ajuda para a compreensão de alguns textos do profeta
Jeremias. Partindo do princípio de que o texto possui um vínculo com a sociedade na
qual foi criado e fazendo uso da metodologia exegética, realiza-se uma análise
histórico-sociológica da palavra de Javé em Jeremias 7,1–8,3 como portadora de um
conflito social oriundo da cobrança excessiva de tributo em uma sociedade judaíta
marcadamente tributária. Busca-se, por esse meio, o sentido do texto dentro do provável
cenário histórico-social que permeia o escrito. Para isso, faz-se necessária a
investigação dos aspectos preliminares que envolvem tanto o livro de Jeremias,
sobretudo, os polêmicos caps. 7,1–8,3, como também a questão do estudo da pesquisa
moderna acerca dessa magnífica obra. Vale a pena também salientar o conceito
semiótico da poética sociológica que procura estudar a interação causal entre literatura e
seu meio social. Além disso, avalia-se o âmbito histórico social da unidade literária alvo
de nossa pesquisa, situando-a em seu provável contexto histórico social e determinando
a datação, o cenário político e o modo de produção vigente nesse período. Não
olvidando, contudo, do fator desencadeador do conflito social e o papel da religião
nesse cenário. Além do mais, examina-se o sentido dos textos específicos ou unidades
literárias concluídas (perícopes) presentes nos caps. 7,1–8,3, tendo como pressuposto o
modelo teórico do modo de produção tributário e os passos da exegese histórico-social.
O mecanismo socioanalítico do modo de produção tributário servirá como instrumento
de análise da condição socioeconômica, centrando-se nos componentes externos
incorporados na coletânea, não em sua história redacional, mas sim em sua formação
social.
ABSTRACT
This research focuses on the historical approach to analyze the biblical text as a
historical-social product, from the sociological method. The material arranged along this
research is intended to be an aid to understanding some texts from the prophet Jeremiah.
Assuming that the text has a link with the society in which it was created and making
use of exegetical methodology, carried out a historical-sociological analysis of the word
of Yahweh in Jeremiah from 7,1–8,3 as carrier of a social conflict arising from
excessive tribute collection on a Judahite society markedly tributary. It seeks, through
this, the meaning of the text within the historical setting likely that permeated the social
writing. For this, it is necessary to research the primary aspects involving both the book
of Jeremiah, especially the controversial caps. 7,1–8,3, as well as the question of
modern research study about this magnificent work. It is also worth highlighting the
semiotic concept of sociological poetics that seeks to study the causal interaction
between literature and the social environment. Moreover, it evaluates the social
historical context of the literary unit target of our research, situating it in its likely social
and historical context, determining the date, the political scene and the production mode
current at this time. Not forgetting, however, the triggering factor of social conflict and
the role of religion in this scenario. Furthermore, it examines the meaning of specific
texts or completed literary units (pericopes) present in caps. 7,1–8,3, with the
assumption the theoretical model of the tributary production mode and the steps of the
social-historical exegesis. The social analytical mechanism of the tributary production
mode will serve as a tool for analysis of socioeconomic status, such analysis is focused
on the external components incorporated in the collection, not in its editorial history, but
in its social formation.
RESUMEN
Esta pesquisa privilegia el enfoque histórico para analizar el texto bíblico, como un
producto histórico-social, a partir del método sociológico. El material dispuesto a lo
largo de esta investigación pretende ser una ayuda para la comprensión de algunos
textos del profeta Jeremías. Partindo de principio que el texto posea un vínculo con la
sociedad en la cual fue creada y haciendo uso de la metodología exegética, se realiza un
análisis histórico-sociológico de la palabra de Javé en Jeremías 7,1–8,3 como portadora
de un conflicto social oriundo de la cobranza excesiva de tributo en una sociedad judaíta
marcadamente tributaria. Busca, por este médio, el sentido del texto dentro del probable
escenario histórico social que impregnaba el escrito. Para esto, es necesario investigar
los aspectos preliminares que invuelven tanto el libro de Jeremías, sobre todo, los
polémicos caps. 7,1–8,3, así como la cuestión del estudio de la pesquisa moderna sobre
esta magnífica obra. También vale la pena resaltar el concepto semiótico de la poética
sociológica que busca estudiar la interacción causal entre la literatura y su medio social.
Además de esto, se evalúa el ámbito histórico-social de la unidad literaria objeto de
nuestra pesquisa, situándola en su probable contexto histórico-social y determinando la
datación, el escenario político y el modo de producción vigente en este período. No
olvidando, todavia, del factor desencadenante del conflicto social y el papel de la
religión en este escenario. Además, se examina el sentido de los textos específicos o
unidades literarias concluidas (perícopas) presentes en los caps. 7,1–8,3, tomando por
supuesto el modelo teórico del modo de producción tributario y los pasos de la exégesis
histórico-social. El mecanismo socio analítico del modo de producción tributario servirá
como una herramienta de análisis de la condición socioeconómica, centrándose en los
componentes externos incorporados en la colección, no en su historia redaccional, pero
si en su formación social.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 19
CAPÍTULO 1
A PALAVRA DE JAVÉ QUE ACONTECEU EM JEREMIAS 7,1–8,3 ............ 25
1.1. QUESTÕES PRELIMINARES........................................................................... 25
1.1.1. O livro de Jeremias, suas etapas e seus dilemas ............................................... 25
1.1.2. A questão do arranjo e estrutura do livro de Jeremias ...................................... 29
1.2. DEMARCANDO OS LIMITES DA UNIDADE PESQUISADA ...................... 37
1.2.1. A palavra de Javé como marco introdutório..................................................... 37
1.2.2. A coletânea de Jeremias 7,1–10,25 e seu entorno ............................................ 40
1.2.3. Delimitação e associação das pequenas unidades de Jeremias 7,1–8,3............ 43
1.2.3.1. Dificuldades quanto à divisão da unidade ..................................................... 44
1.2.3.2. Relacionamento e coesão interna .................................................................. 46
1.2.4. De olho nas pequenas unidades de sentido....................................................... 52
1.2.5. Em busca do sentido das pequenas unidades.................................................... 53
1.3. O ESTUDO DA QUESTÃO: ESTILO E AUTENTICIDADE .......................... 58
1.3.1. O dilema literário do “discurso do templo” nos caps. 7,1–8,3 ......................... 59
1.3.2. Um olhar sobre a história da pesquisa de Jeremias .......................................... 59
1.3.2.1. Duhm e Mowinckel ....................................................................................... 59
1.3.2.2. Hyatt e Bright ................................................................................................ 63
1.3.2.3. Weippert e Thiel ............................................................................................ 66
1.3.2.4. Thompson ...................................................................................................... 69
1.3.2.5. Carroll, Mckane, Holladay e Clements ......................................................... 70
1.3.2.6. Craigie ........................................................................................................... 77
1.3.2.7. Huey .............................................................................................................. 78
1.3.2.8. Lundbom ........................................................................................................ 80
1.3.2.9. Sharp .............................................................................................................. 81
1.3.3. Parâmetros norteadores da unidade dos caps. 7,1–8,3 ..................................... 82
1.4. CONCLUSÕES PARCIAIS ................................................................................ 87
CAPÍTULO 2
O “ROSTO” DA PALAVRA DE JAVÉ EM JEREMIAS 7,1–8,3....................... 91
2.1. O DELINEAMENTO DO PERFIL DO PRIMEIRO BLOCO ........................... 92
2.1.1. A provável tradução de Jeremias 7,1-15 .......................................................... 92
2.1.2. Observações sobre questões gramaticais .......................................................... 94
2.1.2.1. Primeira subunidade (v. 1-2) ......................................................................... 97
2.1.2.2. Indicadores de assuntos (v. 3-4) .................................................................... 99
2.1.2.3. Segunda subunidade (v. 3. 5-7) ................................................................... 101
2.1.2.4. Terceira subunidade (v. 4. 8-12).................................................................. 103
2.1.2.5. Quarta subunidade (v. 13-15) ...................................................................... 107
2.1.3. Uma variedade de gêneros e fórmulas ............................................................ 110
2.1.4. Situando lugar e data ..................................................................................... 116
2.2. OS TRAÇOS MARCANTES DO SEGUNDO BLOCO .................................. 119
2.2.1. Enveredando na tradução de Jeremias 7,16-20 .............................................. 119
2.2.2. Apontamentos gramaticais ............................................................................. 120
2.2.3. Desvendando gêneros e fórmulas ................................................................... 126
2.2.4. A indicação do lugar e data ........................................................................... 127
2.3. VISLUMBRANDO A APARÊNCIA DO TERCEIRO BLOCO ..................... 128
2.3.1. Uma proposta tradutiva para Jeremias 7,21-28 .............................................. 128
2.3.2. Principais características gramaticais ............................................................. 129
2.3.3. Estudo dos gêneros e fórmulas ....................................................................... 137
2.3.4. A determinação do lugar e data ..................................................................... 138
2.4. A CONFIGURAÇÃO EXTERIOR DO QUARTO BLOCO ............................ 140
2.4.1. Traduzindo a porção de Jeremias 7,29-34 ...................................................... 140
2.4.2. Questões gramaticais ...................................................................................... 141
2.4.3. Detalhamento dos gêneros e fórmulas ............................................................ 146
2.4.4. A investigação do lugar e data ....................................................................... 146
2.5. A FISIONOMIA DO QUINTO BLOCO .......................................................... 148
2.5.1. O texto traduzido de Jeremias 8,1-3 ............................................................... 148
2.5.2. Análise dos principais elementos gramaticais ................................................ 149
2.5.3. Gêneros e fórmulas em destaque .................................................................... 153
2.5.4. Lugar e data do evento.................................................................................... 153
2.6. CONCLUSÕES PARCIAIS .............................................................................. 154
CAPÍTULO 3
O AMBIENTE HISTÓRICO-SOCIAL DA PALAVRA DE JAVÉ EM JEREMIAS
7,1–8,3 ...................................................................................................................... 157
3.1. PROVÁVEL DATAÇÃO INICIAL ................................................................. 157
3.2. A PESSOA DO PROFETA ............................................................................... 161
3.3. A UNIDADE DOS CAPS. 7,1–8,3 NO CURSO HISTÓRICO-SOCIAL ........ 167
3.3.1. A supremacia assíria e seus efeitos em Israel e Judá...................................... 167
3.3.2. O reino de Judá no vácuo das potências ......................................................... 172
3.3.2.1. O “povo da terra”......................................................................................... 173
3.3.2.2. A reforma josiânica ..................................................................................... 177
3.3.3. Supremacia egípcia e babilônica e seus efeitos em Judá ................................ 180
3.3.4. Um breve balanço dos acontecimentos .......................................................... 182
3.4. ABORDAGEM MATERIALISTA DA SOCIEDADE .................................... 185
3.4.1. A definição de modo de produção .................................................................. 187
3.4.2. A definição de economia sagrada ................................................................... 192
3.4.2.1. Comunidade aldeã, complexo templo-cidade e Estado despótico. .............. 193
3.4.2.2. Trabalho e classe ......................................................................................... 199
3.4.2.3. Sistema de partilha versus extração ............................................................. 200
3.5. A TRIBUTAÇÃO NO ANTIGO ISRAEL ....................................................... 206
3.5.1. As consequências da tributação em Judá........................................................ 210
3.6. CONCLUSÕES PARCIAIS ............................................................................. 211
CAPÍTULO 4
AS PALAVRAS DE REJEIÇÃO AOS SETORES SOCIAIS CIRCUNSCRITOS
AOS SENHORES DO PODER ............................................................................. 215
4.1. JEREMIAS 7,1-15: OUVI A PALAVRA DO SENHOR ................................. 215
4.1.1. Instrução para o profeta (Jr 7,1-2) .................................................................. 215
4.1.2. Eu deixarei morar a vós neste lugar (Jr 7,3.5-7). ............................................ 219
4.1.3. Eu vi (Jr 7,4.8-12). .......................................................................................... 233
4.1.4. A chegada do castigo (Jr 7,13-15) .................................................................. 245
4.2. JEREMIAS 7,16-20: NÃO VÊS O QUE ESTÃO FAZENDO ......................... 248
4.2.1. Não te ouvirei (Jr 7,16) ................................................................................... 248
4.2.2. Eles provocaram a minha ira (Jr 7,17-19) ...................................................... 250
4.2.3. Minha ira será derramada (Jr 7,20)................................................................. 255
4.3. JEREMIAS 7,21-28: FALARÁS E ELES NÃO OUVIRÃO ........................... 258
4.3.1. A desobediência dos pais (Jr 7,21-24) ............................................................ 258
4.3.2. Tais pais, tais filhos (Jr 7,25-26): ................................................................... 266
4.3.3. Eles não responderão a ti (Jr 7,27-28) ............................................................ 268
4.4. JEREMIAS 7,29-34: CESSARÁ A VOZ DO NOIVO E DA NOIVA ............. 270
4.4.1. “Corte” a corte (v. 29) .................................................................................... 270
4.4.2. Eles fizeram a maldade (Jr 7,30-31) ............................................................... 273
4.4.3. Não haverá quem espante (Jr 7,32-34) ........................................................... 280
4.5. JEREMIAS 8,1-3: OS DIGNITÁRIOS SEM DIGNIDADE ............................ 284
4.5.1. A violação das sepulturas como castigo (Jr 8,1-3) ......................................... 284
4.6. CONCLUSÕES PARCIAIS .............................................................................. 292
CONCLUSÃO GERAL ......................................................................................... 295
BIBLIOGRAFIA BÁSICA .................................................................................... 301
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa de cunho exegético tem como ponto central investigar os textos
proféticos disponibilizados nos caps. 7,1–8,3 do livro de Jeremias como reflexo de um
conflito social desencadeado pela cobrança excessiva de tributo na perspectiva dos que
vivenciaram o acontecimento fundante. A análise deste material pode contribuir para o
esclarecimento de algumas questões concernentes a obra de Jeremias. Parte da
dificuldade na investigação deste livro profético está na desordem de seus materiais. A
obra está disposta numa lógica de difícil compreensão e pouquíssimos materiais são
datados. Além do mais, o debate crítico histórico tem levantado a questão da relação
entre Jeremias, o homem, e o livro que leva o seu nome.
Na tentativa de superar estes e outros obstáculos, analisaremos o texto em sua
forma e essência a fim de compreendê-lo como literatura (por meio da análise literária)
e como produto histórico-social (por meio da análise sociológica). No entanto, não se
pode olvidar que as palavras do profeta nasceram da situação pragmática extraverbal e
mantém a conexão com essa situação. Tal discurso está vinculado com a vida e não
pode ser dissociado dela sem perder seu significado. Na avaliação dos passos
importantes da interpretação dos caps. 7,1-8,3 de Jeremias faremos uso da metodologia
exegética a fim de aclarar o sentido que tinha o relato para o local, a época e a
comunidade em que fora formulado originalmente e permitir que transpareça a intenção
original do escrito.
O foco de nossa investigação não privilegiará os últimos redatores, mas sim os
que vivenciaram o acontecimento fundante. Ao fazermos tal abordagem, estamos
cientes da limitação e parcialidade de nossa pesquisa por não enfatizarmos a natureza
das palavras de Jeremias e sua relevância para o povo de Judá no período do exílio e do
pós-exílio. Ambos os aspectos das implicações da mensagem profética são importantes.
O fechamento em uma época não permite compreender a futura vida da obra nos
séculos subsequentes.
Embora tal ponto de vista tenha certa coerência é salutar também entender que
uma obra não pode viver nos séculos futuros se não reúne em si, de certo modo, os
séculos passados. É esse passado que procuraremos analisar em nossa pesquisa. Embora
sabedor da relevância dos seguidores do profeta em sua obra, neste trabalho
19
procuraremos privilegiar a pregação do próprio Jeremias para o povo de Judá em seus
dias.
Muito já se tem escrito sobre Jeremias destacando a relevância de sua mensagem
para o povo de Judá no período do exílio e pós-exílio, em detrimento de sua importância
para o povo de Judá no período pré-exílico. Nesta pesquisa procuraremos enfatizar a
origem e importância da mensagem do profeta Jeremias durante esse período turbulento
da história de Judá.
Dessa forma, nossa abordagem estende-se além do texto e seu entorno imediato
a fim de captar as tensões sociais, econômicas e políticas das quais o escrito originou-se
e faz parte. A unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias está permeada por essas tensões, e
nelas essa unidade desempenha um papel decisivo. Para compreendê-las é preciso situar
os ditos de Jeremias no tempo e no espaço a fim de não depreciar o seu verdadeiro
significado como também fazer uso da teoria e ferramenta fornecida pela ciência social.
Sobre esse aspecto seria importante aplicar o conceito do “modo de produção
tributário”, que nos auxiliará na identificação da causa e dos envolvidos no conflito.
Nosso objetivo ao estudar a unidade dos caps. 7,1–8,3 é analisar os componentes do
conflito social que se encontram emaranhados no relato testemunhal do profeta.
Diante disso, o estudo proporá que a unidade consiste fundamentalmente de
autênticos ditos proféticos de Jeremias, reunidos num grande conjunto literário
unificado e dispostos em estilo de prosa elevada, caracterizada por frequentes
paralelismos. Ademais, a pesquisa ressaltará também a importância da centralidade da
abordagem materialista histórica na interpretação do conteúdo da mensagem profética.
O conceito do modo de produção tributário como mecanismo de análise da sociedade
judaíta contribuirá para a fundamentação da hipótese de que as duras palavras do
profeta expressas nessa unidade tiveram seu nascedouro em um conflito social entre
campo e cidade, por conta da cobrança excessiva de tributo numa sociedade
caracterizada pela tensão entre a economia de partilha e a economia extrativa.
Afora o interesse pessoal do pesquisador, o tema se impõe pela sua relevância
para a pesquisa acadêmica do Antigo Testamento na América Latina. A análise
sociológica da referida unidade nos permite entender o cenário socioeconômico, político
e ideológico donde emergiu o relato. Tal abordagem interpretativa, por um lado,
desperta a sensibilidade em relação a questões que, embora não tão aparentes, devido a
seu caráter teológico, são de fundamental importância para o seu entendimento. Por
outro lado, contribui para uma análise científica do material bíblico, libertando-o do
20
reducionismo das amarras meramente doutrinárias e de uma leitura bíblica intimista,
individualizante e espiritualizante, que procura retirar os assuntos religiosos do âmbito
da materialidade concreta da vida. 4
Conforme veremos ao longo desta pesquisa, para Jeremias, Javé não estava
aquém da realidade humana, mas desejava inserir-se nela e se tornar presente e
transparente nas esferas determinantes da vida como a política, a economia, as relações
sociais e as ideologias. Tais abordagens da vida do povo bíblico têm recebido pouca
atenção por parte da pesquisa acadêmica e da Igreja na América Latina em nossos dias.
Por meio desta pesquisa tentaremos oferecer uma pequena contribuição para o resgate
da compreensão da gênese histórica ou a emergência social da palavra profética na
unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias.
É verdade que temos trabalhos acerca do livro de Jeremias disponíveis no Brasil.
Todavia, grande parte deles prioriza a dimensão teológica. Tal abordagem não deve ser
descartada, uma vez que a perspectiva teológica revela a tendência dos que criaram e
colecionaram os materiais bíblicos. Qualquer oposição ao profeta era entendida em
termos anti-javistas, anti-proféticos e até mesmo paganistas. Verdade e falsidade
dominavam o cenário no antigo Israel. 5
Embora seja importante para a avaliação do conflito profético, a proposta
teológica, por si só, como qualquer outro método, limita enquanto ilumina. A fim de
examinar aspectos da situação israelita, é interessante que levemos em consideração não
somente o interesse teológico, mas também a análise dos componentes socioeconômicos
e políticos. Ainda que tais facetas não se apresentem claramente, elas se evidenciam
como um subtexto, escondido no meio de outras perspectivas que se encontram no
horizonte da unidade dos escritos de Jeremias.
Os detalhes que escapam frequentemente ao domínio da teologia podem ser
assimilados pelas sugestões de corrente social, econômica e política, as quais nos
fornecem uma compreensão histórica e sociológica mais ampla. Isso não quer dizer que
a questão teológica seja irrelevante. A questão teológica tem sua relevância para o
estudo da literatura profética. No entanto, por si só, representa apenas uma parcela do
todo bíblico. É impossível ignorar ou suprimir os aspectos sociais do conflito profético,
44
Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, em Mosaicos da Bíblia, São Paulo,
CEDI, vol. 12, 1993, p. 7-13.
5
James L. Crenshaw, Prophetic Conflict Its Effect Upon Israelite Religion, BZAW 124, Berlin, Walter de
Gruyter, 1971, 134 p.
21
tais como os fatores políticos, sociais e econômicos que fazem parte de qualquer
demonstração pública de disputa. 6
É inegável que o discurso profético esteja calcado em termos religiosos e brota
de profunda experiência religiosa. Se não atentarmos a esse aspecto depreciaremos o
significado daquele e não poderemos entendê-lo de forma plena. No entanto, no
discurso profético é preciso valorizarmos também a sua dimensão histórico-sociológica.
Porquanto a indignação profética surge da realidade, do sofrimento e da opressão
vivenciados em seu contexto histórico.7
Neste trabalho privilegiaremos esse último aspecto. A presente pesquisa
procurará servir como complementação e contribuição para a ampliação dos estudos
acadêmicos realizados na América Latina sobre o livro profético de Jeremias; como
também intentará oferecer uma melhor compreensão da natureza e do impulso inicial ou
fator desencadeador da fala do profeta para o povo de Judá no período do próprio
Jeremias, e isso é algo de fundamental importância para qualquer exegeta. Uma boa
compreensão da forma como as palavras de Jeremias se originaram em seu próprio
contexto histórico-social contribuirá para demonstrar a relevância dessas palavras para
um período que pouco tem sido pesquisado. A ênfase em demasia na relevância das
palavras de Jeremias para Judá no período pós 587 a.C., tem obscurecido a importância
das palavras de Jeremias para Judá antes de 587 a.C. Nesta pesquisa procuraremos
aclarar tal importância.
Nosso trabalho procurará fornecer subsídios de clarificação tanto para estudantes
da matéria quanto para leitores em geral que procurem interpretar as palavras e alargar
seu conhecimento acerca do contexto histórico-sociológico no qual emergiram os ditos
proféticos que se encontram na unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias. Esses capítulos
constituem um conjunto específico, conforme proporemos no decorrer dos
procedimentos exegéticos. Tal unidade de ditos proféticos não somente expressa a voz
solitária do profeta, como também formulações da dor e resistência de um povo. Sendo
assim, as relações sociais marcadas pelo tributarismo serão mediações hermenêuticas
necessárias para sua compreensão.
Desse modo, a pesquisa se estrutura em quatro capítulos. O primeiro capítulo
concentra-se em alguns aspectos preliminares que darão suporte e fornecerão subsídios
6
Burke O. Long, Social Dimensions of Prophetic Conflict, em Semeia, Atlanta, Society of Biblical
Literature Scholars, n. 21, 1981, p. 31-33.
7
Anthony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, São Paulo,
Paulus, 1996, p. 191.
22
para a futura análise interpretativa das palavras contidas na unidade literária situada nos
caps. 7,1–8,3 de Jeremias. Investiga-se assuntos relativos à origem, composição,
autoria, estilo, integridade, coesão e delimitação do material disposto na obra de
Jeremias. Verificando, assim, as principais questões que permeiam o escrito, como
também indicando propostas adequadas a fim de solucioná-las.
No segundo capítulo observar-se alguns elementos formais do texto
imprescindíveis para sua identificação, como também para a futura tarefa da
interpretação do conteúdo. Todavia, ainda não se trata da interpretação propriamente
dita, mas apenas da perscrutação das condições formais dentro das quais se poderão
explicar os trechos. Com isso, procura-se indicar caminhos no texto que auxiliem na
futura tarefa de sua identificação e interpretação. Primeiramente realiza-se a tradução do
hebraico para o português. Em seguida, enfocam-se aspectos formais, porém decisivos
para a interpretação de cada texto. Uma vez concluídas essas etapas e a perícope esteja
caracterizada em sua forma, prossegue-se no aprofundamento do lugar histórico-social
em que o texto se situa.
No terceiro capítulo a investigação se foca na tentativa de determinar a provável
datação dos ditos e de traçar o perfil sociológico do profeta. Além de analisar os
acontecimentos mais relevantes da história que de alguma maneira influenciaram a
trajetória de Judá, como também estabelecer a abordagem materialista histórica, por
meio do uso do modo de produção tributário, como um instrumental teórico adequado
para a análise da sociedade judaíta, com o intuito de situar o profeta e sua mensagem
dentro de seu ambiente histórico-sociológico e de se fazer justiça a tal proclamação.
O último capítulo da pesquisa concentra-se no exame do conteúdo das palavras
de cada perícope da unidade. Para isso, faz-se necessário identificar o assunto básico em
torno do qual gravita o assunto da unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias. Nesse sentido,
investiga-se basicamente o conflito que subjaz o escrito, o local do acontecimento, seus
principais personagens, bem como a questão que o motivou. Por fim, a conclusão geral
aponta os principais resultados do trabalho. Segue-se, então, no final do trabalho a
bibliografia com as obras utilizadas na pesquisa.
23
24
CAPÍTULO 1
A PALAVRA DE JAVÉ QUE ACONTECEU EM JEREMIAS 7,1–8,3
25
ministério profético de aproximadamente quatro décadas testemunhou eventos
históricos cruciais associados à queda do reino do Sul, Judá. 8
Jeremias desempenhou seu ministério num período de agitação, no limiar entre o
declínio do Império assírio e o surgimento do Império babilônico. A trajetória de Judá
foi marcada por curtos períodos de independência e de sujeição, primeiro para o Egito e
depois para a Babilônia. O ministério de Jeremias foi exercido contra o pano de fundo
do governo de três filhos e um neto de Josias, os últimos dirigentes de Judá. A
independência de Judá estava próxima do fim, e Jeremias testemunharia a derrocada da
cidade de Jerusalém e de seu templo. 9
A atividade de Jeremias pode ser dividida em quatro fases, nas quais as
circunstâncias internas de Judá e os eventos cruciais daquelas décadas no cenário
internacional modelaram as palavras e a vida do profeta. A primeira fase se estende
desde sua vocação profética (627 a.C.) até um pouco antes da conclusão da reforma de
Josias (622 a.C.). A mensagem desse período está contida, grosso modo, nos capítulos
1-6 e termina com uma conclusão desoladora (6,27-30). Logo depois, Jeremias silencia
por mais de uma década. Por conta disso, costuma-se declarar que Jeremias deu apoio
incondicional à reforma josiânica.
Todavia, é improvável que o referido profeta tenha apoiado incondicionalmente
a reforma e paralisado suas atividades após o êxito dela, pois nesse caso sua sentença
negativa não teria nenhum sentido. Tal evidência demonstra que suas atividades foram
interrompidas num período anterior à reforma, e não por sua causa ou consequência.
Talvez o profeta estivesse em sintonia com alguns pontos da reforma, tal como o
combate ao espírito pagão e o empenho em uma ação social, embora não admitisse os
aspectos duvidosos que o levaram mais tarde a rejeitá-la: a ênfase nas leis cultuais e no
templo. Diante disso, é possível conjecturar que Jeremias não dera apoio incondicional à
reforma josiânica, antes, assumira desde o princípio uma postura bilateral: uma em
relação ao Deuteronômio e outra em relação à reforma.
No início do reinado de Jeoaquim, o profeta reinicia sua atividade. Essa segunda
fase de seu ministério se estende até a primeira conquista de Jerusalém pela Babilônia
8
Roy Lee Honeycutt, Jeremiah, the Prophet and the Book, em Review & Expositor, Louisville, Review
and Expositor/ Southern Baptist Theological Seminary, vol. 78, n. 3, 1981, p. 303.
99
C. Hassell Bullock, An Introduction to the Old Testament Prophetic Books, Chicago, Moody Press,
1986, p. 186-194. Também Gary V. Smith, The Prophets as Preachers: An Introduction to the Hebrews
Prophets, Nashville, Broadman & Holman, 1994, p. 192-193; William Sanford Lasor; David Allan
Hurbard; Frederic William Bush, Panorama Del Antiguo Testamento: Mensaje, Forma Y Trasfondo Del
Antiguo Testamento, Grand Rapids, Libros Desafio, 2004, p. 394-421; Clyde T. Francisco; Juan Juan
Lacue, Introduccion al Antiguo Testamento, El Paso, Casa Bautista De Publicaciones, 1999, p. 198-201.
26
(de 609-597 a.C.). Os oráculos e relatos oriundos desse período se encontram divididos
em 7-20; 22; 25,1-14; 26; 35s. A terceira fase, por sua vez, compreende o período do
reinado de Zedequias, entre a primeira e a segunda conquista de Jerusalém (597-587
a.C.). Os capítulos 21–24; 27–29; 32; 34; 37–39 remontam essa época. A última fase,
descrita entre os capítulos 40-44, abrange a queda de Jerusalém até a permanência
forçada no Egito (depois de 587 a.C.). 10
O desenvolvimento do livro percorreu um processo longo e complexo
evidenciado pela dificuldade de se estabelecer um padrão coerente e unificado para sua
estrutura como um todo. Vários indícios apontam à possibilidade de que Jeremias não
tenha sido necessariamente o “autor” de tudo que se encontra no livro que leva seu
nome. 11 Ao longo de seus escritos, diversos acontecimentos são datados, todavia, as
referências cronológicas não são sequenciais. 12 Além disso, aqui e acolá pululam
informações na primeira e na terceira pessoa, as quais apontam respectivamente para a
existência de relatos do próprio profeta e outros produzidos por alguém que escrevia
acerca do profeta. Ambos, ocasionalmente, aparecem na mesma unidade textual. 13
Ademais, na conclusão do livro (Jr 51,64) encontra-se a seguinte declaração:
“Até aqui as palavras de Jeremias”, a qual vem acompanhada por um apêndice (Jr 52 =
2Rs 24,18–25,30). O cabeçalho situa as últimas palavras de Jeremias próximo ao final
do reinado de Zedequias (Jr 1.1). Todavia, alguns materiais são considerados
posteriores (Jr 42-44). 14 Além do mais, as duplicatas 15 corroboram as evidências de que
o livro de Jeremias não é obra de uma única mão, mas sim obra agrupada e editada. Por
isso, alguns pesquisadores costumam afirmar que o próprio Jeremias editou o livro.
Outros admitem que os responsáveis seriam, sobretudo, Baruque ou editores
posteriores. 16 No entanto, seria viável admitir que tanto o próprio Jeremias como seu
10
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI
a. C., São Leopoldo, Oikos, 2009, p. 46-47. Na obra de Ernest Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao
Antigo Testamento, São Paulo, Ed. Academia Cristã, 2007, p. 549-553. Também Werner H. Schmidt,
Introdução ao Antigo Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 1994, p. 229-230.
11
Joseph Schreiner, Palavra e mensagem do Antigo Testamento, São Paulo, Teológica/Paulus, 2004, p.
239-240.
12
Observe o capítulo 24 datado no período de 597 a.C. e o capítulo 25 durante o ano de 605 a.C.
13
Cf. Jeremias 28,1.5; 25,13.15.
14
É provável que o cabeçalho tenha servido como introdução aos capítulos 1-25 do livro de Jeremias.
15
Duplicatas são versos que aparecem em mais de um lugar. Compare, por exemplo, os seguintes trechos
(6,13-15 e 8,10c-12; 10,12-16 e 51,15-19; 15,13-14 e 17,3-4; 16,14-16 e 23,7-8; 23,19-20 e 30,23-24;
30,10-11 e 46,27-28).
16
E. A. Martens, Jeremiah. Believers Church Bible Commentary, Scottdale, Herald Press, 1986, p. 296.
27
companheiro e secretário Baruque; também seus discípulos contribuíram com a redação
da profecia jeremiana. 17
A coleção escrita dos oráculos e provérbios provavelmente teve início com
Jeremias e foi sendo complementada concomitantemente. Todavia, pesquisadores
afirmam que os oráculos poéticos representam palavras originais de Jeremias, enquanto
que as narrativas históricas e biográficas seriam de Baruque. Ademais, há supostos
sermões e discursos espalhados ao longo do livro e intercalados entre material poético e
biográfico. A origem desse material tem sido tema de considerável debate; alguns
consideram como material autêntico de Jeremias, outros como composição de Baruque
ou de seguidores de Jeremias, e outros ainda como decorrentes dos deuteronomistas. 18
Voltaremos a esse assunto quando investigarmos a história da pesquisa do livro.
A obra de Jeremias, além do mais, oscila entre duas posições distintas. De um
lado, o julgamento divino e o castigo sobre Jerusalém seriam inevitáveis; de outro,
haveria a possibilidade de arrependimento e afastamento do castigo. 19 Entre as várias
propostas para solucionar esse dilema, destaca-se a hipótese de William Holladay 20. O
autor se baseia na passagem situada em Jeremias 36 que menciona a existência de dois
rolos ditados pelo profeta ao escriba Baruque, sendo que o primeiro, escrito no ano de
605 a.C., continha as palavras que Javé havia proferido “sobre Israel, e sobre Judá, e
sobre todas as nações, desde o dia que eu te falei a ti, desde os dias de Josias até hoje”
(v. 2).
Conforme as cronologias disponíveis nas introduções dos caps. 25,1-3 e 1,2 do
livro Jeremias, o primeiro rolo continha as palavras pronunciadas durante os anos de
627-605 a.C. Essas duras palavras foram lidas logo em seguida no templo de Jerusalém
e culminaram na exclusão do profeta de seus arredores e, posteriormente, de acordo
com o MT, provocaram a queima do rolo pelo rei Jeoaquim, um ano depois, em 604
a.C. 21 Após tal fato, o profeta dita um novo rolo a Baruque, repete as palavras contidas
no primeiro rolo e acrescenta-lhes novos detalhes (Jr 36,32). 22
17
Ildo Bohn Gass (Org.), Uma introdução à Bíblia: reino dividido, São Leopoldo/São Paulo,
Cebi/Paulus, 2005, p. 170.
18
J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament,
Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1980, p. 32.
19
Robert Alter; Frank Kermode, Guia literário da Bíblia, São Paulo, Fundação Editora da UNESP, 1997,
p. 202.
20
William Lee Holladay, The Identification of the Two Scrolls of Jeremiah, em Vetus Testamentum,
Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 30, n. 4 O, 1980, p. 452-467.
21
A LXX data a queima do rolo três anos mais tarde, isto é, 601 a.C.
22
Veja discussão sobre o rolo de 605 em Jack R. Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with
Introduction and Commentary, New Haven/ London, Yale University Press, 2008, p. 92
28
Embora seja aventado por pesquisadores que o segundo rolo continha o mesmo
tamanho e o mesmo conteúdo do primeiro, e que sua ampliação se deu em época
posterior a Jeremias 23, Holladay propõe que no primeiro rolo as palavras do profeta
continham a possibilidade de arrependimento, mas nos oráculos ampliados no segundo
rolo não. 24 É evidente que os conteúdos do segundo rolo escrito por Baruque (36,22)
estão preservados no atual livro de Jeremias.
Não obstante seja possível afirmar que esse material encontra-se dentro dos
capítulos 1–25 do atual livro, é praticamente impossível identificá-lo na referida seção.
O rearranjo, o complemento e o posterior desenvolvimento de temas proféticos
impossibilitam tal identificação. Por conseguinte, a importância do capítulo 36 está no
que ele nos revela sobre o tempo e as circunstâncias do relato das profecias de Jeremias,
e não em qual parte do atual livro foi escrita primeiro. 25
23
Ernest Sellin, Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 553-554.
24
William Lee Holladay, The Identification of the Two Scrolls of Jeremiah, p. 452-467. Também E. A.
Martens, Jeremiah. Believers Church Bible Commentary, p. 297.
25
R. E. Clements, Jeremiah. Interpretation. A Bible Commentary for Teaching and Preaching, Atlanta, J.
Knox Press, 1988, p. 7.
26
Vários pesquisadores esboçam a dificuldade para determinar a estrutura do livro de Jeremias. Entre eles
se destacam: Robert P. Carroll, Halfway through a Dark Wood: Reflections on Jeremiah 25, em A. R.
Pete Diamond; Kathleen M. O’Connor; Louis Stulman (eds.), Troubling Jeremiah, Sheffield, Sheffield
Academic Press, 1999, p. 73; Terence E. Fretheim, Jeremiah, Macon, Smith & Helwys, 2002, p. 17; A. R.
Peter Diamond, Introduction, em A. R. Pete Diamond; Kathleen M. O’Connor; Louis Stulman (eds.),
Troubling Jeremiah, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, p. 15; Walter Brueggemann, A
Commentary on Jeremiah: Exile and Homecoming, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co.,
1998, p. 7.
27
Veja uma excelente discussão sobre essas questões em S. Jonathan Murphy, The Quest For The
Structure of the Book of Jeremiah, em Bibliotheca Sacra, Dallas, Dallas Theological Seminary, vol. 166,
n. 663, 2009, p. 306-318.
29
Tais obstáculos evidenciam que a extraordinária obra de Jeremias, assim como
outras obras proféticos, não é um livro no sentido moderno do termo. Na verdade, seria
uma coleção de oráculos proféticos e outros materiais que passaram por uma extensa
história de transmissão de difícil explicação. Craigie a descreve como uma antologia, ou
mais precisamente uma antologia de antologias. Todavia, adverte-nos de que, enquanto
a antologia moderna fornece abundante orientação para seus leitores por meio de títulos,
notas e cabeçalhos, o livro de Jeremias oferece apenas algumas esparsas instruções. 28
Ainda que existam inúmeras propostas em relação à estrutura e divisão do
material no livro de Jeremias 29, é coerente afirmar que essa obra contém diversas
coleções menores de material que refletem um arranjo por tópicos. Ou seja, Jeremias é
um “livro de livros”, construído a partir da reunião de coleções tópicas menores, várias
delas introduzidas por seus títulos.30
Decerto um leitor atento rapidamente descobrirá grandes divisões na obra de
Jeremias. Em outras palavras, tal como já afirmamos, esse livro parece conter uma
coleção de pequenos livros de Jeremias, acrescido de outros materiais. A crítica retórica,
um subconjunto da crítica literária, tem contribuído para desvendar as seções ou
“livros” existentes nessa antologia, uma vez que procura não se afastar da crítica
histórica, mas destaca as características estéticas e estilísticas do texto a fim de
descobrir o arranjo e a estrutura do pensamento do escritor. 31 Sua tarefa é observar as
características literárias da obra, tais como as diferentes unidades, a repetição de
palavras-chave, frases e temas, jogos de palavras e características estruturais, como por
exemplo inclusio e quiasmo.
28
Peter C. Craigie, Page H. Kelley; Joel F. Drinkard, Word Biblical Commentary: Jeremiah 1-25,
Dallas/Texas, Word Books, vol. 26, 2002, p. xxxi-xxxii.
29
Entre as propostas destacam-se J. Andrew Dearman, The NIV Application Commentary: Jeremiah and
Lamentations, Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 2002, p. 41; R. K. Harrison, Introduction to
the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1969, p. 801. Ambos dividem o
livro em duas partes: caps. 1–25; 26–52. David Francis Hinson, The Books of the Old Testament, London,
SPCK, vol. 10, 1974, p. 140 assim como F. B. Huey, The New American Commentary: Jeremiah,
Lamentations, Nashville, Broadman & Holman Publishers, vol. 16, 2001, p. 24-25. Estruturam a obra em
quatro partes: caps. 1–25; 26–45; 46–51; 52. Robert P. Carroll, Jeremiah, London/New York, T&T Clark,
1997, p. 17-19. Divide o livro em cinco partes: 1,1-19; 2,1–25,14; 25,15–38.46-51; 26–36; 37–45; 52,1-
34. S. Jonathan Murphy, The Quest For The Structure of the Book of Jeremiah, p. 306-318. Propõe uma
divisão em seis partes: caps. 1; 2–25; 26–35; 36–45; 46–51; 52.
30
Raymond B. Dillard; Tremper Longman III, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova,
2006, p. 280.
31
James Muilenburg, Form Criticism and Beyond, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of
Biblical Literature, vol. 88, 1969, p. 1-18. Veja acerca da origem e a importância da crítica literária para
os estudos do Antigo Testamento em Paul R. House, The Rise and Current Status of Literary Cristicism
of the Old Testament, em Beyond Form Criticism, Winona Lake, Eisenbrauns, 1992, p. 3-22.
30
A aplicação desse método no estudo do livro de Jeremias contribui para o
entendimento de como foram combinadas as diversas seções ou “pequenos livros”
contidos na obra. A conclusão de um desses livros pode ser vislumbrada em 25,1-13a,
“tudo que está escrito neste livro”. A partir desse ponto, o v. 13 é interrompido,
conforme atestado pela inserção na LXX dos conjuntos dos caps. 46-51 (em ordem
diferente) depois do v. 13a (LXX omite v. 14). Em seguida, a frase do v. 13b, “que
Jeremias profetizou contra todas as nações”, aparece como cabeçalho para os vv. 15-38.
O conteúdo da conclusão (Jr 25,1-13a) aponta tanto para o alcance original do
livro, situando o início do ministério de Jeremias em 627 a.C. (Jr 1,2) como para a
grande similaridade entre 25,3-9 e o cap. 1 (especialmente vv. 15-19), sugerindo que o
cap. 1 e 25,1-13 formam um inclusio que inicia e encerra uma seção maior. Esses
capítulos, portanto, parecem indicar respectivamente o início e o fim desse livro de
Jeremias. Nele se encontram palavras proferidas entre seu chamado (627 a.C.) e o
quarto ano de Jeoaquim (605). Os materiais oriundos de períodos posteriores a 605 a.C.
espalhados ao longo dos caps. 1–24 pode encontrar sua explicação no indício de que,
com a circulação separada desse livro, houve inserções de outros materiais de
Jeremias. 32
Os caps. 46–51, denominados como “oráculos contra as nações estrangeiras”,
consistem em outro livro. 33 Se por um lado existem evidências de que foram proferidos
pelo próprio profeta, por outro, parece que a história de sua transmissão ocorreu
separadamente, uma vez que sua disposição na LXX está diferente da apresentada na
Bíblia Hebraica. 34
A introdução no cap. 30,1-3 indica a existência de mais um livro que abrange os
caps. 30–31 e provavelmente os caps. 32–33. Consiste num conjunto da mensagem de
esperança proferida pelo profeta que geralmente leva o título de Livro da Consolação.
Os caps. 30–31 estão unidos ao tema do cap. 30,3, enquanto que o cap. 32, basicamente
um incidente biográfico, tem o mesmo tema do cap. 33 (LXX omite 33,14-26). Toda
32
R. E. Clements, Jeremiah 1-25 and the Deuteronomistic History, em A. Graeme Auld (ed.),
Understanding Poets and Prophets, Sheffield, JSOT Press, 1993, p. 93-113.
33
Compare esse material com coleções proféticas similares. Veja Amós 1,3-2,3; Isaías 13-23, a obra
completa de Naum e Obadias; Zacarias 2,4-15; Ezequiel 25-32.
34
H. G. L. Peels, You Shall Certainly Drink!: The Place and Significance of the Oracles Against the
Nations in the Book of Jeremiah, em European Journal of Theology, Carlisle, Paternoster Periodicals,
vol. 16, n. 6, p. 81-91.
31
seção seria um bloco separado no meio de uma série de capítulos de caráter
biográfico. 35
Portanto, a obra de Jeremias parece conter três “livros” separados [1,1–25,13a;
30–31 (32–33); 46–51]. Entre os três encontram-se dois outros blocos de material (cap.
26–29; 34–45). Eles são compostos em grande parte de narrativas biográficas que
relatam incidentes da vida de Jeremias não em ordem cronológica. Ademais, no cap. 52
(como Is 36–39) deparamo-nos com um esboço histórico muito similar ao material
disposto em 2Rs 24–25. 36
Em relação à composição e compilação da obra, a pesquisa bíblica moderna
apresenta basicamente três propostas, as quais concordam que o livro é uma coletânea
de materiais independentes reunidos e organizados por editores posteriores. 37 Porém,
discordam quanto ao vínculo entre Jeremias e a obra que leva seu nome. S. Jonathan
Murphy define as três propostas da seguinte forma:
35
Bob Becking, Between Fear and Freedom: Essays on the Interpretation of Jeremiah 30-31,
Leiden/Boston, Brill Academic, 2004, p. 50-52.
36
John Bright, Book of Jeremiah: Its Structure, Its Problems and their Significance for the Interpreter, em
Interpretation, Richmond, Union Theological Seminary and Presbyterian School of Christian Education
/Union Theological Seminary in Virginia, vol. 9, n. 3, 1955, p. 262.
37
Mais adiante, ofereceremos uma análise não exaustiva da história da pesquisa acerca da questão da
composição e compilação do livro de Jeremias.
32
das três abordagens da composição e compilação não há consenso sobre a
questão da estrutura do livro. 38
38
S. Jonathan Murphy, The Quest For The Structure of the Book of Jeremiah, p. 311-312.
39
Confira uma discussão sobre a literalização da profecia em Martti Nissinen, How Prophecy Became
Literature, em Scandinavian Journal of the Old Testament, Philadelphia, Taylor & Francis, vol. 19, n. 2,
2005, p. 153-172.
33
grande quantidade de material de Jeremias continuava a circular separadamente ou em
pequenas coleções. 40
A mensagem de Jeremias apresenta-se numa forma literária ou estrutural que
deve ser recuperada para se entender o que o texto quer dizer. O texto se encontra
atualmente numa forma final que não corresponde à enunciação histórica original. 41 Ele
tende a se aproximar mais dos questionamentos e dilemas enfrentados pelo compositor
final. 42
A proclamação profética de Jeremias não se encerra em sua primeira produção,
mas se desencadeia num continuum de releituras. Para seu entendimento faz-se
necessário um discernimento crítico do processo das releituras hermenêuticas que
acompanham as distintas situações vividas, a “distância” entre o ponto de partida do
texto de Jeremias e seu ponto de chegada redacional. Cada etapa não é mais do que um
novo momento da revelação continuada de Javé na história.
O texto de Jeremias é produto de um longo processo hermenêutico caracterizado
pelo contínuo acréscimo de fragmentos devido à necessidade de atualização. 43 O profeta
proclamou a palavra de Javé em um dado momento histórico; ao longo do tempo, outras
vozes foram sendo-lhe acrescentadas. 44 O livro de Jeremias, à primeira vista, parece de
Jeremias, mas na realidade a “memória de Jeremias” se fez texto e, como tal, é a
produção de outras mãos que a foram relendo. 45
Ele não é um todo homogêneo: com a mudança da situação, a palavra de Javé
não se manteve a mesma, todavia, continuou sendo a palavra de Jeremias. A obra de
Jeremias em sua forma atual é uma composição que pretende ser um texto final. Ela
poderia ter sido retrabalhada outras vezes, mas, como a temos, é sua forma final. Se as
40
John Bright, Book of Jeremiah: Its Structure, Its Problems and their Significance for the Interpreter, p.
259-278.
41
Cf. H. W. Wollf, The Kerygma of the Deuteronomic Historical Work, em W. Brueggemann; H. W.
Wolff (eds.), The Vitality of Old Testament Traditions, Atlanta, John Knox Press, 1985, p. 83-100.
Também R. E. Clements, Jeremiah 1–25 and the Deuteronomistic History, p. 93-113, destaque para a
página 108.
42
Milton Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras: reflexão e estudo sobre Amós, São Paulo,
Paulinas, 2004, p. 146.
43
O mesmo processo de acréscimo de fragmento se dá no livro do Cântico dos Cânticos. O autor da obra
compõe uma série de grandes poemas utilizando pequenos poemas ou cantos de amor. Confira o artigo de
David A. Dorsey, Literary Structuring in the Song of Songs, em Journal for the Study of the Old
Testament, London, Sage Publication, n. 46F, 1990, p. 81-96.
44
Cf. James R. Linville, Amos Among the “Dead Prophets Society”: Re-Reading the Lion’s Roar, em
Journal for the Study of the Old Testament, London, Sage Publication, n. 90, 2000, p. 55-77.
45
Destacam-se dois processos nessa etapa: a atualização, que consiste em um processo mais linear, uma
vez que supõe continuidade entre a palavra originária e a redacional, e a releitura, que indica uma ação
mais profunda sobre a proclamação original, podendo transformá-la radicalmente invertendo seu sentido
original, por exemplo, na justaposição de mensagens de salvação ao lado de oráculos de salvação.
34
redações do Jeremias TM ou do Jeremias da LXX representam dois textos distintos,
cada um é “final” dentro de sua própria tradição. 46
Como sabemos, há grandes diferenças entre as várias tradições textuais do livro
de Jeremias. Entre a Septuaginta (LXX) e o Texto Massorético (TM) destacam-se
basicamente duas delas: a Septuaginta é aproximadamente 1/8 menor do que o Texto
Massorético, e está disposta numa ordem diferente, com os oráculos para as nações
situados depois do cap. 25,13. 47 Surgiram, a partir daí, duas propostas sobre a relação
entre esses dois textos.
A primeira centra-se na existência de apenas um livro de Jeremias. A versão
grega em comparação com o Texto Massorético representaria o estágio mais antigo do
texto hebraico, ou seja, a partir da LXX seria possível realizar a reconstrução de um
Vorlage 48 hebraico mais antigo. A outra conjectura admite a existência de mais do que
uma tradição do livro de Jeremias em circulação, e que a LXX representa uma tradição
diferente do Texto Massorético. 49 Nossa pesquisa tende a se harmonizar mais com a
proposta que sustenta a possibilidade de várias tradições textuais coexistentes do que
com aquela que destaca a primazia de uma tradição sobre a outra.
O texto de Jeremias em sua forma atual não é uma simples recopilação de
materiais já existentes. Estes serviram como base sobre a qual o autor final erigiu sua
obra, sendo que o objetivo final da obra difere do propósito de cada um de seus
componentes isolados. A proclamação final do texto completo não repete a dos oráculos
recopilados, mas exprime algo novo. A redação final do livro de Jeremias não produz
uma obra literariamente homogênea, mas, de certo modo, preserva o caráter de
recopilação, uma vez que os materiais de origem são geralmente preservados em sua
forma prévia. 50 São nestes materiais de origem, situados nos caps. 7,1–8,3, que
46
José Severino Croatto, A estrutura dos livros proféticos. As releituras dentro do corpus profético, em
Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, Vozes, n. 35/36, 2000, p. 7-27.
47
Duane L. Christensen, In Quest of the Autograph of the Book of Jeremiah: A Study of Jeremiah 25 in
Relation to Jeremiah 46–51, em Journal of the Evangelical Theological Society, Lynchburg/Wheaton,
Evangelical Theological Society, vol. 33, n. 2, p. 145-153.
48
A expressão alemã Vorlage denota uma fonte literária ou modelo por trás de uma composição extensa
de um texto bíblico. Confira Arthur G. Patzia; Anthony J. Petrotta, Pocket Dictionary of Biblical Studies,
Downers Grove, InterVarsity Press, 2002, p. 122.
49
Rannfrid I. Thelle, Babylon in the Book of Jeremiah (MT): Negotiating a Power Shift, em Hans M.
Barstad; Reinhard G. Kratz (eds.), Prophecy in the Book of Jeremiah, Berlin/New York, Walter de
Gruyter, 2009, p. 191. Veja Emanuel Tov (ed.), The Greek and Hebrew Bible: Collected Essays on the
Septuagint, Leiden/Boston/köln, Brill Academic, 1999, p. 363-384. Anneli Aejmelaeus, Jeremiah at the
Turning-Point of History: The Function of Jer. XXV 1-14 in the Book of Jeremiah, em Vetus
Testamentum, Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 52, n. 4, 2002, p. 459-482.
50
José Severino Croatto, A estrutura dos livros proféticos. As releituras dentro do corpus profético, p. 9-
10.
35
procuraremos nos concentrar no curso de nosso estudo a fim de entender o ambiente e a
intenção das palavras originais de Jeremias.
O livro de Jeremias, portanto, seria uma antologia das palavras e dos incidentes
ocorridos na vida desse profeta. 51 Como já vimos e veremos também mais adiante,
embora essa obra tenha passado por uma longa e complexa história de redação que a
aproxima dos questionamentos e dilemas enfrentados pelo compositor final, existe uma
profunda e estreita ligação entre ela e o profeta Jeremias, dado que a maior parte do
material encontrado nela pode ser atribuída a ele ou a seu amanuense Baruque. Além do
mais, é provável que tanto a composição das unidades individuais como a forma final
do livro tenham se dado dentro de uma mesma ótica e círculo social e os materiais de
origem geralmente sido preservados em sua forma prévia, o que implica que tanto na
formação como na finalização da obra houve pouca ou até nenhuma mudança na
intenção e propósito original dos componentes isolados do livro.
Sua composição pode ser esboçada através da seguinte estrutura que
apresentaremos abaixo. Nela os compiladores dividiram todo o material agrupando-o
basicamente em cinco porções. Seguindo a ordem da Septuaginta encontramos o
seguinte padrão: 52
51
Philip S. Johnston, Now You See Me, Now You Don’t! Jeremiah and God, em John Day (ed.),
Prophecy and Prophets in Ancient Israel, New York/London, T&T Clark, 2010, p. 291-292. Confira
também R. K. Harrison, Jeremiah and Lamentations: An Introduction and Commentary, Nottingham,
Inter-Varsity, vol. 21, 1973, p. 32.
52
Roy Lee Honeycutt, Jeremiah, the Prophet and the Book, p. 305.
53
Ernest Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 565. Veja também outras sugestões
de estrutura em S. Jonathan Murphy, The Quest For The Structure of the Book of Jeremiah, p. 317.
Richard D. Patterson, Of Bookends, Hinges, and Hooks: Literary Clues to the Arrangement of Jeremiah’s
Prophecies, em Westminster Theological Journal, Philadelphia, Westminster Theological Seminary, vol.
51, n. 1, 1989, p. 109-131. T. Raymond Hoobs, Some Remarks on the Composition and Structure of the
Book of Jeremiah, em Catholic Biblical Quarterly, Washington, Catholic Biblical Association of
America, vol. 34, n. 3, 1972, p. 267.
36
1–25 Ameaças contra Judá e Jerusalém (incluindo 25,15-38)
26–35 Promessas para Israel e Judá
36–45 Porção maior do documento de Baruque
46–51 Ameaças contra as nações estrangeiras
52 Apêndice
54
Louis Stulman, Order Amid Chaos: Jeremiah as Simbolic Tapestry, Sheffield, Sheffield Academic
Press, 1998, p. 17-19. Stulman admite que o arranjo de Jeremias “consiste de amplas unidades
composicionais” (caps. 1–25 e 26–52). A primeira grande unidade em Jeremias 1–25 ou “primeiro rolo”
“testifica o colapso da ordem criada” e a “demolição das redes de significados de Israel”. Para ele, a
primeira unidade em 1–25 serve como prolegômeno para a segunda unidade nos caps. 26–52, que
documenta o julgamento anunciado em 1–25, mas também oferece “estratégias de esperança e novos
começos”. É provável que em algum ponto no desenvolvimento do texto amplos contornos de Jeremias
1–25 tenham desfrutado de uma existência independente de Jeremias 26–52. Veja Kathleen M.
O’Connor, Do not Trim a Word: The Contributions of Chapter 26 to the Book of Jeremiah, em Catholic
Biblical Quarterly, Washington, Catholic Biblical Association of America, vol. 51, n. 4, 1989, p. 617-
630. Martin Kessler, Reading the Book of Jeremiah: A Search for Coherence, Winona Lake, Eisenbrauns,
2004, p. 1-13.
55
Terence E. Fretheim, Jeremiah, p. 364. Quanto ao estudo da estrutura e arranjo da unidade literária
refletida em Jeremias 26–45, indico o artigo de Gary E. Yates, Narrative Parallelism and the “Jehoiakim
Frame”: A Reading Strategy for Jeremiah 26–45, em Journal of the Evangelical Theological Society,
Lynchburg/Wheaton, Evangelical Theological Society, vol. 48, n. 2, 2005, p. 263-281.
37
aconteceu a Jeremias de Javé”. Embora tal abordagem abarque pequenas deficiências,
de modo geral fornece a estrutura apropriada para o livro de Jeremias. 56
Os primeiros 25 capítulos são basicamente oráculos de julgamento profético,
estruturados com o objetivo de demonstrar o desmantelamento do universo simbólico de
Judá, ou seja, sua percepção da vida e da realidade. 57 Louis Stulman estabelece que os
caps. 1–25 de Jeremias são acessíveis em sua forma final e não refletem desarranjo de
materiais. Sendo assim, ele propõe que os capítulos 1 e 25 estão dispostos como uma
estrutura editorial ou um invólucro para cinco grandes unidades dentro dos caps. 1–25.
O cap. 1 serve como uma introdução ao livro, apresentando seus grandes temas
em termos antecipatórios e enigmáticos. O ponto de partida do livro consiste de um
cabeçalho introdutório (v. 1-3) seguido pelo relato de ordenação ou chamado de
Jeremias (v. 4-19). Os temas apresentados neste primeiro capítulo foram sintetizados
por Louis Stulman da seguinte forma:
56
Roy Lee Honeycutt, Jeremiah, the Prophet and the Book, p. 305-307.
57
Veja W. Rudolph, Jeremia, Tübingen, J.C.B. Mohr, 1947, 325 p., que nomeia os caps. 1–25 como
“ditos de julgamento contra Jerusalém e Judá”. Assim como Douglas Rawlinson Jones, Jeremiah: New
Century Bible Commentary, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1992, 557 p., que o
descreve como “crítica profética e advertência contra Judá e Jerusalém”.
58
Louis Stulman, The Prose Sermons as Hermeneutical Guide to Jeremiah 1–25: The Desconstruction of
Judah’s Symbolic World, em A. R. Pete Diamond; Kathleen M. O’Connor; Louis Stulman (eds.),
Troubling Jeremiah, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, p. 46.
38
14) e para todas as nações (25,15-38). Este capítulo anuncia a soberania de Javé sobre
todas as nações e coloca Jeremias nesse sistema simbólico como o “profeta para as
nações” (1,5), estabilizando e preenchendo as brechas ideológicas enigmáticas do cap.
1. Em sua análise estrutural, Stulman sugere a seguinte divisão das unidades
macroestruturais contidas em Jeremias 1-25: 59
59
Louis Stulman, The Prose Sermons as Hermeneutical Guide to Jeremiah 1–25: The Desconstruction of
Judah’s Symbolic World, p. 34-63. As cinco unidades apresentam uma palavra introdutória de Javé, um
imperativo dirigido ao profeta para agir e falar e o conteúdo da ação ou mensagem comunicada.
60
Veja sobre a relação de simetria entre os caps. 7,1–10,25 no artigo de Alicia Winters, Ouvi a palavra.
Jeremias 7-10 + 34-38, em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana/Ribla, Vozes, São
Leopoldo/Petrópolis, 2000, v. 35/36, p. 93-96.
61
Sobre a tarefa da delimitação veja Raymond de Hoop; Marjo Korpel; Stanley Porter (eds.), Method in
Unit Delimitation (Pericope 6): Scripture as Written and Read in Antiquity, Leiden/Boston, Brill
Academic, vol. 6, 2007, 231p. Também Raymond de Hoop; Marjo Korpel; Stanley Porter (eds.), The
Impact of Unit Delimitation on Exegesis (Pericope 7): Scripture as Written and Read in Antiquity,
Leiden/Boston, Brill Academic, vol. 7, 2009, 285p.
39
1.2.2. A coletânea de Jeremias 7,1–10,25 e seu entorno
A coletânea de Jeremias 7,1–10,25 registra um conflito social envolvendo o
profeta e seus contemporâneos. Seu assunto principal é o “desmantelamento da
ideologia do templo”. Ao analisá-la pelo prisma literário é possível primeiramente
constatar uma ruptura entre as profecias registradas nos caps. 2–6 e as encontradas nos
caps. 7–10. Se, por um lado, há continuidade e repetida ênfase no tema central da
violação da aliança de Javé e o iminente castigo caso não haja arrependimento, por
outro, há claros indícios de ruptura.
A seção dos caps. 2,1–6,30 engloba uma coleção de oráculos marcados por uma
progressão de pensamento cujo realce recai sobre culpa e punição de Judá. A primeira
subunidade é caracterizada pelo tema da “infidelidade do povo de Javé” (2,1-37).
Destaca-se nesse contexto um conjunto de quatro unidades menores, que descrevem
respectivamente “a infidelidade para com a aliança de Javé” (2,1-13); “as consequências
da apostasia de Israel” (2,14-19); “a natureza degenerativa do pecado de Judá” (2,20-
28); “a certeza do julgamento de Javé” (2,29-37).
Segue-se uma segunda subunidade que tem como lema “a natureza e a
necessidade do verdadeiro arrependimento” (3,1–4,4). Encontramos aí oráculos que
falam “da necessidade de mudança de vida” (3,1-5.19-20); “da apostasia de Israel e da
infidelidade de Judá” (3,6-11); “da súplica para o arrependimento e a promessa de
restauração” (3,12-18); e “da necessidade de arrependimento sincero” (3,1–4,4). A
seção é concluída com uma subunidade que descreve “a certeza do julgamento de Javé
por meio de um inimigo do norte”, caso não ocorra o arrependimento mencionado (4,5–
6,30). Três pequenas unidades fazem parte dessa subunidade: o “inimigo do norte” (4,5-
31); as “razões para a ruína de Jerusalém” (5,1-31); uma “recapitulação” (6,1-30). 62
O último capítulo dessa seção (6,1-30) revela um sumário dos prévios
pronunciamentos de Jeremias contidos nos caps. 4,1–5,31, sendo que o clímax do
capítulo como também da seção é alcançado por meio de uma metáfora extraída do
processo de mineração (6,27-30). Além do mais, a evidência de marcadores de seção na
Bíblia Hebraica, ou seja, o petuhah 63, no término dos caps. 1 e 6, o marco introdutório e
62
Bennett T. Miles, Jeremiah: Outline and Exposition, em Southwestern Journal of Theology, Fort Worth,
Southwestern Baptist Theological Seminary, vol. 24, n. 1, 1981, p. 19-75, p. 37.
63
Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica: introdução ao Texto Massorético: guia
introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia, São Paulo, Vida Nova, 2005, p. 166-167, 522. Na
Bíblia Hebraica, o petuhah e o setumah são letras colocadas antes de cada parágrafo para designar
respectivamente se o mesmo é aberto ou fechado: a letra פpara o aberto e a letra סpara o fechado. O
parágrafo fechado deve começar na mesma linha do anterior, enquanto que o parágrafo aberto inicia em
40
a mudança de ambiente no início da seção seguinte corroboram a hipótese de que os
caps. 2,1–6,30 constituam uma grande unidade dentro do livro de Jeremias.
Da mesma forma que os caps. 2,1–6,30 podem ser estruturados como uma
grande seção dentro do livro de Jeremias, os caps. 11,1–17,27 não são diferentes. Além
de um marcador no término da seção do cap. 10 e do marco introdutório que indica o
início de uma nova unidade no cap. 11, é possível detectar outro elemento que denuncia
uma ruptura entre estes dois capítulos: uma clara mudança de assunto – o que conspira
para a hipótese de que no cap. 11 temos o começo de outra grande seção do livro de
Jeremias.
Ainda que se delimite com relativa facilidade o início da seção, seu término é
um pouco mais difícil de ser localizado, porquanto encontramos diversos marcadores de
término de seção espalhados ao longo dessa grande unidade. No entanto, é importante
salientar que após tais marcadores a expressão “a palavra que aconteceu para Jeremias
de Javé” não ocorre em sua forma plena, mas tão-somente após o marcador de término
de seção situado no final do cap. 17,27.
Sendo assim, é bem provável que os marcadores de término nessa seção estejam
condicionados a tal expressão, que serve como guarda-chuva e promove a coesão de
toda a unidade. A seção dos caps. 11,1–17,27 inclui três das cinco principais confissões
jereminiânicas e está repleta de imagens de guerra e devastação: seca, fome, morte
desonrosa, saque e absoluta desesperança. 64
A grande seção dos caps. 11,1–17,27 trata do “desmantelamento da ideologia da
aliança”. Sua primeira subunidade pode ser caracterizada com o tópico “Jeremias e a
aliança” (11,1–12,17). Nela encontramos quatro pequenas unidades que contêm os
seguintes temas: “a violação da aliança por Judá” (11,1-17); “a confissão de Jeremias”
(11,18–12,6);“um lamento divino” (12,7-13); “o propósito divino” (12,14-17). A
segunda subunidade abarca “parábolas e advertências” (13,1-27). Ali se destacam “a
parábola de um cinto de linho” (13,1-11); “a parábola dos jarros de vinho” (13,12-14);
“a advertência contra o orgulho” (13,15-17); “um lamento para família real” (13,18-19);
“a doença incurável de Jerusalém e sua punição” (13,20-27).
uma nova linha. Veja também Jack R. Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction
and Commentary, p. 73. Esses marcadores de seção petuhah e setumah são úteis para demarcar as
unidades, embora não devam ser aceitos como guias infalíveis.
64
Louis Stulman, The Prose Sermons as Hermeneutical Guide to Jeremiah 1-25: The Desconstruction of
Judah’s Symbolic World, p. 53-55.
41
A terceira subunidade consiste de “profecias a respeito de uma seca: a rejeição
de Deus ao apelo de seu povo” (14,1–15,4). Esta subunidade possui cinco pequenas
unidades divididas da seguinte forma: “uma descrição da seca” (14,1–15,4); “a
confissão do povo e o apelo a Deus” (14,7-9); “a rejeição divina ao apelo” (14,10-18);
“uma segunda confissão e apelo” (14,19-22); “a recusa final de Deus” (15,1-4). Por fim,
a quarta subunidade compreende “profecias e orações” (15,5–17,27). Versa sobre “a
limpeza de Judá e os ais de Jeremias” (15,5-21); “advertências e promessas” (16,1-21);
“materiais variados” (17,1-27).
Já a grande seção que abrange os caps. 7,1–10,25 parece fazer alusão ao
“desmantelamento da ideologia do templo”. Ao percorrer esta grande seção, deparamos
com sua primeira subunidade, que apresenta “ritos religiosos versus relações corretas”
(7,1–8,3). Reservaremos um espaço adequado, mais adiante, para abordarmos os
dilemas e a provável estrutura dessa subunidade. A segunda subunidade versa sobre
“um povo incorrigível e seu destino inevitável” (8,4–9,22). Cinco pequenas unidades
estão dispostas da seguinte maneira: “a não naturalidade da apostasia” (8,4-7); “a
sabedoria e a palavra de Deus” (8,8-13); “a chegada da invasão” (8,14-17); “os
sentimentos do profeta” (8,18-9,9); “lamentação pela destruição de Judá” (9,10-22).
A última subunidade, “verdades a partir de contrastes” (9,23–10,25), descreve “a
glória celeste versus a glória terrestre” (9,23-24); “a circuncisão do coração versus a
circuncisão da carne” (9,25-26); “ídolos versus o Deus verdadeiro” (10,1-16); “a
chegada da calamidade: lamento e intercessão” (10,17-25). 65 Tal como em ambas as
seções que emolduram esse grande bloco, marcadores na Bíblia Hebraica no término
dos caps. 6 e 10, como também o marcador introdutório da seção posterior, ajudam a
demarcar as fronteiras dessa grande seção.
Além disso, é possível verificar certa distância histórica entre as profecias mais
antigas de Jeremias (2–6) e a mensagem contida nessa seção (7–10). Se considerarmos
que os caps. 7 e 26 se referem ao mesmo acontecimento, o período provável da
proclamação das palavras contidas na seção de Jeremias 7,1–10,25 seria ao longo do
reinado de Jeoaquim, após a morte do rei Josias, seu pai (609/608 a.C.), enquanto que as
65
Charles F. Pfeiffer, The Wycliffe Bible Commentary: Old Testament, Chicago, Moody Press, 1962, s/n.
Veja também Carl Friedrich Keil; Franz Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Peabody,
Hendrickson, vol. 8, 2002, p. 15; Bennett T. Miles, Jeremiah: Outline and Exposition, p. 19-75.
42
palavras da seção de Jeremias 2–6 se situam entre sua vocação profética (627 a.C.) e o
início da reforma empreendida pelo rei Josias (622 a.C.). 66
66
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI
a. C., p. 43. Veja também a ordem cronológica do material no livro de Jeremias em Kenneth L. Barker,
Expositor’s Bible Commentary (Abridged Edition: Old Testament), Grand Rapids, Zondervan Publishing
House, 1994, p. 1154.
67
A crítica retórica é definida como a análise das formas como duas ou mais unidades do material
literário estão conectados nas unidades maiores, pelas associações de sons (assonância ou trocas de
consoantes de palavras-chave), de palavras chave e frases, ou de ideias.
68
William L. Holladay, The Architecture of Jeremiah 1-20, Lewisburg/London, Buchnell University
Press/Associated University Presses, London, 1976, p. 102-105.
43
Antes de tudo, tal como Bright 69, propomos a seguinte divisão para a unidade:
o final dessa subunidade. Não obstante existam setumah entre os vv. 19 e v. 20, a tônica
da subunidade permanece a mesma do v. 19, ou seja, a “ira” de Javé. Portanto, é viável
agregar o v. 20 aos vv. 16-19.
69
John Bright, Jeremiah, AB 21, Garden City, NY, Doubleday, 1965, p.52-55.
70
Realizaremos uma análise da estrutura interna das seções no próximo capítulo de nossa pesquisa.
71
Veja Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica: introdução ao Texto Massorético: guia
introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia, p. 166. O setumah é um dos sinais utilizados para a
divisão do texto da Bíblia Hebraica.
44
Além disso, tal subunidade começa com um discurso direto de Javé endereçado
ao profeta por meio da expressão ’ א ַ֞תָּ הattâ “tu”, assim como acontece na subunidade
precedente (v. 2); todavia, as palavras de juízo encontradas na seção dos vv. 16-20 são
endereçadas a um grupo caracterizado pelo pronome na terceira pessoa masculino plural
הֵםhēm “eles”. Tal indício corrobora o término da subunidade precedente (7,1-15) e o
início dessa subunidade (7,16-20). Enquanto que a primeira seção sublinha os
destinatários na segunda pessoa do plural אַתֶּ םʼattem “vós”, a segunda os descreve com
“outros deuses” de acordo com o v. 18, o v. 20 retrata a ira de Javé que נ ִֶ֙תּ ֶכ ֙תnitteket
“será derramada” a fim de produzir um fogo que ָבע ָ ֲ֖רהbāʻᵃrāh “queimará” e não se
apagará. Em suma, embora seja prematuro, no momento, negar ou afirmar que o v. 20
tenha circulado originalmente separado da seção II, é possível depreender da relação
entre os respectivos versos amplas bases para se admitir que o v. 20 seria a conclusão da
seção II, quer lākēn seja uma expressão editorial ou original.
Outra dificuldade emerge do bojo das seções III e IV, relativa aos vv. 21-34.
William Holladay refere-se a esses versos como “triplas passagens sobre a falsa
adoração”, dividindo-os em vv. 21-26, 27-29 e 30-34. 73 No entanto, entendemos que os
69F
vv. 21-26 devem ser integrados aos vv. 27-28 devido à ligação estrutural fornecida pelo
verbo שׁמַע
ָ šhāmaʻ “ouvir”. O tema central nos vv. 21-26 é que שׁמְעוּ
ָ ל֤ וֹאlōʼ šāmᵉʻû
“não ouviram” (v. 24) no passado. Da mesma forma, a expressão שׁמ ְ֖עוּ
ְ ִ וְ�֥ א יlōʼ yišmᵉʻû
indica que “não ouvirão” ao profeta de Javé (v. 27). Assim, no v. 28 o profeta conclui a
72
Veja a função de lākēn em Thomas. M. Raitt, A Theology of Exile: Judgment/Deliverance in Jeremiah
and Ezekiel, Philadelphia, Fortress, 1977, p. 15-16.
73
William L. Holladay, The Architecture of Jeremiah 1-20, p. 105.
45
seção dirigindo-se a sua audiência com as seguintes palavras: “Esta (foi) a nação que
não ouviram a voz de Javé, Deus dele” (v. 28). Um setumah no final do v. 28 certifica o
término dessa terceira seção.
O v. 29 dá início a uma nova seção dentro da unidade, em vez de concluir uma
seção precedente. Este verso destoa em alguns aspectos contextuais da subunidade
anterior (7,21-28). Primeiramente, enquanto que na subunidade de 7,21-28 prevalecem
os verbos no gênero masculino, no início do v. 29 encontramos a expressão ָגּ ִזּ֤יgāzî
“corta”, um verbo qal imperativo feminino singular, que denuncia um novo destinatário,
ou seja, uma personagem feminina. No mais, o gênero literário do v. 29 é diferente, a
saber, uma lamentação. 74 70F
No entanto, tal lamentação não se encontra separada dos versos que a sucede. A
conjunção כִּ ֽיkî “eis” estabelece a ligação com o restante da subunidade constituída de
um oráculo de julgamento, e o cenário aponta para o motivo e a consequência da
rejeição de Javé. Por que o povo havia abandonado e rejeitado Javé, seus corpos seriam
desonrados (v. 33), e cessaria nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém “o som de
exultação e o som de alegria, a voz de noivo e a voz de noiva” (v. 34). Tais fatores são
bons motivos para o corte do cabelo e a lamentação mencionados no v. 29. Portanto, a
quarta seção englobaria os vv. 29-34.
Por fim, a seção de encerramento da unidade (8,1-3) é bem delimitada. O v. 1 é
realmente autônomo com relação aos versos precedentes. A expressão “naquele tempo”
introduz uma nova seção, que descreve a profanação das sepulturas da elite de
Jerusalém diante dos corpos celestes que eles adoraram. Além disso, ressalta ainda a
escolha da morte pelo “resto que restarem desta família”. O término da quinta seção e
também da unidade dos caps. 7,1–8,3 é pontuado pela presença da fórmula do dito
divino “oráculo de Javé Zebaot” acompanhada subsequentemente por um marcador de
seção situado no final do v. 3.
74
Veja acerca desse gênero em Xuan Huong Thi Pham, Mourning in the Ancient Near East and Hebrew
Bible, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, p. 23.
75
Observe a ocorrência dessa expressão na seção I (vv. 3.6.7.12.14), II (v. 20), IV (v. 32) e V (8,3).
46
hipótese de que o cap. 8,1-3 seria um “apêndice” inserido no lugar onde está
simplesmente por causa dessa expressão ou por ser um comentário do v. 33. 76 Antes, 72F
parece mais coerente admitir que os termos לְהִ ֽשְׁתַּ חֲוֹ֖ תlᵉhištaḥᵃwôt “para prostrar-se,
para adorar” no cap. 7,2 e הִ ֽשְׁתַּ חֲו֖ וּhištaḥᵃwû “eles se prostraram, eles adoraram” no cap.
8,2 ligam as seções I e V como um inclusio que abarca toda a unidade. 77 73F
76
Cf. William L. Holladay, The Architecture of Jeremiah 1-20, p. 105.
77
Veja um estudo sobre o inclusio no livro de Jeremias em Jack R. Lundbom, Jeremiah: A Study in
Ancient Hebrew Rhetoric, Missoula, Scholars Press, 1975, p. 23-60.
47
Além das expressões até aqui citadas, destacam-se ainda ָבּטַחbāṭaḥ “confiar” (v.
5.12); ַבּמּ ָ֣קוֹם ַה ֶזּ֑הbammāqôm hazzeh “neste lugar” (v. 3.6.7), מְקוֹ ִמ ֙יmᵉqômî (v. 12),
(v. 10.11.12.14); ק ָָראqārāʼ “clamar” (v. 10.11.13.14); נְאֻם־י ְהוָ ֽהnᵉʼum yᵉhwāh “oráculo
de Javé” (v. 11.13); ָראָהrāʼâ “ver” (v. 11.12); שׁי ֹלהšîlōh “Siló” (v. 12.14); כּ ֹלkōl
“todo” (v. 2.13.15). Esses termos e expressões garantem a coesão interna da primeira
seção.
Na seção II encontramos os seguintes termos e expressões que validam a coesão
dessa subunidade. Destaque-se aqui as expressões ’ אַלal “não” (v. 16[3X]); אַי ִןʼayin
“não” (v. 16.17); também a partícula interrogativa ֽ ַ הha “porventura” (v. 17.19); ָעשָׂה
ʻāśâ “fazer” (v. 17.18); ִ ל ַ ְ֖מעַן ַה ְכעִסֵ ֽנlᵉmaʻan hakʻisenî “a fim de provocarem a raiva de
mim” (v. 18) e הֵ ֥ם ַמ ְכע ִ ִ֖סיhem makʻisî “eles provocam a raiva” (v. 19); י ְהוָ ֥הyᵉhwāh
“Javé” (v. 19.20); veja a expressão ’ א ִַפּ֤י וַ ֽ ֲחמָתִ יappî waḥᵃmātî “ira de mim e fúria de
mim” (v. 20) que se encontra no mesmo campo semântico dos termos anteriores (v.
19.20). Tudo isso corrobora nossa ideia de que as duas primeiras seções estão
fortemente associadas, e indica que cada uma delas possui clara coesão interna.
É possível também detectar uma ligação entre a seção III e as duas seções
precedentes. A expressão temática שׁמַע
ָ šhāmaʻ “ouvir”, presente nas duas seções
anteriores, também jaz na seção III. Outrossim, a frase שׁ ַמעְתֶּ֔ ם ָו ֶאק ָ ְ֥רא אֶתְ ֶכ֖ם
ְ וְדַ ֵבּ ֙ר וְ�֣ א
ִיתֽם
ֶ וְ�֥ א ֲענwᵉdabēr wᵉlōʼ šhᵉmaʻᵉttem waʼeqrᵃʼ ʼetkem wᵉ lōʼ ʻǎnîtem “e falei e não
ouvistes e chamei-vos, e não respondestes” é encontrada nas seções I (v. 13) e III (v.
27). Além do mais, constata-se o uso do termo ְמעַן
֣ ַ לlᵉmaʻan “a fim de” nas seções I (v.
10), II (v. 18,19) e III (v. 23).
48
Na seção I, o profeta retrata que sua audiência havia sido salva a fim de realizar
todo tipo de abominações (v. 10). Por sua vez, na seção II essa mesma audiência faz
sacrifício a outros deuses a fim de provocar a ira de Javé (v. 18). Todavia, tais
sacrifícios foram realizados “a fim da vergonha dos rostos deles” (v. 19). Em contraste
com a postura da audiência, a seção III descreve a real exigência de Javé que consistia
em ouvir sua voz “a fim de que faça bem para vós” (v. 23).
Outras expressões confirmam a ligação entre as seções I e III. É o verbo ִיטב
ַ֥ י
yîṭab “faça bem”, encontrado no final do v. 23 da seção III, como também o
verbo ֵיטיבוּ
֥ ִ הhêṭîbû “fazei bom”, no v. 3 e תֵּ י ִ֔טיבוּtêṭîbû “fazerdes bom” no v. 5 da seção
I. Já em relação à coesão entre as seções I, II e III, destaque-se ainda os termos ְל ָפ ַ֗ני
lᵉpānay ‘diante de minha face” no v. 10, פּ ָָנ֑יpānay “da minha face” no v. 15, ֵיהם
֖ ֶ ְפּנ
pᵉnêhem “das faces deles” no v. 19 e ְל ָפ ִנ ֽיםlᵉpānîm “para faces” no v. 24.
A terceira seção consiste em um dito profético e apresenta amplas evidências de
coesão interna. A menção a determinados termos e expressões ao longo dessa pequena
unidade evidenciam nossa afirmação. Entre eles, podemos ressaltar termos e expressões
como זֶבַחzebaḥ “sacrifícios” e עֹלָהʻōlâ “holocaustos” (v. 21.22); אָמַרʼāmar “dizer”
(v. 21.23.28); י ְהוָ ֥הyᵉhwāh “Javé” (v. 21.28); אֱ�הִיםʼělōhîm “Deus (v. 21.23.28); דָּ בַר
dābar “falar” (v. 22.27); אָבʼāb “pai” (v. 22.25.26); ָצוָהṣāwâ “ordenar” (v. 22 e
23[2X]); הוֹצִיא ְבּי֛וֹםbᵉyôm hôṣîʼ “no dia em que fiz sair” e שׁ֙ר יָצ ְ֤אוּ
ֶ הַיּ֗ וֹם ֲאhayyômʼᵃšer
yāṣʼû “o dia que saíram” (v. 22.25), sendo que a expressão יוֹםyôm “dia” aparece duas
vezes no v. 25.
Destacam-se também as expressões ֵא ֶרץ ִמצ ָ ְ֑רי ִם
֣ ֶ מmêʼereṣ miṣrayim “da terra do
Egito” (v. 22.25); שׁמַע
ָ šhāmaʻ “ouvir” (v. 23.24.26.27.28); ָהי ָהhāyâ “ser” (v. 23[2X].
24); �ַ ָהלhālak “andar”(v. 23.24); ְו�ֽא־ה ִ֣טּוּ אֶת־אָז ְ ָ֔נםwᵉlōʼ hiṭṭû ʼet ʼāznām “ e não
inclinaram o ouvido deles” (v. 24.26); ַרעrǎʻ “malvado” e ה ֵ ֵ֖רעוּhērēû “fizeram pior” (v.
24.27). Todas essas palavras e expressões reforçam nossa concepção de que esta terceira
subunidade demonstra claros indícios de coesão interna. Além disso, a retórica do texto
também colabora para isso. Portanto, a terceira seção apresenta do começo ao fim fortes
indícios de relacionamento com as duas seções anteriores e também clara evidência de
coesão interna.
49
A seção IV não está separada das anteriores, uma vez que também possui laços
com as seções precedentes. Das seções I (vv. 7,14), III (v. 22) e IV (vv. 30,31) emerge o
tema da ameaça aos “pais e filhos”. Do mesmo modo, a frase בַּ ֛ י ִת ֲאשֶׁר־נִק ְָרא־שׁ ְִמ֥י ע ָָל֖יו
bayt ʼᵃšher niqrāʼ šhᵉmî ʻālāyw “casa que se clamou meu nome nele” no v. 30 é usada
três vezes na seção I (v. 10.11.14). Além do mais, a expressão temática ָעשָׂהʻāśâ
“fazer” presente no v. 30, aparece também na seção I (vv. 5.10.12.13.14) e II (vv.
17.18).
O mesmo se pode dizer da palavra נָשָׂאnāśāʼ “levantar”, que faz a ligação entre
as seções IV e II. Na seção II, é dada uma ordem ao profeta para que אַל־תִּשּׂא
ָ֧ ’al tiśśāʼ
“não levantes” por eles clamor e oração (v. 16); na seção IV, por sua vez, é solicitado a
Jerusalém que שׂ ְִא֥יśᵉʼî “levante” sobre os altos desnudos lamentação (v. 29). É evidente
29.30.32); נְאֻם־י ְהוָ ֽהnᵉʼum yᵉhwāh “oráculo de Javé” (v. 30.32); ְהוּד֥ה
ָ ְבנֵי־יbᵉnê yᵉhûdâ
“filhos de Judá” (v. 30); בּ ְֵג֣יא בֶן־ה ִ֔נּ ֹםbᵉgêʼ ben hinnōm “vale do filho de Hinnom” (vv.
31.32); יהם
֖ ֶ ֵ אֶת־ ְבּנֵיהֶ ֥ם ְואֶת־בְּנ ֹתʼet bᵉnêhen wᵉʼet bᵉnōtêhem “os filhos deles e as filhas
deles” (v. 31); ְהוּד֥ה
ָ יyᵉhûdâ “Judá” (vv. 29.34); תֹּפֶתtōpet “Tofet” (vv. 31.32[2X]); בּ ְֵג֣יא
בֶן־ה ִ֔נּ ֹםbᵉgêʼ ben hinnōm “vale do filho de Hinnom” (vv. 31.32), ֵגּ֣יא ַהה ֲֵר ָג֑הgêʼ
hahᵃrēgâ “vale da matança” (v. 32); אַי ִןʼǎyin “não haver” (vv. 32.33); א ֶֶרץʼereṣ “terra”
(vv. 33.34). Tal como as seções anteriores dessa unidade, a quarta seção também
apresenta fortes laços de coesão interna, bem como claras evidências de associação com
as outras seções precedentes.
50
Quanto à seção V, embora a expressão שׁחָה
ָ šāḥâ “prostrar” abarque a unidade
7,1–8,3 como um inclusio nas seções I e V, ela não é o único fio que amarra a última
seção às outras quatro anteriores. Além da referida expressão, outros termos exercem
essa função. Entre eles destaca-se a palavra ַ ֥רעraʻ “mal”, que liga as seções I (v. 6), III
(v. 26), IV (v. 30) e V (8,3). Também merece atenção a expressão הוֹצִיאhôṣîʼ “fiz sair”,
que aparece na seção III (v. 22), com paralelo no termo וְיֹצִיאוּyôṣîʼû “farão sair” na
seção V (v. 8,1).
O processo de coesão interna na seção V se dá pela repetição do pronome pessol
na terceira pessoa masculina plural הֵםhēm “eles” (v. 1.2); pela expressão נְאֻם־י ְהוָ ֽה
nᵉʼum yᵉhwāh “oráculo de Javé” (8,1.3); como também por diversas expressões que se
encontram dentro do mesmo campo semântico ao longo dessa subunidade, ou seja, ֶעצֶם
ʻeṣem “osso” (v. 1[4X]), ֶקבֶרqeber “sepultura” (v. 1), ָקבַרqāḇar “sepultar” (v. 2), ָמוֶת
māwet “morte” (v. 3). Sendo assim, estamos diante de uma seção que, além de amarrar
toda a unidade, apresenta ampla coesão interna.
Portanto, conclui-se que a unidade 7,1–8,3 apresenta uma variedade de ligações
e palavras temáticas estruturadas em um inclusio, onde cada parte se inter-relaciona
com a outra como também internamente. No entanto, a expressão שׁחָה
ָ šāḥâ “prostrar,
adorar” parece não apenas amarrar as seções I e V como um inclusio, mas também
apontar o grande tema da passagem. A cada seção são apresentadas ou mesmo
parodiadas as perversas formas e práticas religiosas vigentes no período de Jeremias.
Começando com a adoração ao templo, passando pela idolatria, até desembocar na
adoração da criatura no lugar do criador. Charles Isbell propõe a seguinte disposição de
pensamento nessa unidade: 78 74F
78
Charles Isbell; Michael Jackson, Rhetorical Criticism and Jeremiah 7:1-8:3, em Vetus Testamentum,
Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 30, n. 1, 1980, p. 20-26.
51
1.2.4. De olho nas pequenas unidades de sentido
As unidades maiores são compostas por ditos proféticos ou pequenas unidades
de sentido, que representam falas independentes em termos de forma e conteúdo, com
sentido próprio, compreensíveis por si mesmas, pronunciadas numa situação específica.
Tais pequenas unidades de sentido são denominadas perícopes. 79 Cada unidade do livro
de Jeremias, portanto, é uma compilação de perícopes, de pequenas unidades de sentido.
Entendemos de forma correta tanto o livro de Jeremias quanto a unidade dos caps. 7,1–
8,3 quando reconhecemos essas pequenas unidades.
Para se estabelecer uma correta interpretação das palavras de Jeremias deve-se
começar separando as unidades menores, não admitindo nenhuma conexão original
unidade com unidade sem uma evidência objetiva. É imprescindível também levar em
consideração tanto a tradução, a partir da língua original, quanto a abordagem de uma
série de aspectos formais, essenciais para a interpretação do conteúdo de cada
perícope. 80 Uma conveniente análise exegética das perícopes presentes na coletânea
envolve a elaboração autônoma da tradução do hebraico para o português como também
as etapas da delimitação, na qual se observa a autonomia do texto em termos de
conteúdo com relação aos textos anteriores e posteriores.
Além do mais, investiga-se a coesão ao apontar uma sequência de conteúdos
entre o versículo inicial e o que encerra o texto, assim como a análise do estilo. 81
Também se verifica a análise do gênero literário, que situa cada texto da coletânea
dentro de um conjunto de escritos que apresentam características formais idênticas. 82
Uma vez concluídas essas etapas e a perícope esteja caracterizada em sua forma,
aprofunda-se a questão do lugar histórico-social em que está situado o texto. Para isso,
79
Geoffrey W. Bromiley, The International Standard Bible Encyclopedia, Grand Rapids/Michigan,
William B. Eerdmans Publishing Co., 2002, vol. 3, p. 770.
80
João Luiz Correia Júnior, Chave para análise de textos bíblicos: com exercícios de análise, São Paulo,
Paulinas, 2006, p. 10-11.
81
Presumimos ser mais conveniente para o desenvolvimento de nossa pesquisa realizar o estudo da
delimitação e da coesão da unidade já neste capítulo, para facilitar a disposição e extensão dos capítulos
de nosso estudo e por entendermos que tal tarefa contribui para a certificação da autonomia tanto da
unidade quanto das pequenas seções contidas nela. Portanto, antes mesmo de empreendermos as tarefas
da tradução e da análise literária, é salutar ponderarmos sobre os limites do texto. Reservaremos todo o
capítulo 2 para aplicar o restante das etapas exegéticas que ainda não foram desenvolvidas a fim de
interpretarmos as palavras de nosso profeta de maneira mais coerente. Sobre isso veja os trabalhos de
Cássio Murilo Dias da Silva, Metodologia de exegese bíblica, São Paulo, Paulinas, 2000, p. 67-77 e Hans
Urs von Balthasar, The Glory of the Lord: Seeing the Form, Edinburgh, T&T Clark, 2001, p. 151. Ambos
os pesquisadores concordam que antes da tradução, bem como de toda a análise crítica do texto, seja feita
a confirmação de seus limites.
82
Cf. Douglas Stuart, Old Testament Exegesis: a Handbook for Students and Pastors,
Louisville/London/Leiden, Westminster John Knox Press, 2001, 179p. Também Timothy S. Laniak,
Handbook for Hebrew Exegesis: a Step-by-Step Approach to Understanding Old Testament Narrative,
Bellingham, Logos Research Systems, 2010, 110 p.
52
busca-se o lugar vivencial. Cada perícope oferece suas dificuldades específicas. A
identificação do lugar vivencial dá-se por meio da datação, da localização e do
detalhamento que viabiliza minúcias em cada perícope. Mas, não basta apenas datar e
localizar. É preciso estabelecer uma sintonia entre o texto e seu ambiente, o lugar em
que emerge a palavra contida na perícope. Já na análise do conteúdo, o que importa é a
palavra expressa na perícope. Na definição da palavra ou do sentido da perícope são
descritos os conteúdos, concatenando-se a interpretação de uma frase com as demais. 83
83
Veja explicação mais detalhada sobre os passos exegéticos em Igor Pohl Baumann, O salmo de
Jeremias 20.7-18 na perspectiva da linguagem da lamentação do antigo Israel, São Bernardo do Campo,
Universidade Metodista de São Paulo, 2011, p. 161-249.
84
João Luiz Correia Júnior, Chave para análise de textos bíblicos, p. 11. Veja também Odete Mainville,
A Bíblia à luz da história: guia de exegese histórico-crítica, São Paulo, Paulinas, 1999, 153 p. e Horácio
Simian Yofre (coord), Metodologia do Antigo Testamento, São Paulo, Loyola, 2000, 199p.
85
Cássio Murilo Dias da Silva, Metodologia de exegese bíblica, p. 357.
53
Ora, o discurso verbal, como fenômeno de comunicação cultural, deixa de ser
coisa autossuficiente e não pode ser compreendido independente da situação social que
o engendra. Na vida, o discurso verbal não é autossuficiente. Ele nasce da situação
pragmática extraverbal e mantém a conexão com essa situação. Além disso, tal discurso
é vinculado à vida e não pode ser dissociado dela sem perder sua significação. O
“contexto extraverbal” torna a palavra plena de significado para o leitor ou ouvinte.
Esse “contexto extra verbal” compreende três fatores: 1) o horizonte espacial comum
dos interlocutores, 2) a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores e
3) sua avaliação comum dessa situação.
O discurso verbal é um evento social; ele não está autoencerrado no sentido de
alguma linguística abstrata, nem pode ser derivado psicologicamente da consciência
subjetiva do falante tomada em isolamento. Quando se retira o texto do solo que o nutre,
perde-se a chave tanto de sua forma quanto de seu conteúdo – tudo que resta é uma
casca linguística abstrata. Assim, a compreensão e avaliação de um determinado texto
engloba a situação pragmática extraverbal juntamente com seu discurso verbal. O
discurso verbal é um “cenário” de um dado evento. Um entendimento do discurso deve
reproduzir esse evento e representá-lo novamente.
A análise sociológica só pode tomar como ponto de partida a conformação
linguística verbal de uma obra, mas ela não deve se confinar dentro desses limites. A
leitura de uma obra poética começa no grafema (a imagem visual das palavras escritas),
mas essa imagem visual nos leva para além da fronteira verbal. Na poesia, como na
vida, o discurso verbal é o cenário de um evento. A percepção artística competente
representa-o de novo inferindo, das palavras e das formas de sua organização, as inter-
relações vivas do autor com o mundo que ele descreve, e entrando nessas inter-relações
como um terceiro participante (o papel do ouvinte).
Onde a análise linguística vê apenas palavras e as inter-relações de seus fatores
abstratos (fonéticos, morfológicos, sintáticos etc.) a percepção artística viva e a análise
sociológica concreta revelam relações entre pessoas, relações refletidas e fixadas no
material verbal. O discurso verbal é o esqueleto que só toma forma viva no processo da
percepção criativa; consequentemente, só no processo da comunicação social viva. 86
86
V. N. Voloschinov; M. M. Baktin, Discurso na vida e discurso na arte, 1926, p. 1-18. Disponível em
http://www.fflch.usp.br/dl/noticias/downloads/Curso Bakhtin2008 Profa.%20MaCristina Sampaio/
ARTIGO VOLOSH BAKHTIN DISCURSO VIDA ARTE.pdf.
54
A unidade dos caps. 7,1–8,3, portanto, apresenta as condições materiais da
sociedade que espelha. Ela é a representação das relações sociais vivenciadas pelos
israelitas; ainda que não se possa, a priori e sempre, afirmar que o escrito nos remete a
informações históricas, ele de alguma forma espelha a sociedade e as relações por trás
das palavras e está enraizado em grupos de pessoas que interagem, organizados em
estruturas sociais que controlavam os aspectos principais da vida pública, tais como
economia, família, governo, lei, ritual e crença religiosa. 87
Sendo assim, na avaliação dos passos importantes da interpretação faz-se
necessário o uso da metodologia exegética (tradução, delimitação, coesão interna, estilo,
gênero literário, lugar, conteúdo) a fim de localizarmos os ditos proféticos no tempo e
no espaço e não depreciarmos seu verdadeiro significado. Todavia, por serem eventos
que não ocorreram diante de nossos olhos no tempo e no espaço, o material de análise
exige um grande esforço hermenêutico, visto que a interpretação bíblica apropria-se de
textos com uma longa trajetória de criação e reelaboração, oriundos de um povo com
um itinerário igualmente longo, unificado por uma concepção linear e teleológica da
história. 88 A distância histórica que nos separa dos relatos bíblicos, bem como nossos
condicionamentos culturais, religiosos e ideológicos, tornam necessária uma
interpretação criteriosa e aprofundada.
Por um lado, nossos condicionamentos e pré-compreensões escondem o perigo
de não darmos a devida atenção ao que os textos realmente desejam dizer, e sim
ouvirmos apenas o que gostaríamos de ouvir. O relato bíblico, portanto, corre o risco de
ficar totalmente atado aos interesses dos intérpretes. Assim, a contribuição do método
exegético desempenha um papel crítico em relação às diversas abordagens acerca dos
escritos bíblicos.
Sua função principal será a de aclarar o sentido que tinha o relato para o local, a
época e as comunidades em que fora formulado originalmente e permitir que
transpareça a intenção original do escrito. 89 Por outro lado, ao atribuir ênfase demasiada
à intenção do autor ou redator, como se fosse tal o único sentido possível, corre-se o
87
Norman K. Gottwald, Introdução socioliterária à Bíblia Hebraica, São Paulo, Paulus, 1988, p. 37.
Também Walter Brueggemann, Trajectories in Old Testament Literature and Sociology of Ancient Israel,
em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 98, n. 2, p. 161-185.
88
J. Severino Croatto, Hermenêutica bíblica: para uma teoria da leitura como produção de significado,
São Paulo/São Leopoldo, Paulinas/Sinodal, 1986, p. 10.
89
Uwe Wegner, Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia, São Leopoldo/São Paulo,
Sinodal/Paulus, 1998, p. 11-13.
55
risco de “enclausurar” no passado a mensagem profética. A despeito da importância
imprescindível da exegese na tarefa de interpretação, tal abordagem mostra-se parcial. 90
Além do mais, não há nenhum procedimento exegético capaz de captar todo o
potencial de significado. O texto se encontra separado de seu autor e destinatários
originais. Isso implica na impossibilidade de uma interpretação definitiva do que o
escrito realmente significou. No entanto, tal limitação, por sua vez, abre as portas para
que o relato, como uma entidade metafórica, apresente abertura potencial para muitos
significados possíveis. Aproximamo-nos do texto com nossos valores, ideologias e
perspectivas que enriquecem seu potencial de significados.
As brechas que tornam o relato indeterminado são os lugares em que projetamos
nossos valores e mundo sobre o escrito bíblico. Entre leitores e texto existe um diálogo
ou mesmo uma simbiose, que possibilita novos significados e matizes ao relato. Essa
aproximação será importante para a compreensão do relato bíblico em nosso contexto,
de maneira que a leitura passe a ser pertinente a novos horizontes interpretativos.91
Portanto, a interpretação representará também nossas inquietações e nossos desafios.
Ela, como afirma Schwantes, abrirá uma perspectiva a partir da qual olharemos para o
escrito bíblico e em direção da qual desejaremos que as passagens bíblicas nos
conduzam. 92
Por isso, cabe ao intérprete a tarefa da análise da condição histórico-sociológica,
tendo em mente que embora exista certa correlação entre os métodos socioanalíticos e o
método histórico na preocupação com a localização histórica dos escritos e o sentido
que os estudos semióticos descobrem, os métodos socioanalíticos priorizam os
componentes externos incorporados ao escrito; não sua história redacional, mas sua
formação social.
Como bem se sabe, sempre que se empreende uma leitura nossa atenção se move
ao mesmo tempo em duas direções. Uma direção exterior ou centrífuga conduz para
fora da leitura, ou seja, para as coisas que significam. A outra direção é interna ou
centrípeta; determina com as palavras o sentido da configuração verbal mais ampla que
elas formam. Nos dois casos lida-se com símbolos, mas quando ligamos um sentido
90
J. Severino Croatto, Hermenêutica bíblica: para uma teoria da leitura como produção de significado,
p. 14.
91
Ediberto López, Entre duas margens: o processo hermenêutico, em Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana, Petrópolis, Vozes, n. 53, 2006/1, p. 13-14. Veja também Umberto Eco, Interpretação
e superinterpretação, São Paulo, Martins Fontes, 2001, 184 p.
92
Veja a apresentação do livro de Cássio Murilo Dias da Silva, Metodologia de exegese bíblica, p.7.
56
exterior a uma palavra temos, em adição ao símbolo verbal, a coisa representada e
simbolizada por ele. 93 É para tais direções que nos moveremos durante nossa pesquisa.
O foco de nossa investigação não privilegiará os últimos redatores, mas sim os
que vivenciaram o acontecimento fundante. Ao fazermos tal opção, estamos cientes da
limitação e parcialidade de nossa pesquisa por não enfatizarmos a natureza das palavras
de Jeremias e sua relevância para o povo de Judá no período do exílio e do pós-exílio.
Ambos os aspectos das implicações da mensagem profética são importantes. Como
afirma Bakhtin, quando tentamos interpretar e explicar uma obra apenas a partir das
condições de sua época, nunca penetraremos nas profundezas de seus sentidos.
O fechamento em uma época não permite compreender a futura vida da obra nos
séculos subsequentes. As obras dissolvem fronteiras de sua época, vivem nos séculos.
Entretanto, o próprio Bakhtin afirma que uma obra não pode viver nos séculos futuros
se não reúne em si, de certo modo, os séculos passados. 94 É esse passado que
procuraremos analisar em nossa pesquisa. Embora sabedor da importância dos
seguidores do profeta em sua obra, neste trabalho procuraremos privilegiar a pregação
do próprio profeta para o povo de Judá em seus dias, e tal assunto é de grande
importância para qualquer exegeta.
O entendimento correto da forma como “a palavra de Javé que aconteceu para
Jeremias” em seu contexto, época e lugar nos ajudará a desvendar princípios
importantes que nos auxiliarão em nosso próprio contexto, época e lugar. Muito já se
tem escrito sobre Jeremias destacando a relevância de sua mensagem para o povo de
Judá no período do exílio e pós-exílio, em detrimento de sua importância para o povo de
Judá no período pré-exílico. Nesta pesquisa procuraremos destacar a origem e
importância da mensagem do profeta Jeremias durante esse período turbulento da
história de Judá.
Dessa forma, nossa tarefa estende-se além do texto e seu entorno imediato a fim
de descrever as tensões sociais, econômicas e políticas das quais o escrito originou-se e
faz parte. A unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias está permeada por essas tensões, e
nelas essa unidade desempenha um papel decisivo. Para estudá-la é preciso fazer uso da
teoria e ferramenta fornecida pela ciência social. Sobre esse aspecto seria importante
destacar o conceito do “modo de produção tributário”, que nos auxiliará na análise das
93
Northrop Frye, Anatomia da crítica, São Paulo, Editora Cultrix, 1957, p. 77.
94
Mikhail Bakhtin, Estética da criação verbal, São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. 362-
363.
57
causas do conflito expresso nessa coleção de ditos proféticos baseado na contradição
entre campo e cidade. 95 Nosso objetivo ao estudar a unidade dos caps. 7,1–8,3 é analisar
os componentes do conflito social que se encontram emaranhados no relato testemunhal
do profeta.
95
Analisaremos esse conceito de forma mais detalhada no terceiro capítulo desta pesquisa.
96
Luis Alonso Schökel, Profetas I: Isaías, Jeremias, São Paulo, Paulinas, 1988, p. 426-427.
58
1.3.1. O dilema literário do “discurso do templo” nos caps. 7,1–8,3
Procuraremos nesta etapa da pesquisa investigar alguns aspectos preliminares
que envolvem o polêmico livro de Jeremias, em especial, o dilema literário do chamado
“discurso do templo” (Jr 7,1–8,3), apresentando uma breve história da pesquisa a fim de
sugerirmos alguns parâmetros norteadores ao nosso trabalho que contribuirão, ainda que
provisoriamente, para a identificação do estilo e autenticidade das palavras escritas
nessa unidade, como também para contextualizar nossa análise dentro do âmbito da
atual pesquisa acadêmica.
A pesquisa atual tende, de modo geral, a sustentar que esses capítulos têm o
estilo de sermão escrito em um tipo de prosa hebraica muito similar ao da história
deuteronomista (Josué – 2 Reis) e Deuteronômio. Vejamos, então, como alguns
pesquisadores lidam com essas questões de suma importância para o entendimento do
livro de Jeremias.
97
Bernhard Duhm, Das Buch Jeremia, KHC 11, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1901, 391 p.
98
Sigmund Mowinckel, Zur Komposition des Buches Jeremia, Kristiania, J. Dybwad, 1914, 68 p. Veja
um breve resumo sobre este período da pesquisa em Otto Eissfeldt, The Prophetic Literature, em H. H.
Rowley (ed.), The Old Testament and Modern Study: A Generation Of Discovery and Research, Oxford,
Clarendon, 1951, p. 151-153.
59
A despeito de alegar que apenas os materiais poéticos tivessem a sua origem em
Jeremias, Duhm atribuía poucos de seus versos ao próprio profeta. Em relação à prosa,
considerava somente a carta aos exilados, no capítulo 29, como originária de Jeremias.
Baseado no comentário de Duhm, Mowinckel em 1914 propôs a existência de três
fontes diferentes na obra de Jeremias. A primeira, denominada fonte A, seria composta
por oráculos originais de Jeremias utilizados na proclamação pública e disponibilizados
em estilo poético sem a presença de material introdutório ou fórmulas conclusivas. Tal
material dispunha-se ao longo dos capítulos 1–25 entre passagens em prosa.
A segunda fonte, tipo B, dispõe de material histórico e pessoal em estilo
biográfico. A maior parcela do material tipo B, segundo Mowinckel, encontra-se entre
os capítulos 26–29 e 34–45, onde se constata uma variedade de detalhes circunstanciais
introduzidos por dados cronológicos e escritos na terceira pessoa. A princípio,
Mowinckel não atribuía a autoria desse material a Baruque, e sim a um grupo que
sobreviveu à morte do profeta no Egito, por volta dos anos 550-450 a.C. Para
Mowinckel, Baruque seria simplesmente um escriba sem nenhum envolvimento direto
nas atividades do profeta. No entanto, após alguns anos, o autor reviu sua posição, e
admitiu a notável contribuição de Baruque para a composição do livro de Jeremias. 99
A terceira fonte, intitulada C, revela discursos em prosa, num estilo retórico
repetitivo e prolixo, acompanhados de diversas expressões estereotipadas. Esse material
tem sido responsável por um dos maiores dilemas críticos acerca do livro de Jeremias (a
unidade dos caps. 7,1–8,3 encontra-se dentro desse material). Mowinckel não vê sua
origem em Jeremias, mas sim em redatores e editores posteriores. Esse material, que
apresenta certa similaridade com a linguagem do deuteronômio, por isso chamada de
prosa deuteronômica ou deuteronomista, está espalhada ao longo da obra de Jeremias,
em alguns momentos introduzindo as seções poéticas (nos capítulos 1–25 e 30–33), em
outros, colocados entre seções bibliográficas (caps. 27; 29,16-20; 32,17-44; 34,12-22;
35,12-17). Mais tarde, Mowinckel falou de três camadas de tradição, em vez de três
fontes literárias distintas. 100
99
Veja Sigmund Mowinckel, Prophecy and Tradition: The Prophetic Books in the Light of the Study of
the Growth and History of the Tradition, Oslo, I Kommisjon Hos Jakob Dybwad, 1946, p. 61-63. Confira
também uma síntese acerca da variedade de opiniões sobre a composição da fonte B e seu valor histórico
em J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, p.
38-43; William Lee Holladay, A Fresh Look at “Source B” and “Source C” in Jeremiah, em Vetus
testamentum, Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 25, n. 2a, 1975, p. 394-412.
100
Sigmund Mowinckel, Prophecy and Tradition: The Prophetic Books in the Light of the Study of the
Growth and History of the Tradition, p. 61-63.
60
A obra de Mowinckel vem influenciando a pesquisa moderna desde então. No
entanto, tal aceitação não pôde ofuscar as críticas a seu trabalho, sobretudo, em relação
às fontes B e C. Deixaremos de lado a questão da fonte B, pois extrapola o escopo de
nossa pesquisa. 101 Quanto à fonte A, pouco tem sido contestada pelos pesquisadores;
geralmente é aceita como material genuíno do profeta 102 – embora pairem algumas
suspeitas quanto à designação de alguns trechos ao profeta ou até mesmo quanto à
possibilidade de se recuperar ou conhecer Jeremias por meio dos escritos contidos no
livro. 103
Além disso, a hipótese de Duhm baseada em um único padrão de acento tônico
para definir os oráculos autênticos de Jeremias é de difícil aceitação, visto que o profeta
parece não estar limitado poeticamente e faz uso de grande diversidade de acentos
tônicos em seus oráculos poéticos. Jeremias não pode ser colocado numa camisa de
força literária, como se tivesse sido capaz de produzir versos só num único ritmo
poético. Nosso profeta era versátil e livre para proclamar sua mensagem. Contudo, isso
não inviabiliza a hipótese da existência de material poético anônimo posterior que
delineou a forma final do livro. 104
A fonte classificada por Mowinckel como C estaria disposta, segundo ele, como
sermões em prosa no estilo deuteronomista e com ênfase no Deuteronômio, e apresenta
uma longa história de transmissão, que teria iniciado logo depois da morte do profeta
até que todo o material fosse recolhido como um livro completo.105 Devido à
complexidade do livro de Jeremias, diversas hipóteses foram formuladas em relação ao
processo de compilação e de composição da obra.
101
Veja uma boa discussão sobre esse assunto em J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New
International Commentary on the Old Testament, p. 38-43.
102
Veja Carolyn J. Sharp, Prophecy and Ideology in Jeremiah: Struggles for authority in Deutero-
Jeremianic Prose, London/New York, T&T Clark, 2003, p. 1.
103
Uma exceção quanto à atribuição da fonte A a Jeremias está no trabalho de Robert P. Carroll, Arguing
About Jeremiah: Recent Studies and the Nature of a Prophetic Book, em J. A. Emerton (ed.) Congress
Volume, Leuven 1989, Leiden: Brill, 1991, p. 222-235. Em seu comentário de Jeremias, Carroll procura
não levar em conta o que podemos conhecer ou recuperar do profeta em si. Para ele o material
deuteronômico se impõe sobre a poesia; dessa forma, o material prosaico passa a ser decisivo e
determinante, sendo entendido como a intencionalidade primária do livro em sua forma final. Tal
proposta minimiza o interesse na pessoa do profeta destacando que o livro é uma poderosa declaração
ideológica que faz uso da herança do profeta, a quem não podemos ter acesso direto. Veja Robert P.
Carroll, Jeremiah: A Commentary, Philadelphia, Westminster, 1986, 874 p.
104
Deixaremos de lado em nossa discussão as questões que envolvem a natureza das “confissões de
Jeremias”, atestada por Mowinckel como material autêntico tipo A, por não estar dentro dos limites de
nossa pesquisa. Veja uma breve discussão sobre esse assunto em J. A. Thompson, The Book of Jeremiah.
The New International Commentary on the Old Testament, p. 38.
105
Sigmund Mowinckel, Prophecy and Tradition: The Prophetic Books in the Light of the Study of the
Growth and History of the Tradition, p. 62-63.
61
Muitos pesquisadores adotaram posições diferentes quanto ao relacionamento
histórico dos materiais poéticos A com os sermões prosaicos C. Um debate interminável
cerca o tema da extensão da redação deuteronomista no livro. Alguns enfatizam a
similaridade entre o material do tipo C e a linguagem deuteronomista. Todavia, o
material do tipo C tem vocabulário e expressões estilísticas que não somente contrastam
com a linguagem deuteronomista, como também são próprios de Jeremias. Ademais,
algumas características do material tipo C estão presentes no material tipo A (os
oráculos proféticos e poéticos). Essas diferenças na linguagem abrem caminho para
várias abordagens interpretativas, bem como para diversas possibilidades de reconstruir
o “Jeremias histórico”. 106
Sendo assim, a pesquisa moderna desenvolveu um grande leque de propostas a
fim de lidar com a questão da composição do texto de Jeremias. 107 Pelo menos três
modelos interpretativos foram desenvolvidos dentro do extenso universo de pesquisa
acerca do material prosaico C em Jeremias. São eles: o “modelo de uma coleção
rolante” 108,.na qual a poesia produz o comentário prosaico num processo não
sistematizado, o “modelo da redação sistemática radical” 109; e o “modelo histórico
simples” 110, complementado por esporádicos acréscimos redacionais. A seguir,
procuraremos sintetizar as ideias principais de algumas obras que fazem parte do
universo de modelos interpretativos no estudo do livro de Jeremias.
106
Para uma amostra recente das diferentes abordagens, veja os artigos em A. R. Pete Diamond; Kathlen
M. O’Connor; Louis Stulman (eds.), Troubling Jeremiah, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, 463 p.
107
Confira as teorias de composição de Jeremias em Benjamin D. Sommer, New Light on the
Composition of Jeremiah, em Catholic Biblical Quarterly, Washington, Catholic Biblical Association of
America, vol. 61, n. 4, 1999, p. 646-666. Também uma lista de estudos recentes sobre o livro de Jeremias
em Bernhard Lang (ed.), International Review of Biblical Studies, Leiden/Boston, Brill, vol. 55, 2010, p.
107-112.
108
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah: Introduction and Commentary
on Jeremiah i-xxv, Edinburgh, T&T Clark, vol. 1, 1986, 658 p.
109
Winfried Thiel, Die deuteronomistische Redaktion von Jeremia 1–25, Neukirchen-Vluyn,
Neukirchener Verlag, 1973, 331 p. Também do mesmo autor Die deuteronomistische Redaktion von
Jeremia 26–45, Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1981, 138 p. Assim como Ernest W.
Nicholson, Preaching to the Exiles: A Study of the Prose Tradition in the Book of Jeremiah, New York,
Schocken, 1970, 154 p. Também Karl Friedrich Pohlmann, Studien zum Jeremiabuch: Ein Beitrag zur
Frage nach der Entstehung des Jeremiabuches, FRLANT 118, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht,
1978, 229 p. E por fim, Christopher Seitz, Theology in Conflict: Reaction to the Exile in the Book of
Jeremiah, Beihefte zur Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft 176, Berlin, de Gruyter, 1989,
329 p.
110
John Bright, The Date of the Prose Sermons of Jeremiah, em Journal of Biblical Literature, Atlanta,
Society of Biblical Literature, vol. 70, n. 1, 1951, p. 15–35.Veja Helga Weippert, Die Prosareden des
Jeremiabuches, BZAW 132, Berlin, de Gruyter, 1973, 256 p., também J. A. Thompson, The Book of
Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, 819 p., bem como William Lee
Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah, Chapters 1-
25, Philadelphia, Fortress Press, 1986, 707 p.
62
1.3.2.2. Hyatt e Bright
Começamos nossa investigação no ano de 1958, quando James Philip Hyatt
apresentou um quadro introdutório à vida e aos tempos de Jeremias. 111 Sua obra, com
forte apelo teológico, tinha como alvo oferecer uma abordagem mais clara e profícua do
livro do profeta. Hyatt abre seu estudo destacando, de forma convincente, que os
profetas não eram “fantoches nas mãos de uma divindade arbitrária”, mas sim “homens
de verdade falando a pessoas reais sobre problemas reais”. De forma suscinta, ele
descreve o ambiente histórico dos tempos de Jeremias. Em seguida, volta-se ao início da
vida e mensagem do profeta, bem como às diversas questões relacionadas à origem e à
composição do livro.
No entanto, as informações oferecidas por Hyatt sobre esses quesitos são breves.
Por isso, ele nos remete à introdução exegética de Jeremias na série Interpreter’s Bible,
vol. V, onde são apresentadas as bases de seu pensamento. Hyatt presume, a meu ver, de
maneira equivocada, que Jeremias não deu início a seu ministério profético no ano de
627/626 a.C., como é comumente aceito, mas em 609 a.C. A vocação profética de
Jeremias, segundo ele, deu-se ou na época final do reinado de Josias, ou no início do
reinado de Jeoaquim.
Para Hyatt, a primeira aparição pública de Jeremias como profeta foi durante seu
famoso “discurso do templo” (Jr 7,1-15; 26), proclamado na época da ascensão do rei
Jeoaquim ao trono de Judá, no outono de 609 a.C. Esse autor também ressalta a
dramaticidade e a coragem do profeta no começo de seu ministério. Qualidades que,
conforme ele, são caracterizadas pelo uso de parábolas e por sua postura em relação à
Babilônia, vista como instrumento de Javé pelo profeta.
Ao longo da obra, Hyatt também ressalta o papel teológico do profeta. Jeremias
não é retratado como pensador sistemático, não obstante fosse teólogo. Sua experiência
e mensagens destacavam a natureza da verdadeira religião, que seria espiritual e
pessoal. Para Jeremias, Javé tinha em suas mãos o poder soberano e o amor perdoador.
Ele agiria de acordo com tal poder na história e na natureza, sendo que no final seus
bons propósitos não seriam contrariados.
Hyatt também destaca que Jeremias não tinha uma postura negativa em relação à
natureza humana, antes, se embasava numa posição realista. Por sua natureza, o homem
deveria servir a Javé por gratidão, mas Jeremias observou que o homem não obedecera
a Deus e, na “teimosia de seu coração mal”, distanciou-se dele pelo pecado. A salvação
111
James Philip Hyatt, Jeremiah, New York, Abingdon Press, 1958, 128 p.
63
somente se daria por meio do arrependimento que, segundo Jeremias, seria “uma
experiência radical e profunda”. Jeremias era também um profeta da esperança, um
avaliador realista da situação humana, um homem com fé nos propósitos divinos e com
“confiança na capacidade dos homens em obedecer a Deus”.
Essa breve introdução ao livro de Jeremias, embora tenha uma intenção
predominantemente teológica e apresente algumas incoerências quanto a eventos na
vida de Jeremias, é de grande importância para nossa pesquisa por sugerir uma ligação
entre a mensagem profética de Jeremias e os fatos e questões reais concernentes a dado
momento histórico.
Outra obra que merece atenção é a de John Bright. O referido autor contribuiu
com diversos artigos importantes. Em um deles, no ano de 1951, empenhou-se em
atribuir a maior parte do discurso em prosa aos discursos originais de Jeremias. 112
Bright realizou uma pesquisa detalhada sobre as expressões presentes na prosa de
Jeremias e chegou à conclusão de que, embora houvesse muitas similaridades tanto em
ideias quanto em estilo entre a prosa de Jeremias, o Deuteronômio e as histórias
deuteronomistas, existiam também muitos pontos divergentes. Por isso, Bright
sustentou que seria muito arriscado admitir qualquer ligação entre a prosa de Jeremias e
os padrões deuteronômicos. 113
Para ele, a prosa de Jeremias se apresentaria num estilo muito parecido ao dos
escritos deuteronômicos, contudo, não poderia ser classificada como imitação. Antes,
seria um dos modelos da prosa retórica do final do sétimo e início do sexto século em
Judá. 114 Tal abordagem não minimizaria a influência do Deuteronômio em Jeremias e
sua geração, todavia chamaria a atenção ao fato de se explicar todas as semelhanças em
termos de dependência literária. 115
Em 1965, sua obra publicada na série Anchor Bible exibia uma introdução
acompanhada por tradução, notas e um pequeno comentário. No prefácio, o autor
informava que a finalidade da obra não era oferecer um comentário do livro de
Jeremias. Antes, tinha o propósito de prover uma tradução mais compreensível para os
que não tinham conhecimento básico do hebraico ou da Bíblia. As notas no texto não
112
J. Bright, The Date of the Prose Sermons of Jeremiah, p. 15-35.
113
Idem, p. 26.
114
W. O. E. Oesterley; T. H. Robinson, Introduction to the Books of the Old Testament, London, SPCK,
1934, p. 304.
115
J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, p.
44.
64
tinham a pretensão de fornecer um comentário exaustivo; seu objetivo primordial era
simplesmente justificar a tradução quando necessário.
A tradução é precedida por uma introdução muito extensa. Nela se destacam
assuntos sobre o profetismo em geral, a história da época de Jeremias, a origem e a
composição da obra, sua mensagem, texto e tradução. Além disso, Bright procura tratar
da questão da prosa e das peculiaridades da poesia hebraica. 116 No entanto, ele mesmo
admite que nunca antes havia traduzido poesia para o inglêss e se mostrou insatisfeito
quanto a algumas de suas traduções.
Em relação ao livro e à vida de Jeremias, Bright sustenta que o profeta
concordou com a reforma josiânica, mas em seguida reconheceu que ela não fora capaz
de promover uma mudança duradoura em Judá. E acrescenta ainda que “é quase
impensável que Jeremias tenha se oposto ao esforço de Josias de livrar a terra do
paganismo contra o qual ele havia pregado com grande veemência, ou se oposto à
tentativa do rei de reavivar a teologia da antiga aliança mosaica em que o jovem profeta
tinha presumivelmente sido nutrido”. 117
Três blocos de material literário, segundo Bright, fazem parte da origem do
livro: caps. 1–25, o rolo básico elaborado no ano 605; caps. 46–51, uma coleção
separada dos oráculos contra as nações; caps. 30–31, talvez 32–33 também, a
mensagem de esperança de Jeremias. Entre esses três blocos se encontra o material
biográfico principalmente a partir dos caps. 26–29 e 34–45, atribuído em grande parte a
Baruque e acréscimos posteriores espalhados por todo o livro. Porém, Bright não
acreditava que esses textos foram escritos muito depois dos dias do próprio Jeremias.
Para ele, tanto os discursos prosaicos como qualquer acontecimento no livro de
Jeremias não deveriam ser localizados no período posterior ao exílio. 118
Ao atribuir as várias perícopes a seu locus temporal, Bright forneceu importante
e persuasiva contribuição para o estudo da obra de Jeremias. Tal como a maioria dos
pesquisadores contemporâneos, ele foi influenciado pela obra de Sigmund Mowinckel
sobre a composição do Livro de Jeremias, mas não se manteve totalmente ligado a ela.
Em relação à fonte C, ele presumia que o estilo de prosa dos sermões pertencia ao estilo
da prosa da época de Jeremias. Além disso, admitiu que os esforços para a reconstrução
do rolo original referido em Jeremias 36 eram inúteis, e que o “Pequeno livro da
116
John Bright, Jeremiah, AB 21, p. CXXXV-CXXXVIII.
117
Idem, p. XCI. Veja nosso ponto de vista em relação a essa questão na página 26 de nossa pesquisa.
118
Idem, p. lxxxi.
65
Consolação” em Jeremias 30–31 pertencera ao período inicial do ministério de
Jeremias.
Ao longo de sua obra, como é possível observar, Bright faz uso da metodologia
da crítica histórica, essencial para uma boa análise exegética. Além do mais, é salutar
destacar sua preocupação com o leitor não especializado, pouco lembrado pelos
pesquisadores bíblicos atuais. Em sua exposição os termos técnicos são geralmente
evitados e, caso surjam, Bright tem o cuidado de explicar seu significado. A tradução é
acompanhada de notas textuais e filológicas e notas de rodapé, bem como pelo
comentário expositivo.
119
Helga Weippert, Die Prosareden des Jeremiabuches, 256 p.
120
Richard J. Coggins; Antony Phillips; Michael A. Knibb (eds.), Israel’s Prophetic Tradition: Essays in
honor of Peter of Ackroyd, Cambridge, Cambridge University Press, 1982, p. 1-11.
121
J. Bright, The Date of the Prose Sermons of Jeremiah, p. 15-35.
66
em Judá difundiu-se uma prosa litúrgica, um tipo de pregação exibida tanto em Jeremias
quanto no Deuteronômio. 122
Uma característica importante do argumento Weippert é que os sermões em
prosa faziam parte do estilo parenética de Jeremias de conclamar o povo ao
arrependimento. A desmetrificação da poesia tinha como objetivo estimular o retorno do
povo a Javé. Weippert alega que os deuteronomistas eram, portanto, dependentes de
Jeremias na forma de seus sermões. 123
Também no ano de 1973 sobressai a pesquisa de Winfried Thiel 124 que
objetivava descrever como foi agrupada a tradição de Jeremias no livro atual. O autor
procurou elucidar a questão da poesia e da prosa na tradição de Jeremias. Thiel
argumenta que a tradição original de Jeremias estava presente somente nas palavras
poéticas. As seções em prosa continham vozes do período do exílio, as quais faziam uso
da proclamação do profeta a fim de dar resposta à catástrofe de 587, supostamente
provocada por Javé devido aos pecados de Judá.
As seções prosaicas, portanto, seriam reflexões do pensamento exílico. A
pesquisa de Thiel tinha suas bases na crítica da redação. Seu intuito era mostrar como se
deu a edição e a revisão da tradição poética original de Jeremias durante o exílio e como
foi incorporada no que chamamos hoje de livro de Jeremias (exceto os caps. 46–52).
Pelo fato da crítica da redação fundamentar-se na crítica literária, encontram-se diversas
considerações envolvendo a crítica literária em sua pesquisa.
Thiel argumentou que os caps. 1–45 seriam divididos em duas partes, caps. 1–25
e 26–45, e sua forma final foi fruto da redação deuteronomista no exílio (fonte D). Mas
quem foram tais redatores permanece um enigma. O método utilizado pela crítica
literária com ênfase no estilo e terminologia parece atribuir a uma pessoa que escreve
com um estilo pessoal. Todavia, Thiel se refere a eles como “teólogos exílicos”. 125
Ao analisar Jeremias 1–25, Thiel argumenta que D coletou palavras de Jeremias
e as compôs em unidades editoriais (redaktionelle Einheiten) sob um tema unificador.
Nesse processo, em alguns casos, as palavras de Jeremias foram deixadas intactas; em
outros, foram revisadas, acrescentadas ou atualizadas de acordo com o interesse do
122
Artur Weiser, The Old Testament: Its Formation and Development, New York, Association Press,
1961, p. 217.
123
James L. Crenshaw, A Living Tradition. The Book of Jeremiah in Current Research, em
Interpretation, Richmond, Union Theological Seminary and Presbyterian School of Christian
Education/Union Theological Seminary in Virginia, vol. 37, n. 2, 1983, p. 120.
124
Winfried Thiel, Die deuteronomistische Redaktion von Jeremia 1–25, 331 p.
125
Idem, p. 166.
67
redator. Para Thiel, Jeremias 7,1–8,3 seria uma unidade editorial composta de quatro
partes, incluindo os materiais transmitidos (vv. 1-15, 16-20 e 21-29) e uma seção
conclusiva criada por D (Jr 7,30-8,3), a fim de demonstrar a escalada do pecado ao
castigo.
A análise de Thiel aponta para duas vertentes. Numa delas, o interesse recai num
princípio unificador em vez das unidades originais menores. Por outro lado, as coleções
maiores, juntamente com seus comentários editoriais e acréscimos em prosa, são
interpretadas como vozes da tradição exílica de Jeremias. Portanto, Thiel procurou
privilegiar uma redação deuteronômica em praticamente todos os capítulos.
Ele refutava os argumentos sobre incompatibilidades na linguagem entre a
coleção deuteronômica e a prosa em Jeremias alegando que, devido aos editores
deuteronomistas trabalharem com o material original de Jeremias, as peculiaridades de
estilo ou linguagem podiam ser vistas como jereminiânicas sem ameaçar a tese de
retrabalho deuteronomista. Na visão deuteronomista, o profeta seria aquele que
conclamava ao arrependimento e à submissão à vontade de Javé na Torá, ou melhor, no
Deuteronômio como interpretação autêntica do Decálogo. Dessa forma, para Thiel, a
prosa jeremiana refletia o trabalho dos redatores deuteronomistas.
No entanto, algumas questões devem ser ressaltadas quanto a seu esforço em
relação ao método de análise do estilo para identificar as diferentes camadas do texto. É
preciso ter em mente que as teorias desenvolvidas numa escrivaninha não são verdades
absolutas e não correspondem de forma inequívoca aos fatos. Além disso, é incoerente
atribuir a prosa de Jeremias a redatores deuteronomistas no exílio, os quais, segundo
Thiel, formularam-na para explicar a catástrofe de 587 a.C., pois antes mesmo do exílio,
principalmente durante o reinado de Jeoaquim, houve períodos de turbulência em que os
discursos em prosa de Jeremias poderiam ser localizados.
Na verdade, há indícios literários que nos auxiliam a atribuir a prosa ao próprio
Jeremias, e também evidências histórico-sociológicas que situam tal prosa no período
do reinado de Jeoaquim. 126 Sendo assim, as “unidades editoriais” não seria fruto de um
antigo escritor debruçado em sua escrivaninha alcunhado pelo pseudônimo D. Antes,
parece que seriam produto de uma situação real vivenciada pelo profeta e seus
contemporâneos.
126
Helga Weippert, Die Prosareden des Jeremiabuches, p. 233. Os discursos em prosa, com suas seções
parenéticas, fazem parte da proclamação de Jeremias.
68
Embora existam dificuldades em encontrar o “Jeremias histórico”, há obstáculos
ainda maiores à busca dos redatores posteriores que “criaram” o Jeremias. Pois, não há
evidências irrefutáveis acerca de tais personagens, além das alusões e inferências que
talvez possam ser detectadas no livro. Tampouco há qualquer indício externo de sua
existência ou de suas supostas atividades. Tais afirmações não contradizem sua
existência, mas servem como lembrete de que, se o próprio Jeremias está perdido nas
brumas da história, as nuvens são ainda mais densas quanto aos redatores posteriores. 127
1.3.2.4. Thompson
Os anos 80 foram frutíferos para a pesquisa de Jeremias. 128 O comentário de
Thompson, em 1980, apresenta insights interessantes sobre Jeremias e seu livro. 129 Ele
reconhece a data tradicional do chamado de Jeremias (627-626 a.C.), que presumo ser
adequada, e também aceita a tese de que Jeremias recebeu influências de Oseias. Além
do mais, fundamenta seu princípio exegético no conceito de que a palavra de Javé
proclamada em um dado momento poderia ganhar proeminência e se tornar diretriz para
pessoas em outras épocas.
As ideias de Jeremias não se esgotaram com ele, antes alcançaram os que
viveram depois dele. O autor se inclina para a hipótese de Nicholson 130 de que
pregadores estavam ativos entre os exilados proclamando a mensagem de Jeremias.
Mas, admite ter certa inclinação para a proposta de John Bright de que os sermões de
Jeremias deveriam ser atribuídos ao próprio profeta.
Influenciado por William Holladay e John Bright, ele assegura que os materiais
biográficos tiveram seu nascedouro nos autênticos acontecimentos históricos da vida de
Jeremias. Os sermões em prosa também se originaram de pronunciamentos realizados
pelo próprio profeta que atingiram sua forma final em determinado momento que exigia
um prosseguimento das ênfases teológicas de Jeremias. Eles seriam, portanto, um
desenvolvimento homilético e exegético de ditos originais do profeta ou de certos
aspectos de seu ensinamento.
127
Peter C. Craigie, Page H. Kelley; Joel F. Drinkard, Word Biblical Commentary: Jeremiah 1-25, p.
xxxviii.
128
Veja Walter Brueggemann, Jeremiah Intense Criticism/Thin Interpretation, em Interpretation,
Richmond, Union Theological Seminary and Presbyterian School of Christian Education/Union
Theological Seminary in Virginia, vol. 42, n. 3, 1988, p. 268-280.
129
J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament,
819 p.
130
E. W. Nicholson, Preaching to the Exiles: A Study of the Prose Tradition in the Book of Jeremiah, p.
32.
69
Thompson deixa em aberto a questão da composição do livro. Ele se refere aos
pregadores como “deuteronomistas” ou como amigos íntimos ou sucessores de
Jeremias. Porém, afirma que eles seriam herdeiros e reutilizadores de uma tradição
exegética e homilética. Portanto, seriam capazes de preservar a história e a pregação
original de Jeremias (um exercício histórico) e demonstrar a relevância de sua pregação
nas décadas que se seguiram a sua morte (um exercício homilético e exegético).
Thompson, por um lado, reconheceu que o material literário sofreu acréscimos na
transmissão, tais como glosas e alguma reformulação editorial. Por outro, admitiu que
os materiais prosaicos não poderiam ser considerados ipsissima verba de Jeremias, mas
a mensagem essencial permaneceu a mesma.
131
Robert P. Carroll, Jeremiah: A Commentary, 1986, 874 p.
132
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah: Introduction and Commentary
on Jeremiah i-xxv, vol. 1, p. i-xxv.
133
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1-25, 707 p.
134
Ronald Ernest Clements, Jeremiah. Interpretation. A Bible Commentary for Teaching and Preaching,
276 p.
135
Confira detalhes sobre estas obras em Robert P. Carroll, Radical Clashes of will and Style: Recent
Commentary Writing on the Book of Jeremiah, em Journal for the Study of the Old Testament,
London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield, n. 45, 1989, p. 99-114.
136
Veja acerca das teorias sobre a composição e compilação do livro de Jeremias em S. Jonathan Murphy,
The Quest for the Structure of the Book of Jeremiah, p. 306-318.
137
Helga Weippert, Die Prosareden des Jeremiabuches, 256 p.
138
John Bright, Jeremiah, AB 21, 307 p.
139
William L. Holladay, The Years of Jeremiah’s Preaching, em Interpretation, Richmond, Union
Theological Seminary and Presbyterian School of Christian Education/Union Theological Seminary in
Virginia, vol. 37, n. 2, 1983, p. 146-159.
70
caps. 26–52) 140, sendo que os assuntos introdutórios e os índices foram dispostos no
segundo volume. Por conta disso, os questionamentos mais críticos do livro, tais como a
cronologia do profeta e a história literária do livro, quase não foram mencionadas. Na
breve introdução do primeiro volume foi publicado somente um pequeno levantamento
da cronologia do profeta antes de se começar a análise dos textos. 141
Em sua estrutura interna, a obra é dimensionada de acordo com as pequenas
unidades literárias. Na análise de cada unidade, o autor apresenta uma breve
bibliografia, uma tradução do próprio autor, notas sobre problemas textuais, uma breve
discussão da forma da unidade, uma interpretação do material e uma pequena discussão
sobre o propósito da unidade. As notas textuais são interessantes, pois o autor não
somente aponta as diferenças entre as antigas tradições textuais, como também
apresenta uma breve exposição a respeito do porquê elas são diferentes. Além disso, o
empenho linguístico do autor é evidente em suas discussões sobre a estrutura literária
das unidades individuais. O conjunto do material é amarrado nas importantes
declarações finais do autor.
O destaque maior no primeiro comentário diz respeito à cronologia do ministério
profético de Jeremias e o cenário de suas palavras. Holladay afirma que a passagem
situada em Jeremias 1,2, normalmente datada no ano de 627 a.C., não remonta ao
momento em que o profeta recebeu sua vocação pela primeira vez, mas sim ao ano de
seu nascimento. Além disso, argumenta com base em Dt 31,9-13 que o Deuteronômio
era promulgado publicamente a cada sete anos, na festa dos tabernáculos, começando no
ano de 622, quando foi redescoberto o Deuteronômio. Holladay, portanto, remete a
reconstrução da vida de Jeremias a períodos datados nos meses de outono dos anos de
615, 608, 601, 594 e 587 a.C.
Segundo ele, Jeremias recebeu seu chamamento em 615, quando tinha doze
anos, na primeira leitura do Deuteronômio. Dentro dessa perspectiva, Holladay se
dispõe a datar os ditos do profeta e a estabelecer suas condições. Tal teoria parece
solucionar uma grande dificuldade do livro de Jeremias, porquanto supostamente o livro
não parece remeter nenhum dos oráculos do profeta ao período de Josias (609). Se de
fato Jeremias tivesse nascido em 627, ele realmente não teria profetizado no período de
140
Veja William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, 707 p. Também William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 2: A
Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah, Chapters 26–52, Minneapolis, Fortress Press, 1989,
541 p.
141
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 1-10.
71
Josias, uma vez que seria uma criança. No entanto, temos uma proposta que
presumimos ser mais consistente, a qual assegura o chamado do profeta no ano de 627 e
explica de forma mais coerente seu silêncio durante esse período. 142
No desenvolvimento de sua obra, Holladay afirma que Jeremias recebeu seu
chamado ainda no ventre de sua mãe, e ressalta que o profeta se via como Moisés, que
fora separado durante a infância. Portanto, para Holladay, na porção de Jeremias 1,2
transparece a datação presumida do chamado de Jeremias, isto é, enquanto estava no
útero, mas não a provável data em que ouvira o chamado, com a idade de 12 anos em
615 a.C. No entanto, em nossa pesquisa, inclino-me para a hipótese de que a passagem
de Jeremias 1,2 retrata a data em que Jeremias ouviu seu chamado – ou seja, indica que
Jeremias era um adolescente em 627.
Algumas soluções apresentadas por Holladay em sua obra nos auxiliam na
resolução de diversos problemas referentes à pesquisa crítica de Jeremias. Nas
discussões de textos individuais, Holladay contribui para a solução de um problema até
então complicado (a estrutura do livro e sua relação com a vida do profeta) e lança luz
sobre os textos colocando-os em situações históricas.
Essa é uma bela obra em que todos os aspectos dos textos (textual, estrutural,
histórico e interpretativo) são tratados em detalhe. Além disso, é de grande relevância
seu ceticismo acerca da hipotética “redação deuteronomista” na formação da obra de
Jeremias. 143 No entanto, discordo de algumas de suas datações e da ideia de cristianizar
Jeremias. Em alguns momentos ele procura relacionar as passagens em Jeremias com o
Novo Testamento e, em particular, com a vida de Jesus. Ao fazê-lo, retira os holofotes
do profeta reduzindo-o a mero coadjuvante na história. Postura essa que Jeremias não
tinha em seu tempo; antes, era um grande protagonista, um mensageiro de Javé, no meio
de uma geração corrupta.
Assim, a proposta de Holladay foca-se na historicidade da obra e maximiza o
papel do profeta na composição e compilação do livro. Holladay atribui a Jeremias não
somente a poesia, mas também os sermões e as narrativas em prosa, as quais
registravam com exatidão os atos e palavras do profeta, embora reconhecesse o trabalho
142
Veja Ernest Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, 2007, p. 550-553. Hipótese
assumida em nosso trabalho.
143
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 240.
72
de editores em muitos momentos. 144 A ênfase da pesquisa recai sobre a pessoa, vida,
ministério e discurso de Jeremias. Portanto, sua hipótese gira em torno das questões
históricas e intenta uma combinação entre o texto e o contexto em que ele
provavelmente foi proferido. O comentário de Holladay oferece grande suporte para
nossa pesquisa em relação a esse quesito.
Outro autor que merece nossa atenção é Robert P. Carroll. Em seu comentário
(1986) ele privilegia a análise redacional de Jeremias e segue em direção oposta a
Holladay procurando derrubar sua tese. Nessa obra, Carroll desenvolve uma
interpretação dos vários níveis de tradição presentes no livro de Jeremias. 145 O enfoque
central de sua pesquisa recai sobre a organização redacional do livro, em vez de uma
leitura narrativa autobiográfica e histórica. Ele assegura que o “Jeremias histórico” foi
ofuscado pela atividade dos redatores e níveis de tradição que formularam as palavras e
a história de Jeremias muito depois da época do profeta. 146
A proposta de Carroll relança uma edição deuteronômica do livro no período
exílico na Babilônia. Influenciado por Thiel, Carroll considera o atual livro de Jeremias
como uma obra redigida deliberadamente pelos deuteronomistas depois da morte de
Jeremias no século VI a.C. A história de Jeremias que eles contaram seria de sua própria
autoria imaginativa. Eles a utilizaram como uma estrutura para os oráculos poéticos e
lamentos, embora nenhum deles possa ser atribuído seguramente ao próprio Jeremias.
Essa obra redacional faz uso de materiais existentes desde a época de Jeremias, os quais
foram reformulados para atender os anseios religiosos da comunidade exílica. Para
Carroll, qualquer tentativa de encontrar o “Jeremias histórico” seria uma tarefa inútil.147
Segundo ele, o livro não teria o propósito de fornecer informações sobre o Jeremias
histórico e qualquer esforço nesse sentido seria tentativa infrutífera.
No conteúdo da obra, os capítulos 1–25, geralmente aceitos como palavras
autênticas de Jeremias, são considerados como capítulos anônimos com muitas fontes e
palavras colocadas na boca do profeta. As confissões de Jeremias representariam
lamentos ficcionais, anônimos ou comunais. E a carta de Jeremias aos exilados na
144
Confira também William Lee Holladay, Prototype and Copies: a New Approach to the Poetry-Prose
Problem in The Book of Jeremiah, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical
Literature, vol. 79, n. 4 D, 1960, p. 351-367.
145
Robert P. Carroll, Jeremiah: A Commentary, p. 57.
146
Idem, p. 48.
147
Confira Peter R. Ackroyd, The Book of Jeremiah – Some Recent Studies, em Journal for Study of the
Old Testament, London, Sage Publications/University of Sheffield, vol. 28F, 1984, p. 47-59.
73
Babilônia, no cap. 29, bem como a maior parte dos capítulos 30–31, são vistos como
materiais inautênticos.
Além disso, a compra de terras por Jeremias (cap. 32) não poderia ser aceita
como evento histórico, nem a libertação dos escravos (cap. 34). O capítulo 35 é
retratado como história fabricada, e o cap. 36, como exemplo da arte do contador de
histórias. Por fim, Carroll assegura que o assassinato de Gedalias contém certa falta de
realismo, e também acrescenta que não há razão para supor que o cap. 44 represente um
autêntico discurso de Jeremias, nem tampouco que os capítulos 46–51 contenham as
palavras do próprio profeta. 148
Embora negue a presença do profeta histórico no livro de Jeremias, Carroll, no
entanto, tal como Holladay, inclina-se a estabelecer a datação procurando pelo material
antigo, o recente, o “autêntico” e o “não-autêntico”. A diferença é que, enquanto
Holladay propunha recuperar o “Jeremias histórico”, Carroll, por sua vez, retrata o
“Jeremias deuteronômico”. A abordagem de Carroll também salienta o aspecto histórico
do texto, mantendo o princípio de que a localização histórica forneceria a pista decisiva
para a intenção literária.
A questão de deslocar a análise do “Jeremias histórico” para o “Jeremias
deuteronômico” seria uma incongruência, pois, embora existam dificuldades em
encontrar o “Jeremias histórico”, há obstáculos ainda maiores na busca pelos redatores
posteriores que “criaram” o Jeremias. Não contamos com nenhuma evidência explícita
acerca deles, além das alusões e inferências que talvez possam ser detectadas no livro.
Tampouco há qualquer registro externo de sua existência ou suas supostas atividades.
Além disso, se Carroll estivesse correto em sua análise de Jeremias, qual seria o
valor real do estudo de um livro que é basicamente a fabricação de redatores
posteriores? Podemos tirar lições válidas de uma história que não seria
fundamentalmente uma história? Presumo que toda especulação imaginativa sem o
conhecimento factual não é erudição autêntica. Nesse ponto prefiro caminhar de acordo
com a proposta do “Jeremias histórico”.
Outro comentário que precisamos abordar é o de William Mckane (1986). Nele
o autor prioriza a exegese rabínica clássica; oferece informações detalhadas para
aqueles que têm muita paciência para conferi-las. Ao criticar os pesquisadores de
Jeremias, McKane admite que Weippert empreendera numa tarefa inútil e pouco
148
Veja respectivamente as seguintes páginas da obra de Robert P. Carroll, Jeremiah: A Commentary, p.
47, 59, 278, 567, 569, 621, 647, 656, 666, 708, 732.
74
proveitosa de relacionar a prosa com a pessoa de Jeremias, e que a proposta de Thiel
referente à edição deuteronômica era inconsistente e reducionista.
Mckane era cético em relação a todas as tentativas de estabelecer o preciso pano
de fundo histórico dos oráculos. Sua obra apresenta uma breve introdução para cada
perícope, seguida de tradução, comentários e notas textuais. McKane começa com a
tradução da perícope, mas logo suas ideias se perdem em uma única discussão. Uma vez
que as notas de texto crítico são extensas, é muito fácil se perder na trama de sua
exegese.
Partindo do pressuposto de que o texto mais curto da Septuaginta representa um
texto hebraico original, ele sugere que o presente Texto Massorético seria o resultado de
um processo complicado que continha diversas expansões e adições. McKane não
estava interessado em reconstruir o texto original, mas sim em explicar sempre que
possível o processo de composição que deu origem ao atual texto hebraico
(Massorético).
Diante disso, Mckane propôs a teoria do corpus rolante, na qual afirma que os
textos foram manipulados, transmitidos e repetidamente reformulados para se manterem
vivos. 149 Ele argumenta que a forma atual do livro não se deu como resultado de uma
redação única e planejada, ou mesmo uma série de redações, mas sim como um
processo gradual de crescimento em que “pequenos pedaços de textos pré-existentes
desencadearam exegese ou comentário”. 150 O pressuposto é que muitas pessoas
contribuíram para esse “processo” durante um longo tempo.
A poesia e a prosa motivaram tais acréscimos. Entre as duas, “a pequena poesia”
seria “o centro do interesse exegético”, sendo que a “poesia gera prosa”, e a primeira
seria atribuída principalmente ao próprio Jeremias. Por outro lado, se “prosa gera prosa”
não seria necessariamente o caso que o “núcleo” nos desse “acesso ao período do
profeta Jeremias e preservasse o sentido das palavras que ele falou”, deixando de lado
sua ipsissima verba. O que McKane pretende é identificar o núcleo do texto hebraico,
seja ou não um núcleo jeremianico, que deu origem ao acréscimo interpretativo. Seu
posicionamento se concentra na prosa como parte integrante de um corpus, tendo uma
relação com as características especiais do corpus. 151
149
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah: Introduction and Commentary
on Jeremiah i-xxv, vol. 1, p. I-Iiii.
150
Idem, p. lxxxiii.
151
Confira respectivamente as seguintes páginas de Idem, p. lxxxvii, lxxxiii, liii, 504.
75
O processo de crescimento do livro teve “um caráter fragmentado”, implicando
em “uma acumulação complicada e desordenada de material”. O resultado é que não se
deveria esperar coerência ou unidade a partir do produto final. Embora Mckane não
hesite em corrigir o texto, por exemplo, com base em evidências das versões e
comentaristas antigos, ele sustenta que é necessário “tolerar” a desigualdade e não ter
“elevadas expectativas lógicas” do texto. 152
Mckane não apresenta uma teoria elaborada acerca da composição do livro,
contentando-se apenas em trabalhar com um texto de cada vez. Sua obra é bastante
truncada e exige um grande esforço por parte do leitor que deseja enveredar pelas trilhas
de seus argumentos. Além disso, o formato da obra a torna como uma montanha quase
intransponível, e sua propensão em evitar julgamentos interpretativos ofusca a certeza
do que o autor acha acerca do texto.
Logo, presumo que os maiores equívocos de Mckane residem em seu ceticismo
quanto ao cenário histórico das passagens, na ausência de uma estrutura global nos
capítulos 1–25, e no fato de desenvolver um tratamento atomístico nas unidades textuais
por conta de seu afastamento do aspecto histórico e sociológico das palavras do profeta.
Tal abordagem favorece uma perspectiva de natureza extremamente compósita e
fragmentária da obra de Jeremias, além de menosprezar as motivações para o grande
processo autoral e editorial. 153
O comentário de Clements, publicado em 1988, apresenta uma proposta crítica
canônica; sustenta que os assuntos históricos estão subordinados à forma canônica final
da obra. Essa linha de pensamento estabelece que o Jeremias histórico foi reelaborado
pelo Jeremias deuteronômico. A proposta histórica, portanto, dá espaço à discussão
teológica final do livro. A proposta teológica canônica dita o rumo da forma final da
obra. Assim, Clements procura realizar uma interpretação que ultrapassa os limites
críticos convencionais concentrando-se nos assuntos de cunho teológico.
A questão que permearia essa obra seria a seguinte: qual o significado das
palavras de Jeremias para seus primeiros ouvintes em Jerusalém e também para os
leitores exílicos? As chamadas “confissões de Jeremias” serviram de esteio para a
hipótese de Clements. Conforme o autor, elas tiveram suas origens no próprio Jeremias
em seu afã de entender a vontade de Javé. Dessa forma, ele antecipou o sentimento e
152
Veja respectivamente as seguintes páginas de Idem, p. lxxxi, xlviii, 1, 263, 409, 584, 593.
153
Cf. David L. Petersen, Late Israelite Prophecy: Studies in Deutero-Prophetic Literature and in
Chronicles, Missoula, Scholars Press, 1977, p. 32-33.
76
experiências dos judeus no exílio que encontraram em suas palavras uma identificação
com sua própria situação vivencial. Os exilados podiam se identificar com as palavras
do profeta.
Ele analisa o Livro de Jeremias e todas as suas partes a partir do que julgava ser
o objetivo maior do livro. Sem se prender às questões históricas que tanto preocuparam
Holladay e Carroll, Clements vê o livro como um estudo e meditação sobre a crise do
exílio, seu significado teológico, seus perigos e potencialidades pastorais. Segundo esse
autor, a questão da datação e autoria seria irrelevante diante de uma interpretação séria
do livro de Jeremias. 154 No entanto, o foco em questões tais como teodiceia, esperança e
soberania relaciona o texto somente com as questões de nosso tempo, em detrimento
das questões concernentes ao período do próprio profeta.
1.3.2.6. Craigie
Em 1991 foi publicado o comentário de Peter Craigie. Devido a sua morte
prematura em 1988, a obra foi concluída por três autores. Craigie elaborou a introdução
e o material sobre Jeremias 1,1–8,3, Kelley os capítulos 8–16, e Drinkard os capítulos
17–25. A introdução dá o tom do estudo que privilegia a análise histórica baseando-se
em dois pressupostos. Primeiramente, o de que o entendimento do livro se dá por meio
da disposição histórica original e, em segundo lugar, que tal entendimento é acessível ao
leitor.
Essa ideia implica respectivamente numa compreensão histórico-biográfica com
interesses históricos concernentes a datação, autoria e cenário no livro, bem como a
evidência do Jeremias histórico nos discursos prosaicos e poéticos. Embora o livro
contenha elementos biográficos, os autores insistem na ideia que a obra de Jeremias não
deveria ser tratada como uma biografia. Além disso, o autor acrescenta boas críticas da
analogia da busca pelo Jeremias e pelo Jesus históricos.
O destaque à autoria jeremiana do livro tem seu sustentáculo na hipótese de que
o processo de escrita da obra de Jeremias, ou seja, a transição da oralidade à habilidade
da escrita e leitura, deu-se num curto espaço de tempo. Logo o livro alcançou sua forma
atual, ou no final da vida do profeta ou, mais provavelmente, depois de sua morte por
154
Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture, Fortress Press, Philadelphia, 1979,
p. 345-354.
77
volta de 550 a.C., num processo que evidenciaria correspondência e continuidade em
vez de descontinuidade ou adaptação criativa. 155
Como em toda pesquisa moderna de Jeremias, Craigie faz uso das categorias de
material reconhecido por Duhm e Mowinckel. A fonte A se apresenta em forma de
oráculos poéticos autênticos do profeta. A fonte B, não pertencente a Jeremias 1–25,
teria sido compilada e acrescentada por Baruque ou um escriba posterior (ou escribas),
dentro da tradição de Baruque, comprometidos em relatar certos incidentes da vida do
profeta e da história de Judá. A fonte C, a mais polêmica na interpretação do livro de
Jeremias, é tratada tal como Bright e Weippert, que defenderam suas origens em
Jeremias.
Essa obra se destaca pela sua imparcialidade. Sua tradução e comentário tem
como base o TM e as notas contêm variantes da LXX. O estudo procura sumarizar sem
qualquer preconceito as principais tentativas de reconstrução de Jeremias, mesmo que
tais hipóteses não se coadunem com os pontos de vista dos autores. Além disso, seria
conveniente ressaltar que a história complexa desse comentário deu origem a uma obra
acidentada, marcada por seções breves e fracas e outras provocantes. Contudo, a
despeito dos acidentes, as seções provocantes superam em muito as que não são. Tal
comentário é estimulante e constitui uma importante fonte de consulta para nossa
pesquisa.
1.3.2.7. Huey
O comentário de Huey, publicado no ano de 1993, apresenta uma abordagem
teológica conservadora do livro de Jeremias; defende a inspiração e a inerrância bíblica,
bem como o significado histórico e a importância contemporânea da Bíblia. A obra
exibe uma breve introdução a cada trecho bíblico e comentários envolvendo questões
críticas e textuais no rodapé, com o intuito de realizar as etapas da interpretação
exegética até a aplicação para a vida cristã atual.
A relevância desse comentário para nossa pesquisa encontra-se em sua
introdução. Nela, Huey expõe bons conhecimentos acerca da recente pesquisa crítica do
livro de Jeremias. Quanto à questão da autoria do livro, Huey, baseando-se, sobretudo,
na hipótese de Holladay, atribui a obra ao próprio profeta, embora não descarte alguma
edição. Para lidar com a questão da influência da retórica deuteronomista e do
155
Veja Peter C. Craigie, Page H. Kelley; Joel F. Drinkard, Word Biblical Commentary: Jeremiah 1-25,
p. xxxiii, xxxvi, xl.
78
Deuteronômio no livro de Jeremias, Huey recorre à proposta de Weippert de que os
discursos em prosa de Jeremias eram exemplos do estilo de prosa elevada comum no
Antigo Oriente Próximo nos dias de Jeremias. A incidência de frequentes paralelismos
na prosa seria o indicador de que ela teve sua origem na poesia. 156 A posição defendida
por Huey é sustentada com evidências convincentes.
Outro assunto importante que Huey procura desvendar tem a ver com o dilema
referente à mudança no tom da mensagem de Jeremias, que subitamente oscila do
arrependimento para o castigo inevitável. Huey advoga que o livro de Jeremias como
um todo fora estruturado de acordo com uma visão geral caracterizada pela antecipação
da teologia da nova aliança presente desde os capítulos iniciais da obra do profeta. 157
No entanto, tal abordagem por parte de Huey carece de maior fundamentação e deveria
ser confrontada com outras hipóteses bem mais esclarecedoras sobre o assunto.158
Principalmente a hipótese de Holladay, adotada e desenvolvida em nossa pesquisa, de
que a composição de boa parte do livro se deu durante a vida de Jeremias.
Embora sendo de caráter teológico conservador, essa obra não deveria sofrer
preconceito acadêmico por parte dos pesquisadores modernos, porquanto oferece vasta
gama de informações críticas acerca da pessoa e obra de Jeremias. Portanto, as
constantes críticas empreendidas em relação a sua ênfase teológica conservadora não
podem ofuscar os méritos desse importante material que traz uma grande contribuição
para a interpretação de Jeremias, e que merece maior atenção.
156
F.B. Huey, The New American Commentary: Jeremiah, Lamentations, p. 29.
157
Idem, p. 71.
158
Thomas. M. Raitt, A Theology of Exile: Judgment/Deliverance in Jeremiah and Ezekiel, 271 p. Raitt
defende a existência de dois gêneros em Jeremias e Ezequiel: o oráculo profético de juízo e o de
libertação. Os dois gêneros são bastante distintos com diferentes origens e cenários. O oráculo de
julgamento está enraizado ideologicamente na aliança mosaica. Eles revelariam uma necessidade de
explicar por que Javé iria infligir punição tão dura a Judá. Durante o exílio, afirma Raitt, Jeremias e
Ezequiel começaram a usar o oráculo de libertação, um gênero que o autor acredita ser independente do
oráculo de julgamento e também distinto dos oráculos de salvação em Deuteronômio e em passagens de
prosa posteriores em Jeremias. Veja também a hipótese de Jeremiah Unterman, From Repentance to
Redemption: Jeremiah’s Thought in Transition, em Journal for the Study of Old Testament Supplement
Series 54, Sheffield, JSOT Press, 1987, 223 p. Unterman mantém que o pensamento de Jeremias passou
por três estágios. Na primeira fase, Jeremias acredita na possibilidade de arrependimento, e também supõe
que o arrependimento juntamente com a misericórdia de Javé são as condições para a redenção de Israel.
Para isso, Unterman baseia-se em ditos considerados como oriundos do período do reinado de Josias. Na
segunda etapa Jeremias perde a esperança diante da incapacidade do povo de se converter a Javé por
conta própria, visto que os apelos do profeta ao arrependimento não foram atendidos; o elemento da
misericórdia divina supera o arrependimento humano. Os textos que fundamentam essa ideia são datados
depois do exílio de Joaquim, nos anos de 597-587 a.C. A terceira etapa pertence à destruição de
Jerusalém, ocasião em que Jeremias abandonou o princípio do livre arbítrio e as exigências de
arrependimento. A redenção seria apenas obra de Deus.
79
1.3.2.8. Lundbom
O comentário de Lundbom, publicado em 1999, pertence à segunda geração de
comentários da série Anchor Bible. Essa obra constituída de dois volumes 159 pretende
substituir o único volume do comentário de Jeremias de John Bright de 1965. Lundbom
advoga a favor da crítica retórica ao analisar o discurso com o objetivo de inquiri-lo
acerca da estrutura, intenção, estilo, impacto sobre uma audiência e situação retórica. 160
Seu objetivo é ressaltar o efeito da mensagem de Jeremias para sua primeira
audiência no final do século VII a.C. Cada seção inicia com a tradução seguida de uma
introdução que trata de questões de crítica textual, crítica literária e retórica, história
composicional, pano de fundo histórico, pregação e resumo da teologia dos capítulos,
notas e breves comentários sobre sua mensagem e audiência. Além disso, encontramos
notas e comentários sobre o texto que compõe a maior parte do comentário, apêndices e
índices de passagens bíblicas e autores citados.
Nessa obra, o autor sustenta a historicidade da pessoa de Jeremias e admite a
natureza biográfica das descrições do profeta. Ele admite a noção de que Jeremias
começou seu ministério profético por volta do ano de 622 a.C., rejeitando, assim, a
hipótese do “período de silêncio” durante o reinado de Josias (640-609). Além disso,
Lundbom empenha-se na reconstrução do rolo de Baruque (Jr 36), identificado nos
caps. 1–20, que recebem a denominação de “primeira edição” do livro de Jeremias. 161
Acerca da composição do livro de Jeremias, o autor sustenta a posição de que o
próprio Jeremias participou do processo de escrita. Contudo, o livro original (caps. 1–
51), disposto na LXX, seria obra de Baruque no Egito, enquanto que a versão
babilônica, disposta no MT, seria uma edição produzida por Seriah, irmão de Baruque.
Uma grande contribuição dessa obra para a pesquisa do livro de Jeremias é o destaque
referente ao uso do setumah e petuhah 162 na demarcação das perícopes. Esse comentário
representa um avanço em relação às observações muitas vezes superficiais de Bright.
Na comparação com outros recentes comentários sobre Jeremias, a obra de
Lundbom oferece uma análise mais detalhada das características literárias. Para nossa
pesquisa, que aborda o profeta Jeremias a partir de uma perspectiva histórica, tal
comentário é uma pérola de conhecimento, rico em análise gramatical e literária, em
159
Trataremos aqui somente o volume 1 dessa obra vista por Lundbom como a primeira edição de
Jeremias, ou seja, Jeremias 1-20. Veja Jack R. Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with
Introduction and Commentary, p. 93.
160
Idem, p. 69-70.
161
Idem, p. 9.
162
Parágrafos fechados e abertos, respectivamente.
80
interação com a longa história da pesquisa de Jeremias, e com insights sobre a
relevância teológica da mensagem profética.
1.3.2.9. Sharp
O livro de Carolyn Sharp (2003) é uma revisão de sua tese de doutorado. Nele,
Sharp busca estabelecer uma abordagem mais convincente acerca das principais fontes
literárias dispostas no livro de Jeremias bem como da atividade redacional que deu
origem a sua forma final. A autora propõe um novo enfoque para a compreensão da
prosa em Jeremias, cuja perspectiva tradicional geralmente associa com a história
deuteronomista. Ao fazer uso das teorias diacrônica e redacional para explicar a
complexidade teológica e literária do texto, Sharp procura aclarar as questões
exegéticas, recorrendo à possibilidade da existência de duas camadas redacionais
oriundas de dois grupos políticos distintos ou comunidades autorais. Sua proposta
estabelece a existência de duas tradições relacionadas a duas ideologias distintas na
prosa de Jeremias, uma delas centrada em Judá, a outra na comunidade exílica da
Babilônia.
Seu estudo procura efetuar uma análise da expressão “servos de Javé, os
profetas” em Jeremias e em outras passagens situadas na história deuteronomista
(principalmente Deuteronômio 18 e várias passagens de Reis). Sharp chega às seguintes
conclusões. A primeira delas é que o livro de Jeremias é caracterizado pela pluralidade
teológica evidenciada pelo choque entre duas correntes ideológicas distintas, cada uma
tentando moldar as tradições de Jeremias de acordo com seus próprios interesses
teológicos e políticos. 163
Enquanto que uma das ideologias tinha seu interesse em Judá e na tradição
deutero-jeremiana derivada da comunidade judaica remanescente após 597 a.C. 164, a
outra colocava sua ênfase da tradição deutero-jeremiana com raízes na diáspora entre os
judeus residentes na Babilônia após 597 a.C. 165 A primeira é influenciada por um estilo
antibabilônico caracterizado pelo iminente e inevitável castigo de Judá e de Jerusalém,
seguido de uma compreensão da verdadeira profecia como expressão da desgraça e da
163
Carolyn J. Sharp, Prophecy and Ideology in Jeremiah: Struggles for authority in Deutero-Jeremianic
Prose, p. xvi, 157.
164
A evidência literária dessa corrente traditiva, conforme Sharp, encontra-se em Jeremias 7,4.13b.15.16.
20;11,14; 14,11; 25,1-15. 8-lla; 26,5. 6b-8. 9b; 29,8-9. 15. 21-22; 35,1-19; 44,1-4. 11.27.
165
A evidência literária dessa corrente traditiva, conforme Sharp, encontra-se em Jeremias 7,1-3.5-7.8-9.
9-13a. 14.17-19.30-34; 8,1-3; 24,1-10; 25,9 b.11b-12a.18; 26,1-4.6a. 9a.10-16; 27,1-22; 28,1-7.10-17; 29,
1–7.10-14.16-19.23.24-32.
81
falsa profecia como expressão da “paz” para Judá, além da proibição da intercessão
profética e da aceitação nacionalista de um conjunto de costumes que via a assimilação
cultural e político como algo repugnante. 166 A segunda, por sua vez, com suas raízes
fincadas na concepção pro-gôlâ, tinha como destaque o papel da preeminência da
comunidade judaica na Babilônia sobre as comunidades de Judá e do Egito, como
também a submissão à Babilônia e seu rei e ainda a promessa de esperança e
restauração para a comunidade da diáspora na Babilônia, além de manifestar interesse
pelas falhas éticas da comunidade e enfatizar a possibilidade do arrependimento, bem
como sua eficácia na prevenção ou no adiamento do julgamento divino para os exilados.
O estudo busca refutar uma redação monolítica empreendida pelos deuteronomistas ao
alegar as diferenças na perspectiva da profecia encontrada em 1–2 Reis e Deuteronômio
18 e na prosa “deuteronomista” de Jeremias.
De modo geral, essa obra é interessante e bem escrita, porquanto apresenta uma
revisão exaustiva da história da análise literária na prosa de Jeremias e efetua uma boa
abordagem de importantes questões exegéticas. Por outro lado, parece-me que a
hipótese acerca das duas correntes traditivas no livro de Jeremias seja inconsistente. O
material atribuído à comunidade judaíta remanescente é muito fracionado e poderia ser
aplicado a qualquer uma das duas correntes traditivas. Além do mais, a fragmentação do
material provoca uma arbitrária e violenta ruptura no texto, dissociando assim os versos
de seu contexto literário.
166
Carolyn J. Sharp, Prophecy and Ideology in Jeremiah: Struggles for authority in Deutero-Jeremianic
Prose, p. xvi, 158.
167
Walter Brueggemann, The Book of Jeremiah: Portrait of the Prophet, em Interpretation, Richmond,
Union Theological Seminary and Presbyterian School of Christian Education /Union Theological
Seminary in Virginia, vol. 37, n. 2, 1983, p. 130-131.
82
paralelismos, indicando sua origem na poesia. 168 Além disso, os chamados sermões
seriam uma parte essencial da mensagem de Jeremias, pois neles encontramos seu apelo
ao arrependimento. 169
Diante disso, a distinção entre prosa e poesia não se torna tão clara como muitos
imaginam. É possível que estejamos lidando com categorias literárias equivocadas; não
podemos ter certeza se trabalhamos com poesia ou prosa no livro de Jeremias, já que a
“prosa elevada” está muito próxima da poesia. Talvez por conta disso é que Georg
Fohrer tenha sugerido que o “discurso do templo” não fora formulado em prosa, mas em
versos breves que não representam uma terceira fonte no livro de Jeremias (7,1–8,3), e
sim predominantemente palavras originais do próprio profeta. 170
Todavia, em nossa pesquisa tenderemos a seguir a proposta de Weippert por
considerá-la um mecanismo mais adequado para a realização da análise literária das
seções contidas na unidade. Ademais, para o entendimento dos elementos poéticos
contidos nos versículos, faremos uso do conceito aceito por Milton Schwantes de que a
principal característica da poesia hebraica consiste basicamente na repetição de frases.
Aprofundemos um pouco mais as ideias desse autor. Para ele, a poesia hebraica difere
de nosso conceito poético, marcado pelo jeito de ser da poesia dos últimos séculos.
No contexto do semitismo bíblico imperava outra experiência e senso poético. O
sentido peculiar da poesia hebraica não seria encontrado em sua rima final, embora
fosse possível constatá-la em muitos casos, mas sobretudo nas repetições (ou, como se
costuma dizer, inadequadamente, nos “paralelismos”, ou seja, cada conteúdo expresso
em duas ou mais afirmações coincidentes, similares ou contrárias). Conforme
Schwantes, o conceito de paralelismo será adequado somente se houver duas frases,
uma em paralelo com a outra. Essas frases são típicas na sabedoria, especialmente em
provérbios.
Mas a repetição simples ou “paralelismo” não é propriamente o que caracteriza a
poesia hebraica. O que a identifica são as repetições. Quando elas são simples poderiam
ser chamadas de “paralelismo”. Todavia, na profecia e nos Salmos, esses “paralelismos
simples” não são típicos. O que, de fato, caracteriza a poesia na profecia e nos Salmos é
168
Veja informações sobre a prosa elevada também em Herbert Wolf, An Introduction to the Old
Testament Pentateuch, Chicago, Moody Press, 1991, p. 82-84. Também Wilfred G. E. Watson,
Traditional Techniques in Classical Hebrew Verse, Sheffield, Sheffield Academic Press, p. 76-80. Para
este último autor esse estilo teve origem nas cidades da zona rural com os levitas itinerantes, que tinham a
tarefa de explicar e ensinar a lei para os iletrados.
169
Helga Weippert, Die Prosareden des Jeremiabuches, p. 232-233.
170
Ernest Sellin Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 556. Veja também acerca desse
assunto em Luis Alonso Schökel, Profetas I: Isaías, Jeremias, p. 471.
83
a repetição. Ele descarta a hipótese de contar o número de sílabas ou palavras para
identificar a poesia hebraica à luz da métrica, como também admite a ideia de que o
paralelismo, como algo típico da cultura hebraica, represente a negação de sua
peculiaridade, de sua essência. 171
Por conseguinte, ele recomenda não entender o hebraico, sobretudo a poesia,
como baseada no “paralelismo de membros”. A poesia, segundo Schwantes, baseia-se
em repetições inovadoras e não previsíveis, não atreladas a um esquema paralelo e com
iguais repetições. Típico, para ele, é a repetição, mas em formas inusitadas e com
conteúdos inesperados. Esse aspecto inesperado é o que é propriamente típico do que
parecia ser paralelismo e do que, provisoriamente, poderíamos chamar de repetições
sempre inovadoras. 172
Isso explica a questão da imprecisão do estilo poético em alguns versos da
poesia de Jeremias onde parece haver certa desmetrificação. Todavia, levando em
consideração que a poesia hebraica consiste de repetição de frases e não em paralelismo,
é possível afirmar que tal hibridismo na poesia de Jeremias não altera o estilo poético,
desde que existam repetições inovadoras. O hibridismo pode ser a influência do
Deuteronômio no estilo de nosso poeta. 173 Sendo assim, presumo que o denominado
“discurso do templo” (Jr 7,1–8,3) tenha sido escrito pelo próprio profeta em prosa
elevada que contém um estilo poético peculiar de Jeremias.
A questão da composição e redação deuteronomista do livro Jeremias também
tem grande relevância no debate acadêmico. Como Weippert, presumo a existência de
uma prosa formal no Antigo Oriente Próximo que contribuiu para o desenvolvimento do
escrito deuteronômico. No entanto, em relação ao livro de Jeremias é provável que o
profeta não tenha se baseado diretamente nessa prosa formal para compor sua obra e,
sim, tenha sido influenciado pelo estilo do Deuteronômio, enquanto vivia em sua cidade
natal, Anatote.
171
Um crescente número de pesquisadores tem concluído que não existe métrica na poesia hebraica; entre
eles destacam-se M. O’Connor, Hebrew Verse Structure, Winona Lake, Eisenbrauns, 1980, 629 p.;
também James L. Kugel, The Idea of Biblical Poetry: Parallelism and its History, New Haven, Yale
University Press, 1981, 339 p. e do mesmo autor James L. Kugel, Some Thoughts on Future Research
into Biblical Style: Addensa to the Idea of Biblical Poetry, em Journal for the Study of the Old Testament,
London, Sage Publication, vol. 28, 1984, p. 107-117.
172
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, São Leopoldo,
Oikos, 2011, p. 43-44; 277-282. Também do mesmo autor, Sentenças e provérbios. Sugestões para a
interpretação da sabedoria, São Leopoldo, Editora Oikos, 2009, p. 178-179. Assim como Repetições e
paralelismos: observações em um debate hermenêutico, exemplificado em Provérbios 10,1, em Revista
Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, Vozes, vol. 66, 2006, p. 673-679.
173
Aage Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Aste, vol. 1, 1959, p. 224-226.
84
Não obstante, alguns pesquisadores sustentam a hipótese de que o próprio
Jeremias empregou ou até mesmo cunhou um estilo. 174 E que esse estilo foi utilizado
durante o período do exílio ou no início do pós-exílio para criar o Deuteronômio. 175
Presumimos, no entanto, o inverso, ou seja, que Jeremias absorveu o estilo do
Deuteronômio, 176 herança de seu treinamento em Anatote. 177 Sendo ligeiramente
influenciado pela forma de sermão utilizado pelos profetas e sacerdotes no século VII
a.C. 178, provavelmente no contexto da celebração litúrgica.
É provável que a redação final do livro de Jeremias tenha ocorrido durante a
época exílica na terra de Judá. Milton Schwantes elenca alguns fortes indícios para
fundamentar tal hipótese. Diz ele:
85
judaíta após a invasão babilônica, as quais formularam e compilaram textos com dois
enfoques diferentes. Uma delas centrava-se em torno de Sião e Jerusalém, e outra tinha
como núcleo a terra e o rei Davi. A primeira provinha de círculos que, antes de 587 a.C.,
estiveram ligados ao templo e escaparam da catástrofe. Eram sobreviventes da capital,
levitas e cantores, profetas cúlticos e sacerdotes interioranos que tinham como
finalidade principal a tentativa de narrar o sofrimento de Sião e resgatar a esperança de
uma nova Jerusalém. Valorizavam o templo e suas tradições em detrimento das
questões concernentes a terra, crítica ao reinado e esperança messiânica. 180
A segunda cosmovisão se situava entre a gente do campo. Aqui a história de
Javé com seu povo, primordialmente, era vista em sintonia com a terra de Judá. O livro
de Jeremias 39–41, por exemplo, legitima a ideia de que Javé permanecera ao lado da
comunidade remanescente em Judá, os camponeses, e demonstra uma esperança na
continuação da vida em Judá após a catástrofe que abatera Jerusalém. 181 Os textos que
tiveram origem nesse ambiente apresentavam críticas agudas contra a monarquia e,
simultaneamente, corroboravam a expectativa messiânico-davídica. Eles desvalorizam o
Estado e a experiência política pré-exílica e, ao mesmo tempo, sublinhavam a
expectativa de um novo Davi. É bem provável que o livro de Jeremias tenha tido sua
origem nesse ambiente camponês de Judá. 182
Diante do exposto, seria convincente admitir que os que mantiveram a tradição
do profeta Jeremias provavelmente foram camponeses remanescentes em Judá que, após
a crise provocada pela invasão babilônica, preservaram e transmitiram suas palavras,
pouco interferindo em seus ensinamentos. É possível admitir, tal como Schwantes, que
devido à procedência campesina do profeta Jeremias e de seus colecionadores seria
impossível distinguir as palavras de um e de outros, ou seja, de Jeremias e de seus
intérpretes posteriores. Para ele, seria dispensável tentar separar meticulosamente os
dois grupos. Ambos pertenciam ao âmbito palestinense, sendo que a origem do livro de
Jeremias se deu em Judá. 183
180
Pode-se constatar essa cosmovisão nos livros de Obadias, Lamentações e em releituras exílicas de
profetas, tal como em Miquéias 4.
181
Thomas Römer, A chamada História deuteronomista: introdução sociológica, histórica e literária,
Petrópolis, Vozes, 2008, p. 117-118.
182
Outras obras literárias pertencentes a esse contexto são: a Obra Historiográfica Deuteronomística
(Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis), Habacuque, Sofonias e releituras exílicas dos
profetas Amós e Miquéias 6,1–7,7. Veja uma exposição acerca dessa questão em Milton Schwantes,
Sofrimento e esperança no exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI a. C., p. 29-73.
183
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI
a. C., p. 41-42.
86
Dessa forma, a base na qual fundamentaremos nossa pesquisa reconhece o
princípio de que tanto Jeremias, como veremos nos capítulos seguintes, quanto os
colecionadores de sua obra estavam situados no mesmo lugar vivencial, isto é, o
campesinato judaíta. Fato que contribuiu para que Jeremias absorvesse o estilo do
Deuteronômio, herança de seu treinamento em Anatote. Tal influência contaminou o
estilo poético do profeta e forneceu alguns conceitos dos quais Jeremias faz uso em
determinados momentos de sua mensagem.
Mesmo depois de sua morte, suas palavras não foram esquecidas no ambiente
campesino de Judá; antes, tiveram uma eficácia duradoura após o ano de 587 a.C.
Assim, de forma provisória ou embrionária é possível admitir que a unidade de Jeremias
7,1–8,3 representa a autêntica mensagem de Jeremias 184 formulada em prosa elevada e
preservada por seus próprios seguidores, que pouco interferiram em seus
ensinamentos. 185
184
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1-25, 707 p. Nessa obra, o autor advoga que a poesia e a prosa estão conectadas uma
à outra e, por isso, carregam a marca da personalidade do profeta. Assim, Holladay conclui que a maioria
do material é “genuíno” do profeta. Veja também Peter C. Craigie, Page H. Kelley; Joel F. Drinkard,
Word Biblical Commentary: Jeremiah 1-25, p. 117-119.
185
J. Bright, The Date of the Prose Sermons of Jeremiah, p. 28-35; John Bright, Jeremiah, AB 21, p. lxxi.
Embora não afirme que temos ipssima verba de Jeremias nesse discurso, o referido autor argumenta que
não há distorção na mensagem do profeta. Veja também Ernest W. Nicholson, Preaching to the Exiles: A
Study of the Prose Tradition in the Book of Jeremiah, p. 25.
87
Constatou-se que a obra de Jeremias consiste numa antologia das palavras e dos
incidentes ocorridos na vida desse profeta contendo diversas coleções menores de
materiais que refletem um arranjo por tópicos, introduzidas por seus títulos. Embora
essa obra tenha passado por uma longa e complexa história de redação que a aproxima
dos questionamentos e dilemas enfrentados pelo compositor final, existe uma profunda
e estreita ligação entre ela e o profeta Jeremias, dado que a maior parte do material
encontrado nela pode ser do próprio Jeremias ou de seu amanuense Baruque.
Observou-se ainda que os caps. 7,1–8,3 estão situados no grande bloco que
engloba os caps. 7,1–10,25, e estes, por sua vez, encontram-se no bojo de outra grande
seção, os caps. 1–25 – sendo que os 25 capítulos compõem o primeiro “livro” de nosso
profeta. Nele basicamente se encontram palavras proferidas por Jeremias desde seu
chamado (627 a.C.) até o quarto ano de Jeoaquim (605 a.C.).
Na análise dos caps. 7,1–8,3 comprovou-se a existência de cinco pequenas
unidades que apresentam fortes laços de integridade e coesão interna e externa. Ciente
de que cada pequena unidade consiste num acontecimento que se desenrola no âmbito
socioliterário procurou-se, de antemão, estabelecer as bases da pesquisa, apresentando o
método que será empregado na análise das mesmas. Ao fazer uso da metodologia
exegética, duas etapas se mostraram indispensáveis para a aproximação dos textos com
o intuito de captar seu sentido, a saber, a análise do texto em sua forma e em sua
essência a fim de compreendê-lo como literatura (por meio da análise literária) e a
análise do texto como produto histórico-social (por meio da análise sociológica). Além
disso, destacou-se que o foco de nossa pesquisa não privilegiaria os últimos redatores,
mas sim os que vivenciaram o acontecimento fundante.
Com base na história da pesquisa do livro de Jeremias inferiu-se que a unidade
estudada consiste numa prosa elevada, cujos traços poéticos podem ser observados na
repetição de frases inovadoras. Tal hibridismo no escrito jeremianico seria a influência
do Deuteronômio no estilo de nosso poeta. Presume-se, portanto, que os caps. 7,1–8,3
tenham sido escritos pelo próprio profeta.
Além do mais, atestou-se que os que mantiveram a tradição do profeta foram
camponeses remanescentes em Judá que, após a crise provocada pela invasão
babilônica, preservaram e transmitiram suas palavras, pouco interferindo em seus
ensinamentos. Tanto Jeremias quanto seus colecionadores tinham raízes fincadas no
campo. Esse fato contribuiu para que Jeremias absorvesse o estilo do Deuteronômio,
herança de seu treinamento em Anatote. Tal influência contaminou o estilo do profeta e
88
forneceu alguns conceitos para seus escritos, dos quais ele faz uso em determinados
momentos de sua mensagem.
Mesmo depois de sua morte suas palavras não morreram, antes tiveram uma
eficácia duradoura para além do ano de 587 a.C. entre os camponeses remanescentes em
Judá. Constatamos, neste primeiro capítulo, ainda que de forma provisória, que a
unidade dos caps. 7,1–8,3 representa predominantemente a autêntica mensagem de
Jeremias formulada em prosa elevada, sendo preservada e colecionada em Judá durante
o exílio por seus próprios seguidores, que pouco interferiram em seus ensinamentos.
89
90
CAPÍTULO 2
O “ROSTO” DA PALAVRA DE JAVÉ EM JEREMIAS 7,1–8,3
Munidos dos dados coletados até aqui, seguiremos em nossa análise a fim de
desvendarmos as palavras contidas na unidade dos caps. 7,1–8,3. Nesta etapa serão
observados alguns elementos formais do texto imprescindíveis para a identificação da
perícope 186, como também para a futura tarefa da interpretação do conteúdo. Todavia,
ainda não se trata da interpretação propriamente dita, mas tão-somente da perscrutação
das condições formais dentro das quais se pode explicar os trechos.
Antes de iniciarmos, convém lembrar que a finalidade não é, em primeiro lugar,
realizar uma análise literária exaustiva das subunidades, e sim indicar caminhos no texto
que nos auxiliem na futura tarefa da identificação e interpretação das mesmas. Por isso,
arrolaremos em nossa análise apenas elementos que julgamos de maior relevância. 187
Na tentativa de identificar o “rosto” de cada bloco da unidade (7,1-15, 16-20,
21-28, 29-34 e 8,1-3) partiremos, primeiramente, em busca da tradução do Texto
Massorético para o português. Adicionaremos notas de rodapé, caso necessário, para
indicar as raízes verbais e seus sentidos exatos, ou para especificar outros significados.
Também serão utilizadas notas caso haja necessidade de apresentar informações do
aparato crítico, embora, com relação à Bíblia Hebraica, tenhamos poucas razões para
alterar o Texto Massorético.
A seguir, enfocaremos outros aspectos formais, decisivos para a interpretação de
cada texto. No item das observações gramaticais, efetuaremos uma breve abordagem de
aspectos morfológicos, sintáticos e estilísticos de cada versículo que compõe a
subunidade. Também demarcaremos os gêneros e as fórmulas literárias que situam o
texto dentro de um conjunto de escritos com características formais idênticas.
Uma vez concluídas essas etapas e a perícope esteja caracterizada em sua forma,
passaremos a aprofundar o lugar histórico-social em que se situa o texto. Para isso,
partiremos em busca do lugar vivencial (lugar e data). Cada perícope oferecerá suas
dificuldades específicas. A identificação do lugar vivencial se dará por meio da datação,
186
Uwe Wegner, Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia, p. 340. Perícope é um pequeno
trecho bíblico, delimitado por sua forma e conteúdo, e representando uma unidade de sentido autônoma
em relação à anterior e posterior.
187
Para uma análise sintática completa da subunidade, confira Spiros Zodhiates; Warren Baker, The
Complete Word Study Bible: King James Version, Chattanooga, AMG Publishers, 2000, s/n.
91
da localização e do detalhamento que viabiliza minúcias em cada perícope. 188 Note-se
que não basta apenas datar e localizar. É preciso estabelecer uma sintonia entre o texto e
seu ambiente, o lugar em que emerge a palavra contida na perícope.
ְהו֖ה לֵאמֹֽר׃
ָ י para dizer.
שּׁם
ָ ֔ ָשׁ ַע ֙ר ֵ ֣בּית י ְה ֔ ָוה ְוק ָ ָ֣ראת
֙ ַ ע ֲ֗מ ֹד ְבּ2 2
Coloque-se na porta da casa de Javé 189e 185F
190
שׁמְע֣ וּ דְ בַר־
ִ ָ אֶת־הַדָּ ָ ֖בר ַה ֶזּ֑ה וְאָמ ְַר ֞תּproclama ali esta palavra, e dirás :Ouvi a 186F
191
שּׁע ִ ָ֣רים
ְ ַבּ ַ֙ה ָבּאִים ֙ י ְה ֗ ָוה כָּל־י ְהוּדָ הpalavra de Javé, todos de Judá , os que entram
187F
שׁכּ ְָנ֣ה
ַ ֵיכ֑ם ַו ֲא
ֶ ֵיכ֖ם וּמַ ֽ ַע ְלל
ֶ ֵיט֥יבוּ דַ ְרכ
ִ הbom caminhos de vós e as obras de vós, então
deixarei morar a vós neste lugar.
אֶתְ ֶ֔כם ַבּמּ ָ֥קוֹם ַה ֶזּ ֽה׃
אַל־תִּ ְבטְח֣ וּ ָל ֶ֔כם אֶל־דִּ ב ֵ ְ֥רי ה ֶ ַ֖שּׁקֶר4
4
Não confiais para vós em palavras de mentira,
ֵיכ֖ם
ֶ ִכּ֤י אִם־הֵיטֵי ֙ב תֵּ י ִ֔טיבוּ אֶת־דַּ ְרכ5
5
Pois, se verdadeiramente fazerdes bom os
שׁ ָ֔פּט
ְ ֵיכ֑ם אִם־ע ָ֤שׂוֹ ַתֽעֲשׂ ֙וּ ִמ
ֶ ְואֶת־מַ ֽ ַע ְללcaminhos de vós e as obras de vós, se
188
Para um estudo desses passos exegéticos veja as obras de Donald Alfred Hagner, New Testament
Exegesis and Research: A Guide for Seminarians, Pasadena, Fuller Seminary Press, 1999, 130 p.;
Timothy S. Laniak, Handbook for Hebrew Exegesis, 110 p.; Robert B. Chisholm, From Exegesis to
Exposition: A Practical Guide to Using Biblical Hebrew, Grand Rapids, Baker Books, 1998, 295 p.;
Walter C. Kaiser, Toward an Exegetical Theology: Biblical Exegesis for Preaching and Teaching, Grand
Rapids, Baker Academic, 1981, 254 p.
189
Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures,
Bellingham, Logos Research Systems, 2003, p. 116. A expressão ֵ ֣בּית י ְה ֔ ָוהbêt yᵉhwāh “Casa de Javé” é
utilizada para designar o templo de Javé em Jerusalém. Seu significado nos remete a uma “tenda”, ou
melhor, à “tenda da aliança” (Ex 23,19; Js 6,24; Jz 18,31; 1Sm 1,7.24; 3,15; 2Sm 12,20).
190
Cf. Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, São Leopoldo, Sinodal, 1998, p.
117. Um perfeito ao qual se tenha prefixado a conjunção wav normalmente será traduzido por um futuro.
Assim, o termo ָ וְאָמ ְַר ֞תּwᵉʼāmartā deve ser traduzido como “e dirás”.
191
Veja Ludwig Koehler; Walter Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament,
CD-ROM Edition, Leiden, Koninklijke Brill NV, 1994-2000, p. 394. A expressão ֙ י ְהוּדָ הyᵉhûdâ pode
significar “reino e Estado de Judá”, Em Lamentações 1,3, o termo foi utilizado para referir-se ao grupo
exilado na Babilônia.
92
בֵּ ֥ין ִ ֖אישׁ וּבֵ ֥ין ֵר ֵעֽהוּ׃verdadeiramente fazerdes direito, entre um
homem e entre um compatriota dele.
ִן־עוֹל֖ם ְועַד־
ָ יכם ְלמ
֑ ֶ ֲֵשׁר נ ַ ָ֖תתִּ י ַל ֲאבֽוֹת
֥ ֶ אque dei para vossos pais, desde tempos remotos e
para sempre 193.
עוֹלָ ֽם׃
189F
ִ ל ֶ ַ֖שּׁקֶר ְוק ֵ ַ֣טּר ל ָ ַ֑בּעַל ְוה ָ֗�� אַח ֵ ֲ֛רי אadultério e jurais para mentira e queimais incenso
ֱ�ה֥ים
para Baal e andais atrás de deuses outros que não
ֲשׁר �ֽא־י ְדַ ע ְֶתּֽם׃
֥ ֶ ֲאח ִ ֵ֖רים א
conheceis.
ָ֙אתֶ ם ַו ֲעמַדְ ֶ ֣תּם ְל ָפ ַ֗ני בּ ַ ַ֤בּי ִת ַהזֶּה
֞ וּב10 10
E entrais e permaneceis diante de minha face
195 196
ַו ֲאמ ְַר ֶ ֖תּם ָע ָ֔ליו נִק ְָרא־שׁ ְִמ֣י ֲשׁר
֣ ֶ אnesta casa que se clamou meu nome nele ,
19F 192F
נ ַ ִ֑צּלְנוּל ַ ְ֣מעַן ֲע ֔שׂוֹת אֵ ֥ת כָּל־הַתּוֹעֵב֖ וֹתe dizeis: Estamos salvos a fim de fazer todas
estas abominações?
הָאֵ ֽלֶּה׃
ַה ְמע ַ ָ֣רת פּ ִָר ִ֗צים ָהיָ֙ה ה ַ ַ֧בּי ִת ַה ֶזּ ֛ה11 11
(Porventura) caverna de ladrões tornou-se
192
O verbo שׁפְּכ֖ וּ ְ ִ תּtišᵉpkû “derramardes” encontra-se no qal imperfeito segunda pessoa do plural jussivo.
Segundo Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 165. O jussivo é usado para
expressar desejo, vontade ou ordem de quem fala. É reproduzido mais adequadamente no português por
uma forma do subjuntivo.
193
Francis Brown; Samuel Rolles Driver; Charles Augustus Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs
Hebrew and English Lexicon, eletronic ed., Oak Harbor, Logos Research Sistems, 2000, p. 762.2. A frase
ְלמlᵉmin ôlām wᵉʻad ʻôlām significa “de eternidade a eternidade”.
ִן־עוֹל֖ם ְועַד־עוֹלָ ֽם
ָ
194
R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário internacional de teologia do
Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p. 334-335. A partícula interrogativa ֲהhǎ prefixada à
primeira palavra de uma sentença ou expressão envolve principalmente perguntas diretas. Na literatura
profética, especialmente em Jeremias, tais perguntas não buscam prioritariamente uma informação;
servem antes de pergunta retórica para a qual se espera costumeiramente uma resposta negativa ou,
apenas vez por outra, uma resposta afirmativa.
195
Segundo Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p.139. O nifal pode também
expressar uma ação reflexiva, ou seja, uma ação que o sujeito realiza a si mesmo. Sendo assim, o verbo
נִק ְָראniqrāʼ é traduzido como “se clamou”.
196
A preposição + sufixo terceira pessoa do singular ָע ָ֔ליוʻālāyw refere-se ao substantivo masculino ַ ֤בּי ִת
bayit “casa”. A rigor deveria ser traduzido como “nela”, no entanto, mantivemos a tradução literal “nele”.
93
ֵיכ֑ם ַגּ֧ם
ֶ ֲאשֶׁר־ נִק ָ ְֽרא־שׁ ְִמ֥י ע ָָל֖יו ְבּעֵינesta casa que se clamou meu nome nele nos
197
193F
198
אָנ ִֹכ֛י הִנֵּ ֥ה ָר ִ ֖איתִ י נְאֻם־י ְהוָ ֽה׃ סolhos de vós? Também eu eis que vi , oráculo 194F
de Javé.
ִילו
֔ ֲשׁר ְבּשׁ
֣ ֶ ִכּ֣י לְכוּ־ ָ֗נא אֶל־מְקוֹ ִמ ֙י א12 12
Pois, ide agora para meu lugar
וּרא ֙וּ
ְ אשׁוֹנ֑ה
ָ שׁ֙ר שׁ ַ ִ֧כּנְתִּ ֽי שׁ ְִמ֛י ָ ֖שׁם בּ ִ ָֽר
ֶ ֲאque (estava) em Siló, o qual fiz morar o meu
ֵ ֣את ֲאשֶׁר־ע ִ ָ֣שׂיתִ י ֔לוֹ ִמ ְפּ ֵ֕ני ָר ַ ֖עת ע ִַמּ֥יnome ali, no princípio, e vede o que fiz para
ele 199, por causa da maldade do meu povo Israel.
יִשׂ ְָראֵ ֽל׃
195F
ְ ֲאלֵי ֶ֜כם ַהשׁ ְֵכּ֤ם וְדַ ֵבּ ֙ר וְ�֣ אfalar, e não ouvistes, e chamei-vos,
שׁ ַמעְתֶּ֔ ם
e não respondestes,
ִיתֽם׃
ֶ ָו ֶאק ָ ְ֥רא אֶתְ ֶ ֖כם וְ�֥ א ֲענ
ֲשׁר ִנֽק ְָרא־שׁ ְִמ֣י
֧ ֶ שׂיתִ י ל ַ ַ֣בּי ִת׀ א
ִ ֜ ְו ָע14 14
e farei para a casa que se clamou meu nome
201
ֲשׁר אַתֶּ ם֙ בֹּט ִ ְ֣חים ֔בּוֹ ְו ַל֙מּ ָ֔קוֹם
֤ ֶ ָע ָ֗ליו אnele , a qual vós confiais nele, e para o lugar,
197F
ֶ ֵ ֲאשֶׁר־נ ַ ָ֥תתִּ י ל ֶָכ֖ם ְו ַל ֲאבֽוֹתque dei para vós e para pais de vós, como fiz para
֥ ֶ יכ֑ם ַכּא
ֲשׁר
Siló.
שׁלֽוֹ׃
ִ ע ִ ָ֖שׂיתִ י ְל
ֲשׁר
֤ ֶ שׁ ַלכ ִ ְ֥תּי אֶתְ ֶ ֖כם מ ֵַע֣ל פּ ָָנ֑י ַכּא
ְ ְו ִה15 15
E lançarei a vós da minha face, como lancei
שׁ ַל֙כְתִּ ֙י אֶת־כָּל־ ֲאחֵי ֶ֔כם ֵ ֖את כָּל־ ֶז ַ֥רע
ְ ִהtodos os irmãos de vós, toda a descendência de
ֶאפ ָ ְֽרי ִם׃ סEfraim.
94
empreendermos nossa análise, é necessário termos em mente uma importante questão.
Não há sinais evidentes de que estejamos lidando com um texto prosaico ou poético no
texto hebraico que serviu de base para a edição da Bíblia Hebraica Stuttgartensia/BHS.
Haja vista que os textos poéticos e prosaicos estão dispostos da mesma maneira, ou seja,
suas linhas sempre preenchem as páginas até o final.
Para os escritores antigos e seus copistas, era oneroso demais escrever poesias
deixando espaço livre no pergaminho. Fazia-se necessário escrever até o final do
pergaminho, considerando o alto preço do material. Até mesmo textos poéticos antigos
como os de Ugarit foram escritos em linhas sem interrupção, cabendo a editores e
intérpretes a tarefa de definir sua disposição poética. 202 Da mesma forma, na BHS
coube a seus editores definir a questão da disposição dos textos.
Por isso, os editores da Bíblia Hebraica Stuttgartensia nos fornecem uma edição
que diferencia textos em prosa (com as linhas preenchidas até o final da página) e
poesia (com as indicações das repetições poéticas na disposição das linhas). 203 Essa
disposição, como já vimos, representa a sugestão dos próprios editores. No caso da
unidade dos caps. 7,1–8,3, eles optaram em manter as linhas preenchidas até o final,
sugerindo que se leia esses versículos simplesmente como um texto prosaico, com
exceção do v. 29, que segue o padrão estabelecido como poesia.
Aceitar tal sugestão como dogma irrefutável simplifica, obscurece e também
reduz o horizonte da pesquisa e do debate sobre o estilo dessa e de outras passagens
similares presentes no livro de Jeremias. É salutar que haja um esforço em busca de
outras propostas adequadas numa tentativa de deslocar o pêndulo da pesquisa para outra
direção, a fim de ampliar o leque de propostas concernentes a essa temática. Dessa
forma, sinto-me inclinado a presumir que ao longo dessa unidade, ora deparamos com
prosa, ora com poesia. Todavia, o estilo poético não é muito rigoroso, segue a maneira
própria de Jeremias. 204
202
Para um estudo detalhado de Ugarit veja as seguintes obras: David Noel Freedman (ed.), The Anchor
Yale Bible Dictionary, New York/London/Toronto/Sidney/Auckland, Bantam Doubleday Dell Publishing
Group, vol. 6, 1996, p. 695-721; Claude F. A. Schaeffer, Remembering Ugarit. The Last Days of Ugarit:
Drought, Famine, Earthquakes and, Ultimately, Fire Ended Civilization at Ugarit, em em Biblical
Arqueology Review, Washington, Biblical Archaeology Society, vol. 09:05, 1983, p. 74-75; Peter C.
Craigie, Ugarit and the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1983, 110
p.; Simon B. Parker (ed.), Ugaritic Narrative Poetry. Writings from the Ancient World, Atlanta, Scholars
Press, 1997, 226 p.
203
Veja informações acerca das características da prosa e da poesia na obra de Ernest Sellin, Georg
Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 58-69.
204
Luís Alonso Schökel, Profetas I: Isaías, Jeremias, p. 471. Para este autor, o texto presente é escrito em
prosa muito rítmica ou em verso livre, sem imagens.
95
Muito se têm debatido sobre a questão da poesia hebraica, de suas técnicas e de
suas diferentes nomenclaturas. 205 De fato, tem havido muita confusão, ao longo dos
anos, em relação aos locais em que há poesia na Bíblia e dos princípios segundo os
quais essa poesia funciona. No entanto, presumo que existam duas características
básicas que norteiem tanto os textos poéticos hebraicos quanto os textos poéticos dos
antigos semitas, como os textos de Ugarit: a repetição de frases e a constatação de
estrofes. 206 Milton Schwantes compartilha esse ponto de vista ao fazer a seguinte
afirmação em um de seus livros:
Tais elementos parecem ser decisivos para que se possa observar a sequência
dos conteúdos presentes no texto poético. Com relação à unidade dos cap. 7,1–8,3 do
livro de Jeremias, há evidências da existência tanto de prosa quanto de poesia ao longo
do escrito. 208 Na seção do cap. 7,1-15, em certos momentos prevalece a prosa; em
outros, a fala divina torna-se poesia. Quatro subunidades bem definidas marcam essa
primeira unidade, a saber, vv. 1-2, 3.5-7, 4.8-12 e 13-15.
205
Para um estudo detalhado sobre a poesia hebraica, veja as seguintes obras: Wilfred G. E. Watson,
Classical Hebrew Poetry: A Guide to Its Techniques, Sheffield, JSOT Press, 1986, 460 p.; Gerald Morris,
Prophecy, Poetry and Hosea, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1996, 167p.; Eliane R. Follis (ed.),
Directions in Biblical Hebrew Poetry, Sheffield, JSOT Press, 1987, 312 p.; David E. Orton (ed.), Poetry
in the Hebrew Bible: Selected Studies from Vetus Testamentum, Leiden/Boston/Köln, Brill, 2000, 253 p.;
Luis Alonso Schökel, A Manual of Hebrew Poetics, Roma, Editrice Pontificio Instituto Biblico, 2000,
206 p.; Nicholas P. Lunn, Word-Order Variation in Biblical Hebrew Poetry: Differentiating Pragmatics
and Poetics, Waynesboro, Paternoster, 2006, 363 p.; Wilfred G. E. Watson, Traditional Techniques in
Classical Hebrew Verse, 544p.
206
Cyrus Gordon, Ugaritic Textbook Grammar Texts in Translation Cuneiform Selections Glossary
Index, Roma, Editrice Pontificio Instituto Biblico, 1998, 552 p.; Roberto Natal Baptista, A ruína da elite
de Jerusalém e Judá em Jeremias 2: a ruína da profecia do jovem Jeremias, São Bernardo do Campo,
Universidade Metodista de São Paulo, 2008, p. 43-48 (tese de Doutorado).
207
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 96.
208
Tal pensamento é compartilhado também por Joseph Bryant Rotherham, The Emphasized Bible: A
Translation Designed to Set Forth the Exact Meaning, The Proper Terminology, and the Graphic Style of
the Sacred Original, Grand Rapids, Kregel Publications, vol. 1, 1959, p. 720-722. Em nossa tradução
disporemos o texto de acordo com a proposta desse autor. Nela os recuos entre a margem e o começo da
linha escrita serão utilizados para vários propósitos importantes, entre eles, marcar a transição da
narrativa para o discurso; indicar a existência de discurso no discurso; enfatizar a existência de
paralelismo poético; apresentar o resultado de uma análise lógica e mostrar um estilo próprio; indicar
proclamações divinas e certas aproximações óbvias da assinatura divina. Além disso, os refrãos
encontrados no texto serão sinalizados em itálico. Para maiores detalhes, veja as p. 2-7 dessa mesma obra.
96
2.1.2.1. Primeira subunidade (v. 1-2)
A introdução da perícope enquadra o trecho dentro de um relato profético, no
qual se observa a incidência da fórmula da palavra profética, composta pela seguinte
expressão: “A palavra que aconteceu para Jeremias de Javé, para dizer:—” (v. 1). 209 Os
personagens têm importância fundamental na construção desse texto narrativo.
Basicamente podemos observar, nesse ponto, que há um protagonista (Javé) e um
adjuvante (Jeremias).
Nessa frase narrativa, o qal infinitivo introduzido por preposição לֵאמֹֽרlēʼmōr
“para dizer” tem a função de nosso dois-pontos quando introduz o discurso direto. Em
alguns casos, tal expressão nem precisa ser traduzida. 210 Ela encabeça o relato daquilo
206F
que Javé disse a Jeremias. Outro elemento essencial desse texto narrativo é o narrador.
É ele quem mostra o que está acontecendo atuando como intermediário entre a ação
narrada e o leitor. O narrador expõe o relato na terceira pessoa, dado que o verbo ָה ָי ֣ה
hāyāh “aconteceu” encontra-se no qal perfeito terceira pessoa masculino singular, o que
também sinaliza uma ação que se deu no passado em contraste com o tempo presente do
escritor. 211 O relato não é do próprio Jeremias, mas é relato na terceira pessoa.
207F
Todavia, a partir do segundo versículo, como nos informa Nelson Kirst, pouco
material pode ser considerado relato. Na verdade, seriam ditos supostamente entregues
por Javé a Jeremias, o qual, por sua vez, teria a incumbência de passá-los adiante. Esta
segunda etapa do processo de transmissão do dito de Jeremias a seus destinatários
consiste num evento que pode ser claramente subentendido. 212 208F
97
que dizer. Tais instruções são encabeçadas por verbos no imperativo ע ֲ֗מ ֹדʻǎmōd
“coloque-se” e שׁמְע֣ וּ
ִ šhimʻû “ouvi”, representados na forma da segunda pessoa do
singular, que denotam ordem, intenção e exortação, ou seja, a vontade de quem os
profere. 214
210F
Portanto, a sentença instrutiva pronunciada por Javé seria uma ordem direta a
Jeremias (segunda pessoa do singular) envolvendo as seguintes palavras: “Coloque-se
na porta da casa de Javé e proclama ali esta palavra”. Esta sentença, por um lado, revela
o lugar em que se deu a ação שׁ ַע ֙ר ֵ ֣בּית י ְה ֔ ָוה
֙ ַ ְבּbᵉšaʻar bêt yᵉhwāh “porta da casa de Javé”
e, por outro, evidencia pelo menos um elemento da prosa clássica, uma vez que o
emprego do wav conversivo atrelado a um verbo no qal perfeito ָ ְוק ָ ָ֣ראתwᵉqārāʼtā “e
proclama” geralmente aponta para tal estilo literário, além de apresentar nuanças do
imperativo. 215 21F
A ênfase em seguida recai sobre o que seria dito pelo profeta. O emprego da
conjunção wav + verbo qal no perfeito segunda pessoa masculino singular ָוְאָ ַמ ְר ֞תּ
wᵉʼāmartā “e dirás” nos coloca diante do que deverá ser pronunciado. O profeta, então,
confrontaria sua audiência com estas palavras: “Ouvi a palavra de Javé, todos de Judá,
os que entram por estas portas, para prostrar-se para Javé”. A fórmula de proclamação
ְהו֖ה
ָ שׁמְע֥ וּ דְ בַר־י
ִ šhimʻû dᵉbar yᵉhwāh “ouvi a palavra de Javé” transmite a ideia de
vocativo. 216 21F
numa estrutura retórica em forma quiástica. 218 Observe a disposição da expressão שׁעַר
214F ַ
šaʻar “porta” e do termo דָּ בָרdābār “palavra”. Além disso, o texto procura introduzir
214
Sobre a função do verbo no imperativo veja Michael S. Heiser, Glosario de la base de datos de
terminologia morfológica-sintáctica, Bellingham, Logos Bible Software, 2005, verbete: imperfeito.
Confira também Heinrich Ewald, Syntax of the Hebrew Language of the Old Testament, Edinburgh, T&T
Clark, 1891, p. 17.
215
Cyrus Gordon, Ugaritic Textbook Grammar Texts in Translation Cuneiform Selections Glossary
Index, p. 115.
216
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 66.
217
Ernest Sellin, Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 60.
218
O quiasmo é derivado da letra grega chi (que tem a forma da letra X), um dispositivo retórico por meio
do qual as linhas de um texto correspondem em um padrão X. Veja detalhes em Ralph L. Smith, Word
Biblical Commentary, Micah-Malachi, Dallas/Texas, Word Books Publisher, 2002, p. 246; Ethelbert
William Bullinger, Figures of Speech Used in the Bible Explained and Illustrated, London/New York,
Eyre & Spottiswoode/E. & J. B. Young & Co., 1898, p. 374-379; William W. Klein; Craig Blomberg;
Robert L. Hubbard; Kermit Allen Ecklebarger, Introduction to Biblical Interpretation, Dallas, Word Pub.,
1993, p. 298-301.
98
um novo personagem antagônico que tenta impedir o protagonista de realizar seus
propósitos. Tal antagonista não é um indivíduo, mas sim um grupo denominado כָּל־י ְהוּ ָד
kol yᵉhûdā “todos de Judá”. Agora, vejamos como fica o arranjo do versículo em
questão.
2
Coloque-se na porta da casa de Javé e proclama ali esta palavra, e dirás: —
Ouvi a palavra de Javé, todos de Judá, os que entram por estas portas, para prostrar-
se para Javé: (v. 2)
219
Apódose seria a expressão “então” numa sentença condicional.
220
Para um estudo sobre o uso do coortativo, confira Bruce K. Waltke; Michael Patrick O’Connor, An
Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 573-578.
221
James Muilenburg, The Form and Structure of the Covenantal Formulations, em Vetus Testamentum,
Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 9, n. 4, 1959, p. 353. Veja ainda Thomas L. Thompson, The
99
Assim, o arranjo do v. 3 poderia ser evidenciado como segue:
3
Assim disse Javé Zebaot,
Deus de Israel:
Fazei bom caminhos de vós e as obras de vós,—
então deixarei morar a vós neste lugar.
A linha de pensamento do v. 3 é interrompida pelo v. 4. O que se encontra
expresso de forma mais genérica no v. 3 será explicitado somente nos vv. 5-7. Na
verdade, o v. 3 seria algo como um título para os vv. 5-7. Portanto, é possível concluir
que existe uma anomalia entre o v. 3 e o v. 4. Enquanto que o v. 3 destaca uma ordem
de Javé seguida de promessa condicional, o v. 4 provê palavras contra a confiança no
templo. Essas palavras são desenvolvidas e complementadas somente nos vv. 8-12, uma
vez que os vv. 9-11 tem certa afinidade com o v. 8. Tal como o v. 3, o v. 4 tem a função
de título, porém, o assunto introduzido nesse verso será desenvolvido somente nos vv.
8-12.
No v. 4, o advérbio de negação, acompanhado do verbo no jussivo אַל־תִּ ְבטְח֣ וּʼal
tibṭᵉhû “não confiais”, ditam o tom da sentença negativa de Javé expressando a vontade
do orador. 222 A expressão ָל ֶ֔כםlākem “para vós” que vem logo depois carrega
218F
pessoa afora o sujeito ou objeto está interessado na questão, bem como serve para
transmitir a impressão por parte do orador de que o sujeito estabelecerá sua identidade
ao recuperar sua próprio posição dissociando-se de seu ambiente familiar. A expressão
está relacionada com a noção de isolamento e reclusão. 224 20F
O restante da frase nos diz no que não se deve confiar, isto é, ַשּׁקֶר
֖ ֶ אֶל־דִּ ב ֵ ְ֥רי הʼel
dibrê haššeqer “em palavras de mentira”, e abre a brecha para que se descubra quais
seriam essas palavras. A seguir o conteúdo das “palavras de mentiras” é reproduzido por
Origin Tradition of Ancient Israel: I. The Literary Formation of Genesis and Exodus 1-23, Sheffield,
Sheffield Academic Press, 1987, p. 150-151. Consulte Também J. Scott Duvall; J. Daniel Hays, Grasping
God's Word: A Hands-on Approach to Reading, Interpreting, and Applying the Bible, Grand Rapids,
Zondervan, 2005, p. 327-345.
222
O termo אַלʼal “não” é usado algumas vezes em ordens, despersuasão, desaprovação, expressão de
desejo etc. Cf. A. B. Davidson, Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax, Edinburgh, T&T Clark,
1902, p. 171.
223
T. Muraoka, On the So-Called Dativus Ethicus in Hebrew, em Journal of Theological Studies, Oxford,
Oxford University Press, vol. 29, 1978, p. 495-498.
224
Bruce K. Waltke; Michael Patrick O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 208-209.
100
uma citação direta. 225 Nela temos a tripla menção da expressão ֵ֙יכ֤ל י ְהוָה
21 F ַ הhêkal yᵉhwāh
“templo de Javé”. 226 Esta expressão aparece como um agrupamento nominal construto,
2F
ou seja, não é nem sentença nem frase, mas um grupo de palavras parte de um sintagma
mais amplo que indica possessão. 227 23F
conforme segue:
4
Não confiais para vós em palavras de mentira, para dizer: —
templo de Javé,
templo de Javé,
templo de Javé (são) eles!
sobretudo, nesse primeiro momento, uma conexão com o v. 3. O uso da conjunção אִם
ʼîm “se” nas duas linhas que seguem imerge não somente essas duas frases dentro do
âmbito da condicionalidade, mas também as sentenças contidas no v. 6, inserindo-as no
contexto da tradição jurídica israelita, o chamado direito casuístico. 230 26F
225
A citação direta é a reprodução das verdadeiras palavras de uma pessoa fixadas no discurso de outra.
Veja sobre esse assunto em William David Reyburn; Euan McG. Fry, A Handbook on Genesis, New
York, United Bible Societies, 1997, p. 1136.
226
A repetição de palavras é um dos indícios de afirmação (cf. Is 38,19; Ec 7,24; Is 6,3). Veja A. B.
Davidson, Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax, p. 164. Além disso, é uma característica
estilística usada para transmitir uma forte emoção. Cf. Shimeon Bar-Efrat, Narrative Art in the Bible,
London/New York, T&T Clark International, 2004, p. 211-212.
227
Frederic Clarke Putnam, Hebrew Bible Insert: A Student’s Guide to the Syntax of Biblical Hebrew,
Quakertown, Stylus Publishing, 2002, p. 17-19.
228
David M. Howard, An Introduction to the Old Testament Historical Books, Chicago, Moody Press,
1993, p. 26.
229
Veja sobre o uso dessa expressão em Anneli Aejmelaeus, Function and Interpretation of כִּיin Biblical
Hebrew, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 105, n. 2, p. 193-
209. Também E. J. Revell, Thematic Continuity and the Conditioning of Word Order in Verbless Clauses,
em Cynthia L. Miller (ed.), The Verbless Clause in Biblical Hebrew: Linguistic Approaches. Linguistic
Studies in Ancient West Semitic, Indiana, Eisenbrauns, vol. 1, 1999, p. 297-319.
230
Antonio Gonzaléz Lamadrid, As tradições históricas de Israel, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 44.
101
Verbos no infinitivo absoluto colocados na frente de uma forma conjugada da
mesma raiz estão presentes na primeira linha, הֵיטֵי ֙ב תֵּ י ִ֔טיבוּhêṭêb têṭîbû
em hebraico. 232 Quando isso acontece, a oração não descreve uma ação e sim uma
28F
231
Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 221.
232
Na oração verbal, primeiro vem o verbo, depois o sujeito (e seus complementos) e, por fim, o objeto e
outros complementos do verbo.
233
Sobre sintaxe de uma frase, confira A. B. Davidson, Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax,
p. 144-162. Veja também Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1-
12, p. 283, e Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 119.
234
Veja um estudo desse assunto em Mark D. Fulato, Beginning Biblical Hebrew, Indiana, Eisenbrauns,
2003, p. 163-164. Confira também A. John Cook, The vav-prefixed Verb Forms in Elementary Hebrew
Grammar, em Journal of Hebrew Scriptures, Edmonton, University of Alberta, vol. 8, 2008, p. 11-16.
Veja ainda acerca do perfeito com wav consecutivo em E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.),
Gesenius' Hebrew Grammar, Bellingham, Logos Research Systems, 2003, p. 331-339.
102
2.1.2.4. Terceira subunidade (v. 4. 8-12)
A partir do v. 8 nos deparamos com uma nova subunidade. Seu início, como já
vimos, situa-se no v. 4. De antemão, portanto, é possível constatar que os vv. 4.8-12
consistem em uma nova subunidade. Como o v. 4 já foi analisado anteriormente, não
será necessário discorrermos acerca dele novamente. Realizaremos a seguir a análise
dos vv. 8-12.
A interjeição ה ִֵנּ֤הhinnēh “eis” no início do v. 8 tem a função semântica de atrair
a atenção para a surpreendente e importante declaração que segue. A despeito da
insistente advertência do v. 4, constata-se no v. 8 que a mesma não foi acatada pelo
grupo caracterizado através do pronome אַתֶּ םʼattem “vós” e do sufixo ֶכ֖םkem “de vós”.
O que é atestado na frase “vós confiais para vós em palavras da mentira, — para não ter
proveito!”. A repetição precisa da expressão similar mencionada anteriormente no v. 4
“confiais para vós em palavras de mentira” nos leva a presumir que estamos diante de
um material prosaico nesse versículo. Como visto anteriormente, tal característica
estilística da prosa serve para realçar o significado do acontecimento.
O v. 9, por sua vez, começa com uma pergunta direta ou questão retórica, um
dispositivo literário que consiste numa pergunta para a qual já se sabe a resposta e, por
isso, não há necessidade de responder. 235 O advérbio ֲהhǎ que tem a função de expressar
231 F
uma pergunta às vezes pode apresentar uma nuance exclamatória. 236 No entanto, 23 F
237
optamos por manter seu sentido interrogativo. 23F Na sequência, seis verbos no infinitivo
absoluto ג ָ֤נ ֹבgānōb “roubais”, ָר ֙צ ֹ ַחrāṣōah “matais”, נ ָ֔א ֹףnāʼōp “cometeis”, ִהשָּׁבֵ ֥ ַע
103
perfeito segunda pessoa do plural י ְדַ ע ְֶתּֽםyᵉdaʻtem “conhecestes” indica uma ação
concluída no passado. 239 Tanto a questão retórica quanto a acumulação de verbos nesse
235F
diante de quem e em que lugar ocorrem tais ações verbais, ou seja, “diante de minha
face nesta casa que se clamou meu nome nele”. Logo depois nos deparamos com uma
citação direta em que os personagens identificados pelo pronome “vós” dizem:
“Estamos salvos a fim de fazer todas essas abominações!”. Tais palavras demonstram a
forte confiança do grupo.
As argumentações dos vv. 9 e 10 culminam no v. 11. Aqui, novamente por meio
de uma pergunta retórica, o orador questiona seus ouvintes assim: “(Porventura) caverna
de ladrões tornou-se esta casa, que se clamou meu nome nele nos olhos de vós?” A
repetição da expressão que também se encontra no v. 9 “esta casa, que se clamou meu
nome nele” nos auxilia a enquadrar esse versículo no estilo prosaico. Haja vista que a
expressão é uma repetição exata de palavras, não o paralelo de sinônimos encontrados
na poesia hebraica.
Em seguida, o pronome pessoal אָנ ִֹכ֛יʼānōkî “eu” é utilizado expressamente
como sujeito da ação a fim de dar ênfase ao assunto. Posteriormente, é de se destacar a
ocorrência da interjeição ה ִֵנּ֤הhinnēh “eis”, que aparece também no v. 8, cuja função
semântica é atrair a atenção para a surpreendente e importante declaração a seguir, além
de colocar os vv. 8-11 dentro de um inclusio na subunidade. 242 238F
239
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1-12, p. 329.
240
Shimeon Bar-Efrat, Narrative Art in the Bible, p. 211-217.
241
O weqatal frequentemente introduz narrativas históricas que estão dentro de um discurso direto. Veja
um estudo sobre este verbo em B. M. Rocine, Learning Biblical Hebrew: A New Approach Using
Discourse Analysis, Georgia, Smyth & Helwys, 2000, p. 64-66, 149-152. Também as obras de Paul
Joüon; T. Muraoka, A Grammar of Biblical Hebrew, p. 373 assim como Silviu Tatu, The Rhetorical
Interpretation of yiqtol//qatal (qatal//yiqtol) Verbal Sequence in Classical Hebrew Poetry and its Research
History, em Transformation, Carlisle, Paternoster Periodicals, vol. 23 , n. 1, 2006, p. 17-23.
242
Christo H. J. van der Merwe; Jackie A. Naudé; Jan H. Kroeze, A Biblical Hebrew Reference
Grammar, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, p. 330. Veja um estudo sobre essa expressão como
inclusio na subunidade em Jack R. Lundbom, Delimitation of Units in the Book of Jeremiah, em
Raymond de Hoop; Marjo Korpel; Stanley Porter (eds.), The Impact of Unit Delimitation on Exegesis
(Pericope 7): Scripture as Written and Read in Antiquity, Leiden/Boston, Brill Academic, 2009, p. 167-
169.
104
A declaração se resume a um simples verbo estativo no qal perfeito na primeira
pessoa do singular ָר ִ ֖איתִ יrāʼîtî “vi”, que como se pode perceber possui o significado
primário do pretérito. 243 No final do verso, o substantivo construto + substantivo
239F
próprio נְאֻם־י ְהוָ ֽהnᵉʼūm yᵉhwāh “oráculo de Javé” tem a função de marcador do discurso
profético ou assinatura que revela a origem e autoridade da mensagem no discurso.244 240F
243
Cf. Paul Joüon; T. Muraoka, A Grammar of Biblical Hebrew, p. 331.
244
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
Grand Rapids, Zondervan Publishing House, vol. 3, 1998, p. 2. Assim como James Swanson, A
Dictionary of Biblical Languages Hebrew Old Testament (electronic ed.), Oak Harbor, Logos Research
Systems, 1997, DBLH 5536.
245
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 40.
246
James Swanson, A Dictionary of Biblical Languages Hebrew Old Testament (electronic ed.), DBLH
5528.
247
James D. Martin, Davidson’s Introductory Hebrew Grammar Hebrew, Edinburg, T&T Clark, 1902, p.
74-75.
248
Veja sobre os marcadores relativos em Bruce K. Waltke; Michael Patrick O’Connor, An Introduction
to Biblical Hebrew Syntax, p. 330-340.
105
Antes da ocorrência da terceira partícula relativa, encontramos um wav
copulativo acoplado num verbo no imperativo plural וּרא ֙וּ
ְ ûrᵉʼû “e vede”; tal expressão
dirigida ao mesmo grupo “vós” indica a consequência ou a intenção da solicitação
expressa no início do verso. Esta consequência, como questão de fato, era pretendida ou
desejada pelo orador do discurso. A partícula relativa após o marcador de objeto direto
aponta para a parte principal da frase verbal, a oração subordinada “que fiz para ele”.
Aqui novamente surge um verbo qal no perfeito primeira pessoa do singular ָשׂיתִ י
ִ֣ ע
ʼāśîtî “fiz” expressando no hebraico uma ação concluída. O restante do versículo
apresenta o motivo para tal ação, ou seja, “a maldade de meu povo Israel”. 249 245 F
249
E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 325.
250
Para um estudo sobre a repetição de palavras na prosa, confira Shimeon Bar-Efrat, Narrative Art in the
Bible, p. 213-215. E também Robert Alter, A arte da narrativa bíblica, São Paulo, Companhia das Letras,
2007, p. 137-173.
106
Estamos salvos, — a fim de fazer todas essas abominações!
11
(Porventura) caverna de ladrões tornou-se esta casa, que se clamou meu nome nele
nos olhos de vós? —
Também — eu eis que vi,
oráculo de Javé.
12
Pois, ide agora para meu lugar que (estava) em Siló,
onde fiz morar o meu nome ali, no princípio, —
e vede que fiz para ele, por causa da maldade do meu povo Israel.
“visto que” coloca a sentença que seguirá no âmbito da causalidade. 252 Nela se 248F
251
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 37-38. Também Jack
R. Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 469.
252
A. B. Davidson, Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax, p. 198.
253
Confira acerca da construção do infinitivo construto com sujeito a obra de E. Kautzsch; Arthur Ernest
Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 352-355.
107
perfeito na segunda pessoa plural שׁ ַמעְתֶּ֔ ם
ְ šᵉmaʻtem “ouvistes” ִיתֽם
ֶ ֲענʻǎnîtem
“respondestes” precedido pelas partículas de negação �֣ אlōʼ “não”. A inserção da
fórmula do dito divino no começo do oráculo sublinha o fato de que seria Javé aquele
que acrescentaria as posteriores palavras de julgamento. 254 Sem dúvida estamos diante
250F
de um verso que apresenta claros traços poéticos, dado que ao longo do mesmo
constatam-se frases paralelas que evidenciam repetições antitéticas. 255 251F
Uma conjunção ְוwᵉ traduzida aqui como “portanto” marca o tom da sentença do
v. 14, visto que a razão para a mesma está contida no versículo anterior, a sentença que
este wav está prefixando tem um poder conclusivo. 256 O que se encontra depois da
25F
conjunção é uma frase verbal seguida de duas frases relativas. A frase verbal consiste na
própria conjunção prefixada a um verbo qal no perfeito primeira pessoa do singular
שׂיתִ י
ִ ֜ ְו ָעwᵉʻāśîtî “farei”, normalmente traduzido no futuro, que vem como resposta à ação
descrita nos versículos antecedentes.
O afixo posposto à raiz verbal nos remete ao próprio Javé. Logo depois, o uso da
preposição prefixada + substantivo ל ַ ַ֣בּי ִתlabbayit “para casa” indica o objeto da ação
verbal. Sendo assim, a frase até aqui informa-nos sobre uma ação executada por Javé,
“farei para a casa”. O que vem em seguida são duas frases relativas encabeçadas pelo
termo ֲשׁר
֣ ֶ אʼǎšer “que/a qual” usado com referência ao antecedente “casa”, o qual
introduz duas orações adjetivas subordinadas, a saber, “que se clamou meu nome nele, a
qual vós confiais nele”.
Logo após, a incidência de uma conjunção + preposição + substantivo ְו ַל֙מּ ָ֔קוֹם
wᵉlammāqôm “e para o lugar” indica outro objeto da ação verbal apontada no início do
versículo. Na sequência, uma frase relativa ao antecedente “lugar” introduz a seguinte
oração adjetiva subordinada: “que dei para vós e para pais de vós”. Por fim, o
termo ֲשׁר
֥ ֶ ַכּאkaʼǎšer “como” assemelha a referida ação a outra ocorrida no passado; a
repetição neste ponto do mesmo verbo e do mesmo pronome pessoal que abriram o
254
Hans Walter Wolff; S. Dean McBride, Joel and Amos: A Commentary on the Books of the Prophets
Joel and Amos, Philadelphia, Fortress Press, 1977, p. 48.
255
Veja Milton Schwantes, Sentenças e provérbios. Sugestões para a interpretação da sabedoria, p. 70.
Também Thomas P. McCreesh, Biblical Sound and Sense: Poetic Sound Patterns in Proverbs 10-29,
Sheffield, JSOT Press, 1991, p. 131-132. Assim como a obra de Scott Ellington, Poetic Books: An
Independent Study Textbook, Springfield, Global University, 2006, p. 15-17. Há basicamente três tipos de
repetições na poesia hebraica. Quando as repetições constituem opostos, falamos de antíteses; quando se
igualam ou se assemelham, de sinônimos; quando se complementam, de repetições sintéticas.
256
Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures, p.
235.
108
versículo, com exceção da conjunção wav prefixada, indica que essa ação se deu por
meio do mesmo agente (Javé), todavia, em período diferente, dado que o verbo no qal
perfeito ָשׂיתִ י
֖ ִ עʻāśîtî “fiz” sem a conjunção wav expressa, nesse contexto, uma ação
concluída no passado. Assim, percebe-se forte teor comparativo na expressão final
“como fiz para Siló”. Há indícios de que esse versículo contenha traços que o
caracterizem como um trecho poético, uma vez que se encontram repetições sintéticas,
além de aliterações e assonâncias.
O último verso da subunidade (v. 15) tem início com uma frase verbal
introduzida pela conjunção wav + verbo hifil perfeito primeira pessoa comum
singular ְתּי
֥ ִ שׁ ַלכ
ְ ְו ִהwᵉhišlaktî “e lançarei”. Na frase “e lançarei a vós da minha face”, o
agente continua sendo o mesmo do verso anterior “eu”, e a ação futura se dirige à
mesma audiência אֶתְ ֶכ֖םʼetekem “a vós”. Posteriormente surge a repetição do mesmo
109
e para o lugar, que dei para vós e para pais de vós, —
como fiz para Siló.
15
E lançarei a vós da minha face, —
como lancei
todos os irmãos de vós,
toda a descendência de Efraim.
257
Para uma compreensão mais detalhada dos gêneros do Antigo Testamento, confira William W. Klein;
Craig Blomberg; Robert L. Hubbard; Kermit Allen Ecklebarger, Introduction to Biblical Interpretation,
1993, p. 322-397.
110
de mensageiro: um relato em prosa narrativa na terceira pessoa sobre um evento ou
situação no passado que retrata o envio de um mensageiro com uma mensagem. A
ênfase recai sobre a comissão, que consiste numa instrução específica ou ordem direta
dada por um superior a um subordinado concernente a onde ir e o que dizer. 258 As
narrativas sobre profetas (Ex 3,7-10; 1 Rs 12,22-24; 19,15-16; 21,17-19; Am 7,15-17) e
os relatos de vocação profética (Is 6,9-10; Jr 1,4-10; Ez 3,1-11) são exemplos de
comissionamento. A comissão, portanto, é uma forma importante de representar o
profeta como o mensageiro de Javé e de organizar as coleções de palavras proféticas.
Sendo assim, constata-se na primeira seção da unidade (7,1-15) a presença da
fórmula da palavra profética (Prophetische Wortereignisformel). 259 Uma afirmação 25F
258
Veja os diversos papéis desempenhados por um mensageiro na Bíblia: enviado militar (2 Sm 11,18-
21.25), mensageiro (Gn 32,3-5; 1 Rs 14,7-11), funcionário real (2 Rs 19,2-7).
259
Gerald Morris, Prophecy, Poetry and Hosea, p. 51.
260
Veja alguns exemplos em 2 Sm 7,7; 1 Rs 16,1; 17,2; 18,1.
111
militares (2 Rs 18,28-29) e na literatura profética (Am 3,1; Os 4,1; Mq 6,1; Is 1,10; Ez
6,3). 261
Em seguida, o destaque passa a ser a fórmula do mensageiro (v. 3) e a mensagem
propriamente dita (v. 4-15). 262 A fórmula do mensageiro ְהו֤ה
258F ָ כֹּֽה־אָ ֞ ַמר יkōhʼāmar yᵉhwāh
“assim disse Javé” normalmente introduz o dito do mensageiro (Botenspruch,
Botenrede), que consiste numa mensagem entregue por um mensageiro contendo a
repetição literal das palavras proferidas pelo remetente quando o comissiou (Gn 32,1-5).
O conteúdo da mensagem encontra-se na forma de um dito direto do remetente.
Tal forma pressupõe que o mensageiro fala em nome do remetente. Essa fórmula
provavelmente teve sua origem na antiga prática da transmissão oral da mensagem por
meio de uma terceira pessoa. Ela se divide em duas partes: na primeira delas, o
remetente comissiona e instrui o mensageiro e, na segunda, as palavras são reiteradas
pelo mensageiro na entrega da mensagem. Ao longo da unidade dos caps. 7,1–8,3, a
fórmula do mensageiro é empregada frequentemente. 263 259F
261
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 65-66. Também S. J.
De Vries, 1 and 2 Chronicles, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1989, p. 437. Assim
como B. O. Long, 2 Kings, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1991, p. 319 e K. Koch,
The Growth of Biblical Tradition, New York, Scribner’s, 1969, p. 205.
262
Exemplos da fórmula de comissionamento aparecem em Gn 32,5; 1 Rs 14,7; 2 Rs 18,19; 19,6; Is 7,3-
4; 36,4; 37,6; 38,4; Ez 3,1.4.11.
263
Claus Westermann, Basic Forms of Prophetic Speech, Cambridge/Louisville, The Lutterworth
Press/John Knox Press, 1991, p. 90-128. Veja também S. Meier, The Messenger in the Ancient Semitic
World, Atlanta, Scholars Press, 1988, 269 p.
264
Burke O. Long, 1 Kings with an Introduction to Historical Literature. The Forms of the Old Testament
Literature, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1984, p. 229.
112
15,7). A exortação aparece na literatura profética, embora sua posição como um gênero
profético independente seja contestada. 265
No v. 4, a exortação dá lugar ao gênero da proibição (Verbot), ou seja, uma
proibição direta de uma ação ou coisa, baseada numa autoridade tal como tradição, lei,
decreto. Esse gênero normalmente emprega as partículas de negação אַלʼal �֥ אlōʼ com
o jussivo e geralmente é acompanhado de uma oração causal (Pv 22,22-23,18). A
proibição é uma incumbência negativa que ocorre frequentemente no ensino de
sabedoria (instrução, admonição), assim como em narrativas legais. É utilizada também
pelos profetas em conjunto com as formas persuasivas ou instrucionais. A ausência de
penalidades legais para sua violação e a frequente associação com as formas
instrucionais indicam que a função básica da proibição é instruir ou persuadir. O cenário
pressupõe uma fonte autoritativa, tal como uma família, clã, tribo, sacerdócio, monarca,
mestre da sabedoria ou profetas. 266 26F
אִםkî ʼim “pois se” (prótase) consiste no centro da relação da aliança, as quais se
encontram ligadas posteriormente a uma promessa introduzida pelo termo ְוwᵉ “então”
(apódose). Tal gênero é formulado de maneira impessoal, genérica e condicional.268 264F
265
Marvin Sweeney, Isaiah 1-39: With an Introduction to Prophetic Literature. The Forms of the Old
Testament Literature, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 13, 1996, p. 520.
266
J. Bright, The Apodictic Prohibition: Some Observations, em Journal of Biblical Literature, Atlanta,
Society of Biblical Literature, vol. 92, 1973, p. 185-204.
267
James Muilenburg, The Form and Structure of the Covenantal Formulations, p. 354.
268
Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 194-195.
113
simples de acusação. Por outro lado, a forma mais desenvolvida estabelece a conexão
causal entre a ofensa e sua consequência (1 Sm 15,23). 269
Os elementos evidenciados nos vv. 9-11 nos levam a deduzir que se trata de um
gênero de retórica de disputa legal onde duas questões retóricas (v. 9.11) emolduram
uma acusação de crime (v. 10). 270 Na verdade, o gênero disputa profética
(Prophetisches Disputationswort, Prophetisches Streitgespräch) está presente ao longo
dos vv. 4-15; é um tipo de dito profético baseado na adaptação de um debate público
envolvendo representantes de duas ou mais opiniões diferentes. Esse debate ocorria
entre os sábios, tal como retratado em Jó, nos procedimentos legais (Gn 31,36-43), entre
os profetas (Jr 28, 1-11) etc.
Os profetas adaptaram esse gênero com o propósito de lidar com opiniões
contrárias. Eles sintetizavam uma postura popular e em seguida discorda dela. Esses
elementos básicos podem ser descrito em uma grande variedade de formas, porém, ao
discordar da opinião popular, o profeta geralmente faz uso do dito oracular de Javé. O
gênero era endereçado diretamente à audiência, implicando que tais ditos eram
proclamados oralmente numa área pública. Mas, também poderia ter sido escrito com o
intuito de desenvolver um argumento do escritor para o leitor. Diante disso, é muito
difícil cravar uma posição definitiva concernente ao texto como ditos transcritos da
tradição oral ou como representações escritas desses ditos. 271 Como já esboçado
anteriormente, em nossa pesquisa optamos pela primeira hipótese.
A questão retórica (Rhetorische Frage) consiste numa pergunta que não exige
resposta. Ela ocorre frequentemente na persuasão e no argumento, e como subgênero
em inúmeros gêneros na Bíblia Hebraica. A suposição é que a resposta é evidente,
geralmente a única resposta provável. 272 No encerramento do v. 11, a presença da
fórmula da proclamação profética (Prophetische Offenbarungsformel) ou fórmula
oracular indica que Javé está falando na primeira pessoa no contexto imediato. 273 Ela
269
George W. Coats, Exodus 1-18. The Forms of the Old Testament Literature, Grand Rapids, William B.
Eerdmans Publishing Co., vol. 2A, 1999, p. 156. Veja ainda Claus Westermann, Basic Forms of
Prophetic Speech, p. 142-148.
270
Este gênero é encontrado na introdução do código da aliança (Ex 19,3-6) e em outras partes da Bíblia
Hebraica. Veja a obra de William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the
Book of the Prophet Jeremiah, Chapters 1–25, p. 239.
271
Michael Floyd, Minor Prophets: Part 2. The Forms of the Old Testament Literature, Grand Rapids,
William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 22, 2000, p. 638.
272
Deborah Sweeney, What’s a Rhetorical Question? em Lingua Aegyptia, Göttingen, Universität
Göttingen, 1991, p. 315-331. Confira também a obra de Roland Edmund Murphy, Wisdom Literature:
Job, Proverbs, Ruth, Canticles, Ecclesiastes, and Esther. The Forms of the Old Testament Literature,
Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 13, 1981, p. 181.
273
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 40.
114
pode ser encontrada no início, meio ou fim de um dito profético. O cenário da fórmula
parece ser o relato de visão do vidente (2Sm 23,1; Nm 24,3) que nos remete ao contexto
do presságio ou da consulta oracular. Os elementos visuais são frequentemente
introduzidos pela expressão הִנֵּ ֥הhinnēh “eis”. 274
270F
da aliança, a fórmula ַי֧עַןyaʻan “visto que”, que introduz a descrição da ação humana
274
Marvin Sweeney, Isaiah 1-39: With an Introduction to Prophetic Literature. The Forms of the Old
Testament Literature, p. 534, 535. Consulte também B. O. Long, Reports of Visions Among the Prophets,
em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 95, 1976, p. 353-365.
275
Erhard S. Gerstenberger, Psalms Part 2, and Lamentations. The Forms of the Old Testament
Literature, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 15, 2001, p. 535.
115
transgressão. Seu cenário depende das diversas circunstâncias em que o profeta
atuava. 276
116
das questões que envolviam o ambiente socioeconômico em Judá durante o tempo do
reinado desse tirano. Sem contar que também corrobora a concepção do templo de
Jerusalém como importante centro de arrecadação de tributo para o pagamento tanto das
extravagantes despesas da corte como também da dívida externa de Judá. Diante disso,
baseado nas informações contidas no cap. 26,1-6, optaremos pela aceitação da hipótese
de que Jeremias proferiu essas palavras no lugar identificado como שׁ ַע ֙ר ֵ ֣בּית י ְה ֔ ָוה
֙ ַ ְבּ
bᵉšaʻar bêt yᵉhwāh “na porta da casa de Javé” (7,2) e ַבּח ֲַצ֣ר בֵּית־י ְהוָהbaḥᵃṣar bêt yᵉhwāh
“no pátio da casa de Javé” (26,2), no período definido como שׁית ַמ ְמלְכ֛ וּת י ְהוֹי ִ ָ֥קים
ִ ֗ בּ ְֵרא
bᵉreʼšît mamlᵉkût yᵉhôyāqîm “início do reinado de Jeoaquim (26,1). 280 276F
280
A expressão “início do reinado de Jeoaquim” provavelmente indica uma data entre setembro de 609
a.C. e março de 608 a.C. Veja maiores informações sobre esse termo no terceiro capítulo de nossa
pesquisa.
281
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, Scotland,
Mentor, vol. 1, 2004, p. 297. Confira também H. D. M. Spence-Jones (ed.) The Pulpit Commentary:
Jeremiah, Bellingham, Logos Research Systems, vol. I, 2004, p. 183.
117
pudéssemos provar que Jeremias anunciou o juízo incondicional, sem dar
jamais margem ao arrependimento do povo e a um câmbio de atitude de Javé.
No entanto, parece-nos que não foi esse o caso, conforme atestam passagens
como 18,1-10, especialmente os vv. 7-8. Portanto, Jeremias também conhece
o arrependimento, de modo que o conteúdo de vv. 3b + 5-7 não é
incompatível com sua mensagem. Outro argumento apresentado é o estilo
dos vv. 3b + 5-7, semelhante ao de uma prédica e que seria contrário ao
modo de falar de Jeremias. O argumento não chega a convencer, sobretudo
porque uma fala com tal conteúdo dificilmente poderia ter outro estilo... O
resumo de 26.4-6 acolhe justamente o aspecto condicional de 7.1-15 e lhe dá
ênfase. E, mais uma vez, só poderíamos atribuir 26.4-6 a círculos dtr, se
pudéssemos provar que Jeremias não conhece o elemento do arrependimento.
Como esse não é o caso, no nosso entender, preferimos não acompanhar os
que optam pela inautenticidade dos vv. 3b + 5-7. 282
118
O cenário da política externa naquele ano também favorece essa afirmação, uma
vez que Judá fazia parte da coalisão liderada pelo Egito que tinha a intenção de resistir
ao avanço de poder babilônico. 285 O clima de provável ameaça e iminente invasão
vivenciada em Judá por conta da derrota do Egito e a tomada de Ascalom pelos
babilônicos deve ter contribuído para que o profeta transmitisse as palavras desse
anúncio de castigo contra a audiência judaíta. 286
Caso levemos em consideração o fato de que o rei Jeoaquim também decretou a
prisão do profeta e de Baruque e que ambos haviam se escondido (Jr 36,26), seria
possível conjecturar que os vv. 13-15 foram formulados num ambiente doméstico, quiçá
numa casa nos arredores de Jerusalém que lhes serviu de esconderijo durante a
implacável perseguição do rei.
וְאַל־תִּ ָ ֧שּׂא ַבע ֲָד֛ם ִרנָּ ֥ה וּתְ פ ִָלּ֖ה וְאַל־levantes por eles clamor e oração, e não insistas
17
comigo, pois eu não ouvirei a ti. (Porventura),
֣�ְהַ ֽאֵינ17 ַע־בּי כִּי־אֵינֶ ֥נִּי שׁ ֵ ֹ֖מ ַע א ָֹתֽ�׃
֑ ִ תִּ ְפגּ
tu não estás vendo o que eles (estão) fazendo nas
ְהוּדה
֑ ָ ר ֹ ֶ֔אה מָ ֛ה הֵ ֥ מָּה ע ִ ֹ֖שׂים ְבּע ֵ ָ֣רי י
cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém?
וּ ְבחֻצ֖ וֹת י ְרוּשָׁלָ ִֽם׃
ַה ָבּ ֞נִים ְמ ַלקּ ִ ְ֣טים ֵע ִ֗צים וְהָ ֽאָבוֹ ֙ת18 18
Os filhos juntam as madeiras, e os pais
ְמ ַבע ִ ֲ֣רים אֶת־ ָה ֵ֔אשׁ ְו ַהנּ ִ ָ֖שׁים ל ָ֣שׁוֹת בּ ֵ ָ֑צקacendem o fogo, e as mulheres misturam a massa
�שּׁ ַ֗מי ִם ְוה ֵ ַ֤סּ
ָ ַל ֲעשׂ֙וֹת ַכּ ָוּ ִ֜נים ִלמ ֶ ְ֣לכֶת ַהde farinha, para fazerem bolos para Rainha dos
Céus; e derramam libações para outros deuses, a
ֵא�הים ֲאח ִֵ֔רים ל ַ ְ֖מעַן ַה ְכע ִֵסֽנִי׃
֣ ִ נְ ָס ִכים֙ ל
fim de provocarem a raiva de mim.
285
William Sanford Lasor; David Allan Hurbard; Frederic William Bush, Panorama Del Antiguo
Testamento: Mensaje, Forma Y Trasfondo Del Antiguo Testamento, p. 450.
286
Mark Lau Branson, Interpretative Leadership during Social Dislocation: Jeremiah and Social
Imaginary, em Journal of Religious Leadership, Clarksville, Academy of Religious Leadership, vol. 8, n.
1, 2009, p. 27-48.
119
ֹה־אָמר׀ אֲד ָֹנ֣י י ְה ֹ֗ ִוה ִה ֵ֙נּה א ִַפּ֤י
ַ֣ ָל ֞ ֵכן כּ20
20
Portanto, assim disse o Senhor Javé: Eis que
וַ ֽ ֲחמָתִ ֙י נ ִֶ֙תּ ֶכ ֙ת אֶל־ ַהמּ ָ֣קוֹם ַה ֶ֔זּה עַל־ira de mim e fúria de mim será derramada sobre
este lugar, sobre o ser humano e sobre o animal,
ַל־ע֥ץ ַהשּׂ ֶ ָ֖דה
ֵ הָ ֽאָדָ ם֙ ְועַל־ ַה ְבּ ֵה ָ֔מה ְוע
e sobre a árvore do campo e sobre o fruto da
ְועַל־פּ ִ ְ֣רי הָ ֽאֲדָ ָ ֑מה וּ ָבע ָ ֲ֖רה וְ�֥ א תִ כְבֶּ ֽה׃ ס
terra, e acenderá e não apagará.
três momentos acena para o caráter temporário das proibições, as quais exibem verbos
imperfeitos no jussivo traduzidos mais adequadamente no português por uma forma no
subjuntivo geralmente utilizada para expressar uma ordem. 288 284F
A ordem proibitiva prossegue com as seguintes palavras “não intercedas por este
povo”. Neste ponto, o verbo תִּ תְ פּ ֵַלּ֣לtitpallēl “intercedas” no tronco hitpaʻel imperfeito
287
Veja acerca das repetições na poesia em Scott Ellington, Poetic Books: An Independent Study
Textbook, Springfield, Global University, 2006, p. 15-17.
288
Essa expressão geralmente é usada para negação temporária e também para indicar o negativo dos
modos imperativo e jussivo, confira George M. Landes, Building Your Biblical Hebrew Vocabulary:
Learning Words by Frequency and Cognate, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 41, 2001, p. 159.
Também Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 165.
120
tem um sentido semelhante ao do imperfeito qal, sinalizando uma ação repetida,
habitual ou costumeira no presente. Tal ação também pode ser verificada tanto na
segunda quanto na terceira frase pela ocorrência dos verbos שּׂא
֧ ָ ִ תּtiśśāʼ “levantes” e
תִּ ְפגַּעtipgaʻ “insistas”, ambos no tronco qal imperfeito, “e não levantes por eles clamor
e oração” “e não insistas comigo”.
A expressão כִּי־אֵינֶ ֥נִּיkî ʼênennî “pois eu não” abre a última frase do verso
sinalizando para a razão da proibição. Depois da conjunção ִכּ֤יkî “pois”, o termo אֵינֶ ֥נִּי
ʼênennî “eu não” representa uma expressão composta pelo advérbio אַי ִןʼayin “não”
conectado ao sujeito da sentença, ou seja, um sufixo pronominal que é a forma
abreviada do pronome pessoal primeira pessoa do singular ֲאנִיʼǎnî “eu”. 289 Essa 285F
negativa do sujeito vem acompanhada de um particípio verbal no tronco qal שׁ ֵ ֹ֖מ ַעšōmeªʻ
“ouvirei”, que descreve uma ação contínua no futuro. 290 Finalmente, o verso é
286F
singular, resultando no termo ֣�ְ אֵינʼênkā “tu não”. Essa pergunta com conotação
negativa dirigida ao profeta (tu) está inserida dentro de uma sentença nominal
caracterizada por dois particípios verbais: ר ֹ ֶ֔אהrôʼeh “estás vendo” e ע ִ ֹ֖שׂיםʻôšîm “estão
fazendo”, que descrevem uma ação contínua no momento presente de quem discursa
(Javé). 292
28F
A pergunta tem a ver com uma atitude de percepção do profeta (tu) “não estás
vendo...?” Logo em seguida, um complemento do verbo cognitivo sinaliza o relato
indireto inaugurado pelo pronome indefinido מָ ֛הmāh “o que”, denominado também
289
Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures, p.
39.
290
Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 237.
291
Veja explicação na página 103 de nosso estudo.
292
Confira sobre a função dos particípios nas frases nominal em Janet W. Dyk; Eep Talstra, Paradigmatic
and Syntagmatic Features in Identifying Subject and Predicate in Nominal Clauses, em Cynthia L. Miller
(ed.), The Verbless Clause in Biblical Hebrew: Linguistic Approaches. Linguistic Studies in Ancient West
Semitic, Indiana, Eisenbrauns, vol. 1, 1999, p. 164-167.
121
como pronome interrogativo, que tem dupla finalidade: a de inter-relacionar partes da
frase e a de dar detalhe de significação à expressão acrescentando-lhe matizes. 293 A 289F
menção em seguida do pronome independente na terceira pessoa masculino plural הֵ ֥ מָּה
hemmāh “eles” designa os personagens (antagonistas) que não fazem parte do ato
comunicativo mas são nele mencionado. Por fim, duas preposições ְבּbᵉ introduzem
duas frases relativas a lugares. Nesse verso a característica poética é marcante. Além da
concisão do versículo e da semelhança sintática entre os dois particípios, pode-se
constatar a presença de repetições sintéticas entre as frases.
No verso seguinte (v. 18) as três primeiras frases estão dispostas numa ordem de
palavras que se diferenciam da ordem normal da oração verbal em hebraico. 294 Já vimos 290F
anteriormente que, quando isso ocorre, a oração não descreve uma ação e sim uma
situação, e tende a realçar o que está no início. 295 Ademais, o verso como um todo
291F
concentra uma mistura de particípios e infinitivos. 296 Nas três primeiras frases
29F
293
Paul Joüon; T. Muraoka, A Grammar of Biblical Hebrew, p. 502.
294
Na oração verbal, primeiro vem o verbo, depois o sujeito (e seus complementos) e, por fim, o objeto e
outros complementos do verbo.
295
Sobre sintaxe de uma frase, confira A. B. Davidson, Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax,
p. 144-162. Veja também Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–
12, p. 283 e Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 119.
296
Bruce K. Waltke; Michael Patrick O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 597.
122
emoldurando outra iniciada pelo infinitivo absoluto. 297 Na frase inicial, o verbo no
293F
então, um dos objetivos das atividades expostas anteriormente, fazerem bolos para
Rainha dos Céus.
A outra frase é paralela à anterior. Começa com um verbo no infinitivo absoluto
prefixado a uma conjunção � ְוה ֵ ַ֤סּwᵉhassēk “e derramam”, e na sequência, para obter a
unidade de significação da frase, um complemento verbal é explicitado: “libações para
outros deuses”. Enfim, nessa frase, tal como na anterior, observa-se outra finalidade das
atividades já expostas “derramam libações para outros deuses”. Na frase que encerra o
verso, o uso da conjunção ל ַ ְ֖מעַןlᵉmaʻan “a fim de” com o verbo no infinitivo construto
297
O infinitivo absoluto nunca é usado em conexão com preposições, somente o infinitivo construto,
porém, se um segundo infinitivo é coordenado pelo ְוcom tal infinitivo construto, ele terá a forma do
infinitivo absoluto. Veja E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 340.
298
Para um estudo detalhado sobre infinitivo construto com preposição לconfira Bruce K. Waltke;
Michael Patrick O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 605-610.
299
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 255.
300
Randall Buth, Syntactic Approaches. Word Order in the Verbless Clause: A Generative-Functional
Approach, em Cynthia L. Miller (ed.), The Verbless Clause in Biblical Hebrew: Linguistic Approaches.
Linguistic Studies in Ancient West Semitic, Indiana, Eisenbrauns, vol. 1, 1999, p. 91.
123
nominal com predicado participial, Javé dirige o seguinte questionamento ao profeta:
“(Porventura) eles me provocam a raiva?” 301 Nele o pronome הֵ ֥םhēm “eles” denota
297F
aqueles que não participam do ato comunicativo mas são nele mencionados, ou seja, as
classes de pessoas citadas no verso anterior. Logo após, a fórmula do dito profético
נְאֻם־י ְהוָ ֽהnᵉʼūm yᵉhwāh “oráculo de Javé” surge como uma assinatura, revelando a
origem e autoridade das palavras. 302298F
contrasta com a anterior. O pronome reflexivo א ֹתָ֔ םʼôtam “eles mesmos” é colocado
depois da partícula negativa ל֣ וֹאlôʼ “não” com o propósito de evidenciar tal antítese. 304 30F
dois substantivos construtos com sufixos na primeira pessoa comum singular ַפּי וַ ֽ ֲחמָתִ י
ִ֤ א
ʼappî wahǎmātî “ira de mim e fúria de mim” imerge a respectiva frase no âmbito de um
futuro imediato. Além disso, em sua construção, a preposição אֶלʼel “sobre”
desempenha um papel importante ao expressar o sentido original de movimento em
direção a alguém ou a alguma coisa, ou seja, a ira e a fúria de Javé seriam derramadas
em direção a ַהמּ ָ֣קוֹם ַה ֶ֔זּהhammāqôm hazzeh “este lugar”.
301
Veja E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 456.
302
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 2. Assim como James Swanson, A Dictionary of Biblical Languages Hebrew Old Testament
(electronic ed.), DBLH 5536.
303
E. W. Bullinger, Figures of Speech Used in the Bible Explained and Illustrated, p. 715.
304
Cf. Paul Joüon; T. Muraoka, A Grammar of Biblical Hebrew, p. 511.
124
A partir daí, três frases sinônimas paralelas contendo preposições עַלʻal “sobre”
conectam e especificam os subsequentes receptáculos da ira e da fúria. O gênero
humano ֙ הָ ֽאָדָ םhāʼādām “o ser humano” aparece como o primeiro deles; na sequência
que fazem parte do gênero vegetal: ַהשּׂ ֶ ָ֖דה ֵע֥ץʻēṣ haśādeh “árvore do campo” e הָ ֽאֲדָ ָ ֑מה
125
assim disse o Senhor Javé: —
Eis que ira de mim e fúria de mim será derramada sobre este lugar,
sobre o ser humano e sobre o animal, e
sobre a árvore do campo e
sobre o fruto da terra, —
e acenderá e não apagará.
colocado ao lado do gênero da oração causal (Begründungssatz) que tem seu início na
parte final desse verso e se estende até o v. 19. De fato, esse gênero geralmente aparece
junto a outro e reforça o ímpeto persuasivo da declaração. As expressões ִכּ֤יkî “pois” ou
פֶּןpen “para que não” introduzem o gênero da oração causal e fornecem a base
autoritativa para a proibição, instrução ou exortação, a razão para a adaptação de seu
ponto de vista, ou a razão para agir de acordo com sua recomendação ou instrução. 306 302F
305
A partir deste ponto detalharemos somente os novos gêneros que surgirem. Aqueles que já foram
referidos em seções precedentes apenas serão citados, sendo desnecessário novo detalhamento.
306
Greg Chirichigno, A Theological Investigation of Motivation in Old Testament Law, em Journal of
the Evangelical Theological Society, Louisville, Evangelical Theological Society, vol. 24/4, 1981, p. 303-
313; B. Gemser, The Importance of the Motive Clause in Old Testament Law, em Vetus Testamentum
Supplements, Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 1, 1953, p. 50-66. Também Marvin Sweeney,
Isaiah 1-39: With an Introduction to Prophetic Literature. The Forms of the Old Testament Literature, p.
524.
307
Antony F. Campbell, 1 Samuel. The Forms of the Old Testament Literature, Grand Rapids, William B.
Eerdmans Publishing Co., vol. 7, 2003, p. 341. Confira ainda Marvin Sweeney, Isaiah 1–39: With an
Introduction to Prophetic Literature. The Forms of the Old Testament Literature, p. 513.
126
2.2.4. A indicação do lugar e data
Novamente nos deparamos com um cenário em que não há abertura para
arrependimento, restando apenas o anúncio de julgamento para a audiência do profeta.
Javé proíbe a intercessão profética e declara a chegada de sua futura ira e castigo em
virtude da adoração a outras divindades promovida por um grupo social nomeado no
texto como ֙ ה ָ ָ֤עם ַהזּ ֶהhāʻām hazzeh “este povo”.
É conveniente presumirmos tratar-se de uma passagem que remonta um
provável acontecimento que se deu por volta do ano de 604 a.C., período caracterizado
por um clima de instabilidade e turbulência em Judá devido à ameaça de uma iminente
invasão babilônica em seu território e pela consequente busca de proteção mediante
rituais oferecidos à “Rainha dos Céus”, com o intuito de evitar a guerra e seus efeitos
devastadores, sobretudo a fome (cf. Jr 44,17-18).
Nessa seção predominam palavras privadas dirigidas ao próprio profeta. O
ambiente não mais nos remete a um local público nos arredores do templo de Jerusalém,
como visto no discurso do templo (Jr 7,1-12), antes parece refletir originalmente a
experiência religiosa privada do profeta, tal como retratada nos vv. 13-15, embora o
final da seção ora estudada culmine com um oráculo designado à proclamação pública
(v. 20). 308
304F
308
Peter C. Craigie, Page H. Kelley; Joel F. Drinkard, Word Biblical Commentary: Jeremiah 1–25, p.
122-123.
127
2.3. VISLUMBRANDO A APARÊNCIA DO TERCEIRO BLOCO
ֵיכ֖ם ְו ִאכְל֥ וּ
ֶ ע ֹלוֹתֵ יכֶ ֛ם סְפ֥ וּ עַל־זִ ְבחholocaustos de vós acrescentai 309
305F sobre
22
sacrifícios de vós e comei (a) carne! Pois, eu
֙ב ָָשֽׂר׃ ֠ ִכּי �ֽא־דִ ַבּ ְ֤רתִּ י אֶת־ ֲאבֽוֹתֵ יכֶם
22
ָו ָזֽבַח׃
אוֹתם
֤ ָ ִכּ֣י אִ ֽם־אֶת־הַדָּ ָ ֣בר ֠ ַהזֶּה ִצ ִוּ֙יתִ י23 23
Mas 311 isto 312 eu ordenei a eles, para dizer: Dai
307F 308F
שׁ ֽ�חַ׃
ָ ַהשְׁכֵּ ֥ם ְו
309
Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, São Paulo, Paulus, 1997, p. 282.
310
Cf. Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures,
p. 188. A expressão “sobre palavras de” é a tradução literal do termo hebraico עַל־דִּ ב ֵ ְ֥ריʻal dibrê que
transmite a idéia de “causa ou razão”; consequentemente essa expressão também pode ser traduzida como
“acerca de”.
311
Cf. Christo H. J. van der Merwe; Jackie A. Naudé; Jan H. Kroeze, A Biblical Hebrew Reference
Grammar, p. 303. A expressão i ִכּ֣י אִ ֽםkî ʼim expressa uma contra-afirmação após uma afirmação negativa.
Então pode ser traduzido como “mas”. O orador deixa claro que não somente está envolvida uma
alternativa, mas que ela é a única alternativa possível.
312
Veja Moises Chavez, Diccionario de Hebreo Biblico, El Passo, Editorial Mundo Hispano, 1992, p.
131. O termo הַדָּ ָ ֣בר ֠ ַהזֶּהhaddābār hazzeh equivale a expressão “isto”.
313
Veja Francis Brown; S. R. Driver; Charles Briggs, The Abridged Brown – Driver – Briggs Hebrew –
English Lexicon of the Old Testament, Houghton, Mifflin and Company, 1906, p. 1014.2. A frase ַהשְׁכֵּ ֥ם
שׁ ֽ� ַח
ָ ; ְוhaškēm wᵉšālōaḥ pode ser traduzida como “enviando cedo e muitas vezes”.
128
שׁמְע ֙וּ ֵא ַ֔לי וְ�֥ א ה ִ֖טּוּ אֶת־אָז ְָנ֑ם
ָ וְל֤ וֹא26 26
E não ouviram a mim, e não inclinaram o
ֲבוֹתם׃
ֽ ָ ַויַּקְשׁ ֙וּ אֶת־ע ְָר ָ֔פּם ה ֵ ֵ֖רעוּ ֵמאouvido deles, e endureceram a nuca deles,
314
310F
וְדִ בּ ְַר ָ ֤תּ ֲאלֵיהֶם֙ אֶת־כָּל־הַדְּ ב ִ ָ֣רים27 fizeram pior do que os pais deles.
27
E falarás a eles, todas estas palavras, e não
ָשׁמְע֖ וּ א ֵֶל֑י� ְוק ָ ָ֥ראת
ְ ִ ָה ֵ֔אלֶּה וְ�֥ א י
ouvirão a ti; e clamarás a eles, e não responderão
ֵיהם וְ�֥ א י ַ ֲענֽוּכָה׃
֖ ֶ ֲאל
a ti.
ֲשׁר לֽוֹא־
֣ ֶ וְאָמ ְַר ָ ֣תּ ֲאלֵי ֶ֗הם ֶז֤ה הַגּוֹ ֙י א 28
28
E dirás a eles: Esta (foi) a nação que não
ְהו֣ה אֱ� ָ֔היו וְ�֥ א ָלק ְ֖חוּ
ָ שׁמ ְ֗עוּ בְּקוֹל֙ י
ָ ouviram 315 a voz de Javé, Deus dele 316, e não
31F 312 F
entanto, o estilo poético não é preciso; em alguns momentos Jeremias aproxima prosa e
poesia. Essa subunidade consiste de oráculos endereçados a um grupo (v. 21-26) e de
um dito de Javé dirigido ao profeta (v. 27-28). 319 Na primeira parte é possível constatar
315 F
duas estrofes com temáticas peculiares. A estrofe dos vv. 21-24 encerra uma ordem
baseada numa declaração negativa, enquanto que na segunda estrofe formada pelos vv.
25-26 prevalece uma contra-afirmação e, por fim, a terceira estrofe composta pelos vv.
27-28 consiste de instruções para o portador da mensagem.
314
Nelson Kirst; Nelson Killp; Milton Schwantes; Acir Raymann; Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-
português & aramaico-português, p. 188. O substantivo construto ע ְָר ָ֔פּםʻorpām significa “nuca deles,
pescoço deles”.
315
O verbo שׁמ ְ֗עוּ ָ šāmʻû “ouviram” encontra-se no qal perfeito terceira pessoa do plural. A rigor deveria
ser traduzido como “ouviu”, no entanto, optamos pela tradução literal.
316
O pronome da terceira pessoa masculino singular no construto “dele” refere-se ao substantivo
masculino singular no hebraico גּוֹ ֙יgôy “nação”.
317
O verbo ָל ְק ֖חוּlāqḥû “aceitaram” também encontra-se no qal perfeito terceira pessoa do plural. Optamos
em manter a tradução literal.
318
Sobre a poesia hebraica, veja Teodorico Ballarini e Venanzio Reali, A poética hebraica e os Salmos,
Petrópolis, Vozes, 1985, 140 p. Também Wilfred G. E. Watson, A Review of [James] Kugel’s the Idea of
Biblical Poetry, em Journal for the Study of the Old Testament, London, Sage Publication, n. 28, 1984, p.
89-98, bem como Patrick D. Miller Jr., Meter, Parallelism, and Tropes: The Search for Poetic Style, em
Journal for the Study of the Old Testament, London, Sage Publication, n. 28 F, 1984, p. 99-106, e também
David Allan Hubbard, Oseias introdução e comentário, São Paulo, Vida Nova, 1993, p. 43; Ernest Sellin;
G.Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 60-69, assim como Milton Schwantes, Repetições e
paralelismos: observações em um debate hermenêutico exemplificado em Provérbios 10,1, em Revista
Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, vozes, vol. 66, 2006, p. 673-679.
319
Alex Varughese, Jeremiah 1-25: A Commentary in the Wesleyan Tradition, Kansas City, Beacon Hill
Press of Kansas City, 2008, p. 120.
129
A fórmula do mensageiro “Assim disse ‘Javé Zebaot’, Deus de Israel” abre o
primeiro verso introduzindo a primeira estrofe. O uso da expressão ֱ�ה֣י יִשׂ ְָר ֵ֔אל
ֵ אʼělōhê
yiśrāʼēl “Deus de Israel”, à semelhança do v. 3, seria uma explicação para a expressão
ְהו֤ה ְצבָאוֹ ֙ת
ָ יyᵉhwāh ṣᵉbāʼôt “Javé Zebaot”. Logo em seguida, a frase “holocaustos de vós
acrescentai sobre sacrifícios de vós e comei (a) carne!” descreve uma ordem de Javé,
visto que os verbos סְפ֥ וּsᵉpû “acrescentai” e ִאכְל֥ וּʼiklû “comei” encontram-se no
imperativo.
Ademais, a alusão a dois sufixos pronominais masculinos na segunda pessoa do
plural conectados a dois substantivos no construto ע ֹלוֹתֵ יכֶ ֛םʻōlôtêkem “holocaustos de
vós” ֵיכ֖ם
ֶ זִ ְבחzibḥêkem “sacrifícios de vós”, por um lado, estabelece uma relação de
posse entre os conceitos e as pessoa do discurso e, por outro, designa a quem o discurso
se dirige, provavelmente o mesmo grupo de antagonistas mencionado na primeira seção.
Na segunda parte do verso transparecem aliterações e assonâncias, bem como certa
repetição sinonímica, que denunciam o caráter poético do texto.
No v. 22, a conjunção ֠ ִכּיkî “porque” nos remete a uma oração causativa cujas
frases seguintes explicam a razão da ordem proferida no versículo anterior. Surgem,
então, novos personagens caracterizados pelo termo ֙ ֲאבֽוֹתֵ יכֶםʼǎbôtêkem “pais de vós”.
O mesmo personagem aparece indicado também na frase paralela sinonímica seguinte
por meio do uso da expressão composta pela partícula do objeto direto + sufixo
pronominal terceira pessoa masculino plural אוֹתם
֖ ָ ʼôtām “a eles”. A alusão a tal
pronome como identificador do personagem indica que eles não participam do ato
comunicativo, mas apenas são nele mencionados.
A negação de Javé no v. 22 é quase uma declaração de inocência. Duas
expressões negativas: “porque não falei a pais de vós, e não ordenei a eles”, ambas
respectivamente contendo verbos no piel perfeito �ֽא־דִ ַבּ ְ֤רתִּ יlōʼ dibbartî “não falei” וְ�֣ א
ִצוִּיתִ֔ יםwᵉlōʼ ṣiwwîtîm “e não ordenei a eles” exprimem processos verbais concluídos e
localizados num momento definido no passado. Além disso, a presença dos sufixos
pronominais atrelados aos verbos nos permite identificar o ser que utiliza a língua no
momento da comunicação (eu) e aqueles que não participam do ato comunicativo, mas
são nele mencionados (eles).
Na frase seguinte, a preposição ְ ֛בּbᵉ “em” tem o papel de conectivo e estabelece
uma relação de subordinação. Além do mais, o verbo no infinitivo hifil construto הוֹצִי ִא֥י
130
hôṣîʼî “fiz sair” colocado depois da preposição denota uma oração temporal que
descreve quando ocorreu a ação no passado, isto é, “no dia em que fiz sair a eles da terra
do Egito”. 320 O verso é finalizado com a frase “sobre palavras de holocaustos e
316F
formado por breves frases afirmativas reproduz as palavras do orador (Javé) dirigidas ao
grupo situado em um dado momento no passado, “eles”, ou melhor, “os pais de vós”
mencionados no verso anterior.
A primeira frase da citação direta apresenta um verbo no qal imperativo
masculino plural שׁמְע֣ וּ
ִ šimʻû “dai ouvidos” com característica de um verbo regente. O
verbo no imperativo é utilizado para exprimir ordem e procura impor o processo verbal
ao ouvinte, levando-o a agir em função daquilo que o emissor da mensagem pretende.
Semelhante processo ocorre na expressão de abertura “dai ouvidos a voz de mim”.
Além disso, a expressão שׁמַע
ָ šāmaʻ “ouvir” faz parte de um pequeno grupo de verbos
no hebraico que exige a preposição ְבּbᵉ “em” antes do substantivo seguinte.
320
Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 217.
321
Idem, p. 218.
131
A preposição é utilizada para enfatizar o comprometimento pessoal do sujeito
com o objeto. 322 Entre essa frase e a segunda se estabelece uma repetição sintética. Por
318F
outro lado, entre a segunda e a terceira frase: “e serei para vós em Deus e sereis para
mim em povo” ocorre uma repetição sinonímica, a qual exprime a consequência de tal
ordem por meio da fórmula da aliança introduzida respectivamente pelo verbo qal wav
consecutivo perfeito na primeira pessoa do singular ְו ָה ִי ֤יתִיwᵉhāyîtî “e serei” e pelo qal
Alem do mais, a preposição כּ ֹלkol “todo” pode ser empregada como equivalente
ao advérbio “totalmente”, “exatamente”, o que resultaria na frase “e andai exatamente
no caminho”. 325 Mais à frente, a expressão “que eu ordeno a vós”, cujo pronome
321F
relativo ֲשׁר
֥ ֶ אʼ ǎšer “que” mantém correlação com antecedente “caminho”, é uma oração
subordinada contendo entre outras expressões um verbo no piel imperfeito primeira
pessoa singular ֲאצ ֶַוּ֣הʼǎṣawweh “eu ordeno”, que tem um sentido frequentativo e
sinaliza uma ação repetida.
Por fim, a preposição ל ַ ְ֖מעַןlᵉmaʻan “a fim de” expressa a implicação que seguirá
naturalmente a ação previamente descrita “a fim de que vá bem para vós”. O verbo qal
imperfeito terceira pessoa do singular ִיטב
֥ ַ יyîṭab “vá bem” é usado de forma impessoal e
também apresenta características do tempo frequentativo ao expressar uma ação
322
Confira a relação dos outros verbos em J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International
Commentary on the Old Testament, p. 288.
323
B. M. Rocine, Learning Biblical Hebrew: A New Approach Using Discourse Analysis, p. 130-131.
Frequentemente, um imperativo e um weqatal trabalham em par, o primeiro dando a ordem e o segundo a
consequência.
324
Veja E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 333.
325
Paul Joüon; T. Muraoka, A Grammar of Biblical Hebrew, p. 485.
132
repetida. 326 Diante disso, é possível inferir que os recursos literários presentes ao longo
desse versículo nos permitem enquadrá-lo dentro do estilo poético.
O conteúdo da primeira estrofe prossegue até o v. 24. Esse verso narra eventos
consecutivos no passado começando com dois verbos no perfeito terceira pessoa
comum plural no qal שׁמְע ֙וּ
ֽ ָ šāmʻû “ouviram” e no hifil ה ִ֣טּוּhittû “inclinaram”, e
prosseguindo com dois verbos com wav consecutivo no qal imperfeito terceira pessoa
comum plural ַו ֵיּֽלְכוּwayyēlkû “e andaram” e ַויּ ִ ְהי֥וּwayyihyû “e foram”. Tanto os
perfeitos quanto os imperfeitos nessa sequência são traduzidos no pretérito perfeito.
Eles representam ações consecutivas que, do ponto de vista do leitor ou de quem ouvia
o discurso, aconteceram no passado. 32732F
Nas duas frases iniciais transparece uma repetição sinonímica negativa: “e não
ouviram e não inclinaram os ouvidos deles”, que abre a descrição da recusa dos “pais”
às ordens de Javé. O uso dos pronomes pessoais na terceira pessoa sufixados aos verbos
sinaliza que não se trata mais de uma citação direta. Nas três frases restantes, “e
andaram nos planos, na dureza do coração deles malvado; e foram para costa e não para
faces” manifestam-se repetições sintéticas em que os conteúdos se complementam.
Além do mais, todo o verso está impregnado com aliterações e assonâncias. Portanto, o
processo de manipulação da linguagem presente nesse verso nos leva a presumir que
existem traços da poesia hebraica também ali.
O v. 25 dá início à segunda estrofe. Embora a expressão “pais” esteja novamente
em evidência, o cenário é outro. A estrofe descreve fatos ocorridos num período de
tempo mediado por dois momentos. Na frase inaugural “desde o dia em que saíram os
pais de vós da terra do Egito até este dia”, duas expressões compostas por preposições
ְלמִןlᵉmin “desde” + ‘ ַ ֖עדad “até” corroboram nossa afirmação ao produzir tal efeito
literário. 328 Já a segunda expressão, “e enviei para vós todo dia meus servos, os
324F
profetas”, apresenta em sua abertura um verbo qal no imperfeito com wav consecutivo
primeira pessoa do singular ָו ֶאשׁ ְַל֤חwāʼešlah “e enviei” que expressa o passado
narrativo e transmite uma ideia de continuidade. 329325F
326
A. B. Davidson, Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax, p. 153.
327
Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 178.
328
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 2: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 26–52, p. 219.
329
Cf. Christo H. J. van der Merwe, Jackie A. Naudé, Jan H. Kroeze, A Biblical Hebrew Reference
Grammar, p. 70.
133
A última frase do verso “madrugar e enviar” utiliza dois verbos no infinitivo
absoluto, um deles no hifil ַהשְׁכֵּ ֥םhaškēm “madrugar” e outro no qal prefixado por uma
que indica sequência, enquanto que o verbo hifil perfeito terceira pessoa plural ה ֵ ֵ֖רעוּ
hērēʻû “fizeram pior” demonstra uma ação causativa.
A expressão ֲבוֹתֽם
ָ ֵמאmēʼǎbôtām “do que pais deles” no final do versículo faz
com que o verso funcione como um fecho não somente em relação à segunda estrofe,
mas também em relação à primeira. Nessa sentença, temos a presença da preposição que
expressa o comparativo מִןmin “do que”, escrita de forma diferente com mem
acompanhado de ṣere, visto que ela está diante de um substantivo cuja consoante inicial
330
Bruce K. Waltke; Michael Patrick O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 589-590.
331
Para um estudo aprofundado sobre frases circunstanciais, veja A. B. Davidson, Introductory Hebrew
Grammar Hebrew Syntax, p. 185-190. Também Frederic Clarke Putnam, Hebrew Bible Insert: A
Student’s Guide to the Syntax of Biblical Hebrew, p. 42-45.
134
é uma gutural ֲבוֹתֽם
ָ אʼǎbôtām “pais de vós”. 332 Aqui também temos fortes indícios de
328 F
332
Confira informações em Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 53.
135
wᵉnikrᵉtāh “foi cortada”, encontram-se no perfeito denotando, nesse caso, ações
ocorridas no passado.
O destaque sobre a questão da fidelidade faz com que a última estrofe funcione
como um fecho para a subunidade. Assim como os versos anteriores, este também exibe
características que nos leva presumir que se trata de um trecho poético. Vejamos, então,
a disposição dessa seção.
21
Assim disse Javé Zebaot,
Deus de Israel: —
holocaustos de vós acrescentai sobre sacrifícios de vós e comei (a) carne!
22
Porque não falei a pais de vós,
e não ordenei a eles
no dia em que fiz sair a eles da terra do Egito, —
sobre palavras de holocausto e sacrifício;
23
Mas isto ordenei a eles, para dizer:
Dai ouvidos à voz de mim,
e serei para vós em Deus,
e sereis para mim em povo; —
e andai em todo o caminho
que ordeno a vós,
a fim de que vá bem para vós;
24
E não ouviram,
e não inclinaram o ouvido deles,
e andaram nos planos, —
na dureza do coração deles malvado;
e foram para costa e não para faces.
25
Desde o dia que saíram os pais de vós da terra do Egito até este dia, —
e enviei para vós todo dia meus servos, os profetas;
madrugar e enviar;
26
E não ouviram a mim,
e não inclinaram o ouvido deles, —
e endureceram a nuca deles,
fizeram pior do que os pais deles.
27
E falarás a eles, todas estas palavras,
e não ouvirão a ti; —
136
e clamarás a eles,
e não responderão a ti;
28
E dirás a eles:
Esta (foi) a nação que não ouviram a voz de Javé, Deus dele,
e não aceitaram disciplina; —
pereceu a fidelidade
e foi cortada da boca deles.
No verso 23 aparece uma afirmação dos antigos atos revelatórios de Javé. Ainda
nesse verso sobressai a fórmula da aliança ְיוּ־ל֣י ל ָ ְ֑עם
ִ שׁמְע֣ וּ בְקוֹ ִ֔לי ָלכֶם֙ לֵ ֽא� ִ֔הים ְוא ֶ ַ֖תּם תִּ ֽה
ִ
ְו ָה ִי֤יתִ יšimʻû bᵉqôlî wᵉhāyîtî lākem lēʼlōhîm wᵉʼattem tihyû lî lᵉʻām “e serei para vós em
Deus, e sereis para mim em povo”, a qual retrata o relacionamento entre Javé e seu
povo. 337 Ela seria uma fórmula familiar nos profetas e nos materiais legais que
3F
333
Peter C. Craigie, Page H. Kelley; Joel F. Drinkard, Word Biblical Commentary: Jeremiah 1-25, p. 119.
334
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1-25, p. 259.
335
Hans Walter Wolff; S. Dean McBride, Joel and Amos: A Commentary on the Books of the Prophets
Joel and Amos, p. 209.
336
Ronald M. Hals, Ezekiel. The Forms of the Old Testament Literature, Grand Rapids, William B.
Eerdmans Publishing Co., vol. 19, 1989, p. 351. Observe também a obra de Rolf P. Knierim, George W.
Coats, Numbers. The Forms of the Old Testament Literature, Grand Rapids, William B. Eerdmans
Publishing Co., vol. 4, 2005, p. 355.
337
Rolf Rendtorff, The Covenant Formula: An Exegetical and Theological Investigation, Edinburgh,
T&T Clark, 1998, p. 55-56.
137
exortatória ou promissória. A elaboração da fórmula em Dt 26,16-19 sugere que seu
cenário estava vinculado à cerimônia de aliança ou de renovação. 338
Na acusação (Anklage) dos vv. 24-26, transparece um dito que alega que alguém
violou a lei ou cometeu outro erro. Esse dito teve sua origem na prática judicial, porém
foi adaptado pelos profetas e empregado no contexto literário. A acusação poderia ser
dirigida diretamente ao acusado ou o mesmo poderia ser referido na terceira pessoa. 339
É possível também enquadrar o v. 27 dentro desse gênero literário. Porém, esse verso
também pode se enquadrar em outro gênero. Os dois últimos versos (v. 27-28) parecem
harmonizar-se no gênero da comissão (Beauftragung, Sedung), que consiste numa
instrução autoritativa dada por um superior ao subordinado (cf. Ex 3,1-4,18; 6,2-8.10-
11; 7,2-5).
Nele se pode incluir elementos tais como uma ordem direta ou uma instrução
específica. 340 Destaca-se ainda no v. 28 o gênero intitulado como “sumário de
avaliação”, uma declaração unida ao final da unidade literária que oferece resumo e
avaliação do material precedente. O referido gênero tem uma tendência didática e
reflexiva, contendo frequentemente termos da sabedoria. Seu cenário de origem parece
ter sido as reflexões e instruções de homens sábios, no entanto, Jeremias e alguns outros
dos profetas fazem uso desse recurso (Is 14,26; 28,29; Jr 13,25). 341
138
Jeremias, quando a nulidade da adoração no templo tornou-se cada vez mais
evidente. 343 Lundbom também fixa essa passagem no começo do reinado de Jeoaquim,
entre os anos de 609 e 605 a.C. 344 De fato, a ausência no texto de qualquer elemento que
denote uma invasão estrangeira ou cenário de guerra nos leva a fixar essa seção dentro
do período em que o reino de Judá gozava da proteção do Egito devido ao acordo de
vassalagem entre os dois povos.
Além do mais, o ataque veemente do profeta contra os holocaustos e sacrifícios
pode insinuar que as palavras foram ditas num período de crise econômica provocada
pelos altos tributos, os quais eram empregados tanto no pagamento das obrigações para
com o Egito como também na manutenção do luxo e extravagância da corte de
Jerusalém, uma vez que os elementos religiosos poderiam facilmente ser apropriados
com o intuito de legitimar e aumentar a arrecadação de tributo para esses fins.
É provável que essa seção tenha se originado numa época muito próxima
daquela retratada na primeira subunidade, especialmente no cap. 7,1-12; talvez seja
possível localizá-la no mesmo momento. Uma das evidências que corroboram essa
hipótese é a ausência de um clima de ameaça de guerra e o fato de que Jeremias se
dirige aos destinatários do oráculo com o mesmo pronome “vós” com que se referiu aos
destinatários daquele oráculo.
Tanto aqui quanto lá, o profeta enfatiza o tema da obediência à aliança. Além do
mais, a menção de rituais cúlticos na subunidade sugere que o oráculo tenha sido
supostamente entregue na contiguidade do templo de Jerusalém. Partindo desse
pressuposto, entendemos que essa seção apresenta palavras do próprio Jeremias
proferidas no “início do reinado de Jeoaquim”, nos arredores do templo de Jerusalém,
entre setembro de 609 a.C. e março de 608 a.C. 345
343
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 315.
344
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 486.
345
Para um estudo do termo “início do reinado de Jeoaquim” e sua data precisa, veja o capítulo seguinte
de nossa pesquisa.
139
2.4. A CONFIGURAÇÃO EXTERIOR DO QUARTO BLOCO
שׁ ָפ ִי֖ם
ְ שׁ ִ֔ליכִי וּשׂ ְִא֥י עַל־
ְ ָגּ ִזּ֤י נִז ְֵר ֙� וְ ֽ ַה29
29
Corta 346 coroa de ti 347 e lança e levanta sobre
342F 34F
ֶת־דּוֹר
֥ ִינ֑ה ֚ ִכּי מ ַ ָ֣אס י ְה ֔ ָוה ַויּ ִ֖טּ ֹשׁ א
ָ קos altos desnudos lamentação; pois rejeitou Javé
30
e abandonou a geração da ira dele. pois
ָ ֶעב ְָרתֽ וֹ׃ כִּ ֽי־ ָעשׂ֙וּ ְבנֵי־י
ְהוּד֥ה ה ַ ָ֛רע 30
348
fizeram os filhos de Judá a maldade em olhos
שׁקּֽוּצֵי ֶ֗הם
ִ ְהו֑ה ָ ֣שׂמוּ
ָ ֵינ֖י נְאֻום־י
ַ ְבּע
34F
349
de mim 345F , oráculo de Javé; puseram as
בַּבַּ ֛ י ִת ֲאשֶׁר־נִק ְָרא־שׁ ְִמ֥י ע ָָל֖יו ְל ַט ְמּאֽוֹ׃abominações deles na casa que se clamou meu
nome nele 350, para contaminar;
346F
שׁ ֙ר בּ ְֵג֣יא בֶן־
ֶ וּב ָ֞נוּ בּ ָ֣מוֹת ה ַ֗תּ ֹפֶת ֲא 31
31
E edificaram uns lugares altos do Tofet, que
יהם
֖ ֶ ֵ( ה ִ֔נּ ֹם ִלשׂ ְ֛ר ֹף אֶת־ ְבּנֵיהֶ ֥ם ְואֶת־בְּנ ֹתestá) no vale do filho de Hinnom, para queimar
שׁ ֙ר �֣ א ִצ ֔ ִוּיתִ י וְ�֥ א ָעל ָ ְ֖תה עַל־
ֶ בּ ֵ ָ֑אשׁ ֲאfilhos deles e filhas deles no fogo, o que não
לִבִּ ֽי׃ סordenei e não subiu no coração de mim.
ָל ֞ ֵכן הִנֵּ ֽה־י ִָמ֤ים ָבּאִים֙ נְאֻם־י ְה ֔ ָוה32 32
Portanto, eis que dias vêm, oráculo de Javé,
וְ�א־י ֵאָ ֵמ֙ר ע֤ וֹד ה ַ֙תּ ֹ ֶפ ֙ת ו ְֵג֣יא בֶן־ה ִ֔נּ ֹם ִ ֖כּי e não será dito mais o Tofet e o vale do filho de
351
ִם־גּ֣יא ַהה ֲֵר ָג֑ה ְו ָקב ְ֥רוּ ב ְ֖ת ֹפֶת מֵאֵ ֥ ין
ֵ אHinnom, mas o vale da matança; e sepultarão 347F
346
Cf. Moises Chavez, Diccionario de Hebreo Biblico, p. 117. O verbo ָגּ ִזּ֤יgozzî denota “tosquiar, cortar o
cabelo”. Conforme Warren Baker; Eugene Carpenter, The Complete Word Study Dictionary Old
Testament, Chattanooga, AMG Publishers, 2003, p. 196. Indica cortar o cabelo de alguém como sinal de
lamento e como sinal de rejeição por parte de Javé.
347
Veja Francis Brown; Samuel Rolles Driver; Charles Augustus Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs
Hebrew and English Lexicon, p. 634.1. O substantivo masculino singular נֵזֶרnēzer pode ser traduzida
como “coroa (sinal de consagração), símbolo do poder real, cabelo de consagração”.
348
A expressão בֵּןbēn pode referir-se aos “membros de uma classe”. Veja Ludwig Koehler; Walter
Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, p. 138.
349
Cf. Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures,
p. 622. A expressão ֵינ֖י
ַ ְבּעbᵉʻênay “em meus olhos” significa “de acordo com meu julgamento”, ou “em
minha opinião”.
350
Veja explicação na nota 193.
351
Vide nota 308.
352
H. J. Bosman; R. Oosting; F. Potsma, Wörterbuch Zum Alten Testament: Hebräisch/Aramäisch-
Deutsch Und Hebräisch/Aramäisch-Englisch; A Hebrew/Aramaic-English and Hebrew/Aramaic-German
Lexicon of the Old Testament, verbete אַי ִן. O advérbio אַי ִןʼên tem o sentido de “não existência, não há”.
140
שׂ ְמ ָ֔חה ֥קוֹל
ִ י ְ֣רוּשׁ ָ֔לַ ִם ֤קוֹל שָׂשׂוֹ ֙ן ו ְ֣קוֹלJerusalém o som de exultação e o som de alegria,
353
ח ָ ָ֖תן ו ְ֣קוֹל כּ ַָלּ֑ה ִכּ֥י ְלח ְָר ָ ֖בּה תִּ ְה ֶי ֥הa voz de noivo e a voz de noiva, pois para
349F
duas frases contendo três verbos no imperativo feminino singular, no qal ָגּ ִזּ֤יgozzî
Na última frase do verso, a conjunção ֠ ִכּיkî “pois” nos remete a uma oração
causativa cuja frase seguinte explica a razão da ordem proferida anteriormente. Além
disso, a ocorrência de dois verbos na terceira pessoa masculino singular, um deles no
qal perfeito ָאס
֣ ַ מmāʼas “rejeitou” e outro no qal imperfeito com wav consecutivo ַויּ ִ֖טּ ֹשׁ
wayyittōš “abandonou”, refletem respectivamente uma ação simples concluída no
passado e uma ação consecutiva que, do ponto de vista dos ouvintes, acontecera
também no passado. Evidências denunciam que as palavras contidas nesse verso não
tiveram sua origem em Javé, e sim em outro personagem, uma vez que este se dirige a
Javé através de um sufixo pronominal na terceira pessoa masculino singular atrelado ao
termo ֶעב ְָרתֽ וֹʻebrātô “ira dele”. Portanto, nesse momento, Javé não faz parte do ato
comunicativo, mas é nele mencionado.
353
Cf. Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures,
p. 365. A palavra ח ָ ָ֖תןḥātān significa “noivo, recém-casado”.
354
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1-25, p. 264.
355
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 319-
320. Também Peter C. Craigie, Page H. Kelley; Joel F. Drinkard, Word Biblical Commentary: Jeremiah
1-25, p. 119; Jack R. Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary,
p. 489-490.
356
E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 183.
141
Na segunda estrofe, a conjunção ֠ ִכּיkî “pois” reaparece na abertura do v. 30,
indicando que o mesmo ainda preserva um sentido causativo. As duas frases que
emolduram a fórmula do dito profético נְאֻם־י ְהוָ ֽהnᵉʼūm yᵉhwāh “oráculo de Javé”
habitual no passado e outro no infinitivo construto sufixado por uma preposição ִלשׂ ְ֛ר ֹף
liśrōp “para queimar” que sinaliza uma ação consecutiva. 360 356F
357
Stan Rummel (ed.), Ras Shamra Parallels: The Texts from Ugarit and the Hebrew Bible, Rome,
Pontificium Institutum Biblicum, vol. III, 1981, p. 58.
358
David Noel Freedman; A. Dean Forbes; Francis I. Andersen, Studies in Hebrew and Aramaic
Orthography. Biblical and Judaic Studies, Winona Lake, Eisenbrauns, vol. 2, 1992, p. 232. O substantivo
“ ַעי ִןolhos” encontra-se no dual. O dual é empregado para designar objetos que ocorrem em pares,
especialmente os órgãos do corpo.
359
ִ šiqqûṣêhem
Atente para o sufixo pronominal que se encontra conectado na expressão שׁקּֽוּצֵי ֶ֗הם
“abominações deles”.
360
Veja acerca das funções do wav consecutivo + perfeito em Christo H. J. van der Merwe; Jackie A.
Naudé; Jan H. Kroeze, A Biblical Hebrew Reference Grammar, p. 168-173. O verbo perfeito também é
usado de forma impessoal na terceira pessoa do singular.
142
Na segunda metade constata-se uma oração subordinada relativa formada por
duas frases poéticas paralelas negativas contendo repetição sintética. O primeiro verbo
no piel perfeito primeira pessoa do singular ִצ ֔ ִוּיתִ יṣiwwîtî “ordenei” é pessoal e o
segundo no qal perfeito terceira pessoa do singular ָעל ָ ְ֖תהʻāltāh “subiu” possui uma
construção impessoal e relata a ideia total expressa na frase principal. 361 O sufixo 357F
Depois da fórmula introdutória הִנֵּ ֽה־י ִ ָ֤מים ָבּאִים֙ נְאֻם־י ְה ֔ ָוהhinnēh yāmîm bāʼîm nᵉʼūm
yᵉhwāh “eis que dia vêm, oráculo de Javé”, o v. 32 exibe uma afirmação negativa
introduzida por uma conjunção + partícula negativa+ verbo no nifal imperfeito terceira
pessoa singular וְ�א־י ֵאָ ֵ֙מרwᵉlôʼ yēʼāmer “e não será dito” seguida mais adiante por uma
contra afirmação representada pela expressão hebraica ִכּ֣י אִ ֽםkî ʼim “mas”.
As expressões nesse ponto evidenciam respectivamente uma repetição sintética,
três repetições sinonímicas e novamente uma repetição sintética no final. A última frase
do verso apresenta uma afirmação positiva encabeçada pelo verbo no qal com wav
consecutivo terceira pessoa do plural ְו ָקב ְ֣רוּwᵉqābrû “e sepultarão”, ao lado de outra
negativa introduzida por uma expressão composta pela junção da preposição מִןmin +
advérbio que sempre tem a função de negar o particípio ַ֫אי ִןʼayin, o que resulta no termo
מֵאֵ ֥יןmēʼên “por não haver”. 363 Há indícios de que o verso contenha elementos poéticos.
359F
143
afirmativa e encerra com frase negativa. Além disso, as preposições ligadas aos
substantivos ָמי ִם
֖ ַ לְמַ ֽ ֲא ָ֔כל לְע֥ וֹף ַהשּׁlᵉmaʼǎkāl lᵉʻôp haššāmayim “para comida para ave dos
céus” como também וּ ְל ֶבה ֱַמ֣ת ה ָ ָ֑א ֶרץûlᵉbehěmat hāʼāreṣ “para fera da terra” exercem
importantes funções na frase.
A primeira assinala o complemento do sujeito e as outras duas designam o
objeto indireto também denominado de meta dativa. 364 A segunda metade do verso não
360F
expressa uma função verbal, antes uma função participial adjetiva, na qual o particípio
hifil masculino é traduzido como uma frase relativa, ַמח ִ ֲֽרידmahǎrîd “quem espante”. 365 361F
Presumo que o verso contenha elementos da poesia hebraica por exibir respectivamente
entre as frases repetição sintética no começo, sinonímica no meio e sintética no final.
Os verbos no v. 34 continuam remetendo à ameaça de Javé para o futuro. Tanto
o verbo hifil primeira pessoa singular com wav consecutivo שׁבּ ִ ַ֣תּי
ְ ְו ִהwᵉhišbattî “e farei
cessar” quanto o verbo qal imperfeito terceira pessoa feminino singular תִּ ְה ֶי ֥הtihyeh
“serão” exprimem processos que ainda não se realizaram no momento em que se fala.
Constata-se ainda na primeira parte desse versículo a presença de um refrão, distinguido
em nossa tradução pelo itálico, composto de um dístico melodioso. 366 362F
364
Bruce K. Waltke; Michael Patrick O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 209.
365
Christo H. J. van der Merwe; Jackie A. Naudé; Jan H. Kroeze, A Biblical Hebrew Reference
Grammar, p. 163.
366
Os refrãos são frequentemente encontrados nos Salmos. Mas também ocorre nos profetas como Isaías
e Jeremias. O que se encontra em nosso texto aparece também nos caps. 7,34; 16,9; 25,10; 33,11. Cf.
Joseph Bryant Rotherham, The Emphasized Bible: A Translation Designed to Set Forth the Exact
Meaning, The Proper Terminology, and the Graphic Style of the Sacred Original, vol. 1, p. 6.
367
Heinrich Ewald, Syntax of the Hebrew Language of the Old Testament, p. 266.
368
Alfonso Lockward, Nuevo diccionario de la Biblia, Miami, Editorial Unilit, 2003, p. 838-840.
144
30
pois fizeram os filhos de Judá a maldade em olhos de mim,
oráculo de Javé; —
puseram as abominações deles na casa que se clamou meu nome nele, para
contaminar;
31
E edificaram uns lugares altos do Tofet, que (está) no vale do filho de Hinnom,
para queimar filhos deles e filhas deles no fogo, —
o que não ordenei
e não subiu no coração de mim.
32
Portanto, eis que dias vêm,
oráculo de Javé,
e não será dito continuamente
o Tofet e
o vale do filho de Hinnom, mas
o vale da matança; —
e sepultarão em Tofet por não haver lugar;
33
E serão cadáver deste povo para comida
para ave dos céus e
para fera da terra, —
e não haverá quem espante.
34
E farei cessar
das cidades de Judá e
das ruas de Jerusalém
o som de exultação e o som de alegria,
a voz de noivo e a voz de noiva, —
pois para ruína será a terra.
145
2.4.3. Detalhamento dos gêneros e fórmulas
A quarta seção (v. 29-34) é inaugurada (v. 29) com a presença do gênero
denominado chamada para lamentação comunal (Aufruf zur Volksklage) que nos remete
a uma ordem transmitida em alta voz e dirigida a uma comunidade ameçada por alguma
catástrofe, tal como fome, praga, ou ataque inimigo, a fim de se reunir para uma liturgia
de lamentação comunal. 369 O gênero é composto basicamente por imperativos que
incitam a comunidade e exige sua participação no rito ou em várias atividades
relacionadas a ele, além de uma descrição da crise que provocou seu ajuntamento para
uma liturgia de lamento comunal.
A finalidade era dirigir a comunidade a fazer uma petição a fim de que Javé
intervenha e remova a fonte do perigo. Em vários tipos de profecias, o gênero foi
adaptado para servir a outros propósitos, tal como chamar a atenção da audiência para a
situação de crise (cf. Jl 1,2-14; Is 14,31; 32,11-14; Jr 6,26; 25,34; 49,3; Zc 11,2). Esse
também é o propósito em nosso texto. 370 A parte b do versículo 29 é alvo de polêmica.
Holladay vê na expressão “pois rejeitou Javé a geração da ira dele” uma citação interior
do povo, um dito antecipado do conteúdo da sua lamentação. 371 No entanto, é mais
coerente seguir a hipótese baseada no próprio gênero de que a expressão consiste na
razão da chamada da lamentação comunal.
É provável que os vv. 30-31 abarquem o gênero da oração causal
(Begründungssatz) e uma fórmula da proclamação profética (Prophetische
Offenbarungsformel) ou fórmula oracular, ambos os elementos já mencionados
anteriormente. Nos vv. 32-34, por sua vez, emerge outro gênero literário também citado
previamente, introduzido pela expressão ָל ֞ ֵכןlākēn “portanto” e intitulado como anúncio
de julgamento (Gerichtsankündigung, Gerichtsansage).
Essa seção é caracterizada por alguns elementos que nos auxiliam na tarefa da
datação e localização do escrito. O primeiro é a ausência de qualquer tipo de abertura ao
369
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 265; Hans Walter Wolff; S. Dean McBride, Joel and Amos: A Commentary
on the Books of the Prophets Joel and Amos, p. 21.
370
Michael Floyd, Minor Prophets: Part 2. The Forms of the Old Testament Literature, p. 627. Consulte
ainda Marvin Sweeney, Isaiah 1–39: With an Introduction to Prophetic Literature. The Forms of the Old
Testament Literature, p. 516.
371
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 150.
146
arrependimento da audiência, tal como ocorrera nos versículos finais da primeira seção
(v. 13-15) e também na segunda seção dessa grande unidade (v. 16-20). Esse fato nos
leva a inferir que as palavras do dito tiveram seu nascedouro possivelmente numa época
muito próxima daquela ocasião, ou seja, em torno do ano de 604 a.C.
Ademais, a alusão à prática de rituais não ordenados por Javé nas áreas do
templo de Jerusalém e do vale do filho de Hinnom indicam o ressurgimento de práticas
religiosos combatidas e suprimidas anteriormente pela reforma de Josias em 622 a.C. É
bem possível que depois da morte desse rei tais práticas tenham renascido e
posteriormente sido promovidas e autorizadas pelo rei Jeoaquim, sobretudo num
momento de crise a fim de legitimar práticas injustas perpetradas pelo Estado judaíta, as
quais não eram admitidas por Javé. 372 Se for assim, as palavras de Jeremias ao longo
dessa seção poderiam refletir um momento de desinteresse e até mesmo de antagonismo
para com a mensagem de Javé transmitida pelo profeta, como exemplificado pelo relato
da queima do rolo pelo rei Jeoaquim em 604 a.C. 373
Além disso, outros elementos corroboram o ano de 604 a.C., como a provável
data para a formação desse oráculo, ou seja, o clima de crise e ameaça que subjaz tanto
ao gênero da queixa comunal (v. 29) como também ao anúncio de julgamento (v. 32-
34). Possivelmente a invasão da vizinha Ascalom na Filístia pelos babilônicos naquele
mesmo ano tenha servido de estímulo para que Jeremias antevesse um destino idêntico
para Judá. 374
As palavras parecem descrever a ação e as consequências catastróficas da
suposta invasão por um inimigo que deixa um rastro de destruição e morte por onde
passa. 375 Se levarmos em consideração que nesse ano o rei Jeoaquim também expediu
ordem de prisão contra Jeremias e Baruque, da qual estes se esconderam, seria possível
presumir que essas palavras foram proferidas em um local privado, talvez numa casa
situada nos arredores de Jerusalém.
372
J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, p.
274.
373
G. J. Venema, Reading Scripture in the Old Testament: Deuteronomy 9–10 – 2 Kings 22–23 –
Jeremiah 36 – Nehemiah 8, Leiden/Boston, Brill, 2004, p. 95-137.
374
Veja informações sobre esse período em Alex Varughese, Jeremiah 1–25: A Commentary in the
Wesleyan Tradition, p. 18-20.
375
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 324-
325.
147
2.5. A FISIONOMIA DO QUINTO BLOCO
2.5.1. O texto traduzido de Jeremias 8,1-3
ְהוּדה ְואֶת־
֣ ָ יוֹצ֣יאוּ[ אֶת־ ַעצ ְ֣מוֹת ַמלְכֵ ֽי־י
ִ ( ossos dos reis de Judá e os ossos dos chefes
dele 376, e os ossos dos sacerdotes e
ַעצְמוֹת־שׂ ָָרי ֩ו ְואֶת־ ַעצְמ֙וֹת הַכּ ֹ ֲה ִ֜נים
372F
ֲ֙שׁר ֲעבָדוּם
֤ ֶ שׁ֙ר ֲאה ֵ֜בוּם ַוא
ֶ שּׁ ַ֗מי ִם ֲא
ָ ַהtodo o exército dos céus a quem têm amado a
eles, e a quem têm servido a eles, e a quem têm
ֲשׁר דְּ ָר ֔שׁוּם
֣ ֶ שׁ ֙ר ָהלְכ֣ וּ אַ ֽח ֲֵרי ֶ֔הם ַוא
ֶ וַ ֽ ֲא
andado após eles, e a quem têm procurado a eles,
ֲשׁר הִ ֽשְׁתַּ חֲו֖ וּ ל ֶ ָ֑הם �֤ א י ֵאָ ֽסְפ ֙וּ וְ�֣ א
֥ ֶ ַוא
e a quem têm se prostrado para eles; não serão
י ִ ָקּ ֵ֔ברוּ ל ְ֛ד ֹמֶן עַל־פְּנֵ ֥י ָהאֲדָ ָ ֖מה ִי ֽ ְהי ֽוּ׃recolhidos e não serão sepultados, para esterco
sobre a face da terra serão.
380
שׁפּ ָ ָ֥חה הָ ָֽר ָ ֖עה ה ַ֑זּ ֹאת
ְ ְאָרים מִן־ ַה ִמּ
ִ֔ ַהנִּשׁtodo do resto que restarem desta família 376F
376
Cf. Moises Chavez, Diccionario de Hebreo Biblico, p. 742. A expressão שַׂרśar significa “chefe no
exército, general do exército”.
377
Veja uma discussão acerca do particípio construto יוֹשׁ ְֵבֽיyôśbê “governantes de” na obra de Norman K.
Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050 a.C., São Paulo,
Paulinas, 1986, p. 520-524.
378
A preposição hebraica ִמןmin pode ser usada para expressar o comparativo. Cf. E. Kautzsch, Arthur
Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 429.
379
O substantivo ַח ִ֔יּיםhayyîm “vidas” encontra-se no masculino plural.
380
O substantivo שׁפּ ָָח֥ה ְ ִמּmiśpāḥāh significa “família estendida, tribo, povo” e figurativamente “uma
classe de pessoa”. Cf. George M. Landes, Building Your Biblical Hebrew Vocabulary: Learning Words
by Frequency and Cognate, p. 164. Veja também James Strong, The New Strong's Dictionary of Hebrew
and Greek Words, Nashville, Thomas Nelson, 1997, H 4940.
148
2.5.2. Análise dos principais elementos gramaticais
uma frase verbal encabeçada pelo verbo hifil imperfeito terceira pessoa masculino plural
cuja forma escrita [ketib] é וְיֹצִיאוּwᵉyoṣîʼû “e farão sair” e o que se lê [qᵉre] é יוֹצ֣יאוּ
ִ
yôṣîʼû “farão sair”. Esse verbo tem a função do causativo qal imperfeito e o contexto no
qual se encontra descreve uma ação simples no futuro. 382 O sufixo pronominal que
378F
acompanha o verbo denuncia que os agentes da ação não fazem parte do ato
comunicativo, mas ali é somente mencionado.
Na sequência, várias expressões אֶתʼet que servem meramente como sinal
indicador do objeto direto e, portanto, não devem ser traduzidas, introduzem as coisas
que sofrem a ação do verbo, as quais são representadas pela relação genitiva expressa
através da conexão íntima do nomem regens (no estado construto) com o nomem rectum
(no genitivo). 383 A linguagem da frase tende a repetir cinco vezes o nomem regens
379F
ַעצ ְ֣מוֹתʻaṣmôt “ossos de” antes de cada genitivo que oferece uma descrição adicional da
coisa. 384
380F
149
pontual futura empreendida pelos mesmos agentes sobre os mesmos objetos já
mencionados no versículo anterior. Além do mais, três expressões compostas
basicamente pela preposição ְלlᵉ “para” + substantivo comum assinalam circunstâncias
adverbiais de lugar que podem ser traduzidas pela expressão “diante de +
substantivo”. 386
382F
inseridos nos leva a traduzi-los no tempo presente, dado que os mesmos representam
disposição, atitude, percepção ou estado mental. 388 Ademais, a partir desse ponto, quem
384F
executa as ações expressas pelos verbos são aqueles que antes as sofriam. Os dois
primeiros são verbos transitivos diretos no qal terceira pessoa plural cujos respectivos
objetos diretos estão adicionados aos verbos pelo sufixo na terceira pessoa masculino
plural ֲאה ֵ֜בוּםʼǎhēbûm “têm amado a eles”, ֙ ֲעבָדוּםʻǎbādûm “têm servido a eles”.
“após eles”. No quarto, o verbo novamente segue o padrão dos dois primeiros דְּ ָר ֔שׁוּם
dᵉrāšûm “têm procurado a eles” e o quinto apresenta-se no hitpael terceira pessoa plural
הִ ֽשְׁתַּ חֲו֖ וּhištaḥǎwû “têm se prostrado”, e tal como no terceiro verbo o sufixo se destaca
ao lado de uma preposição ulterior, ל ֶ ָ֑הםlāhem “para eles”.
A segunda metade do versículo é uma diretiva direta na qual os verbos no
passivo nifal imperfeito terceira pessoa masculino plural י ֵאָ ֽסְפ ֙וּyēʼāspû “serão
�֤ אlōʼ “não” para expressar uma proibição absoluta. 389 O restante da diretiva, por outro
385F
lado, consiste numa afirmação que tem função predicativa. Nela se evidenciam duas
preposições.
386
Idem, p. 205.
387
Sobre o uso do pronome ֲא ֶ ֣שׁרʼǎšer como frase de retomada veja Idem, p. 333-335.
388
Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 117.
389
Christo H. J. van der Merwe; Jackie A. Naudé; Jan H. Kroeze, A Biblical Hebrew Reference
Grammar, p. 149.
150
A primeira ְלlᵉ “para” introduz o complemento do sujeito e estabelece uma
relação de finalidade, a outra עַלʻal “sobre” tem a função de indicar a noção de lugar ao
estabelecer a relação entre os termos da oração. E, por fim, o verbo no qal imperfeito na
terceira pessoa masculino plural ִי ֽ ְהי ֽוּyihyû “serão” reflete uma ação futura que depende
de algo precedente. 390 As diversas repetições sintéticas e sinonímicas e a ocorrência de
386 F
futuro do perfeito significa um estado perfeito no tempo futuro relativo ao orador. 392 38F
Além do mais, a presença da preposição מִןmin “do que” tem a função de promover
uma comparação entre os dois substantivos que a emolduram.
No objeto indireto, a preposição �ְ֗ lᵉ “para” assinala uma conexão entre o agente
pessoal e o verbo no passivo. 393 O agente é expresso através do uso de uma aposição em
389F
que uma expressão iniciada com um substantivo construto singular ֗כ ֹלkōl “todo de” é
combinada a outra que começa com um particípio nifal masculino plural
absoluto ְאָרים
ִ֔ ַהנִּשׁhannišʼārîm “os que restarem”. 394 Esse particípio usado de maneira
390F
390
A. B. Davidson, Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax, p. 64.
391
Paul Joüon; T. Muraoka, A Grammar of Biblical Hebrew, p. 335-336. Também A. B. Davidson,
Introductory Hebrew Grammar Hebrew Syntax, p. 62-63.
392
Bruce K. Waltke; M. O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 491.
393
Sobre informações referentes à construção do passivo veja A. B. Davidson, Introductory Hebrew
Grammar Hebrew Syntax, p. 112-113. Consulte ainda a obra de Bruce K. Waltke; Michael Patrick
O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 210-211.
394
Aposição é uma justaposição de dois elementos (palavras e frases) com o segundo renomeando ou
definindo o primeiro. Veja Matthew S. Demoss, Pocket Dictionary for the Study of New Testament Greek,
Downers Grove, InterVarsity Press, 2001, p. 21.
395
Page H. Keley, Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 235.
151
um verbo no hifil perfeito primeira pessoa singular com sufixo terceira pessoa do
plural ְתּים
֣ ִ הִדַּ חhiddaḥtîm “impelirei a eles”, cujo sentido causativo encontra-se no
futuro. 396 Javé seria o causador do referido evento.
392F
י ְהוָ ֽהnᵉʼūm yᵉhwāh “oráculo de Javé”, que tem a função de assinatura e revela a origem
e autoridade da mensagem no discurso. Este último verso da subunidade provavelmente
está mais próximo da prosa narrativa do que da poesia, dada a baixa incorrência de
repetição de frases. O texto pode ser disposto da seguinte forma:
8:1 Naquele tempo,
oráculo de Javé,
e farão sair
os ossos dos reis de Judá e
os ossos dos chefes dele, e
os ossos dos sacerdotes e
os ossos dos profetas e
os ossos dos governantes de Jerusalém
das sepulturas deles;
2
e espalharão a eles
para sol, e
para lua, e
para todo o exército dos céus
a quem têm amado a eles,
e a quem têm servido a eles,
e a quem têm andado após eles,
e a quem têm procurado a eles,
e a quem têm se prostrado para eles; —
não serão recolhidos
e não serão sepultados,
para esterco sobre a face da terra serão.
3
E será escolhida a morte do que vidas para todo do resto que restarem desta família
maldosa — por todo dos lugares que restarem, para onde impelirei a eles ali,
oráculo de Javé Zebaot.
396
Bruce K. Waltke; Michael Patrick O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, p. 491.
152
2.5.3. Gêneros e fórmulas em destaque
A última seção da unidade tem início (v. 1) com a fórmula do evento futuro
(Zukunftereignisformel) que indica um futuro indefinido. A frase בּ ֵ ָ֣עת ה ִַה֣יאbāʻet hahîʼ
“naquele tempo” é usada frequentemente numa profecia cujo cumprimento é previsto
como um desenvolvimento descontínuo com o curso presente dos eventos. Tal
linguagem pode ser empregada para descrever eventos escatológicos, porém nem
sempre isso ocorre. 397
39F A fórmula da proclamação profética (Prophetische
Offenbarungsformel) ou fórmula oracular surge logo em seguida, como também no final
da subunidade. Ademais, a passagem como um todo se revela como um anúncio de
julgamento (Gerichtsankündigung, Gerichtsansage).
397
Michael Floyd, Minor Prophets: Part 2. The Forms of the Old Testament Literature, p. 650.
398
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 271.
399
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 502.
153
dos céus seja Aserá em Jeremias 7,18, é plausível que também Jeremias 8,1-2 se refira à
adoração a Aserá. 400
400
Lena-Sofia Tiemeyer, The Priests and the Temple Cult in the Book of Jeremiah, em Hans M. Barstad;
Reinhard G. Kratz (eds.), Prophecy in the Book of Jeremiah, Berlin/New York, Walter de Gruyter, 2009,
p. 246.
154
Jeremias foi capaz de fundir diversas fórmulas a fim de proclamar sua mensagem de
maneira apropriada, de modo que não pudesse ser ignorada. 401
Diante disso, entendemos a unidade dos caps. 7,1–8,3 como um conjunto
literário maior unificado posteriormente, no qual os acontecimentos mencionados
dificilmente refletem a ordem estabelecida na unidade. Não parece ser um discurso
coerente marcado por uma linha lógica e progressiva. Seria, na verdade, um texto
complexo compilado de várias unidades menores amalgamadas em um único discurso.
As palavras da unidade são compatíveis com a proclamação de Jeremias, embora
os dois primeiros versos possam ter sido escritos por um redator (v. 1-2). Todavia,
quanto ao restante, são ditos supostamente entregues por Javé a Jeremias, para serem
passados adiante. O processo de transmissão aos destinatários encontra-se implícito nas
entrelinhas do texto. Quanto à questão do lugar vivencial em que brota os textos,
embora estejamos cientes de que cada uma das seções possua um cenário próprio e um
momento específico, aderimos à hipótese de que o período do reinado de Jeoaquim seria
o mais indicado para situar todas as palavras contidas nessa unidade.
401
Hans Walter Wolff, Bíblia Antigo Testamento: introdução aos escritos e aos métodos de estudo, São
Paulo, Edições Teológica, 2003, p. 95-98.
155
156
CAPÍTULO 3
O AMBIENTE HISTÓRICO-SOCIAL DA PALAVRA DE JAVÉ
EM JEREMIAS 7,1–8,3
402
Para Nicholson, a pequena seção dos cap. 7,1-15 de Jeremias consiste no núcleo histórico do discurso
do templo, enquanto que o restante dos materiais até o cap. 8,3 seriam unidades separadas que foram
sendo agregadas ao longo da transmissão. Procuramos estabelecer o lugar e a data de cada subunidade dos
caps. 7,1-8,3 no capítulo anterior de nossa pesquisa. Veja Ernest W. Nicholson, Preaching to the Exiles:
A Study of the Prose Tradition in the Book of Jeremiah, p. 68-70.
403
John Peter Lange; Philip Schaff, Carl Wihelm Eduard Näegelsbach, Commentary on the Holy
Scriptures: Jeremiah, Bellingham, Logos Research Systems, 2008, 446p.
157
cap. 7,1-15 é similar a do cap. 26,1-6, e já que esta passagem é datada, possivelmente
aquela pode ser situada no mesmo momento histórico. 404 Vários indícios denunciam a
equivalência entre as duas passagens.
Há similaridades linguísticas entre os dois relatos, das quais se destacam o local
em que Jeremias proclamou o seu discurso, שׁ ַע ֙ר ֵ ֣בּית י ְה ֔ ָוה
֙ ַ ְבּbᵉšaʻar bêt yᵉhwāh “na porta
da casa de Javé” (7,2), e ַבּח ֲַצ֣ר בֵּית־י ְהוָהbaḥᵃṣar bêt yᵉhwāh “no pátio da casa de Javé”
A questão da datação do cap. 7,1-15 pode ser solucionada pela presença da frase
שׁית ַמ ְמלְכ֛ וּת
ִ ֗ בּ ְֵראbᵉreʼšît mamlᵉkût “no início do reinado de” no capítulo correlato de
Jeremias 26,1. Essa expressão é comumente aceita como equivalente ao termo técnico
acadiano reš šarruti “ano da ascensão”, isto é, o período entre a ascensão do rei ao trono
e o início do ano novo, quando convencionalmente começava a contagem dos anos do
reinado. Sendo assim, no caso de Jeoaquim, esse período começara com a entronização
404
José Javier Pardo Izal, La reacción ante el profeta como respuesta a la palavra de Dios em Jeremías 26,
em Estudios Eclesiásticos, Madrid, Facultades de Teologia de la Compañía de Jesus en España, vol. 82,
n. 322, p. 427-459.
405
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 295;
Edgar W. Conrad, Reading the Latter Prophets, London/New York, T&T Clark International, 2003, p.
116.
406
Mark H. McEntire, A Prophetic Chorus of Others: Helping Jeremiah Survive in Jeremiah 26, em
Review & Expositor, Louisville, Review and Expositor/ Southern Baptist Theological Seminary vol. 101,
n. 2, 2004, p. 301-311.
407
Nelson Killp, Jeremias diante do tribunal, em Estudos Teológicos, São Leopoldo, Faculdade de
Teologia da IECLB vol. 46, n.1, 2006, p.52-70.
158
desse rei por Faraó Neco em setembro de 609 a.C. (2Rs 23,34-35) 408 e se estenderia até
o mês seguinte ou até o mês de Nisan (Março/Abril) em 608 a.C., dependendo de qual
calendário estava em uso. 409
O estudo da cronologia dos reis de Judá e de Israel envolve inúmeros
problemas. 410 O debate tem se concentrado na questão do calendário, ou seja, o início
do ano do reinado. Os pesquisadores geralmente asseveram a existência de duas
prováveis datas para o início do novo ano, ou seja, o mês de Nisan (Março/Abril), o que
implica que o ano começaria na primavera, como convencionado na Babilônia, ou seis
meses mais tarde, em Tishri (Setembro/Outubro), durante o outono. O fato de a Bíblia
Hebraica não conter nenhuma afirmação sobre o dia do ano novo ou quando o ano novo
começava tem contribuído grandemente para aumentar as incertezas quanto a essa
questão. 411
Todavia, tal como de Vaux, presumimos que nos primórdios de Israel o ano
começava no outono. Esse calendário parece ter vigorado em Judá até o período do rei
Josias. O relato acerca da história da reforma de Josias no décimo oitavo ano de seu
reinado em 2Rs 22-23 provavelmente aponta para o início do outono como o provável
ano do reinado, dado que os numerosos acontecimentos registrados nesse ano
dificilmente poderiam ter-se dado durante a quinzena entre a descoberta do livro da lei e
a celebração da páscoa no dia 14 de Nisan. Dessa forma, seria mais coerente admitir que
o ano novo iniciara no outono, visto que esse fato favoreceria um intervalo de tempo
mais adequado para a organização da páscoa. 412
Contudo, depois da morte de Josias o calendário provavelmente sofreu alteração.
Alguns textos do Antigo Testamento supõe um cômputo diferente durante esse período.
408
Data proposta por William L. Holladay, The Years of Jeremiah’s Preaching, p. 149. Também David J.
A. Clines, Regnal Year Reckoning in the Last Years of the Kingdom of Judah, em Australian Journal of
Biblical Archaeology, Sydney, Australian Society of Biblical Archaeology, vol. 2, n. 1, 1972, p. 9-34.
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, Scotland, Mentor,
vol. 2, 2004, p. 116.
409
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 2: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 26-52, p. 103. Também F.B. Huey, Jeremiah, Lamentations. The New American
Commentary, p. 234. Há outra proposta que sugere o início do ano em Marheshvan (outubro –
novembro), veja E. Auerbach, Der Wechsel des Jahres-Anfangs in Juda im Lichte der neugefundenen
babylonischen Chronik, em Vetus Testamentum, Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 9, 1959, p. 113-
121.
410
Jeremy Huges, Secrets of the Times: Mith and History of Biblical Chronology, Sheffield, JSOT Press,
1990, 315 p.
411
John H. Hayes, The Beginning of the Regnal Year in Israel and Judah, em J. Andrew Dearman; M.
Patrick Graham (eds.), The Land that I Will Show You, Sheffield, Sheffield Academic Press, 2001, p. 92-
95.
412
Outras passagens que sugerem um ano que começaria no outono são: Ex 23-14-17; 34,18-23; 2Sm
11,1; 1Cr 20,1; 1Rs 20,22.26.
159
Entre os textos se destaca o cap. 36,22 de Jeremias. Quando se lê a Jeoaquim o rolo das
profecias de Jeremias, o rei se encontra em sua casa de inverno e se aquece ao lado de
um braseiro, pois “era o nono mês”, evidentemente o nono mês de um ano de
primavera, em novembro-dezembro. 413
A menção do número ordinal como designação dos meses reporta a um ano que
começa na primavera, uma vez que ambos tiveram sua origem após a morte de Josias,
quando seu filho Jeoaquim tornou-se vassalo de Nabucodonosor e teria assim adotado o
calendário babilônico. 414 Embora existam tentativas de comprovar o uso dos dois
calendários 415 ou mesmo o calendário de outono com pequenas exceções 416 no livro de
Jeremias, é mais coerente admitirmos o uso exclusivo do calendário da primavera em
todo o escrito desse profeta. 417
Com a adoção do calendário babilônico sob Jeoaquim, a contagem do início do
reinado deixou de seguir o antigo sistema da pré-datação, no qual o ano em que morria
um rei e em que subia ao trono seu sucessor era contado duas vezes, passando a
prevalecer o sistema da pós-datação, em que não se contava os meses que precediam o
ano novo, computando o primeiro ano a partir do ano novo que se seguia ao
acontecimento. Por isso, presumimos que a expressão שׁית ַמ ְמלְכ֛ וּת
ִ ֗ בּ ְֵראbᵉreʼšît mamlᵉkût
“no início do reinado de”, em 26,1, corresponde ao período transcorrido entre o advento
do monarca, nesse caso o rei Jeoaquim, e o ano novo que o seguiu.
Como esboçamos nas páginas precedentes, inclinamo-nos a admitir que esse
intervalo de tempo teve seu ponto de partida no mês de setembro de 609 a.C. e seu
encerramento na primavera de 608 a.C., período em que se passou a computar o início
do ano novo de acordo com o calendário babilônico. 418 Tal hipótese vai de encontro à
41F
413
Textos que sugerem o ano da primavera: 2Rs 25,8; Jr 52,12 ressaltam que a destruição do templo
ocorreu no quinto mês, ou seja, no mês de agosto. Veja também Zc 7,3.5; Jr 40,10; 41,8; Ex 12,2.
414
Veja uma bela reconstrução dos eventos durante esse período em Paul K. Hooker; John H. Hayes, The
Year O Josiah’s Death: 609 or 610 BCE, em J. Andrew Dearman e M. Patrick Graham (eds.), The Land
that I Will Show You, Sheffield, Sheffield Academic Press, 2001, p. 96-103.
415
Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, Grand Rapids, Zondervan Publishing
House, 1983, 253p.
416
Cf. Abraham Malamat, The Last Kings of Judah and the Fall of Jerusalem: an Historical-
Chronological Study, em Israel Exploration Journal, Jerusalem, Israel Exploration Society and the
Institute of Archaeology of the Hebrew University, vol. 18, n. 3, 1968, p. 137-156.
417
David J. A. Clines, Regnal Year Reckoning in the Last Years of the Kingdom of Judah, p. 9-34. Veja
do mesmo autor, The Evidence for an Autumnal New Year in Pre-Exilic Israel, em Journal of Biblical
Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 93, 1974, p. 22-40. Confira ainda Rainer Albertz,
Israel in Exile: The History and Literature of the Sixty Century B.C.E., Atlanta, Society Biblical
Literature, 2003, p. 79.
418
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, São Paulo, Teológica, 2003, p. 214-232.
160
informação de que Jeoaquim reinou por onze anos (2Rs 23,36), ao calcularmos sua
morte no mês de dezembro de 598 a.C. 419
Levando em consideração que 26,1 nos remete a um acontecimento descrito
entre setembro de 609 a.C. e março de 608 a.C., é possível assegurar que grande parte
dos materiais do cap. 7,1-15 pertenceriam ao primeiro rolo queimado pelo rei Jeoaquim
em 604 a.C. Como o objetivo desse rolo centrava-se numa tentativa de reverter a
situação adversa ocasionada pela mensagem de Jeremias, é óbvio que tal situação seria
enfatizada no escrito. Contudo, a menção à resposta da instituição religiosa às palavras
do profeta precisaria ser omitida a fim de que o rolo fosse aceito. O que importava era
apresentar a advertência de Javé. 420
Embora nem todas as outras perícopes da unidade provenham desse exato
momento histórico ou do mesmo cenário, não há indícios que desabonem a ideia de que
elas tenham sido proferidas pelo profeta Jeremias nos arredores de Jerusalém ao longo
do reinado de Jeoaquim. Assim, a seguir, procuraremos delinear alguns traços
característicos tanto desse profeta como do rei Jeoaquim, dando também destaque às
questões políticas e socioeconômicas que não somente influenciaram a vida desses dois
personagens, mas sobretudo de toda a população judaíta. Será de vital importância ainda
o entendimento do instrumental teórico do modo de produção tributário como
mecanismo de análise da sociedade judaíta durante aquele momento histórico.
419
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 2, 2004, p.
605.
420
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, 2004, p.
295.
421
Stelman Smith; Judson Cornwall, The Exhaustive Dictionary of Bible Names, North Brunswick,
Bridge-Logos, 1998, p. 128.
422
Gerhard Von Rad, Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Aste/Targumim, 2006, p. 616-617.
161
A época do nascimento de Jeremias é um dado importante para a reconstrução
de sua vida e para determinar o pano de fundo das profecias contidas nos caps. 1–25.
Uma das propostas tradicionalmente adotadas é a de que o chamado de Jeremias se deu
no décimo terceiro ano de Josias (1,2.4), fato também confirmado em 25,3. Além disso,
outras passagens também sugerem que parte do ministério profético de Jeremias se
desenrolou durante os dias do rei Josias (3,6 e 36,2). 423
A menção de que Jeremias era um נַעַרnaʻar “menino” no período de seu
chamado (Jr 1,6) levou muitos pesquisadores a inferir que ele provavelmente tinha por
volta de dezoito anos no momento de seu chamado, tendo nascido entre os anos de 650
e 640 a.C., próximo do final do reinado de Manassés (687-642 a.C.). O uso dessa
expressão hebraica no chamado de Jeremias sugere um limite máximo de cerca de vinte
anos para o profeta nesse período. Duas são as prováveis razões que favorecem tal
afirmação.
Em primeiro lugar, sabe-se que Jeremias descendia de uma família sacerdotal,
porém não há evidências de que tenha exercido o sacerdócio, o que indica que Jeremias
não havia atingido a idade limite de vinte anos, quando os levitas iniciavam o serviço
sacerdotal (Nm 4,3; 8,24, 1 Cr. 23,3. 24). Além do mais, Jeremias não era casado (16,2),
o que sugere que o profeta seria menor de vinte anos, pois numa família sacerdotal era
esperado que o casamento ocorresse por volta dessa idade.
Baseando-se na alegação de que seria improvável adequar algumas passagens às
condições do reinado de Josias, pesquisadores passaram a contestar a hipótese do
nascimento e chamado de Jeremias conforme aventada anteriormente. Para eles, o
ambiente sombrio descrito nos primeiros capítulos da obra não se enquadraria com as
condições vigentes no período de Josias, dada a presunção de que esse rei se empenhou
na tarefa de remoção da idolatria de Judá um ano antes do chamado de Jeremias.
Além disso, a ausência de informação referente a acontecimentos importantes,
tais como a descoberta do livro da lei em 622 a.C., a celebração da páscoa após alguns
meses e, no cenário internacional, a queda de Nínive, associada à alusão à procura pela
profetiza Hulda em vez do profeta Jeremias para interpretar o significado das palavras
do livro da lei (2 Rs 22,14; 2Cr 34,22), e também a incerteza quanto à identificação do
inimigo do norte nos primeiros anos do ministério de Jeremias ofereceriam indícios de
423
Raymond B. Dillard; Tremper Longman III, Introdução ao Antigo Testamento, p. 273-275.
162
que o nascimento e o chamado de Jeremias se deram em uma época posterior,
provavelmente no reinado de Jeoaquim.
As passagens que demonstravam o contrário foram consideradas adições ou
emendas. Ainda sugeriu-se uma troca da expressão “décimo terceiro” para "vigésimo
terceiro" em 1,2, remetendo, dessa forma, o início do ministério de Jeremias para uma
década mais tarde. Todavia, tal proposta não desfrutou de longa aceitação entre os
pesquisadores. Em seu lugar cogitou-se a manutenção da expressão “décimo terceiro”
(1,2), mas, o ano de 627 a.C. não seria tomado como o início do ministério público de
Jeremias, e sim como o ano de seu nascimento, dado que ele teria sido separado para o
ministério desde o ventre de sua mãe. 424
Consequentemente, o ministério profético de Jeremias eclodiria por volta do ano
de 615 a.C., quando teria doze anos. Admitindo a existência de uma cerimônia septenal
de renovação do pacto iniciada em 622 a.C. em que se recitava o Deuteronômio, inferiu-
se que os sermões de Jeremias foram proclamados durante essas cerimônias em 615,
608, 601, 594 e 587 a.C. 425
Outra proposta baseada na análise literária do cap. 1 sugere a divisão dos vv. 4-
19 em dois blocos (vv. 4-12 e 13-19), mantendo o ano de 627 a.C., período em que
Jeremias teria cerca de treze anos, como a provável data para seu chamado profético,
tendo sido aceito somente depois que o livro da lei fora encontrado no templo, quando
tinha dezoito anos. Entrementes, Jeremias é comissionado pela segunda vez (1,13-19),
dando início, de fato, a seu ministério profético em 622/21 a.C. 426 Ele teria a mesma
idade do profeta Samuel em sua comissão. 427
Das propostas elencadas anteriormente, inclino-me a aceitar a ideia de que
Jeremias nasceu entre os anos de 650 e 640 a.C. e tinha por volta de dezoito anos na
época de seu chamado em 627 a.C., porquanto não haja argumentos suficientes no texto
que atestem a ocorrência de um desenvolvimento gradual no ministério de Jeremias
após o ano de 627 a.C., nem tampouco que situem o início de seu ministério nos anos
finais do reinado de Josias. Com respeito à ausência de informação sobre
acontecimentos importantes ocorridos no período do profeta, é necessário desvincular
Jeremias da percepção crítica moderna, de que ele era um historiador ou analista
424
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 51-
54.
425
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 1-10.
426
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 107-109.
427
A expressão “menino” usada em 1 Sm 3,1 equivale à palavra encontrada em Jr 1,6.
163
político, a fim de resgatarmos sua real função, de profeta portador da mensagem de
Javé.
Além do mais, a questão da falta de identificação do inimigo do norte não deve
ser considerada entrave para a elucidação da data do chamado e ministério de Jeremias.
É provável que Jeremias não tivesse nenhuma nação específica em mente, visto que o
norte não representaria uma localização geográfica, antes, seria a fonte de tudo que
fosse considerado ameaçador e misterioso. O norte seria o lugar de onde viria a
desgraça, e o profeta estaria expressando sua convicção de que Javé enviaria uma onda
devastadora de destruição do norte para se vingar de seu povo e de sua terra. 428 Por fim,
a preferência por Hulda em vez de Jeremias para interpretar o significado das palavras
do livro da lei pode ser explicada por sua proximidade com a corte de Jerusalém. Ela
residia na cidade capital de Jerusalém e era provavelmente uma profetiza da corte,
casada com um de seus membros (2 Rs 22,14). 429
Jeremias, por sua vez, era natural de Anatote, região no interior de Judá situada 6
km a nordeste da capital Jerusalém, no antigo território de Benjamin. 430 A pequena
distância entre a cidade capital e Anatote levou o profeta Jeremias a atuar
preferencialmente em Jerusalém após certo momento de sua vida. Tal como Jerusalém,
Anatote também faz parte das cidades e aldeias que se situam nos caminhos de Amã
(Transjordânia) até Geser (na planície oeste, nos arredores do Mar Mediterrâneo), os
quais na altura de Jerusalém se tornam um corredor privilegiado de passagens de
pessoas, animais, carroças e mercadorias em seu trânsito pela parte central da terra de
Israel. Diante disso, Anatote não pode ser considerada uma aldeia qualquer; seria um
lugar de grande circulação de informação e comunicação, um espaço aberto para o
“mundo”. Não é sem razão que Jeremias é denominado o “profeta das nações/goyim”.
428
Victor J. Eldridge, Jeremiah, Prophet of Judgment, em Review & Expositor, Louisville, Southern
Baptist Theological Seminary/ Review and Expositor, vol. 78, n. 3, 1981, p. 325-326. Katleen M.
O’Connor não pressupõe um inimigo histórico, mas sim um inimigo de natureza mítica. Veja Kathleen
M. O’Connor, The Tears of God and Divine Character in Jeremiah 2–9, em A. R. Pete Diamond; Kathlen
M. O’Connor; Louis Stulman (eds.), Troubling Jeremiah, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, p.
392. Para um aprofundamento nesse assunto confira B. S. Childs, The Enemy from the North and the
Chaos Tradition, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 78, 1959,
p. 187-198; Henri Cazzelles, Sophonie, Jérémie, et les Scythes en Palestine, em Revue Biblique, Paris, J.
Gabalda et Cie, vol. 74, n. 1, 1967, p. 24-44; Edward Silver, The Prophet and the Lying Pen: Jeremiah’s
Poetic Challenge to the Deuteronomic School, Chicago/Illinois, The University of Chicago, 2009, 359 p.
(tese de doutorado).
429
Brad E. Kelle, Essential Histories: Ancient Israel at War 853-586 B.C., New York, Osprey Publishing,
2007, p. 72.
430
David Noel Fredman, The Anchor Yale Bible Dictionary, New
York/London/Toronto/Sidney/Auckland, Bantam Doubleday Dell Publishing Group, vol. 1, 1996, p. 227-
228. Veja também Avraham Negev, The Archaeological Encyclopedia of the Holy Land, New York,
Prentice Hall Press, 1996, verbete: Anathoth.
164
O livro de Josué 21,18 descreve essa localidade como uma das regiões herdadas
pelos sacerdotes e levitas. Em 1 Reis 2,26, Anatote aparece como local de exílio para o
sacerdote Abiatar por ter apoiado o grupo político derrotado na sucessão ao trono de
Davi. 431 A ligação de Abiatar com essa região levou alguns pesquisadores a inferirem
que Jeremias seria descendente desse sacerdote. 432 Todavia, não existe nenhuma
evidência bíblica ou extrabíblica que comprove semelhante hipótese, visto que outras
famílias levíticas teriam residido em tal cidade sacerdotal. 433
Embora unida politicamente a Judá, essa localidade mantinha fortes laços com
as tribos do norte. Tais vínculos são notórios pela ênfase do profeta nas tradições
nortistas, em detrimento das tradições de Jerusalém. 434 Nesse sentido, Schwantes faz a
seguinte declaração:
431
Dan G. Kent, Jeremiah: the Man and His Time, em Southwestern Journal of Theology, Fort Worth,
Southwestern Baptist Theological Seminary, vol. 24, n. 1, 1981, p. 7-18. Também Franz Josef
Stendebach, Introducción al Antiguo Testamento, Barcelona, Editorial Herder, 1996, p. 244.
432
Antony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, p. 213.
433
Ernest Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 549.
434
José Luís Sicre, Introdução ao Antigo Testamento, Petrópolis, Vozes, 1994, p. 246.
435
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI
a. C., p. 42.
436
S. Amsler; J. Asurmendi; J. Auneau; R. Martin Archad, Os profetas e os livros proféticos, São Paulo,
Paulinas, 1992, p. 186; Carlos Mesters, O Profeta Jeremias: boca de Deus, boca do povo: uma
introdução à leitura do livro do profeta Jeremias, São Paulo, Paulinas, 1992, p. 23-24.
165
de Jeremias 32,1-15 deixa claro que a noção tribal tradicional de terra como herança
familiar era uma das preocupações do profeta. Dessa forma, presumimos que Jeremias
foi nutrido por uma perspectiva campesina antagônica às pretensões urbanas da
instituição política, econômica e teológica. 437
Essa sua relação com o campo e com a terra terá nosso especial interesse. É
enfoque que cabe em nosso contexto. Embora o profeta mantivesse fortes laços com o
ambiente rural e apresentasse uma linguagem rica de referências à natureza, o contexto
urbano não lhe era estranho. Ele estava familiarizado com a atmosfera da capital.438
Com o decorrer do tempo, parece que encontrou novos abrigos em Jerusalém graças ao
apoio dos membros de uma família politicamente influente no reino de Judá, a família
de Safã (Jr 26,25; 36,9ss.; 40,7ss.). 439
É provável que não por acaso o profeta atribua um papel secundário à tradição
de Davi e de Sião, ou nem mesmo a inclua na expectativa de salvação apresentada aos
exilados fora de Jerusalém (29,7). 440 Sua ascendência campesina teve importante papel
na formulação do conteúdo de suas palavras, as quais criticavam os desmandos
cometidos devido à postura do rei e da elite citadina e ressaltavam as duras
consequências econômicas e sociais para a vida dos empobrecidos pela cobrança
abusiva de tributo em Judá. Jeremias e seus seguidores avaliaram a situação em que
viviam na ótica dos empobrecidos pela política opressora denunciando o culto oficial
desvinculado da vida e legitimador da violência e da opressão.
No capítulo 44 de seu livro encontram-se suas últimas palavras pronunciadas no
Egito, local em que se encontrava na companhia de alguns judeus refugiados que se
dirigiram a esse país depois do assassinato de Godolias em 587 a.C. Portanto, Jeremias
testemunhou os dramáticos acontecimentos desde a queda do império assírio em 612
a.C. até a derrocada de Jerusalém em 587 a.C., quando o império neobabilônico, depois
de um pequeno intervalo de domínio do Egito sobre a Palestina, pôs fim ao Estado
judeu. 441
437
Walter Brueggemann, The Theology of the Book of Jeremiah, New York, Cambridge University Press,
2007, p. 28-29.
438
Dan G. Kent, Jeremiah: the Man and His Time, p. 2.
439
Nelson Killp, Jeremias diante do tribunal, p. 62.
440
Werner H. Schmidt, Introdução ao Antigo Testamento, p.229.
441
Aage Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Aste, vol. 2, 1968, p. 130-131. Também
Yehezkel Kaufmann, A religião de Israel: do início ao exílio babilônico, p. 413-414.
166
3.3. A UNIDADE DOS CAPS. 7,1–8,3 NO CURSO HISTÓRICO-SOCIAL
3.3.1. A supremacia assíria e seus efeitos em Israel e Judá
Para compreendermos as palavras da unidade dos caps. 7,1–8,3 é preciso
conhecer a história e a sociedade dos tempos em que o livro foi escrito. Antes de
analisarmos o texto em si é imprescindível apresentar um quadro panorâmico da história
de Judá. Não é possível ler o texto como se não tivesse sua própria história. A profecia
bíblica nasceu da vida do povo de Deus, por isso, tentaremos rever como era essa vida,
a fim de entendermos melhor as palavras da profecia. 442
A segunda metade do século VIII a.C. seria um bom ponto de partida para a
elucidação das palavras contidas no livro de Jeremias. Embora os oráculos desse profeta
tenham sido proclamados num período posterior, as consequências dos eventos
ocorridos a partir dessa época em Israel e Judá provocaram enormes mudanças na
sociedade judaíta, as quais reverberaram até períodos subsequentes ao do próprio
Jeremias. Assim, a compreensão do que ocorreu antes da época de Jeremias nos ajudará
a entender uma série de questões referentes ao contexto do próprio profeta.
O território que compreendia a antiga Israel e Judá era uma pequena faixa de
terra situada entre o mar Mediterrâneo a oeste e o deserto a leste. 443 Ao sul se
estabelecia o Egito que, a despeito de enfrentar inúmeras crises devido à sucessão das
várias dinastias, geralmente desfrutava de um status de potência militar. Seu objetivo
era estender seus domínios desde a Ásia Menor até a Mesopotâmia. Situada a nordeste
do reino de Judá, a Mesopotâmia abrigou diversos povos que, no decorrer dos séculos,
formaram grandes impérios. 444
Logo, o antigo Israel e Judá tinha a função de ponte. Sua localização dentro do
crescente fértil entre as bacias hidrográficas da Mesopotâmia (Eufrates/Tigre) e do
Egito (Nilo) favorecia esse papel. 445 Além do mais, a região era cortada pelas rotas
comerciais que ligavam a Mesopotâmia ou Ásia Menor ao Egito. 446 Tanto junto ao Nilo
442
Júlio Paulo Tavares Zabatiero, Miquéias: voz dos sem-terra, Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal,
1996, p. 13.
443
Jorge A. González, Bosquejo de la historia de Israel, Decatur, Asociación para la Educación
Teológica Hispana, 1999, p. 32-40.
444
Charles F. Pfeifer; Howard Frederic Vos, The Wycliffe Historical Geography of Bible Lands, Chicago,
Moody Press, 1996, verbete: Mesopotamia.
445
O crescente fértil é parte das terras cultiváveis que circundam o deserto da Arábia. Veja Joaquim
González Echgaray, O crescente fértil e a Bíblia, Editora Vozes, 1995, 278p. Também Yohanan Aharoni,
The Land of the Bible: A Historical Geography, London, Burns and Oates, 1979, p. 3-6.
446
Sobre as rotas comercias na Palestina, confira James I Packer; Merrill C. Tenney; William White
(eds.), Nelson’s Illustraded Manners and Customs of the Bible, Nashville, Thomas Nelson Publishers,
1997, p. 287-288.
167
quanto nos rios mesopotâmicos se desenvolveram impérios interessados no controle da
ponte. 447 Por conseguinte, a história vivida na terra de Israel e Judá estava condicionada
ao constante impacto e à dependência dos acontecimentos ocorridos nas grandes
potências da época.
Essa área encontrava-se no meio de povos poderosos, sendo local de passagem
obrigatório e sujeito a saques. A posição estratégica de Israel e Judá sempre contribuiu
para torná-los vulneráveis à influência dos povos estrangeiros, como também
estimulava seus monarcas a firmarem alianças ora com o Egito, ora com as potências do
norte. 448
Um dos grandes impérios originado no norte foi o assírio. 449 Sua fundação
remonta a Tiglat-Pilasser III (745-727 a.C.), que assumiu o encargo de imperador e
empreendeu uma ofensiva em direção ao Ocidente. Ele não se satisfez apenas com
campanhas esporádicas contra cidades e pequenos Estados a fim de arrecadar tributos.
A ênfase de sua política era a submissão total dos povos dominados. Dependendo das
circunstâncias, as cidades ou Estados estrangeiros eram submetidos a uma relação de
vassalagem ou transformados completamente em províncias assírias. Outro método
utilizado na pacificação do império foram as deportações de populações inteiras ou de
suas elites, substituindo-as por povos oriundos de outras partes do vasto império. 450
Aos poucos a Palestina se viu dominada por esse império e obrigada a pagar
altos tributos aos novos senhores do mundo de então. Em sua marcha expansionista, no
ano de 740 a.C., Tiglat-Pilasser deu início à anexação do norte da Síria. Em 738 a.C.,
surgiram ali as primeiras províncias assírias. Damasco, ao lado de várias cidades
fenícias, também foi obrigada a pagar tributos. Israel não ficou de fora, tornou-se
vassalo e totalmente dependente do imperador assírio, pagando também altos tributos.
Em torno de 734, Tiglat-Pilasser empreendeu outra campanha para o oeste e
chegou até a planície litorânea. A antiga cidade de Gaza foi subjugada. Por volta de 733
a.C., a política imperialista assíria desencadeou um movimento de revolta do qual
participaram diversos pequenos Estados. A neutralidade de Judá frente ao
447
David Aberbach, Imperialism and Biblical Prophecy 750-500 BCE, London/New York, Routledge,
2002, 122 p.
448
Veja uma completa descrição sobre a terra de Israel em Milton Schwantes, História de Israel: local e
origens, São Leopoldo, Oikós, vol. 1, 2008, p. 17-29.
449
Confira sobre definições, história e desenvolvimento do império assírio em T. J.Wilkinson; Eleanor
Barbanes Wilkinson; Jason Ur; Mark Altaweel, Landscape and Settlement in the Neo-Assyrian Empire,
em Bulletin of the American Schools of Oriental Research, Atlanta, American Schools of Oriental
Research Publications, n. 340, 2005, p. 23-56.
450
Sobre o império assírio, veja David Francis Hinson, History of Israel, London, S.P.C.K., vol. 7, 1973,
p. 122-134.
168
descontentamento dos aliados Israel e Damasco em relação a Assíria provocou a
chamada guerra siro-efraimita.
Houve uma campanha conjunta de arameus e israelitas contra Judá, visando a
derrubada do monarca judaico e a instalação de outro rei favorável à aliança, forçando,
dessa forma, o reino do Sul (Judá) a participar da coalisão antiassíria. Em seu desespero,
Acaz (732-715 a.C.), o rei de Judá, pede socorro aos assírios e, no ano de 732 a.C., esse
exército invade o vale do Jordão conquistando, entre outras, as regiões de Gileade e a
Galileia, assim como toda a terra de Neftali, deportando e substituindo a elite e sua
população. Deixando intactas somente a cidade-Estado de Samaria e a serra de
Efraim. 451
O destino de Samaria só foi decidido alguns anos depois, quando ela e outros
pequenos Estados se revoltaram contra a Assíria logo após a morte de Tiglat-Pilasser.
Em resposta, o grande exército assírio marchou contra Samaria, que resistiu durante três
anos, caindo somente em 722 a.C.452 Dessa forma, o Estado de Israel chegou ao seu
final; grande parte da população foi deportada e, em seu lugar, foram instalados povos
estrangeiros que se mesclaram com os israelitas remanescentes, tornando-se Israel uma
parte do sistema provincial assírio (732 e 722 a.C.). 453
Em Judá, no entanto, as condições eram outras. Se por um lado a decisão tomada
pelo rei Acaz foi fundamental para a preservação de seu Estado e de seu povo, por
outro, manteve o território de Judá sujeito à dominação assíria. Acaz se dispôs
voluntariamente como vassalo, pagou tributo como sinal de submissão e reconheceu
também a divindade assíria, erguendo no templo de Jerusalém um altar que substituiu o
altar dos holocaustos – rebaixando, portanto, Javé à condição de divindade secundária
451
Antonius H. J. Gunneweg, História de Israel: dos primórdios até Bar Kochba e de Theodor Herzl até
os nossos dias, São Paulo, Editora Teológica/Edições Loyola, 2005, p. 183-187. Veja a cronologia dos
reis de Israel e Judá durante esse período da história em Rodger C. Young, When was Samaria captured?
The Need for Precision in Biblical Chronologies, em Journal of the Evangelical Theological Society,
Lynchburg/Wheaton, Evangelical Theological Society, vol. 47, n. 4 D, 2004, p. 577-595.
452
William M. Schniedewind, How the Bible Became a Book, Cambridge, Cambridge University Press,
2005, p. 66.
453
K. Lawson Younger, The Fall of Samaria in Light of Recent Research, em Catholic Biblical
Quarterly, Washington, Catholic Biblical Association of America, vol. 61, n.3, 1999, p. 461-482. Confira
ainda os artigo de Gershon Galil, The Last Years of the Kingdom of Israel and the Fall of Samaria, em
Catholic Biblical Quarterly, Washington, Catholic Biblical Association of America, vol. 57, n. 1, 1995, p.
52-65; Brad E. Kelle, Hoshea, Sargon, and the Final Destruction of Samaria: A Response to M. Christine
Tetley with a View Toward Method, em Scandinavian Journal of the Old Testament, Oslo, Scandinavian
University Press, vol. 17, n. 2, 2003, p. 226-244.
169
(2Rs 16-10-18). Assim, Jerusalém e Judá mantiveram-se em meio a tempos turbulentos,
mas não sem pagar um alto preço. 454
A invasão assíria ao reino do Sul, Judá, ocorreu após alguns anos. Antes disso,
os assírios dominaram a Filístia por volta de 710 a.C., e entre os anos 705 e 701 a.C., no
reinado de Ezequias (715-687 a.C.), demonstraram seu poderio bélico ao sul de Israel.
Após a morte do imperador assírio Sargão em 705 a.C., seu sucessor Senaqueribe
priorizou a solução dos conflitos internos do império. Diante disso, os povos subjugados
da Palestina e da Síria viram a oportunidade de soltar suas algemas. Ezequias encabeçou
o movimento de revolta que se estendeu até 701 a.C. 455 Ele procurou se coligar não
somente com pequenos Estados, tais como Ecrom e Ascalom, mas também com o Egito
e talvez com a Babilônia, que tinha acabado de se libertar da dominação assíria.
Não obstante, a revolta não obteve êxito. Depois de estabilizar os conflitos
internos do império e dominar a Babilônia, Senaqueribe marchou para o oeste e,
posteriormente, para a direção sul, conquistando e tributando os pequenos Estados,
avançando até se encontrar com os reais responsáveis pela revolta. Sem forças para
resistir os violentos golpes da Assíria, Judá sucumbiu. Praticamente 46 das suas cidades
foram conquistadas e destruídas, e grande parte da população foi deportada. 456
Entrementes, Jerusalém também foi sitiada. No entanto, por causas ainda
desconhecidas, a conquista da capital não se efetivou, e, assim, Judá não teve, nessa
ocasião, o mesmo destino que Israel. Embora tenha sido deixada depauperada como
“choça na vinha” (Is 1,8).
Desde então, Judá ficara dependente do grande império, ao qual devia pagar
pesado tributo. A tradição bíblica, por sua vez, procurou passar a ideia de que, durante o
reinado de Ezequias, Senaqueribe fracassou em sua pretensa captura de Jerusalém. Isso
permitiu que o rei Ezequias fosse retratado como o rei vitorioso que resistiu à Assíria e
cuja cidade foi miraculosamente salva por Javé. Além disso, o assassinato de
Senaqueribe foi considerado como a retribuição de Javé pela campanha de 701 a.C.
Todavia, o fato de que Ezequias enviou enorme soma de tributo a Nínive depois que o
exército assírio abandonou a região depõe a favor do sucesso da campanha de
454
Richard H. Lowery, The Reforming Kings: Cults and Society in First Temple Judah, Sheffield,
JSOT/Sheffield Academic Press, p. 121-140; Roger Tomes, The Reason for the Syro-Ephraimite War, em
Journal for the Study of the Old Testament, London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield,
n. 59, 1993, p. 55-71.
455
Quanto à centralização religiosa promovida por Ezequias veja Diana Edelman, Hezekiah’s Alleged
Cultic Centralization, em Journal for the Study of the Old Testament, London/Sheffield, Sage
Publications/University of Sheffield, vol. 32.4, 2008, p. 395-434.
456
Richard H. Lowery, The Reforming Kings: Cults and Society in First Temple Judah, p. 142-167.
170
Senaqueribe. 457 Se por um lado, a invasão assíria debelou a revolta e pressionou a
cidade de Jerusalém, por outro, ela não comprometeu sua independência e não separou a
cidade do território de Judá.
O sucessor de Ezequias, seu filho Manassés (687-642 a.C.), também se
submeteu aos assírios aceitando a cultura e religião dos dominadores. Além do mais, os
conquistadores determinaram a política interna a partir de 700 a.C. até
aproximadamente o final do reinado de Manassés. O ônus desse período turbulento
recaiu principalmente sobre a camada mais empobrecida, a qual se viu obrigada a arcar
com os prejuízos.
Durante o período do reinado de Manassés, o império assírio alcançou o ponto
mais alto de seu domínio. O alvo maior do expansionismo assírio, na verdade, era a
conquista do Egito, fato que se deu na primeira metade do século VII a.C. por volta do
ano de 671 a.C., o que redundou na formação do vasto império assírio. Porém, não
demorou muito tempo sua derrocada. Por volta de 640 a.C., os assírios já se
encontravam debilitados para manter a hegemonia sobre a Palestina e acabaram por
perder o controle sobre seus vassalos e províncias.
Entrementes, Manassés exercia uma política de repressão em Judá. Todos os que
ousavam manifestar-se contra o rei ou os desígnios assírios eram cruelmente
massacrados (2 Rs 21,16); os profetas foram quase totalmente silenciados e dizimados.
Não obstante, temos a memória escrita de um grupo que se destacou quando os profetas
não podiam se manifestar. Era o movimento deuteronômico, que provavelmente teve
seu início na primeira metade do século VII a.C., época de Manassés.
Embora não haja consenso entre os pesquisadores em relação à origem desse
grupo, é provável que o movimento tenha iniciado com os emigrantes nortistas que
depois da derrocada do reino de Israel (722 a.C.) transferiram-se para o sul levando
consigo não somente suas bagagens, mas também suas tradições, especialmente a
tradição do Êxodo, dos mandamentos e dos profetas Amós e Oséias. 458 Os levitas rurais,
457
Stephanie Dalley, Recent Evidence from Assyrian Sources for History from Uzziah to Manasseh, em
Journal for the Study of the Old Testament, London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield,
n. 28,4, 2004, p. 393-394.
458
Veja G. von Rad, Deuteronomy – A Commentary (OTL), Philadelphia, The Westminster Press, 1966,
p. 24-25. Confira também Ronald E. Clements, Understanding the Book of Hosea, em Review &
Expositor, Louisville, Southern Baptist Theological Seminary/ Review and Expositor, vol. 72, n. 4, 1974,
p. 405-423; Patricia Dutcher – Walls, The Social Location of the Deuteronomists: a Sociological Study of
Factional Politics in Late Pre-exilic Judah, em Journal for the Study of the Old Testament,
London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield, n. 52 D, 1991, p. 77-94; Giovanni Boggio,
Jeremias: o testemunho de um mártir, São Paulo, Edições Paulinas, 1984, p. 19. Veja a proposta de R. E.
Clements, Deuteronomy and the Jerusalem Cult tradition, em Vetus testamentum, Leiden, Brill Academic
171
intérpretes das tradições que com eles vieram, constataram que a opressão e idolatria
praticadas ali era semelhante à vivenciada no norte. 459
Desde então, baseados nas experiências do norte, atualizaram no sul suas
tradições, ensinaram-nas de forma catequética, atualizaram as leis do povo, os dez
mandamentos e o código da aliança (Ex 20-23). Esse processo resultou no livro do
Deuteronômio – especialmente os capítulos mais antigos (Dt 12-26) – que,
posteriormente, no ano de 622 a.C., foi encontrado durante a reparação do templo,
tornando-se a chave mestra da reforma promovida pelo rei Josias em Jerusalém. 460
No período da morte de Manassés em 642 a.C., o império assírio já se
encontrava em decadência iminente. As prováveis causas da ruína desse império nas
décadas que se seguiram seriam a vasta extensão do territorial e seu enfraquecimento
produzido pelas constantes investidas militares contra os territórios dominados. Com a
decadência da potência assíria e a consequente perda de influência sobre a Palestina,
não surgiu imediatamente um poder imperial capaz de exercer domínio sobre essa faixa
territorial. Por alguns anos houve uma acirrada disputa entre Egito, Babilônia e a
própria Assíria pela supremacia da região, o que redundou num vácuo político que
permitiu certa autonomia para Judá, a despeito da ameaça de uma provável nova
dominação imperial. 461
Publishers, vol. 15, p. 300-312 que considera esse movimento como proveniente dos sacerdotes
reformadores. Como também a de Ernest W. Nicholson, Deuteronomy and tradition, p. 64, 94, que situa o
grupo entre o ciclo profético e a de Moshe Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic School,
Oxford, Clarendon Press, 1972, p. 161, que localiza o movimento na escola de escribas.
459
George Ernest Wright, Levites in Deuteronomy, em Vetus Testamentum, Leiden, Brill Academic
Publishers, vol. 4, n. 3J, 1954, p. 324-330.
460
José Mizzotti, História Israel – 3: Los Profetas, Lima, Equipo de Coordinación de Lectura Pastoral de
la Bíblia, 2007, p. 63-71; 102-104.
461
Milton Schwantes; Carlos Mesters, La fuerza de Yahvé actúa em la historia, México, Ediciones Dabar,
1992, p. 42, 49, 56.
172
3.3.2.1. O “povo da terra”
O ʽam hāʼāreṣ ou “povo da terra” é um termo que aparece 73 vezes na Bíblia
Hebraica e foi alvo de diversas controvérsias quanto à precisão de seu significado.
Atualmente se conjectura o uso da expressão ʽam hāʼāreṣ como termo técnico. 462 A
abordagem mais extremada é a de Mayer Sulzberger (1909). Este argumenta sobre a
existência de uma assembleia nacional (Edah) no antigo Israel, dissolvida após a morte
de Josué. Ele procurou identificar uma instituição que exerceria funções semelhantes
entre a época da morte de Josué e o período helenístico. 463 Conforme sua proposta, o
ʽam hāʼāreṣ seria essa entidade.
Para fundamentar tal ideia, ele cita diversas passagens (Gn 23,7.12.13, Lv 4,27;
20,2. 4). Todavia, é no relato acerca da queda da rainha Atalia e do papel desempenhado
pelo ʽam hāʼāreṣ nesse acontecimento (2 Rs 11,14.18-20) que Sulzberger observa a
evidência da função política do grupo. Ao mesmo tempo em que a análise de Sulzberger
se mostra instigante, também se mostra radical, tendenciosa e dependente de
interpretações textuais que não dão conta da natureza complexa do uso do termo e dos
contextos em que o mesmo ocorreu.
A sugestão elaborada por de Vaux parece superar algumas das dificuldades
apresentadas no trabalho de Sulzberger. Ele presume que a expressão denota
simplesmente o “conjunto de homens livres que usufruíam de direitos cívicos em um
determinado território”. Com efeito, ele reflete sobre o uso da expressão em três
momentos de Israel.
No primeiro momento, o período pré-exílico, o termo demonstra uma distinção
em relação a alguns grupos específicos: o rei ou o príncipe, o rei e seus servos,
sacerdotes e chefes, os chefes, os sacerdotes e os profetas. Porém, para de Vaux, ʽam
hāʼāreṣ representa somente o “conjunto dos cidadãos”. Baseando-se na ocorrência do
termo nos livros de 2Reis, Jeremias e Ezequiel, onde existe uma aparente distinção entre
o “povo da terra” e os habitantes de Jerusalém, de Vaux presume que a distinção não
462
David Noel Fredman, The Anchor Yale Bible Dictionary, vol. 1, p. 168-169. Confira também Walter
A. Elwell; Barry J. Beitzel, Baker Encyclopedia of the Bible, Grand Rapids, Baker Book House, vol. 2,
1988, p. 1640. David Noel Freedman; Allen C. Myers; Astrid B. Beck (eds.), Eerdmans Dictionary of the
Bible, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 2000, p. 1027; Walter A. Elwell; Philip
Wesley Comfort, Tyndale Bible Dictionary, Wheaton, Tyndale House Publishers, 2001, p. 1008; Ágabo
Borges de Sousa, O povo da terra no livro de Jeremias, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, vol. 44,
1994, p. 53-58.
463
Mayer Sulzberger, The AM HA-ARETZ: The Ancient Hebrew Parliament, Philadelphia, J. H.
Greenstone, 1909, p. 8-13.
173
designa um partido ou uma classe social, mas simplesmente aponta para o lugar de
habitação (os de dentro e os de fora da cidade).
No segundo momento, isto é, no retorno do exílio, o termo inicialmente possuía
esse antigo significado (Ag 2,4; Zc 7,5), todavia, em Esdras e Neemias o tom muda
drasticamente. Se por um lado Esdras 2,2 e 7,7 parece designar os homens/povos de
Israel e os homens/povos da terra tal como no período pré-exílico, por outro lado,
Esdras 4,4 contrasta “povo da terra” e “povo de Judá” de uma forma que indica um
conflito de interesses. O termo geralmente aparece no plural, “os povos da terra”, ou
“das terras” (Ed 3,3; 9,1.2.11; 10,2.11; Ne 9,30; 10.29.31.32) quer para indicar o grupo
que se opunha à restauração do templo, quer para fazer menção à população
heterogênea que habitava a terra de Judá quando do regresso dos judeus exilados na
Babilônia. Esses grupos eram vistos com desdém por parte dos judeus.
Finalmente, no terceiro momento, durante a época rabínica, a expressão assumiu
um caráter pejorativo, ou seja, eram aqueles que ignoravam a Lei ou que não a
praticavam. 464 Projetou-se, dessa forma, um significado teológico para os que já eram
outrora grupos sociológicos. 465
Diante do exposto, é mais viável presumir que há pouca evidência para apoiar
uma interpretação radical da expressão. Antes, existiriam provas suficientes nos vários
períodos para indicar que dentro de um contexto definido o vocábulo pode ter sentidos
específicos. Contudo, discordo da posição advogada por de Vaux de que durante o
período monárquico a expressão ʽam hāʼāreṣ não representava um partido ou classe
social.
A proposta de Tércio Machado, com base na obra de Ernst Würthwein, pode nos
auxiliar nessa divergência. 466 Würthwein, assim como Machado, vê a participação
política do “povo da terra” dentro da comunidade de Judá no período monárquico. A
expressão designaria uma instituição definida, isto é, uma estrutura de plenos cidadãos
emancipados do sexo masculino que representaria uma espécie de elite do poder, o
464
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 95-96. Confira proposta similar em E. W.
Nicholson, The Meaning of the Expression ʽam hāʼāreṣ in the Old Testament, em Journal of Semitic
Studies, Oxford, Oxford University Press, vol. 10, 1965, p. 59-66. Ele analisa o termo fora do conjunto
dos livros de Reis e Crônicas e argumenta que, nesses outros casos (Gn 23,7.12.13; 42,6; Ex 5,5; Lv 20),
o termo é ambíguo e genérico. Ademais, levanta dúvidas sobre os usos específicos do termo nos
principais textos de Reis e conjectura uma interpretação contextual do termo em Ezequiel (12,19, 33,2;
39,13; 45,22; 46,3.9).
465
A. H. Gunneweg, A Semantic Revolution, em Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft,
Berlin, Walter de Gruyter, vol. 95, n. 3, p. 437-440.
466
Tércio Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, São Bernardo do Campo,
Universidade Metodista de São Paulo, 1997, 195 p. (tese de Doutorado).
174
grupo dos que formavam o núcleo sólido da nação. Não era apenas um grupo social
distinto, mas representava, na verdade, uma classe poderosa que combinava poder
econômica, social e militar para torná-los uma força política crucial para o
funcionamento do Estado.
Würthwein traça o desenvolvimento desse grupo desde o primeiro período da
monarquia identificando, de modo geral, o vocábulo ʽam hāʼāreṣ com ʼanšê yēhûdāh de
2 Sm 2,4, como também com o termo ʽam yēhûdāh (2 Rs 14,21). O poder do grupo foi
mais predominante durante o início do período da monarquia davídico-salomônica,
quando os interesses dos vários grupos “tribais” deviam ser cuidadosamente
manipulados para alcançar um consenso na monarquia e na escolha específica dos reis.
Seu poder estava fundamentado, sobretudo, em sua capacidade militar como uma
milícia.
Em resposta a essa velha ideologia de milícia, tanto Davi como Salomão foram
capazes de desenvolver importante poder militar independente ao reunir uma guarda
pessoal e exército, cuja lealdade voltava-se ao rei e não à nação como um todo. Mas,
apesar desse sentido mais antigo, de uma corporação de livres possuidores de terra, o
desenvolvimento mais significativo do conceito de ʽam hāʼāreṣ veio após a separação
dos dois reinos, especificamente em Judá, no período entre Atalia (842-837 a.C.) e o
Exílio (589 a.C.).
Durante esse período, segundo Würthwein, o termo foi empregado para designar
uma classe específica. Para corroborar sua hipótese, ele cita alguns episódios na tradição
bíblica que denunciam tal uso da expressão. Em primeiro lugar, destaca-se o papel do
ʽam hāʼāreṣ na derrubada de Atalia e na escolha de Joás (2Reis 11; 2Crônicas 23).
Nesse caso, o ʽam hāʼāreṣ estava associado a outros grupos (sacerdotes, funcionários do
palácio e líderes militares) na revolução e entronização do novo rei. Ademais, destaca
que 1Rs 11,18 associa ʽam hāʼāreṣ a um grupo militar que destruiu o templo de Baal.467
Noutro episódio situado em 2Rs 21,25 (= 2Cr 33,25), o “povo da terra” mata os
assassinos de Amon (642-640 a.C.) e participam da eleição e entronização de Josias
467
Confira outras intervenções políticas do “povo da terra” em José Mizzotti, História Israel – 3: Los
Profetas, p. 78-79. Após o assassinato de Joás por gente da cidade (1Rs 12,20-21), a gente do campo deu
apoio a seu filho Amasias (796-781 a.C.), também assassinado pelo pessoal da capital (2 Rs 14,19-20).
Em seguida, o povo da terra procurou se estabelecer por meio de Uzias (781-740 a.C.) e de Jotão (740-
736 a.C.; 2Rs 14,21.15,5).
175
(640-609 a.C.). Um terceiro exemplo é 2Reis 23,30 (= 2Cr 26,1), que relaciona o “povo
da terra” à entronização de Jeoacaz. 468
É possível encontrar outras evidências de que a expressão “povo da terra”
retratava uma classe específica. 2Reis 23,35 menciona a tributação exigida do “povo da
terra” como resultado da dominação egípcia liderada por Faraó Neco. Além do mais,
outras referências bíblicas destacam a associação do ʽam hāʼāreṣ com reconhecidas
classes sociais. É o caso de Jeremias 1,15; 34,19; 37,2; 44,21. Nessas referências a
expressão encontra-se associada a príncipes e sacerdotes, eunucos, servos do rei e o
próprio rei, indicando, dessa forma, que se refere a um grupo distinto nesse período. 469
Em seus estudos, Tércio Machado acrescenta que o “povo da terra”,
provavelmente denominado também como “anciãos da terra” 470, seria um grupo social
em ação no interior de Judá (Sefelá) que teve grande participação no cenário político
durante o período monárquico. Eram camponeses militantes da fé javista, leais ao
davidismo belemita, atuantes em defesa da terra e de suas instituições, que
provavelmente não tiveram grandes chances de ter suas ideias promovidas de modo
sistemático e amplo. No entanto, seus representantes possuíam importante status no
cenário econômico, social e político.
Para esse pesquisador, a expressão ʽam hāʼāreṣ nem sempre designou um termo
técnico. No Pentateuco, por exemplo, seu significado varia de contexto para contexto.471
O ʽam hāʼāreṣ passou a representar um termo técnico no livro de 2Reis e 2Crônicas,
designando uma classe ou grupo social determinado dentro da população de Judá, a qual
atuava econômica e politicamente nas regiões agrícolas. Todavia, a atividade desse
grupo não se limitou apenas à atividade agrícola. Com o passar do tempo, o povo da
terra excedeu sua organização e teve representantes que deixaram suas bases na Sefelá
para fazer política em Jerusalém.
No final do oitavo século, período dos profetas Miqueias e Isaías, o “povo da
terra” deixou de ser, parcialmente, um grupo de camponeses para assumir, também, a
condição de latifundiários da terra, viver dela e da exploração de seus irmãos
camponeses e gozar, também, de relações estreitas com o rei (os reis da dinastia
468
David Noel Freedman, The Anchor Yale Bible Dictionary, vol. 1, p. 168-169.
469
Ernst Würthwein, Der ˓amm ha˒aretz im Alten Testament. BWANT 17, Stuttgart, Verlag von W.
Kohlhammer, 1936, p. 15-18.
470
Milton Schwantes, Esperanças messiânicas e davídicas, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, vol.
23, 1989, p. 18-29. Nesse artigo, o autor defende que a denominação “anciãos da terra” e “meu povo”
tenham a mesma grandeza do “povo da terra”.
471
Veja Gênesis 23,7.12-13; 42,6; Êxodo 5,5; Levítico 20, 1-6; Números 14,8.
176
davídica), o exército e os sacerdotes de Jerusalém. O grupo se mostra dividido
internamente durante esse período. 472
Em Jeremias, o “povo da terra” deixou de ser um grupo de ação que atuava em
momentos de crise a fim de aderir à política defendida pelos sacerdotes, príncipes e
eunucos de Jerusalém. Provavelmente as menções negativas ao grupo no livro de
Jeremias se referiam, exclusivamente, a um grupo de exploradores proprietários de
terras na região da Sefelá. Em vista disso, Jeremias se solidarizava com os “pobres da
terra” (Jr 40,7; 52,16). Talvez ele tenha denunciado o mesmo grupo criticado por
Miqueias anos antes (Mq 2,4.8-9; 3,3). Com efeito, o “povo da terra” ingressou na
política da corte e do templo, abandonando suas raízes ideológicas ligadas ao campo.
Por isso, Miqueias e Jeremias utilizam outros termos para se referir aos trabalhadores
empobrecidos da roça: “meu povo” (Miqueias) e “pobres da terra” (Jeremias e o
historiador deuteronomista). 473
O “povo da terra”, com suas bases e interesses voltados ao campesinato judaíta,
interferiram no destino político de Judá. Depois da derrubada da corte de Manassés, de
Amon e seus ministros que o assassinaram, esse grupo coloca no poder Josias, filho de
Amon.
472
Confira informações acerca do povo da terra em Jorge Pixley, A história de Israel a partir dos pobres,
Petrópolis, Editora Vozes, 2004, p. 59-62, 75-79; Ildo Bohn Gass (Org.), Uma introdução à Bíblia: reino
dividido, p. 73-74.
473
Acerca do termo “meu povo” no livro de Miqueias, consulte Milton Schwantes, “Meu povo” em
Miqueias, São Leopoldo, CEBI, 1989, 24 p.
474
John W. Rogerson, An Introduction to the Bible, London/Oakville, Equinox, p. 38; Richard Elliot
Friedman, Who Wrote the Bible?, New York, Harper Collins Publishers, 1997, p. 101-116.
475
Frank Crüsemann, A Torá: teologia e história social da lei do Antigo Testamento, Petrópolis, Vozes,
2001, p. 299; Fernando Ripoli, A crítica social do dito de Jeremias contra o rei Jeoaquim: uma análise
exegética de Jeremias 22,13-19 (609-598 a.C), São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São
Paulo, 2014, p. 116-117.
177
revolucionária cujo símbolo seria o pequeno Josias, considerado como um novo Davi.
Nesse sentido, a revolução tinha conotação messiânica. 476
Como é sabido, durante os anos iniciais do reinado de Josias o império assírio
passara por um lento colapso, originado pela pressão interna dos povos dominados e dos
inimigos que atacavam desde o exterior. Não lhes restava tempo para dar proteção a
seus aliados. Com o enfraquecimento do poder assírio, não houve imediatamente outra
potência capaz de preencher o vácuo deixado na região da Síria e da Palestina; fato que
resultou na reforma promovida por Josias em Judá.
Os caps. 22-23 do livro de 2Reis nos dão informações sobre o cenário em que se
desencadeou a reforma religiosa de Josias. 477 Esse relato relaciona o evento à
descoberta de um documento chamado “o livro da Torá”, no décimo oitavo ano do
reinado de Josias (622 a.C.), durante obras de conservação e restauração do templo.
Embora os pesquisadores não sejam unânimes em admitir que Josias tenha observado o
Deuteronômio e nele fundamentado suas reformas, é provável que esse livro tenha
servido de base para tal acontecimento. 478
A despeito de Josias encabeçar a reforma em Judá, ele não a levou a cabo
sozinho. O fato de o rei de Judá não ser a única força motriz por trás da reforma emerge
da crítica explícita ao rei no Deuteronômio (Dt 17,14-20) e da alusão ao fato de o rei ter
sido elevado ao trono ainda criança, o que mostra que a iniciativa da reforma partiu de
outros grupos que fizeram uso do jovem rei para levar a cabo seus designíos. 479
Pelo que parece, a reforma seria uma espécie de pacto nacional em que campo e
cidade foram reconhecidos em seus novos direitos. Depois de alguns anos de
predomínio do campo sobre a cidade (Jerusalém) devido à entronização do menino
Josias pelo “povo da terra” em 640 a.C., é provável que a cidade tenha retomado a
situação no ano de 622 a.C. Dois fatores na narrativa de 2Reis 22-23 contribuem para
essa afirmativa: a menção do templo de Jerusalém como local em que o livro foi
encontrado e a ausência de qualquer elemento camponês no relato.
De acordo com José Mizzotti, a reforma serviu para afirmar pontos que
interessavam ao campo e outros que privilegiavam a cidade. Segundo ele:
476
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI
a. C., p. 18-20.
477
W. Boyd Barrick, The King & the Cemeteries: Toward a New Understanding of Josiah’s Reform,
Leiden/Boston/Koln, Brill, 2002, 290 p.
478
Nadav Na’man, The “Discovered Book” and the Legitimation of Josiah’s Reform, em Journal of
Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 130, n.1, 2011, p. 47-62.
479
Rainer Albertz, A History of Israelite Religion in the Old Testament Period, Louisville, Westminster,
vol. 1, 1994, p. 201.
178
O campo tinha interesse na afirmação do tribalismo, do povo, de que todos
eram irmãos (um dos conteúdos mais importantes do Deuteronômio).
Ao campo, além disso, interessa a afirmação de Javé, Deus único, pois no
tempo dos assírios os cultos de fertilidade haviam se multiplicado.
Porém, também se decide que Jerusalém passa a ser o único lugar de culto
sacrificial, o que interessa muito a Jerusalém, a seus sacerdotes que,
finalmente, foram os que encontraram o livro. 480
480
José Mizzotti, História Israel – 3: Los Profetas, p. 107.
481
Veja discussão em J. Alberto Soggin, Nueva historia de Israel: de los orígenes a Bar Kochba, Bilbao,
Desclée de Brouwer, 1997, p. 305-312.
482
W. Eugene Claburn, The Fiscal Basis of Josiah’s Reforms, em Journal of Biblical Literature, Atlanta,
Society of Biblical Literature, vol. 92, n. 1, 1971, p. 11-22.
179
a fortaleza em Ramat Rahel, provável Beth-haccerem, local erigido provavelmente no
reinado de Jeoaquim (Jr 22,13-19) e preservado até a queda do primeiro templo. 483
O projeto de Josias não resistiu ao teste do tempo, pois o vácuo político deixado
pelas potências imperiais logo seria ocupado novamente. No ano de 612 a.C., os
babilônios e os medos conquistaram a capital Assíria. Mesmo com a queda de Nínive, o
restante da Assíria ainda resistiu bravamente durante alguns anos até ser extinto como
Estado independente. O rei Josias esteve envolvido nessa batalha final, o que lhe custou
a vida. Livre do jugo imposto pela Assíria, o faraó Neco II interferiu nas lutas quer para
socorrer o último rei assírio, quer para assumir a herança assíria na Síria-Palestina.
Entrementes, por razões que não nos são claras, Josias se opôs à passagem de Neco, que
intencionava passar pela Palestina a fim de prestar socorro aos assírios (2Rs 23,29-30).
Talvez ele temesse uma vitória da coalisão Assíria/Egito que colocaria Judá à
mercê do Egito. Não obstante, o rei de Judá foi morto em Meguido no ano de 609 a.C. e
Neco marchou para Carquemis a fim de ajudar os assírios a recapturar Aram do domínio
babilônico. 484 O que Josias temia aconteceu. Judá foi subjugada pelo Egito. Quanto à
Assíria, não pôde ser salva. Seu grande império foi retalhado quando os medos
estenderam seu controle pelas áreas ao norte e a leste da Assíria no Irã, Armênia e Ásia
Menor. A Babilônia ficou com a planície da Mesopotâmia e o Egito ocupou as áreas a
oeste do Eufrates, incluindo a Palestina. 485
483
J. Alberto Soggin, Nueva historia de Israel: de los orígenes a Bar Kochba, p. 305. Para uma discussão
mais detalhada acerca desses jarros veja Yohanan Aharoni, The Land of the Bible: A Historical
Geography, p. 394-400. Confira ainda um estudo sobre a descoberta de inscrições legais, administrativas
e econômicas na antiga Judá em Jessica N. Whisenant, Writing Literacy, and Textual Transmission: The
Production of Literacy Documents in Iron Age Judah and the Composition of the Hebrew Bible,
Michigan, University of Michigan, 2008, p. 291-333 (tese de doutorado).
484
Stanley Brice Frost, The Death of Josiah: A Conspiracy of Silence, em Journal of Biblical Literature,
Atlanta, Society of Biblical Literature ,vol. 87, n. 4, 1968, p. 369-382. Confira também Paul K. Hooker;
John H. Hayes, The Year of Josiah’s Death: 609 or 610 BCE?, em J. Andrew Dearman; M. Patrick
Graham (eds.), The Land that I Will Show You: Essays on the History and Archaeology of the Ancient
Near East in Honour of J. Maxwell Miller, Sheffield, Sheffield Academic Press, 2001, p. 96-103.
485
Marvin A. Sweeney, King Josiah of Judah: The Lost Messiah of Israel, Oxford/New York, Oxford
University Press, 350 p.
180
por seu pai Josias. 486 Além disso, também era propenso ao luxo e a favor da cobrança de
tributo do ʽam hāʼāreṣ, como foi comprovado no decorrer de seu posterior reinado (2Rs
23,35). Portanto, não foi por acaso que o “povo da terra” o havia preterido em favor de
seu irmão. 487
Contudo, Jeoacaz logo foi deposto e exilado por Faraó Neco em Ribla. 488 A
politica de Josias e de Jeoacaz com ênfase na independência de Judá não se coadunava
com os interesses dos egípcios. Em seguida, os egípcios nomearam seu irmão Eliaquim
como rei, o qual teve o nome trocado para Jeoaquim. 489 Do vassalo Jeoaquim foi
exigido não somente que compactuasse com os interesses egípcios, mas também uma
alta quantia em tributo (2Rs 23,33). 490 Com isso, a breve independência de
aproximadamente vinte anos de Judá chegava ao fim. 491 Faraó Neco manteve sua
supremacia na Ásia Ocidental por alguns anos, até o momento em que os babilônios se
sentiram prontos a desafiá-lo. 492 Os anos de 608-606 foram marcados por constantes
confrontos entre os egípcios e os babilônicos pela supremacia da região. Nesse período,
Jeoaquim manteve-se fiel vassalo do Egito.
Em 605 a.C. Judá estava mais uma vez na encruzilhada. Naquele ano,
Nabucodonosor atacou a guarnição egípcia em Carquemis e a derrotou. Os egípcios
fugiram e foram derrotados novamente em Hamate, deixando o caminho livre para a
Síria e Palestina. Nabucodonosor não aproveitou a oportunidade de uma só vez, visto
486
Jacques Briend, O livro de Jeremias, São Paulo, Paulinas, 1987, p. 13.
487
Frank Crüsemann, A Torá: teologia e história social da lei do Antigo Testamento, p. 299-300.
488
Firas Sawah, Jerusalem in the Age of the Kingdom of Judah, em Thomas L. Thompson (ed.)
Jerusalem in Ancient History and Tradition, London/New York, A&C Black, 2004, p.135; Henri
Cazelles, História política de Israel: desde as origens até Alexandre Magno, São Paulo, Paulus, 1986, p.
187.
489
John Brian Job, Jeremiah’s Kings: A Study of the Monarchy in Jeremiah, England, Ashgate Publishing
Limited, 2006, p. 61-75; Fernando Bortolleto Filho, Sofrimento e luta social em Jeremias 7–23, São
Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1994, p. 108-139 (dissertação de Mestrado).
490
Veja sobre os tributos pagos por Jeoaquim ao Egito em Nadav Na’aman, The Deuteronomist and
Voluntary Servitude to Foreign Powers, em Journal for the Study of the Old Testament,
London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield, n. 65, 1995, p. 48-50. Também José María
Abrego de Lacy, Jeremias: texto y comentário, Madrid/Salamanca/Estella, La casa de la Bíblia,1993, p.
14-15. Confira ainda Antony Kamm, The Israelites: An Introduction, London/New York, Routledge, p.
102-103; Gwendolyn Leick, Who’s Who in The Ancient Near East, London/New York, Routledge, 199, p.
120-121; Monika Ottermann, Defender a vida em meio a fracasso e catástrofes: Uma introdução a
Jeremias 37–45, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, n. 91, 2006, p. 11.
491
Cf. William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 2: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 26–52, p. 25. O início da independência de Judá se deu por volta de 630 a.C., devido
ao enfraquecimento do controle assírio no oeste e a morte de Assurbanipal em 627/626 a.C. Entrementes,
Josias reteve o tributo pago à Assíria e procurou manter controle sobre o antigo reino do Norte de Israel.
Para maiores informações sobre esse período veja também John Bright, História de Israel, São Paulo,
Paulus, 2003, p. 381-382.
492
Para informações mais detalhadas sobre este período veja a obra de Eric H. Clines, Jerusalem
Besieged from Ancient Canaan to Modern Israel, Arbor, The University of Michigan Press, 2004, p. 50-
60.
181
que a morte de seu pai, em agosto de 605, exigiu seu retorno à Babilônia para assumir o
trono. Contudo, no final de 604 a.C. os babilônios acamparam na planície filisteia onde
tomaram Ascalom, e deportaram os principais membros da população. O impacto desse
acontecimento refletiu em Judá. Temendo o poderio babilônico, Jeoaquim transferiu sua
lealdade a Nabucodonosor, tornando-se a contragosto vassalo da Babilônia (2Rs 24,1).
Novamente Judá estava sob a influência de uma potência mesopotâmica. No entanto, a
lealdade de Jeoaquim não durou muito tempo.
Nabucodonosor marchou contra o Egito em 601 a.C., mas sofreu fortes baixas
numa batalha contra Neco próximo à fronteira egípcia, o que provocou a retirada de
suas tropas daquela região. Aproveitando-se da situação, Jeoaquim se rebela (2Rs 24,1).
Todavia, em dezembro de 598 a.C. o exército babilônico regressa. Neste ínterim, o
rebelado Jeoaquim morre provavelmente vítima de assassinato, executado com o
objetivo de mitigar os efeitos da iminente investida babilônica.
A esperança era que a medida evitasse a completa destruição de Judá pelos
vorazes babilônicos. O rei seguinte, Joaquim, de apenas dezoito anos, depois de três
meses no trono foi levado cativo à Babilônia, juntamente com a rainha mãe,
autoridades, principais cidadãos e um vasto espólio (2Rs 24,8-17). Em seu lugar o rei da
Babilônia estabeleceu como monarca Matanias, último rei antes do exílio, o qual teve
seu nome mudado para Zedequias (2Rs 24,17-19). 493
493
F. B. Huey, The New American Commentary: Jeremiah, Lamentations, p. 104. Veja C. Hassell
Bullock, An Introduction to the Old Testament Prophetic Books, p. 193. Também J. A. Thompson, The
Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, p. 22. Para maiores
informações sobre os últimos dias de Judá, confira Alberto R. Green, The Chronology of the Last Days of
Judah: Two Apparent Discrepancies, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical
Literature, vol. 101, n. 1, 1982, p. 57-73.
494
Euclides Martins Balancin, História do povo de Deus, São Paulo, Paulus, 1989, p. 94-95.
182
No reinado de Josias, sobretudo durante o período da reforma, a tributação não
fora considerada extorsiva. A suspensão do pagamento de tributo à Assíria permitiu
tanto a viabilização e implantação da reforma josiânica como também certo alívio para a
população judaíta. De um lado, os camponeses tinham representatividade junto ao
palácio e, do outro, a paulatina decadência do império assírio produziu uma redução na
cobrança de tributos.
No entanto, com a morte de Josias e a conquista de Judá pelos egípcios se deu
uma inversão das condições vigentes. Judá passou a ser vassalo do Egito; houve um
aumento excessivo na tributação, que onerou a população camponesa. Ademais, as
vozes do campo foram praticamente silenciadas junto ao palácio de Jerusalém, visto que
Jeoaquim fora um monarca instituído pelo Egito e evidentemente procurava favorecer o
interesse de seu suserano. Além disso, os crescentes gastos militares e administrativos,
bem como o estilo de vida extravagante do rei e de sua corte, que incluía até mesmo a
edificação de um novo palácio mediante trabalho forçado, contribuía ainda mais para a
extorsão da maioria da população (cf. Jr 22,13-15.18-19).
Jeoaquim, um monarca conhecido por sua avareza e crueldade, não hesitava em
correr atrás do lucro, mesmo que para isso tivesse que praticar violência e
derramamento de sangue inocente (2Rs 24,4; Jr 26,24). Além do mais, agia como
promotor de atrocidades, perseguições implacáveis e assassinatos contra os que se
opunham ou criticavam os abusos cometidos por ele ou sua corte (Jr 26,20-24;36). 495
A condição de vassalagem não contribuiu somente para o aumento excessivo do
tributo, mas também favoreceu a elite de Jerusalém na viabilização de bons negócios
ora com os egípcios ora com os babilônicos, estabelecendo conexões comerciais entre
egípcios e mesopotâmicos. Para a elite, a situação era confortável. Todavia, para os
camponeses, obrigados a abastecer essas relações comerciais, a situação tornou-se
insustentável.
Ademais, em Judá, nos tempos de Jeremias, prevalecia uma organização social
caracterizada pela centralização do poder religioso, político e militar nas mãos do rei e
de sua elite, da produção de “bens religiosos” que se transformou em ideologia do
Estado e da arrecadação do excedente de produção na forma de tributo através do
templo de Jerusalém. 496 A instalação do templo de Jerusalém como a única morada de
495
Antony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, p. 217-219. Veja
também Ildo Bohn Gass (Org.), Uma introdução à Bíblia: reino dividido, p. 150.
496
Júlio Paulo T. Zabatiero, Conflitos de espiritualidade – Reflexões sobre a memória espiritual do povo
de Deus no AT, em: Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, n. 30, 1991, p. 9-25.
183
Javé contribuiu para o aumento da importância da cidade, que agora, além de possuir o
status de sede do poder político-militar, é idealizada como sede da presença de Javé. 497
A centralidade do culto em Jerusalém representou o apogeu da apropriação da fé
pelo Estado. Consequentemente, a teologia javista afastou-se de seu núcleo popular
campesino e de seu projeto libertador para assumir uma postura legitimadora da política
opressiva do Estado. Ela deixou de ser uma questão de engajamento popular no projeto
libertador de Javé para ser um engajamento nas práticas rituais promovidas pelo
sacerdócio oficial do Estado. Consequentemente, o conceito de Javé guerreiro,
peregrino e solidário celebrado pelas tribos deu lugar ao deus guerreiro, residente em
Jerusalém e legitimador da política opressora do Estado. A tônica teológica se deslocou
da libertação para a opressão e explicação da ordem existente. 498
O templo e o culto em Jerusalém receberam destaque especial nas críticas do
profeta Jeremias. Nos dias do rei Jeoaquim, ele precisava ser intensamente promovido
para viabilizar a arrecadação da prata e do ouro a ser pago aos egípcios e, depois,
certamente, aos babilônios, quando estes assumiram o controle de Judá. Ele era o
alicerce no qual a corrupção estava instalada. Jeremias procurou combater a falsa
concepção disseminada em Judá de que a segurança dependia, sobretudo, da presença
do templo em Jerusalém em detrimento do relacionamento com Javé e suas exigências
da aliança. A contínua e intensiva propaganda a favor da supervalorização do templo de
Jerusalém articulada pelos oponentes do profeta não tinha somente um caráter teológico,
mas, sobretudo, interesses econômicos. 499
Duas teologias em conflito na coleção denunciavam o choque de interesses
econômicos entre dois grupos. A unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias destaca, por um
lado, uma teologia de Jerusalém com ênfase na noção de inviolabilidade dessa cidade
apoiada nas promessas associadas com a estabilidade da dinastia davídica e, sobretudo,
a presença permanente de Javé no templo de Jerusalém; por outro lado, a teologia
profética com seu destaque para as tradições sobre Moisés e a aliança condicional
expressa no Deuteronômio. 500
Jeremias opõe-se às tradições teológicas de Jerusalém, visto que, para ele, tal
noção não passava de “palavras enganosas”, porquanto estavam totalmente
497
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 364-369.
498
Júlio Paulo T. Zabatiero, Conflitos de espiritualidade – Reflexões sobre a memória espiritual do povo
de Deus no AT, p. 14.
499
Veremos este assunto com mais detalhes no próximo capítulo de nossa pesquisa.
500
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 471.
184
desconectadas das exigências de justiça e reta conduta prescritas pela aliança. O profeta,
então, entra em conflito com um grupo social que defendia o interesse econômico de
uma minoria fazendo uso da força da religião para fomentar a exploração do povo. A
dimensão socioeconômica, portanto, parece ser o combustível que alimentava as críticas
de Jeremias.
501
Veja uma abordagem acerca de uma série de pressupostos nos quais as ciências sociais se
fundamentam na obra de Cássio Murilo Dias da Silva, Metodologia de exegese bíblica, p. 361-366.
185
As ciências sociais desenvolveram essas ideias criando diversas linhas de
análises sociais. 502 Em virtude da limitação e do objetivo de nosso estudo nos
concentraremos sobretudo no ponto de vista materialista. 503 O materialismo histórico é,
como o próprio nome diz, a explicação da história por fatores materiais, ou seja,
econômicos e técnicos. Essa perspectiva, enraizada na teoria de Marx, opõe-se à
perspectiva idealista. Ambas as propostas admitem o poder das ideologias políticas,
sociais e religiosas. Porém, diferem quanto à questão da origem dessas ideologias, os
fatores que as determinam e seu papel na mudança cultural.
O ponto de vista materialista sustenta que as realidades físicas de uma cultura
provocam as ideologias, enquanto que a perspectiva idealista reconhece o impacto das
ideologias sobre as estruturas sociais. 504 É possível afirmar que o materialismo histórico
é uma teoria sobre toda e qualquer forma produtiva criada pelo homem ao longo do
tempo de acordo com seu ambiente. Segundo essa proposta, os acontecimentos
históricos são determinados pelas condições materiais (econômicas) da sociedade. Em
outras palavras, embora seja possível o entendimento e a definição do homem por meio
da consciência, da linguagem, da religião, o que basicamente o caracteriza é a forma
como reproduz suas condições de existência.
Vários conceitos que estão atrelados ao materialismo não tiveram sua origem na
teoria sociológica, antes, se relacionavam com a interpretação da história; contudo,
embora ambas as áreas do conhecimento sejam distintas, não estão desconectadas
totalmente uma da outra. Existem pontos de contato entre a perspectiva histórica e as
estruturas essenciais da sociedade, objetos primordiais da atuação das ciências sociais.
Em sua análise, Marx deixa evidente que o estudo da sociedade não deve ter
como pressuposto o que os homens dizem, imaginam ou pensam, e sim a forma como
produzem os bens materiais necessários para sua existência. O conhecimento de como o
homem produz sua vida e suas ideias ocorre por meio do contrato que os homens
estabelecem com a natureza para transformá-la por meio do trabalho e as relações entre
502
São elas: a tradição do conflito, a aproximação funcional-estrutural, a perspectiva idealista e a
perspectiva materialista.
503
Cf. Paulo Sandroni, Dicionário de economia, São Paulo, Nova Cultural, 1985, verbete: materialismo
histórico. O materialismo histórico é a parte da concepção marxista da história que trata dos modos de
produção, de seus elementos constituintes e determinantes, de sua gênese, da transição e da sucessão de
um modo de produção a outro. Não diz respeito apenas ao modo de produção capitalista, mas a todos os
modos de produção historicamente determinados: o das comunidades primitivas, o da antiguidade, o
escravista, o asiático, o feudal, o capitalista e o socialista.
504
David Weston Baker; Bill T. Arnold (eds.), The Face of Old Testament Studies: A Survey of
Contemporary Approaches, Grand Rapids/Leicester, Baker Books/Apollos, 1999, p. 421-424; Denis
Collin, Compreender Marx, Petrópolis, Vozes, 2008, p. 107-110.
186
si. Ao atuar sobre a natureza para satisfazer suas necessidades, o homem relaciona-se
com outros seres humanos, dando origem às relações de produção. Estas, por sua vez, se
desenrolam através do processo de trabalho, dando origem às forças produtivas. 505
O processo de trabalho dita os tipos de relação que variam desde a colaboração
até as relações de exploração e opressão, sendo responsável pela transformação de um
elemento determinado da natureza, bruto ou já beneficiado, em um bem de consumo,
pela ação humana e o equipamento adequado para a finalidade específica. Três
elementos sobressaem dentro do processo de trabalho: a força de trabalho, o objeto e os
instrumentos de trabalho. Este último elemento determina a diferença entre as épocas
econômicas e exerce, dentro de um contexto mais amplo, também uma função
importante no processo de produção.
A parcela que sobra da produção de bens materiais é denominada excedente de
produção. Esse conceito está intimamente relacionado ao consumo e se refere a uma
produção maior que a demanda. Para François Houtart, um dos elementos que favorece
o aparecimento do excedente seria a utilização da tecnologia na produção vinculada às
relações de produção. 506 Tal excedente fora o pivô da origem da sociedade de classes e,
ao longo da história, nos diferentes modos de produção, manteve um grupo não
produtor que se utilizara de meios coercitivos políticos e ideológicos para exercer seu
domínio. 507
505
Eva Maria Lakatos; Marina de Andrade Marconi, Sociologia Geral, São Paulo, Atlas, 1999, p. 47-48.
506
François Houtart, Religião e modos de produção pré-capitalista, São Paulo, Paulinas, 1982, p. 14.
507
Idem, p. 22.
508
Ronald A. Simkins, Patronage and the Political Economy of Monarchic Israel, em Semeia, Atlanta,
Society of Biblical Literature, vol. 87, 1999, p. 126; Robert Henry Srour, Modos de produção: elementos
da problemática, Rio de Janeiro, Graal, 1978, p. 103-113.
187
sistematização das relações vigentes. No segundo nível nos deparamos com a estrutura
ideológica (filosofia, arte, religião), justificativa do real, composta por um conjunto de
ideias de determinada classe social que, através de sua ideologia, defende seus
interesses. 509
Sendo a infraestrutura determinante, toda a mudança social está condicionada às
modificações nas forças produtivas e relações de produção. O condicionamento da
superestrutura pela estrutura econômica demonstra que com a mudança da base
econômica, transforma-se mais ou menos rapidamente toda a gigantesca
superestrutura. 510 A esse respeito Norman K. Gottwald escreve:
Isto nos leva finalmente a Marx, que formulou a hipótese de que, na raiz de
toda organização social e ideação mental, incluindo a religião, está o modo
como os seres humanos dentro da natureza agem sobre ela para produzirem
seus meios de subsistência e assim moldam sua própria natureza social. À
medida que os modos de agir sobre a natureza (tecnologia e formas
cooperativas de trabalho) mudam no decorrer do tempo, os modos como os
povos se associam entre si e controlam ou são controlados por eles
(organização social e política), como também os modos como eles pensam a
respeito de si próprios na natureza e na sociedade (religião e filosofia),
mudam também correlativamente. 511
509
Karl Marx, Contribuição à crítica da economia política, São Paulo, Martins Fontes, 1977, p. 23.
510
Giovanni Reale; Dario Antiseri, História da filosofia: do romantismo ao empiriocriticismo, São Paulo,
Paulus, vol. 5, 2005, p. 178.
511
Norman K. Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050
a.C., São Paulo, p. 634.
512
Definição proposta por M. Harnecker no livro de Louis Althuser, La revolución teórica de Marx,
Buenos Aires, Siglo XXI, 1971, p. 6.
513
Miguel Pipollo; Luciano Marini, A Bíblia e o trabalhador, São Paulo, Edições Loyola, 1991, p. 13-22.
188
realidade social concreta, complexa e impura; é objeto de estudo empírico, pelo estudo
crítico de dados concretos.
O estudo de uma formação social corresponde à análise das realidades concretas,
observáveis e comprováveis. É um conceito que designa uma sociedade historicamente
determinada, um todo social em um momento de sua existência. Numa formação social
pode coexistir mais de um modo de produção, sendo que na combinação de vários
modos de produção, constituintes de uma unidade complexa, um modo de produção
domina e determina o caráter de outros. 514 Como declara Simkins:
189
dominante é a ideologia da classe dominante, ou seja, a ideologia expressa na relação de
produção pelo polo explorador. Por fim, a estrutura jurídico-política complexa
desempenha a função de elemento de dominação pela classe dominante. 516
Assim, mediante o emprego dos modos de produção é possível analisar e
classificar a história humana a partir de sua base econômica. Cada modo de produção se
caracteriza por determinado tipo de relações entre homens na produção da riqueza.
Diante disso, como admite Marx, evidenciam-se épocas progressivas da formação
econômica da sociedade, tais como o modo de produção tribal, em que prevalece as
relações familiares; o modo de produção asiático ou tributário, diferenciado pela
submissão dos trabalhadores ao tributo estatal e ao trabalho forçado; o modo de
produção antigo ,caracterizado pela escravidão; o modo de produção feudal,
evidenciado pela servidão; o modo de produção burguês, marcado pelo trabalho
assalariado. 517
A aplicação do conceito sociológico marxista na análise de textos bíblicos,
sobretudo na unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias, desvenda a influência dos fatores
materiais da sociedade judaíta sobre as práticas religiosas vigentes no período. Como
revelam as palavras de Cassio Murilo Dias:
516
Marta Harnecker, Os conceitos elementares do materialismo histórico, São Paulo, Global, 1983, p.
141.
517
Karl Marx, Contribuição à crítica da economia política, p. 23. Veja também Norman K. Gottwald, As
tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050 a.C., p. 635; Lester L. Grabbe,
Sup-Urbs or Only Hyp-Urbs? Prophets and Populations in Ancient Israel and Socio-Historical Method,
em Lester L. Grabbe; Robert D. Haak (eds.), Every City shall be Forsaken: Urbanism and Prophecy in
Ancient Israel and the Near East, Sheffield, Sheffield Academic Press, p. 106-107.
518
Cássio Murilo Dias da Silva, Metodologia de exegese bíblica, p. 391.
190
perspectiva sociológica bíblica é possível conjecturar que, por trás dos textos bíblicos,
houve diversas fases na formação e desenvolvimento social do povo de Israel.
É quase consenso entre os pesquisadores bíblicos que no decorrer da formação
social israelita existiram basicamente três modos de produção, a saber, o tribal ou
comunitário, o tributário e o escravista – cada qual com sua própria estrutura e relação
social, econômica e política, bem como grupos de poder e ideologia. 519 A esse respeito
diz Freedman:
519
Opinião compartilhada por J. Pixley, A história de Israel a partir dos pobres, 136 p. Também por J.
Bright, História de Israel, 621 p. Veja ainda Gale A. Yee, Gender, Class and the Social-Scientific Study
of Genesis 2–3, em Semeia, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 87, 1999, p. 178.
520
David Noel Freedman, The Anchor Yale Bible Dictionary, vol. 6, p. 83.
521
Sobre um estudo da economia no período monárquico veja R. H. Lowery, The Reforming Kings: Cults
and Society in First Temple Judah, p. 39-58. Assim como Norman K. Gottwald, Ideology and Ideologies
in Israelite Prophecy, em Stephen Breck Reid (ed.), Prophets and paradigms: Essays in Honor of Gene
M. Tucker, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1996, p. 140-141.
522
Karl Marx; F. Engels, Obras escolhidas, São Paulo, Alfa-Ômega, 1953, vol. 1, p. 302.
191
Vários autores posteriormente adotaram tal nomenclatura. 523 Todavia, Darcy
Ribeiro preferiu intitulá-lo como formação teocrática de regadio. 524 Em nossa pesquisa,
optamos pela nomenclatura modo de produção tributário, conceito adotado por autores
como Roger Bartra 525 e François Houtart 526, por entendermos que o conceito não se
limita simplesmente a uma área geográfica, ou seja, a asiática. Com a utilização desse
instrumental de análise científica das sociedades, o estudo das sociedades não asiáticas
se torna mais produtivo. Embora situado no continente asiático, Israel juntamente com
outros povos recebe a denominação geopolítica de Oriente Próximo ou, num contexto
mais amplo, Ásia Menor.
523
S. Stuchevski; L. Vasiliev, Três modelos do aparecimento e da evolução das sociedades pré-
capitalistas, em Philomena Gerbran (coord.), Conceito de modo de produção, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1978, p. 109-129; S. Divitçioglu, Modelos econômicos a partir do modo de produção asiático, em
Philomena Gerbran (coord.), Conceito de modo de produção, p. 89-107; M. Godelier, Hipóteses sobre a
natureza e as leis de evolução do modo de produção asiático, em Philomena Gerbran (coord.), Conceito
de modo de produção, p. 73-87.
524
Darcy Ribeiro, O processo civilizatório. Estudos de antropologia da civilização. Etapas da evolução
sociocultural, Petrópolis, Vozes, 1983, p. 31,97ss.
525
Roger Bartra, Tributo e posse da terra na sociedade asteca, em Philomena Gerbran (coord.), Conceito
de modo de produção, p. 160; Maria Teresa Toríbio Brittes Lemos, Corpo calado: imaginários em
confronto, Rio de Janeiro, Sete Letras, 2001, p. 21.
526
François Houtart, Religião e modos de produção pré-capitalista, p. 54.
527
Roland Boer, The Sacred Economy of Ancient “Israel”, em Scandinavian Journal of the Old
Testament, Oslo, Scandinavian University Press, vol. 21, n. 1, 2007, p. 29-48.
192
se ver um capitalismo nascente no Antigo Oriente Próximo. Segundo ele, encontramos
duas tendências nos estudos bíblicos acerca da economia sagrada. Diz ele:
193
monárquico, os reinos de Israel e Judá eram caracterizados como sociedades agrárias
que dependiam da agricultura e pecuária para sua subsistência. Embora houvesse
importantes cidades como Samaria e Jerusalém, a grande parte da população
(aproximadamente 95%) vivia em pequenas aldeias agrícolas com aproximadamente
100 a 250 pessoas, contando com seus próprios meios de produção. 529
Estas vilas eram locais desprotegidos (sem muros), nos quais se convivia de
acordo com os costumes clânicos e tribais, sobrevivendo do trabalho da roça. 530 Tal
unidade econômica e de parentesco subsistiu em meio a uma série de crises econômica e
sociopolítica. Seu sustentáculo se encontrava na família estendida composta por
aproximadamente 20 a 25 casais, os quais formavam a base de uma tribo. As
comunidades camponesas, portanto, tinham um caráter familiar. 531 Esse organismo
social não sofreu grandes variações em sua natureza e estrutura até a época persa (537-
303 a.C.), a não ser uma redução na quantidade de comunidades aldeãs na província
persa de Yehud. 532
A estagnação das comunidades aldeãs tinha sua explicação não somente no fato
de sua dispersão e isolamento, mas também em sua autossuficiência devido à mescla de
fatores, tais como o artesanato doméstico (exercido pelas mulheres no tocante à fiação e
à tecelagem) e a agricultura. A possessão comunitária das terras aldeãs associada com a
divisão fixa e invariável do trabalho assegurava a manutenção das comunidades como
unidades autossuficientes, independentes umas das outras, estereotipadas, reproduzindo-
se e multiplicando-se sempre da mesma forma. Por conseguinte, a comunidade em seu
interior possuía a totalidade de suas condições de reprodução e, ao mesmo tempo, de
produção de excedentes.
Na produção do campo, quando havia excedentes, eram revertidos em favor do
povo nas festas. Com isso, procurava-se evitar a possibilidade de acúmulo por parte de
indivíduos ou grupos. As questões de cunho político e judicial eram decididas em
assembleias, nas quais a autoridade era atribuída aos anciãos que integravam a
529
Brad E. Kelle, Essential Histories: Ancient Israel at War 853-586 B.C., p. 64. Veja Também Thomas
L. Tompson, The Mythic Past: Biblical Archaeology and Myth of Israel, New York, Basic Books, 1999,
p. 120-124. Confira também Walter J. Houston, Exit the Oppressed Peasant? Rethinking the Background
of Social Criticism in the Prophets, em John Day (ed.), Prophecy and the Prophets in Ancient Israel, New
York/London, T&T Clark, p. 101-116.
530
Oded Borowski, Daily Life in Biblical Times, Atlanta, Society of Biblical Literature, 2003, p. 13-36.
531
Jessica N. Whisenant, Writing Literacy, and Textual Transmission: The Production of Literacy
Documents in Iron Age Judah and the Composition of the Hebrew Bible, p. 286-287 (tese de Doutorado).
532
C. E. Carter, The Emergence of Yehud in the Persian Period: A Social and Demographic Study,
Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, p. 249.
194
comunidade. As lideranças tinham caráter emergencial. 533 Assim, essa organização
econômica poderia ser entendida como uma economia de partilha, na qual o meio de
produção era coletivo.
A única condição para seu uso e para o acesso ao produto social era a pertença à
comunidade. Além do mais, havia um sistema de troca interna de produtos e serviços
em que a maior parte da produção era concentrada para o consumo interno na
comunidade. A despeito do núcleo cultural e político fincarem suas estacas no palácio,
Thompson nos garante que a maioria da população vivia em suas respectivas aldeias,
contando com seus próprios meios de produção: terras familiares e rebanhos de ovelhas
e cabras. 534
Boer, em segundo lugar, destaca o complexo templo-cidade. Esse título fora
utilizado para designar a forma como a cidade seria impensada sem o papel estruturante
do templo e do palácio, os quais mantinham certos laços de reciprocidade. Milton
Schwantes acrescenta ainda outro elemento a esse conjunto, o exército, e admite a
evidente inter-relação entre esses grupos. No antigo Israel, havia correlação entre essas
três instituições. Elas se apoiavam mutuamente como engrenagens de um conjunto. 535
Não dispomos atualmente de uma definição abrangente de cidade. Sua natureza
como fenômeno cultural depende do contexto social e histórico em que ela se
desenvolve. Normalmente, a cidade é considerada uma instalação permanente que serve
como centro para uma ampla região e cuja população se envolve em atividades não
agrícolas. 536 Durante a era do Ferro II, as cidades equivaliam a sistemas urbanos plenos,
sendo estabelecidas no reino do Norte (Israel) e no reino do Sul (Judá) de acordo com
um esquema hierárquico-administrativo. Tinham o tamanho médio de aproximadamente
3 a 7 hectares; porém, as capitais em Jerusalém e Samaria chegaram ao tamanho de
aproximadamente 30 a 50 hectares, e receberam um número considerável de pessoas.
Na área superior da cidade prevaleciam as construções administrativas,
incluindo o palácio, o templo, os armazéns e um espaço aberto reservado ao comércio e
acampamentos militares. 537 Habitava a cidade uma pequena elite dirigente, a saber,
533
Cf. François Houtart, Religião e modos de produção pré-capitalista, p. 16ss, 33ss. Veja também Darcy
Ribeiro, O processo civilizatório. Estudos de antropologia da civilização. Etapas da evolução
sociocultural, p. 60-72.
534
Thomas L. Thompson, Early History of the Israelite People: From the Written and Archaeological
Sources, Leiden, E. J. Brill, 1992, p. 120-124.
535
Milton Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras: reflexão e estudo sobre Amós, p. 72-73.
536
Oded Borowski, Daily Life in Biblical Times, p. 43-59.
537
David Noel Freedman, The Anchor Yale Bible Dictionary, vol. 1, p. 1031-1042.
195
tiranos, profissionais religiosos e outros funcionários. 538 Milton Schwantes retrata o
espaço urbano como um local em que residia uma pequena parcela da população
detentora do controle do conjunto social, composta basicamente pela corte e seu
funcionalismo, os sacerdotes do templo citadino e os comerciantes que, geralmente,
eram confundidos com o próprio funcionalismo estatal. A maior parcela da cidade
estava nas mãos do exército, seus soldados e armas.
A cidade exercia controle sobre seus moradores mais empobrecidos,
principalmente sobre os camponeses circundantes e, em conexão com outras cidades,
formava o Estado territorial. Este acelerava a dominação sobre o campo, valendo-se
para tanto da coerção das armas quanto do fascínio da religião, ambos em mãos
citadinas, bem como de aliados dentro das próprias vilas campesinas. 539 Contudo, não
se deve confundir o complexo templo-cidade com o Estado, visto que o Estado emergiu
de uma tensão entre a comunidade aldeã e o complexo templo-cidade.
Ao contrário da comunidade aldeã, o complexo templo-cidade enfrentou um
constante processo de mudança ao longo do período sumério até o helenístico. Todavia,
ambas as grandezas não estavam desconectados. Tal como numa roda, as comunidades
aldeãs formavam os múltiplos pontos nas extremidades dos raios, os quais convergiam
para o eixo.
O terceiro elemento de destaque na reconstrução da economia sagrada é a
formação do Estado despótico. Sua origem vincula-se a determinadas condições
(fertilidade do solo, chuva, comércio ou espólio) que propiciaram uma concentração de
riqueza e de poder nas mãos de poucos. Com a implantação do Estado monárquico em
Israel, a base produtiva permaneceu inalterada, continuando a cargo das comunidades
camponesas. Todavia, não se pode dizer o mesmo da economia que transitou de tribal
para tributária. 540
O modo de produção tributário derivou do modo de produção tribal. 541 Seu
modelo básico é o de um tipo de sociedade em que a classe dominante explora,
mediante a tributação em trabalho (corveia real), em produtos e eventualmente em
538
Jessica N. Whisenant, Writing Literacy, and Textual Transmission: The Production of Literacy
Documents in Iron Age Judah and the Composition of the Hebrew Bible, p. 287-289 (tese de doutorado).
539
Milton Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras: reflexão e estudo sobre Amós, p. 18;
Haroldo Reimer, Agentes e mecanismos de opressão e exploração em Amós, em Revista de Interpretação
Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, Vozes, n. 12, 1992, p. 52-55.
540
Milton Schwantes, Breve história de Israel, São Leopoldo, Oikos, 2008, p. 18.
541
Carlos A. Dreher, O cântico de Débora – Jz 5: conflito social e teologia num episódio da história do
Israel pré-estatal, São Leopoldo, Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil, 1984, p. 100 (dissertação de mestrado).
196
metais preciosos, a maioria absoluta da população, que vive sobretudo em comunidades
aldeãs que mantêm internamente elementos de coesão e solidariedade. 542 O tribalismo
igualitário israelita foi integrado ao tributarismo monárquico e por ele submetido.543
Esse processo foi determinante para a origem de dois grupos distintos na sociedade, a
saber, o complexo templo-cidade e as aldeias camponesas. Diversas questões externas e
internas foram decisivas para tal estado de coisas.
Entre os fatores externos que contribuíram para o surgimento do Estado israelita
encontra-se o interesse de reinos contíguos a Israel em aumentar seu poder econômico e
político através da arrecadação de tributos, além das incursões dos midianitas que
destruíam as plantações e saqueavam os produtos. Por outro lado, as questões de caráter
interno tinham a ver com a grande diferença econômica e territorial entre as tribos. A
corrupção dos sacerdotes e também dos juízes, os primeiros responsáveis por zelar pelo
exercício da justiça nas aldeias 544, além da ocupação de novas terras e do uso do ferro e
da cisterna, que promoveram mais excedentes, os quais transcendiam a necessidade da
comunidade local e colocavam o sistema igualitário num impasse decisivo.
A circulação de produtos também teve um caráter decisivo na formação do
Estado, uma vez que tornou desigual o estado de fortuna dos diferentes membros da
comunidade. 545 Por fim, a introdução do arado com lâmina de ferro puxado por boi
contribuiu para o aumento da produção agrícola, permitindo o enriquecimento de uma
pequena parcela da população e provocando o desequilíbrio ao acelerar o aparecimento
de pobres de um lado e ao projetar segmentos sociais enriquecidos de outro. Além do
mais, o boi, por ser um produto de difícil mobilização, necessitava de armas de
defesa. 546 As diferenças entre famílias, clãs e mesmo tribos acentuaram.
Consequentemente, o pequeno grupo privilegiado se afasta da produção de
mercadorias indispensáveis para a subsistência, tais como alimentos e vestuário, e se
542
Ciro Flamarion S. Cardoso, Modo de produção asiático: nova visita a um velho conceito, Rio de
Janeiro, Campus, 1990, p. 131.
543
Norman K.Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050
a.C., 931 p. Veja ainda Martin Noth, História de Israel, Barcelona, Edicciones Garrida, 1966, p. 61-137.
Também Antonius H. J. Gunneweg, História de Israel: dos primórdios até Bar Kochba e de Theodor
Herzl até os nossos dias, p. 83-96. E ainda Carlos Arthur Dreher, A formação social do Israel pré-estatal.
Uma tentativa de reconstrução histórica a partir do cântico de Débora (Jz 5), em Estudos Teológicos, São
Leopoldo, Faculdade de Teologia da IECLB, n. 26, 1986, p. 169-201.
544
Ildo Bohn Gass (org.), Uma introdução à Bíblia: formação do Império de Davi e Salomão, São
Leopoldo/São Paulo, CEBI/Paulus, 2005, p. 9-14.
545
Ciro Flamarion S. Cardoso, Modo de produção asiático: nova visita a um velho conceito, p. 10.
546
Carlos Frederico Schlaepfer, A Bíblia: introdução historiográfica e literária, Petrópolis, Vozes, 2004,
p. 53. Veja também Milton Schwantes, As monarquias no antigo Israel. O Estado monárquico no final do
século XI a.C.: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica, São Leopoldo/ São Paulo,
CEBI/Paulinas, 2006, p. 36-51. Também Milton Schwantes, Breve história de Israel, p. 19-20.
197
muda para a cidade, dedicando-se então à tarefa de extração desses produtos mediante a
coerção ou persuasão ou uma mistura de ambas, ou seja, através da exploração. O
acúmulo de riqueza e poder proporcionou o aparecimento de chefes e cidades e,
posteriormente, quando a extração dos produtos tornara-se complexa e a riqueza
dependia de proteção surgiu a cidade, o Estado e seu governante, seja um rei déspota ou
tirano.
Numa base contratual, a comunidade destaca tal grupo para resolver sua
necessidade e se dispõe a garantir seu sustento, fornecendo-lhes parte de seu excedente
de produção que, com o passar do tempo, transforma-se em obrigação que não encontra
oposição. Sendo assim, o modo de produção tributário caracteriza-se por um conflito
entre cidade e campo. O campo produz e a cidade usufrui da produção. Consome o
excedente e comercializa parte dele. 547
Diante disso, costuma-se geralmente deduzir que o acúmulo de poder nas mãos
dos chefes ou de um pequeno grupo consiste no que entendemos como Estado, ou seja,
a classe exploradora seria o próprio Estado. Todavia, não é recomendável equiparar a
cidade ao Estado, nem tampouco aos chefes ou tiranos e seu pequeno grupo de
exploradores, uma vez que o Estado, de fato, emerge do conflito entre a estratificação
social, ou melhor, entre o complexo templo-cidade e a comunidade camponesa.
Dois elementos foram determinantes para a origem do Estado israelita, a saber, o
poder militar e a religião. Por um lado, o exército tinha nas mãos o poder e o utilizava
com o intuito de controlar a arrecadação do tributo em casos de resistência. Ele
funcionava como uma instância coercitiva controlando o cumprimento das entregas do
tributo. Por outro, a religião atuava como aparato ideológico do Estado ao legitimar a
arrecadação do tributo. Ela incrementava a arrecadação de parte significativa do
excedente agrícola por meio de suas festas e ritos, empobrecendo e subjugando os
camponeses. 548 Através dos funcionários do templo, dos sacerdotes e profetas ligados
ao culto, a religião assumia a função de legitimar as práticas do Estado. 549 Os “bens
espirituais” faziam parte da relação de troca entre o poder central e as comunidades
aldeãs; de certa forma, era um regulador da contradição.
547
Carlos Arthur Dreher, Escravos no Antigo Testamento, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, n. 18,
p. 12.
548
O santuário real funcionava como centro econômico e administrativo. Para um estudo aprofundado,
consulte a obra de Brad E. Kelle, Essential Histories: Ancient Israel at War 853-586 B.C., p. 66-69.
549
Haroldo Reimer, Ruína e reorganização. O conflito campo-cidade em Miqueias, em Revista de
Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, Vozes, n. 26, 1997, p. 108.
198
Em virtude de a sociedade tributária preservar a mesma cosmovisão das
sociedades tribais no tocante à ação das forças sobrenaturais, a população continuava a
recorrer aos meios religiosos a fim de aplacar a fúria dessas forças; a diferença é que
agora o poder central seria o provedor das condições a tal serviço (sacrifícios, culto
etc.), através de um aparato cultual provido de especialistas nessas funções, para onde
iriam as comunidades aldeãs a fim de salvaguardar sua vida (produção agrícola,
rebanhos, saúde etc.). Assim, mediante esses dois elementos, o Estado mantinha o
controle da sociedade tributária e continha qualquer foco de resistência que pudesse
surgir no instante em que a força produtora se conscientizasse da relação de exploração.
550
François Houtart, Religião e modos de produção pré-capitalista, p. 56.
199
aldeã, serviam como mediadoras entre as potências internacionais e as vilas, e também
contribuíam para diminuir o impacto entre as duas realidades.
551
C. E. Carter, The Emergence of Yehud in the Persian Period: A Social and Demographic Study, p.
255.
200
serviam de pastagens comunais. A terra da qual os camponeses retiravam seu sustento
era posse grupal. Não se costumava vendê-la. Era herança. 552
Dessa forma, os indivíduos possuíam a terra simplesmente pelo fato de fazerem
parte da comunidade. Cada um se apropriava do solo mediante o processo de trabalho,
sendo que a divisão do trabalho se dava por idade e sexo; a produção comunitária não
dependia de uma divisão do trabalho ocasionada por intercâmbios comerciais,
porquanto fossem raros. 553 Esse sistema tinha suas raízes fincadas no mito político de
que Javé seria o real responsável pela partilha da terra para os israelitas.
A divindade também controlava e partilhava a fertilidade da terra, bem como a
fecundidade das mulheres e das fêmeas dos animais. Estas eram vistas como
receptáculos da semente, quer seja, a terra para sementes, as mulheres para o sêmen do
homem e as fêmeas dos animais para o sêmen dos animais machos. As narrativas
concernentes à abertura e ao fechamento dos úteros tanto de mulheres como de animais,
o temor da fome e a celebração da fartura corroboram a ideia do controle e da partilha
na fertilidade por parte da divindade.
Além do mais, de semelhante modo a estrutura de parentesco era prescrita pela
divindade através de um regime de partilha que tinha como base a família, onde a
estrutura de parentesco determinava a partilha de elementos, tais como terra, mulheres e
animais. Em relação à partilha das mulheres, o parentesco determinava a parceria
endogâmica e exogâmica e, ligado a isso, a partilha dos descendentes, principalmente os
descendentes masculinos. Também estabelecia a forma como a herança seria
transmitida no clã, em termos de terra e animais, assim como outros itens, tais como os
saques de guerra.
A aquisição e a partilha da terra, animais e mulheres também estavam associadas
com a questão da milícia. O relato bíblico da tomada de Canaã, sendo ou não ficcional,
salientava a forma como a partilha era entendida e executada. Essa atividade envolvia a
desapropriação e conquista da terra que originariamente pertencia a outros povos. No
primeiro momento, a milícia israelita devastava completamente os povos conquistados,
“tudo na cidade, homens e mulheres, jovens e velhos, bois, ovelhas e burros no fio da
espada” (Js 6,21). Posteriormente, permitiu-se a tomada do saque e dos rebanhos dos
povos subjugados para posteriormente serem repartidos entre os israelitas (Js 8,2).
552
Cf. 1Rs 21.
553
Veja discussão sobre esse assunto no artigo de Roland Boer, Women First? On the Legacy of
“Primitive Communism”, em Journal for the Study of the Old Testament, London, Sage Publications, vol.
30, n. 1, 2005.
201
Carlos A. Dreher dá ênfase a dois estágios na trajetória da força militar israelita.
No primeiro momento, o período pré-monárquico, as forças armadas eram compostas
por camponeses que se tornavam guerreiros à medida que surgisse alguma ameaça
externa contra suas aldeias, clãs e tribos. Seus membros portavam armas fabricadas a
partir de seus próprios instrumentos de trabalho e se organizavam em pequenas
unidades de defesa a fim enfrentarem os invasores e ocasionalmente empreenderem
conquistas de território.
No segundo momento, o período monárquico, surgiram as tropas regulares com
a função de organizar uma defesa mais apropriada contra os inimigos. Essas tropas eram
formadas por mercenários, guerreiros tribais de destaque e por jovens de famílias
camponesas empobrecidas. Ao longo da história da monarquia, ambas as instituições
coexistiram, embora a primeira tenha sido ofuscada pelo brilho da segunda devido a sua
superioridade e eficiência. O exército originariamente constituído por camponeses
desviou seu foco para a economia extrativa, uma vez que se tornou um mecanismo de
coerção interna a serviço do Estado, sempre pronto a defender os supostos “direitos”
deste e de si próprio ao garantir o pagamento do tributo. 554
O sistema de partilha patrono-cliente assegurava a distribuição da terra,
mulheres, animais, saques, como também itens menos tangíveis, tais como proteção e
serviços. A despeito de R. Simkins 555 referir-se ao patronato como um modo de
produção, é provável que se trate de um elemento em um amplo sistema econômico,
pois o patronato é encontrado em outros sistemas econômicos. A supervisão e aplicação
da partilha no Antigo Testamento estavam a cargo do judiciário. Inúmeras leis na Bíblia
Hebraica lidavam com as questões referentes à partilha da terra, ao controle das
mulheres, aos padrões de parentescos e herança assim como com a questão da natureza
das relações de patrono-cliente. A atribuição da origem de tais leis à divindade
ressaltava ainda mais a supremacia do sagrado em uma economia de partilha.
Em síntese, a mescla dos seis elementos que compunham o sistema de partilha
ou teoeconomia faz da economia sagrada algo sui generis, tendo em vista que nenhum
sistema econômico é determinado por um ou dois itens, e sim pela natureza da
combinação dos elementos em um todo. Dentro da cosmovisão da partilha em Israel,
tudo era concebido em termos teológicos; Javé era o código no qual tudo faria sentido e
554
Carlos A. Dreher, A constituição dos exércitos no reino de Israel, São Leopoldo/São Paulo,
CEBI/Paulus, 2002, p. 156-158.
555
R. Simkins, Patronage and the Political Economy of Ancient Israel, em Semeia, Atlanta, Society of
Biblical Literature, n. 87, 1999, p. 123-144.
202
para o qual tudo seria atribuído, sendo totalmente impensável a existência de tal sistema
sem a linguagem do sagrado, que atribuía todas as coisas a Javé. Até mesmo outros
elementos como o tributo, que fazia parte do sistema de extração, tinham como
pressuposto a lógica do sagrado.
Javé não era apenas o detentor dos poderes da produção (terra, ventres, estações,
chuvas etc.), mas também os partilhava. Portanto, seria o responsável pela partilha da
terra, pela abertura e fechamento dos ventres, pela convocação da máquina de guerra e
por seu sucesso ou fracasso na refrega, pela determinação das estruturas de parentesco e
pelas formas das relações patrono-cliente, como também pelo estabelecimento e sanção
da coleta de tributo (dízimo) no templo.
Na economia sagrada prevalecia uma tensão fundamental entre a economia de
partilha e a economia de extração caracterizada pelo conflito entre campo e cidade. A
economia de extração ou sistema de extração, por sua vez, correspondia ao processo
cujo um grupo não produtor extraia aquilo que era produzido de um grupo produtor. Na
perspectiva marxista isso é chamado de exploração, denotando o processo no qual
alguém que não trabalha adquire algo de quem trabalha.
Todavia, não se deve conceber a ideia de uma economia de mercado no Antigo
Oriente Próximo, visto que não há como comprovar as características essenciais de uma
economia de mercado, ou seja, um esquema complexo de produção, distribuição e
consumo nessa área geográfica. Tampouco se confirma a existência da mercantilização
em que uma série de diferentes itens se equivale através de seu valor de troca como
mercadoria. Basicamente dois elementos fazem parte do sistema de extração: o tributo e
comércio.
Embora houvesse em Israel fontes que contribuíssem para a arrecadação de
recursos econômicos para a manutenção do Estado, a tributação interna deve ter sido o
mecanismo constante e mais eficaz para a captação de recursos. 556 Pelo tributo, o
Estado local extraía os produtos dos camponeses, da mesma forma que o centro
imperial retirava os bens dos povos vassalos.
Ainda que a existência do tributo não tenha sido contestada, sua função esteve
aberta a uma série de debates críticos. Todavia, é bem provável que seu papel
fundamental fosse a manutenção da cidade e a expansão do Estado imperial. Mesmo
556
Cf. Carlos A. Dreher, A constituição dos exércitos no reino de Israel, p. 144-150. O autor apresenta
três fontes de arrecadação de recursos: os despojos de guerra, a utilização de terras da coroa em concessão
em troca de serviços prestados ou na produção de alimentos, e a tributação, a interna e a imposta sobre
povos conquistados.
203
não sendo o único elemento no sistema de extração, o tributo é considerado o ponto no
qual se realça a principal tensão da economia sagrada. A tensão se manifesta pela
extração do tributo da comunidade camponesa pelo complexo templo-cidade.
Portanto, a característica predominante da sociedade tributária judaíta consistia
na relação contratual e geralmente conflitiva entre a estrutura do mundo camponês e o
complexo templo-cidade. Para este, o importante era a arrecadação do tributo como
pagamento ou compensação por serviços prestados àquela. Daí institui-se uma relação
de contrato com as comunidades, arrecadando tributos em troca dos serviços
econômico, religioso ou militar. Cabia às tribos manter a estrutura estatal, provendo-lhe
parte de seu excedente de produção. No entanto, a base produtiva mantivera-se a
mesma; tanto a organização do trabalho como a posse dos meios de produção
permaneceu no âmbito coletivo.
Tal pacto social firmara-se em torno da reciprocidade entre ambos os
envolvidos, sendo desnecessário o uso da arbitrariedade enquanto o status quo se
mantivesse. Entretanto, caso houvesse o rompimento do contrato por uma das partes,
seja pelo abuso da apropriação do excedente, o que colocava em risco a comunidade
aldeã, ou pela tentativa de sabotagem da organização dos grandes trabalhos ou da
apropriação do meio de produção e negação do tributo, o que colocava em risco o poder
central, dava-se o emprego da arbitrariedade no sistema. 557
Com o passar do tempo, a relação contratual da minoria dominante com a base
produtiva transformara-se numa relação obrigatória. Esta minoria estabeleceu uma
relação de exploração. 558 O tributo arrecadado pelos serviços prestados converte-se em
obrigações que não encontram oposição. Com isto, a minoria dominante passou a
explorar a maioria produtora através do tributo.
As constantes ampliações das fronteiras e a reivindicação cada vez maior de
luxo pelos centros urbanos refletiram no aumento abusivo da tributação. Além do mais,
as realizações de grandes obras (palácios, túmulos, santuários, templos ou obras de
irrigação) dirigidas pelo poder central influenciavam a economia, ao gerar um sistema
de importação de matérias-primas que eram adquiridas por meio da troca por excedente
557
François Houtart, Religião e modos de produção pré-capitalista, p. 62.
558
M. Godelier, Hipóteses sobre a natureza e as leis de evolução do modo de produção asiático, p. 73;
também V. G. Childe, A revolução urbana, em Jaime Pinsky (org.), Modos de produção na Antiguidade,
São Paulo, Global, 1986, p. 25-59.
204
de produtos locais e ao deslocar as massas produtoras (campo) para o emprego nas
referidas obras. 559
Devido a esses fatores, o sistema desenvolveu melhores mecanismos de
arrecadação para abranger todos os produtores, diversificou as formas de arrecadação e
justificou-as através da religião. 560 Os efeitos controversos da cobrança de tributos
dentro da economia sagrada foram escamoteados e justificados pela ideologia de
partilha. Nela, como vimos anteriormente, a divindade exercia o papel de sancionar os
tributos, sobretudo na forma de dízimos e taxas do templo, os quais eram repassados
pela estrutura material da religião. A apropriação do excedente por meio do tributo
garantiria a manutenção do aparato, ocasionando assim uma contradição entre campo e
cidade. 561
No sistema de extração, o comércio também exercia um importante papel. Isso
levou alguns pesquisadores a conjecturar acerca da existência de uma economia de
mercado no antigo Israel. Contudo, a propensão de se buscar um capitalismo nascente,
codificado como “mercado”, não passa de uma concepção anacrônica, uma vez que o
comércio não poderia representar uma forma de mercado, haja vista que um sistema
baseado nesses moldes exigiria uma rede extensa de relações de mercado, coisa que
simplesmente não existia no mundo antigo. Por isso, o aparecimento do excedente e do
comércio não poderia produzir uma economia de mercado. Embora houvesse um
comércio incipiente, não se pode comprovar a existência da mercantilização e dos itens
necessários para a complementação de uma economia de mercado. O comércio não era
item determinante na grandeza econômica e em nenhuma parte chegava a ser uma força
motriz.
Na verdade, havia uma pequena circulação de mercadorias de luxo entre a
pequena classe dominante facilitada por mercadores. Com pouca frequência se pode
chamar tal atividade de comércio. Adotava-se como prática o escambo de mercadorias
básicas entre comunidades camponesas locais que redistribuíam os produtos. As
pequenas trocas não constituíam uma economia de mercado. Todavia, assim como o
tributo, o comércio representava um dos elementos da economia extrativa que concorria
para as tensões dentro da economia sagrada.
559
V. G. Childe, A revolução urbana, p. 43-45.
560
Milton Schwantes; Carlos Mesters, Profeta: saudade e esperança, São Leopoldo, CEBI, 2005, p. 14-
15.
561
Idem, p. 19.
205
Os tributos que convergiam para a cidade tinham dupla função. A principal delas
seria cobrir as despesas crescentes do aparelho estatal, mas também eram utilizados em
trocas comerciais. No entanto, tais trocas incorriam em certas desvantagens, uma vez
que os produtos de exportação (produtos agrícolas) possuíam valor inferior aos de
importação (ferro, ouro e pedras preciosas etc.). Por isso, para Judá, essa atividade
representava uma situação desastrosa para o camponês que mantinha toda a estrutura
estatal.
Parte das mercadorias provindas do exterior tinha como endereço principal a
cidade. Porém, uma pequena parcela era direcionada ao campo, ocasionando efeitos nas
aldeias, seja através do ouro utilizado para obtenção de lucro, seja através do ferro
utilizado para suprir a necessidade dos próprios camponeses. 562 Assim, na economia
sagrada, a economia extrativa minava a economia de partilha. A imposição do controle
e da extração das necessidades vitais da comunidade aldeã pela cidade e uma mistura do
controle e extração pelo império minou a lógica dos regimes de partilha no coração da
teoeconomia.
562
Milton Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras: reflexão e estudo sobre Amós, p. 19-23.
206
próprias necessidades ou as do público, ou ainda de parte dele. 563 Carlos A. Dreher
salienta duas formas de tributo vigentes em Israel:
563
Robert A. Oden, Taxation in Biblical Israel, em Journal of Religious Ethics, Malden, Blackwell
Publishers, vol. 12, n. 2, 1984, p. 163.
564
Carlos A. Dreher, A constituição dos exércitos no reino de Israel, p. 152-153.
565
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 172.
566
Robert A. Oden, Taxation in Biblical Israel, p. 163-164.
567
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 171.
568
Robert A. Oden, Taxation in Biblical Israel, p. 165.
207
Ao sintetizar a questão do dízimo no antigo Israel, R. H. Lowery apresenta a
seguinte declaração sobre o papel e a autonomia dos reis daviditas em relação aos
tributos do templo e sua utilização:
569
R. H. Lowery, The Reforming Kings: Cults and Society in First Temple Judah, p. 115.
570
Norman K. Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050
a.C., p. 376.
571
Robert A. Oden, Taxation in Biblical Israel, p. 166-169.
572
J. G. McConville, Law and Theology in Deuteronomy, Sheffield, JSOT Press, vol. 33, 1984, p. 68-87.
208
R. H. Lowery transita entre duas posições antagônicas acerca da origem do
dízimo antes de expressar seu convincente ponto de vista. A primeira posição assevera
que o dízimo seria um tributo estatal instituído no início da monarquia e posteriormente
aplicado ao sustento dos santuários do Estado. Já a segunda relaciona o dízimo à oferta
das primícias paga ao santuário no período pré-monárquico, a qual em um momento
posterior foi integrada ao sistema monárquico, não perdendo todavia seu caráter cúltico.
Depois de discorrer acerca desses dois pontos de vista, Lowery, baseado em
evidências bíblicas e arqueológicas, admite que o dízimo teve sua origem com o
advento do Estado monárquico, embora houvesse indícios de uma origem pré-
monárquica. Para ele, os sistemas de tributos expressavam o significado religioso da
realeza. As evidências arqueológicas apontaram para a existência de uma relação
estreita entre as funções cúlticas e o aparato estatal.
Além do mais, Lowery destaca algumas referências bíblicas que corroboram a
existência de um dízimo real no antigo Israel, entre elas, a que se refere ao “direito do
rei” (1 Sm 8,11-17). O texto que provavelmente derivou de círculos antimonárquicos no
início da monarquia salientara que o rei “tomará um décimo de sua semente e da sua
vinha” (v. 15) e “um décimo do seu rebanho” (v. 17). Afora esse tributo em espécie,
cabia ao rei a tributação em serviços. Conforme nos escreve Carlos A. Dreher:
O monarca poderá dispor dos filhos dos camponeses para o serviço militar,
para o trabalho agrícola em seus campos, para a fabricação de armas de
guerra e a manutenção de carros de combate (1Sm 8,11s); poderá dispor das
filhas dos mesmos camponeses para os serviços da corte (v. 13); poderá
inclusive dispor de servos e servas e mesmo de animais pertencentes à
população para realizar distintos serviços (v. 16), nos quais certamente se
incluem as construções. 573
Lowery ainda faz referência a um presente regular para o rei Saul (1Sm 10,27) e
ao dinheiro de proteção que Davi extorquiu de Nabal como exemplos iniciais de um
tributo real (1Sm 25). O relato acerca dos distritos fiscais de Salomão (1Rs 4,7-19),
criados em parte para suprir a corte de Jerusalém (v. 7), oferece mais uma confirmação
de que existia um sistema de tributo real. Ademais, o pesquisador cita a narrativa de
José como uma história curta concebida em parte para legitimar o sistema de tributo real
em Israel.
573
Carlos A. Dreher, A constituição dos exércitos no reino de Israel, p. 155.
209
A cobrança de tributo continuou viva mesmo durante o período do reino
dividido de Judá. A legislação do Deuteronômio admite a existência de um dízimo em
Judá. Além do mais, a corte e o culto continuaram a funcionar. Reis ainda iam para a
guerra, construíam e mantinham prédios públicos, construíam obras de defesa e
templos. Tais empreendimentos consumiam recursos que, sem dúvida, brotavam da
arrecadação de tributo coletados primeiramente nos santuários locais e depois em um
santuário central no período dos reinos divididos de Israel. 574
210
parte da família estendida, o israelita comum pedia empréstimo a outro israelita mais
abastado. 579 Caso não pudesse pagá-lo, o devedor primeiramente penhorava ao credor
seu campo, isto é, parte da próxima colheita; porém, se não saísse da dificuldade, tinha
de entregar membros de sua família e finalmente a si mesmo para a escravidão por
débito, ou seja, perderia seus direitos pessoais por um período específico para seu
credor a fim de pagar as dívidas (Ex 21,6, Am 8,4-6).
O devedor geralmente trabalharia durante tal período em sua própria herdade,
porém, de fato ele e sua possessão ficavam completamente à disposição do credor. As
dificuldades enfrentadas após a escravidão por débito motivaram muitos camponeses a
abandonar seu direito de posse e entregar-se a seus senhores como escravos
permanentes (Ex 21,5s.); outros eram forçados à escravidão (Am 2,6) e ainda outros
preferiam ser trabalhadores diaristas a fim de no mínimo preservar seu direito à
liberdade. 580 Em tal cenário marcado por espoliação e violência, em que a economia
extrativa minava a economia de partilha, os camponeses empobreciam.
É possível admitir que as premissas do pensamento profético de Jeremias
estejam enraizadas em um dado momento histórico-social do povo de Judá marcado
pelo modo de produção tributário. Ao fazer uma análise exegética da unidade dos caps.
7,1–8,3 de Jeremias, é salutar ter em mente que as palavras do profeta não contêm
apenas ideias teológicas desconexas de uma realidade social; pelo contrário, elas
possuem marcas da sociedade em que foram proferidas e essas marcas são de
fundamental importância para a interpretação da mensagem teológica que o texto nos
transmite. Por isso recorremos ao instrumental sociológico, a fim de obtermos uma
melhor compreensão da mensagem do profeta que será apresentada a partir do próximo
capítulo de nossa pesquisa.
579
Ivoni Richter Reimer (org.), Economia no mundo bíblico: enfoques sociais, históricos e teológicos, p.
17.
580
Rainer Albertz, A History of Israelite Religion in the Old Testament Period, Louisville, Westminster,
vol 1, 1994, p. 160-161.
211
mesmo evento. Pela análise da expressão שׁית ַמ ְמלְכ֛ וּת
ִ ֗ בּ ְֵראbᵉreʼšît mamlᵉkût “no início
do reinado de” encontrada no cap. 26,1, constatou-se que a seção do cap. 7,1-15 retrata
um acontecimento ocorrido entre setembro de 609 a.C. e março de 608 a.C., o que nos
levou a deduzir que parte do material do cap. 7,1-15 pertenceria ao primeiro rolo
queimado pelo rei Jeoaquim em 604 a.C. Tendo tal datação como pressuposto,
inferimos que as outras perícopes presentes na unidade também foram proferidas pelo
profeta Jeremias nos arredores de Jerusalém ao longo do reinado de Jeoaquim.
Comprovou-se ainda que Jeremias era um homem do campo, de família
sacerdotal, nascido em Anatote no território de Benjamim entre os anos de 650 e 640
a.C., e seu chamado se deu por volta dos dezoito anos em 627 a.C. A procedência do
profeta foi determinante para seu posicionamento crítico em relação à capital e ao
templo de Jerusalém. Ele avaliava a situação em que vivia pela ótica dos empobrecidos.
Porém, apesar de sua ascendência camponesa, o contexto urbano não lhe era estranho,
uma vez que viveu durante certo período na cidade.
Investigamos também o pano de fundo da história de Judá. Tendo como ponto
de partida a metade do século VIII a.C., ressaltamos alguns eventos que interferiram na
política e no dia-a-dia da sociedade judaíta, os quais reverberaram até períodos
subsequentes ao do próprio Jeremias. Vimos a importância geográfica e política de
Israel e de Judá junto ao cenário internacional e o surgimento de impérios tanto junto ao
Nilo quanto aos rios mesopotâmicos interessados no controle da Palestina.
Constatou-se que a vida na terra de Israel e Judá esteve condicionada ao impacto
e à dependência dos acontecimentos relativos às grandes potências da região.
Primeiramente a Assíria, que investiu numa ofensiva em direção ao Ocidente com o
intuito de arrecadar tributos. Israel se torna um Estado vassalo e logo depois enfrenta
seu destino final (732 e 722 a.C.). Em Judá, a invasão assíria se deu depois de alguns
anos (705 e 701 a.C.). O ônus desse período turbulento recaiu sobre a camada mais
empobrecida. Nesse ínterim, destaca-se o aparecimento do movimento deuteronômico.
Com o vácuo político ocasionado pelo declínio da Assíria em 640 a.C., o poder
em Judá vai para as mãos do “povo da terra”, com suas bases e interesses voltados ao
campesinato judaíta, e em seguida a cidade retoma a situação em 622 a.C. por meio da
reforma josiânica, uma espécie de pacto nacional entre campo e cidade. Nossos estudos
ainda comprovaram que, após a morte do rei Josias (609 a.C.), os egípcios passaram a
ditar os rumos de Judá. Nomearam Jeoaquim, um monarca conhecido por sua avareza e
212
crueldade, porém não demora muito e ele transfere sua lealdade aos babilônicos, a qual
se transforma em rebelião depois de um breve período, o que resulta na morte do rei e
na deportação de seu substituto.
Ressaltou-se, por fim, a importância da abordagem materialista histórica na
análise da sociedade judaíta, e definiu-se o modo de produção vigente no período de
Jeremias como o tributário. Além disso, investigou-se o ponto-chave do modo de
produção tributário, isto é, a economia sagrada, bem como alguns de seus elementos,
entre os quais destaca-se a comunidade aldeã, o complexo templo-cidade, a formação do
Estado despótico, trabalho e classe, mediações entre o império e comunidade aldeã, e a
teoeconomia ou sistema de partilha e de extração.
Observou-se que a principal característica dessa economia era a tensão
fundamental entre a economia de partilha e a economia de extração caracterizada pelo
conflito entre campo e cidade. Diante disso, destacou-se seis elementos do sistema de
partilha (da terra, da fertilidade, da família, da guerra, da relação patrono-cliente e do
judiciário) e dois do sistema de extração (o tributo e comércio); sendo que, na economia
sagrada, a economia extrativa minava a economia de partilha.
Empreendemos uma análise do tributo como um forte mecanismo utilizado pelo
Estado para sua manutenção. Percebemos que o real beneficiário do tributo era o rei,
dado que na comunidade israelita não havia separação entre o palácio e o templo. E que,
devido à cobrança abusiva de tributo, a situação socioeconômica dos empobrecidos de
Judá na época de Jeremias ficou caótica.
213
214
CAPÍTULO 4
AS PALAVRAS DE REJEIÇÃO AOS SETORES SOCIAIS CIRCUNSCRITOS
AOS SENHORES DO PODER
581
Biblia Hebraica Stuttgartensia: Apparatus Criticus (electronic ed.), Stuttgart, German Bible Society,
2003, p. 795. Para um aprofundamento sobre as questões de crítica textual, consulte as obras de Paul D.
Wegner, A Student's Guide to Textual Criticism of the Bible: Its History, Methods & Results, Downers
Grove, InterVarsity Press, 2006, 331 p., bem como Ellis R. Brotzman, Old Testament Textual Criticism:
A Practical Introduction, Grand Rapids, Baker Books, 1994, 206 p.
582
Emanuel Tov, The Parallel Aligned Hebrew-Aramaic and Greek Texts of Jewish Scripture,
Bellingham, Logos Research Systems, 2003, s/n. Consulte também a Septuaginta: With Morphology,
Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1996, s/n.
583
Para um estudo sobre o assunto, confira William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on
Jeremiah: Introduction and Commentary on Jeremiah i-xxv, vol. 1, p. 158-159. Também Jack R.
Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 459-460.
215
pela proposição que admite a possibilidade de várias tradições textuais coexistentes. 584
Sendo assim, seguiremos a trajetória trilhada pelo TM.
A expressão introdutória na abertura do relato profético, ֲשׁר ָה ָי ֣ה אֶ ֽל־
֣ ֶ הַדָּ ָב ֙ר א
ְהו֖ה לֵאמֹֽר׃
ָ י ְִר ְמ ָ֔יהוּ מֵאֵ ֥ת יhadābār ʼǎšer hāyāh ʼel yirmᵉyāhû mēʼēt yᵉhwāh lēʼmor “a
palavra que aconteceu para Jeremias de Javé para dizer” (v. 1), aparece de forma
ligeiramente modificada no início de outros escritos proféticos. 585 Em Jeremias essa
581F
frase às vezes introduz um único dito profético (cf. Jr 1,4.11.13 e outras passagens),
noutras encabeça uma coletânea composta por vários ditos, tal como exemplificado
nessa grande unidade, a qual deve ser lida como palavra de Javé. Somente assim ela
poderá ser entendida.
O termo ְהו֖ה
ָ הַדָּ ָב ֙ר מֵאֵ ֥ת יhadābār mēʼēt yᵉhwāh “a palavra de Javé” não diz
respeito somente aos discursos individuais de Jeremias, antes, refere-se à experiência
total do profeta, incluindo não apenas as palavras da revelação que ele proclamará, mas
também as ordens divinas que ordenaram e dirigiram sua própria vida. Essa palavra não
se restringe apenas a manifestações verbais, mas também envolve a realidade e está
impregnada de vigor histórico. 586 O termo “palavra de Javé” provavelmente reflete a
582F
ideia de uma “teologia da palavra” que surgiu nos círculos proféticos, e não um
encontro direto com o discurso pessoal de Javé, no qual a “palavra” seria entendida
quase como uma entidade objetiva com poder autônomo.
Ao aludir à frase “a palavra que aconteceu para Jeremias de Javé para dizer”,
talvez o editor tivesse em mente a noção de que essa palavra proveniente de uma fonte
que não seria a mente do próprio profeta se tornaria uma realidade ativa. 587 Jeremias,
583F
portanto, seria o homem do dābār, da palavra, o portador da palavra de Javé que lhe
inspira imediatamente o que ele deve dizer em dada circunstância, o instrumento de uma
revelação atual de Javé. 588 Sendo assim, a referência à chegada da palavra de Javé
584F
indica seu caráter histórico e sua relação com os eventos. A “palavra de Javé”, em vez
584
Consulte as páginas 35-36 de nossa pesquisa.
585
Os 1,1; Ez 1,3; Jn 1,1; Ag 1,1; Ml 1,1.
586
Milton Schwantes, Amós: meditação e estudos, São Leopoldo, Sinodal, 1987, p. 29. Veja também
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, Massachusetts, Hendrickson
Publishers, 1997, p. 325-332.
587
David Noel Freedman, The Anchor Yale Bible Dictionary, vol. 6, p. 961-962; John Lawlor, Word
Event in Jeremiah: A Look at the Composition’s Introductory Formulas, em John Kaltner; Louis Stulman
(eds.), Inspired Speech. Prophecy in the Ancient Near East. Essays in Honor of Herbert B. Huffmon,
London/New York, T&T Clark International, 2004, p. 231-243.
588
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 393.
216
de ser um tipo de conhecimento atemporal, seria um evento histórico. 589 Ela tornou-se 58F
Todavia, a posição exata dessa porta não é clara. Carroll Gillis sugere que ela
seria uma das três portas do átrio interior do templo de Jerusalém, ou seja, a dos
sacerdotes. 593 Embora, por um lado, admitamos tal como Gillis que de fato “a porta da
589F
Casa de Javé” servia de acesso ao átrio interior (Cf. Jr 26,2) 594, por outro lado590F
sustentamos que a porta oriental ou porta nova seria sua provável identificação (Jr
26,10; 36,10). 595 Nesse local provavelmente Jeremias proclamou a palavra de Javé. O
591F
verbo ק ָָראqārāʼ “proclamar” é empregado nesse contexto como um termo técnico para
589
Walther Zimmerli; Frank Moore Cross; Klaus Baltzer, Ezekiel: A Commentary on the Book of the
Prophet Ezekiel, Philadelphia, Fortress Press, vol. 1, 1983, p. 144-145.
590
Hans Walter Wolff, A Continental Commentary: Micah, Minneapolis, Fortress Press, 1990, p. 34-35.
Confira ainda Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 4.
591
W. E. Vine; Merrill F. Unger; William White, Vine's Complete Expository Dictionary of Old and New
Testament Words, Nashville, T. Nelson, vol. 1, 1996, p. 243.
592
Cf. Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology &
Exegesis, vol. 1, p. 655. A expressão “Casa de Javé” seria uma designação ao templo de Javé em
Jerusalém. Era considerada a representação visível da presença divina em Israel. No templo os adoradores
de Javé poderiam se aproximar dele a fim de cumprir seus votos, apresentar suas ofertas e a dedicar-se a
atos de adoração. Para um estudo acerca da centralidade do templo em Jerusalém consulte Margreet L.
Steiner, The Notion of Jerusalem as a Holy City, em Robert Rezetko; Timothy H.Lim; W. Brian Aucker
(eds.), Reflection and Refraction: Studies in Biblical Historiography in Honour of A. Graeme Auld,
Leiden/Boston/Köln, Koninklijke Brill, 2007, p. 447-558.
593
Carroll Gillis, El Antiguo Testamento: un comentario sobre su historia y literatura, Tomos IV, El Paso,
Casa Bautista De Publicaciones, 1991, p. 82.
594
O templo de Jerusalém era cercado por dois átrios murados com portas que conduziam de fora para o
átrio exterior e outras que levavam deste para o átrio interior. Veja Mayer Sulzberger, The AM HA-
ARETZ: The Ancient Hebrew Parliament, p. 21-27.
595
Frank E. Gaebelein; Geoffrey W. Grogan; Charles L. Feinberg, The Expositor's Bible Commentary.
Isaiah, Jeremiah, Lamentations, Ezekiel, Grand Rapids, Zondervan Publishing House, vol. 6, 1986, p.
427. Veja ainda John Peter Lange; Philip Schaff; Carl Wilhelm Eduard Nägelsbach, A Commentary on
the Holy Scriptures: Jeremiah, p. 91.
217
designar o anúncio em alta voz da vontade de Javé. 596 Seja como for, há indícios de que
o local onde se daria a proclamação da mensagem profética era estratégico. Jeremias
faria uso desse espaço público a fim de ter acesso a grande multidão de adoradores. Mas
não somente isso, sua presença diante do templo o colocaria de frente ao principal
mecanismo de arrecadação do tributo para o Estado.
A partir do v. 2b, a tônica do relato recai sobre as palavras de Javé que seriam
repassadas pelo profeta à audiência. Nesse primeiro momento, elas não revelam o
conteúdo do dito, apenas servem de introdução a ele. A mensagem é encabeçada pela
fórmula da proclamação שׁמְע֙ וּ דְ בַר־י ְה ֜ ָוה
ִ šhimʻû dᵉbar yᵉhwāh “ouvi a palavra de Javé”,
cuja função é a chamada de atenção e uma advertência para que as palavras a seguir
sejam recebidas como “a palavra de Javé”. Elas serão endereçadas a uma audiência
identificada pela expressão שּׁע ִ ָ֣רים ָה ֵ֔אלֶּה לְהִ ֽשְׁתַּ חֲוֹ֖ ת לַיהוָ ֽה
ְ כָּל־י ְהוּדָ ה֙ ַה ָבּאִים֙ ַבּkol yᵉhûdā
habbāʼîm baššᵉʻārîm haʻēleh lᵉhištaḥǎwōt layhwāh “todo de Judá, os que entram por
estas portas, para prostrar-se para Javé”. Mas, afinal, quem é “todo de Judá”? São todos
os integrantes de Judá e Jerusalém? Ou “todo de Judá” é uma grandeza específica?
A frase em si já nos auxilia a traçar o perfil desses destinatários. A despeito de
ser identificados pelo termo “todo de Judá”, eles não parecem designar a totalidade da
população judaica, uma vez que o complemento da frase limita a amplitude semântica
da expressão ao relacionar “todo de Judá” com “os que entram por estas portas, para
prostrar-se para Javé”. 597 Evidentemente, os destinatários seriam somente aqueles que
593F
Embora nosso relato não faça alusão direta a quem seria “todo de Judá”, o texto
correlato do cap. 26 de Jeremias nos ajuda na tarefa da identificação da provável
audiência ao fornecer informações explícitas acerca dela. Os destinatários da
mensagem, no referido capítulo, recebem uma designação mais detalhada do que em Jr
7,2. Eles são rotulados como כָּל־ע ֵ ָ֣רי י ְהוּדָ֗ הkol ʻārî yᵉhûdāh “todo das cidades de Judá”.
218
endereçados a toda a população judaíta; atingiriam, sobretudo, grupos citadinos, não
somente da cidade de Jerusalém, mas também de outras cidades fortificadas que
estavam coligadas a Jerusalém, tais como Laquis e Azeca (cf. Jr 34,7), nomeadas num
óstraco achado em Láquis, escrito na ocasião do cerco de Jerusalém. 599
O fato dos ditos serem endereçados a grupos citadinos não implica na ausência
de grupos camponeses nesse acontecimento, revela apenas o verdadeiro alvo das
palavras do profeta. 600 Os destinatários, portanto, seriam grupos citadinos que afluíam
596F
reverência ocorria como parte da etiqueta das cortes orientais quando um vassalo
chegava diante de seu senhor. A ação também era apropriada na adoração de
divindades. No contexto da aliança do AT, onde Javé era visto como Deus e rei de seu
povo, esse ato reconhecia sua posição suprema e a dependência humilde do adorador.
Essa ação no âmbito religioso envolvia outras formas de atividade cúltica, entre elas, os
sacrifícios (Dt 26,10). 602 598F
599
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 267-269. Confira também Haroldo Reimer,
Anotações a partir do imaginário dos profetas menores do séc. VIII a.C., em Estudos Bíblicos, Petrópolis,
Vozes, n. 42, 1994, p. 31.
600
Note a intervenção dos ִמזִּק ְֵנ֖י ה ָ ָ֑א ֶרץmizziqnê hāʼāreṣ “anciãos da terra” em 26,17.
601
John H. Walton, Zondervan Illustrated Bible Backgrounds Commentary (Old Testament) Isaiah,
Jeremiah, Lamentations, Ezekiel, Daniel, Grand Rapids, Zondervan, vol. 4, 2009, p. 252.
602
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
Grand Rapids, Zondervan Publishing House,vol. 2, 1998, p. 42-44.
603
Warren W. Wierbe, The Wiersbe Bible Commentary: The Complete Old Testament in One Volume,
Colorado Springs, David C. Cook, 2003, p. 494; Tim Meadowcroft, Sovereign God or Paranoid
Universe? The Lord of Hosts is His Name, em Evangelical Review of Theology, Carlisle, Paternoster
Periodicals for the World Evangelical Felowship, vol. 27, n. 2, p. 113-127.
219
populares (1Sm 4-6; 2 Sm 6; Sl 132).604 A associação desse epíteto à arca e ao santuário
de Siló sugere que suas origens remontem ao culto do período pré-estatal.
Javé seria aquele que lideraria os exércitos terrestres e celestiais para conduzir os
acontecimentos da história pela proclamação dos decretos divinos. O título “Javé
Zebaot” era entendido em termos militares e reais. 605 O mensageiro de Javé discursaria
para uma audiência que tinha um compromisso de aliança com Javé e, portanto, deveria
ouvi-lo. Esse epíteto é frequentemente encontrado em trechos onde ocorrem disputas,
ou seja, Javé direcionaria seu poder militar contra nações e ídolos, mas também – e aqui
está a ironia – contra aqueles que se consideravam seu próprio povo. 606
O Javé guerreiro era o “Deus de Israel”. O termo expressa a relação entre Deus e
o povo, sendo também uma fórmula antiga encontrada no cântico de Débora (Jz 5,3.5),
bem como na memória exodal (cf. Ex 5,1). A antiguidade das ocorrências em Gn 33,20;
Js 8,30; 24,2.23 leva alguns pesquisadores a inferir que se trate de nomes cúlticos de
uma divindade adorada em Siquém. 607 A referência a “Javé Zebaot” e “Deus de Israel”
remete a antigas tradições tribais campesinas acerca da divindade, a qual era vista não
somente em termos especulativos, mas sobretudo como legitimadora do sistema
religioso, socioeconômico e político do grupo. 608 As palavras do profeta, na verdade,
seriam as do próprio Javé, o Deus camponês que interviria na história em favor dos
oprimidos e contra os opressores.
O conteúdo inicial do discurso profético é exortativo e tem a condicionalidade
como sua principal característica: “Fazei bom caminhos de vós e as obras de vós, então
deixarei morar a vós neste lugar”. A primeira metade da declaração estabelece uma
condição sem a qual a promessa subsequente não seria assegurada. A condição imposta
por Javé tinha a ver com questões concernentes à realidade social judaíta naquele
período histórico. A profecia de Jeremias ainda não se concentra na ruína das elites da
capital Jerusalém e do Estado judaíta, mas sim nas possibilidades de sua reforma e
redimensionamento interno. Ela apela ao arrependimento, a uma conversão de atitudes e
objetivos por parte dos líderes judaítas.
604
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 244.
605
Veja Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 342. Também David Noel Freedman,
The Anchor Yale Bible Dictionary, New York/London/Toronto/Sidney/Auckland, Bantam Doubleday
Dell Publishing Group, vol. 3, 1992, p. 301-307. E ainda J. Glen Taylor, Yahweh and the Sun: Biblical
and Archaeological Evidence for Sun Worship in Ancient Israel, Sheffield, Sheffield Academic Press,
1993, p. 99-105.
606
E. A. Martens, Jeremiah. Believers Church Bible Commentary, p. 303.
607
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 122.
608
Norman K. Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050
a.C., p. 606.
220
O verbo ֵיטיבוּ
֥ ִ הhêṭîbû “fazei bom/reformai”, já na abertura do discurso, carrega
o sentido ético de correção moral. 609 Os vocábulos seguintes demarcam os contornos
605F
que tal correção deveria alcançar na vida dos destinatários. O termo � דֶּ ֶרderek
“caminho” refere-se ao estilo de vida, ao modo característico de se conduzir, enquanto
que ַמ ֲעלָלmaʻǎlāl “obra” assinala a conduta específica executada com base em tal estilo
de vida. 610 60F
que a postura dos destinatários não condizia com a exigência de Javé. Contudo, se eles a
corrigissem, a promissão de Javé seria mantida: “eu (Javé) deixarei morar a vós neste
lugar”. A expressão final ַבּמּ ָ֣קוֹם ַה ֶזּ֑הbammāqôm hazzeh “neste lugar” é alvo de
acalorada discussão acadêmica. Ela se refere ao templo, à cidade de Jerusalém ou à
terra? 612
608F
609
Larry L.Walker; Elmer A. Martens, Cornerstone Biblical Commentary: Isaiah, Jeremiah, &
Lamentations, Carol Stream, Tyndale House Publishers, vol. 8, 2005, p. 348.
610
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 299.
611
John Peter Lange; Philip Schaff, Carl Wihelm Eduard Näegelsbach, A Commentary on the Holy
Scriptures: Jeremiah, p. 91.
612
Para um estudo aprofundado das nuanças de significados desse termo, confira as obras de Mark
Leutcher, The Temple Sermon and the Term MQWM in the Jeremianic Corpus, em Journal for the Study
of the Old Testament, London, Sage Publications, vol. 30, n. 1, 2005, p. 93-109; D. F. Murray, MQWM
and the Future of Israel in 2 Samuel 7:10, em Vetus Testamentum, Leiden, Brill Academic Publishers, vol.
40, n. 3, 1990, p. 298-320; James A. Montgomery, The Place as an Appellation of Deity, em Journal of
Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 24, n. 1, 1905, p. 17-26; D. N. Premnath,
Latifundialization and Isaiah 5.8-10, em Journal for the Study of the Old Testament, London, Sage
Publications, vol. 40, 1988, p. 54-55.
613
Veja as obras de John Calvin; John Owen, Commentaries on the Prophet Jeremiah and the
Lamentations, Bellingham, Logos Research Systems, vol. 1, 2010, p. 362 assim como a de William Lee
Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah, Chapters 1-
25, p. 236-237.
221
No entanto, a referida proposta parece não se coadunar com o significado exato
dessa expressão neste primeiro momento. Ao levarmos em consideração que os vv. 3.5-
7 fazem parte de uma subunidade autônoma, esse termo não parece ter relação com o
templo de Jerusalém, e sim com a terra, porquanto no v. 7 a expressão “este lugar” se
encontra em aposição ao termo א ֶֶרץʼereṣ “terra”. 614 Em outras palavras, a expressão
610F
parece estar ligada à posse da terra prometida, não se limitando somente à possessão da
cidade de Jerusalém como alguns admitem, visto que o discurso também se estende aos
habitantes de outras cidades fortificadas na região de Judá.
Embora as palavras tenham como alvo a elite residente nas cidades, a posse de
toda a terra de Judá parece ser o assunto por trás do presente oráculo. Tal tema era de
extrema importância para a audiência, pois caso houvesse a perda da posse da terra,
obviamente, nem templo de Jerusalém nem tampouco as cidades permaneceriam em pé.
Diante disso, presumo que a melhor proposta de leitura para esse trecho seria a que
preserva as palavras do TM “então eu deixarei morar a vós”, por se enquadrar melhor
no contexto fornecido pela expressão “neste lugar”. 615 61F
Caso a audiência corrigisse sua conduta, eles habitariam na terra de Javé, desfrutando de
sua presença e de seu cuidado. 617 613F
614
John Skinner, Jeremias profecia e religião, São Paulo, Aste, 1966, p. 161.
615
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 461.
616
Gerhard von Rad, The Promised Land and Yahweh’s Land, em The Problem of Hexateuch and Other
Essays,Philadelphia/London, Fortress/SCM, 1966, p. 79-93. Veja ainda as obras de Cristopher J. H.
Wright, God’s People in God’s Land: Family, Land, and Property in the Old Testament, Grand Rapids,
William B. Eerdmans Publishing Co., 1990, 289 p.; Cristopher J. H. Wright, Old Testament Ethics for the
People of God, Leicester, InterVarsity Press, 2004, p. 76-99. Stephen L. Cook, The Social Roots of
Biblical Yahwism, Leiden, Society of Biblical Literature, 2004, p. 86.
617
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 154.
222
aos conquistadores, mas também garantia a manutenção do luxo e extravagâncias da
corte do rei Jeoaquim. 618
A miséria da classe menos favorecida em Judá não se dava somente pela
exploração e opressão internas dos ricos ou pelo tributo extorquido pelos reis; devia-se
também ao contexto do imperialismo internacional e dos consequentes saques em
operações militares, ou era fruto da transferência dos recursos dos povos subjugados
mediante mecanismos comerciais e, sobretudo, via tributo. Os tributos cobrados dos reis
dos Estados vassalos eram repassados aos ricos, os quais haviam acumulado sua riqueza
à custa dos camponeses, também explorados pelo Estado.
Os ricos, por sua vez, para manterem seu opulento estilo de vida, recorriam à
extorsão, empobrecendo ainda mais os camponeses. O imperialismo demandava um
sofrimento redobrado, sobretudo dos camponeses, já explorados pelo tributarismo
interno de Judá. 619 Aos pobres cabia somente a dura tarefa de manter as engrenagens
desse sistema explorador em funcionamento à base de muita injustiça aliada aos altos e
extorsivos tributos arrecadados pela elite citadina.
Contudo, esse tipo de comportamento feria as exigências de solidariedade
estipuladas na aliança de Javé como garantia para promissão da posse da terra. Essa
aliança era um mecanismo fundamentado e sancionado pelo divino, todavia, não se
restringia a questões pertinentes à esfera mística: seu escopo e significado
ultrapassavam os limites meramente religiosos. 620 Ela servia de base e força ordenatória
para a sociedade judaíta regulando as relações políticas, econômicas e sociais, bem
como a dimensão religiosa. Portanto, os aspectos religiosos em Judá não poderiam estar
dissociados dessas importantes dimensões da sociedade judaíta. 621 Javé, o Deus ligado
618
D. R. W. Wood; I. Howard Marshall, New Bible Dictionary, Leicester/Downers Grove, InterVarsity
Press, 1996, p. 1208-1209.
619
Ludovico Garmus, O imperialismo: estrutura de dominação, em Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana/Ribla, Petrópolis, Vozes, vol. 3, 1989, p. 7-20. Para um estudo mais aprofundado sobre
essa questão, consulte Mordechai Cogan, Judah under Assyrian Hegemony: A Reexamination of
Imperialism and Religion, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol.
112/3, 1993, p. 403-414; Gwendolyn Leick, The Babylonians: An Introduction, London/New York,
Routledge, 2003, 182 p.; Gwendolyn Leick (ed.), The Babylonian World, London/New York, Routledge,
2007, 591 p; Euclides Martins Balancin, História do povo de Deus, p. 93-95.
620
Jaldemir Vitório, Ai de quem constrói a casa sem justiça (Jr 22,13): crítica profética à monarquia em Jr
21,1–23,8, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, n. 78, 2003, p. 35.
621
A expressão hebraica בּ ְִריתbᵉrît “aliança” é uma analogia amplamente utilizada no AT para descrever o
relacionamento entre Javé e seu povo. Consiste numa relação bilateral em que Javé oferece aos israelitas
um status especial entre as nações. Ele será o seu Deus, concedendo-lhes identidade e bênçãos, e eles
serão seu povo, obedecendo às estipulações da aliança (a Torá). Frequentemente se menciona a natureza
assimétrica da aliança, ou seja, Javé como o soberano e o povo como vassalo. Todavia, a mutualidade da
aliança é frequentemente retratada, cada parte tendo obrigações e responsabilidades (envolvendo as
bênçãos e obediência). Confira os trabalhos de Kenneth A. Kitchen, The Fall and Rise of Covenant, Law
223
às memórias revolucionárias do Exôdo, não era uma divindade alheia ao processo
social: era aquele que era mediado, experimentado e praticado nesses processos. 622
A possessão da terra de Judá dependia da lealdade a aliança de Javé e a
deslealdade incorreria em desterro. Antes de desfrutar ou mesmo reivindicar os
benefícios da aliança, a audiência do profeta precisaria efetuar uma reforma. As
injustiças sociais deveriam ser remediadas imediatamente. 623 Por esse motivo, o dito
profético novamente procura reiterar a necessidade de mudança de postura por parte da
elite.
A expressão condicional de abertura no v. 5 serve como um enunciado contendo
termos gerais, os quais repetem quase que integralmente a frase disposta na primeira
parte do v. 3b “pois se realmente emendardes os caminhos de vós e as obras de vós” (v.
5a). Essa repetição, como uma prótase de um argumento condicional, apela novamente
para a necessidade de correção da conduta. Logo após, o conjunto dos vv. 5b-6
apresentam as prescrições pormenorizadas que nos auxiliam no entendimento do que na
verdade deveria ser corrigido.
As condições exigidas no dito estavam longe de serem abstratas, alienadas e
individualistas. Elas tinham suas bases no cotidiano e emergiam das lutas e conflitos
internos da sociedade e da comunidade referentes a questões socioeconômicas e
políticas, problemas que em última instância eram assuntos de vida e morte tanto para o
indivíduo como para a sociedade. As exigências estavam relacionadas com questões
sociais e envolviam o processo de administração civil e legal na terra de Judá. 624 Ao
mencionar a expressão “se verdadeiramente fazerdes direito entre um homem e entre
um compatriota dele” (5b), Jeremias procura enfatizar o caráter verdadeiro das
condições impostas por Javé para conservação da posse da terra.
Nessa condição inicial destaca-se o vocábulo שׁ ָ֔פּט
ְ ִמmišpāṭ “direito”, que aponta
para um modo de vida que mantém e restaura a existência da comunidade mediante
justas decisões legais. De fato, o direito englobava questões sociais referentes a poder,
acesso social, acordo nos sistemas e práticas de produção, distribuição, posse e consumo
and Treaty, em Tyndale Bulletin, London, Inter-Vasity Press, vol. 40, n. 1, 1989, p. 118-135; Walther
Eichrodt, Covenant and Law: Thoughts on Recent Discussion, em Interpretation, Richmond, Union
Theological Seminary and Presbyterian School of Christian Education/Union Theological Seminary in
Virginia, vol. 20, n. 3, 1966, p. 302-321; Ernest W. Nicholson, God and His People: Covenant and
Theology in the Old Testament, Oxford, Oxford University Press, 1988, p. 56-82.
622
Walter Brueggemann, Theodicy in a Social Dimension, em Journal for the Study of the Old Testament,
London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield, n. 33, 1985, p. 13.
623
R. K. Harrison, Jeremiah and Lamentations: An Introduction and Commentary, p. 89.
624
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 302.
224
social. Sua ênfase residia na importância de tratar os casos dos pobres com a mesma
igualdade com que se tratava os casos dos abastados e importantes na sociedade. 625 É
evidente nessas palavras, como também nas subsequentes, que a realidade da sociedade
na época de Jeremias não condizia com os padrões estabelecidos pela aliança de Javé. O
sistema social igualitário sancionado por Javé estava sendo minado e distorcido.
Pelo que parece, pessoas estavam agindo dolosamente com anuência das
autoridades jurídicas com o intuito de perverter a justiça e fazer dela um mecanismo
para enriquecimento ilícito. Por essa razão, Javé prescreve primeiramente o
estabelecimento do direito na vida social entre o ִ ֖אישׁʼîš “homem” e ֵר ֵעֽהוּrēʻēhû
“compatriota dele”. O “homem”, nesse caso, é o homem judaíta, conceito que não
representa simplesmente a masculinidade, mas também o teor sociológico de “homem”,
ou seja, o representante de uma unidade agrícola produtiva. É provável que cidadãos
abastados ligados ao Estado estivessem tirando proveito dos tribunais, sendo
favorecidos injustamente nas decisões legais em detrimento de quem não tinha tantos
recursos. Eles poderiam até mesmo estar realocando novos grupos de pessoas nas
aldeias, cidades e roças. 626 62F
do direito em Judá eram compostas por alguns grupos. O primeiro deles recebe várias
designações ao longo do Antigo Testamento. 628 Em Jeremias ele é caracterizado como
624F
ִמזִּק ְֵנ֖י ה ָ ָ֑א ֶרץmizziqnê hāʼāreṣ “anciãos da terra” (Jr 26,11), cuja competência legal era
aplicar o direito nos portões das aldeias, vilas e cidades do interior (Dt 21,1-9; 22,15;
19,11-13; 25,5-10; Rt 4,1-2).
Além disso, o ancião זָקֵןzāqēn tinha a incumbência da representação e da
decisão política (2Sm 3,17; 5,3; 19,12, etc.), como também de desempenhar funções
especiais na comunidade cultual (Ex 12.21; 18,12; 24,1.9; Lv 4,15; Jz 7,6; Ez 8,11,
etc.). Sua origem remonta à ordem social patriarcal do clã. Em virtude de sua idade e
condições econômicas, integravam os círculos dirigentes das famílias estendidas e dos
625
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 52; Luiz Alexandre
Solano Rossi, Como ler o livro de Jeremias: profecia a serviço do povo, São Paulo, Paulus, 2002, p. 38.
626
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 157, 360.
627
George W. Ramsey, Speech–Forms in Hebrew Law and Prophetic Oracles, em Journal of Biblical
Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 96, n. 1, 1977, p. 45-58.
628
זִק ְֵנ֣י יִשׂ ְָר ֵ֔אלziqnê yiśrāʼēl “anciãos de Israel” (1Sm 4,3), זִק ְֵנ֣י ָה ָ֔א ֶרץziqnê hāʼāreṣ “anciãos da terra” (1Rs
20,7), זִק ְֵנ֣י ָהעֵדָ֔ הziqnê hāʻadāh “anciãos da congregação” (Jz 21,16).
225
clãs situados na localidade. Não pertenciam primariamente à corte, porém mantinham
boa relação com ela (Is 3,14). 629
Na capital, a jurisdição era de competência do rei (Jr 21,11s.; cf. 22,15s.), já que
Jerusalém era considerada a “cidade de Davi”, estando, portanto, vinculada diretamente
à dinastia davídica. Mas, dificilmente o rei presidia os julgamentos; tal atribuição fora
repassada a oficiais denominados שׂ ֵ ָ֣רי י ְהוּדָ֗ הśārê yᵉhûdāh “chefes de Judá” (Jr 26,10).
Os שּׂ ִָ֔ריםśārîm “chefes” eram pessoas com autoridade e funções delegadas pelo poder
do monarca, comandantes providos de autoridade sobre determinada área. Não faziam
parte da estrutura clânica, antes da elite estatal. Estavam presentes tanto na corte de
Jerusalém (1Rs 4,2; Jr 36,12ss, etc) quanto em outros áreas de Judá (Os 5,10; Jr 24,1,
etc.).
Esses chefes poderiam tanto ser altos funcionários com atribuições nos
diferentes âmbitos da administração estatal na corte e na terra de Judá (2Rs 4,2) quanto
comandantes militares (2Rs 1,10). 630 Sua atuação junto à jurisprudência é atestada em
62F
diversas passagens bíblicas (Is 1,23; 10,1: 32,1; Jr 26,10ss; Ex 18,21.25; Os 13,10).631 627F
Além desses grupos, há certa participação dos sacerdotes nos assuntos judiciais. No
entanto, não é possível precisar sua competência no âmbito do sistema jurídico
judaíta. 632
628F
Pelo visto, por trás da primeira exigência de Javé existe uma crítica social velada
contra os responsáveis pela jurisprudência em Judá. Eles estavam fracassando no
exercício do direito. Os que julgavam as demandas na jurisdição dos tribunais
estabelecidos nos portões das vilas e cidades provavelmente eram subornados ou agiam
por interesses próprios ou do Estado. As breves palavras de Milton Schwantes retratam
bem a corrupção reinante na jurisprudência no período pré-exílico:
629
G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry (eds.), Theological Dictionary of The
Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 4, 1980, p. 126-131.
630
Milton Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras: reflexão e estudo sobre Amós, p. 64. Veja
também Milton Schwantes, O direito dos pobres, São Bernardo do Campo/São Leopoldo, Editeo/ Oikos,
2013, p. 125-126; David J. Reimer, Redeeming Politics in Jeremiah, em Hans M. Barstad; Reinhard G.
Kratz, Prophecy in the Book of Jeremiah, Berlin/New York, Walter de Gruyter, 2009, p. 132.
631
Cf. Nelson Killp, Jeremias diante do tribunal, em Estudos Teológicos, p. 17.
632
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 189.
226
autoridade patriarcal, os processos de mulheres, escravos e outros
dependentes... Embora os pobres ainda tenham direito ao portão, sua situação
social e econômica é tão precária e a dos donos de prata e subornos tão
avantajada que os primeiros são facilmente sobrepujados e marginalizados
633
pelos últimos.
estrangeiro em Judá não tinha amigos influentes, nem conhecia muito bem os costumes
locais. Portanto, era uma presa fácil.
A situação não era diferente em relação a outros dois grupos, descritos pelos
termos hebraicos י ָ֤תוֹםyātôm “órfão de pai” e אַ ְל ָמנָהʼalmānāh “viúva” . 636 O órfão não
632 F
633
Milton Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras: reflexão e estudo sobre Amós, p. 90-91.
634
Walther Zimmerli; Frank Moore Cross; Klaus Baltzer, Ezekiel: A Commentary on the Book of the
Prophet Ezekiel, p. 303. Para um estudo aprofundado sobre este assunto, veja Christiana van Houten, The
Alien in Israelite Law, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1991, 191p.
635
Inácio Pinzetta, Um projeto de defesa aos estrangeiros: a proposta do Deuteronômio, em Estudos
Bíblicos, Petrópolis, Editora Vozes, vol. 27, 1990, p. 29-37.
636
Jeffrey H. Tigay, Deuteronomy: The JPS Torah Commentary, Philadelphia, Jewish Publication
Society, 1996, p. 108. Confira também David J. Clark; Howard Hatton, A Handbook on Zechariah, New
York, United Bible Societies, 2002, p.190 e Mark Gray, Rethoric and Social Justice in Isaiah, New
York/London, T&T Clark, 2006, p. 137-146; Lélia Yole Sbrana, Justiça do órfão: um ensaio sobre o
órfão na profecia a partir de Isaías 1,10-17, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2010, p. 49-55. (dissertação de Mestrado)
227
tinha nenhuma proteção familiar, e a viúva sem filhos adultos era frequentemente
submetida a situações perigosas e facilmente vitimada. Ambos os grupos não tinham
quem os protegesse e muito menos dispunham de boa situação econômica e de
reputação junto às autoridades. 637 Pedro Kramer descreve a condição das viúvas e dos
órfãos na sociedade pré-monárquica da seguinte forma:
637
Larry Pechawer, Poetry and Prophecy, Cincinnati, Standard Publishing, 2008, p.175. Observe também
a obra de Victor Harold Matthews; Mark W. Chavalas; John H. Walton, The IVP Bible Background
Commentary: Old Testament, Downers Grove, InterVarsity Press, 2000, s/n.
638
Pedro Kramer, O órfão e a viúva no livro de Deuteronômio, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Editora
Vozes, vol. 27, 1990, p. 24.
639
Claudemiro Francisco Mariottini, The Problem of Social Opression in the Eight Century Prophets,
Louisville, Southern Baptist Theological Seminary, 1983, p. 3-39. (tese de doutorado); R. N. Whybray,
Wealth and Poverty in the Book of Proverbs, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1990, p. 35-38; Young
228
mencionados necessitavam da proteção do pacto registrado no direito divino (Ex 22,21-
24; Dt 24,17; 27,19). O estado de vulnerabilidade e de enorme sofrimento dessas
pessoas não acontecia de maneira fortuita – era resultado tanto da violência
institucionalizada quanto da opressão econômica.
Ao que parece, nesse período a estrutura judaíta de clã não era suficientemente
capaz de restabelecer os direitos dos órfãos e das viúvas pela lei do levirato (Gn 38;
2Sm 14; 1Rs 7,14; 11,26; 17,9; veja ainda o livro de Rute). O sistema clânico
enfraqueceu-se devido às constantes ingerências da monarquia, que não tinha interesse
na autonomia desse sistema de produção. Viúvas e órfãos tornavam-se vítimas de
exclusão social, abandonados pela família e amigos.
Consequentemente, a desintegração do clã favorecia a rica elite que estava no
poder, uma vez que oferecia grande quantidade de mão-de-obra barata. Estrangeiros,
viúvas e órfãos faziam parte do grupo de pessoas que afluíam às cidades, sobretudo à
capital Jerusalém. De acordo com Milton Schwantes, esse pressuposto seria capaz de
explicar porque os profetas de origem camponesa, como Amós e Miqueias, não
enfatizaram os referidos grupos sociais em sua proclamação, enquanto que profetas
atuantes na cidade, como Isaías e Jeremias, faziam constante menção a eles. 640
Outra condição é especificada pela frase “e sangue inocente não derramardes
neste lugar”. Como já vimos, o termo “neste lugar” pode ser claramente identificado
como uma referência a terra de Judá. Já as palavras iniciais שׁפְּכ֖ וּ
ְ ִ ו ָ ְ֣דם נָ ִ֔קי אַ ֽל־תּwᵉdām
nāqî ʼal tišpᵉkû traduzidas como “sangue inocente não derramardes” é uma expressão
típica do Antigo Testamento usada para designar uma ameaça (Dt 27,25; 1Sm 19,5) ou
a matança de uma pessoa (Dt 19,13; 2 Rs 21,16; Jn 1,14) que não merecia morrer. 641 O 637F
termo nāqî “inocente” não é utilizado de forma absoluta, mas refere-se ao que não tinha
cometido nenhum crime pelo qual pudesse ser levado ao tribunal. 642 Com isso, Jeremias
638F
Ihl Kim, The Vocabulary of Oppression in the Old Testament, Madison, Drew University, 1981, 340 p.
(tese de Doutorado).
640
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 66-67; 265-266.
641
T. R. Hoobs, Word Biblical Commentary: 2 Kings, Dallas, Word Incorporated, vol. 13, 2002, p. 308-
309; Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 153.
642
W. E. Vine; Merrill F. Unger; William White, Vine's Complete Expository Dictionary of Old and New
Testament Words, vol. 1, p. 103.
229
judiciário ou pela opressão (Jr 22,3.17). Estes são provavelmente os que o profeta
nomeia como ֶאבְיוֹ ִנ֖ים נְ ִק ִיּ֑יםʼebyônîm nᵉqiyyîm “pobres inocentes” (Jr 2,34). Aí também
poderiam ser enquadrados os que protestavam contra o sistema injusto adotado pelo rei
Jeoaquim, como foi o caso do profeta Urias (Jr 23,26). Com efeito, os direitos lesados e
a exploração econômica desembocavam em crimes e violências contra os mais
enfraquecidos na sociedade. Os mais abastados exerciam domínio sobre os pobres,
lesando-os em seus direitos, explorando-os e finalmente aniquilando-os completamente.
Tal conduta antissocial seria consequência do afastamento de Javé. Por isso, a
exigência final tem a ver com a adoração exclusiva de Javé, “e atrás de outros deuses
não andardes para mal para vós”. 643 A expressão ֱ�ה֧ים ֲאח ִ ֵ֛רים
639F ִ אʼělōhîm ʼᵃḥērîm “outros
deuses” recebe um significado teológico no contexto do primeiro mandamento, onde
ʼᵃḥēr forma o contraste com Javé que exige de seu povo lealdade exclusiva (Ex 20,3; Dt
5,7). Por conseguinte, um significado mais adequado para ʼᵃḥēr nesse contexto poderia
ser “estrangeiro, desconhecido”. O que nos leva a deduzir que a expressão ʼělōhîm
ʼᵃḥērîm faz referência a “deuses estrangeiros/desconhecidos”. 644 640F
A referida expressão é emoldurada por duas outras. O termo antecedente é וְאַח ֲֵר֙י
wᵉʼaḥᵃrê “e atrás de” e o posterior é �֥ א תֵ לְכ֖ וּlōʼ tēlkû “não andardes”. As frases
justapostas “andar atrás de” são compreensíveis aos israelitas familiarizados com a vida
nômade, sendo utilizadas para descrever um estilo de vida. Nesse caso se refere à
apostasia de Javé e, consequentemente, à procura por deuses de outros povos (Dt 4,3;
6,14; 8,19; 11,28; 13,3; 28,14; Jz 2,12.19; 1Rs 11,5.10; 18,18; 21,26; 2Rs 13,2; 17,15;
Jr 2,5.8.23.25; 7,6.9; 8,2; 9,13; 11,10; 13,10; 16,11; 25,6; 35,15; Ez 13,3; 31,31), um ato
que representava a renúncia a Javé e a seus mandamentos (1Rs 9,6; 18,21; Jr 5,23).
Jeremias contesta esse estilo de vida ao fazer uso da expressão “e atrás de outros
deuses não andardes”, e em seguida ressalta a implicação de tal atitude com a frase
“para mal para vós”. Por trás da expressão ַ ֥רעraʻ “mal” está a ideia de uma desgraça ou
situação de infortúnio que atingiria a audiência como resultado de seu próprio
comportamento. 645
641F
643
Robert Karl Gnuse, No other Gods: Emergent Monotheism in Israel, Sheffield, Shefield Academic
Press Ltd., 1997, 392 p.
644
Yair Hoffman, The Concept of “Other Gods” in the Deuteronomic Literature, em Henning Graf
Reventlow; Yair Hoffman; Benjamin Uffenheimer (eds.), Politics and Theopolitics in the Bible and
Postbiblical Literature, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1994, p. 66-84.
645
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 1251.
230
Embora a contestação seja descrita no âmbito de um conflito religioso entre Javé
e outros deuses, não se restringia a questões especulativas, mas era antes de tudo uma
prática da crítica social dos sistemas sociais e dos deuses que os garantiam e os
patrocinavam. 646 Na verdade, essas palavras revelavam um conflito muito mais
abrangente, envolvendo perspectivas diametralmente opostas acerca da organização e
manutenção da sociedade.
O conflito entre Javé e as outras divindades representava, na realidade, o choque
entre sistemas de bens e acessos sociais sancionados pelas respectivas divindades. Por
um lado, a adesão a outros deuses envolvia pactos políticos com outros povos, os quais
intensificavam e impulsionavam uma sociedade baseada na hierarquia e na
estratificação social, enquanto que, por outro lado, a adesão a Javé representava os
ideais igualitários presentes na antiga confederação tribal, tradições cujas bases eram
estabelecidas nas aldeias e na zona rural de Judá. 647 O profeta demonstra familiaridade
com o decálogo e se coloca como um defensor e promotor desses antigos ideais,
adaptando-os às novas realidades. Era radicalmente conservador à medida que desafiava
sua audiência como mensageiro de Javé a não seguir outros deuses e a retornar aos
ideais de justiça e práticas comunitárias de igualdade como nos tempos antigos.
No v. 7, a conclusão da subunidade inicia com uma recapitulação da promessa
exibida anteriormente no final do v. 3, “então deixarei morar a vós neste lugar”. O
seguimento do verso soluciona a ambiguidade aparente da expressão ַבּמּ ָ֣קוֹם ַה ֶזּ֑ה
bammāqôm hazzeh “neste lugar”. Sua aposição com a primeira sentença da frase
subsequente “na terra que dei para vossos pais”, ou seja, a expressão ָבּ ָ֕א ֶרץbāʼareṣ “na
terra”, já sinaliza seu significado dentro do contexto.
Esta terra era possessão de Javé que a prometera (Gn 12,7; 15,18-21) e
concedera como dádiva aos ancestrais dos israelitas ֙ ֲאבֽוֹתֵ יכֶםʼǎbôtêkem “pais de
vós”. 648 Ao assinalar a terra como dádiva de Javé (Jr 2,7), o profeta procurava
64F
646
Walter Brueggemann, Theodicy in a Social Dimension, p. 5.
647
Para uma abordagem mais detalhada, veja Antony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa
perspectiva libertadora, p. 163; Norman K. Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de
Israel liberto 1250-1050 a.C., p. 588-591; 598-601; 632-636; 647-651; David Jobling, Desconstruction
and the Political Analysis of Biblical Texts: A Jamesonian Reading of Psalm 72, em David Jobling; Tina
Pippin (eds), Ideological Criticism of Biblical Texts, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 59, 1952,
p. 95-127; Neils Peter Lemche, Ideology and the History of Ancient Israel, em Scandinavian Journal of
the Old Testament, Oslo, Scandinavian University Press, vol. 14, n. 2, 2000, p. 165-193.
648
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 1, p. 219-223.
231
da ética econômica judaíta. Todo o sistema econômico israelita, incluindo a proteção
aos menos favorecidos, a divisão equitativa da terra, o princípio da herança familiar
inalienável, as instituições do resgate da terra, os anos sabáticos, o jubileu e todas as
bênçãos da terra, baseava-se na soberania de Javé sobre a esfera econômica. 649
A duração da concessão da terra doada por Javé aos antepassados é designada na
frase ִן־עוֹל֖ם ְועַד־עוֹלָ ֽם
ָ ְלמlᵉmin ʻôlām wᵉʻad ʻôlām “desde tempos remotos e para
sempre”. 650 Com isso, Javé sustenta pela boca do profeta que a terra prometida e
64F
concedida aos antepassados seria uma possessão permanente, isto é, habitada desde a
época em que eles tomaram posse até o futuro mais distante. 651 Todavia, a promissão
647F
poderia ser invalidada caso não houvesse o cumprimento das exigências da aliança, na
qual se estribava a relação entre Javé e o povo. John L. Mackay faz a seguinte
declaração sobre esse tema:
649
Cristopher J. H. Wright, God’s People in God’s Land: Family, Land, and Property in Old Testament,
p. 119-173. Veja também Patrick D. Miller, Gift God: Deuteronomic theology of the Land, em
Interpretation, Richmond, Union Theological Seminary and Presbyterian School of Christian Education
/Union Theological Seminary in Virginia, vol. 23, n. 4, 1969, p. 451-465.
650
Ernst Jenni, Das Wort ʿôlām im Alten Testament, em Zeitschrift für die alttestamentliche
Wissenschaft, Berlin, Walter de Gruyter, vol. 65, n. 1-2, 1953, p. 1-35.
651
John Peter Lange; Philip Schaff, Carl Wihelm Eduard Näegelsbach, A Commentary on the Holy
Scriptures: Jeremiah, p. 91.
652
John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament Commentary, vol. 1, p. 304.
232
4.1.3. Eu vi (Jr 7,4.8-12)
A instrução do profeta no verso de abertura dessa subunidade (v. 4) consiste
numa proibição direta: “Não confiais para vós em palavras de mentira”. Na linguagem
de Jeremias o verbo ָבּטַחbāṭaḥ “confiar” é empregado para comunicar o otimismo e o
sentido de segurança. 653 Esse termo aparece também em outro lugar no mesmo livro (Jr
649 F
5,17), ao lado da preposição ְבּbᵉ “em”; ali o conceito descreve a confiança nas cidades
fortificadas, enquanto que aqui a preposição אֶלʼel “em” acompanha o verbo e introduz
“verdade” e da “mentira” não dizia respeito somente à esfera ideológica, mas também a
aspectos do conflito social (fatores econômicos, políticos, sociais e pessoais) entre os
profetas, os quais estão presentes em qualquer demonstração de rivalidade pública.
A distinção entre esses dois conceitos não consistia em algo ilusório e subjetivo,
e sim fazia alusão a dimensões sociais, politicas e econômicas úteis para nos fornecer
uma compreensão mais abrangente da história. 656 Em Jeremias, o vocábulo “mentira”
652F
653
Hans Walter Wolff; S. Dean McBride, Joel and Amos: A Commentary on the Books of the Prophets
Joel and Amos, p. 274.
654
G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry (eds.), Theological Dictionary of The
Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 15, 2006, p. 470-477. Veja
outras obras, tais como Patrick D. Miller, The Ten Commandments, Louisville, Westminster John Knox
Press, 2009, p. 344; Paul M. Joyce, Ezekiel: A Commentary, New York/London, T&T Clark International,
2009, p. 122.
655
Antony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, p. 219. Também
Norman K. Gottwald, Introdução socioliterária à Bíblia Hebraica, p. 378-380.
656
Burke O. Long, Social Dimensions of Prophetic Conflict, p. 31-33.
233
falsos profetas (Jr 5,31; 6,13; 8,10; 20,6).657 Seguramente eram eles os responsáveis
pelas “palavras de mentira”.
A proposta de Carolyn J. Sharp sustenta que o termo לֵאמ ֹרlēʼmōr “para dizer”
não sinalizaria uma citação direta do conteúdo das “palavras de mentira” proferidas pela
boca dos próprios falsos profetas, mas sim uma citação feita pelo povo acerca da
autoridade dos oradores das “palavras de mentira” em virtude da associação dos falsos
profetas com o templo. Essa hipótese sugere que o plural הֵ ֽמָּהhēmāh “eles” indica que o
povo confiava nos oficiais do culto ou os falsos profetas por causa da identificação de
sua autoridade com o templo, uma confiança depositada em lugar errado. O povo estava
dando ouvidos a conselheiros errados e justificava sua adesão apontando para a
associação dos oradores com o templo. 658 654F
657
Thomas B. Dozeman, Commentary on Exodus, Michigan, William B. Eerdmans Publishing Co., 2009,
p. 158. Confira ainda, Andrew G. Shead, A Mouth Full of Fire: The Word of God in the Words of
Jeremiah, Downers Grove, InterVarsity Press, 2012, p. 157; Robert M. Royalty, The Origin of Heresy: A
History of Discourse in Second Temple Judaism and early Christianity, New York, Routledge, 2013, p.
34.
658
Carolyn J. Sharp, Prophecy and Ideology in Jeremiah: Struggles for authority in Deutero-Jeremianic
Prose, p. 44-47.
659
O termo hêkal geralmente se refere a uma das três partes que compunham o templo, ou seja, ʼûlām
“sala”, hêkal “santuário”, dᵉbîr “santuário interno”. Todavia, no caso de Jeremias, a expressão hêkal tem
o significado primário de “templo, palácio”: refere-se primariamente ao santuário ritual israelita como o
local da morada de Javé entre seu povo – uma referência explícita ao templo de Jerusalém. Pensava-se
que o templo era uma cópia terrena do palácio celestial de Javé e sua sede oficial como “rei”, como uma
porção da terra sobre a qual ele reinava e que tinha concedido a Israel, e como santuário de Estado oficial
para Judá, no qual Javé habitava. A mesma expressão pode ser também uma indicação do tabernáculo em
Siló que figura como um precursor de Jerusalém como o santuário central israelita (1Sm 1,9; 3,3).
Verifique as seguintes obras: Joel S. Burnett, Where Is God? Divine Absence in the Hebrew Bible,
Minneapolis, Fortress Press, 2010, p. 155; Helge S. Kvanvig, Primeval History: Babylonian, Biblical,
and Enochic: An Intertextual reading, Leiden, Koninklijke Brill NV, 2011, p. 512; Georg Fohrer,
História da religião de Israel, São Paulo, Academia Cristã Ltda/Paulus, 2006, p. 260.
234
Diante disso, é seguro afirmar que as “palavras de mentira” representavam a fala
dos próprios falsos profetas, e seu objetivo era a legitimação dos bens arrecadados pelas
elites do Estado através do templo. 660 Nesse cenário, Jeremias avalia a situação a partir
do ponto de vista dos empobrecidos pela política opressora da elite e contradiz as
“palavras de mentira” proferidas pelos falsos profetas subsidiados pelo Estado. 661 As
palavras do profeta simultaneamente admoestavam a não confiarem nas “palavras de
mentira” e censuravam os falsos profetas que as disseminavam.
Desse modo, presumo que o vocábulo הֵ ֽמָּהhēmāh “eles” não se aplica como
referência aos oficiais religiosos, nem tampouco como um erro do escriba, ou mesmo
como abreviação da expressão ַהמּ ָ֣קוֹם ַה ֶ֔זּהhammāqôm hazzeh “este lugar”, como alguns
sugerem, mas antes como uma indicação dos vários edifícios que formavam o complexo
do templo. 662 Num momento de grande instabilidade interna, como a vivenciada em
658F
Os sacerdotes dominavam por conta dos profetas. Esses dois grupos sociais
unidos formavam o cerne da cultura de manutenção da situação e da mentira. A profecia
do templo estabelecia o santuário e a expiação cultual como certezas para a vida.
Consequentemente, haveria a necessidade de oferecer tributos a fim de se manter o
status quo.664 Com os sacrifícios, os sacerdotes concediam o perdão estabilizador e,
60F
660
Otávio Júlio Torres, “Verdadeira” e “falsa” profecias: uma nova leitura da controvérsia entre
Jeremias e os profetas da paz – Jeremias 23,9-40, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de
São Paulo, 1999, p. 154 (dissertação de Mestrado).
661
João Carlos Ribeiro, Profetas e políticas da fome – O caso do profeta Jeremias, em Estudos Bíblicos,
Petrópolis, Editora Vozes, vol. 46, 1995, p. 33-36.
662
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1-25, p. 242.
663
Waltson E. Mills; Richard F. Wilson, Mercer Commentary on the Bible: Prophets, Macon, Mercer
University Press, vol. 4, 1996, p. 105-106; Clifford Mark McCormick, Palace and Temple: A Study of
Architectural and Verbal Icons, Berlin/New York, de Gruyter, 2002, p. 169-172; M. De Jong, From
Legitimate King to Protected City: The Development of Isaiah 7:1-17, em Archibald L.H.M. van
Wieringen; Annemarueke van der Woude (eds.), ‘Enlarge The Site of Your Tent’ The City as Unifying
Theme in Isaiah, Leiden, Koninklijke Brill NV, 2011, p. 21-48.
664
Júlio Paulo T. Zabatiero, Conflitos de espiritualidade – Reflexões sobre a memória espiritual do povo
de Deus no AT, p. 14.
235
sobretudo, arrecadavam diariamente os alimentos necessários para as elites
governamentais, às quais eram direcionadas partes das dádivas, trazidas ao templo mas
não sacrificadas. Sem os tributos oriundos dos camponeses, o Estado e seus exércitos
não se manteriam. 665
Em vez de aderir ao projeto de Javé, os denunciados preferiam confiar nas
“palavras da mentira para não ter proveito” (v. 8). O que fora apresentado como
instrução proibitiva no v. 4 se torna uma questão de fato no v. 8. Aqui Javé, por meio do
profeta, acusa a audiência de violar a proibição previamente apresentada (v. 4).666 A 62F
interjeição ה ִֵנּ֤הhinnēh “eis” no início tem a função de chamar a atenção dos ouvintes
para a realidade que Jeremias apresentará; é um grito de atenção, no qual também
transparece certo tom de surpresa e indignação por parte de quem fala. 667 63F
665
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 261.
666
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah: Introduction and Commentary
on Jeremiah i-xxv, vol. 1, p. 162.
667
Trempter Longman III (ed.), Proverbs. Baker Commentary on the Old Testament Wisdom and Psalms,
Grand Rapids, Baker Academic, 2007, p. 215.
236
para estas autoridades religiosas, os deveres religiosos do povo eram simplesmente
obedecer ao rei e patrocinar o culto. Jeremias, por sua vez, presumia que o dever
primário do rei, sacerdotes e povo era obedecer a Javé mediante ações políticas, sociais
e morais, assim como também de uma verdadeira adoração. Embora houvesse profetas
que fizessem parte da religião oficial, Jeremias não tinha ligação com tal tipo de
ideologia. 668 Ele era representante de uma voz dissonante, desvinculada dos interesses
do rei ou dos sacerdotes. 669
Os vv. 9-11 são marcados pela disputa legal introduzida por uma pergunta que
não exige resposta (v. 9). O estilo é surpreendente e emocional. As palavras desse verso
(v. 9) assinalam a desobediência aos mandamentos de Javé como resultado da confiança
em “palavras de mentira”. Uma série de verbos no infinitivo nomeiam atos proibidos
pela autoridade divina na lei apodídica. 670 Ofensas semelhantes foram relatadas também
no livro de Oséias (Os 4,2). Todavia, em Jeremias, diferentemente de Oseias, nem todas
as ofensas são contra o próximo. Além do mais, os dois profetas mencionam diversos
mandamentos, porém, não existe um padrão definido entre eles. Baseado nisso e na
concisão dos mandamentos, Childs admite que a forma original das leis no decálogo era
mais abreviada do que a forma encontrada presentemente em Êxodo 20 e Deuteronômio
5. 671
No início da série de transgressões encontra-se a raiz verbal ָגּנַבgānab
“roubar”(Ex 20,13; Dt 5,17), cujo significado inicial no decálogo seria “raptar”;
todavia, com o passar do tempo, sobretudo na época de Jeremias, provavelmente seu
sentido passou a ser “roubar mercadorias”. 672 Logo depois, deparamo-nos com outra
68F
raiz verbal de difícil tradução, ָרצַחrāṣaḥ “matar” (Ex 20,13; Dt 5,17), um termo
aplicado tanto para a morte premeditada (Os 6,9) como para o homicídio involuntário
668
Norman K. Gottwald, Ideology and Ideologies in Israelite Prophecy, p. 136-149.
669
Glenn S. Holland, Gods in the Desert: Religions of the Ancient Near East, Maryland, Rowman &
Littlefield Publishers, 2009, p. 226-228.
670
T. C. Vriezen; A. S. van der Woude, Ancient Israelite and Early Jewish Literature, Leiden,
Koninklijke Brill NV, 2005, p.119-121; Cheryl B. Anderson, Women, Ideology, and Violence: A Critical
Theory and the Construction of Gender in the Book of the Covenant and the Deuteronomic Law,
London/New York, T&T Clark International, 2005, p. 14.
671
Brevard S. Childs, The Book of Exodus, A Critical, Theological Commentary, Philadelphia,
Westminster, 1974, p. 393-401. Confira também Kevin A. Wilson, Conversations with Scripture: The
Law, Harrisburg/New York, Morehouse Publishing, 2006, p. 3. Para esse autor, os dez mandamentos só
alcançariam sua forma final no término do período monárquico. O Exôdo foi completado no sexto século,
enquanto a seção do Deuteronômio que contém o decálogo é de um período um pouco anterior. Nos
séculos anteriores, os conteúdos dos dez mandamentos eram instáveis.
672
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1-25, p. 244.
237
(Dt 4,42). A sugestão de Brevard S. Childs pode nos auxiliar na solução desse dilema:
ele conclui que tal verbo originalmente se referia à vingança de sangue, mas no tempo
da literatura profética o termo invariavelmente tomou para si a conotação de violência
prejudicial e intencional (Is 1,21). Poderia também denotar uma execução
governamental. 673
A terceira transgressão נָאַפnāʼap refere-se a “cometer adultério” (Ex 20,14; Dt
5,18). O termo não carrega um significado metafórico, tal como em outras passagens
que retratam a idolatria como um adultério (Jr 9,2 [1]; 23,10; Os 4,13-14; 7,4). Pelo
contrário, seu sentido nesse trecho é literal. Trata-se de relações sexuais ilícitas de um
homem com uma mulher casada (Lv 18,20; 20,10), de uma mulher casada com um
homem (Ez 16,32; Os 4,13), ou de um homem com uma moça desposada (Dt 22,23-27).
Vale a pena ressaltar que a sedução de uma virgem livre não era considerada como
adultério (Ex 22,16; Dt 22,28-29).
Os textos não deixam claro o estado civil desse homem. Todavia, a não ser que
presumamos que o homem fosse casado, somente o estado civil da mulher definiria o
adultério. O adultério consistia em prejuízo teológico e sociológico, uma vez que, por
um lado, o casamento representava um espelho da aliança entre Javé com seu povo e,
por outro, a família estendida era a base da sociedade judaíta, e qualquer ameaça a sua
estabilidade não poderia ser tolerada. A destruição da rede de relações familiares
provocaria a ruína financeira da estrutura judaíta. 674 670 F
673
Brevard S. Childs, The Book of Exodus, A Critical, Theological Commentary, p. 419-421; Victor P.
Hamilton, Exodus: A Exegetical Commentary, Grand Rapid, Baker Academic, 2011, p. 344; Nicolai
Winther-Nielsen, A Role-Lexical Module (RLM) for Biblical Hebrew: A Mapping Tool for RRP and
WordNet, em Robert D. Van Valin Jr (ed.) Investigations of the Sintax-Semantics pragmatics Interface,
Amsterdam, John Benjamins Publishing, vol. 105, 2008, p. 471.
674
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 2-5. Confira ainda as obras de Gerhard Kittel; Geoffrey William Bromiley; Gehard Friedrich
(eds.), Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing
Co., vol. 4, 1976, p. 730-732; Henry Mckeating, Sanctions Against Adultery in Israelite Society, with
Some Reflections on Methodology in the Study of Old Testament Ethics, em Journal for the Study of the
Old Testament, London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield, vol. 11, 1979, p. 57-72;
Christopher J. H. Wright, The Israelite Household and the Decalogue: The Social Background and
Significance of Some Commandments, em Tyndale Bulletin, Cambridge/London, Inter-Varsity, vol. 30,
1979, p. 101-124.
238
juramento em vez do nome de Javé. 675 Contudo, talvez Holladay esteja certo ao ligar
essa expressão ao mandamento no decálogo (Ex 20,7; Dt 5,11). É difícil identificar o
abuso do nome de Javé que gerou a expressão “jurar para mentira”, isto é, fazer um
juramento de maneira desonesta, mas a implicação posterior pode ter incluído
“amaldiçoar alguém pelo mau uso do nome de Javé”. 676
A raiz verbal ָקטַרqāṭar “queimar incenso” + os termos ל ָ ַ֑בּעַלlabbāʻal “para
Baal” descrevem a transgressão seguinte. Há certa divergência em relação à tradução do
verbo qāṭar “fazer subir em fumaça” nesse verso. Alguns associam o termo aos
sacrifícios (Ex 29,13.18.25), resultando na expressão “queimar sacrifícios”. Outros dão
ênfase à fumaça (substantivo hebraico que designa incenso) e traduzem-na como
“queimar incenso”. Em nossa tradução adotaremos a segunda opção, por melhor se
adequar a nosso contexto.
Seja como for, essa expressão é reservada à adoração de falsos deuses ou à
adoração considerada culticamente imprópria. Ali a adoração era oferecida labbāʻal
“para Baal”. Baal carrega o significado de “senhor, mestre, dono”, título empregado na
designação do deus da tempestade, uma das divindades masculinas de maior
proeminência no panteão cananeu, embora inferior tecnicamente a El, o pai dos deuses.
Era considerado o provedor de toda fertilidade. Quando caía nas mãos de Mot, o deus da
morte, tudo secava e declinava. Contudo, quando Anate, sua esposa e irmã, destruía
Mot, Baal ressurgia para a vida novamente. A adoração dessa divindade consistiu num
dos maiores obstáculos para a fé javista ao longo de sua história. 677 673F
675
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 465.
676
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1-25, p. 245. Confira Também Brevard S. Childs, The Book of Exodus, A Critical,
Theological Commentary, p. 409-412; Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the
Prophet Hosea, p. 67.
677
K. van der Toom; Bob Becking; Pieter Willem van der Horst, Dictionary of Deities and Demons in the
Bible DDD; Boston/Michigan; Grand Rapids; William B. Eerdmans Publishing Co., 1999, p. 131-139;
Judith M. Hadley, The Cult of Asherah in Ancient Israel and Judah: Evidence for a Hebrew Goddess,
Cambridge, Cambridge University Press, 2000, p. 39-41; J. Maxwell Miller; John H. Hayes, A History of
Anciente Israel and Judah, Louisville, The Westminster John Knox Press, 1986, p. 110.
678
Para uma discussão acerca do monoteísmo em Israel, confira a obra de Robert Karl Gnuse, No Other
Gods: Emergent Monotheism in Israel, 392 p.; Veja ainda um estudo sobre El, Baal e outros deuses da
239
outros deuses”, eles violavam uma das principais prescrições do pacto de Javé. E não
somente isso: também introduziam novos padrões sociais que tinham como base o
sistema de estratificação social. 679 Algo contrário ao que Javé havia estabelecido em seu
pacto.
A frase ֲשׁר �ֽא־י ְדַ ע ְֶתּֽם
֥ ֶ אʼǎšer lōʼ yᵉdaʻtem “que não conhecestes” é encontrada
em dois outros lugares no livro de Jeremias (19,4; 44,3) como também em
Deuteronômio (11,28; 13,3.7.14;29,25). O verbo “conhecer” refere-se a uma associação
íntima, ou seja, um relacionamento de aliança (Am 3,2). Dessa forma, a frase se refere a
deuses com quem a audiência não tinha nenhuma relação de aliança. Eles abraçavam a
Baal e a qualquer divindade que lhes trouxessem alguma vantagem pessoal. 680 Com 67F
O local desse famigerado encontro é descrito como “nesta casa que clamou meu
nome nele”. A expressão ֙ בּ ַ ַ֤בּי ִת ַהזּ ֶהbabbayit hazzeh “nesta casa” refere-se ao templo, e
Síria e Palestina em Glenn S. Holland, Gods in the Desert: Religions of the Ancient Near East, p. 199-
218.
679
Peter L. Berger, Cakes for the Queen of Heaven: 2,500 years of Religious Ecstasy, em Christian
Century, Chicago, Christian Century Foundation, vol. 91, n. 44D, 1974, p. 1217-1223.
680
James E. Smith, Jeremiah: A Christian Interpretation, England, James E. Smith Publisher, 2008, p.
122.
681
J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, p.
280-281.
240
essa identificação era clara para a audiência. 682 A sentença restante ְמי ָע ָ֔ליו
678 F ֣ ִ ֲשׁר נִק ְָרא־שׁ
ֶ֣ א
ʼᵃšer niqrāʼ šᵉmî ʻālāyw “que se clamou meu nome nele” estabelece a casa como
propriedade pessoal de Javé. Esse local era considerado o lugar sagrado de encontro de
Javé com seu povo, como também a representação visível da divina presença em Judá.
A íntima conexão entre o templo e a presença de Javé no meio de seu povo
favoreceu o desenvolvimento da falsa concepção de que ele seria garantia de segurança
para quem praticasse os rituais em detrimento do compromisso com a justiça social (Is
1,10-17; Am 5,21-27). 683 Jeremias acusa a audiência de disseminar e praticar essa falsa
679F
Acreditavam que seriam expiados de suas ações injustas para depois retornarem
novamente às antigas práticas maléficas, ou seja, “para fazer todas estas
abominações”. 685 A palavra תּוֹע ֵ֖בוֹתtôʻēbôt “abominações” não tem um significado
681 F
preciso, todavia, é provável que denote “algo detestável”. No texto hebraico, o vocábulo
é aplicado geralmente a uma prática religiosa inaceitável, bem como a ações sociais ou
econômicas injustas. 686 “Abominações”, no contexto do verso ora estudado, seria um
682F
termo coletivo que sumarizava a lista precedente das transgressões perpetradas pela
audiência, as quais eles persistiam em cometer. 687 Tais transgressões maliciosas
683F
682
Sandra L. Richter, The Deuteronomistic History and the name Theology: lᵉ šakkēn šᵉmô šām in the
Bible and Ancient Near East, Berlin/New York, de Gruyter, 2002, p. 90; Richard A. Taylor; E. Ray
Clendenen (eds.), Haggai, Malachi: An Exegetical and Theological Exposition of Holy Scripture,
Nashville, Broadman & Holman Publishers, vol. 21A, 2004, p. 182.
683
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 1, p. 655-656.
684
Walter L. Reed, Dialogues of the Word: The Bible as Literature According to Bakhtin, New York,
Oxford University Press, 1993, p. 70.
685
Albert Barnes, Notes on the Old Testament: Proverbs to Ezekiel, London, John Murray, 1879, p. 167.
686
Donald Kraus, Sex, Sacrifice, Shame and Smiting: Is The Bible Always Right?, New York, Seabure
Books, 2008, p. 110, 238.
687
G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry (eds.), Theological Dictionary of The
Old Testament, vol. 15, p. 596-597.
241
Javé em Jerusalém fora transformado numa ְמע ַ ָ֣רת פּ ִָר ִ֗ציםmᵉʻārat pāriṣîm “caverna de
ladrões” (v. 11). O vocábulo pāriṣîm “ladrões” assinala aqueles que confrontavam,
ameaçavam e roubavam com violência (Sl 17,4; Ez 18,10).
Depois, geralmente se refugiavam nas mᵉʻārat “cavernas” situadas nas
montanhas da Judéia a fim de esconderem o material roubado e se protegerem daqueles
que seguiam em seu encalço. 688 Tal como estes ladrões, a audiência de Jeremias
684F
688
Paul L. Redditt, Introduction to the Prophets, Michigan, William B. Eerdmans Publishing Co., 2008,
p. 120.
689
Milton Schwantes, Gênesis 12–25. Deus vê – Deus ouve, São Leopoldo, Oikos, 2009, p. 95-96.
690
Walter Brueggemann, Theodicy in a Social Dimension, p. 3-25.
242
Não há dúvida de que a expressão mᵉqômî “meu lugar” nesta perícope,
diferentemente do bloco anterior, assume a conotação de santuário, dado que tal tema
seria o enfoque central desta subunidade. O complemento da frase “onde fiz morar meu
nome ali no princípio” também reforça nossa asseveração, pois a raiz verbal שׁכַן
ָ šāḵan
“morar” geralmente associa a morada de Javé a um santuário escolhido por ele. 691 687F
O santuário mencionado pelo profeta tinha como endereço Siló, cidade efraimita
situada a 30 km ao norte de Jerusalém, no caminho entre Betel e Siquém. Ao fazer uso
da expressão אשׁוֹנ֑ה
ָ בּ ִ ָֽרbāriʼšônāh “no princípio”, Jeremias indica que tanto esse
santuário quanto a própria cidade de Siló tiveram um importante papel como centro
religioso israelita no passado. No período dos juízes e de Samuel, Siló era considerada
um local privilegiado, pois abrigava o importante santuário de Javé no qual residia a
arca de Deus (1Sm 3,3). Siló exercia no passado o mesmo papel de Jerusalém na época
de Jeremias. 692 68F
tinha a ver com algo que Javé havia feito ao santuário de Siló. O significado da raiz
verbal ָעשָׂהʼāśāh “fazer” é determinado pela função que seu contexto designa.694 690F
Obviamente que neste caso assinalaria uma ação punitiva contra aquele santuário, cujo
motivo seria a “maldade do meu povo Israel”. De fato, o lugar foi entregue à
destruição. 695
691F
691
J. Niehaus, The Central Sanctuary: Where and When, em Tyndale Bulletin, Cambridge, Tyndale
House, vol. 43, 1992, p. 3-30; Hans Walter Wolff; S. Dean McBride, Joel and Amos: A Commentary on
the Books of the Prophets Joel and Amos, p. 81-82.
692
Flavio Barbiero, The Secret Society of Moses: The Mosaic Bloodline and a Conspiracy Spanning
Three Millenia, Vermont, Inner Traditions, 2010, p. 22-23; Henry Baker Tristram, Bible Places: The
Topography of the Holy Land, New Jersey, Gorgias Press, 2005, p. 185-188.
693
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 1007-1015.
694
Idem, p. 546-552.
695
Ina Willi-Plein, Sacrifício e culto no Israel do antigo testamento, São Paulo, Edições Loyola, p.130-
132.
243
possivel que tenha se dado ao longo do séc. XI a.C., quando os filisteus empreenderam
um ataque contra a cidade provocando a perda da arca e a consequente ruína do
sacerdócio corrupto da família de Eli (1Sm 4). 696 A despeito desse evento trágico,
indícios apontam que a cidade de Siló foi reocupada de forma tímida, tornando-se um
pequeno povoado no período do reino dividido (embora seja provável que o santuário
não tenha sido reconstruído). 697 Jeremias não era alheio a essa realidade. Embasado
nela, ele convida sua audiência a se dirigir ao antigo local sagrado. Siló fora um lugar de
culto a Javé no passado, todavia seu santuário já não existia mais. 698
O motivo da tragédia transparece na frase “maldade do meu povo”. A expressão
ָר ַ ֖עתrāʻat “maldade” denota certas relações humanas que envolvem ações inaceitáveis e
danosas para a vida ou a integridade. A maldade social era uma questão crucial, se não
central no ministério profético de Jeremias, que a incorporava aos abusos do sistema de
poder e dos processos sociais legitimados pela injusta ideologia religiosa. Tais abusos
eram praticados por pessoas intituladas יִשׂ ְָראֵ ֽלʻammî yîśrāēl “meu povo Israel”, ou
seja, indivíduos que desfrutavam da íntima relação de aliança com Javé. 699 695F
que sua atitude era similar à de Siló e, portanto, se não houvesse uma rápida mudança
de intenção e comportamento, as implicações seriam desastrosas, tal como foram para
seus antigos compatriotas. Apoiar-se na ideologia do templo seria loucura! 701 697F
696
Para uma discussão sobre Siló e a data da destruição de seu santuário, consulte Jack R. Lundbom,
Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 468-469; Donald G. Schley,
Siloh: A Biblical City in Tradition and History, Shefield, Shefield Academic Press Ltd., 1989, p. 181.
697
Provavelmente Siló foi reocupada durante o reinado de Jeroboão (1Rs 11,29; 12,15; 14,2.4; 15,29) e
há evidência de sua existência no período da destruição de Jerusalém (Jr 41,5).
698
Peter C. Craigie, Word Biblical Commentary: Jeremiah 1–25, vol. 26, p. 121. Também Donald G.
Schley, Siloh: A Biblical City in Tradition and History, p. 165-183.
699
Mordecai Manuel Noah, The Selected Writings of Mordecau Noah, Westport, Greenwood Publishing
Group, 1999, p. 124; Avi Erlich, Ancient Zionism: The Biblical Origins the National Idea, The Free
Press, New York, 1995, p. 97.
700
Veja acerca da corrupção dos juízes e dos sacerdotes antes mesmo da chegada da monarquia em Israel
em Ildo Bohn Gass (Org.), Uma introdução à Bíblia: formação do império de Davi e Salomão, p. 9-17.
701
Edwin C. Kingsbury, The Promises of God: Their History and their Interpretations, Tate Publishing &
Enterprises, Oklahoma, 2009, p. 251.
244
4.1.4. A chegada do castigo (Jr 7,13-15)
Jeremias, então, percebendo que seus apelos ao arrependimento eram inúteis,
passou a assumir uma postura cada vez mais insistente de condenação. A ruína da elite
de Jerusalém e de Judá seria inevitável. 702 O motivo do castigo de Javé vem à tona no v.
698F
13. A expressão retórica ְועַתָּ֗ הwᵉʻattāh “e agora” sinaliza uma mudança de cena do
passado para o presente de Jeremias (Jr 2,18), e o vocábulo ַי֧עַןyaʻan “visto que”
introduz a razão do castigo “visto que fazeis vós todas estas obras, oráculo de Javé”.
Javé acusa sua audiência de praticar ֲשׂים
֥ ִ ה ֵ ָ֖אלֶּה כָּל־הַמַּ ֽעkol-hammaʻǎśîm hāʼēleh
“todas estas obras”, esta sentença não encontra referente nesse oráculo, todavia, poderia
nos remeter as transgressões da aliança mencionadas nos versos anteriores. A frase
subsequente “e falei para vós, madrugar e falar, e não ouvistes, e chamei-vos, e não
respondestes” destaca os insistentes apelos de Javé por mudança de atitude e a rejeição
por parte da empedernida e corrupta audiência (Jr 25,4; 29,19; 35,15).
O termo ַהשְׁכֵּ ֥םhaškēm “madrugar” refere-se a uma vívida metáfora da atividade
zelosa de Javé. Seu significado primário deriva por metonímia da prática de carregar o
ombro de uma pessoa ou o lombo de um animal com provisões para uma jornada
matinal (Gn 21,14; 22,3). Por extensão, também abarca a ideia de ocupar-se
zelosamente numa tarefa. 703 haškēm pode designar também algo que se repete “muitas
69F
vezes, frequentemente”. O termo faz referência ao ministério dos profetas, embora não
sejam mencionados explicitamente nesse contexto.
Diante da violação da aliança, Javé envia seus profetas para advertir
insistentemente sobre o perigo de transgredi-la. Os verbos paralelos, ambos com
conotação judicial, דָּ בַרdābar “falar” 704 e ק ָָראqārāʼ “chamar” 705 assinalam para essa
70 F 701F
702
Antony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, p. 221.
703
E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 341.
704
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 1, p. 912-915.
705
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 971-974.
706
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
Grand Rapids, Zondervan Publishing House,vol. 4, 1998, p. 107-108. Veja também o trabalho de Holger
Gzella, Languages from the World of the Bible, Berlim/Boston, Walter de Gruyter, 2012, p. 103.
245
No v. 14 manifesta-se a consequência da rejeição: “Portanto, farei para a casa
que se clamou meu nome nele, a qual vós confiais nele, e para o lugar, que dei para vós
e para pais de vós, como fiz para Siló”. A sentença שׂיתִי
ִ ֜ ְו ָעwᵉʻāśîtî “portanto, farei” no
início das palavras de castigo assinala tanto o caráter conclusivo da mesma ְוwᵉ
“portanto” quanto uma ação que seria empreendida pelo próprio Javé ʻāśîtî “farei”. As
consequências recairiam sobre dois lugares bem definidos, a saber, “na casa que se
clamou meu nome nele, a qual vós confiais nele”, isto é, no templo de Jerusalém, como
também no “lugar que dei para vós e para pais de vós”, ou seja, a terra de Judá. 707 703F
O julgamento e a disciplina divina são reproduzidos na sentença שׁ ַלכ ְִתּ֥י אֶתְ ֶכ֖ם
ְ ְו ִה
מ ַ ֵ֣על פּ ָָנ֑יwᵉhišlaktî ʼetekem mēʻal pānāy “e lançarei a vós da minha face”. Ela anuncia o
banimento da audiência da presença de Javé para o exílio (2Rs 17,20; 24,20, Am
4,3). 710 Tal como acontecera com os ֲאחֵי ֶ֔כםʼǎḥêkem “irmãos de vós”, uma menção aos
706F
707
Confira alusões a essas frases nos vv. 4, 7 e 11.
708
David M. Carr, An Introduction to the Old Testament: Sacred Texts and Imperial Contexts of the
Hebrew Bible, Oxford, Wiley-Blackwell, 2010, p. 158-159.
709
William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 1–25, p. 249.
710
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 4, p. 127.
246
parceiros de Judá no pacto com Javé. 711 Dessa forma, Javé anuncia que exilaria a
70F
audiência do profeta da mesma forma que exilara seus parceiros de aliança, a saber, כָּל־
ֶז ַ֥רע ֶאפ ָ ְֽרי ִםkol zeraʻ ʼeprāyim “toda descendência de Efraim”. 712
708 F
Possivelmente, tais conotações estavam implícitas nas palavras do profeta; de fato, ele
se referia a pessoas oriundas de Efraim, porém, não a todos os seus habitantes, mas tão-
somente a um grupo social específico caracterizado, assim como a elite de Jerusalém,
por atitudes incompatíveis com a aliança de Javé. Tal fato nos leva a deduzir que “toda
a descendência de Efraim” poderia ser uma referência à elite estatal do reino do Norte.
Outro elemento pode corroborar essa hipótese. No final do reinado de Jeroboão
II, Israel havia perdido parte de seu território para os sírios, o reino do Norte foi
reduzido à Samaria e a região montanhosa da Palestina denominada como Efraim. Com
a conquista de Damasco pela Assíria em 732 a.C., os territórios de Israel que estavam
sob o domínio do governante da Síria, Rezim de Damasco, foram anexados ao império
assírio como província, e o território de Israel foi reduzido às regiões montanhosas de
Efraim. Nessa ocasião cerca de 20 mil pessoas foram deportadas das regiões do norte de
Israel. A deportação de populações dominadas, sobretudo de suas elites, era parte da
prática de guerra e subjugação assíria. Com isso, Efraim tornou-se a designação política
do reino do Norte. 714
710F
711
Michael L. Barré, Amos 1:11 Reconsidered, em Catholic Biblical Quarterly, Washington, Catholic
Biblical Association of America, vol. 47, n. 3, 1985, p. 427. Confira ainda M. Fishbane, The Treaty
Background of Amos 1:11 and Related Matters, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of
Biblical Literature, vol. 89, 1970, p. 313-318.
712
Para um estudo específico sobre Efraim, consulte Steven D. Green, The Tribe of Ephraim: Covenant
and Bloodline, Sprinville, Horizon Publishers, 2007, p. 1-39; Clay McConkie, In Ephraim’s Footsteps:
the Story of the House of Israel – From Premortal Councils to Future Millennial Glory, Utah, Cedar Fort,
2004, p. 74-82; Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and
Commentary, p. 472.
713
W. E. Vine; Merrill F. Unger; William White, Vine's Complete Expository Dictionary of Old and New
Testament Words, vol. 1, p. 239.
714
Donald G. Schley, Siloh: A Biblical City in Tradition and History, p. 177.
715
Veja Bob Becking, The Fall of Samaria: An Historical & Archaelogical Study, Leiden, E. J. Brill,
1992, 153 p.; Shamai Gelander, From Two Kingdoms to One Nation – Israel and Judah: Studies in
Division and Unification, Leiden, Koninklijke Brill, 2011, p. 225; Milton Schwantes, Sofrimento e
esperança no exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI a. C., p. 11.
247
banimento de “toda a descendência de Efraim”, Jeremias estava principalmente se
referindo à deportação da elite estatal do reino do Norte. As palavras do profeta
parecem exalar um forte odor de ameaça para elite estatal de Jerusalém. Da mesma
forma que a elite do reino do Norte experimentara a deportação no passado, a elite de
Jerusalém estava prestes a enfrentar o mesmo destino.
primeiramente na frase “e tu não intercedas por este povo”. Sendo que na expressãoאַל־
תִּ תְ פּ ֵַלּ֣לʼal titpallēl “não intercedas”, a proibição está atrelada ao verbo pālal “intervir
em favor de outro, interceder”, presente sete vezes no livro de Jeremias (Jr 7,16; 11,14;
14,11; 37,3; 42,2.20; 29,7), cujo significado não indica uma simples oração, mas sim
uma oração em favor de alguém. 717 713F
A sentença ְוא ַ֞תָּ הwᵉʼattâ “e tu” indica que o sujeito da intercessão seria o próprio
Jeremias, que faz uso da antiga tradição de intercessão profética (Gn 20,7.17; Nm 11,2;
21,7; Dt 9, 20.26; 1Sm 7,5; 12,19.23; 1Rs 13,6; 2Rs 4,33; 6,17s).718 Todavia, como bem
714F
nos informa a passagem, por conta das circunstâncias prevalentes tal tarefa seria vedada
para ele. O objeto da intercessão proibida nos é pontuado através da expressão ְבּעַד־ה ָ ָ֣עם
ַה ֶ֗זּהbᵉʻad hāʻām hazzeh “por este povo”. A utilização do termo hāʻām hazzeh “este
povo” é digno de nota, uma vez que não designa o povo em geral.
O termo ʻām não se refere genericamente ao “povo”, mas concretamente a
setores sociais delimitados. Embora seja possível que em determinados contextos o
termo ʻām tenha o sentido de “povo”, denotando população ou habitante, tal sentido não
se enquadra em nosso texto, onde a expressão hāʻām hazzeh tem um sentido mais
716
David L. Petersen; Gene M. Tucker; Christopher R. Seitz; Patrick D. Miller; Anthony J. Saldarini;
Kathlenn M. O’Connor; Katheryn Pfisterer Darr, Introduction to Prophetic Literature; Isaiah; Jeremiah;
Baruch; Letter of Jeremiah; Lamentations; Ezekiel, Nashiville, Abingdon Press, vol. VI, 2001, p. 638.
717
Samuel E. Balentine, The Prophet as Intercessor: A Reassessment, em Journal of Biblical Literature,
Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 103, 1984, p. 161-173; A. Berlin, On the Meaning of pll in the
Bible, em Revue Biblique, Paris, J. Gabalda et Cie, vol. 96, 1989, p. 345-351.
718
Samuel E. Balentine, Jeremiah, Prophet of Prayer, em Review & Expositor, Louisville, Review and
Expositor/ Southern Baptist Theological Seminary, vol. 78, n. 3, 1981, p. 331-344.
248
restrito – aponta para setores sociais específicos, circunscritos aos senhores do poder.
Ao que tudo indica, seriam todos aqueles que usufruíam dos benefícios do reinado. 719
Para eles não caberia a intercessão do profeta.
A sequência do dito preserva o mesmo caráter proibitivo: “e não levantes por
eles clamor e oração”. O alvo das palavras continua sendo o profeta Jeremias. Nesse
contexto, a raiz verbal נָשָׂאnāśāʼ “levantar, levar” aparece como expressão idiomática
ao lado dos termos ִרנָּ ֥ה וּתְ פ ִָלּ֖הrinnāh ûtᵉpillāh “clamor e oração”. 720 O vocábulo rinnāh
716 F
poderia denotar um grito de felicidade ou alegria, mas aqui indica um grito de tristeza
ou anseio, uma súplica pela ajuda de Deus em tempos de necessidade (Sl 17,1; 61,1[2];
88,2[3]; 106,44; 119,169; 142,6[7]). 721 71F
Por outro lado, o termo paralelo tᵉpillāh possui o significado primário de petição
com um forte elemento de intercessão. Contudo, os dois termos não deveriam ser
considerados separadamente, antes ambos formam uma hendíade que seria mais bem
apreendida pela frase “um grito intercessório”. O objeto desse grito intercessório
continua sendo o mesmo grupo citado anteriormente, a saber, “este povo” que ali passa
a ser identificado pela expressão ַבע ֲָד֛םbaʻǎadām “por eles”.
Outra frase proibitiva toma lugar na sequência: “e não insistas comigo”. O verbo
תִּ ְפגַּעtipgaʻ “insistas” continua ligado ao campo semântico da intercessão. Seu
significado básico assinala um “encontro intencional” com o objetivo de se fazer um
pedido insistente. 722 A expressão ִ ֑בּיbî “comigo” indica a quem se dirigiria a súplica, ao
718F
719
Para um estudo mais detalhado sobre o assunto, consulte as obras de Daniel Piccoli, A expressão “este
povo” no Livro de Emanuel (Isaías 6,1–9,6) – Profecia e grupos dominantes em conflito, São Paulo,
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 1992, 206 p. (dissertação de Mestrado);
quanto ao termo ʻām como indicação de parentesco veja Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological
Lexicon of the Old Testament, p. 896-919; para um estudo do termo ʻām como designação de uma
“camada de proprietários de terra que era influente e ligada à dinastia”, observe Otto Kaiser, Der Prophet
Jesaja Kapitel 1–12, Gotinga, Vandenhoeck & Ruprecht, 1963, p. 70; Consulte ainda Milton Schwantes,
Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 311, 317, 332.
720
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 769-774.
721
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 160-163. Consulte também John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old
Testament Commentary, vol. 1, 2004, p. 311.
722
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 575-576.
723
Barclay Moon Newman; Philip C. Stine, A Handbook on Jeremiah, New York, United Bible Societies,
2003, p. 218.
249
A declaração final “pois eu não ouvirei a ti”, encabeçada pela sentença כִּי־אֵינֶ ֥נִּי
kî ʼênennî “pois eu não”, assinala o motivo da proibição, a qual estabelece que Javé
estaria decidido a não שׁמַע
ָ šāmaʻ “ouvir” a intercessão do profeta �ֽ א ָֹתʼōtāk “a ti” em
favor de “este povo”. Obviamente a frase não denota uma recusa de Javé ao profeta,
mas antes uma recusa indireta a “este povo” (Jr 15,1). Em suma, a sentença carrega
forte conotação distintiva, mas não se limita simplesmente a questões teológicas ou
mesmo pessoais: abrange sobretudo assuntos concernentes às relações sociais vigentes
em Judá naquela época.
A insensibilidade de Javé perante a intercessão de Jeremias revela, por um lado,
sua rejeição aos setores sociais circunscritos aos senhores do poder conhecido como
“este povo” e, por outro, enquadra-os dentro da categoria social dos opressores, tendo
em vista que a tradição bíblica considera Javé como o Deus que, por um lado, ouve o
clamor dos oprimidos, dos pobres e dos desamparados em detrimento dos opressores
(Ex 2,24; 3,4; 6,5; 22,23.27[22.26]; Dt 26,7; Sl 10,17; Jo 34,28) e, por outro, recusa-se a
ouvir aqueles que não ouvem o clamor dos pobres (Pv 21,13). 724 Daí se deduz que o
720F
conceito “este povo” não diz respeito ao povo em geral, mas apenas à classe social
dominante privilegiada e opressora de Judá.
724
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 4, p. 175-181.
250
cidades muradas, e não as vilas desmuradas no interior de Judá, que ocorriam as
atividades apresentadas ao profeta Jeremias.
A atividade maléfica mencionada genericamente no v. 17 passa a ser
especificada no v. 18. No processo se destacam alguns elementos que desempenham
papéis bem definidos. Eles são caracterizados por termos que denotam a existência de
laços familiares entre eles. A ַה ָבּ ֞נִיםhabbānîm “os filhos” cabia a tarefa de ָלקַטlāqaṭ
manipular a בּ ֵ ָ֑צקbāṣēq “massa de farinha” pressionando-a e rolando-a com as mãos. 725 721F
Todas essas atividades tinham um alvo comum, redundando na feitura de “bolos para a
Rainha dos Céus”.
O termo ַכּוָּןkawwān “bolo” é emprestado do acadiano kamānu e denota um bolo
adocicado com mel ou figo usado para fins cúlticos. Há registro dessa palavra tanto na
epopeia de Gilgamesh como na oração de lamentação a Ishtar. 726 Era um bolo oferecido
72F
à deusa mãe Ishtar, o qual reproduzia sua própria imagem ou seu símbolo, caracterizado
por um corpo celeste (Jr 44,17). Ishtar, geralmente identificada com o planeta Vênus,
era idealizada como a deusa do amor, da sexualidade e da guerra, a estrela da manhã,
também conhecida na Mesopotâmia como Rainha dos Céus.
Tal evidência favorece a hipótese de que a שּׁ ַ֗מי ִם
ָ מ ֶ ְ֣לכֶת ַהmᵉleket haššāmayim
“Rainha dos Céus” não era uma divindade nativa. Na mitologia mesopotâmica, Ishtar
era desposada com o deus da fertilidade Tammuz, cujo culto, de acordo com Ez 8,14
fora praticado no templo de Jerusalém durante o reinado de Zedequias. 727 Entre diversas
723F
propostas acerca do nome que fora atribuido a essa divindade em Judá, inclino-me à
725
James Swanson, A Dictionary of Biblical Languages Hebrew Old Testament (electronic ed.), DBLH
4297.
726
James B. Pritchard (ed.), Ancient Near Eastern Texts: Relating to the Old Testament, Princeton/New
Jersey, Princeton University, 1969, p. 84, 383-384.
727
Sue’Hellen Monteiro de Matos, A influência das deusas Asherah e Ishtar na construção da imagem
materna de Javé em Dêutero-Isaías, em Revista Âncora, São Paulo, Instituto Âncora de Ensino, vol. 9,
2014, p. 1-20. Confira ainda as obras de Tilde Binger, Asherah Goddesses in Ugarit, Israel and the Old
Testament, Shefield Academic Press Ltd., Shefield, 1997, 190 p.; também André Lemaire, Who or What
Was Yahweh’s Asherah? Starting New Inscriptions from Two Different Sites Reopen the Debate about
the Meaning of Asherah, em Biblical Arqueology Review, Biblical Archaelogy Society, Washington
District of Columbia, vol. 10:06, 1984, p. 42-51.
251
sugestão que a identifica com a deusa cananita Aserá, cuja adoração parece ter
assimilado ao longo do tempo características marcantes do ritual assírio, sobretudo no
período do reinado de Acaz até a época do famigerado rei Manassés (2Rs 21; 23,4-14;
Am 5,26).
O verso prossegue acrescentando nova sentença: “e derramam libações para
outros deuses”. A ocorrência do verbo no hifil � ה ֵ ַ֤סּhassēk “derramam” é aplicado com
provavelmente de vinho, feita para demonstrar devoção não a Javé, mas sim a ֱ�הים
ִ֧ א
ֲאח ִ ֵ֛ריםʼělōhîm ʼᵃḥērîm “outros deuses”. 728 As ofertas de bebidas eram feitas no terraço
724F
constatar o uso teológico da raiz verbal ָכּעַסkāʻas “provocar a raiva”. Javé é o objeto do
verbo com a ideia de que ações praticadas pela elite de Judá irritaram profundamente
esta divindade. 729 Quer tenham sido intencionais ou não, elas o haviam ofendido.
725F
728
Philip J. King, Jeremiah: An Archaeological Companion, Louisville/Kentucky, Westminster/ John
Knox Press, 1993, p. 102-124; James Strong,The Tabernacle of Israel: Its Structure and Symbolism,
Grand Rapids, Kregel Publications, 1987, p. 65; David Noel Freedman; Allen C. Myers; Astrid B. Beck
(eds.), Eerdmans Dictionary of the Bible, p. 807; Dennis Pardee; Theodore J. Lewis, Ritual and Cult at
Ugarit: Writings from the Ancient World, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 10, 2002, p. 269;
William Rainey Harper, A Critical and Exegetical Commentary on Amos and Hosea, New York, C.
Scribner's Sons, 1905, p. 328.
729
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 622-624; S. Erlandsson,
The Wrath of Yhwh, em Tyndale Bulletin, Cambridge/London, Tyndale Press, vol. 23, 1972, p. 111-116.
252
trabalhar pelo interesse comum e assumir a responsabilidade por todo grupo. Todos os
membros da família seriam protegidos e assistidos em tempos de necessidade. 730
Mesmo diante das constantes crises em Israel, a organização clânica tribal
prevalecia de forma precária nas aldeias de Judá, onde as famílias estendidas viviam em
vilas cercadas por campos com áreas de pastagens. Cada grupo de vilas consistia em um
grupo familiar interdependente (Jz 18,11). As dificuldades enfrentadas pelos
camponeses exigiam um compartilhamento do trabalho e a cooperação de toda a família
para a sobrevivência. 731
Com a criação das cidades no período monárquico houve a desagregação
paulatina do grupo familiar; perdeu-se, assim, nos centros urbanos, os laços de família
estendida. A unidade familiar passou a ser caracterizada somente pelo marido e esposa
com seus filhos vivendo na mesma casa. Com o declínio dos laços familiares,
enfraqueceu-se também a autoridade do chefe da família, consequentemente, o rei
tornou-se o soberano na sociedade.
O Estado monárquico fomentara tal mudança a fim de estabelecer um governo
central para todo o país. Nos centros urbanos, os membros da família não mais
trabalhavam para o bem comunal, antes, trabalhavam primeiramente para o bem de seus
familiares imediatos. Consequentemente, o trabalho e a devoção tinham um foco mais
limitado, e o principal beneficiário seria o rei, o símbolo pessoal da nação. No período
de Jeremias, os rituais mencionados nesse versículo davam suporte a este tipo de
organização social desagregada que favorecia apenas à elite estatal em detrimento dos
antigos ideais igualitários, os quais, com o tempo, passaram a ser negligenciados. As
principais vítimas desse sistema eram as pessoas marginalizadas (viúvas, órfãos,
estrangeiros), que não dispunham de proteção familiar em tempos de necessidade (Is
1,17; Jer 7,6). 732
Por meio do recurso religioso, a elite citadina procurava legitimar sua política de
espoliação. As estruturas socioeconômicas e políticas exploradoras da sociedade eram
justificadas e apoiadas pelas práticas cúlticas exploradoras. 733 A raiz da fome e da
miséria da população desfavorecida tinha sua base na cobrança abusiva de tributo e na
adoção de modelos sociais, econômicos e culturais estrangeiros no país. A aproximação
730
Para um estudo sobre a unidade familiar israelita, veja James I Packer; Merrill C. Tenney; William
White (eds.), Nelson’s Illustraded Manners and Customs of Bible, p. 412-421.
731
David Noel Freedman, The Anchor Yale Bible Dictionary, New York/London/Toronto/Sidney/
Auckland, Bantam Doubleday Dell Publishing Group, vol. 2, 1996, p. 761-767.
732
Walter A. Elwell; Barry J. Beitzel, Baker Encyclopedia of the Bible, vol. 1, p. 767-773.
733
Antony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, p. 118.
253
a esses modelos estrangeiros representava uma traição ao projeto da convivência social
fraterna e solidária abraçada na aliança. 734 Nisso se manifesta a impossibilidade de
coexistência harmoniosa entre a ideologia advogada por Jeremias e a ideologia
disseminada pela elite do poder. Enquanto esta legitimava a estratificação social e o
interesse socioeconômico de uma pequena minoria dominante, aquela sancionava a
igualdade para toda a população.
A justificativa da proibição a Jeremias de interceder atinge o clímax com as
seguintes palavras: “(Porventura) eles me provocam a raiva? Oráculo de Javé.
(Porventura) não a eles mesmos a fim da vergonha das faces deles?” (v. 19). Novamente
estamos diante de questões retóricas. Na primeira parte do verso, a sentença parece
negar a afirmação feita no v. 18. Segundo Lundbom, os vv. 18-19 apresentam um
dispositivo retórico denominado correctio, usado depois de uma afirmação enfática
como correção intencional para dar maior ênfase à afirmação. 735
Após a afirmação de Javé de que a elite havia provocado sua raiva com os rituais
oferecidos à Rainha dos Céus (v. 18), segue a primeira questão retórica contendo a
negação de tal afirmativa: “(Porventura) eles me provocam a raiva?” (v. 19). Embora a
resposta negativa seja a mais viável, não se pretende descartar a reação por parte de
Javé, antes indica que o principal impacto desse comportamento maléfico recairia sobre
eles mesmos e não sobre Javé. No fim da primeira parte do verso, emerge a fórmula do
dito profético נְאֻם־י ְהוָ ֽהnᵉʼūm yᵉhwāh “oráculo de Javé”, que remete ao próprio Javé a
origem de tais palavras.
Na segunda metade do v. 19, o destaque incide em outra questão retórica
“(Porventura) não a eles mesmos a fim da vergonha das faces deles?”. Nessa sentença
se faz uma correção que força uma resposta positiva por parte do ouvinte. Assim sendo,
os rituais oferecidos por “este povo” à Rainha dos Céus implicariam na ֥בּ ֹשֶׁת ְפּנֵיהֶ ֽם
bōšet pᵉnêhem “vergonha das faces deles”. O vocábulo bōšet “vergonha” tem a ver com
uma experiência negativa por conta de uma relação em que os códigos de conduta,
honra, posição ou expectativa não foram totalmente satisfeitos ou foram violados. 736 Ele 732F
734
João Carlos Ribeiro, Profetas e políticas da fome – O caso do profeta Jeremias, p. 34.
735
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 477.
736
Sarah J. Dille, Honor Restored: Honor, Shame and God as Redeeming Kisman in Second Isaiah, em
Timothy J. Sandoval; Carleen Mandolfo (eds.), Relating to the Text: Interdisciplinary and Form-Critical
Insights on the Bible, London/New York, T&T Clark International, 2003, p. 232-250.
254
também deve ser entendido como o reconhecimento público de um comportamento
dentro de uma sociedade. 737
Na sociedade judaíta, caracterizada por uma forte orientação de grupo, a
exposição à opinião pública servia como controle sobre as formas de comportamento
impróprio. A repulsa com a qual a sociedade lidava com as formas de comportamentos
inaceitáveis levou ao reconhecimento público de condutas vergonhosas que implicava
em desgraça e desonra do indivíduo ou do grupo e, em casos extremos, até mesmo na
expulsão da comunidade. Tais sanções vigoravam tanto no contexto judicial como no
político e jurídico do antigo Israel. 738
Nesse verso, a expressão é utilizada para designar a decepção de “este povo” em
relação a seu próprio ato de oferecerem oferendas à Rainha dos Céus e libações a outros
deuses (v. 17-18). Eles seriam responsáveis por sua própria desgraça. A preferência por
outras divindade em detrimento de Javé resultaria inevitavelmente em dolorosa desgraça
e em perda da reputação (cf. Is 1,29). A violação do pacto de Javé desembocaria na
vergonhosa experiência da rejeição e da punição (Cf. também Is 42,17; 44,9-11). Essa
experiência pública e dolorosa da vergonha se tornaria visível nas faces de “este povo”
por meio da palidez (Is 29,22), do medo e da angústia, quando o julgamento de Javé
lhes trouxesse a vergonha.
737
Mark W. Bartusch, From Honor Challenge to False Prophecy: Rereading Jeremiah 28’s Story of
Prophetic Conflict in Light of Social-Science Models, em Currents in Theology and Mission, Chicago/St.
Louis, Pacific Lutheran Theological/Pacific Lutheran Theological Seminary/Wartburg Theological
Seminary, vol. 36, n. 6, 2009, p. 455-463.
738
L. M. Bechtel, Shame as a Sanction of Social Control in Biblical Israel: Judicial, Political, and Social
Shaming, em Journal for the Study of the Old Testament, London/Sheffield, Sage Publications/University
of Sheffield, n. 49, 1991, p. 47-76. Veja também as obras de Bruce J. Malina, The New Testament World:
Insights from Cultural Antropology, Atlanta, John Knox, 1981, p. 30-51; Gary Stansell, Honor and Shame
in the David Narratives, emVictor H. Matthews e Don C. Benjamin (eds.), Honor and Shame in the
World of the Bible, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 68, 1995, p. 55-80; Pierre Bourdieu,
Algeria 1960, Cambridge, Cambridge University Press, 1979, p. 99-117; Johanna Stiebert, The
Construction of Shame in the Hebrew Bible: The Prophetic Contribution, London/New York, Sheffield
Academic Press, 2002, p. 110-128; Johanna Stiebert, Shame and Prophecy: Approaches Past and Present,
em Biblical Interpretation, Leiden, Koninklijke Brill, vol. 8,3, 2000, p. 255-275.
255
“Senhor” que se encontra na fórmula do mensageiro poderia ser um plural modificado
de אָדוֹןcom um sufixo na primeira pessoa do singular “meu senhores”.
No entanto, seu uso assinala outro nome para Javé, “Senhor”, e consequentemente
a terminação seria um aformativo nominal em vez de um sufixo. De qualquer maneira, a
expressão pode significar “majestade”. Ela poderia ter emergido como uma alternativa
apropriada para a expressão similar ַבּעַלbaʻal. Nessa fórmula do mensageiro, o termo
está associada à autoridade da palavra de Javé. Portanto, seu significado básico poderia
denotar a autoridade de Javé. 739735F
a atenção, o anúncio de julgamento passa a ressaltar a א ִַפּ֤י וַ ֽ ֲחמָתִ יʼappî wahǎmātî “ira de
mim e fúria de mim”. Tudo indica que a paciência de Javé havia chegado ao fim. O
substantivo אַףʼap “ira” está intimamente conectado com o substantivo ֵחמָהḥēmāh
“fúria”, sendo que este transmite uma emoção mais forte do que aquele. 740 Enquanto 736F
ʼap descreve o forte sentimento de desprazer com uma pessoa ou situação, ḥēmāh indica
um sentimento de desprazer, hostilidade e antagonismo. A questão central parece clara:
assim que Javé fora provocado ao ḥēmāh, precisaria haver um tipo de satisfação
mediante a execução do julgamento sobre aquele que o provocou. 741 73F
A ira e a fúria de Javé seriam despejadas, ou melhor, como nos indica o vocábulo
נ ִֶ֙תּ ֶכ ֙תnitteket “será derramada”, em meio ao juízo. 742 Da mesma forma que “este povo”
738F
derramara libações para outros deuses, Javé derramaria sua ira e fúria sobre ַהמּ ָ֣קוֹם ַה ֶ֔זּה
hammāqôm hazzeh “este lugar”. O contexto imediato sugere que, nesse ponto, a
expressão faça alusão à terra da promessa (v. 7). Judá seria o alvo ameaçado com a
destruição. O julgamento orquestrado por Javé, o guerreiro divino, é transmitido através
da imagem do fogo devorador. Ele não seria mero capricho de Javé; antes, seria um
mecanismo de proteção contra os ataques dos poderosos. Como o fogo, a fúria divina
ָבע ָ ֲ֖רהbāʻǎrāh “acenderá” וְ�֥ א תִ כְבֶּ ֽהwᵉlôʼ tikbeh “e não apagará” contra os rebeldes
739
Veja detalhes sobre essa expressão em Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee
Lexicon to the Old Testament Scriptures, p. 12; Willem A. VanGemeren (ed.), New International
Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis, vol. 1, p. 275.
740
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 435-436.
741
James Swanson, A Dictionary of Biblical Languages Hebrew Old Testament (electronic ed.), DBLH
678, 2779; Charles Francis, Further notes on the Text of Deutero-Isaiah, em Vetus Testamentum, Leiden,
Brill Academic Publishers, vol. 25, n. 3, 1975, p. 683-687.
742
J. G. Baldwin, Haggai, Zechariah and Malachi: An Introduction and Commentary, Tyndale Old
Testament Commentaries, Downers Grove, InterVarsity Press, 1972, p. 119-120.
256
arrogantes que maliciosamente desafiaram e contrariaram sua vontade. 743 A intercessão
profética não livraria a elite de Judá que agira de tal maneira a perder o direito à
proteção de Javé.
Provavelmente o símbolo do fogo remeta a uma ameaça de invasão imenente de
Judá pela Babilônia. A elite citadina passa a ser confrontada com palavras que
asseguram que a tragédia certamente os antingirá como resultado direto e inevitável de
suas infindáveis perversões e distorções da natureza e das exigências da aliança de Javé.
A falha em responder adequadamente às exigências de Javé comunicadas pelas palavras
do profeta resultaria no derramamento do fogo da ira de Javé sobre a elite incorrigível
(Is 42,25; Jr 44,6; Lm 2,3). 744
Essa hecatombe abarcaria ֙ הָ ֽאָדָ םhāʼādām “o ser humano” como também ַה ְבּ ֵה ָ֔מה
habbᵉhēmāh “o animal”. É notável que os anúncios de destruição do ser humano e do
animal ocorreram primeiramente nas pragas do Egito (Ex 8,13; 9,9.19.22.25; 12,12; Sl
135,8). 745 Evidentemente, tanto na tradição exodal quanto em Jeremias e em outros
741F
conceito ʼādām corresponda à elite estatal, denominada aqui pelo termo “este povo”, e
não à população em geral. 747 Já as expressões habbᵉhēmāh “o animal”, ֵע֥ץ ַהשּׂ ֶ ָ֖דהʻēṣ
743F
743
Patrick D. Miller, Fire in the Mytology of Canaan and Israel, em Catholic Biblical Quarterly,
Washington, Catholic BiblicalAssociation of America, vol. 27, 1965, p. 256-261; John Goldingay,
Psalms. Baker Commentary on the Old Testament Wisdom and Psalms, Grand Rapids, Baker Academic,
vol. 1, 2006, p. 94.
744
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 1, p. 683-690.
745
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 31-42.
746
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 4, p. 1183-1198.
747
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 282; Delbert
R.Hilers; Paul D. Hanson; Loren R. Fisher, Micah: A Commentary on the Book of the Prophet Micah: A
Critical and Historical Commentary on the Bible, Philadelphia, Fortress Press, 1984, p. 68-70; A. M.
Grant, אָדָ םand ish: Man in the OT, em Australian Biblical Review, Melbourne, Fellowship for Biblical
Studies, vol. 25, 1977, p. 2-11; W. H. Shea, Adam in Anciente Mesopotamian Traditions, em Andrews
University Seminary Studies, Berrien Springs, Andres University Press, vol. 15, 1977, p. 27-41.
257
haśādeh “árvore do campo” e פּ ִ ְ֣רי הָ ֽאֲדָ ָ ֑מהpᵉrî hāʼǎdāmāh “fruto da terra” apontam para
a destruição do meio de subsistência desse grupo.
ordem de Javé: “holocaustos de vós acrescentai sobre sacrifícios de vós e comei (a)
carne!” (v. 21). De início, a presença de sufixos pronominais afixados diretamente no
final de dois substantivos, ע ֹלוֹתֵ יכֶ ֛םʻōlôtêkem “holocaustos de vós” e ֵיכם
֖ ֶ זִ ְבחzibḥêkem
“sacrifícios de vós”, assinalam àqueles a quem a ordem fora dirigida. Javé ordenara ao
grupo caracterizado pelo pronome “vós” que acrescente os holocaustos aos sacrifícios a
fim de que eles mesmos os comam. Mas, quem seria esse grupo?
Embora não exista uma declaração explícita de quem seriam esses indivíduos,
algumas evidências textuais nos auxiliam nessa importante tarefa de identificação.
Vejamos incialmente que a frase encontra-se no imperativo e está sendo empregada com
o sentido de um desafio irônico (cf. Ez 20,39; Am 4,4; Lm 4,21). 749 Lundbom classifica
745F
Nessa sentença irônica, o mensageiro de Javé ordena à audiência que acrescente seus
holocaustos a seus sacrifícios. O termo עֹלָהʻōlāh “holocausto” denota uma oferta que
deveria ser totalmente queimada no altar, da qual nem adorador nem sacerdote recebiam
porção 751, enquanto que זֶבַחzebaḥ “sacrifício” seria uma oferta queimada parcialmente,
74F
cujas partes restantes deveriam ser consumidas numa refeição comunitária. 752 748F
748
Veja maiores detalhes sobre essa expressão nas páginas 219-220 de nossa pesquisa.
749
E. Kautzsch; Arthur Ernest Cowley (eds.), Gesenius' Hebrew Grammar, p. 324.
750
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 481.
751
Martin Sicker, The First Book of Samuel: A Study in Prophetic History, Blomington, Universe Books,
2011, p. 39; Richard N. Boyce, Leviticus and Numbers, Louisville, Westminster Bible Companion, 2008,
p. 15.
752
Georg Fohrer, História da religião de Israel, p. 267-269; David L. Stubbs, Numbers: Brazos
Theological Commentary on the Bible, Grand Rapids, Brazos Press, 2009, p. 138.
258
O termo interposto entre as duas expressão סְפ֥ וּ עַלsᵉpû ʻal, por sua vez,
apresenta certa ambiguidade, podendo transmitir tanto a ideia da raiz verbal יָסַףyāsap
“acrescentar” quanto da raiz ָספָהsāpāh “arrebatar, arrastar”. 753 Tal incerteza se
749F
manifesta pelo fato de que, com a queima total do holocausto no altar, não restaria sobra
de porção de carne sobretudo para seus oficiantes. Estariam os holocaustos sendo
arrebatados do altar a fim de incrementar a arrecadação de carne, ou estariam sendo
empilhados sobre os sacrifícios no altar com o intuito de agradar à divindade, não
obstante tais oferendas não significassem nada para Javé?
Ambos os sentidos parecem estar embrenhados nessa expressão. Nas palavras do
profeta, as ofertas avolumadas ou acrescentadas no altar não serviriam de nada para
Javé, uma vez que a conduta do grupo destinatário do oráculo contrariava as
especificações do pacto. Além do mais, a expressão também pode ter sido
cuidadosamente empregada para sugerir uma conotação subversiva. Caso seja assim, o
termo sᵉpû “arrebatai” tinha a intenção de ressaltar os abusos cometidos no culto do
templo concernentes à arrecadação dos sacrifícios.
Com isso, Jeremias procurava deixar evidente a intenção maligna dos líderes
religiosos e da elite estatal daquela época, que consideravam os sacrifícios
simplesmente como meio para sua própria subsistência. Na verdade, eles não estavam
interessados no serviço da adoração a Javé; faziam uso das ofertas como pretexto para
arrebatarem a maior quantidade possível de carne a fim de satisfazerem o apetite cada
vez mais voraz da elite citadina. No final das contas, os sacrifícios estavam sendo
desviados do altar a fim de favorecer uma minoria dominante.
Diante disso, a sentença irônica prossegue: ְו ִאכְל֥ וּ ב ָָשֽׂרwᵉʼiklû bāśār “e comei a
carne”. O profeta faz uso dessa expressão para demonstrar o total descontentamento e
desprezo de Javé a essas oferendas cultuais oferecidas pelos sacerdotes no templo de
Jerusalém. Jeremias transmite a ideia de que sua audiência poderia fazer o que quisesse
com essas oferendas, porquanto não tinha nenhuma valia para ele. 754 750 F
À primeira vista, o dito de Jeremias parece dirigir-se contra todos, ou seja, toda a
população de Judá. No entanto, uma análise mais pormenorizada aponta outra realidade.
O duro dito não foi dirigido a todo o povo, e sim a um grupo social específico. Este era
753
John Peter Lange; Philip Schaff, Carl Wihelm Eduard Näegelsbach, A Commentary on the Holy
Scriptures: Jeremiah, p. 95; Eugene H. Merrill, Kingdom of Priests: A History of Old Testament Israel,
Grand Rapids, Baker Academic, 2008, p. 192.
754
John H. Walton, Zondervan Illustrated Bible Backgrounds Commentary (Old Testament) Isaiah,
Jeremiah, Lamentations, Ezekiel, Daniel, vol. 4, p. 256.
259
extremamente favorecido pela entrega dos sacrifícios no templo de Jerusalém. Aqui,
provavelmente a elite citadina estava na mirra do profeta de Javé, sobretudo os
sacerdotes. Suas antigas atribuições seriam a do ensino, exortação e interpretação da lei
da aliança, restando pouca ou nenhuma ênfase ao sacrifício. Todavia, com o surgimento
da monarquia em Israel e a posterior centralização religiosa do Estado, o papel se
invertera.
O templo passou a ser uma correia de transmissão dos interesses tributários. Os
sacerdotes oficiais faziam parte do quadro de funcionários da corte, estando, pois,
pessoal e estruturalmente ligados a ela. A contribuição específica do grupo do templo
era a produção religiosa, em especial da “teologia da aceitação das ofertas e dos
sacrifícios”. Eles incentivavam e até coagiam para a entrega das ofertas no templo,
afirmando seu cumprimento como condição para agradar a Javé.
A ênfase, portanto, passou a estar nas ofertas de sacrifício, bem como em suas
regras e regulamentações, em detrimento da observância da lei da aliança. 755 Templo,
sacerdotes e culto sacrificial estavam corrompidos, deixaram de serem baluartes da
justiça e da verdade para servirem simplesmente como instrumentos legitimadores e
promotores da expropriação. 756 Por isso, Javé mostra todo o seu descontentamento e
repulsa por meio dessa ironia referente ao abuso envolvendo tais práticas cultuais no
templo de Jerusalém.
A razão da ironia se torna manifesta nos versos seguintes. No v. 22, por
exemplo, deparamo-nos com a seguinte frase: “Porque não falei a pais de vós, e não
ordenei a eles no dia em que fiz sair a eles da terra do Egito, sobre palavras de
holocausto e sacrifício”. A conjunção ֠ ִכּיkî “porque” encabeça o motivo da repulsa aos
holocaustos e sacrifícios. As duas primeiras frases dispostas paralelamente exibem a
mesma idéia repetida com palavras diferentes. 757 As sentenças que as introduzem, �ֽא־
753F
דִ ַ ֤בּ ְרתִּ יlōʼ dibbartî “não falei” וְ�֣ א ִצוִּיתִ֔ יםwᵉlōʼ ṣiwwîtîm “e não ordenei a eles”,
transmitem o mesmo sentido. 758 754F
755
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 394-395.
756
Antony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, p. 118.
757
Característica do assim chamado paralelismo sinonímico.
758
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa, Curitiba, Ed. Positivo,
2009, p. 1029. A expressão grega hendiadyoin significa “uma coisa por meio de duas”. Para uma
interpretação alternativa da expressão lōʼ veja G E. Whitney, Short Studies Alternative Interpretations of
lōʼ in Exodus 6:3 and Jeremiah 7:22, em Westminster Theological Journal, Philadelphia, Westminster
Theological Seminary, vol. 48, n. 1, 1986, p. 151-159.
260
O sujeito das sentenças seria Javé: “Eu não falei...e não ordenei”. A raiz verbal
דָּ בַרdābar “falar” 759 tem um significado diferente do verbo sinônimo אָמַרʼāmar “dizer,
75F
falar”. Neste verbo a ênfase é dada ao conteúdo do que é falado, enquanto naquele, pelo
contrário, o destaque está na ação de falar, o pronunciar palavras e frases. 760 Aqui o 756F
termo dābar se apresenta com significado similar do verbo ָצוָהṣāwāh “ordenar”, que
por sua vez designa uma forma específica de falar, na qual um superior declara algo
com autoridade para um subordinado com o propósito de induzir uma resposta. 761 75F
Javé não havia ordenado “holocausto e sacrifício” aos ֙ ֲאבֽוֹתֵ יכֶםʼǎbôtêkem “pais
de vós” ou אוֹתם
֖ ָ ʼôtām “a eles” 762 “no dia em que fiz sair a eles da terra do Egito”. O
758F
uso da raiz verbal יָצָאyāṣāʼ “sair” relaciona o termo “pais de vós” com o Êxodo de
Israel do Egito, o ato de libertação divina que se tornou elemento central da confissão
israelita (Dt 26,8). Embora ʼǎbôtêkem “pais de vós” remonte à totalidade dos
antepassados da geração do exôdo (Js 24,6.17), é possível que nesse contexto
especificamente a expressão tenha um significado mais estreito destacando os
antepassados fundadores do grupo social específico ironizado no versículo anterior (Lv
26,45). 763. As palavras de Javé proferidas pelo profeta tinham a intenção de destacar o
759F
fato de que no Êxodo Javé não havia prescrito aos antepassados daquele grupo social
específico a entrega de sacrifício e holocausto. 764 760F
261
culto em si mesmo, mas contra o culto praticado por seus contemporâneos. Javé exige
que se pratique “o direito e a justiça”. É esse ideal que tinha sido realizado no deserto e
que não estava sendo praticado no período do profeta. Para tornar seu argumento mais
convincente, Jeremias o exprimiu de maneira absoluta, ou seja, no deserto, Israel não
ofereceu sacrifício, Javé não havia ordenado sacrifícios como aqueles que estavam
sendo praticados pelos contemporâneos de Jeremias. 765
De fato, o alvo do profeta era o culto praticado em seus dias em Jerusalém; no
entanto, afirmar que Jeremias utilizou as expressões não no sentido lato, mas sim no
sentido absoluto para não atingir o culto em si, mas apenas o culto dos contemporâneos
parece forçar um pouco o texto. Talvez mais viável fosse sustentar a ideia de que
Jeremias seguiu a perspectiva do Deuteronômio, a qual destaca que somente o decálogo
foi entregue por Javé no Sinai, embora outras prescrições que incluíam os sacrifícios
tenham sido entregues a Moisés mais tarde, um pouco antes de sua morte. 766
Tal hipótese se coaduna melhor com o fato de que na perspectiva camponesa do
profeta a lei tinha primazia sobre o sacrifício. Parece-me que Jeremias não está
repudiando o valor do sacrifício como tal, mas está denunciando um grupo que fez dos
rituais um fim em si mesmo, abusando das formas cúlticas em detrimento da obediência
da aliança com Javé. Esse versículo não nega a existência de sacrifícios durante aquele
período, antes, procura colocar os rituais cúlticos em seu devido lugar. 767
O tom negativo do v. 22 é contrastado pela afirmação do v. 23: “Mas isto
ordenei a eles, para dizer: Dai ouvidos à voz de mim, e serei para vós em Deus, e sereis
para mim em povo e andai em todo o caminho que ordeno a vós, a fim de que vá bem
para vós”. Aqui se encontra a exigência prioritária de Javé para o grupo: “Dai ouvidos a
voz de mim”. A raiz verbal presente nesta frase שׁמַע
ָ šāmaʻ “ouvir” não representa
meramente o ato de ouvir no sentido físico, mas sim um comprometimento com aquilo
que está sendo ouvido, isto é, colocar em prática o que foi dito, obedecer prontamente.
Javé exigia um profundo comprometimento pessoal com sua voz; o resto seria
secundário. 768
764F
765
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 465-466.
766
Veja em William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the
Prophet Jeremiah, Chapters 1–25, p. 261.
767
J. G. Baldwin, Hagai, Zechariah and Malachi: An Introduction and Commentary, Tyndale Old
Testament Commentaries, p. 91.
768
J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, p.
288.
262
A obediência à קוֹלqôl “voz” de Javé foi a exigência fundamental no Sinai (Ex
19,5; 1Sm 15,22), e foi entendida primariamente como obediência às estipulações da
aliança (Dt 27,26). Portanto, a sentença “ouvir a voz de Javé” está relacionada com o
cumprimento de seus mandamentos e estatutos. Por intermédio de Moisés, Javé em
poucas palavras enunciou o princípio de que os mandamentos (voz) de seu servo Moisés
seriam seus próprios mandamentos (voz) e que, se o povo obedecesse (dessem ouvidos)
a sua aliança e a guardasse (Ex 19,5), seria abençoado. 769 765F
casamento; alude à imagem do casamento entre Javé e Israel (Os 2,20-25; Ex 6,7; Dt
29,11-12). 771 Na verdade, o que a divindade exigia era fidelidade. Conseqüentemente,
76F
Javé seria o seu Deus e Israel seria seu povo. Israel seria um povo pela realidade da
presença de Javé com ele.
A expressão עַםʻām “povo” remete a duas realidades. Primeiramente, pode-se
admitir a distinção aproximativa, amplamente proposta, entre ʻām como um termo
principalmente cultural e social que denota uma comunidade de pessoas ligadas entre si
por vínculos de origem, existência, língua, cultura e história comum, transmitindo uma
conotação de parentesco, e גּוֹיgōy “nação” como um termo eminentemente político, que
diz respeito especialmente a Estados, embora não sejam empregados os termos com
rigor absoluto e existam subsignificações particularizadas para determinados usos. 772 768F
769
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 1135. Veja W. E. Vine;
Merrill F. Unger; William White, Vine's Complete Expository Dictionary of Old and New Testament
Words, vol. 1, p. 278. Também R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário
internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1330-1331.
770
Rolf Rendtorff, The Covenant Formula: An Exegetical and Theological Investigation, p. 31-32.
771
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 482.
772
Norman K. Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050
a.C., p. 251; Aereld Cody, When is the Chosen People Called a gōy, em Vetus Testamentum, Leiden, Brill
Academic Publishers, vol. 14, n. 1, 1964, p. 1-6; E. A. Speiser, “People” and “Nation” of Israel, em
Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 79, n. 2, 1960, p. 157-163;
Bernhard W. Anderson, Contours of Old Testament Theology, Minneapolis, Fortress Press, 1999, p. 149;
Andrew E. Hill; Gary A. Herion, Functional Yahwism and Social Control in the Early Israelite Monarchy,
em Journal of the Evangelical Theological Society, Lynchburg, Evangelical Theological Society, vol. 29,
n. 3S, 1986, p. 282-283.
263
relacionamento não é algo natural e evidente, no sentido de que a divindade tivesse que
proteger e defender automaticamente seu povo em virtude dessa estreita relação. 773 Na
frase seguinte, o mensageiro de Javé procura descrever a questão da condicionalidade
da aliança ao fazer uso da seguinte frase: “e andai em todo o caminho que ordeno a vós,
a fim de que vá bem para vós”.
Enquanto a raiz verbal �ַ ָהלhālak “andar” descreve figurativamente o ato ou
processo de viver em obediência aos princípios divinos da aliança que regiam a vida em
Israel, o termo � דֶּ ֶרderek “caminho” faz a conexão entre a aliança e uma peregrinação
junto a um caminho que conduz à vida ou à morte (Jr 21,8). O resultado dependeria de
como os indivíduos se identificariam com Javé, e o sucesso ou fracasso na jornada
estariam condicionados ao grau de obediência do peregrino às estipulações da aliança.
O derek “caminho” denotaria, portanto, o curso de vida vivido em conformidade
com a obrigação da aliança. Ambos os termos apontam para o sentido metafórico de
“conduta, comportamento”. 774 Para Javé, a conduta obediente assinalada pelas
70F
773
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 906-907.
774
Idem, p. 343-346; 365-370.
775
James Swanson, A Dictionary of Biblical Languages Hebrew Old Testament (electronic ed.), DBLH
542.
776
Francis Brown; Samuel Rolles Driver; Charles Augustus Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs
Hebrew and English Lexicon, p. 640.2. Veja também R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K.
264
Pelo contrário, a frase seguinte indica que “eles andaram nos planos”. O
vocáculo בּ ְ֣מ ֹע ֵ֔צוֹתbᵉmōʻēṣôt “nos planos” é omitido na LXX provavelmente devido à
haplografia 777, embora apareça no MT. Inclinamo-nos a adotar na nossa pesquisa a lição
73 F
fornecida pelo TM por entendermos que as frases “nos planos” e “dureza do coração”
são termos complementares no paralelismo (cf. Sl 81,13 [12]). Assim sendo, a sentença
indica que eles rejeitaram a voz de Javé e seguiram seus próprios planos, os quais se
baseavam “na dureza do coração deles malvado”. Seus planos tinham como pilar a
obstinação שׁ ְִררוּתšᵉrirût “dureza” ou teimosia. Em sua obstinação se recusavam a
obedecer aos preceitos de Javé, pois sua essência era má, seu לֵבleb “coração”, o centro
do pensamento e do sentimento humano, estava infectado com a maldade. 778 74F
Dessa forma, eles “foram para costa e não para faces”. Essa frase exprime o
desprezo e afastamento dos ancestrais do êxodo em relação à Javé e consequentemente
às estipulações da aliança de modo que, nesse afastamento, Javé os via pelas אָחוֹרʼāḥôr
Waltke, Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 957. Ernst Jenni; Claus
Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 1337.
777
Cf. Matthew S. Demoss, Pocket Dictionary for the Study of New Testament Greek, p. 65. Haplografia
é a omissão não intencional de material na cópia de um manuscrito. Algumas como resultado do saltar
dos olhos de uma letra ou agrupamento de letras para outra similar.
778
Cf. Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 638-642; H. W.
Wolff, Anthropology of the Old Testament, Philadelphia, Fortress Press, 1974, p. 40-55; Christine
Mitchell, Heart and Mind in the Hebrew Scriptures, em Touchstone, Winnipeg, University of Winnipeg,
vol. 23, n. 1, 2005, p. 5-13; Marjorie O’Rourke Boyle, Broken Hearts: The Violation of Biblical Law, em
Journal of the American Academy of Religion, New York/Oxford/Chico, Oxford University Press, vol.
73, n. 3, 2005, p. 731-757.
779
Yair Hoffman, Jeremiah 50–51 and the Concept of Evil in the Hebrew Bible, em Henning Graf
Reventlow; Yair Hoffman (eds.), The Problem of Evil and its Symbols in Jewish and Christian Tradition,
London/New York, T&T Clark International, 2004, p. 14-28.
780
Geoffrey W. Bromiley, The International Standard Bible Encyclopedia, vol. 4, p. 1059; G. Johannes
Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry (eds.), Theological Dictionary of The Old Testament,
Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 13, 2004, p. 560-588.
265
“costas”; tal termo sinaliza a apostasia do grupo, sendo empregado nesse ponto com o
sentido de indicar um estado de pouca ou nenhuma associação comparado com uma
associação anterior, denotando figurativamente o posicionar-se de costas e não de frente
(Jr 15,6). 781
Na verdade, eles viraram suas costas e não suas ָפ ִנ ֽיםpānîm “faces” para Javé. O
vocábulo pānîm no hebraico sempre aparece no plural, talvez numa indicação de que o
rosto é formado por uma combinação de diversos aspectos. A face é considerada como
algo extraordinariamente revelador no que diz respeito às emoções, temperamento e
inclinações do ser humano. 782 Essa sentença, portanto, faz alusão à busca desenfreada
78F
dos antepassados por outras divindades que sancionavam seu sistema opressivo e que
favoreciam seu estilo de vida maléfica em detrimento de Javé, que lutava pela liberdade
e igualdade entre todos os israelitas (cf. Jr 2,27).
ַהנְּ ִבי ִ֔איםʼet kol ʻǎbāday hannᵉbîʼîm “todos os meus servos, os profetas”.
781
James Swanson, A Dictionary of Biblical Languages Hebrew Old Testament (electronic ed.), DBLH
294.
782
R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário internacional de teologia do
Antigo Testamento, p. 1782-1783.
783
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 1142-1149; John
Ellington, Send!, em Bible Translator, New York, United Bible Societies, vol. 45:2, 1994, p. 228-232.
266
Esses “servos” pertenciam inteiramente a Javé e se comprometiam a obedecê-lo,
porém, desfrutavam de grande liberdade no cumprimento de seu ofício. 784 Eles são 780F
intitulados ַהנְּבִי ִ֔איםhannᵉbîʼîm “os profetas”. O significado original desse termo é alvo
de disputa entre os pesquisadores, todavia, é possível afirmar com base no uso escritural
que os profetas eram porta-vozes de Javé, seus mensageiros, vocacionados para a tarefa
de transmitir a mensagem que lhes fora comunicada (Ex 7,1; 4,15-16). 785 781F
784
Walther Zimmerli; Frank Moore Cross; Klaus Baltzer, Ezekiel: A Commentary on the Book of the
Prophet Ezekiel, Philadelphia, Fortress Press, vol. 2, 1983, p. 312; Ziony Zevit, Use of ʻbd as a
diplomatic term in Jeremiah, em Journal of biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature,
vol. 88, n. 1, 1969, p. 74-77.
785
Veja informações sobre esse tema na obra de Robert R.Wilson, Profecia e sociedade no antigo Israel,
São Paulo, Paulinas, 1993, 384 p.; Gary V. Smith, The Prophets as Preachers: An Introduction to the
Hebrews Prophets, p. 5-47.
786
Ditografia é a duplicação não intencional de um material na cópia de um manuscrito. Cf. Matthew S.
Demoss, Pocket Dictionary for the Study of New Testament Greek, p. 49.
787
Veja um breve comentário sobre essa expressão na página 245 de nosso estudo. Consulte ainda Holge
Gzella (ed.), Languages from the World of the Bible, p. 103.
788
Cf. Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 1176.
267
17,23; 19,15; Ne 9,16.29). 789 Finalmente, a derradeira frase culmina com uma dura
785F
constatação: ֲבוֹתֽם
ָ ה ֵ ֵ֖רעוּ ֵמאhērēʻû mēʼǎbôtām “fizeram pior do que os pais deles”, cujo
destaque incide sobre a potencialização da maldade a cada nova geração quando
comparada com os antepassados. Sua maldade com o passar do tempo se torna cada vez
mais sofisticada e obstinada.
falar alto” 792 teriam conotação judicial. Assim a convocação de Javé aos rebeldes da
78F
época de Jeremias seria contrastada pela dura reação de recusa desse grupo tanto na
segunda sentença, �שׁמ ְ֖עוּ א ֵֶל֑י
ְ ִ וְ�֥ א יwᵉlōʼ yišhmᵉʻû ʼēleykā “e não ouvirão a ti”, quanto
na quarta frase, וְ�֥ א י ַ ֲענ ֽוּכָהwᵉlōʼ yaʻǎnûkāh “e não responderão a ti”. O versículo como
um todo procura advertir o profeta de que suas palavras seriam rejeitadas, tal como
acontecera com os profetas que profetizaram antes dele.
Entretanto, Jeremias deveria proclamar a mensagem a eles, advertindo-os sobre
suas maldades: “E dirás a eles: Esta (foi) a nação que não ouviram a voz de Javé, Deus
789
Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy. The New International Commentary on the Old
Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., p. 277-280; Willem A. VanGemeren
(ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis, vol. 3, p. 772-774.
790
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 484.
791
Peter Cotterell, Linguistics, Meaning, Semantics, and Discourse Analysis, em Willem A.
VanGemerem (ed.), A Guide to Old Testament Theology and Exegesis: The Introductory Articles from the
New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, Grand Rapids, Zondervan
Publishing House, p. 146.
792
Karel van der Toorn, Scribal Culture and the Making of the Hebrew Bible, Cambridge/London,
Havard University Press, 2009, p. 12; P. D. Miller, Sin and Judgment in Jeremiah 34:17-19, em Journal
of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical Literature, vol. 103, 1984, p. 611-623.
268
dele, e não aceitaram disciplina, pereceu a fidelidade e foi cortada da boca deles” (v.
28). Nesse ponto Javé novamente se dirige ao profeta declarando o que ele (Jeremias)
deveria dizer para sua audiência. Para isso, Javé faz uso de uma expressão que indica
uma ação futura וְאָמ ְַר ָ ֣תּwᵉʼāmartā “e dirás”. O conteúdo do que seria dito à audiência
no futuro possui caráter avaliativo. 793 Quatro frases caracterizam os destinatários desse
789F
dito. Na primeira nos deparamos com a seguinte declaração: “Esta (foi) a nação que não
ouviram a voz de Javé, Deus dele”; nela o profeta se refere à audiência fazendo uso da
expressão ֶז֤ה הַגּוֹ ֙יzeh hagōy “esta (foi) a nação”.
A palavra gōy “nação” faz contraste com עַםʻām “povo” no v. 23. 794 Enquanto 790F
esta tem sua base na solidariedade familiar, aquela não sugere a mesma ligação. Antes,
tem a ver simplesmente com questões administrativas, indicando uma estreita ligação
com o sistema político estatal (1Sm 8,20). Assim, ao mencionar o termo gōy, o profeta
não se referia a todo o povo de Judá, mas basicamente aos integrantes da elite estatal, os
quais ְהו֣ה
ָ שׁמ ְ֗עוּ בְּקוֹל֙ י
ָ לֽוֹא־lôʼ šāmʻû bᵉqôl yᵉhwāh “não ouviram a voz de Javé”, o deus
dessa nação. É salutar presumir que o sistema estatal seria o alvo da avaliação negativa
do profeta, visto que se apropriava dos bens da maioria da população mediante a
legitimação religiosa. 795 Javé estaria ao lado do povo empobrecido e não ao lado da
791 F
“nação” ou grupo estatal que se apropriava dos rituais do templo para seus próprios
interesses em detrimento da grande maioria da população.
A segunda frase transmite a seguinte ideia: “e não aceitaram disciplina”. Há uma
clara evidência de que Jeremias faz uso da tradição da sabedoria ao empregar
frequentente o termo ָלק ְ֖חוּ מוּסָרlāqḥû mûsāh “aceitaram disciplina” ao longo de seu
escrito (cf. Jr 2,30; 17,23; 32,33; 35,13). A palavra mûsāh “disciplina” tem a ver com a
questão do ensinamento que envolve exortação e advertência. 796 No contexto desse
792 F
793
Michael A. Haftarot Fishbane, The JPS Bible Commentary, Philadelphia, The Jewish Publication
Society, 2002, p. 158.
794
Veja informações sobre ambas as expressões na página 263 de nosso estudo.
795
Luiz Alexandre Solano Rossi, A importância da cidade para a realeza, em Estudos Bíblicos, Petrópolis,
Vozes, n. 36, 1992, p. 11.
796
Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures, p.
457; Alfonso Lockward, Nuevo diccionario de la Biblia, p. 300.
269
“fidelidade” não se refere a um termo abstrato, e sim tem a ver com uma vida que dá
expressão prática às exigências da aliança de Javé (Jr 5,1). 797 De fato, tal elemento era
imprescindível na relação entre os indivíduos e Javé, como também entre os cidadãos e
seus compatriotas.
Porém, tal fidelidade não poderia ser encontrada, fora extinta, fato atestado pela
menção do termo ֙ אָ ֽבְדָ הʼābdāh “pereceu”. O significado da frase final “e foi cortada da
boca deles” não é claro. Para Lunbbom os verbos “perecer” e “cortar” seriam metáforas,
as quais remeteriam a sentidos diferentes do habitual. Todavia, sua sugestão é
inconclusiva, uma vez que não indica quais seriam exatamente esses outros sentidos.
Talvez o mensageiro de Javé quisesse simplesmente afirmar que a fidelidade fora
erradicada, ou seja, נִכ ְְר ָ ֖תהnikrᵉtāh “foi cortada” do meio deles. Nem sequer era
797
Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy. The New International Commentary on the Old
Testament, p. 321; Susan Handelman, Emunah: The Craft of Faith, em Cross Currents, Hoboken/New
York, Association for Religion & Intellectual Life, vol. 42, n. 3, 1992, p. 293-313; Debbie Hunn,
Habakkuk 2.4b in Its Context: How Far Off Was Paul?, em Journal for the Study of the Old Testament,
London/Sheffield, Sage Publications/University of Sheffield, vol. 34, n. 2 D, 2009, p. 219-239; José Luís
Sicre Diaz, A justiça social nos profetas, São Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 476.
270
estabelece uma retomada da mensagem por parte de Javé, colocando Jeremias
novamente na função de portador das palavras de Javé.
A frase que encabeça a sentença שׁ ִ֔ליכִי
ְ ָגּ ִזּ֤י נִז ְֵר ֙� וְ ֽ ַהgozzî nizrēk wᵉhašlîkî “Corta
coroa de ti e lança” primeiramente lança informação concernente aos destinatários da
mensagem. Nela prevalecem termos no feminino que sinalizam a presença de uma
mulher, identificada como personificação da cidade de Jerusalém (Jr 10,17).798 794F
Miqueias também faz uso de termos similares no feminino para se referir à cidade
personificada de Maressa (cf. Mq 1,16). 799 Em segundo lugar, a frase denota uma ordem
795F
Enquanto o primeiro termo da frase ָגּז ַזgāzaz nos remete literalmente à ação de
“tosquiar, cortar”, o segundo lexema נֵז ֶרnēzer refere-se tanto ao “cabelo” quanto à
“coroa, insígnia real usada pelo rei e sacerdotes” (Ex 29,6; Lv 8,9; 2Sm 1,10; 11,12;
2Rs 11,12; Sl 89,40,), sendo empregada também no contexto do nazireado (Nm 6,7).801 79F
Na frase inicial, o profeta faz uso da sentença “Corta o cabelo de ti” para designar um
gesto de lamentação (Jr 41.5; 47,5; 48,37; Jó 1,20; Mq 1,16), porém, tudo indica que o
sentido da sentença envolvia algo mais. É provável que tenha relação também com o
nazireado, visto que para o nazireu o não cortar do cabelo era um símbolo da
consagração ao serviço de Javé. Caso se tornasse cerimonialmente impuro, seu cabelo
deveria ser cortado (Nm 6,9).
Tal gesto simbolizava a perda de consagração, como também de seu poder (Jz
16,15-22). 802 É quase certo que, com essas palavras, Jeremias estava contestando
798F
798
Elizabeth Boase, The Fulfilment of Doom? The Dialogic Interaction Between the Book of
Lamentations and Pre-Exilic/Early Exilic Prophetic Literature, New York/ London, T&T Clark, 2006, p.
51-104.
799
Hans Walter Wolff, A Continental Commentary: Micah, p. 64.
800
Philip J. King; Lawrence E. Stager, Life in Biblical Israel, Louisville, Westminster John Knox, 2001,
p. 372-373.
801
William H. C. Propp, Exodus 19–40: A New Translation With Introduction and Commentary, New
Haven/ London, Yale University Press, vol. 2, 2008, p. 456; Roland de Vaux, Instituições de Israel no
Antigo Israel, p. 130, 438; Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament
Theology & Exegesis, vol. 3, p. 74-76.
802
J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. The New International Commentary on the Old Testament, p.
293.
271
setores sociais ligados ao poder estabelecidos na cidade de Jerusalém. Para ele, a elite
estatal mediante suas ações maléficas havia contaminado a cidade de Jerusalém e, por
isso, ela deveria cortar o cabelo como sinal da própria perda de consagração e de poder.
Além disso, se levarmos em consideração que a expressão nēzer faz referência
também à coroa ou insígnia real usada pelo rei e sacerdote, a frase faria alusão a
remoção dos líderes responsáveis respectivamente pela consagração e pelo poder de
Jerusalém, ou seja, sacerdotes e reis, pois ambos haviam falhado em suas tarefas. No
término da frase surge a raiz verbal �ַשׁל
ָ šālak “lançar”, usada numa ampla variedade de
situações, que vai desde o ato físico de atirar um objeto até o emprego metafórico de
abandonar ou rejeitar uma pessoa ou coisa. Nesse contexto a expressão tem o sentido de
“jogar fora”, “lançar fora”, “atirar longe”. 803 Na verdade, o texto está dizendo para atirar
79F
longe o cabelo cortado ou coroa, pois os mesmos não teriam mais nenhum valor, uma
vez que a elite citadina havia deliberadamente abandonado e rejeitado a aliança de Javé.
Na frase que vem em seguida, “e levanta sobre os altos desnudos lamentação”, a
raiz verbal נָשָׂאnāśāʼ “levantar” + o termo ִינ֑ה
ָ קqînāh “lamentação” consiste numa
expressão idiomática que transmite o sentido de um lamento em alta voz. 804 O lamento80F
frase, a saber, καὶ ἀνάλαβε ἐπὶ χειλέων θρῆνον “e levante um lamento em seus lábios”
de modo que o termo שְׁ ָפ ִי֖םšᵉpāyim “altos desnudos” assume o sentido de שׂפָה
ָ śāpāh
“lábio”, é óbvio que os tradutores da LXX equivocaram-se e leram erroneamente letras
com aparência semelhantes quando derivaram essa expressão do termo שׂפָה
ָ śāpāh
803
R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário internacional de teologia do
Antigo Testamento, p. 1569-1571.
804
Cf. Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 769-774.
805
R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário internacional de teologia do
Antigo Testamento, p. 1341; David L. Petersen, The Prophetic Literature: An Introduction, Louisville,
Westminster John Knox Press, 2002, p. 153.
806
P. Kyle McCarter, I Samuel: A New Translation with Introduction, Notes and Commentary, New
Haven/London, Yale University Press, 2008, p. 329.
272
“lábio” em vez do lexema שׁפָה
ָ šāpāh “desnudo”. 807 A associação do termo “altos
803F
807
Anthony Gelston, Some Notes on Second Isaiah, em Vetus Testamentum, Leiden, Brill Academic
Publishers, vol. 21, n. 5D, 1971, p. 517-527.
808
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 651-660.
809
Veja informações sobre a expressão geração em Graham S. Ogden, The Interpretation of dwr in
Ecclesiastes 1.4, em Journal for the Study of the Old Testament, London, Sage Publication, n. 34F, 1986,
p. 91-92; R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário internacional de teologia
do Antigo Testamento, p. 306-307.
273
bānîm “filhos”. A referência, pela raiz, de “filhos” ao descendente biológico, torna-se
uma metáfora extensiva para descrever grupos de pessoas, de acordo com determinadas
funções ou características comuns. 810
O grupo judaíta é descrito como fazendo ַרעrǎʻ “maldade” diante dos olhos de
Javé. 811 A atribuição de ָעי ַןʻāyan “olhos” à Javé evidencia sua onisciência representada
807F
pelo uso antropomórfico dessa expressão. Logo, a frase “fizeram os filhos de Judá a
maldade em olhos de mim” assinala o julgamento desfavorável e a desaprovação divina
em relação às ações maldosas da elite residente na cidade. 812 A primeira parte do
80F
Elas foram transportadas para a “casa que se clamou meu nome nele”, a saber, o
templo de Javé em Jerusalém. A consequência do ato fica evidente na próxima sentença,
ְל ַט ְמּאֽוֹlᵉṭammᵉʼô “para contaminar”. 814 O lexema ָטמֵאṭāmēʼ indica que a presença dos
810F
810
Ernst Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon of the Old Testament, p. 238-244; Norman K.
Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050 a.C., p. 249-251.
811
Confira explicação na página 265 de nossa pesquisa sobre o termo ַרעrǎʻ “maldade”.
812
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 385-389.
813
K. van der Toom; Bob Becking; Pieter Willem van der Horst, Dictionary of Deities and Demons in the
Bible DDD; p. 2-3; Samuel E. Balentine, Leviticus, Louisville, John Knox Press, 2002, p. 95; Christian
Frevel; Christophe Nihan (eds.), Purity and the Forming of Religious Traditions in the Ancient
Mediterranean World and Ancient Judaism, Leiden, Koninklijke Brill, 2013, p. 337; Margaret S. Odell,
What Was the Image of Jealousy in Ezekiel 8, em Lester L. Grabbe; Alice Ogden Bellis (eds.), The
Priests in the Prophets: The Portrayal of Priests, Prophets and Other Religious Specialists in the Latter
Prophets, London/New York, T&T Clark International, 2004, p. 138-142.
814
Jacob Milgrom, Two Biblical Hebrew Priestly Terms: šeqeṣ and ṭāmēʼ, em Maarav, California,
Western Academic Press, vol. 8, 1992, p. 107-116.
274
ênfase teológica dessa sentença não deve ofuscar suas implicações políticas e
socioeconômicas.
Haja vista que todo o esforço feito pelo rei Josias e sua corte, durante a ausência
de hegemônia das potências internacionais na Palestina, para promover a fé javista e
consequentemente erradicar a influência de outras divindades dentro do culto oficial no
templo fora revertido pelo rei Jeoaquim e sua corte, que se dobraram a interesses
pessoais e internacionais por meio de alianças com as novas potências da época,
readmitindo tanto antigas como novas divindades e práticas idolátricas, assim como um
estilo de vida opressivo contrário aos padrões estabelecidos pela aliança de Javé.
As atrocidades da elite citadina não paravam por aí. No v. 31 lemos: “e
edificaram uns lugares altos do Tofet, que (está) no vale do filho de Hinnom, para
queimar filhos deles e filhas deles no fogo, — o que não ordenei e não subiu no coração
de mim”. Logo no início da primeira etapa do versículo, o verbo ב ָ֞נוּbānû “edificaram”
caracteriza o grupo como construtor. 815 As estruturas construídas recebem a designação
81F
815
Edward Lipinski, Hiram of Tyre and Solomon, em Andre Lemaire; Baruch Halpern (eds.), The Book of
Kings: Sources, Composition, Historiography and Reception, Leiden, Koninklijke Brill, 2010, p. 259.
816
Para informações mais detalhadas sobre o assunto, veja os estudos de J. T. Whitney, ‘Bamoth’ in the
Old Testament, em Tyndale Bulletin, Cambridge, Tyndale House, vol. 30, 1979, p. 124-147; Humphrey
H. Hardy; Benjamin D. Thomas, Another Look at bama Biblical Hebrew ‘Hight Place’, em Vetus
Testamentum, Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 62, n. 2, 2012, p. 175-188; Ernest Nicholson, Once
Again Josiah and the Priests of the High Places (II Reg 23,8a.9), em Zeitschrift für die alttestamentliche
Wissenschaft, Berlin, Walter de Gruyter, vol. 124, n. 2, 2012, p. 356-368; Lisbeth s. Fried, The High
275
Diante disso, De Vaux admite que a tradução “lugar alto” não seria conveniente.
O único significado que se ajustaria seria o de “montículo, colina” para uso cultual.
Usava-se uma elevação natural, uma saliência de rochedo, mas parece que essa colina
era geralmente artificial. Os relatos bíblicos demonstram que tais bāmôt poderiam ser
construídos (1Rs 14,23; 2Rs 21,23), derrubados ou destruídos (1Rs 23,8; Ez 6,3). Eles
continham necessariamente um altar que poderia ser o próprio montículo ou um altar
construído.
Além disso, possuíam outros acessórios, tais como a maṣṣebah, isto é, uma
pedra levantada ou estela comemorativa que com o passar do tempo foi considerada um
símbolo da divindade masculina. A divindade feminina era representada pela ʼašerah,
cônjuge do deus Baal, um termo que designa ao mesmo tempo uma deusa e seu símbolo
cultual. Ela poderia ser uma árvore plantada como também um objeto de madeira
fabricado e erigido como um poste ou estaca. A esse mobiliário acrescentava-se ainda
os ḥammanim ou “altares de incenso”. 817
Ao retomarmos a análise do conteúdo da primeira frase do v. 31, percebemos
que o termo bāmôt encontra-se em relação de construto com a expressão ה ַ֗תּ ֹפֶתhattōpet
“o Tofete”. De acordo com o v. 32, essa expressão indica uma localização específica. O
significado da palavra é incerto. Na LXX, o lexema Ταφεθ sugere que se vocalize תְּ פָת
tᵉpāt, uma palavra que parece ser cognato do aramaico תְּ ָפי ָאtᵉpāyāʼ “fogão, forno”. A
mudança de vocalização do aramaico para o hebraico tōpet se deu provavelmente de
forma deliberada, sendo que as vogais da palavra bōšet “vergonha” foram introduzidas
nas consoantes daquela palavra a fim de enfatizar o caráter vergonhoso do local, além
de soar de forma idêntica a palavra hebraica “cuspir”, que indica um sinal de desprezo
(Jó 17,6). 818
814F
Places (Bāmôt) and the Reforms of Hezekiah and Josiah: An Archaeological Investigation, em Journal of
the American Oriental Society, Michigan, American Oriental Society, vol. 122, n. 3, 2002, p. 437-465; W.
Boyd Barrick, The Funerary Character of High-Places in Ancient Palestine: A Reassessment, em Vetus
Testamentum, Leiden, Brill Academic Publishers, vol. 25, n. 3, 1975, p. 565-595; C. C. McCown,
Hebrew High Places and Cult Remains, em Journal of Biblical Literature, Atlanta, Society of Biblical
Literature, vol. 69, n. 3, 1950, p. 205-219.
817
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 322-326.
818
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 4, p. 327-328; Robert L. Alden, The New American Commentary: Job, Nashville, Broadman &
Holman Publishers, vol 11, 2001, p. 190; M. H. Pope, Job: Introduction, Translation, and Note, New
Haven, London, Yale University Press, vol. 15, 2008, p. 129; Samuel Vila Ventura, Nuevo Diccionario
Biblico Ilustrado, Barcelona, Editorial CLIE, 1985, p. 1162; Philip J. King, Jeremiah: An Archaeological
Companion, p. 136-139.
276
O termo “Tofete” designa, portanto, um local específico no ֵג֣יא בֶן־ה ִ֔נּ ֹםgêʼ ben
hinnōm “vale do filho de Hinnom”. Há certa dificuldade em saber quem foi exatamente
ben hinnōm; talvez tenha sido um antigo proprietário do lugar. Sua localização também
é controversa. 819 Presumimos que o vale muito provavelmente situava-se num ponto do
815F
lado de fora do extremo sul de Jerusalém, onde o vale de Hinnom se encontra com o
vale de Cedrom. 820 816F
humanos nesse recinto estabelecido nos arredores de Jerusalém, e a sentença אֶת־ ְבּנֵיהֶ ֥ם
יהם
֖ ֶ ֵ ְואֶת־בְּנ ֹתʼet bᵉnêhen wᵉʼet bᵉnōtêhem “filhos deles e filhas deles” é empregada com o
sentido de identificar as vítimas desse sacrifício tão hediondo, ou seja, os filhos e filhas
dos integrantes do grupo dominante residente na cidade. 821 817F
819
Veja discussão sobre esse assunto na obra de William Lee Holladay; Paul D. Hanson, Jeremiah 1: A
Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah, Chapters 1–25, p. 268.
820
R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário Internacional de Teologia do
Antigo Testamento, p. 1656-1657; David M. Gosdeck, Jeremiah, Lamentations. The People's Bible,
Milwaukee, Northwestern Pub. House, 1994, p. 53-54.
821
Jesse C. Long, 1 & 2 Kings. The College Press NIV Commentary, Missouri, College Press Publishing,
2002, p. 513.
277
Cartago, parece ter sido superado por estudos recentes que atestam mōlek como uma
divindade e que comprovam que seu culto incluía a imolação de crianças no fogo. 822
Evidências literárias e epigráficas das civilizações do Antigo Oriente Próximo
comprovam o fato de que crianças eram queimadas em ritual sacrificial tanto na Fenícia
quanto em Cartago, a partir dos séculos VII ao IV. Os envolvidos nessa prática eram
unicamente os altos funcionários ou nobres de Cartago, e os referidos sacrifícios eram
mais numerosos nos arredores do centro de poder político e militar. 823 Embora alguns
sugiram que esse ritual fora introduzido tardiamente no cenário israelita e retornara, de
tempos em tempos, durante o período monárquico, é bem provável que sua infiltração
tenha se dado em tempos bem remotos. 824
Além do mais, a natureza eminentemente citadina desse tipo de ritual deve ter
contribuído para sua instalação nos arredores do centro militar e político de Judá, a
saber, a cidade de Jerusalém. 825 Várias passagens relevantes (por exemplo, Jr 32,35; Ez
23,38-39; Lv 20,3; Sf 1,5) indicam que o ritual a mōlek era praticado em certos setores
da sociedade israelita como parte do culto javista. A minoria dominante em Jerusalém,
portanto, seria a principal responsável por essa prática de depreciação da vida
humana. 826
Ao retomar a análise do v. 31 percebe-se que duas frases fazem parte da segunda
metade deste versículo. A primeira sentença, “o que não ordenei”, apresenta certa
similaridade com outra frase presente no v. 22, “e não ordenei a eles”; ambas se referem
a reprimendas de Javé em relação aos rituais cúlticos que envolviam práticas
sacrificiais. Em contrapartida, as duas frases também exibem enfoques peculiares.
Enquanto que a ênfase do v. 22 recai sobre os holocaustos e sacrifícios de animais
oferecidos no templo, a tônica do v. 31 reside na rejeição de Javé à prática horrenda de
sacrificar crianças no Tofete. O que transparece em ambos os versículos é a noção de
822
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 1276-1288; R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke, Dicionário internacional
de teologia do Antigo Testamento, p. 979; Richard S. Hess; Gordon J. Wenham (eds.), Zion City of our
God, Grand Rapids, Wm. B. Eerdemans Publishing, 1999, p. 182-206; Georg C. Heider, The Cult of
Molek: a Reassessment, Sheffield, JSOT Press, 1985, p. 336-364; John Day, Yahweh and the Gods and
Goddesses of Canaan, New York, Sheffield Academic Press, 2002, p. 209-217.
823
Cf. Geoffrey W. Bromiley, The International Standard Bible Encyclopedia, vol. 4, p. 258-260.
824
Veja a proposta que relaciona o sacrifício humano com uma antiga prática de sacrifício israelita em
David Noel Freedman; Allen C. Myers; Astrid B. Beck (eds.), Eerdmans Dictionary of the Bible, p. 912-
914.
825
Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Israel, p. 482-484. Francesca Stavrakopoulou, King
Manasseh and Child Sacrifice: Biblical Distortions of Historical Realities, Berlin, Walter de Gruyter,
2004, p. 148-170.
826
L. E. Stager; S. R. Wolff, Child Sacrifice at Carthage: Religious Rite or Population Control?, em
Biblical Archaelogy Review,Washington, Biblical Archaeology Society, vol. 10, 1984, p. 30-51.
278
que a elite citadina consentia que os respectivos rituais tivessem seu ordenamento em
Javé.
Com o uso da expressão “o que não ordenei”, o mensageiro profético procura
distanciar a prática do sacrifício humano de suas origens no verdadeiro culto de Javé
(Lv 18,21; Dt 18,10). A adesão dos setores dominantes a esse ritual pode ser explicado
como a conseqüência de tendências sincretistas. Javé e mōlek eram vistos como uma só
divindade em Jerusalém. Tudo indica que o sacrifício de crianças era oferecido para
Javé como uma divindade cananizada; caso fosse oferecido, por exemplo, a mōlek a
fraseologia seria outra. 827 O culto a mōlek era considerado pelos setores citadinos como
parte integrante da fé e da teologia javista.
Em tempos de crise crianças eram oferecidas em sacrifício a fim de que tais
crises fossem superadas. O sacrifício humano, portanto, seria realizado na confiança de
que mais devia ser obtido do que perdido nesse cruel e sangrento empreendimento. 828 A
monstruosidade desse ato demonstra, por um lado, até que ponto a elite estatal chegaria
para manter seu status quo e, por outro, a total ausência de compaixão e de
solidariedade para com a vida humana. Se os filhos e filhas dos próprios integrantes do
grupo estatal não eram poupados, sendo mortos cruelmente pelo sistema ritualístico
sacrificial, o que seria então do restante da população indefesa de Judá? Não havia lugar
para a solidariedade para com a vida dos fracos dentro da sociedade sacrificial e
opressora de Jerusalém. 829 Por isso, Javé rejeitava essa prática ritual com fortes
termos. 830 Ele não a havia ordenado.
Na frase final do v. 31, “e não subiu no coração de mim”, temos novamente, tal
como no v. 18-19, a presença do correctio, um dispositivo retórico empregado depois
de uma afirmação enfática como correção intencional a fim de proporcionar maior
destaque à afirmação. 831 O sacrifício de crianças nem mesmo havia subido ao לֵבleb
827F
827
Patrick D. Miller, The Religion of Ancient Israel, Louisville, Westminster John Knox Press, 2000, p.
59. Veja ainda Elizabeth Bloch-Smith, Judahite Burial Practices and Beliefs about the Dead, Sheffield,
Sheffield Academic Press, 1992, p. 112-113.
828
Para informações acerca de sacrifícios humanos, confira Norman K. Gottwald, Introdução
socioliterária à Bíblia Hebraica, p. 209-211.
829
Baruch Halpern, From Gods to God: The Dynamics of Iron Age Cosmologies, Tübingen, Mohr
Siebeck, vol. 63, 2009, p. 134-142.
830
John M. Bracke, Jeremiah 1–29. Bible Companion Series, Louisville, Westminster John Knox Press,
vol. 1, 2000, p. 84.
831
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 498.
279
“coração” de Javé. O emprego dessa sentença antropomórfica indica que Javé não havia
desejado, sequer pensado em tão insidiosa prática ritual. 832
importante declaração que se seguirá. A seu lado predomina a sentença י ִ ָ֤מים ָבּ ִאים
yāmîm bāʼîm “dias vêm”, presente 15 vezes em Jeremias, como também em outros
materiais mais antigos (Am 4,2; 8,11; 9,13). Ela aponta para um tempo no futuro em
que haverá uma transformação das condições vigentes. 833 829F
Após a menção da fórmula do dito profético נְאֻם־י ְהוָ ֽהnᵉʼūm yᵉhwāh “oráculo de
Javé”, que revela a origem e autoridade das palavras, o mensageiro prossegue com sua
predição ameaçadora. O local descrito como ֵג֣יא בֶן־ה ִ֔נּ ֹםgêʼ ben hinnōm “vale do filho
de Hinnom”, onde se estabeleceram os “lugares altos de Tofet”, não receberia mais essa
designação: teria seu nome mudado para ֵגּ֣יא ַהה ֲֵר ָג֑הgêʼ hahᵃrēgâ “vale da matança”. A
expressão hebraica hahᵃrēgâ “a matança” que renomeia o vale pressageia ainda um
futuro massacre que sobreviria à elite da cidade de Jerusalém, provavelmente
ocasionado pela ação violenta de um ataque deflagrado por um exército invasor, como
consequência da participação desse grupo nos horrendos rituais de sacrifícios de
crianças naquele local. 834
830F
280
de sepultamento coletivo. Na sequência da frase, a sentença מֵאֵ ֥ין ָמקֽוֹםmēʼên māqôm
apresenta divergências quanto à tradução.
Enquanto alguns pesquisadores influenciados pelo Targum sugerem que a
expressão seja traduzida como “até que não exista espaço” 835, outros, baseados em
831F
porções bíblicas do AT, sobretudo no livro de Jeremias (cf. Jr 4,7), propõem uma
tradução muito similar àquela que inferimos ser a ideal, a saber, “por não haver
lugar”. 836 Essa sugestão, a meu ver, parece mais adequada porquanto se ajusta melhor a
832F
Seja como for, as duas leituras apontam para o mesmo ponto: o grande número
de mortos sepultados no Tofet. A tragédia vindoura provavelmente ocasionada pela
batalha contra um exército invasor seria tal e a quantidade de corpos tão elevada que os
lugares oficiais de sepultamento não dariam conta, e os corpos seriam sepultados em
Tofet. Não se pode descartar a ideia de que, para o profeta, a batalha também poderia se
dar no próprio vale, uma vez que os lugares no sopé das montanhas eram escolhidos
como locais de batalha (1Sm 13,18; 17,3.52; 2Sm 8,13; 2Rs 14,7). A despeito disso,
mesmo o Tofet não teria capacidade de sepultar o grande número de mortos, uma vez
que muitos cadáveres ficariam insepultos ali.
O cenário futuro descrito no v. 33 nos remete a uma maldição específica para o
pecado de desobediência à lei de Javé arrolada em Deuteronômio 28,26. A maldição,
contudo, não acontece num vácuo social, mas sim dentro de um processo social. Nesse
ponto é traçado um retrato funesto no qual os נִ ְב ַל֙תniblat “cadáveres” não sepultados do
grupo dominante, sobretudo dos guerreiros mortos em batalha, nomeados pela
expressão ֙ ה ָ ָ֤עם ַהזּ ֶהhāʻām hazzeh “este povo” (v. 16), serviriam de alimento, מַ ֽ ֲא ָ֔כל
maʼǎkāl “comida”, a animais carniceiros indicados logo depois na sentença ָמי ִם
֖ ַ לְע֥ וֹף ַהשּׁ
וּ ְל ֶבה ֱַמ֣ת ה ָ ָ֑א ֶרץlᵉʻôp haššāmayim ûlᵉbehěmat hāʼāreṣ “para ave dos céus e para a fera da
terra” (cf. Jr 34,20). 838
834F
835
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah: Introduction and Commentary
on Jeremiah i-xxv, vol. 1, p. 179.
836
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 498-499.
837
Outras versões antigas segue de perto esta proposta. A LXX traduz a expressão como διὰ τὸ μὴ
ὑπάρχειν τόπον “porque não existe outro lugar”, e na Vulgata temos eo quod non sit locus “porque não
existe espaço em outra parte”.
838
Uma maldição semelhante ocorre no tratado de Esarhaddon e anteriormente no épico de Gilgamesh.
Confira James Bennett Pritchard (ed.), The Ancient Near East an Anthology of Texts and Pictures,
Princeton, Princeton University Press, 1958, p. 99, 538-539.
281
Essas palavras proclamadas por Jeremias visavam atingir especialmente o
exército. Para o profeta, a destruição de soberanos e das cidades passava pelo
esfacelamento anterior e simultâneo das forças armadas. O exército não seria
simplesmente um setor da sociedade, mas também um de seus núcleos, responsável pela
manutenção da estrutura de dominação. Essa instância viabilizava e dava cobertura aos
que espoliavam e arrasavam os menos favorecidos. Portanto, os militares sofreriam um
golpe frontal e derradeiro de Javé. O desastre seria evidente para esses agentes do
Estado tributário que obtinham seu sustento dos tributos arrecadados da maioria da
população empobrecida.
A frase de encerramento do versículo, ו ֵ ְ֖אין ַמח ִ ֲֽרידwᵉʼên maḥǎrîd “e não haverá
quem espante”, assinala um contexto de severa desolação e de completa ausência de
proteção aos corpos insepultos, os quais ficariam vulneráveis aos ataques das feras e das
aves de rapina (veja 2 Sm 21,10). 839 A desobediência em relação à lei de Javé por parte
835F
do grupo dominante havia provocado uma ruptura em sua relação com a referida
divindade, sendo que a elite estatal não mais desfrutaria da presença protetora de Javé
no meio de seu exército; sem Javé o exército sofreria completa aniquilação e desonra no
campo de batalha, e a terra ficaria coberta de cadáveres, que serviriam facilmente de
banquete para os animais. 840 836F
839
Duane L. Christensen, Word Biblical Commentary: Deuteronomy 21:10-34:12, Dallas, Word
Incorporated, vol. 6b, 2002, p. 685; S. R. Driver, A Critical and Exegetical Commentary on
Deuteronomy, p. 309.
840
Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy. The New International Commentary on the Old
Testament, p. 343; Daniel Carro; José Tomás Poe; Rubén O. Zorzoli (eds.), Comentario Bı́blico Mundo
Hispano Levitico, Numeros, Y Deuteronomio, El Paso, Editorial Mundo Hispano, 1997, p. 515.
282
sujeito das ações sempre seria Javé, que se valeria do poder dos poderosos para castigar
aqueles que invalidaram seu pacto em Judá.
A atividade alvo da ação de Javé é caracterizada pelos pares de cognatos que
formam as expressões שׂ ְמ ָ֔חה
ִ ֤קוֹל שָׂשׂוֹ ֙ן ו ְ֣קוֹלqôl śāśôn wᵉqôl śimḥāh “som de exultação
e som de alegria”, como também a sentença ֥קוֹל ח ָ ָ֖תן ו ְ֣קוֹל כּ ַָלּ֑הqôl ḥātān wᵉqôl kallāh
“voz de noivo e voz de noiva ( cf. Jr 16,9; 25,10; 33,11), os quais transmitem a ideia de
uma celebração festiva de casamento, quando a noiva e suas acompanhantes seguiam
em procissão a fim de encontrar a procissão do noivo e de seus amigos, ambas
acompanhadas com muita música. Dali seguiam geralmente para a casa do noivo, onde
841
se oferecia um banquete regado com muita alegria e música. 837F Por causa do
julgamento de Javé, tal cena festiva desapareceria.
Entretanto, o julgamento de Javé não se limitaria somente à questão de cunho
teológico, antes se amalgamaria ao processo social, já que as festividades cessariam
como o resultado das consequências do ambiente pós-guerra nas cidades de Judá e nas
ruas de Jerusalém. As vozes da minoria a quem o sistema tributário privilegiara seriam
silenciadas. A vida alegre marcada pela estabilidade, opulência e prosperidade da classe
dominante daria espaço a um triste e silencioso cenário de instabilidade política,
sofrimento, mortandade, destruição e pobreza.
Ademais, a imagem do fim da celebração de casamento denota a forma como a
morte tragaria a vida, uma vez que não se formariam novos lares nem nasceriam novos
filhos; o grupo dominante estava fadado a não ter amanhã. 842. A elite que sacrificara
83F
seus filhos no fogo não teria representantes no futuro. O invasor subalterno de Javé
causaria tão grande devastação que levaria a terra à total ח ְָרבָּהḥorbâ “ruína”.
841
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 3, p. 1223-1226.; David L. Jeffrey, A Dictionary of Biblical Tradition in English Literature, Grand
Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., 1992, verbete: Bride, Bridegroom; Edwin M. Yamauchi,
Cultural Aspects of Marriage in the Ancient World, em Bibliotheca Sacra, Dallas, Dallas Theological
Seminary, 1996, p. 247-252.
842
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah: Introduction and Commentary
on Jeremiah i-xxv, vol. 1, p. 367; Anneli Aejmelaeus, Jeremiah at the Turning-Point of History: The
Function of Jer. XXV 1-14 in the Book of Jeremiah, p. 473; R. Norman Whybray, The Good Life in the
Old Testament, London/New York, T&T Clark International, 2002, p. 236-237.
283
4.5. JEREMIAS 8,1-3: OS DIGNITÁRIOS SEM DIGNIDADE
“ossos” de esqueletos humanos são removidos, segundo atesta a raiz verbal יָצָאyāṣāʼ
“sair”, das ְקב ִָריםqᵉbārîm “sepulturas” onde jaziam. Evidentemente, para o profeta e
seus contemporâneos, tais exumações seriam ações empreendidas pelo exército invasor
como consequência do julgamento divino sobre o grupo dominante de Judá. A condição
de derrota e submissão ao inimigo seria geralmente acompanhada, entre outras coisas,
pela desonra e violação das sepulturas (Am 2,1).
A prática de exumação serviria como forma de insulto e humilhação deliberada
aos subjugados (2Sm 21,12-14; Is 14,18-19; Ez 6,5), ou até mesmo assinalaria uma
maneira pela qual o invasor descobriria objetos de valor que presumia estarem
enterrados junto com os cadáveres. 843 De qualquer forma, é possível inferir que o
839 F
invasor abriria as sepulturas como sinal de que controlava a herança material, e que
nada do passado, presente ou futuro poderia escapar de seu controle. 844 840F
284
estrutura estatal de Judá. Primeiramente os ְהוּדה
֣ ָ ַמלְכֵ ֽי־יmalkê yᵉhûdah “reis de Judá” e,
logo depois, os שׂ ָָריוśārāyw “chefes deles”, além de הַכּ ֹ ֲה ִ֜ניםhakkohǎnîm “os
845
Idiotismo é uma locução própria de uma língua, cuja tradução literal não faz sentido numa outra língua
de estrutura análoga.
285
para julgar. Sendo assim, a expressão yôšbê poderia representar um rei, um príncipe, um
comandante militar, um juiz, ou simplesmente um líder ou funcionário de posição ou
graduação não especificada.
Além do mais, designaria também os que exerciam poder efetivo junto à
comunidade, tais como comerciantes gananciosos ou usurpadores de propriedades. 846
Com base nessa proposta, presumo que a designação yôšbê yᵉrûšālāim, no caso do v. 1,
poderia ser aplicada a funcionários judaítas no aparato do Estado, ou até mesmo a
pessoas do poder nas camadas socioeconômicas superiores beneficiadas pelo Estado,
independente de ocuparem cargo político.
Desse modo, parece-me coerente admitir que as cinco categorias sociais às quais
os ossos exumados pertenciam representam a totalidade da classe dominante de Judá no
passado. Isso implica que o castigo de Javé não atingiria somente os integrantes da elite
estabelecida na época de Jeremias, conforme nos informa o bloco anterior, mas também
refletiria sobre as gerações antepassadas. Não somente muitos cadáveres da elite
contemporânea do profeta ficariam insepultos, mas também os ossos sepultados dos
seus antepassados, os quais tiveram outrora funerais dignos e honrosos, seriam
desenterrados. Assim, a ira de Javé não se limitaria à esfera dos inimigos dos
empobrecidos circunscritos ao tempo do profeta: estender-se-ia ao passado abarcando as
gerações anteriores. Estas receberiam o castigo sendo envergonhadas publicamente.
A descrição da cena desoladora tem seu prosseguimento nas duras palavras
registradas pelo mensageiro profético no versículo posterior, “e espalharão a eles para
sol, e para lua, e para todo o exército dos céus a quem têm amado a eles, e a quem têm
servido a eles, e a quem têm andado após eles, e a quem têm procurado a eles, e a quem
têm se prostrado para eles; não serão recolhidos e não serão sepultados, para esterco
sobre a face da terra serão” (v. 2). Com o uso da raiz verbal שׁטַח
ָ šāpaḥ “espalhar” na
expressão de abertura do versículo, o mensageiro de Javé traça um retrato que remonta a
um momento em que os ossos desenterrados dos antepassados são espalhados pelos
invasores, ficando dessa forma expostos aos fenômenos atmosféricos. 847 843F
846
Norman K. Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050
a.C., p. 517-539.
847
Jacob Milgrom, Numbers. The JPS Torah Commentary, Philadelphia, Jewish Publication Society,
1990, p. 92.
286
juntos numa hendíade se acrescenta a expressão שּׁ ַ֗מי ִם
ָ וּל ְ֣כ ֹל׀ צ ְָב֣א ַהûlᵉkōl ṣᵉbāʼ
haššāmayim “todo exército dos céus”. As três referências, nesse caso, adquirem
importância teológica ao serem mencionadas como objetos de adoração. A despeito da
advertência e proibição da adoração aos corpos celestes em alguns textos bíblicos (Dt
4,19; 17,3), tais práticas se evidenciaram ao longo da história israelita, ao menos entre a
elite estatal.
Não é possível precisar a origem do culto solar em Israel e sua relação com o
javismo. 848 No entanto, alguns topônimos palestinos dos tempos bíblicos, tais como,
84F
ֽית־שׁמֶשׁ
ֶ֖ ֵ בּbêt šemeš “Bete Semes” (Js 15,10; 21,16), שׁמֶשׁ
ֶ ֔ ֵ ֣עיןʻên šemeš “En Semes” (Js
15,7; 18,17), שׁמֶשׁ
ֽ ָ ִע֥ירʻîr šāmeš “Ir Semes” provavelmente refletem a adoração solar
pré-israelita em Canaã. Eles preservaram a memória de santuários dedicados à
divindade solar. Todavia, a falta de evidências do culto solar no antropônimo hebraico
parece indicar que ele não era muito popular na Síria-palestina na idade do ferro, ao
contrário do Egito e da Mesopotâmia.
De modo semelhante, a adoração da lua era uma prática difundida entre os povos
do Antigo Oriente Próximo. As cidades de Ur e Harã foram centros da adoração da lua.
No Egito, a lua era reverenciada como Khonsu. Na Babilônia e na Assíria era conhecida
como Sin, na religião suméria seu nome era Nana e em Ugarit Yarih. Este último nome
mantém certa relação com a palavra hebraica “lua”. 849 Ademais, o nome da antiga
845F
cidade de יחוֹ
֑ י ְִרyᵉrîḥô “Jericó” parece derivar-se da palavra hebraica lua e
provavelmente assinala a existência de uma antiga adoração lunar nesse local canaanita
no período pré-israelita. Contudo, a ausência de nomes hebraicos contendo elemento
lunar e o repúdio dessa teologia em relação à adoração da lua indica que tal culto não
desfrutara de ampla aceitação em Israel.
A sentença שּׁ ַ֗מי ִם
ָ וּל ְ֣כ ֹל׀ צ ְָב֣א ַהûlᵉkōl ṣᵉbāʼ haššāmayim “todo exército dos céus”,
ao que parece, em alguns contextos segue como uma aposição para “o sol, a lua e as
estrelas” (Dt 4,19), designando todas as três entidades, e em outros momentos, tal como
nesse versículo, faz referência somente às estrelas, uma vez que o termo é mencionado
ao lado do sol e da lua (Dt 17,3; 2Rs 23,5). 850 A expressão “exército dos céus”,
846F
848
John Day, Yahweh and the Gods and Goddesses of Canaan, p. 151-184.
849
Jack R. Lundbom, Deuteronomy: A Commentary, Grand Rapids, Wm. B. Eerdemans Publishing, 2013,
p. 243.
850
Kocku von Stuckrad, História da astrologia: da antiguidade aos nossos dias, São Paulo, Editora
Globo, 2007, p. 139-140; Herbert Niehr, The Rise of YHWH in Judahite and Israelite Religion:
Methodological and Religio-Historical Aspects, em Diana V. Edelman (ed.) The Triumph of Elohim:
287
portanto, era uma designação dos planetas e das estrelas como lugares de habitação de
espíritos divinos que controlavam o destino humano. A menção dessa mesma expressão
em outras passagens bíblicas tem levado os pesquisadores a inferirem que o
florescimento dessas práticas cúlticas em Judá se deu ao longo dos reinados dos reis
Manassés e Amon (2Rs 21,3; 23,5). Tudo indica que fossem cultos astrais assírios
impostos a Judá como resultado de sua submissão e vassalagem. 851
Diante disso, fica evidente a forte conotação irônica nesta ameaça do mensageiro
profético. Os ossos dos antepassados da elite seriam espalhados no mesmo ambiente em
que outrora eram realizados os cultos a estas mesmas divindades, ou seja, ao ar livre.
Todavia, a impotência das falsas deidades diante da situação catastrófica seria
manifesta, porquanto elas não teriam capacidade de protegê-los nem tampouco auxiliá-
los em meio a tão humilhante tragédia. A sequência do versículo assinala todos os
estágios da adoração astral por meio de cinco repetições verbais prefaciadas pelo termo
ֲשׁר
֣ ֶ אʼǎšer “a quem”, as quais são acumuladas como um catálogo dos atos que
acompanhavam esta adoração com o objetivo de tornar mais evidente o fervor e o forte
apego dos participantes às falsas divindades e suas exigências em detrimento da
dedicação exclusiva a Javé e as ordenanças contidas em sua aliança. 852 84F
eles” consiste da raiz verbal אָהַבʼāhab “amar”, empregada aqui metaforicamente com
sentido negativo. Em vez de amar a Javé e as coisas concernentes a ele, o grupo
ameaçado exibia um comportamento idolátrico e infiel nutrido por um espírito e por
uma prática de amor ilícita, dirigida aos corpos celestes considerados como deuses (Jr
2,25; Os 9,1; Ez 16,36-37). 853 O segundo verbo é atestado pelo uso da raiz verbal ָעבַד
849F
ʻābad “servir”, que denota não somente a adoração, mas também a obediência ao que a
From Yahwisms to Judaisms, Kampen, Kok Pharos Publishing House, 1995, p. 61; Percy S. F. van
Keulen, Manasseh Through the Eyes of the Deuteronomists: the Manasseh Account (2 Kings 21:1-18)
and the Final Chapters on the Deuteronomistic History, Leiden/New York/Köhln, E. J. Brill, 1996, p. 96.
851
K. van der Toom; Bob Becking; Pieter Willem van der Horst, Dictionary of Deities and Demons in the
Bible DDD; p. 764-768; G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry (eds.),
Theological Dictionary of The Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Co., vol.
12, 2003, p. 213; James Alan Montgomery, A Critical and Exegetical Commentary on the Books of
Kings, New York, Scribner, 1951, p.519; Victor Harold Matthews; Mark W. Chavalas; John H. Walton,
The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, verbete: Jeremiah 8:2; G. Johannes Botterweck;
Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry (eds.), Theological Dictionary of The Old Testament, Grand Rapids,
William B. Eerdmans Publishing Co., vol. 6, 1990, p. 360.
852
Robert Jamieson; A. R. Fausset; David Brown, A Commentary, Critical and Explanatory, on the Old
and New Testaments, Oak Harbor, Logos Research Systems, 1997, verbete: Jeremiah 8:2; Kenneth L.
Barker, Expositor’s Bible Commentary (Abridged Edition: Old Testament), p. 1175.
853
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 1, p. 277-279.
288
divindade exigia, por exemplo, a entrega de tributos ou ofertas (Ex 10,26; Is 19,21; Jr
5,19). 854 O lexema posterior �ַ ָהלhālak “andar” sinaliza o estilo de vida adotado por tais
850F
A terrível ameaça de Javé não para por aí. No desfecho da subunidade vemos
que os poucos sobreviventes da catástrofe não teriam vida fácil: “E será escolhida a
morte do que vidas para todo resto daqueles que restarem desta família maldosa em todo
lugares daqueles que restarem, para onde impelirei a eles ali, oráculo de Javé Zebaot”
(v. 3). O julgamento de Javé incidiria sobre “todo resto que restarem desta família
maldosa”. No bojo da sentença o lexema שׁא ִֵרית
ְ šᵉʼerît é usado com referência a um
“resto” histórico, quer dizer, um reduzido grupo que sobrevivera à catástrofe. 858 854F
854
Mark F. Rooker, The Ten Commandments: Ethics for the Twenty-First Century, Nashville, B & H
Publishing Group, 2010, p. 40-41.
855
Hans Walter Wolff, Hosea: A Commentary on the Book of the Prophet Hosea, p. 186.
856
Kenneth L. Barker; Waylon Bailey, The New American Commentary: Micah, Nahum, Habakkuk,
Zephaniah, Nashville, Broadman & Holman Publishers, vol. 20, 1998, p. 423.
857
Milton Schwantes, Da vocação à provocação: estudos exegéticos em Isaías 1–12, p. 320.
858
Shalom M. Paul, Amos: A Commentary on the Book of Amos, Minneapolis, Fortress Press, 1991, p. 58;
David Noel Freedman, The Anchor Yale Bible Dictionary, New York/London/Toronto/Sidney/Auckland,
Bantam Doubleday Dell Publishing Group, vol. 5, 1996, p. 670-671. Compare também o mesmo uso de
שׁא ִֵרית
ְ nas seguintes passagens bíblicas (Am 5,15; 9,12; Jr 25,20; 47,4).
289
todo o povo de Judá, presumo ser mais provável que, neste caso, o profeta tenha feito
uso da sentença com o objetivo de referir-se ao mesmo grupo social ameaçado nos
versículos anteriores. 859 Conforme Norman K. Gottwald, o termo mišpāḥāh deriva de
uma raiz verbal cujo significado é “derramar” ou “desprender”, aparentemente tendo em
mente água, sangue e/ou sêmen. A mišpāḥāh compunha-se de “parentes”, não
envolvendo um descendente comum como tal, mas, fundamentalmente, uma
comunidade de interesses partilhados. Ela era organizada com funções determinadas a
fim de proteger a solidariedade de seus membros. 860
Entretanto, tudo nos leva a crer que, em sua fala, Jeremias não tinha a intenção
de fixar-se no sentido descritivo do vocábulo mišpāḥāh que geralmente denotaria uma
tribo ou parte de uma tribo de Israel; ele explorava o sentido metonímico da palavra a
fim de designar um grupo social ligado pelo vínculo da maldade e não por laços de
parentesco e solidariedade. 861 De fato, o vocábulo foi submetido ao uso idiomático com
a finalidade de expressar uma classe sem sentido de parentesco de sangue, mas com
uma forte afinidade estabelecida pelo interesse comum de promover a maldade. 862
A presença da raiz verbal נָדַ חnādaḥ “impelir”, nesse versículo, demonstra que,
859
Algumas obras que atribuem o termo a todo o povo de Judá: Marvin A. Sweeney, Berit Olam: Studies
in Hebrew Narrative. The Twelve Prophets, Minnesota, The Liturgical Press, vol. 2, 2000, p. 360; John
M. Bracke, Jeremiah 1–29. Bible Companion Series, p. 85.
860
Para obter informações mais específicas da expressão mišpāḥāh, consulte a excelente obra de Norman
K. Gottwald, As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050 a.C., p. 257-
280.
861
Willem A. VanGemeren (ed.), New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis,
vol. 2, p. 1139-1142; John L. Mackay, Mentor Commentary: Jeremiah. Mentor Old Testament
Commentary, vol. 1, p. 326, 476.
862
Delbert R.Hilers; Paul D. Hanson; Loren R. Fisher, Micah: A Commentary on the Book of the Prophet
Micah: A Critical and Historical Commentary on the Bible, p. 33. Nessa obra o termo hammišpāḥāh
hārāʻāh hazzōʼt é traduzido como “este bando maldoso”.
863
John F. Walvoord; Roy B. Zuck, The Bible Knowledge Commentary: An Exposition of the Scriptures,
Wheaton, Victor Books, vol. 1, 1985, p. 1140; Carl Friedrich Keil; Franz Delitzsch, Commentary on the
Old Testament, p. 447.
864
Jack R. Lundbom, Jeremiah 1–20: A New Translation with Introduction and Commentary, p. 494.
290
Os argumentos a favor da omissão parecem apresentar pouco critério crítico ao
se basearem na simples ideia de que a repetição da expressão hannišʼārîm aparece de
forma estranha, e não é encontrada em outras passagens paralelas (Jr 29,14; 23,3) que
não têm semelhança precisa com o presente versículo. 865 Tais indícios não são
suficientemente firmes para corroborar a sugestão de leitura da LXX. Além do mais, o
cânone da crítica textual estabelece a prevalência da leitura mais difícil (lectio
defficilior). Isso porque o escriba tenderia mais a simplificar ou esclarecer as palavras
do original do que torná-las mais difíceis para o leitor. 866 Portanto, presumo que a
leitura original seria a sugerida pelo TM.
Tudo indica que o profeta ao pronunciar essa sentença não estava se referindo
apenas a um lugar específico de exílio imposto pelo exército vitorioso, mas também
vislumbrava outras localidades, nas quais os poucos fugitivos se refugiariam a fim de
safar-se do horrível massacre vindouro. A frase ְונִב ְַח֥ר ָ֙מ ֶו ֙ת מֵ ֽ ַח ִ֔יּיםwᵉnibḥar māwet
mēḥayyîm “será escolhida a morte do que vidas” evidencia que, nesses locais, o
sofrimento dos sobreviventes seria tão intenso que eles desejariam a morte em vez da
vida de sofrimento (cf. 1 Rs 19,1-4; Jó 3; 6,8-9; 7,15-16; Jr 20,14-18; Jn 4,3.8). 867 863F
Duas seriam as razões para tal desejo. Por um lado, a memória da humilhante
derrota imposta pelo exército inimigo rondaria constantemente seus pensamentos como
um fantasma. O cenário das cidades destruídas, saqueadas, demolidas e queimadas,
niveladas como que pela passagem de um ciclone, reunidas como um monte de entulho,
permearia definitivamente o imaginário daqueles que sobrevivessem ao massacre. Por
outro lado, a dura consequência política e socioeconômica resultantes do ambiente pós-
guerra colocaria os sobreviventes da elite citadina em pé de igualdade com aqueles que
outrora foram por eles oprimidos em Judá, a saber, os pobres, as viúvas, os órfãos e os
estrangeiros. Os que causavam o sofrimento da maioria da população empobrecida de
Judá provariam em breve de seu próprio veneno.
Essa dura e ameaçadora mensagem tinha sua origem em Javé. Na sentença final
da subunidade, a assinatura נ ֻ ְ֖אם י ְהוָ ֥ה ְצ ָבאֽוֹתnᵉʼūm yᵉhwāh ṣᵉbāʼôt “oráculo de Javé
Zebaot” apresenta Javé como o comandante militar que organizara os inimigos para o
865
Carl Friedrich Keil; Franz Delitzsch, Commentary on the Old Testament, vol. 8, p. 107.
866
Ellis R. Brotzman, Old Testament Textual Criticism: A Practical Introduction, p. 126.
867
G. K. Beale; D. A. Carson (eds.), Commentary on the New Testament Use of the Old Testament, Grand
Rapids, Nottingham, Baker Academic/ Apollos, 2007, p. 1114.
291
ataque, enfatizando, dessa forma, o poder do guerreiro divino ao trazer o julgamento
sobre o grupo dominante de Judá. 868
868
Hans Walter Wolff; S. Dean McBride, Joel and Amos: A Commentary on the Books of the Prophets
Joel and Amos, p. 287-288.
292
a elite, ocasionado pela ação violenta deflagrada por um exército invasor submisso a
Javé. As vozes da minoria dominante seriam silenciadas.
Finalmente, no último bloco (Jr 8,1-3), constatou-se que o castigo de Javé não
atingiria somente os integrantes da elite estabelecida na época de Jeremias. Os ossos
sepultados de seus antepassados seriam desenterrados. Apesar de toda sua devoção aos
corpos celestes, estes não seriam capazes de socorrê-los no dia da vingança de Javé.
Além do mais, a dura consequência política e socioeconômica resultantes do ambiente
pós-guerra colocaria os sobreviventes da elite citadina em pé de igualdade com aqueles
que outrora foram por eles oprimidos.
293
294
CONCLUSÃO GERAL
Esta pesquisa teve por foco investigar a unidade dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias
como um conflito social desencadeado a partir da cobrança abusiva do tributo na
perspectiva dos que vivenciaram o acontecimento fundante. Para situar o leitor, a
pesquisa apresenta em seu início algumas questões preliminares pertinentes ao livro de
Jeremias. Tal abordagem fora necessária devido ao fato de que os caps. 7,1–8,3
representam uma unidade literária desse importante livro profético.
O estudo apontou que a obra de Jeremias possui basicamente quatro etapas, nas
quais os acontecimentos no cenário internacional e em Judá contribuíram para dar forma
às palavras do profeta. Constatou-se que o desenvolvimento do livro se deu por meio de
um processo complexo, sendo que há claras evidências de que Jeremias não tenha sido
seu único “autor”. Além disso, destacou-se a relevância do capítulo 36 para o
entendimento dos diversos ditos proféticos presentes no livro de Jeremias.
A obra pode ser considerada uma antologia das palavras e dos incidentes
sucedidos durante a vida do profeta, onde coleções menores de materiais foram
arranjadas em tópicos introduzidos por seus respectivos títulos. Embora apresente uma
complexa história de redação, há indícios que asseguram a ligação de Jeremias com a
obra, dado que a maior parte do material pode ser atribuído ao profeta ou a Baruque. A
pesquisa destacou que os caps. 7,1–8,3 fazem parte de um bloco maior que abrange os
caps. 7,1–10,25, e este se encontra inserido em outra grande seção, os caps. 1–25, que
compõem o primeiro grande “livro” do profeta, caracterizado por pronunciamentos de
Jeremias que se deram ao longo de seu chamado (627 a.C.) até o quarto ano de
Jeoaquim (605 a.C.).
Comprovou-se ainda a existência de cinco pequenas unidades de sentido nos
caps. 7,1–8,3 cuja integridade e coesão interna e externa se mostraram evidentes. Além
disso, a aplicação da metodologia exegética no âmbito socioliterário demonstrou duas
etapas imprescindíveis para a apreensão do sentido do texto, a saber, a análise da forma
e de sua essência a fim de compreendê-lo como literatura (por meio da análise literária)
e sua análise como produto histórico-social (por meio da análise sociológica).
Por meio de uma abordagem mediada pela história da pesquisa da obra de
Jeremias, verificou-se que a unidade dos caps 7,1–8,3 possui um estilo híbrido definido
como prosa elevada. Tal hibridismo é o resultado dos traços poéticos assinalados pela
repetição de frases e da influência da prosa do Deuteronômio no estilo do profeta. Dessa
295
forma, presumimos que os caps. 7,1–8,3 foram escritos ou pelo menos ditados pelo
próprio profeta.
A pesquisa também destacou que os mantenedores da tradição profética de
Jeremias poderiam estar situados entre os camponeses remanescentes em Judá depois da
crise gerada pela invasão babilônica. Eles preservaram e transmitiram suas palavras,
pouco interferindo em seus ensinamentos. Assim como seus colecionadores, Jeremias
tinham suas raízes fincadas no campo. A origem campesina do profeta contribuiu para a
influência do estilo do deuteronômico em sua obra, herança de seu treinamento em
Anatote. Ele fora contaminado por tal estilo que proveu muitos subsídios para seus
escritos, os quais emergem em inúmeros momentos de sua mensagem. Nem mesmo sua
morte foi suficiente para minimizar a influência duradoura de sua mensagem entre os
camponeses remanescentes em Judá após o ano de 587 a.C.
Na tarefa de apresentação do “rosto” de cada bloco da unidade (7,1-15; 16-20;
21-28; 29-34; 8,1-3), através da tradução do Texto Massorético e da aplicação das
análises morfológica e sintática, percebeu-se que as frases contidas em cada bloco
adquiriram sentidos captados somente através do contexto literário em que estavam
inseridas. Além disso, evidenciou-se a origem de frases declarativas (afirmativas e
negativas), imperativas, interrogativas, entre outras, que são de suma importância para a
formação das unidades de sentidos maiores dentro de cada bloco da unidade. Foram
identificados também os personagens do relato, bem como os verbos, importantes
elementos na transmissão de informações concernentes ao modo, tempo, número,
pessoa e voz de determinada ação.
Na análise estilística comprovou-se a presença de elementos da prosa e de poesia
ao longo de cada bloco da unidade dos caps. 7,1–8,3. Por outro lado, a abordagem do
gênero e da fórmula ressaltou o relato como seu gênero principal, não obstante sejam
percebidos outros subgêneros e fórmulas ao longo desse material literário. Tais gêneros
e fórmulas oriundas de diferentes ambientes foram reunidos e aplicados num novo
contexto e numa nova condição de vida, demonstrando assim a amplitude, a
adaptabilidade e a força da mensagem de Jeremias. Esse profeta empregou as diversas
fórmulas com o objetivo de proclamar sua mensagem, de modo que não pudesse ser
ignorada.
Percebeu-se ainda ao longo do estudo que a unidade dos caps. 7,1–8,3 forma um
grande conjunto literário unificado posteriormente, onde os conteúdos não expressam
uma ordem estabelecida ou uma linha lógica e progressiva; antes, representa um texto
296
complexo compilado e amalgamado em um único discurso. A mensagem, de modo
geral, identifica-se com a proclamação do próprio Jeremias, embora os dois primeiros
versos pareçam ter origem em um redator (v. 1-2). Cada uma das seções tem cenário e
momento específicos, sendo que o estudo do lugar vivencial ressaltou que os blocos da
unidade emergiram em diferentes ambientes, contíguos à cidade de Jerusalém, ao longo
do reinado de Jeoaquim.
O estudo acerca da localização histórico-sociológica, por sua vez, evidenciou as
similaridades entre os caps. 7 e 26 do livro de Jeremias, enquadrando-os como o mesmo
evento. Constatou-se que parte da primeira seção de Jr 7,1-15 retrata um acontecimento
ocorrido no início do reinado de Jeoaquim por volta de setembro de 609 a.C. e março de
608 a.C., e que as outras perícopes da unidade são facilmente enquadradas neste ou em
outros momentos do mesmo reinado.
A pesquisa também ressaltou que, embora o nascimento de Jeremias tenha se
dado por volta dos anos de 650 e 640 a.C., numa família sacerdotal, sua procedência
não o remete à cidade de Jerusalém e sim a Anatote, localidade rural situada em
Benjamim. Tal origem foi determinante para seu posicionamento em relação à capital e
ao templo de Jerusalém depois de seu chamado para o ministério profético nos anos de
627 a.C. Sua ascendência campesina o levou a avaliar a situação vigente a partir da
ótica dos empobrecidos pelo sistema tributário. Todavia, apesar de sua ascendência
camponesa, o contexto urbano não lhe era estranho, uma vez que viveu parte de sua
vida na cidade de Jerusalém.
Além disso, o estudo apresentou uma breve abordagem da história de Judá a
partir da metade do século VIII a.C., a qual apontou importantes eventos que
interferiram e reverberaram na política e no dia-a-dia da sociedade judaíta até períodos
subsequentes ao do próprio Jeremias. Observou-se que a vida na terra de Israel e Judá
esteve condicionada ao impacto e à dependência dos acontecimentos ocorridos nas
grandes potências da região. Verificou-se que o império assírio investiu numa ofensiva
em direção ao Ocidente com o intuito de arrecadar tributos. Com isso, Israel se torna
vassalo, e logo depois enfrenta seu destino final (732 e 722 a.C.). Depois de alguns
anos, Judá enfrenta o seu destino (705 e 701 a.C.). O ônus desse período turbulento
pesava sobre os ombros da camada mais empobrecida.
O estudo também observou que, com o vácuo político ocasionado pelo declínio
da Assíria em 640 a.C., o poder em Judá passou para as mãos do “povo da terra”, com
suas bases e interesses voltados ao campesinato, e em seguida a cidade retomou a
297
situação em 622 a.C. por meio da reforma josiânica, que representava uma espécie de
pacto nacional entre campo e cidade. Comprovou-se ainda que, após a morte do rei
Josias (609 a.C.), os egípcios passaram a ditar os rumos de Judá e colocaram no poder o
tirano rei Jeoaquim. Todavia, não demorou muito e a lealdade dele pendeu aos
babilônicos, a qual se transforma em rebelião depois de um breve período, resultando
tudo isso em sua morte e na deportação de seu substituto.
Ademais, nossa investigação empreendeu no estudo social da unidade dos caps.
7,1–8,3 de Jeremias por meio da abordagem materialista histórica, a fim de estabelecer
o modo de produção tributário como um mecanismo de análise da sociedade judaíta no
período de Jeremias. Investigou-se o ponto-chave do modo de produção tributário, a
saber, a economia sagrada, bem como alguns de seus elementos, entre eles a
comunidade aldeã, o complexo templo-cidade, a formação do Estado despótico,
trabalho e classe, mediações entre o império e comunidade aldeã, e a teoeconomia ou
sistema de partilha e de extração. Na economia sagrada, a economia extrativa minava a
economia de partilha.
Estabeleceu-se que a principal característica dessa economia era a tensão
fundamental entre a economia de partilha e a economia de extração, caracterizada pelo
conflito entre campo e cidade. Seis seriam os elementos do sistema de partilha (da terra,
da fertilidade, da família, da guerra, da relação patrono-cliente e do judiciário) e dois os
do sistema de extração (o tributo e o comércio). O tributo consistia num forte
mecanismo de arrecadação do Estado. Seu local de arrecadação era o templo e seu
principal beneficiário era o rei e sua corte, porquanto na comunidade israelita não havia
separação entre palácio e templo. Seu ônus recaía sobre a maioria da população,
provocando, dessa forma, um desequilíbrio na situação socioeconômica da massa
empobrecida de Judá na época de Jeremias.
O conteúdo dos caps. 7,1–8,3 de Jeremias não deixa dúvidas quanto a seu
assunto básico: trata-se de ditos proféticos de acusação e juízo contra a elite estatal. A
despeito dos ditos se originarem em épocas e cenários diferentes, o primeiro bloco da
unidade (Jr 7,1-15) os aglutina como palavra de Javé. Notou-se que o palco escolhido
para a proclamação é o átrio interior do templo de Jerusalém, o principal centro de
arrecadação dos tributos. Seu público-alvo era a elite citadina, e o conteúdo da
proclamação estabelecia uma condição para que a promessa da aliança de Javé fosse
preservada.
298
A condição envolvia questões referentes à realidade social judaíta, onde a
minoria mais rica por conta dos altos tributos sobrepujava a maioria mais pobre. Caso
houvesse mudança de comportamento da parte da elite do poder, Javé os manteria na
terra da promessa. O estudo apontou que o profeta avaliava a situação a partir da ótica
dos empobrecidos, buscando conscientizar a elite do poder que tal postura traria
consequências amargas sobre ela. A recusa em ouvir a mensagem de Jeremias
desembocaria numa iminente catástrofe empreendida por Javé.
No segundo bloco da unidade (Jr 7,16-20), a análise de conteúdo direcionou a
pesquisa para a questão da rejeição de Javé aos setores sociais circunscritos aos
senhores do poder. Os rituais praticados pela elite citadina legitimavam um tipo de
organização social estratificada que favorecia somente a classe dominante, em
detrimento dos antigos ideais igualitários praticados pela maioria da população judaíta.
A intercessão profética não livraria o grupo opressor da tragédia, pois eles haviam
rompido o pacto com Javé. Além disso, no bloco seguinte (Jr 7,21-28), o exame do
contéudo ressaltou a intenção maligna da classe dominante, que se utilizava dos
sacrifícios simplesmente como meio de promover a própria subsistência. Em sua
contestação, o profeta não repudia o valor do sacrifício, apenas denuncia os que faziam
dos rituais um fim em si mesmo.
Logo em seguida, o conteúdo do penúltimo bloco (Jr 7,29-34) manifesta a
contestação do profeta em relação à ideologia da classe dominadora baseada na
promessa de inviolabilidade de Jerusalém e estabilidade da dinastia davídica. Jeremias
empreende um ataque contra a instituição monárquica e os setores sociais ligados ao
poder pressageando um futuro massacre da elite, provocado pela ação violenta de um
exército invasor subalterno de Javé. Suas vozes silenciariam diante de tão grande
hecatombe.
Por último, o estudo do contéudo do derradeiro bloco da unidade (Jr 8,1-3)
retratou um cenário de humilhante tragédia, no qual Javé castigaria não somente os
sobreviventes da elite estatal na época de Jeremias, como até mesmo os ossos
sepultados de seus antepassados. Nem mesmo sua devoção às divindades representadas
pelos corpos celestes os salvaria no dia da vingança de Javé. A dura realidade política e
socioeconômica resultantes do ambiente pós-guerra colocaria os sobreviventes da elite
citadina em pé de igualdade com aqueles que outrora haviam sido oprimidos por ela.
Portanto, o relato expresso em Jeremias 7,1–8,3 evidencia um conflito social
oriundo da cobrança excessiva de tributo. Jeremias como porta-voz dos empobrecidos
299
pelo sistema tributário dá uma resposta popular às agressões do Estado. O culto e os
rituais perderam seu sentido de solidariedade, tornarem-se apenas instrumentos
legitimadores e promotores da expropriação da produção da classe empobrecida para o
uso das classes dominantes. Diante disso, o mensageiro de Javé declara o inevitável
desmantelamento da elite e a ruína da cidade de Jerusalém com seu templo e suas
instituições. O futuro reservado para Judá haveria de ser sem essas instituições.
300
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