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PROF.

DOU TOR LU ÍS FI LI PE SAC R A MEN TO


Juiz Conselheiro Jubilado
MESTRE ADELINO MUCHANGA
Juiz Presidente do Tribunal Supremo
MESTRE BERNARDO CHUZUAIO
Juiz Desembargador

DIREITO TUTELAR DE MENORES,


ACÇÃO DE ALIMENTOS E
REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

Tribunal Supremo
Título: DIREITO TUTELAR DE MENORES, ACÇÃO DE
ALIMENTOS E REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

Autores: PROF. DR. LUÍS FILIPE SACRAMENTO


Juiz Conselheiro Jubilado
MESTRE ADELINO MANUEL MUCHANGA
Juiz Presidente do Tribunal Supremo
MESTRE BERNARDO CHUZUAIO
Juiz Desembargador
Edição: W Editora
Revisão: W Editora
Arte gráfica: Danúbio Mondlane
Impressão: W Editora

Direitos reservados ao
Tribunal Supremo
Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos.
Pitágoras
As crianças, quando bem cuidadas, são uma semente da paz
e esperança.
Zilda AmsNeumann
A melhor maneira de tornar as crianças boas é torná-las felizes.
Óscar Wilde
Prefácio

O Venerando Luís Filipe Sacramento, hoje jubilado, brinda-nos com


a presente publicação, que tenho o raro privilégio de prefaciar.
O Dr. Sacramento, como é carinhosamente chamado, jurista com-
pleto, de elevadíssima postura social e intelectual, com salutar fron-
talidade na defesa do que é legal e justo, formou inúmeras gerações,
incluindo a minha, no seu longo e brilhante périplo pela magistratura
e docência.
Esta obra, de que o Dr. Sacramento foi o grande impulsionador, é
mais uma demonstração da sua incondicional disponibilidade para
partilhar conhecimentos e sua riquíssima experiência com a comuni-
dade jurídica. Trata-se de uma publicação formativa, um instrumento
de trabalho útil e prático para os jovens magistrados e juristas que, por
se encontrarem na fase inicial da carreira, sentem algumas dificulda-
des para se desenvencilharem.
A publicação da obra, com o apoio da UNICEF, vem complementar
as acções visando a materialização do lema do Plano Estratégico dos
Tribunais Judiciais 2016-2020, que dá especial ênfase à qualidade da
prestação jurisdicional.
A escolha dos temas responde às exigências actuais do nosso siste-
ma de administração da justiça, por ser nas matérias tratadas na obra
que a demanda processual tem vindo a aumentar significativamente
nos últimos anos; referimo-nos às acções de alimentos devidos a me-
nores e as de regulação do poder parental, com aumento médio anual
acima de 10% desde 2015.
A inclusão da matéria sobre adopção, embora com pouca expressão
no movimento processual, também acrescenta valor à obra, dado o es-
pecial cuidado que se deve ter nesta área, por causa das implicações
irreversíveis do estabelecimento da filiação adoptiva, principalmente
quando se trate de adopção de crianças por estrangeiros.
A eliminação da classificação dos tribunais de distrito, operada atra-
vés da Lei nº 11/2018, de 03 de Outubro, passando todos a conhecer das
matérias de família e menores, torna a obra ainda mais oportuna, por-
que poderá ser usada por todos os magistrados deste escalão de tribu-
nais, incluindo os que ainda não tiveram a oportunidade de participar
nas acções de formação contínua nos conteúdos nela tratados.
A obra é igualmente útil para os fazedores da justiça mais experien-
tes; aliás, a matéria de recursos na jurisdição de menores é de especial
de interesse para os tribunais encarregues de proceder à reapreciação
das decisões tomadas, em primeira instância, pelos tribunais judiciais
de distrito ou de província.
O grande mérito desta publicação resulta igualmente da forma di-
dáctica e simples como são dadas respostas a questões recorrentes nas
acções de alimentos, regulação do poder parental, adopção e recursos
na jurisdição de menores, designadamente: como deve o magistrado
agir no âmbito da jurisdição voluntária? Quais as implicações do prin-
cípio do superior interesse da criança nas várias acções de família e
menores? Quais os critérios a atender na fixação da medida dos ali-
mentos devidos a menores e na regulação do exercício do poder paren-
tal? O que fazer nas situações de incumprimento das decisões judiciais
sobre alimentos e regulação do poder parental? Como determinar a lei
aplicável nas acções de adopção internacional e como fazer a prova do
direito estrangeiro?
Especiais agradecimentos ao autor principal por este presente valio-
so, na expectativa de que continuará, com a mesma disponibilidade, a
partilhar os seus conhecimentos com todos nós.
Uma palavra de apreço à UNICEF, para contínua colaboração na
materialização das acções visando a melhoria da eficiência na admi-
nistração da justiça de menores; as crianças agradecem.

Maputo, Novembro de 2018

Adelino Manuel Muchanga


Presidente do Tribunal Supremo
Nota Prévia

Uma parte dos temas que constam do presente trabalho integram-


-se, especificamente, no conjunto das medidas tutelares de natureza
cível e todos eles, no seu todo, inscrevem-se no âmbito do chamado di-
reito tutelar de menores, o qual constitui um ramo especial do direito
processual civil.
Trata-se de uma área que não é conhecida por parte da maioria dos
recém graduados das faculdades de direito, por não constar dos currí-
culos das instituições universitárias do país, o que, naturalmente, cria
sérias dificuldades para quem, na vida prática, tem de lidar com esta
área do Direito.
É verdade que, em relação aos magistrados judiciais e do Ministério
Público, se tem procurado suprir o citado défice, integrando esta maté-
ria no currículo dos cursos de formação inicial no Centro de Formação
Jurídica e Judiciária. Mas, a natureza própria desta formação – técnico
profissional não permite dotar os magistrados de um conhecimento
suficientemente aprofundado deste ramo do direito adjectivo, com o
agravante de que, em muitas situações, há uma interligação íntima do
direito processual com o direito substantivo.
Foi essa a razão de fundo que nos levou a alinhavar algumas ideias
com o objectivo de procurar contribuir, de forma ainda que singela,
para que os aplicadores deste ramo do Direito tivessem ao seu dispor
alguns elementos que lhes facilitasse a vida, no momento em que o te-
nham de aplicar, com especial enfoque, quando se chega ao momento
em que há que proferir decisão.
Em todo o caso, deve ter-se presente que os temas ora tratados cons-
tituem uma parte muito insignificante dos diversos institutos que in-
tegram o ramo do Direito acima mencionado, razão pela qual é impor-
tante não ficar com a ideia de que se trata de um trabalho acabado e
que, portanto, se acha esgotado o tratamento da matéria relativa a esta
área jurídica.
Por essa razão, continuaremos a desenvolver esforços no sentido de
prosseguir a abordagem de outros temas relacionados com o direito
tutelar de menores, como modo de tornar mais acessível o seu conheci-
mento e facilitar o seu domínio, por quem o tenha de aplicar.

Os autores
PROCESSO JURISDICIONAL DE
MENORES COMO PROCESSO DE
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Mestre Bernardo Chuzuaio
BERNARDO CHUZUAIO 17

1. Introdução

Propusemo-nos a alinhavar algumas ideias sobre o tema em epí-


grafe, como forma de contribuir para um entendimento exacto acerca
do alcance da voluntariedade de jurisdição que caracteriza o processo
jurisdicional de menores.
A presente análise circunscrever-se-á, de modo específico, aos pro-
cessos de regulação do exercício do poder parental e nos processos de
alimentos devidos a menores. E, a razão da escolha destas duas es-
pécies de medidas tutelares é óbvia: o autor desta reflexão trabalha e
exerce funções na jurisdição cível há quase vinte anos, a maior parte
dos quais em secções de competência genérica, onde pôde ter contacto
diário com esta espécie de processos e vivido, por isso e com muita
preocupação, a ligeireza com que muitas vezes como são instruídos e
decididos os processos relativos a estas medidas tutelares.
Actualmente, está a caminho de dez anos de exercício de funções a
nível de instância de recurso e continuam inquietantes as recorrentes
omissões relacionadas com a instrução dos autos de regulação do po-
der parental e de processos de alimentos, bem assim no que respeita a
ilegalidades que são praticadas, ao que tudo indica, em nome do supe-
rior interesse do menor.
A situação é ainda mais grave, se se tiver em conta a forma como
são realizados os inquéritos no relativo aos requeridos ou quando o
juiz decide o pleito sem sequer se preocupar em realizar diligências
complementares e sem efectuar a audiência de discussão e julgamento,
mesmo quando exista ainda controvérsia em relação a certos aspectos
considerados relevantes no processo.
O superior interesse da criança vem se revelando de uso cada vez
mais acentuado na tomada de decisões nos processos referidos, impon-
do-se, contudo, a necessidade de estabelecer alguns critérios quanto à
sua aplicação, de modo a evitar que possa ser usado como um podero-
so instrumento para justificar shortcuts decisórios e dissimular autên-
tica tirania judiciária contra determinado progenitor1.
Pelas razões expostas, vamos tentar apresentar o nosso ponto de
vista sobre o que deve ser entendido por processo de jurisdição volun-
tária; e dentro dessa discussão, falar da maneira como os inquéritos
devem ser realizados e como o juiz deve agir com vista a atender, de
1
Muitas decisões não dão outra alternativa de entendimento.
18 PROCESSO JURISDICIONAL DE MENORES COMO PROCESSO
DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

forma efectiva, ao princípio do superior interesse da criança na decisão


que venha a tomar. Necessário se mostra também tratar da natureza da
decisão final em processos jurisdicionais de menores, no caso das es-
pécies acima mencionadas, para vislumbrar quais os poderes que são
atribuídos ao juiz para poder alterar a sua própria decisão (sentença) e
quais os limites que lhe são impostos no exercício dessa faculdade.

2. Processos de jurisdição voluntária - ideias gerais

Os processos de jurisdição voluntária acham-se regulados no Livro


III, Título IV, Capítulo XVII, do Código de Processo Civil e compreen-
dem os artigos 1409º a 1507º2.
As regras de carácter geral constam dos artigos 1409º a 1411º, donde
se extraem quatro grandes princípios3 pelos quais se regem os proces-
sos de jurisdição voluntária, e que são os seguintes: do inquisitório; da
equidade; da alterabilidade da decisão; e da irrecorribilidade das deci-
sões tomadas neste âmbito para a mais alta instância judicial.
Explicitando cada um dos mencionados princípios, na perspectiva
apresentada pelos autores citados na nota de roda pé:
i. o princípio do inquisitório, de acordo com o qual, nos proces-
sos de jurisdição voluntária, o juiz pode investigar livremente
os factos, de acordo com a regra estabelecida no nº 2, do artigo
1409º, do Código de Processo Civil, diferentemente do que acon-
tece na jurisdição contenciosa, onde o tribunal se tem de cingir,
por regra, aos factos alegados pelas partes;
ii. o princípio da equidade, de acordo com o qual o tribunal não
está subordinado a critérios de legalidade estrita nas providên-
cias que decrete4, devendo procurar chegar à solução mais ade-
quada em cada caso, orientando-se por regras de bom senso.
Nesta espécie de jurisdição vigora a liberdade de opção casuís-
tica, adoptando-se as soluções mais convenientes, oportunas

2
No domínio do Código de Processo Civil de 1939, estes processos eram regulados
nos artigos 1452º e seguintes (Processo de regulação de exercício do poder paternal)
e 1462º e seguintes (pedido de alimentos para menores), do referido diploma legal.
3
Antunes Varela, J. Miguel Bezera e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 3ª
edição, páginas 69 a 73.
4
O que não se deve confundir com arbitrariedade.
BERNARDO CHUZUAIO 19

e adequadas a cada situação concreta, contrariamente ao que


ocorre na jurisdição contenciosa, em que o juiz deve obediência
a regras normativas rígidas;
iii. o princípio da alterabilidade das decisões, de acordo com o qual
as decisões tomadas nos processos de jurisdição voluntária não
assumem, pela sua própria natureza, a força de caso julgado e
podem, por isso, ser alteradas pelo juiz que as proferiu, logo que
circunstâncias supervenientes ou não conhecidas pelo julgador
justifiquem a modificação, o que já não acontece na jurisdição
contenciosa, visto que neste tipo de processos o poder jurisdi-
cional do juiz esgota-se, em princípio, no momento em que a
decisão é proferida – cfr. artigo 666º, nº 1, do Código do Processo
Civil.
iv. por último, o princípio da irrecorribilidade para a mais alta ins-
tância judicial das decisões proferidas no âmbito dos processos
de jurisdição voluntária, de acordo com o qual, não estando em
causa a resolução técnica de questões de direito da competência
específica dos tribunais de revista, mas antes perante simples
opção pela gestão mais sensata ou conveniente de determina-
das situações de facto, das resoluções tomadas nesses processos,
nunca é admissível recurso para a mais alta instância judicial5.
Contudo, este princípio não tem aplicabilidade no caso de Moçam-
bique, uma vez que se admite recurso de revista, no domínio da juris-
dição voluntária – cfr. arts. 50, nº 1, al. a), 62, al. a), e 74, nº 1, al. a), todos
da Lei nº 24/2007, de 20 de Agosto – Lei da Organização Judiciária.
A natureza voluntária dos processos jurisdicionais de menores é,
entre nós, afirmada pelo disposto no artigo 3, da Organização Juris-
dicional de Menores, aprovada pela Lei nº 8/2008, de 15 de Julho. Se-
gundo esse dispositivo legal: “a jurisdição de menores constitui uma
jurisdição de equidade, que se orienta por princípios de bom senso e
não está sujeita ao critério de legalidade estrita “.

5
Contudo, do disposto no artigo 9, da Organização Jurisdicional de Menores, con-
clui-se ter o legislador moçambicano querido que, sobre matéria de direito, seja ad-
missível recurso de revista para o Tribunal Supremo.
20 PROCESSO JURISDICIONAL DE MENORES COMO PROCESSO
DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

3. A prática das instâncias

a) Nos processos de regulação do exercício do poder parental


Neste tipo de medida tutelar, o procedimento mais comum tem
sido o seguinte: requerimento inicial, que pode ser deduzido por um
dos progenitores ou pelo Curador de Menores; citação dos pais para
uma conferência; solicitação, junto das entidades patronais dos reque-
ridos, de informação sobre o seu rendimento líquido e ilíquido mensal
( quando junto com o pedido de regulação se peça também alimentos );
realização da conferência de pais, na qual quando se obtém acordo so-
bre a guarda do menor e/ou alimentos é este homologado e feito cons-
tar da acta de conferência e, no caso contrário, são os pais notificados
para, em dez dias, alegarem o que tiverem por conveniente quanto ao
exercício do poder parental e alimentos, se estes também tiverem sido
pedidos; inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais;
havendo alegações com oferecimento de provas, é realizada audiência
de discussão e julgamento6 (audiência que já não acontece, caso as tes-
temunhas ou outros meios de provas não sejam oferecidas); audição
do menor (quando tenha a necessária capacidade de discernimento);
parecer do curador de menores e decisão.
Relativamente à atribuição da casa de morada de família ao proge-
nitor que beneficie da guarda dos menores, as decisões são, por via de
regra, lacunosas, excepto quando a questão tenha sido suscitada ex-
pressamente pela parte7.
Toda a controvérsia relativa à atribuição do direito ao arrendamento
ou da casa de morada de família ao progenitor a quem tiver sido con-
fiada a guarda do menor é tendencialmente resolvida pelo tribunal da
causa tutelar8, inclusive no caso incumprimento do decidido quanto à
atribuição do direito ao arrendamento.
b) Nos processos de alimentos devidos a menores
Por regra, no domínio desta medida tutelar verifica-se a seguinte
prática: apresentação de pedido de atribuição de alimentos, o qual, nor-
6
Têm sido recebidos processos no Tribunal Superior de Recurso de Maputo em que
mesmo que uma das partes ou ambas tenham oferecido testemunhas, o juiz da 1ª
instância omite, pura e simplesmente, a audiência de discussão e julgamento.
7
Prática, entretanto, que se afigura contrária ao que se acha previsto no artigo 123, nº
2 e 3, da Organização Jurisdicional de Menores.
8
Mesmo em clara violação ao disposto no nº 4, do artigo 123, da Organização Juris-
dicional de Menores.
BERNARDO CHUZUAIO 21

malmente, é apresentado pela mãe; citação do requerido; apresentação


da contestação pelo requerido; julgamento (quando sejam arroladas
testemunhas ou outros meios de prova); decisão.
Na eventualidade de falta de cumprimento das determinações do
tribunal, também constitui prática corrente a instauração dum expe-
diente processual denominado “autos de cobrança coerciva”, o qual é
autuado por apenso, ao processo principal.
Raramente as partes são remetidas ao foro comum para cobrança
das quantias em dívida, em flagrante violação do disposto no nº 2, do
artigo 131, da Organização Jurisdicional de Menores.
Note-se que numa e noutra espécie de processo são exigidos inqué-
ritos sociais. E, falando desta importante peça processual, importa cha-
mar a atenção à forma como estes são realizados e elaborados, espe-
cialmente os que são efectuados no âmbito dos autos de regulação do
exercício do poder parental.
A necessidade da sua realização nos processos de regulação de exer-
cício do poder parental resulta do disposto no nº 2, do artigo 120 e nº 3,
do artigo 121, ambos da Organização Jurisdicional de Menores.
Quem deve realizá-los é o serviço de assistência social dos tribunais
de menores, de acordo com o disposto na alínea d), do nº 1, do artigo
19, da Organização Jurisdicional de Menores.
Mas, quanto ao modo como devem ser realizados esses inquéritos
e qual o conteúdo que os respectivos relatórios devem conter a lei não
é clara. O que se acha estatuído é que, no caso de inquéritos a realizar
no âmbito dos processos de regulação de exercício parental, os mesmos
devem incidir sobre a situação social, moral e económica dos pais, en-
quanto, relativamente aos processos de alimentos devidos a menores,
tais inquéritos visarão indagar os meios do requerido e as necessidades
do menor - cfr. artigo 123, nº 3, para o primeiro caso e artigo 129, nº 2,
in fine, para o segundo caso, sendo este artigo e aquele, ambos da Or-
ganização Jurisdicional de Menores.
A prática das instâncias9 neste domínio tem-se circunscrevido a en-
9
Referimo-nos aos tribunais de primeira instância. A nível da cidade de Maputo é
competente para conhecer seja da regulação do exercício parental, seja dos processos
de alimentos devidos a menores o Tribunal de Menores da Cidade de Maputo. Nos
distritos, essa competência está reservada aos respectivos tribunais judiciais de dis-
trito, sendo que quando estes estejam organizados em secções, o conhecimento das
referidas matérias caberá às respectivas secções cíveis - vide artigos 84, 1, al. a) e 85,
1, al. a, da Lei nº 24/2007, Lei da Organização Judiciária, com as alterações introdu-
22 PROCESSO JURISDICIONAL DE MENORES
COMO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

trevistar o casal desavindo, a descrever o tipo de casa onde habita cada


um dos pais, o número do agregado familiar e o número de refeições
diárias normalmente servidas à família, escola frequentada pelo me-
nor e respectivo nível escolar, sendo com base nesse relatório, mais a
informação das entidades patronais sobre o rendimento de cada um
dos progenitores e o depoimento das testemunhas, quando seja esse o
caso, que o tribunal decide.
E, por via de regra, o superior interesse da criança é invocado em
termos abstractos, sem preocupação em interligar este princípio com as
situações concretas provenientes dos hábitos, comportamento e condu-
ta dos progenitores, ambiente familiar e social que os envolve, a forma
como acompanham o menor, o afecto que lhe dispensam e as possibili-
dades reais de crescimento são e harmonioso dos menores.

4. Inquérito social – forma de recolha de informação e


conteúdo do relatório

Ainda que a Organização Jurisdicional de Menores não seja sufi-


cientemente esclarecedora sobre o tipo de informação a recolher e de
como ela deve ser obtida, o citado nº 3, do artigo 121, da Organização
Jurisdicional de Menores, estabelece uma regra abstracta orientadora
do mecanismo de recolha dessa mesma informação e sobre qual deve
ser o conteúdo do relatório respectivo, designadamente, sobre o que se
deve procurar apurar através do inquérito no relativo aos progenitores,
seja a determinação do pai que reúne melhores qualidades de educa-
dor, seja dos elementos balanceadores, que permitam a correcta fixação
da pensão alimentar.
Assim, vejamos o que diz o citado dispositivo legal: “ Findo o prazo
para a apresentação das alegações, procede-se a inquérito sobre a situa-
ção social, moral e económica dos pais.”
Desta asserção intui-se, pois, que, a nível de lei, se pretende que seja
através do inquérito realizado aos progenitores que: se apure como
cada um deles vive na sua nova relação (novo marido ou nova espo-
sa, filhos, pais, irmãos entre outras pessoas); se apure o nível de orga-
nização familiar e sua capacidade financeira ou dos meios materiais
necessários para o sustento da família ( nova família em que se achar

zidas pela Lei nº 24(2014, de 23 de Setembro.


BERNARDO CHUZUAIO 23

inserido ), desde o suprimento das necessidades básicas até à satisfação


das actividades lúdicas); e se apure o grau de encargos que possuam.
Também se afigura importante, sobretudo nos processos de regula-
ção do exercício poder parental10 (visto que é neles onde se verifica a
disputa sobre a guarda de determinado menor , saber: como cada um
dos progenitores conduz a sua vida na esfera pública e privada (dentro
e fora de casa, para sermos mais claros); como cada um deles se empe-
nha em prol do desenvolvimento escolar e da saúde física e psicológica
do menor e da integração deste na sociedade, onde em adulto deverá
ser actor principal; como cuidam do menor, incluindo o nível de aten-
ção que lhe dispensam.
É neste aspecto particular – relativo a idoneidade moral dos proge-
nitores e sua capacidade de orientadores – como também naquele ou-
tro – sobre as condições económicas dos progenitores, principalmente
quando estes não trabalhem por conta de outrem ou, quando para além
de assalariados ou funcionários, conseguem produzir um rendimento
extra – que se erguem as maiores dificuldades para a obtenção de uma
informação que se apresente útil ao juiz, de modo a, com base numa tal
recolha de elementos, proferir uma decisão que atenda efectivamente
aos superiores interesses do menor – o sujeito da medida tutelar
Na verdade, nos dois citados itens mostram-se praticamente inúteis
as meras entrevistas comummente feitas aos progenitores, por não aju-
darem a tomar uma correcta decisão: eles nunca irão ser inimigos deles
próprios.
Aqui, para o tribunal lograr informação que contribua para uma de-
cisão justa, equilibrada e respeitadora do superior interesse do menor,
o inquiridor precisa de sair da zona de conforto, em que o inquiridor
se limita a uma mera conversa com o inquirido ou a inquirida no am-
biente climatizado do escritório ou da sala de estar ou ainda à sombra
da mafurreira, e ir ao encontro da informação julgada necessária sobre
a vida dos pais do menor através da inquirição dos seus pais, irmãos,
avôs, amigos, vizinhos, estruturas políticas do local de residência do
inquirido. Os lugares que normalmente frequentam (restaurantes, dis-
cotecas, igreja, etc.) não podem ser descartados. Como se pode obter in-
formação útil através da inquirição de um ou outro colega de trabalho.

10
São eles que se degladiam relativamente à guarda do menor.
24 PROCESSO JURISDICIONAL DE MENORES
COMO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

Essas fontes não devem ser descartadas enquanto não se deva


considerar saciada a necessidade de informação relevante para uma
decisão que venha a mostrar-se efectivamente útil para a criança,
ao mesmo tempo que sossegue a alma do progenitor vencido, o que,
como é consabido, apenas se consegue com uma decisão devida-
mente fundamentada11.

5. Poderes do Juiz nos processos de regulação do poder pa-


rental e nos processos de alimentos devidos a menores

Já houve o cuidado de mencionar que a nossa reflexão se iria cir-


cunscrever aos processos de regulação de exercício do poder parental e
aos processos de alimentos devidos a menores. Explicámos também as
razões da escolha dos dois temas. Nesta parte, interessa-nos falar ago-
ra, ainda que de forma breve, sobre os poderes que o juiz tem nestas
espécies de processos, bem assim como sobre os limites que, do ponto
de vista de lei, devem ser observados na actuação do tribunal nas duas
espécies de processos.
Segundo os autores que antes referimos12, contrariamente ao que
acontece com os processos de jurisdição contenciosa, em que há confli-
to de interesses entre as partes, nos processos de jurisdição voluntária
não ocorre um verdadeiro conflito de interesses entre os progenitores,
há sim um interesse fundamental tutelado pelo direito, acerca do qual
podem formar-se posições divergentes, que ao juiz cumpre regular nos
termos mais convenientes. Nos processos de jurisdição voluntária o
juiz não é um mero árbitro, intérprete e aplicador da lei, mas antes um
verdadeiro gestor de interesses, interesses que a lei coloca sob a fiscali-
zação do Estado, através do poder judicial.
Como corolário dos princípios acima enunciados, conclui-se que no
caso dos processos tutelares cíveis de jurisdição voluntária, designa-
damente no processo de regulação do exercício do poder parental e no
processo de alimentos devidos a menores, a lei faculta ao juiz verdadei-
ros poderes-deveres13; a lei confere ao magistrado autênticos poderes

11
O que ajudaria inclusive a terminar com o conflito dentro do mesmo processo ou a
propósito do mesmo assunto.
12
Mesma obra e páginas.
13
Recaído nos autos de recurso nº 538/11.4TBBRR-A.LI-8.
BERNARDO CHUZUAIO 25

funcionais, no âmbito dos quais pode investigar livremente os factos,


coligir provas e recolher as informações necessárias e convenientes, de
molde a atingir a solução mais adequada ao caso concreto e que melhor
solucione o litígio em que é chamado a intervir.
Dizendo por outras palavras, nos processos de jurisdição voluntá-
ria, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, deven-
do buscar a solução mais justa, a que repute como mais conveniente e
oportuna, em ordem a uma equitativa composição dos interesses em
causa, e que se mostre mais adequada ao caso concreto, face aos factos
que o processo revela e tendo em atenção os reais interesses do menor.
Por conseguinte, ao juiz está vedado o ventilar de soluções irrealis-
tas, com interpretações de natureza formal e à margem da realidade e
da vivência social do momento14.
Todavia, esta tem sido a prática das instâncias, que abrigando-se na
natureza voluntária da jurisdição de menores e no superior interesse
do menor, tomam amiúde decisões sem o necessário suporte factual
nem prossecutoras do alegado superior interesse da criança.
Um dos erros que tem sido cometido pelas instâncias, logo no início
do processo, mais especificamente nos autos de regulação do exercício
do poder parental, tem a ver com a falta de participação dos avôs ou
outros parentes do menor, na primeira oportunidade que o juiz tem de
conversar com os progenitores do menor. Os juízes nem sequer os con-
vida para essa sessão, embora sejam evidentes as vantagens que disso
podem resultar na futura escolha da decisão a tomar.
Efectivamente essas pessoas podem, logo no início do processo, dar
uma ideia clara ao tribunal sobre qual dos pais é melhor para cuidar
do menor sob o ponto de vista da sua capacidade de educadores e da
sua idoneidade moral.
Mais ainda, os tribunais pouco caso fazem sobre o conteúdo dos re-
latórios, que mostram que o inquérito se limitou à entrevista dos pais
e a verificar a situação habitacional de cada um deles, bem assim como
ao número de refeições que são servidas.

14
Ver acórdão referido.
26 PROCESSO JURISDICIONAL DE MENORES
COMO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

6. Alterabilidade das decisões nos processos


jurisdicionais de menores – limites
Sobre o âmbito e alcance deste princípio já tivemos oportunidade
de nos referimos no ponto II. De acordo com este princípio as decisões
tomadas em processos de jurisdição voluntária não assumem, pela sua
própria natureza, a força de caso julgado e podem, por isso, ser altera-
das pelo juiz que as proferiu, logo que circunstâncias supervenientes
ou que não eram conhecidas pelo julgador justifiquem a modificação
da decisão que havia tomado. Situação que, diferentemente, se verifica
na jurisdição contenciosa, visto que neste tipo de processos o poder
jurisdicional do juiz se esgota, em princípio, no momento em que a
decisão é proferida, conforme o estabelecido no nº 1, do artigo 666º, do
Código de Processo Civil.
A possibilidade de alteração das decisões no âmbito dos dois tipos
de processos não resulta directa ou expressamente da Organização Ju-
risdicional de Menores, mas sim do que se acha estatuído no artigo
1411º, nº 1, do Código de Processo Civil, ao estabelecer que: “Nos pro-
cessos de jurisdição voluntária as resoluções podem ser alteradas, sem
prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias
supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes
tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as an-
teriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo
ponderoso.”
Por aqui se vê o amplo poder que o juiz tem nos processos de juris-
dição voluntária para modificar a sua própria decisão, em consequên-
cia da superveniência de factos novos ou mesmo anteriores, mas que
a parte ignorava ou não os tinha alegado por outro motivo ponderoso.
Não quer isso dizer que as decisões no âmbito dos referidos pro-
cessos não transitem em julgado. Pois, como se extrai do acórdão da
Relação de Évora proferido nos autos de recurso nº 150/06 – 315 “ Nos
processos de jurisdição voluntária, as decisões, ao invés do que sucede
nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado,
definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterarem as
circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso jul-
gado, sujeito a uma cláusula rebussicstantibus, ou seja um caso julga-
do com efeitos temporalmente limitados. Assim, enquanto não forem
15
www.dgsi.pt.
BERNARDO CHUZUAIO 27

alteradas nos termos e pela forma processualmente adequada pelo tri-


bunal competente, a decisão impõe-se tanto às partes, como a terceiros
afectados pela mesma e até ao próprio tribunal – caso julgado material
e formal.”.
Por essa razão, é difícil nos processos de jurisdição voluntária, em
que se integram os processos tutelares cíveis, estabelecer, em princípio,
limites ao poder que a lei atribui ao juiz de alterar as suas próprias
decisões.
No entanto, há naturalmente limites a este poder do juiz para alterar
as suas decisões.
Um desses limites resulta da necessidade de essa alteração ter de ser
requerida pela parte interessada. Portanto, nesta matéria não se admite
a alteração por mera iniciativa do juiz, ou seja, de moto próprio o juiz
não pode a seu belo prazer alterar uma decisão, secundando-se no fac-
to de se estar no domínio de jurisdição voluntária.
Por outro lado, embora se esteja em sede de processos que não obe-
decem ao princípio de legalidade estrita, impõe-se sempre a observân-
cia das formalidades que a lei estabelece para a instrução e decisão do
processo.
Logo, não é correcto decidir, ainda que a pedido da parte, em inci-
dente de incumprimento, sobre a situação do contrato de arrendamen-
to ou do imóvel de habitação da família, quando nos respectivos autos
de regulação do exercício parental essa questão não tenha sido objecto
de apreciação16.
Logo, se mostra correcto decidir, ainda que a pedido da parte, em
incidente de incumprimento, sobre a situação do contrato de arrenda-
mento ou do imóvel de habitação da família, quando nos autos de re-
gulação do exercício parental essa questão tinha sido suscitada ou não
tenha sido apreciada17.
Na mesma esteira, também não será de admitir a alteração de um
acordo alcançado pelos pais de um menor, homologado por sentença,
sem que, para o efeito, a parte requerente deduza factos supervenien-
tes nos precisos termos exigidos pelo artigo 1411º, do Código de Pro-
cesso Civil.
E, como supervenientes também não devem ser atendidos e consi-
derados, factos que não interfiram ou ponham em causa o fundo da
16
E não será admissível esse procedimento mesmo que a questão tenha sido conhecida.
17
O mesmo que foi dito na nota anterior.
28 PROCESSO JURISDICIONAL DE MENORES
COMO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

decisão tomada e que, muitas vezes, são usados por progenitores para
procurar inverter a situação do menor, especialmente no que diz res-
peito à regulação do exercício do poder parental.
Exige-se, por isso, um cuidado redobrado por parte do juiz para
saber respeitar os princípios que acabam de ser referidos.

7. Conclusão
Depois do tudo o que descreveu, pode afirmar-se que, no domínio
dos processos jurisdicionais de menores, nomeadamente nas duas es-
pécies que elegemos, para se tomar uma decisão segura e conscien-
ciosa é essencial que o juiz se socorra dos poderes funcionais, que a
lei coloca ao seu dispor, para investigar livremente os factos, buscar
elementos de prova e recolher as informações julgadas pertinentes,
visando através delas atingir uma solução que se apresente o mais
adequada possível para o caso concreto e que melhor solucionem o
litígio; poderes que, ao mesmo tempo, constituem para o tribunal uma
espécie de chave-mestra por intermédio da qual pode acessar ao maior
volume de informação e provas possível, constituem ao mesmo tempo
um limite à sua actuação, no sentido de que a sua decisão não se ba-
seará em simples conclusões lógico-formais, como muitas vezes acon-
tece; que a execução das medidas tomadas no âmbito destes processos
será, por vezes, da competência do tribunal ou secção de menores que
a tenha tomado e dentro do mesmo processo18 ou autuado por apenso
ou em expediente independente19.
Que, nesta espécie de processos, não transitam em julgado as deci-
sões finais que hajam sido tomadas pelos tribunais, o que dá ao juiz a
possibilidade de alterá-la a qualquer altura, mas só quando tenha sido
solicitada pela parte, mas, para esse efeito, o juiz deve assegurar-se
que essa alteração se efectiva dentro do quadro procedimental, que a
própria lei estabelece20

18
Artigos 125, nºs 1 e 2 e 130, ambos da Organização Jurisdicional de Menores.
19
Artigos 126 e 131, ambos da Organização Jurisdicional de Menores.
20
Artigo 1411º, do Código do Processo Civil e artigo 126, da Organização Jurisdicio-
nal de Menores.
A ADOPÇÃO NA ORDEM
JURÍDICA MOÇAMBICANA

Mestre Adelino Muchanga


ADELINO MUCHANGA 31

1. Origem e fins da adopção

A palavra adopção provêm do latim “a doption”, que é uma expres-


são formada de ad que significa (por), e optione que quer dizer (opção).
A adopção, enquanto fonte de relações jurídicas familiares e institu-
to jurídico, tem profundas raízes históricas.
Na bíblia existem algumas referências sobre adopção como a de
Moisés pela filha de Faraó (êxodo 2:10), Efraim e Manes por Jacó e
Ester por Mardoqueu.
O Código de Hamurabi, escrito por volta de 1700 a.c., estabelecia
algumas normas sobre adopção; estabelecia o artigo 185 do Código o
seguinte: “se um homem adoptar uma criança e der o seu nome a ela
como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado
por outrem.”
Assim, numa primeira fase, com a adopção pretendeu-se garantir a
perpetuação do nome, de títulos e inclusive da propriedade fundiária
de famílias que não tinham descendentes; porque a adopção prosse-
guia essencialmente os interesses dos adoptantes, as normas então vi-
gentes conferiam uma ampla liberdade de escolha do adoptado.
Apesar de todos os povos da civilização patriarcal conhecerem o
instituto da Adopção, o seu desenvolvimento deveu-se principalmen-
te ao Direito Romano. Foi no Direito Romano que este instituto foi
amplamente difundido, encontrando a disciplina e o ordenamento ju-
rídico sistemático.
O instituto conheceu uma fase de declínio a partir do séc. XV e
XVI, quando o Direito Canónico passou a considerar o sacramento
matrimonial como fonte privilegiada da família. Por isso, os víncu-
los de sangue fundados no casamento prevaleciam sobre aqueles que
resultassem de relações extra-conjugais. A diferenciação entre filhos
legítimos e ilegítimos, que até recentemente vigorou no nosso ordena-
mento jurídico, é consequência da influência da religião, que protegia
o matrimónio de forma especial.
Após a Revolução Francesa, a adopção ressurgiu através do Código
Napoleónico de 1804, como acto jurídico capaz de estabelecer o paren-
tesco civil entre duas pessoas. O Código Napoleónico regulamentou a
adopção no título XIII, artigos 343-360.
O instituto da adopção readquire a sua vitalidade e suscita novo in-
teresse aos legisladores no fim das guerras mundiais. As guerras dei-
32 A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA

xaram grande número de crianças sem pais e muitos pais sem filhos.
Desde então até aos tempos mais recentes, a adopção evoluiu no
sentido de passar a ser entendida mais como um meio de proteger os
menores em estado de abandono, do que uma forma de preservar o
nome ou o património dos adoptantes.
No caso de Moçambique, com a entrada em vigor da Constituição
da República de 2004 e da Lei da Família de 2004, reforça-se a posição
de que a adopção visa integrar o menor numa família. Na verdade,
embora a adopção possa prosseguir a finalidade de dar um filho a
uma família que não tenha filho, esta finalidade é secundária, atento
ao princípio constitucional do interesse superior da criança.

2. Noção e modalidades da adopção

Em conformidade com o que estatui o artigo 15 da Lei da Família, a


“adopção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas independen-
temente de laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos
termos dos artigos 389 e seguintes”.
O Código Civil de 1967 previa duas modalidades de adopção: a
adopção restrita e a adopção plena. A diferença entre a adopção plena
e a adopção restrita residia sobretudo na extensão dos efeitos de uma e
outra modalidade; a adopção restrita produzia os efeitos especialmen-
te previstos por Lei, mas o adoptado mantinha as relações com a famí-
lia natural; pelo contrário, com a adopção plena, o adoptado adquiria
a situação de filho, sendo como tal tratado para todos os efeitos legais,
salvo no que respeitava aos impedimentos matrimoniais.
O regime da adopção contido nova Lei da Família é próximo ao
da anterior modalidade de adopção plena. A Lei da Família intro-
duziu, por outro lado, o instituto da “Família de Acolhimento”,
cujos efeitos são essencialmente os mesmos que eram reconheci-
dos à adopção restrita.
No que respeita aos sujeitos envolvidos (requerentes), a Lei prevê
as modalidades de adopção plural (por duas pessoas) e adopção sin-
gular (por uma pessoa).
ADELINO MUCHANGA 33

3. Requisitos da adopção

Temos, por um lado, os requisitos gerais e, por outro, os requi-


sitos específicos, respeitantes aos requerentes e ao adoptando.

3.1 Requisitos Gerais

Do artigo 391, n.º 1, da Lei da Família, retira-se serem os seguintes


os requisitos gerais da adopção:
• Vantagens concretas para o adoptando;
• Não pôr em causa as relações e os interesses de outros filhos do
adoptante;
• Capacidade de integração.
Antes exigia-se que a adopção trouxesse “reais vantagens” para o
adoptando e no novo texto legal foi preferida a terminologia “vanta-
gens concretas”; com tal inovação, pretendeu-se deixar claro que as
vantagens não devem ser hipotéticas, mas que sejam efectivamente
demonstradas.
A questão que pode ser colocada é a de saber como devem ser ve-
rificadas as vantagens concretas para o adoptando; ora, visto que a
adopção é precedida de um período de adaptação de no mínimo seis
meses, com acompanhamento dos Serviços da Acção Social, é possí-
vel, terminado tal período, aferir se num caso concreto e do ponto de
vista das condições morais e materiais, a adopção é ou não vantajosa
para o menor.
Dada a exigência feita por lei, sempre se deverá ter bem presente
que, a sentença do Tribunal de Menores não se limita a realizar um
mero juízo de legalidade, mas sim emite um verdadeiro juízo de opor-
tunidade e de valor, quando entende e decide que a adopção apresen-
ta para o adoptado vantagens concretas.
Com o segundo requisito geral, o legislador pretende evitar que a adop-
ção implique um sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante.
Tem-se defendido que as desvantagens em termos sucessórios que
adopção possa acarretar não poderão ser incluídas no conceito de
sacrifício injusto; pelo contrário, a adopção poderá pôr em causa os
interesses dos outros filhos se, de forma substancial, afectar o desen-
volvimento físico e psíquico dos filhos do adoptante. A lei portugue-
sa, numa formulação algo semelhante à nossa, prevê como um dos
34 A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA

requisitos gerais, que a adopção “não envolva sacrifício injusto” para os


filhos do requerente da adopção; sobre o assunto o Prof. Antunes Va-
rela apresenta o seguinte exemplo: “Se o casal ou progenitor adoptante já
não tiver condições económicas para os sustentar, obrigando-os a passar pri-
vações, ou se, a introdução duma nova criança no lar for onerar especialmente
uma das filhas, já sobrecarregada com a lida da casa.”21
Por último, a lei impõe como requisito geral que o requerente e
adoptando revelem capacidade de integração; ou seja, que estabele-
çam laços de afecto e aproximação semelhantes aos da filiação natural.
Será durante o período de adaptação que os Serviços de Acção Social
irão verificar se as duas partes revelam ou não a necessária capacidade
de adaptação.

3.1. Requisitos Específicos


3.1.1. Requisitos relativos aos requerentes: adopção plural
ou conjunta
Por força do Artigo 395 da Lei da Família, exige-se, para a adopção
plural, que os requerentes reúnam cumulativamente os seguintes re-
quisitos:
• Estarem casados ou viverem em união de facto há mais de três
anos e não se encontrarem separados de facto;
• Que ambos tenham mais de 25 anos de idade; e
• Possuam condições morais e materiais que possibilitem o de-
senvolvimento do menor.

3.1.2. Requisitos relativos aos requerentes: adopção singular

Ao lado da adopção plural ou conjunta, temos a adopção singular,


que é admitida independentemente da situação familiar do adoptante;
assim, podem adoptar a título individual os solteiros, viúvos, divor-
ciados, separados ou casados desde que:

Varela, Antunes, Direitoda Família, 1º Volume, 5ª Edição, LivrariaPetrony, Lisboa,


21

1999, p. 119.
ADELINO MUCHANGA 35

• Possuam condições morais e materiais que garantam o são


crescimento do menor;
• Tenham mais de vinte e cinco anos de idade.
Podem ainda adoptar individualmente o cônjuge, sendo o adopta-
do filho do cônjuge do adoptante, e os unidos de facto, sendo o adop-
tado filho da pessoa com que o adoptante mantenha comunhão de
vida há mais de três anos.
Relativamente a adopção singular (por parte do adoptante), algu-
mas questões se levantam e podem suscitar dúvidas quanto aos efei-
tos da adopção.
Um primeiro aspecto, na adopção singular, tem a ver com a cessa-
ção do vínculo com os ascendentes biológicos, sem prejuízos do que
se acha disposto quanto aos impedimentos matrimoniais. Decretada a
adopção, fica afastada a possibilidade de se restabelecer o vínculo fa-
miliar entre o adoptado e seus parentes naturais, mesmo que o adop-
tante depois venha a contrair casamento com o ascendente natural do
adoptado. Neste caso, do ponto de vista legal, o ascendente biológico
que depois da adopção contrai casamento com o adoptante é tratado
como afim do adoptado; querendo o ascendente biológico restabelecer
os laços de filiação terá que recorrer a uma adopção singular.
Outro aspecto relativo à adopção singular tem a ver com a inexis-
tência de normas especiais de registo civil dos adoptados. Na verdade,
sendo o adoptante singular, por hipótese, do sexo masculino, este será
considerado como pai do adoptado, para efeitos de registo civil, mas a
lei nada dispõe quanto a indicação da mãe.
Situação diversa se verificará quando a adopção recair, no momen-
to em que ocorre, sobre o filho do cônjuge ou da pessoa com que o
adoptante mantêm comunhão de vida ou viva em união de facto. A
relação familiar anterior entre o adoptado e seus parentes e colaterais
naturais se mantêm.
A nosso ver, com a adopção singular, o(a) adoptante deveria as-
sumir a posição do pai ou da mãe, mantendo-se as relações entre o
adoptado e o progenitor de sexo oposto ao do(a) adoptante. Assim,
sendo o adoptante do sexo masculino, o adoptado seria considerado
36 A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA

filho do adoptante e da mãe biológica; no caso inverso, o adoptado


seria considerado filho da adoptante e do seu pai biológico. Foi esta a
solução adoptada na Lei de Família de Angola, com a qual concorda-
mos plenamente.
Olhando para o Artigo 393 da Lei da Família, pode-se concluir que
o requisito temporal de vigência mínima de três anos, de casamento
ou união de facto, justifica-se pela necessidade de assegurar a estabili-
dade da relação e evitar que os cônjuges ou os unidos de facto tomem
uma decisão precipitada ou irreflectida.
Quanto à idade mínima e os limites fixados em relação às ida-
des do adoptado e adoptante, dizer que o legislador pretendeu
assegurar a maturidade dos adoptantes e evitar grandes discre-
pâncias de idades, condições necessárias para que o(s) adoptan-
te(s) possam exercer com a necessária autoridade o poder parental
sobre o adoptado.
De acordo com a Lei, em regra, podem ser adoptados os menores
de 14 anos e podem adoptar indivíduos com idade não superior a 50
anos. Dispõem ainda o n.º 4 do artigo 393 que, “salvo casos ponde-
rosos a diferença de idades entre adoptado e adoptante não deve ser
inferior a 18 anos nem superior a 25 anos.”

3.1.3. Requisitos relativos ao adoptando

Relativamente ao adoptando, estipula o artigo 395 que a adopção


pode recair sobre:
• Os menores filhos do cônjuge do adoptante ou da pessoa
com quem este viva em união de facto ou comunhão de
vida há mais de três anos;
• Os menores de catorze anos que se encontrem em situação
de orfandade, de abandono ou de completo desamparo;
• Os menores de catorze anos filhos de pais incógnitos e
os menores com menos de dezoito anos que, desde ida-
de não inferior a doze anos, tenham estado a guarda do
adoptante.
Note-se que, diferentemente do que sucede com a união de facto,
cuja noção consta do artigo 202 da Lei da Família, nenhuma noção
legal da “comunhão de vida” é apresentada; dever-se-á, deste modo,
ADELINO MUCHANGA 37

entender por “comunhão de vida” a situação de vida em comum (co-


munhão de cama, mesa e habitação) sem que entretanto estejam reuni-
dos os requisitos da união de facto, designadamente, quando um dos
companheiros da comunhão esteja ligado formalmente por casamento
anterior não dissolvido, facto que impossibilita a atribuição dos efeitos
da união de facto; situações desta natureza (em que um dos cônjuges
passa a coabitar com outra pessoa) ocorrem normalmente quando há
separação de facto entre os cônjuges sem o propósito de retomar a
vida conjugal.

3.1.4. Consentimento das pessoas interessadas

Para a constituição do vínculo da adopção exige-se o consentimen-


to de determinadas pessoas, que deve sempre ser prestado perante o
juiz, a quem incumbe o dever de esclarecer o declarante sobre o signi-
ficado e os efeitos do consentimento.
Estabelece o n.º 1 do artigo 396 da Lei da Família que “para que haja
lugar à adopção é necessário o consentimento do adoptando quando maior de
12 anos, do cônjuge, não separado de facto, do adoptante, dos pais naturais
do adoptando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o poder parental,
dos filhos do adoptante, quando maiores de 12 anos.” No entanto, o tribunal
poderá dispensar o consentimento das pessoas que o deveriam pres-
tar, se estiveram privadas do uso normal das faculdades mentais ou
por qualquer outra razão se houver dificuldade em as ouvir.
Anote-se que o consentimento é revogável, a qualquer momento,
antes da publicação da sentença.
No que respeita ao adoptando, o artigo 399 da Lei da Família man-
da que seja ouvido quando tenha mais de 7 anos de idade; não se tra-
tará, neste caso, de obter o consentimento do menor, mas de colher a
sua opinião, que deverá ser considerada no processo de decisão.
O facto da lei estabelecer o dever de audição só a partir dos 7 anos,
não poderá ser entendido como impeditivo da audição do adoptando
com menos de 7 anos; na verdade, tratando-se de um processo inte-
grado na jurisdição voluntária, o Juiz poderá, se assim achar conve-
niente, ouvir os menores com idade inferior a 7 anos.
A audição dos menores e a exigência do seu consentimento, decor-
rem das disposições da Constituição da República e dos instrumentos
38 A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA

internacionais ratificados por Moçambique, que estabelecem a exigên-


cia do seu pronunciamento sobre assuntos que lhes digam respeito, de
acordo com a sua maturidade.

4. Processo da adopção

O processo vem hoje regulado na Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho, e


obedece a duas fases distintas, sendo a primeira instrutória e a segun-
da decisória.
O processo de adopção inicia-se com o requerimento dirigido ao
Juiz Presidente do tribunal da área de residência do menor e dá en-
trada na respectiva secretaria judicial. No requerimento inicial devem
ser alegadas e justificadas, pelos requerentes ou requerente, as van-
tagens da adopção para o adoptando, oferecendo todas as provas de
verificação dos demais requisitos legais de que a adopção depende.
As provas incluem os documentos de identidade dos requerentes e do
adoptando, as certidões de factos sujeitos a registo obrigatório e cuja
verificação releve para a adopção (ex: casamento e óbito), documentos
de prova de outros factos invocados e indicação de testemunhas.
Não se verificando situação que determine indeferimento liminar,
o juiz ordena a remessa dos autos aos Serviços da Acção Social para
inquérito social, a ser concluído no prazo de 30 dias.
Poderá haver indeferimento liminar, por exemplo, se o adoptando
já tiver atingido 19 anos ou quando se trate de um requerimento para
adopção plural feito por duas pessoas não casadas e que não tenham
vida em comum. A diferença de idades entre o adoptante e adoptan-
do não pode fundamentar um indeferimento liminar, já que o n.º 4 do
artigo 393 da Lei da Família, abre espaço para casos ponderosos, que
só podem ser verificados na fase instrutória.
Durante o inquérito social, os Serviços da Acção Social procedem
ao estudo da situação dos requerentes ou do requerente, bem como do
adoptando, para aferir se aqueles reúnem condições para adoptar e se
a adopção pode trazer vantagens para o adoptando.
Concluído o inquérito, é elaborado relatório contendo o parecer dos
Serviços da Acção Social. Se o processo de adopção tiver que prosse-
guir, o juiz fixa o período de integração do adoptando na família dos
requerentes e as formas como tal integração se deve processar.
ADELINO MUCHANGA 39

A qualquer momento, durante o período de integração, os Serviços


da Acção Social, o curador de menores, os representantes legais do
adoptando, com fundamento em factos que ponham em causa os inte-
resses do menor, podem requerer ao tribunal o afastamento do menor
da família dos requerentes da adopção. Antes da decisão, o tribunal
pode ordenar diligências de prova que reputar necessárias.
Terminado o período de integração, os Serviços da Acção Social, no
prazo de cinco dias, elaboram relatório final e emitem parecer sobre
a capacidade de integração do adoptando e família do requerente e
sobre a atendibilidade do pedido de adopção, remetendo os autos ao
tribunal.
Apresentado o relatório e parecer final dos Serviços da Acção Social
o juiz ordena que os autos vão com vista ao Ministério Público para
que, no prazo de cinco dias, se pronuncie sobre o pedido na qualidade
de curador de menores.
O tribunal ordena depois que sejam notificadas as pessoas que, por
lei, devem dar o seu consentimento e procede às audições obrigató-
rias, se os consentimentos não tiverem sido prestados antes, nos ter-
mos do n.º 2 do artigo 397 da Lei da Família.
Os relatórios da Acção Social e o pronunciamento do Ministério
Público, não vinculam o tribunal, que poderá sempre ordenar a reali-
zação de diligências complementares que entenda convenientes e ne-
cessárias para a boa e correcta decisão da causa.
Finalmente, e nos termos do artigo 100 da Organização Tutelar de
Menores, não havendo necessidade de mais diligências, é proferida
sentença, no prazo de oito dias, decretando ou negando a adopção.
A realização de audiência de julgamento não é obrigatória e só se
justificará havendo necessidade de produção de prova, designada-
mente a testemunhal.
A sentença que decretar a adopção é lida em sessão pública, com
a presença das partes interessadas, sendo notificados os Serviços da
Acção Social.
Transitada em julgado a decisão final, será extraída certidão a re-
meter à Conservatória do Registo Civil onde se encontre registado o
adoptado, para efeitos do competente averbamento no assento de nas-
cimento.
40 A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA

5. Efeitos da adopção

Relativamente aos efeitos da adopção, dispõem o n.º 1 do artigo 400


da Lei da Família que, pela adopção, o adoptado adquire a situação de
filho do adoptante e integra-se com os demais descendentes na família
deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e seus
ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo do que se acha dispos-
to quanto a impedimentos matrimoniais. Assim, o filho adoptivo se
desliga de qualquer vinculo com os pais e parentes biológicos, salvo
quanto aos impedimentos matrimoniais, que persistem por razões de
ordem moral.
Salientar que se um dos cônjuges adoptar o filho do outro cônjuge
ou se a adopção recair sobre o filho da pessoa com que o adoptante
viva em união de facto ou mantenha comunhão de vida, manter-se-ão
as relações entre o adoptado e seu progenitor (cônjuge ou companhei-
ro do adoptante) e seus respectivos parentes.
Nos termos do artigo 29 da Constituição da República de Moçam-
bique, o adoptado por um moçambicano adquire a nacionalidade mo-
çambicana.
Um outro efeito específico prende-se com a proibição de se esta-
belecer a filiação natural, tendo em conta a necessidade de proteger a
estabilidade do vínculo que, como outros vínculos jurídico-familiares,
reveste a característica da perpetuidade.
Assim, cessam as relações entre o adoptado e a família natural, ain-
da que tal filiação natural ainda não esteja estabelecida, designada-
mente através da perfilhação.
Porque o adoptado e seus descendentes são integrados na família
do adoptante, entre eles passam a vigorar os efeitos do parentesco,
nomeadamente no que respeita aos impedimentos matrimoniais.
Sobre os efeitos patrimoniais dizer que os principais são os sucessó-
rios e os relativos à prestação de alimentos.
Os direitos sucessórios do adoptado e seus descendentes são os
mesmos dos descendentes naturais do(s) adoptante(s). O adoptado
deixa de ser herdeiro legal da sua família natural, salvo nos casos em
que o adoptante é cônjuge do pai ou da mãe ou da pessoa com que
vivem em comunhão de vida.
A adopção é irrevogável; contudo, pode, de acordo o n.º 1 do artigo
405 da Lei da Família, requer-se a revisão da sentença que a tiver de-
ADELINO MUCHANGA 41

cretado, quando haja vícios essenciais na sua constituição.


A revisão da sentença poderá ocorrer igualmente nos casos previs-
tos no artigo 771.º do C. Processo Civil.

6. Adopção internacional

O n.º 1 do artigo 60.º do C. Civil moçambicano, manda aplicar à


constituição da filiação adoptiva “a lei pessoal” do adoptante, quando
se trate de adopção singular. Nos casos em que a adopção é reque-
rida por marido e mulher, a mesma disposição, manda aplicar a lei
nacional comum e, na falta desta, a lei da residência habitual comum
e, se esta também faltar, a lei com a qual os requerentes tenham uma
relação mais estreita.
As relações entre o adoptante e o adoptado, e entre este e a família
natural, estão sujeitos à lei pessoal do adoptante ou, no caso de adop-
ção feita por marido e mulher, à lei nacional comum ou, na falta desta,
à lei da residência habitual comum ou, se esta também faltar, à lei com
a qual os requerentes tenham uma relação mais estreita (ver n.º 2 do
artigo 60.º, conjugado com o artigo 57.º, todos do C. Civil).
Visto que com a adopção o adoptado integra-se na família do adop-
tante, faz sentido que seja a lei pessoal do adoptante a regular, tanto
a constituição da filiação adoptiva como a relação entre o adoptante e
o adoptando. A lei, porém, em alguns casos, exige que seja respeitada
a lei de origem do menor; assim, nos termos do n.º 4 do artigo 60.º do
C. Civil, a adopção não é permitida se a lei que regula a relação entre
o adoptando e a família natural não conhecer o instituto da adopção
ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar
do adoptando.
Outro mecanismo que a lei moçambicana prevê para a protecção
dos menores é a constante do nº 1 do artigo 61º do C. Civil, de acordo
com o qual, se a lei pessoal do adoptando exigir o consentimento deste
como requisito para a adopção, será a exigência respeitada. Do mesmo
modo, tal como estabelece o n.º 2 do já citado artigo 61.º, se for exigido
consentimento de terceiro pela lei que regula relações familiares ou
de tutela entre o adoptando e tal terceiro, será a exigência respeitada.
Resulta das disposições legais acima que, perante um caso de adop-
ção internacional (ex. adopção de menor moçambicano por estran-
42 A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA

geiro, adopção de menor estrangeiro por moçambicano, adopção de


menor estrangeiro requerida por um estrangeiro), o tribunal deverá,
depois de se certificar que possui competência internacional para o
efeito, determinar qual a lei reguladora da constituição da filiação
adoptiva, ao abrigo das normas de conflito vigentes.
Embora a norma de conflito que inicialmente nos remete para a lei
aplicável seja o artigo 60.º do C. Civil, há que ter em conta as normas
contidas no artigo 15.º do C. Civil (sobre qualificações) e nos artigos
16.º e seguintes do C. Civil, sobre reenvio. Com efeito, a regra geral
sobre o sentido da referência a uma lei estrangeira vem contida no
artigo 16.º do C. Civil, nos termos do qual se deve entender que tal re-
ferência é para as normas materiais, de direito substantivo, excluindo
as normas de conflito; antes de aplicar a regra geral, há que indagar se
não ocorre qualquer das situações previstas nos artigos 17.º e 18.º do
C. Civil.
No fundo, o artigo 16.º do C. Civil tem aplicação residual, ou seja,
será aplicada a regra geral contida nesta disposição legal se não ocorre
nenhuma situação de reenvio, nos termos dos artigos 17.º e 18.º do C.
Civil. No processo de aplicação dos artigos 17.º e 18.º do C. Civil, há
que ter em devida conta as soluções legais consagradas no direito es-
trangeiro indicado, sobre o sentido da referência à uma lei estrangeira.
A referência material, o reenvio simples e o duplo reenvio, são as so-
luções possíveis para a questão de saber qual o sentido da referência à
lei estrangeira; mas será necessário verificar qual a posição adoptada
por cada uma ordem jurídica em concreto.
No caso da adopção, a lei mandada aplicar pelo artigo 60.º do C. Ci-
vil pode considerar-se competente, o que leva à desconsideração das
normas sobre o reenvio. Pode suceder, porém, que, preenchidos os
requisitos do artigo 17.º do C. Civil (transmissão de competências), no
lugar da lei inicialmente designada ao abrigo do artigo 60.º do C. Civil,
seja aplicável uma terceira ou outra que seja competente na cadeia da
transmissão de competências; por outro lado, pode a lei inicialmente
designada devolver, directa ou indirectamente, a competência para a
lei moçambicana, nos termos do artigo 18.º do C. Civil; nos dois casos,
deixa de operar a regra do artigo 16.º do C. Civil.
Deste modo, será aplicada a lei moçambicana quando os requeren-
tes sejam moçambicanos e o menor estrangeiro, sem prejuízo do dis-
posto no n.º 4 do artigo 60.º e no artigo 61.º, todos do C. Civil; ou seja,
ADELINO MUCHANGA 43

dever-se-á determinar se a lei que regula a relação entre o adoptando


e a sua família natural admite a adopção e, se sim, quais os requi-
sitos exigidos por tal lei para quem se encontre na situação familiar
do adoptando (requisitos respeitantes ao adoptando); mais ainda, em-
bora sendo aplicável a lei moçambicana para a questão principal da
constituição da filiação adoptiva, há que verificar se nenhuma lei que
regula as relações de família, entre o adoptando e sua família natural,
ou de tutela, entre o adoptando e o seu tutor, exige consentimento de
uma terceira pessoa (diferente do adoptando) como requisito ou con-
dição para a adopção e, em caso afirmativo, tal consentimento deve
ser obtido.
Sendo o menor moçambicano e o(s) requerente(s) da adopção es-
trangeiro(s), por força do n.º 4 do artigo 60.º e do artigo 61.º, ambos do
C. Civil, independentemente do preenchimento dos requisitos estabe-
lecidos na lei estrangeira considerada competente, para que seja de-
cretada a adopção, devem estar igualmente preenchidos os requisitos
previstos no artigo 395 da Lei da Família (que define a situação fami-
liar em que o menor se deve encontrar para ser adoptado) e obtidos os
consentimentos a que se refere o artigo 396 da Lei da Família.
Como se pode depreender, nem sempre a Lei da Família moçambi-
cana é a única aplicável para os casos de adopção internacional apre-
ciados por tribunais moçambicanos; nos casos em que a adopção de
menor moçambicano é requerida por estrangeiro (s), salvo os casos
de retorno de competência previstos no artigo 18.º do C. Civil, a lei
moçambicana só é aplicável no que respeita aos requisitos atinentes a
quem pode ser adoptado e consentimentos exigidos por lei.
Neste processo de aplicação do direito estrangeiro, há que ter em
conta o contido nos artigos 23.º e 348.º, ambos do Código Civil, sobre
a interpretação e prova do direito estrangeiro. No tocante ao último
aspecto, relativo a prova do direito estrangeiro, da análise do que pre-
coniza o artigo 348.º do Código Civil, constata-se que o princípio “iu-
ranovit cúria” (o juiz conhece o direito) sofre um importante desvio,
pois os interessados são obrigados a colaborar na prova da existência
e conteúdo do direito estrangeiro considerado competente, embora tal
não exima o juiz da necessidade de diligenciar para o conhecimento
do tal direito.
Por último, na matéria relativa a determinação e aplicação do direi-
to estrangeiro, devem ser mantidos no horizonte do juiz as disposições
44 A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA

sobre fraude à lei e reserva de ordem pública, que podem determinar


o afastamento do direito considerado competente.
O que ficou dito não afasta a regra geral de aplicação das normas
processuais da lexfori em todos os casos apreciados por tribunais mo-
çambicanos; por outras palavras, as normas de conflito analisadas vi-
sam a identificação do direito substantivo aplicável, porque o direito
processual é do país onde julga o juiz. Portanto, nos casos de adopção
apreciados em tribunais moçambicanos, mesmo que o direito substan-
tivo seja estrangeiro, são aplicáveis as normas processuais constantes
da Organização Tutelar de Menores, aprovada por Lei n.º 8/2008, de
15 de Julho e, subsidiariamente, as normas comuns de processo. Por-
que no direito estrangeiro só vamos buscar as normas de direito subs-
tantivo, no processo de qualificação primária (das normas do direito
estrangeiro aplicável à questão de fundo), devem ser afastadas as nor-
mas estrangeiras de natureza processual, que, regra geral, não devem
ser aplicadas pelo juiz moçambicano.
Moçambique ainda não ratificou a Convenção de Haia sobre a Pro-
tecção das Crianças e a Cooperação em Matéria de Adopção Interna-
cional, de 29 de Maio de 1993. A Convenção estabelece, entre os Países
membros, importantes mecanismos de coordenação, que permitem
mitigar os riscos associados à deslocação de menores do País de ori-
gem para o País de destino. Deste modo, para os tribunais se certifica-
rem da condição, incluindo a idoneidade, de requerentes estrangeiro
e para o necessário acompanhamento do menor adoptado no País de
destino, a alternativa é o uso de mecanismos de cooperação bilateral
entre os Países.
Como última nota, chama-se a atenção para o cuidado redobrado
na apreciação dos pedidos de adopção que impliquem a saída dos
menores do território nacional. Como foi anteriormente referido, a
adopção é irrevogável e assim é na maior parte dos países; por isso, as
instituições que têm intervenção nos processos de adopção, terão que
tudo fazer para afastar o risco do uso deste mecanismo legal para le-
gitimar a saída de crianças para fins ilícitos, como a escravidão sexual,
extracção e venda de órgãos ou trabalho forçado.
ALIMENTOS DEVIDOS A
MENORES E REGULAÇÃO DO
PODER PARENTAL
Prof. Doutor Luís Sacramento
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 47

1. Introdução

Antes de passar a abordar os três temas que nos interessa tratar, é


necessário centrar a nossa atenção em alguns princípios fundamentais
orientadores da jurisdição de menores, pelo seu reflexo directo no do-
mínio, tanto da acção de regulação do poder parental, como da acção
de alimentos devidos a menores, e que sempre se têm de ter presentes
na actuação jurisdicional.
Esses Princípios provêm da norma constitucional, de disposições de
direito internacional, que passaram a integrar a ordem jurídica interna
como normas infraconstitucionais, e de comandos normativos conti-
dos na legislação ordinária.
Assim, da Lei Constitucional importa reter o princípio contempla-
do no artigo 47, de acordo com o qual a criança tem direito a protecção
e a cuidados necessários ao seu bem-estar, a exprimir a sua opinião
nos assuntos que lhe digam respeito, e que sobreleva sempre o supe-
rior interesse da criança em todos os actos com ela relacionados.
Em relação a normas de direito internacional, interessa ter sempre
em consideração os princípios estabelecidos nos artigos 1, 2, 3 e 12,
da Convenção sobre os Direitos da Criança e os artigos 2 e 4, da Carta
Africana dos Direitos e Bem-estar da Criança, ainda que, de certa me-
dida, tenham vindo a ser incorporados tanto no texto constitucional,
como em normas ordinárias, que, entretanto, foram aprovadas.
No âmbito da legislação ordinária, salienta-se a Lei n.º 10/2004, de
25 de Agosto - Lei da Família, o Código Civil, a Lei n.º 7/2008, de 9
de Junho - Lei de Bases de Protecção da Criança, Código do Processo
Civil e, necessariamente, a Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho - Lei da Orga-
nização Jurisdicional de Menores.
No concernente à legislação ordinária ora mencionada, de seguida,
passa-se a mencionar as disposições legais que mais nos interessa para
as matérias objecto do nosso estudo sobre alimentos devidos a meno-
res e regulação do poder parental.
Deste modo:
No referente à Lei da Família, é preciso não perder de vista o que
se dispõe, em especial, nos artigos 4, 282, n.º 1, 284, nº 1, 285, 290, 291,
292, 312, 313, 315, 328, 407, 408, 409, 411, 413 e 417.
48 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES E
REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

Quanto ao Código Civil, os princípios de maior relevância, que im-


porta reter para o caso presente, são os estabelecidos nos artigos 122º,
124º e 133º.
No que diz respeito à Lei de Bases de Protecção da Criança interes-
sa ter presente o que se acha regulado nos artigos 3, n.º 1, 4, nº 1, 5, 6,
7, nº 1, 29, 32, 33, n.º 1,35, 60, 61, 96 e 98.
No tocante ao Código de Processo Civil, os princípios que, neste
momento, mais relevam, são os que se encontram fixados nos artigos
1409º, 1410º, 1411º e 1412º.
Finalmente, no que concerne à Organização Jurisdicional de Meno-
res, para o caso da regulação do exercício do poder parental os princí-
pios a ter em conta são os consignados nos artigos 118 a 127, e, para, o
caso de alimentos, as regras definidas nos artigos 128 a 131. E, no que
respeita aos princípios gerais a ter em consideração para ambos os
tipos de situações, deve atentar-se no que dispõem os artigos 2,3, 8, 9,
10, 12, 13, 14, 55, 58, 60, 88, 90, 91, 94 e 95.
ALIMENTOS DEVIDOS
A MENORES

Prof. Doutor. Luís Sacramento


LUÍS FILIPE SACRAMENTO 51

1. Considerações iniciais

Para um melhor tratamento da matéria relativa a alimentos devidos


a menores, ela pode ser encarada em seis vertentes, sem que, contudo,
tal possa significar uma completa autonomização de cada uma delas.
Nesta perspectiva, numa primeira vertente centraremos a nossa
atenção na acção de alimentos propriamente dita e seu regramento;
numa segunda vertente concentrar-nos-emos na decisão a tomar sobre
alimentos; numa terceira vertente faremos referência à natureza jurídi-
co-processual da decisão final sobre alimentos; numa quarta vertente
daremos um particular enfoque ao caso de incumprimento da decisão
sobre alimentos; numa quinta vertente analisaremos as consequências
jurídicas da violação de regras de processo; e, na sexta vertente, fare-
mos referência aos respectivos meios impugnativos Seguindo a me-
todologia de abordagem ora enunciada, vamos passara analisar, de
seguida, cada uma das mencionadas vertentes.

2. Acção de alimentos devidos a menores

2.1. Princípios informadores


Antes de mais, para além dos grandes princípios legais a que se fez
referência na introdução, em especial é preciso ter sempre presente
que esta espécie de acção se situa no âmbito da jurisdição de menores,
a qual reveste natureza de uma jurisdição voluntária, ou, se se quiser,
uma jurisdição de equidade, nos termos do prescrito no artigo 88, da
Lei n.º 8/2008 – Lei da Organização Jurisdicional de Menores e artigo
96, da Lei nº 7/2008 – Lei de Bases de Protecção da Criança, o que se
traduz em ser, por excelência, uma jurisdição de equidade.
Quando se afirma que é uma jurisdição de equidade, quer isso di-
zer que se trata de uma jurisdição que não está sujeita a critérios de
legalidade estrita, ou seja, não está submetida à obediência estrita da
lei, e, antes pelo contrário, se orienta por princípios de uma justiça
medida pela ponderação e bom senso, em que a decisão a tomar deve
ser ditada pelo que se achar mais conveniente e oportuno, conforme
resulta, expressamente, do disposto pelo artigo 1410º, do C.P. Civil.
E, por se tratar de uma jurisdição de equidade, o tribunal não as-
52 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

sume a posição de mero árbitro na contenda, tendo um amplo poder


de investigação, ou seja, está-lhe facultado o poder de investigar livre-
mente os factos, coligir provas, recolher todas as informações julgadas
necessárias e pertinentes, e ordenar a realização de inquéritos, como
se extrai do n.º 2, do artigo 1409º, do C.P. Civil.

2.2 Regras de processo

No que respeita às regras de processo, elas acham-se estabelecidas


nos artigos 128 a 131, da Organização Jurisdicional de Menores, apro-
vada pela Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho.
A acção de alimentos inicia-se com o competente requerimento, o
qual não está sujeito às regras de forma estabelecidas para o processo
comum, que se acham fixadas no artigo 467º, do C.P. Civil. E, ao re-
querimento deve-se juntar logo os elementos comprovativos do grau
de parentesco entre o menor e o requerido, bem como o rol de teste-
munhas e os demais documentos de prova, se ou houver – cfr. n.º 3, do
artigo 128, da Lei acima mencionada. Requerimento que não tem de
ser subscrito por advogado, como resulta do preceituado pelo artigo
91, da citada Organização Jurisdicional. Daqui recorre que a parte in-
teressada, por regra, o/a progenitor/a pode, por si, subscrever o reque-
rimento, que faz desencadear a respectiva acção. Mas, o requerimento
também pode ser subscrito pelo agente do MPº - curador de menores,
na qualidade de representante dos interesses do menor.
Assim, em conformidade com o estabelecido no n.º 1, do citado arti-
go, têm legitimidade para requerer esta espécie de providência:
a) o/a progenitor/a que tiver a seu cargo o menor;
b) oseu representante legal;
c) o curador de menores; e
d) os directores de instituições de protecção à infância.
Por outro lado, a necessidade de alimentos também pode ser comu-
nicada por qualquer pessoa ao curador de menores, a quem cumpre
desencadear, como já se viu, os mecanismos tendentes a garantir a
defesa dos interesses do menor – cfr. n.º 2, do mencionado artigo 128.
Mas, quando na lei se fala em qualquer pessoa, quer isto dizer que,
naquela expressão, se inclui qualquer familiar, independentemente do
grau de parentesco, algum vizinho, uma autoridade local, ou até mes-
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 53

mo uma qualquer pessoa da comunidade, que conheça a situação de


desamparo em que se encontra o menor.
O facto de a lei exigir que se faça, de imediato, prova do grau de
parentesco tem a ver com o requisito de legitimidade de parte, tendo
presente o que se fixa nos artigos 413, 427 e 428, da Lei da Família,
quanto às pessoas obrigadas a alimentos.
Atente-se que, no caso de qualquer pessoa, a lei não lhe atribui le-
gitimidade para desencadear este tipo de providência. A ter conhe-
cimento de situação de que um menor carece de alimentos terá de
comunicar tal facto ao curador de menores, a quem se confere legiti-
midade para intentar a respectiva acção.
Quando, por falta de recursos financeiros, o requerente estiver im-
possibilitado de apresentar os elementos referenciados no retro men-
cionado parágrafo, por os não possuir, poderá solicitar ao tribunal que
os requisite às entidades competentes (Conservatórias do Registo Ci-
vil), a título oficioso e gratuito, como dispõe o n.º 4, do acima citado
artigo 128.
A este propósito, cabe lembrar que, para efeito de alimentos de-
vidos a menor, a prova do vínculo de parentesco pode ser efectuada
pela simples apresentação da cédula de nascimento, por se tratar de
documento onde constam elementos relativos à filiação e por se estar
em presença de jurisdição voluntária.
Autuado e registado o requerimento, uma vez efectuado o compe-
tente exame prévio, o juiz deve ordenar a citação do requerido, para
que possa contestar o pedido, no prazo de cinco dias, sendo-lhe adver-
tido de que com a contestação deverá logo oferecer o rol de testemu-
nhas ou requerer diligências, querendo – cfr. n.º 1, do artigo 129, da
Organização Jurisdicional de Menores.
E, falamos de exame prévio, porque, nesse momento, importa veri-
ficar logo se o tribunal é ou não competente em razão do território, de
acordo com o previsto no n.º 1, do artigo 51, da Organização Tutelar
de Menores e se o requerido se inclui no leque das pessoas obrigadas
a prestar alimentos, em conformidade com o estabelecido nos artigos
282, 284, n.º 1, 285, 413, da Lei da Família.
54 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

A ocorrer situação de incompetência em razão do território, o tribu-


nal pode dela conhecer oficiosamente, como resulta do n.º 1, do artigo
89, da Organização acima mencionada. Julgada procedente a excep-
ção, deve remeter-se o processo para o tribunal competente, conforme
estabelece o n.º 3, do artigo 111º, do C.P. Civil.
É também importante ter presente, que bem pode acontecer, que logo no
requerimento se solicite a atribuição de alimentos a título provisório, o que é
facultado pela lei, conforme resulta do disposto pelo artigo 58, n.º 1, da citada
Lei de Organização. Caso tal aconteça, no despacho inicial, o juiz pode, de
imediato, fixar os alimentos requeridos, quando se justifique a sua premência,
ditados pelo superior interesse do menor, desde que haja elementos mínimos
para decidir com segurança. Caso contrário, antes da tomada de decisão, deve
proceder-se a averiguações sumárias, ou seja, devem-se realizar as indispen-
sáveis diligências para certificar a situação do menor e a capacidade de quem
está obrigado a prestar os ditos alimentos.
A este mesmo propósito, tenha-se em atenção que a atribuição de
alimentos provisórios pode ser arbitrada em qualquer fase do proces-
so, como se extrai da disposição legal indicada no parágrafo anterior.
E, a decisão provisória sobre alimentos é passível de impugnação,
por via de recurso, embora este não suba de imediato, como mais à
frente se verá.
Apresentada a contestação ou decorrido o prazo para a oferecer, o
juiz deverá ordenar a realização de todas as diligências que reputar
necessárias, designadamente a recolha de informação sobre os rendi-
mentos auferidos por cada um dos progenitores, seus salários, sendo
ambos trabalhadores por conta de outrem, bem como a efectivação
de inquérito para comprovar as capacidades económicas dos progeni-
tores, designadamente, os rendimentos auferidos pelos progenitores,
para além do salário ou os obtidos em resultado de trabalho por conta
própria ou de alguma actividade lucrativa e, em paralelo, as necessi-
dades reais e efectivas do menor – cfr nº 2, do artigo 129, da Organiza-
ção Jurisdicional de Menores.
Relativamente à questão de apuramento dos rendimentos da pessoa
obrigada a prestá-los, muitas vezes, se colocam algumas dificuldades
quando se está perante caso de trabalhador por conta própria ou que
exerce pequenas actividades produtivas. Quando ocorra este tipo de
situação, nem por isso o tribunal se deve eximir de apurar a real capa-
cidade do obrigado, devendo realizar todas as diligências necessárias
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 55

para certificar os meios que possui o vinculado a prestar alimentos.


Uma das hipóteses é o de recorrer a informação sobre contas bancárias
e o seu movimento nos dois últimos meses.
Nesta vertente de aferição de capacidade económica, exige-se tam-
bém que se verifique os meios económicos de quem tem a seu cargo o
menor, tendo em consideração que ambos os progenitores estão obri-
gados a contribuir para o sustento dos seus filhos, como se alcança
dos artigos 4, al. c), 284, nº 1 e 285, da Lei da Família e artigo 32, da
Lei nº 7/2008, de 9 de Julho – Lei de Bases de Protecção da Criança. E,
neste caso, os mecanismos a adoptar serão idênticos aos referidos no
parágrafo anterior.
Ainda sobre as diligências cuja realização se impõe, conta-se obri-
gatoriamente a audição do menor, de acordo com o consagrado no
nº 2, do artigo 12, da Convenção Sobre os Direitos da Criança. Neste
caso, a audição do menor destina-se a conhecer com maior exactidão
os meios de que necessita e o modo como comparticipam os proge-
nitores nas despesas familiares, incluindo as suas, designadamente,
quem paga os seus estudos, o seu vestuário, o material escolar, quem
contribui para o seu sustento, etc.
Não havendo contestação, cumpridas todas diligências e realizado
o respectivo inquérito social, o juiz decidirá fixando os alimentos tidos
por adequados – cfr. primeira parte, do nº 2, do citado artigo 129.
Anote-se que o inquérito social se revela um elemento extrema-
mente importante para a fixação de alimentos, diríamos mesmo
que se trata de uma peça fundamental no processo que conduz
à atribuição de alimentos, pelo que a sua realização não pode ser
encarada de ânimo leve.
É preciso um elevado grau de responsabilidade, esmero e cuidado por parte
de quem o tem de efectuar, por não se tratar de mero acto formal. Não basta
saber com quem está a viver o menor e as condições de habitabilidade do lugar
onde se encontra, há que apurar os rendimentos ou/e salários auferidos por cada
um dos progenitores, conhecer, de modo preciso, a forma como cada um deles
contribui para o sustento do menor e comprovar a sua regularidade, bem como
aquilatar os reais encargos e despesas que cada um deles tem de suportar.
Por tal razão, mostra-se de todo conveniente que este tipo de in-
quérito seja realizado por quem tem um mínimo de conhecimentos e
capacidade técnico-profissional, sendo, por isso, aconselhável que seja
efectivado por agentes da acção social.
56 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

E, no que respeita aos encargos que possuem ambos progenitores,


eles devem ser devidamente documentados, não bastando que, quem
está obrigado a prestar alimentos, afirme que tem despesas mensais
da ordem de certo valor. Terá de fazer a necessária prova.
Quando tenha sido apresentada contestação, realizadas as diligências
ditadas em razão do que haja sido invocado pelo requerido, seguir-se-á
audiência de discussão e julgamento, na qual se recolherá a necessária
prova testemunhal – cfr. segunda parte do nº 3, do aludido artigo 129.
E, porque se trata de uma jurisdição voluntária, para uma mais
acertada decisão, ainda que não tenham sido apresentadas testemu-
nhas, é de todo conveniente ouvir em audiência de julgamento fami-
liares mais próximos dos progenitores, autoridades locais (secretário
do bairro, chefe de quarteirão) ou mesmo vizinhos, para melhor aqui-
latar a situação real do menor e dos progenitores.
É importante ter em atenção que, ao contrário do que alguns ma-
gistrados judiciais entendem, sempre se deveria realizar a audiência
de julgamento, mesmo que não tenham sido indicadas testemunhas
pelo requerente e requerido, tendo em consideração que aquela tem
também por objectivo lograr obter acordo das partes no relativo aos
alimentos a arbitrar. Neste sentido já se orientou o Tribunal Supremo.
Seguidamente, o juiz deverá decidir a providência requerida, no
prazo máximo de dez dias, como se infere do disposto pelo nº 3, do
artigo 1.409º, do C.P. Civil, aplicável subsidiariamente.
Quanto à estrutura da sentença, ela não tem de obedecer estrita-
mente às regras estabelecidas nos artigos 659º e 660º, do C.P. Civil, por
se estar em presença de uma jurisdição de equidade. Porém, tal não
significa que não se deva elaborar um relatório, ainda que sucinto, e
não se devam descrever as razões que conduziram à tomada da deci-
são e se ponderem os elementos medidores da fixação dos alimentos.
Com estas breves referências está esgotado, no essencial, o que tem a
ver com o andamento processual da providência relativa a alimentos.
Por isso, passaremos agora a abordar a matéria relacionada com a
segunda vertente – decisão sobre alimentos.
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 57

3. Decisão sobre alimentos – elementos a considerar

Esta é uma questão extremamente delicada, razão pela qual decidi-


mos autonomizá-la, no que diz respeito ao seu tratamento. Nesta ver-
tente vamos dar uma especial atenção ao modo como se pode chegar
à fixação de alimentos devidos a menores.
Na lei não se encontram estabelecidos mecanismos ou critérios con-
cretos de fixação de alimentos, o que se mostra absolutamente com-
preensível, por se estar em presença de uma jurisdição orientada por
princípios de equidade.
Neste domínio, como se disse, prevalecem princípios de mode-
ração, equilíbrio, de bom senso, de elevada ponderação e de fixação
equitativa.
Neste mesmo sentido se orientou o Tribunal Supremo, no acórdão
proferido no processo nº 90/0122.
No atinente a esta questão, medição dos alimentos, o princípio ba-
silar está estabelecido nos nºs 1 e 2 do artigo 407, da Lei da Família,
segundo o qual aqueles devem ser proporcionados aos meios que pos-
suir o obrigado a prestá-los e as necessidades de quem os tiver de rece-
ber e, em paralelo, tem de se atender à possibilidade do menor prover
à sua sobrevivência.
Para a aferição e medição dos alimentos a arbitrar, para além das
regras de balanceamento antes mencionadas, partindo dos princípios
contidos no artigo 47, da Constituição da República, do artigo 32, n.º 2,
da lei n.º 7/2008 e dos artigos 280, 285, 407 e 408, da Lei da Família, podem
e devem ser atendidos, entre outros, os seguintes elementos ponderativos:
a) os alimentos traduzem-se num meio indispensável à satisfação
das necessidades de vida do menor, no que se inclui o seu sus-
tento, habitação, vestuário, instrução e educação, saúde e lazer;
b) os rendimentos auferidos por quem está obrigado a prestar ali-
mentos, o que abrange tanto salários, como qualquer outra es-
pécie de proventos ou rendimentos;
c) as reais despesas e encargos que o obrigado tem de suportar
mensalmente;
d) os rendimentos auferidos pelo progenitor a quem está confiada
a guarda e cuidados do menor e os encargos que suporta;

Publicado na Colectânea de Acórdãos do Tribunal Supremo – Jurisdição Cível, de


22

Menores e Laboral, 2004-2008, Vol. II, 2012


58 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

e) as reais necessidades do menor alimentando, consideradas em


função do indicado na alínea a);
f) o superior interesse da criança.
Quer nos instrumentos de direito internacional, como nas leis or-
dinárias não existe uma definição clara e precisa do que seja superior
interesse da criança, por se tratar de um princípio de difícil definição.
Apesar de uma tal dificuldade, no nº3, do artigo 9, da Lei nº 7/2008,
procurou-se apresentar um conceito o mais aproximado possível do
que se deva considerar por superior interesse da criança, ao dizer-se
que: “…entende-se por superior interesse da criança tudo o que tem a
ver com a defesa e salvaguarda da sua integridade, identidade, manu-
tenção e desenvolvimento são e harmonioso.”
Portanto, para todos os casos em que se tenha de aplicar este prin-
cípio, sempre se impõe que se deva ter presente o que se dispõe, a este
propósito, na disposição legal acima mencionada.
Partindo destes elementos ponderativos e sopesando-os de forma
equilibrada e equitativa, é possível obter-se o montante mensal, cor-
respondente à prestação de alimentos.
Neste mesmo sentido se orientou o Tribunal Supremo, nos acór-
dãos proferidos nos processos nºs 79/96, 217/93, 4/91, 14/99, 21/99,
79/96, 42/07, 33/10, 17/06, 42/07, 28/0423, e neles há valiosos elemen-
tos ponderativos que podem servir de base de referência, quando haja
que fixar alimentos.
Finalmente, no que diz respeito ao montante a fixar a título de ali-
mentos devidos a menor sempre se deve ter em atenção os princípios
expressos no artigo 823º, nºs 1, als. e) e f) e 4, do C.P. Civil, no relativo
à impenhorabilidade de salários ou outros proventos e rendimentos.
Por último, no relativo à tomada de decisão sobre alimentos há que
ter em especial atenção o consignado nos artigos 12 e 13, da Organi-
zação Jurisdicional de Menores, uma vez se exige que o tribunal esteja
devidamente constituído para o efeito, o que significa que a decisão
tem de ser adoptada com a participação do juiz profissional e dos juí-
zes eleitos.

Publicados na Colectânea de Acórdãos do Tribunal Supremo – Jurisdição Cível,


23

de Menores e Laboral, 1990-2003, Vol. II, Tomo 1 e 2, 2011, 2004-2008, Vol. II, 2012 e
2009-2012, Vol. II, 2012.
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 59

4. Natureza da decisão sobre alimentos

A este propósito, importa salientar que a decisão relativa a alimen-


tos devidos a menor nunca tem carácter definitivo, mesmo quando a
sentença tenha transitado em julgado. Por se estar no âmbito de ju-
risdição voluntária sobreleva o princípio constante do n.º 1, do artigo
1.411º, do C.P. Civil, segundo o qual a decisão pode ser alterada, sem prejuízo
dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes
que justifiquem a mencionada alteração, o que ocorre dentro do mesmo pro-
cesso, mediante o devido requerimento da parte interessada.
E, dizemos que o requerimento deve ser junto ao processo, em que
foi proferida a decisão sobre alimentos, por a lei não estabelecer qual-
quer regra específica e tal procedimento permitir uma mais fácil apre-
ciação de que levou à tomada da anterior decisão. No entanto, nada
inibe que se siga outro procedimento, ou seja, que se autue por apenso
o requerimento ao processo acima referido.
Aquela previsão legal mostra-se perfeitamente perceptível, tendo
em consideração que, depois de proferida a decisão, podem ocorrer
circunstâncias que devam conduzir à sua alteração, como seja, entre
outros, o caso do obrigado a prestar alimentos deixar de ter meios eco-
nómicos para os poder prestar ( ex: estar na situação de desemprego
sem outros rendimentos, ter ficado absolutamente incapacitado para o
trabalho, não tendo outros rendimentos ) ou ter diminuído ou aumen-
tado a sua capacidade económica, ou de ter aumentado ou diminuído
a capacidade económica do outro progenitor, ou das necessidades do
menor terem aumentado ou diminuído, entretanto.

5. Incumprimento da decisão sobre alimentos

Poderá acontecer que, uma vez decretada a providência relativa a


alimentos, ela não venha a ser cumprida por quem a tal estava obriga-
do por lei. É esta a questão que vamos tratar de seguida.
De acordo com o prescrito no n.º 1, do artigo 130, da Organização Ju-
risdicional de Menores, a obrigação de prestar alimentos, decorrente
de decisão judicial, tem de ser cumprida dentro de dez dias depois
do seu vencimento. E, aquela considera-se vencida na data em que o
obrigado tomou conhecimento da decisão, o que acontece com a no-
60 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

tificação da sentença. A partir desta data começa a correr o prazo de


dez dias.
A registar-se situação de incumprimento da obrigação alimentar
dentro dos prazos legais, conforme as circunstâncias, segundo tam-
bém o preceituado pelo n.º 1, da citada norma legal, o tribunal deve tomar
uma das seguintes medidas:
a) se a pessoa obrigada a prover alimentos for funcionário públi-
co, requisitar-se-á à entidade onde preste serviço, que proceda
ao desconto da respectiva quantia no seu vencimento mensal;
b) se se tratar de pessoa empregada ou assalariada por conta de
outrem, notificar-se-á a entidade empregadora, para que dedu-
za no seu salário a quantia correspondente, ficando o emprega-
dor na situação de fiel depositário;
c) se for pessoa que recebe rendas, comissões, percentagens, emo-
lumentos, comparticipações ou outra espécie de rendimentos,
a quantia correspondente à pensão alimentar será deduzida
nas respectivas prestações, no momento do seu pagamento ou
quando sejam creditadas. Para esse efeito, deverão ser feitas as
devidas requisições ou notificações às entidades pagadoras dos
mencionados rendimentos, as quais ficarão na posição jurídica
de fiéis depositários.
Anote-se que, neste caso, os descontos solicitados abrangem não
só as quantias correspondentes às pensões já vencidas, como as que
se vierem a vencer e serão entregues, directamente, a quem as deva
receber, como resulta do disposto no n.º 2, do artigo 130, da Organização
Jurisdicional de Menores.
Para o caso em que não se mostrar possível a obtenção do paga-
mento das respectivas pensões pelos meios acima descritos, o devedor
faltoso é remetido para o foro criminal, aplicando-se nesta situação
as regras estabelecidas nos artigos 3 e 4, da Lei n.º 8/ 2008, conforme o
preceituado pelo nº 1, do artigo 131, da citada Organização.
Ao estabelecer o legislador que o devedor é remetido para o foro
criminal, significa isso que para o tratamento desta questão passa a
ser, exclusivamente, competente, a jurisdição criminal e não mais a
jurisdição de menores, o que bem se compreende tendo presente que
é àquela jurisdição que incumbe aplicar medidas privativas de liber-
dade. Aliás, este é o princípio que se acha expresso no nº 6, do artigo
4, da Lei acima mencionada.
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 61

Para esse efeito devem ser extraídas as devidas certidões e entre-


gues ao curador de menores, para que promova a necessária denúncia
ao agente do Ministério Público junto do tribunal criminal competen-
te, onde será instaurado o correlativo processo sumário crime.
Mas, o facto do progenitor faltoso ser remetido para o foro crimi-
nal, em caso de incumprimento do decidido quanto a alimentos, nada
obsta que, contra ele, seja proposta acção executiva, no tribunal cível,
com o objectivo de garantir o pagamento das respectivas pensões – cfr.
artigo 131, nº 2, da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho - Lei de Organização
Jurisdicional de Menores.
Deve-se ter também em atenção que o faltoso é não só a pessoa que
não cumpre a obrigação judicial de prestar alimentos, mas também
aquela que, de forma intencional, aliena ou oculta bens ou rendimen-
tos, com o objectivo de se escusar ao cumprimento da obrigação de
prestar alimentos, como se extrai do disposto pelo n.º 2, do artigo 3, da
Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho.
E esta última questão revela-se de suma importância, tendo em con-
ta ser comum o facto de o progenitor ocultar, de forma intencional,
alguns rendimentos por si auferidos, para além dos proventos prove-
nientes do salário.
Quando se comprove que o progenitor se furtou, de forma delibe-
rada, a indicar com exactidão os rendimentos obtidos, como modo de
se escusar ao devido cumprimento da sua obrigação de prestar ali-
mentos, cai na situação prevista pelo mencionado artigo 3, da Lei n.º
8/2008, devendo, por isso, ser sancionado, nos moldes aí fixados.
Chama-se atenção para esta situação, por se registar alguma dose
de incúria dos tribunais ao tratar da matéria relativa a alimentos, ao
colocar-se na posição cómoda de mero árbitro da contenda, ao invés
de assumir o protagonismo, que lhe é imposto pelo preceituado no nº
2, do artigo 1409º, do C.P. Civil.
62 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

6. Cessação da obrigação de prestar alimentos

A obrigação de prestação de prestar alimentos ao menor cessa


quando ocorra uma das seguintes circunstâncias:
– Pela morte de quem os deve prestar;
– Pela morte do alimentado;
– Pela indigência ou por incapacidade total do obrigado;
– Por o alimentado deixar de precisar de alimentos.
Esta última situação pode ocorrer, entre outras, nos seguintes casos:
– Ter o menor passado a exercer uma actividade lucrativa que
garante a sua subsistência;
– Ter o menor passado a trabalhar por conta de outrem, proven-
do assim o seu sustento;
– Tendo o menor contraído matrimónio, sendo do sexo feminino
(menores de mais de 18 e menos de 21 anos).
Neste último caso, entende-se que, em resultado do casamento, a
menor ao ter constituído família, passou a ter as devidas condições no
lar que criou.

7. Consequências jurídicas da falta de observância de


princípios e regras jurídicas e processuais

Vale a pena referenciar, de modo breve, as consequências que ad-


vêm da inobservância, quer de regras processuais, quer de princípios
medidores da fixação de alimentos, a fim de evitar que sejam come-
tidos erros que acabam por influir na celeridade, que se quer, quanto
ao arbitramento de alimentos devidos a menor, na medida em que
podem conduzir à nulidade da decisão tomada entretanto.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Supremo, entre ou-
tros, no acórdão proferido no processo nº 111/0624.
Assim, no que respeita à observância de regras processuais:
a) há que ter o cuidado de recolher a informação pertinente e rea-
lizar os devidos inquéritos sociais;
b) há que ouvir o menor, com capacidade de discernimento, para
melhor compreender das suas necessidades;

Publicado na Colectânea de Acórdãos do Tribunal Supremo – Jurisdição Cível, de


24

Menores e Laboral, 2004-2008, Vol. II, 2012


LUÍS FILIPE SACRAMENTO 63

c) havendo contestação, deve realizar-se audiência de julgamen-


to, ainda que não tenham sido apresentadas testemunhas, com
o objectivo de procurar obter acordo dos progenitores quanto
ao montante dos alimentos;
d) o tribunal tem de estar devidamente constituído para poder
adoptar a providência relativa a alimentos.
O desrespeito dos mencionados actos conduz à verificação de grave
irregularidade processual, que determina nulidade da sentença, que,
entretanto, tenha sido proferida. Sentido em que já se pronunciou o
Tribunal Supremo.
Quanto ao modo de aferição e mediação de alimentos se o tribu-
nal os fixou arbitrariamente sem tomar em consideração os elementos
ponderativos a que acima se fez referência, de igual forma, se verifica
vício, que determina nulidade da decisão proferida. Sentido este em
que já se pronunciou também o Tribunal Supremo.
Pelo que se acaba de referenciar que se imponha a necessidade do
tribunal cuidar de respeitar as regras essenciais para que possa decidir
sobre esta espécie de providência.

8. Recursos

Da decisão final sobre alimentos cabe sempre recurso de apelação,


com efeito meramente devolutivo, como resulta do disposto pelo n.º 4,
do artigo 129, da Organização Jurisdicional de Menores.
Entretanto, se no decurso da respectiva acção de alimentos tiver
sido interposto algum recurso, este terá, por regra, a natureza de re-
curso de agravo deferido, pois sobe com a apelação interposta da sen-
tença final, como se extrai do n.º 5, do citado artigo 129. E dissemos que
por regra o agravo tem efeito deferido, porquanto se versar sobre matéria que
possa influir no exame ou na decisão da causa, ou quando a sua retenção o tor-
ne absolutamente inútil, sobe de imediato ao tribunal superior, mas em sepa-
rado, como se infere do nº 3, do artigo 60, da mesma Jurisdicional Tutelar.
REGULAÇÃO DO PODER
PARENTAL

Prof. Doutor. Luís Sacramento


LUÍS FILIPE SACRAMENTO 67

No relativo a esta espécie de providência aplicam-se, para além dos


princípios gerais enunciados na parte introdutória, as constantes dos
artigos 4, 290, 291, 292, 293 e 313, da Lei da Família, os artigos 31, 32,
33, 60 e 61, da Lei n.º 7/2008, de 9 de Julho, artigos 1409º e 1410º do C.P.
Civil e, em especial, os artigos 118 a 127, da Organização Jurisdicional
de Menores, aprovada pela Lei n.º 8/2008, 15 de Julho.

1. Regras gerais

Pressuposto essencial para que se possa desencadear esta provi-


dência, é que se verifique a situação de não haver vida comum entre os
progenitores ou de se ter verificado separação entre eles, ou seja, que
estes tenham deixado de fazer vida em comum, estando, consequen-
temente, impossibilitados de continuarem a exercer conjuntamente o
poder parental, como deriva do preceituado pelo artigo 309, n.º 1, da
Lei da Família.
Relacionado com o que acaba de ser dito, seis situações poderão ori-
ginar o desencadeamento desta providência tutelar, nomeadamente:
a) Não ter havido nunca vida em comum entre os progenitores e
não haver acordo quanto ao exercício deste pátrio poder;
b) Ter cessado a vida em comum, vivendo os progenitores em
união marital ou de facto;
c) Existir separação de facto, estando os progenitores casados le-
galmente;
d) Ter havido separação judicial de pessoas e bens, no caso em que
os progenitores se achavam casados legalmente;
e) Ter cessado o vínculo matrimonial, em consequência de divórcio;
f) Ter sido anulado o casamento dos progenitores.
No primeiro e segundo casos, de nunca ter havido vida em comum
e de união de facto ou de união marital, a providência pode ser de-
sencadeada, quer por iniciativa directa de um dos progenitores, como
por iniciativa do curador de menores, a quem um dos progenitores se
tenha dirigido.
Do mesmo modo se passam as coisas, no caso da impossibilidade
do exercício conjunto do poder parental advir da separação de facto
dos progenitores.
Nos três restantes casos, estipula o nº 1, do artigo 313º, da Lei da
68 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

Família, que a verificar-se uma daquelas circunstâncias, a forma de


exercício do poder parental é definida por acordo dos progenitores,
sujeito a homologação do tribunal.
E, só quando não houver acordo, poderá ser desencadeada esta
providência tutelar, a requerimento de um dos progenitores ou a pe-
dido do curador de menores.
Repise-se que, quando se estiver perante um daqueles casos, a ini-
ciativa de desencadeamento da regulação do poder parental, quer por
parte de um dos progenitores, quer por parte do curador de menores,
só pode ter lugar no caso em que se comprove a falta de acordo dos
progenitores.
Por outro lado, deve-se ter presente que, quando a cessação de vida
em comum dos progenitores tenha advindo de separação de pessoas e
bens ou de divórcio por mútuo consentimento, a questão da regulação
do poder parental deixa de se poder colocar, tendo em consideração
que um dos requisitos, para que seja decretada uma ou outra das refe-
ridas medidas, consiste na existência de acordo prévio sobre o exercí-
cio daquele poder, submetido também a homologação do conservador
do registo civil, como se extrai dos artigos 192 e 196, nº 1, al. a), ambos
da Lei da Família.
É precisamente porque, no caso de divórcio ou separação litigiosa
de pessoas e bens se exige acordo dos progenitores relativamente ao
exercício do poder parental, que no n.º 1, do artigo 118, da Organiza-
ção Jurisdicional de Menores se estabelece, logo no início: “ Na falta de
acordo acerca do exercício do poder parental, …”.
Verdade seja dita que no domínio do Código Civil, quando fosse
decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, os pro-
genitores tinham dez dias para comunicar ao tribunal se haviam che-
gado a acordo sobre o exercício do poder parental e, passado aquele
prazo, o tribunal oficiosamente comunicava à jurisdição de menores a
sua inexistência e remetia a respectiva sentença.
É facto que no artigo 313º, da Lei da Família, não se fixa qualquer
prazo para os progenitores alcançarem acordo sobre o modo de exer-
cício do poder parental, embora se estabeleça no n.º 3 daquele coman-
do legal que, na falta de acordo, o tribunal decide sobre o destino do
menor, confiando-o à guarda de um dos progenitores.
Assim, à partida poderia ser-se levado a pensar que na ausência
de fixação de prazo, na mencionada norma legal, tal conduziria à
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 69

impossibilidade prática de poder operar adequadamente o meca-


nismo oficioso que se pretendia estabelecer, com o princípio fixa-
do no aludido nº 3.
Mas assim não é.
O princípio estabelecido no n.º 1, do artigo 313, da Lei da Família
tem de ser visto e complementado com a regra fixada no n.º 1, do ar-
tigo 1.412º, do C.P. Civil, de acordo com o qual os progenitores de-
vem chegar a acordo quanto à guarda do menor, no prazo de dez dias
subsequentes ao trânsito em julgado da sentença que haja decretado
o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, e, nesse mesmo
prazo, submetê-lo a homologação do tribunal, ou seja, do tribunal co-
mum que proferiu a sentença retro mencionada.
Atente-se, entretanto, que a referência feita ao artigo 1.902º, do C.
Civil na mencionada disposição da lei processual civil, hoje tem de ser
entendida como feita ao citado artigo 313, uma vez que a previsão da-
quela norma foi substituída por esta última, com a revogação do Livro
IV, referente ao Direito da Família.
No entanto, não pode passar em aberto a crítica que deve ser feita
ao legislador das revisões de 2005 e 2009 do Código do Processo Civil,
pois nessas datas o artigo 1.902º, do C. Civil já se achava revogado,
com a entrada em vigor da Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto - Lei da
Família.
Feito este à parte, dizer que, na falta de acordo homologado ou de
não ter sido pedida a sua homologação, deve ser remetida ao tribunal
de menores, a título oficioso, cópia da decisão final, dos articulados e
das demais peças processuais que o juiz ou o Ministério Público en-
tendam convenientes, para efeitos da regulação do exercício do poder
parental.
Daqui decorre que o desencadeamento desta espécie de providên-
cia tutelar pode operar a título oficioso no caso de divórcio litigioso ou
de separação judicial de pessoas e bens dos progenitores, conforme se
extrai das disposições conjugadas do artigo 313, nº 1, da Lei da Família
e dos nºs 1 e 2, do artigo 1.412º, do C.P. Civil. O que também se retira-
ria, de forma evidente, do n.º 1, do artigo 118, da Organização Tutelar
de Menores, ao dizer: “…, uma vez autuada a certidão remetida pelo
tribunal competente …”.
Nestas circunstâncias, nos casos acima referenciados, o desencadea-
mento desta providência tutelar ou tem lugar oficiosamente ou tem de
70 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

ser requerida por um dos progenitores ou pelo curador de menores,


conforme as situações.
Anote-se, entretanto, que, no caso de ter havido acordo extrajudi-
cial dos progenitores relativamente ao exercício do poder parental,
quem tiver ficado com a guarda do menor pode requerer também a
respectiva homologação junto do tribunal competente para efeitos de
regulação do exercício aquele poder, segundo o fixado pelo n.º 1, do
artigo 127, da Organização Jurisdicional de Menores.
Do mesmo modo, as diligências executórias do acordo homologado
ou da decisão judicial sobre a regulação do poder parental podem ser
requeridas por quem tenha ficado com a guarda do menor ou pelo
curador de menores – cfr. nº 2, do citado artigo.
Abordadas que estão as principais questões relacionadas com os re-
quisitos para que possa ser desencadeada esta providência, interessa
agora passar em análise as regras processuais que se lhe aplicam.

2. Regras processuais

Como se extrai do preceituado pelo n.º 1, do artigo 118, da Organi-


zação Jurisdicional de Menores, autuado o requerimento inicial apre-
sentado por algum dos progenitores ou pelo curador de menores, so-
licitando a regulação do exercício do poder parental, por despacho, o
juiz deve ordenar a citação dos respectivos pais para uma conferência,
que deverá ter lugar no prazo dos vinte dias imediatos. Nela podem
também estar presentes os avós ou outros parentes do menor que o
juiz entenda conveniente.
Como se vê daquela disposição legal, impõe-se que o juiz, ao pro-
ferir o despacho de citação, tenha logo o cuidado de ordenar que este-
jam também presentes na conferência os parentes de grau mais próxi-
mo do menor, que achar mais conveniente.
Infelizmente, esta não tem sido prática comum nos tribunais, orien-
tando-se, as mais das vezes, por esquemas simplistas para solucionar a
questão da regulação do exercício do poder parental. Porém, é preciso
ter presente o papel que está reservado à família no acompanhamento
dos seus membros e aos deveres e obrigações que lhe são próprios,
como resulta do preceituado pelo artigo 4, da Lei da Família. E, por
outro lado, ao papel que podem desempenhar no sentido de se alcan-
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 71

çar um acordo mais benéfico para os interesses do menor.


Ainda no que se relaciona com a fase de citação dos progenitores,
há que chamar a atenção para o disposto no n.º 2, do artigo 118, da Or-
ganização Jurisdicional de Menores.
De acordo com este comando normativo, os progenitores estão
obrigados a comparecer pessoalmente na conferência, sob pena de
multa se faltarem, sem motivo justificado. E só se podem fazer repre-
sentar por mandatário judicial ou ascendentes ou irmãos, munidos de
poderes especiais para intervir naquele acto, exclusivamente no caso
de estarem impedidos de comparecer ou de residirem fora da área
jurisdicional do tribunal.
Portanto, apenas duas circunstâncias alternativas são admitidas
para se fazerem representar naquele acto:
a) Impedimento de comparecer, o que terá de ser demonstrado de
forma justificada;
b) Residir o progenitor fora da área de jurisdicional do tribunal, o
que não significa o mesmo que área administrativa da sede do
tribunal.
Por outro lado, para efeitos de representação através de um fami-
liar, a lei impõe limites, uma vez que apenas pode ser feita na pessoa
de um ascendente ou de um irmão, que sempre têm de estar munidos
de poderes especiais para o acto.
Compreende-se facilmente esta exigência da lei se se tiver em con-
sideração que o fito principal da conferência é a obtenção de acordo
sobre a forma de ser exercido o poder parental. Daí que se justifique
que não seja um qualquer familiar a representar o progenitor e que
tenha de estar, para o efeito, investido de poderes especiais.
Anote-se que, para efeitos da aludida representação, não basta o
ascendente ou irmão comparecer no tribunal invocando que ali está
em representação do progenitor e que este lhe conferiu poderes para
tal. Esta representação tem de estar devidamente formalizada em do-
cumento reconhecido por notário, pois só assim tem a necessária rele-
vância jurídica.
Ainda sobre a citação, cabe mencionar a situação do regime especial
previsto para o caso em que seja certificada pelo oficial de diligências
que o progenitor se acha ausente.
A ocorrer esta situação, de acordo com o n.º 1, do artigo 119, o pro-
genitor é convocado para a conferência, por meio de éditos, sendo afi-
72 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

xado um na porta do tribunal e o outro na porta da última residência


conhecida do ausente.
Mas, conforme manda o n.º 2, do citado artigo, este procedimento
só tem lugar depois do juiz se assegurar que não é conhecida a resi-
dência do progenitor, o que deve ser feito atendendo ao disposto pelos
artigos 237º, 238º, 239º e 247º, do C.P. Civil.
Esta observação é importante, se se tiver presente que a registar-
-se irregularidade no que respeita à citação do progenitor, tal situação
pode conduzir à ocorrência de nulidade, conforme artigos 194º e 195º,
também do C. P. Civil.
Repare-se também que a situação de ausência do progenitor não
dita, automaticamente, a paragem do processo, já que se estabelecem,
na lei, os mecanismos próprios para que haja um normal prossegui-
mento da lide.
A fase que se segue é a da conferência dos progenitores, cujas re-
gras se encontram definidas no artigo 120, da Organização Tutelar de
Menores.
Estando ambos os progenitores presentes ou devidamente repre-
sentados na conferência, competirá ao juiz procurar obter deles o cor-
respondente acordo, quanto à forma de ser exercido o poder parental,
o que, aliás, é a função principal deste acto judicial. Caso logre obtê-lo,
o juiz deverá fazer constar na respectiva acta o acordo alcançado, di-
tando, de imediato, a sentença homologatória, como dispõe o n.º 1, do
citado artigo 120.
Atente-se que, se no decurso da conferência tiver sido obtido acor-
do quanto à forma de se concretizar a guarda e cuidados do menor e
quanto ao regime de contactos a estabelecer entre ele e os dois proge-
nitores, havendo desacordo somente quanto ao montante da pensão
de alimentos a prestar, no caso de se ter cumulado a regulação do
poder parental com pedido de alimentos, isso não inibe que o juiz dite
para a acta o acordo obtido, homologando-o logo, ainda que se revista
de decisão parcial, por se relacionar apenas com um dos pedidos, de-
vendo o processo prosseguir, entretanto, quanto à parte relacionada
com os alimentos.
No caso de um dos progenitores ou ambos faltarem à conferência
ou não se fizerem representar, deverá registar-se na acta a sua falta e
exarar-se as declarações prestadas pelas pessoas presentes, ordenan-
do-se a realização de inquérito social e de outras diligências necessá-
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 73

rias, nas quais se inclui a audição do menor, nos termos do artigo 12,
n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança e, logo depois, o juiz
decide, proferindo sentença, como resulta do n.º 2, do artigo 120, da
Organização Jurisdicional de Menores.
Entretanto, é preciso ter muita atenção em relação à regra fixada
no aludido número dois, pois ela tem de ser aplicada de forma hábil
e cuidada, tendo em conta que tem de ser conciliada com o princípio
contido no número três.
Daqui decorre que, a registar-se a falta de um ou de ambos os pro-
genitores, não se deve, de forma automática, fazer seguir a lide até
decisão final. Pois, bem pode acontecer que o faltoso venha justificar,
no prazo de cinco dias, a sua não comparência.
A acontecer esta situação, aplica-se então o previsto no número três,
ou seja, marca-se nova data, dentro dos trinta dias imediatos, para a
realização de nova conferência. O mesmo acontecendo quando, entre
a citação e a data da efectivação daquele acto judicial, tiver sido reque-
rido o seu adiamento, por motivos relevantes.
Em todo o caso, é preciso ter em consideração que só pode haver
lugar a um adiamento, como se infere também do citado número três.
É importante ainda ter-se presente o princípio expresso no n.º 4, do
artigo 120, segundo o qual a conferência só pode ser suspensa quando
se mostrar conveniente para os interesses do menor e por período não
superior a quinze dias.
Caso não se alcance acordo dos progenitores, estando estes pre-
sentes ou devidamente representados na conferência, nesse mes-
mo acto deverão ser notificados, de imediato, para, no prazo de
dez dias, produzirem alegações sobre o modo mais conveniente de
se exercer o poder parental, devendo com elas oferecer o rol de tes-
temunhas, juntar os documentos julgados relevantes e requerer as
diligências25 que entenderem necessárias, como se extrai do pre-
ceituado nos nºs. 1 e 2, do artigo 121, da Organização Jurisdicional
de Menores.
O princípio acabado de referenciar reveste-se de importante al-
cance, tendo em consideração que o momento para se indicar tes-
temunhas, apresentar quaisquer elementos de prova ou requerer

25
Relacionado com diligências requeridas pelo progenitor, veja-se os acórdãos profe-
ridos pelo Tribunal Supremo nos processos nº 81/89, 192/89 e 203/89, publicados na
Colectânea já antes indicada.
74 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

diligências, é precisamente a altura em que são apresentadas as


alegações. Significa isso que a apresentação de elementos de prova
ou a solicitação de diligências fora desse momento só poderão ser
atendidas pelo juiz, se considerar que se reveste de interesse para a
decisão da requerida providência.
Terminado o prazo para a produção de alegações, tendo sido es-
tas produzidas ou não, por despacho, o juiz ordenará a realização
de inquérito social, com o objectivo de se conhecer a real situação
social, moral e económica dos pais, as necessidades do menor e o
modo como estes atendem e acompanham o menor, como estipula
o n.º 4, do aludido artigo 121.
Em primeiro lugar compreende-se que a lei faça depender um tal
despacho do termo do prazo de apresentação de alegações, porquanto
estas poderão influir nas diligências que haja de ordenar, evitando-se,
assim, uma repetição de actos (despachos) desnecessários.
Em segundo lugar, naquele mesmo despacho deve-se, logo, marcar
data para a audição do menor, em cumprimento do princípio a que aci-
ma se fez alusão – cfr. artigo 12, nº 1, da Convenção Sobre os Direitos da
Criança e artigo 122, n.º 3, da Organização Jurisdicional de Menores.
Em terceiro lugar, olhando-se atentamente para o fim a que destina
o inquérito social, de imediato se extrai que se trata de elemento de re-
levante importância para a tomada de decisão sobre o destino a dar ao
menor, pelo que a sua forma de concretização não pode ser encarada
de ânimo leve e displicente. Há que exigir esmero, cuidado e profun-
didade na recolha dos elementos que se impõe sobre esta matéria26.
No que se relaciona com os aspectos atinentes a esta peça pro-
cessual, remete-se para tudo o que já se mencionou na Acção de
Alimentos.
Quando os pais não tiverem oferecido provas, com as alegações por
si produzidas, nem tenham requerido diligências, junto o relatório do
inquérito social realizado, recolhidas as informações consideradas es-
senciais, ouvido o menor e depois do curador de menores ter emitido
o seu parecer, é proferida sentença, conforme se retira do n.º 1, do
artigo 122, da Organização Jurisdicional de Menores.

A propósito dos fins a que se destina o inquérito social veja-se, entre outros, os
26

acórdãos proferidos pelo Tribunal Supremo nos processos nº 144/97 e 27/90, publica-
do, na Colectânea de Acórdãos do Tribunal Supremo – Jurisdição Cível, de Menores
e Laboral, 1990-2003, Vol. II, Tomo 1 e 2, 2011.
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 75

Caso contrário, se tiverem sido oferecidas provas com as alegações


e efectuadas todas as diligências necessárias, deve designar-se data
para a realização de audiência de discussão e julgamento.
Repare-se que o termo “provas” usado pelo legislador no n.º 2, do
mencionado artigo 122, tem de ser entendido apenas no sentido de
prova testemunhal ou de prova pericial. Pois, se tiver sido apresenta-
da tão-somente prova documental, deve-se passar logo à decisão final.
Anote-se que tendo sido apresentada prova documental por um
dos progenitores, o que se deve fazer é dar a conhecer tais elementos
ao outro progenitor, para que tome conhecimento e possa reagir.
Situação diferente é aquela em que os progenitores oferecerem
uma das duas espécies de prova acima indicadas, porquanto aí já se
justifica, plenamente, a necessidade de realizar audiência de discussão
e julgamento. No caso de prova testemunhal para que recolham os de-
vidos depoimentos e, no caso de prova pericial, para que se proceda à
devida discussão dos elementos provindos dessa mesma prova.
Importa ainda ter em atenção que, mesmo quando os progenitores,
com as alegações não tenham apresentado provas, o tribunal sempre
está vinculado a realizar todas as diligências que se mostrem indis-
pensáveis, com vista a ser proferida uma decisão que tenha por base
os superiores interesses da criança, em obediência ao preceituado no
artigo 3, nº 1, da Convenção acima mencionada e no artigo 123, n.º 1,
da Organização Jurisdicional de Menores.
Ao contrário do que acontece na acção de alimentos, na regulação
do exercício do poder parental compreende-se que, em certas circuns-
tâncias, não haja lugar a audiência de discussão e julgamento, porque
a finalidade de se lograr acordo dos progenitores já foi cumprida, em
fase anterior, a da conferência dos pais.
De acordo com o disposto pelo artigo 123, da Organização Jurisdi-
cional de Menores, de forma expressa resulta que, no tocante ao desti-
no do menor, ele pode ser confiado à guarda de:
a) Um dos progenitores;
b) Terceira pessoa; ou
c) Um estabelecimento de educação.
Para efeitos do disposto no referenciado preceito legal, por terceira
pessoa pode entender-se qualquer familiar do menor, independente-
mente do grau de parentesco, ou mesmo pessoa estranha à família.
Porém, quando assim se tenha de proceder, não se deve entregar o
76 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

menor à guarda de pessoa estranha à sua família, desde que este tenha
familiares e entre eles haja quem possa ficar com ele , tendo em conta
os princípios expressos nos artigos 3 e 4, da Lei da Família e artigo 33,
n.º 2, da Lei de Bases de Protecção da Criança.
Anote-se que, a verificar-se situação em que nenhum dos progeni-
tores reúne qualidades para garantir o normal crescimento e desen-
volvimento do menor e assistir aos deveres de educá-lo e orientá-lo,
ao tribunal impõe-se que faça um exercício de sensibilização e educa-
tivo, para que os membros da família assumam as obrigações que lhe
são próprias, no que respeita à guarda do menor.
Em qualquer das situações acima indicadas, na sentença em que
haja decidido sobre o destino do menor, também se deverá regular
o regime de contactos a estabelecer entre o menor e os dois proge-
nitores, incluindo no período de férias – cfr. n.º 1, do artigo 123, da
Organização Jurisdicional de Menores. Princípio este que se traduz
na concretização do direito que se acha expresso no n.º 3, do artigo
9, da Convenção Sobre os Direitos da Criança e artigo 29, da Lei de Bases
de Protecção da Criança.
Quando for esse o caso, ao decidir-se sobre o destino do me-
nor, independentemente de requerimento, a atribuição do direito
ao arrendamento, relativamente ao imóvel habitado pela família,
ao progenitor não arrendatário é feita pelo tribunal, e a respectiva
notificação é feita ao senhorio a título oficioso – cfr. n.º 2, do aludido
artigo 123. Verificando-se incumprimento quanto à decisão tomada
sobre esta matéria, o progenitor, a quem foi confiada a guarda do
menor, deve usar dos meios estabelecidos no artigo 49, da Organi-
zação Jurisdicional de Menores.
No caso de separação de pessoas e bens ou de divórcio dos pro-
genitores, enquanto não ocorrer a partilha do património conjugal, o
progenitor a quem foi confiada a guarda do menor tem direito a habi-
tar no imóvel, que constituía a casa de morada de família, desde que
o imóvel constitua bem comum do casal – cfr. n.º 4, do artigo 123, da
citada organização.
De acordo com o previsto nos nºs 2 e 3, do mencionado artigo,
aquela medida pode ser tomada pelo tribunal, mesmo quando não
tenha havido requerimento do progenitor para esse efeito, o que
significa que não depende de requerimento prévio da parte inte-
ressada. O que importa é que se configure como necessária a sua
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 77

adopção, como meio de se garantir os interesses do menor.


Esta é a condição sine qua non para que o tribunal decida sobre a
atribuição do referido direito.
No caso da previsão do n.º 2, do artigo 123, deve-se ter sempre presente
que a adopção da citada medida apenas abrange o direito ao arrendamento e
não quaisquer outros direitos relacionados com o direito de propriedade. E é
importante reter este aspecto, tendo presente que o uso e fruição de uma ha-
bitação pode provir de uma outra espécie de direito. Basta ter presente
que a cedência do uso e fruição pode decorrer de cedência precária, de
direito de usufruto27 ou de direito de copropriedade, estando o bem
em situação de indivisibilidade.
Ora, em casos desta natureza, já estará vedado ao tribunal decidir
sobre a atribuição de qualquer um destes direitos, que incida sobre
o imóvel que constitua casa de habitação dos progenitores, ao pai a
quem tenha sido confiada a guarda do menor.
De igual modo, também o tribunal não poderá tomar qualquer de-
cisão sobre o uso e fruição de uma habitação, quando o direito de pro-
priedade sobre o imóvel pertencer a um dos progenitores, pois, nesta
situação não se está em presença de arrendamento, bem como está
excluída da previsão do nº 3, do artigo 123, por não constituir bem
comum do casal.
Ainda sobre a medida de atribuição do direito ao arrendamento do
imóvel ao progenitor a quem foi confiada a guarda do menor, o tribu-
nal não se deve basear, de forma exclusiva, no princípio do superior
interesse do menor. Este princípio tem de ser conciliado e sopesado
com outros elementos, como seja, a situação patrimonial dos proge-
nitores, os bens imobiliários que estes possuam, as circunstâncias de
facto relativas à ocupação do imóvel, o facto de o arrendamento ser
anterior ou posterior à união dos progenitores, a situação familiar do
progenitor a quem não tenha sido confiada a guarda do menor e todas
as demais circunstâncias que se mostrarem ponderosas. Estes elemen-
tos orientadores podem ser encontrados no artigo 1.110º, do C. Civil,
embora devam ser usados com as necessárias adaptações.
Naturalmente que, na decisão a tomar sobre esta matéria, im-
Sobre a problemática da atribuição do direito ao arrendamento vejam-se os acór-
27

dãos proferidos pelo Tribunal Supremo, nos processos nºs. 15/95, 23/95, 111/95,
130/98, 131/96 e 23/98, publicados nas Colectâneas de Acórdãos do Tribunal Supre-
mo – Jurisdição Cível, de Menores e Laboral – 1990-2003, Vol. II, Tomos 1 e 2, 2011,
2004-2008, Vol. II, 2012, e 2009-2012, Vol. II, 2012.
78 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

porta não só fazer referência aos critérios que lhe serviram de base,
como também se deve buscar a devida fundamentação.
Em se tratando de progenitores que não se acham casados le-
galmente, que estivessem vivendo em união marital ou de facto,
de igual modo, o tribunal pode decidir sobre a atribuição do direi-
to ao arrendamento para habitação, fazendo uso dos critérios aci-
ma mencionados, embora, neste caso, com recurso à via analógica,
dado se estar perante situação de omissão de lei em relação a este
tipo de situações.

3. Da decisão sobre a regulação do exercício do poder


parental

Sobre o modo de decidir, no domínio desta providência tutelar


prevalecem os princípios informadores a que aludimos na parte
introdutória.
Assim sendo, o julgador tem de saber orientar-se por princípios de
equidade, bom senso e elevado espírito de ponderação.
Neste sentido, quanto aos elementos a atender, como critério
ponderativo, sobrelevam, designadamente, os seguintes:
a) o modo como cada um dos progenitores contribui para assegu-
rar a estabilidade da unidade familiar;
b) a forma como os progenitores cumprem o seu dever de educar
e orientar os filhos;
c) como é que os progenitores acompanham e garantem o cresci-
mento e desenvolvimento integral, são e harmonioso dos filhos;
d) o nível de atenção dispensado aos filhos por cada um dos progenitores;
e) o nível de carinho e afecto dispensados aos filhos pelos progenitores;
f) as qualidades éticas e sociais dos progenitores;
g) circunstâncias geradoras de maior ou menor instabilidade psi-
co-emocional e afectiva para o menor;
h) o tipo de organização sócio-familiar em que se encontram inse-
ridos os progenitores e o correspondente regramento das rela-
ções familiares;
i) a idade do menor;
j) o superior interesse do menor.
O factor ponderativo superior interesse da criança foi adoptado
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 79

pela primeira vez no n.º 1, do artigo 3, da Convenção Sobre os Direitos


da Criança e, mais tarde, este mesmo princípio veio a ser assumido em
legislação nacional pertinente à criança, nomeadamente, no artigo 9, n.º
3, da Lei nº 7/2008.
Na mencionada Convenção não se apresenta uma definição do que
deva entender por superior interesse da criança, como também não se
cuida de caracterizar este mesmo princípio.
Um primeiro ensaio da sua conceitualização aparece vertido no ar-
tigo 9, n.º 3, da Lei nº 7/2008, Lei de Bases de Protecção da Criança, ao esta-
belecer que: “ Para efeitos da presente Lei, entende-se por superior interesse
da criança tudo o que tem a ver com a defesa e salvaguarda da sua integrida-
de, identidade, manutenção e desenvolvimento harmonioso.”
Daqui decorre que, no âmbito global do aludido princípio, se in-
cluem os expressos nos artigos 3 e 4, da Lei da Família e os direitos
consignados nos artigos 282, 284, 285, 290, 291, 292 e 293, daquela mes-
ma Lei, associado ao conjunto de direitos concedidos à criança na Lei
nº 7/2008.
Por isso, pode afirmar-se que se está em presença de um princí-
pio que aglutina, em si mesmo, o conjunto de princípios e direitos
acima referenciados, os quais terão de ser tidos em devida conta,
ao fazer-se o juízo ponderativo da entrega da guarda do menor a
um dos progenitores.
Por consequência que haja que atender ao conjunto de direitos atri-
buídos à criança, importando, para tal, que, na fase do inquérito, se dê
uma especial atenção à recolha da informação pertinente e o julgador
realize todas as diligências, que se imponham, para que possa estar
munido do conhecimento das reais qualidades e capacidades de aten-
dimento dos progenitores, no momento em que tenha de decidir sobre
a regulação do poder parental.
Mas, como se disse e se repisa, em relação à decisão a tomar neste
tipo de providência não há modelos acabados, nem critérios standard
e exclusivos. Por isso, se insiste que os elementos acima enumerados
devem constituir tão só meros indicadores ou, se se quiser, simples
pontos de referência.
Por outro lado, a falta ou a carência de meios económicos por parte
de um progenitor não pode nunca ser usada como elemento ponde-
rativo para se negar a atribuição da guarda do menor ao progenitor
carenciado. Aliás, tal está vedado por força do disposto pelo artigo 33,
80 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

n.º 1, da Lei n.º 7/2008 – Lei de Bases de Protecção da Criança.


Entretanto, como mero elemento auxiliador podem consultar-se os
acórdãos proferidos pelo Tribunal Supremo nos processos nºs 59/95,
208/93, 84/89, 211/89, 192/01, 130/96 e 165/1028.
A propósito da decisão tomada nesta espécie de providência, anote-
-se que ela nunca reveste carácter definitivo, o que significa que pode
vir a ser alterada, desde que se verifiquem as circunstâncias que a lei
estabelece e que, mais à frente, referiremos – cfr. artigo 126, n.º 1, da
Organização Jurisdicional de Menores e artigo 1.411º, n.º 1, do C.P. Civil.

4. Incumprimento da decisão sobre regulação do exercício


do poder parental

Uma vez transitada em julgado a sentença, se o progenitor não cum-


prir com o que tiver sido decidido quanto ao destino do menor, a pes-
soa a quem foi confiada a guarda e cuidados do menor, pode requerer
ao tribunal que sejam feitas as diligências indispensáveis, com vista
a lograr-se o cumprimento da medida adoptada, inclusive através de
meios coercivos. Ao mesmo tempo, poderá ser pedida a condenação
do referido progenitor em multa até 1.000,00Mt e em indemnização a
favor do menor ou do requerente, ou de ambos, como se extrai do n.º
1, do artigo 125, da Organização Jurisdicional de Menores.
Relativamente a esta questão, no n.º 2 do mencionado artigo, diz-se: “
Autuado ou junto ao processo o requerimento, ….”, o que obriga a clarifi-
car quando ocorre a autuação e quando há lugar à junção do requeri-
mento ao processo.
O respectivo requerimento é objecto de autuação quando a regula-
ção do exercício do poder parental deriva de acordo extrajudicial não
homologado por sentença, nos termos do disposto pelo n.º 1, do artigo
127, ou de acordo homologado por conservador, uma vez que não tem como
subjacente um processo tutelar de menores. E neste caso, naturalmente, o
requerente terá de juntar o acordo extrajudicial ou certidão do acordo homo-
logado pela Conservatória respectiva.

Publicados na Colectânea de Acórdãos do Tribunal Supremo – Jurisdição Cível, de


28

Menores e Laboral, de 1990-2003, Vol. II, Tomos ! e 2, de 2004-2008 e de 2009-2012,


Vol. II, 2012.
LUÍS FILIPE SACRAMENTO 81

Por sua vez, é junto ao processo, se o incumprimento derivar de de-


cisão tomada em processo tutelar de menores, seja por via de sentença
homologatória ou de decisão final.
Clarificado este ponto, cumpre esclarecer que o tribunal não pode
decidir, de imediato, sem que dê cumprimento integral ao que se acha
fixado no n.º 2, do citado artigo 125.
De acordo com este dispositivo legal, o juiz pode adoptar uma das
seguintes atitudes:
– convocar os progenitores para uma conferência imediata;
– mandar notificar o requerido para que possa alegar o que en-
tender por conveniente, no prazo de dois dias.
Quando não se obtiver acordo na conferência realizada ou quando
se tenha optado pela segunda solução, ordenar-se-á a realização de in-
quérito sumário. Seguidamente, deverá o curador de menores emitir
parecer e, finalmente, o tribunal decidirá sobre o que fora requerido.
Do n.º 3, do citado artigo 125 resulta que havendo condenação em
multa e não sendo esta paga no prazo de dez dias, o tribunal deverá
convertê-la em prisão, à razão de cem meticais diários, mas sem exce-
der noventa dias. E, por outro lado, a prisão cessará com o perdão do
requerente ou logo que o condenado se comprometa a aceitar o com-
promisso de cumprir a decisão.

5. Alteração da regulação do exercício do poder parental

Como acima se fez menção, as decisões relativas ao exercício do


poder parental nunca têm carácter definitivo, pois podem vir a ser
alteradas, quando se verifiquem determinadas circunstâncias, que a
lei prevê.
De acordo com o previsto pelo n.º 1, do artigo 126, da Organização Ju-
risdicional de Menores, a alteração pode ocorrer quando ocorra uma
das seguintes circunstâncias:
a) o acordo não tenha sido cumprido por ambos os progenitores;
b) a decisão judicial não seja cumprida por ambos os pais;
c) ocorram causas supervenientes que tornem necessário rever o
que tenha sido estabelecido.
A propósito de causas supervenientes é importante ter presente que
apenas deve relevar para este efeito o que tiver a ver com os cuidados
82 REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL

de educador do progenitor, as qualidades de atendimento, assistência


e acompanhamento do menor, por parte do progenitor que o tenha a
seu cargo e não a exígua capacidade ou condição económica daquele.
Do mesmo modo, os obstáculos à concretização do direito a contacto
com o menor carece de uma análise cuidadosa, pois, a verificação de
casos isolados ou esporádicos de incumprimento, não podem servir
de base para desencadear, desde logo, alteração da regulação do po-
der parental.
Têm legitimidade para desencadear a referenciada alteração: qual-
quer dos progenitores; ou o curador de menores. Vide o artigo 126, nº
1, da Organização Jurisdicional de Menores.
É competente para o efeito o tribunal que, no momento, for territorial-
mente competente para a nova regulação do poder parental – cfr. parte
final do nº 1, do artigo 126, da Organização Jurisdicional de Menores.
Quando as circunstâncias que ditam a requerida alteração provie-
rem de acordo extrajudicial, ao requerimento deve juntar-se certidão
do acordo ou da decisão homologatória, o qual será objecto de autua-
ção. Por seu lado, se advier de decisão fixada por tribunal de menores,
o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o
acordo ou foi proferida a decisão final, para o que se requisita o pro-
cesso ao respectivo tribunal, se se tratar de tribunal diferente do da
nova acção – cfr. n.º 2, do artigo 126.
Seguidamente, é notificado29 o requerido para, no prazo de cinco
dias, alegar o que entender por conveniente; e, uma vez juntas as ale-
gações ou findo o prazo para a sua apresentação, deve ordenar-se a
realização de inquérito sumário sobre os factos invocados – cfr. nº 3,
do artigo 126.
Posteriormente, deve o juiz proceder à audição do menor, para que
este se pronuncie sobre a medida a tomar – cfr. n.º 4, do artigo 126.
Face ao resultado do inquérito, se se considerar infundado o invo-
cado no pedido ou desnecessária a alteração, o juiz ordena o arquiva-
mento do processo, condenando nas custas o requerente – cf. primeira
parte do n.º 5, do artigo 126. Caso contrário, segue-se, na parte aplicável, o
disposto nos artigos 118 a 124.
Portanto, do referido no parágrafo anterior retira-se que o juiz pode
tomar uma de três atitudes, a saber:

A propósito de notificação veja-se o acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, no


29

processo nº 140/89, da mesma colectânea.


LUÍS FILIPE SACRAMENTO 83

a) Considerar infundada a pedida alteração;


b) Decidir desnecessária a alteração, por haver motivos de fundo
que a tornam inútil;
c) Mandar prosseguir o processo até decisão final.

Sobre esta matéria vale a pena consultar o acórdão proferido pelo


Tribunal Supremo, no processo nº 96/9530.

6. Do recurso

tanto a sentença que tenha decidido sobre o exercício do poder pa-


rental, como a que tenha tomado posição sobre a sua alteração são
passíveis de recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo
– cfr. artigo 124 e 126, n.º 5, da Organização Jurisdicional de Menores.
Já no que respeita à decisão que haja condenado o progenitor falto-
so em multa e em indemnização, o recurso a interpor será de agravo
e terá efeito meramente devolutivo, desde que não se tenha decretado
medida de prisão – cfr. artigo 125, n.º 4.
Por seu lado, os recursos de agravo que hajam sido interpostos no
decorrer da lide sobem apenas com o que vier a ser interposto da de-
cisão final, salvo quando ocorrer caso respeitante a matéria que possa
influir no exame ou na decisão da causa, ou quando a sua retenção os
torne absolutamente inúteis, pois, quando assim acontecer, sobem de
imediato e em separado – cfr. n.º 2, do artigo 124, conjugado com o n.º 3,
do artigo 60, ambos da Organização Jurisdicional de Menores.

Publicado na Colectânea de Acórdãos do Tribunal Supremo – Jurisdição Cível, de


30

Menores e Laboral, 1990-2003, Vol. II, Tomo I, 2011.


RECURSOS NA JURISDIÇÃO
DE MENORES

Prof. Doutor Luís Sacramento e Mestre Bernardo Chuzuaio


LUÍS FILIPE SACRAMENTO E 87
BERNARDO CHUZUAIO

1. Regras gerais

No âmbito da jurisdição de menores, em matéria de recurso, há


que ter presente, primeira linha, os princípios gerais relativos que se
acham previstos na Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho – Lei da Organização
Jurisdicional de Menores, respectivamente, nos artigos 2, 3, 8, 9, 11, 18, 53
e 60. Diz-se em primeira linha, tendo em conta que há outras regras
gerais, igualmente aplicáveis à jurisdição de menores que se acham
contidas noutros diplomas legais, desde logo na Lei da Organização
Judicial, que é necessário ter também em consideração.
Feita esta referência inicial, começaremos por analisar, de segui-
da, os princípios estabelecidos na Lei da Organização Jurisdicional
de Menores.
A regra fixada no artigo 2 mostra-se relevante, por nele se preci-
sar que a jurisdição de menores não é uma jurisdição especial que se
regule, de forma exclusiva, por normas próprias e específicas, mas
antes que integra a jurisdição comum, razão pela qual se lhe aplicarão
os princípios nelas estabelecidos, quando não exista uma disposição
especial prevista na respectiva organização jurisdicional de menores.
Do mesmo modo, no âmbito de recurso também sempre há que ter
presente a própria natureza desta espécie de jurisdição, particular-
mente quando se proceda à reapreciação da decisão tomada pela 1ª
instância e a elaboração do acórdão atinente ao respectivo reexame.
Daí a importância de que se reveste o princípio enunciado no artigo
3, da Lei da Organização Jurisdicional de Menores, o qual se mostra,
igualmente, referenciado, no artigo 96, da Lei n.º 7/2008, de 9 de Julho
– Lei de Bases de Protecção da Criança.
A este propósito, note-se que aquela jurisdição por revestir a natu-
reza de jurisdição voluntária – jurisdição de equidade, não está, por
isso, sujeita a critérios de legalidade estrita, regra esta que se acha
regulada de forma mais detalhada nos artigos 1409º a 1411º, do C. P.
Civil, os quais se aplicam subsidiariamente.
Importa também tomar em consideração o princípio fixado no ar-
tigo 98, da Lei de Bases de Protecção da Criança, uma vez que, nesta
matéria, as regras de processo têm de obedecer ao que, de relevante,
se acha consignado na Convenção Sobre os Direitos da Criança.
Há que chamar igualmente à colação o disposto no artigo 8, por
nesta disposição legal se estabelecer o princípio de que não alçada na
88 RECURSOS NA JURISDIÇÃO DE MENORES

jurisdição de menores e que, portanto, há sempre recurso da decisão


da 1ª instância, independentemente do valor da causa.
É importante também reter a regra estabelecida no artigo 9, da Lei da
Organização Jurisdicional de Menores, na medida em que, em sede de rea-
preciação, apenas uma vez se pode conhecer de matériade facto. Significa
isso que, em caso de recurso interposto de decisão tomada pelo Tribu-
nal de Menores da Cidade de Maputo, com o acórdão proferido pelo
Tribunal Superior de Recurso ou de acórdão proferido por tribunal
judicial de província sobre decisão tomada por tribunal judicial de
distrito fica esgotada a possibilidade de interposição de recurso sobre
matéria de facto.
De tal facto decorre, como consequência, que do acórdão proferido
pelo Tribunal Superior de Recurso ou do acórdão do tribunal judicial
de província apenas se pode recorrer sobre matéria de direito.
Por outro lado, a regra fixada no artigo 11, da Lei nº 8/2008, de 15
de Julho, também se mostra relevante para efeitos de recurso, no âm-
bito da jurisdição de menores, uma vez que aos tribunais judiciais é
cometida competência para conhecer e decidir sobre matéria relativa à
jurisdição de menores, nas áreas territoriais onde não esteja constituí-
do tribunal de menores.
É por tal razão que nos artigos da Lei da Organização Judiciária se confere
competência aos tribunais judiciais de distrito para conhecer de matéria rela-
tiva à jurisdição de menores.
No relativo ao estabelecido no artigo 13, daquela mesma Lei, é
importante referenciar o princípio sobre o quórum, porque a vio-
lação desta regra conduz à situação de falta de constituição do
tribunal, o que acarreta, em sede de recurso, que se deva declarar
a nulidade do julgamento e, consequentemente, da deliberação to-
mada pela 1ª instância, nos termos do preceituado pelo nº 2, do
artigo 646º, do C. P. Civil.
Ainda a propósito do princípio expresso no aludido artigo 13, é ne-
cessário reter que a decisão do tribunal de 1ª instância é tomada por
acórdão, com intervenção dos respectivos juízes eleitos.
Esta é uma questão que se reveste de grande relevância, tendo em
conta que, por via de regra, o princípio relativo ao quórum não tem
sido, devidamente, respeitado a nível tanto do Tribunal de Menores,
como dos tribunais judiciais.
Quanto à questão de legitimidade para a interposição de recurso,
LUÍS FILIPE SACRAMENTO E 89
BERNARDO CHUZUAIO

mostra-se de relevante importância a regra referente às competências


conferidas ao curador de menores, estabelecidas no artigo 18, da Lei nº
8/2008, de 15 de Julho. No nº 2, da citada disposição legal ao dizer-se
que cabe ao curador de menores “ … usar de quaisquer meios judiciá-
rios, nos tribunais de menores, em defesa dos interesses e direitos dos
menores, …” está-se-lhe a atribuir poderes para recorrer das delibera-
ções tomadas por aquela espécie de tribunais.
As regras gerais sobre recurso acham-se expressas no artigo 60, da
Lei acima citada.
Quanto aos efeitos do recurso, a regra geral acha-se fixada no nº
2, do citado artigo, de acordo com a qual, no âmbito da jurisdição de
menores, os recursos têm efeito meramente devolutivo ou suspensivo,
conforme o determinado pelo tribunal, ou seja, como princípio geral, o
tribunal opta, livremente, por fixar o efeito a atribuir ao recurso.
Porém, deve-se ter em atenção que, no caso específico da regulação
do poder parental, a própria lei fixa o efeito a atribuir ao recurso – efei-
to meramente devolutivo, conforme se pode ver do princípio consig-
nado no nº 1, do artigo 124, da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho.
No relativo aos recursos de agravo interpostos no decurso da lide
só sobem a final com o recurso que haja sido interposto da decisão
final, conforme o disposto no nº 3, do artigo 60, da Lei nº 8/2008.
Esta regra é, contudo, excepcionada se disser respeito à matéria que
possa influir no exame ou na decisão da causa ou se a sua retenção os
tornaria completamente inúteis, porque, neste caso, sobem de imedia-
to ao tribunal superior, embora em separado.
Quanto aos princípios atinentes ao conhecimento do recurso pelo
tribunal de revista, é de salientar o que se acha consignado no nº1, do
artigo acima referenciado. De acordo com este preceito legal, que re-
mete para as regras estabelecidas no nºs 1 e 2, do artigo 712º, do C. P.
Civil, a decisão da 1ª instância pode ser alterada pela da 2ª instância nos
casos constantes das als. a) a c), do nº 1 e a decisão recorrida pode ser anulada
pelo tribunal de revista, quando se verificarem as circunstâncias descritas no
nº 3, da citada disposição legal.
Atenha-se, entretanto, que os princípios acabados de referenciar,
constantes do artigo 712º, do C. P. Civil, têm de ser aplicados com as
necessárias adaptações, uma vez que a jurisdição de menores é uma
jurisdição de equidade.
No silêncio da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho, no relativo às espécies
90 RECURSOS NA JURISDIÇÃO DE MENORES

de recurso a admitir no âmbito da jurisdição de menores, deve-se ter


presente que se aplica a esta jurisdição as disposições gerais contidas
no nº 2, do artigo 676º, do C. P. Civil.
Assim sendo: como recursos ordinários são admitidos a apelação, a
revista e o agravo; e, como recursos extraordinários, a revisão, a opo-
sição de terceiro e suspensão e anulação de sentenças manifestamente
injustas e ilegais.
De saliente se mostra referenciar o princípio geral estabelecido no
artigo 679º, do C. P. Civil, no que diz respeito ao tipo de despachos de
que não se pode recorrer. Trata-se dos despachos de mero expediente
definidos no nº 1, do citado artigo e todos aqueles que se destinam a
regular os termos do processo.

2 No âmbito da prevenção criminal

Dos princípios gerais relativos à prevenção criminal, que importa


reter, salientam-se os que se acham consignados nos artigos 61, 63, 67,
68 e 84, da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho.
Em primeiro lugar, é necessário ter sempre presente a natureza secreta
do processo de prevenção criminal, independentemente da fase em que
se encontrar, razão pela qual dele não se podem extrair certidões, excepto
nos casos expressamente previstos na lei – artigo 61, nºs 1 e 2.
Em segundo lugar, no relativo à consulta dos processos, do n.º 1, do
artigo 63 resulta que só podem ser mostrados a quem tem legitimidade para
recorrer ou aos mandatários judiciais, mas sempre com a obrigação de man-
terem o segredo de justiça – artigo 63, n.º 1.
Ainda no tocante ao princípio referido no parágrafo anterior, in-
teressa ter presente que a regra de secretismo quanto à consulta dos
processos deixa de operar em relação à parte relativa a providências
cíveis previstas nos artigos 46 e 47 – artigo 63, n.º 2.
Em terceiro lugar, do preceituado pelo artigo 67, extrai-se a obri-
gatoriedade de nomeação de defensor oficioso, de entre membros do
IPAJ, quando não tenha sido constituído mandatário judicial. Esta é
uma regra importante, que interessa reter, na medida em que a não ter
sido nomeado defensor oficioso, no tribunal de 1ª instância, o processo
enferma de vício insanável, que deve ser declarado em sede de reapre-
ciação, quando tiver havido recurso.
LUÍS FILIPE SACRAMENTO E 91
BERNARDO CHUZUAIO

Em quarto lugar, quanto ao princípio da subsidiariedade das nor-


mas, é preciso ter sempre presente o que se acha estabelecido no artigo
68, de acordo com o qual se aplicam ao processo de prevenção crimi-
nal, com as necessárias adaptações, o que se encontra consignado nos
artigos 91º, 104º, 117º, 139º a 145º e 617º a 624º, do C. P. Penal, e, nos
casos omissos, o que se fixa no C. P. Civil, em tudo o que não contra-
riar a natureza especial da jurisdição de menores, enquanto jurisdição
de equidade.
No relativo a matéria de recurso, no domínio da prevenção crimi-
nal, há que ter em atenção as regras específicas que se acham previstas
no artigo 84, da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho.
Do consignado no nº 1, do citado artigo resulta que só é possível
recorrer de decisões que, a título provisório ou definitivo, se tiverem
pronunciado sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de
prevenção criminal.
Quanto à legitimidade para interposição de recurso, extrai-se
do nº 2, do mencionado artigo 84, que só podem interpor recurso
o curador de menores, o representante legal do menor ou o seu
mandatário judicial.
No relativo ao processamento do recurso, retira-se da segunda par-
te do mesmo nº 2 que o recurso é tramitado e julgado como se de agra-
vo em matéria cível se tratasse.
Esta é uma regra que já se acha estabelecida para o caso da juris-
dição criminal e que foi estendida à prevenção criminal, por revestir
características similares àquela jurisdição.
No concernente ao prazo de interposição, na parte final do citado nº
2, do artigo 84 fixa-se 8 dias.
Quanto à apresentação de alegações, do nº 3, do mencionado artigo,
sobressai que elas têm de acompanhar o requerimento de interposição
do recurso.
Finalmente, do nº 4, da citada disposição legal extrai-se que o recur-
so deserta se tiver sido interposto fora do prazo de 8 dias ou se faltar
as alegações.
92 RECURSOS NA JURISDIÇÃO DE MENORES

3. No domínio dos processos de natureza cível


3.1. Regras Gerais
No tocante aos processos de natureza cível, os princípios gerais que
importa reter são os que se acham fixados nos artigos 88, 90, 91 e 93,
da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho.
Do preceituado pelo artigo 88 retira-se que os processos de natu-
reza cível revestem a natureza de processos de jurisdição voluntária,
o que não é mais do que uma reafirmação do princípio que se acha
expresso no artigo 3, da Lei acima citada e do preconizado no artigo
96, da Lei nº 7/2008.
Por tal razão, como se disse inicialmente, em sede de reapreciação
é importante atender às regras que, a esse propósito, se encontram
consignadas nos artigos 1409º a 1411º, do C. P. Civil.
Do disposto no artigo 91 extrai-se que, nos processos de natureza cí-
vel, apenas é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso.
No artigo 93 fixam-se regras processuais especiais para o caso em
que, em relação à providência a adoptar, não corresponda nenhuma
das formas de processo previstas nos artigos 94 e seguintes.
Tais providências cíveis só poderão ser alguma das previstas nos
artigos 46 e 47, com exclusão das reguladas a partir do artigo 94, quan-
to à respectiva tramitação processual.

3.2. Processo de Adopção


No relacionado com o processo de adopção, de mais saliente, im-
porta ter presente os princípios que se encontram previstos nos artigos
101 e 102, da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho.
No relativo a recurso, naquela primeira disposição legal fixam-se
quatro grandes princípios, a saber:
a) Cabe recurso do despacho de indeferimento liminar e da sen-
tença que denegue a adopção;
b) O prazo de interposição de recurso é de 8 dias;
LUÍS FILIPE SACRAMENTO E 93
BERNARDO CHUZUAIO

c) As alegações têm de ser apresentadas com o requerimento de


interposição do recurso; e
d) A apresentação do requerimento de recurso fora de prazo ou a
falta e alegações determina deserção do recurso.
No tocante à revisão da sentença que haja decretado a adopção, de
acordo com o estabelecido no n 7, do artigo 102, cabe sempre recurso.
É importante não confundir a situação prevista no artigo 102, com o recur-
so de revisão a que alude o artigo 771º, do C. P. Civil.

3.3. Processo de Tutela


No que diz respeito ao processo de tutela importa ter em considera-
ção os princípios que se acham expressos no artigo 104, 110 e 111, nº 2,
da Lei nº 8/2008, de 15 de Julho.
No artigo 104 expressa-se o princípio da aplicação subsidiária das
normas relativas à adopção ao processo de tutela, com as alterações
constantes dos artigos 105 a 111.
Do princípio fixado no artigo 110 retira-se que da sentença que de-
crete ou denegue a tutela cabe sempre recurso; ao recurso se aplicam
as regras estabelecidas para a adopção, nos nºs 2 e 3, do artigo 101; o
prazo para interpor recurso é de 8 dias.
Por último, no que respeita a recurso interposto em acção de anu-
lação da tutela aplica-se o que se acha disposto quanto à revisão da
adopção.

3.4. Processo relativo à administração de bens do menor


De acordo com o preceituado pelo artigo 112, à acção de nomeação,
remoção e exoneração de administrador de bens do menor são aplicá-
veis as regras estabelecidas nos artigos 1409º, 1410º e 1411º, do C .P.
Civil.
Daí que, no que respeita ao recurso, do nº 2 do artigo 1411º extrai-
-se, implicitamente que das decisões proferidas nesta espécie de acção
cabe sempre recurso.
94 RECURSOS NA JURISDIÇÃO DE MENORES

E, por outro lado, aplicar-se-á o princípio que se encontra fixado no


nº 2, do citado artigo, de acordo com o qual o recurso extingue-se com
o acórdão proferido pelo tribunal superior de recurso.

3.5. Processo relativo à família de acolhimento


No artigo 114 estabelece-se o princípio da aplicação subsidiária das
regras reguladoras do processo de adopção, pelo que, no respeitante
ao recurso, este regula-se pelo estabelecido nos artigos 101 e 102, nº 7.

3.6. Regulação do exercício do poder parental


De saliente no relativo ao recurso há que referenciar o que se acha
disposto nos artigos 124 e 125, nº 4.
Do nº 1, do artigo 124 resulta que o recurso tem sempre efeito mera-
mente devolutivo e, do nº2, da mesma disposição legal, retira-se que
os recursos de agravo interpostos no decurso da lide sobem ao tribu-
nal de revista com que for interposto da decisão final, excepto no caso
previsto no nº 3, do artigo 60.
Por outro lado, o recurso interposto de decisões que se pronun-
ciem sobre cumprimento coercivo das obrigações dos pais tem
efeito meramente devolutivo, desde que nelas não se decretem
medidas de prisão.
Anote-se que na nova regulação do poder parental se aplicam as re-
gras estabelecidas para a acção de regulação, razão pela qual também
se lhe aplica o disposto nos artigos 124 e 125.

3.7. Acção de alimentos devidos a menores


No que diz respeito ao recurso, às decisões proferidas nesta espécie
de acção aplicam-se os princípios contidos nos nºs 4 e 5, do artigo 129.
De acordo com o preceituado no nº 4, do citado artigo, da decisão
tomada sobre alimentos cabe sempre recurso de apelação, com efeito
meramente devolutivo.
E, do consignado no nº 5, do mesmo dispositivo legal, resulta que
LUÍS FILIPE SACRAMENTO E 95
BERNARDO CHUZUAIO

os recursos de agravo interposto do decurso do processo só sobem


com o recurso de apelação interposto da decisão final, excepto quando
se verificar o caso estabelecido no nº 3, do artigo 60.

3.8. Entrega judicial de menor


As regras relativas a esta espécie de providência acham-se estabe-
lecidas nos artigos 132 a 134 e, como se pode ver, não se fixa qualquer
princípio relativo ao recurso, razão pela qual há que deitar às regras
gerais, a que aludimos logo no início.

3.9. Inibição do poder parental


As regras atinentes a esta espécie de providência encontram-se fi-
xadas nos artigos 135 a 141 e, como se verifica, em nenhuma delas se
estabelece qualquer princípio relacionado com o recurso, motivo pelo
qual se aplicam as regras gerais referenciadas logo no início.

3.10. Providências relativas ao caso de exercício abusivo


do poder parental, da tutela ou do acolhimento

Os princípios relativos a esta espécie de providências acham-se de-


finidos nos artigos 142 a 146 e, do mesmo modo, se verifica que na-
quelas disposições legais nada se estabelece quanto ao recurso. Por tal
motivo, igualmente se lhes aplicam as regras gerais, quanto ao recur-
so, que foram referenciadas logo no início.

3.11. Processo relativo à autorização para a prática ou con-


firmação de certos actos
As regras relativas a esta espécie de providência acham-se esta-
belecidas no artigo 147, de acordo com o qual se lhe aplica, com as
devidas adaptações, os princípios fixados nos artigos 1439º a 1441º,
do C. P. Civil.
96 RECURSOS NA JURISDIÇÃO DE MENORES

Mais uma vez, porque não se estabelece qualquer princípio relativo


ao recurso, aplicam-se-lhe as regras gerais mencionadas logo no início.

3.12. Processo relativo a suprimento ou dispensa


As regras relativas a esta espécie de providência acham-se enuncia-
das no artigo 148, de acordo com o qual se lhe aplica o previsto nos
artigos 1425º a 1430º, do C. P. Civil, com as necessárias adaptações.
Do mesmo modo, no relativo a recurso, nada se fixa nas disposições
legais que regulam esta espécie de providência, razão pela qual se lhe
aplicam as regras geras descritas logo no início.

3.12. Averiguação oficiosa de maternidade ou de


paternidade
Esta espécie de providência acha-se regulada nos artigos 149 a 156.
No que respeita a recurso há que reter o princípio estabelecido no
nº 3, do artigo 154.
Como se vê do nº 1, do citado artigo, a providência termina por des-
pacho de arquivamento ou prossegue com o despacho de remessa ao
MP para efeitos de propositura da competente acção de investigação.
E do nº 3, da mesma disposição legal, extrai-se que do mencionado
despacho não cabe recurso.
LUÍS FILIPE SACRAMENTO E 97
BERNARDO CHUZUAIO

JURISDIÇÃO DE MENORES
Art. 2, do 8/2008, de 15/07 (normas subsidiárias a observar pelos tribunais de
menores: normas processais porque se regem outros tribunais; os princípios
legais enunciados na Lei de Bases de Protecção da Criança e nos instrumen-
tos de Dto. Internacional de que Moçambique é parte.
REGRAS GERAIS

Art.2 OTM (integração da jurisdição de menores).


Art.8 OTM – alçada – não tem alçada.
Art.9 (Recurso sobre matéria de facto)
Art.13 (quórum)
Art.18 (Curador de menores - legitimidade)
Art.53 (Formas de recurso)
Art.60 (recurso) – aplicabilidade do 712/1 e 2 do CPC e quanto ao efeito; o
nº 3 estabelece a regra dos agravos interpostos no decurso do processo em
processos de jurisdição de menores

Art.61 (natureza do processo de prevenção criminal) estabelece o princípio


de secretismo dos processos desta natureza e as regras de requisição de cer-
tidões.
PREVENÇÃO CRIMINAL

Art.63 (Consulta de processo) confere legitimidade para consulta de proces-


so de prevenção e sobre legitimidade para recorrer.
Art.67 (Intervenção de defensor oficioso) menor em conflito com a lei deve
ser representado por um defensor oficioso, quando não tenha sido constituí-
do mandatário judicial
Art.68 (Normas subsidiárias) artigos 91, 104, 117, 139 a 145 e 617 a 624 do CPP
e regras do CPC que não contrariem a natureza especial da jurisdição de
menores.
Art.84 (Recursos) nº1 decisões recorríveis; nº 2 (1ª parte); legitimidade para
recorrer; nº 2, 2ª parte, processamento do recurso. 3ª parte – prazo de in-
terposição (oito dias); nº 3 instrução do recurso (regra de apresentação da
alegação); nº 4 deserção do recurso (apresentação * e ou falta de alegação).
98 RECURSOS NA JURISDIÇÃO DE MENORES

Regras Gerais:
Art.88 (Natureza dos Processos cíveis);
Art.91 ( Constituição de advogado );
Art.93 (Princípios processuais a adoptar no caso das providências em rela-
ção aos quais não se estabelecem regras próprias – ex: emancipação).
Processo de Adopção
Art.101 (Recurso) nº 1 Decisões recorríveis; nº 2 instrução do recurso, regra
de apresentação de alegação; nº 3 – deserção do recurso.
Art.102 (Revisão da sentença de adopção).
ATT.:Art.771º, do CPC - os fundamentos são diferentes; nº 7 (da sentença de
adopção cabe sempre recurso).
Tutela
Art.104 (Aplicação das normas de adopção ao processo de tutela);
Art.110 (Recurso) – aplicam-se as regras dos artigos e 101, nºs 2 e 3, e deve
também ser interposto no prazo de oito dias.
Art.111, nº 2 ( Regras aplicáveis ao recurso interposto em acção de anulação
PROCESSOS DE JURISDIÇÃO CÍVEL

da tutela ).
Processo relativo à administração de bens do menor
Art.112 (Nomeação, remoção, e exoneração do administrador) remete para
os art. 1409º, 1410º e 1411º do CPC, logo; Recursos: art. 1411º.nº2,do CPC –
Admite-se o recurso apenas até ao nível do TSR.
Processo relativo à família de acolhimento
Art.114 (Processo de acolhimento) – em matéria de recurso, aplicam-se as
regras do Art.101, relativas à adopção.
Regulação do exercício do poder parental
Art.124 (efeitos do recurso de apelação) nº 1 – efeito da apelação; nº 2- subida
dos agravos – remete para o nº 3 do art. 60.
Art.125 (Cumprimento coercivo das obrigações dos pais) nº 4 - efeito do
recurso das decisões proferidas ao abrigo do Art.125 que não decretem a
prisão.
Acção de alimentos devidos a menores
Art.129 (Contestação e diligências de prova) nº 4 recorribilidade da decisão
e efeito; nº 5 subida dos agravos interpostos no decorrer do processo.
Entrega judicial do menor
Art.132 e ss.
Inibição do poder parental – Art.135 e ss.
Providências aplicáveis no caso de exercício abusivo do poder parental, da
tutela ou acolhimento – Art.142 e ss
Processo relativo à autorização para a prática ou confirmação de certos ac-
tos – Art.147
Processo relativo a suprimento ou dispensa – Art.148
Averiguação oficiosa de maternidade ou paternidade – Art.149 e ss
No respeitante a recurso, do nº 3, do artigo 154, retira-se que não cabe re-
curso do despacho que mande arquivar a providência ou que ordene a sua
remessa ao MP para instauração da competente acção de investigação.
ÍNDICE

Prefácio 9
Nota prévia 13
PROCESSO JURISDICIONAL DE MENORES COMO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA 15
1. Introdução 17
2. Processos de jurisdição voluntária - ideias gerais 18
3. A prática das instância 20
4. Inquérito social – forma de recolha de informação e conteú-
do do relatório 22
5. Poderes do Juiz nos processos de regulação do poder pa-
rental e nos processos de alimentos devidos a menores 24
6. Alterabilidade das decisões nos processos jurisdicionais de
menores – limites 26
7. Conclusão 28
A ADOPÇÃO NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA 29
1. Origem e fins da adopção 31
2. Noção e modalidades da adopção 32
3. Requisitos da adopção 33
4. Processo da adopção 38
5. Efeitos da adopção 40
6. Adopção internacional 41
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES E REGULAÇÃO DO
PODER PARENTAL 45
1. Introdução 47
ALIMENTOS DEVIDOS AMENORES 59
1. Considerações iniciais 51
2. Acção de alimentos devidos a menores 51
3. Decisão sobre alimentos – elementos a considerar 57
4. Natureza da decisão sobre alimentos 59
5. Incumprimento da decisão sobre alimentos 59
6. Cessação da obrigação de prestar alimentos 62
7. Consequências jurídicas da falta de observância de princí-
pios e regras jurídicas e processuais 62
8. Recursos 63
REGULAÇÃO DO PODER PARENTAL 65
1. Regras gerais 67
2. Regras processuais 70
3. Da decisão sobre a regulação do exercício do poder parental 78
4. Incumprimento da decisão sobre regulação do exercício do
poder parental 81
5. Alteração da regulação do exercício do poder parental 83
6. Do recurso 87
RECURSOS NA JURISDIÇÃO DE MENORES 85
1. Regras gerais 87
2. No âmbito da prevenção criminal 90
3 No domínio dos processos de natureza cível 92
Jurisdição de Menores 97

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