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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO


CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
DIREITO

LUCAS ANDRADE DE LIMA

ARBITRAGEM NO DIREITO DE FAMÍLIA: Viabilidade de aplicação do


instituto para solução de conflitos deste ramo

ENGENHEIRO COELHO
2017
1

LUCAS ANDRADE DE LIMA

ARBITRAGEM NO DIREITO DE FAMÍLIA: Viabilidade de aplicação do


instituto para solução de conflitos deste ramo

Trabalho de Conclusão de Curso do


Centro Universitário Adventista de São
Paulo do curso de Direito, sob orientação
do Prof. Dr. Alessandro Jacomini.

ENGENHEIRO COELHO
2017
2

LIMA, Lucas Andrade de.

Arbitragem no Direito de Família: Viabilidade de aplicação do instituto para solução


de conflitos deste ramo – Engenheiro Coelho: UNASP, 2017.

71 fs.

Monografia (Curso de Direito) – Centro Universitário Adventista de São Paulo,


Campus Engenheiro Coelho – UNASP.

1. Direito Brasileiro. 2. Arbitragem. 3. Direito de Família.


3

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,


do curso de Direito, apresentado e aprovado em de de 2017.

Prof. Dr. Alessandro Jacomini


Orientador

Segundo Leitor

Terceiro Leitor
4

Dedico esse trabalho a Deus, à minha


família e ao meu orientador.
5

AGRADECIMENTOS

 Agradeço, primeiramente, a Deus, criador e mantenedor de todas as coisas,


responsável por me conceder capacidade para realizar este trabalho e,
consequentemente, graduar-me como Bacharel em Direito;
 Agradeço aos meus amados pais, Anildo e Noêmia, que não pouparam
esforços para que eu realizasse meus sonhos, fornecendo constante e
intenso incentivo, e principalmente, sendo os principais responsáveis pela
formação do meu caráter. Agradeço ao meu querido irmão, Thiago, por
sempre dar apoio e dicas para meu sucesso acadêmico. Agradeço a toda
minha família, em especial minha avó Olga, que descansa no Senhor e foi um
dos meus maiores exemplos de caráter até hoje. A vocês, dedico todo o amor
do mundo;
 Agradeço a minha namorada, Fernanda, por seu amor, carinho e apoio, que
se esforça constantemente pra me ver feliz. Agradeço a minha sogra, Tatiana,
e ao meu sogro, Fábio, pela experiência e apoio que sempre me concederam.
Agradeço também, aos meus amigos do UNASP e da minha terra natal,
Guarapuava – PR, que foram fundamentais nessa jornada. Vocês todos são
grande nisso tudo;
 Agradeço ao meu querido orientador, Prof. Dr. Alessandro Jacomini, por toda
ajuda e dedicação. Um professor pelo qual tenho grande admiração desde
que entrei na instituição, demonstrando grande conhecimento, didática e
respeito para com os alunos, além de possuir um caráter primoroso.
6

"A justiça atrasada não é justiça, senão


injustiça qualificada e manifesta".
Ruy Barbosa
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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo primordial fazer a análise do instituto arbitral,
especificamente na hipótese de utilizá-lo como meio de solucionar os conflitos
advindos do Direito de Família. Buscou-se, primeiramente, minuciar os elementos
que caracterizam a arbitragem, além de seu histórico de surgimento no Brasil e no
mundo, tratando também dos aspectos fundamentais da família e das propriedades
da união estável e do casamento. Constatou-se, ao final da pesquisa, que ao se
tratar de Direito de Família, consequentemente se avalia a pessoalidade e a
preservação da intimidade dos contendentes, o que torna justo o estudo da
possibilidade de resolução de tais lides sem a presença do judiciário. O instituto
arbitral se mostrou eficiente por concentrar-se em certos segmentos sociais, com
suas particularidades, sem afetar a prestação jurisdicional, mas sim auxiliando na
redução de processos acumulados. O ordenamento jurídico brasileiro ainda é
limitado no que se refere ao tema, reduzindo a atuação da arbitragem somente aos
conflitos patrimoniais consequentes das lides familiares. Contudo, com o
desenvolvimento que o instituto tem demonstrado nesse âmbito, e com o auxílio da
experiência estrangeira, a ideia está sendo (aos poucos) amadurecida.

Palavras-chave: Arbitragem; Direito de Família; celeridade; solução de litígios;


métodos alternativos; pessoalidade; preservação da intimidade.
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ABSTRACT

The following paper aims primarily to perform an analysis of the arbitration institute,
specifically on the hypothesis of using it as a means to solving the conflicts
originating from Family Law. Seeking first to detail the elements that characterize
arbitration, in addition to its history of emergence in Brazil and the world, dealing as
well with the fundamental aspects of family and the properties of common-law
marriage. At the end of the research, it was found that when it comes to Family Law,
consequently the personhood and preservation of the contenders' intimacy is
evaluated, which makes it fair to study the possibility of solving such disputes without
the presence of the judiciary. The arbitration institute has shown to be efficient as it
concentrates on certain social segments, with its particularities, not affecting the
jurisdictional provision, but rather helping to reduce accumulated processes. The
Brazilian legal system is still limited in relation to this subject, limiting the role of
arbitration only to property conflicts coming from family disputes. However, as the
institute has shown development in this area, and as help from foreign experience
has been offered, the idea is being gradually matured.

Keywords: Arbitration; Family Law; celerity; dispute resolution; alternative methods;


personhood; preservation of intimacy.
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................10
2 DA ARBITRAGEM..................................................................................................13
2.1 Histórico.................................................................................................................15
2.1.1 Mundo.................................................................................................................15
2.1.2 Brasil...................................................................................................................18
2.2 Classificação e características do instituto arbitral...............................................20
2.3 Convenção de Arbitragem....................................................................................24
2.3.1 Cláusula Compromissória..................................................................................25
2.3.2 Compromisso Arbitral.........................................................................................27
2.4 Árbitros..................................................................................................................29
2.5 Procedimento........................................................................................................33
2.6 Sentença Arbitral...................................................................................................38
3 DO DIREITO DE FAMÍLIA.......................................................................................43
3.1 União Estável e Casamento..................................................................................46
3.2 Bens......................................................................................................................51
4 DA ARBITRAGEM NO DIREITO DE FAMÍLIA.......................................................55
4.1 Experiência estrangeira........................................................................................55
4.2 Projeto de Lei 4.019/08.........................................................................................57
4.3 Limites de utilização e desafios dentro do ordenamento jurídico brasileiro.........60
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................68
6 REFERÊNCIAS........................................................................................................70
10

1 INTRODUÇÃO

O entrecho do trabalho se fundamenta no processo de Arbitragem, como


meio extrajudicial de solução de litígios, além do Direito de Família, seus atributos
especiais e as polêmicas que caracterizam o ramo.
Não precisou de tanto tempo para que opiniões com pessimismo fossem
rasgadas pela realidade: a arbitragem não se revelou método abusivo de resolver as
lides. Não somente no Brasil, mas no resto do mundo desenvolveu-se a arbitragem
sem que causasse grande revolta por parte do Poder Judiciário. Assim, os meios
alternativos de solução de conflitos podem prestar valiosa ajuda (entre eles a
arbitragem), e que não há fundamento no medo da concorrência que o instituto
arbitral pode prestar ao Estado.

Ela se destaca especialmente por se tratar de um sistema alternativo, sendo


um mecanismo para solução de controvérsias por meio de um interventor com
poderes advindos de uma convenção privada, que equivale à jurisdição dos tribunais
estatais.

O instituto arbitral é louvável para o Ordenamento Jurídico Brasileiro, e


indubitavelmente, elenca a nação dentre as de maior avanço quando se trata de
técnicas modernas de solução de litígios entre pessoas na esfera privada, pois,
antes disso, havia um vácuo no sistema legislativo nacional relativo à finalidade da
arbitragem como solucionadora de conflitos.

Não menos importante situa-se o Direito de Família, sendo prestigiável seu


estudo, visto a necessidade de regular-se as relações entre seus membros,
analisando as influências que são aplicadas sobre os bens. É, sem sombra de
dúvidas, de grande relevância social, histórica e também ética, o que destoa tal
ramo dos demais, com total amparo constitucional.

Pode-se dizer que a família se trata da principal entidade da sociedade. A


Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. 226, § 4 º, abrangeu mais a
acepção de entidade familiar, no entanto, o direito de família possui caráter formal
que exige solenidades peculiares para exercício daqueles atos fundamentais, tais
como o casamento, adoção, reconhecimento de filhos, entre outros.
11

Nesse cerne, ainda há que se lembrar da união estável, instituto que foi
ignorado pelo direito por vários anos. Antes, conceder direitos à pessoas que não
eram casadas determinava um desprestígio ao casamento. Felizmente, esta ideia foi
alterada. A partir do § 3º do art. 226 da CF de 1988, a união estável passou a ser
protegida como entidade familiar.

Partindo deste pressuposto, muitos dos casos que são direcionados ao Poder
Judiciário de modo conflituoso poderiam ser solucionados no âmbito extrajudicial, ou
pelo menos, com maior simplicidade, por intermédio de ato consensual. O diálogo
entre os contendentes é favorável para que uma dificuldade venha a ser
solucionada, e assim pode-se impedir que sejam judicializados os conflitos
familiares.

Por outro lado, em demasiadas vezes, justamente as questões de família são


responsáveis por gerarem grandes divergências. Os sentimentos que caracterizam
os entes familiares podem acarretar alguns elementos como medo, orgulho e
vergonha, fatores estes que consideravelmente podem interferir e evitar que as
partes abrangidas por um conflito atinjam uma solução interna, recorrendo assim à
intercessão de um juiz.

A perspectiva do presente estudo reside na utilização da arbitragem para a


solução de litígios, dispondo as possibilidades de sua aplicação no âmbito do Direito
de Família com a devida celeridade que caracteriza o instituto, e que não se observa
comumente na atuação do judiciário.

Para tal, na primeira parte foi tratado unicamente do instituto arbitral, com
todas as propriedades que o revestem, discorrendo desde o histórico até a
sentença, passando por seus elementos fundamentais, procedimento e atributos dos
árbitros.

Posteriormente, analisou-se o Direito de Família, especificando a importância


do ramo no plano jurídico nacional, com intenso prestígio concedido pela Carta
Magna, além dos trâmites que envolvem os institutos do casamento e da união
estável (de forma específica a descriminação deste último frente àquele) e as
contendas relacionadas aos bens.
12

Por fim, averiguou-se as possibilidades da aplicação da arbitragem para


solucionar-se as lides familiares, com a menção da experiência estrangeira, do
Projeto de Lei 4.019/08 (que abordou o tema) e das viabilidades e limites
observados no sistema legal pátrio.

A metodologia aqui empregada será básica, bibliográfica e exploratória,


enquanto o método científico utilizado será o dedutivo, onde é considerado que a
conclusão está implícita nas premissas.
13

2 DA ARBITRAGEM

A Arbitragem caracteriza-se por uma técnica de solução de controvérsias por


meio da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes através de
uma convenção privada, tomando decisão a partir desta convenção, sem
intervenção Estatal, assumindo a deliberação eficácia de sentença judicial. Para que
se recorra a este meio de solver os litígios (com natureza jurisdicional), os
interessados tem o dever de serem capazes de contratar e o litígio deve tratar de
direitos patrimoniais disponíveis (CARMONA, 2009, p. 15).

Nas palavras de Adevanir Tura (2012, p. 22), a definição da arbitragem por


vezes soa de forma meramente contratual, no entanto ela se junta a um aspecto
jurisdicional, partindo do fato que tal instituto é resultado da vontade das partes,
assim dizendo, constitui uma forma de negócio jurídico de natureza bilateral. Por
possuir caráter contratual, tem-se que a arbitragem usa como sustentação os
princípios norteadores do contrato, cujos quais são: autonomia da vontade;
consensualismo; obrigatoriedade da convenção; relatividade dos efeitos do contrato;
boa-fé.

Quanto à natureza do instituto, Marcos Alberto Rocha Gonçalves (2011, p.4)


estabelece que:

Referido diploma normativo tem natureza dúplice, trazendo


em seu conteúdo critérios processuais gerais importantes para
garantir maior segurança e estabilidade aos procedimentos arbitrais
mas, ao mesmo tempo, garante o exercício da liberdade das partes
escolherem, dentre os critérios mais adequados as suas
necessidades e características, a melhor forma de compor o litígio
existente.

Dentro do critério subjetivo, há a restrição na capacidade jurídica de contratar,


visto que a opção pelo procedimento arbitral percorre pela expressão de
14

contratualidade, a partir do fato que ambas as partes pactuam. Já no plano objetivo,


de outro modo, a restrição aplicada pela norma tem natureza de política legislativa.
Diz respeito a determinação da arbitragem à matérias que tenham relação com
direitos patrimoniais disponíveis, restando assim os demais assuntos restritos ao
monopólio do Poder Judiciário (GONÇALVES, 2011, p. 255).

A arbitragem não é categorizada como um modismo, nem panaceia, quanto


mais privatização da jurisdição. Ela se aplica de forma perfeita no atual estágio de
evolução da sociedade, dando sua contribuição, por mais que em pequena
quantidade, com a paz social, retirando, de modo célere, a tensão que existe por
grande período de tempo quando se trata de processo judicial. Agrega também, com
a evolução do Direito vivo, ficando distante das regras estratificadas pertencentes ao
Direito posto (FRANCO apud CAZZARO; PEREIRA, 2014, p. 51).

Carnelutti (apud CARMONA, 2009, p. 32) optou por classificar a arbitragem


como equivalente jurisdicional, entendendo ser o Estado o único a aplicar a
jurisdição, e passando a reconhecer o juízo arbitral apenas como semelhante ao
método do Estado de composição de lides. Vale ressaltar que a terminologia
tradicional “meios alternativos” tem sido atacada, visto que uma análise mais
moderna do tema tem apontado como meios adequados (ou mais adequados) de
solução de litígios, não necessariamente alternativos.

São arbitráveis as causas que contenham matérias a respeito das quais o


Estado não possua reserva específica devido ao resguardo dos interesses coletivos,
contanto que possam as partes dispor livremente acerca do bem que está sendo
controvertido. Nessa diretriz, pode-se continuar dizendo que são arbitráveis os
litígios a cujo respeito as partes têm a possibilidade de harmonizar (CARMONA,
2009, p. 39).

Francisco José Cahali (apud LEITE, 2009, p. 92) define que a casuística é
quem dirá, em princípio, qual das modalidades de arbitragem será a mais adequada
opção, partindo do pressuposto que, mesmo a pior circunstância, ainda seria mais
“benéfico” que o procedimento judicial. A convenção de arbitragem, seja por
compromisso ou por cláusula, deve ser elaborada com cuidado, pois ela significa a
matriz da arbitragem. Se bem moldada, darão ótimos e proveitosos frutos.
15

A arbitragem caracteriza o método jurisdicional mais complexo, e certamente


o de maior efetividade para resolução de lides de caráter “privado”, por intermédio
de convenção entre as partes, isto é, mediante compromisso arbitral. É sabido que
não se trata de um remédio jurídico suficiente por si só para que se desafogue o
judiciário, e nem resolve 100% das questões, mas é sim, um novo método
complementar e indicado para resoluções de muitas contendas, de forma especial
aquelas atinentes à “bens disponíveis” (TURA, 2012, p. 54).

Tura (2012, p. 59) enfatiza que através da Lei de Arbitragem, houve a


preocupação em evitar a interferência do judiciário no processo arbitral, sendo
cabível a este último a decisão de qualquer questão que tenha relação com a
matéria que seja sujeitada a ele pelas partes, com exceção daquelas de direito
indisponível. Por essa razão, o árbitro qualifica-se como “Juiz de Fato e de Direito”,
igualando-se nesse aspecto aos juízes ordinários no que tange ao impedimento e
suspeição, e aos funcionários públicos nos assuntos de responsabilidade criminal.

Importante é ressaltar que a arbitragem não objetiva a substituição da


jurisdição estatal ou mesmo vir a concorrer com esta, mas sim, o de servir como
meio alternativo focado na resolução grandes litígios, tentando ao menos minimizar
a questão prejudicial do acúmulo de processos no campo judiciário e gerar maior
celeridade, contribuindo assim, para uma respeitável inovação jurídica (TURA, 2012,
p. 43).

Tendo em vista o modelo arbitral como o mais adaptável, juntamente com o


fundamento da Constituição Federal de 1988, foi então editada a Lei 9.307 de 1996,
passando a tratar da Arbitragem no direito brasileiro contemporâneo. Vale salientar
que, apesar da Lei 9.307/96 não ser a originadora da Arbitragem no ordenamento
jurídico pátrio, tal norma é a que coordena a mais moderna sistematização do tema,
trazendo para a sua concepção modelos internacionais advindos dos pactos e
também tratados internacionais referente a matéria cujos quais o Brasil é signatário
(GONÇALVES, 2011, p. 254).

2.1 Histórico
16

O instituto arbitral, mundialmente difundido nos dias de hoje, tem explicação


de modo recente na doutrina. No entanto, sua aplicabilidade caracterizada como
solução alternativa de conflitos vem muito antes da jurisdição pelo Estado. Aliás,
pode-se dizer que ela foi a inspiração para esta última. Basta qualquer visita aos
anais da história para que se perceba que as comunidades que lograram sorte para
perdurar também são as mesmas que consolidaram com eficiência um sistema de
solucionar as lides, e entre estes, situa-se a Arbitragem (CAZZARO; PEREIRA,
2014, p. 52).

Conforme o professor Francisco José Cahali (apud LEITE, 2009, p. 77), a


arbitragem é um instituto tão antigo quanto a própria humanidade, por meio do qual
as partes apontam um terceiro no intuito de este resolver seus conflitos. Aliás, de
acordo com a história, a arbitragem teria precedido até mesmo a justiça do Estado
em muitas civilizações, e mesmo esta jurisdição estruturada, várias vezes o “cidadão
idôneo” dos Gregos ou uma autoridade religiosa era investido de forma preferencial
para solucionar as lides.

2.1.1 Mundo

É perceptível que a chamada lei de talião:- olho por olho, dente por dente – a
norma punitiva pioneira em que se há notícia – surgiu através de uma decisão
arbitral que procurava justiçar o ofensor fazendo uso da mesma intensidade com
que a ofensa foi exercida, constituindo-se no modo encontrado com o fim de dar a
primitiva sociedade um razoável equilíbrio (CAZZARO; PEREIRA, 2014, p. 52).

Kleber Cazzaro e Jailson Pereira (2014, p. 53) ainda citam que a utilização da
Arbitragem é vista no Direito Grego, onde era aplicada tanto para solucionar as
controvérsias entre cidades-estado, quanto para finalizar conflitos privados. Por meio
de uma corte rabínica, uma espécie de colegiado caracterizado por três árbitros
competentes para decidir as matérias que fossem até eles, os hebreus também
faziam uso de tal instituto para solver as controvérsias de origem privada,
sustentando-se na Torah, a Lei de Moisés.
17

Nos primórdios do Direito Romano a Arbitragem esteve presente da mesma


forma. Os cidadãos que estavam em lide recorriam ao pretor, expondo os fatos que
compunham a controvérsia e estabeleciam um compromisso. Através dele, eles se
obrigavam a aceitar o julgamento da lide por um terceiro. Após examinar a questão,
então, o pretor delegava poderes ao árbitro, escolhido este livremente pelos sujeitos
da demanda. O árbitro então era o encarregado de decidir a causa. Com o passar
do tempo, na época de Justiniano, a decisão do árbitro tornou-se compulsória e
também vinculativa para os envolvidos (CAZZARO; PEREIRA, 2014, p. 53).

Com a baixa do Direito Canônico, Cazzaro e Pereira (2014, p. 54) também


lembram que o Direito Romano entrou em cena novamente. Ainda que no começo
tratado como uma fonte secundária, ele surgiu pelas mãos dos juristas que faziam
parte das recém-criadas universidades. Entretanto, passam a existir os regimes
monárquicos, nos quais o Rei (absoluto) passa a concentrar poderes ilimitados. A
partir deste fato, o processo judicial se torna o mecanismo estatal clássico. Fruto da
evolução do Direito Romano, através da jurisdição, ele começa a atuar na função de
pacificador social.

De acordo com Adevanir Tura (2012, p. 21),

A arbitragem é uma das formas de resolução de controvérsias


mais antigas do mundo, uma regulamentação que sobreviveu e
gerou resultados até mesmo na fase anterior aos dos autores e
aplicadores de leis estatais, tendo sido muito utilizada durante a
Idade Média e em tempos ainda mais remotos, pois, sua
representatividade chegava a ponto de evitar até mesmo,
confrontações bélicas entre os países, isso na esfera do direito
internacional público e mesmo em diversos ramos do direito [...]

Além do Tratado de Tordesilhas, Portugal e Espanha, baseados no Direito


Romano, fizeram também suas primeiras ordenações, que mais tarde influenciaram
na própria sistematização das leis brasileiras. As Ordenações Filipinas,
exemplificando, permaneceram ativas no Brasil até a independência, em 1822.
Juntamente vieram os métodos alternativos de solucionar os conflitos, entre eles o
instituto arbitral (CAZZARO; PEREIRA, 2014, p. 54).
18

De tal modo, se observa que as lides condizentes à matéria de família já


tinham respaldo dentro da esfera arbitral nessa época, o que gera sustento para o
estudo das viabilidades desta hipótese hodiernamente.

2.1.2 Brasil

Muitos dispositivos legais continuaram, no decorrer da história imperial e


republicana, abrangendo por vezes, e restringindo em outras a aplicação da
arbitragem, apesar de sempre estar com os interesses baseados na forma de
organização econômica própria do Século XIX e também início do Século XX. Em
outro viés, no final do século XX, a inserção econômica do Brasil em uma ordem
comandada pelo capitalismo globalizado, caracterizada pela velocidade crescente
das mudanças e também do incremento de fatores complexos nas relações de
caráter pessoal e econômico trouxe reflexão, também, nos meios de composição
das controvérsias jurídicas. Assim, destacou-se a Arbitragem como a mais
facilmente adaptável a esta nova realidade, dentre os meios de solução de litígios
não estatais disponíveis e já desenvolvidos (GONÇALVES, 2011, p. 254).
A partir da desvinculação de Portugal, o Brasil inseriu a arbitragem dentro da
Constituição Imperial de 1824, especificamente no artigo 160. Outras legislações
infraconstitucionais também trataram da matéria como o caso do Código Comercial
Brasileiro de 1850, onde em seu regulamento, nº. 737/1850, havia a exigência do
Juízo Arbitral para a solução das causas comerciais. Apesar de trazê-la como
facultativa, o Código Civil Brasileiro de 1916 também tratou do instituto, com
disposição no seu Capítulo X, artigos 1037 a 1048 (CAZZARO; PEREIRA, 2014, p.
54).
De acordo o ilustre professor e também integrante da comissão redatora do
anteprojeto da Lei de Arbitragem, Carlos Alberto Carmona (2009, p. 6), com a
percepção do atraso da legislação brasileira em comparação aos outros países por
parte do próprio governo federal, em 1981 surgia o primeiro anteprojeto de lei sobre
19

a arbitragem, feito a partir da solicitação do já extinto Ministério da


Desburocratização. Tal projeto visava, em 28 artigos, caracterizar a arbitragem com
mecanismos que permitissem a larga utilização do instituto. Apesar de muito
cuidadoso em alguns quesitos, o anteprojeto não foi tão brilhante na precisão
técnica. Infelizmente, tornou-se esquecido em Brasília e consequentemente,
abandonado.
Carmona (2009, p. 7) prossegue, alegando que da mesma forma ocorreu com
o anteprojeto de 1986, publicado no Diário da União, em 27/02/1987, com o fim de
receber sugestões. Tal trabalho, se assemelhando ao anteprojeto anterior, tinha a
previsão de que a simples estipulação de arbitragem seria suficiente para que se
afastasse a competência do magistrado togado, dispondo de modo detalhado a
respeito da “ação de cumprimento de estipulação arbitral” (ou execução específica
da obrigação de celebrar compromisso). Apesar de melhor trabalhado que a
proposta anterior, o anteprojeto de 1987 possuía alguns defeitos técnicos que
também acarretaram seu arquivamento.
Em 1988, surge então, o último anteprojeto para debate por parte do governo,
por meio da Portaria 298-A, de 20/06/88. A comissão relatora, visando a
preservação da unidade do Código de Processo Civil, modificou 10 artigos de tal
Estatuto para adicionar ali novos dispositivos que trariam viabilidade à arbitragem no
Brasil. Com a rejeição do último anteprojeto, o desânimo brotou nos estudiosos da
arbitragem, que perceberam a necessidade do tema emergir da própria sociedade e
não dos setores governamentais. Que foi o que ocorreu, por iniciativa do Instituto
Liberal de Pernambuco, ao findar do ano de 1991, com o lançamento da Operação
Arbiter, com o intuito exato de discutir sobre o tema abandonado, elaborando
anteprojeto de lei que preenchesse a vontade dos que necessitavam de um meio
eficaz e célere para solver suas lides. Juntamente com associações, entidades como
o FIESP e o Instituto Brasileiro de Direito Processual, o anteprojeto teve sua
apresentação em 09/12/1991. Já em sua versão final, foi discutido e apresentado em
Curitiba, PR, no Seminário Nacional sobre Arbitragem Comercial (CARMONA, 2009,
p. 9, 10)
Com o findar da redação do anteprojeto, iniciou-se então o processo
legislativo para sua conversão em lei com a apresentação do esboço de lei à
Câmara Alta em 1992, pelo então Senador Marco Maciel, sob o número 78/92. Após
ser aprovada pela CCJ do Senado, foi enviado para apreciação da Câmara dos
20

Deputados. Lá, teve um processamento consideravelmente lento, até que chegasse


para a discussão em plenário, onde foram apresentadas 12 (doze) propostas de
emendas. Após muitas manifestações, algumas querendo rejeição total das
emendas, outras a rejeição de algumas (com análises críticas dos Deputados José
Genoíno, Nilson Gibson e Jarbas Lima), a Câmara dos Deputados veio a aprovar o
projeto de lei em junho de 1996, com a subemenda sujeitada pela CCJR,
devolvendo-se o projeto ao Senado Federal, casa de origem, que o aprovou com as
duas alterações implementadas pela Câmara dos Deputados, finalizando com a
sanção do Presidente da República em sessão solene no dia 23 de Setembro de
1996. Publicada no Diário Oficial em 24/09/1996, a nova lei entrou em vigência
então 60 dias depois (CARMONA, 2009, p. 12, 13, 14).
Adevanir Tura (2012, p. 19) constata da seguinte forma:

No Brasil, o instituto da arbitragem, embora inserido no


Código Civil e Código de Processo Civil, não era muito praticado,
pois havia muitas dúvidas quanto a sua eficácia e aplicabilidade, no
que se refere às garantias e validade das sentenças prolatadas. Com
a promulgação da Lei federal nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996,
a partir daquela data, a sociedade brasileira passou a contar com
mais um efetivo e sério instrumento regulador nas suas relações. Em
vez de procurar o judiciário à busca de solução dos conflitos, as
pessoas físicas e jurídicas nas quais envolvam matérias de direitos
disponíveis, basicamente relacionados às questões comerciais [...]

Carmona (2009, p. 130) ainda cita que deve ser destacado o fato de que até o
advento da Lei de 1996, poucos órgãos arbitrais se desenvolveram no Brasil. Entre
eles, 3 se destacam: Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-
Canadá, Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio do Brasil e Centro
Brasileiro de Arbitragem.

Assim, fazendo uma leitura geral, Kleber Cazzaro e Jailson Pereira (2014, p.
55) resumem o histórico de desenvolvimento do instituto arbitral no Brasil do
seguinte modo: a Constituição Federal de 1934, que concedeu à União a
competência privativa de legislar a respeito de Arbitragem, disciplinou que o Brasil
só iria declarar guerra, se não fosse cabível o recurso de arbitramento. Depois, veio
a Lei nº.1808/39, o Código de Processo Civil adotou o uso da arbitragem, sob o título
“Do Juízo Arbitral”, contendo 18 artigos acerca do tema. Em 1973, com a
codificação nova do processo civil, foi reservado um capítulo inteiro ao juízo arbitral.
21

E, por fim, com o advento da Lei nº. 9.307/96, surge a atual Lei de Arbitragem
brasileira, revogando os artigos anteriores e regulando o instituto no Brasil por meio
desta legislação.

2.2 Classificação e características do instituto arbitral

O renomado Professor da Itália, Mauro Cappelletti (apud TURA, 2012, p. 48),


dispõe que “na história, os embargos na área litigiosa civil situam-se em barreiras de
caráter econômico, organizacional e processual, cujo enfrentamento ocorreu por
meio do denominado movimento de três ondas”. Especificando tal movimento, o
jurista leciona que a primeira onda se trata da fase de assistência judiciária, ou seja,
momento em que se abrem as portas do judiciário. Já a segunda onda é
reconhecida como tutela de direitos-metas individuais, com acesso ainda mais
amplo ao judiciário, concedendo às pessoas a possibilidade de se postular direitos
difusos que pertencem a todos e não unicamente a uma pessoa. Finalmente, a
terceira onda, trazendo um “novo enfoque de acesso à justiça”, tratando-se da busca
de instrumentos alternativos para que se solucionem litígios fora da jurisdição do
Estado, através de um sistema informal e não-contencioso, buscando o consenso e
soluções amistosas. Nesta, então, inclui-se o instituto arbitral, além da mediação,
que são dois mecanismos aplicados na composição do conflito ao lado da
negociação e da conciliação, também técnicas de solução de litígios extrajudiciais
essencialmente privativas.
No Direito Arbitral, identifica-se duas formas de arbitrabilidade: subjetiva e
objetiva. A primeira diz respeito aos sujeitos que podem escolher pela arbitragem
para a solução de seus litígios, enquanto a segunda faz referência ao objeto da
controvérsia que tem a possibilidade de ser submetido ao juízo arbitral (CAHALI
apud LEITE, 2009, p. 80)
Adevanir Tura (2012, p. 22, 23) alega que no sistema Brasileiro, a Arbitragem
é voluntária ou facultativa; isto é, o ordenamento pátrio só admite a existência de
arbitragem que seja estipulada pelas partes livremente (de forma absoluta),
fundamentando-se na vontade destas. A arbitragem que seja obrigatória violará os
22

princípios e preceitos fundamentais da Constituição Federal. Pelo fato de ter como


norteador do instituto arbitral o princípio da função social, é “formal” na direção de
que é disciplinado por normas pré-estabelecidas. A arbitragem formal, em outros
termos, segue o que está previsto na lei, atendendo ao interesse da sociedade. O
que não ocorre na arbitragem informal, que ignora as prescrições impostas pela
norma, não garantindo a coisa julgada e nem o valor do título executivo da sentença
condenatória que o árbitro venha a proferir.
Pode-se ramificar, ainda, em arbitragem de direito e arbitragem de equidade,
analisando o critério que será tomado para decidir o conflito. A arbitragem de direito
diz respeito a aquela em que o árbitro tem obrigatoriedade de resolução da contenda
fazendo uso das normas de direito positivo, isto é, de acordo com a lei que está em
vigor. Por outro lado, a arbitragem decidida através da equidade (art. 2º, caput da Lei
9.307/98) é aplicada de modo oposto, na situação em que o árbitro poderá decidir de
acordo com seu entendimento de justiça, ressalvada as circunstâncias de cada
caso, seja implantando as regras que ele formulou (quando não encontra normas
aplicáveis ao conflito) (TURA, 2012, p. 23, 24).
E as duas últimas classificações da arbitragem se dividem em ad hoc e
institucional, no que toca ao ponto de vista de sua organização. Na arbitragem ad
hoc, as partes determinam as regras para seu uso, respeitando-se as manifestações
de caráter imperativo compreendidas na Lei. Em contrapartida, a arbitragem
institucional é aquela que tem como estrutura uma instituição específica, como
exemplo os Tribunais e Cortes Arbitrais que sejam apropriadamente registradas e
constituídas (TURA, 2012, p. 25).
O professor Francisco José Cahali (2009 apud LEITE, 2009, p .90) analisa a
arbitragem ad hoc da seguinte forma:

Também possível a indicação direta, e, desde logo, de árbitro


ou árbitros (arbitragem ad hoc, ou avulsa), hipótese em que o
cuidado deverá direcionar-se às regras procedimentais a serem
respeitadas, principalmente no que se refere à instauração do
processo, e à indicação de substitutos para aquele(s) árbitro(s)
indicado(s), que por qualquer motivo deixem de assumir a função
(por recusa, falecimento etc). A falta de indicação de substituto pode
ensejar a necessidade de provocação do judiciário para solucionar o
impasse, ou até, se a escolha tiver sido intuito personae,
comprometer a arbitragem, extinguindo-se a cláusula arbitral (Lei de
Arbitragem, art. 16, parágrafo 2º).
23

Já a arbitragem institucional se encontra na situação de quando as partes,


desde a convenção, indicam a instituição arbitral na qual será levado o conflito, e
assim, a instauração do procedimento será concretizada de acordo com as regras
da entidade escolhida (Lei de Arbitragem, art. 5º) (CAHALI apud LEITE, 2009, p. 90).

Ainda cabe tipificar a arbitragem em dois modelos, segundo Adevanir Tura


(2012, p. 25, 26): arbitragem interna e arbitragem internacional. A Lei de Arbitragem
pátria estabelece que a sentença arbitral estrangeira é a que se profere em outro
território que não o brasileiro, com base na legislação de outros países. Logo,
classifica-se como arbitragem interna aquela cuja a sentença tenha sido proferida
dentro dos limites do território brasileiro, de outra forma, é a arbitragem que se aplica
nas relações entre os particulares de forma não conexa aos sistemas jurídicos
estrangeiros. Veridicamente internacionais são as arbitragens realizadas entre
Estados, coordenadas pelo Direito Internacional Público. O conceito mais aplicado
pelos internacionalistas é o de que a arbitragem internacional é aquela em que se
aplica a legislação estrangeira.

Para que se defina como um modelo pacífico de solução de controvérsias,


está situado entre a transação e a decisão judiciária. Entretanto, com a Lei n º.
9.307/98, a arbitragem obteve condição definitiva de foro jurisdicional privado, sendo
aplicada na solução de lides que tratem de direitos patrimoniais disponíveis, por
meio da intervenção de um ou mais árbitros, sendo à estes transmitidos os poderes
estabelecidos de uma convenção, sem intervenção estatal. É justo, assim, a menção
de que são disponíveis os direitos vinculados a bens de natureza alienável ou
apropriável, isto é, os que integram o comércio jurídico. Enquanto patrimoniais são
aqueles direitos sobre bens, podendo ser avaliados quantitativos tanto
monetariamente quanto economicamente visualizados (TURA, 2012, p. 42, 43)

Marcos Alberto Rocha Gonçalves (2011, p. 5), no que atine aos efeitos
restritivos da norma, estabelece o seguinte:

Conforme se infere, os principais efeitos restritivos da norma dizem


respeito à condição do sujeito que toma parte em uma arbitragem e
ao conteúdo do direito a ser submetido à esta forma de jurisdição.
Neste influxo, expressa-se no art. 1º da Lei: “As pessoas capazes de
24

contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos


a direitos patrimoniais disponíveis.”.

Por fim, adentrando nos conceitos de disponibilidade, Luis Fernando do Vale


de Almeida Guilherme (apud CAZZARO; PEREIRA, 2014, p. 59) determina que os
direitos patrimoniais disponíveis são classificados como aqules cujos quais seus
titulares possuem plena disposição e giram em torno da esfera de seu patrimônio.
Tais direitos têm o dever entenderem-se como os que têm por objeto um
determinado bem, este último inerente ao patrimônio de alguém, dizendo respeito a
um bem que tenha a possibilidade de ser apropriado ou também alienado.
Patrimônio se classifica como um complexo das relações jurídicas de um indivíduo
que possua valorização econômica. Estão inclusos no patrimônio: posse, direitos
reais, obrigações e ações relativas a tais direitos. O patrimônio acopla direitos e
deveres que são redutíveis em dinheiro, em consequência não estão presentes nele
os direitos de personalidade, assim como os pessoais entre cônjuges, os
provenientes do poder familiar e os políticos.

Por outro lado, são indisponíveis de forma legal os direitos que façam
referência a litígios dependentes de modo exclusivo da sentença judicial, como por
exemplo o caso do inventário de bens localizados no Brasil, daqueles que tratam do
processo de insolvência, ao estado e capacidade das pessoas, que sejam
essencialmente alimentares, falimentares, fiscais, causas de interesse da Fazenda
Pública (§1º do art. 3º da Lei n.º 9.099/95), que façam parte de litígios em que o
Ministério Público interfira de maneira necessária, como nos casos de interesse de
incapazes, com relação ao estado de pessoas, pátrio poder, tutela, curatela,
casamento interdição, declaração de ausência, disposição de última vontade, ou, por
fim, que tenham ligação com as ações envolvendo litígios coletivos pela posse de
terra rural ou nas que haja interesse público denotado pela natureza do conflito ou
pela qualidade da parte (GONÇALVES, 2011, p. 257).

Isso posto, Marcos Alberto Rocha Gonçalves (2011, p. 258) arremata que a
evolução pela qual o direito constantemente passa não permite, no entanto, tornar
fixo o conceito de direito patrimonial disponível, nem autoriza, da mesma forma, a
construção interpretativa deste conceito em bases consolidadas unicamente na
mens legis. Toda norma jurídica, por mais simplória que demonstre ser, é
25

interpretada em sua concepção. Deste modo, ao aplicar a norma ao caso concreto


deve-se ir em busca daquela que ofereça os efeitos mais convenientes com base
nos valores do próprio ordenamento e os fins desejados pela norma.

2.3 Convenção de Arbitragem

Enquanto o capítulo I trata das disposições gerais, o capítulo II diz respeito à


convenção da arbitragem e os seus efeitos. Aplica que os interessados, através da
convenção, podem contratar por meio de cláusula compromissória e por
compromisso arbitral.

É possível se dizer, em síntese, que a convenção de arbitragem possuí um


caráter duplo: quando acordo de vontades, vincula as partes no que tange a conflitos
presentes ou futuros, obrigando elas de forma recíproca ao juízo arbitral; quando
vista como pacto processual, tem como objetivos a derrogação da justiça estatal,
subjugando as partes à jurisdição dos árbitros. Desta forma, é suficiente a
convenção de arbitragem (seja cláusula ou compromisso) para que afaste-se a
competência do juiz togado, tornando-se dispensável a questão da instauração ou
não do juízo arbitral (art.19) (CARMONA, 2009, p. 79).

2.3.1 Cláusula Compromissória

Tendo conformidade com a doutrina francesa, a partir da cláusula


compromissória as partes apenas se comprometem a sujeitar ao julgamento de
árbitros conflitos futuros e eventuais que ocorram a partir de certa relação jurídica,
enquanto perante o compromisso arbitral as partes submetem de maneira efetiva as
controvérsias já acontecidas à arbitragem. Antes da Lei de Arbitragem, era explícito
a desvantagem que a cláusula compromissória obtinha para a doutrina, visto que
26

esta não fornecia nenhum efeito negativo (não retirava a competência do juiz
togado), e para instaurar a arbitragem (gerar um efeito positivo), dependeria da
celebração do compromisso (e assim, da vontade da outra parte) (CARMONA, 2009,
p. 101).
Nas palavras de Adevanir Tura (2012, p. 67), a cláusula compromissória é
aquela que consta no contrato formado entre as partes, objetivando levar a termo as
divergências que formam o conflito, submetendo a questão à arbitragem, que virá a
se realizar por meio de árbitros apontados pelas mesmas ou pelo Tribunal Arbitral.
Perante tal cláusula, as partes entram em acordo para a aceitação da arbitragem
que for realizada em seus interesses, alusivos às diferenças no que toca à matéria
contratual que eventualmente venha a ocorrer.
A Lei n.º 9.307/96, semelhante ao que ocorreu na França na década de 1980,
dispôs sobre a cláusula compromissória e sobre o compromisso arbitral no mesmo
capítulo, sob denominação conjunta de convenção de arbitragem. Através desta, é
excluída a jurisdição por parte do Estado, sendo a cláusula compromissória um
pacto através do qual decidem, expressamente, submeter à arbitragem a solução de
um eventual conflito decorrente de uma relação jurídica determinada.
Hodiernamente, no Brasil, institui-se arbitragem unicamente com base em cláusula
compromissória, sendo dispensada a formalidade do compromisso (CARMONA,
2009, p. 16).
Carlos Alberto Carmona (2009, p. 16, 17) leciona que a cláusula deixou de
caracterizar-se somente como um pré-contrato de compromisso, pois de acordo com
o art. 5º, o juízo arbitral pode ser instituído (art. 19) sem a necessidade de
celebração de um compromisso arbitral. A Lei estabeleceu que a cláusula pode estar
ou não introduzida no corpo de um contrato, de modo que a avença será coetânea
ao contrato ou posterior a ele. Nesta última possibilidade, a cláusula será ajustada
por meio da troca de cartas, telegramas, telex ou fac-símiles que sejam reportados a
um negócio jurídico, prevendo a solvência de eventuais e futuros litígios por
arbitragem.
Conclui-se que esta é um tipo de “tutela antecipada”, onde a Lei de
Arbitragem fornece tal ferramenta à parte que se sinta prejudicada, tendo
consequentemente, a eletiva nomeação do juízo arbitral para que a lide seja
composta.
27

O artigo 7º será utilizado quando o juiz se deparar com as cláusulas


compromissórias vazias, melhor dizendo, cláusulas que se limitem a alegar que
algum litígio que decorra de um determinado negócio jurídico será solucionado pela
arbitragem. Em tal hipótese, haverá amplitude do poder do juiz, não apenas para
nomear árbitro (podendo ser único), mas também para que seja fixado outros
elementos úteis ao progresso do processo arbitral (CARMONA, 2009, p. 17).

Nesse ponto, Francisco José Cahali (apud LEITE, 2009, p. 91) pontifica:

Por fim, pode ainda a cláusula arbitral ser considerada “vazia”


(ou “em branco”), ou seja, limitada a uma previsão genérica de que
eventuais conflitos serão solucionados através da arbitragem. Muito
criticada esta cláusula “vazia”, até qualificada como patológica, pois,
verificando o conflito, a instauração do procedimento dependerá de
nova convenção através de compromisso arbitral que, se frustrada,
exige a intervenção do Judiciário para a sua efetivação (Lei de
Arbitragem, arts. 6º e 7º).

Também, Carlos Alberto Carmona (2009, p. 112) salienta que:

A cláusula vazia, cujas consequências estão estampadas nos


arts. 6º e 7º da Lei de Arbitragem, é aquela que não indica método ou
critério para a nomeação de árbitros na hipótese de surgimento de
litígio decorrente de determinada relação jurídica. Cingem-se as
partes a afirmar que, em caso de litígio, recorrerão à solução arbitral.
Tal cláusula, embora produza o efeito de afastar a competência do
juiz togado, não é suficiente para levar à instituição do juízo arbitral,
de modo que se os contendentes não chegarem a bom termo quanto
à forma de nomear o árbitro (ou o painel arbitral) será necessário o
recurso ao Poder Judiciário para a instituição da arbitragem.

Ainda há a cláusula arbitral escalonada, que diz respeito ao método pelo qual
as partes concordam em se submeter a procedimento de mediação (ou conciliação,
conforme seja o caso) e, não entrando em um acordo, instaurem desde logo a
arbitragem. No que tange à função do mediador e, subsequentemente, de árbitro,
exercida pelo mesmo profissional, não é recomendável. Nem sempre é totalmente
explícito no contrato celebrado pelas partes se estes tem alguma discordância
relacionada à dupla atividade que poderá ser exercida pelo profissional apontado
para mediar o conflito. Não se recomenda pelo fato de as partes não poderem
usufruir das características do método compositivo: percepção, pelo mediador ou
28

conciliador, das finalidades das partes e das possibilidades reais de composição,


tendo em vista que não haverá transparência das negociações com as partes
mantendo reservas, cautelas e reticências perante um mediador que pode se
transformar em juiz (CARMONA, 2009, p. 34).

2.3.2 Compromisso Arbitral

O compromisso arbitral indica a convenção estipulada por duas ou mais


pessoas, colocando na figura do árbitro a confiança para que se solucione a lide
existente entre eles, tendo como pressuposição uma divergência envolvendo as
partes, o que difere da cláusula compromissória, que é aplicada pelas mesmas
previamente à existência do litígio (TURA, 2012, p. 75).

A Lei de Arbitragem instituiu, como elementos obrigatórios para o


compromisso arbitral: qualificação das partes (aqui inclui-se estado civil, podendo
ser de relevância na aferição da necessidade de participação do cônjuge no juízo
arbitral, na hipótese de tratar o litígio sobre bens imóveis, exemplificando), a
qualificação dos árbitros ou a entidade especificada que os indicará (o que
demonstra que as partes poderão delegar a um órgão especializado ou não a
escolha de árbitros), a matéria que será objeto da arbitragem e o lugar em que a
sentença arbitral será proferida. A omissão de quaisquer destes elementos gera
nulidade, por mais que não contenha expressamente (CARMONA, 2009, p. 19).

Tura (2012, p. 75, 76) acrescenta que poderá o compromisso arbitral instituir-
se de dois modos: judicialmente, quando as partes estiverem em discussão de
questão no judiciário, e estas submetam a resolução pela Arbitragem; ou
extrajudicialmente, quando aplicado por determinação da cláusula compromissória
ou através da vontade das partes, nesse caso com a necessidade da presença de
duas testemunhas (art. 9º, § 2º, Lei nº. 9.307/96 – Art. 851, CC).
29

Tratando-se dos elementos facultativos que podem estar presentes no


compromisso, para tornar mais fácil, delimitar e também orientar o papel do árbitro, a
Lei aplicou o local (ou locais) onde a arbitragem terá desenvolvimento. A partir do
art. 10, IV, o lugar em que o laudo será proferido constará de forma obrigatória do
compromisso, o que não ocorre com o local da arbitragem, pois no caso desta a
fixação pode ser deixada a cargo do árbitro (ou do tribunal arbitral). Outra faculdade
das partes está presente na autorização para que os árbitros julguem através da
equidade, ou melhor dizendo, decidam sem o uso das normas postas que foram
incididas na espécie, sendo neste caso imprescindível a observância das normas
jurídicas de ordem pública. Na situação dos honorários, se estes forem fixados no
compromisso, constituirão título executivo extrajudicial contra os contratantes, que
irão responder de forma solidária pelo débito, salvo estipulação em contrário
(CARMONA, 2009, p. 20, 21).

Carmona (2009, p. 200) faz um adendo:

Diferentemente do que constava no art. 1.074 do Código de


Processo Civil, não exige mais o legislador – sob pena de nulidade –
que sejam apontados no compromisso os substitutos dos árbitros
para a hipótese de eventual impedimento ou impossibilidade de
aceitação do encargo. Na ausência de indicação, deverão as partes
entender-se para a escolha dos substitutos, sendo possível a
intervenção judicial em caso de desacordo (art. 16 da Lei).

O compromisso arbitral também é revestido de força vinculativa, impondo às


partes que comprometam-se a sujeitar certa pendência à decisão proferida pelo
árbitro ou pelo Tribunal Arbitral, regularmente nomeado. Apesar de uma das
diferenças entre o compromisso e a cláusula arbitral se tratar de um ser relacionado
a conflito atual e específico, enquanto outro diz respeito à conflito futuro e incerto, a
principal diferenciação reside na esfera contratual. Isso se justifica pelo fato de que a
cláusula compromissória não é contrato perfeito e finalizado, mas sim, preliminar,
futuro e incerto, ou mesmo uma medida preventiva em que as partes estipulam a
promessa de exercer um contrato de “compromisso” no caso de eventual
desentendimento a ser solucionado (TURA, 2012, p. 77).

Carmona (2009, p. 102) conclui reportando que o legislador brasileiro deixou


de lado o modelo clássico francês (já superado até mesmo no país de origem),
30

visando oferecer tanto à cláusula quanto ao compromisso igualdade nos efeitos


jurídicos. É dito hoje, sem receios, que a cláusula arbitral se trata de um negócio
jurídico processual, visto que a vontade que as partes manifestarem produzem
efeitos (negativos) desde logo no que tange ao processo (estatal), e positivos, no
que concerne ao processo arbitral (sendo que, pela cláusula, se dá jurisdição aos
árbitros).

Com base no exposto, é importante que se repita mais uma vez: o


compromisso arbitral não é primordial para que se institua a arbitragem. Pode
acontecer plenamente que as partes venham a dispor em determinada cláusula
arbitral que qualquer matéria que decorra de um eventual contrato esteja sujeita à
solução de árbitros, e mesmo assim o compromisso pode ser dispensado.

2.4 Árbitros

O capítulo III tem relação com os árbitros. Divergem a atividade do árbitro e


do arbitrador, sendo que o primeiro soluciona um litígio, impondo com autoridade e
declarando a norma que incidiu sobre determinado fato típico. Já o segundo, em
sentido oposto, integra, a partir de sua vontade, o negócio jurídico incompleto,
restringindo-se à composição de interesses divergentes. A respeito da capacidade
para aquele que pretende atuar na função de árbitro é a mesma prevista no Código
Civil, tanto que são excluídos tanto os relativamente capazes como também os
absolutamente incapazes de praticar de forma pessoal os atos da vida civil.
Primordial que se cite tal capacidade apenas à pessoa física, sendo que jurídica não
pode atuar no polo de árbitro (CARMONA, 2009, p. 228, 229).
A investidura do árbitro se deriva da confiança que se deposita nele através
das partes ou pela instituição de arbitragem que o vier a escolher, desde o início
partindo de sua nomeação, percorrendo todo o procedimento até chegar na
elaboração da sentença, finalizando sua participação. Deverá ele se manter sempre
imparcial, e em razão de regime jurídico especial, não podem ser árbitros os que se
seguem: Magistrados, membros do Ministério Público, Procuradores do Estado,
Funcionários Públicos, Serventuários e outras de tal gênero (TURA, 2012, p. 60).
31

Como frisa Carmona (2009, p. 231), a Lei Complementar nº. 35/79 (Lei
Orgânica da Magistratura) parece ser bem clara no que se refere à impossibilidade
de o juiz estatal atuar na função de árbitro: o art. 26, II, de tal diploma complementar
classifica como grave a prática de qualquer função, com exceção a de professor, por
parte do magistrado. A regra foi recepcionada pela Constituição de 1998 e
permanece em vigor, com a finalidade de impedir que o juiz utilize seu tempo em
atividades diversas daquela para qual ingressou como agente político do Estado.
Nos termos de Adevanir Tura (2012, p. 24), é dever do árbitro, verificar as
brechas na própria legislação que está em vigor. Na hipótese de não encontrar
situações análogas, deve valer-se dos Costumes e dos Princípios Gerais do Direito
(como está previsto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil), e restando
infrutífera essas alternativas, ainda lhe é permitido utilizar a Equidade.
Para que se siga a tradição do direito pátrio (art. 1.078 do Código de
Processo Civil de 1973 e art. 1.040, V, do Código Civil de 1916), as partes nomearão
árbitros em número ímpar, para que se evite empate na decisão. Nesse quesito a lei
outorga autonomia relativa aos litigantes para a composição do órgão julgador,
concedendo a eles o direito de escolha entre árbitro único e colégio arbitral, contanto
que este possua número ímpar de árbitros. O comum, na prática, são 3 (três).
Quanto aos suplentes, o par. 1 do art.13 traz para as partes a faculdade de que,
desde logo, nomeiem suplentes para os árbitros que vierem a escolher. A redação
indica que será um suplente para cada árbitro, no entanto nada impede que seja
nomeado unicamente um suplente para que este substitua qualquer um dos árbitros.
A partir do aceite, o suplente gerará vínculos que impedirão demais atividades
profissionais de importância (CARMONA, 2009, p. 232, 233).
De modo geral, a nomeação dos árbitros respeita o princípio da vontade das
partes. Para que haja o aceite da nomeação, é necessário que deem ciência a este
que, a partir desse marco, surgirá para os mesmos o poder de decisão da
controvérsia entre as partes e os outros deveres, direitos e também
responsabilidades que vierem a lhe incumbir (TURA, 2012, p. 61).
Poderá o árbitro, conforme Carmona (2009, p. 66), decidir em sentido oposto
ao apontado pela lei posta, o que não significa que ele tenha o dever de julgar
necessariamente diverso do direito positivo. Em outras palavras, se a aplicação da
norma levar à justiça de decisão da lide, o árbitro irá utiliza-la sem que isso
caracterize vício qualquer no julgamento. Por outro lado, é sempre válido que o
32

árbitro faça a explicação de que muito embora ele seja autorizado para julgar por
equidade, está fazendo uso do direito posto por interpretar a norma adequada a
solução fornecida pela lei ao caso concreto.
Nesse aspecto, é importante frisar:

Para os efeitos deste art. 11, convém apenas acrescentar que


o legislador deixou bastante clara sua preocupação no sentido de
que os poderes conferidos aos árbitros para julgar por equidade
devem estar expressos de modo indubitável no compromisso, e não
devem ser subentendidos. Em caso de dúvida, caberá aos árbitros
interpretar o compromisso e decidir sobre os limites de seus próprios
poderes (Kompetenz-Kompetenz), sabendo-se que a última palavra
poderá ser do Poder Judiciário (art. 32, IV, da Lei). (CARMONA,
2009, p. 210).

Os árbitros serão incumbidos de escolherem o presidente do órgão arbitral, a


não ser que diversamente seja tratado pelas partes (ou exista norma diferente no
regulamento do órgão arbitral escolhido pelas partes). Não havendo regra específica
dispondo acerca da escolha do presidente, haverá eleição, sendo eleito o que for
escolhido por maioria. No caso de impasse, o legislador decidiu por conceder ao
árbitro mais idoso a presidência do órgão arbitral (CARMONA, 2009, p. 235).
Ao desempenhar sua função, Adevanir Tura (2012, p. 62, 63) lembra que
deverá o arbitro preservar pela imparcialidade, independência, diligencia,
competência e discrição. Sua opinião deve ser fundamental para a tomada de
decisão, no entanto, sem esquecer da justiça que as partes desejam no
procedimento arbitral. Os indicados para funcionarem como árbitros deverão revelar,
previamente à aceitação de tal função, qualquer fato que demonstre dúvida
justificada no que se refere à imparcialidade e independência no desempenho de
suas funções, tendo em vista que a confiança é um fator vital na instauração do
procedimento.
Ao adentrar a área da competência do árbitro, o parágrafo único do art. 8º
elimina qualquer dúvida, pois atribui à ele o poder de decidir sobre a existência,
validade e também eficácia da cláusula e do compromisso, assim como do próprio
contrato que comtemple cláusula compromissória.
A competência do árbitro ou do Tribunal Arbitral para a concessão de medida
cautelar no procedimento arbitral percorre desde a apreciação do pedido até a
solicitação ao juiz togado para que este venha a efetivar a execução da mesma.
Assim sendo, o árbitro ou Tribunal Arbitral poderá (ou deverá) apreciar e também
33

“deferir” o pedido de concessão de medida cautelar, sendo dele o dever de


julgamento de todas as providências aplicáveis à efetiva prática da “jurisdição
arbitral”, sejam elas de caráter instrumental, preparatório ou incidental, eventual
(TURA, 2012, p. 85).

No caso de exceção de incompetência, dispõe-se:

Dá-se exceção de incompetência, permitindo a recusa do


árbitro antes de sua nomeação, quando este não for nomeado
diretamente pela parte, ou quando o motivo para a denegação for
conhecido posteriormente à sua nomeação. É o caso em que o
árbitro foi escolhido e designado por uma instituição arbitral. As
exceções podem ser arguidas por qualquer das partes, tendo
conhecimento posterior da causa do impedimento, suspeição ou
incapacidade relativamente ao árbitro, representando um obstáculo à
parcialidade do mesmo. (TURA 2012, p.64).

A partir do momento que o árbitro esteja nomeado como componente do


tribunal arbitral para dirimir tal litígio, não há mais espaço para arrependimento,
sendo um momento preclusivo elaborado pelo legislador visando evitar que as
partes, unicamente por não convir, venham a afastar o árbitro. No entanto, na
situação em que o motivo de afastamento do julgador não era conhecido por
qualquer das partes. O incidente de impugnação do árbitro impedido ou suspeito só
entrará em ação no caso de o nomeado nada manifestar a respeito do fato que pode
ocasionar seu afastamento. A Lei de Arbitragem inverteu o que trazia o anterior
Código de Processo Civil: é competência exclusiva do árbitro decidir no que tange a
exceção de suspeição e impedimento, mas permitindo à parte vencida que traga, se
querendo, suas razões perante o juiz, na demanda referida no art. 33 da Lei. Se
acolhida pelo órgão arbitral tal exceção, será afastado o árbitro recusado, sendo
feita sua substituição (CARMONA, 2009, p. 255, 256, 259).

De acordo com o que se preceitua no art.14 da Lei de Arbitragem, estão


impedidos de serem árbitros as pessoas que possuam, estabelecido com a parte ou
com o litígio que lhe for sujeitado, alguma das relações que determinam os casos de
impedimento ou suspeição de juízes.

No que tange aos honorários dos árbitros, o professor Carmona (2009, p.


214) enfatiza que a Lei de Arbitragem notou a inconveniência de que se imponha
outra causa de nulidade referente à convenção arbitral, preferindo deixar a cargo
34

das partes disciplinarem ou não, anteriormente, os honorários do árbitro (ou o


critério para que se fixe), dando a entender que, não existindo acordo referente à tal
assunto, deverá o árbitro sujeitar sua pretensão ao juiz estatal.

Finalizando, deve-se dar o respeito ao princípio do livre convencimento do


árbitro relativo à valoração da prova. A moderna ciência do processo somada a
natureza das coisas, aplicam, de fato, a livre convicção do juiz, libertando este das
limitações e obscuridades da prova real, tarifada, que pode tornar o julgador em um
simples autômato. No entanto livre convencimento não é confundível com arbítrio,
pois o julgador tem o dever de fundamentar a sentença, justificando os motivos de
tal convencimento, fornecendo às partes assim, o controle da decisão (CARMONA,
2009, p. 298).

2.5 Procedimento

No capítulo IV, situam-se as referências sobre o procedimento arbitral. Os


princípios básicos do devido processo legal foram fortalecidos, juntamente com a
autonomia da vontade. A regra é: as partes tem a liberdade de adotar o
procedimento que bem entenderem contanto que atentem-se aos princípios do
contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu
convencimento racional. Se nada for disposto acerca do procedimento a ser utilizado
e não se reportarem a regras de algum órgão institucional, cumprirá ao árbitro ou ao
tribunal arbitral mencionar as normas a serem aplicadas, em última análise, é
resumido o conteúdo do que acabou sendo conhecido, de maneira histórica, como
devido processo legal (CARMONA, 2009, p. 23).
O mestre Sérgio Cruz Arenhart (2005, p.13) faz a seguinte classificação
acerca do procedimento:

A lei brasileira não estabelece procedimento específico para o


desenvolvimento da arbitragem, deixando ao alvitre dos interessados
– ou, subsidiariamente, ao do árbitro – a eleição do rito a ser seguido
(art. 21 e seu parágrafo primeiro). De fato, desde que obedecidos os
princípios estabelecidos pelo § 2º, do art. 21, qualquer procedimento
35

utilizado é tido como válido, mormente porque estabelecido em


concordância com o interesse das partes.

De acordo com o que se relata no art. 19 da Lei de Arbitragem, só existirá lide


pendente, ou seja, litispendência, a partir da constituição do tribunal arbitral, o que
há de acontecer tão logo o árbitro (ou o último dos árbitros no colegiado) aceite a
indicação. Mesmo que através da via judicial tem a exigência da aceitação por parte
do árbitro. Deste modo, a partir da indicação de um árbitro por juiz togado, ele terá o
dever de manifestar seu aceite para que se institua a arbitragem (CARMONA, 2009,
p. 279).

Carlos Aberto Carmona (2009, p. 290) salienta que três poderão ser as
opções de escolha dos contendentes no que se refere ao procedimento arbitral:
poderão criar um procedimento especial para que solucione-se seus conflitos,
poderão utilizar as regras de um órgão arbitral institucional ou poderão considerar a
cargo do árbitro a disciplina do procedimento. O segundo critério é o que denota-se
mais seguro e utilizado por parte dos operadores da arbitragem. Substancialmente,
as partes dirigem-se ao regulamento de um órgão arbitral determinado, utilizando as
regras deste na convenção arbitral, sem a preocupação de que se criem regras
procedimentais para litígios atuais ou que eventualmente ocorram no futuro.

O legislador passou o pincel nos princípios gerais do processo, destacando


aqueles dignos de transmitir às partes garantia razoável de um julgamento com
justiça. A preocupação com os princípios influencia não somente o procedimento,
mas também o processo arbitral. O primeiro a ser tratado é o do contraditório, que
por meio de suas duas características – informação e possibilidade de reação –
autoriza que, ao longo de todo o segmento do processo arbitral, as partes tenham a
possibilidade de produzir provas, impor suas razões e ir em busca de seus direitos,
disponibilizando suas razões para que estas sejam levadas em conta pelo julgador
na decisão (CARMONA, 2009, p. 295).

No mesmo sentido:

Não se pode, por conta disso, aceitar – ainda com a


concordância das partes do processo arbitral – o estabelecimento de
procedimento que não admita, ou que restrinja o direito ao
contraditório e à ampla defesa. Sequer se pode – dada a função e a
36

essência do processo arbitral – admitir o chamado contraditório


diferido, ou seja, aquele realizado após a prolação de decisão
provisória pelo juízo arbitral. Isto porque a arbitragem não tem o
escopo de lidar com situações de urgência, nem é dotada das
garantias necessárias a controlar esta postecipação do contraditório.
(ARENHART 2005, p. 14)

Ao dispor sobre a intervenção de terceiros, Carmona (2009, p. 304) leciona


que o litisconsórcio é a questão menos árdua de se solucionar, sendo primordial a
presença de um terceiro na arbitragem que não tenha firmado compromisso ou não
tenha celebrado contrato cujo qual esteja inserida cláusula compromissória,
sabendo-se desde logo que não poderá ter prosseguimento o processo arbitral,
devendo ser realizado o envolvimento do terceiro sob pena de extinção do processo
arbitral sem julgamento de mérito por parte do árbitro.

A denunciação a lide se trata da introdução de uma nova demanda no


processo, aumentando o objeto deste. Desse modo, além da demanda envolvendo
denunciante e adversário, o árbitro deverá atuar na demanda (regressiva) entre
denunciante e denunciado; com certeza de que o denunciado estará como
coadjuvante do denunciante na demanda principal, visto que não mantém, em regra,
relação jurídica com o adversário do denunciante (CARMONA, 2009, p. 306).

Já nos casos de chamamento a o processo, haverá algumas a serem


observadas para a transposição de tal mecanismo ao processo arbitral. Ao contrário
do que ocorre na denunciação da lide, no chamamento os casos representam
solidariedade, a ponto de que o chamado possui relação jurídica com o adversário
do chamante. Já na assistência simples, o interveniente participa do processo para
coadjuvar, ou seja, proteger uma das partes, pelo motivo de ter uma relação jurídica
subordinada à que é objeto da demanda judicial (CARMONA, 2009, p.307, 308).

Carlos Alberto Carmona (2009, p. 331) ainda destaca que no caso da revelia,
a situação mais comum normalmente encontrada se trata das situações de
arbitragens instituídas por força de cláusula compromissória, pelo qual uma das
partes tenta evitar a instituição do juízo arbitral, não indicando árbitro para compor o
colegiado (se este for o caso), tanto é que até na formação do tribunal este não
participa ativamente. Mesmo assim, a sentença que seja proferida terá eficácia
plena para o resistente, sendo que assim como no processo estatal, sua
37

participação efetiva é uma faculdade e não uma exigência sob pena de invalidade de
todo o processo arbitral.

Ao tratar do assunto, Sérgio Cruz Arenhart (2005, p. 18) reforça:

A lei também trata do instituto da revelia, não lhe atribuindo, porém,


idênticos efeitos aos previstos pelo CPC. Limita-se a lei a dispor que
a revelia da parte não impedirá a prolação da sentença arbitral. Não
há, porém, qualquer imposição de efeitos materiais ou processuais
decorrentes da revelia, que deverão, para incidir, estar previstos no
compromisso arbitral.

Para que se discipline a demanda referida no art. 7 º da Lei, o legislador


utilizou como base o procedimento sumaríssimo aplicado nos Juizados Especiais
Cíveis, e não por acaso. Com base no princípio da oralidade, o autor, ao propor sua
demanda, deverá notificar ao juiz com possível precisão, para que o magistrado
possa apreciar se tal proposta está abrangida ou não pela cláusula arbitral que o
requerente tem o animus de fazer valer. Documento com a cláusula compromissória
é indispensável. O réu será citado (preferencialmente por via postal) para que
compareça à audiência de conciliação, instrução e julgamento. Sendo infrutífera a
conciliação, o juiz tentará compor as partes ao menos para que se organize a
arbitragem. Se fracassada esta, o juiz receberá a contestação do réu. A respeito de
tal contestação, terá vista o autor, para que se manifeste imediatamente na própria
audiência, devendo evitar-se concessão de prazo para que se manifeste
posteriormente, pois assim descaracterizaria o perfil célere do instituto (CARMONA,
2009, p. 158, 159).

Partindo do fato de que o procedimento na Lei é omisso no que toca à


instrução processual, independentemente do procedimento utilizado no processo, o
árbitro ou tribunal arbitral terão a possibilidade de tomar depoimento pessoal das
partes, ouvir testemunhas, requisitar ou negar a realização de perícias, ou até
decidir sobre documentos ou qualquer outra prova, seja por meio de requerimento
das partes ou mesmo de ofício, de acordo com o que está estabelecido no artigo 22
da Lei de Arbitragem (TURA, 2012, p. 80).

Ainda, Adevanir Tura (2012, p. 81, 82) reforça que o juiz de direito, através de
pedido do árbitro ou do Tribunal Arbitral, poderá determinar a condução coercitiva de
38

testemunha com a finalidade de que esta seja inquirida em outra data, no caso de
não haver justa causa que impedisse o comparecimento para fins de depoimento. Já
se houver a necessidade de ouvir testemunha que tenha residência em outra
comarca, será do árbitro ou do presidente do Tribunal Arbitral o dever de solicitar a
expedição de precatória à autoridade judiciária competente, produzindo-se prova da
convenção de arbitragem para que se preste depoimento.

Interessante mencionar um recurso que se tem visto pela prática da


arbitragem: o uso de expert witnesses, com grande utilidade e importância para o
procedimento célere e eficaz, tratando-se de prova atípica, que se explica na
inquirição de um técnico, cujo qual dará opiniões acerca de determinada questão
que envolva conhecimento técnico especializado. Já o depoimento testemunhal
escrito (witness statments) pode incorporar o procedimento arbitral também, no
entanto com alguns cuidados relacionados à hipótese de produção de tal
depoimento sem que haja regulamento adotado esta possibilidade (CARMONA, p.
319, 321, 322).

E por fim, conforme estabelecido por Carmona (2009, p. 165), quando o juiz
proferir a decisão, se procedente, terá a mesma eficácia do compromisso arbitral.
Assim, é válido dizer que a partir da publicação da sentença, de caráter constitutivo,
ter-se-á o compromisso como celebrado, mas não de forma necessária a instituição
da arbitragem, dependendo esta da aceitação do árbitro (ou de todos os árbitros) do
encargo cujo qual foram nomeados (art.19 da Lei). É recomendado ao juiz, para
evitar maiores turbulências, colher antecipadamente a concordância do árbitro,
fazendo consulta deste de forma prévia antes de nomeá-los.

2.6 Sentença Arbitral

Tratando da sentença arbitral, surge então o capítulo V. O ato de maior


relevância por parte do árbitro no processo é, sem nenhuma dúvida, a sentença, que
se caracteriza pela ocasião em que o julgador outorga a prestação jurisdicional
39

ambicionada pelas partes. De forma resumida, a sentença arbitral se define pelo ato
por meio do qual o julgador finaliza o processo.

Ao estipularem o procedimento arbitral, as partes terão a possibilidade de


fazer correr o prazo para a sentença arbitral desde o momento que seja instituída a
arbitragem (como fez a Lei) ou optar por outro marco, fazendo correr a partir dali o
tempo para os julgadores tomarem sua decisão. Se nada for tratado na convenção
arbitral no que condiz ao prazo para proferir a sentença, aplicar-se-á o termo legal
de seis meses, fluindo este a partir do momento em que se institui a arbitragem,
sendo tal prazo interrompido no caso de impedimento dos árbitros (CARMONA,
2009, p. 341).

Carmona (2009, p. 24) ainda sustenta que na sentença arbitral, conterá


basicamente os mesmos itens da decisão final proferida pelo juiz togado. Haverá
relatório - com a qualificação das partes e resumo do objeto da arbitragem,
motivação – onde esclarecer-se-ão os fundamentos da decisão, além do dispositivo
– onde será estabelecido os preceitos pelos árbitros, solvendo os assuntos que lhes
forem submetidos. A sentença a ser proferida não estará sujeita a qualquer recurso.
No entanto, as partes poderão estabelecer que a sentença arbitral seja submetida a
reexame por órgão arbitral diverso, outro árbitro, ou ainda a possibilidade do vencido
interpor recurso semelhante aos embargos infringentes, fazendo integrar o tribunal
por outros membros, apontados estes da forma estipulada pelos contendores.

Adevanir Tura (2012, p.89), faz importante menção:

O juízo arbitral não está subordinado diretamente ao


judiciário, para decidir ou proferir uma sentença, conforme frisado
amplamente pelo legislador, que sentença arbitral constitui título
executivo. O fato de submeter ao juiz de Direito, determinada
sentença arbitral, para que este obrigue o perdedor a cumprir o que
foi decidido pelo árbitro, não configura um caráter de submissão ao
magistrado, no sentido de avaliar ou homologar a sentença, mas,
sim, de impor o cumprimento de uma obrigação.

Com análise dos termos presentes no art. 2º da Lei de Arbitragem, parece


que a partir da alteração do modelo processual pátrio (devido processo legal), não
existe mais impedimento para que os árbitros, desde que possuam autorização,
venham a proferir sentenças arbitrais de caráter parcial (CARMONA, 2009, p. 351).
40

Tura (2012, p. 79) alerta que no caso de ser atingido o acordo por meio de
conciliação, a sentença que vier a ser proferida pelo árbitro terá natureza
unicamente “homologatória”, seguindo os requisitos preceituados no artigo 26 da lei
sob estudos. Se não alcançado um acordo em tal audiência, o árbitro ou tribunal
arbitral prosseguirá com o processo, nos termos do rito definido pelas partes em
compromisso arbitral.

O artigo 31 faz a determinação de que a decisão final dos árbitros produzirá


os efeitos idênticos ao da sentença pelo Estado, constituindo a sentença
condenatória título executivo judicial. O legislador escolheu a adoção da
jurisdicionalidade da arbitragem, colocando termo à atividade homologatória
exercida pelo juiz estatal, o que emperra a arbitragem. Certamente haverá muitas
críticas, de modo principal dos processualistas ortodoxos que não conseguem
aceitar a atividade processual fora da tutela estatal. A Lei decidiu por impor que a
sentença arbitral não precisa mais do controle prévio de órgãos estatais para que se
receba a oficialização que lhe era outorgada através da sentença de homologação.
Com base nisto, foi disposto o artigo 33 (CARMONA, 2009, p. 26).

A sentença arbitral possui essencialmente quatro formas de natureza:


declaratória, constitutiva, condenatória ou executiva. Estas são reflexo da mesma
natureza das demandas jurisdicionais perseguidas por meio do compromisso arbitral
e também da instauração de um juízo privado. No meio jurisdicional arbitral, o árbitro
irá se limitar a dizer o direito das partes, não tendo poderes de fazer exercê-lo, e a
satisfação material do direito daquele que obteve sentença a seu favor. Não
havendo obediência no que toca ao cumprimento da decisão arbitral, não caberá ao
árbitro que coercitivamente obrigue a parte derrotada a cumprir a obrigação,
cabendo ao interessado executar a sentença junto ao judiciário (TURA, 2012, p. 88,
89).

Adevanir Tura (2012, p. 91) também relembra que a sentença que seja
proferida pelo Tribunal Arbitral “não tem mais a exigência da homologação pelo
judiciário” como uma condição para que seja executada, partindo do pressuposto de
equiparação entre as sentenças judiciais e arbitrais. Ao tomar tal atitude, o legislador
revestiu de maior confiabilidade a decisão arbitral, além desta ganhar mais agilidade
41

e respeito para os que vão em busca do instituto, sendo que desse modo se torna
dispensável a homologação da sentença.

Relatório, decisão, fundamentos da decisão e dispositivo são os quatro itens


pelos quais a sentença arbitral viaja para que se forme sua estrutura. Por fim, o
decisório se encerrará com a data e o local em que a sentença se proferiu, sendo
este assinado por todos os árbitros ou pelo único árbitro, conforme esteja acordado
em compromisso arbitral (TURA, 2012, p. 90).

Para que se profira a sentença, é dever estar atento a tais requisitos


essenciais da sentença arbitral. Compete ao árbitro, como abertura de sua peça de
decisão, zelar para que a exposição inicial tenha em seu conteúdo o resumo das
alegações das partes e da mesma forma das questões que hão de ser resolvidas na
motivação. Se trata do relatório, e ele tem função dupla: de forma técnica, tem
finalidade de identificar o litígio que está a se resolver, aplicando os parâmetros e as
balizas relativas à sentença; no âmbito psicológico, demonstra aos litigantes que
suas razões foram consideradas e analisadas da forma devida para atingir a decisão
(CARMONA, 2009, p. 369).

Especificando a fundamentação, Carlos Alberto Carmona (2009, p. 369, 370)


leciona:

O segundo requisito estrutural da sentença arbitral é a


fundamentação, onde o árbitro exporá as questões de fato e de
direito sobre que irá recair o julgamento. Trata-se assim da parte do
julgado que deve conter a exposição dos fatos relevantes para a
solução do litígio e a exposição das razões jurídicas do julgamento,
de maneira que, estruturalmente, a fundamentação cumpre o papel
de justificar – especialmente às partes – as circunstâncias que
levaram o árbitro ao tomar esta ou aquela escolha ao proferir sua
decisão.

Após encerrar-se a motivação, os árbitros tomam a decisão, residindo assim no


dispositivo da sentença, veridicamente falando, a sede de qualquer julgamento.
Assim como ocorre nos órgãos estatais, o árbitro também terá sua atividade
restringida com um limite, não tendo a possibilidade de decidir mais à frente do que
os parâmetros estabelecidos na convenção de arbitragem. Certeiramente, é
esperado que o laudo arbitral não conceda aos contendentes mais do que foi
42

pedido, e menos ainda coisa distinta do que se foi pleiteado. Como última exigência,
a lei estabelece como requisito indispensável, que venha constado na sentença a
data e o lugar em que se proferiu. Na falta de algum destes requisitos, comportará
nulidade da decisão proferida (CARMONA, 2009, p. 371, 372, 403).

Além disso, Tura (2012, p. 92) alerta que só se admite revisão da sentença
arbitral pelo judiciário em uma única exceção, que são os casos de nulidade da
decisão por vício formal, tanto em função de seu conteúdo, quanto por ter sido
proferida por árbitro destituído de qualificação (seja por não terem sido respeitados
os princípios norteadores do procedimento, ou por outra imperfeição de forma nos
casos previstos na Lei em referência).

Sendo assim, a partir do momento da notificação da sentença arbitral às


partes, começa a correr um prazo curto de cinco dias para que qualquer delas venha
a utilizar remédio próximo aos embargos de declaração, visando corrigir erros
materiais, ou correção de omissão, contradição ou obscuridade existente na
decisão. Após o recebimento dos “embargos”, o árbitro verificará sobre a
tempestividade destes. Após o decurso do prazo, haverá óbice ao recorrer à órgão
jurisdicional arbitral, não existindo mais a possibilidade de o remédio ser manejado
(CARMONA, 2009, p. 383, 388).

Sobre a caracterização dos embargos de declaração, Adevanir Tura (2012, p.


95) aponta que:

Estes não constituem um recurso contra a sentença, posto que


ela não será anulada ou modificada, mas deverão ser prestados
esclarecimentos, no sentido de torna-la mais clara e perfeita. Neste
caso, a sentença não será reparada. Em documento à parte, como
se fosse outra sentença, o árbitro ou tribunal arbitral, no prazo de 10
(dez) dias eliminará as dúvidas com a subsequente notificação do
aditamento às partes.

O art. 32 da Lei de Arbitragem alega que seria nula a sentença arbitral no caso
de restar configurada uma das oito hipóteses ali tratadas. Os casos são taxativos, tal
que as partes não poderão aumentar as razões de impugnação e nem determinar
novos métodos de revisão judicial do laudo por meio da convenção de arbitragem.
43

Com relação ao procedimento de anulação da sentença arbitral, a partir da


ciência das partes do laudo (ou seu aditamento no caso de “embargos de
declaração”), começará a correr prazo decadencial de noventa dias para que venha
a ser proposta a ação de anulação. Cada litigante terá prazo individual e de forma
separada para propor-se a ação de impugnação. Se não proposta dentro do prazo
lega, ainda haverá para o vencido uma outra possibilidade (limitada, diga-se de
passagem) de resistência à sentença arbitral: no caso de haver execução
(cumprimento de sentença), será aberta a via de impugnação para o vencido, que
poderá suscitar alguma das matérias previstas no Código de Processo Civil com a
finalidade de se ver livre do processo de execução (CARMONA, 2009, p. 426, 429).

Por fim, no capítulo VI da Lei, encontram-se as regras de reconhecimento e


execução de sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil, assim entendidas aquelas
que foram proferidas fora do território nacional. Com a homologação do STF, será
reconhecida a sentença arbitral estrangeira no Brasil.

3 DO DIREITO DE FAMÍLIA

Família, liberdade e segurança são valores primordiais. A existência de um


sistema de regramento que venha trazer normas para estes três é indispensável,
assegurando o mínimo existencial, necessário para fins de preservação da
dignidade daqueles que preservaram relações duradouras, sólidas, constantes e
firmadas com base no afeto, o que integra o perfil de uma autêntica família.

Neste século é necessário constatar que a família não é formada como antes,
com o objetivo de procriação, mas, em essência, com a liberdade de constituição
44

democrática, afastando assim os preconceitos (de maneira principal os religiosos),


ao passo em que a família caracteriza-se diálogo, conversação infinita, linguagem e
modos de ser-no-mundo-genético, ontológico e afetivo (WELTER apud LEITE, 2009,
p. 7).

Trazendo a abordagem sobre a evolução do direito de família, Vânia Mara


Nascimento Gonçalves (2013, p. 242) salienta:

O Direito de Família é o que mais evolui no tempo.


Importantes mudanças ocorreram nos princípios e conceitos
referentes ao direito de família desde a promulgação do Código Civil
de 1916 até os dias de hoje. No decorrer dos tempos, doutrina e
jurisprudência construíram um novo Direito de Família, que
repercutiu na Constituição Federal, nas leis extravagantes e culminou
no Código Civil de 2002.

Eduardo de Oliveira Leite (2009, “Apresentação”) sustenta a ideia de que nas


últimas décadas, o Direito de família passou por alterações radicais e profundas, onde uma
grande expectativa e incerteza persegue todos os estudiosos da matéria gerando dúvidas e
algumas indagações que nem sempre possuem uma solução (pelo menos em uma primeira
abordagem). Tudo se apressa e se varia sem nenhuma linha capaz de gerar um ponto de
apoio, de gerar segurança. “Um sismo sem precedentes. 10 na escala Richter, que fez tudo
voar em pedaços”.

A dignidade da pessoa humana vê na família o local apropriado para impor


seu nascedouro e aperfeiçoamento, motivo que explica a ação do próprio texto
constitucional em determinar ao Estado que dê proteção especial à família, como
instrumento primordial para o alcance do fundamento republicano da dignidade
(GAMA apud LEITE, 2009, p. 114).

Com a concretização do novo Código Civil de 2002 veio também a


perplexidade nos meios jurídicos nacionais, além da forma repentina, o “projeto” se
estabeleceu como uma proposta definitiva formal, depois de um grande tempo se
discutindo e estudando, mas, sobretudo, pelas novas propostas inéditas, que
pareciam quase improváveis de serem inseridas em um sistema codificado. A
aceitação de inseminações artificiais como forma de presunção de paternidade, o
reconhecimento da paternidade socioafetiva, como também a inclusão da petição de
herança e o direito sucessório dos companheiros já vinham preocupando o
45

legislador brasileiro, sem que as matérias fossem caracterizadas pacificadas, a


justificar a sua inserção em proposta codificada (LEITE, 2009, “Apresentação”).

Nessa mesma esteira:

O Código Civil de 2002 uniu a nova concepção do Direito de


Família, trazendo uma nova compreensão da família, mais coerente
com os nossos dias, seguindo o já determinado pela Constituição
Federal, que estabelece a igualdade entre os cônjuges e os
companheiros, a igualdade entre os filhos e que também instituiu o
poder familiar – poder-dever com igualdade de ambos os
progenitores, estendendo o conceito de família e abrangendo a união
estável. (GONÇALVES, 2013, p. 242)

Belmiro Pedro Welter (apud LEITE, 2009, p. 2) cita que de acordo com o
artigo 1.511 do Código Civil, a anterior hierarquia na família agora é substituída pela
Democracia, considerados supremos os interesses de pais, filhos e demais
integrantes da família. Após o texto constitucional, não se caracteriza mais uma
instituição ou um contrato (que hierarquiza, coisifica e monetariza a família).

Belmiro Pedro Welter (apud LEITE, 2009, p. 4) faz relevante constatação:

Em não sendo a família um comportamento, um modo de agir,


é possível compreender que ela não é suscetível de normatização,
muito menos exclusivamente genética, já que é impossível ao
legislador prever todos os jeitos de ser-em-família. Isso justifica os
fracassos de todas as tentativas dos legisladores de compreender a
natureza jurídica da família pela visão subjetiva e normatizada do
casamento, da união estável, da monoparentalidade, porque a
família, na verdade, é o reflexo do modo de ser-no-mundo
tridimensional.

A família (casamento, união estável e demais modalidades) tem a


possibilidade de ser afetiva e também desafetiva, diferentemente do que é apontado
na equivocada jurisprudência quando afirma que o afeto e o desafeto significam
amor e ódio (e também que odiar alguém é uma maneira de ter afeto por tal
pessoa). O afeto não é unicamente um direito fundamental exercido tanto
individualmente como socialmente com o intuito de aperfeiçoar-se ao outro, mas da
mesma forma um direito à sua integridade humana das três dimensões (WELTER,
2009, p. 13, 15).
46

No olhar de Vânia Nascimento Gonçalves (2013, p. 243), a estrutura unitária


da família, com base na autoridade do pai e com tais traços políticos, econômicos e
religiosos, continua conservada em parte dentro de alguns ordenamentos, no
entanto sem a conotação feita pelo direito romano, sendo que com a influência da
Escola do Direito natural, sua essência patriarcal foi confrontada, assim como sua
finalidade política, concretizando-as de forma igualitária e privando-as de qualquer
função política. Surge então, um novo modelo de família, com base nos valores
morais, afetivos, espirituais e revestidos de reciprocidade no que tange à
assistência.

Para se obter o entendimento do texto relacionado ao Direito de Família, a


interpretação não deve ser baseada no ser-objeto, a normatização do mundo familiar
através do instituto do casamento, visto que existe um mundo circundante em que é
notado um ter-prévio, um ver-prévio e um conceito prévio a respeito da Constituição
do País e a situação humana tridimensional. É necessário que se desfaçam os pré-
conceitos, da prévia compreensão do que é família, lei, decisão judicial ou um
processo que vise desfazer o vínculo genético, ontológico e afetivo, assim querendo
dizer que a prévia conceituação que circunda o ser humano compromete o seu
reconhecimento da história do passado, do presente e também do futuro da família
afetivamente (WELTER, 2009, p. 12).

Quanto à sua natureza jurídica, Gonçalves (2013, p. 245, 246) estabelece


que:

Os doutrinadores, em sua maioria, entendem que a família tem


a natureza jurídica de instituição – coletividade humana subordinada
à autoridade e condutas sociais. As instituições jurídicas são um
universo de normas de direito organizadas sistematicamente para
regular direitos e deveres de determinado fenômeno ou esfera social.
Uma instituição deve ser compreendida como uma forma regular,
formal e definida de realizar uma atividade. Nesse sentido, família é
uma instituição permanente integrada por pessoas cujos vínculos
derivam da união de pessoas de sexos diversos, da qual se vale a
sociedade para regular a procriação e educação dos filhos.

Assim, analisando as mais importantes instituições do direito, percebe-se que


a família tem a maior responsabilidade de, por meio da educação, da transmissão de
valores, hierarquia, autoridade, respeito e da solidariedade, preparar e também
47

aprimorar o homem para que tenha uma vida em sociedade. Por isso pode-se dizer,
sem ressalvas, que o destino da sociedade como um todo se encontra na família.

3.1 União Estável e Casamento

Com a situação da União Estável, uma parte fato (constituição e duração),


metade direito (dissolução), agora existe de forma codificada e incide indagações,
que são materializadas desde a indefinição de sua terminologia (que não é unânime
no brasil) até seus efeitos (pessoais e pecuniários), o que gera uma estranha
dicotomia das posturas e soluções de uma doutrina vacilante e jurisprudência
constantemente heterogênea (LEITE, 2009, “Apresentação”).

Por isso é importante a reflexão acerca do tema que não se preocupa


unicamente com a união estável, mas com o a inserção de propostas e eventuais
soluções perante às várias controvérsias e polêmicas que caracterizam o tão
complexo problema que gera perplexidades a dúvidas, que ainda não é pacífico e
unânime.

No que se refere ao casamento, este é considerado uma instituição legal.


Ainda que nos dias de hoje o divórcio tenha se tornado mais simples, ele não é
considerado um “direito” legitimado aos cônjuges, e sim uma prerrogativa elaborada
pelo legislador para encerrar a união caracterizada de legalidade. Usando outros
termos: os cônjuges só podem dissolver juridicamente sua união se vierem a
sujeitar-se ao controle jurídico (LEITE, 2009, p. 54).

O autor Yuko Nishitani (apud MARQUES, 2004, p. 97) trabalha a tese, em seu
artigo de 2002, de que as “declarações de divórcio” feitas de modo consensual,
ainda que administrativamente registradas, não têm a equivalência funcional das
decisões judiciais ou sentenças (Urteil), e também dos atos oficiais (Hoheitsaktes),
como é a exigência do direito alemão. Menciona ainda, que a doutrina alemã
reconhece tais divórcios unicamente como “negócios jurídicos”.
48

Para o mestre Erik Jayme (apud MARQUES, 2004, p. 97), no entanto, esse
reconhecimento também demonstra abertura cultural, visto que a Corte Federal
Alemã reconheceu mesmo a validade de um divórcio com base em mútuo
consentimento de dois tailandeses, declarado por meio de negócio jurídico e em
pleno território alemão. Segundo ele, nota-se a ascendência da autonomia de
vontade no cenário do direito internacional de família, tendo tal desenvolvimento o
dever de ser saudado ao invés de confrontado, onde além de respeitada a
identidade cultural, também respeita-se os direitos humanos dos envolvidos.

Diferente dos casados, os companheiros podem, por qualquer motivo e a


qualquer momento, romper a união no caso das dificuldades pessoais
caracterizarem-se insuportáveis. Como são feitas e estruturadas fora do Direito,
nada os obriga a reconhecer sua comunidade de vida como um fim em si
juridicamente, exercido como superior aos seus interesses individuais. No entanto
quando a figura antes livre se insere no cenário jurídico, a antiga liberdade de criar e
romper os vínculos assume novos parâmetros e perspectivas, e o novo sistema do
Código (Arts. 1.723 a 1.727) é prova disso (LEITE, 2009, “Apresentação”).

Belmiro Pedro Welter (apud LEITE, 2009, p. 20) alega que a sociedade
persistiu com a ideia por quase 100 anos, tentando compenetrar o legislador do
mesmo nível entre casamento e união estável, que não é uma sociedade de caráter
comercial, sociedade de fato, união livre, uma união de fato, mas sim um método de
ser-em-família.

A introdução ao Código Civil da ideia de uma situação jurídica, é


surpreendente e pode se caracterizar paradoxal. No entanto, o legislador conseguiu,
impecavelmente, colocar a noção como uma união de fato e a introdução desta no
sistema codificado não tem finalidade de moldá-la como uma união regular que
concorre com a ideia do casamento. Se, porém, isso fosse verídico, certamente o
legislador não faria referência à conversão da união estável em casamento (Art.
1726 do CC). Os motivos que impulsionaram o legislador são divergentes. Fazia
questão, primeiramente, de colocar fim às dúvidas que constantemente
acompanharam a matéria do reconhecimento jurídico de um caso que não tem o
desejo de ser envolvido pelo Direito e, em uma outra situação, de elaborar “efeitos”
de caráter jurídico (mesmo que à revelia dos companheiros) que venham a orientar
49

e impor aos mesmos o pensamento sempre necessário de segurança e também


responsabilidade, estes primordiais em um estado de direito (LEITE, 2009, p. 49).

Débora Gozzo (apud LEITE, 2009, p. 43) sustenta que:

Isso, apesar de a Constituição, como Lei Maior, ter garantido


proteção à união estável como entidade familiar que é. Protegê-la
como entidade familiar não deve significar, em instante algum, que
ela seja merecedora dos mesmos direitos concedidos aos cônjuges,
esvaziando-se com isso o instituto do casamento.

Eduardo de Oliveira Leite (2009, p. 49) lembra também que da mesma forma
que o concubinato, a união estável é um instituto que não surge pelos seus agentes,
mas se origina comumente de uma pesquisa de comportamento realizada pelo juiz.
Durante o tempo em que a união flui, sem grandes empecilhos, tudo ocorre
normalmente e persiste dentro das diretrizes da lei, e, quando surgem as
complicações (de forma especial as de ordem patrimonial, consequência da
dissolução da união) é que os companheiros percebem a situação delicada em que
se encontram.

A União não possui, a princípio, qualquer consistência jurídica e os efeitos


jurisprudenciais e da lei estão sempre dependentes de prova da existência da união
estável e suas peculiaridades (conveniência pública, duradoura e contínua). Esse
caso se encontra paralelo à lei, mesmo a partir deste momento se tratando de uma
definição dada pela lei (art. 1.723 do CC). Esta última unicamente determina as
condições primordiais a serem consideradas pelo direito e, ao mesmo tempo, propõe
o limite entre uniões merecedoras desta característica e não merecedoras (como por
exemplo, o art. 1.727 supracitado). No entanto, a união continua sendo um fato
material existente de forma externa ao direito e só adentra o domínio jurídico a partir
de uma solicitação (LEITE, 2009, p. 65).

Fernanda Dias Xavier (2015, p. 100) faz o seguinte apontamento:

Em relação à união estável, ainda que os conviventes


manifestem expressamente sua vontade de manter um
relacionamento público, contínuo, duradouro e com o objetivo de
constituir família, não estão assentindo em casar e nem em se
submeter ao regime jurídico do casamento, sendo inviável, portanto,
atribuir a eles as normas próprias do matrimônio, sob pena de
50

violação da liberdade que cada pessoa possui de escolher a forma


como deseja constituir uma família, liberdade agasalhada pela
Constituição Federal que expressamente reconhece que o
casamento não é a único meio de formação de uma entidade
familiar.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama (apud LEITE, 2009, p. 131) destaca que
com o efeito do artigo 1º da Lei nº. 8.971/94, não existe mais o direito à indenização
por serviços prestados entre companheiros, e o direito a alimentos é representativo
da harmonização da realidade jurídico-formal à realidade sociológica preexistente,
em face da solidariedade humana, principalmente no vínculo familiar.

Para Cahali (apud LEITE, 2009, p. 86), o fato da obrigação alimentar


decorrente do casamento e da união estável ter traços de disponibilidade é
polêmico, mas apesar deste fator, há pregresso do Superior Tribunal de Justiça que
reconhece a eficácia da renúncia em acordo que trate de separação consensual,
embora a orientação que prevalecia até então validasse a disposição do direito
unicamente através do divórcio.

Nas relações que são externas à união, ou melhor, aquelas menoredas entre
um dos companheiros e o Estado, ou um dos companheiros e outra pessoa (esta
não sendo o outro companheiro), é necessária a presença ativa do Poder Público na
finalidade de fornecer proteção à família (GAMA apud LEITE, 2009, p. 114).

Gama (apud LEITE, 2009, p. 115), tratando dos efeitos internos, dispõe que
para o cumprimento da ordem constitucional de prevalência do casamento sobre o
companheirismo, tem o dever de demonstrar a nitidez no limite objetivo do
tratamento legal condizente ao tema: as normas jurídicas não podem ter a hipótese
de conceder mais direitos e vantagens aos companheiros em detrimento dos
casados

Helder Martinez Dal Col (apud LEITE, 2009, p. 217) ressalta que o Código Civil,
com o fim de dar cumprimento à disposição constitucional do art.226, par.3º, previu a
conversão da união em casamento, conforme o que explicita o art. 1.726. Mas, pelo
visto, o dispositivo terminou por ir na contramão do que se trata na constituição, cujo
qual orientava a lei para que esta “facilitasse” a conversão. É notado de maneira
especial quando comparado tal previsão do Código Civil com o artigo 8º da Lei nº.
51

9.278/96, cuja qual dispensava ingressar em juízo, acabando por autorizar o


procedimento meramente administrativo

Na mesma direção, Fernanda Dias Xavier (2015, p. 14, 15):

Independentemente das peculiaridades individuais e da


informalidade da convivência more uxorio, parte da doutrina vê no
dispositivo invocado autorização constitucional para atribuir à união
estável todos os direitos e garantias do casamento, além daqueles
expressamente previstos na legislação própria, insurgindo-se de
forma enfática contra toda e qualquer diferença legal, doutrinária ou
jurisprudencial, sob o argumento de violação ao princípio da
isonomia. Defende-se que a determinação constitucional para que o
legislador ordinário facilite a conversão da união estável em
casamento visa tão-somente a tornar mais seguras as relações
familiares, pois apenas o casamento seria capaz de trazer absoluta
segurança para essas.

Previsto no início para ser operado na via administrativa, através de simples


requerimento dos companheiros ao oficial de Registro Civil, o procedimento de
conversão passou a obter como condição o prévio requerimento judicial, fato que
também foi criticado, visando a previsão constitucional determinante de que a lei
tinha o dever de favorecer tal conversão em matrimônio formal, de acordo com
algumas doutrinas (COL apud LEITE, 2009, p. 196).

Isso só torna mais evidente a necessidade e aplicabilidade dos meios


alternativos de jurisdição como meio de facilitar tais situações, que acabam por
embaraçar ainda mais a rotina do judiciário, tornando mais trabalhoso o processo
tanto para o Estado quanto para as partes.

Desse modo, embora mais frequente nas relações jurídico-econômicas,


também outras ramificações do direito tem sido discutidas, com frequência cada vez
maior, por meios alternativos de jurisdição. No que tange ao direito de família, a
escolha por se distanciar da via judicial se justifica pelo caráter de pessoalidade e
pela preservação da intimidade dos envolvidos, sem mencionar a crise aguda de
morosidade que caracteriza o Poder Judiciário Brasileiro. Isso é visto no fato de que,
contemporaneamente, há cada vez menos espaço para intervenção do Estado nas
relações íntimas do sujeito, seja pela preservação de sua intimidade ou porque as
relações íntimas, ao mesmo tempo que são pessoais, também são de caráter
52

econômico que não se resolvem mais no âmbito do Poder Judiciário nas Varas de
Família (GONÇALVES, 2011, p. 265).

Nas palavras de Gama (apud LEITE, 2009, p. 97), o Direito de Família, sendo
um segmento do Direito Civil, mostra um tratamento diferente às pessoas,
comparado aos outros campos de conhecimento jurídico-privatísticos, por vários
motivos, entre elas, a circunstância de a família ser caracterizada como o primeiro
ente coletivo através do qual a pessoa migra e passa a conviver em grupo. Em vista
disso, são frequentes as divergências de interesses entre os familiares, o que torna
necessário um regramento de normas que sejam adequadas a soluciona-los, e,
consequentemente, o estabelecimento e desenvolvimento de relações jurídicas
familiares dentro dos modelos estruturados pelo ordenamento, em sintonia com a
realidade sociológica que há no momento histórico e também no contexto geográfico
de um demarcado grupo de humanos.

3.2 Bens

A centralidade do ser humano no que se refere às relações de família,


partindo da consideração da solidariedade, da dignidade, do afeto e também da
igualdade, não acabaram com a patrimonialidade inerente aos relacionamentos
afetivos dotados de durabilidade, estes sendo solenes ou não. Mesmo que não
façam parte do fundamento ou da essência do instituto familiar, os efeitos
patrimoniais existem, e são (com raras exceções) os elementos que impulsionam os
diversos conflitos que sobrecarregam tanto as varas de família como os tribunais
(GANDOLFI apud LEITE, 2009, p. 354).

Nas palavras de Carlos Alberto Carmona (2009, p. 38), para que se aborde o
tema, é fundamental citar que os bens do casal caracterizam direito patrimonial
disponível, e sendo assim, não integram o direito disponível as questões que se
referem ao direito de família (especialmente ao estado de pessoas, como filiação,
casamento, pátrio poder e alimentos), aquelas que tratam de direito sucessório, as
que tem foco fora do comércio, obrigações naturais, as que dizem respeito ao direito
53

penal, são todas matérias fora dos limites em que os contendentes podem aplicar a
autonomia da vontade.

É importante que se frise o fator de que:

Resta comprovado pela doutrina e pela própria legislação


vigente que a partilha de bens não se restringe apenas à divisão
daqueles deixados a título de herança, cujo tema não guarda
relação com este trabalho, mas também se estende à sentença de
separação judicial, que deverá conter a divisão dos bens do casal
que extinguiu o vínculo conjugal. (FILHO, 2013).

Atualmente, em virtude do aumento das uniões externas ao casamento e tendo


em análise a adaptação do Direito ao progresso dos costumes e do meio social, o
legislador tem a finalidade de identificar o “fato” união estável revestindo-o de
juridicidade, ainda que, nem sempre, tal impulso não se concretize com sucesso. Na
França, casais que vivem em união livre tem a oportunidade de selar de modo
“oficial” tal comunhão através de um contrato feito junto ao cartório do Tribunal de
Grande Instance, beneficiando os companheiros por meio de um conjunto de direitos
sociais e fiscais em troca do dever de organizar sua vida em comum, além de
suportar de maneira solidária as dívidas cotidianas com relação ao alojamento.No
território brasileiro, esta experiência legislativa não foi consolidada até agora, mas a
não existência do PACS não dá aval para que se afirme ser inexistente o
pressuposto de os companheiros organizarem suas vontades (sejam elas
econômicas ou pessoais) em um documento próprio. O que comprova isso é o art.
1725 do CC, lecionando que: “salvo contrato escrito entre companheiros”. Isto é, se
o legislador teve a previsão da oportunidade de contrato escrito (contrato de
convivência na união estável, como explica Cahali) para determinar a estrutura das
relações patrimoniais é porque discerniu, sem quaisquer dúvidas, que além do
regime da comunhão parcial de bens, os companheiros podem tratar tranquilamente
sobre essa matéria, da mesma forma, atualmente, nas matérias de ordem pessoal
(LEITE, 2009, p. 52).

O art. 3º da Lei nº. 8.971/94 aplicou regime de bens no companheirismo.


Guilherme Calmon Nogueira da Gama (apud LEITE, 2009, p. 129) evidencia que até
ser concretizada a referida lei, o enunciado da súmula 380 do STF (que permite a
dissolução judicial, com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum aos
54

concubinos a partir da comprovação da existência da sociedade de fato entre estes),


com o acréscimo da noção de contribuição indireta, era tranquilamente aplicável às
uniões de caráter extramatrimonial que possuíam prosperidade patrimonial. O
preceito de tal artigo visou adequar os reflexos patrimoniais, em vida dos
companheiros, ao Direito de Família, ainda que obtenha o enunciado sumular como
fundamento.

Já com a existência da Lei nº. 9.278/96, houve a presunção de comunhão de


aquestos na constância na união entre companheiros de caráter extramatrimonial,
não sendo necessária a prova do esforço comum para que se constate a comunhão
de bens. Este fato ocorreu com o fim de equiparar a atividade doméstica não
remunerada, ao trabalho profissional do parceiro, seguindo os princípios
constitucionais. Não existe apenas um regime de bens aplicado no companheirismo.
Introduziu-se o regime legal do artigo 5º, e o regime de separação absoluta de bens
adquiridos onerosamente por cada um, na constância da união, com a escolha de
natureza irrevogável, sob pena de atribuição de maiores benefícios aos
companheiros do que aos casados (GAMA apud LEITE, 2009, p. 130).

Com o viés de reforçar esse ponto, Rodrigo da Cunha Pereira (apud FILHO,
2013) faz a seguinte constatação:

O casamento foi, é e parece que continuará sendo, na cultura


ocidental, o mais forte paradigma de constituição de família. Diante
disto, para a regulamentação das relações patrimoniais na união
estável, o regime de bens no casamento foi tomado como
referência. Caracterizada a união estável, os bens adquiridos na
constância da relação, a título oneroso, pertencem a ambos os
conviventes. Com dissolução desta união estável, o patrimônio será
partilhado nos moldes do art. 1.658 e seguintes deste Código.
Portanto, não há necessidade de prova de esforço comum na
aquisição destes bens, cuja presunção já era prevista no art. 5º da
Lei nº 9.278/96.

Ainda no mesmo foco, Gama (apud LEITE, 2009, p. 116) declara que a
família merece, de modo a ser percebido com clareza na constituição, sua tutela
estatal. No entanto, se tratando de relações pessoais e patrimoniais dos
companheiros, por óbvio não pode se ter equiparação às relações jurídicas entre
casados, o que caracterizaria a extirpação do casamento no direito brasileiro.
55

O direito comum exercido na liquidação dos interesses de caráter pecuniário


(ou pessoais) do casal necessita de um cuidado especial de quem opera o Direito,
devido ao fato de que por estarem habituados a decidir a partir do jurídico, podem
trazer à solução dos conflitos propostas jamais desejadas pelos parceiros. Ou, em
outro foco, tendo em vista o caráter meramente fático da união, podem negligenciar
traços jurídicos que, provavelmente, contribuiriam à melhor resolução dos impasses
frutos da ruptura, o que explica, em grande proporção, a vacilação da jurisprudência
pátria na apreciação de um mesmo litígio, gerando decisões de perfil dicotômico e,
fatalmente, iníquas (LEITE, 2009, p. 73).
56

4 DA ARBITRAGEM NO DIREITO DE FAMÍLIA

4.1 Experiência estrangeira

A experiência estrangeira, ao contrário do pouco desenvolvimento referente


ao tema no Brasil, mostra países nos quais a matéria já é muito presente nos
ordenamentos jurídicos, demonstrando resultados práticos importantes no que diz
respeito ao melhor tratamento da prestação jurisdicional.

No Japão, por exemplo, é frequente a utilização da mediação e da arbitragem


para a resolução dos conflitos oriundos do direito de família, ficando a busca pelo
poder judiciário unicamente nas hipóteses de ausência total de convergência de
vontades (GONÇALVES, 2011, p. 262).

Vale analisar as divergências culturais. Enquanto brasileiros, acostumados


com a lide e o debate acerca da culpa no divórcio e as extensas ações de separação
e de divórcio em que todos os quesitos relacionados à vida em comum progressa
são avaliados, é notável o fato de a dissolução do casamento poder ser realizada
por meio de simples “negócio jurídico”, registrado posteriormente em foro
administrativo. No Japão, entretanto, esse tipo de divórcio é extremamente comum,
chegando numa taxa de 90% dos casos realizados de modo consensual
(MARQUES, 2004, p. 95).

Ao adentrar a cultura japonesa de resolver com discrição os problemas


familiares, não causa espanto o fato de existirem duas “formas” de caráter privado e
consensual ou mediadas de dissolução do casamento, sem sinal da presença do
Estado com relação à declaração de vontade. São elas: por simples anuência de
uma das partes com relação à “declaração de divórcio” exercida pelo outro (Art.765),
quanto a mediação praticada por terceiro, em situações com maior complexidade,
seja mediação de natureza voluntária ou obrigatória. Os resultados, em estatística
apontada em 1999, demonstram 91,46% dos divórcios realizados no Japão dentro
da esfera privada, extrajudiciais de acordo como previsto no § 764 c/c § 739 do
57

Código Civil Japonês, sendo que desta porcentagem, 7,73% dos divórcios foram
feitos por arbitragem/mediação e somente 0,81% através de decisões judiciais
stricto sensu (MARQUES apud GONÇALVES, 2011, p. 263).

Zweigert e Kötz (apud MARQUES, 2009, p. 92) defendem que é característica


da “família de direito do extremo oriente” a busca pela harmonia, pela solução não-
conflituosa dos litígios e uma grande hierarquia social e também interna na família.
No que tange aos divórcios, o tema tem sua solução longe do Judiciário, que só é
acionado quando o consenso não for estabelecido. Os efeitos do divórcio são
definidos em família e de forma rara utiliza auxílio de mediadores, sendo
praticamente nula a atuação ou função do advogado em tais momentos “privados”.

Já tratando da cultura americana, Sandra Regina Vilela (2003, apud CAHALI,


apud LEITE, 2009, p. 79) alega que:

Nos EUA a arbitragem pode ser instituída em questões que


envolvam direito disponível e é utilizada em larga escala nas
separações e divórcio. A razão do grande crescimento da utilização
da arbitragem nos EUA reside no fato de que neste país existe um
grande número de câmaras arbitrais especializadas em direito de
família, o que leva ao término do conflito com mais celeridade que as
vias judiciais, com uma boa qualidade de decisões.

A larga quantidade de utilização do instituto arbitral em matéria de direito de


família foi o estopim para a produção de uma lei modelo referente ao tema, lei está
feita pela American Academy of Matrimonial Lawyers, em março de 2005. Vale citar
que, por possuir uma organização federativa cuja qual os estados são
independentes de forma relevante, é encontrado nos Estados Unidos muitas
maneiras de se tratar a questão, com a visível tendência de possibilitar a arbitragem
nos conflitos de direito de família de forma ampla (GONÇALVES, 2011, p. 263, 264).

Como exemplo, Marcos Alberto Rocha Gonçalves (2011, p. 264) menciona


que no estado de Indiana, de acordo com o Indiana Code no Título 34, artigo 57,
Seção 5, Capítulo 2º, a matéria de arbitragem é extremamente ampla, abrangendo
pensão alimentícia entre os cônjuges, pensão alimentícia para os filhos, partilha e
bens, guarda e visitação dos filhos, suporte das despesas fiscais advindas do
divórcio (o que, em nosso sistema, seria equivalente ao excesso de meação), além
58

de outros. Já na Carolina do Norte, em contrapartida, a abrangência da arbitragem


em matéria familiar é menor, mas também regulada em lei específica, denominada
North Carolina Family Law Arbitration Act.

Seja pela extensão da matéria que está submetida à arbitragem, seja pela
maneira objetiva cuja qual é tratado o tema pela norma regulamentadora (mesmo se
referindo à uma cultura jurídica em que a positivação não é o foco da construção do
ordenamento), é visível a importância e também o desenvolvimento da matéria. A
experiência internacional mostra que o uso da arbitragem em lides de natureza
familiar demonstra uma maneira eficaz de solucionar conflitos de um modo
adequado aos interesses presentes, dentro do que se refere ao conteúdo particular
deste ramo, especialmente no que atine à intimidade e a privacidade (GONÇALVES,
2011, p. 264).

4.2 Projeto de Lei 4.019/08

Foi elaborado o Projeto de Lei de número 4.019/08, tendo como autora a


deputada Elcione Barbalho, que tem a intenção de “alterar a Lei de Arbitragem, no
intuito de permitir a separação e o divórcio litigiosos através de convenção de
arbitragem, com exceção de quando tiver interesse de incapazes”. Depois de
manifestações, arquivamentos e desarquivamentos, atualmente se encontra
desarquivado o referido projeto.

De acordo com Renato de Mello Almada (2008), a justificativa para a


elaboração do projeto é calcada no pretexto de que talvez caracterize-se mais
conveniente às partes um árbitro para resolver seus conflitos, quanto mais no caso
de se tratar de pessoa de sua confiança e sendo que não existe razão para que se
negue tal direito aos cônjuges baseado no ensejo da indisponibilidade, visto que já
há efeito fora do Poder Judiciário a separação consensual. Outro fato é que a
disposição a respeito dos alimentos também já tem permissão na separação
consensual, sendo o direito, com opiniões de respeito que divergem, passível de
renúncia pelo fato de não se referir à pensão alimentícia advinda de parentesco.
59

Com base nestes itens, não há divergência no que tange à aprovação de tal projeto,
com o viés de que desafogue-se o judiciário e se reduza o trauma que uma ação
com essa característica pode gerar aos casais.

No entanto, tal alteração provavelmente não acarretaria contribuição prática


de forma efetiva. A finalidade de desafogar o judiciário é sempre laudável, mas
nessa situação, a proposta apresentada modificará minimamente o grande
percentual de processos que preenchem o Poder Judiciário, continuando este cada
dia mais moroso (ALMADA, 2008).

Ao fazer análise de tal projeto, Cahali (apud LEITE, 2009, p. 93) faz a
constatação de que este nada diz a respeito da arbitragem em questões decorrentes
de união estável, o que é criticável, visto que tal qual o casamento, a união é forma
legítima de constituição de família nos termos expressos contidos no terceiro
parágrafo do artigo 226, da Constituição Federal.

A prática forense do dia-a-dia demonstra que a maior parte dos processos


que estão em trâmite nas Varas de Família é constituída de pessoas com classes
sociais mais baixas, de forma especial no caso de ação de alimentos; guarda de
filhos; regulamentação de visitas, entre outros casos. O que não exclui o fato de
também existirem classes sociais mais favorecidas que ajuízam tais ações. O
volume de tais processos é gigante (ALMADA, 2008).

Nas palavras do professor Francisco José Cahali (apud LEITE, 2009, p. 94):

Por outro lado, propõe-se pelo projeto admitir-se a arbitragem


até mesmo para a decretação da dissolução da sociedade conjugal
(pela separação) ou do casamento (pelo divórcio, em qualquer de
suas modalidades), e a questão do patronímico conjugal. Com efeito,
são estes efeitos pessoais do casamento, e, como tal, em nosso
sentir, devem ficar reservados à apreciação do Poder Judiciário,
condizentes com os pressupostos da própria Lei de Arbitragem (art.
1º, parágrafos 1º e 2º).

Almada (2008) cita que o questionável nesse contexto é o fato de poucos


terem acesso ao que propõe o Projeto de lei n. 4019/08, pois só os mais
esclarecidos obterão conhecimento acerca do mecanismo, lembrando-se também
que só os de melhores condições financeiras utilizarão o instituto arbitral. Dessa
forma, uma pequena parcela da população fará uso deste sistema, sendo vital a
60

menção de que a experiência revela que, quanto mais dinheiro estiver envolvido no
conflito, maior será a briga.

Sinceramente, seja dito que este não se trata de um argumento justificável,


tendo em vista que todos os mecanismos alternativos de jurisdição, a partir do
momento que são criados, tem o dever de serem transmitidos à sociedade de todas
as maneiras possíveis, respeitando-se os princípios da publicidade (art. 5º, LX, CF) e
do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF).

É visto que se as partes forem claras para buscar auxílio de uma pessoa para
solucionarem seus conflitos de interesse, não sendo o juiz de direito, essa pessoa
não precisa ser essencialmente um árbitro. É o oposto, tal encargo deve-se dirigir
aos seus advogados. No entanto na grande parte das situações, ao se tratar de
divórcio ou separação litigiosa, seja homem ou mulher que possua o animus de
iniciar a ação, estes não pensam em um momento sequer na busca de uma
composição amigável, e até por esse motivo não se sujeitam ao juízo arbitral
(ALMADA, 2008).

Renato de Mello Almada (2008) ainda defende que, com relação à alegação
de redução do trauma que o instituto arbitral pode oferecer aos casais, há realmente
a possibilidade de que o impacto seja de fato mais leve. No entanto, não pelo
procedimento ser o arbitral, e sim, pela explicação de que ao escolher a arbitragem
para solucionar o conflito, os casais já se encontrariam em um certo “pré-estado de
consensualidade”. Afinal, caso assim não o seja, as partes farão uso da tradicional e
ação de separação ou dos divórcios litigiosos.

No que toca à esse ponto, é vital lembrar que dentro das próprias câmaras
arbitrais, os assuntos de família já são tratados através da mediação (outro meio
alternativo de solução de conflitos) que tem o mesmo caráter de “pré-estado de
consensualidade” que o autor menciona caracterizar o instituto arbitral, não
havendo, dessa forma, motivo que venha a barrar a utilização do instituto nesse
aspecto.

O Projeto de Lei ainda erra no fato de não considerar a participação do


Ministério Público em situações de separação e divórcio, intensificando-se mais
ainda com o fato de haver litigiosidade. Como já se é sabido, é obrigatória a atuação
do Ministério Público como fiscal da lei, por se tratar de questão de estado civil,
61

mesmo não havendo filhos menores. Frise-se que não há participação do Ministério
público em sede de juízo arbitral (ALMADA, 2008).

Aqui é importante discorrer sobre uma interessante possibilidade que a autora


do projeto deixou de aplicar (talvez por ter cogitado se tratar de elemento que
pudesse tornar moroso o processo arbitral, que tem como finalidade a celeridade).
Seria de extrema valia considerar a hipótese de o MP ceder um “aval” para a
decisão final do árbitro, tendo em vista que a participação do Ministério Público é
realmente fundamental como fiscal da lei, o que acarretaria também maior
segurança aos contendentes e continuaria atribuindo ao MP sua função.

Vale lembrar que havendo ou não tal alteração legislativa, é viável a utilização
da arbitragem com o fim de solucionar conflitos patrimoniais surgidos a partir da
união estável (CAHALI apud LEITE, 2009, p. 94).

Sendo a Lei modificada ou não, é louvável a intenção de desafogar o


judiciário e desburocratizar a solução dos litígios, o que caracteriza admirável a
iniciativa da autora e daqueles que buscam esse fim.

4.3 Limites de utilização e desafios dentro do ordenamento jurídico brasileiro

Em meio a tantas vertentes é inegável que o Direito passa por alterações para
se adequar às novas tendências. De forma mais especial no que tange aos
mecanismos alternativos que visam a pacificação social. A sociedade mundial,
hodiernamente, exige distanciamento do combate desenfreado de outrora. Isso dá
razão para estudo de mecanismos novos que solucionem conflitos, fórmulas que
sejam caracterizadas como alternativas eficazes, mesmo que longe da atuação
estatal.

De acordo com o previsto no art. 1º da Lei 9.307/1996, e nos artigos 851 a


853 do Código Civil, é visto que pode ser pactuado compromisso para solucionar
conflitos que tratem de direitos patrimoniais disponíveis através da arbitragem,
sendo vedado que o objeto do pacto se refira à questões de estado, direito pessoal
62

de família, além de outros itens que não sejam essencialmente de caráter


patrimonial. No entanto, o direito de família abrange uma complexidade
considerável, de forma especial em suas múltiplas implicações, sejam pessoais ou
patrimoniais. É um dos ramos do direito com maior conexão com a autonomia
individual e também autodeterminação, o que justifica buscar um estudo que
desvende caminhos viáveis para que se multipliquem os métodos de resolução de
conflitos nesta área (GONÇALVES, 2011, p. 252).

Assim, tem-se em vista que o primeiro artigo da Lei nº. 9.307/96 estabelece
que as pessoas capazes de contratar podem utilizar da arbitragem para dirimir
conflitos que contenham relação ao direito patrimonial disponível. Também com
estes elementos, com pequenas diferenças, prevê o Código Civil no art. 851 que: “É
admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas
que podem contratar”, juntamente com a complementação do art. 852: “É vedado
compromisso para a solução de questões de estado, de direito pessoal de família e
de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial” (CAHALI apud LEITE,
2009, p. 80).

Marcos Alberto Rocha Gonçalves (2011, p. 252) percebe que, reduzindo a


arbitragem apenas ao campo das questões patrimoniais disponíveis, o ordenamento
jurídico brasileiro acabou por estabelecer unicamente o conteúdo imediato objeto de
apreciação pela arbitragem, não sendo expressada qualquer vedação no que tange
a matéria jurídica da qual a controvérsia patrimonial tem sua origem. Vale-se citar
também, que a norma legal não traz nenhuma vedação para a aplicação da
arbitragem em matérias com relação aos direitos patrimoniais disponíveis que
possuam seu núcleo gerador em uma controvérsia essencialmente do direito de
família.

Nesse aspecto, há importante análise de Francisco José Cahali (apud LEITE,


2009, p.81):

Por sua vez, restrito o litígio a efeitos meramente patrimoniais,


ainda que decorrente de relações familiares, inexiste óbice legal,
tanto no Direito de Família, como na legislação sobre arbitragem
para a utilização deste expediente na solução de conflitos
(arbitrabilidade objetiva), sempre no pressuposto de se verificar a
capacidade das partes (arbitrabilidade subjetiva).
63

Para que se compreenda as possíveis conexões entre a arbitragem e o direito


de família, é de suma importância a delimitação de alguns princípios gerais que a
doutrina e experiência internacional classificam como primordiais. Sem sombra de
dúvidas, o princípio gestor do instituto arbitral é a autonomia da vontade, devido ao
fato que se trata de modalidade privada, contratual, eleição de jurisdição, além de
outras características. E concatenado a este princípio, estão acoplados à solução de
conflitos pela arbitragem os princípios próprios da jurisdição (GONÇALVES, 2011, p.
256).

Nos termos de Cahali (apud LEITE, 2009, p. 81, 82), situação exemplar em
que pode sustentar-se a possibilidade do juízo arbitral é no que se trata de partilha
de bens decorrentes da dissolução do matrimônio e da união estável. A matéria de
conhecimento da Arbitragem tem restrição estrita com estas questões relacionadas
à partilha, como identificação do patrimônio “comum”, retirados os particulares, aliás,
sub-rogados na proporção respectiva, e também a divisão na forma legal ou naquela
contida em contrato, ou termo. E essa vantagem pode ser considerada
extraordinária, visto que uma partilha litigiosa tem previsão, na cidade de São Paulo
por exemplo, para prolongar-se em um período de 10 anos de levantamentos,
perícias, julgamentos e recursos. E tal demora é tamanha a ponto de os envolvidos,
na maioria dos casos, desistirem de buscar seus direitos e se conformando com as
soluções negociadas, mesmo que visivelmente desvantajosas.

Acrescenta ainda:

E mesmo que assim não se entenda, inegável tratar o


reconhecimento da união estável, e respectivo prazo, de um direito
pessoal, ou seja, com efeitos pessoais daí decorrentes (CC, arts.
1.724, 1.595, dentre outros), o que afasta a arbitrabilidade, exclusiva
para a repercussão patrimonial da relação (CAHALI apud LEITE,
2009, p. 84)

Tais verificações não são suficientes, no entanto, para eliminar de maneira


absoluta do âmbito da arbitragem qualquer que seja a demanda que se relacione ao
direito de família ou direito penal, pois os resultados patrimoniais em ambos os
casos podem ser objeto de solução extrajudicial. Com outras palavras, se é fato que
uma demanda versando sobre direito de prestar e receber alimentos diz respeito a
64

direito indisponível, não é menos assertivo mencionar que o quantum da pensão


pode ser pactuado de forma livre pelas partes (tornando arbitrável esta questão)
(CAHALI apud LEITE, 2009, p. 86).

Na mesma esteira, Carlos Alberto Carmona (2009, p. 38) leciona:

Estas constatações não são suficientes, porém, para excluir de


forma absoluta do âmbito da arbitragem toda e qualquer demanda
que tanja o direito de família ou o direito penal, pois as
consequências patrimoniais tanto num caso como noutro podem ser
objeto de solução extrajudicial. Dizendo de outro modo, se é verdade
que uma demanda que verse sobre o direito de prestar e receber
alimentos trata de direito indisponível, não é menos verdadeiro que o
quantum da pensão pode ser livremente pactuado pelas prtes (e isto
torna arbitrável esta questão) [...]

Analisando o critério de interpretação, pode-se perceber que o conceito de


direito patrimonial disponível, que é próprio do critério objetivo de arbitrabilidade, tem
o dever de atender aos anseios e objetivos da expectativa normativa, ou seja, a
finalidade esperada da norma dentro da formatação dos conflitos. No caso da
arbitragem relacionada a matéria de família, este entendimento se faz
verdadeiramente importante, partindo da análise de que a demanda social e cultural
dos dias de hoje clama por soluções mais céleres e eficazes dos conflitos familiares
e aponta para a identificação do conceito de direito patrimonial disponível de modo
divergente daquele constatado pelo paternalismo judicial característico dos séculos
XIX e primeira metade do Século XX (GONÇALVES, 2011, p. 258).

Adiciona também que mesmo no caso de se tratar de um conflito


essencialmente do direito de família, se com a presença da hipótese de
compreensão patrimonial do direito em conflito, se faz possível o uso do instituto
arbitral, visto que é fixado como compreensão patrimonial de um direito a opção de
expressar este de maneira negocial, trazendo ao seu titular a faculdade de renunciar
a este. Tal ideia se torna mais palpável ao citar o exemplo do direito de percepção
de alimentos exercido pelos cônjuges (GONÇALVES, 2011, p. 259).

Para Cahali (apud LEITE, 2009, p.87), deve-se atentar como argumento de
fundamentação referente à arbitrabilidade do quantum da pensão, da mesma forma,
a Lei nº. 11.441/07, na proporção em que, através dela, é admitida a fixação
65

consensual do valor relacionado ao procedimento extrajudicial (escritura pública).


Afinal, uma vez eliminado por lei do Poder Judiciário o monopólio para o assunto
(renúncia e quantificação da pensão), mais fácil torna-se justificar a escolha das
partes em, se de comum acordo, permitirem que um árbitro, juiz de fato e de direito,
exerça a definição do quantum dos alimentos (Lei n. 9.307/96, art. 18).

Nas palavras de Marcos Alberto Rocha Gonçalves (2011, p. 260):

Adicionalmente, reforçando o entendimento acerca da


disponibilidade relativa aos alimentos prestados entre os cônjuges,
entrou em vigor em 4 de janeiro de 2007 a Lei 11.441, possibilitando
a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio
consensual por via administrativa. Mencionada norma rompe com o
monopólio estatal para o modificação do status jurídico atribuído com
o casamento, seja em relação à própria condição matrimonial, sem
em relação ao nome ou ainda as questões patrimoniais advindas do
casamento.

A abertura sistêmica imposta pela Lei 11.441 traz a possibilidade de


reinterpretar a regulação atinente à arbitragem, com a possibilidade de se defender,
ainda que em meio a críticas, o uso da arbitragem para os temas correlatados cujos
quais tal lei implementou. Isto posto, existe uma possibilidade interpretativa não de
burlar a norma aplicada pela Lei9.307/96, mas de interpretá-la de uma maneira
sistêmica, respondendo às necessidades da vida contemporânea e trazendo a
garantia de que o direito seja um instrumento que vise o ideal de justiça e também
os melhores interesses individuais com efetividade, o que é de grande relevância na
seara do direito de família (GONÇALVES, 2011, p. 261).

No que toca à União Estável, importante reconhecer a preocupação no que se


refere às incertezas da solução arbitral para esta matéria, baseando-se na hesitação
do resultado por vir e tendo em vista a eventual inexperiência dos eleitos. Válido
mencionar que uma das melhores características na arbitragem é justamente a
tecnicidade dos indicados, e assim, talvez mais benéfico esperar pelo
aprimoramento dos potenciais árbitros que vierem a dedicar-se a esta área
específica, antes de colocar em risco o direito dos litigantes, pelo ônus expressivo a
uma, ou outra que pode ser resultado de pensão reduzida ou elevada, não
observando os critérios usuais. Desta forma, se analisando de uma forma entende-
66

se aparelhado o sistema arbitral para, imediatamente, ter produtividade nas soluções


que tratam de partilha de bens que decorrem da dissolução da união estável, por
outro lado é preferível um maior amadurecimento tanto do instituto, como também
dos seus envolvidos, para só então utilizar-se dele no que se refere aos alimentos
(CAHALI apud LEITE, 2009, p. 87, 88).

O contrato de convivência na união estável caracteriza-se por ser o instrumento

por meio do qual as partes, de modo prévio ou durante a união, exercem a


autorregulamentação dos efeitos patrimoniais referentes à relação (CC, art. 1.725).
Assim, sendo possível os interessados disporem das questões patrimoniais com
considerável liberdade, lícita a inclusão de cláusula compromissória neste contrato.
Por esta cláusula as partes poderão convencionar que os eventuais litígios sejam
submetidos à Arbitragem (art. 4 da Lei de Arbitragem), retirando a matéria do
Judiciário Estatal, salvo se as partes de forma evidente e, em comum acordo,
renunciarem o juízo arbitral (CAHALI apud LEITE, 2009, p. 90).

Constata-se, de acordo com Gonçalves (2011, p. 258), que se nos tempos


anteriores a imagem do Estado era primordial para a manutenção dos princípios
regentes da Família classificada como ideal para a sociedade, em tal momento
histórico, nos dias de hoje a figura da Família se volta para o interesse dos sujeitos
em si considerados, cujos litígios e composições exigem cada vez menos a
mediação de um Estado centralizador e cada vez mais a fortificação da expressão
de vontade por parte dos sujeitos. Em cima destas premissas, há na arbitragem um
mecanismo crucial de composição de conflitos, sendo de suma importância que a
expressão da norma legal que estabelece tal mecanismo seja interpretada de acordo
com a concretização almejada para o direito.

Com sua importância, há que se destacar ainda o fato de que uma das fases
da arbitragem é a mediação (prevista no art. 21 da própria Lei de Arbitragem),
aplicada, na prática, com a competência que o instituto deve ter, e só aqui, então, já
é constatado significativamente vantagem no procedimento.

A parte que venha a desejar utilizar a Mediação como meio alternativo para
solucionar seu conflito deverá requisita-la junto a um Tribunal Arbitral, por meio de
requerimento no qual serão apresentadas razões de Fato e de Direito que entende
67

não estarem de acordo com a relação jurídica existente, fazendo com que se
acompanhe desde a Petição Inicial, as respectivas cópias dos documentos que
sejam relevantes ao esclarecimento de seu interesse (TURA, 2012, p. 16).

De forma complementar ou simultânea, a mediação familiar tem possibilidade


de ingressar sempre no encaminhamento dos dilemas do casal, levando-os, segura
e razoavelmente, na medida desejada pelos interessados à resolução de seus
conflitos, minimizando os ataques que não são necessários e também deixando por
menos o inevitável sofrimento que é gerado a partir do processo de ruptura. A
mediação familiar, de acordo com o que já explicitamente comprovado pela
experiência mundial mais moderna, tem contribuído para qualificar e tornar mais
célere a justiça familiar, trazendo maior agilidade no processo de ruptura (CAHALI
apud LEITE, 2009, p. 85).

Ela possui, ainda, classificação referente ao seu procedimento, podendo ser


dividida em mediação passiva e mediação ativa, esta última colocando a figura do
mediador mais próxima à do árbitro.

Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2010) trabalha tal modalidade:

No caso da mediação ativa, o mediador funcionará como uma


espécie de conciliador; ele não se limita a facilitar; terá ele também a
função de apresentar propostas, soluções alternativas e criativas
para o problema, alertar as partes litigantes sobre a razoabilidade ou
não de determinada proposta, influenciando assim o acordo a ser
obtido. Aqui o mediador assume posição avaliadora.

Desse modo, como tal mecanismo apresenta-se como um dos melhores


recursos para exercer a justiça familiar com eficácia e celeridade, não é equívoco
reforçar novamente a ideia de que o instituto arbitral pode ser uma ferramenta que
também apresente eficiência na solução de conflitos desse âmbito, tendo em vista a
proximidade dos institutos (principalmente com relação à mediação ativa), além do
fato de que a prática mediativa é realizada, em diversas oportunidades, dentro das
dependências arbitrais.

As matérias que integram os conflitos familiares não são caracterizadas por


uma única natureza, muito menos geram consequências de uma única dimensão.
De outro modo, os conflitos de família produzem efeitos na esfera pessoal e também
68

na esfera patrimonial, muitas vezes sendo realmente difícil a constatação de um


critério de distinção que seja absoluto entre tais efeitos. É a multidimensionalidade,
então, que dá gás a construção dos critérios interpretativos no que diz respeito a
utilização da arbitragem dentro do campo jurídico-familiar (GONÇALVES, 2011, p.
259).

Para Cahali (apud LEITE, 2009, p. 94), mundialmente falando, em especial


nos sistemas jurídicos advindos de civilizações milenares, é mantida ainda a
exclusividade por parte do Estado no que diz respeito aos conflitos relacionados a
estado de pessoa e efeitos pessoais, de um modo geral. O modelo feito para
arbitragem é focado na solução de conflitos pessoais. Neste contexto, é preferível
um considerável amadurecimento na prática arbitral para que, em uma outra
realidade, baseado em larga experiência na utilização do instituto no direito de
família, inicie-se a ideia de ampliar seu objeto à esfera não patrimonial.

Isto posto, sabendo-se que os conflitos em sociedade não podem ser


abordados de maneira única pelas formas tradicionais de justiça, os métodos
alternativos, caracterizados pela mesma validade e eficácia, alteiam o nível de
satisfação dos cidadãos no que se trata da ação da justiça e elevam a qualidade de
trabalho realizada pelos tribunais. Eliminam, ainda, do sistema tradicional do Estado
uma leva de assuntos a respeito dos quais a resposta feita na via judicial, como
elemento modificativo da conduta, pode não se mostrar adequada.

Enfim, como menção arrematadora, fica a ideia de Marcos Alberto Rocha


Gonçalves (2011, p. 260) de que apesar do caráter ainda tímido, o Poder Judiciário
pátrio, em passadas curtas, vem melhor entendendo os benefícios que podem surgir
com o uso da arbitragem para questões que envolvam controvérsias advindas do
direito de família, seja por auxiliar na diminuição do número de processos que há
grande tempo aguardam por julgamento, seja por atender de melhor forma os
interesses dos jurisdicionados.
69

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude do que foi aqui abordado, conclui-se a ideia de que toda


alternativa, contanto que seja válida e tenha seu fim voltado à rápida solução de
conflitos entre cidadãos, é digna de respeito e valorização. A arbitragem faz parte de
uma dessas viabilidades, porque foca em certos segmentos da sociedade, com suas
peculiaridades, visando a solução de controvérsias que, provavelmente, chegaram
até o judiciário, mas alcançando também casos que não teriam oportunidade de
serem apreciados. Desta forma, não terá afetação na prestação jurisdicional
tradicional, aliás, tal prática auxiliará a evitar processos acumulados e insatisfação
pelo crescente número de ausência de distribuição na justiça.

O instituto arbitral, como muitos não acreditavam, se desenvolveu de maneira


intensa e continua a crescer dentro do plano jurídico nacional. Com isso, apesar de
momentaneamente ainda ser ínfima a probabilidade de dispor matérias relacionadas
à direitos indisponíveis na arbitragem, não se torna nula a hipótese de que no futuro
a lei venha a tutelar tais direitos, assim como já ocorre no Japão e nos Estados
Unidos (Indiana Code), desde que junto ao amadurecimento do instituto e do
ordenamento jurídico brasileiro.

Ao tentar aplicar o regramento arbitral dentro da áurea do ordenamento


jurídico pátrio, foi percebido limitação expressa na norma, restringindo o plano de
atuação da arbitragem unicamente à lides patrimoniais resultantes de conflitos
familiares. Por meio da compreensão hermenêutica, pode-se propor uma
70

reinterpretação da norma, expandindo seu conteúdo e tornando-a adequada à


realidade a qual destina-se.

A elaboração do Projeto de Lei 4.019/08 mostrou-se como uma grande


iniciativa para alteração deste status, junto à Lei 11.441/07, que foi a responsável
por afastar o monopólio do Poder Judiciário para que se decrete o divórcio e se fixe
pensão alimentícia. Aqui uma hipótese a ser melhor lapidada pela doutrina, a fim de
que a arbitragem seja aplicada em tais circunstâncias.

Sendo assim, ao se tratar do Direito de Família, intrínseco à este estará o


caráter de pessoalidade e a preservação da intimidade daqueles que estão em
litigância. E isso justifica ainda mais a opção pela via não judicial, somado ao fato da
triste e real crise de morosidade caracterizada pelo judiciário. Seja no intuito de
preservar tal intimidade ou no de enfatizar que relações pessoais também são
relações econômicas, a intervenção estatal tem perdido espaço em situações desta
natureza.
71

6 REFERÊNCIAS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 13 mar 2017

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72

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