Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONTRATOS: A P O N T A M E N T O S RELEVANTES
S O B R E A PARTE ESPECIAL D O N O V O CÓDIGO
CIVIL (LEI N. 10.406, DE 10.1.2002)
G U I L H E R M E G U I M A R Ã E S FELICIANO {’)
I. I N T R O D U Ç Ã O
II. D O S C O N T R A T O S E M G E R A L
( T Í T U L O V — A R T I G O S 421 A 480)
(1) Américo Piá Rodriguez. "Princípios d e Direito d o Trabalho", trad. Wagner Giglio, 4 a tiragem,
S ã o Paulo, LTr, 1996, passim.
(2) " N ã o se aplica o disposto neste artigo {reexame necessário] s e m p r e q u e a condenação, o u o
direito controvertido, for d e valor certo n ã o excedente a 6 0 (sessenta) salários mínimos, b e m
c o m o n o caso d e procedência d o s e m b a r g o s d o devedor na execução d e divida ativa d o m e s m o
valor."
(3) Ct., e. g., José Anionio Ribeiro de Oliveira Silva (“A alteração n o s arts. 4 7 5 e 5 1 5 d o C P C e
s u a aplicação no processo d o trabalho", inRevista LTr 66-12/1461-1468): " N e n h u m a objeção s é
ria p o d e haver quanto à subsidiariedade d e tal n o r m a n o processo d o trabalho, porquanto previs
tos os dois requisitos para tanto: a lacuna d o Decreto-lei n. 779/69 e a perleita compatibilidade
c o m os princípios d o referido processo (art. 7 6 9 da ClT)"(pág. 1463). M e n o s categórico, Manoel
Anionio Teixeira Filho ("Código d e Processo Civil — alterações: breves comentários às Leis ns.
10.352 e 10.358/2001", In Revista LTr 66-03/263-276) observou q u e a primeira parte d o § 2' do
artigo 4 7 5 d o C P C podería ser aplicada ao processo do trabalho (pág. 264). E, e m sentido contrá
rio, Bruno Fernandes Albuquerque (A última reforma d o Código d e Processo Civil e a sua reper-
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 85
2.1. F o r m a ç ã o d o c o n t r a t o e a u t o n o m i a de v o n t a d e s
O artigo 421 d o N C C estabelece q ue a liberdade d e contratar será
exercida e m razão e n os limites d a função social tiocontrato. A o reconhe
cer, n e s s e sentido, u m a função a o s contratos e m geral, o legislador repu
dia a idéia liberal d e q u e todo acordo d e vontades é válido, d e s d e que
reúna partes capazes e m torno d e u m objeto lícito e determinado (ou d e
terminável): a atividade d e contratar n ã o é livre des s e mo d o , porque a ela
s e contrapõe a função social dos contratos, que o Estado resguarda c o m o
“atividade finalisticamente dirigida à tutela de interesse de outrem, carac
terizando-se pela relevância global, homogeneidade de regime e manifes
tação através de um dever-poder”*(4).
A função social d o contrato determina, portanto, os limitesd a liberdade
d e contratar. N e s s a ensancha, Nery Jr. e Andrade Nery reconhecem, no
preceito (artigo 421 d o NCC ) , três cláusulas gerais (Generalklausen) do
direito d o s contratos, ditas tais as 'hormas orientadoras s ob forma d e dire
trizes, dirigidas principalmente a o juiz, vinculando-o a o m e s m o t e m p o e m
q u e lhe d ã o liberdade para decidir": a autonomia privada (= liberdade de
contratar), o respeito à ordem pública e a função social do contrato,
que interagem entre si(5)6.
A rigor, a função sociald o contrato — aquilo que, nos contratos, d es
tina-se a o interesse alheio, c o m a nota d a relevância global (caráter
publicístico)e a natureza d e poder-dever, sob regime h o m o g ê n e o — é a d e
propiciar circulação d e riqueza, transferíndo-a d e u m patrimônio a ou-
trot6). N o Direito d o Trabaiho, permite-se reconhecer, para além disso, as
funções sociais d e distribuição d e riqueza (obstando, na ótica marxista,
u m a apropriação s e l vagem e d e s u m a n a d a mais-valia) e d e tutela d a dig
2.2. Princípi os d a p r o b i d a d e e d a b o a - f é n a c o n c l u s ã o e
e x e c u ç ã o d o s contratos
O artigo 4 2 2 d o N C C estabeiece q u e os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão d o contrato, c o m o e m s ua execução, o s prin
cípios d a probidade e d a boa-fé. C o m e n t a n d o o preceito, Nery Jr.pondera
q u e “ao intérprete (...)incumbe a exegese do negócio jurídico em conso
nância com a principiologia do sistema”1'3'.C u m p r e reconhecer, nesse p as
so, u m princípio d e boa-fé subjetiva (que equivale à ineficácia da reserva
mental— artigo 1 10 d o NC C ) , a o lado d e u m princípio d a boa-fé objetiva
(relativo às legítimas expectativas d e direito eng endra das pelas circuns
tâncias objetivas e incutidas n o bonus pater familiae) e d o próprio princí
pio d a aparência (pelo qual a ‘‘a parência d e direito produz os m e s m o s
efeitos d a realidade d e direito, salvo particulares restrições legais’’"'11), a m
bos d i m a n a d o s d o artigo e m comento.
N o Direito d o Trabalho, a utilidade desses princípios — o s dois pri
meiros positivados e o último implícito à n o r m a d o artigo 4 2 2 — está na
fiscalização judicia! d o m o d o d e e x e cução dos contratos coletivos (acordos
coletivos d e trabalho e convençõ es coletivas d e trabalho), tanto mais pro
nunciada se vingar a polêmica reforma d o artigo 6 1 8 d a CLT. Está, ainda,
n a b a s e d a solução d e problemas específicos d e direito individual d o traba
lho, c o m o 1) a responsabilidade do futuro empregador pela promessa
de contratare/oupelas cláusulas de pré-contrato de trabalho (principio
da boa-fé objetiva — vide artigos 4 2 7 1,5> e 4 6 3 d o N C C ) ; e 2) a responsa
bilidade do empregador público pelos consectários de contrato de tra
balho nulo (CF, artigo 37, § 2S),em casos de cooptação do trabalhador
de boa-fé mediante contrato aparentemente válido e eficaz (princípio
da aparência — cf., supra, nota n. 9).
Aplicando o princípio d a boa-fé objetiva e m circunstâncias s e m e l h a n
tes (relação d e assimetria contratual estabelecida c o m hipossuficiente e c o
nômico), o Superior Tribunal d e Justiça houve por b e m garantir a u m m u
tuário, constrito por dívida c o m instituição bancária, a s u s p e n s ã o d a exe
c u ç ã o judicial d o crédito, por ter o réu s e apresentado esp onta n e a m e n t e
para o acerto d e contas, fiando-se e m c o m p r o m i s s o público a s s umido pelo
então ministro d a F a z e n d a mediante 'fnemorando d e entendimento" (que
prometia aquela suspensão, de s d e q u e h o u vesse apresentação espontâ
n e a d o devedor e atendimento às condições m í n i m a s dispostas n o texto), a
q u e s e d e u a m p l a publicidade. Para assim decidir, o relator baseou-se no 1345
(20) 'Tratado d e Direito Judiciário d o Trabalho", 2e eú., S ã o Paulo, LTr, 1985, pág. 233.
(21) Arnaldo Süssekind, DélioMaranhão, Segadas Vianna, João de Uma Teixeira Filho,"Institui
ç õ e s de Direito d o Trabalho", vol. 1,16a ed., S ã o Paulo, LTr, 1997, págs. 247-248. In vetáis: “Con
sideramosperíeitamentecabíveluma ação desia naturezana Justiçado Trabalho, em face do art.
114 da Constituição, que laiaem ‘outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho'. Dir-
se-á q u e e s s a relação n ã o c h e g o u a se completar. M a s o d a n o s e apura, na hipótese, em função
de sua previsível formação e a culpa ocorre na fase preliminar de um contrato de trabalho
Iculpa in contrahendo): a controvérsia se origina, pois, de uma relação de trabalho, embora no
nascedouro’.Contra, João Orastes DalazençC o m p e t ê n c i a Material Trabalhista", S ã o Paulo, LTr,
1994, págs. 105-106) e António Lamarca ("O Livro d a Competência", S ã o Paulo, Revista dos
Tribunais, 1979, pág. 118).
(22) Idem, pág. 247.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 93
(23) Cf. Alice Monteiro de Sarros, "Proteção à Inlimidade do E m p r e g a d o ”.S ã o Paulo, LTr, 1997,
pág. 6 2 (citando textualmente José Luis Gofii Sein. na obra "El respeto a la esfera privada del
trabajador, un estudio sobre tos/imitesde!poderde controlempresarial"— g.n.).
94 REVISTA D O T R T D A 15a R E G I Ã O — N. 21 — D E Z E M B R O , 2002
(24) EdiltonMeireles, " O N o v o Código Civil e o Direito d o Trabalho", S á o Paulo, LTr, 2002, pâg. 92.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 95
2.6. R e s o l u ç ã o d o c o n t r a t o d e t r a b a l h o p o r o n e r o s i d a d e
excessiva
Para contratos de execução continuada ( c o m o é o contrato d e traba
lho) o u diferida, o Código Civil d e 2 0 0 2 estabelece q u e “se a prestação de
urna das partes se tornarexcessivamente onerosa, com extrema vantagem
para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis,
poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença
que a decretar retroagirão à data da citação". O preceito operaciònaliza a
aplicação d a teoría da imprevisão aos contratos, reconhecendo urna cláu
sula rebus sic stantibus Implícita e inerente a todo e qualquer contrato.
N o Direito d o Trabalho, essa n o r m a civil poderá ter utilidade e m c o n
textos d e hiperinflação o u d e desvalorização abrupta d a m o e d a , q u a n d o a
corrosão d o poder d e c o m p r a dos salários se tornar insuportável para o
trabalhador, s e m contrapartida razoável por parte do empregador. A hipó
tese poderá ensejar, s ob tais circunstâncias, o ajuizamento d e a ç ã o judi
cial postulando a resolução d o contrato (diversa, portanto, d a resilição),
q u e s e fará por iniciativa d o empregado, “sem que com issoseja obrigado a
dar avisoprévio”25(26). Legislação brasileira d os a n o s d e c h u m b o prevê, aliás,
ensejo semelhante para o empregador, facultando-lhe exercer judicialmen
te o direito d e reduzir salários, q u a n d o as despesas correspondentes c o m
p r o m e t e r e m a continuidade da atividadeeconômica (não-recepcionada pela
C R F B / 8 8 , e m vista d o q u e dispõe o s eu artigo 7® sobre a IrredutibUidade de
salários e a via única d e flexibilização negociada n a instância sindicai). É
justo que, agora, se reconheça o direito reverso a o trabalhador brasileiro,
por conta d a nova legislação civil, d e aplicação subsidiária às relações de
emprego.
O s efeitos d a resolução, s e g u n d o pen samos , n ã o serão os m e s m o s
d a resilição unilateral d o e m p r e g a d o r ou d a rescisão indireta (artigo 4 8 3 d a
CLT), v ez q u e a) a iniciativa n ão c o u b e a o empregador; e b) o fato n ã o é,
e m tese, imputável a o e m p r e g a d o r (se o fosse, tratar-se-ia d e rescisão in
direta e n ã o d e resolução). Assim, pagam-se apenas os títulos proporcio
nais (férias + 1/3 e déc imo terceiro salário), s e m descorrió d e aviso prévio
(artigo 487, § 2 S, d a CLT) e c o m mov i m e n t a ç ã o d o F G T S (artigo 20, I, da
Lei n. 8.036/90 — força maior).
Outro e m p r e g o para essa n o r m a — indiscutivelmente polêmico —
surgirá a o se evocá-la para reajustar cláusulas de termos de conciliação
lavrados n a Justiça d o Trabalho, d a d a a s ua natureza jurídica contratual
(27) Orlando Gomes, Elson Gollscbalk, “C u r s o d e Direito d o Trabalho’’, 14* etí., Rio d e Janeiro,
Forense. 1996, pág. 357.
(28) Meireles, op.cit.,pág. 93.
98 REVISTA D O T R T D A 15* R E G I Ã O — N. 21 — D E Z E M B R O , 2002
UI. C O N C L U S Ã O
IV. B I B L I O G R A F I A