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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


FACULDADE DE DIREITO
PROCESSO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

CASO SALES PIMENTA VS. BRASIL

Professora: Krishina Day Ribeiro


Monitora: Annanda Brenna Teixeira Pantaleão, M: 202206140042

Belém – PA
2023
CASO SALES PIMENTA VS. BRASIL

Professora: Krishina Day Ribeiro


Monitora: Annanda Brenna Teixeira Pantaleão, M: 202206140042

O presente trabalho, apresentado na disciplina


Processo Internacional dos Direitos Humanos, com
orientação da professora Krishina Ribeiro, representa
uma tradução do caso Sales Pimenta vs. Brasil.

Belém – PA
2023
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CASO DE SALES PIMENTA VS. BRASIL

JULGAMENTO DE 30 DE JUNHO DE 2022


( Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas )

No Caso Sales Pimenta Vs. Brasil,

a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante “a Corte Interamericana”, “a


Corte” ou “esta Corte”), composta pelos seguintes juízes * :

Ricardo C. Pérez Manrique, Presidente;


Humberto Antonio Sierra Porto, Vice-Presidente;
Eduardo Ferrer Mac- Gregor Poisot , Juiz;
Nancy Hernández López, juíza;
Verónica Gómez, Juíza, e
Patricia Pérez Goldberg, juíza;

presente, além disso,

Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e


Romina I. Sijniensky, Secretária Adjunta,

de acordo com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(doravante também “a Convenção Americana” ou “a Convenção”) e com os artigos 31,
32, 42, 65 e 67 do Regulamento do Tribunal (doravante também “ Regulamento”), dita
esta Sentença, que está estruturada na seguinte ordem:

*
O Juiz Rodrigo Mudrovitsch, de nacionalidade brasileira, não participou da tramitação deste caso
nem da deliberação e assinatura desta Sentença, em conformidade com o disposto nos artigos 19.1 e 19.2
do Regulamento do Tribunal.
TABELA DE CONTEÚDO

I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA DISPUTA ................................................ 6


II PROCEDIMENTO PERANTE O TRIBUNAL ............................................................ 7
III COMPETÊNCIA ............................................................................................... 10
4.......................................................................................................................... 10
EXCEÇÕES PRELIMINARES .................................................................................. 10
A. INCOMPETÊNCIA RATIONE TEMPORIS EM RELAÇÃO A ACONTECIMENTOS ANTERIORES À DATA DE
RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL .................................................................. 10
A.1.Argumentos das
partes e da Comissão.......................................................................................... 10
A.2. Considerações do Tribunal ............................................................................ 11
B. EXCEÇÃO PRELIMINAR DE FALTA DE ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS ............................. 11
B.1. Argumentos das partes e da Comissão ........................................................... 11
B.2. Considerações do Tribunal ............................................................................ 12
C. INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIA POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE (EXCEÇÃO DE
QUARTA INSTÂNCIA) ..................................................................................................... 13
C.1. Argumentos das partes e da Comissão ........................................................... 13
C.2. Considerações do Tribunal ............................................................................ 13
V CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .................................................................... 14
VI PROVAS .......................................................................................................... 14
A. ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS DOCUMENTAIS ................................................................... 14
B. ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL .......................................................... 15

VII FATOS ........................................................................................................... 16


A. CONTEXTO DE VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE RELACIONADO À LUTA PELA TERRA NO BRASIL ..................... 16
B. ANTECEDENTES ...................................................................................................... 19
B.1. SOBRE GABRIEL SALES PIMENTA ................................................................................ 19
B.2. O DESPEJO DOS TRABALHADORES RURAIS DE PAU SECO E A AÇÃO REALIZADA POR GABRIEL SALES PIMENTA
............................................................................................................................ 20
B.3. AMEAÇAS CONTRA TRABALHADORES RURAIS E GABRIEL SALES PIMENTA ................................... 21
B.4. A MORTE DE GABRIEL SALES PIMENTA E A INVESTIGAÇÃO POLICIAL ........................................ 21
B.5. O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO PENAL ATÉ 10 DE DEZEMBRO DE 1998 .............................. 22
C. FATOS AUTÔNOMOS POSTERIORES AO RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA CONTENCIOSA DO TRIBUNAL .. 24
C.1. FATOS AUTÔNOMOS OCORRIDOS NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL, APÓS 10 DE DEZEMBRO DE 1998 .. 24
C.2. MEDIDAS ADICIONAIS REALIZADAS PELOS FAMILIARES DE GABRIEL SALES PIMENTA ...................... 26
VIII FUNDAMENTAÇÃO........................................................................................ 27
VIII-1.................................................................................................................. 28
DIREITOS ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL , BEM COMO O
DIREITO À VERDADE , EM RELAÇÃO ÀS OBRIGAÇÕES DE RESPEITO E GARANTIA
........................................................................................................................... 28
A. Argumentos das partes e da Comissão ............................................................ 28
B. Considerações do Tribunal de Justiça .............................................................. 30
b.1 Devida diligência em processos criminais ......................................................... 32
b.2 Período razoável ........................................................................................... 37
b. 3 Direito à verdade ......................................................................................... 39
b.4 Conclusão .................................................................................................... 40
VIII-2.................................................................................................................. 41
DIREITO DE INTEGRIDADE PESSOAL, ................................................................. 41
EM RELAÇÃO AO DEVER DE RESPEITAR E GARANTIR OS DIREITOS .................... 41
A. ARGUMENTOS DAS PARTES E DA COMISSÃO .................................................................... 41
B. CONSIDERAÇÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ...................................................................... 41
IX REPAROS ........................................................................................................ 43
A. PARTE LESADA ..................................................................................................... 44
B. OBRIGAÇÃO DE INVESTIGAR OS FATOS E IDENTIFICAR , PROCESSAR E, SE FOR CASO DISSO, PUNIR OS
RESPONSÁVEIS ........................................................................................................... 44
C. MEDIDA DE REABILITAÇÃO ........................................................................................ 46
D. MEDIDAS DE SATISFAÇÃO ........................................................................................ 47
E. GARANTIAS DE NÃO REPETIÇÃO .................................................................................. 49
F. INDENIZAÇÕES COMPENSATÓRIAS ............................................................................... 56
G. CUSTOS E GASTOS ................................................................................................ 58
H. MODALIDADE DE CUMPRIMENTO DOS PAGAMENTOS ORDENADOS ............................................. 60
X PONTOS RESOLUTIVOS .................................................................................... 60
I
INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA DISPUTA

1. O caso submetido ao Tribunal. – Em 4 de dezembro de 2020, a Comissão


Interamericana de Direitos Humanos (doravante também “a Comissão Interamericana”
ou “a Comissão”) submeteu à jurisdição da Corte o caso “Gabriel Sales Pimenta” contra
a República Federativa do Brasil (doravante “o Estado” ou “Brasil”). Segundo a
Comissão, a polêmica diz respeito à suposta responsabilidade internacional do Brasil pela
suposta situação de impunidade em que seriam constatados os fatos relacionados à morte
de Gabriel Sales Pimenta, advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá.
Em virtude de seu trabalho, a suposta vítima teria recebido diversas ameaças de morte,
pelas quais teria solicitado diversas vezes proteção estatal à Secretaria de Segurança
Pública de Belém, no estado do Pará. Finalmente, ele teria sido morto em 18 de julho de
1982. Segundo a Comissão, essa morte ocorreu num contexto de violência relacionada às
reivindicações de terras e à reforma agrária no Brasil. A Comissão concluiu que a
investigação dos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, que terminou em
2006 com uma decisão que declarou a prescrição, foi marcada por omissões do Estado. A
Comissão estabeleceu que as autoridades não agiram com a devida diligência nem em um
prazo razoável. Concluiu também que o Brasil violou o direito à integridade pessoal em
detrimento dos familiares de Gabriel Sales Pimenta. Consequentemente, a Comissão
argumentou que o Estado é responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal,
às garantias judiciais e à proteção judicial, estabelecidos nos artigos 5.1, 8.1 e 25.1 da
Convenção Americana, em relação às obrigações contidas no seu artigo 1.1, em
detrimento dos familiares de Gabriel Sales Pimienta identificados no Relatório de Mérito
nº 144/19 (doravante “Relatório de Mérito” ou “Relatório nº 144/19”).

2. Procedimento perante a Comissão. – O procedimento perante a Comissão foi o


seguinte:

a) Petição. – Em 9 de novembro de 2006, a Comissão Pastoral da Terra e o


Centro de Justiça e Direito Internacional apresentaram a petição inicial à
Comissão.

b) Relatório de Admissibilidade. – Em 17 de outubro de 2008, a Comissão


aprovou o Relatório de Admissibilidade nº 73/08, que foi notificado às
partes em 15 de dezembro de 2008.

c) Relatório de antecedentes . – Em 28 de setembro de 2019, a Comissão


aprovou o Relatório de Mérito, no qual chegou a uma série de conclusões
e fez diversas recomendações ao Estado.

d) Notificação ao Estado. – O Relatório de Mérito foi notificado ao Estado


através de comunicação datada de 4 de dezembro de 2019, com prazo de
dois meses para que este informe sobre o cumprimento das recomendações
feitas. A Comissão concedeu três prorrogações ao Estado. Em 20 de
novembro de 2020, o Brasil solicitou uma quarta prorrogação. Ao avaliar
esta solicitação, a Comissão indicou que, apesar de já ter transcorrido
quase um ano desde a notificação do Relatório de Mérito, o Estado manteve
que a reabertura da investigação criminal seria inviável e ainda não
apresentou uma proposta concreta de indenização. A Comissão não previu
o cumprimento das recomendações nem progressos substanciais nesse
sentido.

3. Submissão ao Tribunal . – Em 4 de dezembro de 2020, a Comissão submeteu


à Corte “os fatos que começaram ou continuaram a ocorrer após” a data de ratificação
da Convenção Americana pelo Brasil, conforme indicado, “levando em conta a
necessidade de obter justiça e reparação para as [supostas] vítimas 1. ” Esta Corte
constata com preocupação que, entre a apresentação da petição inicial perante a
Comissão e a submissão do caso perante a Corte, transcorreram mais de quatorze
anos.

4. Pedidos da Comissão. – Com base no exposto, a Comissão solicitou à Corte


que declarasse a responsabilidade internacional do Estado do Brasil pelas violações
indicadas no Relatório de Mérito ocorridas após 10 de dezembro de 1998 (par. 1
supra ) . Além disso , solicitou à Corte que ordene ao Estado que determine
determinadas medidas de reparação ( infra Capítulo IX).

II
PROCEDIMENTO PERANTE O TRIBUNAL

5. Notificação ao Estado e representantes. – A submissão do caso foi notificada ao


Estado e à representação das supostas vítimas 3(doravante “os representantes”) , por meio
2

de comunicações datadas de 9 de fevereiro de 2021.

6. Redação de pedidos, argumentos e provas . – Em 12 de abril de 2021, os


representantes apresentaram o escrito de petições, argumentos e provas (doravante
“escrito de petições e argumentos”) . Aderiram às considerações expostas pela Comissão
em seu Relatório de Mérito e argumentaram que se aprofundariam nas determinações
factuais para “esclarecer ou explicar” aquelas indicadas no Relatório de Mérito. Além
disso, solicitaram que fosse declarada a responsabilidade internacional do Estado pela
violação do direito à verdade em detrimento da família de Gabriel Sales Pimenta e da
“sociedade brasileira como um todo”, nos termos dos artigos 8, 11, 13 e 25 da Convenção
Americana. Da mesma forma, as supostas vítimas solicitaram, por meio de sua

1
A Comissão nomeou como seu delegado junto à Corte o então Presidente da Comissão,
Comissário Joel Hernández, e nomeou como assessor e assessor jurídico a então Secretária Executiva
Adjunta, Marisol Blanchard Vera, e o atual Secretário Executivo Adjunto, Jorge Meza Flores.
2
Por comunicação de 11 de março de 2021, o Estado designou como agentes as senhoras e os senhores Antônio Francisco Da
Costa e Silva Neto, Embaixador do Brasil em São José; Ministro João Lucas Quental Novaes de Almeida, Diretor do Departamento
de Direitos Humanos e Cidadania do Ministério das Relações Exteriores (doravante “MRE”); Ministro Marcelo Ramos Araújo, Chefe
da Divisão de Direitos Humanos do MRE; Ricardo Edgard Rolf Lima Bernhard, Subchefe da Divisão de Direitos Humanos do MRE;
Secretário Daniel Leão Sousa, Assessor da Divisão de Direitos Humanos do MRE; Secretária Débora Antônia Lobato Cândido ,
Assessora da Divisão de Direitos Humanos do MRE; Secretário Lucas dos Santos Furquim Ribeiro, Chefe do setor de Direitos
Humanos da Embaixada do Brasil em São José; Homero Andretta Junior, Tony Teixeira de Lima, Beatrice Figueiredo Campos de
Nóbrega , Dickson Prata de Souza , Taiz Marrão Batista da Costa , Advogados Sindicais; Milton Nunes Toledo Junior , Chefe da
Assessoria Especial para Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (doravante
“MMFDH”); Bruna Nowak , Coordenadora de Contencioso Internacional de Direitos Humanos do Assessor Especial para Assuntos
Internacionais do MMFDH, e João Pedro Ribeiro Sampaio de Arruda Câmara , Diretor da Câmara de Conciliação Agrária do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) .
3
Os representantes das supostas vítimas são a Comissão Pastoral da Terra , e o Centro de Justiça
e Direito Internacional.
representação, o benefício do Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas da Corte
Interamericana (doravante denominado “Fundo de Assistência Judicial” ou “o Fundo”).

7. Redação de exceções preliminares e resposta. – Em 4 de agosto de 2021, o Estado


apresentou seu escrito de contestação às submissões e Relatório de Mérito, e o escrito de
petições e argumentos (doravante “escrito de contestação”). Nesse escrito, o Brasil
levantou três exceções preliminares e se opôs às supostas violações. Da mesma forma,
opôs-se às medidas de reparação propostas pelos representantes e pela Comissão.

8. Observações sobre exceções preliminares. – Por meio de escritos datados de 25


de outubro de 2021 , a Comissão e os representantes, respectivamente, apresentaram suas
observações às exceções preliminares levantadas pelo Estado.

9. Audiência Pública . – Mediante Resolução de 17 de fevereiro de 2022, a


Presidência da Corte convocou as partes e a Comissão para audiência pública sobre as
exceções preliminares e eventuais mérito, reparações e custas 4. A audiência pública foi
realizada de forma virtual nos dias 22 e 23 de março de 2022, durante o 147º Período
Ordinário de Sessões da Corte 5.

10. Amici Curiae . – A Corte recebeu oito escritos de amicus curiae apresentados: 1)
pela Clínica Interamericana de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e pela Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência da Universidade Federal
de Juiz de Fora 6; 2) a Clínica de Direitos Humanos da Amazônia da Universidade Federal
do Pará e a Defensoria Pública do estado do Pará 7; 3) o Conselho Federal da Ordem dos
4
Cf. Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Chamada para audiência . Resolução do Presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos de 17 de fevereiro de 2022 . Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/asuntos/sales_pimenta_17_02_22_spa.pdf .
5
Participaram da audiência: a) pela Comissão: Julissa Mantilla Falcon, Presidente; Marisol
Blanchard, então Secretária Executiva Adjunta; Jorge Meza Flores, atual Secretário Executivo Adjunto, e
Analía Banfi Vique , conselheiro; (b) pelos representantes: Andréia Aparecida Silvério dos Santos e José
Batista Gonçalves Afonso, da Comissão Pastoral da Terra , e Viviana Kristicevic , Gisela de León, Helena
Rocha e Lucas Arnaud, do Centro de Justiça e Direito Internacional, ec ) pelo Estado: Antônio Francisco
Da Costa e Silva Neto, Embaixador do Brasil na Costa Rica e Chefe da delegação; Quantidade de João
Lucas Novaes de Almeida, Diretor do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do MRE; José
Armando Zema de Resende, Ministro da Embaixada do Brasil em São José; Bruna Vieira de Paula, Chefe
da Divisão de Direitos Humanos do MRE; Débora Antônia Lobato Cândido , Assessora da Divisão de Direitos
Humanos do MRE; Lucas dos Santos Furquim Ribeiro, Secretário da Embaixada do Brasil em São José;
Viviane Ruffeil Teixeira Pereira, Procuradora Geral do Estado do Pará; Tonny Teixeira de Lima e Taiz Marrão
Batista da Costa, Advogados Sindicais; Milton Nunes Toledo Junior, Chefe da Assessoria Especial para
Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH); Tatyana
Leite Lopes Romani , Assessor do Assessor Especial do MMFDH para Assuntos Internacionais; Bruna Nowak
, Coordenadora de Contencioso Internacional em Direitos Humanos do Assessor Especial para Assuntos
Internacionais do MMFDH; Aline Albuquerque Sant' Anna de Oliveira, Coordenadora de Assuntos
Internacionais da Consultoria Jurídica do MMFDH, e João Pedro Ribeiro Sampaio de Arruda , Diretor da
Câmara de Conciliação Agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
6
A escritura foi assinada por Siddharta Legale, Thaina Mamede, Bruno Stigert, Carolina Cyrillo,
Danilo Sardinha, Giovanna Barbastefano, Isadora Merli, Vanessa Guimarães dos Santos, Thiago Castro,
Julia Oliveira Pessoa, Maria Eduarda Gualberto Vieira, Letícia Gabriella Costa Correa, Gabriel Angelo Costa
Correa, Gabrielley Custódia Alves Mascarenhas, Iris Fields Nogueira, Rebecca Ferreira Arbex, Nina Morena
Teixeira Pacheco e Yuri Ernandes Rodrigues de Carvalho. O escrito descreve pressupostos teóricos sobre
a Convenção Americana como uma “Constituição Interamericana”, a Corte Interamericana como uma
“Tribunal Constitucional Transnacional” e sobre a “liberdade sindical interamericana”. Da mesma forma,
descreve as supostas aplicações práticas sobre o acesso à justiça, o Programa de Proteção aos Defensores
dos Direitos Humanos, a “função social da propriedade e a necessidade da Corte ampliar o debate a
respeito do artigo 21 da Convenção” e o suposto dever de reparação às supostas vítimas.
7
O documento foi assinado por Andreia Macedo Barreto, Anna Izabel e Silva Santos, Bia
Albuquerque Tiradentes, Carlos Eduardo Barros da Silva, Edgar Moreira Alamar, Guilherme Israel Kochi
Silva, Juliana Andrea Oliveira, Kassandra Campos Pinto Lopes Gomes, Vladimir Augusto de Carvalho Lobo
e Avelino Koenig, Cristina Figueiredo Terezo Ribeiro, Amanda Pereira Reis, Daniela Bastos da Silva e Sarah
Advogados do Brasil e o Centro de Estudos em Sistemas de Direitos Humanos da
Universidade Federal do Paraná 8; 4) a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Minas
Gerais 9; 5) Sindicato dos Advogados do Estado de Minas Gerais (SINAD MG) 10; 6) a
Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do
Amazonas 11; 7) a Associação Brasileira dos Advogados do Povo “Gabriel Pimenta” 12, e
8) a Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal da Bahia 13.

11. Argumentos finais e observações escritas . – Em 20 e 22 de abril de 2022, o


Estado, os representantes e a Comissão enviaram, respectivamente, suas alegações finais
escritas e suas observações finais escritas.

12. Observações aos anexos às alegações finais. – Em 23 de maio de 2022, o Estado


se pronunciou sobre os anexos apresentados pelos representantes. Em 25 de maio de
2022, a Comissão indicou que não tinha observações sobre os anexos às alegações finais
escritas das partes, e os representantes apresentaram observações sobre os anexos às
alegações finais escritas do Estado.

13. Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas . – Em 22 de abril de 2022, juntamente


com suas alegações finais escritas, os representantes informaram à Corte que não
apresentariam documentos relativos às despesas das declarações que seriam pagas com o
Fundo de Assistência Judicial, uma vez que tais despesas não haviam sido substanciais .
Desta forma, a Corte considera que os representantes desistiram da utilização do referido
Fundo e encerra o arquivo de despesas correspondente.

14. A Corte deliberou esta Sentença durante os dias 25, 27 e 30 de junho de 2022.

Morhy Pereira. O escrito descreve os supostos conflitos fundiários no estado do Pará e as ações realizadas
que teriam um impacto negativo sobre esse estado, bem como a suposta vulnerabilidade dos defensores
dos direitos humanos, e a “possibilidade” de que a Corte Interamericana de A Justiça teria “avançado” na
proteção dos direitos dos territórios indígenas.
8
A redação foi assinada por José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral , Sílvia Virgínia Silva de Souza ,
Melina Girardi Fachin , Cristina Paiva , José Maria Vieira , Álvaro Quintão, Anderson Ferreira, e Caupolicano
Padilha Junior. O documento descreve a suposta situação jurídica dos defensores dos direitos humanos e
as supostas obrigações e direitos estatais relacionados com a matéria, de acordo com determinadas
normas, bem como medidas de reparação provisórias e de referência.
9
A redação foi assinada por Sérgio Rodrigues Leonardo, William dos Santos e Cristina Paiva Matos
Fontes . O documento descreve principalmente as medidas de reparação que se considera necessário
adotar.
10
A redação foi assinada por Roberto Will iams Moysés Auad e Julia Pereira Reis. O documento faz
certas considerações de fato e de direito, visando “contribuir” para a adoção de medidas que, como
indicado, “permitam o avanço da democracia no Brasil”.
11
A redação foi assinada por Sílvia Maria da Silveira Loureiro, Jamilly Izabela de Brito Silva, Lucas
Schneider Veríssimo de Aquino, João Lucas Bastos de Lima Sousa, Yasmin de Almeida Bayma, Izabelly
Sabriny Oliveira Nascimento, Gabriel Henrique Pinheiro Andion, Claudevan Barros Bentes Filho, Valena
Jacob Chaves Mesquita, Girolamo D. Treccani, Luana Nunes Bandeira Soares, Danielle Anne Pamplona,
Júlia Coimbra Braga e Eduardo Pitrez de Aguiar Correa. A redação realiza principalmente uma análise do
contexto do caso e considerações jurídicas a respeito da suposta imprescritibilidade do suposto “crime”
cometido contra Gabriel Sales Pimenta. Além disso, estabelece as medidas de reparação que consideram
adequadas.
12
A redação foi assinada por Henrique Júdice Magalhães. O escrito faz considerações sobre a
competência ratio temporis da Corte Interamericana e o contexto do caso, bem como sugere medidas de
reparação.
13
A redação foi assinada por Marina Muniz Pinto de Carvalho Matos, Tatiana Emília Dias Gomes, Emmanuelle Diana Santos
Neves, Carlos Eduardo Soares de Freitas, Caio Cézar Pereira dos Reis, Christian Lopes Oliveira Alves, Cristiane de Almeida Santa
Rosa, Rebeca Ananias Pinto, Rebeca das Neves dos Santos e Udma Uldiery Oliveira Silva . O escrito descreve o contexto do caso, as
mortes de defensores de direitos humanos no Brasil e sua suposta natureza sistemática, o Programa Brasileiro de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos e as garantias sugeridas de não repetição.
III
COMPETÊNCIA

15. A Corte Interamericana é competente para conhecer deste caso, nos termos do
artigo 62.3 da Convenção Americana, em virtude de o Brasil ser Estado Parte no referido
instrumento desde 25 de setembro de 1992 e ter reconhecido a competência contenciosa
deste Tribunal em 10 de dezembro de 1998.

4
EXCEÇÕES PRELIMINARES

16. No caso sub judice , o Estado apresentou três exceções preliminares, que se
detalham a seguir.

A. Incompetência ratione temporis em relação a acontecimentos


anteriores à data de reconhecimento da competência do Tribunal

A.1. Argumentos das partes e da Comissão

17. O Estado solicitou que a Corte declarasse sua incompetência ratione temporis
com relação às supostas violações de direitos humanos ocorridas ou iniciadas antes
de 10 de dezembro de 1998. Indicou que a Comissão submeteu à Corte fatos
ocorridos entre 25 de setembro de 1992 14e dezembro de 1998, que teriam estar fora
da jurisdição do Tribunal. Da mesma forma, argumentou que a Corte só tem
competência para analisar possíveis violações, nos termos apresentados pela
Comissão, resultantes de fatos que comprovadamente tenham começado ou
deveriam ter começado após 10 de dezembro de 1998, e que constituem violações
específicas e autônomas. negação da justiça. Finalmente, indicou que tanto a
Comissão como os representantes não identificaram os fatos específicos e autônomos
ocorridos após dezembro de 1998 que constituiriam uma violação da Convenção,
razão pela qual argumentou que o caso deveria ser inadmissível.

18. A Comissão destacou que a submissão do caso se refere exclusivamente aos


fatos que começaram a ocorrer ou continuaram a ocorrer após 10 de dezembro de
1998, que se referem principalmente à suposta falta de diligência na investigação e
aos fatores que supostamente levaram à denegação de justiça. Além disso, lembrou
que a Corte já estabeleceu que “poderá tomar conhecimento de atos ou fatos
ocorridos após a data [do] referido reconhecimento e que tenham gerado violações
de direitos humanos de execução instantânea e contínua ou permanente”.

19. Os representantes rejeitaram a posição do Estado de que a Corte só poderia


conhecer de possíveis violações dos artigos 5.1, 8.1 e 25.1 da Convenção Americana
que começaram ou deveriam ter começado depois de 10 de dezembro de 1998, já
que, como indicaram, : i) a Corte é competente conhecer de fatos cuja execução teve
início anterior à data acima mencionada, e ii ) tanto a Comissão como os
representantes identificaram violações específicas e autônomas dos artigos 8 e 25 da
Convenção Americana, posteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte
pelo Brasil .

14
O Brasil é Estado Parte da Convenção Americana desde 25 de setembro de 1992.
A.2. Considerações do Tribunal

20. A Corte reiterou que em virtude do princípio da irretroatividade não pode


exercer sua jurisdição contenciosa para aplicar a Convenção Americana com respeito
a fatos ocorridos antes do reconhecimento de sua jurisdição pelo Estado 15. No
entanto, esta Corte determinou que pode exercê-lo em relação às violações de
direitos humanos de caráter contínuo ou permanente que tenham começado antes
da data do reconhecimento de sua jurisdição contenciosa por um Estado e que
continuem após esse reconhecimento 16. Também estabeleceu que tem competência
para conhecer das violações ocorridas no âmbito de um processo ou investigação
judicial, ainda que este tenha começado antes de tal reconhecimento. quando tais
violações tenham origem em acontecimentos independentes ocorridos após a data
de reconhecimento da jurisdição do Tribunal 17.

21. Neste sentido, em sua jurisprudência constante, a Corte estabeleceu que pode
examinar e decidir sobre supostas violações referentes a atos ou decisões ocorridas
após a data do reconhecimento da competência contenciosa da Corte, ainda que o
processo judicial tenha tido início em data anterior ao referido reconhecimento 18.

22. Levando em consideração o exposto e em virtude da análise dos autos, a Corte


confirma que, tanto no Relatório de Mérito como no escrito de petições e argumentos,
foram identificados diversos fatos autônomos supostamente ocorridos no âmbito do
processo penal .e civil, após 10 de dezembro de 1998, data do reconhecimento da
competência contenciosa da Corte. Portanto, tendo competência temporária para
decidir sobre os fatos acima mencionados, a Corte rejeita esta exceção preliminar.

B. Exceção preliminar de falta de esgotamento dos recursos internos

B.1. Argumentos das partes e da Comissão

23. O Estado argumentou que Há provas “irrefutáveis” de que os representantes


apresentaram seu caso perante o Sistema Interamericano sem terem cumprido o

15
Cfr. Caso Tibi vs. Equador. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos . Sentença de 7 de
setembro de 2004. Série C nº. 114, par. 61 a 62; Caso Heliodoro Portugal vs. Panamá. Exceções
Preliminares, Fundo, Reparos e Custos. Acórdão de 12 de agosto de 2008. Série C nº. 186, par. 23 a 24;
Caso Garibaldi, Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custas . Sentença de 23 de setembro de 2009.
Série C nº. 203, par. 20 ; Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil. Exceções
Preliminares, Fundo, Reparos e Costas . Acórdão de 24 de novembro de 2010. Série C nº. 219, par. 16;
Montesinos Mejía vs. Equador. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos. Acórdão de 27 de janeiro
de 2020. Série C nº. 398, par. 18 , e Caso do Massacre da Vila Los Josefinos vs. Guatemala. Exceção
Preliminar, Fundo, Reparos e Custas. Acórdão de 3 de novembro de 2021. Série C nº. 442, par. 16.
16
A este respeito, a Corte decidiu que, embora o primeiro ato de execução tenha ocorrido antes da
data do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal, se tais violações persistirem após o
referido reconhecimento, uma vez que continuam a ser cometidas, a Corte é competente para conhecer
tais violações. Cf. Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs. El Salvador. Exceções Preliminares . Sentença de 23
de novembro de 2004. Série C Nº 118, par. 65 ; Caso Argüelles e outros Vs. Argentina. Exceções
Preliminares, Mérito, Reparações e Custas . Sentença de 20 de novembro de 2014. Série C Nº 288, par.
25; Caso de Integrantes da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs.
Guatemala . Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas . Sentença de 30 de novembro de 2016.
Série C Nº 328, par. 20, e Caso do Massacre da Aldeia Los Josefinos Vs. Guatemala, supra , par. 16.
17
Cfr . Irmãs Serrano Cruz vs. El Salvador , supra , par. 84; Novo Caso Favela de Brasília vs. Brasil
_ Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos. Acórdão de 16 de fevereiro de 2017. Série C nº. 333,
par. 49 a 50; Caso Herzog e outros vs. Brasil. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos . Acórdão
de 15 de março de 2018. Série C nº. 353, par. 28, e Caso Barbosa de Souza e Outros Vs. Brasil. Exceções
Preliminares, Fundo, Reparos e Custos . Acórdão de 7 de setembro de 2021. Série C nº. 435 , par. 21.
18
Cf. Caso García Prieto e outro Vs. El Salvador. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas
. Sentença de 20 de novembro de 2007. Série C Nº 168, pars. 44 e 45, e Caso Barbosa de Souza e outros
Vs. Brasil, supra, par. vinte e um.
prévio esgotamento dos recursos internos. Neste sentido, indicou que, em novembro
de 2006, o presente caso foi remetido à Comissão; Em 2007, as supostas vítimas
recorreram a ações internas para buscar a responsabilização administrativa e civil do
Estado perante o Conselho Nacional de Justiça e, em 2008, a mãe de Gabriel Sales
Pimenta solicitou indenização por danos morais. Por outro lado, afirmou que os
recursos destinados a determinar a responsabilidade do Estado em relação à sua
obrigação de investigar e punir os responsáveis pela morte do senhor Sales Pimenta
foram iniciados e processados sem que o Estado impedisse o acesso a tais recursos
ou houvesse um atraso injustificado.

24. A Comissão recordou que a Convenção Americana lhe atribui diretamente


decisões relativas à admissibilidade e que, de acordo com as regras contidas no
referido instrumento e no Regulamento da Comissão, o estudo de admissibilidade
realizado não deve ser objeto de novo exame. Assinalou que considerava cumprido
o requisito de esgotamento dos recursos internos, uma vez que a ação penal foi
extinta por meio de sentença transitada em julgado. Por outro lado, lembrou que, no
caso de supostas violações do direito à vida, os recursos internos que devem ser
levados em conta para efeitos de admissibilidade são os relacionados com a
investigação criminal e a eventual punição dos responsáveis. Finalmente, observou
que o Estado não apresentou a exceção de falta de esgotamento dos recursos
internos no momento processual. incitar.

25. Os representantes indicaram que o Estado, em suas primeiras declarações


perante a Comissão, não fez nenhuma menção à falta de esgotamento dos recursos
internos, o que teria significado uma renúncia tácita ao apresentar esta exceção
preliminar. Também indicaram que os recursos internos indicados pelo Estado não
eram adequados para reparar as supostas violações e que já foram esgotados neste
momento. Acrescentaram que o Estado não demonstrou por que o recurso
administrativo perante o Conselho Nacional de Justiça e a ação indenizatória eram
soluções adequadas.

B.2. Considerações do Tribunal

26. A Corte recorda que o artigo 46.1.a) da Convenção Americana dispõe que,
para determinar a admissibilidade de uma petição ou comunicação apresentada à
Comissão Interamericana, em conformidade com os artigos 44 ou 45 da Convenção,
“é necessário que” interpôs e esgotou os recursos da jurisdição interna, de acordo
com os princípios geralmente reconhecidos do Direito Internacional”.

27. Em diversas ocasiões, a Corte especificou que o momento processual


adequado para que o Estado apresente uma possível exceção relacionada à falta de
esgotamento dos recursos internos é o procedimento de admissibilidade perante a
Comissão Interamericana 19. Se não comparecer no devido tempo, o Estado perde a
possibilidade de utilizar este meio de defesa perante este Tribunal 20.

28. A partir da análise dos autos perante a Comissão Interamericana, a Corte


verifica que, em 31 de janeiro de 2007, a Comissão notificou o Estado da denúncia
apresentada pelos peticionários, e o Brasil se pronunciou em três ocasiões diferentes,
antes do Relatório de Admissibilidade de 17 de outubro de 2008 : 4 de junho de
2007, em sua resposta; em 29 de agosto de 2007, em carta de observações a

19
Cf. Caso Velásquez Rodríguez x Honduras. Exceções Preliminares . Sentença de 26 de junho de
1987. Série C No. 1 , par. 88, e Caso Federação Nacional dos Trabalhadores Marítimos e Portuários
(FEMAPOR) Vs. Peru. Exceções Preliminares, Mérito e Reparações . Sentença de 1º de fevereiro de 2022.
Série C Nº 448, par. 26 .
20
Veja. _ Caso Reverón Trujillo Vs. Venezuela. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas .
Sentença de 30 de junho de 2009. Série C Nº 197, par. 21 .
respeito da informação adicional apresentada pelos peticionários, e em 3 de janeiro
de 2008, em carta de observações adicionais sobre admissibilidade. A Corte adverte
que em nenhuma das comunicações mencionadas há provas de qualquer alegação
estatal destinada a questionar o esgotamento dos recursos internos, razão pela qual
se conclui que o Estado não alegou a falta de esgotamento dos recursos internos no
devido momento processual , isto é, durante a fase de admissibilidade do caso
perante a Comissão. Por este motivo, e de acordo com a jurisprudência constante da
Corte, a Corte decide rejeitar a exceção preliminar em estudo .

C. Incompetência ratione materia por violação do princípio da


subsidiariedade (exceção de quarta instância)

C.1. Argumentos das partes e da Comissão

29. O Estado alegou que o exame dos fatos e as conclusões da Corte a respeito
da ação penal nº 028.1986.2.00004-9 e da ação indenizatória nº
007348.91.2007.814.0028 seriam contrários ao princípio de subsidiariedade do
Sistema Interamericano . Isto considerando que o Estado, através das autoridades
nacionais competentes e de recursos investigativos adequados e eficazes, teria
aplicado o direito processual penal e as garantias constitucionais e legais.

30. A Comissão destacou que o Relatório de Mérito se concentrou em determinar


se os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial das supostas vítimas foram
violados no âmbito dos processos internos, e não na revisão das decisões das
autoridades nacionais.

31. Os representantes afirmaram que os argumentos apresentados pelo Estado


constituem questões às alegações dos representantes, razão pela qual constituem
um aspecto substantivo e devem, portanto, ser analisados.

C.2. Considerações do Tribunal

32. Esta Corte indicou que determinar se a atuação dos órgãos judiciais constitui
uma violação das obrigações internacionais do Estado pode levá-lo a examinar os
respectivos processos internos para estabelecer sua compatibilidade com a
Convenção Americana 21. Consequentemente, esta Corte não é uma quarta instância
de revisão judicial, na medida em que examina a conformidade das decisões judiciais
internas com a Convenção Americana, e não de acordo com o direito interno 22.

33. No presente caso, a Corte observa que tanto a Comissão como os


representantes apresentaram alegações de violações de direitos consagrados na
Convenção Americana, supostamente perpetradas pelo Estado, especificamente
relacionadas com os processos internos. Com base no exposto, a Corte rejeita esta
exceção preliminar.

21
Cf. Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala. Fundo. Sentença de 19 Novembro de 1999.
Série C No. 63, par. 222, e Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas . Sentença
de 25 de novembro de 2021. Série C Nº 447, par. 38.
22
Cf. Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala, supra , par. 222 , par. 32, e Caso Digna
Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 38.
V
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

34. Em seu escrito de resposta, o Estado argumentou a impossibilidade de a


Corte conhecer a suposta violação do direito à verdade em detrimento da família de
Gabriel Sales Pimenta e da sociedade brasileira como um todo, por estar fora do
objeto de análise estabelecido pelo a Comissão no seu Relatório de Mérito.

35. A Corte reitera que as supostas vítimas e seus representantes poderão


invocar a violação de direitos diferentes dos incluídos no Relatório de Mérito, desde
que permaneçam dentro do quadro factual definido pela Comissão, uma vez que as
supostas vítimas são titulares de todos os direitos. direitos consagrados na
Convenção Americana. Nestes casos, cabe ao Tribunal decidir sobre a admissibilidade
das alegações relativas ao quadro factual, salvaguardando o equilíbrio processual das
partes 23.

36. No presente caso, a Corte observa que, embora a Comissão não tenha
concluído pela existência de uma violação específica do direito à verdade em seu
Relatório de Mérito, os argumentos dos representantes a respeito de tal violação não
se baseiam em fatos novos, mas sim na fatos que fazem parte do quadro factual
estabelecido no referido Relatório. Portanto, a Corte tem competência para analisar
a suposta violação e, portanto, rejeita o argumento do Estado.

VI
PROVAS

A. Admissibilidade das provas documentais

37. A Corte recebeu diversos documentos apresentados como prova pela


Comissão, pelos representantes e pelo Estado, anexados aos seus escritos principais
( supra parágrafos . 3, 6 e 7). Como em outros casos, a Corte admite aqueles
documentos apresentados tempestivamente (artigo 57 do Regulamento) 24pelas
partes e pela Comissão, cuja admissibilidade não foi contestada ou contestada, e cuja
autenticidade não foi questionada 25.

38. A Corte observa que, juntamente com o escrito de 21 de março de 2022, os


representantes Eles enviaram três anexos 26. Nem o Estado nem a Comissão se
opuseram à apresentação de referidos documentos. Da mesma forma, a Corte
adverte que constituem informação relativa a fatos posteriores à apresentação do

23
Cf. Caso Família Pacheco Tineo Vs. Bolívia. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas . Sentença de 25 de
novembro de 2013. Série C Nº 272, par. 22, e Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 33.
24
Poderá ser apresentada prova documental, em geral e nos termos do artigo 57.2 do Regulamento,
juntamente com os documentos de apresentação do processo, solicitações e argumentos ou respostas,
conforme o caso. Não são admissíveis as provas apresentadas fora destas oportunidades processuais,
salvo as exceções previstas no referido artigo 57.2 do Regulamento (força maior ou impedimento grave)
ou se se tratar de facto superveniente, ou seja, ocorrido após os referidos momentos processuais. . _ Cf.
Caso Família Barrios Vs. Venezuela. Mérito, Reparações e Custas . Sentença de 24 de novembro de 2011.
Série C Nº 237, pars. 17 e 18, e Caso Federação Nacional dos Trabalhadores Marítimos e Portuários
(FEMAPOR) Vs. Peru, supra , nota 33.
25
Cfr. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Fundo. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C
nº. 4, par. 140, e Pavez Pavez vs. Chile. Fundo, reparos e custos. Acórdão de 4 de fevereiro de 2022.
Série C nº. 449, par. 14.
26
Esses documentos são os seguintes: “ Defensores na linha de frente, Análise Global 2021 ”,
datado de 23 de fevereiro de 2022 (Anexo 1); Repórteres Sem Fronteiras. “Em risco: como superar as
deficiências dos programas de proteção de jornalistas na América Latina” , Fevereiro de 2022 (Anexo 2),
e Justiça Global e Terra de Direitos "O começo do fim? O pior momento do Programa de Proteção aos
Defensores, Comunicadores e Ambientalistas dos Direitos Humanos" , dezembro de 2021 (Anexo 3).
escrito de petições e argumentos, razão pela qual, em conformidade com o disposto
no artigo 57.2 do Regulamento da Corte Interamericana, são admissíveis.

39. Por outro lado, a Corte também recebeu documentos anexados às alegações
finais escritas apresentadas pelo Estado 27e pelos representantes 28. A este respeito,
a Comissão indicou que não tinha observações sobre os documentos apresentados
como anexos às alegações finais escritas das partes.

40. Por sua vez, a respeito dos anexos às alegações finais escritas dos
representantes, o Estado apresentou diversas observações. Contudo, estas
considerações referem-se ao valor probatório dos documentos e não à sua
admissibilidade. Consequentemente, o Tribunal admite os documentos acima
mencionados, enquanto os anexos 1 a 3 referem-se a eventos posteriores à redação
dos pedidos e argumentos e estão relacionados ao suposto contexto de violência
associado aos conflitos de terra no Brasil; Os anexos 4 e 5 tratam dos fatos
relacionados ao processo de indenização cível ocorridos posteriormente ao referido
documento, e os anexos 6 e 7 são documentos fornecidos como prova dos gastos
incorridos pelos representantes no litígio do presente caso. As considerações feitas
pelo Brasil serão levadas em consideração na avaliação das evidências.

41. Os representantes, por sua vez, opuseram-se ao Anexo 4 das alegações finais
do Estado, alegando que o documento foi apresentado fora do prazo, visto que foi
publicado em 2019, e não responde à pergunta feita por um juiz durante a audiência
pública realizada. no presente caso. A Corte observa, com efeito, que o referido anexo
se refere a uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público de 2019, cujo
objetivo é permitir a participação de vítimas de crimes ou de seus familiares na
investigação realizada pelo Ministério Público. Ministério, o que implica que não está
relacionado com o presente caso, nem responde a qualquer pergunta dos juízes feita
ao Estado durante a audiência. Tendo em conta o exposto e por se tratar de um
documento com data anterior à apresentação da resposta pelo Estado, não é
admissível por ser extemporâneo, nos termos do artigo 57.2 do Regulamento do
Tribunal.

b. Admissibilidade da prova testemunhal e pericial

42. Esta Corte considera pertinente admitir as declarações prestadas perante


notário 29e em audiência pública 30, na medida em que correspondam ao objeto que

27
Esses documentos são os seguintes : Decisão da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça
sobre os “embargos declaratórios” relativos ao Recurso Especial nº 1.303.755 (Anexo 1); Tramitação
processual da “Agravo” do Recurso Especial nº 1.303.755 (Anexo 2); Decreto nº 10.815/2021 (Anexo 3);
Resolução nº 201, de 4 de novembro de 2019, do Conselho Nacional do Ministério Público (Anexo 4); Lei
nº 12.403, de 4 de maio de 2011 (Anexo 5); Resolução nº 251/2018 do Conselho Nacional de Justiça
(Anexo 6), e Resolução nº 417/2021 do Conselho Nacional de Justiça (Anexo 7).
28
Esses documentos são os seguintes: Comissão Pastoral da Terra. “ Reforma Agrária no Brasil” ,
2022 (Anexo 1); Comissão Pastoral da Terra. “Conflitos no Campo Brasil 2021”, abril de 2022 (Anexo 2);
Comissão Pastoral da Terra. “ Comunicação: Violência contra a pessoa: aumento de 75% nos assassinatos,
mais de 1.000% de mortes em decorrência de conflitos e dois massacres marcam 2021” , abril de 2022
(Anexo 3); Superior Tribunal de Justiça. Decisão que negou provimento ao recurso da AREsp
1.303.755/PA, de 17 de agosto de 2021 (Anexo 4); Certidão de trânsito em julgado da ação de indenização
por danos morais nº 0007348-91.2007.8.14.0028, de 13 de setembro de 2021 (Anexo 5); comprovantes
para despesas da Comissão Pastoral da Terra (Anexo 6) e comprovante de despesas do CEJIL (Anexo 7).
29
As declarações prestadas perante notário público ( declaração juramentada ) foram recebidas
de Sérgio Sales Pimenta, Marcos Sales Pimenta, André Sales Pimenta, Daniel Sales Pimenta, Darci Frigo,
José Batista Gonçalves Afonso, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, Cristina Mair Barros Mauer,
Fernando Michelotti, Carlos Eduardo Gaio, Laurel Emilie Fletcher, Maria Adelina Guglioti Braglia, proposta
pelos deputados, e a declaração de Guilherme Brenner Lucchesi, proposta pelo Estado.
30
Foram recebidas as declarações de Rafael Sales Pimenta e Rui Carlo Dissenha, propostas pelos
representantes; a declaração de Douglas Sampaio Franco, proposta pelo Estado, e a declaração de Renan
Bernardi Kalil, proposta pela Comissão.
foi definido pela Presidência na Resolução que ordenou seu recebimento e ao objeto
deste caso 31.

VII
FATOS

43. Neste capítulo, a Corte estabelecerá os fatos que serão considerados provados
no presente caso, de acordo com o acervo probatório admitido e de acordo com o
quadro factual estabelecido no Relatório de Mérito. Além disso, serão incluídos os
fatos apresentados pelas partes que permitam explicar, esclarecer ou afastar este
quadro factual. Assim, este capítulo está dividido em três partes. A primeira refere-
se ao contexto de violência e impunidade relacionado à luta pela terra no Brasil. Na
segunda parte serão expostos os fatos anteriores ao reconhecimento da competência
contenciosa da Corte pelo Estado, de forma que a Corte os considerará apenas como
antecedentes do caso e não determinará quaisquer consequências jurídicas com base
neles. A terceira parte contém os fatos ocorridos a partir da data do referido
reconhecimento de competência ( par. 15 supra ).

A. Contexto de violência e impunidade relacionado à luta pela terra no


Brasil

44. O Brasil possui um extenso território com grande capacidade produtiva e de


povoamento social, que desde o período colonial vive uma distribuição desequilibrada
de propriedades 32. Nesse sentido, em 1980, os assentamentos rurais com área
superior a 1.000 hectares, considerados grandes assentamentos, representavam
0,93% do total dos assentamentos rurais, e concentravam 45,10% da área rural total
do Brasil 33. Por sua vez, os assentamentos com área inferior a 10 hectares
constituíam 50,35% do total de assentamentos rurais com ocupação de 2,47% da
área rural total do Brasil 34. A concentração fundiária no Brasil permaneceu estável
desde 1980 35. Os conflitos agrários existentes nas diferentes regiões do Brasil 36são

31
Os objetos das declarações estão estabelecidos na Resolução do Presidente do Tribunal de 17 de
fevereiro de 2022. Disponível aqui:
https://www.corteidh.or.cr/docs/asuntos/sales_pimenta_17_02_22_spa.pdf .
32
Cf. ONU, Relatório do Relator Especial sobre habitação adequada, como parte do direito a um
padrão de vida adequado, Sr. Miloon Kothari. Vício. Missão ao Brasil . Doc. E/CN.4/2005/48/Add.3, 18 de
fevereiro de 2004, par. 37; OEA, CIDH. Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, Capítulo
VII: propriedade da terra rural e os direitos humanos dos trabalhadores rurais , OEA/Ser.L/V/II.97, 29 de
setembro de 1997, para.1, e Oxfam, Brasil . Terra da Desigualdade: Terra, agricultura e desigualdades no
Brasil rural , 2016, p.3. Disponível em: https://rdstation-
static.s3.amazonaws.com/cms/files/115321/1596831720relatorio-terrenos_desigualdade-brasil_0-2.pdf
. Ver, também, Perícia de Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira de 9 de março de 2022 (expediente
de prova, folhas 7.183 a 7.184) .
33
Cf. Sistema de Recuperação Automática (SIDRA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Censo Agropecuário, tabela 263: número de assentamentos e áreas rurais por grupos de área total.
Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/263 .
34
Cf. Sistema de Recuperação Automática (SIDRA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Censo Agropecuário, tabela 263: número de assentamentos e áreas rurais por grupos de área total.
Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/263#resultado .
35
Cf. Oxfam, Brasil. Terra da Desigualdade : Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural ,
supra , p. 6.
36
O perito Michelotti apontou a ausência de dados oficiais e sistematizados sobre a magnitude da
violência no campo no Brasil. Cf. Perícia de Fernando Michelotti datada de 7 de março de 2022 (expediente
de prova, fl. 7.215). Neste sentido, o especialista Gaio sublinhou que os próprios órgãos governamentais
utilizam em algumas ocasiões os dados compilados pela Comissão Pastoral da Terra. Cf. Perícia de Carlos
Eduardo Gaio de 11 de março de 2022 (expediente de prova, folhas 7.287 a 7.288).
resultado, pelo menos, desta grande concentração de terras nas mãos de poucos
proprietários 37.

45. Em resposta a tal concentração de terras, bem como à prática da grilagem de


terras (" grilagem ") 38e ao processo de modernização e liberalização da agricultura
39
, diferentes movimentos sociais surgiram no Brasil ao longo dos séculos XIX e XX,
em particular entre os anos de 1964 a 1985, durante a ditadura militar 40.

46. Durante os anos do regime militar, as organizações camponesas, sindicatos e


outras formas de associações que buscavam a reforma agrária foram objeto de
repressão política e social que buscava o seu desmantelamento, e foram tachadas de
“comunistas” ou “subversivos” 41. Entre 1979 e 1985, o movimento repressivo
aumentou no campo, sendo este um dos períodos com maior número de mortes e
desaparecimentos de trabalhadores rurais e defensores dos seus direitos 42.

47. Especificamente no Brasil, sabe-se que, de 1961 a 1988, foram mortos 75


sindicalistas, 14 advogados, 7 religiosos, 463 dirigentes de lutas coletivas, entre
outros 43. Segundo relatório estadual de 2013, “[ser] advogado dos camponeses nos
tempos da ditadura militar era uma profissão de alto risco [...], [ risco de morte ] 44.
” O estado do Pará, no período de 1961 a 1988, liderou o ranking de mortes e
desaparecimentos 45com 528 homicídios entre 1980 a 1993 e 772 entre 1971 e 2004,
dos quais, respectivamente, 239 e 574 ocorreram no sul do estado 46. O Pará tem

37
Cf. Human Rights Watch. A luta pela terra no Brasil: a violência rural continua , 1992, p. 6.
Disponível em: https://www.hrw.org/sites/default/files/reports/braz926full.pdf .
38
O termo “ grilagem ” pode ser entendido como aquela ação ilegal que visa a transferência de
terras públicas em favor de terceiros. Cf. Oxfam, Brasil. Terra da Desigualdade: Terra, agricultura e
desigualdades no Brasil rural . 2016, supra, p.3.
39
Durante o processo de modernização da agricultura no Brasil, grandes assentamentos receberam
incentivos fiscais e tiveram acesso a crédito, pesquisa e assistência técnica governamental com o objetivo
de produzir para exportação e atender a agroindústria. Da mesma forma, esse processo de modernização
“causou o deslocamento de milhões de famílias, principalmente do Nordeste e do Sul do país, em direção
às cidades e regiões do Centro-Oeste e do Norte”. Cf. Oxfam, Brasil. Terra da Desigualdade: Terra,
agricultura e desigualdades no Brasil rural . 2016, supra, pp. 4 a 5.
40
Cfr . ONU, Relatório do Relator Especial sobre habitação adequada, como parte do direito a um
padrão de vida adequado, Sr. Miloon Kothari. Vício. Missão ao Brasil , supra , pars. 37, 39 e
41
Cf. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasil. Camponeses mortos e desaparecidos: excluídos
da justiça transicional , 1ª Edição: Brasília, DF, 2013, p. 6. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-
oficiais/catalogo/dilma/sdh_direito-a-memoria-ea- Verdade -camponeses-mortos-e- desaparecidos_2013.pdf, e Ministério da
Desenvolvimento Agrário, Brasil. O retrato da repressão política no campo-Brasil 1962-1985: Camponeses torturados, mortos e
desaparecidos, 2ª Edição: Brasília, DF, 2011, pp. 17, 2426. Disponível em: https://repositorio.iica.int/handle/11324/20158 .
42
Cf. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasil. Camponeses mortos e
desaparecidos: excluídos da justiça transicional , supra , p. vinte.
43
Veja. _ Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasil. Camponeses mortos
e desaparecidos: excluídos da justiça transicional , supra , p. 28, e Ministério do Desenvolvimento Agrário,
Brasil. O retrato da repressão política no campo-Brasil 1962-1985: Camponeses torturados, mortos e
desaparecidos, 1ª Edição: Brasília, DF, 2010, pp. 326-330. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-
br/centrais-de-conteudo/memoria-e-Verdade/retrato-da-repressao-politica-no-campo-2013-brasil-1962-
1985 -camponeses-torturados-mortos-e-desaparecidos/view .
44
Cf. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasil. Camponeses mortos e
desaparecidos: excluídos da justiça transicional l , supra , p. 82 . No mesmo sentido, Darci Frigo afirmou
que “a defesa dos direitos humanos é algo perigoso”. Veja. _ Declaração de Darci Frigo de 8 de março de
2022 (expediente de prova, fl. 6.723).
45
Cf. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasil. Camponeses mortos e
desaparecidos: excluídos da justiça transicional , supra , pág. 25.
46
Cf. Airton dos Reis Pereira. Conflitos fundiários e violência no Sul do Pará (1975-1990) ,
apresentado no X Encontro Nacional de História Oral. Depoimentos: História e Política, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 26 a 30 de abril de 2010, p. 11. Disponível em:
https://www.encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1268332455_ARQUIVO_Conflitosdeterr
aeViolencianoSuldoPara_1975-1990_.pdf , e Comissão Pastoral de la Tierra et al. Violação dos Direitos
sido apontado por alguns organismos e organizações internacionais pelos constantes
e violentos conflitos relacionados à luta pela terra, que resultaram na morte de
centenas de trabalhadores rurais, dirigentes sindicais, advogados, defensores de
direitos humanos, entre outros 47.

48. Estudo realizado por órgão estatal concluiu que, no período do regime militar,
dentro do qual se encontram os acontecimentos que deram origem ao presente caso:

A violência privada foi praticada sob cobertura e incentivo oficial, baseada em compromissos de
classe que aliaram os grandes proprietários de terras e empresários rurais ao governo militar. A lei da
violência que caracterizou as práticas dos indivíduos serviu aos interesses defendidos pelo regime
para deter a crescente organização dos trabalhadores rurais 48.

49. Na mesma linha, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da


República reconheceu a conivência de agentes estatais nas perseguições e homicídios
de trabalhadores rurais e defensores de seus direitos 49. Na mesma linha,
pronunciaram-se o Relator Especial das Nações Unidas para as execuções
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias e o Representante Especial do Secretário-Geral
para a situação dos defensores dos direitos humanos 50.

50. Especificamente no que diz respeito à situação de violência contra os


defensores dos direitos humanos no contexto dos conflitos rurais, existem diversos
relatórios que dão conta de uma elevada incidência de ameaças e homicídios 51. A

Humanos na Amazônia: Conflito e Violência na fronteira com o Pará , 2005, p.33. Disponível em:
https://www.fdcl.org/wp-content/uploads/2005/11/relatorioparaportugues.pdf .
47
Cf. ONU, Relatório sobre a Missão ao Brasil da Representante Especial do Secretário-Geral sobre
a situação dos defensores dos direitos humanos, Hina Jilani , complemento. Doc. A/HRC/4/37/Add.2, 19
de dezembro de 2006, pars. 16, 17, 19, 20; ONU, Relatório sobre a Missão ao Brasil, Relator Especial
sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Philip Alston . Doc. A/HRC/11/2/Add.2, 23 de
março de 2009, par. 40; Vigilância dos Direitos Humanos. Violência rural no Brasil , 1991, pp. 21 a 23 e
57 a 66. Disponível em: https://www.hrw.org/reports//pdfs/b/brazil/brazil.912/braz912full.pdf ;
Vigilância dos Direitos Humanos. A luta pela terra no Brasil: a violência rural continua, supra , pp. 6 a 10,
e Anistia Internacional, Corumbiara e Eldorado De Carajás: Violência rural, brutalidade policial e
impunidade, 1998, pp. 4 a 6. Disponível em:
https://www.amnesty.org/en/documents/amr19/001/1998/es/ .
48
Cf. Ministério do Desenvolvimento Agrário, Brasil. O retrato da repressão política no campo-Brasil
1962-1985: Camponeses torturados, mortos e desaparecidos, 2ª Edição , supra, p. 26.
49
Veja. _ Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasil. Camponeses mortos
e desaparecidos: excluídos da justiça transicional l , supra , p. 23.
50
Veja. _ ONU, Relatório Especial sobre a Missão ao Brasil da Relatora Especial sobre execuções
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Asma Jahangir . Documento E/CN.4/2004/7/Add.3, p. 18, e ONU,
Relatório sobre a Missão ao Brasil do Representante Especial do Secretário-Geral sobre a situação dos
defensores dos direitos humanos , Hina Jilani , supra , par. 18.
51
Veja. _ Justiça Global e Defensores na Linha de Frente. Linha de Frente: Defensores dos Direitos
Humanos no Brasil, Resumo Executivo . Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh/br/jglobal/jglobal_frontline/01_resumoexecutivo.htm ;
Federação Internacional de Ligas de Direitos Humanos. Brasil Graves violações de direitos humanos em
áreas rurais , 2000, p. 14. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/nacionais/r_fidh_brasil.pdf ; Comitê Brasileiro de Defensores
dos Direitos Humanos. Vidas em Luta: Criminalização e violência contra defensores de direitos humanos
no Brasil, 2017, pp. 70 a 73. Disponível em: https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/CBDDDH---
DOSSIE-2017_011118_web.pdf ; Defensores na linha de frente. Análise Global 2020 , pp. 4 a 5. Disponível
em: https://www.frontlinedefenders.org/sites/default/files/fld_global_análise_2020.pdf e Global Witness.
Defendendo o Amanhã: A crise climática e as ameaças contra os defensores da terra e do meio ambiente
, 2020, p. 10 Disponível em:
https://www.globalwitness.org/documents/19941/Defending_Tomorrow_ES_low_res_-_July_2020.pdf .
Segundo o perito Michelotti, “[os] assassinatos decorrentes de conflitos agrários, especialmente de
defensores de direitos humanos que atuam como dirigentes de movimentos sociais, sindicatos ou
assessoram organizações de trabalhadores, são também uma tentativa de silenciar a luta pela luta.
direitos." Perícia de Fernando Michelotti datada de 7 de março de 2022 (expediente de prova, fl. 7.245).
organização Global Witness , após estudo realizado com dados de 2002 a 2013 de
vários países do mundo, indicou que o Brasil é o país mais perigoso para a defesa
dos direitos fundiários e ambientais , com 448 casos dos 908 em todo o mundo 52.
Da mesma forma, em 1982, foram mortos 30 defensores dos trabalhadores rurais,
além de Gabriel Sales Pimenta. A maioria desses crimes ocorreu no estado do Pará.
Nessa linha, nos últimos vinte anos, 35% dos homicídios de trabalhadores rurais e
defensores desses trabalhadores no Brasil ocorreram no estado do Pará 53.

51. Nesse quadro, são apresentados os dados relativos à resposta judicial nos
casos de trabalhadores rurais mortos entre os períodos de 1964 a 2013 no estado do
Pará. Neste sentido, entre 1964 e 1998 54, dos 703 casos de trabalhadores rurais
vítimas de homicídio, 5,26% dos casos foram julgados, e apenas em 183 casos foi
instaurado inquérito, entre os quais, 113 deram origem a processo criminal 55. Entre
1985 e março de 2001, dos 1.207 casos, 85 acusados tiveram sentença final,
resultando em uma média de 95% “sem resposta judicial”. Por sua vez, no sul e
sudeste do Pará, dos 340 trabalhadores rurais mortos no mesmo período de 1985 e
março de 2001, duas pessoas foram julgados definitivamente, restando uma média
de 99,4% do total de homicídios “sem qualquer tipo de resposta judicial, seja
condenação ou absolvição na esfera penal ” 56. Por outro lado, entre 1985 e 2013
ocorreram 428 casos, com um total de 644 homicídios relacionados a conflitos no
campo. Destes, 21 casos foram levados a julgamento, resultando na condenação de
12 autores intelectuais e 17 autores materiais 57. Em relação ao município de Marabá,
no estado do Pará, onde ocorreu o falecimento de Gabriel Sales Pimenta ( par. infra
). 56 ) , a taxa de impunidade foi de 100%, entre 1975 e 2005 58.

B. Antecedentes

B.1. Sobre Gabriel Sales Pimenta

52. Gabriel Sales Pimenta era um jovem de 27 anos à época de seu falecimento,
natural do município de Juiz de Fora, localizado no estado de Minas Gerais, e formado
em Direito pela Universidade Federal do referido município. Em 1980, ingressou como
advogado no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá (doravante “STR”),
localizado no estado do Pará. O Sr. Sales Pimenta foi um dos primeiros advogados a
residir em Marabá. Além disso, foi representante da Comissão Pastoral da Terra, por
meio da qual prestava assessoria jurídica aos trabalhadores rurais, fundador da
Associação Nacional dos Advogados dos Trabalhadores na Agricultura e participou

52
Veja. _ Escrito de amicus curiae apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas
Gerais (expediente de prova, fl. 7.725).
53
Veja. _ Perícia de Carlos Eduardo Gaio, supra (expediente de prova, fl. 7.293).
54
No massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, dois comandantes acusados da execução de 19
trabalhadores rurais sem terra “que se manifestavam pacificamente para exigir seus direitos à terra foram
condenados a 228 e 158 anos, respectivamente”. No entanto, eles nunca foram presos quando apelaram
das sentenças enquanto estavam em liberdade. Já o terceiro comandante acusado no caso foi absolvido.
Da mesma forma, “o tribunal absolveu nove sargentos e outros 126 policiais militares, determinando que
eles apenas ‘dispararam armas para o ar’ e não contra trabalhadores rurais”. Finalmente, os governantes
supostamente responsáveis pelo massacre, nomeadamente o governador do Pará e o então comandante-
geral da Polícia Militar, não foram processados. Cf. ONU, Relatório Especial sobre a Missão ao Brasil do
Relator Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Asma Jahangir , supra, p. 18.
55
Cfr. Relatório da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SSDH , 2005. Belém,
2005, p. 5 (expediente de prova, fl. 844).
56
Cfr. ONU, Relatório do Relator Especial sobre a independência de magistrados e advogados,
Leandro Despouy Doutor. E/CN.4/2005/60/Add.3, 22 de fevereiro de 2005, par. 35 .
57
Cfr. Comissão Pastoral da Terra. Conflito no Campo: Brasil 2013, p. 116. Disponível em: https:
//cptnational.org.en/downlods? task=download.send&id=344&catid=41&m=0 .
58
Cfr. Comissão Pastoral da Terra et al. Violação dos Direitos Humanos na Amazônia: Conflito e
Violência na Fronteira Paraense, supra , p. 45 .
ativamente dos movimentos sociais da região e de outras esferas. Em sua atuação
como advogado do STR, atuou na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais da
região de Pau Seco ( par. 53 infra ) 59.

B.2. O despejo dos trabalhadores rurais de Pau Seco e a ação


realizada por Gabriel Sales Pimenta

53. Desde pelo menos 1973, partes de Pau Seco 60que haviam sido incorporadas
ao patrimônio da União 61foram habitadas e cultivadas por trabalhadores rurais
“ocupantes” e suas famílias 62. Em 1980, o MCN 63e o JPN alegaram ter adquirido a
propriedade de Pau Seco, onde começaram a explorar a madeira existente na zona,
o que gerou um conflito com os referidos trabalhadores rurais 64. Posteriormente, em
outubro de 1981, diante da ação de restituição de posse movida pelo MCN e JPN, foi
expedida em seu favor uma medida provisória de restituição de posse, para que a
Polícia Militar procedesse ao despejo dos trabalhadores rurais 65. Diante de tal ação,
em 20 de novembro de 1981, Gabriel Sales Pimenta, na qualidade de advogado do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá, impetrou mandado de segurança

59
Cf. Ofício nº ANATAG/15/82 expedido pela Associação Nacional dos Advogados dos Trabalhadores
na Agricultura, de 21 de julho de 1982 (expediente de prova, fls. 2.202 a 2.203); Sociedade Paraense de
Defesa dos Direitos Humanos et al . “Relatório apresentado a Hina Jilani, Relatora Especial da ONU para
os Defensores dos Direitos Humanos”, datado de 7 de dezembro de 2005 (expediente de prova, folhas
544 a 545); Declaração de Emmanuel Wambergue, constante da audiência de instrução e julgamento de
24 de março de 2011 (expediente de prova, folha 1.338) e Ofício nº. 1595/2018-GP expedido pelo
presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (expediente de prova, folha 1.509).
60
A área rural conhecida como “Pau Seco” está localizada a quatro quilômetros da rodovia PA-70,
no município de Marabá, sul do estado do Pará, região Norte do Brasil. Veja. _ Relatório de Estado de maio
de 2020, apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos no âmbito do caso nº 12.675
(expediente de prova, fl. 1.862); Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Agenda provisória da
missão no Pará para dezembro de 2020 (expediente de prova fl. 1.935); Ação Cível de Indenização por
Dano Moral ajuizada por Maria Da Glória Sales Pimenta recebida em 22 de novembro de 2007 (expediente
de prova, folhas 2.712 a 2.716); tomo 5 dos autos da ação cível de indenização por dano moral (expediente
de prova, folha 4.248). ), e Pedido de prisão preventiva assinado pelo Comissário da Divisão de Crimes
contra a Pessoa em 22 de julho de 1982 (expediente de prova, fl. 2.215).
61
Cf. Ação Cível de indenização por dano moral movida por Maria Da Gloria Sales Pimenta, supra
(expediente de prova, folhas 2.712 a 2.713).
62
Cf. Antonio Francisco da Silva, então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, afirmou que morava em Pau Seco
desde 1974 e que quando chegou àquela área, Pau Seco já era habitado por outras famílias. Cf. Declaração prestada por Antonio
Francisco da Silva em 17 de setembro de 2008 (expediente de prova, fl. 4.494), e alegações finais assinadas pelos defensores públicos
do MCN em 28 de junho de 1997 no âmbito do processo penal nº 077/89 (expediente de prova, fl. 281). Da mesma forma, Onésia
Tome de Souza, agricultora, e Francisco Veloso, assentado, indicaram que moravam em Pau Seco desde 1973. Cf. Matéria de jornal
intitulada “ O povo de Pau Seco não esquece Gabriel Pimenta” incorporada aos autos de ação de indenização civil por danos morais
de 19 de novembro de 2007 (expediente de prova, fl. 4.936).
63
M .CN era irmão do ex-governador do estado de Minas Gerais, Sr. Newton Cardoso. Cf. Artigo do
jornal The New Democracy, intitulado “Justiça Recompensa Assassino” de 30 de abril de 2006 (expediente
de prova, fl. 459).
64
Cf. Declaração prestada por Antonio Francisco da Silva em 19 de setembro de 1988 (expediente de prova, fl. 196); Sentença
proferida pela Terceira Vara Cível de Marabá em 5 de outubro de 2011, no processo nº 0007348-91.2007.814.0028 (expediente de
prova, folha 1.367); Denúncia apresentada por Rafael Sales Pimenta perante o Conselho Nacional de Justiça em 18 de junho de 2007
(expediente de prova, fl. 5.298); Ação Cível de indenização por danos morais movida por Maria Da Gloria Sales Pimenta, supra
(expediente de prova, fls. 2.712 a 2.714), e Declaração prestada por José Ribamar Nonato de Souza em 24 de outubro de 1981
(expediente de prova, fls. 3.730).
65
Cf. Decisão provisória da Juíza Ruth Nazare Couto Gurjão de 9 de outubro de 1981 (expediente
de prova, fl. 2.189); Ordem de segurança apresentada por Gabriel Sales Pimenta em 20 de novembro de
1981 (expediente de prova, fls. 2.191 a 2.193), e Declaração prestada por Antonio Francisco da Silva,
supra (expediente de prova, fls. 196) .
perante 66o Tribunal de Justiça do estado do Pará e solicitou a revogação da decisão
provisória de restituição da posse que provocou o despejo dos referidos trabalhadores
rurais 67. A referida ordem de segurança foi concedida, de modo que em 21 de
dezembro de 1981, o oficial de justiça recebeu ordem de ir à região do conflito “para
garantir a permanência” dos trabalhadores rurais ocupantes 68.

B.3. Ameaças contra trabalhadores rurais e Gabriel Sales Pimenta

54. Segundo depoimentos, em 1982 Gabriel Sales Pimenta relatou em três


ocasiões ameaças e assassinatos de trabalhadores rurais em Pau Seco, perante a
Secretaria de Segurança Pública em Belém, capital do estado do Pará. A última
reclamação foi apresentada em Junho de 1982 69.

55. Por outro lado, as ameaças 70contra Gabriel Sales Pimenta começaram pelo
menos em dezembro de 1981, após o sucesso que obteve em reverter a situação de
despejo dos trabalhadores rurais que ocupavam a área de Pau Seco 71.

B.4. A morte de Gabriel Sales Pimenta e a investigação policial

56. No dia 18 de julho de 1982, Gabriel Sales Pimenta foi ao bar conhecido como
“ Bacaba ” na cidade de Marabá, junto com alguns conhecidos. Por volta das 22h30,
Gabriel Sales Pimenta, Edson Rodrigues Guimarães 72e Neuzila Cerqueira Guimarães
saíram juntos do bar. Quando os três haviam percorrido entre 30 a 35 metros em
direção ao veículo da amiga Rosa Almeida, que lhes havia emprestado para deixar
dona Cerqueira em sua residência, passaram ao lado de um carro da marca
Volkswagen, um Fusca tipo, de cor bege, quase branco, que estava estacionado. Um
homem saiu do referido veículo 73e atirou três vezes no Sr. Sales Pimenta, que

66
Consiste em ação prevista na Constituição da República Federativa do Brasil (doravante
“Constituição Brasileira”), cujo objetivo é proteger determinado direito que tenha sido violado por ato
ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente de uma pessoa jurídica no exercício de atribuições do
Poder Público . Cf. Artigo 5º, LXIX, da Constituição Brasileira. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm .
67
Cf. Ordem de segurança apresentada por Gabriel Sales Pimenta, supra (expediente de prova, fls.
2.191 a 2.193), e matéria de jornal intitulada “A causa do homicídio” (expediente de prova, fls. 3.699).
68
Cf. Resolução emitida pelo Juiz de Direito da Comarca de Marabá, em 21 de dezembro de 1981
(expediente de prova, fl. 4.956).
69
Cf. Declaração de Risomar Daniel Castro, constante da audiência de instrução e julgamento de
24 de março de 2011 (expediente de prova, folha 2011) .
70
A este respeito, o MCN e o JPN afirmaram que matariam Gabriel Sales Pimenta antes de 4 de
agosto de 1982, data prevista para a realização da audiência relativa à ação de restituição de posse acima
mencionada . Para tanto, vários depoentes afirmaram ter visto: i) homens armados passarem em frente
à casa de Gabriel Sales no dia da sua morte e dizerem que “esta é a casa do homem” e depois dirigiram-
se à casa do MCN, onde foram entrou; (ii) a dois alegados homens armados do MCN conversando num
bar, e um dizia ao outro que tinha de “cumprir o contrato” do MCN, e (iii) a alguns indivíduos na casa do
MCN que pareciam ser homens armados. Da mesma forma, Antonio Francisco da Silva afirmou que Gabriel
Sales Pimenta lhe informou que estava sendo ameaçado de morte pelo MCN e JPN Cf. Declaração prestada
por Risomar Daniel Castro em 21 de julho de 1982 (expediente de prova, fls. 2.230 e 2.231); Declaração
prestada por João Martins dos Santos em 19 de julho de 1982 (expediente de prova, fl. 2.238); Declaração
prestada por Etelvina Honorato de Paulo em 21 de julho de 1982 (expediente de prova, folha 2.282); e
Declaração prestada por Antonio Francisco da Silva, supra (expediente de prova, folha 196).
71
Cf. Ofício nº ANATAG/15/82, supra (expediente de prova, folhas 2.202 a 2.203), e Declaração de
Rafael Sales Pimenta durante a audiência pública do presente caso.
72
Depois candidato a vereador pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Cf. Matéria do
jornal A Província do Pará, intitulada “Suspeitos já estão no xadrez”, datada de 21 de julho de 1982
(expediente de prova, folha 2.292).
73
Uma testemunha ocular, Luzia Batista da Silva, observou como o mesmo carro tipo fusca
reapareceu no local, estacionando nas proximidades. Segundo seu depoimento, duas pessoas saíram do
morreu instantaneamente 74. Mais tarde, o homem escapou no mesmo veículo.
Segundo depoimento de Edson Rodrigues , havia mais dois homens no veículo 75.

57. No dia seguinte começou a investigação policial 76. Em 22 de julho de 1982, o


Comissário da Divisão de Crimes contra a Pessoa 77, responsável pelo inquérito
policial, identificou o M.C.N. e o J.P.N. como os supostos autores do assassinato de
Gabriel Sales Pimenta 78. Posteriormente, em relatório datado de 8 de setembro de
1982, acrescentou C.O.S. à lista de acusados 79.

B.5. O desenvolvimento do processo penal até 10 de dezembro de


1998

58. Em 19 de agosto de 1983, o Ministério Público apresentou queixa-crime contra


M.C.N., J.P.N. e C.O.S. como autores do crime de homicídio qualificado 80, perante o
Juiz de Direito da Comarca de Marabá. A denúncia foi admitida em 23 de agosto de
1983 81. A audiência marcada para 27 de dezembro de 1983 não ocorreu por não ter
sido possível convocar M.C.N. ou C.O.S 82. Assim, foi remarcado e realizado em 27
de abril de 1984 83. Dos três arguidos, apenas o JPN compareceu na audiência 84. Em
20 de junho de 1984, foi decretada a prisão preventiva contra M.C.N. e C.O.S. 85em

referido veículo perguntando o que havia acontecido, uma das quais Luzia reconheceu como a mesma que
dirigia momentos antes o mesmo veículo tipo Fusca, que posteriormente identificou como JPN em 2 de
agosto de 1982 . Cf. Declaração prestada por Luzia Batista da Silva em 31 de julho de 1982 (expediente
de prova, folhas 2.226 a 2.227); Anexo ao pedido de prisão preventiva assinado pelo Conselheiro Luiz
Carlos de Carvalho em 6 de agosto de 1982 (expediente de prova, fl. 2.244), e Despacho de
reconhecimento proferido por Luzia Batista da Silva em 2 de agosto de 1982 (expediente de prova, fls.
2.273 a 2.274) ).
74
Cf. Pedido de prisão preventiva assinado pelo Comissário da Divisão de Delitos contra a Pessoa,
supra (expediente de prova, folha 2.210); Declaração prestada por Edson Rodrigues Guimarães em 21 de
julho de 1982 (expediente de prova, fl. 2.220); Declaração prestada por Risomar Daniel Castro em 17 de
abril de 1991 (expediente de prova, folhas 241 a 242); Resolução emitida pelo juiz em exercício no
processo penal nº. 86200004-0 de 31 de agosto de 2000 (expediente de prova, folha 291); Relatório
emitido pelo Comissário de Polícia em 8 de setembro de 1982 (expediente de prova, fl. 2.265), e
Declaração de Risomar Daniel Castro, supra (expediente de prova, folhas 2.230 a 2.231) .
75
Cf. Declaração de Edson Rodrigues Guimarães, supra (expediente de prova, folha 2.220).
76
Cf. Sentença proferida pela Terceira Vara Cível de Marabá, supra (expediente de prova, fl. 1.367).
77
Segundo notícias da época, o comissário responsável pelas investigações observou relutância nas
testemunhas, o que o levou a acreditar que tinham sido ameaçadas e incitadas a não contar toda a
verdade. Sabe-se também que Edson Rodrigues Guimarães e Neuzila Cerqueira Guimarães, que
acompanhavam Gabriel Sales Pimenta no momento de sua morte, permaneceram escondidos com medo
de serem mortos. Quanto à testemunha ocular do caso, Luzia Batista da Silva disse que, após os
acontecimentos, teve medo de contar o que viu. Cf. Matéria do jornal A Província do Pará , intitulada
“Atirador esteve na casa do fazendeiro na manhã de domingo” (s. f) (expediente de prova, fl. 2.290); Cf.
Artigo do jornal A Província do Pará, intitulado “Os suspeitos já estão no xadrez”, supra (expediente de
prova, folha 2.292), e Cf. Despacho de novo interrogatório de Luzia Batista da Silva de 13 de junho de
1983 (expediente de prova, folha 2.278).
78
Cf. Pedido de prisão preventiva assinado pelo delegado da Divisão de Delitos contra a Pessoa em
22 de julho de 1982 (expediente de prova, fl. 2.214).
79
Cf. Relatório do Comissário de Polícia, supra (expediente de prova, fl. 2.267).
80
Previsto no artigo 121, parágrafo segundo, inciso IV, do Código Penal Brasileiro. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm .
81
Veja. _ Denúncia do Ministério Público de 19 de agosto de 1983 (expediente de prova, folhas
2.328 a 2.329).
82
Veja. _ Certidão do oficial de justiça de 22 de dezembro de 1983 (expediente de prova, fl. 2.331).
83
Cf. Escrito assinado pelo Desembargador de Direito da Comarca de Marabá em 27 de abril de
1984 (expediente de prova, fl. 2.334), e Intimação por edital do MCN e do COS para audiência de 27 de
abril de 1984 (expediente de prova, fl. 2.340). )
84
Veja. _ Documentação da habilitação e interrogatório do JPN de 27 de abril de 1984 (expediente
de prova, folhas 2.337 a 2.338).
85
Em 4 de julho de 1984, COS compareceu a uma audiência e foi interrogado, no qual negou sua
participação no homicídio, explicou que não compareceu por falta de notificação e afirmou sua
disponibilidade e intenção de não fugir e indicou seu endereço. Diante disso, em 18 de julho de 1984, o
face do inquérito policial, que concluiu a sua suposta responsabilidade como autor
intelectual e material, respectivamente, bem como a sua falta de localização 86.

59. Posteriormente, foi marcada audiência para 24 de agosto de 1984 para


questionar M.C.N., porém, ele não compareceu. Assim, pelo menos outras 4
audiências foram remarcadas com o mesmo resultado 87de não comparecimento 88.

60. Em 23 de novembro de 1987, a pedido do advogado do M.C.N. 89, o juiz da


Quarta Vara Criminal revogou a ordem de prisão preventiva contra ele, por considerar
que os motivos que a originaram não mais existiam, e o Sr. endereço indicado, tinha
bons antecedentes e não era reincidente 90. Em 29 de abril de 1988, foi interrogado
o arguido M.C.N., que negou a sua responsabilidade no crime e declarou não ter
comparecido anteriormente por “falta de condições financeiras 91” .

61. Em 8 de junho de 1992, o Ministério Público apresentou as suas alegações


finais, através das quais solicitou, por um lado, o arquivamento do processo
relativamente ao C.O.S. e, por outro, a acusação do M.C.N. e do J.P.N 92. Em 3 de
dezembro de 1992, a defesa do J.P.N. apresentou as alegações finais e, em 26 de
fevereiro de 1993, o advogado do M.C.N formalizou pedido de renúncia à sua

Juiz de Direito da Comarca de Marabá revogou sua ordem de prisão preventiva por considerar que sua
finalidade deixou de existir. Cf. Documentação da qualificação e interrogatório de COS de 4 de julho de
1984 (expediente de prova, folhas 2.342 a 2.343), e Resolução emitida pelo Juiz de Direito da Comarca
de Marabá em 18 de julho de 1984 (expediente de prova, fl. 2.345) . O Desembargador da Comarca de
Marabá afirmou que COS “relatou todos os detalhes de seu paradeiro e endereço, e se colocou à disposição
do Juiz quando sua presença foi necessária”. Resolução emitida pelo Juiz de Direito da Comarca de Marabá
em 18 de julho de 1984 (expediente de prova, fl. 2.345).
86
Cf. Decreto de prisão preventiva contra MCN e COS de 20 de junho de 1984. (expediente de
prova, folhas 2.318 a 2.319).
87
Durante esse período, pelo menos dois notários foram excluídos do processo por recusa: um
porque a sua filha tinha casado com o JPN, e outro porque era tio da mulher do JPN. Além disso, o
advogado do Sr. JPN solicitou a recusa de dois notários do JPN . o registro: um porque era tio da esposa
de JPN e outro porque era primo dela. Cf. Declaração do notário de 13 de março de 1986. (expediente de
prova, fl. 2.372); Declaração do notário de 17 de março de 1986 (expediente de prova, fl. 2.374); e Carta
assinada pelo advogado do JPN em 21 de fevereiro de 1987 (expediente de prova, fl. 2.376).
88
Em 24 de agosto de 1984, o juiz marcou o interrogatório para 26 de setembro de 1984; Em 22
de novembro de 1984, o mesmo juiz emitiu edital para publicar a intimação do MCN para comparecer à
audiência de 23 de janeiro de 1985; Em 2 de agosto de 1985, o juiz designou 11 de setembro de 1985
como outra data para interrogatório; Finalmente, em 19 de março de 1986, a juíza Marta Ines Autunes
Lima emitiu edital convocando o preso a comparecer à audiência de 2 de maio de 1986. Cf. Resoluções
expedidas em 24 de agosto e 22 de novembro de 1984 (expediente de prova, folhas 2.348 a 2.351) e
Editais de 5 de agosto de 1985 e 19 de março de 1986 (expediente de prova, fls. 2.352 a 2.353).
89
Cf. Pedido de revogação da ordem de prisão preventiva do MCN de 19 de novembro de 1987
(expediente de prova, folhas 2.355 a 2.357).
90
Cf. Resolução assinada pelo Juiz de Direito da Quarta Vara Penal em 23 de novembro de 1987
(expediente de prova, fls. 2.365 a 2.366).
91
Veja. _ Documentação de habilitação e interrogatório do MCN de 29 de abril de 1988 (expediente
de prova, folhas 2.360 a 2.361).
92
Cf. Argumentos finais do Ministério Público de 8 de junho de 1992 (expediente de prova, folhas
2.437 a 2.440).
representação legal 93sem apresentar as alegações finais do réu 94. Em 28 de junho
de 1997, a Defensoria Pública apresentou as alegações finais do Sr. M.C.N 95. Em 29
de julho de 1997, o Ministério Público solicitou a admissão de Rafael Sales Pimenta
como subprocurador 96. Em 27 de abril de 1998, foram apresentadas as alegações
finais do réu C.O.S 97.

C. Fatos autônomos posteriores ao reconhecimento da competência


contenciosa do Tribunal

C.1. Fatos autônomos ocorridos no âmbito do processo penal, após


10 de dezembro de 1998

62. Em 23 de novembro de 1999, o Ministério Público requereu a extinção da


responsabilidade penal do arguido JPN em razão da sua morte 98, o que foi decretado
pelo juiz em exercício, em 31 de agosto de 2000, juntamente com a inadmissibilidade
da denúncia contra o COS., por falta de provas. Assim, declarou o Sr. MCN como
único arguido 99. Entre janeiro e maio de 2001, o MCN foi intimado três vezes para
tomar conhecimento da sentença de “ pronúncia” 100, transitada em julgado em 7 de
janeiro de 2002 101.

63. O julgamento foi posteriormente marcado para 23 de maio de 2002 perante


o Tribunal do Júri 102. Em 7 de maio de 2002, foi ordenada a notificação das

93
Em 28 de setembro de 1995, foi nomeado defensor público para atuar em defesa do Sr. MCN e
apresentar suas alegações finais. Em 26 de abril de 1996, a Defensoria Pública recusou-se a ser nomeada
defensora do réu porque o réu, como proprietário e proprietário de terras, tinha as “condições necessárias”
para contratar sua defesa. Em 3 de junho de 1996, por meio de ofício endereçado à Comarca de Vitória
da Conquista, foi concedido ao Sr. MCN o prazo de 48 horas para contratar advogado e apresentar suas
alegações finais. Em 16 de julho de 1996, o Sr. MCN compareceu ao Tribunal de Justiça de Vitória da
Conquista e informou que não tinha recursos para contratar sua defesa. Em 12 de maio de 1997, o irmão
da suposta vítima, Rafael Sales Pimenta, autorizou um advogado a atuar como subprocurador no processo
e, em 28 de maio de 1997, solicitou a concessão de defesa pública ao Sr. MCN . assinado pelo Juiz de
Direito do Quarto Juizado Penal em 28 de setembro de 1995 (expediente de prova, fl. 2.465); Documento
de declinação assinado pela Defensoria Pública em 26 de abril de 1996 (expediente de prova, folhas 2.467
a 2.468); Exortação assinada pelo juiz da Quarta Vara Criminal de Marabá em 3 de junho de 1996
(expediente de prova, folhas 2.470 a 2.471); Certidão expedida pelo cartório de Vitória da Conquista em
16 de julho de 1996 (expediente de prova, fl. 2.473); Procuração assinada por Rafael Sales Pimenta em
12 de maio de 1997 (expediente de prova, fl. 2.475), e Requerimento assinado pelo advogado de Rafael
Sales Pimenta em 28 de maio de 1997 (expediente de prova, fls. 2.478 a 2.480).
94
Cf. alegações finais do JPN de 3 de dezembro de 1992 (expediente de prova, folhas 2.453 a
2.461), e pedido de renúncia assinado pelo advogado do MCN em 26 de fevereiro de 1993 (expediente de
prova, folha 2.463).
95
Cf. Argumentos finais do MCN de 28 de junho de 1997 (expediente de prova, fls. 2.482 a 2.485).
96
Cf. Solicitação assinada pelo Ministério Público em 29 de julho de 1997 (expediente de prova, fl.
2.487).
97
Cf. Argumentos finais da COS de 27 de abril de 1998 (expediente de prova, fls. 2.489 a 2.490).
98
Cf. certidão de óbito do JPN datada de 13 de setembro de 1999 (expediente de prova, fl. 2.498).
99
Cf. Solicitação do Ministério Público de 23 de novembro de 1999 (expediente de prova, folha
2.061); Extinção da responsabilidade penal em relação ao JPN de 31 de agosto de 2000 (expediente de
prova, fl. 2.497), e Ordem de indiciamento dos acusados emitida pelo juiz em exercício em 31 de agosto
de 2000 (expediente de prova, fls. 2.494 a 2.495).
100
A sentença de “ pronúncia ” consiste na decisão de um juiz no curso do processo penal pela qual
determina se um acusado deve ou não ser submetido ao Tribunal do Júri, com base na existência ou não
de provas suficientes para determinar a autoria do crime. um crime intencional contra a vida.
101
Cf. Exortação nº 01/2001, de 30 de janeiro de 2001 (expediente de prova, folha 2.500); Certidão
de citação do MCN de 15 de fevereiro de 2001 e 3 de maio de 2001 (expediente de prova, folhas 2.503 a
2.504), e Certidão de trânsito em julgado da sentença de “pronúncia” do MCN de 7 de janeiro de 2002
(expediente de prova, folha 2.508 ) . ).
102
Cf. Resolução assinada pelo juiz de direito nomeado em 26 de março de 2002 (expediente de
prova, fl. 2.515).
testemunhas de acusação: Edson Rodrigues Guimarães, Neuzila Cerqueira
Guimarães, Antonio Francisco da Silva, Risomar Daniel Castro e Luzia Batista 103. Não
foram localizadas duas testemunhas, entre elas, a testemunha ocular Luzia Batista
que, segundo seu vizinho, havia falecido 104. O julgamento agendado não ocorreu
porque o acusado MCN não foi localizado, a esse respeito sua ex-mulher informou
que o Sr. MCN morava em São Paulo 105. Nesse mesmo dia, foi expedida ordem de
prisão preventiva, porém, não foi enviada às autoridades paulistas 106.

64. Em 1º de junho de 2002, Rafael Sales Pimenta autorizou a intervenção dos


advogados da Comissão Pastoral da Terra como auxiliares do Ministério Público 107.
Em 20 de fevereiro de 2004, o processo foi remetido ao Tribunal Agrário, pois o Juízo
Criminal determinou que este não tinha competência uma vez que o crime imputado
teria motivação agrária 108.

65. Enquanto o processo permaneceu na Justiça Agrária, a única ação judicial


realizada foi a busca na residência do réu 109. Nesse sentido, em 4 de agosto de 2004,
a Secretaria da Receita Federal informou que o M.C.N. estaria domiciliado na cidade
de Brumado, no estado da Bahia 110.

66. Em fevereiro de 2005, o Tribunal de Justiça do Pará determinou que o Tribunal


Agrário não tinha competência na área penal. Em 28 de julho de 2005, os autos
foram devolvidos à Vara Criminal 111. Quando o processo regressou ao Juízo Criminal,
foi marcada outra sessão para julgamento, porém, esta não pôde ser realizada
porque o arguido não compareceu. Diante disso, o juiz ordenou que a sessão fosse
adiada até que ele fosse encontrado e ordenou a emissão de ordens de prisão para
todos os estados do Brasil. Em 18 de novembro de 2005, nova sessão de julgamento
foi marcada para 15 de fevereiro de 2006, e foi expedido outro mandado de prisão
112
. Em 21 de novembro de 2005, foi enviada intimação para requerer a citação do
Sr. M.C.N. para o endereço obtido pela Secretaria da Receita Federal (em Brumado
da Bahia), porém o mesmo não foi localizado 113. No dia marcado para o julgamento,

103
Cf. Resolução de notificação nº 247/2002, de 7 de maio de 2002 (expediente de prova, fl. 2.533).
104
Cf. Certidão do Oficial de Justiça de 21 de maio de 2002 (expediente de prova, fl. 2.534).
105
Cf. Exortação de 2 de março de 2022 (expediente de prova, fl. 2.516); e Certidão de
impossibilidade de notificação ao MCN de 11 de abril de 2002 (expediente de prova, fl. 2.518); Exortação
de 30 de abril de 2002 (expediente de prova, fl. 2.520); e Certidão de impossibilidade de notificação ao
MCN de 20 de maio de 2002 (expediente de prova, fl. 2.521).
106
Cf. Ordem de prisão preventiva nº 0272/2002, de 23 de maio de 2002 (expediente de prova, fl.
2.541), e Decisão proferida pelo juiz de direito nomeado em 23 de maio de 2002 (expediente de prova,
fls. 2.536 a 2.538).
107
Cf. Procuração em favor de José Batista Gonçalves Afonso datada de 1º de junho de 2002
(expediente de prova, folhas 2.528 a 2.529). Em 22 de abril de 2002, um mês antes do julgamento do
júri, o advogado que atuava como parte contingente recusou-se a participar do processo por ter sido
nomeado Procurador-Geral do Município de Marabá. Cf. Nomeação do então advogado de Rafael Sales
Pimenta de 6 de fevereiro de 2002 (expediente de prova, fl. 2.526), e Petição do então advogado de Rafael
Sales Pimenta de 22 de abril de 2002 (expediente de prova, fl. 2.525).
108
Veja. _ Resolução de incompetência proferida pelo Juiz substituto de Direito da Quarta Vara em
20 de fevereiro de 2004 (expediente de prova, fl. 2.543).
109
Veja. _ Ofício nº 200/04-VA, de 7 de julho de 2004 (expediente de prova, fl. 2.548).
110
Veja. _ Ofício nº 367/200/04-VA assinado pelo Conselheiro da Secretaria da Receita Federal (“
Receita Federal”) em 4 de agosto de 2004 (expediente de prova, fl. 2.549).
111
Veja. _ Decisão proferida pelo Juiz de Direito Substituto da Região Agrária de Marabá em 28 de
julho de 2005 (expediente de prova, fls. 2.545 a 2.546).
112
Veja. _ Decisão proferida pelo Juiz Substituto da Quarta Vara Criminal da Comarca de Marabá em
18 de novembro de 2005 (expediente de prova, fl. 2.552), e Ordem de prisão preventiva de 21 de
novembro de 2005 (expediente de prova, fl. 2.554).
113
Veja. _ Exortação assinada pelo Juiz Substituto em exercício da Quarta Vara Criminal da Comarca
de Marabá em 21 de novembro de 2005 (expediente de prova, fl. 2.556).
15 de fevereiro de 2006, o acusado não compareceu 114. Nessa mesma data, foram
enviadas cartas aos estados para apurar o cumprimento das ordens de prisão. A este
respeito, pelo menos nove estados indicaram que não as receberam ou que as cartas
recebidas não atendiam aos requisitos mínimos 115. Em 24 de fevereiro de 2006, foi
formada uma equipe de três agentes da Polícia Federal com o objetivo de localizar
os acusados nos estados da Bahia e de Minas Gerais, bem como “em outros locais
necessários 116” .

67. Em 6 de março de 2006, o M.C.N. anunciou seu endereço em Brumado, Bahia


117
. No dia 3 de abril de 2006, a Polícia Federal conseguiu cumprir a ordem de prisão
preventiva ao encontrar o preso em outro local: na cidade de Pitangui , em Minas
Gerais 118. Assim, foi fixada como data do julgamento o dia 27 de abril de 2006 119.
Em 10 de abril de 2006, os advogados dos réus impetraram pedido de habeas corpus
perante o Tribunal de Justiça do Pará, a fim de requerer a decretação da prisão
domiciliar ou a extinção da responsabilidade penal com base na prescrição 120. O
Ministério Público também se manifestou a favor da decretação da prescrição 121. Por
sua vez, os advogados que atuaram como auxiliares de acusação refutaram a tese
de que o crime havia prescrito 122.

68. Em 2 de maio de 2006, o pedido de decretação de extinção da


responsabilidade penal foi negado pelo juiz de primeira instância da Vara Criminal de
Marabá 123. Em 8 de maio de 2006, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de
Justiça do Pará proferiram decisão contrária e declararam extinta a punibilidade do
crime 124.

C.2. Medidas adicionais realizadas pelos familiares de Gabriel Sales


Pimenta

114
Veja. _ Ata da sessão de julgamento do júri de 15 de fevereiro de 2006 (expediente de prova, fl.
2.587).
115
Veja. _ Ata da sessão de julgamento do júri de 15 de fevereiro de 2006 (expediente de prova,
folha 2.589), e cartas-resposta de 13, 15, 16, 17, 20, 21, 23 e 31 de março de 2006 (expediente de prova,
prova, folhas 2.597 a 2611).
116
Veja. _ Ofício nº 45/2006-GAB/DPF.B/MBA/PA assinado pelo chefe da Delegacia da Polícia Federal
em Marabá em 24 de fevereiro de 2006 (expediente de prova, fl. 2.613).
117
Veja. _ Carta assinada pelo advogado da MCN em 6 de março de 2006 pela qual foi enviada a
procuração outorgada pela MCN, informando também seu endereço (expediente de prova, folhas 2.615 a
2.616).
118
Veja. _ Ofício nº 085/2006-NO/DREX/SR/DPF/PA de 3 de abril de 2006 (expediente de prova, fl.
2.618).
119
Veja. _ Despacho assinado pelo Juiz Substituto da Quarta Vara Criminal da Comarca de Marabá
em 5 de abril de 2006 (expediente de prova, fl. 2.625).
120
Os advogados alegaram a prescrição com base nos artigos 109 e 115 do Código Penal . Indicaram
que o prazo de prescrição expirou porque o preso tinha mais de 80 anos e já haviam passado mais de dez
anos desde o último ato processual. Explicaram que, de acordo com o artigo 109, inciso I, o prazo máximo
de prescrição da pretensão punitiva em matéria de homicídio é de 20 anos e o artigo 115 do Código Penal
reduz pela metade os prazos de prescrição nos casos em que o condenado tenha ultrapassado 70 anos na
data da sentença. Veja. _ Habeas corpus interposto em favor da MCN em 10 de abril de 2006 (expediente
de prova, folhas 2.628 a 2.640).
121
Veja. _ Solicitação do Ministério Público de 12 de abril de 2006 para decretação da prescrição
(expediente de prova, folhas 2.643 a 2.644).
122
Cf. Carta da Comissão Pastoral da Terra na qual se refere ao pedido de prescrição, recebida em
20 de abril de 2006 (expediente de prova, folhas 2.646 a 2.650).
123
Veja. _ Decisão proferida pela Quarta Vara Criminal da Comarca de Marabá em 2 de maio de
2006 (expediente de prova, fls. 2.652 a 2.665).
124
Veja. _ Ofício expedido pela Presidente das Câmaras Penais Reunidas em 8 de maio de 2006 por
meio do qual comunica a decisão proferida (expediente de prova, fl. 2.667); Despacho de Liberação nº
028/2006 assinado pelo Presidente das Câmaras Penais Reunidas em 8 de maio de 2006 (expediente de
prova, fl. 2.668). Publicação da decisão de 8 de maio de 2005 no Diário Oficial do Estado do Pará de 18
de maio de 2006 (expediente de prova, fl. 2.674).
69. Em junho de 2007, Rafael Sales Pimenta ajuizou ação por ultrapassagem de
prazo perante o Conselho Nacional de Justiça, alegando atraso na tramitação do
processo criminal relacionado ao assassinato de seu irmão. Em 12 de setembro de
2008, a ação foi ajuizada por se considerar que perdeu a finalidade, uma vez que o
processo penal havia caducado por prescrição 125.

70. Por outro lado, em 22 de novembro de 2007, a mãe de Gabriel Sales Pimenta,
Maria da Glória Sales Pimenta, ajuizou ação de indenização contra o estado do Pará
por danos morais decorrentes da demora na tramitação do processo penal e da
consequente impunidade .do assassinato de seu filho 126. Em 23 de setembro de 2010
e 24 de março de 2011, foram marcadas duas audiências preliminares para fins de
conciliação 127. Dada a insucesso da conciliação, foi realizada audiência em 24 de
março de 2011 para ouvir as testemunhas, e em 16 e 17 de agosto de 2011 foram
apresentadas as alegações finais 128. Em 5 de outubro de 2011, a Terceira Vara Cível
da Comarca de Marabá considerou a ação admissível e condenou o estado do Pará
ao pagamento de indenização de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) em favor de
Maria da Glória Sales. 129. Em 3 de novembro de 2011, o estado do Pará recorreu da
sentença. Diante disso, o Tribunal de Justiça admitiu o recurso e determinou, em 2
de junho de 2016, a exclusão da responsabilidade estatal e negou o pagamento da
indenização 130. Após diversos recursos interpostos pelos familiares de Gabriel Sales
Pimenta, sem sucesso, em 8 de junho de 2021, a Primeira Turma do Superior Tribunal
de Justiça negou provimento ao último recurso 131. Em 13 de setembro de 2021, a
decisão foi definitiva 132.

VIII
FUNDAMENTAÇÃO

71. O caso sub judice está relacionado às supostas deficiências nos processos
judiciais iniciados após a morte violenta de Gabriel Sales Pimenta, advogado e
defensor dos trabalhadores rurais no Pará. Sobre este ponto, a Corte adverte que a

125
Cf. Acórdão assinado pelo Corregedor Nacional de Justiça (“ Corregedor ”) em 12 de setembro de
2008 (expediente de prova, fl. 6.265), e página de acompanhamento do processo nº 200710000004997
perante o Conselho Nacional de Justiça (expediente de prova, fls. 2.037 a 2.038) .
126
Cf. Ação Cível de indenização por dano moral movida por Maria Da Gloria Sales Pimenta, supra
(expediente de prova, folhas 2.711 a 2.770).
127
Cf. Sentença proferida pela Terceira Vara Cível da Comarca de Marabá em 5 de outubro de 2011
(expediente de prova, fl. 2015).
128
Cf. Ata da audiência de instrução e julgamento de 24 de março de 2011 (expediente de prova,
folhas 2008 a 2012); Argumentos finais apresentados pelos advogados de Maria da Glória Sales Pimenta
em 19 de agosto de 2011 (expediente de prova, folhas 5.426 a 5.434), e Argumentos finais apresentados
pelos advogados de Maria da Glória Sales Pimenta em 16 de agosto de 2011 (expediente de prova, folhas
5.435 a 5.439)
129
Cf. Sentença proferida pela Terceira Vara Cível da Comarca de Marabá, supra (expediente de
prova, folha 2023).
130
Cf. Acórdão proferido pela Quinta Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará
em 2 de junho de 2016 (expediente de prova, folhas 2.170 e 2.181 a 2.182).
131
Cf. Acórdão proferido pela Quinta Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará
em 30 de julho de 2012 (expediente de prova, fl. 2.184); Acórdão da Quinta Câmara Cível Isolada do
Tribunal de Justiça do Estado do Pará de 15 de setembro de 2016 (expediente de prova, folhas 6.300 a
6.305); Acórdão proferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do estado do Pará em 26 de junho e 3
de outubro de 2017 (expediente de prova, folhas 6.307 a 6.318); Acórdão proferido pelo Superior Tribunal
de Justiça em 29 de julho de 2018 (expediente de prova , folhas 6.327 a 6.328), e Acórdão proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça em 8 de junho de 2021 (expediente de prova, folhas 6.333 a 6.334).
132
Veja. _ Certidão de trânsito em julgado expedida no âmbito do processo de ação de indenização
por danos morais 0007348-91.2007.8.14.0028, em 13 de setembro de 2021 (expediente de prova, fl.
8.547)
condição do senhor Sales Pimenta como defensor dos direitos humanos 133constitui
um fato indiscutível 134. Nesta perspectiva e tendo em conta as alegações das partes
e da Comissão, e a competência temporal da Corte, as supostas violações, ocorridas
após 10 de dezembro de 1998, serão analisadas à luz das obrigações reforçadas de
investigar e punir aqueles responsável por atos de violência contra defensores de
direitos humanos, considerando também o comprovado contexto de violência e
impunidade ( supra parágrafos . 44 a 51). Assim, a Corte procederá à análise de
mérito na seguinte ordem: (a) as supostas violações dos direitos às garantias
judiciais e à proteção judicial, bem como do direito à verdade, e (b) a suposta
violação do direito à integridade pessoal dos familiares de Gabriel Sales Pimenta.

VIII-1
DIREITOS ÀS GARANTIAS JUDICIAIS 135E À PROTEÇÃO JUDICIAL 136, BEM
COMO O DIREITO À VERDADE 137, EM RELAÇÃO ÀS OBRIGAÇÕES DE
RESPEITO E GARANTIA138

A. Argumentos das partes e da Comissão

72. No que diz respeito à devida diligência, a Comissão considerou o fato de que
o assassinato de Gabriel Sales Pimenta teria sido devido ao seu trabalho na defesa
dos trabalhadores rurais, e que isso não foi levado em consideração pelas
autoridades. Da mesma forma, concluiu que o presente caso se caracterizou por
omissões estatais na obrigação de investigar e punir os responsáveis pelo homicídio.
A este respeito, observou que “nenhuma sentença incriminatória foi proferida contra
[C.O.S]” por falta de provas, embora as próprias autoridades encarregadas da
investigação não o tivessem submetido ao reconhecimento das duas testemunhas
oculares do crime. Por outro lado, a Comissão indicou que as autoridades não agiram
com a devida diligência para garantir a presença dos acusados M.C.N. e J.P.N. ou
impedir a sua fuga, nem para executar as ordens de prisão emitidas contra eles.
Acrescentou que, dado que o Estado não “esclareceu ou contestou adequadamente”
os fortes indícios de que as pessoas incluídas na investigação tinham sido ameaçadas,
considerou que “havia também responsabilidade pela violação do dever de investigar
” . com a devida diligência, o que inclui necessariamente garantir a segurança e a
proteção das testemunhas antes, durante e depois dos procedimentos de
investigação.”

133
Este Tribunal considerou que a qualidade de um defensor dos direitos humanos reside no trabalho
que realiza, independentemente de quem o realiza ser uma pessoa física ou um funcionário público. A este
respeito, o Tribunal referiu-se às atividades de vigilância, denúncia e educação realizadas pelos defensores
dos direitos humanos, destacando que a defesa dos direitos não só aborda os direitos civis e políticos, mas
também abrange necessariamente os direitos económicos, sociais e culturais, em de acordo com os
princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência. ( Cfr. Caso Defensor de Direitos Humanos
e outros Vs. Guatemala. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de agosto
de 2014. Série C Nº 283, par. 129). Além disso, como considerou o perito Renan Kalil, “os líderes operários,
na medida em que defendem os direitos e interesses dos trabalhadores, desempenham funções de
defensores dos direitos humanos […], [o que] implica a existência de riscos e ameaças de não- atores
estatais, o que pode ser agravado por normas e estereótipos sociais”. Versão escrita do laudo pericial de
Renan Kalil datado de 20 de abril de 2022 (expediente de prova, fls. 8.697).
134
Neste sentido, as autoridades estatais estavam cientes da condição de Gabriel Sales Pimenta
como defensor dos direitos humanos. Cf. Ofício nº ANATAG/15/82, supra (expediente de prova, folhas
2.202 a 2.206); Relatório do Comissário de Polícia Luiz Carlos de Carvalho, de 8 de setembro de 1982
(expediente de prova, folhas 2.265 a 2.267), e Ata de audiência lavrada no processo nº 0007348-
91.2007.814.0028, Tribunal de Justiça do Estado do Pará, de 24 de março. , 2011 (expediente de prova,
folhas 2009 a 2010).
135
Artigo 8 da Convenção Americana.
136
Artigo 25 da Convenção Americana.
137
Artigos 8 , 13 e 25 da Convenção Americana.
138
Artigo 1.1 da Convenção Americana.
73. Quanto ao prazo razoável, a Comissão afirmou que, desde o assassinato do
senhor Sales Pimenta, em 18 de julho de 1982, até a declaração da prescrição,
decorreram mais de 20 anos, o que por si só é descabido. Considerou que “os
elementos de complexidade, as ações das autoridades e as ações dos familiares não
explicam nem justificam o período excessivo”. Por outro lado, indicou que houve
demora em diferentes etapas, como até a prolação do pronunciamento da sentença
, em agosto de 2000, e entre o pedido do Ministério Público para extinção da
responsabilidade criminal do preso JPN, em novembro 1999, e a decisão que o
decretou, em agosto de 2000.

74. O concordaram com o argumentado pela Comissão a respeito das supostas


violações cometidas no âmbito do processo penal, e argumentaram que o Estado: (i)
não adotou as medidas necessárias para investigar as ameaças e o homicídio de
Gabriel Sales Pimenta, levando em consideração consideração de aspectos como sua
condição de defensor de direitos humanos, a análise do contexto em que se inseriu
o referido crime ou a investigação da morte, durante o processo de julgamento de
três dos quatro suspeitos envolvidos no homicídio; ( ii ) não adotou medidas para
identificar, processar e punir os responsáveis pelo assassinato do Sr. Sales Pimenta;
( iii ) não agiu com a devida diligência na execução dos mandados de prisão expedidos
durante o julgamento, a fim de impedir a fuga do acusado; ( iv ) incorreram em
atraso injustificado na tramitação do processo penal, de modo que, por tratar-se do
assassinato de um defensor de direitos humanos, indicaram que, respeitado o prazo
razoável, tal “atraso injustificado” se acentuaria pela necessidade de combater
crimes.efeitos negativos da impunidade. Contudo, cada fase do processo penal teria
sido marcada por “atrasos alarmantes” e por longos períodos sem atos processuais;
(v) violou o princípio do juiz natural ao encaminhar o processo para continuar sua
tramitação perante o Tribunal Agrário, o que também teria culminado na suspensão
“injustificada e infundada” do processo por 18 meses, e (vi) violou o direito de acesso
à justiça na aplicação da prescrição, que teria resultado unicamente da “negligência”
e das “ações obstrutivas” das autoridades investigativas e judiciais.

75. Sobre as supostas violações ocorridas no âmbito da ação indenizatória contra


o estado do Pará, movida pelos familiares de Gabriel Sales Pimenta, os
representantes indicaram que, mais de 14 anos após sua ajuizamento, não houve
decisão final. Salientaram que o alegado “atraso injustificado” se baseia
exclusivamente na conduta negligente das autoridades.

76. Por outro lado, os representantes indicaram que o Estado ocultou informações
relevantes sobre o caso e não estabeleceu processos ou mecanismos necessários
para esclarecer a veracidade do ocorrido. Assim, indicaram que o Estado é
responsável pela violação do direito à verdade, ao ter impedido que os familiares de
Gabriel Sales Pimenta e a sociedade brasileira conhecessem as circunstâncias da
morte do senhor Sales Pimenta, a identificação dos responsáveis e a eventual sanção.

77. A respeito da suposta violação do artigo 8 da Convenção Americana, o Estado


argumentou que a responsabilidade pela suposta falta de investigação e de ação
penal contra os envolvidos na morte de Gabriel Sales Pimenta “está absolutamente
fora da ratio essendi ” do referido artigo.8 , uma vez que nem ele nem seus familiares
foram processados em nenhum julgamento interno, e as supostas omissões ou vícios
não estão relacionados com nenhum processo judicial criminal ou civil em que
tenham tido tal qualidade. Quanto à suposta violação do artigo 25 do mesmo
instrumento, afirmou que o Estado dispõe de recursos internos adequados e eficazes
que as supostas vítimas processaram, e outros que ainda estão em curso no presente
caso. Acrescentou que todos os procedimentos levados a cabo no decurso do
processo criminal foram realizados com rigor no sentido de identificar os autores e
eventualmente puni-los. Argumentou que os representantes não apresentaram
nenhuma prova de que nos processos penais e civis tenha havido qualquer influência
de atores privados sobre agentes públicos para garantir sua impunidade ou vice-
versa. Indicou que a suposta impunidade em relação ao homicídio não pode estar
relacionada com os atos investigativos, que culminaram inclusive na identificação de
indivíduos como responsáveis.

78. Finalmente, a respeito da suposta responsabilidade pela demora injustificada


e pela aplicação da prescrição, o Estado argumentou que a mesma é inadmissível,
porque as autoridades judiciais cumpriram a legislação penal e processual penal,
agindo em conformidade com as garantias processuais do acusado. 139.

79. Quanto ao encaminhamento dos autos entre os Tribunais Criminais e Agrários,


indicou que é justificável que, tendo sido criado um Tribunal Agrário na região, tenha
sido tomada a decisão de remeter o caso para este último, dado que cabia aos juízes
agrários processar e julgar crimes cuja motivação fosse predominantemente agrária.
Quanto às ordens de prisão e prisão preventiva, explicou que, apesar dos obstáculos
enfrentados, a busca pelo preso contumaz MCN continuou, e em 18 de novembro de
2005 foi renovada a decretação de prisão preventiva contra ele.

80. Quanto à ação indenizatória, destacou que o período de aproximadamente


três anos e meio decorrido entre o ajuizamento da ação e a decisão é razoável,
inclusive de acordo com os parâmetros da jurisprudência interamericana. Quanto à
etapa recursiva, indicou que não houve irregularidades, atos ou omissões que,
injustificadamente, tenham atrasado o processo.

81. A respeito da suposta violação do direito à verdade, o Estado argumentou que


em nenhum momento dificultou a investigação criminal dos fatos ou obstruiu a
iniciativa dos familiares de buscar reparação. Ressaltou que, em nenhum momento
do processo perante a Comissão ou em seu escrito de resposta, apresentou uma
narrativa alternativa ou fantasiosa dos acontecimentos em busca de esconder algo,
e que não houve intenção de esconder a verdade histórica ou silenciar o vozes das
supostas vítimas. Finalmente, sustentou que, embora os resultados dos processos
judiciais internos não tenham correspondido às expectativas das supostas vítimas,
eram legítimos.

B. Considerações do Tribunal de Justiça

82. A Corte reiterou que, de acordo com a Convenção Americana, os Estados


Partes são obrigados a oferecer recursos judiciais efetivos às vítimas de violações de
direitos humanos (artigo 25), recursos que devem ser fundamentados de acordo com
as regras do devido processo legal ( artigo 8.1), tudo dentro da obrigação geral,
realizada pelos próprios Estados, de garantir o livre e pleno exercício dos direitos
reconhecidos pela Convenção a todas as pessoas sob sua jurisdição (artigo 1.1) 140.

83. A Corte indicou que existe acesso à justiça quando o Estado garante, dentro
de um prazo razoável, o direito das supostas vítimas ou de seus familiares de que
sejam executadas todas as medidas necessárias para conhecer a verdade do ocorrido

139
O Estado indicou que ,
Ter o arguido 74 anos à data da sua acusação e 17 anos decorridos entre o primeiro
acto de interrupção da prescrição (a recepção da reclamação pelo Tribunal) e o
segundo acto de interrupção da prescrição ( a decisão de cobrar). , o Tribunal de
Justiça do Pará, acertadamente, declarou a ocorrência da prescrição e a consequente
extinção da responsabilidade penal pela passagem de prazo superior a 10 anos (prazo
aplicável após a redução pela metade em razão da idade do réu) entre os dois marcos
que interrompem a prescrição.
140
Cfr. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares , supra , par. 91, e Caso
Digna Ochoa e Família vs. México , supra, par. 98 .
e, se for o caso, , caso, sancione os possivelmente responsáveis 141. Neste sentido,
a Corte recorda que os artigos 8 e 25 da Convenção também consagram o direito de
obter resposta às exigências e solicitações feitas às autoridades judiciárias, já que a
efetividade do recurso implica uma obrigação positiva de dar uma resposta em tempo
hábil. em tempo hábil. período razoável 142.

84. Por outro lado, a Corte tem sustentado em sua reiterada jurisprudência que,
nos casos de privação da vida, é essencial que os Estados identifiquem, investiguem
efetivamente e, eventualmente, punam os responsáveis, caso contrário estariam
criando, dentro de um ambiente de impunidade , as condições para que este tipo de
eventos se repitam 143.

85. Da mesma forma, a Corte tem indicado consistentemente que o dever de


investigar é uma obrigação de meios e não de resultados, que deve ser assumida
pelo Estado como seu próprio dever jurídico e não como uma simples formalidade
condenada antecipadamente a ser infrutífera 144. Além disso, a investigação deve ser
séria, objetiva e eficaz, e ter como objetivo apurar a verdade e a perseguição, captura
e eventual processo e punição dos autores dos fatos 145.

86. Particularmente, nos casos de ataques contra defensores dos direitos


humanos, o Tribunal indicou que os Estados têm o dever de investigar séria e
eficazmente as violações cometidas contra eles, combater a impunidade e garantir
uma justiça imparcial, oportuna e informal, o que envolve uma busca exaustiva de
todos 146os informações para desenhar e executar uma investigação que conduza à
análise adequada das hipóteses de autoria, por ação ou omissão, em diferentes
níveis, explorando todas as linhas investigativas relevantes para identificar os autores
147
. Consequentemente, caso haja indícios ou alegações de que determinado ato
contra um defensor dos direitos humanos possa ter sido motivado precisamente pelo
seu trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos, as autoridades
investigadoras deverão levar em conta o contexto dos fatos e as suas atividades.
identificar os interesses que poderiam ter sido afetados no exercício dos mesmos, a
fim de estabelecer e esgotar as linhas de investigação que levam em conta o seu
trabalho, determinar a hipótese do crime e identificar os autores 148.

87. Pelo papel fundamental que desempenham no exercício diário das suas
atividades na promoção e proteção dos direitos humanos, a Corte reconheceu o dever
reforçado da devida diligência em relação à investigação da morte de defensores dos

141
Cfr . Caso Bulácio vs. Argentina. Fundo, reparos e custos. Sentença de 18 de setembro de 2003. Série C nº. 100, pára. 114,
e Caso Funcionários da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e Seus Familiares Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Fundo,
Reparos e Custos. Acórdão de 15 de julho de 2020. Série C nº. 407, par. 217.
142
Cfr. Caso Cantos vs. Argentina. Fundo, reparos e custos. Sentença de 28 de novembro de 2002.
Série C nº. 97, par. 57, e Caso Funcionários da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e Seus
Familiares Vs. Brasil, supra , par. 218.
143
Cfr. Caso Velásquez Rodríguez. Antecedentes, supra, par. 177, e Caso Digna Ochoa e Família vs.
México , supra, par. 99.
144
Cfr. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Antecedentes, supra , par. 177, e Caso Maidanik e
outros vs. Uruguai. Fundo e Reparos . Acórdão de 15 de novembro de 2021. Série C nº. 444, par. 139.
145
Cfr. Caso John Humberto Sanchez vs. Honduras _ Exceção Preliminar, Fundo, Reparos e Custas .
Sentença de 7 de junho de 2003. Série C nº. 99, par. 127, e Caso Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil,
supra, par. 128.
146
Cfr. Caso Nogueira de Carvalho e outros Vs. Brasil. Exceções Preliminares e de Antecedentes .
Sentença de 28 de novembro de 2006. Série C nº. 161, par. 77, e Caso Digna Ochoa e Família vs. México,
supra , par. 100.
147
Cf. Caso Escaleras Mejía e outros Vs. Honduras . Sentença de 26 de setembro de 2018. Série C
Nº 361, par. 47, e Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 100.
148
Cf. Caso Defensor de Direitos Humanos e outros Vs. Guatemala , supra , pars. 131, 216, 219, e Caso
Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 100.
direitos humanos 149. Esta função consiste na realização de ações como documentar
a atividade do defensor, o papel que desempenhou na comunidade e no seu
ambiente, a agenda que desenvolveu e a área em que desenvolveu o seu trabalho,
utilizando ferramentas metodológicas de associação de casos. identificar padrões de
sistematicidade 150.

88. Esta Corte reitera que o cumprimento do dever estatal de criar as condições
necessárias para o efetivo gozo dos direitos consagrados na Convenção está
intrinsecamente ligado à proteção e ao reconhecimento da importância do papel
cumprida pelos defensores dos direitos humanos 151, cujo trabalho é essencial para
o fortalecimento da democracia e do Estado de direito. O Tribunal recorda também
que as atividades de vigilância, denúncia e educação que realizam contribuem de
forma essencial para a observância dos direitos humanos, uma vez que atuam como
garantes contra a impunidade. Desta forma, complementa-se o papel, não só dos
Estados, mas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos como um todo 152.
Neste sentido, a Corte enfatizou a necessidade de erradicar a impunidade nos atos
de violência cometidos contra as mulheres defensoras dos direitos humanos, já que
é um elemento fundamental para garantir que elas possam realizar livremente o seu
trabalho em um ambiente seguro 153.

89. O Tribunal sublinha que a violência contra os defensores dos direitos humanos
tem um 154efeito inibidor . efeito ), especialmente quando os crimes permanecem
impunes. A este respeito, o Tribunal reitera que as ameaças e os ataques à
integridade e à vida dos defensores dos direitos humanos e a impunidade dos
responsáveis por estes acontecimentos são particularmente graves porque têm um
efeito não só individual, mas também colectivo, na medida em que qual a sociedade
é impedida de conhecer a verdade sobre a situação de respeito ou violação dos
direitos das pessoas sob a jurisdição de um determinado Estado 155.

90. Levando em conta os argumentos das partes e da Comissão, e limitando-se


ao exame dos fatos ocorridos após a data do reconhecimento da competência da
Corte, a Corte analisará agora as supostas violações na seguinte ordem: 1) devida
diligência em processos criminais; 2) o prazo razoável; 3) o direito à verdade e 4)
conclusão.

b.1 Devida diligência em processos criminais

91. A Corte recorda que, no presente caso, o Brasil tinha a obrigação reforçada
de conduzir a investigação da morte do senhor Sales Pimenta com a devida diligência,
devido à sua condição de defensor dos direitos humanos.

149
Cf. Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 104 .
150
Cf. Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 104.
151
Cf. Caso Nogueira de Carvalho e outros Vs. Brasil, supra , par. 74, e Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra ,
par. 100.
152
Cf. Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de
novembro de 2008. Série C Nº 192, par. 88 anos. Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par.
100.
153
Cf. Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 135.
154
Cfr. Case Valley Jaramillo et al vs. Colômbia, supra , par. 96, e Caso Stairs Mejía e outros vs.
Honduras , supra , par. 69.
155
Cfr. Caso Nogueira de Carvalho e outros Vs. Brasil, supra , par. 76, e Case Valley Jaramillo et al
vs. Colômbia, supra , par. 96.
92. Preliminarmente, a Corte considera pertinente destacar que, embora os autos
revelem uma série de ações e omissões estatais realizadas no curso das investigações
anteriores à data do reconhecimento da competência da Corte em 10 de dezembro
de 1998, observa-se que tais ações e omissões tiveram consequências ao longo de
todo o processo penal .

93. Em particular, a Corte considera que os principais fatos ocorridos após 10 de


dezembro de 1998, que refletem a falta da devida diligência por parte do Brasil em
processar e punir todos os responsáveis pelo assassinato de Gabriel Sales Piment a
são: (i) a ausência de identificação e análise do contexto em que o defensor
desenvolveu seu trabalho defendendo os direitos humanos dos trabalhadores rurais;
( ii ) a falta de adoção de medidas de proteção às testemunhas oculares,
especialmente dada a existência de um contexto de violência e impunidade em torno
da luta pela terra no Brasil; ( iii ) a ausência de investigação sobre as mortes do
acusado JPN e da testemunha ocular Luzia Batista da Silva durante a fase de decisão
de “ pronunciamento ” e de exame do caso pelo Tribunal do Júri, respectivamente; (
iv ) a exclusão do C.O.S. como réu na sentença de “ pronúncia ” por falta de provas,
em razão da omissão de alguns atos investigativos essenciais; (v) a inexistência de
medidas suficientes para garantir o comparecimento do M.C.N. aos atos processuais
que exigiam sua presença e de procedimentos adequados para sua prisão quando
houvesse ordem de prisão expedida contra ele, e (vi) o envio do processo criminal
ao Tribunal Agrário quando a competência era claramente a do Tribunal do Júri. A
seguir, o Tribunal fará referência a cada um destes factos.

94. Como se depreende do acervo probatório do presente caso e à luz do que


afirmou o perito Kalil na audiência 156, a Corte observa que, em nenhum momento
do desenvolvimento do processo penal conduzido após a morte de Gabriel Sales
Pimenta, ainda após 10 de dezembro de 1998, foi levado em consideração o contexto
em que o referido defensor realizou seu trabalho. Se tivesse sido considerado, teria
sido viável identificar os interesses económicos e políticos que poderiam ter sido
afectados pelo exercício da actividade do Sr. Sales Pimenta, nomeadamente no
âmbito da decisão judicial que reverteu a expulsão de 150 pessoas do terras
reclamadas pelos proprietários, decisão essa adotada em virtude de recurso
interposto pela suposta vítima pouco antes de seu falecimento ( par. 53 supra ). Não
consta dos autos que, em algum momento do processo, o Ministério Público ou as
autoridades judiciárias tenham solicitado a realização de procedimentos para apurar
se o resultado da referida ação, que teve grande repercussão pública, poderia ter
esteve ligado ao motivo da morte. Tal determinação, por sua vez, poderia ter
permitido a identificação de outros suspeitos e reforçado a necessidade de proteção
de testemunhas 157, como Luzia Batista da Silva, adolescente na época dos fatos e

156
O especialista Kalil enfatizou que ,
Todas as denúncias de atos de violência contra pessoas que defendem os direitos e
interesses dos trabalhadores devem ser investigadas minuciosamente, sendo
necessária uma possível relação, direta ou indireta, entre a prática de um ato violento
cometido com a atividade de defesa dos direitos dos trabalhadores. […] [O] órgão
que investiga uma violação de direitos humanos deve examinar a complexidade dos
fatos, o contexto em que os eventos ocorreram e os padrões que explicam as razões
pelas quais esses eventos ocorreram […] para garantir que haja nenhuma omissão
na recolha de provas ou no desenvolvimento de linhas lógicas de investigação. Neste
sentido, é essencial adoptar as medidas necessárias para avaliar os padrões
sistemáticos que permitiram a ocorrência de violações dos direitos humanos, bem
como os mecanismos e estruturas através dos quais a impunidade pode prevalecer.
Parecer pericial de Renan Kalil durante audiência pública deste caso .
157
A este respeito, a Corte concorda com o Relator Especial sobre a situação dos defensores dos
direitos humanos que “a proteção das vítimas, das testemunhas e de todas as partes processuais deve
ser um eixo transversal ao longo de todo o processo”. Veja. _ ONU, Relatório do Relator Especial sobre a
situação dos defensores dos direitos humanos, Michel Forst. Doc. A/74/159, 15 de julho de 2019 , par.
90.
testemunha ocular dos acontecimentos, e Neuzila Jardim Cerqueira, que acompanhou
a Gabriel no momento de sua morte, entre outros.

95. A análise do contexto adquire particular relevância face à situação de violência


e impunidade relacionada com a luta pela terra existente no momento da morte de
Gabriel Sales Pimenta, e à possível existência de ligações e padrões entre os
diferentes casos.

96. Além do exposto, se durante as investigações ou tramitação do processo


penal, os promotores, autoridades judiciais ou policiais tivessem identificado Gabriel
Sales Pimenta como defensor dos direitos humanos dos trabalhadores rurais,
poderiam ter elaborado o perfil da vítima. Tudo isto para compreender em que
consistia o seu trabalho em defesa dos direitos humanos, em que ambiente eram
desenvolvidas as suas atividades e quais os fatores de risco associados ao seu
trabalho. Da mesma forma, poderiam ter realizado entrevistas com a organização da
qual faziam parte, bem como com outras pessoas que acompanharam o seu trabalho
e nesta condição poderiam ter tido mais informações sobre o ocorrido 158.

97. Adicionalmente, considera-se que o Estado, ciente do contexto de violência


no campo e de impunidade, especialmente no estado do Pará, como ficou
comprovado ( supra parágrafos . 47 a 51) e corroborada pelos peritos Kalil 159,
Michelotti 160e Gaio 161e pelas testemunhas Frigo 162e Batista 163, deveriam ter
identificado a situação vulnerável em que se encontravam as testemunhas da morte
violenta de Gabriel Sales Pimenta. Dessa forma, o Brasil deveria ter adotado medidas
de proteção às testemunhas, não apenas para evitar qualquer ameaça ou dano à sua
integridade pessoal, mas também para preservar provas de grande importância para
elucidar o ocorrido. Neste sentido, desde agosto de 1982, o Comissário encarregado
da investigação tinha apontado ao juiz competente a necessidade de proteger as
testemunhas 164; o depoente Antonio Francisco da Silva, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) à época da morte do Sr. Sales Pimenta, relatou ter
recebido ameaças de alguns dos suspeitos dos fatos em questão 165; Luzia Batista da
Silva havia indicado em suas primeiras declarações que tinha medo de contar os
acontecimentos que presenciou ( nota 79 supra ). Contudo, não há notícias de
medidas de proteção adotadas a seu favor durante todo o processo judicial. A esse
respeito, Antonio Francisco da Silva, apesar de ter sido convocado para a primeira
sessão do Tribunal do Júri marcada para maio de 2002, não compareceu e não
justificou sua ausência. Além disso, Luzia Batista da Silva, também convocada para
prestar depoimento na mesma sessão, não foi encontrada em sua residência e consta
dos autos que um vizinho dela informou que ela havia morrido.

98. A esse respeito, a Corte observa que, além de ter tomado conhecimento da
morte da testemunha ocular Luzia Batista da Silva, durante a fase de exame do caso

158
Veja. _ Parecer pericial de Renan Kalil durante audiência pública deste caso.
159
Veja. _ Versão escrita do laudo pericial de Renan Kalil datado de 20 de abril de 2022 (expediente
de prova, fls. 8.694 a 8.712).
160
Veja. _ Perícia de Fernando Michelotti, supra (expediente de prova, folhas 7.253 a 7.263).
161
Cf. Perícia de Carlos Eduardo Gaio, supra (expediente de prova, folhas 7.286 a 7.300).
162
Cf. Declaração de Darci Frigo, supra (expediente de prova, fls. 6.722 a 6.727).
163
Cf. Declaração de José Batista Golçalves Afonso de 10 de março de 2022 (expediente de prova,
folhas 7.175 a 7.177).
164
Cf. Adendo à Representação de Custódia Preventiva assinado pelo Comissário de Polícia, datado
de 6 de agosto de 1982 (expediente de prova, folhas 2.244 a 2.247). Ver, também, nota 78 supra .
165
Cf. Declaração prestada por Antonio Francisco da Silva, supra (expediente de prova, folha 196),
e Declaração prestada por Antonio Francisco da Silva em 19 de julho de 1982 (expediente de prova, folha
2.234).
pelo Tribunal do Júri, em 2002 166, e da morte do acusado J.P.N. 167, durante a fase
de “ pronunciamento ” da decisão , não há registro nos autos de que as autoridades
estaduais tenham investigado as circunstâncias dessas mortes e sua possível relação
com o processo penal. Esta grave omissão do Estado agrava o sentimento de
impunidade e afecta a confiança dos indivíduos no Judiciário.

99. Em relação ao dever de esgotar todas as linhas de investigação e praticar


todos os atos investigativos necessários à identificação dos responsáveis, o Tribunal
alerta que, na decisão de “ pronúncia ”, de agosto de 2000, o juiz decidiu que a
apresentação do caso perante o Tribunal do Júri em relação ao COS, por ausência de
provas, apesar de o relatório final do inquérito policial conter provas suficientes de
sua participação no crime; que o Promotor do caso observou que o Sr. Oliveira de
Sousa não havia sido submetido ao exame de reconhecimento pela testemunha
ocular, Luzia Batista da Silva, nem por Neuzila Jardim Cerqueira, que acompanhou
Gabriel Sales Pimenta por ocasião de sua morte., e que COS era conhecido como
atirador do JPN na região 168, possivelmente sendo o autor dos disparos. Assim, o
Tribunal constata que nunca foi esclarecida a identidade do indivíduo que disparou
sobre Gabriel Sales Pimenta .

100. Por outro lado, a Corte observa a ausência, em diferentes momentos


processuais, de medidas suficientes para garantir o desenvolvimento do processo e
o surgimento do MCN. Nesse sentido, foi possível verificar que o Estado não agiu com
a devida diligência na execução dos mandados de prisão expedidos durante o
julgamento, de forma que não foi possível impedir a fuga dos acusados aos quais foi
ordenada a prisão preventiva. O Tribunal confirma a ausência de medidas por parte
do Estado, embora o paradeiro do acusado M.C.N. fosse amplamente conhecido 169.
A título de exemplo, após algumas ausências de M.C.N. em atos processuais que
exigiam sua presença 170, o Ministério Público solicitou contra ele a prisão preventiva,
em 23 de abril de 2002 (vinte anos após a morte de Gabriel Sales Pimenta), mas
apenas Dada a omissão do réu em comparecer à primeira sessão do Tribunal do Júri,
convocada para 23 de maio de 2002, o juiz competente decretou o despacho
solicitado 171. No entanto, confirma-se que não houve nenhuma medida para deter
M.C.N. nos três anos seguintes. Verifica-se que, apenas quatro anos depois, em

166
Veja. _ Certidão assinada pelo Oficial de Justiça, datada de 21 de maio de 2002 (expediente de
prova, fl. 2.534).
167
Luzia Batista identificou o JPN como condutor do carro utilizado no homicídio de Gabriel Sales
Pimenta. Veja. _ Declaração prestada por Luzia Batista da Silva, supra (expediente de prova, folhas 2.226
a 2.228); Certidão de reconhecimento do JPN por Luzia Batista da Silva, datada de 2 de agosto de 1982
(expediente de prova, fls. 2.273 a 2.274), e Certidão de novo interrogatório da informante Luzia Batista
da Silva, datada de 13 de julho de 1983 (expediente de prova, fls. 2276 a 2279).
168
Veja. _ Relatório emitido pelo Comissário de Polícia, supra (expediente de prova, folhas 2.264 a
2.267).
169
A título de exemplo, durante a audiência pública realizada em 22 de março de 2022, tanto o Sr.
Rafael Sales Pimenta quanto o perito Dissenha fizeram referência a um relatório amplamente divulgado
na revista Isto É, de 12 de novembro de 1986, que continha uma fotografia do acusado ao lado de seu
irmão, o então Governador de Minas Gerais, e o então Presidente da República.
170
Desde a primeira audiência marcada para 27 de dezembro de 1983, o MCN não compareceu. O
mesmo aconteceu com mais seis audiências. Cf. Convocação por edital do MCN e COS para audiência de
27 de abril de 1984 (expediente de prova, folha 2.340), Certidão do oficial de justiça de 22 de dezembro
de 1983 (expediente de prova, folha 2.331), Resoluções expedidas em 24 de agosto e novembro 22 de
agosto de 1984 (expediente de prova, fls. 2.348 a 2.351); e Editais de 5 de agosto de 1985 e 19 de março
de 1986 (expediente de prova, fls. 2.352 a 2.353).
171
Cf. Ordem de prisão preventiva nº 0272/2002, de 23 de maio de 2002 (expediente de prova, fl.
2.541); Decisão proferida pelo juiz de direito nomeado em 23 de maio de 2002 (expediente de prova, fls.
2.536 a 2.538).
fevereiro de 2006 172, por ordem do juiz, foi formada uma equipe da Polícia Federal
para localizar os acusados 173.

101. Por outro lado, o Tribunal considera que o envio do processo penal sobre a
morte de Gabriel Sales Pimenta para o então recém-criado Tribunal Agrário, em
Fevereiro de 2004 - onde permaneceu durante um ano e cinco meses, apesar de a
competência para julgar crimes dolosos contra a vida correspondia evidentemente
ao Tribunal do Júri (nos termos do artigo 5º, literal XXXVIII, “d”, da Constituição
Brasileira) - constituiu mais um fator indicativo da falta da devida diligência do Estado
no presente caso .

102. Por fim, quanto à conclusão do processo penal, o Tribunal considera pertinente
lembrar que, em 8 de maio de 2006, o Tribunal de Justiça do Pará extinguiu a
responsabilidade penal do único acusado, MCN, em aplicação da prescrição,
considerando que teria sido consumada em virtude dos 17 anos decorridos entre a
admissão da denúncia inicial pelo Ministério Público e a decisão de “ pronunciamento
” 174. Assim, passados mais de 23 anos sobre a morte de Gabriel Sales Pimenta, o
processo foi arquivado sem que se conseguisse esclarecer as circunstâncias da sua
morte, nem identificar ou processar todos os responsáveis.

103. Como se depreende das provas constantes dos autos, a atuação lenta e
negligente dos funcionários do sistema judiciário contribuiu definitivamente para que
fosse declarada a prescrição. Com efeito, e a título de exemplo, tendo em conta a
existência de provas suficientes de autoria e de indícios de crime doloso contra a
vida, o atraso na emissão da sentença de “pronúncia” é injustificável (um ano e oito
meses a contar da data do reconhecimento da competência do Tribunal), que não
consiste na condenação, mas apenas na decisão de prosseguir o processo perante
um Tribunal do Júri 175. Conforme considerou o perito Dissenha, a extrema demora
na emissão da sentença de “pronúncia” foi decisiva para que a prescrição ocorresse,
uma vez que se baseou justamente no tempo decorrido entre a decisão de
admissibilidade da reclamação inicial do Ministério Público e a sentença de “
pronúncia ” (17 anos) de que a prescrição poderia ser aplicada a favor do arguido
M.C.N. Outro fator que o Tribunal constata que contribuiu para a aplicação da
prescrição é a falta de medidas concretas e eficientes por parte das autoridades
judiciárias obter o comparecimento do único réu no processo, o que gerou uma série
de atrasos na tramitação do processo 176.

104. Portanto, a Corte considera que a aplicação da prescrição neste caso, com o
consequente arquivamento definitivo do mesmo, não resultou da normal e diligente

172
Veja. _ Ofício nº 45/2006-GAB/DPF.B/MBA/PA assinado pelo chefe da Delegacia da Polícia Federal
em Marabá em 24 de fevereiro de 2006 (expediente de prova, fl. 2.613).
173
O próprio advogado do acusado MCN destacou a negligência das autoridades estaduais em
localizá-lo rapidamente. Cf. Habeas Corpus interposto em nome do MCN perante a Câmara Mista Penal do
Tribunal de Justiça do Pará, em 18 de abril de 2006 (expediente de prova, fl. 2.630).
174
O perito Dissenha esclareceu que, de acordo com as regras relativas à prescrição, o crime em
causa prescreveria em 10 anos, tendo em conta a idade do arguido MCN no momento da “pronúncia” da
pena e que a admissão da denúncia inicial do Ministério Público e a decisão de “ pronúncia ” são duas
causas que interrompem a prescrição, conforme artigo 117 do Código Penal Brasileiro. Veja. _ Perícia de
Rui Carlo Dissenha durante a audiência pública deste caso.
175
Como destacou o perito Dissenha, esse atraso específico foi decisivo para a prescrição e “se a
sentença de acusação tivesse sido proferida alguns anos antes, a prescrição teria sido evitada”. Versão
escrita da perícia de Rui Carlo Dissenha datada de 11 de março de 2022 (expediente de prova, fl. 6.633).
176
Além disso, como destacou o perito Dissenha durante a audiência, até 1996, o Código de Processo
Penal Brasileiro determinava que o processo deveria prosseguir na ausência do acusado que, tendo sido
inicialmente citado ou intimado para qualquer ato do processo, não compareceu sem justificá-lo. Cf. artigo
366 do Código de Processo Penal até sua modificação pela Lei nº 9.271, de 17 de abril de 1996. Isso
significa que após os atos processuais aos quais o Sr. MCN não compareceu e não justificou sua ausência,
o processo deverá continuaram apesar de sua não aparição. Da mesma forma, observa-se que até 1996
a prescrição não era suspensa enquanto o acusado estivesse foragido.
tramitação do processo penal, mas foi o resultado de uma série de ações estatais e
omissões durante o referido processo 177.

105. Por tudo o que foi exposto, a Corte conclui que o Estado não cumpriu sua
obrigação de agir com a devida diligência para investigar de forma séria e completa
a morte do defensor de direitos humanos Gabriel Sales Pimenta.

b.2 Período razoável

106. A Corte indicou que o direito de acesso à justiça em casos de violações de


direitos humanos deve garantir, em um prazo razoável, o direito das supostas vítimas
ou de seus familiares a que sejam feitas todas as ações necessárias para conhecer a
verdade sobre o ocorrido. e investigar, processar e, quando apropriado, punir os
possíveis responsáveis 178. Da mesma forma, uma demora prolongada no processo
pode constituir, por si só, uma violação das garantias judiciais 179.

107. Da mesma forma, a Corte estabeleceu que a avaliação do prazo razoável deve
ser analisada em cada caso concreto, em relação à duração total do processo, que
também poderia incluir a execução da sentença definitiva. Desta forma, considerou
quatro elementos para analisar se a garantia de um prazo razoável foi cumprida, a
saber: (i) a complexidade do assunto 180, ( ii ) a atividade processual do interessado
181
, ( iii ) a conduta das autoridades judiciárias 182e ( iv ) o impacto gerado na situação
jurídica da suposta vítima 183. A Corte recorda que cabe ao Estado justificar, com

177
El perito Dissenha declaró que la prescripción en el proceso penal bajo análisis fue “construida”,
no pudiendo ser vislumbrada como un acto aislado y único, sino consecuencia de una serie de graves y
flagrantes conductas y omisiones por parte de agentes estatales a lo largo de os anos. Veja. _ Perícia
proferida em audiência de Rui Carlo Dissenha, em 22 de março de 2022. Na mesma linha, o perito Kalil
afirmou que “a prescrição em matéria penal determina a extinção da pretensão punitiva em razão do
decurso do prazo e dos limites de prazos”. Em termos gerais, o poder punitivo do Estado para processar
condutas ilícitas e punir aqueles que as cometeram é uma garantia que os juízes devem observar para
todos os acusados de um crime. Porém, quando a referida prescrição ocorre por falta de medidas que o
Estado deveria ter tomado através do Judiciário [...] quando tinha o poder de evitar a prescrição ele nada
faz e isso faz parte de um contexto de violência geral onde os Defensores dos direitos das pessoas também
são intimidados e também a pessoa que reivindica os seus próprios direitos. Considero que a prescrição
[…] não foi pensada para isso, que não deveria ser permitida como mecanismo para perpetuar a
impunidade.” Parecer pericial prestado em audiência por Renan Kalil, em 23 de março de 2022.
178
Cf. Caso Bulacio Vs. Argentina, supra , pára. 114, e Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 130 .
179
Cf. Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros Vs. Trinidad e Tobago . Mérito, Reparações e
Custas. Sentença de 21 de junho de 2002. Série C Nº 94, par. 145, e Caso Digna Ochoa e familiares Vs.
México, supra , par. 130 .
180
No que diz respeito à análise da complexidade do assunto, a Corte levou em consideração, entre
outros critérios, a complexidade da prova, a pluralidade de assuntos processuais ou o número de vítimas,
o tempo decorrido desde que tomou conhecimento do fato que deveria ser investigado, as características
do recurso contido na legislação interna e o contexto em que ocorreu a violação. Cf. Caso Genie Lacayo
Vs. Nicarágua. Exceções Preliminares . Sentença de 27 de janeiro de 1995. Série C Nº 21, par. 78, e Caso
Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 131 e nota de rodapé 206.
181
Quanto à atividade do interessado na obtenção de justiça, a Corte levou em consideração se a
conduta processual do interessado contribuiu em algum grau para prolongar indevidamente a duração do
processo. Veja. _ Caso Cantos Vs. Argentina, supra , par. 57, e Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México,
supra , par. 131 e nota de rodapé 207.
182
O Tribunal entendeu que, para alcançar plenamente a eficácia da pena, as autoridades judiciárias
devem agir com rapidez e sem demora, porque o princípio da tutela judicial efetiva exige que os
procedimentos de execução sejam realizados sem obstáculos ou atrasos indevidos. atingir seu objetivo de
forma rápida, fácil e abrangente. Cf. Caso Mejía Idrovo Vs. Equador. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 5 de julho de 2011. Série C Nº 228 , par. 106, e Caso Digna Ochoa e
familiares Vs. México, supra , par. 131 e nota de rodapé 208.
183
A Corte afirmou que para determinar a razoabilidade do prazo deve-se levar em conta o impacto
gerado pela duração do procedimento na situação jurídica da pessoa envolvida, considerando , entre outros
elementos, o objeto da controvérsia. Cf. Caso Associação Nacional de Desempregados e Aposentados da
Superintendência Nacional de Administração Tributária (ANCEJUB-SUNAT) Vs. Peru , supra , par. 148, e
Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 131 e nota de rodapé 209.
base nos critérios indicados, o motivo pelo qual exigiu o tempo decorrido para tratar
dos casos e, caso não o prove, a Corte dispõe de amplos poderes tomar a sua decisão
.avaliação própria a este respeito 184. A Corte também reitera que deve ser apreciada
a duração total do processo, desde o primeiro ato processual até a prolação da
sentença final, incluindo os eventuais recursos que eventualmente possam ser
interpostos 185.

108. Quanto à complexidade do assunto e à conduta das autoridades, o Tribunal


alerta que se trata de um caso com alguma complexidade, exigindo, entre outras
coisas, a recolha de um determinado número de provas, a análise atenta e minuciosa
do local do crime , perícias complexas e sujeitas a um procedimento mais lento por
sua própria natureza, de acordo com as regras do processo penal brasileiro 186.
Apesar disso, verifica-se que houve apenas uma vítima cujo corpo se encontrava à
disposição das autoridades policiais, havia duas testemunhas oculares preparadas
para prestar depoimento, o local onde ocorreram os factos era de fácil acesso e os
principais suspeitos eram conhecidos pessoas na região.

109. Da mesma forma, a Corte também considera injustificável a demora excessiva


na tramitação do processo penal, diretamente atribuível à conduta das autoridades
de administração da justiça , 187segundo ao que foi analisado no capítulo anterior.
Neste sentido, a Corte constata atrasos excessivos nas diferentes etapas processuais,
tais como, entre outras: (i) quase dois anos entre a data do reconhecimento da
competência da Corte (dezembro de 1998), após a apresentação das últimas peças
finais escritas, e a sentença “ pronunciar” (agosto de 2000); ( ii ) oito meses entre a
sentença “ pronunciada” (Agosto de 2000) e a sua notificação ao arguido MCN (Maio
de 2001); ( iii ) mais de nove meses entre o pedido do Ministério Público para extinção
da pena do acusado JPN, por sua morte (23 de novembro de 1999), e a resolução do
juiz que a decretou (31 de agosto de 2000); ( iv ) a paralisação do processo durante
quase quatro anos, entre 2002 e 2006, devido à contumácia do arguido M.C.N., e (v)
um ano e quatro meses entre a remessa do processo ao Tribunal Agrário (20 de
fevereiro de 2006). 2004) e seu retorno ao Juízo Penal (28 de julho de 2005).

110. Da mesma forma, em relação à conduta processual das vítimas, a Corte


verifica que não se observa nenhuma conduta dilatória ou obstrutiva por parte dos
familiares de Gabriel Sales Pimenta; Pelo contrário, o Irmão Rafael Sales Pimenta
qualificou-se como “assistente de acusação”. sempre que possível e as suas
intervenções visaram apenas acelerar o desenvolvimento do processo 188.

111. Finalmente, no que diz respeito ao impacto gerado na situação jurídica das
pessoas envolvidas no processo, este Tribunal estabeleceu que, se a passagem do
tempo tiver um impacto significativo na situação jurídica da pessoa física, será
necessário que o procedimento avançar com maior diligência para que o caso seja
resolvido em pouco tempo 189. No presente caso, a Corte observa que, no caso de
um defensor de direitos humanos, especialmente um advogado de trabalhadores

184
Cfr. Caso Anzualdo Castro Vs. Peru. Exceção Preliminar, Fundo, Reparos e Custas . Sentença de
22 de setembro de 2009. Série C nº. 202, par. 156, e Caso Digna Ochoa e Família vs. México, supra , par.
131.
185
Cfr. Suárez Rosero vs. Equador. Reparos e Custos . Sentença de 20 de janeiro de 1999. Série C
nº. 44, par. 71, e Caso Digna Ochoa e Família vs. México, supra , par. 131 .
186
Veja. _ Versão escrita da perícia de Rui Carlo Dissenha, supra (expediente de prova, fl. 6.641).
187
A conclusão do perito Dissenha, ao analisar criteriosamente cada ato processual praticado neste
caso, vai no mesmo sentido: “a excessiva duração do processo deveu-se à responsabilidade única e
absoluta” das autoridades judiciárias . Versão escrita da perícia de Rui Carlo Dissenha, supra (expediente
de prova, fl. 6.643).
188
Cf. Versão escrita da perícia de Rui Carlo Dissenha, supra (expediente de prova, fl. 6.642).
189
Cfr . Case Valley Jaramillo et al vs. Colômbia, supra , par. 155, e Caso Digna Ochoa e Família vs.
México, supra , par. 135.
rurais num contexto de violência e impunidade, as autoridades judiciais deveriam ter
atuado com maior diligência e rapidez no contexto da execução dos atos processuais,
pois dependia dessas ações judiciais para investigar e apurar a veracidade do
ocorrido, sendo muito provável que o Sr. Gabriel Sales Pimenta tenha sido vítima de
morte violenta vinculada à sua atividade como defensor de direitos humanos, o que
poderia ser interpretado como uma mensagem de ataque direto ao grupo de
defensores dos direitos humanos.

112. Quanto às supostas violações ocorridas no âmbito da ação indenizatória contra


o estado do Pará movida pelos familiares de Gabriel Sales Pimenta, a referida ação
foi ajuizada por sua mãe em 2007, após decisão final do processo penal. Contudo, o
respetivo processo demorou quase 14 anos a concluir, culminando com a decisão da
sua inadmissibilidade. A demora excessiva também se deve à conduta negligente das
autoridades judiciais. A título de exemplo, passaram-se quatro anos entre o
ajuizamento da ação e a decisão da primeira instância (5 de outubro de 2011), e
quase mais 10 anos se passaram entre esta e a decisão final proferida pelo Superior
Tribunal de Justiça.

113. Assim, tendo em conta as considerações anteriores, e porque decorreram


quase 24 anos desde os factos do presente caso até à decisão que extinguiu o
processo penal, e mais de 7 anos desde a data do reconhecimento da competência
do Tribunal até à referida decisão final do processo penal, bem como a passagem de
quase 14 anos na tramitação do processo cível, o Tribunal conclui que o Brasil violou
o prazo razoável na investigação e tramitação do processo penal relacionado ao
homicídio do defensor dos direitos humanos Gabriel Sales Pimenta.

b. 3 Direito à verdade

114. Este Tribunal expressou que “ toda pessoa, incluindo os familiares das vítimas
de graves violações de direitos humanos, tem o direito de saber a verdade [sobre
eles]”, o que implica que “devem ser informados de tudo o que aconteceu em relação
para eles . ”para tais violações 190. ” O direito à verdade relaciona-se, de modo geral,
com o direito do Estado de realizar ações destinadas a alcançar “o esclarecimento
dos factos violadores e das correspondentes responsabilidades ” 191. A satisfação
deste direito interessa não só às famílias das vítimas, mas também à sociedade como
um todo, o que facilita a prevenção deste tipo de violações no futuro 192.

115. A autonomia e a amplitude do direito à verdade, que não é reconhecido


literalmente na Convenção Americana, mas está vinculado a diversas disposições do
tratado, também foram consagrados na jurisprudência desta Corte. Em relação a
isso, de acordo com as circunstâncias do caso, a violação do direito pode estar
relacionada a diversos direitos expressamente reconhecidos na Convenção 193, como
os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, reconhecidos pelos artigos 8 e

190
Cfr. Trujillo Oroza vs. Bolívia. Reparos e custos. Sentença de 27 de fevereiro de 2002 . Série C
Não. 92, par. 100, e Caso Maidanik e outros vs. Uruguai, supra , par. 176. Na mesma linha, Caso Barbosa
de Souza e outros Vs. Brasil , supra, par. 134.
191
Cfr. Caso Gomez Palomino vs. Peru, supra , par. 80; Caso Chitay Nech e outros vs. Guatemala.
Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos . Acórdão de 25 de maio de 2010. Série C nº. 212, par.
206, e Caso Villaseñor Velarde e outros Vs. Guatemala. Fundo, Reparos e Custos . Acórdão de 5 de
fevereiro de 2019. Série C nº. 374, par. 110.
192
Mutatis mutandis Caso Gomez Palomino vs. Peru, supra , par. 78.
193
Cfr. Trujillo Oroza vs. Bolívia , supra, par. 100, e Caso Maidanik e outros vs. Uruguai, supra , par.
176.
25 do tratado 194
, ou o direito de acesso à informação, protegido pelo seu artigo 13
195
.

116. No presente caso, a morte violenta do Sr. Sales Pimenta foi enquadrada num
contexto de um nível exacerbado de homicídios contra trabalhadores rurais e
defensores dos seus direitos , acompanhado de uma situação generalizada de
impunidade relativamente a este tipo de crimes e precedida de inúmeras ameaças.
.dirigido contra a suposta vítima. Nessa medida, o esclarecimento do homicídio e das
correspondentes responsabilidades não só foi importante para a família de Gabriel
Sales Pimenta, mas também teve uma dimensão colectiva, pois a falta de
esclarecimento das circunstâncias da morte violenta do Sr. geraria um efeito
intimidador para os defensores dos direitos humanos, para os trabalhadores rurais e
para a sociedade como um todo.

117. Além do exposto, a Corte verifica que o caso se encontra até hoje em situação
de absoluta impunidade. Isto porque as circunstâncias da morte de Gabriel Sales
Pimenta não foram esclarecidas, apesar da identificação de três suspeitos e da
existência de duas testemunhas oculares, e de outros meios de prova que estavam
à disposição das autoridades estaduais.

118. Assim, passados quase 40 anos do assassinato de Gabriel Sales Pimenta, não
foi possível apurar a veracidade do sucedido, apesar da abundância de elementos
probatórios e do dever de diligência reforçada que o Estado teve na investigação dos
crimes. este caso. Assim, a Corte entende que o Brasil violou o direito à verdade em
detrimento dos familiares do senhor Sales Pimenta.

b.4 Conclusão

119. As graves deficiências do Estado nas investigações da morte de Gabriel Sales


Pimenta identificadas neste capítulo, implicaram o descumprimento do dever de
diligência reforçada para investigar crimes cometidos contra defensores de direitos
humanos, bem como a flagrante violação da garantia do prazo razoável. Além do
exposto, a Corte verifica que o caso se encontra até hoje em situação de absoluta
impunidade. Isto porque as circunstâncias da morte de Gabriel Sales Pimenta não
foram esclarecidas, apesar da identificação de três suspeitos e da existência de duas
testemunhas oculares e de outros meios de prova que estavam à disposição das
autoridades estaduais. O Brasil não conseguiu identificar o autor do tiroteio contra o
Sr. Sales Pimenta, nem punir todos os responsáveis.

120. Diante das considerações anteriores, a Corte conclui que o presente caso está
inserido no contexto de impunidade estrutural relacionada a ameaças, homicídios e
outras violações de direitos humanos contra trabalhadores rurais e seus defensores
no estado do Pará ( supra parágrafos . 47 a 51). Ao mesmo tempo, esta impunidade
estrutural reflete-se na falta de diligência analisada no caso em estudo. Com efeito,
como se depreende dos autos, a grave negligência dos operadores judiciários na
tramitação do processo penal, que permitiu o funcionamento da prescrição, foi o fator
determinante para que o caso permanecesse em situação de absoluta impunidade .

121. Em virtude do exposto ao longo deste capítulo, a Corte considera que o Estado
do Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial estabelecidos

194
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Fundo, pára. 181, e Caso Maidanik e outros Vs.
Uruguai, supra , par. 176.
195
No presente caso, esta Corte não encontra apoio para examinar o artigo 13 da Convenção
Americana, uma vez que não existem elementos no quadro factual estabelecido pela Comissão que digam
respeito ao acesso à informação.
nos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do referido
tratado, ao em detrimento da Sra. Maria da Glória Sales Pimenta e dos Srs. Geraldo
Gomes Pimenta, Sérgio Sales Pimenta, Marcos Sales Pimenta, José Sales Pimenta,
Rafael Sales Pimenta, André Sales Pimenta e Daniel Sales Pimenta. Da mesma forma,
a Corte conclui que o Estado violou o direito à verdade, em prejuízo dos mencionados
familiares do senhor Sales Pimenta, com base na transgressão dos artigos 8.1 e 25.1
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação à sua artigo 1.1.

VIII-2
DIREITO DE INTEGRIDADE PESSOAL,
EM RELAÇÃO AO DEVER DE RESPEITAR E GARANTIR OS DIREITOS 196

A. Argumentos das partes e da Comissão

122. A Comissão considerou que a perda de um ente querido num contexto de


violência, combinada com a impunidade resultante de um processo duradouro,
constitui uma violação da integridade psicológica e moral da família de Gabriel Sales
Pimenta.

123. Os representantes alegaram que o Estado violou o direito à integridade


pessoal dos familiares de Gabriel Sales Pimenta devido ao sofrimento causado por
seu assassinato, à falta de uma investigação eficaz, à falta de julgamento dos
responsáveis e à impunidade em que se encontram os perpetradores. seriam
encontrados. Apontaram que durante os 23 anos que durou o processo penal, os
familiares tiveram sentimentos de angústia, frustração, desamparo, raiva,
insegurança e desesperança. A saber, o pai e a mãe (falecida) do Sr. Sales Pimenta,
“mudaram completamente o temperamento e perderam totalmente a alegria de
viver”.

124. O Estado argumentou que a suposta violação decorrente do homicídio do


senhor Sales Pimenta está fora da jurisdição ratione temporis da Corte. Argumentou
que, relativamente à falta de uma investigação eficaz e à ausência de punição dos
responsáveis, não se pode basear em “simples” suposições de que houve uma
alegada falta de proteção judicial para que possa ser enquadrada como uma
hipotética violação de direitos humanos . Artigo 5 da Convenção Americana.
Acrescentou que, caso a falta de tutela jurisdicional não esteja prevista no referido
artigo, a regra não poderá ser aplicada no caso concreto. Por outro lado, reiterou que
, ao longo do processo, praticou atos cabíveis de intimação, acusação, instrução e
decisão. Além disso, devido às circunstâncias adversas, a busca dos presos
contumazes não acarretou atraso injustificado no processo penal ou civil. Da mesma
forma, destacou a necessidade de que os familiares indiretos, identificados como
supostas vítimas, comprovem o impacto em sua integridade pessoal, para o que
solicitou que o acervo probatório seja analisado para esse fim.

B. Considerações do Tribunal de Justiça

125. A Corte considerou, em repetidas ocasiões, que os familiares das vítimas de


violações dos direitos humanos podem, por sua vez, ser vítimas 197. Esta Corte
considerou que o direito à integridade mental e moral dos “familiares imediatos” das
vítimas e de outras pessoas com vínculos estreitos com essas vítimas pode ser
declarado violado, devido ao sofrimento adicional que sofreram em consequência das
circunstâncias particulares. pelas violações cometidas contra seus entes queridos e

196
Artigos 1.1 e 5 da Convenção Americana.
197
Veja. _ Caso Castillo Páez Vs. Peru. Fundo. Sentença de 3 de novembro de 1997. Série C Nº 34,
quarto ponto resolutivo, e Caso Maidanik e outros. Uruguai, supra , par. 185.
pelas subsequentes ações ou omissões das autoridades estatais em relação a estes
acontecimentos 198, tendo em conta, entre outros, os esforços envidados para obter
justiça e a existência de um estreito vínculo familiar 199.

126. Levando em consideração o exposto, conforme observado através do exame


do acervo probatório do presente caso, os familiares de Gabriel Sales Pimenta
acompanharam e participaram ativamente, na qualidade de “assistentes de
acusação”, no processo penal instaurado em decorrência de sua homicídio 200desde
o início, e enviaram esforços para seu avanço e conclusão. Apesar disso, o referido
processo, conforme referido anteriormente, foi concluído quase 24 anos após os
factos, apenas com a declaração de extinção da responsabilidade penal, por
prescrição, a favor do único arguido sobrevivente. Além disso, confirma-se que a
duração das investigações e do processo penal sem qualquer sanção dos
responsáveis pela morte violenta e a falta da devida diligência causaram sofrimento
e angústia aos referidos familiares em detrimento de sua integridade mental e moral.
Ou seja, a impunidade absoluta em torno do assassinato de Gabriel Sales Pimenta
constitui um fator chave para afetar a integridade pessoal de cada membro da família
de Gabriel Sales Pimenta.

127. Nesse sentido, Rafael Sales Pimenta, irmão do Sr. Sales Pimenta que esteve
especialmente envolvido no acompanhamento das investigações, destacou os
estreitos laços de afeto e “confiança solidária” que permeavam a relação familiar
entre ele, seus seis irmãos, sua mãe e seu 201pai Salientou que ele e os seus irmãos
tiveram “uma juventude muito bonita, maravilhosa” e que a sua relação com Gabriel
Sales Pimenta era excelente e que este último era um exemplo para ele, e acreditava
nisso, igualmente, para todos os irmãos 202. Quanto ao impacto para ele e sua família
causado pelas falhas do Estado nos processos criminais e cíveis instaurados neste
caso, bem como pela situação de impunidade em que se encontra o caso, Rafael
Sales Pimenta sustentou que

Isso nos afetou profundamente [...], até hoje, todos nós, sem exceção. Meu pai e minha
mãe mudaram a forma de ver a vida; Eles não viam mais a possibilidade de punir os
culpados nesta vida através do sistema judicial, e os irmãos, cada um com sua
personalidade, vivem e vivenciam essas dificuldades pelo resto da vida 203.

[…] há 40 anos que procuramos justiça. No dia 18 de julho completam-se 40 anos de


seu assassinato e o Estado brasileiro nada fez a respeito 204.

128. Da mesma forma, Sérgio Sales Pimenta 205, Marcos Sales Pimenta 206, André
Sales Pimenta 207e Daniel Sales Pimenta 208descreveram uma relação amorosa entre
eles e seu irmão Gabriel. A Corte pôde observar o envolvimento de cada um deles
com os fatos descritos neste caso e a dor e o sofrimento que causaram.

198
Cf. Caso Blake Vs. Guatemala. Fundo. Sentença de 24 de janeiro de 1998. Série C Nº 36, par.
114, e Caso Manuela e outros Vs. El Salvador. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas .
Sentença de 2 de novembro de 2021. Série C Nº 441, par. 262 .
199
Cf. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Fundo. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série
C Nº 70, par. 163, e Caso Manuela e outros Vs. El Salvador, supra , par. 262.
200
O artigo 268 do Código de Processo Penal Brasileiro dispõe que a vítima ou seu representante
legal, entre outros, pode intervir no processo penal para apoiar o Ministério Público . Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm .
201
Cf. Depoimento de Rafael Sales Pimenta durante audiência pública deste caso.
202
Cf. Depoimento de Rafael Sales Pimenta durante audiência pública deste caso.
203
Cf. Depoimento de Rafael Sales Pimenta durante audiência pública deste caso.
204
Cf. Depoimento de Rafael Sales Pimenta durante audiência pública deste caso.
205
Cf. Declaração de Sérgio Sales Pimenta (expediente de prova, folhas 6.671 a 6.672).
206
Cf. Declaração de Marcos Sales Pimenta (expediente de prova, fl. 6.682).
207
Cf. Declaração de André Sales Pimenta (expediente de prova, fl. 6.697).
208
Cf. Declaração de Daniel Sales Pimenta (expediente de prova, fls. 6.710 a 6.711).
129. Daniel Sales Pimenta, por sua vez, descreveu o sentimento de impotência
vivenciado ao receber a notícia da tramitação do processo criminal 209.

130. Por sua vez, André Sales Pimenta mencionou a criação de um site com
recortes e outros materiais sobre a vida do Sr. Gabriel Sales Pimenta, porém, desistiu
ao perceber que o processo criminal não avançava. Ele narrou que ficava muito
frustrado a cada novo resultado negativo no processo criminal, que perdia as
esperanças e que até hoje sente uma grande frustração. Por outro lado, destacou
que num primeiro momento o seu irmão José Sales Pimenta acompanhou mais de
perto o processo 210.

131. Sobre o impacto causado aos familiares de Gabriel Sales Pimenta, a perita
Cristina Barros Mauer concluiu que o seu pai, Geraldo Gomes Pimenta, já falecido,
“ficou enclausurado para o resto da vida, tornando-se menos sociável e
comunicativo”, enquanto a sua mãe, Maria da Glória Sales Pimenta, também já
falecida, embora não tenha podido comparecer ao funeral do filho, devido à enorme
dor, após “a morte de Gabriel, [...] ela intensificou sua militância, comprometendo-
se pelo resto da vida com o “Ela luta para responsabilizar os responsáveis pela morte
de seu filho e na luta pelos direitos humanos 211. ” Tanto a mãe como o pai de Gabriel
Sales Pimenta faleceram sem terem recebido resposta do Estado sobre o assassinato
do filho ou indenização pela omissão do Estado.

132. Sobre a situação de impunidade do caso, Marcos Sales Pimenta sustentou


que:
Cada um tem seu comportamento particular, mas o sentimento que a gente sempre
teve, que era comum, é de indignação. Primeiro porque morreu, segundo porque
morreu assim, terceiro por impunidade. Então, essa dor, esse desconforto que isso
causa na gente. Isto é o que sentimos e ainda sentimos hoje 212.

133. A perícia prestada pela senhora Barros Mauer corroborou as afirmações dos
irmãos de Gabriel na medida em que o perito concluiu, entre outras coisas , que:

Os efeitos do trauma sofrido perpetuaram-se na família, modificando o curso de vida


de cada um de seus membros. Por outro lado, por depender de medidas estatais, a
família permaneceu na mesma situação em que se encontram muitas outras famílias
afetadas por violações dos direitos humanos: esperam há muitas décadas uma resposta
das autoridades judiciais do seu país. país 213.

134. Diante das considerações anteriores, a Corte conclui que o Estado violou o
direito à integridade pessoal reconhecido no artigo 5.1 da Convenção Americana, em
relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento da senhora Maria da
Glória Sales Pimenta. e os Srs. Geraldo Gomes Pimenta, Sérgio Sales Pimenta,
Marcos Sales Pimenta, José Sales Pimenta, Rafael Sales Pimenta, André Sales
Pimenta e Daniel Sales Pimenta.

IX
REPAROS

209
Cf. Declaração de Daniel Sales Pimenta , supra (expediente de prova, fl. 6.776).
210
Cf. Declaração de André Sales Pimenta , supra (expediente de prova, fl. 6.702).
211
Cf. Perícia de Cristina Mair Barros Mauer de 8 de março de 2022 (expediente de prova, fl. 7.277).
212
Cfr. Declaração de Marcos Sales Pimenta na audiência pública de 22 de março de 2022
(expediente de prova, fl. 6.692).
213
Cfr. Perícia de Cristina Mair Barros Mauer, supra (expediente de prova, fl. 7.280).
135. Com base no disposto no artigo 63.1 da Convenção Americana, a Corte indicou
que qualquer violação de uma obrigação internacional que tenha causado um dano
implica o dever de repará-lo adequadamente, e que esta disposição inclui uma norma
consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do Direito
Internacional contemporâneo sobre a responsabilidade de um Estado 214.

136. A reparação do dano causado pelo descumprimento de uma obrigação


internacional exige, sempre que possível, a restituição integral ( restitutio in integrum
), que consiste no restabelecimento da situação anterior. Caso isso não seja viável,
como acontece na maioria dos casos de violações de direitos humanos, este Tribunal
determinará medidas para garantir os direitos violados e reparar as consequências
que as violações produziram 215. Portanto, a Corte considerou a necessidade de
conceder diversas medidas de reparação, a fim de compensar os danos de forma
integral, para que, além da indenização pecuniária, as medidas de restituição,
reabilitação, satisfação e garantias de não repetição tenham especial relevância para
os danos causados 216.

137. Esta Corte estabeleceu que as reparações devem ter nexo causal com os fatos
do caso, as violações declaradas, os danos comprovados, bem como com as medidas
solicitadas para reparar os respectivos danos. Portanto, a Corte deverá observar tal
concordância para decidir de maneira adequada e conforme a lei 217.

138. Levando em conta as violações da Convenção Americana declaradas nos


capítulos anteriores , à luz dos critérios estabelecidos na jurisprudência da Corte em
relação à natureza e ao alcance da obrigação de reparar 218, a Corte analisará as
reclamações apresentadas pela Comissão e pelo representantes, bem como os
argumentos do Estado a esse respeito, para posteriormente ordenar as medidas para
reparar tais violações.

A. Parte lesada

139. A Corte reitera que qualquer pessoa que tenha sido declarada vítima da
violação de qualquer direito nela reconhecido é considerada parte lesada, nos termos
do artigo 63.1 da Convenção. Portanto, o Tribunal considera como “lesado” Geraldo
Gomes Pimenta 219, Maria da Glória Sales Pimenta 220, Sérgio Sales Pimenta, Marcos
Sales Pimenta, José Sales Pimenta 221, Rafael Sales Pimenta, André Sales Pimenta e
Daniel Sales Pimenta , que em suas das violações declaradas no Capítulo VIII, serão
beneficiários das reparações que a Corte ordenar.

B. Obrigação de investigar os fatos e identificar, processar e, se for caso


disso, punir os responsáveis

214
Cfr. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Reparos e Custos . Sentença de 21 de julho de
1989. Série C nº. 7, pars. 24 e 25, e Caso Pavez Pavez Vs. Chile, supra , par. 161.
215
Cfr. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras , supra, par. 26, e Caso Pavez Pavez vs. Chile, supra
, par. 162.
216
Cfr. Caso Cantoral Benavides Vs. Peru. Reparos e Custos . Sentença de 3 de dezembro de 2001.
Série C nº. 88, par. 79 a 81, e Pavez Pavez vs. Chile, supra , par. 162.
217
Cfr. Ticona Estrada vs. Bolívia. Fundo, reparos e custos. Sentença de 27 de novembro de 2008.
Série C nº. 191, par. 110, e Pavez Pavez vs. Chile, supra , par. 163.
218
Cfr. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Reparos e Custas, supra , pars. 25 e 26, e Caso Pavez Pavez Vs. Chile, supra
, par. 164 .
219
Ele faleceu em data anterior à submissão do caso ao Tribunal.
220
Ele faleceu em data anterior à submissão do caso ao Tribunal.
221
Ele faleceu em data anterior à submissão do caso ao Tribunal.
140. A Comissão solicitou que a Corte ordene ao Estado que realize e conclua a
investigação de maneira diligente e eficaz, dentro de um prazo razoável, a fim de
esclarecer completamente os fatos, indicar todas as responsabilidades materiais e
intelectuais possíveis nos diferentes níveis de decisão e execução., e impor sanções
que correspondam às violações dos direitos humanos, e adotar todas as medidas
pertinentes para proteger testemunhas e outros participantes no processo, se
necessário. A Comissão indicou que a prescrição dos atos e supostas omissões do
Estado não pode ser invocada para justificar o descumprimento desta medida.

141. Os representantes solicitaram que a Corte ordene ao Estado i) que


investigue os fatos através de instituições imparciais, independentes e competentes
dentro de um prazo razoável, e a todas as pessoas envolvidas no caso (autores
materiais, intelectuais e cúmplices) que participaram indiretamente. ou imediato nas
ameaças e no homicídio de Gabriel Sales Pimenta, identificando, investigando e
processando judicialmente os possíveis responsáveis; ii ) investigar e,
eventualmente, punir quem agiu de forma omissa, negligente ou leniente quanto aos
deveres de investigar e punir seu homicídio, promovendo assim a impunidade dos
responsáveis; iii ) adotar todas as medidas de proteção às testemunhas e demais
atores do processo, se necessário, e iv ) garantir o acesso e a capacidade de atuação
da família de Gabriel Sales Pimenta em todas as etapas do processo. Os
representantes também solicitaram que a Corte recorde ao Estado que a prescrição
não impossibilita o cumprimento desta medida. Por fim, solicitaram à Corte que
ordene ao Estado que divulgue pública e amplamente os resultados das investigações
para que a sociedade brasileira os conheça.

142. O Estado afirmou que as supostas ameaças e morte de Gabriel Sales Pimenta
estão fora da jurisdição temporal da Corte. Indicou que a prescrição foi aplicada de
acordo com a Convenção Americana e o direito interno, portanto afastar-se de sua
declaração seria uma medida inadequada. Acrescentou que não está provado que
tenham existido actos de negligência ou imprudência por parte dos agentes do Estado
e que, pelo contrário, todos os procedimentos foram realizados com rigor no sentido
de identificar os autores e puni-los.

143. A Corte lembra que no presente caso se trata da morte violenta de um


defensor dos direitos humanos que assegurava a defesa da terra dos trabalhadores
rurais, num contexto de impunidade estrutural nos casos de mortes violentas de
defensores dos direitos humanos. No presente caso, é evidente que a grave
negligência dos operadores judiciários em realizar uma investigação séria e eficaz
para esclarecer a verdade do ocorrido com o Sr. Sales Pimenta fez com que a
passagem do tempo se tornasse aliada da impunidade. permitiu operar a prescrição
( pars . 103, 104 e 120 supra ).

144. A Corte reitera que os Estados têm o dever de diligência reforçada diante da
morte violenta de defensores dos direitos humanos devido ao papel essencial que
desempenham para a democracia. No presente caso, o processo não foi desenvolvido
com a devida diligência reforçada, muito pelo contrário; Houve grave negligência por
parte dos operadores judiciários, circunstância que permitiu configurar uma situação
de absoluta impunidade, em sintonia com o contexto da época.

145. A Corte alertou que existe uma situação de impunidade estrutural relacionada
à violência contra os defensores dos direitos humanos dos trabalhadores rurais,
portanto, considera pertinente ordenar ao Estado a criação de um grupo de trabalho
com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias que geram tal impunidade
e desenvolver linhas de ação que permitam corrigi-los.
146. O grupo de trabalho será composto por cinco especialistas com capacidade
técnica, idoneidade moral e conhecimentos específicos para a realização deste
trabalho. Um de seus integrantes será membro do Conselho Nacional de Justiça, que
coordenará o grupo e facilitará sua operação logística. Para a seleção dos quatro
membros restantes, o Estado e os representantes, respectivamente, no prazo de seis
meses, contados da notificação desta Sentença, proporão à Corte uma lista de quatro
peritos independentes, dos quais a Corte selecione dois membros de cada uma das
listas. O grupo de trabalho deve ser financiado pelo Estado. Para cumprir seus
objetivos, consultará órgãos públicos, instituições acadêmicas e organizações da
sociedade civil que possam lhe oferecer informações para a elaboração de seu
relatório. O Estado deve garantir plenamente o acesso à informação necessária para
que o grupo de trabalho desempenhe a sua tarefa. As funções do grupo de trabalho
serão consultivas, orientadoras e complementares às atividades dos órgãos do
Estado, sem prejuízo das funções dos órgãos do Estado.

147. O grupo terá dois anos, contados a partir da sua formação, para apresentar
um relatório final ao Tribunal. O referido relatório será público e deverá ser
disponibilizado aos órgãos estatais e à sociedade civil.

C. Medida de reabilitação

148. A Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado que forneça as medidas
de saúde física e mental necessárias à reabilitação dos familiares de Gabriel Sales
Pimenta, se assim o desejarem e “com o seu acordo”.

149. Nas alegações finais escritas, os representantes solicitaram que ordene ao


Estado que garanta o acesso à assistência médica e psicológica especializada no tipo
de “trauma vivido pelas vítimas”, se assim o desejarem e pelo tempo que for
necessário, com base em uma avaliação individual. e fornecer os medicamentos e
tratamentos necessários.

150. O Estado explicou que as supostas vítimas contam com serviços de saúde
gratuitos nas proximidades de suas localidades e de acordo com suas necessidades
específicas, conforme dispõe a legislação interna. Assinalou que os representantes
não declararam que as supostas vítimas tivessem tido algum impedimento ou
buscado atendimento e que, mesmo durante o período de cumprimento das
recomendações da Comissão, os representantes informaram que as supostas vítimas
não tinham necessidades específicas.

151. A Corte observa que, em seu escrito de petições e argumentos, os


representantes não se referiram a nenhuma questão relativa à necessidade das
vítimas de obter qualquer medida de reabilitação. Contudo, considerando que, por
um lado, a Comissão solicitou medidas de reabilitação e que, por outro, os familiares
considerados vítimas sofreram ou sofrem sofrimento adicional em decorrência da
situação de impunidade em que se encontra o assassinato de Gabriel Sales Pimenta
for constatado, em virtude das ações e omissões do Estado em relação ao crime (
pars . 126 supra para 133 ) , a Corte considera oportuno ordenar que o Estado
proporcione tratamento psicológico e/ou psiquiátrico gratuito, de forma imediata,
adequada e eficaz, através de suas instituições especializadas de saúde, aos irmãos
do senhor Sales Pimenta identificados nesta Sentença e que assim o requeiram. . Da
mesma forma, os respetivos tratamentos deverão ser prestados, na medida do
possível, nos centros mais próximos do seu local de residência, durante o tempo que
for necessário, e incluir o fornecimento de quaisquer medicamentos que sejam
necessários. Na prestação de tratamentos devem ser consideradas as circunstâncias
e necessidades particulares de cada vítima, de acordo com o que for acordado com
elas e após avaliação individual 222.

152. Os beneficiários têm o prazo de seis meses, contados da notificação desta


Sentença, para confirmar ao Estado sua intenção de receber tratamento psicológico
e/ou psiquiátrico 223. Caso contrário, o Estado não terá a obrigação de cumprir esta
medida de reabilitação. Por sua vez, o Estado terá o prazo máximo de seis meses,
contados do recebimento da referida solicitação, para efetivamente prestar a atenção
solicitada.

D. Medidas de satisfação

153. A Comissão solicitou a ordenação de medidas de satisfação que considerem


os danos materiais e imateriais causados.

154. Os representantes solicitaram que a Corte ordene ao Estado que tome as


seguintes medidas: i) realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade
internacional e solicitar um pedido público de desculpas, que inclua a
responsabilidade internacional do Estado pela ação e inação, especialmente pela
negação de justiça, que é organizada com a participação das vítimas e inclui a
presença de altas autoridades do setor público e da sociedade civil envolvidas no
combate à violência, bem como promove a sua divulgação nos meios de comunicação
a nível nacional para garantir que essas vítimas quem não pode viajar tem a
oportunidade de participar; ii ) publicar os capítulos relativos aos fatos, ao mérito e
ao dispositivo da Sentença em dois jornais de circulação nacional, e a íntegra da
Sentença no site do Ministério Público e do Poder Judiciário ; iii ) a nomeação de duas
praças com o nome de Gabriel Sales Pimenta, nos municípios de Marabá, no estado
do Pará, e em Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, bem como a instalação de
bustos de Gabriel Sales Pimenta com uma placa de bronze que explica a sua vida,
em cada um deles; iv ) modificar o nome da escola municipal M.C.N. em homenagem
a Gabriel Sales Pimenta e instalar uma placa de bronze na fachada da escola,
explicando a mudança e a história do Sr. Sales Pimenta, bem como abster-se de
nomear novos logradouros públicos com o nome de M.C.N., e v) criar um espaço
público de memória na cidade de Belo Horizonte, com a anuência dos familiares de
Gabriel Sales Pimenta, em que o ativismo dos defensores dos direitos humanos no
Brasil é valorizado, protegido e salvaguardado, incluindo o de Gabriel Sales Pimenta.

155. Posteriormente, nas alegações finais escritas, os representantes afirmaram


que alguns familiares de Gabriel Sales Pimenta solicitaram a construção na cidade de
Marabá, no estado do Pará, de um monumento a Gabriel Sales Pimenta “e demais
defensores de direitos humanos”. , e realizar um filme ou documentário sobre “a vida
e a luta” de Gabriel Sales Pimenta.

156. O Estado indicou que a execução das medidas solicitadas é “excessivamente


invasiva”. Além disso, indicou que não cometeu nenhuma violação de direitos
humanos relacionada com os fatos do presente caso, portanto não há razão para que
a Corte estabeleça as medidas solicitadas.

D.1 Publicação da Sentença

222
Cf. Caso Kawas Fernández Vs. Honduras. Mérito, Reparações e Custas . Sentença de 3 de abril de 2009. Série C Nº 196,
par. 209 , e Caso Maidanik e outros Vs. Uruguai, supra , par. 227.
223
Veja. _ Caso Rosendo Cantú e outro Vs. México. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 31 de agosto de 2010. Série C Nº 216, par. 253, e Caso Maidanik e outros Vs. Uruguai, supra
, par. 229.
157. Esta Corte, como já fez em outros casos 224, ordena que o Estado publique,
no prazo de seis meses a partir da notificação desta Sentença, em fonte legível e de
tamanho adequado: a) o resumo oficial da Sentença elaborado pela Corte , apenas
uma vez, no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do estado do Pará; b) o resumo
oficial desta Sentença elaborado pela Corte, uma única vez, em jornal de ampla
circulação nacional, e c) esta Sentença na íntegra, disponível pelo período de pelo
menos um ano, de forma acessível ao público público, por meio de destaque ( banner)
localizado na página inicial do site do Governo Federal, do Ministério Público e do
Poder Judiciário do estado do Pará. O Estado deverá informar imediatamente esta
Corte sobre o momento em que proceder à realização de cada uma das publicações
publicadas, independentemente do prazo de um ano para apresentar seu primeiro
relatório, em conformidade com o indicado no parágrafo dispositivo 19 desta
Sentença.

D.2 Ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional

158. Para reparar os danos causados às vítimas e evitar que acontecimentos como
os do presente caso se repitam, especialmente tendo em conta o assustador efeito
que pode gerar o assassinato de um defensor de direitos humanos e a impunidade
em que se encontra, a Corte considera necessário ordenar ao Estado que realize um
ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos
fatos do presente caso, no prazo de um ano a partir da notificação desta Sentença.
Nesse ato deve ser feita referência às violações dos direitos humanos declaradas nos
parágrafos 119 e 120 desta Sentença. Da mesma forma, deve fazer “um
reconhecimento expresso do trabalho dos defensores dos direitos humanos, bem
como uma condenação expressa de todos os tipos de ataques e crimes cometidos
contra eles” e com respeito à obrigação de devida diligência reforçada que tem todos
os correspondentes 225estados autoridades para prevenir, investigar, processar e
punir os responsáveis por ameaças, assédio e homicídios de defensores dos direitos
humanos. O referido ato deverá ser realizado por meio de cerimônia pública na
presença das vítimas declaradas nesta Resolução, se assim o desejarem, e de altos
funcionários do Estado do Pará e do Governo Federal. Caberá ao Governo local e ao
Governo Federal definir a quem será confiada tal tarefa. Além disso, o Estado deve
convidar organizações da sociedade civil ligadas ao combate à violência agrária no
Brasil 226. A determinação da data, local e modalidades do ato deverá ser consultada
e acordada previamente com as vítimas e/ou seus representantes 227.

159. Além disso, com o objetivo de contribuir para a sensibilização para prevenir e
evitar a repetição de fatos danosos como os ocorridos no presente caso, a Corte
ordena ao Estado que divulgue o referido ato através de algum meio de televisão
aberta de alcance nacional e no meio social. rede de um órgão estadual do Pará 228.

D.3 Atos de preservação da memória

160. No presente caso, foi solicitado que o Estado seja ordenado a nomear duas
praças com o nome de Gabriel Sales Pimenta e a criar um espaço público de memória

224
Cfr . Caso Canales Huapaya e outros Vs. Peru. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos.
Acórdão de 24 de junho de 2015. Série C nº. 296, par. 152, e Pavez Pavez vs. Chile, supra, par. 168.
225
Cfr. C aso Digna Ochoa e Família vs. México, supra , par. 170.
226
Cfr. Caso Cantoral Benavides Vs. Peru. Reparos e Custas, supra , par. 81, e Pavez Pavez vs.
Chile., supra , par. 172.
227
Cfr. Radilla Pacheco vs. Cidade do México. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos .
Sentença de 23 de novembro de 2009. Série C nº. 209, par. 353, e Pavez Pavez vs. Chile, supra , par.
173.
228
Ver, por exemplo, Processo Criminal Miguel Castro Castro Vs. Peru. Fundo, Reparos e Custos .
Sentença de 25 de novembro de 2006. Série C nº. 160, par. 445, e Pavez Pavez vs. Chile. Fundo, reparos
e custos. Acórdão de 4 de fevereiro de 2022. Série C nº. 449, par. 173.
no qual o ativismo dos defensores dos direitos humanos no Brasil seja valorizado,
protegido e salvaguardado, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta ( par. 154 supra ).

161. Esta Corte considera que os atos de preservação da memória contribuem para
evitar a repetição de acontecimentos danosos e preservar a memória das vítimas 229.
Além disso, a Corte concorda com o afirmado pelo perito neste caso 230, na medida
em que estas medidas servem, por um lado, para “preservar e celebrar” o trabalho
dos defensores dos direitos humanos, e por outro, têm potencial educativo sobre. a
importância do seu trabalho. No presente caso, dado o contexto de violência e
impunidade relacionado à luta pela terra no Brasil, os atos de preservação da
memória também têm um papel na conscientização da sociedade como um todo,
sobre tal situação.

162. Nesse sentido, o Tribunal ordena ao Estado, no prazo de um ano: 1) que


nomeie no município de Marabá, no estado do Pará, uma praça com o nome de
Gabriel Sales Pimenta . Da mesma forma, em local visível da referida praça, deverá
ser instalada uma placa de bronze indicando o nome completo de Gabriel Sales
Pimenta e explicando brevemente sua vida. Nesse sentido, o breve resumo biográfico
deverá ser consultado e acordado previamente com as vítimas e/ou seus
representantes, e 2) criar um espaço público de memória na cidade de Belo
Horizonte, com o consentimento dos familiares de Gabriel Sales Pimenta, no qual
valoriza, protege e salvaguarda o ativismo dos defensores dos direitos humanos no
Brasil, incluindo o de Gabriel Sales Pimenta.

163. Por fim, no que diz respeito às sínteses biográficas que as placas deverão
conter, caso as partes não cheguem a um consenso sobre o conteúdo e sua extensão,
o Tribunal estabelecerá tal visão de acordo com os fatos comprovados nesta
Sentença.

D.4 Outras medidas de satisfação solicitadas

164. A Corte considera que a emissão desta Sentença, bem como as demais
medidas ordenadas, são suficientes e adequadas para remediar as violações sofridas
pelas vítimas. Assim, não considera necessário ordenar as medidas adicionais de
satisfação solicitadas pelos representantes 231.

165. A Corte adverte que as medidas de satisfação solicitadas pela primeira vez
pelos representantes em suas alegações finais escritas 232não podem ser admitidas
por serem extemporâneas. Consequentemente, o Tribunal não se pronunciará sobre
a questão.

E. Garantias de não repetição

166. A Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado que i) fortaleça o


Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, com foco na prevenção
de atos de violência contra os defensores dos direitos dos trabalhadores rurais no

229
Cfr . Caso 19 Comerciantes vs. Colômbia. Fundo, Reparos e Custos . Sentença de 5 de julho de
2004. Série C nº. 109, par. 273.
230
Cf. Perícia de Laurel E. Fletcher datada de 4 de março de 2022 (expediente de prova, fl. 7.342).
231
As demais medidas solicitadas ( pars. 154 supra ) foram: i) nomear no município de Juiz de Fora, no estado de Minas
Gerais, uma praça com o nome de Gabriel Sales Pimenta; ii) instalar um busto de Gabriel Sales Pimenta nas duas praças que receberão
o nome de Gabriel Sales Pimenta, em Juiz de Fora e Marabá; iii) Modificar o nome da escola municipal do MCN por Gabriel Sales
Pimenta, e abster-se de nomear novos logradouros com o nome do MCN
232
Tais medidas foram: i) erguer um monumento na cidade de Marabá para Gabriel Sales Pimenta “e demais defensores dos
direitos humanos” e ii) realizar um filme ou documentário sobre “a vida e a luta” de Gabriel Sales Pimenta.
Brasil; ii ) um diagnóstico independente, sério e eficaz da situação dos defensores
dos direitos humanos no contexto dos conflitos fundiários com o objetivo de adotar
medidas estruturais que permitam detectar e erradicar as fontes de risco enfrentadas
pelos defensores . O diagnóstico incluirá, entre outros aspectos, uma análise da
distribuição desigual de terras como causa estrutural da violência, e iii ) reforço da
capacidade de investigação de crimes contra defensores dos direitos humanos.

167. Os representantes solicitaram que a Corte ordene ao Estado i) que crie um


protocolo nacional de devida diligência para a investigação de crimes contra
defensores de direitos humanos, que deverá regular de forma abrangente a atuação
dos órgãos envolvidos na investigação de crimes contra defensores de direitos
humanos, incluindo o Ministério Público, a Polícia e o Poder Judiciário, a fim de obter
uma resposta adequada, oportuna e rápida. Da mesma forma, considerar a
participação da sociedade civil; ii ) criar um sistema de informação sobre violações
dos direitos dos defensores dos direitos humanos com informações específicas e
detalhadas sobre a resposta do Estado; iii ) criar unidades especializadas nos
Ministérios Públicos, nos níveis estadual e federal; iv ) criar a “Comissão de
Enfrentamento à Violência contra os Defensores dos Direitos Humanos” que tenha
composição plural e cujos casos e atividades sejam divulgados; v) realizar cursos de
formação para autoridades encarregadas de investigar violações contra defensores
de direitos humanos, a fim de realizar investigações com a devida diligência. Da
mesma forma, para possibilitar a devida diligência nas ações, promover curso sobre
a proteção dos defensores dos direitos humanos, inclusive daqueles que atuam na
defesa da terra. Por outro lado, os representantes apoiaram a medida de
fortalecimento do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos,
solicitada pela Comissão. Em particular, solicitaram a “formalização” do referido
programa como política pública, que contaria com a participação da sociedade civil e
que fosse dotado de um “orçamento adequado e amplo para os demais estados” do
Brasil.

168. O Estado indicou que já existe um sólido compromisso estatal para proteger
os defensores dos direitos humanos. Neste sentido, destacou que existe uma
estrutura estatal para protegê-los e combater os conflitos e a violência no campo,
nomeadamente, informou sobre i) o Programa de Protecção dos Defensores dos
Direitos Humanos, Ambientalistas e Comunicadores Sociais, que, segundo para ele,
está de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil e a Convenção
Americana, e com base em uma política pública do Estado (decreto nº 6.044); ii )
instituições ligadas ao “combate aos conflitos e à violência no campo”, como o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária; iii ) no caso do estado do Pará, existe uma Ouvidoria para questões
agrárias 233, “comissões especializadas em conflitos agrários”, cinco unidades
especializadas da Polícia Civil para tratar de conflitos no campo, a Comissão de
Mediação de Conflitos Fundiários, e a Sistema de Cadastro Predial, e iv ) projetos
como o Sistema Nacional de Análise Balística. Além disso, nas suas alegações finais
escritas, destacou a existência do Banco Nacional de Acompanhamento Penitenciário,
o nível de execução do orçamento destinado ao Programa de Proteção aos Defensores
dos Direitos Humanos, bem como a sua composição, o número de pessoas
beneficiadas e as formas pelas quais a sociedade civil participaria na sua execução.

E.1 Protocolo nacional de devida diligência para investigação de crimes


contra defensores de direitos humanos

169. No Capítulo VIII-1 desta Sentença, a Corte confirmou que o processo penal
ficou paralisado em diversos momentos devido à inércia das autoridades estatais, de

233
“Ouvidoria Agrária” en portugués.
modo que concluiu que o Brasil não empreendeu em um prazo razoável todos os
esforços para permitir , em um prazo razoável, a determinação da verdade, a
identificação e punição de todos os responsáveis, incluindo a perseguição e captura
destes para eventual acusação. Da mesma forma, a Corte observou que o presente
caso está inserido em um contexto de impunidade ( par. 51 supra ) que perdura até
hoje 234, aliado à continuidade de um contexto de violência e homicídios contra
defensores de direitos humanos, particularmente na área de conflitos rurais. A este
respeito, o perito Carlos Eduardo Gaio afirmou:

Nos últimos 20 anos de dados disponíveis, entre 2001 e 2020, o contexto de violência
e assassinatos permaneceu constante ou intensificou-se em alguns períodos. Nesse
período, foram documentados 269 assassinatos de defensores do direito à terra
somente no estado do Pará, de um total de 762 ativistas executados no país no mesmo
período. É sem dúvida o Estado onde as vidas dos trabalhadores rurais e dos
defensores dos direitos humanos correm maior risco.235

170. Assim, como tem feito em outros casos 236, o Tribunal considera necessário
que o Estado crie e implemente, a nível nacional, num prazo não superior a três anos,
um protocolo de investigação unificado e abrangente, especificamente dirigido aos
crimes cometidos contra defensores dos direitos humanos, que tenham em conta os
riscos inerentes ao seu trabalho. Tal iniciativa contribuirá, em última análise, para o
acesso à justiça 237, considerando o contexto de impunidade em que se encontram
os homicídios contra defensores de direitos humanos no Brasil ( par. 51 supra ). Para
tanto, este protocolo deve (i) observar os princípios da devida diligência para
identificar todos os responsáveis, e as diretrizes “que complementam e reforçam a
devida diligência para investigar violações de direitos humanos contra defensores de
direitos humanos”, estabelecidas pelo Relator Especial sobre o situação dos
defensores dos direitos humanos, Michel Forst 238; ( ii ) estabelecer critérios de
pesquisa claros e uniformes; ( iii ) conter parâmetros para todas as etapas das
investigações; ( iv ) regular de forma integrada as competências e responsabilidades
específicas do Ministério Público, da Polícia, do Poder Judiciário, dos institutos
periciais e demais órgãos envolvidos em investigações de graves violações de direitos
humanos, devendo ainda considerar:

1) O conceito de defensor dos direitos humanos;

2) Normas sobre o desenvolvimento de instrumentos de investigação com a


devida diligência, incluindo melhores práticas e normas internacionais sobre
a devida diligência de acordo com o tipo de crime (por exemplo, execuções
extrajudiciais, homicídios, tortura, ameaças, entre outros ) ;

234
Segundo o Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada, “as bases institucionais que dinamizaram
a violência no campo no Brasil - baseadas na profunda desigualdade social e econômica entre áreas rurais
e urbanas, bem como no alto índice de concentração fundiária, na ausência de mediação e resolução de
conflitos rurais, ou mesmo resultado dos altos índices de impunidade relacionados aos crimes contra povos
tradicionais, trabalhadores rurais e pequenos agricultores - perdurados ao longo da história do país e
permanecem firmes na atualidade”. Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada. Atlas da Violência no
Campo no Brasil: Condições Socioeconômicas e Territoriais. Brasília, 2020, p.10. Disponível em:
https://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/200717_relatorio_institucional_atl
as_da_violencia.pdf Ver, também, Perícia de Carlos Eduardo Gaio, supra (expediente de prova, folhas
7.287 e 7.295 a 7.296).
235
Cfr . Perícia de Carlos Eduardo Gaio, supra (expediente de prova, fls. 7.293).
236
Ver, por exemplo: Caso Acosta et al Vs. Nicarágua. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos . Acórdão de 25 de
março de 2017. Série C nº. 334, par. 223 e 224; Caso Stairs Mejía e outros vs. Honduras , supra, par. 102, e Caso Digna Ochoa e
Família vs. México, supra , par. 178 e
237
Cfr. Experiência de Laurel E. Fletcher, supra (expediente de prova, fl. 7.343).
238
Cf. ONU, Relatório do Relator Especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos,
Michel Forst . Documento A/74/159, 15 de julho de 2019.
3) Os riscos inerentes ao trabalho de defesa dos direitos humanos no Brasil, com
as especificidades regionais existentes;

4) O contexto em que os defensores dos direitos humanos realizam o seu


trabalho e os interesses que enfrentam no país e em cada região;

5) A existência de padrões de ameaças e qualquer tipologia utilizada para


intimidar, ameaçar, intimidar ou atacar os defensores dos direitos humanos
no exercício das suas atividades;

6) Critérios e técnicas de investigação para determinar se o ato criminoso está


relacionado com a atividade desenvolvida pelo defensor dos direitos
humanos;

7) Técnicas para investigar a existência e funcionamento de estruturas


criminosas complexas na área de trabalho dos defensores, bem como análise
de contexto de outros grupos de poder fora do poder público;

8) Técnicas de investigação de autoria material e intelectual;

9) A perspetiva de género e étnica na investigação dos crimes envolvidos,


eliminando estereótipos e estigmatização;

171. Este protocolo deverá dirigir-se ao pessoal da administração da justiça que,


de alguma forma, intervenha na investigação e processamento de casos de crimes
contra defensores dos direitos humanos. Além disso, deve ser incorporado ao
trabalho dos referidos funcionários por meio de resoluções e regulamentos internos
que exijam sua aplicação por todos os funcionários do Estado 239.

172. Da mesma forma, o Estado deve realizar um plano de formação de pessoal


envolvido na investigação e tramitação de casos de crimes contra defensores de
direitos humanos com base no referido protocolo, no Estado do Pará, bem como criar
um sistema de indicadores que permita medir a eficácia do protocolo e verificar, de
forma diferenciada e por gênero, a diminuição substantiva da impunidade no que diz
respeito aos crimes de homicídio que afectam os defensores dos direitos humanos
240
. Para cumprir esta obrigação, o Estado dispõe de um prazo de dois anos a partir
da adoção do referido protocolo. Uma vez adotado, o Estado deverá apresentar
anualmente um relatório detalhado sobre o plano de formação e o sistema de
indicadores durante cinco anos a partir da emissão e apresentação ao Tribunal do
primeiro relatório 241.

E.2 Política pública nacional para a proteção dos defensores dos direitos
humanos

173. A Corte valoriza a criação, por parte do Estado, de instituições e mecanismos


relacionados à proteção dos defensores dos direitos humanos, particularmente no
estado do Pará. Contudo, este Tribunal observa, com preocupação, que, apesar de
existir, o contexto de violência e vulnerabilidade dos defensores do direito fundiário
no Brasil permanece extremamente grave, desde a década de 1980 até os dias

239
Cf. Caso Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil , supra, par. 201.
240
Cf. Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 179.
241
Cf. Caso Digna Ochoa e familiares Vs. México, supra , par. 179.
atuais, e dentro deste contexto, o estado do Pará é a região com o maior número de
defensores vítimas 242de homicídios nos últimos 40 anos 243.

174. Nesse sentido, vale lembrar o que foi afirmado durante a audiência pública
pelo irmão do Sr. Sales Pimenta, ao destacar que “o que queremos é que não morra
mais ninguém”, “que não morra mais advogado pelo seu trabalho em defesa das
minorias 244. ” Além disso, conforme indicado pelo perito Carlos Eduardo Gaio, no que
diz respeito a outras formas de violência, como ameaças de morte, tentativas de
homicídio e ataques físicos, as considerações relativas ao contexto da violência hoje
são semelhantes 245. A título de exemplo, o referido perito informou que, só em 2020,
além dos 18 homicídios, foram registadas no país 159 ameaças de morte e 35
tentativas de homicídio.246

175. Por outro lado, observa-se que o Programa de Proteção aos Defensores dos
Direitos Humanos tem como primeiro marco o Decreto nº 6.044 de 2007 247, que
aprova a Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos.
Posteriormente, com as diretrizes ali estabelecidas, o referido programa nasceu em
2016, através do Decreto nº 8.724 248, que foi revogado pelo Decreto nº 9.937 de
2019 249, que sofreu modificações a partir do Decreto nº. 10.815 250de 2021 251. Nesse
entendimento, o Programa em questão atualmente é denominado “Programa de
Proteção aos Defensores, Comunicadores e Ambientalistas de Direitos Humanos” e
conta com o “Conselho Deliberativo do Programa de Proteção aos Defensores,
Comunicadores e Ambientalistas de Direitos Humanos”. âmbito do Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos 252. O referido Conselho é um órgão
colegiado onde a sociedade civil conta com 3 representantes. Além disso, o programa
“é executado por meio de convênio entre o Governo Federal e os estados federados”
com validade de 36 meses, sendo posteriormente renovado. Da mesma forma, os
estados em conjunto com o Governo Federal disponibilizam recursos para sua
execução 253.

242
Cf. Escrito de amicus curiae apresentado pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade
Federal da Bahia (expediente de prova, fl. 8.237); Escrito de amicus curiae apresentado pela Ordem dos
Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (expediente de prova, folhas 7.721 e 7.725); Escrito de amicus
curiae apresentado pelo Sindicato dos Advogados do Brasil do Estado de Minas Gerais (expediente de
prova, fl. 7.746).
243
Perícia de Carlos Eduardo Gaio, supra (expediente de prova, fl. 7.295).
244
Cf. Depoimento de Rafael Sales Pimenta prestado na audiência pública de 22 de março de 2022.
245
Perícia de Carlos Eduardo Gaio, supra (expediente de prova, fl. 7.295).
246
Perícia de Carlos Eduardo Gaio, supra (expediente de prova, fl. 7.295).
247
Veja. _ Parecer pericial de Douglas Sampaio Franco durante audiência pública deste caso, e
Decreto nº 6.044: “Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos”, de 12 de fevereiro
de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov .br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6044.htm
.
248
Veja. _ Decreto nº 8.725: Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos”,
de 27 de abril de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Decreto/ D8724.htm .
249
Veja. _ Decreto nº 9.937: “Programa de Proteção aos Defensores, Comunicadores e
Ambientalistas de Direitos Humanos e Conselho Deliberativo do programa de Proteção aos Defensores,
Comunicadores e Ambientalistas de Direitos Humanos no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos ”, de 24 de julho de 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9937.htm#art11 .
250
Veja. _ Parecer pericial de Douglas Sampaio Franco durante audiência pública deste caso.
251
Desde então, foi proferida pelo menos uma decisão ( nº 507 de fevereiro de 2022) que modificou
seu conteúdo. Veja. _ Parecer pericial prestado por Douglas Sampaio Franco durante audiência pública
deste caso.
252
Cf. Comitê Brasileiro de Defensores dos Direitos Humanos. Vidas em luta: criminalização e
violência contra defensores de direitos humanos no Brasil em 2017. Rio de Janeiro: Justicia Global, 2018
(expediente de prova, fl. 7.147).
253
Veja. _ Parecer pericial de Douglas Sampaio Franco durante audiência pública deste caso.
176. Face ao exposto, é preocupante que, de acordo com a informação constante
do processo, o tipo de regulamentos que protegem este programa não sejam leis em
sentido estrito, mas sim decretos que podem ser alterados ou revogados a qualquer
momento pelo Presidente do República, o que poderia gerar uma falta de
continuidade na sua aplicação 254. Além disso, o Programa em questão apresenta um
baixo nível de execução orçamental 255; Sua implementação não é uniforme nos
diferentes estados do Brasil 256; Tem requisitos restritivos para que os defensores
dos direitos humanos sejam beneficiários e há uma falta de participação igualitária
da sociedade civil no conselho deliberativo existente 257. Quanto às restrições para
que os defensores sejam beneficiários, cabe destacar que o Estado indicou o
seguinte:

A metodologia de atenção do PPDDH pressupõe o encaminhamento do pedido de


inclusão da pessoa em situação de ameaça, que deve atender a determinados
critérios para ser beneficiária de proteção, tais como: (a) inclusão voluntária; (b)
representação de um grupo e reconhecimento como representante legítimo
desse grupo ; e (c) relação da ameaça sofrida com as atividades do requerente
como defensor dos direitos humanos (grifo nosso).

177. Pelo exposto, o Estado deve rever e adequar os mecanismos existentes, em


especial o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos,
Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja
previsto e regulamentado por lei ordinária. e ter em conta os riscos inerentes à
atividade de defesa dos direitos humanos, tendo em conta, pelo menos, os seguintes
requisitos 258:

a) a participação igualitária de defensores dos direitos humanos,


organizações da sociedade civil e especialistas no desenvolvimento de
normas que possam regular um programa de proteção para o grupo em
questão;

b) possuir critérios flexíveis para inclusão de beneficiários, que respondam às


considerações já feitas por esta Corte a respeito do conceito de defensor
de direitos humanos;

c) a criação de um modelo de análise de risco que permita determinar


adequadamente as necessidades de risco e proteção de cada defensor ou
grupo;

254
Cf. Escrito de amicus curiae apresentado pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade
Federal da Bahia (expediente de prova, fls. 8.234 a 8.235).
255
Veja. _ Comitê Brasileiro de Defensores dos Direitos Humanos. Vidas em luta: criminalização e
violência contra defensores de direitos humanos no Brasil em 2017. Rio de Janeiro: Justicia Global, 2018
(expediente de prova, fl. 7.117); Comitê Brasileiro de Defensores dos Direitos Humanos. Vidas em luta:
criminalização e violência contra defensores de direitos humanos no Brasil. Período 2018-2020/1. Curitiba:
Terra de Direitos, 2020, p. 156. Disponível em : https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Dossie-
Vidas-em-Luta.pdf ; Escrito de amicus curiae apresentado pela Clínica de Direitos Humanos e Direito
Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (expediente de prova, folhas 7.812 a 7.814), Escrito
de amicus curiae apresentado pela Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do
Estado do Amazonas ( arquivo de prova, folha 6.730).
256
Veja. _ Comitê Brasileiro de Defensores dos Direitos Humanos. Vidas em luta: criminalização e
violência contra defensores de direitos humanos no Brasil. Período 2018-2020/1, supra , pp.153 e 154;
Escrito de amicus curiae apresentado pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal da Bahia
(expediente de prova, fl. 8.235).
257
Comitê Brasileiro de Defensores dos Direitos Humanos. Vidas em luta: criminalização e violência
contra defensores de direitos humanos no Brasil em 2017, supra (expediente de prova, fl. 7.122).
258
Cfr. Caso de Ouvidoria e Outros vs. Guatemala, supra, par. 263, e Caso Acosta e outros vs. Nicarágua, supra , par. 222.
d) a elaboração de planos de proteção que respondam ao risco particular de
cada defensor e às características do seu trabalho;

e) a promoção de uma cultura de legitimação e proteção do trabalho dos


defensores dos direitos humanos, e

f) a disponibilização de recursos humanos e financeiros suficientes para


responder às necessidades reais de protecção dos defensores dos direitos
humanos, bem como a devida execução do orçamento atribuído.

E.3 Coleta de dados e produção de estatísticas

178. A Corte entende que é necessário coletar informações abrangentes sobre a


violência sofrida pelos defensores dos direitos humanos no Brasil, a fim de medir a
real magnitude deste fenômeno e desenhar estratégias e políticas públicas para
prevenir e erradicar novos atos de violência. Neste sentido, como já o fez em outros
casos 259, a Corte ordena ao Estado que desenhe e implemente no prazo de dois
anos, por meio do órgão estatal correspondente, um sistema nacional de coleta de
dados e cifras vinculados a casos de violência contra defensores dos direitos
humanos, a fim de avaliar de forma precisa e uniforme o tipo, a prevalência, as
tendências e os padrões de violência contra os defensores dos direitos humanos,
desagregando os dados por estado, etnia, militância, gênero e idade. Além disso,
deve ser especificado o número de casos que foram efetivamente processados,
identificando o número de acusações, condenações e absolvições. Esta informação
deve ser divulgada anualmente pelo Estado através do relatório correspondente,
garantindo o seu acesso a toda a população em geral, e deve garantir a
confidencialidade da identidade das vítimas. Para tanto, o Estado deverá apresentar
ao Tribunal um relatório anual durante cinco anos a partir da implementação do
sistema de coleta de dados, no qual indique as ações que foram realizadas para esse
fim.

E.4 Mecanismo de reabertura de processos judiciais

179. No caso sub judice , como em outros casos relativos ao Brasil 260, a Corte pôde
constatar a persistência de uma situação de impunidade devido à falta da devida
diligência por parte das autoridades judiciais e da determinação das respectivas
responsabilidades penais no âmbito prazo razoável, o que contribuiu definitivamente
para a declaração de prescrição no processo penal. Assim, as circunstâncias em que
ocorreram os fatos e os responsáveis não foram completamente esclarecidos.

180. Em virtude do exposto, sem prejuízo da obrigação das autoridades estatais de


cumprir as decisões desta Corte 261e de realizar o respectivo controle de
convencionalidade no âmbito de suas atribuições, a Corte considera pertinente
ordenar ao Estado que criar, à luz das melhores práticas existentes na matéria 262,

259
Cfr. Case Blue Reds Marine e outro vs. Peru. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos e Custos. Acórdão de 12 de março
de 2020. Série C nº. 402 , par. 252, e Caso Vicky Hernandez e outros Vs. Honduras. Fundo, reparos e custos. Acórdão de 26 de março
de 2021. Série C nº. 422, par. 179.
260
Veja, por exemplo, Caso Herzog e outros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e
Custas. Sentença de 15 de março de 2018. Série C Nº 353, pars. 311 a 312; Caso dos Funcionários da
Fábrica de Bombeiros de Santo Antônio de Jesus e seus familiares Vs. Brasil, supra , pars. 230 a 231 , e
Caso Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil, supra, par. 121 a 123.
261
Artigo 68 da Convenção Americana.
262
Alguns países da região dispõem de determinados tipos de mecanismos que permitem a
reabertura de processos judiciais com decisão final, com base em decisões de organismos internacionais.
no prazo de três anos, um mecanismo que permita a reabertura de inquéritos e
processos judiciais, mesmo naqueles em que tenha funcionado a prescrição, quando,
em decisão do Corte Interamericana, a responsabilidade internacional do Estado pelo
descumprimento da obrigação de investigar violações de direitos humanos de forma
diligente e imparcial.

E.5 Outras garantias de não repetição solicitadas

181. A Corte considera que a emissão desta Sentença, bem como as demais
medidas ordenadas, são suficientes e adequadas para remediar as violações sofridas
pelas vítimas. Assim, não considera necessário ordenar as medidas adicionais
relativas às garantias de não repetição solicitadas pelos representantes 263.

F. Indenizações compensatórias

F.1. Danos materiais e imateriais

182. Nesta seção o Tribunal analisará conjuntamente os danos materiais e


imateriais.

A título de exemplo, na Colômbia, o Código de Processo Penal (Lei 906 de 2004) indica em seu artigo 192
que a ação de revisão prossegue “(…) Quando após a decisão em processos por violações de direitos
humanos ou graves infrações ao direito internacional direito humanitário, um flagrante descumprimento
das obrigações do Estado de investigar séria e imparcialmente tais violações é estabelecido por decisão
de um organismo internacional de supervisão e controle dos direitos humanos, sobre o qual o Estado
colombiano aceitou formalmente a jurisdição. Neste caso não será necessária a comprovação da existência
de fato novo ou de prova não conhecida à época dos debates.” (disponível em
https://leyes.co/codigo_de_procedimiento_penal/192.htm ) Por sua vez, no Peru, o artigo 123 do Código
de Processo Constitucional dispõe que as “resoluções dos órgãos jurisdicionais a cuja jurisdição o Estado
peruano se submeteu expressamente Eles não exigem, para sua validade e eficácia, reconhecimento,
revisão ou qualquer exame prévio. Estas resoluções são comunicadas pelo Ministério das Relações
Exteriores ao presidente do Poder Judiciário, que, por sua vez, as remete ao Tribunal onde se esgota a
jurisdição interna e ordena a sua execução pelo juiz competente, nos termos da lei. que regulam o
procedimento de execução das sentenças proferidas pelos tribunais supranacionais”. (disponível em
https://busquedas.elperuano.pe/normaslegales/nuevo-codigo-procesal-constitucional-ley-no-31307-
1975873-2/ ). No continente europeu observa-se também que o ordenamento jurídico de alguns países,
como os de Espanha e França, por exemplo, contém disposições que permitem o reexame de uma sentença
penal definitiva na sequência de uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos . Neste sentido,
o artigo 5 bis da Lei Orgânica do Poder Judiciário espanhol dispõe que “[um] recurso de revisão poderá
ser interposto perante o Supremo Tribunal contra uma resolução judicial definitiva, de acordo com as
regras processuais de cada ordem jurisdicional, quando o O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
declarou que a referida resolução foi emitida em violação de qualquer um dos direitos reconhecidos na
Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e nos seus
Protocolos, desde que a violação, devido à sua natureza e gravidade, acarreta efeitos que persistem e não
podem cessar de outra forma senão através desta revisão” (disponível em
https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1985-12666 ). Nesta linha, o artigo 622-1 do Código de
Processo Penal francês estabelece que “o reexame de uma decisão penal definitiva pode ser solicitado em
benefício de qualquer pessoa considerada culpada de um crime quando esta se seguir a uma sentença
proferida pelo Tribunal de Justiça Europeu.” Direitos Humanos […]” (disponível em
https://www.legifrance.gouv.fr/codes/section_lc/LEGITEXT000006071154/LEGISCTA000006138099/#LE
GISCTA000029122011 ). Da mesma forma, o Código de Processo alemão estabelece no seu artigo 359
que “será admissível a reabertura do processo concluído por sentença transitada em julgado a favor do
condenado”, quando, entre outros: “se o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tiver declarado que
houve uma violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais ou dos seus Protocolos e a sentença foi baseada nessa violação.” Disponível em:
https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_stpo/englisch_stpo.html .
263
As demais medidas solicitadas ( par. 167 supra ) foram: i) criar unidades especializadas nos
Ministérios Públicos, nos níveis estadual e federal, ii) criar a “Comissão de Enfrentamento à Violência
contra Defensores de Direitos Humanos” que tenha composição plural, cuja casos e atividades são
divulgados, e iii) um diagnóstico independente, sério e eficaz da situação dos defensores dos direitos
humanos no contexto dos conflitos de terra.
183. A Comissão solicitou que a Corte ordene ao Estado do Brasil uma indenização
pecuniária que cubra os danos materiais e imateriais causados.

184. Os Representantes solicitaram à Corte que ordene ao Estado o pagamento


às supostas vítimas de uma quantia, determinada em equidade pela Corte, por danos
materiais. Indicaram que, ao longo da tramitação dos processos, realizaram diversas
viagens para poder participar nos mesmos e contrataram advogados. Além disso,
solicitaram que, em virtude do impacto emocional causado, bem como do sofrimento,
do sentimento de desamparo e de outras consequências emocionais geradas pela
falta de justiça, o Estado pague a cada uma das supostas vítimas, uma quantia
determinada em equidade pela Tribunal, por danos imateriais.

185. O Estado indicou que não tem responsabilidade internacional pela violação
dos artigos da Convenção, portanto não lhe cabe compensar as supostas vítimas.
Indicou que, caso seja declarado responsável, o Tribunal analisará a medida
solicitada com base nas provas “efetivamente produzidas” e registradas nos autos.

186. Este Tribunal desenvolveu em sua jurisprudência que o dano material


envolve a perda ou prejuízo dos rendimentos das vítimas, as despesas incorridas em
decorrência dos fatos e as consequências de natureza pecuniária que tenham nexo
causal com os fatos do caso 264. Da mesma forma, estabeleceu em sua jurisprudência
que o dano imaterial pode incluir tanto o sofrimento e a aflição causados pela violação
como o comprometimento de valores muito significativos para as pessoas e qualquer
alteração, de natureza não pecuniária, nas condições de existência das vítimas ou de
seus familiares 265. Por outro lado, dado que não é possível atribuir um equivalente
monetário preciso ao dano imaterial, este só poderá ser compensado, para efeitos
de reparação integral às vítimas, através do pagamento de uma quantia em dinheiro
ou da entrega de bens. qualquer Serviços apreciável em dinheiro, que ele Tribunal
determinar em aplicativo razoável do discricionariedade judicial e em termos de
equidade 266.

187. Quanto aos danos materiais, o Tribunal alerta que, embora não tenha sido
apresentada prova de despesas, presume-se que os familiares de Gabriel Sales
Pimenta, nomeadamente a sua mãe Maria da Glória Sales Pimenta e o seu irmão
Rafael Sales Pimenta, respectivamente, incorreram, em despesas diversas em razão
de sua participação no pedido de indenização por danos morais ( par. 70 supra ), e
no processo penal ( pars . 62 supra ). a 68) e procedimento seguido perante o
Conselho Nacional de Justiça ( pars . 69 supra ). Portanto, o Tribunal resolve
estabelecer indenização patrimonial correspondente a US$ 20.000,00 (vinte mil
dólares dos Estados Unidos da América) por danos materiais em favor de Maria da
Glória Sales Pimenta, que deverá ser entregue aos seus beneficiários nos termos
previstos pelo regime legal de herança em vigor no Brasil , de US$ 30.000,00 (trinta
mil dólares dos Estados Unidos da América) em favor de Rafael Sales Pimenta, e de
US$ 10.000,00 (dez mil dólares dos Estados Unidos da América) em favor de cada
um dos outros irmãos de Gabriel Sales Pimenta 267.

188. Da mesma forma, à luz das circunstâncias do presente caso, da entidade, do


caráter e da gravidade das violações cometidas, do sofrimento indicado ( supra

264
Cfr. O Caso Bamaca Velásquez Vs. Guatemala. Reparos e Custos . Sentença de 22 de fevereiro
de 2002.Série C Não. 91, par. 43, e Pavez Pavez vs. Chile, supra , par. 192.
265
Cfr. Caso em questão de o "Crianças de o Rua” (Villagran Morais água outros) Vs. Guatemala.
Reparos água Litorais. Sentença de 26 de maio de 2001. Série C nº. 77 , pára. 84, e Pavez Pavez vs.
Chile, supra , par. 197.
266
Veja. _ Caso Cantoral Benavides Vs. Peru. Reparações e Custas, supra, par. 53, e Caso Pavez
Pavez Vs. Chile, supra , par. 197.
267
A importância devida a José Sales Pimenta deverá ser entregue aos seus herdeiros nos termos
previstos no regime legal das sucessões em vigor no Brasil.
parágrafos . 126 a 133), e o tempo decorrido desde o momento dos fatos, a Corte
considera oportuno ordenar o pagamento de indenização por dano imaterial em favor
dos familiares de Gabriel Sales Pimenta, que incluirá o valor da indenização pela
impossibilidade de reabertura da investigação criminal do homicídio do Sr. Sales
Pimenta. Consequentemente, a Corte ordena, por equidade, que o Estado conceda,
a título de dano imaterial, uma indenização de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares
dos Estados Unidos da América) em favor da senhora Maria da Glória Sales Pimenta,
no valor de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América)
em favor do Sr. Geraldo Gomes Pimenta, quantias que deverão ser entregues aos
seus herdeiros nos termos previstos no regime legal de sucessões em vigor no Brasil,
e indenização de US$ 30.000,00 (trinta mil dólares dos Estados Unidos da América)
em favor de cada um dos irmãos 268de Gabriel Sales Pimenta declarados vítimas nesta
Sentença ( par. 139 supra ).

G. Custos e gastos

189. Os Representantes solicitaram à Corte que determine ao Estado o


pagamento das seguintes quantias, a título de custas e gastos, incorridas pelas
organizações que atuaram em defesa das vítimas: i) a quantia de USD$ 15.698,14
(quinze mil seiscentos e noventa e oito dólares dos Estados Unidos da América e
quatorze centavos) para viagens, reuniões, reprodução de documentos e honorários,
em favor do Centro de Justiça e Direito Internacional, e ii) a quantia de US$ 5.044,80
(cinco mil e quarenta e quatro dólares dos Estados Unidos da América e oitenta
centavos) para viagens, reuniões e honorários em favor da Comissão Pastoral da
Terra. Da mesma forma, indicaram que o Estado deverá cobrir despesas futuras que
deverão ser consideradas na etapa de cumprimento da Sentença em nível nacional e
internacional. Além disso, solicitaram que a Corte pudesse apresentar posteriormente
cifras e recibos atualizados dos gastos que seriam incorridos durante o processo
perante a Corte, e que a Sentença previsse uma quantia para gastos na etapa de
fiscalização do cumprimento da Sentença. .

190. Após a apresentação do escrito de petições e argumentos os representantes


informaram sobre os gastos incorridos pelas organizações que atuaram na defesa
das vítimas o Centro de Justiça e Direito Internacional e a Comissão Pastoral da Terra
entre abril de 2021 e Abril de 2022. Quanto ao Centro de Justiça e Direito
Internacional, indicaram ter incorrido em um gasto total de US$ 12.595,42 (doze mil
quinhentos e noventa e cinco dólares dos Estados Unidos da América e quarenta e
dois centavos) por conceitos relacionados à apresentação do escrito de petições e
argumentos e dos escritos subsequentes, tais como observações sobre as exceções
preliminares apresentadas pelo Estado; com a preparação das audiências realizadas
no presente caso; a coleta de depoimentos; a apresentação de laudos periciais e as
correspondentes traduções, bem como os honorários gerados. Sobre este último
ponto, destacaram que o “trabalho de defesa” incluiu uma estratégia de comunicação
que consiste em divulgar informações relacionadas ao caso à sociedade civil, resgatar
a memória de Gabriel Sales Pimenta e seu importante trabalho de defesa na luta pela
terra, e divulgar o audiência pública realizada neste caso. Quanto à Comissão Pastoral
da Terra, indicaram ter incorrido num gasto total de USD$ 2.616,65 (dois mil
seiscentos e dezesseis dólares dos Estados Unidos da América e sessenta e cinco
centavos) para conceitos relacionados a viagens, reuniões e honorários. .de dois
advogados contratados em janeiro e abril de 2022.

191. No total, os representantes solicitaram o pagamento de US$ 28.293,56 (vinte


e oito mil duzentos e noventa e três dólares dos Estados Unidos da América e

268
A importância devida a José Sales Pimenta deverá ser entregue aos seus herdeiros nos termos
previstos no regime legal das sucessões em vigor no Brasil.
cinquenta e seis centavos) em favor do Centro de Justiça e Direito Internacional, e
de US$ 7.661,45 (sete mil e seis cento e sessenta e um dólares dos Estados Unidos
da América e quarenta e cinco centavos) em favor da Comissão Pastoral da Terra.

192. O Estado solicitou ao Tribunal que leve em conta apenas os valores


solicitados, a documentação que o comprove e a relação direta do solicitado com as
circunstâncias do caso. Também exigiu que o Tribunal “ verifique objetivamente o
trabalho realizado em conjunto ou pelos representantes e para o qual é solicitado o
reembolso de custos – elaboração do ESAP e das alegações finais escritas, para que
não haja sobreposição de reembolsos com ônus desproporcional ao erário brasileiro
. Por outro lado, o Brasil indicou que, em relação às despesas com honorários e
viagens, não haveria vínculo exclusivo ou preciso entre o trabalho dos colaboradores
do Centro de Justiça e Direito Internacional e o caso, de modo que aquela organização
teria estabelecido unilateralmente percentagens aproximadas estimadas de atividade
para atribuição ao caso , e as despesas de viagem listadas e para as quais o
reembolso é solicitado não parecem estar relacionadas exclusivamente com o
trabalho do Centro de Justiça e Direito Internacional no presente caso . Por fim,
argumentou que as despesas relacionadas com a “comunicação” não deveriam ser
transferidas para o Estado, uma vez que não são essenciais para a tramitação do
caso.

193. A Corte lembra que, de acordo com sua jurisprudência, os custos e despesas
fazem parte do conceito de reparação, uma vez que a atividade desenvolvida pelas
vítimas para obter justiça, tanto nacional como internacionalmente, envolve
despesas que devem ser indenizadas. a responsabilidade do Estado é declarada
através de sentença condenatória. Quanto ao reembolso de custas e gastos, cabe à
Corte avaliar com prudência o seu alcance, que inclui os gastos gerados perante as
autoridades de jurisdição interna, bem como aqueles gerados no curso do processo
perante o Sistema Interamericano, tendo em conta as circunstâncias do caso
específico e a natureza da jurisdição internacional para a proteção dos direitos
humanos. Esta avaliação pode ser feita com base no princípio da equidade e tendo
em conta as despesas indicadas pelas partes, desde que o seu valor seja razoável
269
.

194. Esta Corte indicou que “as reclamações das vítimas ou de seus representantes
em matéria de custas e gastos, e as provas que as sustentam, deverão ser
apresentadas à Corte no primeiro momento processual que lhes for concedido, ou
seja, no declaração escrita, pedidos e argumentos, sem prejuízo de que tais pedidos
possam ser atualizados posteriormente, de acordo com os novos custos e despesas
incorridos durante o processo perante este Tribunal. 270" Da mesma forma, a Corte
reitera que não é suficiente a apresentação de documentos probatórios, mas sim que
as partes estão obrigadas a apresentar uma argumentação que relacione a prova
com o fato que se considera representado, e que, por se tratar de supostos
desembolsos econômicos, são estabeleceu com clareza os itens e sua justificativa 271.

195. Levando em conta os valores solicitados pelos representantes e os


comprovantes de gastos apresentados, a Corte decide estabelecer em equidade o
pagamento da quantia de US$ 25.000,00 (vinte e cinco mil dólares dos Estados
Unidos da América) em favor do Center for the Justiça e Direito Internacional, e a
quantia de USD$7.500,00 (sete mil e quinhentos dólares dos Estados Unidos da

269
Cf. Caso Garrido e Baigorria Vs. Argentina. Reparações e Custos. Sentença de 27 de agosto de
1998. Série C Nº 39, pars. 82 e 244, e Caso Pavez Pavez Vs. Chile, supra, par. 200.
270
Cfr. Caso Garrido & Baigorria vs. Argentina, supra, par. 79, e Pavez Pavez vs. Chile , supra, par.
201.
271
Cfr. Caso Chaparro Alvarez e Lapo Iñiguez Vs. Equador. Exceções Preliminares, Fundo, Reparos
e Custos. Sentença de 21 de novembro de 2007. Série C nº. 170, par. 277, e Pavez Pavez vs. Chile, supra
, par. 201.
América) em favor da Comissão Pastoral da Terra, ambos valores para custas e
despesas. Este valor deverá ser entregue diretamente ao Centro de Justiça e Direito
Internacional e à Comissão Pastoral da Terra, respetivamente.

196. Finalmente, quanto à indicação dos representantes de que o Estado deverá


cobrir os gastos futuros relacionados com a etapa de cumprimento da Sentença em
nível nacional e internacional, e a solicitação de que esta Corte forneça uma quantia
para os gastos na etapa de fiscalização do cumprimento com a Sentença, como o fez
em outros casos 272, esta Corte determina que, na etapa de supervisão do
cumprimento desta Sentença, poderá ser ordenado que o Estado reembolse às
vítimas ou a seus representantes os gastos razoáveis incorridos no referido
procedimento. estágio.

H. Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados

197. O Estado deverá efetuar o pagamento da indenização por danos materiais e


imateriais e o reembolso dos custos e despesas estabelecidos nesta Sentença
diretamente às pessoas e organizações nela indicadas, no prazo de um ano a partir
da notificação desta Sentença, sem prejuízo à possibilidade de adiantamento do
pagamento integral num prazo mais curto, nos termos dos números seguintes.
Quanto às indemnizações fixadas a favor do senhor Geraldo Gomes Pimenta, da
senhora Maria da Glória Sales Pimenta e do senhor José Sales Pimenta, o Estado
deverá pagá-las aos seus herdeiros, nos termos da legislação interna aplicável, no
prazo de um ano, contado da notificação desta Sentença.

198. No caso de falecimento de outros beneficiários antes de lhes ser entregue a


respetiva indemnização, esta será efetuada diretamente aos seus herdeiros, nos
termos da legislação interna aplicável.

199. O Estado deverá cumprir as obrigações monetárias pagando em dólares dos


Estados Unidos da América ou seu equivalente em moeda nacional, utilizando para o
respetivo cálculo a taxa de câmbio de mercado publicada ou calculada por autoridade
bancária ou financeira competente, na data mais próxima do pagamento. dia.

200. Se, por motivos imputáveis aos beneficiários da indenização ou aos seus
herdeiros, o pagamento do montante determinado não for possível no prazo indicado,
o Estado depositará esse montante a seu favor em conta ou certificado de depósito
em instituição financeira brasileira solvente. , em dólares dos Estados Unidos da
América ou seu equivalente em moeda nacional, e nas condições financeiras mais
favoráveis permitidas pela legislação e pela prática bancária. Se o montante
correspondente não for reclamado após dez anos, os valores serão devolvidos ao
Estado com os juros corridos.

201. Os valores destinados nesta Sentença como medidas de reparação de danos


e como reembolso de custos e despesas deverão ser entregues integralmente, sem
reduções derivadas de eventuais encargos tributários.

202. Caso o Estado esteja inadimplente, deverá pagar juros sobre o valor devido
correspondente aos juros bancários de mora na República Federativa do Brasil.

X
PONTOS RESOLUTIVOS
Por tanto,

272
Cfr. Caso de Ibsen Cardenas e Ibsen Rock vs. Bolívia. Fundo, reparos e custos. Sentença de 1º
de setembro de 2010. Série C nº. 217, par. 29, e Pavez Pavez vs. Chile , supra, par. 202.
A CORTE

DECIDE:

Por unanimidade,

1. Rejeitar a exceção preliminar ratione temporis , nos termos dos parágrafos 20


a 22 desta Sentença.

2. Rejeitar a exceção preliminar relativa à falta de esgotamento dos recursos


internos , em conformidade com os parágrafos 26 a 28 desta Sentença.

3. Rejeitar a exceção preliminar relativa à “quarta instância”, nos termos dos


parágrafos 32 e 33 desta Sentença.

DECLARA:

Por unanimidade , que:

4. O Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à


proteção judicial, contidos nos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, em relação à obrigação de respeitar e garantir os direitos
estabelecida no artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de Geraldo Gomes
Pimenta, Maria da Glória Sales Pimenta, Sérgio Sales Pimenta, Marcos Sales Pimenta,
José Sales Pimenta, Rafael Sales Pimenta, André Sales Pimenta e Daniel Sales
Pimenta. Além disso, o Estado violou o direito à verdade em detrimento dos citados
familiares de Gabriel Sales Pimenta. Tudo isso, nos termos dos parágrafos 82 a 121
desta Sentença.

5. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal,


reconhecido no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em
relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de Geraldo Gomes
Pimenta, Maria da Glória Sales Pimenta, Sérgio Sales Pimenta, Marcos Sales Pimenta,
José Sales Pimenta, Rafael Sales Pimenta, André Sales Pimenta e Daniel Sales
Pimenta, nos termos dos parágrafos 125 a 134 desta Sentença .

E DISPÕE:

Por unanimidade , que:

6. Está A sentença constitui por si uma forma de reparação.

7. O Estado criará um grupo de trabalho nos termos dos parágrafos 145 a 147
desta Sentença.
8. O Estado proporcionará tratamento psicológico e/ou psiquiátrico aos irmãos
do senhor Sales Pimenta , nos termos dos parágrafos 151 e 152 desta Sentença.

9. O Estado realizará as publicações indicadas no parágrafo 157 desta Sentença,


no prazo de seis meses a partir da notificação das mesmas.

10. O Estado realizará um ato público de reconhecimento de responsabilidade


internacional, em relação aos fatos deste caso, nos termos dos parágrafos 158 e 159
desta Sentença.

11. O Estado batizará uma praça com o nome de Gabriel Sales Pimenta, no
município de Marabá, no estado do Pará, nos termos dos parágrafos 162 e 163 desta
Sentença.

12. O Estado criará um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte,


no estado de Minas Gerais, nos termos do parágrafo 162 desta Sentença.

13. O Estado criará e implementará um protocolo para a investigação de crimes


cometidos contra defensores de direitos humanos e um sistema de indicadores que
permita medir a eficácia do protocolo, nos termos dos parágrafos 170 a 172 desta
Sentença.

14. O Estado realizará um plano de formação do pessoal envolvido na investigação


e tramitação de casos de crimes contra defensores de direitos humanos no âmbito
do referido protocolo de investigação , nos termos do parágrafo 172 desta Sentença.

15. O Estado revisará e adaptará os mecanismos existentes, em particular o


Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e
Ambientalistas , nos termos do parágrafo 177 desta Sentença.

16. O Estado desenhará e implementará um sistema nacional de coleta de dados


e cifras vinculados aos casos de violência contra defensores de direitos humanos ,
nos termos do parágrafo 178 desta Sentença.

17. O Estado criará um mecanismo que permita a reabertura dos processos


judiciais, nos termos do parágrafo 180 desta Sentença.

18. O Estado pagará os valores estabelecidos nos parágrafos 187, 188 e 195 desta
Sentença a título de indenização por danos materiais e imateriais, e para reembolso
de custas e despesas, nos termos dos parágrafos 197 a 202 desta Sentença.

19. O Estado deverá, no prazo de um ano a partir da notificação desta Sentença,


apresentar à Corte um relatório sobre as medidas adotadas para cumpri-la.

20. A Corte supervisionará o cumprimento íntegro desta Sentença, no exercício


de suas atribuições e no cumprimento de seus deveres conforme a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso uma vez o
Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto no mesmo.

Escrito em espanhol em San José, Costa Rica, em 30 de junho de 2022.


Corte Interamericana. Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Sentença adotada em San
José, Costa Rica.

Ricardo C. Pérez Manrique


Presidente

Humberto Antônio Serra Porto Eduardo Ferrer Mac-Gregor


Veneno

Nancy Hernández López Verónica Gómez

Patrícia Pérez Goldberg

Pablo Saavedra Alessandri


secretário

Comunicar e executar ,
Ricardo C. Pérez Manrique
Presidente

Pablo Saavedra Alessandri


secretário

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