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Transtorno do Espectro do

Autismo: definição,
caracterização e tipologia

Prof. Jefferson Falcão Sales


Conceito

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) se configura


como distúrbio do neurodesenvolvimento, ocasionado por
perdas significativas no que diz respeito às habilidades sociais
e de comunicação, associadas a comportamentos
estereotipados. A manifestação prioritária do autismo se
relaciona diretamente com o déficit de interação social
(DOURADO, 2012; SCHMIDT, 2013; SURIAN,2010).
Caracterização

A comunicação é deficitária na pessoa com TEA. O quadro


comportamental pode ser explicado em dois aspectos:1- O
primeiro corresponde a comportamentos motores
estereotipados e repetitivos, tais como pular, movimentar
descontroladamente o corpo e as mãos, gritos e ruídos sem
motivos aparentes, caretas, dentre outros; 2- O segundo se
refere aos chamados, tais como rituais e rotinas fechadas;
hiperfocos de interescomportamentos disruptivos
(inadequados); cognitivosses e compulsões (DOURADO,
2012; SCHMIDT, 2013; SURIAN,2010).
Pré-História do TEA

A História pré-científica do autismo remonta ao que se


conhece como contos de fada, memórias do folclore europeu,
nos quais crianças eram raptadas de suas mães por gnomos ou
duendes e imediatamente substituídas por outros infantes
fisicamente idênticos, porém com personalidades totalmente
distintas. Nessas narrativas folclóricas, os raptos eram
exclusivamente de crianças de sexo masculino (ROSENBERG,
2011).
Pré-História do TEA

Em 1809, John Haslam, no livro “Observações sobre a loucura e


melancolia”, descreveu casos de meninos que apresentavam
desenvolvimento motor e psíquico alterados. Em um dos casos, a
mãe afirmava que seu filho gostava de assistir aos serviços
religiosos, mas não compreendia quase nada. Não apresentava
controle esfincteriano e não se socializava com as crianças de sua
idade. O outro caso diz respeito a uma criança agressiva que rasgava
suas roupas, quebrava objetos, automutilava-se e opunha-se a
alimentar-se, além de agir como surdo e de forma opositora
(ROSENBERG, 2011).
Pré-História do TEA
O menino de Aveyron, depois denominado Victor de Aveyron,
foi encontrado em 1801, nos bosques de Cause, na Região de
Aveyron, na França, com aproximadamente 12 anos de idade.
Sua descrição comportamental foi apresentada no livro
“Memórias de Itard”, escrito pelo seu tutor/cuidador Jean
Marc Itard (1743-1838). O perfil de Victor se enquadrava
como um caso típico de TEA: locomoção extraordinária,
pisava na ponta dos pés ao correr, apresentava tendência a
cheirar tudo o que lhe fosse apresentado, demonstrava uma
mastigação extraordinária somente com os dentes incisivos e
havia ausência de comunicação verbal.
Pré-História do TEA

Henry Maudsley (1731-1831), em 1887, no “Tratado sobre


Fisiologia e Patologia da Mente”, descreve o que chama de
alienação da primeira infância. Ilustra uma forma de doença
que aparece precocemente na infância, que acomete mais
crianças do que adultos. É caracterizada por atos estranhos,
considerados como não naturais e sem explicação aparente. A
“doença”, para Henry, não é uma explicação plausível,
necessita de um melhor entendimento (ROSENBERG, 2011).
Pré-História do TEA

O filósofo Fiodor M. Dostoiveski (1821-1881) escreve “O


idiota”, em 1869, obra literária que descreve o príncipe Liev
Nikolaievitchi Michkin, questionando se o personagem seria
louco, epilético, idiota, ou apresentasse algum retardo mental.
No entanto, o príncipe apresentava características empáticas.
Sua presença afetava a todos com um misto de amor, atração,
zombaria, ódio, mas nunca indiferença.
https://www.youtube.com/watch?v=5_PjHsdh28U
Pré-História do TEA

Outro escritor e filósofo russo, Maximo Gorki (1868-1936),


no livro “Niliouchka”, demonstra significativa afeição a um
personagem autista, que segundo ele, apresenta aspectos
atraentes, tais como beleza, alegria, sinceridade e
despreocupação com a vida. E conclui que Niliouchka não sabe
os sentidos da vida, nem da morte, e apresenta sérios
comprometimentos no estabelecimento de contatos afetivos,
que fará com que ele sempre distorça a compreensão das
pessoas sobre ele
História do TEA

A terminologia “autismo” foi inserida na literatura psiquiátrica


em 1906 por Plouller para designar demência infantil.
Posteriormente, em 1911, o psiquiatra Suíço Eugen Bleuler
(1857-1939)com intuito da descrição sintomática da
esquizofrenia infantil, considerou o autismo como perda de
contato com a realidade, causada pela impossibilidade ou
grande dificuldade na comunicação interpessoal
(KENYON; KENYON; MIGUEL, 2002).
História do TEA

Léo Kannner e Donald Grey Tripelett – Primeiro Diagnóstico


de Autismo da História

https://www.youtube.com/watch?v=u6bPjDl3870
História do TEA

Na obra “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”, o psiquiatra


austríaco, naturalizado americano, Leo Kanner(1894-1981),
caracterizou o autismo infantil a partir do estudo com 11 crianças do
sexo masculino que apresentavam isolamento social, sobretudo,
resistência ao contato afetivo. Segundo Kanner, essas crianças
vieram ao mundo com uma incapacidade inata de manter contato
afetivo, assim como outras crianças vêm ao mundo com déficits
motores ou intelectuais.O transtorno autístico do contato afetivo
ficou conhecido como síndrome de Kanner. Ele definiu dois critérios
que seriam pilares dessa sua recém-descoberta: a solidão e a
insistência obsessiva.
História do TEA

A Síndrome de Asperger: psicopatia autista


História do TEA

Hans Asperger e o Terceiro Reich: participação em Programa


de Eutanásia

https://www.youtube.com/watch?v=sZr4RNXZ8gY
História do TEA

Síndrome de Asperger e o Transtorno do Espectro do Autismo

Neurodiversidade
História do TEA

Síndrome de Kanner # Síndrome de Asperger


A síndrome de Asperger se tornou conhecid em 1981, devido
aos esforços da psiquiatra britânica Lorna Wing(1928-2014)
que apresentou ao mundo médico-científico, o artigo
“Asperger’s Syndrome: a Clinical Account” –Síndrome de
Asperger: um relato clínico. A inovação de Asperger consistiu
em usar a terminologia autista dissociando-a da esquizofrenia.
As crianças descritas, no caso, não apresentavam alucinações e
nem delírios, sintomas clássicos da esquizofrenia, mas um
déficit social quase que permanente e contínuo.
História do TEA

Síndrome de Kanner # Síndrome de Asperger

O intrigante se manifesta quando encontramos,nessa


diferenciação, uma seletividade, que se apresenta desde
a época de Hans Asperger, existindo, de um lado
autistas intelectualmente capazes (educáveis) e úteis por
seu brilhantismo intelectual, artístico e acadêmico; e,de
outro, autistas “Kanners” (ineducáveis),devido agraves
limitações comportamentais e sensoriais.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental (DSM-I e II)

A primeira edição do Manual Estatístico de Transtorno


Mental (DSM-I)(APA, 1952)menciona a palavra “autista”
para descrever sintomas inerentes à esquizofrenia. Isso se
repete na edição posterior de 1968 (APA, 1968), na qual
continua a prevalecer o termo autista, em relação à
especificação do diagnóstico de esquizofrenia, não
designando o diagnóstico próprio de autismo.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental (DSM- I e II)


Os DSM I e II apareceram respectivamente nos anos 1952 e
1968, e eram então fortemente influenciados pela
psicodinâmica freudiana, portanto, de fundamentação
psicanalítica. Os sintomas não eram importantes, senão a
causa, tida então como uma ameaça interna (libidinal) da
personalidade que precisavas ser elucidada. Entretanto, ficou
evidente a confusão reinante que tais classificações geraram,
uma vez que pacientes com idênticos sintomas recebiam
diagnósticos muito diferentes.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental (DSM- III)


No DSM-III (APA, 1980), publicação de 1980, constava autismo
infantil na categoria “Transtorno Global de Desenvolvimento
(TGD)”. A efetuação do diagnóstico respeitaria a observação
clínica por meio de seis critérios: i) ausência de alucinações e
delírios, afastando-se da esquizofrenia; ii) aparecimento dos
sintomas antes dos 30 meses de vida; iii) prejuízo significativo na
linguagem; iv) presença de ecolalia e padrões peculiares na
comunicação; v) comportamentos resistentes à variância, tais como
resistência a mudanças de rotina, apego a situações e objetos
específicos.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental (DSM- III)

Mesmo com os esforços de cientificação dos sintomas do


autismo infantil, gerou-se uma inconformidade de
interpretações dos critérios, comuns em diagnósticos
psiquiátricos baseados em observações. Daí, sempre
acontecer a revisão desses critérios para uma aproximação
mais fidedigna do que consiste a síndrome em análise.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental (DSM-III-R)

Já na revisão do DSM-III(APA, 1980), resultando no DSM-


III-R(APA, 1987), o diagnóstico de autismo infantil passou a
ser denominado de “transtorno autista”. O número de
critérios para o diagnóstico foi ampliado de seis para
dezesseis, agora dividido em três categorias. Para o paciente
receber o diagnóstico, deveria apresentar, no mínimo, oito
sintomas entre as três categorias. Dessa forma, foi expandido
o número de diagnósticos, pois passou a abranger casos em
que os sintomas de autismo eram mais leves.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental(DSM-IV)


A publicação do DSM-IV(APA, 1994), em 1994, acarretou mais
confusão frente ao diagnóstico de TEA, pois acrescentou uma
nova forma de manifestação de autismo: a Síndrome de
Asperger(SA). Na interpretação de alguns especialistas, a AS não
se configurava tecnicamente como uma forma de autismo, mas,
pelo DSM-IV, estava enquadrada entre os cincos transtornos
listados como TGD, juntamente com o transtorno autista,
Transtorno Global de Desenvolvimento sem
outraespecificação(TGD-SOE)14, Síndrome de Rett e Transtorno
Desintegrativo da Infância(TDI).
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental(DSM-IV-TR)


Na revisão do DSM-IV(APA, 2000), os diagnósticos passaram
a alternar entre TGD e TEA. Com o surgimento da SA, a ideia
de espectro se propagou, pois, de um lado, encontravam-se os
gravemente incapacitados, e, do outro, os de alta
funcionalidade. A lógica do conceito de espectro do autismo
ganhou legitimidade na vida real dos indivíduos
diagnosticados com TGD-SOE, seus familiares e médicos,
pois contemplava suas características variáveis e distintas,
mesmo quede difícil definição e compreensão específica.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental(DSM-5)

O DSM-V(APA, 2015)inaugura a nomenclatura


Transtorno do Espectro do Autismo(TEA). O autismo é
situado na categoria de Transtornos do
Neurodesenvolvimento, assumindo a categoria de
espectro. O termo abrangente contempla os diversos
especificadores de identificação de suas variações, como
a presença ou ausência de comprometimento intelectual
e/ou de linguagem, dentre outros.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental(DSM-5)

O TEA engloba o transtorno do autismo do DSM –IV(APA,


1994),o Transtorno de Asperger, o Transtorno
Desintegrativo Infantil e o Transtorno Invasivo do
Desenvolvimento (SOE). Assim, é possível que uma
criança previamente diagnosticada com Transtorno de
Asperger como DSM-IV(APA, 1994)pode, portanto, ser
diagnosticada como DSM-5(APA, 2015)com TEA leve,
com os especificadores “sem deficiência intelectual” e “sem
comprometimento estrutural da linguagem”.
História do TEA

Manual Estatístico de Transtorno Mental(DSM-5)

O método introduzido pelo DSM-5 utiliza escalas para


dimensionar o diagnóstico espectral, mas essa abordagem
também encontrou resistência, pelo fato de que essas escalas
não eram baseadas em fortes evidências, com o agravante
de não serem parte da rotina psiquiátrica (Adam, 2013).
Além disso, a dimensionalidade dos transtornos de
personalidade variava quando testadas em ensaios de campo
por diferentes grupos de psiquiatras, chegando a
conclusões diferentes.
História do TEA

O Futuro Manual Estatístico de Transtorno Mental(DSM-5.1)

A heterogeneidade e a baixa confiabilidade do diagnóstico


psiquiátrico tradicional e o moderno e crescente impacto da
neurociência em psiquiatria vêm forçando a comunidade de
psiquiatras a adotar a ideia de se usar medidas
neurobiológicas como novos critérios de diagnóstico.
Existe uma crescente literatura sobre esta questão com ênfase
especial nos endofenótipos e sua condição de elemento
intermediário entre suscetibilidade genética e transtorno
mental. https://youtu.be/xajTQ7RXAiM
Bibliografia
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. Washington, DC: American
Psychiatric Association, 1952.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 3. ed. Washington, DC: American
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AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 3. ed. Washington, DC: American
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AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 3. ed. Washington, DC: American
Psychiatric Association, 1987.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4. ed. Washington, DC: American
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AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Psychiatric Diagnosis and the Diagnostic Statistical Manual of Mental Disorders (Fourth
Edition – DSM-IV). Fact Sheet. 1997.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4 ed. Text Revision). Washington,
DC: American Psychiatric Association, 2000.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed,
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CRUZ, Talita. Autismo e Inclusão: experiências no Ensino Regular. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.
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SCHIMDT, Carlo. Autismo, Educação e Transdisciplinaridade. In: SCHIMDT, Carlo. (org). Autismo, Educação e Transdiciplinaridade. Campinas,
SP: Papirus, 2013.
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