Você está na página 1de 642

CINEMA MUSICAL

NA AMÉRICA LATINA
APROXIMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS

EL CINE MUSICAL
EN AMÉRICA LATINA
APROXIMACIONES CONTEMPORÁNEAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
REITOR João Carlos Salles Pires da Silva
VICE-REITOR Paulo Cesar Miguez de Oliveira
ASSESSOR DO REITOR Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


DIRETORA
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
CONSELHO EDITORIAL
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
José Teixeira Cavalcante Filho
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
ORGANIZADORES
GUILHERME MAIA, LAURO ZAVALA
COORDINADORES

CINEMA MUSICAL
NA AMÉRICA LATINA
APROXIMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS

EL CINE MUSICAL
EN AMÉRICA LATINA
APROXIMACIONES CONTEMPORÁNEAS

SALVADOR
EDUFBA
2018
Autores, 2018.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil desde 2009.
Capa e projeto gráfico
Gabriel Cayres
Editoração
Larissa Ribeiro
Revisão
Mariana Rios Amaral de Oliveira
Normalização
Cecília Nascimento

Sistema de Bibliotecas – UFBA

Cinema musical na América Latina : aproximações contemporâneas = El cine


musical en América Latina : aproximaciones contemporáneas / Guilherme Maia e
Lauro Zavala, organizadores.- Salvador: EDUFBA, 2018.
639 p.
Textos em português e espanhol
ISBN: 978-85-232-1801-0
1. Filmes musicais – América Latina. 2. Filmes Musicais – América Latina – História.
I. Maia, Guilherme. II. Zavala, Lauro. III. Título: El cine musical en América Latina:
aproximaciones contemporáneas

CDD - 791.43098
CDU - 791.221.2(8)

Elaborada por Evandro Ramos dos Santos - CRB-5/1205

Editora afiliada à

Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo
s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br
edufba@ufba.br
Sumário

9 Apresentação geral
23 Presentación general

PARTE 1 ‒ Teoría y análisis comparativo

39 Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical


Lauro Zavala

61 Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro:


tangueros, prostibulares, carnavalescos
Guilherme Maia

99 Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas


hispanoamericanos contemporáneos
Sophie Dufays

PARTE 2 ‒ Historia del cine musical

Argentina
127 La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina
(1896-1945)
Jorge Grassi y Anabella Bustos

147 No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955)


César Maranghello

183 Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores:


rockumentales argentinos (1971-1986)
Javier Campo y Tomás Crowder-Taraborrelli
Brasil
207 Cidadão Downey
Arthur Autran

227 Chanchada, Carnaval e carnavalização


Fred Góes, André Uzêda e Leonardo Bora

249 Um possível cinema juvenil e musical brasileiro: questões de


segmentação e consumo musical na formação de um cinema de
entretenimento juvenil no Brasil
Zuleika de Paula Bueno

México
277 Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica
Rocío González de Arce Arzave

305 El videoclip musical en México: esbozos de una historia


Julián Woodside

PARTE 3 ‒ Estudios de caso: siglo XX

Argentina
333 Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina
Rosângela Fachel de Medeiros

Brasil
363 O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro
cômico e a revista musicada
Rafael de Luna Freire

393 Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e


Vicente Celestino
Heloísa de A. Duarte Valente e Simone Luci Pereira

423 Diante do improviso: variações no documentário brasileiro


Cristiane da Silveira Lima

453 Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura


Maria Gabriela S. M. C. Marinho

Chile
469 Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra:
indústria cultural, o roto e a modernidade
Fabián Núñez
México
493 Lucha Reyes y Sofía Álvarez: la apropiación subversiva de la canción
ranchera en el cine mexicano de los cuarentas
Siboney Obscura Gutiérrez

513 Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández: casos de


contemplación, compasión y éxtasis
Roberto Domínguez Cáceres

PARTE 4 ‒ Estudios de caso: siglo XXI

Brasil
533 O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de
Fabricando Tom Zé
Márcia Carvalho

Colombia
553 Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical
Jerónimo Rivera-Betancur, Enrique Uribe-Jongbloed y Oscar
Olaya-Maldonado

Uruguay
575 El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en
el género musical
Rosario Radakovich

PARTE 5 ‒ Testemonios

Brasil
599 Entrevista com João Luiz Vieira
Guilherme Sarmiento

México
611 Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas
Rubén Olachea Pérez

631 Organizadores
632 Autores
Apresentação geral

Este livro é fruto dos projetos de pesquisa “O cinema musical na América Latina:
ficção documentários e novos formatos”, financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), e “Os musicais no Brasil: cinema e televisão”,
apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), ambos realizados no âmbito do Laboratório de Análise Fílmica (LAF),
grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Contemporâneas (PósCom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Os dois projetos foram concebidos, em primeiro lugar, por ter sido consta-
tada, ao longo de pesquisas preliminares, a ausência de uma produção acadêmica
analítica – e até mesmo histórica – quantitativamente expressiva sobre os musicais
latino-americanos enquanto gênero audiovisual, apesar do fato de ter sido esse um
dos gêneros mais explorados durante as três primeiras décadas do cinema sonoro
em países como Argentina, México e Brasil. Em segundo lugar, por considerarmos
necessário contribuir para a integração entre os estudos sobre cinema e sobre a can-
ção popular na América Latina. Como a performance diegética de canções populares
é um dos elementos definidores do cinema musical, esse gênero foi visto por nós,
do LAF, como um objeto de estudo ideal para observar modos de interação entre os
filmes e as canções que os habitam no contexto do cinema latino-americano.
É esta a vocação mais fundamental deste nosso livro: reunir pesquisa-
doras e pesquisadores com interesse em escrever sobre os filmes musicais
latino-americanos e, assim, dar um passo em direção a uma sistematização
de conhecimento acerca de um gênero que, embora tenha sido dominante na
produção cinematográfica da América Latina ao longo de mais de três décadas,
não tem sido alvo de muita curiosidade da comunidade acadêmica.
Neste volume coletivo, três tipos de pesquisas sobre o cinema musical
foram reunidos: (1) estudos teóricos e comparativos; (2) panoramas histo-
riográficos de abrangência nacional; e (3) estudos de caso representativos da
produção musical latino-americana. A esses estudos, foi adicionado um par
de depoimentos de colegas pesquisadores. Examinando questões nucleares e
tangentes ao fenômeno, os artigos e depoimentos contemplam aspectos de
musicais ficcionais, documentários musicais, telenovela, videoclipes e núme-
ros musicais em filmes não musicais.
A maioria dos artigos foi escrita por pesquisadores(as) da área do audio-
visual, mas o livro reúne trabalhos de investigadores(as) com formação e
atuação em muitas outras áreas, como musicologia, teoria literária, litera-
tura comparada, comunicação, estudos culturais, semiótica, história, antro-
pologia e ciências sociais. A seguir, apresentamos as ideias centrais de cada
um dos artigos do livro.

Teoria e análise comparativa

A primeira seção começa com um modelo de análise, proposto por Lauro


Zavala, que permite determinar as características do filme musical clássico
(universal e didático), do musical moderno (o oposto do clássico) e do musical
pós-moderno (no qual as características clássicas e modernas são justapostas).
Essa distinção é estabelecida ao analisar o uso de imagem, som, montagem,
encenação e estrutura narrativa em cada um desses três paradigmas genéri-
cos. Esse modelo, por sua vez, estabelece uma correspondência com a natureza
maravilhosa ou fantástica de cada musical. O musical clássico adota a estética
do maravilhoso ao apresentar como natural algo impossível de acontecer na
realidade, ou seja, uma música extradiegética é ouvida e os personagens dan-
çam e cantam de acordo com uma ordem coreográfica estabelecida. O musical

10 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


moderno incorpora estratégias do fantástico, já que os personagens e espec-
tadores sabem que o que acontece é uma convenção fictícia. No musical pós-
-moderno, as estratégias clássica e moderna são justapostas de maneira lúdica,
irônica e, muitas vezes, paródica.
Partindo de uma reflexão acerca da natureza do musical cinematográ-
fico e sobre os filmes musicais produzidos fora dos muros de Hollywood,
Guilherme Maia discute critérios para a escultura de um corpus constituído
por filmes latino-americanos de longa-metragem que poderiam ser abriga-
dos na chave genérica dos musicais e, em seguida, apresenta os resultados de
uma pesquisa em bancos de dados, enciclopédias e dicionários em que iden-
tificou uma intensa produção de musicais de longa-metragem na Argentina,
no México e no Brasil durante as três primeiras décadas do cinema sonoro,
aproximadamente. No marco de uma revisão de bibliografia sobre o cinema
latino-americano das décadas de 1930, 1940 e 1950, Maia identifica que esses
picos de produção de musicais coincidem com fases que foram chamadas
de “Idades de Ouro” e examina o discurso histórico sobre os musicais “dou-
rados” argentinos, brasileiros e mexicanos com um olhar comparativo em
direção às principais espécies de musicais produzidas nesses países: as pelí-
culas tangueras, na Argentina; os melodramas prostibulares, no México; as
chanchadas, no Brasil.
No artigo de Sophie Dufays, são analisados dois filmes mexicanos
(La misma luna e Post Tenebras Lux) e dois argentinos (El polaquito e Una
semana solos), nos quais personagens que não são cantores profissionais
cantam uma canção popular. O objetivo do artigo é indicar quais as carac-
terísticas da tradição melodramática pertencem ou se opõem em cada um
desses filmes. Observa-se aqui como as cenas de canto encenam (ou sub-
vertem) sua função melodramática tradicional, que consiste em colocar em
jogo uma estética de consolo diante da experiência de desapropriação. A
análise confirma que, em filmes melodramáticos, como La misma luna e El
polaquito, o conflito familiar surge do exterior, enquanto nas películas de
caráter antimelodramático, como Post Tenebras Lux e Una semana solo, o
conflito narrativo ocorre dentro da família. Em todos os casos, contudo, a
canção cantada por um amateur desafinado impede o acesso à utopia que
promete o melodrama, construindo um espaço definido pela melancolia.

Apresentação Geral 11
História do cinema musical

ARGENTINA

Em artigo sobre o papel de tango no cinema argentino de 1896 a 1945,


Jorge Grassi e Anabella Bustos começam por estudar o lugar que ocupam
os filmes mudos de José Agustín Ferreyra, cujos títulos, temas e persona-
gens tangueros nos permitem falar de um “folhetim de periferia”. Por sua
vez, o filme ¡Tango! (Luis Moglia Barth, 1933) abre o período industrial e
clássico do cinema argentino, retoma temas de filmes mudos e estabelece
os elementos do melodrama tanguero: o declínio de mulheres para a pros-
tituição e a ascensão do homem como um cantor de tango. Pouco depois,
surge a ópera tanguera, que consiste na trilogia Ayúdame a vivir (1936),
Besos Brujos (1937) e La ley que olvidaron (1938), dirigida por Ferreyra e es-
trelada por Libertad Lamarque. O cinema tanguero tem a sua emblemática
trilogia no cinema de Manuel Romero: Los muchachos de antes no usaban
gomina (1937), La vida es un tango (1938) e Carnaval de antaño (1940). Por
fim, o ciclo se encerra com La cabalgata del circo (1944), estrelado por Hugo
del Carril e a mesma Lamarque, oferecendo um olhar nostálgico e metafic-
cional às películas tangueras.
Em seu passeio historiográfico, César Maranghello nos conta que nem tudo
foi tango (e rock) no cinema argentino, em um relato divertido e detalhado dos
muitos musicais produzidos no cinema argentino de 1933 a 1955, destacando
em cada filme o enredo, os atores, os intérpretes e as peças musicais mais des-
tacadas. O percurso começa com a influência da música espanhola e segue com
comédias e paródias, as histórias de travestismo e de confusiones sexuais, os
sucessos das divas e dos “divos”, os boleros e os boleristas, a presença das rum-
beras, da música clássica, do balé e da música popular de outras províncias,
terminando com os ritmos juvenis dos anos 1950 e o anúncio dos novos ritmos
que prenunciaram a mudança cultural iminente da próxima década.
O trabalho de Javier Campo e Tomás Crowder-Taraborrelli condensa
uma experiência geracional ao observar como os documentários de rock
produzidos entre 1971 e 1986 na Argentina registram a psicodelia e a rebel-
dia de seus espectadores. Os autores propõem a existência de quatro tipos

12 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


de rockumental: o de caráter historiográfico; o documentário que grava um
concerto; aquele que é, em si mesmo, uma performance; e o antimusical,
de caráter de vanguarda. Eles falam sobre Rock hasta que se ponga el sol
(1973), Adiós Sui Generis (1976), Prima Rock (1982), Buenos Aires Rock (1983)
e Spinetta, el video (1986). Para os autores, essa safra de rockumentais, filmes
ligados a produtores comerciais e organizadores de festivais, têm um valor
mais próximo do registro de um entusiasmo massivo do que de um comen-
tário social da época.

BRASIL

Preenchendo uma lacuna na historiografia sobre o cinema brasileiro, Arthur


Autran lança um novo olhar sobre o papel decisivo do produtor Wallace
Downey na relação entre a indústria fonográfica e os primeiros filmes sonoros
cinematográficos produzidos no Brasil: comédias musicais carnavalescas pre-
cursoras das chanchadas das décadas de 1940 e 1950. Observando um contex-
to contingenciado por importantes mudanças tecnológicas e políticas, assim
como pela fricção entre impulsos nacionalistas e pela influência estrangeira no
nosso cinema, Autran nos revela o “Cidadão Downey” como um empreende-
dor capitalista possível para o cinema brasileiro naquele momento histórico, e
não simplesmente como um empresário oportunista e desleixado preocupado
apenas em ganhar dinheiro, lugar simbólico tradicionalmente esculpido para
Downey pela nossa historiografia.
As investigações sobre o fenômeno do Carnaval realizadas no âmbito
do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Carnavalescos (Niec), grupo de pes-
quisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), subjazem ao artigo
escrito por Fred Góes, André Uzêda e Leonardo Bora. Acompanhando uma
tendência notável também em autores como João Luís Vieira, Rafael de
Luna Freire e Lisa Shaw, os autores operam uma inversão de polaridade
no capital simbólico das chanchadas das décadas de 1940 e 1950 e defen-
dem que as contingências políticas, econômicas, sociais e tecnológicas que
favoreceram o surgimento e o êxito comercial das chanchadas geraram uma
safra de filmes que levou às telas e alto-falantes de todo o país não um mero
produto de entretenimento e alienação para as massas, mas uma das mais
ricas manifestações da cultura popular brasileira, um fenômeno marcado

Apresentação Geral 13
pelo hibridismo cultural, pela sinergia com a canção popular, o disco, o
rádio, o teatro o circo e o Carnaval.
Zuleika de Paula Bueno, de olho em estratégias de segmentação do
mercado cinematográfico, apresenta resultados de suas investigações sobre
o nicho dos filmes musicais brasileiros voltados para um público juvenil.
Tomando como ponto de partida o surgimento dos filmes de rock dos anos
1950 nos Estados Unidos, a autora observa a penetração pontual do rock nos
números musicais das chanchadas a partir da célebre imitação cômica que o
ator Oscarito faz de Elvis Presley em De vento em popa (Carlos Manga, 1957),
nos fala da chegada da bossa-nova às telas e dos filmes da Jovem Guarda na
década de 1960, assim como do rock progressivo/psicodélico e da disco music
em musicais dos anos de 1970. Bueno vê essas manifestações como antece-
dentes de um fenômeno que têm sua culminância nas décadas de 1980 e 1990,
com a intensificação da produção de musicais direcionados para o nicho do
público infantil e para os aficionados do rock e do pop brasileiros que con-
quistaram um espaço midiático importante no rádio e na televisão naquele
momento.

MÉXICO

O trabalho de Rocío González de Arce Arzave oferece uma visão panorâmi-


ca dos mais de 800 filmes mexicanos que, desde 1896 até o ano 2000, têm
em seus títulos alguma alusão ao universo musical. Identificando cada um
deles, foi elaborado um mapa cronológico no qual é indicada a presença
de 48 gêneros musicais, entre os quais predomina a música ranchera. Ao
mesmo tempo, a autora propõe a existência de quatro períodos claramente
marcados: pré-clássico (1896-1930), clássico (1931-1964), moderno (1965-
1980) e pós-moderno (1981-2000). A última seção aponta a presença de nu-
merosos subgêneros musicais na história do cinema mexicano meritórios
de um estudo mais aprofundado em termos de uso da linguagem audiovi-
sual: melodrama musical, comédia musical, biopics musicais, musicais me-
xicanistas, regionalistas e pan-americanos, musical ranchero e os filmes de
rumbeiras, cabareteras e vedetes.
Em seu trabalho sobre a história do videoclipe no México, Julián
Woodside propõe definir como videoclipe qualquer produto ou fragmento

14 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


audiovisual cujo eixo de argumentação e montagem seja baseado em uma
composição ou situação musical. A partir dessa definição, o autor explora os
antecedentes intermediáticos desse gênero audiovisual, bem como as repre-
sentações visuais dos musicais no México; sua presença no cinema sonoro
e no cinema musical; a importância expressiva e comercial que a tecnolo-
gia do videotape e da repetição reivindicam; as formas de experimentação
estética do videoclipe como manifestação discursiva; os principais materiais
do videoclipe de autor; e a aparente crise e reconfiguração da indústria de
videoclipes no México. O trabalho é resultado de uma pesquisa documental
e da realização de mais de 25 entrevistas com cineastas, músicos, jornalistas
e pesquisadores, abrangendo um território acadêmico ainda pouco sistema-
tizado até o momento.

Estudos de caso: século XX

ARGENTINA

A pesquisadora gaúcha Rosângela Fachel de Medeiros nos fala sobre o modo


como tradições dos musicais cinematográficos argentinos são articula-
das enquanto estratégias audiovisuais e midiáticas na telenovela argentina
Solamente vos, produto campeão absoluto de audiência do ano de 2013. O
artigo defende que a tradição da comedia blanca, uma espécie de comédia
familiar-romântica que floresceu no teatro e no cinema argentinos, associada
a um modo inovador de articulação entre os números musicais e a narrativa –
duos entre os verdadeiros intérpretes da canção no mercado fonográfico e os
personagens da telenovela, que “contracenam” sem interagir diretamente –,
conferiu ao produto uma especial potência midiática e, ao mesmo tempo,
um sabor de novidade. Se a comédia romântica é a classe de películas mais
taquillera no cinema argentino, o mesmo se dá no âmbito das telenovelas.
Fachel argumenta que o êxito de Solamente vos, assim, paga tributos a essa
tradição, mas a inserção de números musicais que rompem violentamente
com o naturalismo decerto acrescentou ao sabor do produto um tempero
ousado e inusitado que agradou ao paladar da audiência.

Apresentação Geral 15
BRASIL

Rafael de Luna Freire nos dá um bom exemplo das virtudes da noção de


intermedialidade como método historiográfico ao apresentar um estudo de
caso sobre o filme O samba da vida (Luiz de Barros, 1937). Com base em pes-
quisa de material factual e crítico em jornais e revistas de cinema publicados
na década de 1930, Freire nos fala, em um primeiro momento, sobre o suces-
so dos musicais revue de Hollywood nas bilheterias brasileiras, os primeiros
musicais-revista brasileiros, o esgotamento desse gênero e o processo que
conduziu a uma safra dos chamados “musicais de bastidores”. A seguir, anali-
sando a dinâmica intermedial entre O samba da vida e a peça teatral que deu
origem ao filme – a comédia Frederico Segundo, escrita por Eurico Silva –,
Freire nos revela um filme que paga tributos ao teatro ligeiro cômico e ao
teatro de revista, mas que, ao mesmo tempo, clama pelo direito de pertencer
ao reino dos produtos essencialmente cinematográficos e de ter seu valor
cultural e artístico reconhecido.
Heloísa de A. Duarte Valente e Simone Luci Pereira elegeram como objeto
um fenômeno que, na nossa avaliação, ainda não foi suficientemente contem-
plado pelos estudos sobre o cinema brasileiro: o drama musical O ébrio, obra
dirigida por uma mulher – Gilda de Abreu – em 1946. No âmbito da cinema-
tografia brasileira, O ébrio é um raríssimo exemplar exitoso daquilo que Sylvia
Oroz chamou de “cinema de lágrimas da América Latina” e é, até hoje, um dos
cinco filmes de maior bilheteria da história do cinema brasileiro. Tendo como
substrato conceitual o conceito de mediações culturais, tal como proposto por
Jesús Martín-Barbero, as autoras associam o sucesso de O ébrio ao êxito radio-
fônico e fonográfico da canção homônima, lançada em 1936, assim como ao
rico capital midiático que o protagonista do filme – o cantor Vicente Celestino
– detinha na época, à potência retórica dos artefatos culturais massivos que têm
como matriz cultural comum o melodrama e à existência de uma espécie de
“integração sentimental latino-americana”, como disse Barbero: um gosto pelo
drama sentimental dilacerado derivado daquilo que Carlos Monsiváis chamou de
“educação melodramática” dos radiouvintes e espectadores da América Latina.
Cristiane da Silveira Lima, cantora, pesquisadora e professora do curso
de Comunicação e Multimeios da Universidade Estadual de Maringá (UEM),
se pergunta que tipos de desafios são enfrentados pelos documentaristas que

16 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


registram performances musicais marcadas pela improvisação. Até que ponto,
nesses documentários, o recurso à improvisação na música produzida pelos
músicos filmados se reflete no tecido narrativo e audiovisual das obras? A
autora busca respostas a essa pergunta por meio da análise das relações entre
texto e contexto em três obras: A cantoria (Geraldo Sarno, 1969-1970), Partido
alto (Leon Hirszman, 1976-1982) e Hermeto, campeão (Thomaz Farkas, 1981),
três documentários que filmam manifestações musicais cujas performances
implicam diferentes graus e estilos de improvisação. Por meio de uma rigorosa
análise das obras, a autora nos mostra em que medida esses filmes se deixam
(ou não) contaminar pela improvisação dos músicos, ou seja, se a improvisação
no ato de executar as músicas se manifesta no ato de fazer os filmes.
Um estudo de caso sobre o filme Cabaret mineiro (Carlos Alberto Prates
Correia, 1980) é a valiosa contribuição de Maria Gabriela S.M.C. Marinho para
este livro. Artigo produzido no marco de uma pesquisa sobre o regime civil-
-militar de 1964 e a produção cultural do país, especialmente o cinema e a
dramaturgia televisiva, “Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da
ditadura” analisa o filme de Correia sob uma perspectiva interdisciplinar que
entrelaça o contexto político e cultural do lançamento da obra com referên-
cias estéticas e temporais à região conhecida como sertão do estado de Minas
Gerais. Em um filme de poucos diálogos formais, que, nas palavras de Marinho,
“é construído em torno de um fio que se organiza como viagem onírica e eró-
tica”, o cancioneiro da região, manifesto em recriações e composições originais
de Tavinho Moura, se mescla às paisagens, gerando a matriz cultural de um
sertão que emana “da experiência profunda das obras literárias selecionadas” e
das vivências de infância do diretor Prates Correia.

CHILE

No artigo “Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra:


indústria cultural, o roto e a modernidade”, Fabián Núñez, com um olhar cen-
trado na dinâmica simbólica da figura do roto – personagem nascido na mí-
dia impressa chilena que, ao longo do tempo, encarnou diferentes espíritos
de “chilenidade” –, analisa duas comédias musicais dirigidas por José Bohr:
Uno que ha sido marino (1951) e El Grand Circo Chamorro (1955). Em uma
relação sempre dialógica entre texto e contexto, o autor observa, nos números

Apresentação Geral 17
musicais das duas películas, a presença de um roto já distante do arquétipo
rural-nacionalista, um roto insubordinado e “abolerado” por influência das
indústrias cinematográficas e fonográficas mexicanas. No espírito desse roto,
contudo, segundo Núñez, a matriz identitária conservadora continua em cena,
cantando canções de louvor pátrio.

MÉXICO

No trabalho de Siboney Obscura Gutiérrez, é estudada a presença de Lucha


Reyes e Chabela Vargas – nome profissional de Sofía Álvarez – como intér-
pretes da música ranchera no cinema mexicano dos anos 1940. Essa presen-
ça é notável, porque é uma apropriação, por parte dessas mulheres, de um
gênero musical originalmente masculino, cujos temas eram o álcool, ma-
térias de imprensa sensacionalista, abandono, desprezo, elogios à provín-
cia, exaltação do machismo e afirmação nacionalista ou regionalista. Lucha
Reyes foi a primeira mulher a interpretar esse tipo de música no cinema
e seu sucesso de público foi imediato a partir de sua participação em Ay
Jalisco, não seja rajes! (Joselito Rodríguez, 1941), embora já tivesse sido con-
siderada a melhor intérprete da música rancheira na década anterior. Ela e
Chabela Vargas tomaram para si os atributos da masculinidade em trajes,
ações e caráter, enfatizando de maneira jubilosa as características de sua
personalidade insubordinada.
Roberto Domínguez Cáceres observa o efeito emocional produzido pela
música em quatro filmes de Emilio el Indio Fernández. Em cada um deles, o
autor identifica momentos em que o espectador, em decorrência da música,
acompanha os personagens e experimenta de modo intenso diferentes formas
de contemplação (Las abandonadas, 1954), compaixão (Enamorada, 1946),
empatia (La malquerida, 1949) ou êxtase (Víctimas del pecado, 1951). Em todos
os casos, é a música que dá sentido às sequências centrais, mesmo quando
estamos diante de um roteiro frágil, de performances inexpressivas ou de uma
mise-en-scène improvável. Todas essas limitações episódicas são superadas ao
ouvir a música, que não só constrói uma verossimilhança convincente, mas
também intensifica o sentido dramático das cenas, torna-se parte do diálogo,
integra-se ao desenvolvimento das ações e, em conjunto com a notável foto-
grafia de Gabriel Figueroa, sustenta a atmosfera do filme como um todo. Para

18 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


o autor, esses filmes confirmam que a música tem o poder de representar a
condição humana e de ajudar a construir a memória emocional dos especta-
dores de filmes.

Estudos de caso: século XXI

BRASIL

Pesquisadora pioneira nos estudos sobre a canção no cinema brasileiro, Márcia


Carvalho, atenta ao crescente interesse de realizadores e de público, no Brasil,
por documentários sobre compositores, intérpretes e bandas dos mais varia-
dos estilos musicais e épocas, analisa questões relacionadas ao documentário
musical biográfico, tomando como estudo de caso o filme Fabricando Tom Zé
(Décio Matos Júnior, 2006). O viés analítico do artigo incide sobre as estrutu-
ras narrativas, os modos de produção e a forma como a obra articula vida, obra
e performances musicais com o objetivo de dar forma audiovisual à importân-
cia cultural do biografado. A autora vê o filme como um documentário musical
protagonizado pela voz falada (e não pela música), mas também como um lugar
privilegiado para observar a construção da memória, em especial a memória
privada e individual carregada de subjetividade e nostalgia.

COLOMBIA

Jerónimo Rivera-Betancur, Enrique Uribe-Jongbloed e Óscar Olaya-Maldonado,


notando a relativamente baixa presença do cinema musical na história do ci-
nema colombiano, dedicam-se a discutir quatro casos: Te busco (Ricardo Coral,
2002), El ángel del acordeón (María Camila Lizarazo, 2008), Los viajes del viento
(Ciro Guerra, 2009) e Ciudad Delirio (Chus Gutiérrez, 2014). Nesses filmes,
é possível observar diferentes estilos e modelos de produção, assim como a
exploração de gêneros musicais tão diferentes quanto a salsa, o vallenato e a
música tropical. Em alguns casos, o artigo nos mostra como a música é usada,
respectivamente, para definir personagens, locais, situações e sentimentos. Te
busco é uma comédia romântica que pouco se afasta das tradições do gêne-
ro; Ciudad Delirio, também de natureza romântica, passou a ser acusada de

Apresentação Geral 19
promover uma visão machista da região caribenha; El ángel del acordeón per-
mite conhecer algumas das variantes menos convencionais do vallenato; e Los
viajes del viento é o filme que mais se distingue dos demais ao apresentar uma
história à margem de convenções genéricas mais tradicionais.

URUGUAI

O trabalho de Rosario Radakovich explora o impacto público e as característi-


cas estilísticas e narrativas de dois filmes musicais uruguaios contemporâneos:
a comédia musical Miss Tacuarembó (Sastre, 2010) e Hiroshima (Stoll, 2009),
definido como um “musical silencioso”. O primeiro pertence à estética kitsch,
entendida, de acordo com Lipovetsky e Serroy, como “a miscelânea e incoe-
rência estilística, a promiscuidade heteroclítica e uma profusão decorativa e
sentimental”, que pode ser vista no estilo pop do conjunto, nos figurinos, co-
reografia e música. No entanto, é “um filme contracultural em relação ao status
quo e às normas hegemônicas de uma sociedade heterossexual, conservadora e
religiosa”.1 No caso de Hiroshima, os diálogos são substituídos por intertítulos
e o espectador não ouve, mas experimenta a música que o protagonista ouve
em seus fones de ouvido quando vagueia pela cidade em uma bicicleta, em
história fragmentada inspirada nos romances de Mario Levrero. Para a autora,
em ambos os casos, são filmes de natureza contracultural, que fazem frente ao
cinema musical dominante de Hollywood.

Depoimentos

BRASIL

Guilherme Sarmiento, parceiro na gestão das primeiras fases do projeto de


pesquisa que gerou este livro, transmuta em saborosa prosa uma entrevis-
ta realizada, no marco do projeto, com o pesquisador João Luiz Vieira, da
Universidade Federal Fluminense (UFF). Vieira falou, entre muitas outras

1 LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. La estetización del mundo: vivir en la época del capitalismo artísti-
co. Barcelona: Anagrama, 2015.

20 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


coisas, da tradição de um “pré-cinema musical” nos filmes cantantes da “bela
época” do cinema silencioso brasileiro; da explosão dos filmes musicais em
Hollywood e na América Latina após a mudança para o paradigma sonoro; das
imbricações das comédias musicais carnavalescas brasileiras com a indústria
cultural e com a cultura popular da época; das cinebiografias musicais como
um possível caminho de renovação do gênero no Brasil. Falando com otimis-
mo sobre o interesse recente de uma nova geração de realizadores pelo cinema
musical, Vieira dá de brinde aos cineastas brasileiros uma ideia de argumento
que nos parece assaz interessante: realizar cinebiografias musicais dos grandes
comediantes das chanchadas, como Oscarito, Grande Otelo e Ankito.

MÉXICO

Por fim, Rubén Olachea Pérez faz um relato do conteúdo do documentário


Hecho en México (Duncan Bridgeman, 2012), construído como uma colagem
complexa, na qual inúmeras imagens do país são sobrepostas na forma de per-
guntas dirigidas aos mexicanos em frente ao espelho. Depois de mostrar as
opiniões de artistas, escritores e jornalistas, bem como imagens da migração,
narcocultura, violência urbana, cotidiano, gastronomia, humor, erotismo, re-
ligiosidade e muitas outras dimensões da identidade cultural, o documentário
conclui com a recuperação da canção de Chava Flores, “A qué le tiras cuando
sueñas, mexicano”, como uma pergunta que, formulada com humor há mais de
50 anos, continua ressoando na consciência nacional.
***
No último capítulo do livro The International Film Musical – coletânea
organizada por Corey Creekmur e Linda Y. Mokdad –, Rick Altman, sem dúvida
o pesquisador que dedicou mais energia ao estudo dos musicais cinematográ-
ficos estadunidenses, confessa sua surpresa ao se deparar com a diversidade
de manifestações do gênero musical em muitos outros países do mundo. Ele
percebe como cada país trabalha o musical à sua maneira e se rende ao fato de
que os conceitos por ele trabalhados no livro American Film Musical – no qual
discute a natureza dos musicais cinematográficos, propõe uma taxonomia do
gênero e sustenta a tese de que os musicais têm como essência comum uma
narrativa de duplo foco – não dão conta da diversidade de manifestações de
cinema musical no mundo.

Apresentação Geral 21
Embora, em muitos casos, os musicais de outras nacionalidades mante-
nham importantes vínculos de conteúdo e forma com a tradição da Hollywood
clássica, eles compõem um conjunto plural de espécies moldadas a partir da
influência de diferentes tradições culturais, artísticas e de contingências tec-
nológicas, econômicas e políticas locais.
Altman conclui que, no que diz respeito ao que chamamos de “filme
musical”, ainda há um vasto território a ser explorado. O cinema musical
latino-americano, sem dúvida, é parte desse território que o nosso livro se
propõe a explorar.

GUILHERME MAIA (Universidade Federal da Bahia, Brasil)


LAURO ZAVALA (Universidad Autónoma Metropolitana
– Unidad Xochimilco, México)

22 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


Presentación general

Este libro es resultado de dos proyectos de investigación realizados en el


Laboratorio de Análisis Fílmico (LAF), que pertenece al Programa de Posgrado
en Comunicación y Cultura Contemporáneas (PosCom) de la Universidad
Federal de Bahía (UFBA), en Brasil. El primero de estos proyectos es “El cine
musical en América Latina: ficción, documental y nuevos formatos”, financiado
por la Fundación Amparo para la Investigación en la Región de Bahía (Fapesb).
El segundo proyecto es “Los musicales en Brasil: cine y televisión”, apoyado
por el Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq).
Estos proyectos fueron concebidos, en primer lugar, al comprobar a lo
largo de las investigaciones preliminares la ausencia de una producción acadé-
mica de carácter histórico y analítico suficiente sobre los musicales latinoame-
ricanos como género audiovisual, a pesar del hecho de haber sido uno de los
géneros más explorados durante las tres primeras décadas del cine sonoro en
países como Argentina, México y Brasil. En segundo lugar, estos proyectos sur-
gieron al considerar la necesidad de contribuir a la integración de los estudios
sobre el cine y la canción popular en América Latina. Como la presentación
diegética de las canciones populares es un elemento que define al cine musical,
este género fue visto por nosotros, en el LAF, como un objeto de estudio ideal
para observar los modos de interacción entre las canciones y las películas que
las contienen en el contexto del cine latinoamericano.
Ésta es la vocación más fundamental de nuestro libro. Reunir investigado-
ras e investigadores interesados en escribir sobre las películas musicales latinoa-
mericanas, y con ello avanzar hacia una sistematización del conocimiento sobre
un género que anteriormente había sido dominante en la producción cinemato-
gráfica de América Latina durante más de tres décadas, y que sin embargo no ha
sido objeto de mucha curiosidad por parte de la comunidad académica.
En este volumen colectivo se han reunido tres tipos de investigaciones
sobre el cine musical: (1) estudios teóricos y comparativos; (2) panoramas his-
toriográficos de alcance nacional; y (3) estudios de caso representativos de la
producción musical latinoamericana. A esos estudios se han sumado un par
de testimonios de colegas investigadores. Al examinar problemas centrales y
marginales al fenómeno, estos artículos y testimonios contemplan diversos
aspectos de los musicales ficcionales, documentales sobre música, telenovelas,
videoclips y números musicales en películas no musicales.
La mayoría de los artículos fueron escritos por investigadores(as) del área
audiovisual, pero el libro también reúne trabajos de investigadores(as) con for-
mación y experiencia em muchas otras áreas, como musicologia, teoría litera-
ria, literatura comparada, comunicación, estudios culturales, semiótica, his-
toria, antropología y ciencias sociales. A continuación presentamos las ideas
centrales en cada uno de los artículos del libro.

Teoría y Análisis Comparativo

La primera sección se inicia con un modelo de análisis propuesto por Lauro


Zavala que permite precisar los rasgos del cine musical clásico (universal y didác-
tico), el musical moderno (que es su opuesto) y el musical posmoderno (donde se
yuxtaponen rasgos clásicos y modernos). Esta distinción se establece al estudiar
el empleo de imagen, sonido, montaje, puesta en escena y estructura narrativa
en cada uno de estos tres paradigmas genéricos. A su vez, este modelo establece
una correspondencia con la naturaleza maravillosa o fantástica de cada película
musical. El musical clásico adopta la estética de lo maravilloso al presentar como
natural algo que es imposible que ocurra en la realidad, es decir, que se escuche

24 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


una música extradiegética y que los personajes bailen y canten siguiendo un or-
den coreográfico establecido. El musical moderno incorpora estrategias de lo
fantástico, pues los personajes y los espectadores sabemos que lo que ocurre es
una convención ficcional. Y en el musical posmoderno ambas estrategias (clásica
y moderna) se yuxtaponen de manera lúdica, irónica y, con frecuencia, paródica.
A partir de una reflexión acerca de la natureza del cine musical y sobre las
películas musicales producidas fuera de Hollywood, Guilherme Maia discute
los criterios para la construcción de un corpus constituido por películas lati-
noamericanas de largometraje que podrían ser consideradas como parte del
género musical. Y a continuación presenta los resultados de una investigación
realizada en bancos de datos, enciclopedias y diccionarios donde se presenta
una nutrida producción de musicales de largometraje en Argentina, en México
y en Brasil durante las primeras tres décadas del cine sonoro. En el marco de
una revisión bibliográfica sobre el cine latinoamericano de las décadas de 1930,
1940 y 1950, Maia identifica que esos picos en la producción de musicales
coinciden con los períodos que fueron llamados las “Épocas de Oro” y exa-
mina el discurso histórico sobre los musicales “dorados” argentinos, brasileños
y mexicanos con una mirada comparativa en relación con los principales tipos
de musicales producidos en esos países: las películas tangueras en Argentina,
los melodramas prostibulares en México y las chanchadas en Brasil.
En el trabajo de Sophie Dufays se estudian dos películas mexicanas (La
misma luna y Post Tenebras Lux) y dos argentinas (El polaquito y Una semana
solos) donde un personaje que no es cantante profesional canta una canción
popular. El objetivo del artículo es señalar cuáles son los rasgos de la tradición
melodramática a la que pertenecen o a la que se oponen cada una de estas
películas. Aquí se observa cómo las escenas de canto ponen en escena (o sub-
vierten) su tradicional función melodramática, que consiste en poner en juego
una estética de la consolación frente a la experiencia de la desposesión. En el
análisis se confirma que en las películas melodramáticas (como La misma luna
y El polaquito) el conflicto familiar surge del exterior, mientras que en las de
carácter antimelodramático (como Post Tenebras Lux y Una semana solos) el
conflicto narrativo ocurre en el interior de la familia. Pero en todos los casos,
la canción que canta un amateur desafinado impide el acceso a la utopía que
promete el melodrama, construyendo un espacio definido por la melancolía.

Presentación 25
Historia del Cine Musical

ARGENTINA

En su trabajo sobre el rol del tango en el cine argentino de 1896 a 1945, Jorge
Grassi y Anabella Bustos empiezan por estudiar el lugar que ocupa el cine si-
lente de José Agustín Ferreyra, cuyos títulos, temas y personajes tangueros per-
miten hablar de un “folletín arrabalero”. A su vez, ¡Tango! (Luis Moglia Barth,
1933) abre el período industrial y clásico del cine argentino, resume los tópicos
del cine mudo y establece los elementos del melodrama tanguero: el descen-
so de la mujer hacia la prostitución y el ascenso del hombre como cantor de
tangos. Poco después surge la ópera tanguera formada por la trilogía Ayúdame
a vivir (1936), Besos Brujos (1937) y La ley que olvidaron (1938), dirigidas por
Ferreyra y protagonizadas por Libertad Lamarque. Y la cabalgata tanguera tie-
ne su trilogía emblemática en el cine de Manuel Romero: Los muchachos de
antes no usaban gomina (1937), La vida es un tango (1938) y Carnaval de anta-
ño (1940). Finalmente, este ciclo tanguero se cierra con La cabalgata del circo
(1944), protagonizada por Hugo del Carril y la misma Lamarque, que ofrece
una mirada nostálgica y metaficcional al cine tanguero.
En su recorrido historiográfico, César Maranghello ofrece un ameno y
pormenorizado recuento de los numerosos musicales producidos en el cine
argentino de 1933 a 1955, señalando en cada película la trama, los actores, los
intérpretes y las piezas musicales más destacadas. Este recorrido se organiza
por géneros, empezando por la música española para continuar con las come-
dias y parodias, las historias de travestismo y enredo sexual, los éxitos de las
divas y los divos, los musicales de boleros y tango, la presencia de las rumberas,
la música clásica, el ballet y la música popular de las otras provincias, termi-
nando con los ritmos juveniles de la década de 1950 y el anuncio de los nuevos
ritmos que anunciaban el inminente cambio cultural de la siguiente década.
El trabajo de Javier Campo y Tomás Crowder-Taraborrelli condensa una
experiencia generacional al observar cómo en los documentales de rock argen-
tinos producidos durante el lapso comprendido entre 1971 y 1986 se regis-
tra la psicodelia y la rebeldía de sus espectadores originales. En este reco-
rrido se propone la existencia de cuatro tipos de rockumental: el de carácter

26 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


historiográfico; el documental que registra un concierto; el que es en sí mismo
un performance, y el antimusical, de carácter vanguardista. Aquí se comen-
tan Rock hasta que se ponga el sol (1973); Adiós Sui Generis (1976); Prima Rock
(1982); Buenos Aires Rock (1983), y Spinetta, el video (1986). En general, ligados
a las productoras comerciales y a los organizadores de festivales, estos rocku-
mentales tienen un valor más próximo al registro del entusiasmo masivo que al
comentario social de la época.

BRASIL

Cubriendo un vacío en la historiografía del cine brasileño, Arthur Autran di-


rige una nueva mirada sobre el papel decisivo que tuvo el productor Wallace
Downey en la relación que se estableció entre la industria fonográfica y las pri-
meras películas sonoras producidas en Brasil: comedias musicales carnavales-
cas precursoras de las chanchadas de las décadas de 1940 y 1950. Observando
un momento histórico caracterizado por notables cambios políticos y tecno-
lógicos, así como por la fricción entre impulsos nacionalistas y la influencia
extranjera en el cine brasileño, Autran revela al “Ciudadano Downey” como un
emprendedor capitalista que apoyó al cine brasileño y no simplemente como
un empresario oportunista preocupado sólo por ganar dinero, que es el lugar
simbólico tradicionalmente creado para Downey por la historiografia nacional.
Las investigaciones sobre el Carnaval realizadas en el Núcleo
Interdisciplinario de Estudios Carnavalescos (Niec), grupo de investigación
de la Universidad Federal de Río de Janeiro (UFRJ), son el sustento del artí-
culo escrito por Fred Góes, André Uzêda y Leonardo Bora. Acompañando una
tendencia notable también en autores como João Luís Vieira, Rafael de Luna
Freire y Lisa Shaw, los autores realizan una inversión de la polaridad en el capi-
tal simbólico de las chanchadas de las décadas de 1940 y 1950, y sostienen que
las contingencias políticas, económicas, sociales y tecnológicas que favorecie-
ron el éxito comercial de las chanchadas generaron una cosecha de películas
que llevó a las pantallas y bocinas de todo el país no un mero producto de
entretenimiento y alienación para las masas, sino una de las más ricas mani-
festaciones de la cultura popular brasileña, un fenómeno marcado por el hibri-
dismo cultural y la sinergia con la canción popular, el disco, la radio, el teatro,
el circo y el carnaval.

Presentación 27
Zuleika de Paula Bueno, al observar las estrategias de segmentación del
mercado cinematográfico, presenta los resultados de sus investigaciones
sobre el nicho de las películas musicales brasileñas dirigidas al público juvenil.
Tomando como punto de partida el surgimento de las películas de rock de la
década de 1950 en los Estados Unidos, la autora observa la penetración pun-
tual del rock en los números musicales de las chanchadas a partir de la célebre
imitación cómica que el actor Oscarito hizo de Elvis Presley en De vento em
popa (Carlos Manga, 1957), que nos habla de la llegada del bossa-nova a las
pantallas y de las películas de la Jovem Guarda en la década de 1960, así como
del rock progresivo/psicodélico y de la disco music en musicales de la década de
1970. Bueno ve esas manifestaciones como antecedentes de un fenómeno que
tiene su culminación en las décadas de 1980 y 1990, con la intensificación de
la producción de musicales dirigidos a un nicho de público infantil y para los
aficionados al rock y al pop brasileños que conquistaron un espacio mediático
importante en la radio y la televisión en aquel momento.

MÉXICO

En el trabajo de Rocío González de Arce Arzave se ofrece una mirada panorá-


mica a las más de 800 películas mexicanas que desde 1896 hasta el año 2000
tienen en su título alguna alusión al universo musical. Al identificar cada una
de ellas se elaboró un mapa cronológico donde se señala la presencia de 48 gé-
neros o ritmos musicales, entre los que domina la música ranchera. Al mismo
tiempo se propone la existencia de cuatro periodos claramente marcados: pre-
clásico (1896-1930), clásico (1931-1964), moderno (1965-1980) y posmoderno
(1981-2000). En la última sección se señala la presencia de numerosos subgé-
neros musicales en la historia del cine mexicano, cada uno de los cuales amerita
un estudio en términos de su empleo del lenguaje audiovisual, como es el caso
del melodrama musical, la comedia musical, los biopics musicales, y los musi-
cales mexicanista, regionalista y panamericanista, además del musical ranchero
y el cine de rumberas, cabareteras y vedettes.
En su trabajo sobre la historia del videoclip en México, Julián Woodside
propone definir como videoclip cualquier producto o fragmento audiovi-
sual cuyo eje de argumentación y montaje parte de una composición o situa-
ción musical. A partir de esta definición, el autor explora los antecedentes

28 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


intermediales de este género audiovisual, así como las representaciones visua-
les de lo musical en México; su presencia en el cine sonoro y en el cine musical;
la importancia expresiva y comercial que cobró la tecnología del videotape y la
repetición; las formas de experimentación estética del videoclip como mani-
festación discursiva; los principales materiales del videoclip de autor, y la apa-
rente crisis y reconfiguración de la industria del videoclip en México. Este tra-
bajo es resultado de una investigación documental y la realización de más de 25
entrevistas a realizadores, músicos, periodistas e investigadores, con lo cual se
cubre un territorio académico poco sistematizado hasta la fecha.

Estudios de Caso: Siglo XX

ARGENTINA

La investigadora argentina Rosângela Fachel de Medeiros nos habla sobre la


manera como las tradiciones de los musicales cinematográficos argentinos se
integran en la telenovela argentina Solamente vos, que fue la favorita absoluta
del público en el año 2013. El artículo sostiene que la tradición de la comedia
blanca, una especie de comedia familiar-romántica que floreció en el teatro y el
cine argentinos, asociada a una nueva forma de articulación entre los números
musicales y la narración – dúos entre los verdaderos intérpretes de la canción
en el mercado fonográfico y los personajes de la telenovela, que aparecen en
escena sin interactuar directamente –, confirió al producto una especial fuerza
mediática y, al mismo tiempo, un aire de novedad. Si la comedia romántica es
el género más taquillero en el cine argentino, lo mismo ocurre con las teleno-
velas. Fachel argumenta que el éxito de Solamente vos se debe a esa tradición
y a la inclusión de números musicales que rompen violentamente con el natu-
ralismo, lo cual dio a la serie un sabor inusitado y original que gustó al paladar
del público.

BRASIL

Rafael de Luna Freire nos da un buen ejemplo de las virtudes de la noción


de intermedialidad como método historiográfico al presentar un estudio de

Presentación 29
caso sobre la película O samba da vida (Luiz de Barros, 1937). Con base en
una investigación de material testimonial y crítico en diarios y revistas de cine
publicados en la década de 1930, Freire nos habla, en un primer momento,
sobre el éxito de los musicales revue de Hollywood en las taquillas brasileñas,
los primeros musicales-revista brasileños, el agotamiento de ese género y el
proceso que condujo a la creación de los llamados “musicales de bastidores”.
A continuación, al analizar la dinámica intermedial entre O samba da vida y la
pieza teatral que dio origen a la película – la comedia Frederico Segundo, escri-
ta por Eurico Silva –, Freire nos revela una película que hace un homenaje al
teatro cómico ligero y al teatro de revista, pero que, al mismo tiempo, exige su
derecho a pertencer al terreno de los productos esencialmente cinematográfi-
cos y reconocimiento de su valor artístico y cultural.
Heloísa de A. Duarte Valente y Simone Luci Pereira eligieron como objeto
de estudio un fenómeno que, desde nuestra perspectiva, todavía no ha sido
suficientemente contemplado por las investigaciones sobre el cine brasileño:
el drama musical O ébrio, obra dirigida por una mujer – Gilda de Abreu – en
1946. En el ámbito de la cinematografia brasileña, O ébrio es un rarísimo caso
de lo que Silvia Oroz llamó el “cine de lágrimas da América Latina” y es, hasta
nuestros días, una de las cinco películas con mayor éxito de taquilla en la his-
toria del cine brasileño. Teniendo como fundamento el concepto de mediación
cultural, tal como lo propuso Jesús Martín-Barbero, las autoras asocian el éxito
de O ébrio al éxito radiofónico y fonográfico de la canción homónima, lanzada
en 1936, así como al rico capital mediático que el protagonista de la película
– el cantante Vicente Celestino – celebró en sus días, la fuerza retórica de los
artefactos culturales masivos que tienen como matriz cultural común al melo-
drama, y la existencia de una especie de “integración sentimental latinoame-
ricana”, que surge, como dice Barbero, de un gusto por el drama sentimental
extremo derivado de lo que Carlos Monsiváis llamó la “educación melodramá-
tica” de los radioescuchas y los espectadores de América Latina.
Cristiane da Silveira Lima, cantante, investigadora y profesora del curso de
Comunicación y Multimedios en la Universidad Estatal de Maringá (UEM), se
pregunta a qué clase de desafíos se enfrentan los documentalistas que registran
las distintas formas de la improvisación musical. ¿Hasta qué punto la improvi-
sación en la música producida por los músicos filmados se refleja en el tejido
narrativo y audiovisual de los documentales? La autora busca respuestas a esa

30 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


pregunta por medio del análisis de las relaciones entre texto y contexto en
tres documentales: A cantoria (Geraldo Sarno, 1969-1970), Partido alto (Leon
Hirszman, 1976-1982) y Hermeto, campeão (Thomaz Farkas, 1981), en los que se
filman manifestaciones musicales cuyo desempeño implica diferentes grados
y estilos de improvisación. Por medio de un riguroso análisis de las obras, la
autora nos muestra en qué medida esas películas se dejan (o no) contaminar
por la improvisación de los músicos, es decir, si la improvisación en el acto de
ejecutar la música se manifiesta en el acto de hacer las películas.
El estudio de la película Cabaret mineiro (Carlos Alberto Prates Correia,
1980) es una valiosa contribución de Maria Gabriela S. M. C. Marinho para este
libro. Este artículo fue producido en el marco de una investigación sobre el
régimen civil-militar de 1964 y la producción cultural del país, especialmente
en el cine y la dramaturgia televisiva. Cabaret mineiro: lirismo y transgresión en
el ocaso de la dictadura” analiza la película de Correia desde una perspectiva
interdisciplinaria que entrelaza el contexto político y cultural del lanzamiento
de la obra con referencias estéticas y temporales a la región situada al norte del
estado de Minas Gerais y conocida como sertão mineiro. Es una película con
pocos diálogos formales que, en palabras de Marinho, “se construye alrededor
de un viaje onírico y erótico” donde el cancioneiro regional se manifiesta en
las recreaciones y composiciones originales de Tavinho Moura. Todo ello se
mezcla con los paisajes, generando la matriz cultural de un sertão que surge “de
la experiencia de las obras literarias selecionadas” y de las vivencias de infancia
del diretor Prates Correia.

CHILE

En el artículo “Aspectos sociales de la urbanidad chilena en el cine de posgue-


rra: industria cultural, el roto y la modernidad” Fabián Núñez, con una mirada
centrada en la dinámica simbólica de la figura del roto – personaje surgido en
la mediana empresa chilena que, a lo largo del tiempo, encarnó diferentes es-
píritus de la “chilenidad” –, analiza dos comedias musicales dirigidas por José
Bohr: Uno que ha sido marino (1951) y El Grand Circo Chamorro (1955). En una
relación siempre dialógica entre texto y contexto, el autor observa, en los nú-
meros musicales de las dos películas, la presencia de un roto ya distante del ar-
quetipo rural-nacionalista, un roto insubordinado y “abolerado” por influencia

Presentación 31
de las industrias cinematográficas y fonográficas mexicanas. A pesar de todo,
según Núñez, en el espíritu de ese roto la matriz identitaria conservadora con-
tinúa en escena, cantando canciones de fervor patrio.

MÉXICO

En el trabajo de Siboney Obscura Gutiérrez se estudia la presencia de Lucha


Reyes y Chabela Vargas (nombre profesional de Sofía Álvarez) como intérpretes
de la canción ranchera en el cine mexicano de la década de 1940. Esta presen-
cia es notable porque se trata de una apropiación por parte de estas mujeres
de un género musical originalmente masculino, cuyos temas eran el alcohol,
los elementos de nota roja, el abandono, el desdén, el elogio a la provincia, la
exaltación del machismo y la afirmación nacionalista o localista. Lucha Reyes
fue la primera mujer que interpretó este tipo de canción en el cine, y su éxito
de público fue inmediato a partir de su participación en ¡Ay Jalisco, no te rajes!
(1941), aunque ya en la década anterior era considerada como la mejor intérpre-
te de la canción ranchera. Ella y Chabela Vargas hicieron suyos los atributos de
masculinidad en vestuario, acciones y carácter, enfatizando de manera gozosa
los rasgos de su personalidad insumisa.
Roberto Domínguez Cáceres observa el efecto emocional que produce
la música en cuatro películas de Emilio el Indio Fernández. En cada una de
ellas el autor identifica aquellos momentos en los que el espectador, gracias
a la música, acompaña a los personajes y experimenta, de manera intensa,
distintas formas de contemplación (Las abandonadas, 1954), compasión
(Enamorada, 1946), empatía (La malquerida, 1949) o éxtasis (Víctimas del
pecado, 1951). En todos los casos es la música lo que da sentido a las secuen-
cias centrales, incluso cuando estamos ante un guión endeble, actuaciones
inexpresivas o una puesta en escena inverosímil. Todas estas limitaciones epi-
sódicas son superadas al escuchar la música, que no sólo construye una verosi-
militud convincente, sino que intensifica el sentido dramático de las escenas,
se vuelve parte de los diálogos, se integra al desarrollo de las acciones y, en
conjunto con la notable fotografía de Gabriel Figueroa, sostiene la atmósfera
de la película como totalidad. En estas películas se confirma cómo la música
puede retratar la condición humana y contribuye a construir la memoria emo-
cional de los espectadores de cine.

32 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


Estudios de Caso: Siglo XXI

BRASIL

Investigadora pionera en los estudios sobre la canción en el cine brasileño,


Márcia Carvalho, atenta al creciente interés en Brasil por los documentales
sobre compositores, intérpretes y bandas de los más variados estilos y épocas
musicales, analiza cuestiones relacionadas con el documental musical biográ-
fico, tomando el caso de la película Fabricando Tom Zé (Décio Matos Júnior,
2006). El sesgo analítico del artículo incide sobre las estructuras narrativas, los
modos de producción y la forma como la película articula vida, obra y desem-
peño musical con el objeto de dar forma audiovisual a la importancia cultural
del personaje biografiado. La autora ve la película como un documental musi-
cal protagonizado por la voz hablada (y no por la música), pero también como
un lugar privilegiado para observar la construcción de la memoria, en especial
la memoria privada e individual cargada de subjetividad y nostalgia.

COLOMBIA

Jerónimo Rivera-Betancur, Enrique Uribe-Jongbloed y Óscar Olaya-Maldonado,


al señalar la relativamente escasa presencia del cine musical en la historia del
cine colombiano, se detienen a comentar cuatro casos: Te busco (Ricardo Coral,
2002); El ángel del acordeón (María Camila Lizarazo, 2008), Los viajes del viento
(Ciro Guerra, 2009) y Ciudad Delirio (Chus Gutiérrez, 2014). En estas películas
se observan diferentes estilos y modelos de producción, y la exploración de
géneros musicales tan diferentes como la salsa, el vallenato y la música tropi-
cal. En algunos casos se muestra cómo se utiliza la música, respectivamente,
para definir personajes, locaciones, situaciones y sentimientos. Te busco es una
comedia romántica que se aleja poco de la tradición genérica; Ciudad Delirio,
también de carácter romántico, llegó a ser acusada de promover una visión
machista de la región caribeña; El ángel del acordeón permite conocer algunas
de las variantes menos convencionales del vallenato, y Los viajes del viento es la
que se distingue de las otras por presentar una historia al margen de las con-
venciones genéricas más tradicionales.

Presentación 33
URUGUAY

En el trabajo de Rosario Radakovich se explora el impacto público y las carac-


terísticas estilísticas y narrativas de dos películas musicales uruguayas: la come-
dia musical Miss Tacuarembó (Sastre, 2010) e Hiroshima (Stoll, 2009), definida
como un “musical mudo”. La primera pertenece a la estética kitsch, entendida
(según Lipovetsky y Serroy) como “la mescolanza y la incoherencia estilísticas,
la promiscuidad heteróclita y una profusión decorativa y sensiblera”, lo cual se
puede observar en el estilo pop de la escenografía, el vestuario, la coreografía y la
música. Sin embargo, es “una película contracultural en relación al status quo y
las normas hegemónicas de una sociedad heterosexual, conservadora y religiosa”.
En el caso de Hiroshima, los diálogos son sustituidos por intertítulos y el espec-
tador no oye sino que experimenta la música que el protagonista escucha en sus
audífonos al deambular en bicicleta por la ciudad, en un relato fragmentario ins-
pirado en las novelas de Mario Levrero. Así, en ambos casos se trata de películas
contraculturales frente a la dominante del cine musical hollywoodense.

Testimonios

BRASIL

Guilherme Sarmiento, socio en la gestión de las primeras fases del proyecto


de investigación que generó este libro, convierte en sabrosa prosa una entre-
vista realizada con el investigador João Luiz Vieira, de la Universidad Federal
Fluminense (UFF). En ella habló sobre la tradición de un “pre-cine musical” en
las películas de la “bella época” del cine mudo brasileño; sobre la explosión de las
películas musicales en Hollywood y en América Latina después de la llegada del
sonido; sobre las relaciones de las comedias musicales carnavalescas brasileñas
con la industria cultural y con la cultura popular de la época; sobre las cinebio-
grafias musicales como um posible camino de renovación del género en Brasil.
Mostrando su optimismo sobre una nueva generación de realizadores de cine
musical, Vieira oferece a los directores brasileños una idea que nos parece muy
interesante: realizar cinebiografias musicales de los grandes comediantes de las
chanchadas, como Oscarito, Grande Otelo y Ankito.

34 GUILHERME MAIA E LAURO ZAVALA


MÉXICO

Por último, Rubén Olachea Pérez recuenta los contenidos del documental Hecho
en México (Duncan Bridgeman, 2012), construido como un complejo collage
donde se superponen innumerables imágenes del país en forma de preguntas
dirigidas a los mexicanos frente al espejo. Después de mostrar las opiniones de
artistas, escritores y periodistas, así como imágenes de la migración, la narco-
cultura, la violencia urbana, la rutina cotidiana, la gastronomía, el humor, el ero-
tismo, la religiosidad y muchas otras dimensiones de la identidad cultural, este
documental se cierra con una recuperación de la canción de Chava Flores, A qué
le tiras cuando sueñas, mexicano, como una pregunta que, formulada con humor
hace más de 50 años, sigue resonando en la conciencia nacional.
***
En el último capítulo del libro colectivo The International Film Musical (com-
pilacion organizada por Corey Creekmur y Linda Y. Mokdad), Rick Altman, sin
duda el investigador que ha dedicado más energía a los estudios sobre los musi-
cales estadounidenses, confiesa su sorpresa al descubrir la diversidad de manifes-
taciones del género musical en muchos otros países del mundo. Él observa cómo
cada país trabaja al musical a su manera, y reconoce que los conceptos que él desa-
rrolló en su libro American Film Musical – en el cual discute la natureza de los
musicales cinematográficos, propone una taxonomía del género y sustenta la tesis
de que los musicales tienen como esencia común una narración de doble foco –
no dan cuenta de la diversidad de manifestaciones del cine musical en el mundo.
Sin embargo, en muchos casos los musicales de otras nacionalidades
mantienen importantes vínculos de contenido y de forma con la tradición del
Hollywood clásico, y forman un conjunto plural de especies moldeadas a partir
de la influencia de diferentes tradiciones culturales y artísticas, y de contingen-
cias tecnológicas, económicas y políticas de carácter local.
Altman concluye que, en lo que concierne a lo que llamamos “cine musical”,
todavia hay un vasto territorio por ser explorado. El cine musical latinoameri-
cano, sin duda, es parte de ese territorio que nuestro libro se propone explorar.

GUILHERME MAIA (Universidade Federal da Bahia, Brasil)


LAURO ZAVALA (Universidad Autónoma Metropolitana –
Unidad Xochimilco, México)

Presentación 35
PARTE 1
TEORÍA Y ANÁLISIS COMPARATIVO
Un modelo paradigmático para
el análisis del cine musical

LAURO ZAVALA

Introducción

En estas notas presento un modelo para el análisis del lenguaje cinematográ-


fico que facilita establecer una distinción entre el musical clásico, moderno
y posmoderno.

El Cine Musical más allá de Hollywood

¿Qué es el cine musical? Se puede entender por cine musical toda película de
ficción donde los personajes cantan y/o bailan, ya sea dentro o fuera del esce-
nario, con música producida en escena o fuera de ella.
La tradición académica más abundante sobre el cine musical sigue siendo
la dedicada al cine hollywoodense, y se presenta en un formato historiográ-
fico (FEUER, 1993; FONTENLA, 1971; MORDDEN, 1981); como guía de con-
sulta (MIRET; BALAGUÉ, 2009; MUNSÓ, 2006) o como análisis ideológico.
(RYALL, 1998; SMITH, 2005; WILLIAMS, 1998) Otros estudios se aproximan
al cine musical desde una perspectiva más moderna, y señalan la importancia
de los remakes (DELAMATER, 1998), la parodia (HARRIES, 2000) o la meta-
ficción. (AMES, 1997)
La mayor parte de los estudios sobre el cine musical hollywoodense clásico
está enmarcado en la teoría de los géneros. (NEALE, 2002; PINEL, 2009) A
su vez, la discusión sobre los géneros clásicos tiene como referente el trabajo
de Rick Altman (1984), quien propuso integrar la aproximación ritual (según la
cual los géneros surgen de los deseos del público) y la aproximación ideológica
(según la cual la industria del cine aprovecha los deseos del público para sus pro-
pios fines). Para estudiar los géneros, Altman propuso reconocer los elementos
semánticos y sintácticos en cada película particular. (WALKER, 2015, p. 17)
El modelo de Altman requiere ser ampliado. Por una parte, es necesario
señalar que la aplicación de estas categorías al análisis del lenguaje cinematográ-
fico podría llevar a asociar el análisis sintáctico con el montaje y la narración, y
el análisis semántico con la imagen y la puesta en escena. Pero también es nece-
sario señalar que a estas dos dimensiones (semántica y sintáctica) es necesario
añadir la dimensión pragmática, es decir, el estudio del espectador implícito.
Los estudios sobre el cine musical están orientados a ciertos temas recu-
rrentes, y tratan sobre la agencia narrativa de la música (LEVINSON, 1995;
REAY, 2004); sobre la evolución de la estructura narrativa en el musical
(LACEY, 2000); sobre la relación entre el ritmo del montaje y el ritmo coreo-
gráfico (BUHLER; NEUMEYER; DEEMER. 2010; DANCIGER, 2011); sobre
la percepción de la ficción audiovisual (L. Jullier 2010), y sobre las posibilida-
des artísticas del paralelismo entre música e imágenes en movimiento (MAIA,
2015), o ponen en juego la reflexión sobre los límites del concepto de género.
(STAM, 2001a, 2001b)
El análisis de películas específicas del cine musical se inició con el trabajo
canónico de Raymond Bellour (2000) sobre una secuencia de Gigi (1958), a par-
tir del modelo de la Gran Sintagmática de Christian Metz. Y ha sido continuado
en la tradición alemana con los trabajos de découpage de Gottfried Schlemmer
(1991) sobre Meet Me in St. Louis (1944); Hans-Peter Rodenberg (1995) sobre
Dirty Dancing (1987) y Fred Ritzel (1999) sobre Carmen de Carlos Saura (1983).
Más adelante se han elaborado los trabajos de Jane Feuer (2005) sobre Singing
in the Rain (1952) desde una perspectiva contextual; Ken Danciger (2011) sobre

40 LAURO ZAVALA
el montaje en West Side Story (1964), y Christine Etherington-Wright y Ruth
Doughty en su Introduction to Film Theory (2011) sobre Moulin Rouge (2001)
como ejemplo de los rasgos formales e ideológicos del cine posmoderno.
Desde la incorporación del sonido en el cine en 1927, con El cantante de
jazz, el cine musical ha estado asociado a Hollywood. Sin embargo, siempre
se ha realizado cine musical distinto del hollywoodense, lo mismo en el cine
independiente estadounidense que en el resto del mundo. Los estudios sobre
el cine musical que se produce más allá de Hollywood es todavía incipiente.
(CREEKMUR; MOKDAD, 2013; PARKINSON, 2007)
Éste es un campo de la investigación que requiere mayor atención, aunque
ya existen algunos documentales sobre distintas formas de cine musical ajeno a
Hollywood, especialmente en los casos de India, Inglaterra, México y los países
socialistas durante las décadas de 1940 y 1950 (ver la Filmografía Documental
al final de estas notas).

Análisis Paradigmático del Cine Musical

A continuación propongo un modelo paradigmático para el análisis del cine


musical. Este modelo permite distinguir los recursos utilizados en cada uno de
los paradigmas estéticos del cine de ficción, es decir, los paradigmas del cine
clásico, el cine moderno y el cine posmoderno, reconocibles en el empleo de
cada uno de los componentes del lenguaje cinematográfico, es decir, imagen,
sonido, puesta en escena, estructura narrativa y montaje, además del género y
la ideología. Si bien el sonido es central en éste y cualquier otro género cine-
matográfico, sigue siendo útil estudiar por separado cada uno de estos com-
ponentes, pues ése es el sentido de todo análisis, es decir, el examen preciso de
cada elemento constitutivo en su propia especificidad.
Es conveniente recordar que no existe ninguna película que sea clásica,
moderna o posmoderna de principio a fin, por lo que aquí se han seleccionado
secuencias particulares de películas específicas para ejemplificar un concepto
del análisis paradigmático en relación con algún componente particular (ima-
gen, sonido, montaje etc.).
Al analizar cada uno de estos elementos es posible utilizar las herramientas
del análisis musical. En el empleo de cada elemento encontramos relaciones

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 41


armoniosas o contrastantes, momentos de tensión o relajación, estructuras rít-
micas, acentos, cadencias, tonos, mezclas, motivos recurrentes, consonancias,
resonancias y disonancias estructurales, es decir, manifestaciones del lenguaje
cinematográfico que pueden ser estudiadas con las herramientas conceptuales
que hasta ahora han sido utilizadas exclusivamente para el análisis de la expe-
riencia sonora. Estos conceptos se encuentran en el Glosario que he incluido
al final de estas notas.
Una vez establecido el referente canónico inicial del cine musical hollywoo-
dense, he tratado de utilizar exclusivamente ejemplos ajenos a este cine. Sin
embargo, aunque conozco numerosas películas del cine musical latinoameri-
cano y del cine musical de otras regiones, además de materiales que pertenecen
a géneros poco estudiados del cine musical (animación, videoclips, documental
etc.), es difícil encontrar películas musicales ajenas a Hollywood que sean muy
conocidas. Por esta razón, en lo que sigue utilizo ejemplos muy conocidos del
cine musical independiente (como Shrek, 500 días con ella o Woody Allen), el
cine musical europeo (como Ettore Scola, Terry Gilliam o Billy Eliot), el cine
musical latinoamericano (como María Novaro o Fernando Solanas), el cine
musical de autor (Jean-Luc Godard o Lars von Trier), el cine musical austra-
liano (Moulin Rouge!), el cine musical chicano (Zoot Suit), el cine musical de la
India y el cine musical de Europa del Este. Al presentar aquí un modelo teó-
rico aplicable a cualquier película musical, es conveniente contar con ejemplos
que sean fácilmente identificables por cualquier espectador. Espero que los
lectores estén familiarizados con las secuencias y las películas que menciono a
continuación.

El Cine Musical Clásico

Es necesario señalar que el paradigma clásico corresponde a aquellos rasgos


que son universales y atemporales, es decir, cuyos efectos son similares en cual-
quier espectador en cualquier contexto de enunciación.
Imagen: El elemento esencial en el análisis de las imágenes en movimiento es
el punto de vista de la cámara, es decir, sus emplazamientos y desplazamientos,
especialmente en exteriores. Estos elementos construyen lo que se ha llamado
la transparencia ideológica en el cine clásico, donde el espectador percibe estas
decisiones como naturales, siguiendo la lógica del respectivo género dramático.

42 LAURO ZAVALA
En el cine musical clásico el emplazamiento de la cámara suele acompañar
al protagonista, mostrando su perspectiva y su experiencia, lo cual facilita que
el espectador se identifique con él. Ésa es la función que cumplen los demás
componentes de la imagen, tales como la escala de los planos, los movimien-
tos de cámara, la profundidad de campo y el empleo del color. La llamada
transparencia del cine clásico consiste en la sensación de que la perspectiva
de la cámara tiene un carácter natural en relación con el sentido dramático de
la secuencia. Éste es el caso de los musicales canónicos, como Un americano
en París o Un día en Nueva York y del cine producido en los países socialis-
tas durante el periodo estalinista, como Conductores de tractor (URSS, 1937) o
Líder obrero (Alemania, 1955).
Sonido: Si la herramienta más precisa para el análisis de una secuencia es
el découpage por planos, es decir, el establecimiento de la función que cumple
cada uno de los componentes visuales del lenguaje cinematográfico en cada
uno de los planos, también es necesario establecer un découpage sonoro, que
deberá estar pautado por la variación en los elementos señalados, y que ade-
más tiene rasgos específicos en cada plano (volumen, grano, silencios o mezcla
de planos sonoros). Y también es necesario establecer la relación estructural
del sonido con las imágenes en movimiento. Esta relación puede ser, respecti-
vamente, clásica, es decir, de consonancia didáctica (de carácter dramático);
moderna, es decir, de disonancia dialéctica (de carácter conceptual) o posmo-
derna, es decir, de resonancia dialógica (de carácter intertextual).
En el cine musical clásico la relación entre música e imágenes es de con-
sonancia didáctica, de tal manera que las letras de las canciones se integran
a la historia misma, y suelen ofrecer información crucial para la secuencia
siguiente. A esta integración se le llama la agencia narrativa de la música. En
este tipo de cine se establece una consonancia dramática entre la letra de la
música y el contenido narrativo de las imágenes. Estas características pertene-
cen al cine musical hollywoodense, y se encuentran con frecuencia en el cine
musical contemporáneo, como ocurre en las dos versiones cinematográficas de
Billy Eliot (2000 y 2014).
Aunque gran parte de los trabajos sobre la función de la música se han
opuesto al paralelismo dramático entre imágenes y música (como es el caso de
Adorno, Eisenstein y otros), el paralelismo corresponde a la naturaleza neuro-
nal propia de la condición humana, como ha sido señalado por Torben Grodal

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 43


(2009) y otros teóricos y analistas del lenguaje del cine, además de ser corrobo-
rado por la experiencia de cualquier espectador.
Puesta en Escena: En el cine musical, la puesta en escena puede ser estu-
diada considerando lo que ha sido llamado la amplitud estilística de cada plano
y de cada escena, es decir, todos aquellos recursos visuales que rebasan la uti-
lización de una cámara fija, tales como multiplicación de cámaras, desplaza-
mientos constantes y vertiginosos de la cámara, alternancia de planos, cambios
en el emplazamiento de la cámara, variaciones en la profundidad de campo,
empleo del zoom, solarización de la imagen, cámara en mano o cualquier otra
clase de alteración y manipulación del espacio profílmico que se encuentra
frente a la cámara. Este concepto fue propuesto por Stephen Prince (2003) para
el estudio de la representación de la violencia en el cine de ficción,1 y puede ser
utilizado para el estudio de la puesta en escena en general. La amplitud esti-
lística puede ser cuantificada y representada en una gráfica, de tal manera que
en el eje horizontal se registre la duración de cada plano, y en el eje vertical se
registre la intensidad de los recursos propios de la amplitud estilística.
En el cine musical clásico la amplitud estilística es mínima, lo que significa
que aunque los planos no necesariamente tienen una duración corta, los recur-
sos visuales se reducen al empleo de una cámara fija. Éste es el caso del cine
coreográfico hollywoodense, como los musicales protagonizados por Fred
Astaire y Ginger Rogers, y también de las comedias rancheras mexicanas de
la Época de Oro, como Allá en el Rancho Grande (1936 y 1949) y las sensuales
intervenciones musicales de Ninón Sevilla o María Victoria.
Montaje: En el cine musical, el montaje establece la relación entre el ritmo
de los cortes y el ritmo musical. En el cine musical clásico esta correlación
rítmica es consonante y didáctica, como ocurre en las películas románticas
protagonizadas por Gene Kelly, Frank Sinatra, Audrey Hepburn o Doris Day.
En este cine, el montaje sigue una lógica no obstrusiva, de transparencia fun-
cional. Estos recursos se conservan en películas musicales contemporáneas
como Todos dicen que te amo, de Woody Allen, o en musicales de carácter polí-
tico y claramente didáctico, como el caso de Newsies, donde se propone la

1 En mi trabajo “La representación de la violencia en el cine de ficción” (ZAVALA, 2012) desarrol-


lo el concepto de amplitud estilística para el estudio de la puesta en escena clásica, moderna y
posmoderna.

44 LAURO ZAVALA
reconstrucción musical de una huelga de vendedores de periódico en el año
1900 en la ciudad de Nueva York.
Narración: El cine musical clásico es didáctico y moralizante, y por eso es
heredero de la narrativa decimonónica. Aquí todo número musical se inicia
con una toma de conjunto que facilita visualizar a todos los personajes de la
secuencia y establecer mecanismos de complicidad con el espectador, lo que
contribuye a la creación del suspenso narrativo. El cierre de cada número musi-
cal es epifánico, pues contiene una revelación narrativa dirigida al espectador,
que de esa manera suele saber algo más que algunos de los personajes. Así son
las secuencias musicales en el cine de rumberas y las secuencias de comedia
romántica producidas en las décadas de 1940 y 1950, donde por ejemplo Pedro
Infante declara su amor interpretando diversas canciones. También éste es
el caso de adaptaciones musicales canónicas, como la espectacular West Side
Story (1961).

El Cine Musical Moderno

El paradigma moderno se opone al clásico, y consiste en la ruptura o tema-


tización de las características del paradigma clásico, y por lo tanto tiene una
naturaleza experimental, individual e irrepetible.
Imagen: En contraste con el cine musical clásico, en el cine musical
moderno hay un evidente choque entre el sentido de las imágenes y la letra de
las piezas musicales bailables, como ocurre en las coreografías de un anti-mu-
sical como Bailando en la obscuridad, de Lars von Trier, donde la cámara en
mano sigue a los personajes mientras éstos bailan en situaciones muy penosas,
que son notablemente incongruentes con el sentido de la música.
Sonido: En el cine musical moderno la relación entre las imágenes y la
música con frecuencia establece una especie de disonancia narrativa, de tal
manera que la música no cumple una agencia narrativa, es decir, no forma
parte de la narración. La secuencia es disfrutable por sí misma, pero no ofrece
información narrativa que tenga efectos notables en las siguientes secuencias.
Esto significa que durante las secuencias musicales no hay catálisis, sino que
son nudos o puentes que unen una unidad narrativa con la siguiente. Éste es el
caso de la inclasificable Renaissance Man (1994), donde un grupo de reclutas
renegados improvisan en su salón de clases una versión de Hamlet a ritmo

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 45


de hip hop. En Tangos: El exilio de Gardel (1985), musical político producido
durante el exilio causado por la dictadura argentina, los intérpretes que viven
en París bailan en las calles para reunir dinero y sobrevivir mientras esperan las
condiciones que les permitan regresar a su país.
Puesta en Escena: En el cine musical moderno la amplitud estilística es
muy alta, y las tomas tienden a rebasar la duración convencional de 4 a 6
segundos. Un caso notable es Le bal (El baile, 1983), película de Ettore Scola
donde se escenifica la historia europea reciente, mostrando (sin emplear ni
un solo diálogo) lo que ocurre en distintos momentos históricos en un mismo
salón de baile.
Montaje: En el cine musical moderno, el montaje crea rupturas de la misma
secuencia musical, como en el caso extremo de Una mujer es una mujer (Jean-
Luc Godard, 1962). Otra estrategia de montaje sincopado se encuentra en la
secuencia central de Al maestro, con cariño (To Sir, with Love, 1967), donde
escuchamos el tema musical de la película mientras observamos una serie de
fotos fijas de los estudiantes que visitan el Museo Británico acompañados por
su profesor. También encontramos un ritmo de montaje errático en A Hard
Day’s Night.
Narración: En el cine musical moderno los números musicales suelen
parodiar secuencias musicales de películas particulares. Éste es el caso de The
Meaning of Life, del grupo Monty Python, donde la secuencia musical de la
numerosa familia irlandesa parodia las secuencias musicales donde encontra-
mos grupos de niños cantando a coro, a pesar de vivir en condiciones deplora-
bles, como ocurre en Oliver! y Anita la huerfanita.

El Cine Musical Posmoderno

El paradigma posmoderno, por su parte, ha existido casi desde el nacimiento


del cine en el siglo XIX, y consiste en el simulacro de los rasgos clásicos o mo-
dernos, o la presencia simultánea de los rasgos clásicos y modernos. La simul-
taneidad y los simulacros se construyen con el empleo de recursos formales y
estructurales de naturaleza moderna, como la ironía, la metaficción, la temati-
zación, la parodia, el juego, la ambigüedad y la indeterminación.
Imagen: En el cine musical posmoderno se utilizan diversos recursos de
extrañamiento (ostrannenie), tales como metaficción, tematización y disolución

46 LAURO ZAVALA
de la cuarta pared. Estos recursos irónicos están presentes con frecuencia en
las secuencias musicales de algunas películas de Tin Tan en las décadas de 1940
y 1950, como ocurre en la apócrifa y sensual clase de música en Músico, poeta
y loco o la serenata improvisada en El rey del barrio. Más recientemente, estos
recursos son utilizados en las piezas musicales de la neobarroca Shrek, donde
se yuxtaponen personajes provenientes de distintas casas productoras de dibu-
jos animados.
Sonido: En el cine musical posmoderno existe una relación de resonancia
intertextual entre la música utilizada y otras películas de la tradición genérica,
lo cual ha sido considerado como una relación architextual. Esto ocurre en
Fiebre latina o Moulin Rouge! También suele haber una resonancia metafórica
o alegórica, como en los planos-secuencia de carácter musical en Danzón. En
este último caso, las imágenes siguen la cadencia de la música (en lugar de que
la música acompañe a las imágenes).
Puesta en Escena: En el cine musical posmoderno la amplitud estilística es
variable en el interior de una misma escena o entre una escena y la siguiente,
como en las secuencias musicales de Fiebre latina (EEUU, 1982), Danzón
(México, 1992) y Nada más (Cuba, 2001).
Montaje: En el cine musical posmoderno, el montaje se construye en el
interior del encuadre, con el empleo de planos-secuencia (como en Danzón) o
bien se construye de manera vertiginosa, con el empleo de múltiples cámaras
y complejos movimientos de cámara (como en Moulin Rouge). En Calabacitas
tiernas (1949), el protagonista entabla una conversación con su reflejo en el
espejo, y éste no sólo responde sus preguntas, sino que también lo acompaña
para cantar en un lúdico dúo de guitarra.
Narración: El cine musical posmoderno es intensamente intertextual, y
suele estar saturado de alusiones a películas canónicas del cine clásico. Esto
ocurre en Moulin Rouge en relación con musicales clásicos como The Sound of
Music o algunas secuencias musicales protagonizadas por Marilyn Monroe en
Gentlemen Prefer Blondes. En Introducing Dorothy Dandridge (1999) se entre-
mezclan dos historias: la relación personal de esta actriz negra con el produc-
tor y director Otto Preminger y el rodaje de la película Carmen Jones, donde la
ópera de Bizet se convierte en la historia de un soldado negro que se enamora
de Carmen durante la Segunda Guerra Mundial. Esta yuxtaposición produce
una hibridación musical de carácter metaficcional.

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 47


Cuadro 1 – Paradigmas del Cine Musical
Análisis de Secuencias Particulares

Cine Musical Clásico


IMAGEN (transparencia ideológica): Musical hollywoodense (1929-1959)
SONIDO (consonancia dramática): Billy Eliot (2000; 2014)
PUESTA EN ESCENA (baja amplitud estilística): Allá en el Rancho Grande (1936)
MONTAJE (transparencia funcional: Todos dicen que te amo (1996)
NARRACIÓN (incoativa decimonónica): Un día en Nueva York (1949)
GÉNERO (maravilloso): Blancanieves y los siete enanos (1937)
IDEOLOGÍA (terminativa epifánica): La bella durmiente (1959)

Cine Musical Moderno


IMAGEN (situación incongruente): Bailando en la obscuridad (2000)
SONIDO (disonancia narrativa): Tangos: El exilio de Gardel (1985)
PUESTA EN ESCENA (alta amplitud estilística): El baile (1983)
MONTAJE (edición sincopada): Al maestro, con cariño (1967)
NARRACIÓN (parodia textual): El sentido de la vida (1983)
GÉNERO (fantástico interior, exterior o tematizado): Ver Cuadro 2
IDEOLOGÍA (rechazo del cine clásico): Una mujer es una mujer (1961)

Cine Musical Posmoderno


IMAGEN (metaficción tematizada): Músico, poeta y loco (1948)
SONIDO (resonancia intertextual): Moulin Rouge! (2001)
PUESTA EN ESCENA (amplitud estilística variable): Fiebre latina (1982)
MONTAJE (planos-secuencia): Danzón (1992)
NARRACIÓN (metaparodia architextual): 500 días con ella (2009)
GÉNERO (fantástico posmoderno): Calabacitas tiernas (1949)
IDEOLOGÍA (carnavalización lúdica): Shrek (2001)

Fuente: elaboración propia.

El Cine Musical como Maravilloso o Fantástico

En términos aristotélicos, la mayor parte del cine musical pertenece a la co-


media, precisamente la comedia musical. Sin embargo, los rasgos del melodra-
ma aparecen con frecuencia en este género, como ocurre en el cine biográfico
(Evita), en el cine carcelario (Chicago), en la crónica de un suicidio paulatino
(All That Jazz) o en la reconstrucción de una crisis social (Cabaret).
Ahora bien, el cine musical plantea un problema conceptual que surge
de su propia verosimilitud, y que depende de la situación que caracteriza al
género, y que consiste en que los personajes canten y bailen en condiciones en
las que esto es racionalmente imposible.

48 LAURO ZAVALA
Aquí es necesario recordar la distinción entre lo maravilloso y lo fantástico.
Lo maravilloso existe cuando lo imposible es considerado como natural, preci-
samente como un acto de fe. En cambio, la existencia de lo fantástico requiere
la existencia de una conciencia racional (por parte de los espectadores) de que
algo es imposible, si bien en ambos casos se establece un pacto de verosimili-
tud entre el espectador y las reglas de género.
Por otra parte, es necesario establecer que el fantástico clásico es aquel
donde el hecho imposible es exterior a los personajes (porque es algo que ocu-
rre en el mundo físico). En cambio, el fantástico moderno es aquel donde el
hecho imposible es interior a los personajes (porque es algo que ocurre en su
percepción o en su imaginación). El fantástico posmoderno yuxtapone, com-
bina y alterna elementos de lo maravilloso y lo fantástico gracias al empleo de
la parodia (de una película particular), la metaparodia (de un género cinema-
tográfico), la metaficción, la metalepsis, la tematización, el distanciamiento y
otros recursos irónicos que permiten esta yuxtaposición paradójica, creando
simulacros de lo maravilloso y lo fantástico.2
A partir de esta distinción podemos reconocer la naturaleza metagenérica
(es decir, maravillosa o fantástica) del cine musical. En primer lugar, el cine
musical clásico puede ser considerado como una forma de lo maravilloso, pues
lo imposible (el hecho de que surja una música de ninguna parte, y que los
personajes bailen y canten acompañados por esta música) es presentado como
algo natural. En cambio, en el cine musical moderno accedemos al terreno de
lo fantástico, pues esta imposibilidad es tematizada, hiperbolizada, parodiada
y, en pocas palabras, asumida como una convención aceptada por los especta-
dores en un pacto de lectura.
En este último caso, la diferencia entre una película de carácter fantástico
clásico o moderno está determinada por la fuente de donde proviene la música.
Nos encontramos ante un caso de fantástico clásico cuando lo que ocurre en
escena es imposible pero el origen de la música es exterior a los personajes, es
decir, evidente en la puesta en escena, como en el cine musical de la India o en
el concierto donde canta la protagonista de Who Framed Roger Rabbit.

2 La distinción entre las categorías de lo maravilloso y lo fantástico se desarrolla en el trabajo de


Omar Nieto (2015).

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 49


En cambio, cuando el origen de la música es acusmático (invisible para los
espectadores) y corresponde al estado de ánimo de los personajes, se trata de
un cine fantástico moderno, como ocurre en Una mujer es una mujer, Bailando
en la obscuridad.
La tematización de las convenciones del cine musical clásico suele producir
un cine fantástico posmoderno. Éste es el caso ya mencionado de El sentido de la
vida, donde se parodian películas específicas.
En el cine musical posmoderno se observa una tendencia a la metaparodia
y a la hibridación irónica con los otros géneros clásicos (film noir, cine bio-
gráfico, cine político y animación). A diferencia de la parodia, donde se iro-
niza una secuencia particular de una película específica, la metaparodia es una
parodia de los rasgos de una tradición genérica architextual. Así, por ejemplo,
Bugsy Malone es una metaparodia de film noir que utiliza los recursos propios
del musical clásico, donde todos los actores son niños y adolescentes, y las
ametralladoras disparan balas de merengue. En 500 días con ella, una multi-
tud anónima baila en la calle acompañando al protagonista en el momento de
mayor felicidad, parodiando así la tradición de la comedia romántica donde la
protagonista es una mujer enamorada. Por su parte, The Singing Detective es
una hiperbolización metaficcional de film noir musical donde conocemos la
historia sobre la elaboración de la novela que el personaje-narrador no termina
de escribir, mientras sueña que su esposa trata de quedarse con los derechos de
autor eliminándolo cuando él canta en un club nocturno.
Otros casos de cine musical posmoderno con hibridación genérica son
I’m not There (musical biográfico), Newsies (musical político) y Cool World
(musical animado).

Cuadro 2 – El Cine Musical como Maravilloso o Fantástico

Análisis de Secuencias
Cine Musical Clásico
MARAVILLOSO (lo imposible como natural)
Snow White and the Seven Dwarfs
Billy Eliot
The Sound of Music
Cine Musical Moderno (lo imposible tematizado)
FANTÁSTICO CLÁSICO (exterior: música en escena)

50 LAURO ZAVALA
Análisis de Secuencias
Cine musical de la India
The Band Wagon
Who Framed Roger Rabbit
FANTÁSTICO MODERNO (interior: música acusmática)
Una mujer es una mujer
The Meaning of Life
Bailando en la obscuridad
FANTÁSTICO POSMODERNO (tematización, simulacros, parodia)
Cantando bajo la lluvia
Zoot Suit
Nada más
Cine Musical Posmoderno (hibridación, metaparodia, distanciamiento)
FANTÁSTICO POSMODERNO (a la vez maravilloso y fantástico)
Bugsy Malone
Calabacitas tiernas
500 días con ella

Fuente: elaboración propia.

En cuanto a la ideología que se produce como consecuencia de los elementos


formales, estructurales y genéricos señalados hasta aquí, el espectador implícito
en el cine musical clásico responde a las estrategias de verosimilitud propias del
género. Éste es el caso del cine musical animado de la casa Disney producido
desde la década de 1930, como Blancanieves o La bella durmiente, donde se esta-
blece un ritmo dramático, musical y narrativo que lleva al epifánico final feliz.
En cambio, el espectador implícito en el cine musical moderno es un espec-
tador desencantado que rechaza las convenciones del musical clásico. Como
ya hemos visto, éste es el caso de la única película musical dirigida por Jean-
Luc Godard (Una mujer es una mujer, 1961), donde los personajes empiezan a
cantar o bailar con música extradiegética cuando súbitamente se interrumpe el
fondo musical, y todo vuelve a la cotidianidad más prosaica.
El cine musical posmoderno responde a las estrategias de distanciamiento
propias del registro metaficcional y la tematización de las implicaciones de
representación y problematización de los conflictos de raza, género y clase
social. Éste es el caso de Shrek, 500 días con ella y Calabacitas tiernas.

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 51


En síntesis, el cine musical clásico se construye con una música que acom-
paña al sentido dramático de las imágenes, y esta misma música cumple una
agencia narrativa de manera integrada a cada secuencia, con frecuencia en
la letra de las canciones; el montaje es didáctico; la narración es secuencial y
la puesta en escena se caracteriza por una baja amplitud estilística, es decir,
tiende a apoyarse en una cámara fija. Éste es el caso del cine hollywoodense,
el cine latinoamericano de la Época de Oro y una porción considerable del
musical contemporáneo.
Por su parte, el cine musical moderno es lo opuesto del clásico. En este caso,
las imágenes acompañan a la música. La amplitud estilística es muy alta, de tal
manera que hay un empleo de múltiples cámaras y cortes rápidos. O bien exac-
tamente lo contrario, es decir, una tendencia al empleo del plano-secuencia.
Éste el caso del cine musical de autor y algunos otros casos de lo que se podría
llamar el anti-musical, característico de la Nueva Ola Francesa y el Nuevo Cine
Alemán de la década de 1960 (Eika Katappa).
El cine musical posmoderno retoma las estrategias del musical moderno y
las alterna con los recursos del musical clásico, ya sea como homenaje o con
una intención irónica. Por lo tanto, la amplitud estilística es alternativamente
alta y baja. Con frecuencia se rompe la cuarta pared o se tematiza la naturaleza
ficcional de la película. La disonancia entre música e imágenes (que conservan
una relativa autonomía formal) tiene una intención irónica, en ocasiones paró-
dica o metaficcional, y con frecuencia como resultado de la hibridación gené-
rica. Los mejores ejemplos de cine musical posmoderno se produjeron durante
el auge del cine musical clásico, en las décadas de 1940 y 1950.

Comentario final

El cine musical en América Latina es parte sustancial del cine musical interna-
cional. Sin embargo, como ocurre con el resto del cine producido en la región
latinoamericana, es un cine muy poco conocido. A pesar del acceso al cine faci-
litado por las redes digitales, todavía no existen videotecas que permitan tener
una visión completa de esta tradición genérica.
A su vez, la mayor parte de los trabajos sobre cine musical en la región son
de carácter casuístico, mientras que los estudios panorámicos se limitan a un

52 LAURO ZAVALA
país o un periodo. Sigue habiendo una total ausencia de propuestas de carácter
teórico que puedan ser utilizadas en el análisis de cualquier película (musical o
de otra naturaleza).
Por todo lo anterior, en los países latinoamericanos sigue siendo nece-
sario contar con videotecas del cine producido en la región, y crear centros
de investigación orientados a la formación de investigadores en teoría y
análisis cinematográfico.

Referencias

ALTMAN, R. A Semantic/syntactic approach to film genre. In: BRAUDY, L.; COHEN,


M. (Ed.). Film theory and criticism. New York: Oxford, 1984. p. 630-641.
ALTMAN, R. Los géneros cinematográficos. Barcelona: Paidós, 2000. Edición original
en inglés publicado en 1999.
ALTMAN, R. A theory of narrative. New York: Columbia University Press, 2008.
AMES, C. Singing on the screen. In: AMES, C. Movies about the movies: Hollywood
reflected. Lexington: The University Press of Kentucky, 1997. p. 52-79.
BELLOUR, R. To segment/To analyze (on Gigi). In: BELLOUR, R. The analysis of film.
Bloomington: Indiana University Press, 2000. p. 193-215.
BUHLER, J.; NEUMEYER, D.; DEEMER, R. The Sound of Music, ‘The Laendler’
as dance scene In: BUHLER, J.; NEUMEYER, D.; DEEMER, R. Hearing the Movies:
music and sound in film history. New York: Oxford University Press, 2010. p. 183-187.
CARRERA ÁGUILA, R. Características formales del cine musical clásico, moderno y
posmoderno. 2007. 87 f. Tesis (Comunicación Social) - UAM, Xochimilco, 2007.
CREEKMUR, C.; MOKDAD, L. (Ed.). The international film musical. Edinburgh:
Edinburgh University Press, 2013.
CHION, M. Un paralelismo falaz. In: CHION, M. La música en el cine. Barcelona:
Paidós, 1997. p. 295-297. Edición original en francés publicado en 1985.
DANCIGER, K. West side story. In: DANCIGER, K. The technique of film & video
editing: history, theory, and practice. Burlington: Elsevier, 2011. p. 77-79.
DELAMATER, J. Once More, from the Top: Musicals the Second Time Around. In:
HORTON, A.; MCDOUGAL, S. Y. (Ed.). Play it again, Sam: retakes on remakes.
Berkeley: University of California Press, 1998. p. 80-94.

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 53


ELIOT, P. On hearing. In: ELIOT, P. Hitchcock and the cinema of sensations: embodied
film theory and cinematic reception. London: I. B. Taurus, 2011. p. 143-162.
ETHERINGTON-WRIGHT, C.; DOUGHTY, R. Case study: Moulin Rouge. In:
ETHERINGTON-WRIGHT, C.; DOUGHTY, R. Understanding film theory. New York:
Palgrave MacMillan, 2011. p. 126-131.
FABBRI, P. El giro semiótico. Barcelona: Gedisa, 2006.
FEUER, J. The Hollywood Musical. Bloomington: Indiana University Press, 1993.
FEUER, J. Winking the Audience: análisis fílmico de Singing in the Rain. In: Film
Analysis: a norton reader. GEIGER, J.; RUTSKY, R. L. (Ed.). New York: W. W. Norton,
2005. p. 440-454.
FONTENLA, C. El musical americano. Madrid: Akal, 1971.
GAMERRO, C. Borges y los clásicos. Buenos Aires: Eterna Cadencia, 2016.
GRODAL, T. Embodied visions: evolution, emotion, culture, and film. New York:
Oxford University Press, 2009.
HARRIES, D. Film parody. London: BFI, 2000.
HIGASHI, S. Singing in the Rain: stardom as duet. In: POMERANCE, M. (Ed.).
American Cinema of the 1950s: themes and variations. New Brunswick: Rutgers
University Press, 2005. p. 69-77.
JULLIER, L. Should I see what I believe? audiovisual ostrannenie and evolutionary
cognitive film theory. In: VAN DER OEVEN, A. Ostrannenie. Amsterdam: University
Press, 2010. p. 119-140.
KASABIAN, A. Hearing Film: tracking identifications in contemporary Hollywood
film music. London: Routledge, 2001.
KRIPPENDORFF, K. The semantic turn: a new foundation for design. Boca Ratón:
Taylor and Francis, 2006.
LACEY, N. Narrative and genre: key concepts in media studies. London: MacMillan,
2000.
LEVINSON, J. Film music and narrative agency. In: BORDWELL, D.; CARROLL, N.
(Ed.). Post-Theory: reconstructing film studies. Madison: The University of Wisconsin
Press, 1995. p. 248-282.
MAIA, G. Elementos para uma poética da música dos filmes. Curitiba: Appris, 2015.
MIRET, R.; BALAGUÉ, C. Películas clave del cine musical. Barcelona: Ediciones
Robinbook, 2009.
MORDDEN, E. The Hollywood Musical. New York: St. Martin’s Press, 1981.

54 LAURO ZAVALA
MUNSÓ, J. El cine musical: diccionario de películas. Madrid: T & B Editores, 2006.
NEALE, S. Genre and contemporary Hollywood. London: BFI, 2002.
NEUMEYER, D. The Oxford handbook of film music studies. New York: Oxford
University Press, 2014.
NIETO, O. Teoría general de lo fantástico: del fantástico clásico al posmoderno.
México: UACM, 2015.
PARKINSON, D. A world of entertainment: the international musical. In:
PARKINSON, D. The rough guide to film musicals. London: Rough Guides, 2007.
p. 267-292.
PINEL, V. Los géneros cinematográficos: géneros, escuelas, movimientos y corrientes en
el cine. Barcelona: Ma Non Troppo, 2009.
PRINCE, S. Classical film violence: designing and regulating brutality in Hollywood
cinema, 1930-1968. New Brunswick: Rutgers University Press, 2003.
REAY, P. Music in film: soundtracks and synergy. London: Wallflower Books, 2004.
RITZEL, F. La ópera y la música en el cine: Carmen (1983). In: FAULSTICH, W.;
KORTE, H. (Ed.). Cien años de cine 1895-1995: vol. 5: 1977-1995. México: Siglo XXI
Editores, 1999. p. 139-159. Edición original en alemán publicado en 1995.
RODENBERG, H.-P. Cuento de hadas para adolescentes y adultos: Dirty Dancing
(Baile Caliente) (1987). In: FAULSTICH, W.; KORTE, H. (Ed.). Cien años de cine 1895-
1995, vol. 5: 1977-1995. México: Siglo XXI Editores, 1999. p. 226-251. Edición original
en alemán publicado en 1995.
RYALL, T. Genre and Hollywood. In: HILL, J.; GIBSON, P. C. The Oxford guide to film
studies. New York: Oxford University Press, 1998. p. 327-337.
SCHAFER, R. M. The Soundscape: our sonic environment and the tuning of the world.
Vermont: Destiny Books, 1994.
SCHLEMMER, G. Seriales y filmes americanos: Meet me in St. Louis (1944). In:
FAULSTICH, W.; KORTE, H. (Ed.). Cien años de cine 1895-1995: vol. 2: 1925-1944.
México: Siglo XXI Editores, 1995. p. 397-411. Edición original en alemán publicado en
1991.
SINCLAIR, C. Audition: making sense of cinema. The Velvet Light Trap, Austin, p. 8,
March 2003.
SMITH, S. The musical: race, gender and performance. London: Wallflower Press,
2005.

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 55


STAM, R. Algunos interrogantes sobre autoría y género. In: STAM, R. Teorías del cine:
una introducción. Barcelona: Paidós, 2001a. p. 149-156. Edición original en inglés
publicado en 2000.
STAM, R. La amplificación del sonido. In: STAM, R. Teorías del cine: una introducción.
Barcelona: Paidós, 2001b. p. 247-257. Edición original en inglés publicado en 2000.
THOMAS, T. That’s dancing! New York: Harry N. Abrams, 1984.
VITAL, A. Quince hipótesis sobre los géneros. México, DF: UNAM, 2012.
WALKER, E. understanding sound tracks through film theory. New York: Oxford
University Press, 2015.
WILLIAMS, L. Film bodies, genre and excess. Film Quarterly, 44/4, summer 1991,
2-13. In: HILL, J.; GIBSON, P. C. (Ed.). The Oxford guide to film studies. New York:
Oxford University Press,1998. p. 339-341.
ZAVALA, L. La metaficción dramatizada en Fiebre latina. In: ZAVALA, L. Elementos del
discurso
cinematográfico. Ciudad de México: UAM Xochimilco, 2003. p. 66-68.
ZAVALA, L. La mirada de la cámara en Danzón. In: ZAVALA, L. Teoría y práctica del
análisis cinematográfico. Ciudad de México: Trillas, 2014. p. 88-102.
ZAVALA, L. La representación de la violencia en el cine de ficción. Versión: Estudios de
Comunicación, Política y Cultura, México, DF, n. 29, p. 2-13, abr. 2012. Disponible en:
<http://bidi.xoc.uam.mx/MostrarPDF.php>. Acceso en: 5 jun. 2018.

Filmografia

Películas de Ficción
(500) Days of Summer (500 días con ella). Dirección: Mike Webb. EEUU, 2009.
A Hard Day’s Night. Dirección: Richard Lester. GB, 1964.
All That Jazz. Dirección: Bob Fosse. EEUU, 1979.
Allá en el Rancho Grande. Dirección: Fernando de Fuentes. México, 1936.
Allá en el Rancho Grande. Dirección: Fernando de Fuentes. México, 1949.
An American in Paris. Dirección: Vincente Minelli. EEUU, 1951.
Annie. Dirección: John Huston. EEUU, 1982.
Belle Époque. Dirección: Fernando Trueba. España, 1992.

56 LAURO ZAVALA
Billy Eliot. Dirección: Stephen Daldry. GB, 2000.
Billy Eliot. The Musical Live. Dirección: Stephen Daldry & Brett Sullivan. GB, 2014.
Bugsy Malone. Dirección: Alan Parker. EEUU, 1976.
Chicago. Dirección: Rob Marshall. EEUU, 2002.
Cabaret. Dirección: Bob Fosse. EEUU, 1972.
Calabacitas tiernas. Dirección: Gilberto Martínez Solares. México, 1949.
Carmen. Dirección: Carlos Saura. España, 1983.
Carmen. A Hip Hopera. Dirección: Robert Townsend. EEUU, 2001.
Carmen de Bizet. Dirección: Francesco Rosi. Italia, 1984.
Carmen Jones. Dirección: Otto Preminger. EEUU, 1954.
Cool World. Dirección: Ralph Bakshi. EEUU, 1992.
Dancer in the Dark. Dirección: Lars von Trier. Dinamarca, 2000.
Danzón. Dirección: María Novaro. México, 1991.
Dirty Dancing. Dirección: Emile Ardolino. EEUU, 1987.
Eika Katappa. Dirección: Werner Schroeter. Alemania, 1969.
El rey del barrio. Dirección: Gilberto Martínez Solares. México, 1950.
El sueño de Valentín. Dirección: Alejandro Agresti. Argentina, 2002.
Everyone Says I Love You. Dirección: Woody Allen. EEUU, 1996.
Evita. Dirección: Alan Parker. EEUU, 1996.
Gentlemen Prefer Blondes. Dirección: Howard Hawks. EEUU, 1953.
I’m Not There. Dirección: Todd Haynes. EEUU, 2007.
Introducing Dorothy Dandridge. Dirección: Martha Coolidge. EEUU, 1999.
La lengua de las mariposas. Dirección: José Luis Cuerda. España, 1999.
Le bal (El baile). Dirección: Ettore Scola. Italia, 1983.
Meet Me in St. Louis. Dirección: Vincente Minelli. EEUU, 1944.
Moulin Rouge! Dirección: Baz Luhrmann. Australia, 2001.
Músico, poeta y loco. Dirección: Humberto Gómez Landero. México, 1948.
Nada más. Dirección: Juan Carlos Cremata. Cuba, 2001.
Newsies. Dirección: Kenny Ortega. EEUU, 1992.

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 57


Oliver! Dirección: Carol Reed. GB, 1968.
On the Town (Un día en Nueva York). Dirección: Stanley Donen & Gene Kelly. EEUU,
1949.
Psycho (Psicosis). Dirección: Alfred Hitchcock. EEUU, 1960.
Rebecca. Dirección: Alfred Hitchcock. EEUU, 1940.
Renaissance Man. Dirección: Penny Marshall. EEUU, 1994.
Salt of the Earth. Dirección: Herbert Biberman. EEUU, 1954.
Shrek. Dirección: Andrew Adamson & Vicky Jenson. EEUU, 2001.
Singing in the Rain. Dirección: Stanley Donen & Genne Kelly. EEUU, 1952.
Tangos: El exilio de Gardel. Dirección: Fernando Solanas. Argentina, 1985.
The Band Wagon. Dirección: Vincente Minelli. EEUU, 1953.
The Jazz Singer. Dirección: Alan Crosland. EEUU, 1927.
The Meaning of Life. Dirección: Terry Jones & Terry Gilliam. GB, 1983.
The Piano. Dirección: Jane Campion. Nueva Zelandia: Australia, 1993.
The Singing Detective. Dirección: Keith Gordon. EEUU, 2003.
Sleeping Beauty. Dirección: Claude Geronimi. EEUU, 1959.
Snow White and the Seven Dwarfs. Dirección: William Cottrell et al. EEUU, 1937.
The Sound of Music (La novicia rebelde). Dirección: Robert Wise. EEUU, 1965.
The Untouchables. Dirección: Brian de Palma. EEUU, 1987.
To Sir, with Love (Al maestro, con cariño). Dirección: James Clavell. GB, 1967.
Traktoristy (Tractor Drivers). Dirección: Ivan Pyriev. URSS, 1939.
Une femme est une femme. Dirección: Jean-Luc Godard. Francia, 1961.
West Side Story. Dirección: Jerome Robbins & Robert Wise. EEUU, 1961.
Who Framed Roger Rabbitt. Dirección: Robert Zemeckis. EEUU, 1988.
Zoot Suit (Fiebre latina). Dirección: Luis Valdez. EEUU, 1981.
Documentales sobre cine musical fuera de Hollywood
¡Ay Jalisco, no te rajes! Vol. 13 de la serie Los Que Hicieron Nuestro Cine. Dirección:
Alejandro Pelayo. México, 1984.
Cuidadito Cuidadito. Dirección: Sergio Muñoz Güemes. México, 2012. Sobre la
cantante María Victoria.

58 LAURO ZAVALA
East Side Story. Dirección: Dana Ranga. Alemania, 1997. Sobre el cine musical en
Europa del Este durante el periodo estalinista.
Enamorada. Vol. 20 de la serie Los Que Hicieron Nuestro Cine. Dirección: Alejandro
Pelayo. México, 1984.
Ni muy muy ni tan tan... simplemente Tin Tan. Dirección: Manuel Márquez. México,
2005.
There’ll Always Be Stars in the Sky. Dirección: Jeremy Marre. GB, 1983. Sobre la música
en el cine musical de la India.
Tin Tan a 40 años. Dirección: Francesco Taboada Tabone. México, 2010.
You Can’t Do That! The Making of A Hard Day’s Night. Dirección: David Leaf. GB,
1995.

Un modelo paradigmático para el análisis del cine musical 59


Musicais cinematográficos latino-
americanos da era de ouro
tangueros, prostibulares, carnavalescos

GUILHERME MAIA

Introdução

Partindo de uma breve reflexão sobre o estado do conhecimento sobre os mu-


sicais cinematográficos produzidos fora dos muros de Hollywood, este artigo
dialoga com um cenário teórico de disputas discursivas em torno do que seria
(ou não seria) um filme musical de ficção, tendo como objetivo detectar e eleger
critérios para a escultura de um corpus constituído por filmes latino-americanos
de longa-metragem que poderiam ser abrigados na chave genérica dos musi-
cais. Em seguida, são apresentados os resultados de uma pesquisa em bancos
de dados, enciclopédias e dicionários que identificou uma intensa produção de
musicais de longa-metragem na Argentina, no México e no Brasil durante as três
primeiras décadas do cinema sonoro, aproximadamente. Esses picos de produ-
ção de musicais, que não ocorreram de modo sincrônico, coincidem com fases
que foram chamadas de “idades de ouro” por algumas narrativas históricas. Por
fim, no marco de uma revisão de bibliografia sobre o cinema latino-americano
das décadas de 1930, 1940 e 1950, serão observados em realce alguns elementos
temáticos, musicais, corporais ou visuais que operaram no sentido de demarcar
a natureza específica das principais espécies de musicais “dourados” argentinos,
mexicanos e brasileiros. Todos esses caminhos de investigação se cruzam no
âmbito de uma pesquisa sobre os filmes musicais no Brasil e na América Latina,
realizada pelos membros do Laboratório de Análise Fílmica (LAF), grupo de
pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), sediado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Contemporâneas (PósCom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).1

Os musicais muito além de Hollywood

Embora sejam bastante plurais as abordagens e questões discutidas pelos au-


tores que estudam os musicais cinematográficos – históricas, estéticas, nar-
ratológicas, culturalistas, semióticas, ideológicas, iconográficas, sociológicas,
feministas, psicanalíticas etc. –, há importantes pontos de convergência entre
eles. O primeiro diz respeito ao objeto. A esmagadora maioria dos estudos so-
bre musicais cinematográficos mapeados pela nossa investigação têm como
objeto filmes realizados pela indústria dos Estados Unidos e fincam as raízes
de suas reflexões no musical clássico dos anos de 1930-1950 produzido sob a
tutela do studio system de Hollywood. A julgar pelo nosso levantamento de
fontes bibliográficas, são muito poucas as exceções.
No livro Musicals: Hollywood & beyond, organizado por Bill Marshall e
Robin Stilwell e publicado em 2000, por exemplo, o título cumpre a pro-
messa de ir além dos muros de Hollywood, mas não ultrapassa as fronteiras da
Europa, apresentando apenas um panorama dos musicais alemães da década

1 Pesquisa realizada com apoio financeiro dos projetos “O cinema musical na América Latina:
ficção, documentários e novos formatos”, financiado pelo edital da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) 11/2013 de Apoio à Formação e Articulação de Redes de
Pesquisa no Estado da Bahia; e “Os musicais no Brasil: cinema e televisão”, aprovado no edital
universal Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI/CNPq) nº 14/2013. A pesquisa
gerou também artigos que foram publicados em revistas acadêmicas com peer review e entre-
vistas com pesquisadores e realizadores. Os artigos e as entrevistas podem ser acessados no
site do LAF: <www.lafposcom.com.br>.

62 GUILHERME MAIA
de 1950, e estudos de caso de dois filmes franceses, um espanhol e dois gregos.
O desvio mais importante nesse padrão é, sem dúvida, o livro The International
Film Musical, organizado por Corey K. Creekmur e Linda Y. Mokdad e lançado
em 2012, do qual falaremos um pouco a seguir. Mesmo levando em conta que
a seção dedicada à Europa seja a maior do livro, composta por oito artigos, a
obra dedica sete artigos a musicais produzidos na América Latina, na Ásia e no
Oriente Médio, sinalizando que o coração do gênero também pulsa com vigor
fora dos Estados Unidos e da Europa.
Rick Altman (2012), sem dúvida o pesquisador que tem dedicado mais
energia aos estudos sobre os musicais cinematográficos, no último capítulo da
coletânea de Creekmur e Mokdad, ao tecer seus comentários sobre o livro, con-
fessa sua surpresa com a potência do musical em países como México, Brasil,
Japão, Egito Índia, Rússia, Turquia, Inglaterra, França, Alemanha, Portugal,
Espanha, Itália e Grécia. Altman percebe como cada país trabalha o musical à
sua maneira e se rende ao fato de que os conceitos por ele trabalhados no livro
The American Film Musical (c1987), no qual discute a natureza dos musicais
cinematográficos, propõem uma taxonomia do gênero e sustentam a tese de
que os musicais têm como natureza comum uma narrativa de duplo foco,2 não
dão conta da diversidade de manifestações de cinema musical nos países estu-
dados na coletânea. Embora, em muitos casos, os musicais de outras naciona-
lidades mantenham importantes vínculos de conteúdo e forma com a tradição
da Hollywood clássica, eles compõem um conjunto plural de espécies, molda-
das a partir da influência de diferentes tradições culturais, artísticas e de con-
tingências tecnológicas, econômicas e políticas locais. A conclusão de Altman
é a de que, no que diz respeito ao que chamamos de “filme musical”, ainda há

2 Por meio de uma quantidade suficiente de exemplos, Altman nos mostra que os filmes musicais
clássicos apresentam tramas centradas em um casal de protagonistas. O foco e o conflito da
trama, entretanto, não são, necessariamente, os encaixes e desencaixes amorosos, mas a reso-
lução ou atenuação da bipolaridade do casal protagonista. Para o autor, os musicais do período
clássico trabalham com a constante oposição entre o masculino e o feminino, construindo o
casal de protagonistas como figuras diametralmente opostas que, ao longo do filme, vão aos
poucos “aprendendo um com o outro”. Em termos de estrutura, cada número musical do per-
sonagem masculino é sucedido por um da personagem feminina, fazendo avançar a narrativa
em uma progressão que chega ao “grande final”, via de regra, um dueto, no qual a canção e a
dança confirmam para o espectador que o que separava o casal foi suplantado por algo que os
une, seja o amor, a solidariedade ou até mesmo a morte, como em West Side Story (Direção:
Jerome Robbins e Robert Wis, 1961).

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 63


um vasto território a ser explorado. O cinema musical latino-americano, sem
dúvida, faz parte desse território.
Um laço que une praticamente todos os textos reunidos em The
International Film Musical (2012) é a queixa de que, nos países estudados, o
musical cinematográfico parece não receber muita atenção dos acadêmicos
e críticos locais em decorrência de um suposto estatuto popularesco, asso-
ciado ao entretenimento de massa escapista e sem legitimidade como objeto
de investigação. Os autores da coletânea também nos mostram como signos
de identidades nacionais lutam, nos filmes, por direito de existência em con-
fronto com a poderosa máquina de produção e difusão de musicais dos Estados
Unidos e como as articulações sinergéticas entre tradições do teatro, do rádio e
a indústria fonográfica locais forjaram diferentes espécies de filmes musicais.3
Um segundo elo entre os estudos sobre os musicais cinematográficos é o
fato de que a maioria dos autores consultados iniciam suas reflexões visando
esculpir definições e tipologias do musical enquanto gênero cinematográfico,
muitas vezes já nos primeiros parágrafos dos textos – e sempre tomando como
ponto de partida o musical clássico de Hollywood. Nossa pesquisa buscou
encontrar, no corpo discursivo examinado, algumas definições sintéticas do
“musical”. Não é nosso interesse, como deixaremos claro mais adiante, percor-
rer os intricados labirintos ontológicos e taxonômicos que emergem da revisão
bibliográfica, mas tão somente examinar algumas dessas sínteses definidoras
para melhor traçar os contornos do nosso objeto.

3 John Mundy nos mostra como os britânicos exploraram intensamente o veio do rock e do
pop bretão, como nos filmes dos Beatles. Na Espanha, de acordo com Imaculada Alarcón, o
musical se apropriava da zarzuela e da copla, enquanto que na Itália, para Alex Marlow-Mann,
eles bebiam na fonte do musicarello, da ópera italiana e da scenegiatta. A Alemanha, por sua
vez, trazia, como aponta Antje Ascheid, as óperas e operetas locais para o domínio do musical.
Os musicais franceses, para Kelley Conway, têm, muitas vezes, um caráter mais experimental,
que se afasta bastante do modelo de Hollywood, tendo como principais expoentes diretores
como René Clair, Jaques Demy e François Ozon. Na União Soviética, Richard Taylor destaca
os célebres musicais dirigidos por Alexandrov nos anos 1940, que tinham como objetivo a
difusão dos ideais socialistas. Aaron Gerow nos conta que o musical japonês é impregnado de
elementos culturais locais, como o teatro Noh, o Kabuki e a ópera Asakusa. A China, conforme
apresentada por Emilie Yueh-Yu Yeh, é um caso peculiar, já que seus musicais não apenas se
apropriam de ritmos locais, como o Shidai Qu, como também de ritmos musicais estrangeiros,
como o rockabilly e o mambo. No Oriente Médio, segundo Mokdad, o Egito pode ser consi-
derado o país que apostou em tentativas de reprodução do modelo hollywoodiano. Todos os
autores citados nesta nota integram a citada coletânea The International Film Musical.

64 GUILHERME MAIA
Reflexões sobre a natureza do musical cinematográfico

Partimos, aqui, de Barry Langford (2005, p. 83, tradução nossa), que nos fala
sobre alguns aspectos que distinguem o musical dos seus companheiros no
contexto dos chamados filmes de gênero: “[...] o musical cria um universo ge-
nérico hermeticamente fechado”,4 no qual as convenções e a verossimilhança
operam de um modo muito particular e têm a função de viabilizar as perfor-
mances musicais que definem a forma. Além disso, Langford entende como
um traço também excepcional o fato do musical ser nomeado não pelo tema
(western, filme de guerra) ou por seu efeito sobre o espectador, mas por aquilo
que chama de “modo de performance”, que implica dar tempo de tela e alto-fa-
lantes à música cantada e, segundo o autor, sobretudo dançada. É inevitável es-
tar de acordo com Langford – e com muitos outros autores, ademais – quando
ele diz que as performances musicais definem a natureza do musical – ora, não
há musicais sem performances musicais –, mas poderíamos iniciar aqui uma
discussão acerca da ideia de que o musical não é definível pelo efeito. Se o fil-
me de horror tem como destinação produzir sustos e sensações da ordem do
temor no espectador, não seria possível dizer que um dos efeitos próprios do
musical é um prazer audiovisual derivado do caráter espetacular dos números
de canto e dança?
Observemos, agora, que Langford coloca a dança acima de tudo, o que
nos leva a concluir que, para ele, um filme no qual os personagens cantam,
mas não dançam, não seria, de fato, um musical. Já para Steve Neale (2009,
p. 32, tradução nossa), é a canção o principal elemento da forja da natureza
específica dessa classe de filmes: “Cantar em um musical não é apenas prová-
vel, é obrigatório”.5 A canção, para Neale, não é apenas uma opção no eixo das
possibilidades, é condição necessária para a existência do gênero.
Berry Keith Grant (2012, p. 1, tradução nossa) flexibiliza o modelo, afir-
mando que os musicais são filmes “que envolvem performances de música e/
ou dança realizadas por seus personagens principais e que também incluam o

4 “[...] the musical creates a hermetically enclosed generic world”.


5 “Singing in a musical is not just probable, it is obligatory”.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 65


canto ou a dança como elemento importante”.6 Para Grant, portanto, para que
um filme seja considerado um musical, as performances de canto e/ou dança
têm que ser realizadas por personagens principais, isto é, pelos protagonistas.
Na mesma direção aponta Luís Nogueira (2010, p. 34, grifo nosso): “Os momen-
tos, os números ou as sequências cantadas e dançadas pelos protagonistas são,
portanto, o elemento formal distintivo do musical”. Observemos, porém, que
essas duas abordagens ontológicas amarram o musical à performance de pro-
tagonistas. Esse viés de definição excluiria do nosso corpus inúmeros filmes
brasileiros catalogados como musicais em bancos de dados oficiais e colabo-
rativos, nos quais uma quantidade importante de canções é interpretada por
cantores com pouca ou nenhuma função na narrativa, quando, por exemplo, a
trama se passa em uma casa de espetáculos em que a maioria dos artistas que
se apresentam no palco não são personagens da trama.
Já “elemento importante”, na visão de Grant (2012), tem o mesmo sen-
tido que emerge da fala do diretor musical Hebert Stothart, citado por Mervin
Cooke (2008, p. 155, tradução nossa), e diz respeito ao grau de imbricação do
número musical com a trama do filme.

Aprendemos que um episódio musical deve ser apresentado de forma a


motivar um elemento da trama, e deve tornar-se tão vital para a história,
que não pode ser dispensado. O teste de hoje é: se uma canção pode ser
cortada do musical, ela não pertence a ele.7

A questão da imbricação do número musical com o tecido dramático do


filme é vista por Grant e Stothart, portanto, como condição necessária para
a existência do gênero. David Desser (2014, p. 212, tradução nossa) também
aponta para a necessidade de que a música, de alguma forma, seja um elemento
integrante do enredo,

[...] seja a performance musical para uma audiência no filme ou integrada


à história de alguma outra forma. Em outras palavras, a música deve fazer

6 “The musical refers to films that involve the performance of song and/or dance by the main
characters and also include singing and/or dancing as important element”.
7 “We learned that a musical episode must be so presented as to motivate a detail of the plot,
and must become so vital to the story the it cannot be dispensed with. The test today is: if a
song can be cut out of the musical, it doesn’t belong to it”.

66 GUILHERME MAIA
a trama avançar ou ser reflexo dos desejos, objetivos, estados de espírito
ou vida interior de um personagem.8

Em um artigo que discute a pertinência da classificação do filme Dirty


Dancing na chave dos musicais, no entanto, Jane Feuer (2013) mostra que a
imbricação com a narrativa é condição necessária, mas jamais suficiente.
“Intuitivamente”, diz ela:

Chamamos um filme de um musical quando contém canto diegético:


canções ou números musicais que contribuem para o fluxo da narrativa
do filme. [...] Para melhor ou para pior, a pesquisa acadêmica sobre os
musicais evoluiu um pouco além disso. Apesar disso, ainda discordamos
sobre quanta música um filme deve conter para ser chamado de musical,
como essa música deve se relacionar com a diegese (o mundo narrativo do
filme), e quais proporções de canto e dança deve haver. 9 (FEUER, 2013,
p. 59, tradução nossa)

Com quantos números musicais se faz um musical? Que tempo de tela os


números musicais devem ocupar? Como os números musicais devem ser arti-
culados com o enredo e as narrativas para que sejam aceitos como musicais? É
preciso que a dança seja coreografada para que o filme seja considerado musi-
cal? Um filme no qual os personagens ocupam um significativo espaço de tela
cantando amadoristicamente – cantando “no chuveiro”, como se diz no Brasil
– pode ser um musical? Essas e muitas outras questões de natureza semelhante
emergem, inevitavelmente, quando são contingenciadas por um ímpeto ide-
alista de definição. Afinal, quantos sustos são necessários para que um filme
seja considerado de horror? Quantas gags ou piadas fazem de um filme uma
comédia? Com quantas lágrimas se faz um drama? Sobre esse problema, con-
siderando que a escultura do corpus é um problema basilar dos estudos de

8 “[...] whether or not the musical performance is for an audience in the film or integrated into
the story in some other way. In other words, the music must advance the plot in some fashion
or be reflective of a character’s desires, goals, and state of mind”.
9 “Intuitively, we call a film a musical when it contains diegetic singing: songs or numbers that
contribute to the telling of the film’s narrative [...] For better or for worse, the scholarly study
of musicals has evolved a bit further than this. And yet, we still disagree as to just how much
music a film must contain to be called a musical, how that music must relate to the diegesis (the
narrative world of the film), and what proportions of singing and dancing there must be”.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 67


gênero, Grant (2007) propõe uma reflexão que nos interessa, a partir dos qua-
tro modelos propostos por Janet Staiger para a constituição de um corpus de
estudo com base no conceito de gênero:
a) modelo idealista: julga o filme segundo um determinado padrão.
É prescritivo: defende a ideia de que alguns filmes, por se adequarem
mais perfeitamente ao modelo escolhido, têm mais direito de perten-
cer a uma determinada classe;

b) modelo empirista: lógica circular na qual os filmes escolhidos já foram


eleitos por outras instâncias como representante do gênero;

c) modelo a priori: elementos genéricos comuns são selecionados como


definidores;

d) modelo da convenção social: tem como problema o modo como o con-


senso social é determinado.

Após apontar vantagens e desvantagens em cada um desses modelos e afir-


mar que o método empirista é o mais comum, Grant, então, convoca Andrew
Tudor, autor que apresenta, ao mesmo tempo, um dilema e uma possível solu-
ção. Tudor entende que, para estudar/analisar um gênero e listar suas princi-
pais características, é preciso isolar um corpo de filmes. Mas esses filmes não
podem ser isolados na base de suas principais características, pois isso só pode
ser descoberto depois deles terem sido isolados. Para resolver o problema,
Tudor confia no que denomina “common cultural consensus”, ou seja, analisar
trabalhos que quase todos concordam pertencer a um determinado gênero e
generalizar a partir daí. Tudor conclui que esse método é aceitável porque, para
o autor, um gênero é aquilo que acreditamos que ele seja.
Entendendo o “quase todos” mencionado por Tudor como a comunidade
que produz, distribui, classifica (bancos de dados) e consome filmes, nos
aproximamos da dimensão pragmática do modelo construído por Altman
para a abordagem dos gêneros cinematográficos. Como é de conhecimento
dos pesquisadores da área, em um artigo constantemente citado pelos
estudiosos,10 Altman (1984) apresenta, a princípio, um paradigma metodo-
lógico semântico-sintático para analisar filmes pertencentes a um

10 Publicado pela primeira vez no Cinema Journal. Ver Altman (1984).

68 GUILHERME MAIA
determinado gênero. Grosso modo, o viés semântico diz respeito ao con-
teúdo (ao sentido) e o sintático a aspectos de natureza estrutural (formal).
Mais tarde, no capítulo conclusivo da edição de 2012 do livro Film Genre,
vemos Altman acrescentar ao modelo uma dimensão pragmática, que inclui
no paradigma classificatório aspectos que não emanam necessariamente
da análise interna da obra: forças exteriores que afetam a natureza de uma
determinada classe de filmes e o nome que a ela se dá. Entre essas forças,
estão as instâncias de produção, distribuição, divulgação, recepção crítica,
fruição das obras e podemos considerar também o modo como a literatura
acadêmica e os bancos de dados oficiais e colaborativos as classificam.
Assim, tendo como referência a chave de Staiger, nos descartamos de um
modelo idealista por entendermos que partir de um paradigma construído
tendo como base o musical hollywoodiano clássico não é uma boa estraté-
gia, uma vez que o próprio Altman reconhece, como vimos, que essa régua
não dá conta da diversidade de espécies de musicais produzidos fora desse
contexto. Não estamos também em busca de musicais “puros”. Já se sabe
muito bem que isso seria perda de tempo. A tese da “pureza” de um gênero
cinematográfico já foi suficientemente derrotada com argumentos de boa
musculatura. Para Steve Neale (2009, p. 105, tradução nossa), o musical “sem-
pre foi um gênero híbrido. Em variáveis medidas e combinações, música,
canção e dança foram seus únicos ingredientes essenciais. Em consequência,
sua história, no palco e nas telas, tem sido marcada por numerosas tradições,
formas e estilos”.
Gêneros, ademais, são objetos em movimento. Como nos diz Altman
(2012), por exemplo, quando o que hoje chamamos de cinema musical surgiu,
o termo “musical” para designar o gênero não existia e somente retrospectiva-
mente filmes de tão diferentes naturezas poderiam vir a constituir um grupo
coerente. É interessante acrescentar aqui a visão de Jason Mittell (2001, p. 11),
que propõe analisar os gêneros como uma categoria cultural contingenciada
por um processo de “estabilidade em fluxo”. O entendimento de gêneros como
um campo de disputas discursivas permite, para Mittell, olhar a noção de
gênero como estruturas tanto estáveis quanto mutantes. Embora as definições
de gênero ocorram em constante negociação no interior do que Mittell chama

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 69


de um “aglomerado discursivo”,11 e mesmo que não seja possível uma definição
essencial de um gênero, existe um consenso que nos permite saber, ao menos
na maioria dos casos, que estamos diante de uma comédia, de um filme de
aventura, de um filme de horror ou de um musical, ainda que tanto o gênero
quanto o consenso sejam forjados em um processo em fluxo contingenciado
por forças históricas e culturais.

À procura dos musicais latino-americanos

A escultura do nosso objeto, como veremos a seguir, parte dos modelos em-
pirista e da convenção social, para, em um movimento posterior, adotar uma
perspectiva que, de certa forma, pode ser considerada a priori, mas a contra-
pelo, ou seja, observando não elementos genéricos comuns, mas alguns ele-
mentos que distinguem os filmes classificados como musicais produzidos no
México, no Brasil e na Argentina. No contexto deste artigo, um filme tem di-
reito de ser um musical nos seguintes casos:
a) Se a literatura acadêmica consultada, de alguma forma, a ele se refere
como pertencente à chave dos musicais;

b) Se ele aparece registrado como musical em bancos de dados virtuais


institucionais e colaborativos, em obras de natureza enciclopédica e
dicionários ou sítios, blogs e matérias jornalísticas.

É necessário esclarecer que o que nos atrai não é um olhar de natureza


arqueológica, mas sim como esses filmes chegam à contemporaneidade, ou
seja, não o modo como o filme foi nomeado ou classificado na época do seu
lançamento, mas sim a(s) classe(s) que os bancos de dados virtuais institucio-
nais e colaborativos, sítios, plataformas e blogs sobre cinema atribuem às obras.
Na mesma direção, o que nos importa, no âmbito da literatura acadêmica –
incluindo livros de natureza enciclopédica e dicionários –, são livros, artigos e
obras mais recentes, com preferência para trabalhos publicados no século XXI.
A primeira inspiração para essa opção metodológica emergiu da necessidade
de ser coerente com o subtítulo desta nossa coletânea: “aproximações contem-
porâneas”. Colaborou para a nossa decisão também o seguinte pressuposto: se

11 “discursive clusters”.

70 GUILHERME MAIA
um filme – ou uma determinada espécie de filme, no nosso caso – está vivo no
mundo virtual – referenciado em bancos de dados públicos ou se está disponí-
vel no YouTube, por exemplo –, significa que, por algum motivo, teve potência
para sobreviver ao tempo e ao esquecimento.
No que diz respeito aos bancos de dados virtuais institucionais, a plata-
forma da Cinemateca Brasileira facilita, de certo modo, o nosso trabalho, pois
inclui a informação “gênero” nas fichas das obras. Embora o sistema não seja
muito eficiente no processo de busca por gêneros, é possível, filme a filme,
verificar que obras essa instância institucional classifica como musical. Já na
plataforma privada Cinenacional.com, único banco de dados virtual sobre fil-
mes argentinos até agora localizado na nossa investigação, as fichas técnicas
fornecem apenas alguns dados básicos sobre os filmes e não fazem referên-
cia a gênero. Em relação ao México, a plataforma da filmoteca institucional
da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM)12 oferece uma ficha
técnica bem mais completa, mas, infelizmente, também não faz referência ao
gênero dos filmes.
O livro Índice General del Cine Mexicano (2005) e o Dicionário de Cinema
Brasileiro (2013) oferecem a classificação por gênero nas fichas dos filmes, embora
este último não atribua ao musical brasileiro um status de “grande gênero”:

Adotamos uma classificação ortodoxa por grandes gêneros, que são


subdivididos com bastante liberdade, a fim de tornar mais clara a abor-
dagem e a perspectiva de cada filme. Praticamente todos os filmes pre-
sentes neste dicionário se enquadram nos seguintes gêneros: Animação,
Aventura, Comédia, Documentário, Drama, Filme Marginal, Faroeste,
Ficção Científica, Horror, Pornô, Semidocumentário. (BALADI, 2013,
p. XVII-XVIII)

No dicionário de Baladi, contudo, a palavra “musical” aparece com fre-


quência com função adjetiva,13 atribuindo qualidade a um gênero “maior”, a

12 Disponível em: <http://www.filmografiamexicana.unam.mx/index.html>.


13 Altman (2012, p. 50-68) vê a formação de um determinado gênero (genrification) como um
processo historicamente determinado, no qual uma designação a princípio adjetiva, que con-
fere qualidade a um gênero “maior” (a comédia musical), adquire, com o tempo, um caráter
substantivo (o musical), a partir da capacidade desse material adjetivo ser aplicável a vários
outros gêneros “substantivos”.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 71


comédia. Isso, contudo, não abala o nosso interesse pela fonte e, consequen-
temente, pela obra. Infelizmente, o livro Un Diccionario de Films Argentinos
(1930-1995), publicado em 2005, e o Historical Dictionary of South American
Cinema (2014) são obras que não foram de grande ajuda, pois não incluem o
gênero nas fichas técnicas.
Para o estudo comparativo/quantitativo que apresentaremos a seguir,
tomamos como referência os dados da plataforma colaborativa Internet Movie
Database (IMDB).14 Temos consciência de que, com essa opção metodológica,
estaremos lidando com um grau significativo de imprecisão. A título de diver-
são, observemos o modo como o filme Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi
madre, Pedro Almodóvar, 1999) é classificado por duas diferentes pessoas na
plataforma Making Off:15

Figura 1 – Classificação do filme Tudo sobre minha mãe

Fonte: Making Off.

Cremos, contudo, estar pisando em um território razoavelmente seguro


tomando como ponto de partida o IMDB. Por um lado, porque, como vimos,
não há certezas absolutas no que diz respeito ao que vem a ser um “musical”.
Se assim é, isso se reflete, inevitavelmente, nos dicionários ou bancos de dados
acadêmicos e institucionais, que, portanto, adotam critérios variados de classi-
ficação. Falamos há pouco do caso do dicionário de Baladi, que não atribui ao
musical o caráter de um gênero substantivo no cinema brasileiro. Chamamos
à causa também as considerações de Rocío González, sobre o livro de Viñas:

Para Viñas (2005), por ejemplo, un filme musical es una ficción que ‘parte
de una representación con elementos musicales y/o coreográficos’. A par-
tir de esta muy amplia definición de lo que es una película musical, el
autor identifica, en su Índice general del cine mexicano (2005), 755 pe-
lículas musicales producidas en México entre 1896 y el 2000. Una rápida

14 Disponível em: <http://www.imdb.com/>.


15 Disponível em: <https://makingoff.org/forum//index.php>.

72 GUILHERME MAIA
revisión tan sólo de la entrada A de este Índice revela, sin embargo, un
gran número de películas que bajo los criterios del propio autor deberían
considerarse como musicales, pero que no se apuntan como tal. ¿Utilizó el
autor algún otro criterio para definir una película como musical? ¿Es po-
sible que no haya considerado algunas producciones como musicales por
no encontrarlas disponibles para su visionado en algún archivo fílmico?16

Partimos do princípio de que não existem bases de dados sem lacunas, e o


IMDB, embora seja uma plataforma colaborativa, tem critérios que nos pare-
cem suficientes para os nossos propósitos. Para que um trabalho seja elegível
para inclusão no banco de dados do IMDB, ele deve ser de interesse público
geral e ter sido exibido publicamente. A plataforma aceita o registro de filmes
(longas, média, curtas), programas de TV, web séries e videogames. O interesse
público geral é assumido se uma obra tiver sido lançada nos cinemas; exibida
na TV; lançada para consumo doméstico (videocassete, DVD, blu-ray) ou em
plataformas virtuais (Vimeo, YouTube); listada no catálogo de grandes varejis-
tas; exibida em festivais de cinema; realizada por artista ou pessoa de interesse
público famosa atualmente; se tornado amplamente referenciado na mídia ou
na “comunidade cinematográfica” por algum motivo; ser de interesse histórico
geral por alguma razão.17 Em segundo lugar, por ser o IMDB uma plataforma
que utiliza o “musical” como categoria de gênero e congrega dados sobre os
filmes dos três países em uma só plataforma. Por fim, julgamos que se uma
obra está registrada no IMDB como “musical” é porque alguém assim a consi-
derou e a plataforma aceitou que assim fosse considerada. Além disso, o IMDB
é a única plataforma que agrega informações sobre os musicais produzidos nos
três países aqui examinados. Como ponto de partida, isso nos parece suficiente
para dar início a uma investigação comparativa sobre um conjunto de obras
que muito raramente é reconhecido pela literatura acadêmica como perten-
cente ao reino dos musicais.

16 Esta citação consta no capítulo “Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución ge-
nérica”, nas páginas 278 e 279.
17 Ver critérios de elegibilidade do IMDB em: <http://www.imdb.com/help/show_leaf?titleeligibility>.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 73


Musicais latino-americanos: prováveis Idades Douradas

No domínio da historiografia do cinema latino-americano, assim como em


plataformas virtuais e blogs especializados nesse cinema, as expressões “era de
ouro”, “edad de oro”, “cine de oro”, “período de ouro” aparecem com frequên-
cia para designar um período marcado por expressivo aumento no volume de
produção, de progresso tecnológico e de sucessos de bilheteria que ocorreram
durante as décadas de 1930 e 1950, na Argentina, no México e no Brasil. Um
tempo em que foi possível sonhar com a consolidação de um regime industrial
de produção, distribuição, exibição e consumo de filmes “nacionais” baseado
em um modelo de negócio que buscava replicar os systems de Hollywood –
“sistema de estúdio”, “sistema de estrelas” e “sistema de gêneros”. Para Emílio
Garcia Riera (1998, p. 120), “suele hablarse de una época de oro del cine me-
xicano con más nostalgia que precisión cronológica. Si essa época existió, fue
la de los años de la segunda Guerra Mundial: 1941 a 1945”. É exatamente o
mesmo recorte que faz John King (1994, p. 77). Já José Carlos Monteiro (2011)
nos fala da invenção de uma era de ouro mais extensa. Para Monteiro (2011,
p. 100), “historiadores e cronistas mexicanos inventaram uma outra ‘época de
ouro’ para identificar, coletivamente, um conjunto de filmes realizados entre
1936 e 1956”. Octavio Getino (2016) situa o apogeu do cinema argentino entre
os anos de 1930 e 1943, mas há também quem desenhe uma era de ouro mais
duradoura, entre 1930 e 1950.18 Nesses casos, os autores se referem a momen-
tos nos quais diversos gêneros cinematográficos prosperaram. Já no caso do
Brasil, fala-se até em uma era de ouro no período do cinema mudo,19 mas não
é recorrente encontrar essa expressão aplicada ao conjunto da produção ci-
nematográfica brasileira das décadas de 1930-1950. Fala-se, sim, no discurso
jornalístico, em um “período de ouro das chanchadas”,20 de uma “era de ouro
das chanchadas”,21 situada entre os finais das décadas de 1940 e 1950, ou seja,

18 (LA EDAD..., [2012]).


19 Essa “era de ouro”, mais recorrentemente chamada de belle époque, que Vicente de Paula
Araújo (1976) situa entre as primeiras filmagens, em 1989 e 1912, em sintonia com um movi-
mento artístico, cultural e político no Brasil, que começou em fins do Império e se prolongou
até fins da República Velha.
20 (MORRE..., 2015).
21 (MENDONÇA, 2016; PADIGLIONE; GRELLET; BRASIL, 2015).

74 GUILHERME MAIA
um idade de ouro de um determinado tipo de comédia, frequentemente mar-
cada pela adjetivação “musical”, que coincide com um vetor de crescimento de
produção e de consumo interno de filmes brasileiros nas décadas de 1940 e
1950. Em cada caso específico, portanto, essas possíveis “edads de oro” são ter-
ritórios de fronteiras desenhadas sem um grau elevado de precisão, mas todas
as referências as situam entre 1930 e o final da década de 1950.
Apresentaremos, em seguida, um estudo a partir de dados quantitativos
sobre filmes musicais produzidos nos três países, entre 1930 e 1959, que nos
ajuda a localizar possíveis picos de produção de musicais em cada país, a escul-
pir os contornos das “eras de ouro” do gênero e nos fornece algumas pistas
preliminares sobre a natureza desses filmes. Entre 1930 e 1959, a base de dados
consultada apontou, ao todo, 436 musicais cinematográficos: 214 no México,
129 na Argentina e 93 no Brasil. A seguir, apresentamos uma tabela com a dis-
tribuição da produção por décadas.

Tabela 1 – Produção de filmes musicais na Argentina, no México e no Brasil durante as


décadas de 1930, 1940 e 1950

1930-1939 1940-1949 1950-1959 TOTAL

ARGENTINA 40 55 34 129

MÉXICO 14 71 129 214

BRASIL 14 29 50 93

Fonte: Internet Movie Database.

A Tabela nos informa que o México foi o grande protagonista na produção


de musicais. Na linha do tempo, década a década, podemos observar também um
fluxo de produção de vetor positivo constante no Brasil e no México, com culmi-
nância nos anos de 1950. Já na Argentina, o pico do ciclo é nos anos de 1940, com
um expressivo declínio da produção na década seguinte. Somente uma pequena
parcela desses filmes é classificada simplesmente como “musical”. Entre os 436
filmes localizados pelo levantamento, apenas 21 – ou seja, cerca de 4,8% da pro-
dução – recebem essa classificação. Somente 2 filmes mexicanos22 e 4 brasileiros23

22 Guadalajara (Chano Urueta, 1943) e La Reina del Mambo (Ramón Pereda, 1951).
23 Fazendo fitas (Vittorio Capellaro, 1935); Joujoux e balangandãs (Amadeu Castelaneto, 1939); O
rei do samba (Luiz de Barros, 1952); Canjerê (Iolandino Maia, 1957).

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 75


aparecem classificados nessa categoria. Já no que diz respeito a películas argenti-
nas, foram localizados 16 títulos assim registrados na plataforma.24
Todos os demais filmes classificados como musicais têm o seu registro
associado a um outro gênero, predominantemente “drama” ou “comédia”, mas
há filmes que recebem mais de duas chancelas de gênero (“drama, musical,
romance”; “drama, musical, comédia”, por exemplo) e musicais classificados
também como romance (58), thriller (4), family (5), horror (1), war (2), history (1),
adventure (8), western (17), crime (4), fantasy (5), mistery (2) e action (1).
O México é, sem dúvida, o país no qual a hibridação com outros gêne-
ros parece ter ocorrido modo mais intenso. Foram encontrados registros de
que a indústria cinematográfica mexicana, no período examinado neste artigo,
produziu 17 musicais-western, 8 musicais-adventure, 3 musicais-crime, dois
musicais-mystery e um musical-action. Já no Brasil e na Argentina, se desconsi-
derarmos os filmes classificados também como romance, o grau de hibridismo
é quase desprezível em relação à dimensão do corpus. Somente três musicais
brasileiros e cinco argentinos aparecem catalogados em conexão com algum
outro gênero que não seja drama ou comédia.
Vejamos, a seguir, a distribuição da produção entre comédias e dramas nos
três países:

Tabela 2 – Comparação entre a produção de musicais-drama e musicais-comédia nos três países

ARGENTINA

DÉCADA COMÉDIA DRAMA

1930-1939 9 24

1940-1949 25 21

1950-1959 22 13

TOTAL 56 58

BRASIL

24 Diez canciones de Gardel (Eduardo Morera, 1931); Idolos de la radio (Eduardo Morera, 1934);
Asi cantaba Carlos Gardel (Eduardo Morera, 1935); La vida es un Tango (Manuel Romero, 1939);
La canción que tú cantabas (Miguel Mileo, 1939); El astro del Tango (Luis Bayón Herrera, 1940);
Mañana me suicido (Carlos Schlieper, 1942); La calle Corrientes (Manuel Romero, 1943); La casta
Susana (Benito Perojo, 1944); Circus Cavalcade (Eduardo Boneo e Mario Soffici, 1945); La can-
ción de Buenos Aires (Julio Irigoyen, 1945); Buenos Aires canta (Antonio Solano, 1947); La guitarra
de Gardel (León Klimovsky, 1949); Corrientes, calle de ensueños (Román Viñoly Barreto, 1949);
Filomena Marturano (Luis Mottura, 1950) e A la Habana me voy (Luis Bayón Herrera, 1950).

76 GUILHERME MAIA
1930-1939 11 1

1940-1949 26 1

1950-1959 47 1

TOTAL 84 3

MÉXICO

1930-1939 10 13

1940-1949 48 48

1950-1959 94 60

TOTAL 152 121

Fonte: Internet Movie Database.

Chama a atenção, de pronto, o caso do Brasil. Na Argentina, há um nítido


equilíbrio entre a produção de comédias e dramas. No México, as comédias
foram dominantes, mas é notável também uma intensa produção de dramas.
Já no Brasil, a desproporção é grande: são 84 comédias para apenas 3 musicais
também classificados como dramas. Eis aqui um importante fator que, decisi-
vamente, distingue a produção de musicais cinematográficos brasileiros da dos
outros dois países aqui estudados.

Chanchadas musicais: a carnavália cinematográfica

Na história do cinema brasileiro, um filme lançado em 1946 se destaca no que


diz respeito ao desempenho nas bilheterias. Permaneceu cerca de 20 anos em
cartaz (DESBOIS, 2016) e, segundo Ramos e Heffner (2000, p. 132), estima-se
que “tenha sido assistido por mais 12 milhões de espectadores”. A julgar por
essa estimativa, esse filme é, como dizem os mexicanos, a película mais taquil-
lera da nossa história.25 De acordo com os dados do Observatório Brasileiro do
Cinema e do Audiovisual,26 ao longo de toda a “odisseia do cinema brasileiro”,27
até o ano de 2015, somente dois filmes conseguiram superar a marca de 10

25 Não existem dados precisos relativos a bilheterias de filmes lançados antes da criação da Embrafilme,
em 1969.
26 Órgão da Agência Nacional do Cinema (Ancine), do Ministério da Cultura.
27 Referência ao título do livro de Laurent Desbois, citado no parágrafo anterior.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 77


milhões de espectadores: Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976),
com 10.735.524, e Tropa de Elite II (José Padilha, 2010), com 11.146.723.28
O filme do qual estamos falando, que pode ter sido a maior bilheteria
da história do nosso cinema, chama-se O ébrio (Gilda de Abreu, 1946)29 e é
um drama de sabor amargo, trágico, de final infeliz, claramente uma espécie
do reino do “cinema de lágrimas da América Latina”, tão bem desenhado por
Sílvia Oroz (1999). O que o filme nos conta, em síntese, é a história de um
“bom homem”, lutador e virtuoso, que, explorado pela família e abandonado
pela esposa, entra em um vórtice de decadência e alcoolismo que o conduz à
condição de um bêbado vagabundo. O filme é isso, mas é também um musical.
Gilberto, o protagonista, interpretado por Vicente Celestino – um dos can-
tores de maior sucesso na época –, é um homem pobre que, somente após
fazer sucesso em um programa de calouros e se tornar um cantor razoavel-
mente conhecido, consegue custear e realizar o sonho de se tornar um médico
bem sucedido. Na seção conclusiva filme, Gilberto, embriagado, canta em uma
espelunca a canção o “O ébrio”, que deu nome ao filme e inspirou a trama.
A letra da canção – um tango! – diz: “Tornei-me um ébrio, na bebida busco
esquecer aquela ingrata que me amava e que me abandonou”.30
Na lógica industrial, era de se esperar que um filme com o formidável
desempenho que O ébrio teve nas bilheterias gerasse outros “Ébrios”, mas não
foi isso o que aconteceu. “Apesar do êxito de O ébrio, o melodrama musical não
deslanchou”. (GOMES, 2001, p. 73) Como já vimos na seção anterior, O Ébrio
é apenas um entre três filmes musicais brasileiros qualificados também como
drama no período examinado. Por que o filão do drama musical, do “musical
de lágrimas”, o veio melodramático e tantas vezes trágico que marcou de modo
importante os musicais argentinos e mexicanos pré-1960 (OROZ, 1999) não
foi explorado no Brasil? Eis uma pergunta instigante, mas que ainda não nos

28 Tabela “Filmes Brasileiros com Mais de 500.000 Espectadores - 1970 a 2015”, ver Observatório
Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (2016). Estamos desconsiderando o filme Os dez manda-
mentos (Alexandre Avancini, 2016), que também ultrapassou a barreira dos 10 milhões, mas, ao
que tudo indica, por meio de uma ação fraudulenta de uma grande igreja neopenteconstal que
comprou os ingressos para distribuir gratuitamente entre os fiéis.
29 Ver um estudo mais aprofundado sobre O ébrio no excelente artigo assinado por Helosa
Valente e Simone Luci Pereira, incluído nesta coletânea.
30 O roteiro do filme foi escrito pelo próprio Vicente Celestino.

78 GUILHERME MAIA
arriscamos a responder. O fato é que, no Brasil, o gênero musical “dourado”
praticamente inexiste associado a algum outro gênero que não seja a comédia.
Não encontramos trabalho acadêmico sobre as comédias produzidas
no Brasil nas décadas de 1930 a 1950 no qual a palavra “carnaval” e/
ou “carnavalesco(a)” não apareça em bases regulares e abundantes.
“Musicarnavalescos”, “comédias musicais carnavalescas”, “filmes carnavales-
cos”, “filmusicais carnavalescos”, “filmes de Carnaval”. As comédias musicais
cinematográficas brasileiras foram inicialmente chamadas por esses nomes.
Desse vínculo da origem do nosso cinema musical com o Carnaval, nas-
ceu um gênero substantivo, tipicamente brasileiro (FREIRE, 2011; SHAW;
DENNISON, 2007) e com nome próprio:31 chanchada.32 Praticamente todas
as chanchadas eram musicais ou incluíam ao menos um par de números
musicais diegéticos. As naturezas das canções desses números musicais, para
João Luiz Vieira (2003, p. 46), podem ser a principal a marca de gênero das
chanchadas: “[...] A música popular, em grande parte de natureza carnava-
lesca, é uma característica essencial desse conjunto de filmes, talvez seu traço
genérico mais forte”.
É essa relação com o repertório de canções – sambas, marchas carnavales-
cas ou marchinhas e, eventualmente, frevos –, mas também com a iconografia
do Carnaval brasileiro da época que parece ser o mais nítido traço distinção
entre os filmes da nossa possível “era de ouro” das dos dois outros países
aqui comparados. Muitas e muitas comédias musicais foram produzidas na
Argentina, como as tantas dirigidas por Manuel Romero, Julio Saraceni, Luís
Bayon Herrera e Luis César Amadori. No México, as comédias musicais de Tin
Tan, el pachuco de oro, personagem criado pelo cantor e ator Germán Valdés,
também deixaram marcas profundas na história e permanecem bem vivas

31 O jornalista e crítico de cinema Sérgio Augusto (1989, p. 71), no livro Esse mundo é um pandeiro,
se refere a “chanchadas mexicanas” e “chanchadas argentinas”, mas não encontramos texto
escrito por autores mexicanos e argentinos que assim se refiram às comédias produzidas nos
seus respectivos países. Nossas chanchadas não foram produto de exportação. Talvez por isso,
muitos pesquisadores argentinos e mexicanos contemporâneos nem mesmo sabem o que sig-
nifica a expressão “chanchada”, como pode ser comprovado nas entrevistas realizadas pelo
nosso projeto de investigação.
32 A rigor, como demonstra Rafael de Luna Freire (2011), o termo “chanchada” só se consoli-
da como expressão substantiva que designa uma determinada classe de filmes em uma visão
retrospectiva, um giro interpretativo sobre o fenômeno que ocorre nos anos de 1970. Antes
disso, foi amplamente utilizado pela crítica e pela historiografia com sentido pejorativo.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 79


na programação de canais a cabo no México e no Youtube. A muitas dessas
comédias poderia ser atribuído o adjetivo de “carnavalesca”, se pensarmos sob
o regime do conceito de “carnavalização” esculpido por Bakhtin (2008). Em
muitas delas, é possível encontrar os mesmos elementos subversivos, satíricos e
paródicos que configuram as chanchadas. (AUGUSTO, 1989) Em nenhum des-
ses países, nos parece, algum veio de comédia ganhou um nome próprio que
dispensa adjetivos. Em nenhum dos dois, ademais, houve uma integração tão
dominante entre uma determinada festa popular urbana e uma determinada
espécie de comédia. Em nenhum dos dois países – talvez em nenhum outro –
parece ter ocorrido o que Sérgio Augusto (1989, p. 202) chamou de “carnavália
cinematográfica”. Segundo Augusto (1989, p. 72), isso ocorreu porque:

O nosso lero33 era de fato diferente. Enquanto os outros procuravam


transplantar para as suas comédias um certo espírito carnavalesco, mes-
mo quando seus cantores entoavam tarantelas, árias de opereta, tangos,
fados, chulas, mambos, boleros, congas e rumbas. nós, brasileiros, além
do espírito, tínhamos ao vivo o próprio carnaval, a ‘segunda vida do povo,
baseada no princípio do riso’. 34

Essa presença constante da iconografia e das sonoridades do carnaval nas


obras foi plenamente confirmada em uma ação de pesquisa que teve como
objeto o repertório musical e visual dos números musicais de 14 chanchadas
musicais da década de 1950. Na dimensão do repertório de canções, em um
conjunto de 230 números musicais analisados, foram detectadas 82 marchas
carnavalescas e 56 sambas. Juntos, a marchinha e o samba – os dois gêneros
definidores da sonoridade do carnaval carioca daquela época – estão presentes
em 138 números, ou seja, ocupam 60% dos números musicais da amostra. Isso
sem levar em conta a ocorrência quatro incidências de samba-canção e de duas
do gênero “maxixe”, que pode ser considerado um parente bem próximo do

33 A palavra “lero” é uma referência à letra de uma canção carnavalesca composta por Benedito
Lacerda e Frazão para o carnaval de 1942, que diz: “O nosso lero lero é diferente / O clima aqui
é muito quente / E a gente, pra desabafar / canta, canta, até o sol raiar”. A expressão “lero-lero”
pode ser traduzida para o espanhol como parloteo ou charloteo, mas o sentido mais preciso
na letra da canção nos parece ser o que em português pode ser expresso pela palavra “labia”,
uma verbosidade “malandra”, persuasiva e graciosa. Em palavras do professor Lauro Zavala: “La
expresión coloquial en México sería ‘rollo o choro’”.
34 Aspas internas do autor, referência a expressão utilizada por Mikhail Bahktin.

80 GUILHERME MAIA
samba. Na tela, embora em diferentes graus, a festa carnavalesca se manifesta
em todos os filmes examinados, rigorosamente, com presença garantida nos
cenários e figurinos de números musicais: confete, serpentina, fantasias, alego-
rias, desfiles de escola de samba estilizados, palcos de bailes de salão.
Como não poderia deixar de ser, esse espírito carnavalesco deixou tam-
bém suas marcas em títulos como A voz do carnaval (Adhemar Gonzaga e
Humberto Mauro, 1933), Alô alô carnaval (Adhemar Gonzaga, 1936), Carnaval
no fogo (Watson Macedo, 1949), Carnaval Atlântida (José Carlos Burle, 1952),
Carnaval em lá maior (Adhemar Gonzaga, 1955) e em filmes cujo enredo está
associado ao Carnaval, como, por exemplo, Tererê não resolve (Luiz de Barros,
1938), Pif-Paf (Luiz de Barros e Adhemar Gonzaga, 1945) e Caídos do Céu (Luiz
de Barros, 1946).

Musicais dourados argentinos: “a diferença foi o tango”

É possível afirmar que existe ou existiu no Brasil uma tradição de musicais


de ficção que poderíamos chamar de “filmes sambeiros” ou “filmes de sam-
ba”? Dificilmente. Mesmo levando em conta a presença do nome “samba” em
alguns títulos de musicais brasileiros35 e considerando existência de musicais
em que o samba é dominante na trilha sonora diegética e imbricado no tecido
narrativo, ou seja, é tema importante no desenvolvimento da história que o
filme conta, como Favela dos meus amores (Humberto Mauro, 1935), Rio Zona
Norte (Nélson Pereira dos Santos, 1957) e Quem roubou meu samba (José Carlos
Burle, Hélio Barroso, 1959), nem os filmes nem as narrativas históricas sobre
eles tiveram potência para constituir uma tradição do que poderia ter sido cha-
mado aqui de “filmes de samba”.
Da mesma forma, embora exista uma ligação importante entre o bolero
e a ranchera com o cinema musical mexicano do período aqui investigado,
não se fala, por exemplo em “filmes de bolero”. Existe, é bem verdade, a tradi-
ção da comedia ranchera, que Ana M. López considera uma das duas espécies

35 Samba da vida (Luiz de Barros, 1937); Samba em Berlim (Luiz de Barros, 1943); O rei do samba
(Luiz de Barros, 1952); Samba na Vila (Luiz de Barros, 1956); Guerra ao samba (Carlos Manga,
1956); Garotas e samba (Carlos Manga, 1957); Quem roubou meu samba (José Carlos Burle,
Hélio Barroso, 1959).

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 81


mais prósperas do cinema musical mexicano das décadas de 1930 a 1950 e
até mesmo a categoria “musical ranchero”, proposta por Rocío González em
artigo que integra este livro.36 Temos que levar em conta, contudo, que, como
é possível deduzir a partir dos textos de López e González, a adjetivação “ran-
chera” aplicada aos musicais mexicanos designa não somente a associação com
um gênero musical, mas, principalmente, um determinado mundo construído
pelo filme, no caso, o rancho, a fazenda, os povoados; os seres de linguagem
que habitam esse mundo: o charro e a china poblana; a dança do jarabe tapatio
e as várias manifestações de cantos da tradição oral, como o corrido, o hua-
pango e o bolero ranchero. Como veremos mais à frente, a ligação mais nítida
dos musicais mexicanos com manifestações populares de canto e dança se dá,
curiosamente, com um gênero “estrangeiro”, a rumba, como podemos consta-
tar pela existência e a permanência do nome “películas de rumberas”, sobre o
qual falaremos mais adiante.
Já em relação aos musicais argentinos, uma das primeiras coisas que atraiu
significativamente a nossa atenção foi o modo como a relação entre o tango e o
cinema é referida na literatura acadêmica. Natacha Muriel L. Galluci (2013, p. 1)
abre o segundo parágrafo da comunicação “Cinema e tango: práticas corporais
no cinema argentino” declarando que:

o tango e o cinema partilham de uma fusão de origem [...] A partir de um


levantamento dos períodos mudo e clássico, tornou-se evidente a fusão
de origem entre o cinema e o tango na Argentina. Diretores do incipiente
cinema mudo eram autores de tangos e criaram um fio condutor entre o
teatro de varieté portenho, o circo criollo e o cinema.

Paranaguá (1985) confere ao tango um papel decisivo para a posição de


liderança que a indústria cinematográfica da Argentina ocupou no que diz
respeito à produção de filmes latino-americanos na década de 1930:

36 González propõe uma classificação dos musicais mexicanos em três espécies dominantes:
melodrama musical, comédia musical, musical de aventuras ou acción – e filmes classificáveis
em outras 12 categorias: vistas de danzas, biopic musical, cine musical de época ou históri-
co, musical mexicanista, musical regionalista, musical iberoamericanista e panamericanista,
musical ranchero, cine de rumberas, cabareteras y vedettes, revistas musicais; musical infantil;
musical juvenil.

82 GUILHERME MAIA
As condições herdadas da época muda não eram muito diferentes daque-
las existentes no Brasil e no México, em termos de gente preparada e de
infraestrutura. A diferença foi o tango, verdadeiro veículo da expansão do
cinema argentino dentro e fora do país. (PARANAGUÁ, 1985, p. 41, grifo
nosso)

Fazendo uma comparação entre as indústrias cinematográficas do


México e da Argentina no início do cinema sonoro, John King (2011, p. 624)
observa que “os produtores mexicanos levaram muito tempo para encontrar
uma fórmula de sucesso. Os argentinos sabiam, desde o começo, que o tango
seria sua mina de ouro”.

Los productores locales advirtieron pronto el potencial comercial de un


cine nacional dominado por el tango. Inmediatamente se montaron dos
estudios, Argentina Sonó Films y Lumitón, hubo una inversión en tec-
nología avanzada y se cultivó un star system local con luminarias como
Luis Sandrini, Pepe Arias y Libertad Lamarque. En 1933 se produjeron 6
películas; 16 en 1936, 28 en 1937 y 50 en 1939. (KING, 1994, p. 63)

As palavras de Cecília Gil Mariño (2015, p. 18-19) vibram em perfeita con-


sonância com os exemplos anteriores, nos contando que a relação do tango
com o cinema antecede o período sonoro:

En la apropriación de los universos temáticos de la cultura popular, el


tango tuvo un lugar destacado por su fama local y su proyección inter-
nacional. Ya desde los inicios del cine el tango tuvo protagonismo. El
cine local en el período silente traspuso en imágenes el ‘coscos manique-
ro y cerrado inspirado en el folletin sentimental y en las letras de tango’
(Paladino, 2002: 59). En el mundo, esta presencia estuvo marcada por el
éxito internacional de los filmes de del bailarín Rudolph Valentino. [...] De
este modo, el tango se constituyó, por un lado, en una marca de identidad
cultural argentina para el cine silente, y por el otro, en uno de los vectores
de la popularización de los primeros filmes sonoros argentinos.

Um bom exemplo anedótico do fenômeno: no artigo “Aprender y consu-


mir, legitimación de un modelo estelar”, no qual Ricardo Manetti e Lucía Riva
(2014), sob uma perspectiva histórica, escrevem sobre os filmes argentinos no
período de transição para o sonoro. A palavra “tango” aparece nada menos do

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 83


que 71 vezes. Não à toa, portanto, a expressão “películas tangueras” ou “pelícu-
las de tango” consolidou-se ao longo da história do cinema latino-americano
e designa uma determinada espécie de filmes. Prova disso é que uma rápida
busca no Google nos conduz a canais do YouTube como a Filmoteca Tanguera37
ou a sítios e blogs que disponibilizam listas de filmes, artigos e matérias de
natureza jornalística sobre filmes tangueros, como El Tango en el Cine,38 El
humor y el tango en la cinematografía argentina,39 Cartelera de Películas de
Tango,40 entre muitos outros que poderíamos aqui mencionar.
Manifestação cultural rio-platense, oriunda, segundo Borges (2016),
de las casas malas da periferia de Buenos Aires e Montevidéu no final do
século XIX, frequentada por compadritos, mujeres de mala vida e pelos niños
de bien patoteros (BORGES, 2016, p. 47-71), o tango – como canção popu-
lar e como espetáculo de dança – conquistou os salões da aristocracia fran-
cesa na primeira década do século XX, em um processo no qual o cantor e
ator Carlos Gardel foi o ponta de lança. Fortalecido como metonímia de um
determinado país, massivamente difundido pelo rádio, pelo disco, o tango
já é um signo de “argentinidade” consolidado e consumido não só interna-
mente, mas ao redor do mundo quando cinema sonoro chega para ficar.41
(PELINSKI, 2012) Comparando com o bolero mexicano e com o samba brasi-
leiro, por exemplo, podemos dizer que a grande difusão internacional do pri-
meiro só ocorre, efetivamente, no início da década de 1940, após o sucesso
de “Besame Mucho”, de Consuelo Velásquez. Assim como o bolero, o samba
também chega ao mercado internacional muito depois do tango, também na

37 Disponível em: <https://www.youtube.com/playlist?list=PLC20C7E61E847DE50>.


38 Disponível em: <http://www.tangocity.com/noticias/1748/El-Tango-y-el-Cine.html>.
39 Disponível em: <http://www.todotango.com/historias/cronica/299/El-humor-y-el-tango-en-
la-cinematografia-argentina/>.
40 Disponível em: <http://espaciosdetango.blogspot.com.br/2012/04/listado-de-peliculas-de-
-tango.html>.
41 No artigo “Tango nômade: uma metáfora da globalização”, Ramón Pelisnki (2012) nos dá provas
de que, após o triunfo do tango nos salões de Paris na primeira década do século passado, uma
“tangomania” se espalhou pelas capitais europeias e chegou aos Estados Unidos, ao Oriente
Próximo e ao Japão. Pereira e Di Pace (2014, p. 179) confirmam: “Europa – y más especifica-
mente Paris”, dizem os autores, “parece haber sido el lugar común del que indivíduos e produ-
tos retornabam a sus lejanos origenes para ser reconocidos socialmente”. Para os autores, o
tango argentino “se instala como hecho social de las clases medias de Buenos Aires, después
de haberlo hecho en los dancings y cabarets parisienses (entre 1910 e 1913)”.

84 GUILHERME MAIA
década de 1940, quando a “pequena notável” Carmen Miranda se transforma
na brazilian bombshell.42
Evidentemente, o tango não foi o único gênero musical explorado
pelos musicais argentinos. Como nos dá provas o artigo do professor César
Maranguello, publicado neste nosso livro, muitos outros gêneros foram can-
tados e dançados nos mundos construídos pelos musicais cinematográficos
argentinos do período clássico, e até o nosso samba esteve por lá. No entanto,
a revisão bibliográfica reitera: “En el ámbito latino-americano, el caso más
paradigmático de confluência entre cine y música popular se produjo en
Argentina”. (AISENBERG, 2005, p. 16) Tango e cinema foram tão íntimos na
Argentina naquele momento que não raramente letras de tango se transforma-
ram em argumentos de filmes, e muitos compositores de tango atuaram tam-
bém como diretores, roteiristas e atores, em uma dimensão quantitativa que
parece ser um caso raro na história do cinema mundial. Sem desconsiderar o
importante papel que o cantor, compositor, ator, diretor e compositor Hugo
del Carril tem nessa história, optamos aqui por falar muito brevemente de
outros três desses “multiartistas”: Manuel Romero, Enrique Santos Discépolo
e Homero Manzi.
Entre 1931 e 1953, Romero, que faleceu em 1954, dirigiu 53 filmes, assi-
nou ou colaborou em cerca de 50 roteiros cinematográficos, mas foi autor
também de mais de uma centena de peças teatrais e canções. Dezenove das
canções de Romero foram gravadas por Carlos Gardel.43 No cinema, Romero
dirigiu principalmente dramas familiares e comédias de costumes, mas tem
também no currículo alguns filmes classificados como thriller e horror. Nossa
pesquisa localizou 17 filmes classificados como musicais dirigidos por Romero.
Já Enrique Santos Discépolo, o “filósofo do desencanto”, mais conhecido no
Brasil como autor do célebre tango “Cambalache”, entre 1939 e 1951, diri-
giu seis filmes: Cándida, la mujer del año (1943), Fantasmas en Buenos Aires

42 Interessante observar também o lugar que o tango – como espetáculo audiovisual e como sig-
no de sedução e erotismo em uma chave elegante e requintada – desfruta hoje nas telas inter-
nacionais, expresso claramente em filmes de grande difusão, como Perfume de Mulher (Martin
Brest, 1992) e Chicago (Rob Marshal, 2002). A lista de filmes nos quais o tango é executado
e dançado para conferir uma dimensão espetacular e erótica à uma cena é muito extensa e
constrói um lugar simbólico bem distinto dos ocupados pelo samba, a rumba e o bolero, por
exemplo.
43 Segundo semblanza de Romero, ver Pinsón ([20--]).

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 85


(1942), En la luz de una estrella (1941), Caprichosa y millonaria (1940), Un
señor mucamo (1940), Cuatro corazones (1939). Além disso, escreveu ou cola-
borou para a escrita de 11 roteiros44 e trabalhou como ator em outros 7.45 Sobre
Homero Manzi, preferimos passar a palavra para Irene Amuchástegui, que, em
matéria publicada no suplemento especial do jornal Clarín, publicado em 3
de maio de 2011, declara: “Hoy se cumplen 60 años de su muerte. Poeta y
letrista genial, escribió tangos como ‘Malena’,’Sur’ y ‘Barrio de tango’. También
fue director y guionista de cine y un activo militante social. Su inspiración no
ha perdido vigencia”.
As intrincadas relações entre o tango e o musical de ouro argentino, a
rigor, demandam saberes “nativos” para serem entendidas em toda a sua
complexidade. Recomendamos fortemente a leitura do livro El mercado
del deseo: tango, cine y cultura de masas en la Argentina de los ‘30 (2015), de
Cecília Gil Mariño, citado neste artigo, que apresenta um rico panorama do
processo por meio do qual o tango passou a operar como vetor de nacionali-
zação e de popularização do cinema, criando laços entre as ideias de argenti-
nidade e modernidade. De resto, contenta-nos, por ora, deixar aqui palavras
de Jorge Luis Borges sobre o tango e uma pergunta retórica. Segundo Borges
(2016), o tango, em sua origem, não cantava a tristeza, mas a bravura alegre
dos pendencieros:

El tango, como hemos visto, empezó, surge de la milonga, y es al principio


un baile valeroso y feliz, Y luego el tango va languideciendo y entristencién-
dose, hasta el punto que un libro publicado hace poco por Ernesto Sabato
se lee algo así como ‘el tango es um pensamento triste que se baila’.46

Seria o musical dourado argentino um cinema pendenciero? Ou um pensa-


mento triste que se filma?

44 Blum (1970), El hincha (1951), Yo no elegí mi vida (1949), Cándida, la mujer del año (1943),
Fantasmas en Buenos Aires (1942), En la luz de una estrella (1941), Confesión (1940), Caprichosa y
millonaria (1940), Un señor mucamo (1940), Cuatro corazones (1939), Melodías porteñas (1937).
45 El hincha (1951), Yo no elegí mi vida (1949), ...Y mañana serán hombres (1939), Cuatro corazones
(1939), Melodías porteñas (1937), Mateo (1937), Yira, yira (1930).
46 Essa frase costuma ser atribuída a Enrico Santtos Discépolo.

86 GUILHERME MAIA
La mala vida no proscênio: las películas prostibulares mexicanas

Para entrar no universo do musical mexicano, nada melhor do que ser conduzi-
do pelas mãos de Ana M. López. Afinal, é essa a autora que trata desses filmes os
considerando como obras pertencentes ao reino dos musicais. No já citado livro
International film musical (2012), em capítulo dedicado ao cinema musical pro-
duzido no México, López47 nos mostra como os números musicais presentes em
duas espécies de musicais de grande destaque no mercado mexicano entre os
anos 1930 e 1960 – as comedias rancheras e os filmes cabareteros –, ao contrário
de cooperarem no processo de atenuação das diferenças entre os protagonis-
tas masculino e feminino que conduz ao sucesso amoroso, como acontece na
narrativa de duplo foco do musical clássico de Hollywood (ALTMAN, 1988),48
estão organizados como estratégias que inscrevem no filme tensões relativas a
questões de identidade nacional e resistência cultural. No cinema mexicano da
“era de ouro”, diz López (2012, p. 136, tradução nossa), “música e performance
foram incorporados em espaços narrativos específicos [a hacienda e os cabarets]
que serviram de alegorias utópicas e/ou distópicas de nacionalidade”.49
Examinando um contexto nacional fortemente contingenciado ora por
resistência, ora por sujeição ao fluxo de interesses políticos e econômicos dos
Estados Unidos, López diagnostica que o cinema musical mexicano da chamada
“era de ouro” foi, entre muitas outras coisas, reflexo e agente de um processo
construção de símbolos oficiais de “mexicanidade”, filmes que herdaram do
rádio não somente os excessos melodramáticos das radionovelas, mas também
os gêneros de canção popular já institucionalizados pelo meio como signos de
uma “musicalidade mexicana”, especialmente o mariachi, a ranchera e o bolero
mexicano.50 De um modo geral, os dois primeiros contribuem para o estabeleci-
mento do ethos rural, comunitário e utópico das comedias rancheras. Já os

47 Diretora do Cuban and Caribbean Studies Institute, professora da Tulane University, com pes-
quisas na área de mídia, televisão, cultura popular e cinema latino-americano.
48 Citado pela autora.
49 “In the ‘Golden age’ Mexican cinema, ‘the musical’ did not function as a distinct entity compa-
rable to the Hollywood genre. Instead, music and performance were incorporated into specific
narrative spaces that served as a utopian and/or dystopian allegories of nationhood”.
50 O termo “bolero”, em música, designa tanto manifestações de canto e dança populares espa-
nholas do século XVIII com influência árabe, quanto gênero de música de concerto – o bolero
de Ravel, por exemplo – e um gênero de canção popular oriundo de Cuba. Foi, contudo, o

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 87


boleros, mais presentes nos filmes cabareteros, choram as dores do amor no
mundo distópico de casas noturnas frequentadas por prostitutas e cafetões, que
López vê como veículo de articulação de subjetividades marginalizadas em um
México urbano, multicultural e em processo de modernização.
Dessas duas vertentes principais de musicais apontadas por López, cha-
mam mais nossa atenção os melodramas cabareteros, por consideramos esses
filmes uma espécie mais rara de musical no mundo do cinema. Conhecidos
também como cine de rumberas, películas de rumberas, cine de ficheras e melo-
dramas prostibulares,51 são filmes quase sempre protagonizados por mulheres e
que, não raramente, fazem referência à protagonista feminina em seus títulos,
associada a noções como “pecado e desejo sexual caliente”.52 Não são, portanto,
quaisquer “mulheres”, mas personagens femininas que vivem em um universo
distópico povoado por “rumbeiras vulcânicas, [...] mães desgraçadas [e] putas
arrependidas [...]” (AUGUSTO, 1989, p. 71), mulheres que transitam no âmago
ou nas bordas da mala vida, ganhando o sustento como ficheras ou prostitutas.
Em um viés comparativo, até o ponto que a nossa investigação pode constatar,
o primeiro musical no Brasil em que uma personagem inequivocamente con-
figurada como prostituta tem direito a ser intérprete de uma canção é o filme
Ópera do malandro, dirigido por Cacá Diegues e lançado em 1986.
“Destapemos la cloaca del cine mexicano”. É com essas palavras que Jorge
Ayala Blanco (1993, p. 108) inicia um capítulo do livro La aventura del cinema
mexicano: en la época de oro y después, intitulado “La prostituta”. Nele, Blanco
afirma que “la cinematografia sonora nacional comienza relatando la biografia
de una prostituta53 y desde entonces no ha podido liberarse de la tutela de ese
pesrsonaje”, que, para Ayala, “se convierte en un emblema del cine mexicano,

bolero reinventado e mexicanizado por Augustín Lara o gênero que se disseminou por toda a
América Latina e pelo mundo.
51 ClyNE, 2016.
52 Somente entre 1946 e 1950, encontramos os seguintes títulos dessa natureza em listagens
de películas de rumberas ou cine de rumberas: Pervertida, La insaciable, Peacdora, La bien pa-
gada, La sin ventura, Señora tentación, Una mujer con passado, El pecado de Laura, Venus de
fuego, La mujer del puerto, La hija del penal, Un cuerpo de mujer, Si fuera una cualquiera, Perdida,
Aventurera, Traicionera.
53 Referindo-se ao filme Santa (Antonio Moreno, 1932) .

88 GUILHERME MAIA
le dicta sus constantes morales y le inspira uno de sus climas más coerentes y
genuinos”. (BLANCO, 1993, p. 108)
Para Oroz (1999, p. 86), “o melodrama latino-americano tem em sua baga-
gem um tipo único de prostituta: a rumbeira, que, embora seja de origem cubana,
encontra no cinema mexicano seu campo expressivo”. Apesar das desgraças que
enfrenta fora dos palcos, seja pela pobreza, doença, preconceito ou por ser explo-
rada por um cafetão, quando sobe ao palco, tudo isso se transforma em um espe-
táculo radiante de alegria, sensualidade e descontração. “Ela [a rumbeira] encarna
todas, e, esquematicamente, as penúrias sofridas pelas classes menos favorecidas
na América Latina”. (OROZ, 1999, p. 86) Essa marca de “latinidade”, para Oroz
(1999, p. 86), deriva, por um lado, do fato do corpo das atrizes que interpretavam
as rumbeiras – “coxas grossas e cadeiras generosas” – não corresponder ao padrão
de cinema europeu e estadunidense. Por outro lado, por operar como um corpo
erótico que trazia consigo um determinado imaginário sobre a América Latina.
“À época”, nos diz Oroz (1999, p. 87), “‘tropical’ e ‘cabaré’ tinham uma conotação
de prazer sexual muito acentuada, e a isto junte-se que a origem cubana da maioria
das rumbeiras acentuava esta carga, em razão da inumerável quantidade de cabarés
e prostíbulos que havia em naqueles anos”. As rumbeiras invadem as telas vestidas
por trajes que deixam as pernas, o ventre e os seios fartos (parcialmente) à mostra
e executando movimentos intensos de las caderas, não raramente mostrados em
close-up, movimentos esses próprios de danças que claramente estabelecem rela-
ções bem diretas com o ato sexual. Estamos falando aqui de um tropo afro-caribe-
nho que tem como matéria essencial um determinado imaginário sobre uma Cuba
pré-revolucionária, que, sob o domínio econômico de gangsters estadunidenses,
havia sido transformada em um paraíso para homens endinheirados em busca de
sol, jogos de azar e sexo pago. É esse o tal “paraíso tropical”: essa imagem de Cuba,
assim como de outros países da América Latina, como lugares nos quais um prazer
sexual de excelência está à venda.
Por outro lado, ninguém melhor que Carlos Monsiváis e Carlos Bonfil
(1994, p. 40) para nos falar da potência subversiva desse emblemático ser
de linguagem dos musicais mexicanos, as cabareteras, “mujeres prisioneras
del fango54 e redimibles por su misteriosa pureza interior”. Para Monsivais,

54 Segundo as definições do Dicionário da Real Academia Espanhola, a tradução literal para o por-
tuguês de “fango” seria “lodo”, mas existe também o sentido de “degradação”, que parece ser o

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 89


o cinema mexicano ao final dos anos de 1940 vive a contradição de punir o
pecado com discursos moralistas e, concomitantemente, render-se à exaltação
estética do rosto “a menudo gozoso de la pecadora”.

Esto se había visto claramente desde 1937 con una película ‘maldita’ del
cine mexicano, La mancha de Sangre, de Alberto Best Maugard, pero la
ambivalência persiste hasta finales de los cuarenta con una galería de ca-
bareteras de fotogenia irresistible, entre las cuales se destaca la cubana
Ninón Sevilla. En 1949, Aventurera, de Albert Gout [...] es la cinta que vo-
luntariamente o no, consigue subvertir la moral tradicional satirizando la
hipocresía de una familia de abolengo55 de Guadalajara. […] En la inconte-
nible escalada del melodrama, Ninón aparece como la primera prostituta
verdaderamente villana que exhibe los trofeos de la vulgaridad y el ero-
tismo para escándalo de las buenas conciencias tapatías.56 (MONSIVÁIS;
BONFIL, 1994, p. 40)

Monsiváis vê, no final dos anos de 1940, a emergência de algo novo no


cinema mexicano: personagens femininos que

ya no se avergüenzan de sus movimentos ‘libidinosos’ ni tomam tan en se-


rio la nocíón de pecado [...] ... las animosas y trepidantes rumberas (maria
Antonieta Pons, Rosa Carmina, Amalia Aguilar, se despojan de las nocio-
nes de culpa que en algo entorpecerían em frenesí dancístico. Y la franca e
descarada sensualidade – la manipulación irónica del cuerpo desencadena
com Lila Prado, Katy Jurado, Ninón Sevilla y Meche Barba. (MONSIVÁIS,
1999, p. 68)

“Fenômeno impressionante na América Latina” (OROZ, 1999, p. 87), essa


figura arquetípica do veio cabaretero dos musicais mexicanos chegou com
alguma frequência às telas dos musicais argentinos e brasileiros. No caso do
Brasil, como vimos, não houve uma produção de musicais que pudessem
acolher o drama trágico da vida das rumberas. Nas chanchadas musicais, as
rumbeiras são coadjuvantes, invariavelmente com função de produzir o riso.

significado que Monsiváis quer dar à expressão “mujeres prisioneras del fango”. Disponível em:
<http://dle.rae.es/?id=HamsDx6>.
55 Família “de tradição”.
56 Tapatías: natural ou relativo a Guadalajara.

90 GUILHERME MAIA
Já no que diz respeito à Argentina, havia dramas musicais, mas, curiosamente,
segundo Oroz (1999), as pecadoras e aventureiras migraram somente para as
comédias, o que implicou uma mudança polar na essência das personagens.

Desse modo, retiraram-lhes o halo de sofrimento e mistério e colocaram-nas


como partners dos atores cômicos. Continuaram dançando, mostrando as per-
nas e rebolando as cadeiras, mas não tiveram a força mítica atingida através do
passado e do sofrimento das rumbeiras mexicanas. (OROZ, 1999, p. 87)

Interessante concluir o esboço desse peculiar ser de linguagem dos musi-


cais mexicanos com algumas palavras de David Ramón (historiador e escri-
tor), Maurício Peña (jornalista), Fernando Muñoz (historiador e escritor) sobre
as rumbeiras, extraídas de depoimentos do excelente documentário Perdida
(Viviana García-Besné, 2009), que traz à luz fatos importantes e até então des-
conhecidos sobre a produção cinematográfica da família Calderón:

Mulheres vestidas de modo exuberante, paetês, plumas, quadris, pernas,


sorrisos, corpos livres em movimento, para criar o universo proibido dos
cabarés lugares oníricos que só viam na tela nos Filmes Mexicanos. O so-
nho do proletário mexicano era ir para a cama com Ninón Sevilla – ir para
a cama e realizar o sonho! Se essas imagens ainda nos causam admiração
e nos move internamente, se ainda nos agita hoje, imaginemos o impacto
na época em que esses filmes chegaram às telas.57

Considerações finais

Podemos entender o que foi escrito até aqui, em breve síntese, como o relatório
de um percurso investigativo que teve como objetivo basilar um olhar compa-
rativo dirigido às principais marcas de distinção entre os musicais argentinos,
mexicanos e brasileiros do período “de ouro”. Nosso primeiro problema foi
decidir de que modo seria possível construir um corpus composto por musicais
latino-americanos. Para enfrentar esse problema, foi inevitável fincar raízes nas

57 Citação composta a partir de frases proferidas pelos depoentes referidos neste parágrafo,
situadas entre 40:21 e 41:28 da versão digital consultada.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 91


fontes teóricas disponíveis que, como foi visto, têm quase sempre os musicais
estadunidenses como objeto e fazem parte do reino dos estudos e das discus-
sões sobre ontologias e taxonomias de gêneros cinematográficos e audiovisu-
ais, de um modo geral. Nesse contexto, foi possível observar, em uma dinâmica
dialógica, algumas das tensões que envolvem as tentativas de definir o que
seria exatamente um “filme musical”.
Percebendo os gêneros audiovisuais, na companhia de Mittel e Altman,
como entidades, ao mesmo tempo, estáveis e em constante movimento de
transformação, foram evitadas perspectivas idealistas e normativas de defini-
ção – com quantos números musicais se faz um musical? Que grau e que tipo
de imbricação entre o número musical e a narrativa deve haver para que um
filme seja aceito no reino dos musicais? Seguindo uma perspectiva empirista
(Steiger) e pragmática (Altman), com epicentro no modo como os filmes são
classificados por bancos de dados oficiais e colaborativos, foi possível, em pri-
meiro lugar, constatar que, a exemplo do que aconteceu em Hollywood – e em
muitos outros países do mundo – durante as três primeiras décadas do cinema
sonoro, aproximadamente, o musical foi um dos gêneros mais importantes
no processo de implantação e consolidação de indústrias cinematográficas na
Argentina, no Brasil e no México. Em suas edades de oro, a Argentina e o México
produziram muitos dramas e comédias musicais. O México, além disso, explo-
rou com bastante frequência a hibridização com outros gêneros, como western,
crime, mistério, fantasia e aventura. No Brasil, com raras exceções, o musical
“de ouro” existiu indissociavelmente imbricado com a comédia.
Nos levantamentos bibliográficos realizados nas etapas iniciais da pes-
quisa que gerou este artigo, foi constatado que os musicais latino-americanos
raramente têm sido objeto de investigação acadêmica, ao menos no que diz
respeito à sua natureza enquanto filme passível de ser classificado como um
musical cinematográfico. Por exemplo, tem-se falado bastante ultimamente
sobre as chanchadas, mas fala-se pouco – assim, ao menos, nos parece – sobre
a chanchada como uma espécie do reino dos musicais, ou seja, sobre o modo
de funcionamento da obra dentro do regime do gênero musical. O mesmo
podemos dizer em relação aos filmes tangueros, as comedias rancheras e os
melodramas cabareteros. Diante da ausência desses estudos específicos, nossa
atenção foi atraída pelo modo como alguns estudiosos do cinema latino-ame-
ricano se referem aos filmes que o primeiro passo da pesquisa elegeu como

92 GUILHERME MAIA
objetos: filmes argentinos, mexicanos e brasileiros das décadas de 1930, 1940
e 1950. No marco dessa ação de revisão de bibliografia, os discursos históricos
e analíticos observados levaram à conclusão inevitável de que, em cada um dos
países analisados, houve a erupção de uma ou mais espécies de musicais idios-
sincráticos, com personalidade forte, filmes que concedem um bom tempo de
tela e de alto-falantes para manifestações de canto e de dança da tradição oral e
da cultura popular de cada um dos países. Se alguns signos audiovisuais impri-
mem marcas fortes de nacionalidade – como o samba, o tango e o corrido, por
exemplo –, outros demarcam um espaço sonoro e corporal translatino, como é
o caso das rumberas – estrelas cubanas que contribuíram para a criação de um
tropo que se tornou uma marca identitária dos musicais “de oro” mexicanos,
que circulou pelas salas de cinema de todo o mundo hispanófono, difundindo
ritmos afro-caribenhos, e chegou às telas dos musicais brasileiros e argentinos.
Evidentemente, ainda há muitas e muitas camadas a serem revolvidas para
entender, em uma perspectiva mais plena, as complexas relações do tango com
os musicais argentinos, das mujeres de mala vida com os musicais mexicanos
e do Carnaval com as chanchadas musicais brasileiras. Alguns artigos desta
coletânea oferecem justamente análises mais aprofundadas de algumas dessas
espécies. Outras boas fontes para informações sobre os musicais latino-ame-
ricanos são as entrevistas com pesquisadores e realizadores argentinos, mexi-
canos e brasileiros realizadas no marco da pesquisa que gerou esta coletânea.
Essas entrevistas estão postadas no site do LAF.58
Sobre os musicais mexicanos, um excelente ponto de partida é o capí-
tulo “México”, assinado por Ana M. López no livro International Film Musical
(2012), além, é claro, do artigo “Cine musical mexicano: tendencias temáticas y
evolución genérica”, escrito pela pesquisadora Rocío González para esta nossa
coletânea. A leitura do livro A través del espejo: el cine mexicano y su público
(1994), de Carlos Monsiváis, também é assaz enriquecedora. Para um mergu-
lho mais profundo nas relações do tango com o musical argentino, voltamos a
recomendar a leitura de El mercado del deseo: tango, cine y cultura de masas en
la Argentina de los ’30, excelente trabalho da pesquisadora Cecilia Gil Mariño.
Aconselhamos também o livro El Tango: quatro conferencias, transcrição de

58 Disponível em: <http://lafposcom.com.br/>.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 93


conferências realizadas por Jorge Luís Borges em 1965, e uma entrevista com o
pesquisador Adrián Muoyo recém-publicada na Revista Extraprensa.
Três artigos desta nossa coletânea tratam, em diferentes medidas e com
distintas abordagens, de questões relacionadas às chanchadas, um deles tendo
como tema central a relação das chanchadas com o Carnaval, especificamente.
Como foi dito no início desta seção conclusiva, as comédias musicais brasilei-
ras da primeira metade do século XX têm sido alvo de renovada atenção: novos
olhares, revisionistas, que invertem a polaridade dos discursos negativos que
o gênero atraiu para si até a década de 1970, aproximadamente. Como leitura
fundamental, sugerimos os artigos “Descascando o abacaxi carnavalesco da
chanchada: a invenção de um gênero cinematográfico nacional”, escrito por
Rafael de Luna Freire, um dos autores presentes nesta nossa coletânea, e “O
corpo popular: a chanchada revisitada, ou a comédia carioca por excelência”,
assinado pelo pesquisador João Luiz Vieira, que também tem voz nesta nossa
publicação, como entrevistado do professor Guilherme Sarmiento.59
Se o Carnaval, os cabarés e o tango são elementos que estabelecem traços
de distinção entre os filmes do nosso corpus, o elo que os une é, em primeiro
lugar, o fato de terem surgido em um contexto no qual a sinergia entre o cinema
e manifestações populares de canto e dança oriundas das camadas mais pobres
da população, mediadas pela indústria do entretenimento, atingiu níveis que
talvez não tenham sido reproduzidos em nenhum outro momento da história
do cinema da América Latina. O que parece ser também comum a esse corpus
tão heterogêneo é o fato de ser composto por obras nas quais o espírito da
época deixou marcas da luta em defesa de um cinema popular com imagem e
sonoridade locais. Se é verdade que, em diferentes medidas, os musicais dou-
rados argentinos, mexicanos e brasileiros pagaram tributos aos modelos nar-
rativos clássicos de Hollywood, também é verdadeira a afirmação de que esses
filmes conseguiram – por meio da canção, da dança e da festa populares – se
afirmar como espécies nacionais de personalidade forte e, ao mesmo tempo,
contribuir para que ficasse registrada, na história do cinema latino-americano,
uma época dourada, mesmo em um contexto contingenciado pelas duras con-
tendas simbólicas, econômicas e políticas daqueles tempos.

59 Ver capítulo “Entrevista com João Luiz Vieira”.

94 GUILHERME MAIA
Embora muitos filmes musicais argentinos, mexicanos e brasileiros –
especialmente estes últimos – tenham sido apreciados e analisados no con-
texto da pesquisa que gerou este artigo, ainda não há massa empírica sufi-
ciente para conclusões amplamente generalizáveis em relação à estrutura
dessas obras enquanto seres do reino dos musicais. É fato, no entanto, que,
até o presente momento, nenhum vestígio da narrativa de duplo foco – ele-
mento que, segundo Altman, define a estrutura narrativa do musical clássico
de Hollywood – foi encontrado nas muitas obras já apreciadas. Ou seja: são
fortes os indícios que levam a crer que a regra de ouro que define o musical
estadunidense não é aplicável aos musicais rancheros, tangueros, cabareteros e
carnavalescos discutidos neste artigo. Altman é preciso, sem dúvida, quando
nos mostra um traço estrutural comum no tecido narrativo do musical clássico
de Hollywood e também quando se rende ao fato de que, em uma perspectiva
mundial, ainda há um vasto território a ser explorado no que diz respeito ao
musical cinematográfico. Para explorar o território do filme musical latino-
-americano, entretanto, talvez o gesto analítico mais importante seja, em pri-
meiro lugar, descolonizar a audiovisão e saborear essa obras como elas são, e
não como deveriam ser segundo paradigmas construídos a partir de qualquer
outra cinematografia.

Referências

AISENBERG, A. Prácticas de cruce en las obras de Manuel Romero. In: KRIGER, C.


(Org.). Cuadernos de Cine Argentino: caderno 6: imágenes que tejen una red de textos.
Buenos Aires: INCAA, 2005. p. 10-33.
ALTMAN, R. A semantic/syntactic approach to film genre. Cinema Journal, Austin,
v. 23, n. 3, p. 6-18, spring 1984.
ALTMAN, R. Film/Genre. London: British Film Institute: Palgrave Macmillan, 2012.
ALTMAN, R. (Org.). Genre: the musical. London: Routledge & Kegan Paul, 1981.
ALTMAN, R. The american film musical. Bloomington: Indiana University Press,
c1987.
AMUCHÁSTEGUI, I. Homero Manzi, el hombre que fue vida y obra. El Clarin,
Buenos Aires, 3 maio 2011. Suplemento especial, p. 2.
ARAÚJO, V. P. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1976.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 95


AUGUSTO, S. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. 6. ed. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. UnB, 2008.
BALADI, M. Dicionário de cinema brasileiro: filmes de longa-metragem produzidos
entre 1909 e 2012. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
BLANCO, J. A. La aventura del cine mexicano: en la época de oro y después. Cidade do
México: Editorial Gijalbo, 1993.
BORGES, J. L. El Tango: cuatro conferencias. 2. ed. Buenos Aires: Sudamericana, 2016.
CENTRO DE INVESTIGACIÓN Y NUEVOS ESTUDIOS SOBRE CINE - ClyNE.
Conferencia Julia Tuñón. Buenos Aires, 2016. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=_rUyCoM9png>. Acesso em: 20 out. 2016.
COOKE, M. A history of film music. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
DESBOIS, L. A odisseia do cinema brasileiro: da Atlântida a Cidade de Deus. São Paulo:
Companhia das Letras, 2016.
DESSER, D. The musical. In: FRIEDMAN, L. et al. An introduction to film genres. New
York: W. W. Norton & Company, 2014.
FEUER, J. Is Dirty dancing a musical, and why should it matter? In: TZIOUMAKIS, Y.;
LINCOLN, S. (Org.). The time of our lives: dirty dancing and popular culture. Detroit:
Wayne State University Press, 2013. p. 59-72.
FREIRE, R. L. Descascando o abacaxi carnavalesco da chanchada: a invenção de um
gênero cinematográfico nacional. Contracampo, Niterói, n. 23, p. 66-85, dez. 2011.
GALLUCI, N. M. L. Cinema e tango: práticas corporais no cinema argentino. In:
ENCONTRO SOCINE DE ESTUDOS DE CINEMA E AUDIOVISUAL, 17., 2013,
Palhoça, SC. Anais... Palhoça, SC, 2013. Disponível em: <https://www.academia.
edu/7383380/Cinema_e_tango_pr%C3%A1ticas_corporais_no_cinema_argentino>.
Acesso em: 24 dez. 2016.
GETINO, O. Cine Argentino: entre lo posible y lo deseable. 2. ed. Buenos Aires:
Edicicones CICCUS, 2016.
GOMES, P. E. S. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra,
2001.
GRANT, B. K. Film genre: from iconography to ideology. London: Wallflower, 2007.
GRANT, B. K. The Hollywood film musical. Chichester: Wiley-Blackwell, 2012.
KING, J. El carrete mágico: una história del cine latinoamericano. Bogotá: Tercer
Mundo Editores, 1994.

96 GUILHERME MAIA
KING, J. O cinema latino-americano, c. 1920 – c. 1930. In: BETHEL, L. (Org.).
História da América Latina: volume VIII: a América Latina após 1930: ideias, cultura e
sociedade. São Paulo: EdUSP, 2011.
LA EDAD de oro del cine argentino (1930/1950). Taringa!, Buenos Aires, [2012].
Disponível em: <http://www.taringa.net/posts/arte/12083747/La-edad-de-oro-del-
cine-argentino-1930-1950.html>. Acesso em: 24 abr. 2016
LANGFORD, B. Film genre: Hollywood and beyond. Edinburgh: Edinburgh University
Press, 2005.
LÓPEZ, A. M. Mexico. In: CREEKMUR, C. K.; MOKDAD, L. Y. (Org.). The
international film musical. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2012. p. 121-140.
MAIA, G.; AFONSO, L. Tangos, ditaduras e carnavais: entrevista sobre o cinema
musical argentino. Revista Extraprensa, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 300-3007, 2017.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/139655>.
Acesso em: 12 dez. 2017.
MAKING OFF. [S.l.: s. n.], [20--]. Disponível em: <https://makingoff.org/forum//
index.php>. Acesso em: 9 abr. 2017.
MANETTI, R.; RIVA, L. R. (Org.). 30-50-70: conformación, crisis y renovación del
cine industrial argentino y latinoamericano. Buenos Aires: Editorial de la Facultad de
Filosofia y Letras: Universidad de Buenos Aires, 2014.
MANRUPE, R.; PORTELLA, M. A. Un diccionario de films argentinos (1930-1995).
Buenos Aires: Ediciones Corregidor, 2005.
MARIÑO, C. G. El mercado del deseo: tango, cine y cultura de masas en la Argentina de
los ’30. Buenos Aires: Teseo, 2015.
MENDONÇA, L. Sob a direção do humor. [Diário da Manhã], [Goiânia], 5 jan. 2016.
Disponível em: <http://www.dm.com.br/cultura/2016/01/sob-a-direcao-do-humor.
html>. Acesso em: 24 abr. 2016.
MITTELL, J. A cultural approach to television genre theory. Cinema Journal, Austin,
v. 40, n. 3, p. 3-24, Spring 2001.
MONSIVÁIS, C. Rostros del cine mexicano. 3. ed. Cidade do México: Américo Arte
Editores, 1999.
MONSIVÁIS, C.; BONFIL, C. Através del espejo: el cine mexicano y su público. Cidade
do México: Ediciones El Milagro: Instituto Mexicano de Cinematografia, 1994.
MONTEIRO, J. C. Pirâmides de imagens: a invenção da idade de ouro na
historiografia do cinema mexicano. In: AMANCIO, T.; TEDESCO, M. C. (Org.). Brasil-
México: aproximações cinematográficas. Niterói: Ed. UFF, 2011. p. 69-117.

Musicais cinematográficos latino-americanos da era de ouro: tangueros, prostibulares, carnavalescos 97


MORRE no Rio o diretor de TV e cinema Carlos Manga. O Dia, Rio de Janeiro, 17
set. 2015. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-09-17/
morre-no-rio-o-diretor-de-tv-e-cinema-carlos-manga.html>. Acesso em: 24 abr. 2016.
NEALE, S. Genre and Hollywood. London: Routledge, 2009.
NOGUEIRA, L. Manuais de Cinema II: géneros cinematográficos. Covilhã: LabCom
Books, 2010.
OBSERVATÓRIO BRASILEIRO DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL. Cinema.
Brasília, DF, [2016]. Disponível em: <https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/
repositorio/pdf/2105.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2016.
OROZ, S. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1999.
PADIGLIONE, C.; GRELLET, F.; BRASIL, U. Morre Carlos Manga aos 87 anos.
Estadão, São Paulo, 17 set. 2015. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/
noticias/televisao,morre-carlos-manga-aos-87-anos,1764386>. Acesso em: 24 abr.
2016.
PARANAGUÁ, P. A. O Cinema na América Latina: longe de Deus e perto de
Hollywood. Porto Alegre: L&PM, 1985.
PELINSKI, R. Tango nômade: uma metáfora da globalização. In: VALENTE, H. ¿Dónde
estás, corazón?: O tango no Brasil, o tango do Brasil. São Paulo: Via Lettera, 2012.
PEREIRA, C. E.; DI PACE, A. Tango e samba na tela. In: AMÂNCIO, T. (Org.).
Argentina-Brasil no cinema: diálogos. Niterói: EdUFF, 2014.
PINSÓN, N. Manuel Romero. Todo tango. Buenos Aires, [20--]. Disponível em:
<http://www.todotango.com/creadores/biografia/628/Manuel-Romero/>. Acesso em:
5 dez. 2016.
RAMOS, L. A.; HEFFNER, H. Cinédia. In: RAMOS, F.; MIRANDA, L. F. Enciclopédia
do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000.
RIERA, E. G. Breve historia del cine mexicano: primer siglo, 1897-1997. Cidade do
México: Ediciones MAPA, 1998.
RIST, P. H. Historical dictionary of south american cinema. Lanham: Rowman &
Littlefield, 2014.
SHAW, L.; DENNISON, S. Brazilian national cinema. London: Routledge, 2007.
VIEIRA, J. L. O corpo popular, a chanchada revisitada, ou a comédia carioca por
excelência. Acervo, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 45-62, jan./jun. 2003.
VIÑAS, M. Índice general del cine mexicano. Cidade do México: CONACULTA:
IMCINE, 2005.

98 GUILHERME MAIA
Pertinencia de las canciones
disonantes en cuatro (anti)melodramas
hispanoamericanos contemporáneos1

SOPHIE DUFAYS

Introducción

Las películas mexicanas, argentinas o chilenas contemporáneas El juego de la


silla (Ana Katz, 2002), El Polaquito (Juan Carlos Desanzo, 2003), Voces inocen-
tes (Luis Mandoki, 2004), La misma luna (Patricia Riggen, 2007), Quemar las
naves (Francisco Franco Alba, 2007), Una semana solos (Celina Murga, 2008),
Infancia clandestina (Benjamín Ávila, 2011), Abrir puertas y ventanas (Milagros
Mumenthaler, 2011), Post Tenebras Lux (Carlos Reygadas, 2012), De jueves a
domingo (Dominga Sotomayor, 2012) y La tercera orilla (Celina Murga, 2014)
tienen en común, además su focalización temática en los vínculos familiares
(de forma lateral en El Polaquito), el poner en escena a un personaje protagó-
nico cantando (y, en La misma luna, escuchando en vivo) una canción popular

1 Este texto ha sido previamente publicado en la Revista Canadiense de Estudios Hispánicos (v. 40, n.
3, primavera 2016, p. 561-583). Agradezco a esta revista por autorizar la reedición de dicho artículo.
famosa.2 El personaje (generalmente infantil, adolescente y/o femenino) no es
un cantante profesional; no se trata de un número artístico – aunque el perso-
naje pueda pretenderlo, como en las películas de Desanzo y de Murga –, sino de
lo que Claudia Gorbman llama en inglés artless singing (en un artículo de 2011).3
Pero la escena de esta artless canción, singular o repetida, resulta clave tanto en
la diégesis como en la configuración estética de las obras – que distan mucho de
ser “musicales” – y en la comunicación afectiva con el público. A partir de estos
dos rasgos – lazos familiares y canción en vivo –, las películas mencionadas en-
lazan con la tradición latinoamericana del melodrama, eminentemente musical
y doméstica;4 pero esta relación oscila entre la asimilación al menos parcial (en
las cinco primeras películas), el homenaje (en Infancia clandestina) y la inversión
en lo que podemos llamar un antimelodrama (en las demás obras). El objetivo de
este ensayo es analizar los papeles diegéticos de las canciones en vivo y algunos
de los valores y sentidos extradiegéticos (asociados a su origen, cantante, género
musical o lengua, según los casos) en cuatro de estas obras – dos argentinas y
dos mexicanas –, y articular sus efectos con la tradición melodramática a la que
remiten o que invierten. Examinaré por una parte El Polaquito y La misma luna,
y por otra Post Tenebras Lux y Una semana solos.

Canciones y melodramas: las voces del destino

Tal vez no sea inútil recordar primero que la vocación musical del melodrama se
verifica de manera ejemplar en los cines argentino y mexicano de la época de oro,
ya que un buen número de melodramas de estos países se inspiraron o incluso
se fundaron en el espíritu, las letras y las melodías de los tangos y de los boleros,

2 La lista, claro está, no pretende de ninguna manera ser exhaustiva. Son algunos ejemplos de un
fenómeno mucho más frecuente.
3 Gorbman (2011, p. 157) precisa que el “artless singing” es un cantar que, “in the conceit of a film
story, is not a professional performance, and is done in synch sound with appropriate indices of
spatial realism, and without the magical backing of an orchestra”.
4 Incluso cuando la trama del melodrama es más épica que doméstica, los temas histórico-na-
cionales están estrechamente ligados a la vida de una familia protagónica (o de una pareja que
depende de sus parientes). (SADLIER, 2009, p. 4)

100 SOPHIE DUFAYS


respectivamente.5 La intervención significativa y la pertinencia diegética de can-
ciones procedentes de la cultura popular han sido reconocidas como una caracte-
rística a la vez específica y transnacional del melodrama latinoamericano clásico
hasta el punto que se ha podido hablar de “melodrama musical”. (SADLIER,
2009, p. 7) Las letras de estas canciones altamente sentimentales cumplían un
papel tan afectivo como dramático: servían para ilustrar o comentar las situacio-
nes de los personajes y exponer su interioridad (a veces como número musical,
a veces como monólogo interior), potenciando la identificación con ellos, pero
ayudaban también a hacer progresar la intriga (adelantándola o explicitándo-
la, provocando una acción etc.). Silvia Schwarzböck (2000, p. 92) apunta que el
tango en el melodrama argentino llegó a servir “como un comentario social más
amplio e indirecto” relacionado con la “extracción arrabalera” del personaje que
lo canta. Por supuesto, los protagonistas cantantes – muchas veces, grandes es-
trellas que encontraban en el cine un medio de autopromoción – cantaban bien,
al contrario de los personajes de las películas que vamos a examinar.
El cantar tangos o boleros aparece en varias películas clásicas de corte
melodramático no solo como un medio (más o menos legítimo según los casos)
de ganarse la vida, sino también como un modelo de (re)conocimiento o de
conciencia de sí mismo y a la vez como una prueba de infelicidad e incluso de
sufrimiento. En las películas en las que voy a detenerme, la canción popular,
relativamente mal cantada por un personaje que, sin embargo, no canta para
sí mismo sino para otros o al menos ante otros,6 sintetiza y encarna los deseos
(de reconocimiento) y las frustraciones o incluso los fracasos de este personaje
(salvo en el caso de La misma luna).
Como Voces inocentes y Quemar las naves, las coproducciones La misma
luna y El Polaquito son protagonizadas por un niño (en el primer caso) o un
adolescente (en el segundo), personajes que a menudo han constituido un ingre-
diente melodramático, desde los clásicos mexicanos y argentinos de la época

5 Nótese que esta relación entre canción y filme melodramáticos no es del orden de la sucesión
sino, más bien, de la sinergia; el melodrama cinematográfico (por lo menos el mexicano) cris-
talizó un gusto de la época que se desarrolló junto con la canción popular, y cuyo origen se en-
cuentra en la literatura (pensemos en la inspiración literaria de las letras de muchas canciones
de Agustín Lara).
6 Esta condición difiere de las situaciones de monologic artless singing consideradas por Gorbman
(2011, p. 161), que afirma (a raíz de ejemplos norteamericanos): “Most monologic singing is pri-
vate by definition, not intended to be heard by others in the diegetic world”.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 101


de Oro7 hasta las adaptaciones latinoamericanas del neorrealismo italiano a la
De Sica (pensemos en El limpiabotas o en Ladrón de bicicleta, dirigidas en 1946
y 1948). Como los neorrealistas, los filmes de Patricia Riggen y de Juan Carlos
Desanzo tratan – para denunciarlos – de problemas sociales contemporáneos
al tiempo del rodaje, respectivamente la inmigración ilegal de mexicanos a los
Estados Unidos y la violencia de la vida de los chicos de la calle, pero si los
elementos realistas (más apoyados, claramente, en El Polaquito, que reivindica
ser “basado en un hecho real”) sirven la pasión y la acción melodramáticas al
anclarlas en una trama reconocible y propicia para la identificación, al mismo
tiempo el melodrama los excede de diversas maneras.8 Una de ellas es la visión
esquematizada y polarizada (maniquea) de los personajes, con la insistencia en
la inocencia positiva de los protagonistas a la que se oponen unos personajes
que personifican el mal, ambos expresando sentimientos sencillos con inten-
sidad y transparencia.9 Otra manera, que está vinculada a la primera, es el uso
de la música, omnipresente en los filmes, de acuerdo a la definición del melo
como “drama en el que la música es el motor esencial que activa mecanismos
ideológicos y emocionales”. (FERNÁNDEZ, 2015, p. 149) Por una parte, ambos
son ampliamente musicalizados ‒ una música extradiegética interviene cons-
tante y clásicamente para subrayar las emociones del protagonista (tristeza de
Carlitos cuando piensa en su madre ausente, miedo y rabia del Polaquito ante

7 Dufays (2013). Un ejemplo argentino clásico se encuentra en La ley que olvidaron (José Agustín
Ferreyra, 1938); uno de los ejemplos mexicanos más famosos es Chachita en Nosotros los po-
bres (Ismael Rodríguez, 1948). Se suele mencionar Los olvidados (Luis Buñuel, 1950) como obra
transgresora respecto a la codificación melodramática de niños o adolescentes como inocen-
tes víctimas en el cine latinoamericano.
8 En su análisis de La misma luna, Connelly (2011, p. 15) considera la relación melo/realismo al
revés, cuando opina que el filme es “melodramatic without excessively distorting reality or re-
sorting to degrading sensationalism”. En cuanto al Polaquito, Bernades (2003) describe el filme
como “una de esas películas en las que todo se muestra, se dice y se ilustra”; En Una ráfaga de
crueldad (2003) escribe que “en aras de la verosimilitud […] el filme cae a veces en la falta de
sutileza, en el trazo grueso con apenas un desvío en algún semidesnudo que roza lo comercial”,
pero este “trazo grueso” no impidió a otro crítico ver en el filme una “cruda radiografía de una
verdad”. (ADOLESCENTES…, 2003) Según Vargas (2011) quien compara El Polaquito con otras
películas latinoamericanas sobre niños de la calle, “la denuncia social que ofrece se diluye ante la
acumulación de excesos y de imágenes que se regodean en la miseria humana para impactar al
espectador sin darle oportunidad de reflexionar. La mirada del coguionista y director Desanzo es
complaciente, melodramática y se dedica más a mostrar el martirologio que sufre El Polaquito”.
9 Respecto a la esquematización y la polarización en el melodrama, véase Martín-Barbero (1987,
p. 128).

102 SOPHIE DUFAYS


el Rengo... ) y transmitirlas al espectador –,10 y por otra, otorgan un lugar espe-
cial a una o varias cancion(es) diegética(s). Vamos a ver qué sentido reciben estas
canciones, y en particular las que cantan o escuchan los chicos, en relación con
la inocencia atribuida a los mismos.
En La misma luna, un niño mexicano (Carlitos) emigra solo a los Estados
Unidos, escondiéndose de la Migra, con el objetivo de encontrarse con su madre
(actuada por Kate del Castillo, popular actriz de telenovelas) que trabaja ilegal-
mente en Los Ángeles; en camino, simpatiza con los Tigres del Norte quienes le
dedican su corrido “Por amor”, y canta en la cocina de un restaurante en el que
ha conseguido un empleo provisional. En El Polaquito, un adolescente callejero
canta el famoso tango “Naranjo en flor” del “Polaco” Roberto Goyeneche en
los trenes para pedir limosna. Es explotado por el malvado Rengo, el cual se
beneficia de la protección de la policía y se desempeña también como proxe-
neta de menores; entre sus otras víctimas están la hermana del Polaquito y
su novia (o la que él imagina ser su novia) la Pelusa. Carlitos y Polaquito son
dos chicos separados de su familia – aunque por motivos muy distintos –,
obligados a ganarse la vida, expuestos a todos los peligros, pero sus trayecto-
rias y las tonalidades de las películas se oponen: el niño mexicano logra vencer
todos los obstáculos hasta reencontrarse con su madre en la última escena del
filme,11 siguiendo una trama optimista y llegando a un happy end altamente
inverosímil, frecuente en los melodramas; el muchacho argentino en cambio
fracasa en su tentativa de independizarse del Rengo y de formar una pareja
con la Pelusa (o sea, de formar una familia sustitutiva), y termina matado en un
final que confirma la doble ambición realista y trágica de la película, sin con-
tradecir su carácter melo. Tal vez este tratamiento distinto participe en explicar
el impacto contrastado de las películas en términos de taquilla: si ambas han

10 Este aspecto ha sido objeto de críticas en El Polaquito. Según Vargas (2011) las escenas mos-
trando los sufrimientos de los personajes en esta película “son acompañadas por una estriden-
te música de fondo, la cual aumenta de volumen para enfatizar el dramatismo y sacudir tram-
posamente al espectador”. En La misma luna, unas canciones extradiegéticas complementan la
música “de fosa”.
11 En realidad no vemos la reunión misma (el abrazo) entre madre e hijo: la película termina con
primeros planos de ambos personajes mirándose y esperando a que el semáforo pase al verde
para poder correr el uno hacia el otro. La letra es de José Manuel Figuereo; en el filme es
interpretada por Los Ches, pero la canción ha sido popularizada por la cantante (y actriz de
telenovelas) mexicana Laura León (apodada “La Tesorito”).

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 103


sido menospreciadas por la crítica especializada (precisamente por su aspecto
melodramático), la mexicana logró un gran éxito de público, mientras que la
segunda pasó casi desapercibida en el momento de su estreno. (VARGAS, 2011)

La misma luna: Carlitos y los Tigres del Norte

La puesta en escena melodramática de la inocencia de los chicos se asocia en La


misma luna con la pureza del amor entre el niño y su madre y, en El Polaquito,
con el sueño utópico del muchacho de huir del infierno de la corrupción urbana
para fundar una familia verdadera. En ambos casos el padre es un irresponsable.
El de Carlitos, que había dejado a su madre y a quien conoce en camino hacia
Los Ángeles, trabaja en un supermercado y se muestra incapaz de cumplir su
función paterna; la película subraya la inversión de los papeles entre padre e hijo
(es Carlitos quien le paga la comida a su padre, el cual cuenta que va a la escuela
por las noches). El padre del Polaquito, por su parte, es un borracho sin trabajo
que pega a su mujer; es su hijo quien manda dinero a su familia. Ahora bien, lo
que me parece especialmente interesante es que el tratamiento del lenguaje de
los chicos se relaciona con la deficiencia de sus padres y su necesidad de suplirla
(de portarse como adultos antes de la hora), y que la puesta en escena de sus
canciones da cuenta de su (des)acierto en esta tarea. En La misma luna, hay un
hueco entre la voz de Carlitos que expresa una reacción emocional (llanto, risa,
grito) o un sentimiento y las funciones adultas del lenguaje verbal que contro-
la, ya que es capaz de contar su historia (se escucha su voz en off narrativa) y
tiene habilidades orales avanzadas: puede preguntar, afirmar, refutar, discutir,
negociar, convencer. Alterna asimismo entre dos papeles, el de testigo-víctima
y el de agente de su historia, inscribiendo en el centro del dispositivo fílmico la
dialéctica entre pathos y acción que, según Linda Williams (1998, p. 69), define
la tensión temporal del melodrama. La música “de acompañamiento” extradie-
gética subraya principalmente sus reacciones, mientras que la canción que canta
(cuando lava platos en un restaurante) manifiesta su carácter activo, dinámico
y decidido. Se trata de una canción popular titulada “Abusadora”,12 una rítmica
mezcla de cumbia y merengue que pasa en la radio y en la que el niño baila,

12 Como indica el montaje de la segunda secuencia del filme que establece un paralelo estricto
entre las acciones cotidianas de la madre y del hijo más allá de la distancia que los separa, es su
destino – conforme a la ley de la familia – reunirse.

104 SOPHIE DUFAYS


mientras canta de memoria con mucha convicción (más convicción que sentido
melódico): “vamos a ver quién tiene la razón / si yo soy abusadora o eres tú el
abusador / hoy me conocen por tu boca mezquina / me dicen abusadora por las
cuatro esquinas / tú me dejaste, tú no me querías / y yo sufriendo de noche y de
día”. Otro inmigrante mexicano (Enrique, actuado por el muy popular Eugenio
Derbez), al que Carlitos ha conocido en camino, interrumpe en este momento
la voz del chico para cantar: “yo te dejé, yo no te quería / porque no me dabas ni
pa’ la comida / y nunca me sacabas ni a la esquina”; luego cada uno canta a su
vez la frase: “yo no soy abusadora”, alzando la voz hasta que el patrón llegue para
callarlos. Una canción en la que se impone la voz de una mujer determinada y
liberada sirve así de pretexto para un diálogo conflictual entre dos inmigrados
de distintas edades, un niño ingenuo y generoso frente a un adulto desconfiado
y aparentemente egoísta. Ahora bien, a partir de esta canción, la relación entre
ambos personajes evoluciona en el filme. Enrique, que hasta entonces despre-
ciaba a Carlitos, empieza a ayudarle y a protegerlo, hasta sacrificarse por él en
la penúltima secuencia. La canción, al propiciar una exteriorización sonora y
física (mediante el baile) de la tensión entre los personajes, permite asimismo
evacuarla. Importan menos su letra precisa y su melodía básica que su ritmo
bailable y popular; al cantarla, Carlitos a la vez elige el partido (la voz) de las
mujeres (¿mexicanas inmigrantes, como su madre?) contra los “abusadores” de
todo tipo, y se identifica con los gustos populares mexicanos, dignificándolos
con su alegría, su dinamismo y su ingenuidad.
Otra canción diegética se relaciona más directamente con la trama del
filme y tiene un poder emocional mayor; Carlos no la canta sino que la escu-
cha, en una camioneta a la que ha subido con Enrique en ruta hacia Los Ángeles
(antes de llegar al mencionado restaurante). En el vehículo se encuentra con un
grupo de músicos que la mayoría de los espectadores hispánicos reconocen
inmediatamente como los Tigres del Norte, verdadero icono cultural entre los
inmigrantes de México. El niño les pregunta inocentemente qué música tocan;
explican: “Cantamos historias de la gente. De sus vidas, de sus sueños... ”, y lo
ilustran enseguida interpretando el corrido “Por amor”:

A mí no me asusta el peligro / la vida sin riesgo no es vida / y si es por los


seres queridos / se debe encontrar la salida / yo no me voy a rendir / hasta
tenerte junto a mí.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 105


[Uno de los músicos exclama: “¡Eres tú, Carlos!”]

Si es por amor yo soy capaz de parar / con el pecho una bala / si es por amor
que me arriesgo a cruzar esta vez a la mala / y por amor es que voy a cruzar
/ la frontera sin miedo.

Como nota Caryn Connelly (2011, p. 23), en esta canción se concentran los
dos temas centrales del filme: el fuerte lazo que une Carlos a su madre y los
peligros que corren los inmigrantes al cruzar la frontera estadounidense. La
modalidad vocal del corrido – al menos tal como lo cantan los Tigres del Norte
– no es en sí melodramática; Hermann Herlinghaus (2009, p. 92) explica que:

[the] anamorphic strain on the vocal flow [...] suspends the possibility of
melodrama by creating a different affective mode: if melodramatic expres-
sion relies on excitement and overstatement, then hyperbole meets its
other in the nonhyperbolic yet deeply sensuous [...] musical counterpoint.

Pero aquí, la sorpresa creada por la aparición de las stars en el filme, el


efecto de autenticidad que producen los cantantes actuando su propio papel,
la presencia del niño como audiencia ingenua y como sujeto privilegiado de
la canción, la temática afectiva que opone el amor (erigido en virtud, en ley
superior) al miedo (a “cruzar a la mala”, contra una ley injusta), devuelven al
corrido el poder melodramático (el exceso sentimental) que la sobriedad de
la interpretación atenúa. El hecho de que, después de haber escuchado a los
Tigres, Carlitos se ponga a cantar y bailar (en la secuencia comentada) indica
que ha asimilado este modo vocal como un medio de expresión y de comu-
nicación afectiva. El filme pone así en escena la idea de que el cantar es una
manera de apropiarse de su destino, en tensión con el principio de base del
melodrama, según el cual somos los instrumentos de un destino que supera
nuestra voluntad y nuestros esfuerzos. Esta aparente contradicción dentro de
una obra que no deja de ser melodramática13 forma parte de las incoherencias
propias del género y señala una de las potencias de la canción en vivo en el cine:
esta puede proporcionar al cantante la ilusión de que es dueño de una historia

13 Como indica el montaje de la segunda secuencia del filme que establece un paralelo estricto
entre las acciones cotidianas de la madre y del hijo más allá de la distancia que los separa, es su
destino – conforme a la ley de la familia – reunirse.

106 SOPHIE DUFAYS


(“yo no me voy a rendir / hasta tenerte junto a mí”) que, en realidad, escapa de
sus manos (si Carlitos logra “tener a su madre junto a él”, no es porque “no se
rinda” sino porque es objeto de una improbable buena fortuna, independiente
de sus actos). Si el melodrama pone en marcha una “estética de la consolación”
(MONSIVÁIS, 1994, p. 8) e incluso una “ideología del consuelo” (ECO, 2013,
p. 15-82) (La misma luna ofrece una solución tan fantástica como consolatoria
al problema real de la inmigración mexicana a los Estados Unidos), la canción
lo puede apoyar como vehículo de esta ideología y, a la vez, permite al que la
canta y al público del filme creer, utópicamente, que el primero es el responsa-
ble más o menos heroico de su “destino”.

La repetición del tango en El Polaquito

El Polaquito no domina tan bien el lenguaje verbal como Carlitos: no sabe


negociar, sino tan solo afirmar sus decisiones o deseos utópicos. Es así como
le dice a la Pelu: “quiero verte bailar” y, en la misma escena, al Rengo: “quiero
trabajar para mí”; su “querer” se opone al deber moral de trabajar para sostener
a su familia y a las prohibiciones que el Rengo – figura paterna alternativa y
tiránica – le impone y encarna. Su inocencia está condenada de antemano en
un mundo de adultos violentos y/o deficientes, en el que no tiene ningún po-
der real de elección. Si Carlitos encuentra en los Tigres del Norte un modelo
positivo (y vivo) para superar sus miedos y afirmar su voz, el Polaquito tiene
con su propio modelo (muerto) una relación más bien negativa. No solo el
“Polaco” domina su identidad al darle un apodo que contradice su aparien-
cia (Goyeneche lo recibió por alto y rubio, pero el personaje actuado por Abel
Ayala, moreno, no tiene nada del “tipo” polaco), sino que el tango “Naranjo en
flor”, con el que pretende ganarse la vida, determina la estructura del filme y
su destino de condena.
La película se abre y se cierra con este tango que resuena en el mismo espa-
cio de la estación de trenes. Al inicio, es el Polaquito quien canta en un tren el
principio de la canción, “malamente” pero “con entusiasmo e inocencia” (UNA
RÁFAGA... , 2003), incluso con una alegría que resulta poco adecuada al apren-
dizaje del sufrimiento que evoca la letra del estribillo:

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 107


[Primera estrofa] Era más blanda que el agua / que el agua blanda / era más
fresca que el río / Naranjo en flor / Y en esa calle de estío / calle perdida /
dejó un pedazo de vida / y se marchó… /
[Primera parte del estribillo] Primero hay que saber sufrir / después amar,
después partir / y al fin andar sin pensamiento / Perfume de naranjo en flor
/ promesas vanas de un amor / que escaparon con el viento.

En la secuencia final, después del asesinato del Polaquito por el Rengo,


se escucha el tango entero cantado por Goyeneche mientras la cámara
muestra los pies calzados de la muchedumbre anónima en la estación, reco-
rre lentamente el cadáver del muchacho colgado de la reja de un andén
(empezando por sus pies desnudos), y destaca las lágrimas patéticas de
la Pelu (en un plano que coincide melodramáticamente con las palabras
“tanto dolor”). Ahora bien, la letra de la segunda parte del estribillo14 y de la
segunda estrofa15 expresa un lamento por el pasado perdido de la juventud
y del amor que los primeros versos de la canción recordaban; la evocación
de las “promesas vanas de un amor” (en boca del Polaquito) desemboca en
la queja de un “pájaro sin luz” detenido en el pasado (voz del Polaco). Dicho
de otro modo: el tango, cual un fantasma paradójico, define el destino del
muchacho que queda bloqueado en su excesiva juventud, inapto para cantar
un pasado que no tendrá jamás.
El Polaquito pretende imitar al Polaco, pero canta desafinado – la pelí-
cula subraya este desentono al superponerle una música en otra tonalidad
– y sobreactúa los gestos, de modo que suscita más irritación que emoción
estética16 o incluso nostalgia (efecto que suelen suscitar los tangos del pasado

14 “Después... / ¿qué importa ya el después? / que toda mi vida es un ayer / que me detiene en el pasa-
do / eterna y vieja juventud / que me ha dejado acobardado / como un pájaro sin luz”.
15 “¿Qué le habrán hecho mis manos? / ¿qué le habrán hecho? / para dejarme en el pecho / tanto
dolor / dolor de vieja arboleda / canción de esquina / con un pedazo de vida / Naranjo en flor.”
16 Es así como Vinelli (2003) escribe que el Polaquito “se gana la subsistencia imitando malamente
al Polaco Goyeneche y recibiendo limosna por canciones que destroza con entusiasmo e inocen-
cia”; Bernades (2003) es aún más severo: “No conforme con errar obstinadamente la línea
melódica, el pibe sobreactúa innecesariamente su papel de cantor de tren, haciendo gestos y
abriendo los brazos con desmesura, hasta el punto de resultar cargoso y molesto para el resto
del pasaje. Su imitación no le rinde el menor honor al modelo […]”.

108 SOPHIE DUFAYS


cuando están bien cantados, como es el caso en Infancia clandestina).17 Si, en
los melodramas latinoamericanos clásicos, los personajes pobres pero dota-
dos de talento musical lograban el éxito por su cantar, queda claro desde la
primera secuencia del Polaquito que este muchacho está por su parte desig-
nado para el fracaso, y la repetición de la canción en otras escenas, a modo
de leitmotiv (un leitmotiv que se extiende a la música extradiegética, la cual
retoma obsesivamente la melodía del ilustre tango), no hace sino confirmar
dicha idea de destino. La emoción melodramática que el tango contiene
y encarna, pero que el canto desafinado del muchacho estorba o incluso
impide, se desata por fin cuando surge la voz de Goyeneche, y entendemos
por qué tenía que morir el adolescente: no sabía cantar tangos, y no solo
porque desentonaba, sino porque, además, pretendía transformarlos en can-
ciones alegres, alterando su signo melancólico. La tragedia del Polaquito se
cuenta así de manera melodramática, a través del tango.
En suma, las canciones que escucha y canta Carlitos en La misma luna y
su cercanía con los Tigres del Norte otorgan la ilusión de su autonomía y de su
libertad de movimiento – prueban, en realidad, su destino positivo –, mientras
que en el caso del Polaquito, la acción de cantar, lejos de salvarlo, señala su
dependencia de un modelo inalcanzable, y anuncia así su futura desdicha. La
misma luna relaciona al niño con canciones populares contemporáneas (cumbia,
corrido) que no son, en principio, melodramáticas, pero su uso como síntesis y
mise-en-abyme de la historia del niño (“Por amor”) o como expresión catártica
y eliminación de un conflicto (“Abusadora”) participa en el efecto melodramá-
tico general del filme. El Polaquito inscribe a su protagonista en la repetición
fracasada de un tango clásico, tan prestigioso como pasado, que es un modelo
de melodrama, pero del que no logra apropiarse; solo logra imitarlo mal, y es un
indicio de su destino trágico. El happy end y las canciones del filme de Riggen
convergen en transmitir la creencia consolatoria de que una mezcla de inocen-
cia, confianza en la bondad ajena, amor filial, astucia y suerte son los ingre-
dientes suficientes (y legítimos) para cruzar la frontera a salvo; en la película

17 En esta película, la madre militante del niño protagonista canta el tango clásico “Sueño de ju-
ventud”, y esta canción sirve como elemento de continuidad en una secuencia que muestra al
grupo de montoneros preparar sus armas en un ambiente de clandestinidad y de convivialidad;
el tango es el elemento que revela o delata la tentación melodramática del filme y, sobre todo,
su construcción nostálgica.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 109


de Desanzo, tanto la resolución trágica como la canción-leitmotiv deniegan al
inocente soñador toda posibilidad de salvación. El único consuelo que se ofrece
al público es la escucha final del tango original: un consuelo estético de índole
nostálgica, puesto que su letra y su origen envían a un pasado idealizado.

Canciones y antimelodramas

Las obras del (ilustre y polémico) mexicano Carlos Reygadas y de la argentina


Celina Murga (no tan famosa, pero apoyada por Martin Scorsese) forman parte
de esa tendencia minimalista del cine de autor (y “de festival”, según la cate-
gorización propuesta por Paul-Julian Smith, 2010) hispánico contemporáneo,
tendencia en la cual Marianne Bloch-Robin (2014) propone ver un nuevo géne-
ro, dados sus numerosos rasgos comunes. En efecto, muchas de estas películas
comparten: un relato infra narrativo con un conflicto soterrado, interiorizado;
unos protagonistas solitarios, comunes, no hermosos (hasta feos) y/u opacos;
un ritmo lento, con planos de larga duración, a menudo fijos; y la escasez de
diálogos, de movimientos de cámara y de música. A propósito de esta última,
Bloch-Robin (2014, p. 202) precisa que, “si bien es escasa, cuando interviene,
no se insinúa para subrayar los sentimientos del protagonista sino que irrumpe
convirtiéndose en un elemento potentísimo de la película”. Conviene precisar,
a propósito de los filmes en los que un personaje se pone a cantar, que si es
cierto que la “irrupción” de su canción es “potentísima”, no impide que se rela-
cione con los sentimientos y las emociones del personaje en cuestión, aunque
sea de manera indirecta (no subrayada, en efecto); el personaje suele cantar
con sobriedad (como los Tigres del Norte, pero al contrario de Carlitos y del
Polaquito), como si tratara de esconder lo que la canción revela de él, y que el
filme no le permite expresar de otra manera.
En cierta medida, el cine minimalista descrito por Bloch-Robin (2014) se
concibe y se entiende en reacción a un cine despreciado por ser “comercial”,
espectacular (“sensacionalista”) y melodramático. Si la crítica especializada
le sigue haciendo a este cine los mismos reproches éticos e ideológicos que
los intelectuales formulaban contra los melodramas clásicos (conservadu-
rismo, maniqueísmo, ideología patriarcal, carácter alienante…) en la estela
de la postura elitista de un Adorno y de la escuela de Frankfurt, otra mirada

110 SOPHIE DUFAYS


teórica sobre la cultura de masas ha analizado los usos variados (no reduci-
dos a un consumo pasivo) de sus productos,18 así como sus recuperaciones
diversas en el arte más reconocido.19 Esta segunda perspectiva queda refle-
jada en una serie de películas latinoamericanas que buscan combinar una
ambición “auteurista” o artística con una explotación de recursos (genéri-
cos) que han demostrado su éxito en productos audiovisuales populares o
masivos; entre estas películas se encuentran las que Smith (2010) califica
como “producciones de prestigio”, por ejemplo las de Alejandro González
Iñárritu. Claramente, las obras de Murga y de Reygadas rechazan semejantes
combinaciones; su relación con la matriz melodramática hispánica o lati-
noamericana es del orden de la negación e incluso, creo, de la inversión. En
particular, el segundo largometraje de la directora argentina (Una semana
solos) y el cuarto del mexicano (Post Tenebras Lux), por diferentes que sean
– la estética de Reygadas tiene aspectos barrocos muy ajenos al realismo des-
pojado de Murga –, pueden ser descritos como austeramente antimelodra-
máticos, en la medida en que se basan en una situación diegética idealmente
propicia para un melodrama (una familia de clase alta con tensiones latentes
y enfrentada a personas de otra clase social, incluyendo la posibilidad de un
amor interclasista), y plasman en su desarrollo un conflicto potencialmente
melodramático entre las ideas del bien y del mal, la inocencia y la culpa (la
luz y las tinieblas) pero dan a esta situación y a este desarrollo un tratamiento
inverso al que encontraríamos en un melo: escasez dramática en vez de exceso
en el filme de Murga y, en el de Reygadas, opacidad radical de los personajes
y de la narración en lugar de transparencia. Ambos invierten la redundancia
característica de la construcción melodramática, que favorece la homogenei-
dad hiperbólica o pleonástica de los signos fílmicos – música extradiegética
incluida – para crear un sentido unívoco de índole sentimentalista. Contra la
redundancia, Murga instaura un arte de la sugerencia desde el registro distan-
ciado de una cámara-testigo que produce un efecto documental,20 mientras

18 Se pueden mencionar, entre otros autores ejemplares de esta postura centrada en la recepción
de las producciones culturales, a Umberto Eco (2012, 2013) y a Michel de Certeau (1980).
19 Precisamente, una de las características del arte postmoderno consiste en su reciclaje de obras
y productos culturales previos sin distinción de su origen o estatuto más o menos “elevado”.
20 Murga reivindica este efecto: “Hay […] una búsqueda narrativa en el cine de ficción que yo hago
que tiene que ver con lo documental, con la idea de registrar situaciones independizadas de su

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 111


que Reygadas impone una radical ambigüedad de la significación mediante
una superposición de disyunciones narrativas y de elipsis. Cada director deja
al espectador el trabajo de articular las imágenes y los hechos mostrados, de
dos maneras distintas pero igualmente opuestas a la identificación emocio-
nal que suscita el melodrama. En Una semana... Murga adopta una distancia
observacional21 (con una cámara que evita los primeros planos) que impide
– o dificulta mucho – toda participación afectiva en la trama y empatía con
los personajes. Post Tenebras... por su parte busca crear una fascinación oní-
rica, un estado perceptivo y sensitivo de no distinción entre los planos de
la realidad y del sueño, entre la fantasía y su realización, entre los sentidos
literal y metafórico de las imágenes y secuencias; apunta asimismo a perder
al espectador, para incitarlo a desatar sus propias asociaciones inconscientes.
No implica que esos filmes eliminen toda expresión emocional patética: en
ambos se encuentra una escena central en la que una protagonista femenina
canta una canción, y en esta canción se condensan todas las emociones dise-
minadas o soterradas en la (dis)narración. De manera general, se puede des-
tacar que en varias películas antimelodramáticas hispánicas contemporáneas
(he mencionado algunas al inicio de este ensayo), el momento en el que un
personaje canta permite un breve momento catártico donde se expresan y
se concentran todas las tensiones y emociones contenidas (reprimidas) en la
obra. Me parece que estas escenas únicas de canciones en vivo revelan la rela-
ción que los filmes tejen con el melodrama – con su articulación narrativa,
musical y afectiva.
Una semana solos se enfoca en un grupo de niños y adolescentes de clase
alta que se quedan solos en el country (el barrio cerrado) donde viven, al cui-
dado de la mucama Esther, mientras sus padres han salido de vacaciones entre
adultos. La estructura del filme se funda en la observación de las actividades
cotidianas de los niños mimados sin el control de sus padres: mirando televi-
sión (series melodramáticas) o yendo a la piscina; vemos cómo ponen a prueba
las reglas de los adultos y del barrio, hasta que finalmente entren por infracción
a una casa vecina y cometan vandalismo para divertirse. Es más complicado,

factor dramático” (entrevista con Barrenha, 2012).


21 Los antropólogos y etnógrafos llaman “distancia observacional” una modalidad de observación
caracterizada por una “no participación” – o solo incidental y mínima – en la vida cotidiana de
los sujetos que investigan.

112 SOPHIE DUFAYS


por no decir imposible, resumir la trama laberíntica de Post Tenebras Lux, pero
se puede indicar que gira en torno a una familia que se instala en el campo, a la
visión íntima (y las visiones) de los miembros de esta familia (los padres Juan y
Natalia y los dos hijos pequeños, Rut y Eleazar), y a los conflictos que nacen o
se revelan en la pareja parental.
Ambas películas se interesan por la noción de inocencia, que es también
un eje crucial del sistema melodramático. Pero donde, en el melodrama, la ino-
cencia (de una víctima, femenina y/o infantil) recibe un contenido moral posi-
tivo (es una virtud) y se articula dramáticamente con las ideas de sufrimiento,
de justicia y de reconocimiento.
Reygadas y Murga tratan más bien de explorar su sentido amoral a partir
de la infancia y de la mirada melancólica que proyecta en o desde ella. Esta
melancolía se distingue de la nostalgia más o menos conservadora que difun-
den muchos melodramas (FERNÁNDEZ, 2015): a partir de la clásica definición
freudiana,22 la melancolía designa aquí una añoranza sin objeto definido y un
estado de desconexión radical entre sí mismo, los otros y el mundo. Es más
evidente en Post Tenebras... (Juan explicita su “cansancio de estar aquí”) y más
larvada en Una semana... donde se asimila a la “especie de soledad adulta” y a la
“tristeza que respiran los niños ricos detrás del alambrado”. (HALFON, 2009)
Las películas transmiten el sentimiento melancólico de que algo indefinible
está perdido: el acceso a los secretos de la infancia, a su inocencia,23 tal vez,
pero también cierto modo cinematográfico de narrar y de provocar las emo-
ciones del espectador.
Infancia e inocencia son así los ingredientes clave tanto de los melodramas
que hemos comentado como de los antimelodramas que examinamos ahora.
Pero es aún más interesante descubrir que, en los antimelodramas también, la
canción cantada en vivo por un personaje (niño y/o mujer) se vincula con este
espacio de inocencia.

22 En su texto “Duelo y melancolía” (1915), Freud describe la melancolía como un duelo patológi-
co, en el que el sujeto no reconoce lo que ha perdido junto con la persona difunta o el objeto
desaparecido. En vez de efectuar el duelo de dicho objeto, el sujeto melancólico entra en un
paradójico e imposible duelo de sí mismo, de su propia imagen.
23 Así, según Halfon (2009), “viendo Una semana solos, la sensación que surge es de una cierta
melancolía, tristeza por una infancia que, en el lugar pretendidamente ideal, empieza a perci-
birse como perdida”.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 113


“It’s a Dream”: canción y sueño en Post Tenebras Lux

A mi modo de ver, es crucial en el controvertido filme de Reygadas24 la escena


en la que Natalia canta (desafinado) la canción de Neil Young “It’s a Dream”25
acompañándose al piano, mientras su marido Juan está acostado enfermo o
herido en el cuarto de al lado,26 con los dos niños. Es Juan quien se lo ha pedi-
do, como un remedio posible a su hartazgo existencial,27 y precisa que esta vez
“solo quier[e] escuchar”, lo cual deja entender que suele participar en el canto.
Juan solicita la confirmación de los niños (“Hijos, ¿no quieren que mamá nos
cante una canción?”) y, a la pregunta de Natalia (¿Qué quieren que les toque?”),
contesta sin vacilar: “Otra vez Neil Young”. En el plano fijo en el que surge la
música, vemos a Natalia sentada al piano de espaldas a la cámara; en el fondo y
fuera de foco se divisa la cabeza de Juan que aparece por el marco de la puerta
a la izquierda del piano. Los esposos están separados por una pared pero la
cámara los reúne en el plano, y la secuencia señala que lo que los vincula (lo
que comparten, el secreto de su intimidad, que en la película parece justamen-
te problemática) no reside en el tacto ni en la mirada, sino en la canción y su
poder de evocación.
Durante la primera copla,28 el plano de Natalia de espaldas deja paso a un
plano de los niños jugando y hablando con Juan en la cama parental; mientras

24 Desde su estreno y el escándalo que provocó en el Festival de Cannes de 2012 (en el que fue
abucheado, pero obtuvo el Premio a la Mejor Dirección), Post Tenebras Lux sigue dividiendo a
sus espectadores: según algunos se trata de una obra maestra, según otros (muchos franceses)
de una estafa incomprensible (léanse por ejemplo las críticas publicadas en Le Monde o en los
Inrocks). Cuando Juan declara: “Tengo cansancio de estar aquí”, Natalia propone llamar al doc-
tor pero él tiene otra solución: “Mejor tócanos una canción”.
25 Esta canción proviene del álbum Prairie Wind estrenado en 2005.
26 Se puede entender – a raíz de una secuencia posterior en la que su hijo Eleazar anuncia la muer-
te de su padre – que Juan muere después de esta escena (habría sido matado por su empleado
nombrado Siete) y, en este caso, las secuencias en flash forward, mostrando la familia años más
tarde, serían oníricas o imaginarias; pero es permitido no dar por cierta esta afirmación del niño
y ver en los flash forwards verdaderas escenas del futuro familiar.
27 Cuando Juan declara: “Tengo cansancio de estar aquí”, Natalia propone llamar al doctor pero él
tiene otra solución: “Mejor tócanos una canción”.
28 La letra de la primera copla es la siguiente: “In the morning when I wake up and listen to the sound
/ Of the birds outside on the roof / I try to ignore what the paper says / And I try not to read all the
news / And I’ll hold you if you had a bad dream / And I hope it never comes true / ‘Cause you and I
been through so many things together / And the sun starts climbing the roof”.

114 SOPHIE DUFAYS


se escucha el estribillo,29 los chicos salen del cuadro y del cuarto para ir a ver
“La Pantera Rosa” arriba (tal vez interpretable como el Diablo)30 y Juan pide
a Eleazar que cuide a su hermana – una frase anodina que cobra un sentido
solemne si se considera que Juan se está muriendo. Luego, mientras Natalia
canta la segunda copla,31 se suceden tres planos en picado,32 en cuyo centro
encontramos ese carácter desenfocado y duplicado que caracteriza los bordes
de varios otros planos del filme, y que remiten aquí a la visión turbia de Juan,
a la idea de sueño y al dispositivo especular. En esta secuencia, la distorsión de
la visión se desplaza de los extremos al centro de la imagen, señalando el valor
de revelación que tiene la canción en el filme. La segunda vez que Natalia canta
el estribillo, la voz de Juan se suma (en off): “And it’s fading now, fading away /
Only a dream”, y finalmente solo queda esta voz (Natalia llora discretamente)
para la última frase: “Just a memory without anywhere to stay”. El tema principal
de la canción (el sueño, asociado al espacio subjetivo de la memoria), tal como
lo despliega la letra, resuena con la tonalidad y la (des)organización oníricas de
la película, hasta el punto que la una aparece como un comentario libre de la
otra (o al revés). Dicha articulación entre canción y película se vuelve explícita
en la escena que sigue y que parece responder a la última frase sobre la memo-
ria perdida; la canción precede el momento en el que Juan recuerda en voz alta
su infancia, desde un largo plano fijo de su rostro:

29 La letra del estribillo reza así: “It’s a dream, only a dream / And it’s fading now, fading away / It’s
only a dream / Just a memory without anywhere to stay”.
30 Según la lógica alegórica del filme, en efecto, la alusión a la Pantera Rosa recibe una doble
interpretación posible: en un plano cotidiano y literal, los niños van efectivamente a ver el fa-
moso programa de televisión; pero en un plano figurado y metafísico, la “Pantera Rosa” puede
designar el Diablo cuya silueta roja aparece (literalmente) dos veces en los pasillos de casa
familiar, precisamente vinculada a la mirada de los niños.
31 Tal es la letra de la segunda copla: “The Red River still flows through my home town / Rollin’ and
tumblin’ on its way / Swirling around the old bridge pylons / Where a boy fishes the morning away /
His bicycle leans on an oak tree / While the cars rumble over his head / An aeroplane leaves a trail
in an empty blue sky / And the young birds call out to be fed”.
32 Estos planos muestran: (1) el borde de un mueble de madera y una sábana arrugada –¿u otra
cosa?–; (2) una foto de Juan rompiendo una fila de policías; (3) el reflejo en el espejo de Natalia
sentada al piano.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 115


Hoy me sentí como cuando era niño [...]. En la noche me dormía lamien-
do la cabecera de metal, y cantaban unos grillos que no he vuelto a oír,
no sé si se extinguieron o simplemente los dejé de oír [...] Sólo tenía que
existir. Ahora les toca a Rut y Eleazar. Pero no sentí nostalgia como siem-
pre. Hoy sentí que amaba todo, cualquier silla, el vidrio, las máquinas,
las ruedas, hasta la música que llega del pueblo... Vi como todo está vivo,
como todo resplandece... todo el tiempo. Me sentí como un bebé recién
bañado. Limpio y seco.
[Natalia entra en el plano, inclina su cabeza en el hombro de Juan] Sé que
estuve enfermo al final de mi vida. Ahora lo veo con claridad.

Juan habla como si hubiera muerto ya, como si mirara su vida desde otro
lugar; la canción sugiere que este lugar es el no-lugar de un sueño que se con-
funde con la memoria, una memoria que idealiza la infancia como un estado
de gracia de conexión con el universo. Juan insiste en su aptitud nueva para
sentir más allá del presente (“me sentí como cuando era niño”, “Hoy sentí que
amaba todo”, “me sentí como un bebé”) y para ver más allá de las apariencias
(“vi como todo está vivo”, “ahora lo veo con claridad”), pero cree que ha per-
dido la capacidad (infantil) de oír la naturaleza y el mundo (“cantaban unos
grillos que no he vuelto a oír, no sé si se extinguieron o simplemente los dejé de
oír”). Cuando Natalia canta – estropeándola – la canción de Neil Young, Juan
se da cuenta del poder del canto, y de la imposibilidad melancólica (demos-
trada por la voz disonante de Natalia) de recuperar la plenitud que otorgaba
antes a sus oyentes. La canción mal cantada transforma el sueño en pesadilla
o, más bien, revela que el sueño de la vida (según la perspectiva barroca y pesi-
mista de Reygadas) es, en el fondo, una pesadilla – de la que escapan tan solo
la infancia y la muerte. Las lágrimas de Natalia, que le impiden terminar su
canción, introducen en la película el recuerdo del melodrama (su posibilidad
no aprovechada, o despreciada); este, como la canción de Neil Young, es la
base tan necesaria como desfigurada de las emociones que Post Tenebras Lux
se propone visitar melancólicamente.

La canción invisible en Una semana solos

Ya he emitido en otro lugar (2013) la observación de que, en las películas que


tienden al melodrama, los conflictos familiares surgen de motivos exteriores,

116 SOPHIE DUFAYS


explícitamente referidos al contexto social o a la historia colectiva, mientras
que en los filmes antimelodramáticos – como los comentados aquí – el conflic-
to es más bien interno a la unidad familiar, aunque un elemento exterior pueda
servir para revelarlo o acelerar su aparición. Es lo que pasa en Una semana so-
los, cuyo pivote narrativo consiste en la llegada de un outsider, un adolescente
mestizo y pobre (el hermano de la mucama) que introduce la idea perturbadora
del mundo exterior (viene de la provincia de Entre Ríos).33 Cuando, al final,
los adultos del country descubren el delito, los adolescentes echan la culpa al
outsider, que figura así como un chivo expiatorio. De este modo, la película
termina como los melodramas suelen empezar: con la acusación injusta de un
personaje “inocente” (en el sentido de no culpable). Pero la película va más
allá de esta simple oposición entre los malos ricos y el buen pobre. En la última
secuencia, uno de los muchachos más jóvenes (en el borde entre infancia y ado-
lescencia), Sofí, sigue al extranjero y le impide huir. Sofí es la más inocente de
los chicos ricos, en el sentido de que es la menos contaminada por prejuicios
etno-sociales, y de que rehúsa participar en el delito: sale espontáneamente de
la casa ajena a la que ha entrado con sus primos, declarando que “no [le] gusta
estar acá”, o sea, sintiendo que están haciendo algo “malo” pero sin atreverse a
formular un juicio moral. Notemos que la película tampoco desarrolla un dis-
curso moral(ista); el insistente retrato del espacio (el country como falsa utopía,
exhibiendo superficies falsas) sugiere una lectura sociológica según la cual la
mala conducta de los muchachos traiciona menos su “maldad” que una falla
en el sistema social y en la institución familiar. Ahora bien, la “inocente” Sofí
es justamente la que canta en el filme; canta en karaoke una canción italiana
titulada “Invisibile (per te)”,34 en el escenario de una fiesta en el club house del
country. Durante esta secuencia, el montaje subraya la fascinación que la niña
transformada en estrella suscita en los demás muchachos, al alternar planos

33 En Post Tenebras Lux, el personaje nombrado Siete tiene una función semejante respecto a la
familia burguesa protagónica.
34 Al parecer, la canción ha sido compuesta para la película por Inés Gamarci, Martín Salas y
Marcelo Pérez. La letra es la siguiente: “[primera copla] Ascoltami bambino / Non conosci il
destino / Quante cose che non sai di me / Quante cose che non so di te / Quella persona non sei tu
/ Chi se ne va, che male fa. / [Estribillo] Invisibile / Io sono invisibile per te / Io sono invisibile (bis) /
Invisibile / Il mio cuore è invisibile per te (bis) / Dimmi che cosa c’è. / [Segunda copla] Ho perso la
testa / Ma devo lasciare / Il mio cuore parlare. / Arrivederci amore, ciao (bis) / Quella persona non
sei tu / Chi se ne va, che male fa. [Se repite el estribillo]”.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 117


medios cortos de ella sobre un fondo azul brillante y planos de ellos (en grupo)
mirándola y moviéndose al ritmo de la canción. Cuando Sofí – que canta con la
misma convicción que los chicos de los melodramas, el Polaquito y Carlitos –
empieza la segunda copla, la cámara la deja para mostrarnos un malentendido
entre dos primos, para insistir en la soledad del adolescente enamorado de su
prima y despreciado por ella,35 y luego seguir a otro chico que trata de acercarse
a una muchacha sin obtener de ella ninguna mirada. El sonido de la canción
acompaña así dos momentos de frustración (¿o ruptura?) amorosa, esto es,
dos pequeños dramas cotidianos, motivos típicos de los melos televisivos para
adolescentes, aquí tratados de modo muy sobrio. La secuencia de la canción
de Sofí no solo es la ocasión de una puesta en escena desmelodramatizada de
malentendidos entre chicos ricos, sino que además cataliza el impulso de estos
chicos para quebrar las reglas de los adultos (impulso interpretable como un
reproche a los adultos, culpables de dejarlos solos demasiado tiempo), ya que
este impulso explota en la secuencia que sigue la de la fiesta. Dicho de otro
modo, si bien la canción parece introducir una pausa en el relato fílmico, en
realidad su papel es semejante al de las canciones en los melodramas latinoa-
mericanos clásicos: coincide con una secuencia llena de acciones y desemboca
en la acción principal del filme. Y su letra tampoco es casual sino que sintetiza
lo que podría ser un mensaje del filme. Aunque el espectador no hable italia-
no, entiende la frase repetida del estribillo: “Io sono invisibile per te”. La niña
proclama su “invisibilidad” obligándonos a mirarla y, sobre todo, a escuchar su
voz que, como la del Polaquito y como la de Natalia en Post Tenebras Lux, es
desafinada (volveremos sobre este aspecto). La secuencia parece aplicar meta-
fóricamente “esta invisibilidad” paradójica a los adolescentes frustrados en sus
propósitos amorosos. Pero, en cierta medida, podemos extender el alcance de
la letra a la infancia y la adolescencia mismas: la canción cantada en italiano – o
sea, en una lengua cercana pero diferente (como es el lenguaje de los chicos al
de los adultos) – nos dice que los niños son los invisibles del sistema social (res-
ponsable de la segregación espacial de la que el barrio cerrado es el paradigma

35 Su breve intercambio se parece a un diálogo de sordos: “Quería saber si todavía somos novios”
/ “Pero nosotros somos primos” / “Pero nos besamos” / “Pero nosotros nunca fuimos novios”
(subrayado mío).

118 SOPHIE DUFAYS


en el filme); pero la película muestra que son ellos también los que ponen de
manifiesto las fallas de este sistema.
Cabe añadir que el cantar relaciona a Sofí con el personaje de Esther (her-
mana del outsider) quien, en una escena anterior, canta a capela en la cocina
lo que parece ser una canción de cuna: “Cuando la noche se mece / Una estrella
sobre el río / La tristeza se adormece / Si tu amor se abraza al mío / La tristeza
se adormece / Y tu amor se abraza al mío”. El vínculo entre Sofí y Esther, que
remite a su común marginalidad (fundada en motivos distintos) y que se mani-
fiesta por su mismo gusto en cantar, aparece también en una conversación
íntima que tienen a propósito de la primera comunión y de la fe en Dios, en
la que Sofí confía sus dudas a la mucama y le pide que le enseñe la señal de la
cruz. Sofí es así la única en escuchar la voz de Esther y en pedirle que cante. De
hecho, si, a diferencia de Sofí, Esther canta bien, nadie – aparte de esa – la oye,
es decir, nadie se interesa por ella más allá de su función de empleada domés-
tica; la película trabaja así con las ideas de invisibilidad y de “inaudibilidad”
relacionándolas con jerarquías entre las edades y las categorías etno-sociales.

Voces desafinadas

Ahora, conviene preguntarnos por qué tanto Natalia como Sofí cantan con una
voz desafinada y en una lengua extranjera; por qué los directores eligen infligir
canciones desentonadas, cuyas letras detalladas quedan inaccesibles a la ma-
yoría de los espectadores. Según Richard Dyer (2012, p. 31), “musical numbers
(and other aspects of entertainment) are utopian in the sense of presenting
ideal, joyous feelings, above all happiness”; la perfección de una canción bien
cantada y acompañada de baile nos divierte y nos lleva a otro espacio, ideal, de
felicidad. En los melodramas que hemos comentado, las canciones remiten por
su letra (en castellano) a un locus feliz que se proyecta en el pasado (el tango) o
en el futuro (“Por amor”), pero su interpretación (exagerada y desentonada en
el caso del Polaquito; sobria y personalizada en el caso de los Tigres del Norte) y
su puesta en escena realista (aunque también melodramática) no nos permiten
evadirnos del lugar infeliz por el que transitan los personajes.36 En La misma

36 Recordemos que, en su artículo “Entertainment and utopia”, Dyer (1981, p. 177) explica a propó-
sito de las comedias musicales que: “Entertainment offers the image of ‘something better’ to

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 119


luna sin embargo, la presencia real de los Tigres funciona como un guiño que
marca la buena fortuna de Carlitos, y la calidad de su cantar tiende a transfor-
mar la infelicidad en lugar de esperanza y de alegrías posibles (prueba de ello,
la camaradería nacida del dúo improvisado en la cumbia de la “Abusadora”).
Reygadas y Murga, al hacer que sus personajes canten desafinado (como el
Polaquito), quieren claramente evitar, además del escape utópico del entrete-
nimiento, el artificio (melodramático) de la performance. Este modo de cantar
tiene el efecto correlativo de reforzar la impresión de sinceridad y de autentici-
dad de los personajes, como subraya Claudia Gorbman (2011, p. 159):

[a]rtless singing [...] affords the greatest impression of authenticity of a


voice, matching bodily gestures and lips with sound [...] [I] t’s the imper-
fections in the voice – breathiness, faltering and quavering, false notes,
singing out of comfortable range, pauses, forgotten or mistaken lyrics –
that equate amateurishness with authenticity, and that make of the sin-
ging a natural and sincere expression of the character.

Si la canción bien cantada (y, más aún, transformada en número artístico)


apunta a divertir o a transportar al espectador-oyente, la canción mal cantada
impide el acceso a este espacio utópico, anula toda posibilidad de nostalgia
por ese lugar perdido o ideal que la voz cantante tiene el poder de evocar; nos
obliga a concentrarnos en la subjetividad y en el estatuto del personaje (en
palabras de Gorbman (2011, p. 59), “[a] character singing artlessly is normally
indulging in an intimacy, conveying a truth, externalising a subjectivity”), y
en las reacciones de su posible público diegético (en las que proyectamos la
nuestra). En vez de crear otro espacio, la voz desentonada en la canción recen-
tra la atención en el espacio diegético (la estación de trenes en El Polaquito, el
barrio cerrado en Una semana… o la casa burguesa construida en Tepoztlán en
Post Tenebras...),37 y señala su disfuncionamiento o su deficiencia. Contrastan
sin embargo, por una parte, la inocencia y la aparente ligereza del Polaquito y
de Sofí, que no saben que cantan mal y tampoco se dan cuenta de lo que su

escape into, or something we want deeply that our day-to-day lives don’t provide. Alternatives,
hopes, wishes – these are the stuff of utopia, the sense that things could be better, that some-
thing other than what is can be imagined and maybe realised.”
37 Acerca del significado posible de esta elección espacial en el filme de Reygadas, véase
Solórzano (2013).

120 SOPHIE DUFAYS


canción significa (para Sofí) o implica (en el caso del Polaquito), y, por otra
parte, la conciencia de Natalia, que supone otra relación con la utopía (el sueño)
del número musical. En El Polaquito y Una semana solos, los chicos cantantes
se identifican ingenuamente con la idea de “número” (y el estatuto correlativo
de “estrella”), lo cual a la vez equipara su inocencia con la idea de utopía y nos
hace sentir por ellos una mezcla de lástima y compasión (esto es, sentimos que
la utopía que encarnan es muy frágil, insostenible en su mundo diegético); en
Post Tenebras Lux Natalia conoce y padece la carga emotiva de la canción “It’s a
Dream”: designa la misteriosa intimidad de su pareja, y remite al sueño utópico
de la inocencia (así como al modelo ideal de un canto armonioso) de modo
melancólico, desde el saber de su inaccesibilidad.
Espero que este breve recorrido haya demostrado la trascendencia de los
momentos en los que un personaje amateur, niño y/o mujer, se pone a cantar
en los filmes escogidos, y sugiero que la misma trascendencia – en términos
tanto narrativos como afectivos – se verifica en muchas más películas latinoa-
mericanas contemporáneas, sean de corte melodramático o pertenezcan a la
corriente minimalista antimelodramática que atrae a muchos “autores” del
cine de hoy. En el caso de películas melodramáticas, las canciones se inscriben
en cierta continuidad con la abundante música extradiegética y participan de
la lógica estética y emocional de las obras; mientras que en los dos filmes anti-
melodramáticos que he examinado, el valor narrativo y afectivo de la canción,
complicado por las voces desafinadas, compensa la sobriedad interpretativa
y la latencia del conflicto dramático: en la canción cantada en otra lengua se
concentran paradójicamente (se cifra) el sentido de este conflicto y la emoción
o las acciones que implica.

Referencias

BARRENHA, N. Entrevista a Celina Murga (Talent Press). [S. l.]: Otroscines, 2012.
Disponible en: <http://www.otroscines.com/nota?idnota=6326>. Acceso en: 22 jun.
2015.
BERNADES, H. Miseria demasiado explícita. Página 12, Buenos Aires, 2003. Disponible
en: <http://www.pagina12.com.ar/diario/espectaculos/6-26521-2003-10-10.html>.
Acceso en: 20 jun. 2015.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 121


BLOCH-ROBIN, M. El nuevo minimalismo hispánico o cómo un antigénero se podría
convertir en nuevo género. BERTHIER, N.; DEL REY REGUILLO, A (Ed.). Cine
iberoamericano contemporáneo y géneros cinematográficos. Valencia: Tirant lo Blanch,
2014. p. 193-207.
CONNELLY, C. Tanto de aquí como de allá: new representations of the illegal
immigrant experience in La misma luna (2007) and 7 soles (2009). Cincinnati Romance
Review, Cincinnati, v. 32, p. 13-30, 2011.
DE CERTEAU, M. L’Invention du quotidien: 1, Arts de faire. Paris: Union générale
d’éditions, 1980.
DUFAYS, S. El niño y lo melodramático: tres hipótesis aplicadas al cine argentino de la
postdictadura. Caravelle, Toulouse, n. 100, p. 273-286, jun. 2013.
DYER, R. Entertainment and utopia. ALTMAN, R. Genre, the Musical: A Reader.
London: Boston: Routledge & Kegan Paul: British Film Institute, 1981. p. 175-189.
DYER, R . In the Space of a Song: the Uses of Song in Film. London: New York:
Routledge, 2012.
ECO, U. Apocalípticos e integrados. Traducción de Andrés Boglar. Barcelona: Tusquets,
2013.
ECO, U. El superhombre de masas. Traducción de Teófilo de Lozoya. Barcelona:
Debolsillo, 2012.
EL POLAQUITO. Dirección: Juan Carlos Desanzo. Intérpretes: Abel Ayala, Marina
Glezer, Fernando Roa, Roly Serrano. Buenos Aires: Alma Ata International Pictures:
Arca Digital, 2003.
FERNÁNDEZ, Á. A. Dispositivos del melodrama latinoamericano: ‘mancha’,
nostalgia y flashback. SMITH, P. J. (Ed.). La comedia y el melodrama en el audiovisual
iberoamericano contemporáneo. Madrid: Iberoamericana; Frankfurt: Vervuert, 2015.
p. 147-160.
FREUD, S. Duelo y melancolía. FREUD, S. Obras completas: vol. XIV. Traducción de
José L. Etchevarry. Buenos Aires: Amorrortu, 2005.
GORBMAN, C. Artless Singing. Music, Sound, and the Moving Image, Liverpool, v. 5,
n. 2, p. 157-171, 2011.
HALFON, M. Murga en el country. Página 12, Buenos Aires, 2009. Disponible en:
<http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/radar/9-5352-2009-06-13.html>.
Acceso en: 22 jun. 2015.
HERLINGHAUS, H. The narcocorrido: a phenomenological and philosophical look
into transnational storytelling. HERLINGHAUS, H. Violence Without Guilt: Ethical
Narratives From the Global South. New York: Palgrave Macmillan, 2009. p. 29-101.

122 SOPHIE DUFAYS


HORKHEIMER, M. Dialéctica del iluminismo. Buenos Aires: Sudamericana, 1988.
LA MISMA LUNA. Dirección: Patricia Riggen. Intérpretes: Adrián Alonso, Eugenio
Derbez, Kate del Castillo, Carmen Salinas. México y Estados Unidos: Creando Films:
Fidecine: Potomac Pictures: The Weinstein Company, 2007.
MARTÍN-BARBERO, J. Melodrama: el gran espectáculo popular. In: MARTÍN-
BARBERO, J. De los medios a las mediaciones. Barcelona: Gustavo Gili, 1987. p. 124-
132.
ADOLESCENTES sin salida. La Nación, Buenos Aires, 2003. Disponible en: <www.
lanacion.com.ar/534045-adolescentes-sin-salida>. Acceso en: 20 jun. 2015.
MONSIVÁIS, C. Se sufre, pero se aprende: el melodrama y las reglas de la falta de
límites. Archivos de la Filmoteca: revista de estudios históricos sobre la imagen,
[Buenos Aires], n. 16, p. 6-19, 1994.
POST TENEBRAS LUX. Dirección: Carlos Reygadas. Intérpretes: Adolfo Jiménez
Castro, Nathalia Acevedo, Willebaldo Torres, Rut Reygadas, Eleazar Reygadas. México:
No Dream Cinema: Mantarraya Producciones: Le Pacte: Topkapi Films: The Match
Factory, 2012.
SADLIER, D. J. (Ed.). Latin American Melodrama: Passion, Pathos, and Entertainment.
Urbana: Chicago: University of Illinois Press, 2009.
SCHWARZBÖCK, S.; PAILLER, C. Objetos perdidos. Cinémas d’Amérique latine,
Toulouse, n. 8, p. 87-93, 2000.
SMITH, P.-J. Los estudios cinematográficos y televisivos: localismo y
transnacionalidad. ORTEGA, J. (Ed.). Nuevos hispanismos interdisciplinarios y
trasatlánticos. Frankfurt: Vervuert; Madrid: Iberoamericana, 2010. p. 149-160.
SOLÓRZANO, F. The devil in the detail. Sight & Sound, London, v. 23, n. 4, p. 50-53,
2013.
UNA RÁFAGA de crueldad. Clarín, Buenos Aires, 2003. Disponible en: <http://www.
clarin.com/diario/2003/10/09/c-00701.htm>. Acceso en: 20 jun. 2015.
UNA SEMANA SOLOS. Dirección: Celina Murga. Intérpretes: Natalia Gómez Alarcón,
Ignacio Giménez, Lucas Del Bo, Gastón Luparo. Argentina: Tresmilmundos Cine,
2008.
VARGAS, J. C. Representaciones realistas de los niños de la calle en el cine
iberoamericano, 1998 – 2003. El ojo que piensa: revista de cine iberoamericano,
Guadalajara, n. 4, 2011. Disponible en: <http://www.elojoquepiensa.cucsh.udg.mx/
assets/ojo01/2panoramicas.pdf>.Acceso en: 21 jun. 2015.
WILLIAMS, L. Melodrama Revised. BROWNE, N. Refiguring American Film Genres:
History and Theory. Berkeley: University of California Press, 1998. p. 42-88.

Pertinencia de las canciones disonantes en cuatro (anti)melodramas hispanoamericanos contemporáneos 123


PARTE 2
HISTORIA DEL CINE MUSICAL
La vida es un tango1
el rol del tango en la
cinematografía argentina (1896-1945)

JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS

Introducción

“El argentino iba al cine a aprender a ser argentino”, decía el historiador Claudio
España al referirse a lo que sucedía entre el espectador y la pantalla cinema-
tográfica nacional en su período industrial y clásico. No sin razón, le pedía
prestada esa afirmación a Jesús Martín Barbero (que lo mismo decía del cine
mexicano en análogo período). Es que a poco de comenzado el siglo XX, en el
tiempo en que la modernidad nos hacía llegar uno de sus más representativos
dispositivos – el cinematógrafo –, los pueblos latinoamericanos éramos un

1 La vida es un tango es el nombre de una película estrenada en 1939, dirigida por el entonces emble-
mático Manuel Romero. Acá, ese título es utilizado como síntesis de la tesis central del artículo.
verdadero conglomerado de culturas diversas que lentamente se entramaban,
no sin esfuerzo, en un “único deseo: el de participar del sentimiento nacional”. 2
¿Qué significaba ser argentino? El cine aventura unas pocas respuestas en
franca alianza con otros medios de difusión masiva. Pocas, pero sumamente
eficaces, esas respuestas naturalizaron, en el metraje de las películas, eso que
sería entendido como “la argentinidad”.
Ahora bien, tal presunta argentinidad tuvo su epicentro en las inmedia-
ciones del Río de La Plata y particularmente en la ciudad portuaria de Buenos
Aires, sometida entonces a los veloces cambios de configuración sufridos
como efecto de la creciente actividad industrial. Allí nacía el tango que, pri-
mero identificado con el decir porteño, se hará luego extensivo a lo largo y
ancho del país.
Sería erróneo, no obstante, pensar que en el tango está la respuesta. No
sólo en el tango. Habrá que urdir en la amalgama que se irá forjando, durante
las primeras cuatro décadas del siglo XX, entre el tango y el devenir de la indus-
tria cultural. Amalgama que logra definir unas “imágenes” bien reconocibles
que, tan ilusorias como necesarias, serán el objeto de identificación de muchos
individuos que se harán Pueblo.
En este artículo nos proponemos explorar el fenómeno cultural que
supuso la unión (simbiótica) entre el tango y el cine argentino, delineando un
recorrido – a saltos – que va desde sus orígenes hasta mediados de la década
del 40’. Con ese propósito, cada apartado del artículo se detiene en alguno
de los que, consideramos, son los puntos centrales a partir de los cuales es
posible identificar los rasgos más salientes del “cine tanguero”. Finalmente,
a la luz de esos rasgos, procuraremos señalar las características de la imagen
moderna y nacional que ese cine construye.

Mano a mano:3 los comienzos del tango y el cine

2 El texto de Jesús Martín Barbero “Nacionalismo y orden” es un artículo perteneciente al libro


del mismo autor Los nacionalistas (1910-1932) y aquí es tomado a través del texto de Silvia
Sánchez (2005, p. 49).
3 Mano a mano es un tango escrito en 1923, con música de Carlos Gardel y José Razzano, y letra
de Celedonio Flores. Estar “mano a mano” es, por otra parte, una expresión que indica que se
ha ajustado alguna cuenta pendiente, que se ha arreglado alguna situación de desequilibrio.

128 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


Los orígenes del tango, aunque difusos, se remontan hacia el año 1880 en las
cercanías del momento en el que la Ciudad Puerto de Buenos Aires es elegida
como capital de la República Argentina. Allí, producto de un incipiente proce-
so de modernización, se había puesto en marcha una de las corrientes migra-
torias más grandes de la historia: extranjeros provenientes de una gran diver-
sidad de orígenes, pero también gauchos provenientes del interior del país, se
configuraban como la mano de obra de la actividad industrial que, a modo de
contraparte, les permitía construir el sueño del ascenso social.
El tango surge de este fenómeno. Entramando una importante heteroge-
neidad de culturas, sus rasgos característicos resultan de la mezcla de otras
músicas como la milonga, la habanera y el tango andaluz. Luego, su decir lun-
fardo4 terminará de cristalizar su extracción popular y su condición mestiza.
No es sino hacia mediados de la década de 1910 que el tango comienza a
definir el estilo con el que hoy se lo conoce, cuando, en primer lugar, se incor-
poran en él los instrumentos musicales que lo caracterizan y, en segundo lugar,
Pascual Contursi5 compone el tango-canción Mi noche triste. Estrenado por
Gardel en 1917, sus versos son el molde poético definitivo para el tango-canción.
¿Qué hay en la letra de Mi noche triste? Hay abandono donde hubo amor. Hay
pérdida y nostalgia por lo perdido.
El imaginario tanguero (sus paisajes, sus personajes recurrentes, sus histo-
rias), se construyó sobre base de la poesía sencilla del joven Evaristo Carriego:6

Acá es utilizada como síntesis de la idea de la que parte este apartado: tango y cine surgen y
se desarrollan en paralelo.
4 El lunfardo es el dialecto originado en las ciudades nucleadas alrededor del Río de la Plata,
resultado del cruce de idiomas que se produjo al calor del trabajo de las clases populares. Es
utilizado en la mayoría de los tangos para referirse a diferentes cosas en términos especiales.
El lunfardo puede ser considerado como el “idioma del tango” argentino.
5 Pascual Contursi fue autor de alrededor de cuarenta letras de tango. Nació en Chivilcoy, una
pequeña ciudad rural de la Argentina, el 18 de noviembre de 1888. En su último viaje a Paris,
aparecieron síntomas extravío, por lo que sus amigos lo embarcaron rumbo a Buenos Aires,
donde murió internado en un hospicio de salud mental, en el año 1932.
6 Evaristo Carriego nació en 1883 en Paraná, capital de la provincia de Entre Ríos, se trasladó con
su familia desde Paraná a Buenos Aires en 1887, luego a La Plata, y finalmente otra vez a Buenos
Aires en 1889, donde residió hasta su muerte, ocurrida en 1912. Con veinte años se introdujo
en los círculos intelectuales de la capital, donde le gustaba recitar sus versos. De 1904 a 1908
publicó infinidad de composiciones poéticas en diarios y revistas, como Ideas, Caras y Caretas
y otras. Misas herejes (1908) fue su primer y único libro publicado en vida. Horacio Ferrer co-
menta en El libro del tango: “Si bien Almafuerte, Rubén Darío y Marcelo del Mazo gravitaron en su

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 129


un joven que escribió las pasiones y las desventuras cotidianas de los humildes,
y la alegría triste de los barrios porteños; en un breve y melancólico recorrido
que fue mutando desde una adhesión a la modernidad hacia la reacción contra
ella. Posición, esta última, que será dominante en la canción tanguera.
Así, no sorprende que el cine, amalgamado con el tango, construya sus
escenas en la urbanidad creciente de una Buenos Aires entonces ya cosmo-
polita, y obtenga de la tensión entre modernidad y tradición, uno de sus
temas más recurrentes. Tal como lo señalara Beatriz Sarlo (2007, p. 28), la
modernidad es – al mismo tiempo – “... escenario de pérdida pero también
de fantasías reparadoras”.
Al contrario de lo que suele imaginarse, el tango no fue un fenómeno
que, a propósito de la pretensión de configurar una industria cinematográfica
local, se “adaptó” a la pantalla grande. Nacidos en la misma coordenada espa-
cio-temporal, el cine argentino fue

[…] un medio capaz de trazarle al tango un pasado y un destino, capaz de


asignarle una iconografía social y topográfica y, sobre todo, de ‘divulgar’
– y eventualmente fijar – esa imagen en la memoria colectiva. En contra-
partida, digamos que el tango enriqueció al cine de los años veinte, treinta
y cuarenta con un universo de tipos, personajes, lugares, situaciones, va-
lores, códigos de comportamiento y normas de conducta difíciles de des-
montar. Más que adaptarse a la pantalla, el entretejido de ficciones que
propuso la letrística tanguera se continuó y retroalimentó en ella. Tango y
cine, entonces, conformaron en armoniosa simbiosis el imaginario social
porteño de aquellos años. (PALADINO, 2002, p. 57)

Ciertamente existe registro de que la simbiosis cine-tango comienza a pro-


ducirse muy tempranamente. Ya en el año 1906, mucho antes de que los rasgos
del tango se delinearan definitivamente, y tanto antes de que fuera posible
imaginar una industria cinematográfica propia, el pionero Eugenio Py rodó el

estilo, fue luego, con toda originalidad, el primer gran poeta del suburbio porteño. Su visión de la
ciudad, su manera de sentirla y de escribirla, alcanzaron luego enorme gravitación en las letras del
tango, particularmente por vía de Homero Manzi, que fue su más talentoso continuador”. Evaristo
murió de tisis, en 1912, a la edad de 29 años. La obra de Carriego también influye en el sencillis-
mo de Baldomero Fernández Moreno y en el cine de José “el Negro” Agustín Ferreyra.

130 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


cortometraje Tango criollo para la casa Lepage. Hoy perdido, el cortometraje
era, presuntamente, la toma de una pareja de hombres bailando tango.
De ahí en más, y sobre todo hacia los comienzos de la década del veinte,
el tango y el cine no hicieron otra cosa que fortalecer el entramado en el
que se enredaban de manera irresoluble. Era el momento en que, al mismo
tiempo, el tango afianzaba su veta “canyengue” y el cine consolidaba los
códigos del lenguaje que conforman lo que entendemos como Modelo de
Representación Institucional (MRI).7 Entonces, el tango fue apareciendo en
la cinematografía silente argentina de modos diversos: bien porque en los
cines más importantes del centro de Buenos Aires orquestas típicas8 acom-
pañaban películas mudas (incluso extranjeras); bien porque algunos estrenos
nacionales eran acompañados de un pequeño número musical –tanguero-
previo a la proyección; o sencillamente como parte de las tramas argumen-
tales de algunas ficciones, donde algún cabaret o cafetín de los suburbios de
la ciudad aparecía como síntesis de la nocturnidad, la mala vida, el vicio, las
mujeres de dudosa reputación.

Ferreyra: el carriego del celuloide

En este marco surge una de las figuras más relevantes del período pre-indus-
trial del cine argentino: el realizador José Agustín Ferreyra. Letrista de los tan-
gos que moldearán sus argumentos fílmicos, pintor y escenógrafo, “bohemio
incorregible, romántico incurable” según lo definía un periodista en 1939,9
Ferreyra – sin otra escuela que la propia intuición – realizó un cuantioso nú-
mero de películas silentes cuyas historias transcurrían entre el centro de la

7 Término acuñado por Noël Burch para designar al conjunto de directrices que, en el seno de
la producción cinematográfica industrial, configuran las bases del lenguaje que entendemos
como “clásico” y que ha sido dominante hasta la década de 1950.
8 Orquesta Típica: Nació en 1910 con el sexteto formado por Vicente Greco. La idea de llamar-
la “Orquesta típica criolla” fue de Ernesto Tossi, gerente comercial de la compañía Columbia.
Las “típicas” que permitieron el lucimiento del intérprete, incorporaron adornos sonoros y
otros válidos recursos creativos.
9 Se trataba del periodista Julián Rielar, quien le hizo una serie de reportajes a José Agustín
Ferreyra para la revista Cine Argentino, en los últimos meses de 1939. Extraído acá de Jorge
Miguel Couselo (2001, p. 21).

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 131


ciudad y algún barrio del suburbio porteño. Y es que se trataba de su propio
itinerario recorrido mil veces, entre la modesta casa materna y algún bar de la
calle Corrientes, donde habitaban sus personajes, entre los cuales podría haber
estado él mismo. (COUSELO, 2001, p. 23-24)
Un rápido repaso de los nombres de sus películas nos señala fácilmente el
cariz tanguero que las caracteriza: La muchacha de arrabal (1922), La chica de la
calle Florida (1922), Melenita de oro (1923), Corazón de criolla (1923), La maleva
(1923), Mientras Buenos Aires duerme (1924), El organito de la tarde (1925), La
costurerita que dio aquel mal paso (1926), Muchachita de Chiclana (1926) y
Perdón viejita (1927), entre otras del período silente.
Se trataba de historias de mujeres de barrio que, condenadas por su posi-
ción social, y/o porque son seducidas y abandonadas por galanes adinerados,
caen en la prostitución o la enfermedad. Mujeres que, siempre supeditadas a
la generosidad o conmiseración masculina, al final resultan redimidas por el
poder del amor o por el trabajo decente. Alrededor de ellas, otros pocos perso-
najes más cierran la escena porteña: guapos de quienes exalta el coraje en opo-
sición a villanos y malevos prepotentes, y madres sufrientes que en ocasiones
mueren expiando las culpas de sus hijos.
Aún a pesar de la construcción arquetípica de personajes y paisajes, se dice
de su cine que fue el primero en mostrar a los sectores populares de manera
realista... Tal vez fue por haber instalado tantas veces su cámara fuera del set
de filmación,10 por haber dado estatuto de personajes dramáticos a seres anó-
nimos, por haber retratado el sufrimiento y la pobreza cotidianos, por la acep-
tación resignada de esa pobreza que se asume sin rebeldías ni resentimientos,
o simplemente – en síntesis – por haber hecho un cine absolutamente identi-
ficado con el tango.
Es Ferreyra quien, con toda claridad, anuda las temáticas y los personajes
tangueros con el folletín sentimental, en una suerte de “folletín arrabalero” que
servirá de base a buena parte de las realizaciones que ‒ en las décadas siguientes

10 Son especialmente memorables los planos exteriores que abren su película Perdón viejita
(1927), describiendo primero el atardecer de la urbe porteña (y asociando a las luces de la no-
che con la “malicia de mujer”) y luego un amanecer en las inmediaciones del Riachuelo, donde,
por contraste con las imágenes del trabajo que se pone en marcha, los personajes protagóni-
cos son presentados como “residuos” de la sociedad.

132 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


– procurarán garantizarse el éxito comercial echando mano a las configuracio-
nes genéricas.
A partir de Ferreyra, sobre la matriz genérica que se despliega más o
menos invariable a escala planetaria, el cine argentino tomará al tango –
más que como una pátina de realismo- como una forma de construcción
de verosimilitud.

La industria cinematográfica se hace escuchar

¡El sonido! ¡Un sentido reconquistado! ¡Un nuevo mundo! El canto del
Ruiseñor. El taponazo del champagne. El chasquido de un beso. Ver es
sólo la mitad de la vida. ¡Ver y oír es la vida entera! (CALISTRO, 1978, p. 15)

La imaginería porteña pergeñada por el cine silente no será masiva sino


hasta que se reconfigura bajo la matriz del sistema industrial, en tanto que modo
regulado de producir, hacer circular y consumir productos cinematográficos.
En el caso argentino, en relación directa con el crecimiento industrial que
atravesaba el país y la consiguiente conformación de una clase trabajadora
en ascenso, la creación de un modelo industrial cinematográfico fue posible,
finalmente, gracias al invento del sonido óptico. Hasta entonces, las pelícu-
las eran todavía productos para el consumo de reducidas audiencias alfabe-
tizadas, obligadas a la lectura de los intertítulos. Entre tanto, las versiones
hispano-parlantes de las películas producidas por Hollywood para conservar la
hegemonía del mercado latino, no tuvieron aceptación por parte del público.
Se genera, entonces, un área de vacancia en el panorama cinematográfico
local: la de un cine hablado en el propio idioma. Así, a la luz de, entre otras
pocas, las experiencias de sonorización de José Agustín Ferreyra11 y del éxito de
los cortometrajes que Gardel filmara bajo la dirección de Eduardo Morera,12 se
realiza el primer largometraje argentino con sonido óptico.

11 Ferreyra, en 1931, bajo el título de Muñequitas porteñas, estrena el primer largometraje nacional
sonorizado con el sistema Vitaphone de discos sincronizados.
12 Carlos Gardel filmó, en 1930, quince cortometrajes (cinco de ellos arruinados en el proceso de
revelado de la película) que llevan, cada uno, el nombre del tema musical que allí se interpreta.
La mayoría son tangos, aunque también hay valses y hasta un tema campero, todos registrados

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 133


Señala el investigador Marcos A. Pérez Llahí (2005, 176-177):

En cualquiera de sus formas, el sonido llegó tarde a América Latina, casi


como una imposición de los días. Y su desembarco fue crucial para el futu-
ro de los (posibles) cines de la región. En su condición de periferia, el cine
latinoamericano nunca llegó a consolidarse como industria sino por mo-
mentos y en condiciones particulares. La aparición del sonido viene a re-
velar, drásticamente, la condición industrial, su carácter de gran negocio
de del espectáculo, su lugar como generador de productos de consumo
masivo. El cine, que había nacido popular, ahora lo era de un modo cabal.

Y fue popular no sólo en el propio país, sino que trascendió a escala regio-
nal, sobre todo durante la década del 30’ luego de lo cual México, ayudado por
su posición en la Segunda Guerra Mundial, fortaleció su industria y se puso a la
cabeza del mercado latinoamericano.
Así como sucedió en otras latitudes, en Argentina, ante la aparición del
sonido, no bastó con que los personajes dialogaran; tenían que cantar. ¿Qué
cantarían? Tango, “naturalmente”. ¡Tango!, dirigida por Luis Moglia Barth y pro-
ducida por el empresario Ángel Mentasti, – a la cabeza de la recién creada pro-
ductora Argentina Sono Film – fue el nombre de la película que, estrenada el 27
de abril de 1933, abre el período industrial (y clásico) de nuestra cinematografía.

[¡Tango!] resume y clausura simbólicamente los tópicos planteados en el


cine mudo (la percanta, el arrabal, el cafetín, el barrio, el compadrito), al
tiempo que los reelabora y proyecta en los que serán ejes vertebrales del
melodrama tanguero del período clásico: el descenso de la mujer en la
senda de la prostitución y el ascenso del hombre como cantor de tangos.
(PALADINO, 2002, p. 63)

Sobre los rasgos tanto productivos y estéticos como temáticos de la pelí-


cula ¡Tango! van a imprimirse las características fundamentales de buena parte

bajo el sistema movieton de sonido óptico. Los diez cortos que hoy subsisten son: El carrete-
ro, Añoranzas, Rosas de otoño, Mano a mano, Yira, yira, Tengo miedo, Padrino pelao, Enfundá la
mandolina, Canchero y Viejo smoking. El conjunto permitía tanto el lucimiento del intérprete
como la promoción del novedoso cine sonoro. Así se expresaba Gardel en uno de los diálogos:
“Aquí ando, hermano, dispuesto como siempre a defender nuestro idioma, nuestras costum-
bres y nuestras canciones con la ayuda del film sonoro argentino”.

134 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


del cine industrial que le sigue. La película se convierte, así, en una suerte de
fórmula sobre la que volverá reiteradamente el cine nacional (especialmente
el producido durante la llamada Década de Oro, entre 1933 y mediados de la
década de 1940).
Revisando sus rasgos nos encontramos con un cine que apeló a la cons-
trucción de argumentos generalmente débiles cuya trama transcurre sobre una
sucesión de tangos cantados. Se trata de un formato que nos remite fácilmente
a la Revista Musical, donde el tango aparece estructurando el relato, alternado
en ocasiones con escenas breves cuyos aires de comedia retoman el estilo del
sainete teatral (un respiro para el espectador, una válvula de “escape” para des-
comprimir la densidad dramática de las escenas más tangueras).
Sobre este formato, como una “síntesis de mitos porteños”,13 unos per-
sonajes arquetípicos y planos desarrollan linealmente la historia de Alberto
(interpretado por el cantor Alberto Gómez): un muchacho de barrio con
talento como cantor de tango que, a costa de haber perdido el amor de Tita
(interpretada por la cantante y actriz Tita Merello) a manos de un “Malandra”,
encarna la tristeza necesaria como para triunfar, vía París, en el mundo de la
canción porteña. Mundo al que es capaz de renunciar a cambio del retorno al
barrio y a la muchacha que, arrepentida, allí lo espera.14
Encontramos en ¡Tango! dos rasgos también notables en el cine tanguero
del período que trabajamos. Por un lado, y en contra de lo que las clases domi-
nantes porteñas esperaban ver en la pantalla, muchas películas proponen al
mundo del espectáculo en general y al tango en particular ya no como espacios
de perdición propios de personajes de “mala vida”, sino como una vía posible (y
deseable) para el ascenso social. A estas alturas (promediando la década del 30’)
el sistema “[...] había demostrado que ‘hacer la América’ no era para todos y
que muchos habían quedado por fuera de las promesas con las que habían arri-
bado los inmigrantes al puerto de Buenos Aires”. (GIL MARIÑO, 2013, p. 95)
Por entonces, se ponía en cuestión la idea del ascenso social por la vía de la

13 Así rotula el film el historiador argentino Claudio España en el libro colectivo Cine argentino:
industria y clasicismo (2000, p. 29).
14 Nótese que los nombres de los personajes protagónicos coinciden plenamente con los nom-
bres de los actores/cantantes que los interpretan. Tenemos allí, en “el nombre”, la unión an-
ticipada, letra por letra, de lo que constituye el texto estrella: la amalgama indisoluble entre
personaje y actor, al servicio de la economía del sistema industrial.

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 135


educación (propia de la segunda generación de inmigrantes) al mismo tiempo
que empezaba a resultar verosímil la idea del éxito del cantante o artista, fun-
damentalmente para ese público que consumía radio, cine y revistas. (GIL
MARIÑO, 2013) Por otro lado, hay que señalar que, sobre todo en los primeros
años del cine industrial, tal como adelantamos más arriba, buena parte de las
películas reservaban sólo para los varones el éxito en el mundo del espectáculo.
Reverso de la sencillez de un formato y una historia determinados por la
omnipresencia del tango, la forma de producción de la película fue mucho
más pretenciosa. Incluyó en el elenco a “la mayoría de las figuras más popu-
lares de entonces en el teatro, en la radio aún incipiente y en el disco, que iba
consiguiendo difusión hogareña”. (ESPAÑA, 2000, p. 27) Efectivamente, desde
el bailarín de tango más afamado hasta el monologuista más exitoso de la car-
telera teatral del momento, pasando por las mejores orquestas típicas y los
cantantes más escuchados, ¡Tango! convocó un número de estrellas del decir
porteño, único en la historia del cine argentino.

Gente bien:15 el efecto-estrella

Mi mamá te dijo que se preocupaba, ella es así. Cree que, si uno se preocu-
pa, cumple con los sacrosantos deberes de ser madre, que si me desgarro
el alma soy la mejor de las madres, ¡”la escuelita de Libertad Lamarque”!,
así lo cree. Así me enseñó. Y así querría que te enseñara a ti. ¡No Isabel,
no!, la gente puede querer aunque no esté angustiada, ojalá yo habría
aprendido a querer sin dolor, pero ella no me enseñó...16

15 “Gente bien” es un término lunfardo que se usa para caracterizar a personas decentes, educa-
das. Es, además, el nombre de una película de 1939, dirigida por el director Manuel Romero. En
este artículo, igual que en la película, usamos el término como síntesis de una de las ideas del
apartado: el cine tanguero propone que las personas del mundo del espectáculo son decentes
y/o educadas.
16 Línea de diálogo entre la madre (protagonista) y su hija, perteneciente a la secuencia titulada
“La escuelita de Libertad Lamarque” del film de Arturo Ripstein Las razones del corazón. Rodada
en el año 2010, esta versión libre de la novela “Madame Bovary”, como es costumbre en el
trabajo mancomunado del director y la guionista Alicia Paz Garcíadiego, se constituye como
reverso del melodrama y, por tanto, como su crítica.

136 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


Principal baluarte de la industria cinematográfica local, el sistema de estre-
llas colaboró fuertemente en la configuración y difusión de los tipos tangueros,
como verdaderos modelos de conducta social.
De acuerdo con Eduardo Russo (2008), entendemos a la estrella como una
figura de naturaleza facetada en la que se anudan, al mismo tiempo, el perso-
naje, la persona, y la mezcla de ambos (de modo tal que nunca se sabe dónde
está el límite entre lo uno y lo otro). Elemento fundamental en la economía de
recursos propia de la industria, la estrella – que lo es invariablemente más allá
de cada uno de los espacios ficcionales en los que se inserte – configura un
texto generalmente unívoco, que promete, entre otras cosas, llevar el espec-
táculo más allá de la sala cinematográfica. Con el espectáculo, es de esperar,
trasciende también el sesgo ideológico que moldea cada texto actoral, su “lugar
en el mundo”.
A la luz del cuantioso reparto de ¡Tango!, eco no muy lejano del cine de
Ferreyra, las estrellas del cine tanguero definen sus tipos fundamentales:
– Las buenas muchachas, de vida diurna, que generalmente esperan, confi-
nadas en la honra de los barrios pobres, el regreso (pocas veces concretado) de
su primer amor. Texto encarnado emblemáticamente por Libertad Lamarque
(que empezó a esculpir su semblante sufriente en ¡Tango!), quien, jovencita pri-
mero, y luego esposa y/o madre, suele soportar las aventuras y los caprichos de
las clases aristocráticas.
– Las malas muchachas, generalmente cancionistas devenidas a la pros-
titución, cuyo primer “error” es el de salir hacia las luces parpadeantes de las
noches del centro porteño, detrás de la promesa de una vida de lujos y placeres.
En ¡Tango! fue Tita Merello quien interpretó este papel, con la salvedad de que,
arrepentida a tiempo, no padece ni la muerte ni la locura, como sí sucede en
los casos paradigmáticos de este tipo de mujeres en el cine tanguero: “la rubia
Mireya”17 y “Margot”.18 Ambos personajes, en el ocaso de sus vidas, sufren el
inexorable castigo del tiempo. Margot paga con la muerte el carácter ambi-
cioso y despreocupado que la lleva a abandonar a su pretendiente. Y Mireya,

17 Personaje perteneciente a la película Los muchachos de antes no usaban gomina, dirigida por
Manuel Romero en 1937 e interpretado por Sabina Olmos.
18 Personaje perteneciente a la película Carnaval de antaño, de 1940, dirigida por Manuel Romero
e interpretada por Mecha Ortiz.

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 137


con la locura, su itinerario errante impuesto por un destino que, “lógicamente”
no puede torcer y por el que se decide para no perjudicar al hombre que ama.
– Contracara de estas mujeres de “mala vida”, el varón abandonado que
caracterizara Alberto Gómez en ¡Tango!, será el tópico de los hombres del
tango. Tal como lo anticipamos, reverso del itinerario moral de las malas
muchachas, su recorrido desde el barrio hacia el centro, mediando un fulgu-
rante pasaje por París, será lo que los catapulta hacia la fama, eventualmente el
dinero, y el éxito como cantores. Por supuesto, no obstante, como el éxito de
estos varones es conseguido tras la pérdida de un gran amor (y, con él, por la
renuncia al espacio del hogar), sumergidos en una profunda nostalgia que les
será estructural, generalmente vuelven al barrio. Allí, en este modelo, se instala
cómodamente el texto Hugo del Carril.
Con el sonoro, fueron las estrellas quienes dieron rostro y voz a la idio-
sincrasia tanguera. Junto a quienes todavía se ocultaban “detrás de”, serán
en buena medida responsables de migrar la atmósfera del tango, del teatro
a la radio, de la radio al disco, del disco al cine, del cine a la prensa gráfica
– en el orden que se quiera y sin solución de continuidad. Un verdadero
entramado multimedial (así lo podemos entender hoy) hilvanado con los
primeros planos de las estrellas, al servicio de la construcción del imagina-
rio de aquellos años.

Añoranzas:19 una cuestión de género

Nadie lo dudó jamás, el tango nació varón... se crió en los suburbios, entre
calles de fango y empedrado, bailado por taitas y malevos en un mundo de
machos, donde la mujer era “paica, loca o milonguera, personaje secun-
dario, sometido, desplazado hasta la condición de mero objeto pasivo...
territorio vedado para las honestas, para las que quedaron en el barrio: la
dulce viejecita, la piba de la esquina, la novia del pasado; almas inmacu-

19 “Añoranzas” es un vals cuya letra y música le pertenece a José María Aguilar. El vals fue inter-
pretado por Carlos Gardel, en el cortometraje que lleva su nombre y que, junto con otros tan-
tos tangos cantados, forma parte de la serie de los cortometrajes que el cantante protagonizó
bajo la dirección de Eduardo Morera, en 1930, realizados con el sistema de Lee de Forest. En
este artículo, “añoranzas” señala uno de los aspectos centrales del apartado: el referente a las
cabalgatas tangueras.

138 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


ladas lloradas en la nostalgia del humo y del alcohol. Ineluctable: santa o
percanta, pero siempre en relación con el varón, sombra del mismo, válida
únicamente con y por él. Es que el tango es cosa de hombres. (CALISTRO,
1978, p. 18)

En tanto que sistema de reglas y convenciones que definen una serie de


narrativas posibles y una serie más o menos limitada de recursos formales dis-
puesta al servicio de esas narrativas, el género, contrato de lectura entre la pro-
ducción fílmica y su público espectador, configura siempre un modelo cultural
relativamente fijo que señala un modo social y moral, al mismo tiempo que
un entorno físico e histórico. (TUDOR, 1975, p. 195) Tal sistema, no hay duda,
toma consistencia y alcance masivo, al ritmo de la producción industrial y bajo
la pluma del modelo narrativo clásico.
Según lo desarrollado hasta acá, se hace evidente que, como no podría ser
de otra manera, está haciendo su presencia en la pantalla grande argentina, de
la mano del tango, el género cinematográfico latinoamericano por excelencia:
el melodrama.
No es menos evidente, sin embargo, que la vertiente tanguera de lo que
entendemos como melodrama, introduce unas variantes que les son propias
tanto en el nivel de lo enunciado como en el de la enunciación. Varias fueron
las razones por las cuales, en alguna ocasión, incluso se puso en duda la condi-
ción melodramática de varias películas tangueras. Entre ellas, las estructuradas
sobre una serie de números musicales que, como ¡Tango!, son fácilmente aso-
ciadas a la revista musical (o, sencillamente, al musical) y cuyo referente pri-
mero en el cine argentino fue Mosaico Criollo, dirigida por Eleuterio Iribarren
en 1929 – “casi un demo promocional para un sistema sonoro con discos que
desarrolló el sonidista y luego productor Alfredo Murúa, sobre la base del sis-
tema norteamericano Vitaphone”. (PEÑA, 2009) Otra de las razones, ahora en
la línea de lo argumental, es que “el tango tiene un imaginario emotivo espe-
cífico [...] que no está hecho para humedecer pañuelos de señoras, sino para
emocionar varones”. (PEÑA, 2009)
No obstante lo discutible de este asunto, aquí nos interesa reconocer que,
aún con su particular modo de estructurar algunos de sus relatos, aún privile-
giando las historias de los cantores tristes, y aún dirigiéndose – con ello – a un
público posiblemente conformado por varones tanto o más que por mujeres, la

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 139


cinematografía tanguera construyó su universo de verosimilitud echando mano
a la raigambre melodramática y obteniendo de ella su materia sentimental.
Además, extrae su potente carga normativa al servicio del statu quo burgués,
proponiendo restaurar el orden perdido mediante la consolidación de los valo-
res tradicionales. Cada quien a “su” lugar, la razón termina siempre dominando
a la pasión (generalmente despertada por una mujer), luego de pagar el castigo
por haber cruzado la frontera – topográfica y simbólica –, señalada mil veces
en cada ficción, en nombre de “las buenas costumbres”.
Entre las películas tangueras también hay un par de variantes muy recono-
cibles: la “ópera tanguera” y la “cabalgata tanguera”.
La ópera tanguera se abrió (y se cerró) con una trilogía conformada
por Ayúdame a vivir (1936), Besos Brujos (1937) y La ley que olvidaron (1938), las
tres dirigidas por Ferreyra, protagonizadas por Lamarque y producidas por la
SIDE20 a cargo del ya mencionado Alfredo Murúa. “Forma particular de folletín
donde cada momento de exaltación emocional y temperamental es acentuado
por un tango”, así fue la definición dada por el historiador Domingo Di Núbila
para señalar su rasgo representativo: la irrupción de una serie de diálogos can-
tados en medio del desarrollo de las escenas de mayor tensión dramática.
Nos interesa más, aquí, la vertiente de las cabalgatas tangueras. La estruc-
tura-cabalgata (o film-río) se caracteriza por relatar, en una hora y media de
película, unos veinte, treinta, cuarenta años de historia. Lo más llamativo es
que en todos los casos, las historias contadas bajo este formato se despliegan
linealmente hasta terminar el mismo año de producción de la película, y tienen,
por tanto, carácter retrospectivo. Vertiente cuyas historias se montan, una vez
más, sobre una sucesión de tangos cantados, su director emblema fue Manuel
Romero,21 comenzando con una trilogía conformada por Los muchachos de

20 Sociedad Impresora de Discos Electrónicos, tal fue el nombre de la productora cinematográfi-


ca fundada por Alfredo Murúa, en la provincia de Buenos Aires.
21 Nació en Buenos Aires el 21 de septiembre de 1891. Fue un hombre del espectáculo y un ar-
quetipo del porteñismo, precisamente cuando éste se definía en los años veinte. Se dedicó a la
crítica teatral, luego al sainete y luego, como libretista y director, se convirtió en un artífice del
género de la “revista” – donde combinaba elementos dramáticos del burlesque, el vaudeville y
la comedia musical. Romero escribió, junto con Bayón Herrera, la obra que dio origen a la pe-
lícula Las luces de Buenos Aires (1931) dirigida por Adelqui Millar. Director estrella de Lumitón, a
partir de allí dirigió más de 50 películas, todas de similares características: argumentos sencillos
y emotivos, ambientes porteños y tangos. Padre de un único hijo, Manuel Romero murió en
Buenos Aires el 3 de octubre de 1954.

140 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


antes no usaban gomina (1937), La vida es un tango (1938) y Carnaval de antaño
(1940). Posiblemente sean, estas cabalgatas, la cristalización más acabada y
maniquea de los tópicos del cine tanguero.
Periodista, director, guionista, autor de teatro y letrista de tangos, Romero
fue uno de los directores paradigmáticos del cine del período industrial y clá-
sico argentino. Como lo hiciera Ferreyra en el período silente, Romero hará del
tango la estrategia fundamental de su cinematografía. Allí, todos los persona-
jes, ricos y pobres, afamados y anónimos, adaptados e inadaptados al avance
del capitalismo moderno... Todos, sin excepción, transcurrida casi una vida
entera, son redimidos y abrazados por un tango que, al final, los convierte,
sencillamente, en “buena gente”.
Sus cabalgatas (pero no sólo las suyas), tal como los títulos lo indican,
resultan el formato ideal de uno de los tópicos que definen la naturaleza del
tango: el paso del tiempo, un tiempo que se pierde y al que se lo evoca desde
la nostalgia. Con ellas,

el cine inventó las señas referenciales de un pasado ilusorio pero fácil de


recordar al final de la proyección. El público concurría a las salas para
buscarse y encontrarse a sí mismo en las imágenes y para elaborar a partir
de ellas una memoria significante. (MANETTI, 2000, p. 196)

Efectivamente, en este cine de convenciones (convenciones genéricas, con-


venciones en los códigos que configuran la escritura clásica, en los modos de
construir el texto de la estrella), el tiempo pasado que es evocado no puede
ser más que ilusorio. Los espectadores, su presunto reflejo, habitaban cómo-
damente en una pantalla, que – parafraseando a Sergio Wolf – les ofrecía una
historia común con la cual identificarse sin interrogarse sobre la noción de
realismo; simplemente permitiendo que surja la emergencia de un imaginario
de época. Allí, “no hay realismo porque hay convención, ni hay historicidad
porque hay mito”. (WOLF, 2004)

A modo de cierre

El recorrido que propone este texto nos permite vislumbrar el efecto que sur-
ge de la simbiosis entre el tango y el cine industrial argentino. A fuerza de la

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 141


repetición característica de la producción en serie, y echando mano a la matriz
melodramática sobre la que se imprime la conciencia latinoamericana,22 fue
con el tango que se moldearon los rasgos identitarios de los argentinos.
En una época en la que se conformaba el estado-nación moderno, el cine
tanguero fue aglutinador, homogeneizador para los muy diversos inmigrantes,
fue patria. Una patria, una Argentina, la del cine, que tensionando posibles
futuros fascinantes con pasados mitificados “se configura como un espacio
de asimilación y contención de las transformaciones socio-culturales de la
modernidad” (GIL MARIÑO, 2015, p. 25), una modernidad híbrida o perifé-
rica – en términos de Beatriz Sarlo (2007). En sus imágenes, los sectores popu-
lares estaban convidados no sólo a buscar(se) sino a soñar con el ascenso social
incluso por la vía del espectáculo que se conformaba a través de las crecientes
industrias culturales. Allí, aún en condiciones desiguales (desigualdad de clase,
desigualdad de género... ), como había tango, entonces había lugar para todos.

Epílogo: sombras porteñas23

¡Basta de engrupir con el pasado!24

Corolario de lo que implicará el comienzo del fin del período industrial del
cine argentino, se viene anunciando, al promediar la década del cuarenta, lo que
unos años más tarde será la crisis – a escala global – del modelo narrativo clásico.
En 1944, rodada en los Estudios San Miguel, anticipándose a esa impug-
nación que sufrirá el reinado de las historias por sobre los relatos, el director
Mario Soffici dirigirá la película que siembra una duda respecto de la condición

22 Nos referimos acá al texto de Carlos Monsiváis “La política del melodrama”.
23 “Sombras porteñas” es un vals de 1936 cuya letra le pertenece a Homero Manzi y cuya música
a Sebastián Piana y Pedro Maffia. Acá es utilizado como síntesis de la idea central de este
apartado.
24 Del tango “Tiempos viejos” escrito por Manuel Romero a propósito de su película Los mucha-
chos de antes no usaban gomina (1937).

142 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


de espejo de la realidad, o ventana abierta al mundo, que se arrogara el cine de
entonces.25
Se trata de una extensa cabalgata anclada estructuralmente en numerosas
escenas musicales. Se llama, nada menos, La cabalgata del circo.26 Es protagoni-
zada por Libertad Lamarque y Hugo del Carril. Narra la historia del devenir del
espectáculo popular argentino avanzando a saltos del circo a la pantomima criolla,
de la pantomima al drama rural, del drama al tango cantado, del tango al cine y
– con todo ello – del campo a la ciudad. Ese largo recorrido se va suturando con
el itinerario de dos hermanos (Lamarque y del Carril) nacidos en una familia de
cirqueros que, por imposición de los tiempos, se ven obligados a protagonizar las
transformaciones de un espectáculo que – llegado al cine – ya no comprenden.
Avanzados en edad, el cine llega a la vida de los hermanos a través de los hijos de
Nita (Lamarque) quienes serán los protagonistas de una película filmada en 1944,
en los Estudios San Miguel, que lleva el nombre de “La cabalgata del circo” y que
narra la historia de dos hermanos nacidos en una familia de cirqueros...
El valor de la película de Soffici reside en su condición de ensayo sobre la
forma del cine; en su reflexión sobre sí, su mirar(se). Es “una película que pone
en crisis, historizándolos, los modelos de representación vigentes”, (KOHEN,
2000, p. 481) aquellos que simularon ser la aséptica reproducción fotográfica
de un mundo ya dado.
En ese sentido, vale la pena describir el diálogo de la escena en la que
Roberto (Hugo del Carril) mantiene – en el set de filmación –, con el director
de “La cabalgata del circo” (dentro de La cabalgata del circo):

Director (dirigiéndose a los actores): — En esta escena, al oír el llanto del


niño, usted se altera y hiere a Marietta.
Roberto (interrumpiendo): — No. No fue así, señor.
Director: — No importa.
Roberto: — ¿Cómo que no importa? ¡Se altera la realidad!
Director: — La realidad... La realidad sólo sirve para inspirarse. El cine
crea su verdad, una verdad cinematográfica...

25 Los términos “espejo” y “ventana” hacen referencia a lo que Jesús González Requena designa
como la metáfora perfecta del cine clásico en su artículo El sistema de representación clásico y
las escrituras manieristas (1986).
26 La negrita nos pertenece y subraya uno de los gestos “manieristas” del film: la designación – en
su título – del formato sobre el que se relata la historia que narra.

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 143


Roberto: — Pero es que...
Director: — El cine tiene sus exigencias. Si Tito hiere a su mujer, al público
le gustará más... tiene más emoción.
Roberto: — Es que no fue así...

No es muy llamativo que a estas alturas aparezca un film como el de Soffici,


ni es llamativo que las cabalgatas prácticamente dejaran de existir a mediados
de los años cuarenta – y con ellas casi todo el cine tanguero. El país contaba ya
con una importante clase media que se reconocía a sí misma, y que había asis-
tido masivamente durante diez años (“dorados”) a las salas que proyectaron un
cuantioso cine de su propia factura. Un cine que les brindó, al mismo tiempo, y
bajo las fórmulas del espectáculo, educación sentimental y ciudadana.
Luego del diálogo entre Roberto y el director de “la cabalgata del circo”,
la película de Soffici pasa a su escena de cierre. Allí, los hermanos, sentados en
sus butacas, ven en la pantalla del cine, emocionados, las (ahora viejas) carretas
de los cirqueros perdiéndose en la infinidad de una llanura y “llevándose sus
ilusiones” – tal como lo enuncian ellos mismos. Primero sobre esa pantalla, y
luego trascendiendo sobre la nuestra, se imprime la palabra FIN.

Referencias

CALISTRO, M. et al.: Reportaje al cine argentino: los pioneros del sonoro. Buenos
Aires: Anesa, 1978.
COUSELO, J. M. El Negro Ferreyra: un cine por instinto. Buenos Aires: Grupo
Editor Altamira, 2001.
ESPAÑA, C. (Org.). Cine argentino: industria y clasicismo: 1933-1956: vol. I.
Buenos Aires: Fondo Nacional de las Artes, 2000.
GIL MARIÑO, C. N. El mercado del deseo: tango, cine y cultura de masas en la
Argentina de los 30. Buenos Aires: Teseo, 2015.
GIL MARIÑO, C. N. Del arrabal y el cafetín a la broadcasting: imágenes del ascenso
social y un tango moderno en el cine argentino de los años treinta. Revista Sans Soleil,
[Madrid], v. 5, n. 1, p. 92-106, 2013.

144 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


GONZÁLEZ REQUENA, J. El sistema de representación clásico y las escrituras
Manieristas. In: GONZÁLEZ REQUENA, J. La metáfora del espejo: el cine de Douglas
Sirk. Valencia: Instituto de Cine y Radio-Televisión; Minneapolis: Institute for the
Study of Ideologies and Literature, 1986.
KOHEN, H. La cabalgata del circo. In: ESPAÑA, C. (Org.). Cine argentino: industria y
clasicismo: 1933-1956: vol. I. Buenos Aires: Fondo Nacional de las Artes, 2000.
MANETTI, R. Del film-río y el modelo-cabalgata al flashback. In: ESPAÑA, C.
(Org.). Cine argentino: industria y clasicismo: 1933-1956: vol. II. Buenos Aires: Fondo
Nacional de las Artes, 2000.
PALADINO, D. El cine en dos por cuatro (en la primera mitad del siglo XX). Revista de
Estudios Históricos sobre la Imagen, [Madrid], n. 41, p. 56-69, 2002.
PEÑA, F. M. Notas sueltas sobre el tango en el musical argentino. Revista Grupo Kane,
2009. Disponible en: <http://www.grupokane.com.ar/>. Acceso en: ago. 2016.
PÉREZ LLAHÍ, M. Los arrabales de la periferia: Albores del sonoro en el cine
argentino
y latinoamericano. In: LUSNICH, A. L.; CUARTEROLO, A. Civilización y barbarie en
el cine argentino y latinoamericano. Buenos Aires: Biblos, 2005.
PUJOL, S. A. Las canciones del inmigrante: Buenos Aires, espectáculo musical y
proceso inmigratorio: de 1914 a nuestros días. Buenos Aires: Amalgesto, 1989.
RUSSO, E. El cine clásico: Itinerarios, variaciones y replanteos de una idea:
Buenos Aires: Manantial, 2008.
SALAS, H. El tango: seña de identidad de lo argentino. Buenos Aires: Academia
Nacional del Tango, 1996. (Cuadernos de Lecturas Académicas, n. 3).
SÁNCHEZ, S. El cine de Manuel Romero: la textualización del fantasma. In:
LUSNICH, A. L; CUARTEROLO, A. Civilización y barbarie en el cine argentino y
latinoamericano. Buenos Aires: Biblos, 2005.
SARLO, B. Una modernidad periférica: Buenos Aires 1920-1930. Buenos Aires: Nueva
Visión, 2007.
TUDOR, A. Cine y comunicación social. Barcelona: Gustavo Gili, 1975.
WOLF, S. Aspectos del problemas del tiempo en el cine argentino. In: GERARDO, Y.
Pensar el cine 2: cuerpo(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manatial,
2004.

Glosario lunfardo

La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina (1896-1945) 145


El lunfardo es el dialecto utilizado en la mayoría de los tangos para referirse a
diferentes cosas en términos especiales. El Lunfardo puede ser considerado como el
idioma del tango argentino.
Amurado: Abandonado
Cabrero: Enojado
Canyengue: Arrabalero de baja condición social, bailes con muchos cortes. Con ritmo
estilizado.
Catrera: Cama
Compadrito: Valentón, fanfarrón
Conventillo: Casa de inquilinos. Casa de vecindad de aspecto pobre y de muchas
habitaciones
Engrupir: Engañar
Guapo (Español): Valiente
Milonga: Cabaret, baile, festín
Milongón: Fiesta bailable
Milonguera: Joven cabaretera
Milonguita: Mujer de vida disipada
Malevaje: Maleantes
Malevo: Peleador. Individuo de malos antecedentes, ladrón, pendenciero
Paica: Querida del compadrito, amante, concubina. Mujer perteneciente a un rufián
Percante: Se supone que viene del femenino “percanta”. A finales del siglo XIX,
específicamente en Chile, los marinos “Mercantes” se hacían acompañar, para sus
noches en tierra, de las mujeres de acceso pagado para obtención de sus favores
amorosos. De ahí nace el Neologísmo Percante (Mercante / percanta) marino
mercante que gusta de las percantas.
Percanta: Mujer. Amante
Taita: Hombre valiente y audaz. Matón
Viejita: Madre
Yira/yiranta: Ramera

146 JORGE GRASSI Y ANABELLA BUSTOS


No todo fue tango y rock en el cine
musical argentino (1933/1955)

CÉSAR MARANGHELLO

Introdução

El nacimiento del  género musical en el cine  es simultáneo al desarrollo del


sonido. Con la diversificación de los gustos del público surgió la necesidad de
renovar el género, dando lugar a la aparición de subgéneros y de diversas estre-
llas. Se define al género como aquellas formulas utilizadas en el cine industrial.
Fórmula que complace al espectador en su deseo de evasión o de entreteni-
miento. Y ese deseo surgió de un modelo industrial que precisaba de capitales
para adecuarse a la nueva tecnología, el sonido, y a modelar un espectador con
apetencias de diversiones menos rigidas. Finalmente prevaleció el musical pro-
tagonizado por cantantes.
Desde siempre la Argentina se destacó por una fuerte vocación cinema-
tográfica, atestiguada por la concurrencia del público al cine y el deseo de
hacer películas. En 1933, con la aparición de Argentina Sono Film y Lumiton se
afirmó el cine nacional. Las adelantadas fueron Tango! y Los tres berretines, que
entrelazaron el género con la música de tango.
En su estudio sobre la cultura popular en América Latina, William Rowe y
Vivian Schelling (1991) describen a la música popular como la banda sonora de
la vida cotidiana, que ayuda a conformar la memoria colectiva, la identidad y
el deseo expresado mediante una experiencia material. O sea, que el consumo
cultural forma parte del proceso constitutivo de las identidades. Se valoran
entonces la sociabilidad familiar y barrial dentro de la urbe. Pero se trató de
una modernidad periférica, popular, atrevida y pecaminosa. La canción popu-
lar como el tango, el bolero o la bossa nova, constituye un típico producto de la
sociedad urbana e industrial, convirtiéndose en una – cultura de masas –, con
sus concepciones populares acerca del mundo y de la vida.
El género musical trascendió a América Latina, con sus ídolos nacionales
y su cine de rancheras, de rumberas, de tangueros o rockeros. La música, el
teatro, la televisión o el comic han provisto material para un cine menos com-
prometido, pensado para el lucimiento de figuras de moda.
Todo en la vida puede resultar más ameno con música. Así, cuando alguien
se sentía feliz, empezaba a cantar y a bailar en cualquier lado. Esta acción dra-
mática – de interrupción – se repetía en función del contenido y del ritmo de
las canciones, y les permitía a los personajes expresar sus emociones. Pero al
alcanzar su madurez, se estilizó el género y los diversos números concatenaron
las historias. Los problemas técnicos se fueron solucionando a mediados de los
años treinta, y se empezó a utilizar el sonido en forma más creativa.
El musical, dueño de una inutilidad maravillosa, posee personajes definidos,
coreografías y música, generalmente no-diegética, que acompaña los números
musicales. En ellos, los personajes sólo se expresan cantando y/o bailando. Pero
este no es un acto consciente para ellos, y sólo es evidente para el espectador.
Que los personajes canten y bailen no quiere decir que la vida sea una fiesta; por
el contrario, el musical refleja también la crudeza de lo que sucede en el mundo.
Por ello, el género ha obtenido gran éxito durante guerras y depresiones. Se
considera musical a toda película en la que la música sea el motor del desarrollo
de su historia. Lo que importaba era que las melodías eran diegéticas (la música
es parte de la historia; los personajes la escuchan y conviven con ella). Es simple-
mente un elemento que todos en la película pueden escuchar.
También se estudiarán brevemente aquellos films que, aunque no se consi-
deren musicales, incluyeran musica de manera ostensible (un lugar importante
en la diégesis). Caracteriza al musical el privilegio de imponer un verosímil no

148 CÉSAR MARANGHELLO


naturalista. La inserción de personajes cantando y bailando en el relato intro-
duce una ruptura con el verosímil, en el interior de la diégesis fílmica misma.
Lo musical en el cine permite otros modos de concebir lo real y colaboró en la
constitución de los grandes géneros de la música popular del siglo XX, y ubicó en
un lugar central al tango, el jazz, la rumba o el rock, entre otros ritmos. Altman
(1997) afirma que el musical se adapta a cualquier fuente y estilo musical. En sus
primeros años, sin embargo, los subgéneros utilizaron espacios como la revista,
la radio, las variedades o la opereta. Tan temprano como en 1933 se delineó
uno de los subgéneros que marcaron su historia: el backstage o la trama que
se desarrolla durante la producción de un espectáculo y con lo que ocurre tras
bambalinas (Radio Bar, Madreselva, Adiós, Buenos Aires, Caminito de gloria etc).
Luego hubo otro importante cambio: el melodrama y la opereta pasaron
de largo, y la simpleza de la revista se abrió paso hacia la comedia romántica,
con su pareja estelar. La dupla amorosa se convierte así en el centro de atención
narrativa y visual. Las secuencias de baile, como un ritual elegante, y las can-
ciones románticas (y comerciales) se volvieron momentos centrales del film.
Así, texto, canciones, bailes y diseños escenográficos se ponen al servicio
de un hecho artístico. La Argentina se destaca por ser uno de los países con
mayor cantidad de actores capacitados para el género. El precursor del musical
teatral fue Ivo Pelay, con casi cincuenta obras en su haber.
En cuanto a la musicalización de la década de 1930, la estudiosa Rosa Judith
Chalkho (2014) sostiene que existieron representaciones sonoras de la tensión
entre lo nacional y lo extranjero, sobre todo en Los tres berretines (1933, Equipo
Lumiton). Investigó además el modo en que los imaginarios sociales – lo nacio-
nal y lo extranjero – fueron representados en el naciente sonoro. Estos se mani-
festaron particularmente en Tango! (1933, Moglia Barth), que se convirtió en un
factor determinante en la construcción del futuro discurso audiovisual.
Las películas y  sus músicas son reflejos de una tensión entre los imagi-
narios sociales de lo nacional y lo extranjero; lo urbano y rural; lo moderno y
antiguo; el eje tradición-modernidad y el de centro-suburbio. La relación entre
lo nacional y lo extranjero (¿la civilización vs. la barbarie?) habitó las bandas de
sonido mediante un contrapunto en el que las canciones de la diégesis (tangos,
canciones folclóricas) reflejan la construcción de lo nacional, en tanto que la
música incidental adopta los recursos de la composición musical internacio-
nal, como el leit-motiv, por ejemplo.

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 149


El advenimiento del sonido sincrónico marcó el comienzo de la industria-
lización. Una suerte de sustitución de importaciones alienta la producción en
la Argentina, el Brasil y México, y el inicio del cine clásico. Por otro lado, las
temáticas locales y las músicas populares en el cine ya habían sido alentadas por
las compañías discográficas norteamericanas radicadas en Buenos Aires, como
Victor y Nacional-Odeon. La producción de  discos y películas pertenecerán
a una misma categoría productora. Por otra parte, un técnico argentino en
electroacústica, Alfredo Murúa, luego fundador de Estudios Cinematográficos
SIDE, emprendió la creación y fabricación de su propio sistema de grabación
óptica, el Sidetón, que compitió en calidad con los sistemas importados.
El puntapié fundacional del sonoro lo asume Tango!, seguido del estreno,
días después, de Los tres berretines. Los dos films muestran grandes diferen-
cias en el tratamiento sonoro y musical. Técnica norteamericana y tema local
es la  combinación constante en la primera década. El charleston o los fox-
trots aparecen asociados a lo foráneo, la moda y la cultura. Ese clima de época
que  fundía tradición y modernidad como ideas generacionales, está repre-
sentado en Los tres berretines (Equipo Lumiton), que combina tangos, música
clásica y sinfonismo incidental. La tensión entre tradición y modernidad está
representada por la música: comienza con un swing y acompaña exteriores que
muestran una Buenos Aires moderna. Mathew Karush se refiere a que el tango
es quien gana espacio al folclore, al acercarse al jazz en la orquestación. Por
otra parte, la música incidental de Isidro Maiztegui informa sobre el discurso
 internacionalista. La inspiración para el cine está en el tono melodramático,
en los estereotipos, en la representación de la ciudad y del espectro social. La
redención constante del género melodramático va a atravesar todo el cine clá-
sico argentino y su música incidental, como agente portador de los sentímien-
tos y las emociones, se constituye en un factor esencial que encuentra su punto
de partida en el pionero Isidro Maiztegui.
En la radiofonía, géneros como el radioteatro incorporan elementos
de exaltación nacional.  Pero donde se produce una gran innovación es en
la incorporación del tango como el mayor exponente de la cultura popular
urbana. Tanto la productora Argentina Sono Film como Lumiton fueron fun-
dadas durante 1932, con ambiciones hegemónicas y visión de futuro. Se trataba
de iniciativas privadas y de estructuras de producción verticalizadas, tomando
como modelo los grandes estudios y el star-system de Hollywood. La siguiente

150 CÉSAR MARANGHELLO


producción de Sono, Dancing (1933, Moglia Barth) se estrenó antes del fin del
primer año, y fracasó comercialmente, pese a tratar la historia de una noche
en un cabaret. La Sono pudo recuperarse con su siguiente estreno, Riachuelo
(1934, Moglia), un estruendoso éxito popular, que elevó a Luis Sandrini al pri-
mer puesto entre los astros de la pantalla local.
Tan temprano como en 1935 comienza a escucharse en las ficciones otros
tipos de música, pese a la hegemonía tanguera. Así, en la histórica Bajo la Santa
Federación (1935, Daniel Tinayre) se ejecutan canciones criollas de Héctor P.
Blomberg y Enrique Maciel, algunas de ellas interpretadas por la graciosa María
Esther Gamas. En Crimen a las tres (1935, Luis Saslavsky), las andanzas amo-
roso-policiales de su protagonista (Héctor Cataruzza) están apoyadas desde la
banda sonora por la música de jazz ejecutada por tres orquestas (Héctor Lagna
Fietta, Dick Johnson, Paul Wyer), con la colaboración de Las Dixie Pals y de Ana
May en los cantables en inglés.
La primera comedia musical como tal es Radio bar (1936, M, Romero),
encabezada por Gloria Guzmán, Olinda Bozán, Marcos Caplan y Juan Carlos
Thorry, más Las Dixie Pals, y las orquestas de Efraín Orozco (Colombia) y de
Almirante Jonas (Brasil). En su trama, los empleados de una boite, con aspi-
ración de artistas, tienen la posibilidad de trabajar en la radio. La primera
obra que mezcla varios ritmos es Canillita (1936, De la Tea y Roneima), donde
se escuchan tangos y música “moderna”, interpretadas por Sabina Olmos y
Amanda Ledesma, más la orquesta de jazz de Los Arizona Boys. Y en Palermo
(1937, Mom) un film policial hollywoodense, la buena actriz Aída Luz canta el
fox trox Amo a todas, junto al gato China de mis amores.
Tres anclados en París (1938, Romero) presenta dos lánguidas canciones bra-
sileñas por las hermanas Pagãs, que cantan en una fiesta de Año Nuevo. En el film
todo es apariencia, desde el falso millonario de Florencio Parravicini hasta los
“apaches”, españoles contratados para engañar a los turistas. Romero contribuye al
mito de la Ciudad Luz, ya que integró la lista de porteños que escribió para Gardel
y tiñó de romanticismo sus días allá, y enriquece así una trama de nobleza ante
la adversidad. En su otra película del año, la deliciosa La rubia del camino (1938),
el músico Francisco Lomuto aportó una Marcha del camino cantada por Paulina
Singerman y Fernando Borel, y una canción folclórica para Sabina Olmos.
Adios Buenos Aires (1938, L. Torres Ríos) es un ejemplo de película “entre
bastidores”, pues desfilan varios números interesantes como Ernesto Lecuona,

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 151


Esther Borja, la Orquesta Habana Casino, Bola de Nieve y Las Americanitas.
Cómica, límpida y vivaz, utilizó pasajes revisteriles.
Un melodrama que se transforma en comedia musical resultó Los apu-
ros de Claudina (1938, Coronatto Paz), con una mujer mayor, Olinda Bozán,
que frustra por error el noviazgo de su hermana menor (Sabina Olmos). Todos
cantan y bailan en una tienda femenina, gracias a la orquesta de jazz de René
Cospito. En la disparatada farsa Busco un marido para mi mujer (1938, Mom),
para heredar una fortuna, una chica debe casarse. Lo hace con un ladrón que
entra en su casa y que luego la ayudará a conseguir otro marido. La música es
de José Vázquez Vigo, con letra y recitado del poeta izquierdista Raúl González
Tuñón, por entonces cuñado de Mom.
En Gente bien (1939, Romero), un conjunto musical moderno ayuda a una
sirvientita, madre soltera, a superar un despido. Entre ellos figura la yanqui June
Marlowe y la jazz de Harold Mickey, que interpretan música en inglés, como ya
era frecuente en la radio. En Caminito de gloria (1939, Amadori) la gran Libertad
Lamarque interpreta a una novel cantante que triunfa inesperadamente, en este
melodrama con pérdida y recuperación de la vista, y un repertorio de canciones,
que incluyó, además de tangos, la canción brasileña A jardineira, la canzoneta
napolitana Santa Lucía y hasta el tema Primavera, de Mendelssohn.
Amor (1940, Bayón Herrera), por su parte, es una versión de la obra de
Oduvaldo Vianna, que habla de los celos obsesivos de una mujer (Pepita
Serrador) con respecto de su marido (Ernesto Raquén), que la termina enga-
ñando, empujado por esa tortura perenne. Aída Luz, como la rival, canta dos
temas melódicos y brinda oportunidades a los celos de la protagonista. El
ángel de trapo (1940, J. A. Ferreyra) es Elena Lucena, quien, adoptada por
un humilde director de orquesta es, en realidad la hija de un millonario. Se
trata de una comedia con canciones, de realización primitiva y recursos sen-
cillos. Y en La hora de las sorpresas (1941, Tinayre) desfilan Ernesto Lecuona
y su famosa Orquesta Lecuona Cuban Boys, más la grácil bailarina Rosita
Moreno, y Pedro Quartucci, que interpreta un número “a lo Chevalier”, con
varias alegres coristas.
El melodrama histórico Embrujo (1941, E. Susini) narra los amores de
Domitila de Castro y Pedro I, con el proceso de la independencia del Brasil
de fondo. Incluyó varias canciones y cuadros coreográficos afrocubanos, enca-
bezados por la bailarina María Ruanova. En la ficción de Melodías de América

152 CÉSAR MARANGHELLO


(1942, E. Morera) un cantor mexicano de boleros (José Mojica) se enamora en
Río de Janeiro de una argentina (Silvana Roth). Con ese tenue pretexto, des-
filan atracciones como Carmen Brown, Nelly Omar, June Marlowe, Bola de
Nieve, Ana María González y un largo etcétera. Y en Sinfonía argentina (1942,
Jacques Constant), un grupo de provincianos alquilan un teatro de la capital
y triunfan al montar una revista. Se trata de una cabalgata americana, filmada
por un francés, y con sabor cosmopolita. Los actores son los muy porteños
Fanny Navarro y Alberto Anchart y el santiagueño Manuel Gómez Carrillo.
Además, desfilan los folcloristas Buenaventura Luna y los Huachi Pampa y los
Hermanos Abalos.
En En el último piso (1942, Catrano Catrani), comedia con canciones, la
protagonista interpreta a la hija del encargado de un edificio que, avergonzada
de su condición social, aparenta ser la propietaria del piso más lujoso. La chica,
la futura diva Zully Moreno, entona canciones sobre su “agotadora” vida dia-
ria, junto a Thorry o Fernando Lamas. La farsa musical confirma un mundo
con divisiones sociales. En cambio, en La casta Susana (1944, Benito Perojo),
opereta de Jean Gilbert, la joven esposa de un oficial recibe el premio a la vir-
tud, pero en verdad tiene varios amantes. Mirtha Legrand, Thorry y los demás
respetan las convenciones sociales. La coreografia fue de Margarita Wallmann,
con Elsa Marval doblando a la protagonista en los cantables. En el final, hubo
un bullicioso can can para todo el elenco. Con La hosteria del caballito blanco
(1948, Perojo), el realizador español volvió a incursionar en el gran espectáculo.
La versión dio preferencia a bailes, canciones y la música de Müller y Benatzky.
Además, la coreografía tirolesa de Margarita Wallmann y hasta un ballet acuá-
tico. Pero resultó un fiasco, con su falta de toda identidad nacional. En El ídolo
del tango (1949, Ber Ciani) además del protagonista tanguero, aparecieron
Héctor Lomuto y su jazz, con la lady-crooner Elba de Castro, interpretando el
son ¡Ay...,qué difícil es! y Oscar Alemán en Improvisaciones sobre bugui, donde
canta y zapatea incansablemente. En la simpática comedia ¡Vuelva el primero!
(1952, K. Land), sobre una obra húngara, la cobradora Analía Gadé persigue
incansablemente a Angel Magaña, campeón de los morosos. En un descanso
en una boite, aparecen La Mejicanita [Maruja Soler] y sus Chinacos, y entonan
con buenas voces el clásico azteca ¡Qué te parece Cholito!
Así, la coyuntura de la Segunda Guerra Mundial favoreció la consolida-
ción de un cine industrial. Las décadas del treinta, cuarenta y cincuenta serán

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 153


consideradas la “época de oro” del cine latinoamericano. El público acudía a las
salas a ver a sus artistas, a cantar sus canciones y a comprar sus discos, mientras
la industria cinematográfica también recaudaba pingües ganancias.

La música española, el cine folclórico y el fenómeno ye-ye

La Guerra Civil Española (1936-1939) motivó exilios políticos o personales muy


dolorosos. Y si México acogió a la mayor parte de los emigrantes, unos cuantos
llegaron también a Buenos Aires. Aquí se radicó el gran cantante folclórico
Angelillo, que triunfó en teatro, confiterías y la radio. También protagonizó
dos películas. La canción que tu cantabas (1939, M. Mileo) lo traslada al campo
argentino, donde él y los suyos se relacionan con una institutriz y su tío, ha-
bitantes de otra estancia cercana. Se trata de un trenzado criollo-andaluz, con
repertorio hispano-argentino y guión de Carlos Arniches. La siguiente, Mi cielo
de Andalucía (1942, Ricardo Urgoiti) es más esperable: un repertorio de cancio-
nes a cargo del gran cantante, más elenco totalmente español, como pretexto
para hacer escuchar a un cantaor muy famoso en ese momento histórico.
Un año después, la diva cómica Niní Marshall será Carmen (1943,
Amadori), pero de apellido Rodríguez, costurera en la sastrería teatral que
atiende en el centro. Recibe un traumatismo de cráneo y la fantasia onírica
la trasladará a Triana, entre guardias civiles, toreros y contrabandistas, bajo
el influjo de la musica de Bizet. Hay además una critica a “la españolada”,
llevando hasta extremos graciosos lo pintoresco y referencias a la actualidad
de la Guerra Mundial.
La dama duende (1945, Saslavsky) adaptación de la comedia de Calderón de
la Barca, fue identificada como “película de exiliados”. La viuda Doña Ángela
(Delia Garcés) se propone conquistar a Don Manuel (Alvarez Diosdado), bur-
lando la vigilancia que sobre ella ejercen sus hermanos varones. Para ello, traza
un ingenioso plan que le permite comunicarse con su amado, adoptando la
apariencia de un duende. El cantar popular está casi omnipresente, porque la
historia tiene como marco los festejos en honor del santo patrono. Las segui-
dillas que canta la enamorada o las que entonan las lavanderas, la comedianta o
las mujeres del pueblo, recuerdan coplas populares. Julián Bautista acompaña
con ritmos hispánicos un texto encantador. José María Conget afirmaba que

154 CÉSAR MARANGHELLO


– quizá detrás del entusiasmo y la vitalidad que transpira la película, se camufla
la ilusión de una pronta vuelta a la patria.
Chiruca (1946, Perojo) trata de compatiblilizar el clima y paisajes españoles
de la trama con los intérpretes argentinos. Incluye bailes regionales y música
del hispanista Guillermo Cases. De todas formas, el resultado es una Galicia
poco creíble, pese a los esfuerzos de Catalina Bárcena.
La primorosa cantante y actriz Imperio Argentina debutó en el cine local
con dos “españoladas”. La primera fue La maja de los cantares (1946, Perojo),
donde la gran cantante interpreta siete temas, y la secundan la bailaora
Carmelita Vázquez, la pareja de baile Laberinto y Terremoto, los guitarristas
Esteban de San Lucar y el Niño Posadas, más el ballet de Gema Castillo. Hay
hermosas canciones, atractivos cuadros coreográficos y logrado ambiente
andaluz. Es la mejor película de Perojo realizada fuera de España. Le sigue el
melodrama La copla de la Dolores (1947, Perojo), con música de Tomás Bretón,
que relata la desdichada vida de una mujer que arrastra muerte y odio tras de
sí. La acompañaron varios actores hispanos y el público de estreno aplaudió
con entusiasmo en distintos pasajes y pidió que se repitieran algunas cancio-
nes. Película, director y estrella españoles, a propósito del auge de la música
hispana en la Argentina de mediados de los cuarenta. La última fue Café can-
tante (1951, Antonio Momplet) donde la acompañó el ballet de los hermanos
Pericet. En un tablado andaluz, La Petenera pierde a su novio, asesinado la
noche de bodas. No será el único. Se trató del film más crepuscular de la estre-
lla hispano-argentina.
Otra película seudohispana fue Madre Alegría (1950, Ricardo Núñez). El
tema es el de la niña abandonada que cría la superiora de un convento (Amalia
Sánchez Ariño). Incluyó una canción de Cases por Norma Giménez, dos temas
folclóricos de los hermanos Abalos y una pieza musical por el gran pianista de
jazz Enrique ‘Mono’ Villegas, más bailes folclóricos y títeres.
La doctora Castañuelas (1950, M. Barth) fue un vehículo para otra folcló-
rica, María Antinea, de buen suceso por entonces. Es una paleontóloga que, de
noche, se dedica al canto y al baile, bajo el apodo de La Romerito, para costear
su carrera científica. La actriz canta y baila tango, guaracha, mambo, bolero y
bulerías. Y en el final rivaliza con los más hábiles malambistas, en animado cua-
dro campero. La siguiente, Me casé con una estrella (1951, Amadori), narra las
vicisitudes de un falsa pareja matrimonial, en el ambiente del teatro musical.

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 155


Recurrió a chistes y buenos gags para Sandrini y los mejores temas para la estu-
penda Conchita Piquer (A la lima y al limón, La Parrala, Lola Puñales, etc.) que
dieron por resultado un gran éxito comercial.
El célebre Miguel de Molina actuó en Esta es mi vida (1952, Viñoly Barreto).
En la ficción, ante la muerte de su madre, un famoso bailarín se retira del
mundo del espectáculo y pierde toda su fortuna en el juego. Para el Heraldo
del Cine, fue el mejor espectáculo musical filmado hasta entonces en estudios
argentinos. Se montaron una serie de cuadros que se distinguieron por su
riqueza visual y buen gusto; y que siguieron el modelo del musical de backstage.
Con efectos visuales de Alberto Etchebehere, desfilan Mi Rita bonita, La bien
pagá, La niña caracola, La hija de don Juan Alba, La danza de las blusas, Don
Triquitraque, Zorongo gitano y Catalina. Cinco años después, Molina se despi-
dió del cine con la poco inspirada Luces de candilejas (1956, Carreras), donde
interpreta el tema Dos cruces, en Ferraniacolor.
Dringue, Castrito y la lámpara de Aladino (1954, M. Barth) es una fantasia
musical que tiene a los cómicos revisteriles Carlos Castro y Dringue Farias al
frente de un disloque cómico. Entre las atracciones, la gran Carmen Amaya y su
Ballet de Arte Gitano (en un número de diez minutos que exigía el Technicolor)
más Eduardo Armani y su conjunto de jazz, con Carmen Torres.
Otra estrella del canto español, en este caso argentina, se venía luciendo en
confiterías, teatros y radios desde comienzos de la década de 1940. Se trataba
de Lolita Torres, muy popular y dueña de una voz de extraordinarios matices.
A los 14 años tuvo una breve actuación en La danza de la fortuna (1944, B.
Herrera) pero fue Enrique Carreras, a principios de los cincuenta, el impulsor
de su carrera. Bajo su tutela de productor protagonizó Ritmo, sal, y pimienta
(1951, C. Torres Ríos) como la hija del dueño de un colmado, que se opone a
que su hija sea cantante. Ella interpreta Martirio de amor, Jotica mía, Cantando
soy española, Las mozas de Vilarino, Castillito de arena, Sevilla, tierra de amores,
Bendita mi raza, Dulce Cataluña y Valencia mía. Dueña de una chispeante ino-
cencia, luego actuó en El mucamo de la niña (1951, Juan Sires y Carreras), donde
el cómico Alfredo Barbieri se desempeña como mucamo en casa de unos millo-
narios, para cuidar a la hija caprichosa, en el que significó su primer personaje
antipatico. Allí canta Oye mi voz, Los siete peñascos, Si vas a Calatayud, De
rompe y rasga, Torito bravo, Zurra que zurra y Gitano turista. Mientras tanto,

156 CÉSAR MARANGHELLO


Barbieri interpreta, a través de la fonomímica, Tu eres mi chiche, La historia de
Pedrito, Rey de los bateristas y Cualquier cosa.
A mediados de los años de 1950, ya independizada de la productora General
Belgrano, la figura de Lolita se mostrará en pleno auge, gracias al apoyo de
Argentina Sono Film, que decide presentarla como “una chica moderna”, gene-
ralmente estudiante o empleada de comercio. Su nuevo personaje se presenta
en la graciosa La mejor del colegio (1953, Julio Saraceni), que enhebra equívocos
en un internado de señoritas, donde los profesores deben ser casados y los que
no lo son, simulan serlo. Allí canta Ay mi Alhambra, Isla de Mallorca, Dile que
vengo por tí, Marcha del colegio, Fox de las chicas del colegio y Vidala serrana
(de Gomez Carrillo). La estrellita, vestida y peinada “a lo Gina Lollobrigida”,
aparece por primera vez en la ficción en una pantalla televisiva.
La siguiente, La edad del amor (1954, Saraceni), la hace famosa también en
la URSS. La boda de una cupletista y un rico heredero queda frustrada, al inter-
venir el padre de él. Veinte años después, los hijos de aquellos, sin conocer la
historia, se enamoran. El film revive el pintoresco ambiente teatral del género
chico español. Lolita canta el célebre No me mires más, Coimbra divina, Los
cuatro pañuelos, Mala entraña, Chulona y Charra de Salamanca.
En la entretenida Más pobre que una laucha (1955, Saraceni), sobre origi-
nal de Fodor, una muchacha humilde se enamora de un industrial millonario
(Jorge Rigaud), del que es su secretaria. Simpática e ingenua, la Torres inter-
preta Danza de las lauchas, Danza de las cimitarras, más Caminito; Baila con-
migo, Calle del mar y ¡A París! Más simple pero también graciosa es Un novio
para Laura (1955, Saraceni), donde es una de las hijas casaderas de un matri-
monio burgués y disparatado. El tema “rosa” es un buen pretexto para que Lola
cante canciones como Valencia de mis amores, La tierrina, Del bravo Aragon,
¡Ay Chula!, Desperta meu amor y la zamba Caminito soleado. El último rollo fue
filmado en brillante Ferraniacolor.
Para su debut en el cine argentino con Requiebro (1955) y en su momento
de máxima popularidad, la bellísima y simpática Carmen Sevilla consiguió a
Carlos Schlieper como su director. No fue en vano la elección, ya que el astuto
realizador la rodeo de buen elenco, de grandes colaboradores y de los coreógra-
fos Vassili Lambrinos e Irma Villamil para sus cuadros. Estos fueron Requiebro,
Castillito de arena, Carmen de España y Coplas de la Giralda. Como el musi-
cal también sintió la influencia de las nuevas tendencias, que exigieron una

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 157


actualización temática, la siguiente coproducción con la Sevilla fue Buscando
a Mónica (1962, José M. Forqué) Como en Rashomon, un hombre redescubre a
su esposa por medio de los relatos de tres de sus ex parejas, en un lejano pue-
blo bonaerense. Carmen canta Todo es nuevo, hay un duelo criollo y se asiste a
la degradación moral de los personajes. Le siguen flashbacks y alguna canción
más de su por entonces marido Augusto Algueró. Hubo dignidad artesanal en
Forqué, un dramatismo nuevo en la cara de la actriz y buenas actuaciones de
los intérpretes argentinos.

Las comedias y las parodias

Después de la Segunda Guerra Mundial, Hollywood dominó otra vez los estre-
nos en pantalla, por lo que decayeron los cines locales, y a la vez, se inició la in-
vasión y el monopolio del disco norteamericano. Un golpe doble, que silenció
voces y bailes latinos. Desde el primer momento, el musical había desarrollado
una tendencia a inmiscuirse, sobre todo, en la comedia. Debido al tono festivo
que se desprendía de ese universo de canciones y bailes, el acople se demostró
apropiado y sencillo. Lo mismo puede considerarse con la parodia. En ese caso,
el campo se reduce y debe existir un precedente con afinidades temáticas sobre
las que aplicar las ganas de reírse de algo o de alguien. En ese caso, el registro
podía desplazarse hasta la estética kitsch.
El primer astro internacional de nuestro cine fue Luis Sandrini. Y entre
sus primeras actuaciones memorables se encuentra El cañonero de Giles (1937,
Romero) donde todo el elenco termina entonando La Marcha del Football,
letra de Romero. Otro de sus grandes éxitos populares fue Bartolo tenía una
flauta (1939, A. Botta), donde un flautista es engañado por una millonaria, le
plagian un tema, gana un juicio y se vuelve millonario. Peluqueria de señoras
(1941, Bayón Herrera) es otro gracioso vehículo sobre un peluquero de damas
reconvertido en boxeador, con el apodo de “Tom Mix”. Amanda Ledesma canta
una ranchera y Susy del Carril, una rumba.
La talentosa Olinda Bozán también pudo lucirse en la primera década
sonora, e incluso después. Apareció en Idolos de la radio (1934, Morera), donde
se ejecuta el fox Bailando en el Alvear, con Don Dean y sus Estudiantes de
Hollywood, más Ana May; el Jazz vocal de Ken Hamilton; Los Bohemios y

158 CÉSAR MARANGHELLO


Mario Pugliese, Cariño; el Trio Gedeón (cantan Una furtiva lágrima y El mani-
cero) y Olinda que aulla un trozo de opera y una romanza. En El caballo del
pueblo (1935, Romero), un entretenimiento cómico-policial, la Bozán baila gra-
ciosa y presuntuosamente con su joven pareja, Pedro Quartucci, para darles
celos a las damas presentes. En Radio bar (1936, Romero) Olinda canta a dúo
con Marcos Caplán varios tangos en ritmo de “ópera tanguera”, con gorgori-
tos y todo. En Así es el tango (1937, Morera) además de Eduardo Armani y su
jazz, Lely Morel y el Cuarteto Vocal Ferri, hay situaciones caricaturescas entre
la Bozán y Tita Merello, canciones y enredos matrimoniales. Olinda, carac-
terizada con peluca y vestido corto cual Shirley Temple, baila con el moreno
Calderilla. Utiliza la técnica del claqué (tap dance), onomatopeya del ruido que
producen las chapas metálicas de los zapatos sobre los escalones de una esca-
lera. Villa Discordia (1938, Mom) es una comedia provinciana donde la Bozán
comparte protagonismo con el cómico Paquito Busto; allí encarnan a una
pareja “a lo Romeo y Julieta”. Olinda, otra vez, la emprende con fragmentos de
ópera, a los que destroza con placer, frente al disgusto de los pajueranos espec-
tadores. En La danza de la fortuna (1944, B. Herrera) es una nueva rica que se
casa con su mucamo, Luis Sandrini, in articulo mortis. Pero no muere y sufre
los despilfarros de su joven esposo. Divertida y alocada, Olinda canta frenéti-
camente Paresito Faraón. Luego llegó Intermezzo criminal (1953, Moglia Barth)
una farsa musical sobre un crimen cometido en un teatro de variedades, donde
cada uno sospecha de los demás. Olinda parodia a una cantante de ópera desa-
finada, y Pablo Palitos a un gimnasta alemán. Entre las atracciones musicales,
La Mejicanita, Rubito Larramendia y su conjunto, La Marimba Cuzcatlán y el
ballet de Victoria Garabato.
Si la estupenda cómica Niní Marshall, como Catita, ya en Casamiento en
Buenos Aires (1940, Romero) destroza el tango Mano a mano, al que canta
horrorosamente mal, repite la destrucción en Luna de miel en Río (ibid.) ahora
con una canción brasileña. Renueva los gorgoritos en Yo quiero ser bataclana
(1941, Romero) con una marcha en un tren, un vals en el escenario y el tango
El vino triste, en una fiesta de pitucos. Además, una parodia inolvidable de la
coreografía de La muerte del cisne que, en este caso, se niega a morir.
Como Cándida, la mucama ya casada en Los celos de Candida (1940, B.
Herrera) será la dueña de una pensión de artistas. Canta, además, una particu-
lar versión acelerada del vals criollo Palomita blanca. En Orquesta de señoritas

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 159


(1941, Amadori) interpreta a “Niní”, un tercer personaje estable. En este caso,
dirige una orquesta de chicas en una confitería céntrica. Entre otros temas,
ejecutan Yo te lo arreglo todo. Además, como alter ego, presenta a la cantante de
ópera Giovannina Rigadiera, encargada de castigar a Francisco Alvarez, un tío
hipócrita del campo.
En 1946, luego de otros films, Marshall y Amadori presentan Mosquita
muerta, adaptación de la opereta Mam’zelle Nitouche, donde encarna a una cole-
giala mentirosa que, en París, llega a actuar como vedette en una revista, pese a
su aparente inocencia. El error persistió en Una mujer sin cabeza (1947, Amadori)
ubicada en una dudosa región centroeuropea, con un clima de terror cómico, y
donde solo se destacó un Baile de las solteras en un campamento gitano.
En Navidad de los pobres (1947, Romero) vuelve a ser Catita y, como ven-
dedora de tienda, baila en un festival un paródico vals Manubrio azul con Lalo
Maura. En Porteña de corazón (1948, Romero) como telefonista de una clínica,
Catita canta el bolero La última noche, peinada – a lo Veronica Lake –, entre
dos admiradores azorados. Y en Mujeres que bailan (1949, Romero) mientras
la bonita Fanny Navarro, su compañera, sufre acoso laboral en los ensayos de
Silfides, Catita prepara un ballet ruso. Cuando ambas terminan en un colmado,
Niní critica en voz alta la calidad de la cantante que entona el tema Tani, y las
despiden sin contemplaciones.
El gran cómico radial Pepe Iglesias consiguió hacer reír limpiamente y con
recursos nobles, casi siempre a cara descubierta, y sin hacer uso excesivo de
sus dotes vocales. Luego de sus humildes primeros títulos (Dos amigos y un
amor, Veinticuatro horas en libertad, Llegó la niña Ramona) pasó a las – ligas
mayores – con Mi novia es un fantasma (1944. F. Mugica) donde baila un alo-
caldo boogie-woogie con Mirtha Legrand como una humilde mucamita. Una
noche en el Ta-Ba-Rin (1949, Amadori) es otro vehículo para el histrionismo
del cómico. Trabaja en la boite del título, ruidoso lugar en el que confluyen los
otros personajes. El film funciona mezclando las rutinas de Iglesias (un partido
de fútbol relatado por un cantaor flamenco) con congas por Blanquita Amaro,
más sambas por Elena Lucena. Está basada en una opereta de Carlo Lombardo
y presenta el gran ballet de Victoria Garabato. El Zorro pierde el pelo (1950,
Lugones) fue otra comedia rutinaria pero efectiva. Hubo pleno lucimiento del
astro con su bagaje de muecas, silbidos, ruidos e imitaciones. En Como yo no
hay dos (1952, K. Land) el movedizo Pepe se finge influyente en el medio radial,

160 CÉSAR MARANGHELLO


para sacar provecho con sus – recomendaciones. Aparte de la graciosa canción
¡Ay, Esmeralda!, donde Iglesias remeda todas las voces, debuta el muy popular
Waldyr Azevedo con sus Cavaquinhos, que interpretan el choro Brasileirinho y
el baion Delicado.
Los Cinco Grandes del Buen Humor (Rafael Carret, Jorge Luz, Zelmar
Gueñol, Guillermo Rico y Juan Carlos Cambón) también tuvieron anteceden-
tes radiales, en este caso con La Cruzada del Buen Humor, ya desde 1943. En
Cuidado con las imitaciones (1949, B. Herrera) un productor norteamericano
llega en busca de figuras consagradas para reunirlas en un film. Un grupo de
imitadores sustituye a las estrellas, tratando de engañarlo. Finalmente consi-
guen un contrato, pero para una película nacional. Además de los futuros Cinco
Grandes, integraban el conjunto Silvia Randall, Irma del Monte, Ana María
Roig, Julio Vial y Arístides Soler. Se parodiaba entre otros a Berta Singerman, a
López Lagar, Negrete, Castillo, Harpo Marx, la Cándida de Marshall, Lamarque
y Sandrini. Además del debut de Blanquita Amaro, desfilan varios números
musicales: Mai Guarida, Cocuna, Vieni sul mar, La luna enamora’, más dos
rumbas para la cubana.
En Cinco grandes y una chica (1950, A. C. Vatteone), cinco integrantes
de un equipo de futbol descubren un caso de soborno. Hay pocas cancio-
nes, y demuestran las que serán constantes de todos sus títulos: realización
apresurada, asunto inconsistente y buenas imitaciones (Rico como Azucena
Maizani y Gueñol como Groucho Marx). En Cinco locos en la pista (1950,
Vatteone) los acompaña el volante Clemar Bucci. Los muchachos se preocu-
pan por el robo de un carburador que les impide intervenir en una carrera de
autos. El tema aprovecha el boom del deporte por los triunfos de Juan Manuel
Fangio. En Fantasmas asustados (1951, Rinaldi) una muchacha que vive en
una mansión embrujada tratará, junto con cinco amigos, de desenmascarar a
unos ladrones. Los Grandes en clave terrorífica y algunos buenos chistes sal-
van la plata. Luego llegó Vigilantes y ladrones (1952, Rinaldi) donde los Cinco
van tras la búsqueda de un tesoro en el subsuelo de un hotel. Amalia Sanchez
Ariño funciona como abuela protectora, y entre las canciones, Me deixa en
paz, Antes en el 900 y Potpurrí. La patrulla chiflada (1952, Rinaldi) transcurre
en Casablanca, donde cinco amigos desenmascaran a una banda de tratantes
de blancas. Es una de sus mejores películas, bien dirigida, con buenos gags
y hasta medanos adonde llevar un camello a cuestas. Hay un divertido baile

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 161


apache por Carret, una imitación de Chevalier por Gueñol, disfraces para
Luz y una canción por Guillermo Rico. Les sigue Trompada 45 (1953, Fleider)
donde, en su propósito de llegar a Hollywood, los muchachos aterrizan de
emergencia en Arizona. Despareja parodia de western, junta a espías con pla-
nes atómicos. Rico y Luz se visten de mujer, Oscar Anderle canta Vamos em
bora, los Cinco Banana nao tem caroco, una canción del oeste con Maruja
Montes y otra rusa para Carret.
En Desalmados en pena (1954, Fleider), en una estancia misteriosa se ela-
bora una droga resurrectiva. La cubana Eva Flores canta un tema, y Luz y Carret
se disfrazan de bailarines de flamenco. Es la última película de Juan Carlos
Cambón, que fallece prematuramente.
Veraneo en Mar del Plata (1954, Saraceni) transcurre durante el festival de
cine de ese año. Los cuatro muchachos, más su representante (Ramón Garay)
intentan ser contratados para filmar una película en México. Desfilan varias
canciones (Canario triste, Corrido a palos, Y no pudo ser...) y parodias de Carmen
Miranda (Carret), la mujer de un líder mexicano y una maestra italiana (Luz),
Groucho Marx (Gueñol), más Aureliano Chancleta y Victor Mature (Rico). En
Los peores del barrio (1955, Saraceni), una vecina le insiste a su marido para
que desaloje a los cuatro integrantes de un molesto club de barrio. Se asiste a
una maratón, un partido de básquet, un match de box, una representación de
Cyrano y una persecución. Hay dobles personajes para cada uno de los cuatro
(ellos y sus padres). Rico canta un vals de Gutiérrez del Barrio. Después de dos
películas más, cada uno siguió una carrera solista.

El travestismo y las confusiones sexuales

Los equívocos y las confusiones sexuales forman parte de cierto tipo de come-
dia. El cine alemán de los treinta sentó cátedra para que el musical, en una línea
jovial y cómica, abordase además los enredos sexuales y el desorden de iden-
tidades. Films en los que el transgénero forma parte importante del metraje, y
donde el travestido se limita a fijar el aspecto estético como foco del desorden.
El género musical abre una puerta a la emancipación mediante la fantasía y,
siguiendo las reflexiones de Rick Altman (2000), permite en su simplificación
como película de género, otorgar  un valor simbólico de manera sistematica.

162 CÉSAR MARANGHELLO


Así, ponerse una peluca, pintarse y calzarse plataformas, también puede ser
un acto aguerrido. Una dimensión donde tiene cabida la ambigüedad. Y si la
música es diversión y una ensoñación de mundos posibles, hubo que respetar
la actividad transformista de tantos intérpretes talentosos.
En La estancia del gaucho Cruz (1938, Torres Ríos), por una apuesta, una
actriz (Rosa Rosen) se disfraza de varón, para conquistar a un estanciero que
odia a las mujeres (José Gola). Pero no llega a tocar el tema de la ambigüe-
dad sexual y está filmada en clave de comedia poco sofisticada. En La casa de
los millones (1942, B. Herrera), Fulgencia (la Bozán), una millonaria mal-hu-
morada, es encerrada en un manicomio por sus parientes, para apoderarse de
su fortuna. Pero uno de sus sirvientes, Fortunato Rico (Sandrini) la salvará.
Muy divertida, con el travestismo del cómico como una coqueta mucama – de
adentro. Luisito (1943, Amadori) es otra comedia de confusión de identidades.
La talentosa Paulina Singerman intenta convertirse en su hermano menor, y
logra inquietar a Santiago Arrieta, su empleador, que no entiende qué le pasa
con ese joven secretario... Paulina entona, junto al público del club nocturno
donde actúa, el tema Luisito, creación de Mario Maurano. El film es muy ele-
gante en sus enredos sexuales.
El barco sale a las 10 (1948, F. Mugica) tiene una idea excelente pero des-
aprovechada: qué pasaría con un barco que nunca zarpáse de puerto. Pepe
Iglesias brinda la actuación más feliz de su carrera hasta entonces, pues tiene
margen para lucir sus extraordinarias dotes de transformista, con esa dama
antigua que se une a María E. Buschiazzo y a Angelina Pagano para reeditar
– Arsénico y encaje antiguo. En Vidalita (1949, Saslavsky), hacia 1830, y para
no irritar a su abuelo (Ibáñez Menta), que deseaba un nieto varón, una joven
(Mirtha Legrand) se viste y comporta como un gauchito melifluo, para incomo-
didad del militar Fernando Lamas, que siente – una atracción – por aquél. El
enfoque del director encierra una sutil ironía. Y en La culpa la tuvo el otro (1950,
Demare), un doble de cine vivirá una aventura policial, cuando asesinen al mal-
vado actor al que sustituye. Sandrini encarna brevemente a una severa tia del
actor asesinado, con sombrero con velo y pluma, más elegantes guantes largos.
Dentro del grupo de Los Cinco Grandes del Buen Humor, Jorge Luz fue
el que jugó los más audaces roles femeninos. Así, estuvo zafado en la imita-
ción de la bailarina española Carmen Amaya, ‘la Emperatriz del Cañi’, acom-
pañada por el gracioso Juan Carlos Cambón como su aya, La Candelaria, en

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 163


Locuras, tiros y mambo (1951, Fleider). Y en Trompada 45 (1953, Fleider) encarna
a la Marlene Dietrich de Ranch Notorius, con aigrettes y medias de red. En
Vigilantes y ladrones (1952, Rinaldi) una abuela busca a cuatro nietos, uno de
ellos una mujer, que, por una vez, encarna Rafael Carret en lugar de Luz, y es
también muy efectivo en su travestismo.
Otra cantante y actriz que arriesga la confusión sexual es Lolita Torres.
Así, en La niña de fuego (1952, C. Torres Ríos) encarna a una polizonte anda-
luza en viaje a Buenos Aires, y que finge ser hombrecito, para confusión del
galán Ricardo Passano. Como es esperable, termina enamorándose y transfor-
mándose en una gran cantante. Entona canciones hispanas – La niña de fuego,
Jerezana, Oración flamenca, Los areneros, Mi riojanica, Puerto de mi ilusión,
¡Viva Galicia! – y la guaraña Anahí. Años después, en Amor a primera vista
(1956, Fleider) Lola regresa al mismo truco, debido a que está casada por poder
con un cantante de boleros, pero él cree que ella es otra mujer. Para retenerlo,
se disfraza como un secretario muy afeminado. Interpreta además Amor a
primera vista, Aló, aló, Mi marido, mi maridito, Soy feliz, La maja del Rumbo,
España de risa y de llanto.
En 1953 se estrena la parodia La tía de Carlitos, de Carreras, sobre la obra
de Brandon Thomas, en adaptación musical para el juvenil Alfredo Barbieri.
Para proteger los noviazgos de dos amigos, un estudiante se hace pasar por su
madura tía, pero su gestión se complica cuando un par de formales caballeros
(Mario Baroffio y Max Citelli) se enamoran de la – dama. Barbieri acomete con
excelencia varios cuadros de fonomímica (La donna e mobile, La verbena de la
paloma, Danubio azul, La paloma, Que se vayan a Arabia, Boogie etc.).
En Detective (1954, Schlieper), el astro cómico Pablo Palitos, luego de
tres temporadas teatrales, tenía totalmente afiatados a los personajes que
desfilaban en la pantalla: un barón alemán, un brasileño, un francés, un espan-
tapájaros y una sonriente y madura carioca. Toda la comicidad emana de sus
caricaturas, en un vodevil cuyo relato ágil y desenvuelto la hacen muy grata.

Entre los treinta y los cincuenta, los divos cantaron y bailaron

La simpática puertorriqueña Mapy Cortés actuó en dos oportunidades en


Buenos Aires; en Un tipo de suerte (1938, Calderón de la Barca) como una

164 CÉSAR MARANGHELLO


frívola rumbera que podía cuidar a un bebé o interpretar una ‘danza del vientre’
en una boite; y en Al marido hay que seguirlo (1948, Vatteone) como la pizpireta
esposa de un médico (Quartucci) a quien sigue a la estancia de un misógino
millonario. Allí canta y baila en un extenso cuadro que mezcla la rumba con los
bailes folclóricos y hasta con un malambo.
Una figura interesante en sus desdoblamientos fue la bonita y juvenil Mirtha
Legrand. En Lumiton se despacha con un boogie-woogie en Mi novia es un fan-
tasma (1944, Mugica) con el cómico Pepe Iglesias como pareja. El mismo año,
en Pampa, encarna a La casta Susana, de Perojo, donde es doblada por Elsa
Marval y baila fragmentos de un can can marcado por Margarita Wallmann. En
Cinco besos (1946, Saslavsky) rivaliza por el millonario Roberto Escalada, con
una desatada (y falsa) vedette brasileña, Elena Lucena. Hay amorios en un tea-
tro, peleas entre ellas, tiradas de pelos y escándalos que incluyen explosiones
en escena y la canción homónima. En la comedia El retrato (1947, Schlieper)
Legrand interpreta dos papeles: el de la abuela de una joven cuyo esposo
quiere divorciarse, que desciende del retrato para reemplazarla, y a la nieta que
espera que su antecesora vuelva al cuadro. Lupe Cortez la dobla en “Me gusta
el samba”, que también tiene coreografía de Wallmann. En la policial Pasaporte
a Río (1948, Tinayre) canta dos boleros con voz pastosa y grave, obviamente
doblada. En La doctora quiere tangos (1949, Zavalía) susurra el son Oscurito,
con su propia voz y junto a Mariano Mores. En el segundo episodio de El amor
nunca muere (1955, Amadori) se relata el romance entre una planchadora y un
marinero que, contratados, simulan ser millonarios. Legrand canta y baila La
Tonkinoise, mientras enamora a un juvenil Alfredo Alcón.
La bella Alicia Barrié entona, con voz sugestiva, el bolero No me olvidarás,
de Misraki y Molar, en la boite donde Arturo de Córdova y Elisa Galvé cum-
plen su función de ilusionistas. Todo ocurre en Fascinación (1949, Schlieper),
con París como trasfondo. Amelia Bence canta en dos películas; en La otra
y yo (1949, Momplet) donde interpreta a una diva caprichosa y a su sosías,
una humilde costurera, y canta Pena mulata y Ay, Mama Inés, dobladas por
Mercedes Simone. Luego, en Mi mujer está loca (1952, Cahen Salaberry) repite
el truco, ahora con la cantante Aida Denis en el doblaje, con dos números fini-
seculares de otra diva, ésta amigable y divertida.
La comedia musical El otro yo de Marcela un gran éxito teatral, fue trasla-
dada al cine en 1950, por el mismo equipo, excepto el galán (Alberto Closas en

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 165


lugar de Mores). Pero los números músicales no fueron todo lo brillantes que
prometían y los cuadros coreográficos enlentecieron la acción. Delia Garcés
está sobreactuada como frívola cocotte, pero Diana Maggi y Leonor Rinaldi
están estupendas. Dirigió Alberto de Zavalía y esta fue su última película. La
Garcés está muy atractiva, en cambio, en Andrea y el amor, la canción que
interpreta en Mi marido y mi novio (1955, Schlieper), con un ajustado traje de
pantalón corto y saco estrecho, y es definida por su novio (Luis Dávila) como
“una mezcla explosiva de Marlene Dietrich con Gina Lollobrigida”.
La hermosa Fanny Navarro canta, en la boite de Marihuana (1950,
Klimovsky), el bolero En el recuerdo, mientras que la bailarina clásica Cecilia
Ingenieros danza una macumba en los fumaderos. La seductora Maruja
Montes aparece en unas cuantas películas – revisteriles – o ubicadas en lugares
de entretenimiento. Asoma como La bien pagá en Esta es mi vida (1952, Viñoly
Barreto) personaje mudo que brinda una certera imagen de prostitución; en
Trompada 45 (1953, Fleider) es el objeto del afecto de Guillermo Rico, y canta
una canción del oeste en una carreta; en Vida nocturna (1955, Fleider) es la
musa inspiradora de un desfalco por parte de Luis Dávila, y baila una frenética
rumba; y en Bacará (1955, Land) es la ambiciosa amante del dueño de un garito,
e interpreta tres mambos.
El gran cantante de tangos Alberto Castillo también intentó variar su
repertorio, al menos en el cine. En La barra de la esquina (1950, Saraceni) cantó
una canzonetta en italiano; en Buenos Aires, mi tierra querida (1951, Saraceni)
entonó Bajo los puentes de París, en francés; y el pasodoble El beso y la can-
ción homónima en Por cuatro días locos (1953, Saraceni). Agregó el candombe
uruguayo En Buenos Aires y el pasodoble Ay, Dolores, en Ritmo, amor y picar-
día (1954, Carreras). El español Alberto Closas, aparte de cantar en El otro yo
de Marcela, repite su actuación como chansonnier en Vivir un instante (1951,
Demicheli), donde enamora a Tita Merello y a la húngara Zita Szeleczky; y en el
drama policial Ensayo final (1955, Lugones), donde conquista a Nelly Panizza y
a Elsa Miranda, las tres veces cantando en francés.
Mecha Ortiz, en Mi vida por la tuya (1951, R. Gavaldón) canta e intenta bai-
lar un candombe, doblada por Nelly Omar, con música de Gutiérrez del Barrio.
Y Christian Galvé, en Mujeres en sombra (1951, Catrani) canta en una boite el
Bolero de Misraki, doblada por una cantante ignota y de voz muy sugestiva.
Zully Moreno, en Cosas de mujer (1951, Schlieper) aparece como una eficiente

166 CÉSAR MARANGHELLO


abogada dedicada a los divorcios. Y en una fiesta, acompañada por su autor,
Pancho Flores del Campo, canturrea con gracia ¡Ay Josefa, Josefina! En La calle
del pecado (1954, Arancibia), doblada por Lucrecia Evans, canta dos boleros en
un cabaret.
Malisa Zini intenta el musical en La cueva de Alí Babá (1954, Lugones),
donde dos buscavidas que viven en un sótano alquilado, se alían con una
heredera, líder de una pandilla de ladrones. Ella le roba al administrador de
sus bienes, quien, a su vez, le roba a ella. El sótano es convertido en lugar de
baile nocturno, y la boite triunfa. Desfilan bailes orientales y cha-cha-chas,
para Gogó y Tono Andreu, Perla Cristal y Nélida Lobato. Los hermanos Jorge
y Gloria Citino interpretan junto a Malisa, en inglés, Hey, Good Looking, el
mejor cuadro del film.
La vedette francesa Xenia Monty debutó en Amor prohibido (1955,
Amadori), melodrama pasional sobre Tolstoi. Baila brevemente en un cabaret,
con vestuario sexy y rodeada de bailarines. Tiene después una escena de seduc-
ción con Jorge Mistral en una casa de campo. May Avril fue la otra popular
vedette francesa que hizo carrera en la Argentina. Debutó en Mi marido hoy
duerme en casa (1955, Carreras) junto a Leonor Rinaldi y Francisco Alvarez, en
una actuación desenvuelta y graciosa, además de cantar dos temas. La brasi-
leña Marlene, escasa en sex appeal, aparece muy graciosa en ¡Adiós, proble-
mas! (1955, Land) donde Enrique Muiño trata de seducirla para que abandone
a... su nieto. La vedette está muy desenvuelta como villana y se luce en sus
tres números musicales, uno junto a la cantante Yuyú Da Silva, En harapos. La
cubana Cuquita Carballo y la mexicana Josefina del Mar actuaron en El millo-
nario (1955, Rinaldi), donde el bufo Adolfo Stray es confundido con el ganador
del premio mayor de la lotería y comienza a repartir dinero prestado. Las dos
vedettes compartieron el escenario con una versión de Piel canela. Además,
colaboran el dúo brasileño Yacaré-Paguá y el trio Camagüey.

Boleros y boleristas

El bolero describe la sensibilidad femenina y el tango, la masculina. A ese fe-


nómeno lo ayuda la expansión masiva de las grandes urbes, así como el triunfo
en la radio, el disco y el cine, donde se reconocerán las nuevas clases urbanas,

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 167


sobre todo entre la población de las barriadas. Los boleristas representaron a
las clases populares que experimentaron la amargura de un desarrollo desigual,
y enfatizan la importancia de la esperanza y la pasión por una vida mejor, en un
ambiente de necesidades y precariedad social. Se trata de una especie de teatro
de la memoria popular, un espacio para las fantasías y los deseos colectivos.
Una música que desde la radio y el cine impuso una banda sonora a los dramas
barriobajeros. Rowe y Schelling (1991) aseguran que el bolero funciona como
modelo cultural transgresivo para los pobres.
En nuestro cine, el primer visitante fue Pedro Vargas, “el astro de la can-
ción” y como corresponde, llegó en barco desde Europa. En Cándida millo-
naria (1942, B. Herrera) el tenor mexicano canta en una fiesta a bordo ¡Ay,
caramba! seguido luego por Niní Marshall en La malagueña junto al trio mexi-
cano Los Rancheros. El cantante se mostró más “democrático” con las pobres
empleadas de Un pecado por mes (1949, Lugones), que simulan ser millonarias
para conquistar a dos candidatos tan humildes como ellas. Vargas les canta Un
poquito de tu amor, acompañado al piano por Pedro Agueros. Por último, en
la coproducción tripartita A La Habana me voy (1950, Bayón Herrera) Vargas
canta dos boleros cubanos, con verdadero spleen caribeño.
La segunda estrella del bolero que llegó a Buenos Aires fue Elvira Ríos;
dueña de una voz grave, profunda y dramática, que agregada a su fraseo y a su
exótico tipo físico, provocaron un enorme interés. De la mano de las compo-
siciones de Agustín Lara, alcanzó un éxito apoteósico. Luego de participar en
Tropic Holliday (1938) y La diligencia (Stagecoach, 1939), de John Ford, actuó
en la década de 1940 en dos films de Manuel Romero: Ven... mi corazón te
llama (1942) y El tango vuelve a París (1948). En la primera encarnó a la can-
tante Sombra Rey junto a Enrique Roldán. La mexicana interpreta sus éxitos
Desesperadamente, Acércate más y Flores negras, aconpañada por la orquesta de
Eduardo Armani. Llama la atención cómo fuma antes y durante su actuación.
En El tango vuelve a París (1948) la acompañan Alberto Castillo y Aníbal Troilo.
Obsesionado por una cantante mexicana, un médico argentino llega a París;
allí encuentra su verdadera vocación como cantante de tangos. La Ríos impre-
siona como una cruza entre María Félix y Katy Jurado. Entre los personajes de
ella y el de Castillo existe un deseo mutuo cristalizado. Ella es descripta como
una mujer independiente, condenada por su propia nobleza. Ademas, entona
magistralmente La barca de oro, Lágrimas de sangre y Perfidia.

168 CÉSAR MARANGHELLO


De los films de Carlos H. Christensen, Los pulpos  (1948) aborda amores
tortuosos y enfermizos, cuyos protagonistas, lamentablemente, hablan “en
bolero”, lo que los hace caer en la cursilería. Reiteradamente suena el bolero La
última noche (“La última noche que pasé contigo,/la llevo guardada como fiel
testigo/de aquellos momentos en que fuiste mía/y hoy quiero borrarla de mí
ser”). A la música la complementa el tango Uno de Mores y Discépolo. El bolero
sintetiza el sufrimiento de Horacio (Roberto Escalada). Mirta (Olga Zubarry)
que viaja desde una provincia a Buenos Aires, no es la inocente chica que él
suponía, sino una mujer vividora y dañina, de la que no podrá alejarse. “Hoy
quiero borrarla de mi ser” dirá la canción, pero ya será demasiado tarde para el
hombre, que muere solo y enfermo.
Hoy canto para ti (1950, K. Land) señaló el debut como protagonista de
Gregorio Barrios, un hispano-argentino de buena carrera en América latina
como cantor de boleros. Interpreta Granada, Final, Mi toledana, Llévame, Mi
deseo y Hoy canto para ti, entre otras. Es el único film en el que actúa Nélida
Roca, la “Venus de la calle Corrientes”, con su verdadero nombre, Nélida
Lanzillotta. Después, el cantante intervino en ¡Qué hermanita! (1951, Land)
donde interpretó a otro bolerista, acosado por una admiradora (Olga Zubarry)
que se hace pasar por su “hermanita de leche” provinciana y consigue sepa-
rarlo de una cubana temperamental. Hay seis boleros (Bésame mucho, Anahí,
Somos, El burrito orejón, etc.) dos rumbas por Amelita Vargas y bastante diver-
sión ingenua.
Mario Clavel, otro popular cantante y compositor – consagrado por Qué
será de mí o Quisiera ser – debutó en cine en la simpática Los Pérez García
(1950, Bolín y Don Napy) y allí entonó Mi carta en un picnic. Su debut como
protagonista fue en El ladrón canta boleros (1950, Cahen Salaberry) como un
cantor que, para triunfar, finge haber muerto repentinamente. Entonó clá-
sicos propios como Somos, Abrázame así o Qué será de mí, mientras que el
cómico Pablo Palitos interpretó Gimnasia musical, como un profesor alemán.
Por último, el célebre Leo Marini, rebautizado “La voz que acaricia” debutó
en nuestro cine en Mary tuvo la culpa (1950, C. Torres Ríos), donde estrenó
En la palma de la mano, Nosotros, Solamente una vez, Perfidia, Mi desolación,
Desde que te ví, Dulce aventura y otros. Luego llegó ¡Qué rico el mambo! (1952,
Lugones) donde una rumbera se enamora de un odontólogo que quiere cantar
boleros, pese a la oposición paterna. Una anécdota sobre espías sirve de nexo

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 169


a las canciones, los chistes y las coreografías. Amelita Vargas, con fogosidad,
interviene en canto y danza (El baile del pingüino, Qué rico..., Esto es felicidad,
Baiao vai, baiao vem, Hawai tropical swing, Mambo nº 10) y Marini canta el
vals Estrellita del sur y varios boleros (Una aventura más para tí, Loquito por ti,
Mejor será). Participan además los conjuntos Los Caballeros del Trópico y Os
emboadas. La puertorriqueña Elsa Miranda fue una bella actriz que también
cumplió carrera en  la Argentina. Talentosa vocalista, actuó en Captura reco-
mendada (1950, Don Napy) donde se lució como intérprete del bolero Tu sigues
tu camino; y en Ensayo final (1955, Lugones) donde cantó una canción en inglés
y un bolero en castellano, con muy buen estilo.

Las rumberas en la comedia argentina

Las llamadas – reinas del trópico – destacaron por su tipo latino, sus coreo-
grafías sensuales y su desafío a la moral imperante. La diferencia fundamental
con México: aquí el personaje encontró su lugar dentro de la comedia sofisti-
cada, con mucho personal de servicio y varios platos y floreros que volaban por
los aires, hacia la cabeza del hombre de la casa. Intérpretes indiscutidas de las
comedias con enredos de parejas, muchos movimientos de ojos y labios y tra-
mas sencillas. Los salones con inmensas escaleras y teléfonos blancos fueron
el terreno para su gracia y simpatía y los bamboleos de sus caderas. La cubana
Amelita Vargas – de breve carrera en Hollywood – participó en 23 películas
argentinas desde su debut en Con el diablo en el cuerpo (1947, Christensen).
Esta fue una comedia intrascendente sobre una muchacha que “pierde” a su
marido y sale a su búscarlo, junto a un misógino médico clínico. En Córdoba
aterrizan en lo de un anfitrión árabe, que tiene a Amelita como una de sus
hijas, Angora la cubana, que le canta a Thorry La ola marina. A partir de en-
tonces, pero en la vida real, enamoró sucesivamente a tres directores locales:
Demicheli, Lugones (5 películas) y Enrique Carreras (11 films), y pasó a la his-
toria como la Reina del Mambo.
En la farsa La secta del trébol (1948, Mario Soffici) acompaña a Pedro López
Lagar en una intrincada trama policial sobre diamantes robados y sectas chi-
nas, que resulta ser una pesadilla. Amelita interpreta tres temas: Palabra de
mujer, Así... así, y Tambor de Pérez Prado. Después forma un tándem con el

170 CÉSAR MARANGHELLO


gran comediante Enrique Serrano, empezando con Novio, marido y amante
(1948, Lugones), junto a Isidro Benítez y su orquesta cubana. Amelita es Violeta
Locatelli, rumbera que canta y baila Se acabó el jabón, El tumbaito y Cosquillas
en los pies. La Dirección de Espectáculos dipuso cortes en la escena en que ella,
bailando la rumba, se aproximaba a un detective privado... La serie continúa
con Un hombre solo no vale nada (1948, Lugones) donde es acompañada por el
Trío Cuba y su conjunto y el órgano de Charles Wilson. En esta amable come-
dia, Serrano es un tímido que se presta a la ficción de un matrimonio con la
cimbreante cubana, mentira que le valdrá progresear en su trabajo y hasta con-
seguir el amor de su falsa mujer. La bella tuvo un rol más periférico en Miguitas
en la cama (1949, Lugones), junto al Conjunto Cuba y la coreografía de Victoria
Garabato. Simpática comedia, cuenta la historia de un – viejo verde – al que
su hija insta a volver al hogar. Vargas es su amiga Kiki, que ensaya números
teatrales y habla poco. En Cuando besa mi marido (1950, Schlieper) con Ángel
Magaña, Malisa Zini y Thorry, una esposa encuentra la carta de amor de Sirena,
una bailarina cubana, en el impermeable de su esposo, con los consiguientes
malentendidos. Se trata de una buena farsa acerca de la típica guerra de los
sexos. En Arroz con leche (1950, Schlieper) se conserva en el elenco a Malisa,
Magaña y a Amelita como Cholita. Esta canta y baila dos números tropicales,
y aporta sex appeal. Las dos mujeres encarnan una agresividad sexual que no
era tan común en los viejos estudios. Se trata de una comedia de confusiones
que termina en el altar. La mujer del león (1951, Lugones), sobre un vodevil
francés, la presenta como una temperamental cantante cubana, que regentea
la boite La maraca rosa, regalo de su amante Héctor Calcaño. Este financista,
para poder visitarla todos los días a las 5 de la tarde, utiliza el nombre de su
humilde contador. El enredo se complica sin límites, e incluye chistes dirigidos
al público (Amelita le recrimina al magnate que engañe a su mujer y le explica a
la cámara – ¡Y pensar que todos los hombres son así, señora!.
En ¡Que rico el mambo! (1952, Lugones) Vargas interpreta el célebre tema
La múcura que no tiene desperdicio. Además, estrena un baión, el Mambo nº 8
y Que rico el mambo, aunque no tiene tanta suerte con los diálogos. En cambio
Leo Marini, su galán, canta boleros. En La mano que aprieta (1953, Carreras),
tres de sus parientes quieren que muera para heredarla, pero las cosas se com-
plican por intervención de un médico estrafalario, que resulta ser detective.
Hay números revisteriles para Amelita, no siempre justificados. Fue su primera

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 171


actuación junto a Alfredo Barbieri. Entre otros temas, interpreta Milonga tan-
gueada, Me voy para Nueva York y María Cristina.
En Los tres mosquiteros (1953, Carreras), un joven provinciano, junto a dos
amigos y una mucama, llegan a un teatro a cumplir tareas de mantenimiento,
pero terminan reemplazando a los artístas. Se trata de una parodia invadida
de números musicales (Cocktail para dos, El rinconcito, Los tres mosquiteros,
Marcha del caracol, Zazaricando, Un beso es un beso y Sigue el amor). En Romeo
y Julita (1954, Carreras), en cambio, hay un intercambio de parejas, entre un
marino, una rumbera y una pareja de novios, por culpa de un departamento
malvendido. Amelita entona canciones de Chile y Brasil (Noche de primavera,
Yo no creo en los hombres, Caña de azúcar, Brasil moreno, La última noche,
El compare José, Celos, El vaquero Smith, Yo vendo unos ojos negros, Mambo
americano, Bailemos, Miradita, Cachaca, Rio de Janeiro, El humahuaqueño).
Además, se escuchan temas por Leo Belico y se muestran danzas por el folclo-
rista Alberto Barceló y el ballet de Esmeralda Agoglia.
En Ritmo, amor y picardía (1954, Carreras), un cantor de tangos se con-
vierte en excelente marido, mientras que el hermano de la mujer, sigue una
vida de excesos, que les complica la existencia a todos. Castillo ofrece varios
temas, mientras Amelita y Barbieri aportan Vieja America, La bola, Rumba
rica y Besa, besa. El fantasma de la opereta (1955, Carreras) es una comedia
con intriga cómico-detectivesca de ambiente teatral, con monstruos inclui-
dos. Hay menor cantidad de números musicales, si bien son más extensos, y
se representan La gota y Foliés Bergere, con Amelita parodiando a Betty Boop.
Escuela de sirenas... y tiburones (1955, Carreras) ofrece equívocos, cancio-
nes e intrigas entre alumnos y profesores en un internado mixto. Es una his-
toria que aprovecha el momento de mayor popularidad de los protagonistas.
Además, la Vargas estrena un nuevo ritmo: El bacilón.
En Música, alegría y amor (1956, Carreras), un joven bohemio, que sueña
tener éxito como pintor, triunfa finalmente, pero como cantante. La acción
transcurre en el campo, lejos del mundanal ruido, y se ofrecen el cha cha cha
Tómale bien el compás, el candombe Qué te pasa, la cueca Gajito de cedrón, y
Nosotros los muchachos.
Su aparente rival por esos años fue Blanquita Amaro, querida y admirada
en el teatro, la radio, las boites y el cine argentinos. Participó en varias películas
locales, entre 1948 y 1954. La primera fue ¡Cuidado con las imitaciones! (1948,

172 CÉSAR MARANGHELLO


Bayón Herrrera) donde hay algunos momentos de autocrítica risueña al cine
nacional y Blanquita, flanqueada por el conjunto cubano de Abuelito, Amador
y Pedrito, ejecuta las guarachas-rumbas Azuquita con leche y Así, así. Le siguen
Una noche en el Ta-Ba-Rín (1949, Amadori), adaptación de la opereta de Carlo
Lombardo, protagonizada por Pepe Iglesias y Elena Lucena. Es una comedia
brillante en la que Amaro se lució en cuadros musicales y como actriz. En El
seductor (1950, B. Herrera), con Luis Sandrini, se la utiliza más como actriz
que como rumbera y hasta tiene un cuadro musical diferente de los que había
frecuentado. Reaparece en A La Habana me voy (1950, B. Herrera), una copro-
ducción que narró los enredos entre parejas y mostró un desfile de temas musi-
cales y bailes. La Amaro, junto a Las Mulatas de Fuego, se despacha con varias
rumbas, y la acompañan los cantantes Pedro Vargas, Isa Mendoza y Federico
Sadel. Locuras, tiros y mambo (1951, Fleider) narra la vida entre bastidores de un
teatro, propiedad de una cubana, y que es disputado por un grupo de gangsters.
Blanquita canta y baila Rumba y mambo, Una miradita y Yo soy la rumba, con
vestuario censurado (se prohibía mostrar el ombligo) y la orquesta cubana de
José M. Ulasia y Los Caballeros del Trópico.
También de 1951 es Buenos Aires a la vista, de Bayón Herrera, con descrip-
ción de rodajes y candilejas, para lucimiento de la Amaro (que canta y baila
La múcura, entre otras), más varios tangos por Agustín Irusta e imitaciones
de Dringue Farias (Elvira Rios, Jean Sablon, Bing Crosby) y de Carlos Castro
(Carmen Miranda, Miguel de Molina, Carmen Amaya), muy celebradas ya en
los teatros de revistas.
En 1952 filma su mayor éxito, Bárbara atómica, de Saraceni, según la obra
“Bárbara Bow” y con el galán Juan Carlos Thorry. Blanca tiene una granja y ali-
menta a las gallinas bailando y cantando Mambo nº 8, ¡Ay, qué cosa!, A la buena
de Dios, Mambo nº 5, Con sombrero requintado, Rendez vous en Hawaii, Bongo-
Bongo y Pavaditas. En la siguiente película, Blanca, famosa vedette, se casa con
Pedro Quartucci, actor de la radio al cual ella ha sacado de allí para que trabaje
de partenaire suyo. Es el enredo de Casada y señorita (1954, Rinaldi), donde por
celos profesionales la pareja se pelea la noche de bodas, aunque todo terminará
bien. Actúan también Fernando Albuerne, el Dúo Las Palomitas, el ballet de
Rafael García y los de Estampa Nativa, además de la primogénita de la vedette,
Idania Amaro.

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 173


La noche de su boda, otra rumbera es dada por muerta en un accidente;
en realidad, vive con unos gitanos y, al recuperar la memoria, vuelve a su casa,
y le hace creer a su ‘viudo’ (Alberto Closas) que es un fantasma. Esa es la trama
de Mi viudo y yo (1954, Cahen Salaberry) donde desfilan Viva con Dios, Tren
cha-cha-cha y Mambito; Gran rumba cubana, la zamba Adivinando el amor y la
Danza del romance gitano. Fue su despedida del cine argentino.
En Detective (1954) el talentoso Carlos Schlieper muestra, en una fiesta al
aire libre y a plena luz del día, dos endiabladas danzas jugadas por la famosa
Tongolele, que para entonces había deslumbrado a los porteños desde el tea-
tro Comedia. Allí trabajaba acompañada por su marido Joaquín González, “el
mago del tambor”. La vedette fue filmada a discreta distancia, y sin mostrar el
ombligo, que seguía siendo tabú. En la película debuta además en nuestro cine
la bonita brasileña Fada Santoro, que canta el tema Abrazo del baión.

La música clásica y el ballet

En La chismosa (1938) el director Enrique Susini utiliza a George Andreani, la


orquesta del teatro Colon y al solista Carlos Pessina, para recurrir a obras de
Franz Schubert. Los mismos ilustran un melodrama donde Lola Membrives,
como una partera sin hijos, adopta a una recién nacida, fruto de un amor ilegi-
timo, y lucha contra todos por retenerla. En otra producción de Lumiton, Alita
Román y Fernando Borel pelean por su amor en La modelo y la estrella (1939,
Romero), contra la intrigante June Marlowe. Borel canta varias arias, guiado
por su profesor, Marcelo Ruggero, más la orquesta de Antonio Marvanti.
En la suave trama de Dama de compañía (1940, A. de Zavalia) el pianista
Esteban Serrador (doblado por Francisco Amicarelli), interpreta obras de
Chopin y Schumann. Al mismo tiempo, enamora a Elsa O’Connor, madre de
Delia Garcés, que también caerá rendida por el músico.
En Claro de luna (1942, Amadori), Silvia Legrand estudia piano y ejecuta
música de Beethoven, Franz Listz y Mario Maurano. La chica se sacrificará
para que su hermana Mirtha viva su felicidad junto a Robert Airaldi, el hombre
que ella también amaba. Y en la comedia dramática Apasionadamente (1944,
Amadori) Zully Moreno, entre fiestas y momentos solitarios, toca Apassionata

174 CÉSAR MARANGHELLO


de Beethoven y conoce en el Sur a un pintor pobre y viudo, López Lagar.
El resto son diálogos cursis, en un film sin emoción.
El canto del cisne (1945, Christensen) es un melodrama con Mecha Ortiz
y Roberto Escalada, que reiteran el tema de la pareja integrada por una mujer
madura e insatisfecha y un joven pianista, con quien aquella se obsesiona.
Andreani compuso especialmente un concierto para Ortiz, que se transformó
en un ícono del mundo gay. En otras dos obras, el director musical aporta
notas curiosas. En La señora de Pérez se divorcia (1945) Andreani aporta un raro
intermedio musical que permite disfrutar un Nocturno de Chopin en ritmo
de boogie-woogie. Y para El ángel desnudo (1946, Christensen) será el jazzman
Oscar Alemán quien adapte un Minué de Paderewski para una extensa secuen-
cia de ballet.
Para Donde mueren las palabras (1946, Hugo Fregonese) se rodaron los
números de ballet con largos planos tomados desde una sola cámara, con
continuidad. Así, se brindó a los bailarines, de María Ruanova para abajo, la
mayor libertad de movimiento y expresión. El trabajo de Margarita Wallmann
fue extraordinario y logró durante 18 minutos una coreografía que transmitió
los sentimientos de sus personajes. Logró unidad en la diversidad por medio
del gran trabajo de la iluminación, y la estrella fue la danza. Aparece además el
Teatro dei Piccoli de Vittorio Podrecca, que ya había alcanzado fama mundial.
Los títeres eran para él “criaturas de música” que debían ser tocadas por el titi-
ritero como instrumentos musicales, e interpretan el vals Voces de primavera
de Johann Strauss.
Por ellos... todo (1948, C. Schlieper) relata la vida de un padre maduro
(Enrique Muiño), que ayuda a sus cuatro hijos (entre ellos un concertista de
piano) a resolver sus problemas, y que fallece feliz, al ver a su familia unida.
El actor Darío Garzay es doblado por Antonio de Raco, quien ejecuta al piano
el tercer y quinto concierto de Beethoven. En Dios se lo pague (1948, Amadori)
el mexicano Arturo de Cordova, traicionado por un patrón inescrupuloso,
toma revancha cuando, tras su imagen de mendigo, consigue esconder la del
self made man socialista. Una prostituta de alto vuelo (Zully Moreno) le devol-
verá el amor que creía imposible de recuperar. La banda sonora incluye frag-
mentos de obras de Wagner y Schubert. En Danza del fuego (1949, Tinayre) se
escuchan obras de De Falla, Chopin, Liszt, Beethoven y Mendelssohn. Amelia
Bence es una concertista que no puede olvidar la violación de la que fue victima

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 175


en su juventud, y sufre la influencia de su empresario, un hombre ruin. Este
melodrama policial es uno de los mejores films del director.
De turno con la muerte (1951, Porter) cuenta con música de George
Andreani y, en uno de sus episodios, la bailarina Irina Borovsky y Víctor Ferrari
interpretan el ballet Don Quijote, sobre coreografía de la Borovsky, la baila-
rina que danza en trance de muerte. Este drama de ambiente hospitalario sir-
vió para el debut como director de Julio Porter. Sinfonía de juventud (1954,
Oscar Carchano) homenajea a la orquesta Sinfónica de la Escuela de Conjunto
Orquestal de Avellaneda. José Rodríguez Faure compuso la partitura, dirigió
la orquesta y asesoró musicalmente. Se escuchan El rancho abandonado, de
Williams, Preludio en sol menor, de Ugarte, El guaraní, de Gómez y el Concierto
para piano y orquesta, de Mendelssohn.
Narciso Ibáñez Menta es un hombre simple y fracasado, que se finge millo-
nario cuando escribe a su pueblo, en Un hombre cualquiera (1954, Rinaldi). De
allí llega su sobrina, por la promesa de que le costeará sus estudios de piano.
Antonio de Raco dobla a Lía Gravel en el Preludio en Do Menor de Bach; el
Capricho de Brahms; Appassionata, de Liszt; el Scherzo en Si Bemol Menor y
el Estudio Revolucionario, ambas de Chopin; y Fantasía Op. 17 de Schumann.
En Concierto para una lágrima (1955, Porter), Olga Zubarry es una estu-
diante avanzada de piano, obsesiva hasta la autodestrucción. Con una téc-
nica sobria y un argumento melodramatico, tiene buena música. Antonio
de Raco y Adela Marshall ejecutan fragmentos de obras de Bach (Preludio),
Beethoven (Claro de luna), Mozart (Sonata en Re Mayor); Chopin (Balada
Nº 2); Mendelssohn (Concierto en Mi Menor); César Franck (Variaciones sinfó-
nicas); Brahms (Vals en Mi Mayor) y Moscovsky (Estudio); Además, Capricho y
Concierto para una lágrima de Andreani, que tuvo a su cargo la conducción de
una gran orquesta sinfónica de Buenos Aires.
En el melodrama policial Bacará (1955, K. Land) Ana Mariscal interpreta
a una mujer que, con el objetivo de conseguir dinero para poder operar a
su marido (Jorge Rivier), famoso concertista de piano lesionado en un acci-
dente, cae en la obsesión por el juego, y pone en peligro la vida familiar. Rivier,
doblado por de Raco, interpreta el Concierto para piano y orquesta de Chopin,
acompañado por la Orquesta Sinfónica Nacional, dirigida por Julián Bautista.
Pájaros de cristal (1955, Ernesto Arancibia) presenta fragmentos de obras
de Piotr Ilich Tchaikovski, Frédéric Chopin y Robert Schumann. Actúan Mecha

176 CÉSAR MARANGHELLO


Ortiz, la bailarina clásica Alba Arnova y Jorge Rivier. También colabora Vassili
Lambrinos en la coreografía y actúa el ballet Eva Perón del Teatro Argentino
de La Plata. Una gran bailarina, imposibilitada de seguir danzando, toma como
discípula a una muchacha que quiere triunfar. Son magníficos la música y los
ballets. Cronológicamente, es la primera vez que lo argumental pertenece al
mundo de la danza.

La música popular de las otras provincias

Definida insuficientemente como “música folclórica”, tuvo su debut en el cine


argentino con la versión del sainete Ya tiene comisario el pueblo (1936, Eduardo
Morera y Claudio Martínez Paiva), que incluye, contemporáneamente, abiertas
alusiones al fraude electoral del gobierno del presidente Agustín P. Justo, enton-
ces en el poder. Mientras tanto, unos matones intentan dominar un pueblo donde
manda un sargento prepotente y cobarde. Hay música y malambos con Paquito
Busto y Agustín Irusta. En De la sierra al valle (1938, Ber Ciani), otro patrón des-
potico impide la práctica religiosa del lugar, mientras se asiste al romance entre
un mozo de la sierra y la propia hija del señor feudal, que cantan sus penas. En
Los afincaos (1941, Leonidas Barletta) dos hermanos prepotentes se enfrentan por
la posesión de una maestra, que llega a sus feudos en el Noroeste salvaje. Se trató
de una inusual tentativa de cine social. Incluyó música folclórica adaptada por
Jacobo Fischer e interpretada por Joaquín Pérez Fernández y su ballet nativista.
Joven, viuda y estanciera (1941, B. Herrera) es versión de un gran éxito tea-
tral, sobre una viuda que hereda una estancia y es codiciada por un vividor,
hasta que sale en su ayuda el capataz, secretamente enamorado de ella. Bayón
recurrió a varios números de popularidad radial: el cantor Antonio Maida, Los
hermanos Abrodos, Las hermanas Toranzo, el concertista Abel Fleury y su con-
junto de guitarras y el dúo Las Porteñitas.
Juan Moreira (1948, Moglia Barth) es la versión más deslucida de la novela
de Eduardo Gutiérrez, con el recitador Fernando Ochoa en el rol principal.
Incluye temas autóctonos: Nestor Feria canta Volver y Cimbronazo; y Oscar
Ugarte interpreta Viditay y el triunfo Malambo.
Con el sudor de tu frente (1950, Viñoly Barreto) narró la lucha de un campe-
sino santiagueño contra la naturaleza y las pasiones humanas, y tuvo influencias

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 177


del cine indigenista de Emilio Fernández. Incluye un malambo muy bien ejecu-
tado y música folclórica de Alberto Gnecco.
En Las aguas bajan turbias (1952, H. del Carril), una obra maestra, su
director y astro canta dos canciones litoraleñas para suavizar tanto sufri-
miento de los mensúes. En la inusual Donde comienzan los pantanos (1952,
Ber Ciani), filmada en los arenales de San Clemente con estilo neorrealista,
Alberto Gómez entona canciones sureñas para conquistar el amor de la bella
italiana Adriana Benetti.
Torrente indiano (1954, Fleider) evoca la vida del coreógrafo y bailarín
Joaquín Pérez Fernández, y muestra cómo se concretó su vocación artística,
y cómo debió luchar para obtener el triunfo. El film lo había comenzado en
1950 Bernardo Spoliansky, quien llegó a filmar dos coreografías (Viene cla-
reando y Vidala de Culampaya). Tres años después, se concretó la filmación
de la biografia y se incluyeron nuevas coreografías (Ensayo, Indios en la feria
del sábado (Perú), Michoacan, tierra de ensueño (México), Señora Mónica Pérez
(Venezuela), Embrujo panameño, En la Enrramada (Chile), Las bodas de Pancho
Lucero, Carnavalito, Tango del 900 y El domador (todas de la Argentina). Una
visión folclórica panorámica de la América Latina.
En la violenta Codicia (1955, Catrani), Jacinto Herrera, Sara Antúnez y
Guillermo Battaglia desarrollan un tema de ambiciones entre seres violentos
y pasionales, que se eliminan entre sí. La sensual Sarita Antúnez canta y baila
música paraguaya: Solita estoy, Lejanía, Burrerías, Tres de mayo, Amanguy Yave,
Canto de mi selva, Codicia y Guayrá campana.

Ritmo joven, nuevas olas, malos tiempos

Los años de posguerra mostraron transformaciones de todo orden. La geopo-


lítica mundial se recompuso y aparecieron avances científicos de gran impacto
social, como la vacuna contra la polio y la píldora anticonceptiva. Además el
jet, los satélites espaciales y... el rock and roll. El auge de la televisión supuso un
desafío a la industria del cine, y a pesar del éxito de los formatos panorámicos,
la popularidad y la influencia de Hollywood decayó hacia los sesenta.
El cine argentino siguió su marcha exitosa hasta el Golpe de Estado de 1955,
que depuso al Presidente Juan D. Perón. A partir de entonces, desaparecieron

178 CÉSAR MARANGHELLO


los decretos que favorecían a la distribución y exhibición obligatorias del cine
nacional en todas las salas del país. Solamente a fines de 1957, el gobierno mili-
tar creará el Instituto Nacional de Cinematografía, pero la “época de oro” ya
había desaparecido definitivamente.
Para nuestro cine, la década comenzó con No me digas adiós (Arg.-Br.,
1950, Moglia Barth) filmada en Rio de Janeiro. Narra el romance de una argen-
tina blonda (Nelly Daren) con un rubio brasileño (Anselmo Duarte), que ven-
cerá la oposición de los padres de ambos. Al débil guión de Joracy Camargo
se lo intentó compensar con varios números musicales (Linda Batista,
Lourdinha Bitencourt, Luiz Bonfá, la mítica Luz del Fuego, Las Tres Marías,
Los Quitandinha Serenaders, Francisco Pacheco, Alberto Ruschel etc.), pero no
se logró que el film remontara vuelo.
El italo-norteamericano Nicola Paone fue intérprete de Uéi Paesano! (1953,
Romero) donde el exilio hacia Buenos Aires se complementó con varios temas:
La cafettiera, Signora maestra, L’emigrante, Mamma m’aspetta, Me ne vado a
festa, Dormi, dormi. Fue la película postrera de Manuel Romero. Los temas
de Paone sobre la experiencia del inmigrante vendieron millones de discos, ya
que las canciones englobaban los hallazgos sociales de un nuevo estilo de vida.
También se conocieron versiones de éxitos teatrales, todas llevadas a cabo
por Enrique Carreras. Director de 96 películas entre 1951 y 1991, se trató del rea-
lizador más prolífico del cine local. El – tono – de sus obras, si bien picaresco,
se va a orientar hacia toda la familia e incluso al público infantil. Las películas
adquieren una estructura cercana al de una revista músical, pero apta para
todas las edades. La primera fue Suegra último modelo (1953), un vehículo para
la gracia de Leonor Rinaldi y Francisco Alvarez. Para evitar ser dominada por
su flamante yerno, una suegra le hace creer que se ha casado con su propia
hija, con las situaciones previsibles. Incluye las canciones Chismes nada más,
por Inés Fernández y Tono Andreu, y La Isabel Cienfuegos, por María Esther
Gamas. Le siguió la versión del éxito de Ivo Pelay, ¡Qué noche de casamiento!
(1953), donde un chofer adopta la personalidad de un conde para enamorar
a la hija de un rico comerciante, con la que se casa, pero sin encontrar paz.
Francisco Charmiello fue el protagonista, y hubo más canciones: El barquito
del amor y Hombres de ahora, por la Fernández, Senza la benzina la macchina
non cammina, por Charmiello, y Canción del conde, por Analía Gadé y Tito
Climent. Llegó después La cigüeña dijo ¡sí! (1954) la primera y mejor versión

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 179


del suceso de Carlos Llopis, con la muy graciosa y madura Lola Membrives.
Trata sobre un matrimonio añoso y otro joven, emparentados, cuyas mujeres
se embarazan simultáneamente. En una boite aparece Elder Barber y canta dos
hits, Canario triste y Parece que hay romance. Antes, en Se necesita un hombre
con cara de infeliz (1954, H. Cárpena) la Barber ya había entonado el éxito de
Dinah Shore. La última de la serie fue Mi marido hoy duerme en casa (1955),
versión del éxito de Abel Santa Cruz, con la Rinaldi y Alvarez. Hijos y yernos
de un matrimonio maduro próximo a separarse, urden disparatados enredos
para conseguir que los afectados se reconcilien. La vedette May Avril canta dos
canciones: Yo quiero un hombre y Oye, Don Pepe.
Canario rojo (1955, Julio Porter) presenta a Elder Barber y a Alberto Dalbes,
ella como una joven cantante que se casa con su profesor de música, autor de una
ópera y enemigo de las canciones populares, a las que ella es afecta. Elder se había
hecho famosa en radio y discos, y en el film desfilan varios éxitos: Canario rojo,
Sh-boom, Qué muchacho, Estambul, Oh mi mamá, No quiero llorar, Leyenda orien-
tal, Tristezas del herrero, Jambalaya, Boogie-Woogie na favela y Blue Stampede.
También baila Vassili Lambrinos, luego de actuar en la Fox con Marilyn Monroe
y Jane Russell, en Los caballeros las prefieren rubias (1953, H. Hawks).
A partir de 1956, a las películas estadounidenses sobre rock se les suma-
rían las mexicanas, con su sucesión de números musicales. Existió una pionera
local, Venga a bailar el rock (1957, C. M. Stevani) con Nélida y Eber Lobato,
Amelita Vargas, Pedrito Rico, Eddie Pequenino, Los Big Rockers, Los Caribes y
Ernesto y sus rockeros. Fue la primera comedia musical que incluyó ritmos de
la nueva ola, y aunque inscripta en la comedia musical más veterana (zarzuelas,
cuplés, cha cha cha, salsa) incorporó algunos números de rock, interpretados
por músicos como Eddie Pequenino, exjazzman. Desde esa película quedó
inaugurado el abordaje temático de la juventud como grupo social, dueña de
una edad sin preocupaciones, que se expresaba a través del canto y el baile, y
cuyo principal conflicto residía en la incomprensión de los mayores.
Como resumen, sostiene la investigadora Daniela Koldobsky (2013, p. 157)

Este cine [musical] forma parte de los mecanismos de distribución de la


música y los músicos populares del siglo XX, informando acerca de su
existencia y novedades, incluso de un modo pedagógico: enseña “la co-
cina” del funcionamiento del mercado musical, de las instituciones de la

180 CÉSAR MARANGHELLO


música masiva (discográficas y distribuidoras, representantes y prensa,
premios y concursos, etc), de las prácticas sociales vinculadas a ella (recita-
les masivos, danzas y bailes, modalidades de sociabilidad de las generacio-
nes en relación con la música, la constitución del fan, etc.) en el momento
en que comienzan a adquirir las características que todavía tienen hoy.

Esto ocurrió alrededor de 1960, hechos que determinaron el comienzo de


otro cine, otra música, y lo que fue más importante, de otra historia...

Referencias

ALTMAN, R. Los géneros cinematográficos. Barcelona: Paidós, 2000.


ALTMAN, R. The musical. In: NOWELL-SMITH, G. The oxford history of world
cinema. UK: Oxford University, 1997.
AUTRAN, A. A guerra gaúcha: o Cinema Argentino no Brasil (1935-1945). Intercom:
Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 139-159, jan./
abr. 2016.
BRACELI, R. Caras, caritas y caretas. Buenos Aires: Alfaguara, 1996.
BRINGAS, C. El musical: historia de un género americano. El espectador imaginario,
Barcelona, mayo 2010.
CASTILLO ZAPATA, R. Fenomenología del bolero. Caracas: Monte Ávila, 1991.
CHALKHO, R. J. Diseño sonoro y producción de sentido: la significación de los
sonidos en los lenguajes audiovisuales. Cuadernos del Centro de Estudios en Diseño y
Comunicación, Ensayos (online), Buenos Aires, n. 50, p. 127-252, 2014.
COUSELO, J. M. et al. Historia del cine Argentino. Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, 1992.
GARCÍA, A. Los grandes éxitos del amor. Página 12, Buenos Aires, 8 abr. 2001.
GIROTTI, B. Donde mueren las palabras: un primer acercamiento al Teatro dei Piccoli
de Vittorio Podrecca. Revista Lindes: estudios sociales del arte y la cultura, Buenos
Aires, n. 6, p. 1-10, mayo 2013.
KOLDOBSKY, D. Lo musical cinematográfico en el cruce. Letra, Imagen, Sonido:
Ciudad mediatizada, Buenos Aires, año IV, n. 9, p. 152-161, 2013.
MARANGHELLO, C. Breve historia del cine argentino. Barcelona: Laertes, 2005.

No todo fue tango y rock en el cine musical argentino (1933/1955) 181


MARCHETTI, P.; LERER, D. Enrique Carreras, que digan lo que quieran de mí.
Revista La Maga, Buenos Aires, 6 sept. 1995.
MUNSÓ CABÚS, J. El cine musical de Hollywood. Barcelona: Film Ideal, 1997. v. I e II.
CARRERAS, E., Carreras por Carreras: una vida dedicada al cine. Buenos Aires: Iturbe,
1996.
POSADAS, A. Carlos Schlieper. Buenos Aires: Centro Editor de America Latina, 1994.
ROWE, W.; SCHELLING, V. Memory and modernity: popular culture in Latin America.
London: Verso, 1991.
SUSTERSIC, G. Coreografía cinematográfica. El espectador imaginario, Barcelona,
n. 43, jun. 2013.
WOLF, S. (Coord.). Cine argentino: la otra historia. Buenos Aires: Letra Buena, 1992.

182 CÉSAR MARANGHELLO


Psicodelia y rebeldía
en tiempo de dictadores
rockumentales argentinos (1971-1986)

JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER-TARABORRELLI

Introducción

El rock y el cine documental han conformado un dueto que, no sin tensiones y


crisis, ha ido de la mano. Los rockumentales, el producto de esta unión, han dado
una amplia visibilidad a bandas de rock y acercado a gran cantidad de especta-
dores a las salas para ver un film documental, algo que sin haber estado el género
musical de la rebeldía de por medio, no hubiese sucedido jamás. Si bien no se ha
hecho un fenómeno tan extendido en nuestros países del sur de América, pode-
mos rastrear un puñado de rockumentales realizados en este lado del mundo, en
sintonía con los trazos definidos para los mismos en cinematografías hegemó-
nicas. Analizaremos en este trabajo los films documentales sobre rock realizados
en Argentina (1971-1986) mediante las herramientas conceptuales de los estudios
en documentales musicales, que desarrollaremos en las próximas páginas.
Establecido ya el dominio de los medios audiovisuales era un desafío
para el mercado musical poner un pie de hierro en el terreno de lo visual para
seguir siendo popular. Robert Edgar-Hunter, Fairclough-Isaacs y Halligan
(2013, p. 6) afirman que, “solo trasplantando completamente la música popu-
lar a los dominios de lo visual pudo la música popular continuar existiendo
como un componente esencial de la cultura popular”. Pero a diferencia de lo
que esto estaría indicando para la dirección tomada por los estudios de cine,
estos no se abocaron con igual fruición para con el análisis de las imágenes y,
en menor medida, la palabra hablada, como para la presencia de la música en
los films. Guilherme Maia (2015, p. 27) destaca eso en su reciente estudio, “la
música no fue contemplada, profundamente, en la formulación de una estética
de su uso en el medio cinematográfico”. Chanan (2013, p. 338) agrega que no
“existe un estudio sistemático del documental musical” y que muchas pelí-
culas y videos son vistos como promocionales o como films que carecen de
una narrativa solida. (DEUTSCH, 2014) Según Chanan (2013, p. 337), el interés
de estas realizaciones es su contribución a romper con “barreras culturales” y
difundir nuevos estilos y géneros musicales a un público masivo. La populari-
dad de videos musicales en línea (Youtube) sustenta afirmaciones como las de
Edgar-Hunter, Fairclough-Isaacs y Halligan (2013, p. 13) que destacan el rol que
juegan los fanatismos por bandas y géneros musicales para los “baby boomers”
– “personas nacidas después de la segunda guerra mundial”–.
En los últimos diez años hemos sido testigos de una verdadera explosión
en la producción de documentales sobre música (BOFFARD, 2014; DEUTSCH,
2014) lo que parece confirmar, como afirma Thomas F. Cohen (2012, p. 11), que
“el cine puede proporcionar información valiosa sobre la dinámica física de la
interpretación musical”. Además, pueden servir de pretexto para incursionar
en otros temas importantes para el colectivo social. Pero, como estamos acos-
tumbrados a confirmar: a la industria del cine o la música, o siquiera al variado
grupo de cineastas o músicos independientes, no le interesa lo que se haga o
deje de hacer en la academia. Los vínculos trazados en la cultura popular para
producir y consumir, específicamente, obras documentales musicales no están
condicionadas por el tipo de estudio que aquí se presenta.
Esto pone sobre la mesa una cuestión que merodea las produccio-
nes documentales musicales: el poder de los films para cristalizar memoria
de los eventos / conciertos / festivales. Según Julie Lobalzo Wright (2013,
p. 84) la memoria popular de los festivales de rock emblemáticos, como los
de Woodstock y Altamont, entendidos como las antípodas de apogeo y des-
moronamiento de la contracultura, “está conformada por la naturaleza de las

184 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


estrategias estéticas” de Woodstock (Michael Wadleigh, 1970) y Gimme Shelter
(Albert / David Maysles y Charlotte Zwerin, 1970). Según Robert Altman (1992,
p. 227), la importancia de los documentales sobre rock radica en su habilidad
de reunir metodologías del cine documental y la capacidad del cine para trans-
formar a sus protagonistas en estrellas.
Para los cineastas el rock capturaba el espíritu de época. Para el público
los films revelaban lo oculto de rockstars. (STRACHAN; LEONARD, 2009, p.
289) Diego Bruno (2000, p. 9) destaca la importancia que tenía y tiene para un
artista de rock aparecer en una película:

A pesar de las connotaciones masivas y glorificantes de la televisión, el


sistema ‘consagratorio’ de cualquier artista, cantante o movimiento mu-
sical sigue siendo definitivamente el cine. Basta recordar Woodstock para
comprobar que a partir de esa película muchos músicos participantes sa-
lieron fortalecidos o lanzados velozmente a una popularidad, que, de otro
modo, les hubiera demandado años de trabajo.

Edgar-Hunter, Fairclough-Isaacs y Halligan (2013, p. 14) remarcan que aún


falta explorar el documental musical no occidental. Y esa no es solo la perspec-
tiva desde la academia anglosajona, sino que esa apreciación puede ser com-
partida desde América Latina, si bien se puede rastrear una buena cantidad
de documentales musicales producidos desde los setenta, no existen estudios
contundentes sobre este tipo de producciones en nuestra lengua.1

¿Concert film o rockumental?

Cuando a Peter Pilafian le ofrecieron hacer el registro del concierto que da-
ría Jimi Hendrix en Berkeley, lo cual era lo mismo que ofrecerle entrar por
la puerta grande al negocio de los concert films, pensó que sería una buena
oportunidad para “hacer algo más significativo que eso”. (WENNEKES, 2013,
p. 88-89) Cuando a Michael Wadleigh le ofrecieron registrar Woodstock con-
testó que no quería hacer un concert film debido a que ese evento “era más

1 Por tal motivo los estudios sobre documental musical y rockumental aquí citados ha sido reali-
zado y publicado en otras lenguas. Condición necesaria: utilizar bibliografía producida en otras
latitudes.

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 185


que un concierto”, autodefiniéndose como “un cineasta inmerso en cuestiones
políticas”. (COHEN, 2012, p. 43) Y los hermanos Maysles declararon que no
hubiesen accedido a filmar a los Rolling Stones en Altamont si el acuerdo hu-
biese sido “‘solamente’ hacer un concert film”. (COHEN, 2012, p. 11) ¿Por qué
no gustaban del concert film? ¿cuál es la diferencia con el documental de rock?
K. J. Donnelly (2013, p. 171) justifica la diferencia en razones de produc-
ción y estética, el “concert film está más cerca de la industria discográfica que
de la del cine”. Para Donelly (2013, p. 173-180), este tipo de producciones
son “solo para fans [...] Discos en vivo con imágenes añadidas”. Para Chanan
(2013, p. 342), estas películas se exhiben en salas de recitales antes que en cines2
y son “generalmente realizadas por técnicos”. Diferente es el caso de los docu-
mentales de rock, tipo de realización por la que abogaron Pilafian, Wadleigh y
los Maysles: un tipo de films que tuviesen impresa una búsqueda de la esencia
de las obras y personalidad de los rockeros. Y también que llevara en un lugar
claramente visible la firma de los directores. Una obra cinematográfica antes
que un producto musical industrial.
Don Alan Pennebaker defendió su estandarte de pionero enarbolando
“su” creación como un “nuevo género dentro del documental”: el concert film.
(COHEN, 2012, p. 43) Si bien puede decirse que Monterey Pop (1968) es la
filmación de lo más saliente de un festival eternizado por sus imágenes, más
registro de performances que documental del offstage. Woodstock es la repre-
sentación más canónica del rock como movimiento social en los años 60: la
música une a las personas, generando la participación más que la contempla-
ción pasiva... “en lugar de ser visto como mero entretenimiento, se consideraba
que la música podía decir cosas de importancia política y cultural”. (EDGAR-
HUNTER; FAIRCLOUGH-ISAACS; HALLIGAN, 2013, p. 3) Para Christopher
Small (1998, p. 10), Woodstock puso en evidencia lo que esta generación ya
sabía: que la música “no es una cosa sino una actividad, algo que la gente hace”.
De diferente tipo es Dont Look Back (1967), el anterior film de Pennebaker,
un rockumental pionero con todas las letras que se transformó en clásico por
contar con muy pocos minutos de escenario y muchos de camarines (en los

2 Recientemente se estrenó en Buenos Aires Indio Solari, la película (2015). Un concert film que
presenta solo imágenes de una performance en vivo de la banda del ex cantante de Patricio
Rey y sus Redonditos de Ricota. El lugar elegido para el estreno, y uno de los pocos en que se
proyectó, fue el estadio Luna Park.

186 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


que se despliega la arrogancia de Bob Dylan, también pionero como tipo de
rockstar vanidoso).
A partir de una lectura de trabajos académicos recientes hemos podido
determinar la siguiente tipología:

1) Documentales que narran la carrera de un cantante o una banda, un


género musical, o una época o una subcultura.

2) El documental de conciertos [concert film]. Estos documental prin-


cipalmente se enfocan en el registro de un recital. (COHEN, 2012;
DEUTSCH, 2014)

3) Otros films contienen partes de conciertos pero son algo más, el docu-
mental de una performance, término empleado por Brian Winston
[rock performance documentary]. (COHEN, 2012, p. 19) Según Winston
este es uno de los estilos documentales genuinamente más populares;
Chanan (2013, p. 339) identifica los rasgos principales de este tipo:
cámara en mano, escenas filmadas fuera del escenario, tomas de fanáti-
cos, reportajes en autos, calles, teatros, casas. Jonathan Demme, direc-
tor de Stop Making Sense (1984) película que registra una performance
del grupo norteamericano Talking Heads, hace una distinción entre
music documentaries, por ejemplo Woodstock, y performance films,
recitales sin publico filmados para la audiencia del film [Storefront
Hitchcock (1998)]. (DEUTSCH, 2014, p. 3) Como veremos más ade-
lante en este trabajo la presencia y participación de la audiencia es un
aspecto de gran importancia en el documental de rock. Cohen (2012,
p. 19) señala que, “la performance en una película deja un registro de
un público involucrado en la actividad social de tocar música en un
momento histórico particular”. Para Chanan (2013, p. 339), el registro
de la reacción del público en un concierto es “un pilar del documental
musical como género”.

4) Por último debemos mencionar otros tipos que no analizaremos en


detalle en este trabajo: los documentales etnomusicales (CHANAN
2013, p. 340), el álbum visualizado en vivo (CHANAN, 2013, p. 341),
los documentales anti musicales, o sea aquellos que según Chanan

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 187


desdeñan de las convenciones del género y se identifican con procedi-
mientos experimentales de vanguardia.

El documental musical, aquí como el subgénero rockumental, nos habla


de la cultura popular. Actualmente tiene un semblante muy diferente al que
tenía en tiempos de Woodstock, hoy se inscribe en el camino de la cultura de la
celebridad. (EDGAR-HUNTER; FAIRCLOUGH-ISAACS; HALLIGAN, 2013,
p. 16-19) Aunque el cariz contracultural de antaño no debe ser asociado a lo
no comercial, ya presente entonces,3 incluso los rockumentales considerados
canónicos fueron financiados por empresas discográficas. El “detrás del esce-
nario” como argucia comercial fue bien entendido por la industria desde el
comienzo, como remarcan Robert Strachan y Marion Leonard. (2009, p. 285)
La función comercial del offstage como “honesto” para refrescar la cara del
rock; de allí que los autores resalten que, con la innegable colaboración de las
técnicas del cine directo, “los documentales de rock constituyen claramente
una parte del marketing de la música popular”, por ello resultan habitual-
mente de una negociación entre los cineastas, los empresarios y los rockstars.
(STRACHAN; LEONARD, 2009, p. 291) Aunque el conflicto de intereses gene-
rado por las imágenes seleccionadas es también una posibilidad latente, el caso
de Cocksucker blues (Robert Frank, 1972) da cuenta de que el matrimonio entre
cine directo y rock no siempre termina bien.4 (STRACHAN; LEONARD, 2009,
p. 293) También hay otros casos en los que la producción de los films es inde-
pendiente y se aporta otra mirada no contaminada por el punto de vista de los
rockstars (claro que en este caso se trata de films de bajo presupuesto en los

3 Representado casualmente en un rockumental, en Jimi Plays Berkeley (Peter Pilafian, 1971)


cuando se montan las protestas de grupos de hippies que protestan en la puerta de un cine en
donde se estaba proyectando Woodstock. ¿El motivo del reclamo? El alto costo de las entradas
para ver una producción que promulgaba la paz y el amor.
4 El documental sobre los Rolling Stones cuenta con imágenes de registro de observación del
backstage en las que se muestra el consumo de drogas (de Jagger, entre otros), la reventa de
entradas y el sexo libre (en varios espacios, como dentro de un avión que los traslada). El corte
final del director no agradó a Mick Jagger y Keith Richards, quienes con el apoyo de la disco-
gráfica quitaron la autorización para el estreno del film a Frank y su equipo. Cocksucker blues fue
producido por Marshall Chess, y también desempeñó el mismo papel en Ladies & Gentlemen:
The Rolling Stones (Rollin Binzer, 1972), un concert film de una performance filmado durante esa
misma gira. El rockumental no, el concert film si. Cuando el directo es crudo, es decir cuando es
“verdadero” en su esencia, los músicos y managers prefieren presentar únicamente las imáge-
nes de la performance.

188 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


que nunca participan las megabandas). En la Argentina, la compañía discográ-
fica RCA financio el film El extraño de pelo largo (1970) para promocionar artis-
tas de su sello como Litto Nebbia, el protagonista del film, La Joven Guardia,
Pintura Fresca y Trocha Angosta entre otros grupos. (BRUNO, 2000, p. 9)

El directo y su matrimonio con el rock

Son tomados como prototipos de rockumental el mencionado sobre Dylan y


Whats Happening!: The Beatles in the U.S.A. (Albert y David Maysles, 1964).5
Según Brian Winston esos dos films “establecieron las formas que asumirán
los documentales de rock”6 (COHEN, 2012, p. 55). Lo cual indica que el direc-
to se constituyó en un standard. (STRACHAN; LEONARD, 2009, p. 288-289)
El registro de observación, generalmente sin entrevistas, en el cual se sigue
con cámara al hombro y sonido directo la travesía del intérprete, fue la ele-
vada como válida para capturar el offstage. El cine directo se desarrolló en el
mismo momento en que el rock explotaba y no debe sorprender que los pre-
cursores del cine directo se interesaran por el registro de un concierto de rock,
ya que los recitales tienen una estructura narrativa consustancial. (ALTMAN,
1992, p. 218) Contribuyendo, al mismo tiempo, “a la emergencia del rockstar”.
(COHEN, 2012, p. 55) En un gráfico se podría colocar al cine directo en un
extremo y al rock en el otro, en el punto central de confluencia ambos ganan:
el rock obtuvo imágenes que lo revalidaran como hito de la cultura popular,
mientras el documental de observación logró una visibilidad pública de la que
nunca, antes ni después, gozaría.
El directo haría “algo ‘serio’ del rock”, según JeffreyRoessner. (2013, p. 159-162)
Aportándole lo que puede tomarse como “importante”, como “documental”, a
esos films es el offstage y no lo que ocurre sobre el escenario. (COHEN, 2012,

5 Para Michael Chanan se puede considerar como antecedente de los documentales de rock
Jazz on a summer’s day (Bert Stern, 1960), debido al uso de varias cámaras para registrar el con-
cierto con el inserto de tomas con cámara al hombro capturadas entre la audiencia. (CHANAN,
2013, 339)
6 Generalmente no se menciona a otro film, similar en su estructura y estética al film de los
Maysles sobre The Beatles, Charlie is my Darling (Peter Whitehead, 1965). El rockumental se
basa en el registro de la gira irlandesa de los Rolling Stones, quienes se muestran mucho más
evasivos con los fans de lo que se presentan los cuatro de Liverpool.

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 189


p. 20-57) A diferencia del concert film, el rockumental suena, se ve y se siente
como propio de esa gran familia llamada cine documental.
En suma, el período que abarca entre los films de los hermanos Maysles
Whats Happening! y Gimme shelter (1964 a 1970) no resulta exagerado catalo-
garlo como canónico del rockumental. (COHEN, 2012, p. 59-60) Como tam-
poco resulta exagerado catalogarlo como el tiempo en que tuvo su apogeo y
debacle la contracultura, arcilla con la que estos rockumentales se construye-
ron. Perspectiva que también sirve para caracterizar lo sucedido, en lo musical
y en lo político, a la Argentina de esa época.

Rock hasta que se ponga el sol (Aníbal Uset, 1973)

Rock hasta que se ponga el sol, dirigido por Aníbal Uset, es un documental de
gran valor histórico para la música popular argentina y latinoamericana. La
popular revista de rock Pelo anticipaba en su momento la importancia que el
documental de Uset llegaría a tener: “Lo que allí se grabe será el primer docu-
mento visual importante de la evolución del rock en la Argentina”.7 (BRUNO,
2000, p. 7) Producido por Héctor Olivera y Fernando Ayala, dos directores
destacados en el medio, el documental recoge las actuaciones en el festival B.A.
Rock (en su tercera edición) y en otras locaciones, de artistas y bandas pione-
ras del género: Color Humano, Vox Dei, Pescado Rabioso, Pappo, Leon Gieco,
Litto Nebbia, Sui Generis, Arco Iris, Billy Bond y Gabriela entre otros. Muchos
de los músicos que integraban estos grupos continuaron sus carreras en otras
bandas importantes o como solistas, como fue el caso de Luis Alberto Spinetta

7 Dos años antes se realizó el cortometraje Buenos Aires Beat de Néstor Cosentino, que está
basado en el repaso de diferentes hitos de la breve historia del rock nacional. Performances en
vivo (con sonido pos sincronizado) de Manal, Almendra y Vox Dei se suceden en el marco de
una entrevista a un rockero (simulada por las voces de actores). Finaliza con lo que podemos
considerar el primer videoclip, o un esbozo aproximado, basado en Muchacha (Luis Alberto
Spinetta) e interpretado por dos actores que representan estar enamorados mediante miradas
y gestos en un paseo lindero al Río de la Plata. Como decíamos en otro trabajo: “Los grandes
edificios dan el marco para el film que con los contrapicados dedicados a los rascacielos y
las imágenes de los obreros demoliendo viejas construcciones, parecen redondear una de las
ideas centrales de Cosentino: el rock es lo nuevo que, guste o no a lo establecido, viene a ocu-
par el espacio de los géneros y las costumbres ya perimidas entre los jóvenes”. (CAMPO, 2012,
p. 53) El origen del movimiento Beat nacional es analizado con mayor detalle en el largometraje
Argentina Beat (Hernán Gaffet, 2006).

190 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


y Charly García, dos de los rockeros más queridos por el público argentino.
A pesar de los bajos recursos con los que se realizó el documental, el film pone
de manifiesto la urgencia por documentar la consolidación del movimiento
de música popular urbana más importante de la historia Argentina después
del tango. La película de Uset representa los primeros pasos de este tendencia
contestataria que buscaba el capital necesario para empezar a representarse a
sí mismo en una época marcada por el regreso, luego de 18 años de exilio, de
Juan Domingo Perón al país: “Había una pequeña apertura pero también una
enorme represión”, recuerda Uset en una entrevista. (PEREYRA, 2012, p. 1)
Acompañando al film la banda de sonido, el segundo LP grabado en vivo que
se editó en la Argentina, incluyó artistas que tocaron en el festival. Otros que-
daron afuera debido a que tenían contrato con otras compañías discográficas.
(BRUNO, 2000, p. 2) La idea del film surgió de Jorge Álvarez y Daniel Ripoll
(editor de Pelo), para organizar “un Woodstock argentino”. (BRUNO, 2000, p. 2)
Uset pudo filmar las actuaciones gracias a la película fotográfica sobrante de
una comedia de Jorge Porcel en la que estaba trabajando: “Era todo muy pri-
mitivo, en la parte que esta León (Gieco) por ejemplo, se ve como se cruzan
todos los cameramen por el escenario”. (PEREYRA, 2012, p. 2) Son un tanto
fútiles las evaluaciones cualitativas entre bandas nacionales y extranjeras, un
pasatiempo imprescindible para los fanáticos del género, pero el documental
de Uset demuestra que ya a principios de los 70, los grupos argentinos habían
alcanzado un nivel técnico y lirico de calidad. Rock hasta que se ponga el sol es
un documento imprescindible para entender la formación de un movimiento
social que se congregaba para celebrar el rock y sus bandas más representati-
vas. Por otra parte el film permite entender las relaciones discursivas entre la
actuación de una banda, su lirismo, sus expresiones musicales y la recepción
de una audiencia que construye contextos culturales específicos a una época.
(BERGER, 1999, p. 241) Uset ofreció el siguiente comentario al respecto, “...
quise reflejar la realidad de toda una generación argentina que se expresa a
través de la música, y a la que está consiguiendo imprimirle características muy
propias”. (BRUNO, 2000, p. 6)
La primera secuencia de Rock hasta que se ponga el sol intercala tomas de
un amanecer en el puerto de Buenos Aires con tomas del festival.8 El mensaje

8 La primera edición del festival había sido en noviembre de 1970.

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 191


para la audiencia es claro: sale el sol, sale la música. Edelmiro Molinari, can-
tante de Color Humano, se suma a la celebración: “Anda pesando mis sueños
sin destino, larga vida al sol”. Los cuatro camarógrafos, bajo la dirección de
Víctor Hugo Caula y Uset, se mueven con libertad sobre el escenario, regis-
trando con dinamismo la performance del grupo. El montaje contrapuntea el
estribillo de la canción con tomas cortas de calles, plazas, edificios y el cielo
de Buenos Aires. En un interludio rítmico de la canción, donde se destaca el
baterista Oscar Moro, Uset recurre a una imagen extradiegética de un joven
apreciando telas con pinturas psicodélicas en una feria hippie en La Recoleta
(una de las pinturas evoca un astro reluciente). En un muro que circunda al par-
que se puede leer parte de una pintada: “Contra la censura”. En la película hay
pocas referencias explicitas al contexto político, ya que para muchos rockeros
el rol de activistas les caía un poco incómodo:

La izquierda pensaba que nosotros éramos unos hippies pelotudos,


alienados. Y la derecha, más o menos lo mismo, que éramos como unos
mendigos. Ninguno te daba bola. Solo te reprimían para esconderte,
porque ensuciabas el panorama. Manchabas el cuadro. ‘Vos no podes
tener pelo largo’; ‘vos sos puto’. Esas cosas, ¿viste? [Afirma Billy Bond].
(RODRÍGUEZ, 2016, p. 216)

Los títulos van presentando a las bandas mientras se observa al público


en los terrenos aledaños al estadio de futbol de Argentinos Juniors, pelilargos,
hippies. El montaje de estos primeros plano nos remite a Woodstock (1970); es
un retrato romántico de la juventud, sujetos creativos, solidarios, atraídos por
las causas sociales enarboladas por la lírica rockera: “Suelta muchacho tus pen-
samientos, como anda suelto el viento, sos la esperanza y la voz que vendrá a
florecer en la nueva tierra”, canta Gieco en una de las secuencias del documental.
Rock hasta que se ponga el sol es un documental híbrido donde se combinan
interpretaciones del festival con actuaciones filmadas en estudios y exteriores.
Estos recursos le quitan cierta autenticidad al material, pero le permite a Uset
rodear de una estética cinematográfica más ambiciosa a algunas de las actua-
ciones. Por ejemplo, la interpretación del éxito “Las guerras” por Vox Dei fue
filmada en una iglesia Metodista de la Calle Corrientes. La voz de Ricardo Soulé,
una de las más delicadas del rock argentino, desafía en un recinto tradicionalista

192 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


y conservador a los sectores reaccionarios de la sociedad: “Armas, fuerza... ¿De
qué te sirvió? Esta historia no ha terminado, no, no, no...” La presentación de
Nebbia fue filmada en un estudio. Nebbia interpreta “Si no son más de la tres”
en guitarra, acompañado en bombos por el folklorista Domingo Cura.
El documental no tiene un eje narrativo, sólo las breves apariciones, un
tanto acartonadas y claramente filmadas fuera del festival, del presentador y
organizador Ripoll que nombra a los artistas que se suceden. Un momento
destacado del film es la interpretación de un raga (un motivo melódico tradi-
cional del sur de Asia) por parte del guitarrista Claudio Gabis. Ripoll señala a
modo de introducción que esta música es propicia “... para precisamente medi-
tar sobre muchas cosas que ocurren en el mundo”. Uset inserta a continuación
una fotografía de una explosión nuclear, y durante la interpretación, Gabis en
guitarra acompañado por Isa Portugheis en percusión, fotografías de prisione-
ros de guerra en Vietnam, de enfermeras asistiendo a niños famélicos.
Hay dos secuencias en Rock hasta que se ponga el sol legendarias para el
archivo de rock argentino: la arrolladora interpretación de “Tontos” de Billy
Bond y la Pesada y el mini recital de Pescado Rabioso, filmado en el Teatro
Olimpia. “Existen tontos, tontos, ya sean hippies, hippies, o tipos de chale-
cos gordos...”, carraspea en el micrófono Giuliano Canterini, oriundo de Italia,
bautizado por el director del sello EMI con el nombre artístico Billy Bond.
Al comenzar la secuencia, la pantalla se divide en tres cuadros, uno retrata
a la banda (Jorge Pinchevsky en violín, Claudio Gabis en guitarra y el bajista
Alejandro Medina) y los otros dos recogen imágenes del público que se des-
plaza por el perímetro del escenario. Uset elige un montaje rítmico para
“Tontos”, intercalando planos medios de la banda con primeros planos de las
zapatillas de Bond bailoteando por el escenario acompañado por el pie del
micrófono. Los rasgueos sincopados de las guitarras se prestan a estos cor-
tes rítmicos, contrapunteados. Uset intercala una escena filmada en un estu-
dio que le da un tono humorístico y bizarro a la interpretación de la canción.
Utilizando el vocabulario visual psicodélico de la contracultura (JAMES, 2012,
p. 27), Billy Bond, caracterizado de drag, es recibido junto a otros invitados a
una mansión con columnas de mármol y un vaporoso piletón donde un joven
fauno devora un manojo de uvas. Para Bond esta escena debería ser recordada
como el primer video clip en el rock argentino (PEREYRA, 2012, p. 3), pero
como hemos mencionado con anterioridad, es Consentino el primer director

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 193


en producir el primer proto-clip del rock argentino, en Buenos Aires Beat
(1971). Otra escena bastante bizarra de Rock hasta que se ponga el sol, prota-
gonizada por Pescado Rabioso, pronto se convertiría en uno de los clips más
recordados del rockumental argentino (miles de reproducciones en Youtube).
La banda, liderada por Luis Alberto Spinetta, va caminando por la calle cuando
son interceptados por dos vehículos. Un agresor baja de un auto con una esco-
peta, confronta a la banda y le pega un tiro a David Lebón, el otro guitarrista
de Pescado. La reacción de Lebón es cómica. Con el estomago manchado de
sangre encara al asesino y le dice que si fuera policía lo metería en prisión.
Esta escena hubiese pasado al olvido si no fuera por la escena siguiente. Uset
traslada a su equipo al teatro Olimpia para filmar a Spinetta y su banda tocar
canciones como “Despiértate nena” y “Post-Crucifixión”. Esta última, es una
de las mas grandes composiciones del rock argentino, que ya en el año 1973
revelaba en Spinetta a uno de los líderes y compositores mas importantes de la
música popular argentina.

Adiós Sui Generis (Bebe Kamin, 1976)

Adiós Sui Generis es un documental de Bebe Kamin sobre el último concierto


del grupo liderado por Charly Garcia y Nito Mestre el 5 de Septiembre de 1975.
El film registra este recital consagratorio para la banda, en el lujoso estadio
Luna Park, catedral de la cultura popular argentina. En el ambiente del rock,
llenar un Luna Park, es evidencia del éxito masivo. Según Mestre, Sui Generis
había decidido separarse debido a que en sus recitales los fanáticos coreaban
las canciones con tanto fervor que los músicos no se escuchaban a sí mismos:
“Artísticamente eso no era nada bueno”. (TORRESI, 2015, p. 13) Dos años
después, Martin Scorsese filmará The Last Waltz (1978), quizás el documental
más célebre sobre la despedida de un grupo, en este caso The Band, frente a
su público. Mestre no se equivoca cuando años después afirma que Adios Sui
Generis, fue el primer concierto de rock masivo en la Argentina. (TORRESI,
2015, p.13) La banda firmó el contrato con los productores del documental
horas antes de que comenzara el recital.
Sui Generis supo combinar melodías simples y pegadizas con letras ale-
góricas a la primavera amarga que tuvo que atravesar la juventud argentina

194 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


entre las dictaduras de Juan Carlos Onganía y la última dictadura militar de
Jorge Rafael Videla. (WILSON, 2015) La poética de García se apropió del ima-
ginario hippie anglosajón, las melodías melodramáticas de Hollywood y lo
fusionó con la denuncia social tanguera convirtiendo a la banda en una de las
más populares en la historia del rock argentino. “Cuando escuché ‘Canción
para mi muerte’, casi me muero. Yo que venía de saber todo, sabía que era
comercial, lo que se vendía, lo que no se vendía. Y esto era una bomba. Lo
grabe, se lo lleve a Álvarez, y le dije ‘esto es un tango, un tangazo”, recuerda
Bond. (RODRÍGUEZ, 2016, p. 15) A pesar de que las canciones más conoci-
das de Sui Generis, aun hoy gran parte de la juventud conoce de memoria sus
letras, era simples arreglos para piano y guitarra acústica, Sui Generis tam-
bién se asomó al rock progresivo, por ejemplo en la canción “Bubulina”. Adios
Sui Generis presenta estos dos lados musicales de la banda, el lado popular y
musicalmente demagógico, y el lado progresivo y de arriesgadas improvisa-
ciones. Bebe Kamin, tal vez por pedido de la banda, reparte el tiempo de su
documental en estas dos expresiones, a veces discordantes, de Garcia/Mestre
y su banda. Como ejemplo podemos citar un dilatado solo de bajo, que
ofrece poco de virtuosismo y menos como experiencia sonora. Queda claro,
que la improvisación no es el fuerte de la banda, más bien el preciosismo de
la canción melódica y sus mensajes de rebelión y dulce protesta. Después de
dejar Sui Generis, García creó La Máquina de Hacer Pájaros, un supergrupo
de talentosos músicos que incorporaron fraseos de jazz y rock progresivo.
A diferencia de Sui Generis, La Máquina utilizó al estudio de grabación como
un instrumento compositivo, dándole a Charly la oportunidad de probarse
como compositor y tecladista de un talento ejecutivo. Después de grabar dos
álbumes de delicada confección y un discreto éxito comercial, Charly formó
Serú Girán, otro supergrupo con David Lebón, ex Pescado Rabioso, Oscar
Moro, ex La Máquina, y Pedro Aznar, un bajista hasta ese entonces descono-
cido en ambientes rockeros, que se adueñaría de uno de los piropos favoritos
del público argentino: “genio”.
Dada la demanda del público, que empezó a hacer fila para entrar al
Luna Park en la mañana, los productores organizaron intempestivamente
dos funciones (las 15.000 entradas para la primera función se vendieron
en pocas horas). La banda tocó los mismos temas en las dos funciones,
excepto en la segunda que agregaron “Botas locas”, canción por la que

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 195


habían sido detenidos en Uruguay un mes antes. Mestre rememora la razón
de esta decisión: “Si nos viene a buscar la cana que no sea en el primero, y
si viene en el segundo y nos llevan, al menos terminamos las dos funciones”.
(TORRESI, 2015, p. 13)
Adios Sui Generis hace de las tomas del público uno de los ejes narrativos
y atesora estas imágenes con el esmero de un documental etnográfico. David
E. James (2012, p. 6-28) analiza la importancia que las audiencias interdie-
géticas tienen para el documental musical– los contrapuntos entre primeros
planos de la banda y las reacciones de la audiencia. Como nos recuerda Small
(1998, p. 16), al analizar este tipo de documentales debemos preguntarnos,
“¿Qué significa cuando esta actuación... se lleva a cabo en este momento, en
este lugar, con estos participantes?”. El acto de musicking, definido por Small
como “la participación en una actividad musical, establece en el lugar donde
está ocurriendo un conjunto de relaciones y es en esas relaciones que el sentido
de la actuación reside”. (CHANAN, 2013, p. 339; SMALL, 1998, p. 18) Small
(1998, p. 179) agrega que el lenguaje de una actuación permanece abierta a
nuevas interpretaciones, dado que las audiencias crean permanentemente
“nuevos contextos de recepción” y de conmemoración. Uno de los aspectos
para destacar en relación a la recepción del público son sus movimientos,
que como afirma Cohen (2012, p. 17), contribuyen a la gestación del “evento
sónico”.
Bebe Kamin intercala tomas del público entre la presentación de las
canciones. Es difícil ver Adios Sui Generis sin contemplar la posibilidad que
algunos de esos jóvenes felices, no hayan sido víctimas del aparato represivo
militar. Da escalofríos ver la silueta del segundo camarógrafo filmando a los
músicos sobre el escenario. Se trata de Raymundo Gleyzer, cineasta militante
que constituyó el grupo de cine documental político Cine de la Base, sería des-
aparecido, el 27 de mayo de 1976.
Al igual que en el documental de Uset, Kamin inserta entre el material
del recital secuencias extradiegéticas; una de ellas filmada en estudio. Fácil es
distinguir cual es la más absurda y fatídica del documental. La canción “Un
hada, un cisne” se ve acompañada con una secuencia en un jardín en verano.
En cámara lenta, el lánguido Mestre en traje de baño corre y se zambulle en
una pileta. La secuencia se repite una y otra vez, malogrando la vana intención
de combinar el ritmo de la canción con la edición. Al terminar la secuencia,

196 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


volviendo al concierto en el Luna Park, es difícil no sentirse agradecido. Otra
secuencia es un clip del tema satírico “Mr. Jones o pequeña semblanza de una
familia tipo”, donde se visualiza a García y Mestre vestidos de mujer, con el
resto de la banda en un banquete grotesco.
El último tema del documental es “Blues del levante”. Es reconfortante ver
a público gozar de este rock simplón “dando vuelta por la esquina, caminando
nada más, pasan muchas, muchas minas...” Ritmo y una dosis de delirio para
una generación castigada.

Prima Rock (Osvaldo Andéchaga, 1982)

El 20 y 21 de septiembre de 1981 se realizó en Ezeiza el segundo festival Prima


Rock, el registro de los conciertos se presentó en un film homónimo estrena-
do el 2 de diciembre de 1982 (el cual originalmente se iba a llamar Con cierto
amor9). El festival, organizado por Alejandro Pont Lezica, “consiguió demos-
trar, en parte, que todavía es posible practicar la esencia fraternal de la música
de rock”, según afirmaba la edición de la revista Pelo sobre la cobertura del
evento. Asimismo en dicha nota se destaca que hubo hechos de violencia, el
público lanzó objetos a diversos intérpretes durante sus actuaciones, lo cual no
está registrado, ni sugerido, en el film.
Prima Rock es el primer film argentino musical que cuenta integral-
mente con sonido sincrónico,10 a diferencia de los demás rockumentales
aquí analizados. Por ello resulta uno de los documentales más genuinos
sobre las performances en vivo, con los defectos de sonido incluidos (y no
son pocos). Además de las performances cuenta con algunas entrevistas a
los músicos en el backstage. Las palabras de Nito Mestre recabadas de esta
forma son las más, aunque sutilmente, políticas: “debemos utilizar nuestra
potencia para otras cosas además de para hacer música. Para tratar de mejo-
rar el nivel de vida”. Aseveración que será más explícita un año después, en
el film de Olivera, ya luego de la guerra de Malvinas y con la dictadura en
marcha reversa.

9 Véase la nota de la revista Pelo de septiembre de 1981, disponible en: <http://www.magicasrui-


nas.com.ar/rock/rock-festival-prima-rock.htm>.
10 Salvo en un tema interpretado por Lito Nebbia, “Para John”.

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 197


Están particularmente presente el rock instrumental, fusión y progresivo,
en los temas de Baraj-Barrueco, Jorge Cumbo (con un público llamativamente
embravecido por las intrincadas melodías presto vivace llevadas adelante por
la flauta del solista) y Spinetta Jade. Al conjunto de Luis Alberto Spinetta se
le brinda la parte más importante del film, el último tercio (30 minutos).
La presencia de las interpretaciones con el sonido original, pese o debido a
los problemas de amplificación sufridos por la banda, puede ser tomada como
ejemplo de registro genuino que Andéchaga prefirió mantener pese a que si
hubiese tomado los temas de los LP’s el resultado hubiese sido más al gusto del
mercado discográfico. En la nota de Pelo, mencionada anteriormente, se des-
taca que la performance de Spinetta Jade se demoró más de la cuenta debido
a los problemas de sonido que, de todas formas, no pudieron ser soluciona-
dos por entero antes de que el conjunto saliera al escenario. En la entrevista
insertada, Spinetta se refiere a lo que consideraba debía ser el futuro del rock
nacional: “espero se vuelva muy profesional, sin que eso lo prive de sensibilida-
d”.11 ¿Una de las últimas manifestaciones en favor de lo progresivo que el rock
nacional ya había comenzado a abandonar?
A diferencia de otros rockumentales de la época éste no cuenta con esce-
nas actuadas por los músicos, de hecho casi la totalidad de la cinta la cons-
tituyen las performances capturadas con sonido sincrónico de los rockeros:
Miguel Cantilo y Punch, Dulces 16, Virus12 y Pedro y Pablo, entre otros. Debido
a esto, y a los estudios teóricos mencionados al comienzo de este trabajo, es
difícil considerar a Prima Rock como un rockumental. Las pocas entrevistas en
backstage no funcionan más que como insertos que separan algunas interpreta-
ciones. Es decir, el film de Andéchaga está más cerca de un concert film que de
un rockumental, aunque esto no constituya un demérito. Se trata de un regis-
tro fiel de las performances en vivo, lo cual le otorga el carácter genuino que
resaltábamos anteriormente. Sin dudas Prima Rock es un documento de un
festival de rock realizado durante la dictadura ubicado en una encrucijada en la
que se encontró el rock nacional: seguir el camino progresivo o cancionístico.

11 Cumbo también se refería al necesario “profesionalismo”.


12 Virus interpretó “Soy moderno, no fumo”. Al parecer el único tema en que el público no tiró
objetos al escenario (véase la nota de Pelo).

198 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


El siguiente film de este análisis da cuenta de que las voluntades de los conduc-
tores llevaron al rock por la segunda vía.

Buenos Aires Rock (Héctor Olivera, 1983)

La cuarta, y última, edición del festival Buenos Aires Rock se realizó los días
6, 13, 20 y 27 de noviembre de 1982 (pocos días antes del estreno en salas de
Prima Rock). Con la dictadura en retirada luego de la derrota de Malvinas se
filmó Buenos Aires Rock (Héctor Olivera, 1983), estrenado en enero de 1983,
el registro de aquella edición del encuentro rockero (y algo más). Se trata del
rockumental argentino más político, pero no solo por los procedimientos
de montaje llevados a cabo (que serán analizados más adelante) sino tam-
bién por lo que ocurrió efectivamente arriba del escenario: merced del corri-
miento del rock progresivo hacia el formato de canción, del estilo trovadora
(como expone León Gieco) o de protesta (el caso de Miguel Cantilo), en el
rock nacional ganó espacio el contenido poético realista, más o menos meta-
fórico según los casos. Desde las primeras ediciones del B. A. Rock, cuando
a su nombre se adosaba “Festival de la música progresiva”, hasta la última
realizada en 1982, y luego de diez años desde la anterior, la escena del rock
nacional cambió. Los visos de posibilidad de contar con un movimiento mu-
sical progresivo se fue decantando hacia la composición de canciones cortas
con una preeminencia de la letra, valorizando los estribillos. Asimismo, las
interpretaciones se centraron en dejar de lado el virtuosismo de largos pasa-
jes musicales para focalizarse en la generación de una respuesta explícita del
público, coreando los temas. Ese pasaje es perceptible en el film de Olivera y
tiene una secuencia ejemplar: en el comienzo están zapando Gieco, Cantilo,
Raúl Porchetto y Piero, quienes alternadamente cantan estrofas de diferentes
canciones intercaladas y ríen por esa mezcla. Eso da cuenta de que para la
época ya “hay” una historia del rock nacional, la cual forzosamente es intro-
ducida de forma pedagógica en Rock hasta que se ponga el sol, tarea que no es
necesario realizar ya para este film; y que esa historia ya resulta “entrañable”,
es una que podemos contar-cantar todos.
Olivera había sido el productor de aquel film de Uset, con su empresa
Aries Cinematográfica, y lo sería también de Que sea Rock (Sebastián Schindel,

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 199


2006), redondeando una suerte de trilogía de rockumentales. Para Buenos Aires
Rock, que también contó con la producción de Daniel Ripoll, el organizador del
festival, utilizó más cámaras para registrar las performances en vivo que, junto
a una grabación más cuidada del sonido, favoreció una mayor presencia de
actuaciones con sonido sincrónico. De todas maneras, también se encuentran
pasajes con sonido pos sincronizado e insertos de actuaciones de los músicos
con música no diegética. Asimismo hay una presencia importante de imágenes
del backstage y, en ocasiones, se presentan entrevistas de formato tradicional a
los músicos, técnicos y organizadores.
En el montaje del film, realizado por un equipo dirigido por Eduardo
López, se perciben claramente las elecciones ideológicas del film. Luego de
que Patricia Sosa, cantante de La Torre, terminara la frase “el público de rock
es machista” se presenta la actuación de V8: camperas de cuero, letras agre-
sivas, riffs con overdrive al mango y mucho olor a hombre sobre el escenario
y entre el público. Por otro lado, el montaje fílmico también es comentario
político: en una serie de opiniones de los asistentes sobre lo que significa
el rock la última palabra es “¡mata, loco!” y un policía responde “es un tipo
de música más”, esos fragmentos se repiten en tres ocasiones consecutivas,
luego dos jóvenes leen “Historia de la Policía Federal Argentina” mientras se
tapan la nariz, y comienza “Pensar en nada” de Gieco. También se imprimen
en imágenes los fragmentos de las letras que hacen referencia al contexto
político: “esta patria liberada debe ser”, mientras Piero canta “Coplas de mi
país”; o “cuando los hombres se sientan libres será más libre nuestra cul-
tura”, durante la interpretación de “Los sueños de la cultura” por Cantilo.
Por último, otro procedimiento de montaje rico en explicitación política es
la inserción de fotografías durante las interpretaciones, de John Lennon, a
pocos años de su asesinato, durante la interpretación de “Algo de paz” por
Porchetto y de la guerra de Malvinas, durante el cierre conjunto de Gieco,
Cantilo, Piero y Porchetto cantando “Sólo le pido a Dios”.
Los pasajes más encendidamente políticos del festival se corresponden
en imágenes con el registro de las actuaciones, que cuentan con sonido sin-
crónico, de Piero y de Pedro y Pablo (la banda de Cantilo y Jorge Durietz).
“Cuantas voces se callaron, ay país”, ensaya en soledad sobre el escenario
Piero, mientras recibe la lluvia de miles de claveles lanzados por el público.
Se trata de la canción “Coplas de mi país”, presentada como un alegato

200 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


antibélico y contra el régimen militar: “a esta patria la remataron mal / para
el pueblo lo que es del pueblo”, mientras se escucha el clamor de los asisten-
tes. Y si de comentario político y rock se trata no podía falta “Marcha de la
bronca”, por Pedro y Pablo. Ya sobre un escenario iluminado con luz artificial
Cantilo y Durietz gritan “bronca porque matan con descaro y nunca nada
queda claro”, mientras el campo de Obras Sanitarias es arado por los alaridos
de los presentes.
En Buenos Aires Rock Olivera genera un híbrido rockumental que no sus-
cribe a la tradición del directo de los films de los Maysles o Pennebaker, debido
a que no se presenta un seguimiento de los protagonistas en diferentes ámbi-
tos públicos y privados y cuando, por ejemplo, se introducen imágenes del
backstage, se constituye una puesta en escena de entrevista. Es decir, todo lo
contrario de lo promovido por el cine directo, aquí la cámara está siempre en
un espacio central, plenamente visible. Por otra parte tampoco se trata única-
mente de un film “de festival”, como lo son Monterey Pop o Woodstock, aquí
no solo hay imágenes capturadas durante las interpretaciones de noviembre de
1982, también se recrean escenas con actores o se simula el vivo con la inser-
ción de banda musical tomada de los discos, como estaba presente en los roc-
kumentales argentinos analizados anteriormente. El director puso en imágenes
el “espíritu de una época” que, a través del rock, impregnaba a la cultura de los
jóvenes, nadando en mares políticamente revueltos.

Spinetta, el video (Pablo Perel, 1986)

Pablo Perel trabajaba en la revista de rock El expreso imaginario, cuando en 1978


Luis Alberto Spinetta le regaló una cámara de video, aún de poca difusión co-
mercial en la Argentina. Unos años después Perel y su colega Ralph Rothschild
comenzaron a trabajar en el guión de un film que se llamaría Spinetta, el largo,
con la colaboración del músico.13 Perel en dirección y Rothschild como pro-
ductor finalizaron en 1986 lo que puede ser considerado hoy como el pri-
mer largometraje documental argentino realizado íntegramente en video y el

13 Según nota de Perel reproducida en <http://elblogdenits.blogspot.com.ar/2012/06/spinetta-


-el-video-de-pablo-perel-1986.html>.

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 201


primer rockumental que no basó su representación en performances en vivo,
sino en el proceso de grabación de un disco: Privé.
Spinetta, el video, el nombre final del rockumental, es también un ejercicio
experimental en el que utilizando los recursos explotados por el videoarte, se
insertan collages, se sobreimprimen imágenes con ilustraciones, se producen
ralentis y retrocesos y se modifican los colores en algunos fotogramas. En fin,
muchas de las pinceladas estéticas del videoarte, que sirvieron también a la rea-
lización de videoclips televisivos, están presentes en el rockumental de Perel.
Las secuencias en que lo muestran en el proceso de grabación del disco, uno de
los más tecnos de Spinetta, y en presentaciones en vivo, están unidas mediante
sus testimonios, cargados de buen humor, sobre su vida privada, la creación
musical, la fama y el rock nacional, entre otras cuestiones. En el jardín de una
quinta o yendo hacia ella en auto por la autopista, en el estudio de grabación o
en la casa/galería de arte del pintor Sixto Caldano.
Entre la cantidad de cuestiones conversadas en el video, dos temas en los
que Spinetta polemiza con sus colegas pueden ser rescatados. Y ambos redun-
dan en cuestionar la elección que tomó el rock nacional en la encrucijada
progresivo/cancionístico. Una arista tiene que ver con la política, otra con el
dilema popular/sofisticado. “Usar un lenguaje panfletario es anti rock – lanza
Spinetta. [De esa manera] las canciones están basadas en palabra y no en la
música”. Una crítica que tiene como objetivo a Piero, Cantilo y Gieco, entre
otros. La otra cuestión desarrollada se enfoca en una reflexión sobre la insu-
ficiente explicación de que el rock argentino para ser popular debió abando-
nar los matices progresivos que cobijó en la década del setenta. Tomando a la
música de Astor Piazzolla parangona que lo profesional y sofisticado musical-
mente no es popular debido a que los canales difusores no quieren que lo sea.
Es decir, que el público podría vivir en una cultura de un rock más elaborado,
sin que por eso fuese menos popular. Spinetta aún llora que el rock argentino
optase por el camino más ligero de las canciones de estribillo pegadizo.

Conclusión

Los primeros documentales sobre rock argentinos guardaron un amplio es-


pacio de registro de las performances en vivo. Aunque también se hicieron

202 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


presentes toda una serie de recursos que permiten hablar de rockumentales
y no simplemente de concert films: ficcionalizaciones, entrevistas, registro
de la audiencia, escenas de observación de la organización de los conciertos,
imágenes de archivo etc. Desde los primeros films de esta serie, Buenos Aires
Beat (1971) y Rock hasta que se ponga el sol (1973) hasta Buenos Aires Rock
(1983) y Spinetta, el video (1986), la variación de recursos cinematográficos y
videográficos (en el último caso) dieron cuenta de una escena rockera que fue
mutando desde el hippismo, la psicodelia y el virtuosismo hacia la canción
de comentario de la realidad, con una fuerte presencia de los estribillos fá-
cilmente memorizables.
El músico que mediante su trayectoria hizo patente estos estadios del
rock argentino es Luis Alberto Spinetta. Asimismo es el único que aparece en
todos los films analizados (salvo en Adiós Sui Generis). Desde lo progresivo de
sus interpretaciones agresivas con Pescado Rabioso en el film de Uset a sus
performances melódicas con Spinetta Jade en los documentales de Olivera y
Andéchaga, llegando hasta su faceta tecno durante la grabación de Privé, regis-
trado por la cámara de Perel. Aunque Spinetta siguiese aún en el último film
resistiéndose al comentario político explícito, al que se había vuelto tan afecto
cierto rock trovador en boga en la transición democrática. Su paulatino aban-
dono de lo progresivo y sinfónico en sus composiciones no lo acercó necesaria-
mente a las canciones de poesía sencilla, ni tampoco se volvió corriente en sus
temas la presencia de estribillos.
Los rockumentales argentinos durante sus primeros quince años de vida
acompañaron a la escena argentina desde un lugar expectante, registrando más
que comentando, en estrecha relación de producción con las industrias dis-
cográficas y los organizadores de los grandes festivales. Pueden ser conside-
rados como films que atesoran la memoria de esas grandes congregaciones de
público, cuando aún la comunión generada por el disfrute de la música en vivo
estaba en su apogeo.

Referencias

ALTMAN, R. Conventions of sound in documentary. In: ALTMAN, R. Sound Theory/


Sound Practice. New York: Routledge, 1992. p. 217-234.

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 203


BERGER, H. M. Metal, rock and jazz: perception and the musical phenomenology of
musical experience. Hanôver: London: Wesleyan University Press, 1999.
BOFFARD, R. Documenting musicians. Magazine Aesthetica, York, UK, n. 56,
p. 120-122, 2014.
BRUNO, D. Rock hasta que se ponga el sol. [Buenos Aires]: Rebelde, 2000. Disponible
en: <http://www.dospotencias.com.ar/rebelde/esp_rock.htm>. Acceso en: 14 marzo
2016.
CAMPO, J. Cine documental argentino: entre el arte, la cultura y la política. Buenos
Aires: Imago Mundi, 2012.
CHANAN, M. Music, Documentary, Music Documentary. In: WINSTON, B. (Ed.). The
Documentary Film Book. Basingstoke: Hampshire: Palgrave Macmillan: British Film
Institute, 2013. p. 337-344.
CHION, M. Audio-vision sound and screen. New York: Columbia University press,
1994.
COHEN, T. F. Playing to the camera: musicians and musical performance in
documentary cinema. London: New York: Wallflower, 2012.
DEUTSCH, R. Docs that really rock: music documentaries go beyond the
performance. Ida, Los Angeles, 2014. Disponible en: <http://www.documentary.org/
magazine/docs-really-rock-music-documentaries-go-beyond-performance>.
Acceso en: 7 dic. 2015.
DONNELLY, K. J. Visualizing Live Albums: Progressive Rock and the British Concert
Film in the 1970s. In: EDGAR-HUNTER, R.; FAIRCLOUGH-ISAACS, K.; HALLIGAN,
B. (Ed.). The music documentary: acid rock to electropop. New York: Routledge, 2013.
EDGAR-HUNTER, R.; FAIRCLOUGH-ISAACS, K.; HALLIGAN, B. Introduction
music seen the formats and functions of the music documentary. In: EDGAR-
HUNTER, R.; FAIRCLOUGH-ISAACS, K.; HALLIGAN, B (Ed.). The music
documentary: acid rock to electropop. New York: Routledge, 2013. p. 1-21.
JAMES, D. E. Rock ’n’ film: generic permutations in three feature films from 1964.
Grey Room, Cambridge, v. 49, p. 7-31, oct. 2012.
LOBALZO WRIGHT, J. The good, the bad and the ugly ‘60s: the opposing gazes of
woodstock and gimme shelter. In: EDGAR-HUNTER, R.; FAIRCLOUGH-ISAACS,
K.; HALLIGAN, B. (Ed.). The music documentary: acid rock to electropop. New York:
Routledge, 2013.
MAIA, G. Elementos para uma poética da música dos filmes. Curitiba: Appris, 2015.

204 JAVIER CAMPO Y TOMÁS CROWDER - TARABORRELLI


PEREYRA, D. Entrevista a Aníbal Uset. Buenos Aires: La nave de los Sueños, 2012.
Disponible en: <http://lanavedelossuenos.blogspot.com/2012/10/entrevista-anibal-
uset.html>. Acceso en: 14 marzo 2016.
RODRÍGUEZ, T. Billy Bond: historias extraordinarias. Ayolas: Playboy, 2016.
Disponible en: <http://www.playboyrevista.com/billy-bond-arquitectura-del-rock-
nacional>. Acceso en: 14 marzo 2016.
ROESSNER, J. The circus is in town: rock mockumentaries and the carnivalesque. In
EDGAR-HUNTER, R.; FAIRCLOUGH-ISAACS, K.; HALLIGAN, B (Ed.). The music
documentary: acid rock to electropop. New York: Routledge, 2013.
SMALL, C. Musicking: the meaning of performing and listening. Hannover: The
University Press of New England, 1998.
STRACHAN, R.; LEONARD, M. Rockumentary. In: GRAEME, H. (Ed.). Sound and
music in film and visual media: a critical overview. New York: Bloomsbury Academic,
2009. p. 284-299.
TORRESI, L. A 40 años, Nito Mestre cuenta la intimidad del Adiós Sui Generis. Buenos
Aires: Clarín, 2015. Disponible en: <http://www.clarin.com/viva/Revista_Viva-Adios_
Sui_Generis-40_anos-Charly_Garcia-Nito_Mestre_0_1421857941.html>. Acceso en:
14 marzo 2016.
WENNEKES, E. Let your Bullets Fly, My Friend: Jimi Hendrix at Berkeley. In:
EDGAR-HUNTER, R.; FAIRCLOUGH-ISAACS, K.; HALLIGAN, B. (Ed.). The music
documentary: acid rock to electropop. New York: Routledge, 2013.
WILSON, T. Un pájaro progresivo: Pop Music, Propaganda, and Struggle for
Modernity in Argentina. Studies in Latin American Popular Culture, Austin, v. 33,
p. 89-107, 2015.

Psicodelia y rebeldía en tiempo de dictadores: rockumentales argentinos (1971-1986) 205


Cidadão Downey1

ARTHUR AUTRAN

Introdução

Dentre as questões ainda insuficientemente analisadas pela historiografia do


cinema brasileiro, destaca-se a trajetória dos produtores, tanto no sentido de
discorrer sobre suas opções comerciais e artísticas quanto a respeito do seu
pensamento industrial ou mesmo de perfis biográficos.
Algumas poucas exceções quase confirmam a regra, como é o caso do livro
em homenagem a Adhemar Gonzaga (GONZAGA; AQUINO, 1989), o qual é
ricamente ilustrado e possui trechos de diversos textos desse cineasta; ou o
volume com o depoimento de Jarbas Barbosa (BARBOSA, 1993); ou ainda o
livro de memórias de Mário Audrá Júnior (AUDRÁ JÚNIOR, 1997), este último
estimulante pelas interpretações que permite acerca da história do cinema bra-
sileiro nos anos 1950. Em termos mais analíticos, deve-se destacar o livro de

1 A pesquisa que gerou este artigo conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). Uma primeira versão do artigo foi apresentada no âmbito no
XIX Encontro da Sociedade Brasileira de Estudo de Cinema e Audiovisual (Socine), realizado na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2015.
Afrânio Mendes Catani (2002) sobre a Maristela, o qual tem como figura de
proa o já citado Mário Audrá Júnior; e a tese de doutoramento de Luciano
Ramos (2014) sobre Oswaldo Massaini.
O presente artigo busca contribuir com a ampliação do conhecimento
histórico acerca da atividade dos produtores no Brasil, enfocando a trajetória
cinematográfica de uma figura ainda mal conhecida: Wallace Downey.
Downey nasceu em 1902, em Nova York, e estabeleceu-se em São Paulo, em
1928, para instalar a seção brasileira da gravadora de discos Columbia, tendo
se desempenhado, então, como seu diretor artístico. (CATANI, 2012, p. 251)
Nesse momento, travou contato com o empresário Alberto Byington Jr., que,
por meio da empresa Byington & Cia, se tornou representante da Columbia
no Brasil. Downey já era um profissional experiente do mercado fonográfico;
em 1922, ele dirigia o laboratório de gravação da Cameo Records. (MIRANDA,
2015, p. 32)
Segundo Rafael de Luna Freire (2013, p. 122), “a partir de 1929, embora
continuasse importando discos estrangeiros, a Columbia passou também a
fabricar discos nacionais a partir de matrizes estrangeiras e, principalmente,
começou a produzir discos de matrizes gravadas no próprio Brasil”.
Ademais, essa empresa, assim como outras gravadoras, mandou para o
Brasil “profissionais experientes para acompanhar a instalação de suas fábri-
cas”, tais como o próprio Wallace Downey, John Lilienthal (diretor geral), Jones
B. Orr (chefe da filial do Rio de Janeiro) e George C. Stevens (diretor técnico
do setor de eletricidade e chefe de publicidade no Rio de Janeiro). (FREIRE,
2013, p. 122)
É interessante lembrar que, também entre as filiais das distribuidoras cine-
matográficas norte-americanas que se instalaram no Brasil desde a segunda
metade dos anos 1910, era corriqueira a presença de profissionais provenientes
dos Estados Unidos. A título de exemplo, é possível mencionar Al Szeckler, que
dirigiu a agência da Universal em parte da década de 1920, e William Melniker,
chefe do escritório da Metro-Goldwyn-Mayer no Brasil até o decênio seguinte.
Com o advento do cinema sonoro, Downey passou a se dedicar à ativi-
dade cinematográfica. É significativo notar que a historiografia dedicou rela-
tivamente pouca atenção a sua figura e, mesmo assim, quando ela avulta, é
como uma das mais antipatizadas por historiadores do cinema, pesquisadores,
jornalistas e biógrafos.

208 ARTHUR AUTRAN


Tal como o repórter do cinejornal de Cidadão Kane (Citzen Kane, Orson
Welles, 1941), que busca perscrutar, por meio de diversas entrevistas, quem
seria Charles Foster Kane, vejamos algumas posições acerca do produtor:

Wallace Downey era o típico americano nos trópicos, só que em versão


desenho animado: boa-praça, forte, suarento, avermelhado, uns 35 anos
presumivelmente, chapéu de palha, terno de linho branco amarrotado,
meia dúzia de palavras em português, sotaque execrável, um uísque na
mão – e um oportunismo para o qual os nativos não estavam preparados.
(CASTRO, 2005, p. 116-117)

À mesa de Shubert2 na Urca, saído de trás de uma pilastra ou cortina,


juntou-se um inesperado personagem: seu patrício, dublê de produ-
tor cinematográfico e agente musical, o sempre alerta Wallace Downey.
(CASTRO, 2005, p. 185)

O sucesso de Coisas nossas (1931), lançado em novembro de 1931 no ci-


nema Eldorado, ironicamente dirigido por um norte-americano esperto,
Wallace Downey, abriu caminho para que, na Cinédia, Adhemar Gonzaga
e Humberto Mauro dirigissem o primeiro filme carnavalesco da nova
companhia. (VIEIRA, 1987, p. 141)

O ‘gênero’ [musicarnavalesco], sempre apressado e desleixado, faria a for-


tuna do ianque Wallace Downey, em sua Waldow e depois na Sonofilms,
[...]. (VIANY, 1959, p. 106)

Downey gostava tanto de cinema que não conseguiu terminar de dirigir


um filme sequer. (HEFFNER; RAMOS, 1988, p. 108)

Desse mosaico, ressalto, para além da antipatia em relação à Downey que


caracteriza as citações, o fato de sua atuação ter sido fundamental no surgimento
da comédia musical carnavalesca. A figura esboçada na montagem acima é a de
alguém que gosta mais de dinheiro do que de cinema – e isso é condenado por
alguns autores –, mas importa notar: a contribuição de viés eminentemente
econômico de Downey foi fundamental para o cinema brasileiro, o qual, até o
final dos anos 1950, teve como o seu principal produto de mercado justamente a
comédia musical carnavalesca, mais conhecida como chanchada.

2 Trata-se de Lee Shubert, produtor que levou Carmen Miranda para os Estados Unidos.

Cidadão Downey 209


O meu objetivo, neste texto, é compreender a atuação de Wallace Downey
no meio cinematográfico, destacando as comédias musicais carnavalescas a
partir de uma perspectiva que ressalta a importância do sucesso econômico na
atividade, ainda mais em uma quadra histórica na qual o apoio do Estado ao
cinema brasileiro era restrito e o mercado era dominado por Hollywood.

Coisas nossas

A primeira experiência cinematográfica de Wallace Downey foi como diretor


e coprodutor, ao lado de Alberto Byington Jr., de Coisas nossas (1931), filme
musical pioneiro, sonorizado no processo Vitaphone – ou seja, por meio de
discos. A equipe técnica foi composta, na fotografia, por Adalberto Kemeny
e Rodolfo Lustig, imigrantes húngaros que haviam realizado o documentário
São Paulo, a sinfonia da metrópole (1929), e, no som, por Moacyr Fenelon.
Não existem mais cópias de Coisas nossas; entretanto, alguns discos
foram preservados e encontram-se depositados no Museu de Comunicação
Social Hipólito José da Costa, em Porto Alegre. A trilha sonora indica que a
sua estrutura narrativa baseava-se em números musicais de gêneros varia-
dos entremeados por situações humorísticas. A pesquisadora Suzana Reck
Miranda anota que o elenco era integrado, entre outros, por atores como
Procópio Ferreira e Genésio Arruda, as cantoras Helena Pinto de Carvalho,
interpretando “Esse jeitinho que você tem” (de Marcelo Tupinambá), e
Zezé Lara, defendendo “Toada sertaneja” (de Marcelo Tupinambá), o can-
tor Paraguassu, interpretando “Nunca mais” (de Eduardo dos Santos e
Gutemberg Cruz), e a dançarina Corita Cunha. (MIRANDA, 2015, p. 33;
36-37) Essa mesma autora observa que:

Das onze músicas que integram os sete discos parcialmente recuperados,


temos: uma abertura circense, uma marcha ‘caipira’, três toadas, dois cho-
ros, uma canção, duas peças de tradição oral e duas emboladas. Sabemos
que o filme continha outros números com música, um dos quais era com
o samba Não me Perguntes, de Joubert de Carvalho, interpretado por
Arnaldo Pescuma. No entanto, chama-nos a atenção o fato de que, no
repertório que nos foi possível ouvir, há o predomínio de sonoridades e
ritmos ligados ao universo rural. (MIRANDA, 2015, p. 38)

210 ARTHUR AUTRAN


Somente após Wallace Downey se mudar para o Rio de Janeiro e se asso-
ciar à Cinédia é que ele passou a apostar no samba como carro-chefe dos seus
filmes enquanto gênero musical.
A fita foi lançada em 23 de novembro de 1931 no Cine Rosário – em São
Paulo – e no dia 30 do mesmo mês no Cine Eldorado – no Rio de Janeiro –,
alcançando grande sucesso de público e repercussão na imprensa. Um fato que
ampliou a repercussão foi a presença do presidente Getúlio Vargas em uma
sessão de Coisas nossas no Cine Eldorado. Pedro Lima, com o pseudônimo de
XIZ, escreveu um artigo no qual lista uma série de técnicos e artistas de desta-
que no quadro do cinema brasileiro de então, asseverando que “só nos faltava
[ao cinema brasileiro], portanto, o apoio do governo”, o qual, então, se iniciava:

A presença do chefe do nosso governo ao cinema Eldorado é, até agora, o


maior e único estímulo que já teve qualquer filme brasileiro, sendo de es-
perar que novos horizontes surjam para a consagração definitiva de todos
os esforços em prol de um ideal tão bonito e patriótico. (XIZ, 1931, p. 7)

No ano seguinte, o governo de Vargas editou o Decreto nº 21.240, pri-


meiro instrumento de proteção ao cinema brasileiro. No entanto, o tipo de
filme visado pela legislação era bem diferente de Coisas nossas, pois o decreto
intentava estimular a produção de curtas-metragens de cunho educativo ou
cultural por meio da obrigatoriedade da sua exibição, posto que todo longa-
-metragem estrangeiro deveria ser acompanhado por um curta nacional.
De qualquer forma, o texto de Pedro Lima indica para algo fundamental: a
mera presença de Vargas em uma sessão de uma película nacional já sugeria
mudanças nas relações entre Estado e cinema no Brasil, até ali sem nenhum
vínculo institucional.
Também é interessante notar o texto publicado no Jornal do Brasil para
divulgar o lançamento de Coisas nossas, o qual seguramente tem origem em
um press release ou parte dele, pois a mesma redação pode ser lida em outros
jornais com algumas poucas alterações:

Coisas nossas é um filme genuinamente nacional, não só porque os artistas


são todos brasileiros, como também porque a música, quase na sua tota-
lidade e os ambientes são essencialmente da nossa terra. Isso, entretanto,
não quer dizer que a firma Byington & Cia. prescindisse de elementos

Cidadão Downey 211


estrangeiros para melhor confeccioná-lo, como operadores, gravadores,
etc. (COISAS..., 1931)

Na sua continuidade, a matéria relaciona os estrangeiros Wallace Downey,


Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeny, mas também as câmeras Bell & Howell, a
película pancromática Dupont e a “emulsão igual à empregada pelas melhores
fábricas ianques”. (COISAS..., 1931)
O que transparece, em termos ideológicos, nesse texto? Ao acreditar
que se trata de um press release, estaríamos diante de um singelo manifesto,
uma exposição tímida do pensamento industrial cinematográfico de Alberto
Byington Jr. e Wallace Downey. E o que emerge aí é a crença, de um lado, nas
potencialidades dos artistas nacionais e deles como expressão da nacionali-
dade, junto à ambientação. Mas não se nega a importância dos estrangeiros; a
eles, caberia a competência técnica para apresentar esses artistas embalados no
mais perfeito produto industrial, de par com equipamentos e insumos também
importados. É quase como se ao Brasil coubesse a matéria-prima, enquanto
aos estrangeiros, a capacidade técnica de expressá-la na tela.
Essa postura ideológica contrasta com outra, representada pelo cineasta
Luiz de Barros, que, em 1924, escreveu o texto “O valor dos nossos técnicos”,
no qual busca argumentar contra a ideia de trazer técnicos estrangeiros para
ensinar aos brasileiros, pois, afinal, a luz seria, aqui, muito diferente da euro-
peia ou da norte-americana, de maneira que profissionais provenientes desses
lugares não saberiam fotografar corretamente no Brasil. Ademais, o técnico
brasileiro não possuiria especialização e trabalharia nas mais diversas funções,
o que seria uma vantagem frente aos estrangeiros. Finalmente, os brasileiros
estariam acostumados a trabalhar com câmeras antigas e sem a emulsão da
Kodak – de qualidade melhor para a revelação da película. (BARROS, 1924)
Esse embate ideológico teve vida longa no cinema brasileiro, culminando
na Companhia Cinematográfica Vera Cruz, aliada ao viés defendido por
Byington e Downey. Mas esse não é o momento para historiar de forma com-
pleta o importante conflito ideológico mencionado. Entretanto, vale dizer que
Luiz de Barros fez uma crítica a posturas como a de Downey em Berlim na
batucada (1944), filme cujo entrecho envolve um norte-americano que vem ao
Brasil a fim de conhecer o samba e levar seus artistas para os Estados Unidos.
Sérgio Augusto (1989, p. 98) sugere que o personagem do norte-americano

212 ARTHUR AUTRAN


seria inspirado em Orson Welles. Sem negar essa interpretação, entendo que
também se pode pensar em Downey como fonte de inspiração, pois, da mesma
forma que o personagem interpretado por Delorges Caminha, ele explorava o
talento dos artistas brasileiros. No filme de Lulu, afigura-se que uma matéria-
-prima tão envolvente do ponto de vista artístico – o samba e seus artistas
– interessaria de forma instantânea àqueles que dominavam a técnica cinema-
tográfica, ou seja, aos norte-americanos.
Para além da atividade cinematográfica, Downey desenvolveu, a partir dos
anos 1930, uma exitosa carreira como agente de artistas latino-americanos
por meio da Todamérica, intermediando shows, gravações e direitos autorais;
bem como representando editores musicais norte-americanos, no Brasil e na
Argentina, através da Música Internacional Downey – empresa que possuía
escritórios no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Ele também representou a
American Society of Composers, Authors and Publishers (Ascap) na América
Latina (OBITUARIES, 1967), buscando, durante muitos anos, ampliar a
cobrança, no subcontinente, de direitos autorais devidos aos artistas ligados
a essa associação. Curioso notar que, no conjunto de 37 notas da Variety nas
quais o nome de Downey é mencionado, a maioria se relaciona com a Ascap e
com o seu trabalho como agente de músicos, enquanto o número de menções
ao cinema é minoritário.3 Isso é indicativo da representatividade da música na
carreira de Downey e da sua importância frente ao cinema, apontando ainda
que a expertise dele era maior em relação à música.

A experiência da Waldow

Em 1934, Downey já estava estabelecido no Rio de Janeiro e fundou, nesse


ano, a produtora Waldow. Por meio dessa empresa, coproduziu com a Cinédia,
de Adhemar Gonzaga, três filmes: Alô, alô, Brasil (Wallace Downey, João de
Barro e Alberto Ribeiro, 1935), Estudantes (Wallace Downey, 1935) e Alô, alô,
Carnaval (Adhemar Gonzaga, 1936). São produções feitas de maneira rápida,
com um entrecho cômico bastante tênue e diversos números musicais estre-
lados por artistas de então grande sucesso no rádio. Os três filmes fizeram

3 O levantamento das menções a Wallace Downey na Variety foi feito pela pesquisadora Suzana
Reck Miranda, que gentilmente me repassou esse valioso material.

Cidadão Downey 213


sucesso junto ao público. Alô, alô, Brasil e Alô, alô, Carnaval foram lançados
comercialmente pouco antes do Carnaval e conseguiram bilheterias retumban-
tes. Ambos veiculavam sambas, marchinhas e outros gêneros musicais típicos
do tríduo momesco, estabelecendo as bases de estrutura narrativa, de produ-
ção e de comercialização do gênero que, até final dos anos 1950, foi o mais
importante para o cinema brasileiro em termos de público: a chanchada.
Nota-se que, no início da década de 1930, a postura de Downey tem franco
contraste com o principal produtor brasileiro daquele momento, Adhemar
Gonzaga, cuja Cinédia tendeu, em suas primeiras realizações, a apostar em fil-
mes dispendiosos e com grandes pretensões artísticas, como Mulher (Octávio
Gabus Mendes, 1931) e Ganga bruta (Humberto Mauro, 1933). Após o fracasso
comercial e de crítica de Ganga bruta, Adhemar Gonzaga produziu e codiri-
giu, com Humberto Mauro, o longa-metragem A voz do Carnaval (1933), que,
segundo Alice Gonzaga (1987, p. 43), apresentava “um entrecho cômico, inter-
pretado por artistas de valor”, tais como o comediante Pablo Palitos. Ademais,
havia cenas documentais do Carnaval no Rio de Janeiro. A partir dessa fita e
também da associação com Wallace Downey, Gonzaga alterou o modo de pro-
dução da Cinédia e o perfil de parte dos filmes da companhia.
Alô, alô, Brasil tem a alinhavar a sua frágil narrativa as desventuras de um fã
radiofônico apaixonado por uma cantora que nunca viu, apenas ouviu. Dentre
os números musicais, é possível destacar “Cidade maravilhosa” (de André
Filho, cantada por Aurora Miranda) e “Rasguei minha fantasia” (de Lamartine
Babo, cantada por Mário Reis). Alice Gonzaga (1987, p. 44) informa que a pelí-
cula estreou no Rio de Janeiro, no Cine Alhambra, em 4 de fevereiro de 1935,
ficando três semanas em cartaz – o que demonstra grande sucesso de público
– e em São Paulo, na sala Vermelha do Cine Odeon, em 11 de fevereiro.
Alô, alô, Brasil foi bem recebido pela imprensa da época. O cronista João
de Minas (1935, p. 3), entusiástico, acreditava ser “esse filme que plantou o
cinema caboclo, que o fundou, que o iniciou como realidade artística e indus-
trial”, uma indústria que poderia, inclusive, concorrer com a produção estran-
geira. Tratava-se de mais uma “fundação” do cinema brasileiro – tema reite-
rativo da história do cinema nacional até a Vera Cruz, pelo menos –, e, nesse
caso, é curiosa a imagem utilizada: uma planta. Seria uma indústria para extrair
da terra os talentos “caboclos”?

214 ARTHUR AUTRAN


O crítico Pery Ribas, por conhecer muito melhor do que João de Minas
o passado do cinema brasileiro, foi mais comedido ao comentar a importân-
cia de Alô, alô, Brasil, considerando injusto classificá-lo como o melhor filme
nacional até ali. Anotou, porém, que era “indiscutivelmente o melhor filme
musicado brasileiro” e que Wallace Downey era “um elemento de valor com
que o cinema brasileiro agora conta”. Classifica ainda o som do filme como
“perfeito”, no que pese a pressa das filmagens. (RIBAS, 1935)
A observação em relação à rapidez das filmagens nas produções de Wallace
Downey se tornou recorrente no jornalismo cinematográfico. Alô, alô, Brasil
começou a ser rodado em 27 de dezembro de 1934 e foi filmado até 10 de
janeiro do ano seguinte, ou seja, exatos 15 dias, incluindo o feriado do dia 1
de janeiro. Isso se devia à necessidade de diminuir custos com a equipe téc-
nica, indicando ainda que havia pouca margem para refilmagens de um mesmo
plano – implicando a economia de insumos, em especial, da película virgem.
É de se notar que, nos textos publicados na imprensa e no programa cine-
matográfico distribuído no período do lançamento da película, Alô, alô, Brasil
apareceu creditado somente à Waldow – quando muito, a Cinédia é citada
em alguns textos como o estúdio onde a fita foi feita – e, no programa que
se encontra depositado no Arquivo Cinédia, não há nenhuma menção a essa
produtora.
Estudantes tem Carmen Miranda no papel feminino central, interpretando
a cantora Mimi, pela qual os estudantes interpretados por Barbosa Júnior,
Mesquitinha e Mário Reis se apaixonam. O filme também foi bem público,
tendo sido lançado no meio do ano de 1935, em 8 de julho, no Alhambra
carioca – ficando duas semanas em cartaz – e em 15 de julho, na sala Vermelha
do Odeon, em São Paulo. (GONZAGA, 1987, p. 46) Dentre os números musi-
cais, destacam-se “E bateu-se a chapa” (de Assis Valente, cantada por Carmen
Miranda), “Linda Mimi” (de João de Barro, cantada por Mário Reis) e “Lalá” (de
Alberto Ribeiro e João de Barro, interpretada pelo Bando da Lua).
Alô, alô, carnaval foi o grande sucesso da associação entre a Waldow e a
Cinédia. O filme dirigido por Adhemar Gonzaga tem a conduzir seu fio nar-
rativo a montagem de uma revista teatral por dois revistógrafos sem dinheiro,
mas que conseguem, em um golpe de sorte, um produtor para bancar a peça,
intitulada Banana da terra. Entre os diversos números musicais, é de se destacar
“Pierrô apaixonado” (de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres, interpretado por Joel

Cidadão Downey 215


de Almeida e Gaúcho), “Muito riso e pouco siso” (de João de Barro e Alberto
Ribeiro, cantada por Dircinha Batista acompanhada pelo grupo Os Quatro
Diabos), “Cadê Mimi” (de João de Barro e Alberto Ribeiro, na voz de Mário
Reis), “Querido Adão” (de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago, cantada por
Carmen Miranda) e “Cantores do rádio” (de João de Barro, Lamartine Babo
e Alberto Ribeiro, nas vozes de Carmen e Aurora Miranda com a Orquestra
Simão Boutman).
Em relação a essa fita, há documentação no Arquivo Cinédia que demons-
tra ter sido uma coprodução entre Waldow e Cinédia, com cada uma das partes
arcando com 50% do “custo de produção”, o que não incluiu, por exemplo, a
utilização dos estúdios da produtora de Gonzaga. Entretanto, foram anexados
aos “custos de produção” itens como os salários de Moacyr Fenelon, Antônio
Medeiros e Antônio Dias, bem como a amortização do pagamento do caminhão
de som de Wallace Downey.4 O cálculo do custo final de Alô, alô, Carnaval tem
disparidades de acordo com o documento consultado: o menor valor atribuído
foi de 118:885$700 (cento e dezoito contos, oitocentos e oitenta e cinco mil e
setecentos réis), já o maior valor encontrado foi de 144:881$200 (cento e qua-
renta e quatro contos, oitocentos e oitenta e um mil e duzentos réis). A renda
também foi dividida meio a meio para cada uma das partes e, no final do ano
de 1936, a renda bruta – ou seja, sem nenhum tipo de desconto, tais como as
participações dos exibidores e dos distribuidores – foi de 315:030$200 (trezen-
tos e quinze contos, trinta mil e duzentos réis), cabendo à Cinédia 105:114$200
(cento e cinco contos, cento e catorze mil e duzentos réis).5 Dos itens orça-
mentários mais caros, destacam-se “material fotográfico” – inclui negativos de
imagem e som, filme positivo e papel fotográfico –, que chega ao montante de
37:917$500 (trinta e sete contos, novecentos e dezessete mil e quinhentos réis),
e “artistas”, que é de 36:550$000 (trinta e seis contos, quinhentos e cinquenta

4 Carta de Walace Downey para Adhemar Gonzaga. Rio de Janeiro, 7 out. 1935. Documento
depositado no Arquivo Cinédia (RJ).
5 Não encontrei um documento que indicasse a renda da Waldow. Não basta replicar a ren-
da destinada à Cinédia, pois o valor anotado acima parece incluir a Distribuidora de Filmes
Brasileiros (DFB).

216 ARTHUR AUTRAN


mil réis).6 Nota-se, finalmente, que somente o contrato com as irmãs Carmem
e Aurora Miranda foi de 14:000$000 (catorze contos de réis).7
O filme estreou no Alhambra carioca em 20 de janeiro de 1936 e no
Alhambra paulistano em 3 de fevereiro, tendo ficado neste último cinema
por quatro semanas em cartaz. (GONZAGA, 1987, p. 47) No programa sema-
nal do Cine Alhambra carioca que anuncia Alô, alô, Carnaval, depositado no
Arquivo Cinédia, o filme é divulgado como uma produção Cinédia-Waldow –
de forma diferente de Alô, alô, Brasil. Minha hipótese é que, se, antes, Gonzaga
não desejava expor a sua produtora na realização de um produto considerado
popularesco, a boa aceitação da crítica e o grande sucesso de público fizeram
com que o produtor carioca revisse suas posições e engajasse sua empresa de
maneira mais explícita na produção e na promoção da fita. E o segundo Alô,
alô superou o primeiro, tanto na bilheteria quanto em relação aos elogios da
crítica. O crítico Fiteiro, embora aponte alguns senões, entende que Alô, alô,
Carnaval é tão bom quanto diversas películas estrangeiras exibidas no Brasil e
assevera: “No gênero revista, pode-se dizer, sem medo de errar, que é o melhor
filme até agora produzido no Brasil”. (FITEIRO, 1936, p. 15) Pery Ribas, mais
preciso na análise, entende que, no filme: “Há inegavelmente um ‘scenario’ e
preocupação de fazer Cinema e a colaboração de Adhemar Gonzaga é evidente.
A fotografia é notável e a gravação dá a Moacyr Fenelon um lugar de destaque
entre os nossos técnicos”. (RIBAS, 1936)
Ou seja, tanto em termos estritamente técnicos – fotografia e som –
quanto em termos estéticos – o roteiro e a direção –, Alô, alô, Carnaval mere-
ceu o elogio da crítica e se impôs como marco do cinema brasileiro.
A Waldow produziu ainda, mas sem a parceria com a Cinédia, João
Ninguém (1936), dirigido e estrelado por Mesquitinha, filme que possuía

6 Valores relativos ao orçamento total de 118:885$700. No orçamento de 144:881$200, esses


valores são reajustados da seguinte maneira: “material fotográfico” passa para 41:746$800
(quarenta e um contos, setecentos e quarenta e seis mil e oitocentos réis) e “artistas” para
38:400$000 (trinta e oito contos e quatrocentos mil réis).
7 Apenas para se ter referência dos valores, é possível encontrar classificados da época em
que Alô, alô, Carnaval ainda estava em cartaz anunciando a venda de um carro Ford V-8 de
luxo, com quatro portas e pouco uso, do ano de 1935, por 13:000$000 (treze contos de réis).
(Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 16 fev. 1936. p. 17) O salário para o cargo de químico na
cervejaria Brahma no Rio de Janeiro, em 1939, era de 850$000 (oitocentos e cinquenta mil
réis); já para o nível de direção na mesma indústria, em 1938, o salário era de 3:000$000 (três
contos de réis). (LOBO, 1978, p. 911-912)

Cidadão Downey 217


maiores pretensões artísticas. Para Alex Viany (1959, p. 117), a obra “[...] ten-
tava conscientemente captar um tipo carioca, o compositor popular irreco-
nhecido, e outros aspectos da vida no Rio de Janeiro”. João Luiz Vieira (1987,
p. 149) destaca que essa película e Favela dos meus amores (Humberto Mauro,
1935) foram “uma tentativa verdadeira de registrar os aspectos caracterís-
ticos da vida do Rio de Janeiro, captando um temperamento e um modo
de ser tipicamente cariocas”. Ademais, o mesmo autor observa que João
Ninguém continha “uma articulação dos principais elementos que definirão
o tipo de comédia que consagrará a Atlântida a partir do filme Carnaval no
fogo (Watson Macedo, 1949)”. (VIEIRA, 1987, p. 148) Entretanto, segundo
Hernani Heffner e Lécio Augusto Ramos (1988, p. 265), João Ninguém foi um
“fracasso comercial”. Tratava-se de um produto fora do padrão com o qual
Downey viera trabalhando.

A experiência da Sonofilms

Aparentemente escaldado pelo insucesso de público de João Ninguém,


Downey desistiu de produzir solo e associou-se, por meio da Sonofilms, a
Alberto Byington Jr. – com quem já havia coproduzido Coisas nossas. A famí-
lia Byington era de prósperos industriais e, para além da fatura de produtos
elétricos, o grupo empresarial havia enveredado pelo campo artístico e pelo
da comunicação, com a propriedade de estações de rádio, editoras musicais e
gravadora de discos. (HEFFNER; RAMOS, 1988, p. 270)
A Sonofilms montou seus estúdios em instalações que já haviam servido
de depósito de café, localizadas na Avenida Venezuela, 125, na região portu-
ária do Rio de Janeiro. A maior parte dos equipamentos da produtora per-
tencia a Wallace Downey e era proveniente da estrutura existente na Waldow,
constituída por um parque de equipamentos enxuto no qual se destacavam
uma câmera Bell & Howell com blimp de madeira, um carrinho, um aparelho
de sincronização, aparelhos de gravação movietone RCA-Victor e E. Berndt-
Meurer e refletores de cinco, dois e um quilowatt. (HEFFNER; RAMOS, 1988,
p. 260-262)

218 ARTHUR AUTRAN


A primeira fita da Sonofilms foi O bobo do rei (1937), novamente com
Mesquitinha na direção e encabeçando o elenco. Tratava-se da adaptação da peça
homônima de Joracy Camargo, autor de grande sucesso nos palcos brasileiros.
Afigura-se, por João Ninguém e O bobo do rei, que Wallace Downey buscava
ampliar os tipos de filmes por ele produzidos, tentando instituir uma linha um
pouco mais sofisticada, em termos artísticos, quando comparada aos musicais.
Com Banana da terra (Ruy Costa, 1939), Downey voltou à chanchada lan-
çada no período carnavalesco e, novamente, conseguiu grande sucesso de
público. O enredo da fita tratava das tentativas da rainha da ilha da Bananolândia
e do seu principal assessor, papéis de Dircinha Batista e Oscarito, em vender
bananas para o Brasil através de uma grande campanha publicitária. O filme
apresentava, entre outros, números musicais, com Orlando Silva cantando “A
jardineira” (de Benedito Lacerda e Humberto Porto) e Dircinha Batista interpre-
tando “A tirolesa” (de Paulo Barbosa e Oswaldo Santiago). Mas o entrecho musi-
cal de maior destaque é aquele que se tornou um emblema da cultura brasileira:
Carmen Miranda, trajada de baiana, interpretando a conhecida música “O que é
que a baiana tem?” (de Dorival Caymmi).8 João Luiz Vieira (1987, p. 151) informa
que “exatamente esse número, adaptado para o palco do Cassino da Urca e com
acompanhamento do Bando da Lua, atraiu a atenção do empresário norte-ame-
ricano Lee Schubert, levando-o a convidar Carmen para cantar na Broadway”.
O filme foi distribuído pela Metro-Goldwyn-Mayer e conseguiu “ótimo
lançamento no espetacular cinema Metro Passeio”, a primeira sala de cinema a
ter ar-condicionado no Rio de Janeiro e que possuía “o mais elevado padrão de
luxo e conforto até então conhecido pelo carioca”. (VIEIRA, 1987, p. 150-151)
A estreia foi simultânea nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo – também
no Cine Metro –, Santos, Petrópolis, Recife, Porto Alegre, Salvador e Belém.
(O JORNAL, 1939, p. 3) Tanto João Luiz Vieira (1987, p. 150) quanto Hernani
Heffner e Lécio Augusto Ramos (1988, p. 261) apontam para as ligações entre
Alberto Byington Jr. e os norte-americanos como a origem para o contrato
com a Metro; entretanto, seria de perguntar se o contrato não foi conseguido

8 No Youtube, está disponível este trecho do filme, o qual, até onde alcança o meu conhecimen-
to, é somente o que restou de Banana da terra nos nossos dias. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=ojo3I59Gn6c>. Acesso em: 25 maio 2016.

Cidadão Downey 219


por Downey, o qual era amigo de William Melniker, por vários anos o respon-
sável pelas operações dessa major no Brasil.9
Nota-se que Alô, alô, Brasil também foi distribuído pela Metro-Goldwyn-
Mayer, conforme é possível comprovar no programa de lançamento do filme,
e isso reforça a hipótese das relações entre Downey, a Metro e Melniker. Pedro
Lima comentou, exultante, o fato de a Metro distribuir Alô, alô, Brasil, adu-
zindo daí uma prova da qualidade da película, pois seria a primeira vez que um
filme brasileiro estaria “sob a mesma moldura que serve às maiores estrelas do
firmamento de Hollywood”. (LIMA, 1935) E, pouco antes do lançamento de
Banana da terra, a Metro publicou um texto publicitário anunciando a estreia
dessa fita, no qual também se lê: “Como se sabe, a Metro-Goldwyn-Mayer
apresentou, há quatro anos, Alô, alô, Brasil, a primeira contribuição também
de Wallace Downey para o Cinema Brasileiro”. (O JORNAL, 1939, p. 3) Ou seja,
novamente, há uma afirmação das relações entre Downey e a Metro.
Logo a seguir, Downey produziu Futebol em família (Ruy Costa, 1939),
uma comédia de costumes lançada em junho, no Rio de Janeiro, com Jaime
Costa e Dircinha Batista encabeçando o elenco, também integrado pelos ído-
los do futebol Tim, Hércules e Romeu.
Para o Carnaval de 1940, a Sonofilms apresentou Laranja da China (Ruy
Costa, 1939), que contava com Virgínia Lane cantando “Cai cai” (de Roberto
Martins) e Francisco Alves interpretando “A dama das camélias” (de João de
Barro e Alcir Pires Vermelho). Carmem Miranda também aparecia nessa fita,
mas se tratava tão somente da mesma cena filmada originalmente para Banana
da terra, com ela cantando “O que é que a baiana tem?”. (VIEIRA, 1987, p. 182)
Sérgio Augusto (1989, p. 95) entende que esse filme explorava diversos tipos
depois retomados pelas produções da Atlântida:

Também dirigida por Ruy Costa (de parceria com Braguinha e Fenelon),
esta segunda fruta carnavalesca da Sonofilms continha uma galeria de ti-
pos que seriam figurinhas fáceis nas chachadas da Atlântida: um cientista
louco, chamado professor Salchich (Lauro Borges), seu aloprado criado
(Boneco de Piche, interpretado por Grande Otelo) e uma família na qual

9 As relações de amizade e trabalho entre William Melniker e Wallace Downey continuaram


quando ambos já haviam retornado para os Estados Unidos, onde Melniker foi, inclusive, advo-
gado de Downey. (OBITUARIES, 1970, p. 71)

220 ARTHUR AUTRAN


só a mulher, Perpétua (Nair Alves), não era flor que se cheirasse. Seu mari-
do, Ferdinando Flores (Barbosa Júnior) – um pacato cidadão temeroso de
que sua filha, Camélia (Dircinha Batista), caísse do galho por causa de um
cantor de rádio (Arnaldo Amaral) – chegava às raias da loucura após com-
prar uns coelhos vendidos por Grande Otelo. Pudera: os coelhos haviam
sido inoculados por Lauro Borges com o ‘micróbio do samba’.

Ainda em 1940, Downey produziu a comédia de situações Pega ladrão


(Ruy Costa, 1940), com Mesquitinha e Heloísa Helena à frente do elenco. No
Carnaval de 1941, foi apresentado Céu azul (Ruy Costa, 1940), com números
musicais estrelados por Silvio Caldas, interpretando a obra da sua própria lavra
“Andorinha”, e Francisco Alves, cantando “Onde o céu é mais azul” (de João
de Barro, Alberto Ribeiro e Alcir Pires Vermelho). Mas esse filme já foi rodado
após o incêndio de grandes proporções que destruiu os estúdios da Sonofilms
em 1940. O sinistro marcou a decadência da produtora e também a última fase
da carreira cinematográfica de Downey, cada vez mais voltado para as ativida-
des, antes mencionadas, de agenciamento de artistas.
A última produção da Sonofilms e de Wallace Downey fechou a chamada
“trilogia das frutas tropicais” (VIEIRA, 1987, p. 150) e foi feita em coprodução
com a Cinédia para o Carnaval de 1944: Abacaxi azul (Ruy Costa, 1944). Ainda
na fase de produção, a fita foi alvo da ironia de A Cena Muda:

Wallace Downey iniciou uma nova filmagem para a Sonofilms, mas que se
está rodando na Cinédia. Trata-se de um ‘musical’ e chama-se – acreditem
ou não... – Abacaxi azul.10 Depois de ter feito Banana da terra e Laranja
da China, só faltava mesmo o abacaxi. Mas azul, por que? (COCKTAIL...,
1943, grifo nosso)

Abacaxi azul contava com elenco encabeçado pela dupla Alvarenga e


Ranchinho fazendo os papéis de dois interioranos que vêm ao Rio de Janeiro
a fim de contratar artistas para trabalhar na rádio da pequena cidade onde
ambos residem. O filme não obteve boa resposta de público. Dentre os núme-
ros musicais, é possível citar Dircinha Batista cantando “Voltemos a Viena” (de
Paulo Barbosa e Oswaldo Santiago), mas, certamente, o restante do plantel

10 Nota-se que “abacaxi” era o termo pejorativo pelo qual a crítica brasileira da época se referia
aos filmes muito ruins.

Cidadão Downey 221


de cantores e cantoras do rádio era menos conhecido quando comparado
às outras duas películas da trilogia. A crítica ao filme publicada em A Cena
Muda foi ácida, afirmando que “este novo celuloide de Wallace Downey faz
nossa cinematografia recuar a 1935, quando o conhecido produtor nos deu o
seu então famoso Alô, alô, Brasil”. Embora reconheça o esforço de Downey, o
crítico anônimo entende que o produtor “possui o defeito de confiar dema-
siado nos artistas de rádio que escolhe para o elenco dos seus filmes carna-
valescos”; condena ainda a falta de argumento e de direção em Abacaxi azul,
o qual de cinema “só possui o celuloide em que foi impresso e copiado”. (AS
COTAÇÕES..., 1944)
É significativa a comparação feita na citação acima, pois, de maneira bas-
tante resumida, ela repõe a trajetória cinematográfica de Downey, lembrando
a importância de Alô, alô, Brasil. Mas, quase dez anos depois, a extrema frou-
xidão narrativa que servia para enfileirar astros e estrelas do rádio cantando
os seus sucessos do momento junto a algumas situações cômicas interpre-
tadas por comediantes de destaque não atendia mais ao gosto do público e
nem a exigência da crítica em relação ao cinema brasileiro. Wallace Downey
tornara-se um produtor que, aparentemente, não estava mais sintonizado
com o mercado e o meio cinematográficos. Como afirma Hernani Heffner
(2012, p. 672), o revés de Abacaxi azul “parecia indicar a necessidade de sofis-
ticação da fórmula”.

Considerações finais

João Luiz Vieira (1987) sintetiza a importância da Sonofilms para o cinema bra-
sileiro da seguinte forma: “O sucesso inicial da Sonofilms deve-se, principal-
mente, a uma tentativa menos ambiciosa de realização de um ‘grande’ cinema e
a uma consciência mais clara das limitações impostas pelo mercado para o qual
suas produções são adaptadas”. (VIEIRA, 1987, p. 151)
A meu ver, Wallace Downey foi a figura central na estruturação da pro-
dução da Sonofilms, não apenas porque continuou a apostar nas comédias
musicais feitas para o período do Carnaval, como ainda por ter ensaiado, antes
mesmo do início das atividades dessa empresa, a viabilidade da produção de
comédias ligeiras lançadas no meio do ano, ou seja, o modo como a Sonofilms

222 ARTHUR AUTRAN


buscou se organizar junto ao mercado. Tudo isso com base em filmagens rápi-
das e uma infraestrura técnica mínima; por vezes, precária. Essa estrutura de
produção foi aperfeiçoada, posteriormente, pela Atlântida, que teve entre seus
fundadores, em 1941, Moacyr Fenelon – profissional que trabalhou em diver-
sos filmes com Downey.
Em 1944, Downey retornou aos Estados Unidos, voltando a residir nesse
país (WALLY..., 1944, p. 38) e vindo a falecer em Nova York no dia 13 de março
de 1967.11 Ele, Adhemar Gonzaga, Alberto Byington Jr., Luiz de Barros, Moacyr
Fenelon e Carmen Santos foram os principais responsáveis pela manutenção
da produção de longas-metragens de ficção naquela que Alex Viany (1959,
p. 124) classificou como a “fase amarga de nosso cinema”. Do meu ponto de
vista, seria preciso desenvolver pesquisas históricas sobre a contribuição de
cada um desses produtores, bem como sobre a interrelação entre eles, evitando
o pendor nacionalista característico de alguns trabalhos e mesmo o “tribunal
da história” e buscando compreender que, pelo menos no caso de Downey, se
tratava, sobretudo, de ganhar dinheiro com a atividade cinematográfica mais
do que outros objetivos – ideológico, artístico ou educacional.
Em termos historiográficos, conforme vimos nas citações feitas na intro-
dução deste artigo, a imagem de Downey que tendeu a se cristalizar não foi a
do empreendedor audaz que produziu alguns dos primeiros grandes sucessos
de público do cinema sonoro brasileiro e constituiu uma estrutura de produ-
ção capaz de remunerar bem o seu investimento na área, mas sim a do empre-
sário oportunista e desleixado, preocupado apenas em ganhar dinheiro.
Nota-se que já surge muito empobrecida qualquer análise marcada por um
viés condenatório em relação a Downey devido ao seu objetivo precípuo de
obter lucro econômico com o cinema. Em um contexto caracterizado por um
mercado ocupado pelo filme norte-americano e pelo apoio do Estado voltado
quase unicamente para a produção e a exibição de curtas-metragens de viés
educativo – na maior parte das vezes, documentários –, Wallace Downey foi o
empreendedor capitalista possível para o cinema brasileiro de então.

11 OBITUARIES (1967).

Cidadão Downey 223


Referências

AUDRÁ JÚNIOR, M. Cinematográfica Maristela: memórias de um produtor. São


Paulo: Silver Hawk, 1997.
AUGUSTO, S. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
BARBOSA, J. 30 anos de Cinema Novo: por Jarbas Barbosa. Entrevistadora: Silvia Oroz.
Rio de Janeiro: Imprensa da Cidade: Riofilme, 1993.
BARROS, L. O valor dos nossos técnicos. Selecta, Rio de Janeiro, v. 10, n. 25,
21 jun. 1924.
CASTRO, R. Carmen: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
CATANI, A. M. A sombra da outra: a cinematográfica Maristela e o cinema industrial
paulista nos anos 50. São Paulo: Panorama, 2002.
CATANI, A. M. DOWNEY, Wallace. In: RAMOS, F.; MIRANDA, L. F. (Org.).
Enciclopédia do cinema brasileiro. 3. ed. São Paulo: Senac, 2012. p. 251-252.
COCKTAIL de Cinema e Rádio. A Cena Muda, Rio de Janeiro, v. 23, n. 46, p. 24,
16 nov. 1943.
COISAS nossas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 nov. 1931.
AS COTAÇÕES da semana. A Cena Muda, Rio de Janeiro, v. 23, n. 7, p. 6, 15 fev. 1944.
FITEIRO. Alô! Alô! Carnaval. Folha da Manhã, São Paulo, 5 fev. 1936.
FREIRE, R. L. Da geração de eletricidade aos divertimentos elétricos: a trajetória
empresarial de Alberto Byington Jr. antes da produção de filmes. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 26, n. 51, p. 113-131, jan./jun. 2013.
GONZAGA, A. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1987.
GONZAGA, A.; AQUINO, C. Gonzaga por ele mesmo: memórias e escritos de um
pioneiro do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 1989.
HEFFNER, H. Sonofilms. In: RAMOS, F.; MIRANDA, L. F. (Org.). Enciclopédia do
cinema brasileiro. 3. ed. São Paulo: Senac, 2012. p. 671-672.
HEFFNER, H; RAMOS, L. A. Edgar Brasil: um ensaio biográfico. Rio de Janeiro:
mimeo, 1988.
LIMA, P. No Mundo Cinematográfico. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 jan. 1935.
LOBO, E. M. L. História do Rio de Janeiro: de capital comercial ao capital industrial e
financeiro. Rio de Janeiro: IBMEC, 1978. v. 2.

224 ARTHUR AUTRAN


MINAS, J. Cartas Mineiras de São Paulo. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 19 mar.
1935.
MIRANDA, S. R. Que coisas nossas são estas? Música popular, disco e o início do
cinema sonoro no Brasil. Significação, São Paulo, v. 42, n. 44, p. 29-44, 2015.
OBITUARIES. Variety, Nova York, p. 69, 15 mar. 1967.
OBITUARIES. Variety, Nova York, p. 71, 13 maio 1970.
O JORNAL. Rio de Janeiro, 13 jan. 1939.
O JORNAL. Rio de Janeiro, 9 fev. 1939.
RAMOS, L. V. F. Oswaldo Massaini: um produtor na história do cinema brasileiro.
2014. 369 f. Tese (Doutorado em Multimeios) – Instituto de Artes, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2014.
RIBAS, P. Alô! Alô! Brasil. Correio da Noite, Rio de Janeiro, 29 jan. 1935.
RIBAS, P. Alô! Alô! Carnaval. Correio da Noite, Rio de Janeiro, 24 jan. 1936.
VIANY, A. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro,
1959.
VIEIRA, J. L. A chanchada e o cinema carioca (1930-1955). In: RAMOS, F. (Org.).
História do cinema brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro, 1987. p. 129-188.
WALLY Downey back from South America. Variety, New York, p. 38, 16 fev. 1944.
XIZ. O chefe do governo prestigiou o cinema brasileiro. Diário da Noite, 2. ed., Rio de
Janeiro, p. 7, 7 dez. 1931.

Cidadão Downey 225


Chanchada, Carnaval e carnavalização

FRED GÓES, ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA

A cinematografia é uma arte. Ninguém mais, sensato, discute


isso. As empresas produtoras de fitas é que não se incomodam
em produzir obras de arte, mas objetos de prazer mais ou menos
discutível que atraiam o maior número de basbaques possível.
Mário de Andrade, 1922.

Introdução: aviso aos navegantes1

Para a imprensa norte-americana do início do século XX, falar em América


Latina era falar de um universo potencialmente pitoresco. Poucas eram as no-
tícias que dessem conta, de maneira séria e consistente, do cenário político
e econômico sul-americano. O caso do Brasil, nesse contexto, também não
poderia ser diferente. Sendo uma das últimas repúblicas proclamadas no con-
tinente, já no final do século XIX, o país ainda vivia na virada para o XX uma
série de instabilidades no campo político. É ainda a passos lentos que, pou-
co a pouco, se vai consolidando uma imagem afastada dos símbolos tropicais

1 Aviso aos navegantes foi a primeira chanchada da Atlântida. É um filme brasileiro de 1950, es-
trelado por Oscarito e Grande Otelo. Direção de Watson Macedo.
instaurados pela monarquia tão bem difundidos internacionalmente à época
pela diplomacia brasileira.
A primeira leva de filmes norte-americanos que se ambientavam por aqui
não era, de maneira alguma, elogiosa à América do Sul. Do final da década
de 1920 para o início da década de 1930, os primeiros filmes hollywoodianos
situados no Brasil reproduziam a imagem distorcida que se fazia no exterior do
país. Basta citar, como exemplo, a primeira película hollywoodiana que tem o
Rio de Janeiro como cenário de fundo: The girl from Rio, de 1927, que, além do
fraco enredo apresentado, não ilustrava o Rio de belezas naturais e paisagens
deslumbrantes como habitualmente ficou marcado no imaginário estrangeiro;
ao contrário, apresentava o lugar como uma “vila esquálida”, nos dizeres de
Bianca Freire-Medeiros (2005).
De acordo com a autora, a mudança de paradigma nesse contexto se deve
sobretudo à Grande Depressão americana de 1929, marcada pela severa crise
na economia do país, quando enfim a ideologia do livre-mercado é questio-
nada e o papel do Estado na política econômica passa a ser repensado, o que
muito contribuiu para uma abertura e maior tolerância para com o “outro”.
Além disso, a Segunda Grande Guerra foi outro evento importante nesse cená-
rio. Visando à necessidade de se estreitarem os laços vizinhos em uma unidade
continental frente às forças do Eixo, a história do cinema brasileiro tem, na
política de boa vizinhança, a oportunidade de se consolidar como campo fértil
de produção.
É fato que o imperialismo americano, por sua superioridade tecnológica
incontestável e extensiva a todas as esferas da vida, não excluiria o lazer do
seu projeto de fortalecimento do grande capital. Adorno e Horkheimer (1985)
já apontaram para o fato quando versaram a respeito da indústria cultural,
entendendo a apropriação dos meios de comunicação, em especial o rádio e
o cinema, enquanto produtos a serem consumidos. Nesse sentido, em muito
pouco tempo, a tecnologia e a produção dos bens culturais norte-americanos
difundiram-se por todo o mundo ocidental, seja na música, em que é notório
o caso do jazz, seja no cinema, por meio de Hollywood.
No Brasil, a política estado-novista durante o governo da Era Vargas soube
apropriar-se de maneira bastante inteligente do fenômeno da indústria cultural.
O rádio era o principal veículo de promoção do governo, ao mesmo tempo em
que, pela música, particularmente pela apropriação do samba, consolidava-se,

228 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


de maneira rápida e vertiginosa, a grande “identidade cultural” do povo brasi-
leiro. Em paralelo a isso, rapidamente, o Carnaval de rua carioca – expressão
ritualística de massas que remete, principalmente, às manifestações populares
do século XIX – logo é elevado ao posto de símbolo da brasilidade. O sucesso
do samba nas rádios e a popularização da festa carnavalesca, pouco a pouco,
encontraram-se com o cinema, e dessa mistura deu o grande caldo de que trata
este artigo: a chanchada.
O presente trabalho tem como objetivo entender esse gênero fílmico den-
tro do gênero musical, com foco para a sua estreita relação com o Carnaval e
sua função primordialmente difusora da música carnavalesca durante as déca-
das de 1930, 1940 e início da década de 1950, momento em que a chanchada
viveu seu ápice de produção e recepção, conforme aponta o panorama his-
tórico do gênero elaborado por Catani e Souza (1983). A crítica de Mário de
Andrade que nos serve de epígrafe dialoga diretamente com a imagem por
muito tempo cristalizada sobre a chanchada – um produto de baixa qualidade
e alienante que agradava à grande massa, mas que pouco contribuía para a
produção de um cinema que se entende enquanto “arte”. A própria etimolo-
gia de “chanchada” remete a um campo semântico negativo, que do espanhol
“chancho” (porco) facilmente se deturpa para a noção de “porcaria” ou coisa
de pouco valor.
Romper com essa imagem é uma de nossas pretensões ao longo do texto.
É importante ressaltar que esse é um gênero muito bem acomodado em solo
brasileiro, onde, de maneira antropofagizante, logo ganhou cor local e um
modus operandi muito próprio. Em nosso entendimento, o Carnaval não ser-
viu apenas de base ou cenário para o desenvolvimento de seus enredos, mas
é o principal motor dessa farta indústria cinematográfica. Entendemos que a
estrutura de composição do enredo apropria-se do aspecto carnavalizante, nos
termos postulados por Mikhail Bakhtin (2008), refletindo isomorficamente o
seu conteúdo de caráter carnavalesco.
Assim, o presente artigo estrutura-se da seguinte maneira: primeiramente,
desenvolveremos a ideia de que, mesmo sendo um produto da indústria cul-
tural, a chanchada brasileira é ressignificada a nosso modo e se faz autêntica
expressão da cultura nacional, o que se percebe, sobretudo, em seu caráter de
carnavalização. Em seguida, ilustramos um recorte do cenário de chanchadas
que se inserem nessa estreita relação com a música de Carnaval e seus reflexos

Chanchada, carnaval e carnavalização 229


na sociedade de então em diálogo com o rico contexto histórico-cultural do
Brasil da primeira metade do século XX. Por fim, destaque especial daremos
à figura de Carmen Miranda, embaixatriz da cultura brasileira no cenário
internacional, em especial na cultura fílmica norte-americana como estrela do
cinema hollywoodiano.

Chanchada: a carnavalização do cinema nacional

A presença da música no cinema brasileiro se configura como uma aliança bas-


tante singular no contexto da história da cinematografia internacional, sem,
no entanto, perder a sintonia com o desenvolvimento do cinema – de forma
especial, com aquele realizado na América Latina. Pode-se perceber, por meio
do cinema, a fisionomia da nossa cultura musical. Cabe lembrar que, no Brasil,
houve uma forte tradição de teatro de revista, gênero do teatro musicado que
se inicia na segunda metade do século XIX e que chega ao início dos anos 1960.
Era o teatro de revista uma forma de expressão dramatúrgica leve, ligeira e
humorística, de difusão e crítica dos modos e costumes de sua época que re-
corria a falas e canções de duplo sentido e pitorescas. Seu quase um século de
sucesso passa, sobretudo, pelo tom cômico empregado aos acontecimentos da
atualidade, seja nos campos político ou social, que agradava aos mais diversos
segmentos da sociedade. (PAIVA, 1991) Até a fixação do rádio entre nós, duran-
te a década de 1930, e da programação em auditório – forma encontrada pelo
novo meio de comunicação para estabelecer a relação ao vivo entre as estrelas e
seu público, a exemplo do que havia no teatro –, o grande canal de divulgação
da música popular era o teatro de revista, de quem muito herdou, em forma e
conteúdo, a chanchada brasileira.
O fenômeno do rádio como difusor cultural e formador de opinião nos
anos 1930 é outro elemento importante para o entendimento do que signi-
ficou a chanchada para o Brasil. Sua expressão de maior sucesso teve nome:
Rádio Nacional. Fundada em 1936 durante o governo Vargas, a Nacional era
muito mais do que uma emissora de rádio estatal: era a manifestação viva, por
meio de suas ondas, de todo um projeto político-ideológico do governo var-
guista para o Estado brasileiro. Do mesmo modo que o teatro de revista, sua
programação diversificada atendia aos públicos dos segmentos sociais mais

230 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


diversos, por meio da qual informava, educava, entretinha e, sobretudo, servia
de instrumento de manipulação ideológica na construção do senso comum
e na formação de opinião – ideal, portanto, para os interesses da ditatura
estado-novista implantada no ano seguinte à fundação da emissora.
É preciso entender a programação cultural da emissora dentro do contexto
do projeto político de Vargas para a construção de uma identidade nacional,
cujo maior protagonismo recaía sobre a exploração do samba e do Carnaval
carioca como símbolos maiores de nossa cultura. A seleção de artistas que figu-
ravam no elenco musical da Rádio Nacional passava pelo critério definidor dos
que se colocavam como “embaixadores do samba”. Assim, mais do que divulgar
os artistas em rápida projeção nacional, a Nacional fazia as vozes que eram
admiradas por todos os ouvintes.
Como produtos da indústria cultural, a exploração desses artistas ia
muito além de suas vozes, chegando, sobretudo, à comercialização de suas
vidas pessoais por meio de entrevistas ao vivo durante os programas de audi-
tório, que também eram publicadas pelas revistas de atualidades da época,
matando a curiosidade dos fãs que conheciam seus ídolos apenas como ouvin-
tes. Excetuando-se os privilegiados moradores da então capital federal, que
podiam assistir aos seus artistas favoritos nos concorridíssimos programas de
auditório, o público geral quase nunca tinha a oportunidade de vê-los – no que
o cinema tem papel fundamental.
Desde o início dos anos 1930, uma mudança de paradigma se observa
na produção cinematográfica da indústria de Hollywood que por aqui se
ambientava. Não demorou muito para que o cinema americano se apercebesse
da significativa fatia representada pelo mercado consumidor brasileiro que se
interessava pela produção cinematográfica. Pouco a pouco, e de maneira bas-
tante inteligente, apropriou-se de uma nova ideia de representação do país,
tendo na cidade do Rio de Janeiro a imagem de uma metrópole cosmopolita
convivendo em harmonia com a sua exuberância natural. Voando para o Rio, de
1933, é um bom exemplo dessa mudança.
Evidentemente, tal transformação não passara despercebida pelo governo
de Getúlio Vargas. Assim como o rádio, o cinema também teve seu papel
definido no projeto político do Estado Novo. Vale lembrar que é de 30 de
dezembro de 1939 a lei de proteção ao filme nacional, mesmo ano de cria-
ção do Departamento de Imprensa e Propaganda, principal órgão de censura

Chanchada, carnaval e carnavalização 231


da ditadura varguista. A projeção dada ao samba e ao Carnaval carioca como
expressões de genuína brasilidade ganhava agora as telas do cinema nacional
e exibia os principais artistas nacionais, cujos rostos se faziam conhecer para
além de suas vozes conhecidas pelas emissoras de rádio.
É graças ao projeto estado-novista de criar uma política de proteção ao
cinema nacional que se configurou o campo fértil de produção das chanchadas
a partir dos anos 1940. Ancoradas legalmente na obrigatoriedade de exibição de
filmes nacionais em todas as salas de cinema brasileiras, bem como por meio de
uma política de incentivo fiscal, as produtoras cinematográficas puderam expan-
dir sua produção e, encontrando a fórmula de sucesso garantida, vislumbrou-se
o cenário favorável de que se beneficiaram. E, nesse contexto, a Atlântida criou
o seu império. Nas palavras de Sérgio Augusto (1989, p. 30), “a Atlântida não foi
o único celeiro da chanchada, apenas o mais produtivo – 62 filmes de ficção e
2 documentários – em 20 anos de atividades”, o que significa uma média de
pouco mais de três filmes por ano em uma época em que a indústria hollywoo-
diana dominava o mercado mundial de maneira avassaladora. Tamanho sucesso
deve-se ao que Augusto (1989, p. 14) definiu como a sua “forma ideal”, assegura-
dora da “estupenda aceitação popular da chanchada”: os “filmusicais”.
O segmento denominado chanchada é, sem dúvida, o espaço da grande
aliança entre a música popular e o cinema. Consiste em um enredo bastante
superficial e de sabor carnavalizante, quase sempre se caracterizando como
comédias românticas. São geralmente produções de baixo custo em que a ação
se desenvolve basicamente em estúdio ou locações de interior. Há poucos takes
em espaços exteriores. Marcante é também o fato de não se caracterizarem
como filmes musicais ao sabor hollywoodiano de então. São narrativas fílmicas
salpicadas de números musicais quase que aleatoriamente, com o claro propó-
sito de apresentar à audiência a imagem dos cantores que se notabilizavam pela
voz divulgada pelo rádio.
Do mesmo modo que a música popular e a chanchada se coadunam, a
relação entre Carnaval e chanchada é umbilical: durante os anos 1940 e 1950,
as chanchadas da Atlântida divulgavam as músicas que seriam sucesso no
carnaval, especialmente as marchinhas, gênero eminentemente carioca, e os
sambas carnavalescos. Conhecidos como “filmusicais carnavalescos”, eram
herdeiros diretos do teatro de revista, cujo enredo, de importância menor para
a trama, justificava-se basicamente pela divulgação das músicas e ritmos que

232 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


embalariam o Carnaval de cada ano. No entender de Sérgio Augusto (1989,
p. 13), “o filmusical carnavalesco impôs-se como um entretenimento de massa
de singular expressividade”.
Chegamos ao ponto em que entender a chanchada como mero produto
da indústria cultural de entretenimento e alienação para as massas é reduzir
o seu entendimento enquanto um fenômeno do hibridismo cultural, nos ter-
mos de Canclini (2008), que se coloca como dos mais ricos da cultura popu-
lar brasileira. Se, por um lado, as chanchadas pareciam-se com cópias infe-
riores dos modelos importados de Hollywood, como lembra Augusto (1989,
p. 16), por outro, impregnavam-se de aspectos tipicamente próprios de nossas
manifestações culturais, como é próprio do que é carnavalizante. Podemos
dizer que a estrutura da chanchada está fincada nas bases da carnavalização,
termo cunhado por Mikhail Bakhtin (2008) quando trata do contexto do
Renascimento e de François Rabelais. Do conflito entre humor e drama, do
grotesco para o sublime, do recato ao exagero, do pranto ao riso, o enredo
das chanchadas ilumina-se de aspectos típicos da nossa brasilidade: o humor
festivo, a cultura popular, a autocrítica, o deboche, a cor local.
A chanchada brasileira é ressignificada a nosso modo e se faz autêntica
expressão da cultura nacional. E, nesse sentido, é importante entender a mani-
festação dessa carnavalização antropofágica, conforme discutem Catani e
Souza (1983, p. 67), pela força que opera o elemento do improviso, traço mar-
cante em nossa cultura:

[...] tais filmes devem ser vistos no interior de uma articulação entre vários
ramos de comunicação dessa indústria [cultural], pois na linguagem da
chanchada acham-se presentes elementos do circo, do carnaval, do rádio
e do teatro [...], sendo que suas condições de produção caracterizam-se
por um esquema industrial que se autossustenta, utilizando técnicas pou-
co sofisticadas e com um custo bastante reduzido.

Como resultado dessa fórmula de se fazer cinema ao jeitinho brasileiro, a


carnavalização opera um reflexo do conteúdo – ícones da brasilidade, regados
no tempero de nossos costumes mais “típicos”, como Carnaval e samba – na
própria estrutura fílmica: a trama narrativa é, tal como o rito no Carnaval,
subvertida pela descontextualização e pela ruptura provocadas pelos núme-
ros musicais, que são, na realidade, o verdadeiro sentido e razão de ser das

Chanchada, carnaval e carnavalização 233


produções de chanchadas carnavalescas. Como explica Bakhtin, a inversão,
típica do processo de carnavalização, tem por reação o riso. E daí seu efeito
imediato: a chamada “forma ideal” da estrutura da chanchada proporciona de
imediato o sucesso absoluto de público, ansioso por garantir ao final de mais
uma sessão de cinema aquela boa gargalhada.

Nem Sansão nem Dalila2

A “forma ideal” garantiu à Atlântida, durante os anos 1940, o posto de maior


produtora cinematográfica brasileira. A mesma forma levou experiências de
sucesso entre outras produtoras de cinema até a década de 1950, quando a
chanchada viveu, em um prazo muito curto, seu ápice e derradeiro declínio.
Mas sabemos que, para chegar à dita “forma ideal”, a chanchada brasileira pas-
sou por todo um processo de desenvolvimento em nossa história cinematográ-
fica. Contemporâneo do rádio, em nosso país, na conquista do grande público,
o cinema, desde sua pré-história em terras brasileiras, esteve sempre associado
à música. Estamos chamando de “pré-história” experiências como Paz e amor
(1910), filme escrito por José do Patrocínio Filho, dirigido e fotografado por
Alberto Botelho e com música do maestro Costa Júnior. Na década seguinte,
início dos anos 1920, Francisco de Almeida Fleming faz o que ele chamou de
“América Cine Phonema”, pequenos filmes baseados em canções populares da
época. Outro realizador importante dessa fase é Paulo Benedetti. Foi ele quem
deu ensejo à única aparição do compositor Noel Rosa em cinema.
Com o advento do som gravado na própria película, Adhemar Gonzaga,
criador dos estúdios Cinédia, adquire equipamento especializado nos Estados
Unidos. Um ano antes, porém, em 1932, Humberto Mauro já havia rodado
uma das obras-primas da nossa cinematografia, Ganga bruta, cujo acompa-
nhamento musical foi realizado com discos, tendo no repertório desde can-
ções de Villa-Lobos até o grande sucesso daquele momento, “Taí”, de Joubert
de Carvalho, na voz de Carmen Miranda.
Algum tempo depois, o mesmo Humberto Mauro começa a trabalhar com
Carmem Santos e filma Cidade mulher (1936) e Favela dos meus amores (1935).

2 O título faz referência a um dos filmes de maior sucesso do segmento chanchada.

234 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


Este filme perdeu-se, já que não se conseguiu recuperar qualquer cópia. O
tema sobre o compositor popular, nunca reconhecido, viria a ser abordado em
outros filmes. A perda se torna ainda mais penosa quando se sabe que o traba-
lho de Mauro contou com a colaboração de grandes compositores, como Ary
Barroso e Sílvio Caldas, sendo que este encenava como cantor. O outro filme,
Cidade mulher, era um filme-revista com música de Noel Rosa.
Segundo Alex Viany (1977), a partir de 1936, quando Humberto Mauro,
aceitando convite de Roquette Pinto, vai trabalhar no Instituto Nacional do
Cinema Educativo, começa a preparar as “brasilianas”, pequenos filmes com
base em temas musicais populares, a exemplo de Casinha pequenina (1963),
Chuá, chuá (1945) e A velha e a roca.3 Além desses filmes, com a colaboração
do irmão caçula José Mauro, diretor musical de rádio, realizou uma série de
documentários sobre compositores brasileiros, como Nepomuceno e Lorenzo
Fernandes. Destaca-se também o filme O descobrimento do Brasil (1937), reali-
zado pela dupla Humberto Mauro e Villa-Lobos, por encomenda do Instituto
do Cacau da Bahia.
Sublinhamos, no entanto, como marcante em termos de popularidade o
filme musical Alô, alô, Carnaval (1937), realização de Adhemar Gonzaga, eter-
nizado pelo número em que as irmãs Miranda (Carmen e Aurora), vestidas de
fraque e cartola, cantam a famosa marchinha de Lamartine Babo “Cantoras
do rádio”, tendo ao fundo um grande cenário de J. Carlos, o emblemático
ilustrador e caricaturista carioca que imortalizou a imagem da melindrosa.
Mais uma vez, segundo Alex Viany (1977), o filme é absolutamente tropica-
lista. Não sabemos, no entanto, o que o jornalista e cineasta Viany entendia
por tropicalismo, naqueles meados dos anos 1970, quando escreveu o ensaio
citado. É ainda a Cinédia, de Adhemar Gonzaga, quem produz filmes como
Bonequinha de seda (1936), estrelado por Gilda de Abreu, e O ébrio (1946), pro-
tagonizado por Vicente Celestino.
Curioso observar que, nesse período da década de 1930, correspondente
historicamente ao auge do nacionalismo estado-novista, a música do cinema
nacional era arranjada majoritariamente por italianos ou descendentes de
italianos. São maestros de formação musical acadêmica que transitam tanto
na música erudita quanto na popular, sem preconceito, que trabalharam

3 Data de produção não registrada.

Chanchada, carnaval e carnavalização 235


intensamente no rádio, como arranjadores das gravações musicais da dita
“época de ouro da música popular” e, posteriormente, nos primeiros tem-
pos da televisão, como Radamés Gnatalli. A Atlântida era domínio de Lírio
Panicalli; Enrico Simonetti atendia ao mercado paulista. Ao voltar para Itália,
tornou-se popularíssimo. Há também Leo Perachi, Remo Usai, Gabriel Migliori,
Francisco Mignone, Alexandre Gnatalli, Camargo Guarnieri e Claudio Santoro.
Trabalharam também no cinema os maestros Guerra Peixe, Edino Krieger e
Luiz Cosme.
Encontramos a informação de que o cinema musical anterior às famo-
sas chanchadas era conhecido como “abacaxi”, conforme constatam Stella
Caymmi (2013, p. 79), em O que é que a baiana tem?, e Ricardo Cravo Albin
(2003, p. 132), em O livro de ouro da MPB: uma história de nossa música popular
de sua origem até hoje. Nunca antes havíamos visto tal menção. Entramos em
contato com o referido pesquisador, que nos confirmou o fato. O mesmo
termo era empregado à época pela crítica, como ilustra artigo de Fred Lee4 n’O
Globo de 12 de fevereiro de 1947, em (raríssima) postura de elogio ao gênero:
“Gênero absolutamente nosso, de curso garantido – devido às canções e aos
astros de rádio e cassino que em geral despertam curiosidade –, sempre foi
um abacaxi cheio de improvisações e manipulado com o simples objetivo de
bilheteria”. (LEE, 1947 apud AUGUSTO, 1989, p. 20, grifo nosso)
A relação entre as chanchadas e a imprensa nunca fora amistosa. O fato de
servirem de mero suporte e meio de divulgação às marchinhas e aos sambas
carnavalescos que seriam sucesso no Carnaval seguinte incomodava profun-
damente os críticos dos principais periódicos paulistas e cariocas. Mas, como
vimos, era nessa fórmula que se pautava o seu sucesso de público. Nesse perí-
odo, fazia-se distinção entre a música de meio e a de fim de ano. A primeira
compreendia as canções românticas e os sambas-canção abolerados, carac-
terísticos de então. As músicas de fim de ano eram os sambas e marchinhas
de Carnaval que as chanchadas veiculavam com grande eficiência. Os filmes
eram, geralmente, comédias ligeiras em que brilhavam comediantes como
Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, Ankito, José Lewgoy, Wilson Grey – os
dois últimos, impreterivelmente, no papel de vilões –, Zezé Macedo, Dercy
Gonçalves, Violeta Ferraz, Alda Garrido. Como galãs absolutos, liam-se nos

4 Pseudônimo de Edmundo Lys. (AUGUSTO, 1989, p. 20)

236 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


cartazes os nomes de Cill Farney e Anselmo Duarte e das mocinhas Eliana e
Adelaide Chiozzo. Como diretores, destacaram-se Lulu de Barros, Watson
Macedo, José Carlos Burle e Carlos Manga. Entre uma cena e outra, muitas
vezes sem nenhuma razão aparente, surgiam na tela, para delírio da plateia
que se manifestava como se as estrelas estivessem ao vivo, os reis e rainhas
da voz defendendo seus sucessos. Na tela, brilhavam as irmãs Batista, Linda e
Dircinha; Emilinha e Marlene; Ângela Maria e Dalva de Oliveira; Jorge Goulart,
Jorge Veiga, Carlos Galhardo, Ivon Cury, Francisco Carlos.
É possível indicar como precursor do segmento chanchada o filme
Acabaram-se os otários, do diretor Lulu (Luiz) de Barros, que alcançou enorme
sucesso em seu lançamento no final de 1929, ainda que não se configurasse
com os caracteres eminentemente “chanchadeiros”. Dois anos mais tarde,
1931, Wallace Downey, um empresário americano da gravadora Colúmbia,
lança Coisas nossas, no qual participam diferentes artistas do rádio, ainda se
fixando, e do teatro. São, no entanto, os média-metragens produzidos pela
Cinédia, de Adhemar Gonzaga, que determinam o início da parceria cinema/
carnaval. Conforme observa Stella Caymmi (2013, p. 76),

[...] foi a partir da sociedade entre Adhemar Gonzaga e Wallace Downey,


com a empresa Waldow-Cinédia, com o filme Alô, alô, Brasil, de 1935, que
se tornou uma prática do período o lançamento dos musicais dias antes
do carnaval. O sucesso das marchas carnavalescas era tal que das 11 músi-
cas que o filme apresentava, dez eram do gênero, incluindo a que viria a se
tornar o hino oficial da cidade do Rio de Janeiro, ‘Cidade Maravilhosa’, de
André Filho (Antônio André de Sá Filho).

A partir daí, segue-se uma sequência de películas em que a parceria


cinema/Carnaval se estabelece como padrão: Alô, alô, Carnaval (1936), Banana
da terra (1939), Laranja da China (1940) e Céu azul (1941), Vamos cantar (1941),
Entre na farra (1943), Samba em Berlim (1943), Berlim na batucada (1944).
Seria essa série de musicais que criaria os alicerces para as famosas chanchadas
da Atlântida, empresa cinematográfica por Moacir Fenelon, Alinor Azevedo,
Arnaldo Farias e os irmãos Paulo e José Carlos Burle em 18 de setembro de
1941. O primeiro musical carnavalesco da empresa foi Tristezas não pagam
dívidas, de 1943, e, desde então, se segue o período até a década de 1950 – em
especial entre 1947 e 1950, quando a “fórmula” chanchada conheceu seu auge,

Chanchada, carnaval e carnavalização 237


sobretudo com os filmes dirigidos por Watson Macedo e Carlos Manga, perí-
odo em que a Atlântida obteve os lucros mais expressivos com suas produções.
Nem Sansão nem Dalila (1954), de Carlos Manga, é, enfim, produção mar-
cante na trajetória da chanchada, caminhando-se para o seu destino derra-
deiro. Fora da “forma ideal”, o filme entra, no entendimento de Catani e Souza
(1983, p. 61), “para a história do cinema brasileiro como um filme político
por excelência”: Oscarito é Horácio, engraxate de barbearia, que, de posse da
peruca de Sansão, se vê um poderoso governador do reino de Gaza. Os planos
de um assessor militar do outrora rei em tomar o poder de Horácio são efeti-
vados com a descoberta da origem de sua força – a peruca – por Dalila (Eliana
Macedo). Tendo suas forças tomadas, é dada, enfim, a usurpação do poder real
pelo militar.
O riso e a galhofa, na sátira explícita ao clássico de Hollywood Sansão e
Dalila, de Cecil B. de Mille, traz em uma carga carnavalizadora evidente ao
parodiar o título e usar como sugestão o filme épico norte-americano de 1949
e, nesse sentido, a essência da chanchada se faz totalmente presente. Mas o
elemento inédito, a carga política, aponta para os novos rumos tomados pelo
cinema nacional. Em paralelo, o advento da televisão e os eventos de tensão na
política brasileira provocados pelo desfecho de Getúlio Vargas naquele mesmo
ano, em agosto de 1954, levaram o reinado da chanchada ao fim, com produ-
ções de pequena expressividade até o início dos anos 1960. Premonitoriamente
ou não, o golpe militar de 1964, dez anos após o lançamento de Nem Sansão
nem Dalila, encerra o espaço para a comédia de riso fácil, e a militância do
Cinema Novo dá o tom do cinema nacional a partir de então. Mas daí em
diante, já é um outro papo.

Do camarão ensopadinho com chuchu

Transportando um determinado imaginário de Brasil, Rio de Janeiro e tropi-


calidade para as lentes e as películas, Carmen Miranda é, até hoje, um símbolo
evocado nas manifestações carnavalescas – escolas de samba, blocos, bailes
de transformistas etc. –, representante da união de cinema e Carnaval em um
mesmo sistema sígnico. Considerada por muitos a primeira artista multimídia
brasileira, Maria do Carmo Miranda da Cunha, nascida em Várzea de Ovelha,

238 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


Portugal, em 1909, tornou-se um exemplo do poder consagrador e destrutivo
da fama, condensando em sua figura exótica – a recriação do figurino da baia-
na, uma ressignificação integrada ao universo do showbusiness internacional
– a dualidade representada pelas expressões “Pequena Notável” e “Brazilian
Bombshell” – ora aplaudida como a “embaixatriz” da música popular brasilei-
ra no exterior, ora condenada por supostamente descaracterizar o samba e os
ritmos “tradicionais” do país.
De acordo com a pesquisadora Simone Pereira de Sá (1997), parte da
riqueza da arte de Carmen Miranda reside justamente nessa dubiedade – um
aparente paradoxo que expressa, em última análise, a pergunta “o que é ser
brasileiro?”. O multifacetado conceito de “identidade nacional”, debatido à
exaustão desde as franjas do modernismo, na década de 1920, se faz presente
nas oposições “entre a imagem ‘autêntica’ de Carmen e a invenção da Baiana
Internacional que conquista Hollywood; e entre esta imagem cosmopolita da
cantora e outras reiterações do mesmo gesto heterofágico”. (SÁ, 1997, p. 21)
É interessante notar que a autora prefere falar em “heterofagia” ao invés de
recorrer ao conceito oswaldiano de “antropofagia” – uma tentativa assumida
de se livrar dos “ecos modernistas” e recontextualizar a problemática, ade-
quando-a à contemporaneidade.
O nascimento de Carmen em um vilarejo de Portugal não deixa de repre-
sentar, de antemão, a complexidade das questões que se amontoam ao redor
das discussões identitárias brasileiras – questões essas que sempre perpassa-
ram, com maior ou menor profundidade, o nosso cinema, encontrando nas
chanchadas um cenário de leveza e aparente despretensão – excelente para a
divulgação das “coisas nossas” junto ao grande público e para as críticas polí-
ticas de aroma adocicado. Conta o biógrafo Ruy Castro que a estrela apenas
nasceu em terras portuguesas devido à preocupação dos pais, José Maria e
Maria Emilia, que já tinham a viagem de mudança para o Brasil planejada, mas
temiam que o parto ocorresse no meio do oceano, em condições precárias.
(CASTRO, 2005, p. 12)
Fato é que poucos artistas conseguiram tensionar os paradoxos da brasi-
lidade como Carmen Miranda, que, a partir do momento em que disse “sim”
ao empresário Lee Shubert e assinou, em 1939, a bordo do estonteante navio
Normandie – então ancorado na baía de Guanabara, descrito por Ruy Castro
como a “França flutuante”, uma joia art déco iluminada por cristais de Lalique –,

Chanchada, carnaval e carnavalização 239


um contrato de cláusulas draconianas, deixou de ser portuguesa e/ou brasileira
para se tornar global – os palcos da Broadway e os estúdios da Fox eram os
destinos cintilantes no horizonte; a “menina” conquistaria o cosmopolitismo
de Nova York e o provincianismo de Hollywood, atraindo para si as atenções
de diretores e fotógrafos. Uma das rainhas das marchinhas e das chanchadas,
Carmen espalharia o tempero tupiniquim pelo mundo, carnavalizando a cena
musical norte-americana e imprimindo a sua imagem envolta em flores e bor-
boletas nos letreiros luminosos dos cinemas.
Antes de desembarcar no terreiro do Tio Sam e estrelar filmes de sucesso,
como Serenata Tropical (1940), Uma noite no Rio (1941), Aconteceu em Havana
(1941), Minha secretária brasileira (1942) e Entre a loura e a morena (1943), todos
com semelhanças narrativas para com as chanchadas produzidas no Brasil
– a despeito das cifras de produção e arrecadação imensamente maiores –,
Carmen já tinha uma trajetória de sucesso no país de Zé Carioca, em grande
parte graças às gravações de marchinhas, gênero musical que encontrou na
cantora de pouco mais de um metro e meio metros de altura uma de suas mais
expressivas intérpretes. Mais do que isso: encontrou em Carmen uma perso-
nificação do espírito carnavalizante brasileiro – o mesmo tão observado nas
chanchadas e no teatro de revista.
A estreia da artista nas telas, portanto, não poderia ser em outra produ-
ção que não O Carnaval cantado de 1932, filme produzido por Vital Ramos de
Castro. Em 1933, foi a vez de Carmen aparecer em A voz do Carnaval, docu-
mentário dirigido por Adhemar Gonzaga. Tais filmes, na boa definição de
Ruy Castro, eram pensados para ter “um mínimo de enredo e um máximo
de música”. (CASTRO, 2005, p. 117) Com Alô, alô, Brasil!, de 1935, a Pequena
Notável se consolidava nas telas nacionais, deixando de apenas interpretar duas
ou três canções e ganhando maior destaque na trama narrativa – que, de qual-
quer forma, era bastante frágil, servindo à intenção primordial dos produto-
res: apresentar ao público um desfile de estrelas da música brasileira de então.
Wallace Downey, Alberto Ribeiro e João de Barro (Braguinha), os diretores da
obra, conseguiram reunir nomes como Francisco Alves, Ary Barroso, Dircinha
Batista, Sílvio Caldas, Virgínia Lane e Custódio Mesquita. O primeiro e maior
nome dos cartazes de divulgação, no entanto, era o de Carmen Miranda – a
única estrela do elenco que tivera direito a um close. Nas palavras de Ruy Castro
(2005, p. 118):

240 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


as multidões que se estapearam para assistir ao filme durante três semanas
no Alhambra só queriam saber dos números musicais: um naipe de gran-
des canções como, entre outras, ‘Deixa a lua sossegada’, com Almirante,
‘Menina internacional (eu vi você no Posto 3)’, com Dircinha Batista,
‘Rasguei a minha fantasia’, com Mario Reis, ‘Foi ela’, com Francisco Alves,
‘Cidade Maravilhosa’, com Aurora, e ‘Primavera no Rio’, com Carmen.

A partir de então, Carmen Miranda rouba a cena e os holofotes para si,


colecionando uma legião de fãs que aguardava em êxtase – bem ao gosto car-
navalesco – as próximas aparições cinematográficas da artista. O Carnaval
carioca começava nas poltronas da Cinelândia – e Carmen era uma das apre-
sentadoras da folia, transitando entre o rádio e a tela, as vitrolas e os rolos
de filme. Diante dessa constatação, Simone Pereira de Sá conclui que a dona
da voz que fixou a marchinha “Taí”, de Joubert de Carvalho, no seleto grupo
das canções que ultrapassaram os limites da folia de Momo e se fixaram no
núcleo duro da discografia nacional, é um exemplo de hibridismo interartes,
uma agente incansável a se movimentar entre diferentes esferas – e isso, o que
é admirável, na década de 1930. Carmen despontava como protagonista femi-
nina que lançaria compositores, agenciaria músicos dos morros e dos subúr-
bios, faria séries de shows para a elite da então capital federal, contribuiria para
a profissionalização do ofício de cantora de música popular, ajudaria a conso-
lidar o rádio e o cinema como veículos de comunicação de massa e projetaria
sobremaneira a carreira de artistas como Dorival Caymmi, Noel Rosa, Assis
Valente, entre tantos outros. Não bastasse, atenderia ao interesse de propa-
ganda do governo Vargas, atuando enquanto imagem-síntese de um país alegre
e festivo, tropical por natureza, unificado em seus contrastes – as cornucópias
com flores e frutos que adornavam uma série de representações plásticas do
Império não bailariam revisitadas nos turbantes e nos balangandãs da cantriz?
Aos poucos, a Pequena Notável sambista, porta-voz do “legítimo”
samba afro-baiano-carioca, e a Brazilian Bombshell, personificação da “falsa
baiana” e do estereótipo de um país de “macaquitos” – a vedete exportada
pela “República de Bananas” para divertir o Tio Sam, na artificialidade de Los
Angeles –, caminhavam para se tornar as faces complementares de um mesmo
constructo sociocultural. Na perspectiva de Simone Pereira de Sá, os rostos
são “inseparáveis e tributários de um gesto anterior e essencial que é este que

Chanchada, carnaval e carnavalização 241


chamamos de heterofágico e que se caracteriza pela disponibilidade e abertura
para o ‘outro’”. (SÁ, 1997, p. 201) A coleção de realizações ainda leva a pesqui-
sadora a situar Carmen Miranda no mesmo rol de importância para a MPB, em
que estão Noel Rosa, Pixinguinha, Lamartine Babo, Almirante, Ismael Silva e
Ary Barroso.
Eneida Maria de Souza põe “um bocadinho mais” de pimenta nesse vatapá
e se propõe a pensar a construção do corpo de Carmen Miranda enquanto
construção de um ideário massificante de América Latina. Diz a pesquisadora
que, sob a ótica estadunidense, a “rainha das bananas” é um “estereótipo da
mulher latino-americana, que se expressava musicalmente no ritmo de samba,
rumba e bolero. A construção estilizada de sua imagem guardava um pouco
de cada lugar da América [...]”. (SOUZA, 2007, p. 153) É a percepção desse
ideal unificador que leva a autora a afirmar que não é possível nem desejável
entender Carmen Miranda enquanto representante de uma “autêntica cultura
brasileira”, algo semelhante ao proposto por Simone Pereira de Sá. O novelo
político em que a artista estava enredada apontava para a anulação das diferen-
ças internas da América Latina, com fins de dominação – o triunfo da hege-
monia cultural norte-americana, especialmente por meio do cinema –: ainda
que se reconhecesse o caráter plural das nações e culturas que formavam (e
formam) o continente centro-sul-americano, “o que interessava ao programa
de controle político e econômico dos Estados Unidos dessa época era o esque-
cimento das diferenças locais da América Latina”. (SOUZA, 2007, p. 155) O
sabor carnavalizante, quase ingênuo, das chanchadas brasileiras tornava-se
bastante diferente do acento agridoce (às vezes amargo) das megaproduções
hollywoodianas.
Não se tratava, é óbvio, de uma unificação inclinada ao ideal de Simón
Bolívar, mas de uma unificação que facilitasse a “penetração imperialista dos
Estados Unidos”. (SOUZA, 2007, p. 155) O corpo de Carmen Miranda, explo-
rado à exaustão em jornais, revistas, rótulos e películas cinematográficas – mer-
cantilizado, inclusive, em revistas para recortar, as internacionalmente famosas
“bonequinhas” para vestir; a silhueta do corpo de Carmen servia de cabide para
que os fãs do cinema “brincassem” de modelar com os mais comentados figu-
rinos da vedete –, sintetizaria um conjunto de nações submissas e planificadas
culturalmente. Simone Pereira de Sá destaca que a artista, apesar de roubar a
cena pelo exotismo das vestes e pela ótima desenvoltura diante das câmeras,

242 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


desempenhava papéis secundários: “a namorada, a noiva ou a secretária que
flertava mas não ‘levava’ o mocinho do filme”. (SÁ, 1997, p. 6) Em outras pala-
vras, melhor do que dizer que a Carmen Miranda de Hollywood cantava samba
e rumba é a defesa de que ela não cantava samba nem rumba, mas híbridos
culturais, ela mesma um corpo contraditório, situada no entre-lugar da cultura
latino-americana, na tensão entre hegemonia e contra-hegemonia, coloniza-
dor e colonizado, norte e sul, Tio Sam e Tia Ciata.
Parece claro que o corpo fragmentado de Carmen Miranda, ao aparecer nas
telas estadunidenses, carregava em si o peso de um sem-fim de estereótipos;
mas carregava também, conforme aponta Ruy Castro, uma vivacidade latina
que contestava a “frieza” norte-americana e, literalmente, explodia em cores:
“Carmen e Betty Grable foram as duas primeiras estrelas do cinema geradas
pelo Technicolor. Dos seus primórdios até fins dos anos 30, os estúdios só
filmavam em cores em casos excepcionais”. (CASTRO, 2005, p. 261) O biógrafo
da artista explica que o custo de uma produção colorida era estrondosamente
alto, o que gerava sucessivas disputas entre diretores e produtores executi-
vos nos escritórios de empresas como a Fox. Somente a absoluta certeza do
sucesso entre o público – ou seja: a absoluta certeza de uma arrecadação pode-
rosa – endossava a “aposta” no colorido, o que ocorreu, sem pestanejar, com
Serenata tropical: “[...] os estúdios se convenceram de que, em alguns gêneros,
valia a pena investir na cor. Serenata tropical, filmado no primeiro semestre de
1940, foi um dos primeiros musicais a se beneficiar dessa política”. (CASTRO,
2005, p. 261) A primeira aparição de Carmen, cantando e dançando “South
americanway”, com um turbante de folhas vermelhas e douradas, arrebatou
o público e fixou a “falsa baiana” nos catálogos da produtora. O ano de 1940,
graças ao filme, não se revelou totalmente melancólico para a artista – que,
pela primeira vez desde o debutar como cantora de marchinhas, não partici-
para do Carnaval carioca, ficando presa ao inverno de Nova York.
Gelada também foi a recepção com que ela se deparou ao retornar, em
julho do mesmo ano, ao palco que a consagrou em terras brasileiras: o Cassino
da Urca. Era bastante aguardada a reaparição de Carmen Miranda, que estava
há um ano afastada do Brasil. O cumprimento em inglês, o repertório esco-
lhido, o “samba-rumba”, nada agradou ao público, que respondeu com “um
silêncio cheio de sons de desconforto: resmungos em surdina, bufadas invo-
luntárias, corpos se ajeitando nas cadeiras”. (CASTRO, 2005, p. 249) A reação

Chanchada, carnaval e carnavalização 243


da artista diante de tamanha decepção foi convocar uma “reunião de emergên-
cia” (e na manhã seguinte!): havia uma “crise diplomática” em curso e era pre-
ciso agir o mais rápido possível. Joaquim Rolla, Carlos Machado, Vicente Paiva
e Luiz Peixoto foram à casa da artista e começaram a traçar estratégias para
redesenhar a Pequena Notável, deslocando para o fundo do palco a rejeitada
Brazilian Bombshell. A primeira resolução: Carmen precisava de um repertório
brasileiro inédito; os números musicais que transitavam entre as cidades da
estatueta do Oscar e da Estátua da Liberdade não cintilariam sob as bênçãos
do Cristo Redentor. A mais famosa resposta contra a agressiva indiferença da
plateia seria gravada meses depois, em setembro: Disseram que voltei america-
nizada, assinada por Vicente Paiva e Luiz Peixoto.
Ao oferecer a sua voz à canção, entre outros momentos bastante inspira-
dos, Carmen atestava: “Nas rodas de malandro, minhas preferidas / Eu digo
é mesmo ‘Eu te amo’, e nunca ‘I loveyou’; / Enquanto houver Brasil, na hora
das comidas / Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu”. Simbolicamente,
assinava um “certificado de brasilidade” e propunha uma repactuação artística.
Fato é que, a partir do ocorrido, a unanimidade da estrela estava arranhada
e nem mesmo o prematuro falecimento, em 1955, livrou-a das críticas rela-
cionadas, grosso modo, à noção de “identidade nacional”. E também é fato
inconteste que “a portuguesinha que virou rainha”, conforme canta o samba-
-enredo de 2008 da escola de samba Império Serrano,5 não apenas imprimiu o
seu nome na Calçada da Fama, em Hollywood Boulevard, mas a sua voz, a sua
corporeidade, a sua estética multifacetada nos cenários audiovisuais brasileiro,
latino-americano, internacional. Musa invocada pelos músicos da Tropicália,
Carmen Miranda permanece viva no panteão do “cafona” e “maravilhoso”
Brasil (ou melhor é dizer Brazil?). Nos rolos de tantos filmes, ainda há muito
a batucar.

5 A composição, de autoria de Marcão, Marcelo, Vando, Chupeta, Henrique, William, Celso e


Zé Paulo, animou o desfile intitulado Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim, assinado pelo ca-
sal de carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage. Na ocasião, a escola do Morro da Serrinha,
em Madureira, sagrou-se, debaixo de uma tempestade, a campeã do Grupo de Acesso A,
ascendendo para o Grupo Especial. Mas a relação de Carmen Miranda com o “Reizinho de
Madureira” é mais antiga e ainda mais vitoriosa: em 1972, com o enredo Alô, alô, taí Carmen
Miranda, do genial Fernando Pinto, a escola levantou o campeonato do 1º Grupo. Na ocasião,
a intérprete do samba-enredo foi a cantora Marlene, ex-Rainha do Rádio. Uma reunião de
realezas e um dos acontecimentos mais bonitos da história do carnaval carioca.

244 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


E, afinal, o que é que a chanchada tem?

Em Uma noite no Rio (That night in Rio, 1941), produção da 20th Century
Fox, imortalizou-se uma das imagens mais marcantes de Carmen Miranda no
cinema: Carmen, acompanhada do Bando da Lua, canta “Chica Chica Boom
Chic” em performance emblemática para o imaginário que da cantora ainda
hoje se faz. Vestida em seu traje branco de baiana estilizada, com babados e
balangandãs, destaca-se ao centro como uma figura esguia e lânguida por seu
vestido alongado até os pés e, contribuindo para a ilusão de ótica que ofuscava
seus 1,52 metros, portando um vistoso turbante na cabeça, no qual se destacam
frutos, folhagens e penugens de toda ordem.
O turbante de Carmen ficou sendo a sua marca registrada. Além das fru-
tas tropicais, muitas vezes dispostas dentro de cestos – em que se destacava
sobremaneira a opulência real do abacaxi –, a criatividade de Carmen permitia
que ali se colocasse de tudo um pouco: sombrinhas, laços, fitas, flores – e até
mesmo um fálico farol. Do turbante, Carmen Miranda fazia seu tabuleiro e,
com ele, deixava no ar, por onde quer que passasse, a pergunta da canção de
Caymmi que imortalizara em sua voz: afinal, o que é que a baiana – e a brasi-
leira – tem?
Parece-nos apropriado estabelecer associação metafórica entre o turbante
de Carmen Miranda e a estética carnavalizante da chanchada. Tal como em sua
fruteira, de tudo um pouco a chanchada tem. Como é próprio de nossa cultura,
a antropofagia carnavalesca deglute as mais diversas manifestações culturais,
do grotesco ao sublime, do erudito ao popular, e só nos interessa, parafrase-
ando Oswald de Andrade, o que não é nosso. “Fizemos foi carnaval”, diz ele no
Manifesto antropofágico [2001], a festa que é o verdadeiro ópio do povo, em
que se mascara a realidade, em que se vive a mais pura fantasia.
Mas não apenas: fizemos foi chanchada. Não é à toa, portanto, que sob tal
estética plural, como intuímos ilustrar em nosso texto, parodiaram-se muitos
dos filmes hollywoodianos, relendo-os com sotaque e sintaxe muito próprios,
apropriando-se dos mais diferentes gêneros: épicos, policiais, românticos
e – claro – musicais. Como a Pequena Carmen, a chanchada fez-se também
Notável, justamente por representar plenamente o lado “pra cima” da nossa
identidade cultural, a tão almejada brasilidade, caçada por nossos modernis-
tas como quem buscava o Eldorado. Distanciados mais de meio século de seu

Chanchada, carnaval e carnavalização 245


período de apogeu, parece-nos claro que, em sentido ainda mais amplo, a
chanchada ilustre, em múltiplas rotações,é representação da própria latino-
-americanidade – aquela que tem graça como ninguém.

Referências

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. A indústria cultural: o esclarecimento como


mistificação das massas. In: ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do
esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
ALBIN, R. C. O livro de ouro da MPB: a história de nossa música popular de sua
origem até hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
ANDRADE, O. Manifesto antropofágico e o manifesto da poesia Pau-Brasil. [2001].
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf>. Acesso em: 30
maio 2016.
AUGUSTO, S. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. 6. ed. São Paulo: Hucitec; Brasília: Editora UnB, 2008. (Linguagem
e cultura, n. 12).
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo: EDUSP, 2008.
CASTRO, R. Carmen: uma biografia: a vida de Carmen Miranda, a brasileira mais
famosa do século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
CATANI, A. M.; SOUZA, J. I. M. A chanchada no cinema brasileiro. São Paulo:
Brasiliense, 1983.
CAYMMI, S. O que é que a baiana tem?: Dorival Caymmi na era do rádio. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
FREIRE-MEDEIROS, B. O Rio de Janeiro que Hollywood inventou. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.
GÓES, F. MPB e cinema no Brasil: um caso de amor. Terceira margem, Rio de Janeiro,
ano 15, n. 24, p. 161-180, jan./jun. 2011
PAIVA, S. C. Viva o rebolado!: vida e morte do teatro de revista brasileiro. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

246 FRED GÓES , ANDRÉ UZÊDA E LEONARDO BORA


SÁ, S. M. A. P. Baiana internacional. O Brasil de Carmen Miranda e as lentes de
Hollywood. 1997. 230 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
SOUZA, E. M. Crítica cult. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
VIANY, A. Cinema e cultura brasileira. Revista Cultura, Brasília, ano 6, n. 24, p. 92-96,
jan./mar. 1977.
VIANY, A. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Alhambra: Embrafilme,
1987.

Chanchada, carnaval e carnavalização 247


Um possível cinema juvenil
e musical brasileiro
questões de segmentação e consumo
musical na formação de um cinema
de entretenimento juvenil no Brasil

ZULEIKA DE PAULA BUENO

Introdução: os filmes de rock

A segmentação da produção cultural em nichos de consumidores é uma


característica de mercados largamente industrializados. O processo de diversi-
ficação de produtos para faixas específicas do público – infantil, juvenil, mas-
culino ou feminino – acontece num processo de racionalização de atividades
empresariais e exploração de estratégias de divulgação e distribuição de bens
culturais que apenas mercados já consolidados são capazes de efetivar. No caso
da indústria cinematográfica, o mercado estadunidense era o mais prepara-
do para conduzir esse processo por volta da década de 1950. É verdade que
o cinema de Hollywood já era, de certa forma, segmentado em gêneros de
produção. Westerns, comédias e musicais indicavam distinções não apenas de
convenções narrativas, mas também de públicos preferenciais de espectado-
res. Assim, as dinâmicas internas desse mercado cultural que levaram ao sur-
gimento dos chamados teenpictures – ou simplesmente teenpics –, em meados
dos anos 1950, podem ser lidas como uma diversificação dentro dos próprios
gêneros, atingindo tanto as formas fílmicas quanto o contexto de produção,
distribuição e exibição cinematográfico. Os teenpics se apropriaram das con-
venções narrativas do terror, do melodrama, da comédia e também do musical,
orientando tais convenções para o interesse e o gosto de um público adoles-
cente. (DOHERTY, 2002; SHARY, 2005; TROPIANO, 2006)
Na vertente musical, a orientação para o público juvenil inventou um
subgênero dentro dessa tradição, o “filme de rock”. Conforme aponta Barry
Grant (1986), o rock, a princípio, contrapunha-se às convenções e temas dos
filmes musicais clássicos. Ele trazia, principalmente, uma sensualidade nos
ritmos, nas letras e nas danças, que era estranha aos códigos mais moralistas
e conservadores do musical. Não ocasionalmente, a ascensão dos filmes de
rock foi associada, por grande parte da crítica da época, ao declínio da “era de
ouro” dos musicais. Contudo, os filmes realizados entre as décadas de 1950 e
1960 demonstraram – e o fenômeno Elvis Presley comprovou – que existia um
enorme potencial de exploração comercial na combinação entre rock e cinema,
o que os estúdios e as gravadoras não ignoraram.
Ao despertar a atenção dos espectadores mais jovens, o rock ofereceu ao
cinema uma alternativa de competição comercial com a televisão num momento
de emergente rivalidade entre esses meios. Além disso, como destaca Grant
(1986), o rock permitiu ao musical tratar de temas controversos ao gênero,
como a sexualidade, o consumo de drogas e a rebeldia juvenil. Obviamente,
a influência contrária também se deu. No cinema, o rock se tornou um estilo
“bem-comportado” e, consequentemente, melhor aceito pela indústria e por
grande parte dos consumidores que ainda o rejeitava. Isso contribuiu, por
exemplo, para o enorme sucesso de Elvis Presley, cuja imagem cinematográfica
foi construída de modo a afastá-lo da reputação de desordeiro, integrando-o
a padrões morais mais tradicionais. O rock star se transformou, assim, em um
inofensivo ídolo juvenil, capaz de agradar até mesmo aos consumidores mais
conservadores. (GRANT, 1986, p. 203)
Assim domesticados, os filmes de rock conquistaram sucesso e circularam
dentro e fora dos Estados Unidos. Ao balanço das horas (Rock around the clock),

250 ZULEIKA DE PAULA BUENO


dirigido por Fred Sears e produzido por Sam Katzman, foi uma das produções
mais populares desse gênero. O filme estreou no Brasil em dezembro de 1956
e, aparentemente, causou alvoroço entre os espectadores mais jovens. Jornais
da época noticiavam cenas de confusão nas salas de exibição em que o filme
foi exibido. Supostamente, as canções de Bill Halley e seus Cometas – que com-
punham os números musicais da fita – incitavam os espectadores à extrema
euforia, expressa por meio de gritos, danças e quebras de cadeiras durante
as sessões do filme.1 Fenômeno semelhante teria ocorrido em outros países
onde o filme foi lançado, conforme alardeavam os jornais e revistas da época.
(BAENA, 2015; CARMO, 2001; SIMÕES, 1999) O fato é que a repercussão des-
sas notícias funcionava como um chamariz para o público adolescente.

O rock’n’roll nas comédias musicais brasileiras dos anos 1950

O filme de rock causou impacto no mercado de exibição e também no cinema


musical brasileiro. As fitas de rock, oriundas dos Estados Unidos, circularam
por aqui2 e trouxeram novos elementos semânticos para a nossa cinematogra-
fia. Tais elementos se moldaram às condições do mercado musical e cinemato-
gráfico e à sintaxe dos filmes musicais brasileiros produzidos na época.3
Atração principal nas produções musicais e juvenis da indústria americana,
o rock’n’roll surgiu nas produções brasileiras como um componente musical
que se misturou a tantos outros ritmos e canções populares e foi claramente um
elemento secundário na maior parte dos filmes produzidos entre 1957 e 1965.

1 Para saber mais, ver: A EXIBIÇÃO..., 1956, p. 16 e A EXIBIÇÃO..., 1957, p. 4.


2 As produções do chamado “ciclo do rock” estiveram em cartaz nos cinemas brasileiros, princi-
palmente no Rio e em São Paulo, durante os últimos anos da década de 1950. Em fevereiro de
1957, era noticiada a estreia de Ritmo alucinante (Rock, rock, rock, de Will Price), em São Paulo.
Naquele mesmo ano, Música alucinante (Don’t knock the rock, de Fred Sears), com números
musicais de Bill Halley, chegaria às salas paulistas. Curvas e requebros (Rock, pretty baby, de
Richard Bartlett) estava em cartaz em maio de 1958 e O rei do rock and roll (Mister rock and
roll, de Charles Dubin) aparecia em cartaz no final da década. Diferentemente de Ao balanço
das horas, essas produções chegaram aqui sem alarde, ocuparam as salas do interior e dos
bairros e foram classificadas como “programação livre”, o que reforça a suspeita de que o alvo-
roço construído em torno daquele primeiro filme, mesmo que não tenha sido completamente
forjado, tenha tido um forte componente promocional.
3 Utiliza-se aqui o referencial teórico proposto por Rick Altman (1984) na análise dos gêneros
cinematográficos, chamados pelo autor de abordagem semântico-sintática.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 251


No cinema musical brasileiro da época, bem como na cena fonográfica e radio-
fônica, o repertório de canções era variado. As gravações e paradas de sucesso
incluíam modalidades de sambas, marchinhas, ritmos do Norte e Nordeste do
Brasil, músicas caipiras, sertanejos, bolero, rumbas, suingues, foxes, jazz, blues
e também o emergente rock´n´roll. (NAPOLITANO, 2010)
Em 1955, quando Nora Ney, uma das mais conhecidas e consagradas can-
toras da época, gravou “Rock around the clock”, de Bill Halley, na versão bati-
zada como “Ronda das horas”, o grande destaque dado à gravação pela Revista
do Rádio foi o fato da cantora interpretar a canção na língua original, em inglês.
(NORA..., 1955) A gravação ocupou, por várias semanas, a lista das mais vendi-
das. Não há nada que indique, porém, que as altas vendagens fossem coman-
dadas por um público adolescente. Nem a canção, nem o rock no Brasil foram
imediatamente percebidos ou direcionados ao público jovem. (GARSON, 2013)
Na década de 1950, ritmos novos eram bem vindos, gravados, regravados e
vendidos, mas não havia se delineado, no mercado fonográfico brasileiro, a
ideia de nichos específicos de consumo. (GARSON, 2013; LENHARO, 1995)
É provável que os produtores musicais e cinematográficos brasileiros da
época vissem o rock como uma moda musical estrangeira e passageira, na
qual não valia despender muitos investimentos. Essa, aliás, era a percepção
também de grande parte do mercado norte-americano em relação ao ritmo.
Daí a razão pela qual os “filmes de rock” são produções rápidas, baratas,
derivadas da produção de filmes B. (DOHERTY, 2002) Assim, a inserção do
ritmo nos filmes brasileiros, num primeiro momento, deu-se como um atra-
tivo imediato, e não como um elemento capaz de alterar significativamente o
modelo já consolidado das populares comédias musicais. Ademais, no Brasil
dos anos 1950, o cinema era visto como uma forma de lazer que atingia um
amplo público urbano, composto por classes médias e operárias, percebido
pelos realizadores como um grande mercado interno a ser conquistado como
um todo, e não a partir de grupos segmentados de consumidores. (AUTRAN,
2008) Nem mesmo havia condições materiais para tal segmentação. O desa-
fio para a produção de bens culturais naquele momento era sua expansão e
consolidação. (ORTIZ, 1987) Portanto, as condições objetivas do contexto
norte-americano, que impulsionava lá a produção dos filmes de rock, e as
condições do mercado brasileiro, que recebia e ressignificava essa produção,
eram bastante distintas.

252 ZULEIKA DE PAULA BUENO


A gravação de versões de sucessos estrangeiros em português era uma
prática comum da indústria fonográfica no Brasil, que combinava os rit-
mos já conhecidos e outros ritmos estrangeiros, testando, experimentando e
ampliando a oferta de canções populares veiculadas pelas rádios e pelo cinema.
Não que essa variedade fosse sinônimo de convivência pacífica entre os cha-
mados ritmos nacionais e os considerados estrangeiros. As questões sobre as
tradições musicais e a “autenticidade” da música popular brasileira afloravam,
impulsionadas pelos debates conduzidos pelos folcloristas e por renomados
compositores brasileiros. (NAPOLITANO, 2010)
É como o ritmo vindo “dos states” que o rock desembarca no filme De
vento em popa (1957), produzido pela Atlântida Cinematográfica e dirigido por
Carlos Manga. Na trama, Sérgio, personagem interpretado por Cyll Farney,
jovem de família rica, voltava dos Estados Unidos, para onde tinha sido enviado
por seus pais para estudar energia nuclear e trazer a tecnologia para o Brasil.
Lá, porém, o rapaz conheceu o rock e o jazz. O galã trazia nas malas não o
projeto de construção da bomba atômica, mas o desejo de abrir uma boate
no Rio de Janeiro para promover o rock’n’roll. O filme explora um suposto
“conflito de gerações” ao opor os interesses militaristas do pai aos os desejos
artísticos do filho. Mas, como era próprio das comédias musicais, o final é
harmonioso. O pai acabou por aceitar o desejo do filho e a casa noturna, bati-
zada como Boite Atômica, foi aberta com um estrondoso sucesso musical de
Melves Prestes, o rei do rock’n’roll. Ou quase isso. Por conta das confusões e
reviravoltas do enredo, Melvis acabou sendo substituído, pouco antes do início
do show, pelo personagem de Oscarito, que fazia as vezes do cantor e entoava
em inglês o Calypso Rock.
Foi também como paródia que Coalhada, personagem interpretado
por Grande Otelo em Metido a bacana (1957), de J. B. Tanko, dançava o rock
“Conceição do Orfeu”, composto por Assis Valente, em meio a um baile de
Carnaval. A graça do número estava na própria canção, composta como um
trava-língua, cantada de forma acelerada, brincando com a rima terminada em
“ão”, e na performance corporal de Otelo, que incorporava os gestos, os rodo-
pios e as piruetas dos roquianos.4

4 “Roquianos” era a denominação dada na época aos jovens dançarinos de rock’n’roll. (GARSON,
2013)

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 253


Se é preciso olhar com cuidado para a imediata associação entre rock e
juventude, é prudente também não negligenciá-la. Seguindo a lógica das expe-
rimentações do mercado cultural, o rock era um laboratório interessante para
o fomento de fãs clubes e de novos ídolos do rádio, veículo que não ignorava
o potencial de vendas que os “brotos” traziam para a cena musical. (GARSON,
2015) Cauby Peixoto, ídolo que despontou em meados dos anos 1950, foi, cer-
tamente, uma das figuras mais marcantes desse processo.
Por mais de uma década, entre 1956 e 1966, Cauby era presença certa nas
páginas da Revista do Rádio e nas notícias sobre o mundo musical. Em 1960,
não houve sequer um número da revista que não trouxesse pelo menos uma
nota, notícia ou reportagem relacionada ao cantor. Sua legião de fãs se tor-
nou uma espécie de lenda no meio musical brasileiro, ensaiando um novo
tipo de relação entre cantor e ouvinte, inventando a idolatria do ídolo juvenil,
que depois se tornou regra com cantores da Jovem Guarda, como Roberto
Carlos. Por conta de seu sucesso como ídolo e cantor, Cauby foi chamado pela
imprensa musical, nos anos 1950, de “Elvis Presley brasileiro”. Além de boleros,
sambas e rocks, o repertório gravado por ele incluía baiões, versões de sucessos
românticos norte-americanos e, por fim, a bossa nova.
Anunciado no filme De pernas pro ar (1957), dirigido por Victor Lima,
como “o ídolo da juventude brasileira” na abertura de seu número musical,
Cauby cantava no filme o bolero “Nono mandamento”, composição de René
Bittencourt e Raul Sampaio. Em Minha sogra é da polícia (1958), de Aluízio
Carvalho, Cauby interpretava um rock cantado em inglês, acompanhado de
sua banda e dos roquianos. O padrão de montagem da coreografia seguia as
tomadas já conhecidas dos filmes de rock norte-americanos: muitos detalhes
de pés, pernas e quadris. Um enquadramento quase didático dos passos da
dança. No figurino e cenário, muitos blusões de couro, carrões e lambretas.
Nos primeiros filmes a trazer o rock para o cinema brasileiro, os dança-
rinos eram o grande destaque dos números, exceção feita apenas quando o
intérprete era um grande nome, como Cauby Peixoto, ou um comediante
consagrado, como Oscarito. É importante destacar que, como alerta Marcelo
Garson, nos anos de 1950, o rock’n’roll é entendido, no Brasil, principalmente
como uma dança. (GARSON, 2013)
Olhando o conjunto de produções brasileiras dessa época, as sequências
musicais com os roquianos sofrem poucas alterações de um filme a outro.

254 ZULEIKA DE PAULA BUENO


O enquadramento inicial das cenas mostra a banda tocando ao fundo e os
casais se formando na pista de dança. A sequência ganha um primeiro corte e a
câmera se aproxima dos dançarinos. Fotografados da cintura para cima, o qua-
dro os mostra em giros e rodopios dos corpos. Um novo corte traz o detalhe
das pernas e pés dos dançarinos. A agilidade dos passos ganha planos rápidos.
E assim a sequência musical é montada, entre detalhes dos corpos dos dança-
rinos e enquadramentos em plano médio. A orquestra sempre ao fundo, sem
destaque. Tampouco interessa os rostos dos roquianos. O olhar do espectador
é direcionado para cinturas e pés, ou para os corpos femininos que giram para
cima das cabeças dos rapazes. Tudo na performance remete à diversão, ao pra-
zer e ao entretenimento. (VIEIRA, 2008a) Até que os vilões aproveitam a agi-
tação da dança para começar as cenas de empurra-empurra e quebra-quebra.
Não foi o rock que inseriu o elemento da quebradeira e da confusão nas
comédias musicais brasileiras. (AUGUSTO, 1989) Mas o ritmo se combinou
bem a esse elemento que está sempre presente nos filmes e que leva ao desfe-
cho da trama, quando o quiproquó estabelecido pelo fio cômico da narrativa
se esclarece. O número de rock termina em quebra-quebra em Metido a Bacana
(1957). Também em Rico ri à toa (1957), comédia estrelada por Zé Trindade
e dirigida por Roberto Farias, a confusão se instala durante o número dos
roquianos. Em Absolutamente certo (1957), de Anselmo Duarte, Raul (Aurélio
Teixeira), jovem rico e sem caráter, rival do mocinho Zé do Lino (Anselmo
Duarte), promove os bailinhos de rock no porão de sua academia de lutas.
Os comparsas, todos de jaqueta preta e cabelo com gel, formam a imagem
típica dos playboys da “juventude transviada”,5 promotora de arruaças. Em
Sherlock de araque (1958), de Victor Lima, o número de rock, comandado por
Carlos Imperial, Paulo Silvino e a banda Os terríveis, termina com toda a moci-
dade na delegacia, presa por promover briga e desordem.
Carlos Imperial é, certamente, um dos principais artífices de uma cultura
roqueira e jovem no Brasil do final dos anos 1950 e início dos 1960. Ele foi
figura central na inserção da “turma do rock” nas fitas musicais. Imperial
fazia a mediação entre os clubes de dança que surgiam na Zona Sul carioca e

5 A expressão era bastante popular nas páginas de jornal no Brasil de finais dos anos 1950 ao se
referir a situações de perturbação pública relacionada à mocidade da época. Ela acabou por
se consolidar no vocabulário popular ao nomear o filme de Nicolas Ray, Rebel without a cause,
lançado no Brasil como Juventude transviada, em 1956. (GARSON, 2015)

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 255


a indústria cultural. Ele se tornou uma presença constante na divulgação da
cultura jovem não apenas nos cinemas, mas também nas revistas, nos rádios
e na televisão. (GARSON, 2013; MONTEIRO, 2008) Nas comédias musicais
produzidas nessa época, Imperial encontrava-se ora no elenco, ora na trilha
musical das comédias. Junto com seus roquianos, participou dos musicais de
De vento em popa (1957), de Carlos Manga, Agüenta o rojão (1958), de Watson
Macedo, Vai que é mole (1960), de J. B. Tanko, Minha sogra é da polícia (1958),
de Aloísio Carvalho, Mulheres, cheguei! (1961), de Victor Lima, e Alegria de viver
(1958), de Watson Macedo.
Dentre esses filmes, Alegria de viver foi o que se aproximou de uma estru-
tura de “filme de rock” aos moldes norte-americanos. Na fita, havia uma clara
centralização do argumento principal nas ações no núcleo jovem do elenco,
constituído pelas personagens de Elisabeth (Eliana), Sílvia (Ioná Magalhães),
Gilberto/King (John Herbert) e Johnny Guitar (Augusto César Vanucci). Todos
circulavam pelo ambiente dos clubes da Zona Sul carioca, onde se ouviam jazz
e rock, dançava-se em pares e cometiam-se pequenas transgressões em relação
às regras do mundo adulto. Havia também um evidente enfraquecimento da
personagem cômica do enredo. Margarida (Anabella), a prima caipira e atrapa-
lhada de Elisabeth, era pouco mais que uma figurante. E mesmo que houvesse
uma oposição entre os personagens de Gilberto/King e Johnny Guitar – este
mais próximo do vilão, aquele mais próximo do mocinho –, essa separação
não era muito rígida, uma vez que os dois rapazes agiam de forma semelhante,
compartilhando os mesmos anseios e cometendo, ambos, pequenas delinqu-
ências. A atriz Eliana incorporava, nesse filme, talvez mais do que em outros
nos quais atuou, “[...] o comportamento da juventude norte-americana cine-
matográfica”, como observou João Luiz Vieira (2008b, p. 105). Finalmente, o
rock predominava nos números musicais. Dirigida por Watson Macedo em
1958, a fita foi uma das primeiras produções brasileiras a apresentar uma ten-
dência à “juvenilização” da narrativa fílmica aos moldes do que se via nos teen-
pics. (BUENO, 2006)
Como se vê, não tardou para que o rock no cinema brasileiro estivesse
associado aos personagens jovens do filme, ou mesmo às experimentações
de uma narrativa mais associada ao que se via nos filmes juvenis norte-ame-
ricanos. Mas reconhecer isso não significa afirmar que tais comédias musi-
cais se direcionavam de forma direta e específica para um público jovem. Os

256 ZULEIKA DE PAULA BUENO


filmes continuaram atendendo às expectativas de um grande e amplo público,
conforme as condições da composição social do mercado cinematográfico
brasileiro.
No final da década de 1950, portanto, o rock era parte de um espetáculo
visual, coreografado e ritmado. Ele não estava apenas no cinema, mas também
no teatro de revista, nos estúdios de gravação, nos programas de auditório
das grandes rádios, nas festas mais sofisticadas e também nos divertimentos
dançantes dos clubes de bairro. Tocava nas vitrolas e entrava no repertório das
orquestras. E logo passou a integrar o repertório da televisão, ganhando, no
início dos anos 1960, programas específicos para divulgar as novas canções,
como Crush em hi-fi, comandado por Celly Campello na TV Record, Os brotos
comandam, de Carlos Imperial na TV Continental, e, já em meados dos anos
1960, a Jovem guarda, na TV Record, o mais famoso desses programas, que
acabou emprestando o nome a um variado conjunto de cantores, cantoras e
grupos que passaram a tocar e a frequentar a atração televisiva.
No cinema, os novos cantores e bandas jovens participaram dos números
musicais de Dorinha no Soçaite (1957), de Geraldo Vietri, Cala a boca, Etelvina
(1959), de Eurides Ramos, Matemática zero, amor dez (1960), de Carlos Hugo
Christensen, e integraram também as fitas do popular comediante Amácio
Mazzaropi, Jeca tatu (1959), Zé do periquito (1960) e O puritano da Rua Augusta
(1966), os dois últimos dirigidos pelo próprio Mazzaropi.

A bossa e a Jovem Guarda

A variedade de grupos e cantores presentes nesse conjunto de filmes citados dá


uma dimensão da ampliação no lançamento de novos artistas no mercado da
música no Brasil. O fato estava atrelado à implantação e consolidação das gran-
des gravadoras mundiais no campo cultural brasileiro. Como destaca Eduardo
Vicente (2008), não é difícil comprovar que, a partir dos anos 1960, ocorre um
ciclo de grande crescimento do mercado fonográfico do país. Esse é o contex-
to de formação da Jovem Guarda. Segundo Fróes (2000), o surgimento desse
fenômeno juvenil esteve intimamente ligado às movimentações da indústria
fonográfica, porém, a Jovem Guarda rapidamente assumiu um caráter que ex-
trapolou sua musicalidade, transformando-se num fenômeno de vendas que

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 257


incluía não apenas os discos, mas toda uma série de produtos que formavam
juntos a imagem e orientavam o comportamento da nova juventude, indo de
pôsteres a roupas e lambretas. (ZIMMERMANN, 2013) Os anos 1960 experi-
mentaram um movimento juvenil mais definido e consolidado dentro e fora
das telas, sustentado por uma nova consciência geracional e por um mercado
cultural em expansão.
Com a ascensão da Jovem Guarda, de participações especiais, os artistas
do iê-iê-iê – como eram chamados –6 passaram a se tornar as atrações princi-
pais dos filmes musicais. No cinema, Watson Macedo, J. B. Tanko, Victor Lima,
Jarbas Barbosa, Aurélio Teixeira, Roberto Farias e Herbert Richers foram alguns
dos produtores e diretores que já vinham incorporando o rock nas suas produ-
ções cinematográficas e que permaneceram, nos anos 1960, como os principais
nomes associados à inserção da música jovem no cinema musical brasileiro.
Conforme descreve Gonçalo Junior (2014), Herbert Richers, como realizador e
produtor, buscava associar-se às gravadoras nacionais para articular filmagens
e gravações, lançando simultaneamente os filmes e discos dos principais artis-
tas do rádio e da televisão, potencializando seu sucesso comercial.
Além da própria dinâmica do mercado cultural brasileiro, as influências
estrangeiras de produções cinematográficas musicais e juvenis continuaram
chegando ao nosso território, principalmente com os filmes do grupo britâ-
nico The Beatles, que inventaram um novo padrão visual e narrativo para os
filmes de rock (DONNELY, 2001), e os famosos filmes de praia norte-america-
nos, produzidos principalmente pela American International Pictures (AIP) e
estrelados por Frankie Avalon e Annette Funicello. (MORRIS, 1993)
Aurélio Teixeira, numa produção de Jarbas Barbosa, dirigiu, em 1965,
Na onda do ié-ié-ié, uma comédia musical cujos números foram totalmente
consagrados à musica jovem, como indicava o próprio título do filme. O filme
reuniu como protagonistas os comediantes Renato Aragão e Dedé Santana,
integrantes, na época, do elenco da TV Tupi, com o cantor Sílvio César, aspi-
rante ídolo jovem, vocalista do conjunto musical do instrumentista Ed Lincoln.
Os números de ié-ié-ié ficaram a cargo do próprio Silvio César, de Wanderley
Cardoso, Rosemary, Wilson Simonal e dos conjuntos Os Vips, Brazilian Beatles,

6 Nessa década, a denominação de “ié-ié-ié” passou a ser utilizada pela imprensa da época como
sinônimo das canções de rock.

258 ZULEIKA DE PAULA BUENO


Renato e seus Blue Caps, The Fevers, Ed Lincoln, contando ainda com a parti-
cipação de uma cantora mais ligada à música popular brasileira, Clara Nunes,
além dos apresentadores de televisão Chacrinha e Wilton Franco. Renato
Aragão voltou a atuar na comédia musical Adorável Trapalhão (1967), ao lado
da apresentadora Neide Aparecida, estrela da TV Tupi. A produção musical a
cargo de Ed Lincoln trazia canções totalmente voltadas para o gosto juvenil.
Em 1967, Os incríveis neste mundo louco experimentava um pouco das
invenções estéticas e narrativas da cultura pop trazidas ao cinema por meio das
produções de Richard Lester em Os reis do ié-ié-ié (1964) e Help! (1965), que,
neste momento, já circulavam nas salas de exibição brasileiras.7 Supostamente
documentando a turnê internacional do grupo Os Incríveis, costurando as
tomadas documentais com um enredo cômico e ficcional, a produção em cores
de Primo Carbonari, dirigida por Brancato Jr., era anunciada como atração
para “gente moça, gente madura e gente incrível”, com censura livre. (BUENO,
2016b, p. 35)
Seguindo essa tendência, o “barra limpa” Jerry Adriani iniciou sua carreira
relativamente próspera no cinema com Essa gatinha é minha, de Jece Valadão, em
1966, e no ano seguinte fez Em busca do tesouro (1967) e Jerry, a grande parada
(1967), produções da Herbert Richers, dirigidas por Carlos Alberto Barros.
Nessas novas produções ligadas ao rock, os números musicais se afasta-
vam das danças giratórias e performáticas e eram os cantores quem ganhavam
destaque nas sequências. Como observam Guilherme Maia e Sandra Coelho
(2015), nos filmes ligados aos cantores da Jovem Guarda, vigoram menos “qua-
dris livres que rebolam” e mais “plateias compostas por jovens urbanos de
classe média, ou cantores e vocalistas com dancinhas de gestual mínimo e con-
tido, mostradas em um regime bem próximo do padrão televisivo de enqua-
dramentos da época”. (MAIA; COELHO, 2015, p. 127) Isso é bastante evidente
nas sequências musicais de Juventude e ternura (1968), de Aurélio Teixeira,
que trazia a cantora Wanderléa no papel de Bete, uma jovem aspirante ao
mundo musical, dividida entre o amor de um talentoso e honesto compositor

7 Os reis do iê-ié-ié, primeiro filme dos Beatles, dirigido por Richard Lester, estava em cartaz nas
salas brasileiras no final de 1964, conforme noticiava a coluna “Os filmes da semana” do Jornal
do Brasil em 13 de dezembro de 1964 (Caderno B, p. 23). Help! entraria nas salas brasileiras
em janeiro de 1965, conforme anúncios publicados no Jornal do Brasil, 4 de janeiro de 1965
(Caderno B).

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 259


(Ênio Gonçalves) e as chantagens de um corrupto e perverso produtor musi-
cal (Anselmo Duarte). Wanderléa aparece no primeiro plano de praticamente
todos os números musicais do filme, centralizados no repertório da cantora.
Sua habilidade performática diante da câmera, seus gestos e sua postura tra-
ziam um nova concepção visual atrelada ao rock e à imagem do ídolo juvenil e
das canções já construídas pela televisão. (SILVA, 2009)
Principal fenômeno da Jovem Guarda, Roberto Carlos tornou-se igual-
mente ídolo do cinema. A primeira proposta de levar o cantor às telas partiu
de Luis Sérgio Person, Jô Soares e Jean-Claude Bernardet, roteiristas de SSS
contra a Jovem Guarda, cujas filmagens foram iniciadas em 1966, mas jamais
finalizadas. (BUENO, 2016a) Nos anos seguintes, Roberto Carlos foi a estrela
da trilogia Roberto Carlos em ritmo de aventura (1967), Roberto Carlos e o dia-
mante cor-de-rosa (1968) e Roberto Carlos a 300 km por hora (1971), dirigida
por Roberto Farias. Dos diversos filmes produzidos em torno do iê-iê-iê,
nenhum conseguiu uma produção tão sofisticada quanto os realizados por
Farias. O diretor trouxe para os filmes musicais a modernidade visual neces-
sária para cativar o público adolescente (RAMOS, 1995), em consonância com
o que Richard Lester vinha fazendo nas produções em torno dos Beatles. Não
apenas isso. O pesquisador Zeka Kahale considera Roberto Carlos em ritmo de
aventura (1967) como uma produção leve, divertida, em sintonia com as prin-
cipais tendências dos filmes musicais da época e, ao mesmo tempo, autoral
e autocrítico, um “[...] grande exercício de improvisação, sem precedentes e
bastante próximo ao melhor dos cinemas novos”. (KAHALE, 2012, p. 162)
No filme, Roberto Carlos atuava em cenas de ação, com perseguições de
carros, voos de helicópteros, acrobacias aéreas, passeios de barco, saltos de
paraquedas e combates em tanques de guerra. A ação do filme de aventuras
combinava-se a uma linguagem metalinguística, típica do cinema moderno,
entrecortada por interrupções nas quais Roberto Carlos se interrogava sobre as
suas ações de mocinho, José Lewgoy reclamava da posição de vilão e Reginaldo
Farias interpretava um diretor perdido e frustrado com o decorrer das filma-
gens. As canções do rei integravam a trama de forma diegética e não diegética,
ora funcionando como elemento documental, registrando a histeria pop criada
em torno do ídolo juvenil, ora atuando como um videoclipe, ou ainda repro-
duzindo o padrão de número musical já conhecido do público, o “para pra
cantar” típico das comédias das décadas anteriores. Componentes residuais,

260 ZULEIKA DE PAULA BUENO


tradicionais e emergentes dos filmes musicais entrelaçavam-se na composi-
ção dos filmes de Roberto Farias, satisfazendo as expectativas de um vasto
público de espectadores, dos mais ingênuos aos mais conscientes da narrativa
ficcional, resultando num modelo extremamente bem sucedido de produção
cinematográfica juvenil, reproduzido também no segundo filme da trilogia,
Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (1968), realizado com a participação de
Wanderléa e Erasmo Carlos.8
Mas nem só de Jovem Guarda vivia a música e o cinema jovens da década
de 1960. Também a bossa nova foi percebida pelo público e divulgada pela
indústria como uma produção direcionada ao consumo juvenil. A bossa era
composta por uma nova geração de artistas jovens atrelados ao meio univer-
sitário, à proposta de uma arte engajada e a um público jovem e urbano de
maior poder simbólico e financeiro, que despertou o interesse das grandes
gravadoras e dos organizadores dos recém-criados festivais de música popu-
lar brasileira da televisão. (NAPOLITANO, 2001; VICENTE, 2008) No cinema,
curiosamente, a bossa parecia harmonizar-se com uma tendência das produ-
ções juvenis dos anos 1960 completamente distante de qualquer forma de crí-
tica ou engajamento: o filme de praia.9
Rio, verão e amor (1966), último filme dirigido por Watson Macedo, era um
filme “bossa nova”. Seguia o modelo dos filmes musicais jukebox (RADWAN,
1996, p. 159), isto é, produções compostas por um enredo fraco articulado por

8 O terceiro filme da trilogia, Roberto Carlos a 300 km por hora, não é propriamente um musical,
portanto não será discutido neste capítulo.
9 Frankie Avalon e Anette Funicello, casal protagonista do ciclo de filmes de praia no cinema
norte-americano, eram conhecidos por aqui. Avalon ganhava destaque nas páginas de jornais
e revistas da época como cantor e ídolo jovem norte-americano. A partir de meados da dé-
cada de 1960, os filmes de praia começaram a circular nas salas brasileiras e permaneceram
em cartaz até o final dos anos 1960. Praia dos amores é o primeiro a estrear, em São Paulo e
no Rio de Janeiro, em setembro de 1964. Em janeiro de 1966, Quanto mais músculo melhor
entrava em cartaz nos grandes centros. Estreava naquele mesmo ano, no mês de dezembro,
Folias na praia. Em setembro de 1967, Avalon estava em cartaz nas salas brasileiras com Bola de
fogo 500, uma aventura juvenil perpassada com muita corrida de carro. Em dezembro daquele
mesmo ano, Praia dos biquinis entrava em cartaz nas salas dos cinemas de bairro em São Paulo.
Os filmes circularam nos cinemas na década de 1960, permanecendo várias semanas em cartaz
nos circuitos dos bairros e nas salas do interior, e se mantiveram na programação televisiva
nas sessões da tarde nas décadas posteriores. Informações colhidas a partir da pesquisa nos
jornais Folha de São Paulo (SP), Jornal do Brasil (RJ) e Revista do Rádio, cujo acervo se encontra
disponível para consulta pública.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 261


um grande conjunto de números musicais. E não deixava de ser também um
filme de praia. Colorido e musical, o filme explorava as tomadas de paisagens
do mar e da areia repleta da gente jovem reunida sob o sol. Um dos núme-
ros musicais chegava a apresentar o grupo Bossa Três numa performance que
incluía um grande piano de cauda vermelho, baixo e bateria, todos montados
ao ar livre nas areias de uma praia da zona sul carioca, acompanhada pela core-
ografia de diversas garotas de biquíni. As canções assim se sucediam no filme,
ao som da guitarra e do vilão, no calçadão da orla e nos estúdios de televisão.
Atento à mistificação construída em torno da bossa nova e da juventude
dos anos 1960, Leon Hirszman realizou, em 1967, o musical Garota de Ipanema
(1967), em que procurava justamente desmontar a concepção de “juventude
dourada” associada à bossa nova. Propunha um cinema musical engajado, crí-
tico e realista. Não obstante, o filme foi, em parte, divulgado como um filme
musical direcionado para o público jovem. No jornal O Estado de São Paulo, de
setembro de 1968, a propaganda cinematográfica de Garota de Ipanema apare-
cia associada à divulgação de Roberto Carlos em ritmo de aventuras. Os cartazes
dos dois filmes apareciam lado a lado, divulgando diferentes astros e diferentes
músicas para o mesmo público consumidor.
Apesar do crescimento do mercado cultural brasileiro e das primeiras
experimentações de segmentação desse mercado, como se vê com os fenô-
menos da Jovem Guarda e da bossa nova, o problema do público não era algo
totalmente resolvido para a música e o cinema da época. A delimitação “juve-
nil” era, muitas vezes, um componente de restrição de público. Principalmente
para a vertente da arte engajada, como era o caso da proposta ensaiada em
Garota de Ipanema:

[...] o problema do público se colocava em dois níveis: num primeiro nível,


colocava-se o desafio de consolidar um público próximo e imediato, que
partilhasse com o artista espaços sociais comuns (movimento estudantil,
campi universitários) e valores ideológicos e políticos. [...] Num segundo
nível, o desafio era ampliar o circuito de público, abrir os espaços pelos
quais a arte engajada circulava. (NAPOLITANO, 2001, p. 28)

A Jovem Guarda, como programa de televisão, foi extinta no início de


1968, mas os cantores ligados ao movimento da música jovem não deixa-
ram de encontrar espaço nas produções musicais cinematográficas nos anos

262 ZULEIKA DE PAULA BUENO


posteriores. Em 1969, Wanderley Cardoso foi protagonista de Pobre príncipe
encantado, produção de Jarbas Barbosa e direção de Daniel Filho. Naquele
mesmo ano, Em ritmo jovem, produção da Eurobrás Film, uniu os cantores
Márcio Greick e Adriana numa trama romântica dirigida por Mozael Silveira.
Agnaldo Rayol foi o protagonista de Agnaldo, perigo à vista (1969), de Reynaldo
Paes de Barros. Ainda em 1970, J. B. Tanko realizou três produções que servi-
ram como veículo promocional para o cantor Antônio Marcos, Pais quadra-
dos... Filhos avançados! (1970), Som, amor e curtição (1972) e Salve-se quem
puder, o rally da juventude (1973). Nessa trilogia, composta muito mais por
filmes de aventura do que propriamente por musicais, as canções de Antônio
Marcos rendiam um ou outro número musical e estavam muito mais presentes
na trilha sonora do que em números da dança ou canto dos filmes.
A inserção do rock e da bossa nova nas trilhas dos filmes é um destaque
das produções cinematográficas que estabeleciam alguma forma de contato
ou diálogo com a cultura urbana e jovem do final da década de 1960, mesmo
não se constituindo, via de regra, em filmes musicais, como era o caso Bebel,
garota propaganda (1967), dirigido por Maurice Capovilla, As amorosas (1968),
de Walter Hugo Khouri, Lucia McCartney, uma garota de programa (1971), de
David Neves, e Cassy Jones, o magnífico sedutor (1972), de Luiz Sérgio Person.
Com o declínio da produção de filmes musicais juvenis no cinema brasileiro
dos anos 1970, foi como parte da trilha sonora que o rock permaneceu no
cinema daquela década.

Os embalos dos anos 1970

Segundo Eduardo Vicente (2008), o rock foi o referencial de grande parte da


produção musical brasileira nos anos 1970; contudo, seu consumo foi bastante
limitado até o início dos anos 1980. Isso se evidencia também na produção de
filmes musicais brasileiros, francamente estagnada no cenário cinematográfico
dessa década. Aquele momento, como se sabe, foi de crescimento e consoli-
dação do cinema brasileiro capitaneado pela criação e atuação da Embrafilme.
(GATTI, 1999) O musical, contudo, não foi um gênero que acompanhou o
movimento de expansão da indústria cinematográfica brasileira, pelo menos
não durante os anos 1970. Não que essa produção tenha sido completamente

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 263


extinta, como apontam Guilherme Maia e Sandra Coelho (2015). Os pesquisa-
dores destacam que “[...] o veio do musical de ficção continuou a ser explorado
no âmbito de uma cinematografia com ambição artística e voltada para o pú-
blico adulto”. (COELHO; MAIA, 2015, p. 135) Essa vertente, no entanto, não
incluía os filmes musicais atrelados ao rock.
Pouco presente na ficção, o rock progressivo e psicodélico dos anos 1970
ganhou registro cinematográfico principalmente na produção de documen-
tários, como Som alucinante (1971), de Carlos Augusto Oliveira, produzido
pela Blimp Filmes, e Ritmo alucinante (1976), de Marcelo França, que levou
para as salas de cinema, em setembro de 1976, trechos dos shows realizados
no Hollywood Rock, grande festival articulado pelo produtor musical Nelson
Motta, ocorrido no verão do ano anterior no campo do Botafogo, no Rio.
A contracultura e o rock rural ganhou expressão cinematográfica com É
isso aí bicho (1969-1972), dirigido por Carlos Bini, numa produção indepen-
dente, originalmente intitulada Geração bendita. O musical, filmado na comu-
nidade hippie dos Quiabus, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, contou com a
gravação em vinil da trilha sonora original composta pelo grupo Spectrum.
No final da década de 1970, a música soul e das discotecas ditava o ritmo
da canção popular massiva para o público jovem, numa espécie de explosão da
música pop no Brasil. (BARCINSKI, 2014) Na televisão, a telenovela Dancing
days, exibida entre 1978 e 1979 na Rede Globo, popularizou as canções inter-
nacionais da disco music. (BRYAN; VILLARI, 2014, p. 275-279) As discotecas se
tornavam um ambiente comum tanto da ficção quanto das diversões noturnas
das grandes capitais. Em julho de 1978, Os embalos de sábado à noite, de John
Badham, com John Travolta, entrava em cartaz nas principais salas de cinema do
Brasil, acompanhando o sucesso mundial do filme, divulgando a dança e o som
das discotecas.
No cinema brasileiro, o jovem personagem Toquinho (André de Biasi), criado
pelo diretor Antônio Calmon, descobria o submundo da vida noturna da zona
sul carioca Nos embalos de Ipanema (1978). Os “embalos” do título se referiam
muito mais às aventuras sexuais do que propriamente às incursões de Toquinho
ao mundo da discoteca. Apesar do forte erotismo, o filme se aproximava das pro-
duções juvenis das décadas anteriores ao reinventar o filme de praia, nesse caso,
de uma forma bem menos inocente que Rio, verão e amor, por exemplo. De qual-
quer forma, a referência às discotecas e ao sucesso de John Travolta – embutidos

264 ZULEIKA DE PAULA BUENO


no título do filme – ajudava a vender a fita como um filme musical e juvenil,
apesar de sua censura de 18 anos. (BUENO, 2016b, p. 57) O erotismo era um
elemento importante também em Sábado alucinante (1979), de Cláudio Cunha.
Por ocasião de seu lançamento, como forma de divulgação do filme, o diretor
prometia desvendar em sua trama os segredos e a face oculta dos Os embalos de
sábado à noite. (BUENO, 2016b, p. 56)
O cinema popular e massivo assumiu, nessa década, duas principais tendên-
cias que o afastavam de um público propriamente juvenil, embora incorporas-
sem nas trilhas sonoras as tendências musicais mais diretamente atreladas a esse
segmento. Uma tendência, já exposta acima, era a aproximação com o cinema
erótico, no encalço da crescente produção da pornochanchada. (RAMOS, 1995;
SANTANA, 2014) Outra, era a segmentação da produção na categoria chamada
de infantil. Esse segmento, entendido como preferencialmente direcionado a
uma audiência de crianças e adolescentes, foi responsável por alguns dos princi-
pais sucessos de bilheteria da década, comandados pelas comédias do quarteto
Os Trapalhões, conhecido grupo de comediantes composto por Renato Aragão,
Dedé Santana, Mussum e Zacarias. (LUNARDELLI, 1996; RAMOS, 1995)
Embora tenha se lançado no cinema nos anos 1960, nas comédias musicais
Na onda do ié-ié-ié e Adorável Trapalhão, Renato Aragão, ator e produtor cine-
matográfico do quarteto, deixou de lado a vertente das produções musicais nos
anos 1970 e apostou mais nos roteiros que recriavam, de forma paródica, narra-
tivas atreladas “ao imaginário literário infanto-juvenil estrangeiro” e ao modelo
de filmes de ação e aventuras. (RAMOS, 1995, p. 142) Somente em 1981, com
o filme Os saltimbancos Trapalhões, o grupo realizou um filme musical, adap-
tando livremente para o cinema as canções e a peça de teatro Os saltimbancos,
escrita em 1977, pelo cantor e compositor Chico Buarque de Holanda.10

A explosão do rock e do filme juvenil nos anos 1980

A década de 1980 é conhecida como aquela em que o rock brasileiro ganhou


destaque no mercado musical brasileiro, superando até mesmo o fenômeno da
Jovem Guarda dos anos 1960. O BRock, como ficou conhecido, ganhou apoio

10 A própria peça era uma adaptação brasileira da obra originalmente composta pelo italiano
Sergio Bardotti e pelo argentino Luis Enríquez Bacalov.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 265


das gravadoras (DAPIEVE, 2004) e auxiliou a indústria fonográfica no Brasil a
ingressar numa nova fase de racionalização e concentração da produção, ser-
vindo como um laboratório de experiências na promoção e formatação de ar-
tistas direcionados ao consumo de nichos e públicos específicos. (VICENTE,
2008) Foi nesse contexto que as canções de rock e a música pop brasileira vol-
taram às telas do cinema em produções claramente juvenis, feitas sobre e para
o público jovem, como o filme O sonho não acabou (1982), de Sérgio Resende.
A combinação rock e praia, já bastante conhecida na estruturação dos
beach movies repetiu-se, curiosamente, como algo absolutamente novo em
Menino do Rio (1981), de Antônio Calmon. A novidade, destaca Gelson Santana
(2007, p. 165), estava no “sentimento de consumo” agenciado pelo filme.
Projetado para ser um grande sucesso comercial, o filme investiu na fotografia
apurada, na trilha sonora original, nas tomadas dos esportes de aventura, como
a asa delta, o surf e o windsurf, elementos todos articulados com o clássico
argumento do amor impossível, vivido entre os personagens Valente (André
de Biasi) e Patrícia (Cláudia Magno). A fórmula estava apoiada nos filmes de
praia norte-americanos, que invadiam as salas brasileiras há quase três décadas
e se repetiam anualmente nas programações vespertinas da televisão. O título
do filme fazia referência à famosa canção de Caetano Veloso que serviu de
abertura à novela Água viva, exibida pela TV Globo, no horário das 20 horas,
durante o ano de 1980. (BRYAN; VILLARI, 2014, p. 317) Guto Graça Mello,
executivo da gravadora Som Livre, assinou a produção musical de Menino do
Rio, e Nelson Motta, já bastante experiente na produção de trilhas para teleno-
velas, foi responsável pela direção musical do filme, participando da composi-
ção de quase todas as canções incluídas na fita. Com essa produção, afirmava
o produtor Fábio Barreto, selava-se a fusão do rock brasileiro com o cinema.
Coisa rara no cinema brasileiro, Menino do Rio gerou uma sequência,
Garota dourada (1983), segundo filme de aventuras do personagem Valente.
O hit musical da banda Rádio Táxi, parte da trilha sonora de Menino do Rio,
batizou a segunda parte da saga do herói. As canções, portanto, criavam uma
espécie de serialidade entre os filmes, que ecoavam de uma produção a outra
tanto na escolha dos títulos quanto no desenvolvimento das narrativas. As can-
ções trabalhavam como um dispositivo interno de mediação entre os próprios
filmes, bem como de reconhecimento dos filmes por seus espectadores. Isso se
dava, entre outras estratégias, pela intensa divulgação de canções compostas

266 ZULEIKA DE PAULA BUENO


para os filmes nas rádios e em programas de televisão antes do lançamento das
fitas. Ou ainda, como era o caso de Menino do Rio, pela apropriação simbólica
de um imaginário musical já construído por outras canções que nem mesmo
integravam a trilha dos filmes.
Emblemático na exploração das estratégias comerciais de fusão entre rock,
cinema e juventude, Bete Balanço (1984), de Lael Rodrigues, foi um grande
sucesso de bilheteria no ano de seu lançamento,11 atingindo diretamente seu
público-alvo – os adolescentes e jovens, conforme planejaram seus realizado-
res. Em meados da década de 1980, o Centro de Produção e Comunicação
(CPC) – produtora formada por Lael Rodrigues, Tizuka Yamasaki e Carlos
Alberto Diniz – trabalhava num roteiro que pudesse ser resumido num argu-
mento claro, fácil e conciso, potencialmente capaz de desenvolver um alto
retorno mercadológico orientado para o público adolescente. A proposta era
realizar um filme capaz de despertar empatia e familiaridade com os jovens
por meio de uma temática contemporânea, alta qualidade técnica e linguagem
visual moderna. Pronta a versão final do roteiro, Cacá Diniz saiu à procura
de um grupo de rock disposto a escrever a música tema do filme. O Barão
Vermelho12 havia lançado seus dois primeiros álbuns nos anos anteriores, ainda
sem muito sucesso, apesar do apoio da gravadora Som Livre. Cazuza recebeu
o roteiro das mãos de Lael Rodrigues e, poucos dias depois, juntamente com o
guitarrista Frejat, apresentou para a equipe do CPC aquela que seria a música
tema do filme. Um rápido videoclipe vinculado na televisão e a execução da
canção do Barão Vermelho nas rádios tornaram-se meios bastante eficientes
de promoção do filme. Quando estreou no circuito exibidor, Bete Balanço já
era um nome bastante conhecido do público. A trilha sonora do filme, com-
posta por canções do Barão Vermelho e de outros grupos de rock da época,
foi incorporada ao filme no formato de videoclipes – tratados como produtos
visuais e musicais autônomos, porém articulados com os eventos da narra-
tiva. Lael Rodrigues utilizava as canções para resumir ou anunciar elementos
da ação e das motivações da personagem principal do filme, a jovem aspirante

11 De acordo com dados na Ancine, 1.327.377 espectadores pagaram ingresso para ver Bete
Balanço. (MAIA; COELHO, 2015, p. 134)
12 Composto por Cazuza nos vocais, Frejat na guitarra, Guto Goffi na bateria, Dé no baixo e
Maurício Barros nos teclados.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 267


ao estrelato Bete Balanço (Débora Bloch). Dessa forma, os videoclipes integra-
vam-se à fruição espectatorial do filme, bem como garantiam sua autonomia
narrativa quando isolados do restante da fita, para serem exibidos como peças
visuais e musicais autônomas. (BUENO, 2016b; SALIM, 2013)
A produção cinematográfica juvenil brasileira dos anos 1980 encontrou nas
sequências musicais realizadas como videoclipes componentes considerados de
vanguarda e modernidade rapidamente absorvidos pelas fitas. A mistura entre
imagem fotográfica e eletrônica, combinada com os recursos da computação
gráfica, certificou os realizadores cinematográficos de integrarem o universo das
então recentes inovações tecnológicas audiovisuais. Isso era bastante evidente,
por exemplo, na estética adotada em Cidade oculta (1986), de Chico Botelho.
Os realizadores de Bete Balanço investiram num segundo longa metragem
musical e juvenil, Rock estrela (1986). Apesar da temática semelhante, Rock
estrela não era uma continuação do primeiro filme. Ele narra a trajetória artís-
tica de Rock (Diogo Vilela), músico de formação erudita que acabava seduzido
pelo ritmo do pop-rock brasileiro. Lançado no Carnaval de 1986, o longa-metra-
gem reproduzia algumas das práticas de promoção comercial já utilizadas em
Bete Balanço, chegando aos cinemas acompanhado da divulgação maciça do
hit homônimo cantado por Leo Jaime exaustivamente nas estações de rádio e
programas de auditório na televisão. No Carnaval do ano seguinte, o diretor
Adnor Pitanga tentou reproduzir o modelo de comédia musical estabelecido
por Bete Balanço e Rock estrela no seu filme Rockmania (1987), sem atingir o
mesmo sucesso dos filmes de Lael Rodrigues.
O rock e a música pop dos anos 1980 estiveram presentes nos números
musicais e nas trilhas de uma dezena de filmes da década. Areias escaldantes
(1985), de Francisco de Paula, Tropclip (1985), de Luiz Fernando Goulart, Johnny
Love (1987), de João Elias Junior, As sete vampiras (1986), de Ivan Cardoso,
O mistério no Colégio Brasil (1988), de José Frazão, todos embarcaram, cada
qual da sua forma, na proposta de desenvolver filmes musicais direcionados
para o gosto juvenil. Em Banana split, de Paulo Sérgio de Almeida, o rock dos
anos 1950 e 1960 voltava numa chave nostálgica, trazendo para os espectadores
mais jovens a trilha sonora, a ambiência e a temática da “juventude transviada”.

268 ZULEIKA DE PAULA BUENO


Desmantelado o CPC no final da década de 1980,13 Carlos Alberto Diniz,
Yoya Wurch e Yurika Yamasaki formaram a Ponto Filmes e mantiveram ativa a
produção de filmes juvenis. Juntamente com a Diler Trindade Dreamvision, a
Xuxa Produções e a Art Films realizaram, em 1990, o “arrasa-quarteirões” Lua
de cristal, produção infanto-juvenil que arrebatou cerca de 5 milhões de espec-
tadores para as salas de cinema num momento agonizante do cinema brasi-
leiro. Retomando a história da Gata Borralheira, o roteiro de Luiz Carlos Góes,
Yoya Wurch e Cacá Diniz transformava a apresentadora de programas televi-
sivos, Xuxa Meneguel, na protagonista de um conto de fadas contemporâneo.
Xuxa já era uma figura conhecida por conta de seu sucesso em programas na
televisão voltados para crianças e adolescentes e por suas incursões no cinema
em filmes de bastante popularidade, como os dos Trapalhões.
No final dos anos 1980, o quarteto liderado por Renato Aragão investiu
novamente nas comédias musicais, apostando em temas cinematográficos
juvenis e modernizados (RAMOS, 1995, p. 144), trazendo para o elenco e para
a trilha sonora dos filmes os integrantes do grupo Dominó, uma boy band
formada por quatro adolescentes – Affonso Nigro, Nill, Marcos e Marcelo
Rodrigues. Entre os anos 1980 e 1990, diversas boy bands surgiram na cena
musical brasileira por meio de seleções e concursos musicais realizados em
programas televisivos, fabricadas por meio de eficientes estratégias de mar-
-keting das televisões e gravadoras como forma de alcançar uma alta vendagem
de discos entre o público adolescente feminino. O grupo Dominó atuou em
quatro filmes de Os Trapalhões, produzidos entre os anos de 1987 e 1989:
Os fantasmas Trapalhões (1987), de J. B. Tanko, Os heróis Trapalhões (1988),
O casamento dos Trapalhões (1988), de José Alvarenga Jr., e Os Trapalhões na
terra dos monstros (1989), de Flávio Migliaccio. A principal produção do quar-
teto direcionada ao público jovem, porém, deu-se com o filme Uma escola
atrapalhada (1990), dirigida por Antônio Rangel, no qual Os Trapalhões, dife-
rentemente das demais produções do grupo, eram meros coadjuvantes de
uma trama centralizada no núcleo jovem do elenco, liderado pelo roqueiro
Supla, a apresentadora Angélica e a boy band Polegar, além de um elenco com-
posto por diversos atores e atrizes jovens, já conhecidos pelos públicos pela
sua participação em telenovelas.

13 Lael Rodrigues, sócio e diretor, faleceu em 1989.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 269


Seguindo essa mesma fórmula, a apresentadora Xuxa transformou seus
assistentes de palco em grupos musicais juvenis. Paquitos e paquitas, como
eram chamados, gravaram disco, ganharam fã-clubes, conquistaram espaço no
programa infantil comandado por Xuxa e se tornaram a atração principal da
comédia juvenil Sonho de verão (1990), dirigida por Paulo Sérgio de Almeida.

Os anos 1990 e a produção do cinema musical


e juvenil contemporâneo

Os anos 1990 iniciam-se no cenário cinematográfico brasileiro com o fim da


Embrafilme, da Fundação do Cinema Brasileiro e do Conselho Nacional de
Cinema (Concine), em março de 1990, pelo então presidente Fernando Collor
de Melo. As medidas tomadas inviabilizaram economicamente as produções de
filmes nos primeiros anos daquela década e afetaram diretamente a distribui-
ção de filmes e a fiscalização do mercado cinematográfico nacional. Projetos
já em andamento foram interrompidos, obras concluídas ficaram sem distri-
buição. Apenas sete produções brasileiras foram lançadas naquele ano (GATTI,
2005, p. 120); dentre elas, quatro infanto-juvenis: Lua de cristal, Uma escola
atrapalhada, Sonho de verão e Xuxa e os Trapalhões em O mistério de Robin
Hood. Conforme já discutido neste capítulo, os quatro filmes se sustentavam
no sucesso televisivo de seus protagonistas.
Em dezembro de 1991, uma nova lei de incentivos fiscais foi aprovada
pelo Congresso Nacional, a denominada Lei Rouanet (Lei nº 8.313), e, no ano
seguinte, uma legislação específica foi elaborada para o setor cinematográ-
fico. Os impactos dessas novas medidas sobre a produção e a circulação de
filmes brasileiros podem ser sentidos após 1994, quando chegaram às salas os
primeiros filmes de um novo ciclo de produções, que ficou conhecido como
o Cinema da Retomada.
No caso da produção do filme musical e juvenil, a retomada deu-se ape-
nas no final da década de 1990, com produções que permaneciam derivadas
do universo televisivo. O intercâmbio entre os lançamentos musicais e as
produções do cinema juvenil foi recuperado como forma estratégica de pro-
moção comercial para as duas indústrias. O rock permaneceu no catálogo
das gravadoras, mas, nesse momento, era a música pop que mais se atrelava

270 ZULEIKA DE PAULA BUENO


ao consumo juvenil. Das bandas de pop-rock surgidas nos anos 1990, Jota
Quest faz uma participação especial na comédia Zoando na TV (1998), de
José Alvarenga Jr., e, juntamente com CPM22 e Detonautas, integrou a trilha
de Um show de verão (2004), de Moacyr Góes, ambos protagonizados pela
apresentadora de televisão Angélica.
Nos anos 2000, o consumo musical foi motivado pelo crescente interesse
das gravadoras no funk, no pagode, no sertanejo e na axé-music. O crescimento
da música baiana motivou a produção de Cinderela baiana (1998), dirigido por
Conrado Sanchez, protagonizado pela dançarina Carla Perez, integrante, na
época, do grupo de axé É O Tchan. A variedade de ritmos também compõe o
cenário musical de Xuxa requebra (1999), de Tizuka Yamasaki. No ano seguinte,
a apresentadora Xuxa encerrou a sua trilogia musical e juvenil com Xuxa pops-
tar (2000), de Paulo Sérgio Almeida e Tizuka Yamasaki, para retornar às reali-
zações de caráter mais infantil na década seguinte.
A questão da modernidade visual e da estética do videoclipe, caracterís-
ticas tão marcantes do cinema juvenil dos anos 1980, perdeu importância nas
produções dos anos 1990 e 2000. Apenas em Acquaria (2003) ela parece resis-
tir, talvez mais em decorrência de sua filiação à ficção científica do que de seu
caráter de produção juvenil,14 e em High school musical – o desafio (2010), de
Cesar Rodrigues, versão brasileira da franquia de filmes musicais e juvenis da
corporação Walt Disney Pictures.
Nas produções musicais e juvenis mais recentes, o rock persiste na trilha
sonora principalmente como um elemento nostálgico. Mais do que um ritmo
presente, é uma referência às juventudes de outras épocas. É o caso, por exem-
plo, de 1972 (2006), de José Emílio Rondeau, cujas canções retomam a experi-
ência juvenil dos anos 1970; Pode crer! (2007), de Arthur Fontes, que retoma os
dilemas da adolescência dos anos 1980; e das cinebiografias Cazuza – o tempo
não pára (2004), de Sandra Werneck e Walter Carvalho, que recupera a aliança
entre rock e cinema para narrar a trajetória pessoal e profissional do cantor
Cazuza, morto no início dos anos 1990, aos 32 anos; e Somos tão jovens (2013),
de Antonio Carlos da Fontoura, cinebiografia dos anos de adolescência do can-
tor Renato Russo, importante figura do BRock, morto também precocemente.

14 O filme é estrelado por Sandy e Júnior, nomes significativos da indústria fonográfica e do mer-
cado adolescente daquele momento.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 271


Sucessos de bilheterias, as cinebiografias certamente atraíram o público jovem
às salas, mas se dirigiram simbólica e afetivamente àqueles que viveram a ado-
lescência na mesma época dos ídolos biografados, ou seja, o público na faixa
dos 40 anos de idade.

Apontamentos finais

A discussão do cinema juvenil traz também para a análise do gênero musical


uma provocação: a de olhar o gênero na sua mais íntima relação com os outros
meios e produtos da cultura industrial e massiva.15 (GRANT, 1986)
O rock e a cultura juvenil foram disseminados mundialmente pelas pro-
duções cinematográficas e pela indústria fonográfica a partir da década de
1950, tendo como carro chefe as produções de filmes musicais estadunidenses.
Uma vez difundidos e misturados às cinematografias locais, os musicais juvenis
criaram sua própria forma e dinâmica, como é o caso observado neste capítulo
em relação à cinematografia brasileira.
Como foi discutido, as primeiras inserções do rock nas comédias musicais
brasileiras guardam uma relação com o adjetivo “juvenil”, mas as próprias con-
dições materiais do mercado cultural brasileiro impedem que tal segmentação
seja realizada. Apenas nos anos 1960, com movimentos como a Jovem Guarda
e a bossa nova, é que se coloca como problema real a questão do público jovem
e, ainda mais, do consumidor jovem, no horizonte de produção musical e
cinematográfica no Brasil. Tal processo somente se realiza na década de 1980,
quando se experimenta e se investe em um novo ciclo de filmes musicais, estra-
tegicamente direcionados ao consumo juvenil. Tais experiências naufragam
nos anos 1990, em decorrência da reestruturação produtiva do cinema brasi-
leiro e, apenas nos anos 2000, ressurgem como uma possibilidade comercial e
também criativa do cinema contemporâneo.
O mapeamento realizado neste capítulo revela que, embora a tendência juve-
nil não seja a mais abundante no cinema musical produzido no Brasil, a investiga-
ção de suas potencialidades, fracassos e realizações abre uma relevante perspec-
tiva de análise da configuração do mercado cultural brasileiro. Mundialmente, a

15 Essa proposta de análise é sugerida por Rick Altman, em entrevista realizada no início dos anos
2000. (AN INTERVIEW..., 2003)

272 ZULEIKA DE PAULA BUENO


cultura juvenil-adolescente potencializou a integração e intercambialidade entre
as indústrias culturais, em práticas que vêm sendo chamadas, na última década,
de convergência midiática. (JENKINS, 2009) Debruçar-se sobre as possíveis
configurações do cinema juvenil produzido no Brasil é discutir as peculiarida-
des dessa convergência no cenário cultural brasileiro, principalmente no que se
refere à participação do cinema nesse processo.

Referências

A EXIBIÇÃO da película ‘Ao balanço das horas’. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 16,
23 dez. 1956.
A EXIBIÇÃO de ‘Ao balanço das horas’ no Rio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 4,
5 jan. 1957.
ALTMAN, R. A semantic/syntactic approach to film genre. Cinema Journal,
Champaign, v. 23, n. 3, p. 6-18, Spring 1984.
AN INTERVIEW with Rick Altman. The Velvet Light Trap, Austin, n. 51, p. 67-72,
Spring 2003.
AUGUSTO, S. Este mundo é um pandeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
AUTRAN, A. As concepções de público no pensamento industrial cinematográfico.
Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 36, p. 84-90, ago. 2008.
BAENA, P. K. Rock around the clock: a difusão do rock em território brasileiro.
In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DO ROCK, 2., 2015, Cascavel.
Anais... Cascavel: Unioeste, 2015.
BARCINSKI, A. Pavões misteriosos, 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil. São
Paulo: Três Estrelas, 2014.
BRYAN, G.; VILLARI, V. Teletema: a história da música popular através da
teledramaturgia brasileira. São Paulo: Dash, 2014.
BUENO, Z. P. Uma leitura dos roteiros de SSS Contra Jovem Guarda. In: ESTUDOS
DE CINEMA E AUDIOVISUAL SOCINE, 19., 2016, São Paulo. Anais... São Paulo:
Socine, 2016a. p. 318-324.
BUENO, Z. P. Leia o livro, veja o filme, compre o disco: a formação do cinema juvenil
brasileiro. Maringá: Eduem, 2016b.
BUENO, Z. P. Quando os mocinhos se rebelam: notas sobre um possível cinema juvenil
brasileiro. In: LYRA, B.; SANTANA, G. Cinema de bordas. São Paulo: A Lápis, 2006.
p. 176-187.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 273


CARMO, P. S. Culturas de rebeldia. São Paulo: Senac, 2001.
DAPIEVE, A. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. São Paulo: Ed. 34, 2004.
DOHERTY, T. Teenagers and teenpics: the juvenilization of american movies in the
1950´s. Philadelphia: Temple University Press, 2002.
DONNELY, K. Pop music in British Cinema. London: British Film Institute, 2001.
FROÉS, M. Jovem Guarda em ritmo de aventura. São Paulo: Ed. 34, 2000.
GAROTA Dourada. Press Release, p. 2. Disponível no Acervo da Cinemateca Brasileira.
GARSON, M. Jovem Guarda: a construção social da juventude na indústria cultural.
2015. 340 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
GARSON, M. Roquianos, suburbanos e dançarinos: rock and roll carioca (55-60).
Música Popular em Revista, Campinas, ano 1, v. 2, p. 148-171, jan./jun. 2013.
GATTI, A. P. Cinema brasileiro em ritmo de indústria (1969-1990). São Paulo: Divisão
de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo, 1999.
GATTI, A. P. Distribuição e exibição na industria cinematografica brasileira (1993-
2003). 2005. 357 f. Tese (Doutorado em Multimeios) – Instituto de Artes, Universidade
Estadual de Campinas, São Paulo, 2005.
GONÇALO JUNIOR. Versão brasileira: Herbert Richers. São Paulo: Criativo, 2014.
GRANT, B. K. The classical Hollywood Musical and the “problem” of rock’n’roll.
Journal of Popular Film and Television. London, v. 13, n. 4, p. 195-205, 1986.
JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
JOHN Travolta e Karen Lynn Gorney em Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday
Night Fever) de John Badham: a dança volta ao cinema em ritmo de discoteca. Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, 3 jul. 1978. Caderno B, p. 6.
KAHALE, Z. Roberto Carlos em ritmo de aventura, o 7 ½ de Farias. In: CHALIPE, H.;
NETO, S. Os múltiplos lugares de Roberto Farias. Rio de Janeiro: Jurubeba Produções,
2012. p. 158-162.
LENHARO, A. Cantores do rádio. Campinas: Unicamp, 1995.
LUNARDELLI, F. Ô psit!: o cinema popular dos Trapalhões. Porto Alegre: Artes e
Ofícios, 1996.
MAIA, G.; COELHO, S. S. Em busca do tesouro: rock e juventude em dois momentos
do cinema musical brasileiro. Extraprensa, São Paulo, ano 9, n. 17, p. 124-138, jul./dez.
2015.
MONTEIRO, D. Dez! Nota dez! Eu sou Carlos Imperial. São Paulo: Matrix, 2008.

274 ZULEIKA DE PAULA BUENO


MORRIS, G. Beyond the beach: social and formal aspects of AIP´s Beach Party Movies.
Journal of Popular Film and Television, London, v. 21, n. 1, p. 2-11, Spring 1993.
NAPOLITANO, M. A música brasileira na década de 1950. Revista USP, São Paulo,
n. 87, p. 56-73, set./nov. 2010.
NAPOLITANO, M. A arte engajada e seus públicos (1955/1968). Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, v. 2, n. 28, p. 103-124, 2001.
NORA em inglês. Revista do Rádio, Rio de Janeiro, 19 nov. 1955. Discos, p. 25.
O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo, 7 set. 1968. p. 48.
ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1987.
RADWAN, J. A generic approach to rock film. Popular Music and Society, London,
v. 20, n. 2, p. 155-171, 1996.
RAMOS, J. M. O. Televisão, publicidade e cultura de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
SALIM, D. M. Pegou a guitarra e foi ao cinema: rock e juventude na filmografia de Lael
Rodrigues nos anos 1980. 2013. 329 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto
de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.
SANTANA, G. O prazer trivial: cultura midiática, gênero e pornochanchada. São Paulo:
A lápis, 2014.
SANTANA, G. Criaturas do sol. In: SANTANA, G. (Org.). Cinema, comunicação e
audiovidual. São Paulo: Alameda, 2007. p. 161-179.
SILVA, M. R. C. da. A canção popular na história do cinema brasileiro. 2009. 356 f. Tese
(Doutorado em Cinema) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2009.
SIMÕES, I. Roteiro da intolerância: censura cinematográfica no Brasil. São Paulo:
Senac, 1999.
SHARY, T. Teen movies: american youth on screen. New York: Wallflower Paperback, 2005.
TROPIANO, S. Rebels & Chicks: a history of the Hollywood Teen Movie. New York:
Back Stage Books, 2006.
VICENTE, E. Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965/1999.
ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan./jun. 2008.
VIEIRA, J. L. Música, dança e performance: o corpo em movimento. In: ADES, E. et al.
O som no cinema. Rio de Janeiro: Tela Brasilis, 2008a. p. 18-29.
VIEIRA, J. L. O corpo popular, a chanchada revisitada, ou a comédia carioca por excelência.
In: ADES, E. et al. O som no cinema. Rio de Janeiro: Tela Brasilis, 2008b. p. 95-111.
ZIMMERMANN, M. Jovem Guarda: moda, música e juventude. São Paulo: Estação das
Letras e Cores, 2013.

Um possível cinema juvenil e musical brasileiro 275


Cine musical mexicano
tendencias temáticas y evolución genérica

ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE

Introducción: ¿Musical mexicano?

La definición del género cinematográfico musical ha sido objeto de un am-


plio debate al que han abonado los trabajos de Masson (1981), Hirschhorn
(1981), Altman (1981, 1987, 1992, 2011), Feuer (1992), Barrios (1995) y Langford
(2005), entre muchos otros. Sin embargo, las definiciones y tipologías del mu-
sical propuestas por estos autores se han construido a partir del estudio del
cine estadounidense, por lo que su aplicación al cine mexicano muchas veces
resulta forzada.
La aproximación semántica/sintáctica de Altman (2011), por ejemplo, pro-
pone una diferencia entre lo musical como adjetivo y lo musical como sus-
tantivo. En el primer caso, lo musical es un atributo en sentido amplio que se
aplica “a las películas en las que la música diegética, en parte producida por los
protagonistas, está presente en gran medida”. (ALTMAN, 2011, p. 720) El autor
denomina películas musicales a estas producciones. En el segundo caso, lo
musical corresponde a una “etiqueta autónoma” (ALTMAN, 2011, p. 723) que
se reserva a un género exclusivo de Hollywood, y que se refiere a “comedias
sentimentales” en las que la música y el baile se encuentran integrados a la
trama, “sirven para expresar sentimientos personales y de la colectividad” y
“son vehículo del triunfo del amor frente a cualquier obstáculo”, por lo que
cumplen una función celebratoria. (ALTMAN, 2011, p. 726) El autor llama a
estos filmes simplemente Musicales.
Desde la perspectiva de Altman, no es posible hablar de musicales mexica-
nos, sino sólo de películas musicales mexicanas. Pero, y más allá de la discusión
sobre la pertinencia del modelo de Altman, ¿no cumple acaso con todas las
características sintagmáticas y semánticas del musical planteadas por este autor,
una película mexicana como Dos tipos de cuidado (Ismael Rodríguez, 1953)?
¿Es válido definir genéricamente una película a partir de un elemento estricta-
mente extrafílmico como lo es su país de producción?
Por otra parte, autores como Langford (2005), distinguen dos tipos de
musical: integrado y no integrado. En el caso del musical integrado, “los núme-
ros musicales se entretejen con la estructura narrativa, están motivados por la
psicología y/o el desarrollo de la trama y expresan las emociones, opiniones o
el estado psicológico del que canta”. (LANGFORD, 2005, p. 85) En cambio,
en el musical no integrado, “los números musicales simplemente se acumulan
de forma seriada, son espectáculos que se sostienen por sí mismos y que se
conectan débilmente, si es que se conectan, entre ellos o con la narración en la
que están inmersos”. (LANGFORD, 2005, p. 85) El principal inconveniente de
esta clasificación es que se fundamenta en sólo uno de los cinco componentes
del lenguaje cinematográfico, esto es, en la narración, mientras deja de lado
el sonido, la imagen, la puesta en escena y el montaje. Por otra parte, tanto el
musical integrado como el no integrado pueden encontrarse – incluso dentro
de un mismo filme – en la cinematografía de nuestro país y de muchos otros
países, por lo que estas categorías no permiten estudiar lo específico del cine
musical mexicano.
Para Viñas (2005), por ejemplo, un filme musical es una ficción que “parte
de una representación con elementos musicales y/o coreográficos”. A partir de
esta muy amplia definición de lo que es una película musical, el autor iden-
tifica, en su Índice general del cine mexicano (2005), 755 películas musicales
producidas en México entre 1896 y el 2000. Una rápida revisión tan sólo de la

278 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


entrada A de este Índice revela, sin embargo, un gran número de películas que
bajo los criterios del propio autor deberían considerarse como musicales, pero
que no se apuntan como tal. ¿Utilizó el autor algún otro criterio para definir
una película como musical? ¿Es posible que no haya considerado algunas pro-
ducciones como musicales por no encontrarlas disponibles para su visionado
en algún archivo fílmico?
Aún cuando parece una subestimación, el corpus de películas musicales
que se deriva del trabajo de Viñas (2005) constituye una muestra de la produc-
ción de cine musical mexicano y, como tal, su estudio puede arrojar algunas
luces sobre el tema. Veamos.
De acuerdo con Viñas (2005), la película Más fuerte que el deber (Raphael J.
Sevilla, 1930) inaugura la producción musical mexicana. La Figura 1 grafica el
número de películas musicales que, según el autor, se produjeron anualmente
en nuestro país a partir de esta primera producción de 1930 y hasta el año
2000. En esta gráfica, se observa una tendencia creciente de producción que
alcanza su punto máximo a finales de los años cincuenta y principios de los
sesenta. Los años 1958 y 1964 aparecen como los de mayor producción con 37
y 36 largometrajes musicales, respectivamente. Tras este auge, el cine musical
mexicano muestra un franco declive: de los años setenta a mediados de los
ochenta, se registra una reducida producción que oscila entre las cinco y 10
películas musicales por año y, a partir de la segunda mitad de los ochenta, el
cine musical mexicano se vuelve escaso.

Figura 1 − Número de películas musicales producidas en México entre 1896 y el 2000

Fonte: Viñas (2005).

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 279


Resulta claro que desde estrategias de reconocimiento normativo como las
anteriores, en las que se distingue una película como musical a partir “de una o
varias definiciones canónicas, establecidas como parte de un sistema de repre-
sentación del corpus genérico” (ZAVALA, 1998), el estudio del cine mexicano
musical encuentra serias limitaciones.
Para aproximarse al estudio del cine musical de nuestro país en su espe-
cificidad, resulta conveniente, pues, adoptar una estrategia casuística como la
propuesta por Zavala (1998), en la que a partir de estudios de caso (películas
mexicanas) y una lógica inferencial, se construyan normas conceptuales que
permitan definir el cine musical mexicano, entender su evolución y proponer
una tipología subgenérica.

Propuesta de aproximación casuística al cine musical mexicano

Siguiendo una estrategia casuística y considerando que, como propone Zavala


(2007, 2010), el análisis del título de una película constituye la primera ma-
nera de aproximarse a un filme, se realizó una revisión de todos los títulos de
películas mexicanas registradas por Viñas (2005), fueran o no consideradas
producciones musicales por el autor. A partir de esta revisión, se elaboró una
relación de los filmes cuyos títulos incluyeran referencias directas a música,
baile, canto, nombres de compositores, cantantes o grupos musicales, títulos
o fragmentos de canciones y géneros musicales (twist, charleston, rock etc.).
Las películas enlistadas se graficaron por año de producción y los resultados
se discutieron con base en la teoría paradigmática de Zavala (2008), para pro-
poner una periodización del cine musical mexicano. A partir de los casos de
estudio revisados, se apuntaron algunas de las características formales de las
películas musicales representativas de cada periodo. Se elaboraron, además,
dos mapas cronológicos de los géneros musicales presentes en el cine mexi-
cano, y se identificaron, a partir de los casos, varios subgéneros del musical
de nuestro país.

280 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


Los títulos del cine musical mexicano

Lo primero que revelaron los títulos estudiados fueron las fuentes de las
que abrevó el cine musical mexicano. Películas como Revista musical,
(Arcady Boytler, 1934), Las tandas del principal, (Juan Bustillo Oro, 1949),
Extravaganza mexicana, (Juan José Segura, 1942), Extravaganza torera, (Juan
José Segura, 1942), El fantasma de la opereta (Fernando Cortés, 1959), La
reina de la opereta (José Benavides h., 1945), Burlesque (René Cardona, 1980)
y Variedades de medianoche (Fernando Cortés, 1949) hacen referencia a la
manera en que el cine musical de nuestro país hunde sus raíces en el género
teatral chico mexicano.
Por otro lado, a partir de la revisión del Índice de Viñas (2005), se regis-
traron 442 títulos que incluyen referencias directas a música, baile, canto,
nombres de compositores, cantantes o grupos musicales, títulos o fragmen-
tos de canciones y/o géneros musicales. De estos títulos, 24 son referentes a
bailar (Figura 2a), 37 a cantar (Figura 2b), 20 a música o melodía (Figura 2c),
70 a géneros o ritmos musicales (Figura 2d) y 302 a títulos o fragmentos de
canciones (Figura 2e). La figura 2 permite la comparación gráfica del número
de películas producidas por año – entre 1896 y 2000 – en cada una de las
categorías anteriores.
Las películas con títulos referentes a ritmos musicales, permitieron detec-
tar la presencia de 30 géneros musicales, que se graficaron en el mapa cronoló-
gico de la Figura 3. Los géneros musicales que aparecen más recurrentemente
en los títulos del cine mexicano son: mariachi con ocho menciones, mambo y
go gó con cinco menciones cada uno, y rock con cuatro.

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 281


Figura 2 − Títulos de películas registradas en Viñas (2005), que hacen referencia a: a) bailar,
danzar, bailarines, bailes; b) cantar, canto o canción; c) música, melodía o ritmo; d) géneros
o ritmos musicales y tipos de baile; y e) títulos, fragmentos o referencia a canciones. Los
recuadros constituyen una propuesta de periodización para el cine musical mexicano

282 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


Figura 3 − Mapa cronológico de la presencia de géneros o ritmos musicales en los títulos de
las películas mexicanas, a partir de Viñas (2005). Los recuadros en color sólido corresponden
al año en que se produjeron películas con títulos referentes a géneros musicales; mientras
que los recuadros punteados indican el periodo entre una producción y otra, dentro del
mismo género musical. Las líneas verticales en negro indican la propuesta de periodización
para el cine musical mexicano

1896 1900 1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000

Jarabe (3) 1896 - 1903


Jota (1) 1905
Huapango (3) 1937 - 2001
Mariachi (8) 1938 - 1980
Son (2) 1940 - 1972
Tango (2) 1942 - 1948
Ranchero (3) 1942 - 19755
Conga (1) 1944
Vals (3) 1944 - 1971
Opereta (2) 1945 - 19599
Mambo (5) 1950 - 1993
Can can (1) 1951
Rumba (2) 1952 - 1989
Cha cha cha (2) 1954 - 1955
Charleston (2) 1954 - 19599
Bolero (3) 1956 - 1991
Rock´n Roll (3) 1956
Calipso (1) 1957
Twist (2) 62
1962
Corrido (3) 1962 - 1982
Go go (5) 1965 - 1966
Huaracha (1) 1967
Ye-yé (1) 1967
Cumbia (1) 1972
Rock (4) 1972 - 1995
Foxtrot (1) 1975
Danzón (2) 1979 - 1991
Banda (1) 1992
Salsa (1) 1993
Quebradita (1) 1994

Periodo I: Periodo II: Periodo III: Periodo IV:


1896 - 1930 1931-1964 1965-1980 1981 - 2000

Figura 4 − Géneros o ritmos musicales derivados de los títulos de películas mexicanas que
hacen referencia a un fragmento o título de canción, a partir de Viñas (2005). Los recuadros
en color sólido corresponden al año en que se produjeron películas con títulos referentes
a géneros musicales; mientras que los recuadros punteados indican el periodo entre una
producción y otra, dentro del mismo género musical. Las líneas verticales en negro indican la
propuesta de periodización para el cine musical mexicano

1896 1900 1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000

Jarabe (3) 1896 - 1903


Ópera (1) 1917
Vals (3) 1932 - 1950
Bolero (40) 1933-1991
Ranchero (116) 1936-2000
Corrido (41) 1936-1987
Huapango (2) 1937-2001
Son (5) 1937-1953
Danza (2) 1937-1938
Polka (2) 1942 - 1954
Himno (3) 1943 - 1955
Zarzuela (1) 1943
Huaracha (1) 1944
Tango (3) 1945 - 1952
Foxtrot (1) 1950
Mambo (4) 1951- 1991
Balada (13) 1951- 1991
Grandes bandas (3) 1951- 1980
Zambra (1) 1953
Norteño (10) 1958 - 1991
Infaltil (1) 1963
Marcha (1) 1968
Banda (3) 1969 - 1992
Corrido norteño (5) 1976 - 1992
Pop (19) 1976 - 2000
Salsa (2) 1976 - 1983
Cumbia (2) 1979 - 1992
Grupero (4) 1981 - 1995
Bilongo (1) 1989
Trova (1) 1990
Bachata (1) 1991
Rock (1) 1992
Cumbia banda (1) 1994
Periodo I: Periodo II: Periodo III: Periodo IV:
1896 - 1930 1931-1964 1965-1980 1981 - 2000

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 283


Determinar el género musical al que pertenecían las canciones referidas
en los títulos de las películas registradas permitió agregar 18 géneros musicales
a los anteriormente reportados. Esto sumó un total de 48 géneros musicales
presentes en el cine mexicano. Los géneros detectados a partir de los títulos
referentes a canciones se mapearon cronológicamente en la Figura 4. Como se
observa en este mapa, los más recurrentes y perdurables son el ranchero con
116 películas, el bolero con 40, el corrido con 41, el pop con 19 y el norteño
con 10.

Periodización del cine musical mexicano

El análisis comparativo de las gráficas de la Figura 2 y de los mapas crono-


lógicos de géneros musicales (Figuras 3 y 4) permitió proponer, con base en
la teoría paradigmática de Zavala (2008),1 la siguiente periodización del cine
musical mexicano:

Periodo I: 1896 - 1930

Este periodo puede considerarse el del cine musical preclásico, esto es, el del
cine anterior al establecimiento de las convenciones del cine de géneros. Esta
etapa, que comienza con la llegada a México del cinematógrafo, termina con
la aparición del cine sonoro en 1931, y abarca las producciones mexicanas del
llamado cine silente.
Como se observa en la gráfica de la Figura 2a, los títulos de este periodo
son predominantemente referentes a bailes y danzas (12 títulos), y se con-
centran en tres géneros musicales (Figuras 3 y 4): jarabe tapatío, jota y ópera.
Destacan los títulos de vistas como Jarabe tapatío (Danza mexicana) (Gabriel
Veyre y Claude Ferdinand Bernard, 1896), Jarabe tapatío (Salvador Toscano,

1 La teoría paradigmática propuesta por Zavala plantea que, a partir del reconocimiento de “los
componentes semióticos de la narrativa audiovisual” (ZAVALA, 2008, p. 28), es posible distin-
guir entre el cine clásico (1900-1960), que se caracteriza por respetar convenciones visuales,
sonoras e ideológicas; el cine moderno (1965-1980), que rompe con las convenciones del cine
clásico; y el cine posmoderno (1980 a la actualidad), que se distingue por conjuntar elementos
del cine clásico y el moderno. Es importante apuntar que la teoría paradigmática propuesta por
Zavala (2008), no es una periodización, por lo que es posible encontrar, por ejemplo, películas
clásicas producidas en 1993.

284 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


1899), La bailarina Rosita Tejeda (Hermanos Becerril, 1900), Bailes por la señora
Soler (Carlos Mongrand, 1900), Baile familiar (Hermanos Becerril, 1900), El
jarabe tapatío (Hermanos Becerril, 1903), Jota bailada por la bella Romero
(Salvador Toscano, 1905), Baile de fantasía de carnaval del Cosmopolitan Club
(Cosmopolitan Club, 1927?) y Danzas regionales (Talleres Cinematográficos de
la SEP, 1930?). Se conservan pocas vistas de este tipo, pero es posible decir que,
formalmente, se caracterizan por una toma fija única de un plano general que
muestra a los bailarines danzando.
Respecto a este tipo de vistas, Viñas (2005, p. 59) apunta que “los bailes
y las bailarinas casi constituyeron una nueva corriente genérica” y, en efecto,
sus descriptivos títulos cuestionan la muy difundida idea de que lo musical
no pudo aparecer en el cine sino hasta la llegada del sonido incorporado a la
película. Aurelio de los Reyes (1996, p. 86) refiere, por ejemplo, que en este
periodo “algunas vistas eran acompañadas con piano, trío, cuarteto o grandes
conjuntos musicales” que tocaban en vivo, y que “por lo general la melodía
se improvisaba según el argumento [...]”. Esto sugiere que las vistas de bailes
y danzas acompañadas de música en vivo bien pueden constituir uno de los
primeros subgéneros del cine musical mexicano.
El caso de Canción nacional ilustrada (?, 1921) apoya también la idea de la
presencia de cine musical anterior al sonido incorporado a la cinta, pues, según
Viñas (2005, p. 88), “era la primera parte de una serie de canciones ‘ilustradas’,
quizá sonorizadas en discos, que se exhibirían en el cine Bucareli durante los
festejos del Centenario de la Consumación de la Independencia”.

Periodo II: 1931-1964

Es el periodo del auge del cine musical clásico, en el que se consolidan las
convenciones del género y se presenta su mayor diversificación subgenérica.
Se inicia en 1931 con la aparición, en el cine mexicano, del sonido como una
banda paralela a la banda imagen de la película, y finaliza en 1964, antes de la
aparición de los concursos de cine experimental.
Como es posible observar en la Figura 2, mientras que en el periodo ante-
rior hay 12 títulos referentes a baile por cada título referente a canto (12:1); en
este periodo disminuye drásticamente el número de películas que hacen refe-
rencia al baile (solamente se registran seis títulos) y aumenta exponencialmente

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 285


el número de filmes que se refieren al canto (25 títulos). Esta inversión de la
proporción, en que por cada película alusiva a bailar se registran cuatro que se
refieren a cantar (1:4), perfila la que será, a partir de este periodo, una de las
características del cine musical mexicano: la tendencia a privilegiar la canción
sobre el baile.
A pesar de esta tendencia, sobresalen en esta etapa varios títulos refe-
rentes al baile como Bailando en las nubes (Manuel R. Ojeda, 1945), Yo bailé
con Don Porfirio (Gilberto Martínez Solares, 1947) y Baila mi amor, (Arturo
Martínez, 1962), que se centran en la historia de una bailarina o vedette; o pelí-
culas como Baile mi rey (Roberto Rodríguez, 1951), Dancing (Salón de baile)
(Miguel Morayta 1951) y Maratón de baile (René Cardona, 1957), que se desa-
rrollan durante maratones y concursos en salones de baile.
En cuanto a los títulos que hacen referencia a cantar, canto o canción,
destacan películas en que el personaje principal es un(a) cantante o quiere
llegar a serlo, como en La canción del huérfano, (Manuel R. Ojeda, 1939), La
canción del milagro, (Rolando Aguilar, 1939), Una canción en la noche (René
Cardona, 1945), Una canción a la virgen, (René Cardona, 1949), Canta y no
llores (Alfonso Patiño Gómez, 1949), También de dolor se canta, (René Cardona,
1950), Cantando nace el amor, (Miguel M. Delgado, 1953), Mi canción eres tú,
(Roberto Rodríguez, 1955), Amor se dice cantando (Miguel Morayta, 1957),
Mi vida es una canción (Miguel M. Delgado, 1962), Canción del alma (Tito
Davison, 1963) y Canta mi corazón (Emilio Gómez Muriel, 1964); filmes en
los que la música construye y exalta la identidad nacional como en La canción
de México (Song of Mexico), (James A. Fitzpatrick, 1944), Serenata en México
(Chano Urueta, 1955) y Cuando México canta (Julián Soler, 1956); o produccio-
nes como La liga de las canciones (Chano Urueta, 1941), Canto a las Américas
(Ramón Pereda, 1942) y Las canciones unidas (Chano Urueta / Tito Davison /
Julio Bracho / Alfonso Patiño Gómez, 1959), en las que la mezcla de ritmos es
celebratoria de la unidad panamericana.2

2 De acuerdo con Peredo Castro (2001), durante y después de la Segunda Guerra Mundial,
un proyecto mexicano-estadunidense se impulsó la producción de películas que pretendían
“emplear el nacionalismo mexicano y promover un sentimiento de integración latinoameri-
cana para fortalecer el panamericanismo y repeler con él cualquier intervención europea”.
(PEREDO CASTRO, 2011, p. 36)

286 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


Aparecen en este periodo – y prácticamente se limitan a él – las pelícu-
las con títulos referentes a música, melodía o ritmo, entre las que sobresalen
Revista musical (Arcady Boytler, 1934), Con la música por dentro (Humberto
Gómez Landero, 1946), Músico, poeta y loco (Humberto Gómez Landero, 1947),
Música, mujeres y amor (Chano Urueta, 1952), Música, espuelas y amor (Ramón
Peón, 1954), Tres melodías de amor (Alejandro Galindo, 1955), Escuela de música
(Miguel Zacarías, 1955), Música en la noche (Tito Daviso, 1955), Música y dinero
(Rafael Portillo, 1956), Locura musical (Rafael Portillo, 1956), Música de siem-
pre (Tito Davison, 1956), Cada quien su música (Mauricio de la Serna, 1958) y
Melodías inolvidables (Jaime Salvador, 1958). Estos filmes tienen lugar en tea-
tros, cabarets, sets cinematográficos o escuelas de música, y se caracterizan por
presentar, a la manera de los espectáculos de revista, una serie de números
musicales no necesariamente ligados entre sí o con la trama.
Es en este periodo que se da la gran explosión de títulos que incluyen
fragmentos o títulos de canción (Figura 2e). De los 166 títulos de este tipo
registrados para este periodo, se enlistan aquí algunos ejemplos: Sobre las olas
(Miguel Zacarías, 1932), Mujer (¿?, 1935), Allá en el Rancho Grande (Fernando de
Fuentes, 1936), A la orilla de un palmar (Raphael J. Sevilla, 1937), La Valentina
(Martín Lucenay, 1938), Adiós mi chaparrita (René Cardona, 1939), ¡Ay, Jalisco,
no te rajes! (Joselito Rodríguez, 1941), Jesusita en Chihuahua (René Cardona,
1942), Balajú (Rolando Aguilar, 1943), Bésame mucho (Eduardo Ugarte, 1944),
Si me han de matar mañana (Miguel Zacarías, 1946), Bamba (Miguel Contreras
Torres, 1948), Aventurera (Alberto Gout, 1949), Arrabalera (Joaquín Pardavé,
1950), Necesito dinero (Miguel Zacarías, 1951), Acuérdate de vivir (Roberto
Gavaldón, 1952), ¡Ay, pena, penita pena! (Pena penita, Miguel Morayta, 1953),
Estoy taaan enamorada (Jaime Salvador, 1954), ¡Grítenme piedras del campo!
(Miguel M. Delgado, 1956), Ando volando bajo (Rogelio A. González, 1957),
¡Échame a mí la culpa! (Échame la culpa, Fernando Cortés, 1958), Bala perdida
(Chano Urueta, 1959), Amorcito corazón (Rogelio A. González, 1960), El caballo
blanco (Rafael Baledón, 1961), Aquí está tu enamorado (Jaime Salvador, 1962),
Dile que la quiero (Fernando Cortés, 1963) y Cucurrucucú paloma (Miguel M.
Delgado, 1964).
Se da inicio a la tradición del cine musical mexicano en que la trama de
la película está basada o inspirada en un canción. Ejemplos claros de esto son
las películas referentes a corridos revolucionarios como La Adelita (Guillermo

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 287


Hernández Gómez, 1937), Si Adelita se fuera con otro (Chano Urueta, 1948) y
El siete leguas (El caballo de Pancho Villa, Raúl de Anda, 1953), por mencio-
nar sólo algunas. En muchos casos, la canción que da título al filme se refiere
al personaje principal, describiéndolo o planteando su conflicto, como ocu-
rre con Aventurera (Alberto Gout , 1949), Callejera (Ernesto Cortázar, 1949),
Coqueta (Fernando A. Rivero, 1949), Estoy taaan enamorada (Jaime Salvador,
1954) y ¿Qué te ha dado esa mujer? (Ismael Rodríguez, 1951). En otros casos, la
canción detona el conflicto, como en La Malquerida (Emilio Fernández, 1949);
enmarca el clímax dramático del filme, como en Aventurera (Alberto Gout,
1949) y Sobre las olas (Ismael Rodríguez, 1950); o se interpreta durante el des-
enlace de la película como parte de la resolución epifánica de todos los conflic-
tos, como en Primero soy mexicano (Joaquín Pardavé, 1950) y Dile que la quiero
(Fernando Cortés, 1963).
Los personajes principales de las películas musicales de este periodo son
interpretados por figuras icónicas del sistema de estrellas de la época, como los
actores y actrices cantantes Tito Guízar, Ramón Armengod, Emilio Tuero, Jorge
Negrete y Libertad Lamarque, que aparecen durante la década de los treinta;
Pedro Infante, Fernando Fernández, Luis Aguilar, Germán Valdés “Tin Tan”,
Antonio Badú y Silvia Pinal, que hacen su aparición en los cuarenta; Antonio
Aguilar, María Victoria, Eulalio González “Piporro”, Miguel Aceves Mejía, Flor
Silvestre, Demetrio González y Lola Beltrán, que debutan en los cincuenta;
Javier Solís, Lucha Villa, y los cantantes juveniles Angélica María, Enrique
Guzmán, César Costa, Marco Antonio Muñiz y Manolo Muñoz, que aparecen
durante la primera década de los sesenta. También son comunes en estos fil-
mes las apariciones de famosos cantautores como Pedro Vargas, Agustín Lara y
José Alfredo Jiménez. Son características de las películas musicales de la época,
las bailarinas del llamado cine de rumberas: Ninón Sevilla, Meche Barba, Mapy
Cortés, María Antonieta Pons, Yolanda Montes “Tongolele”, Rosa Carmina y
Amalia Aguilar, entre otras. Adalberto Martínez “Resortes” y Tin Tan sobresa-
len por sus habilidades como bailarines en numerosas producciones musicales
del momento.
También en esta etapa se consolida la producción de títulos que hacen
referencia a géneros o ritmos musicales y tipos de baile (34 títulos) (Figura 2d).
La conjunción de los mapas de las Figuras 3 y 4 permitió identificar 29 géneros
musicales referidos o aludidos en los títulos de las películas de este periodo,

288 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


y que en orden de aparición son: vals (1932), bolero (1933), ranchero (1936),
corrido (1936), son (1937), danza (1937), huapango (1937), mariachi (1938),
tango (1942), polka (1942), himno (1943), zarzuela (1943), conga (1944), hua-
racha (1944), opereta (1945), mambo (1950), foxtrot (1950), can can (1951),
balada (1951), grandes bandas (1951), rumba (1952), zambra (1953), cha cha cha
(1954), charleston (1954), rock’n’ roll (1956), calipso (1957), norteño (1958), twist
(1962), e infantil (1963). A pesar de la gran diversidad de géneros musicales que
aparecen durante este periodo, la mayoría de las producciones se concentran
en sólo tres géneros: bolero, ranchero y corrido (Figura 4).
Algunos ejemplos de títulos referentes a ritmos o géneros musicales del
periodo son: El corrido del hijo desobediente (Emilio Gómez Muriel, 1967), El
fantasma de la opereta (Fernando Cortés, 1959), Al son de la marimba (Juan
Bustillo Oro, 1940), Huapango (Juan Bustillo Oro, 1937), Charleston (Tulio
Demicheli, 1959), Qué lindo cha cha cha (Gilberto Martínez Solares, 1954),
Del can can al mambo (Chano Urueta, 1951), ¡Ay Calipso, no te rajes! (Jaime
Salvador, 1957), Cuando escuches este vals (José Luis Bueno, 1944), Al compás
del rock’n roll (josé Díaz Morales, 1956), El mariachi canta (Miguel M. Delgado,
1962), Fantasía ranchera (Juan José Segura, 1943), Rumba caliente (Gilberto
Martínez Solares, 1952), A ritmo de Twist (Benito Alazraki, 1962), Al son del
mambo (Chano Urueta, 1950) y Bolero inmortal (Rafael Portillo, 1958). Los
títulos sugieren el paso del cine musical mexicano de los ritmos con influen-
cia europea como la opereta y el can can, a los ritmos afro-caribeños como el
mambo y la rumba, y finalmente a los ritmos de origen estadunidense como el
charleston, el rock’n roll y el twist. Destacan, por su propuesta innovadora, las
fusiones rítmicas de los números musicales de las películas de Tin Tan como
el Mambo prehistórico del filme El bello durmiente (Gilberto Martínez Solares,
1952) que combina tango, mambo y bolero, y el cuadro musical del cabaret en
el Niño perdido (Humberto Gómez Landero, 1947) que hace un recorrido por
ritmos estadounidenses, cubanos y argentinos.
En términos formales, los números musicales de las películas clásicas
comienzan con un plano general que cumple la función de situar al espectador
en el espacio. Esta toma de establecimiento es sucedida por otras más cerra-
das que se centran en la figura principal del cuadro musical, esto es, el can-
tante, bailarín o bailarina que lo protagonizan. Los planos cerrados se alternan
con planos generales que mantienen ubicado al espectador todo el tiempo.

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 289


También se intercalan planos que narrativamente no pertenecen al cuadro
musical, pero que dan cuenta de lo que ocurre con el resto de los personajes
y/o con la historia. El número musical suele terminar con una toma de estable-
cimiento similar a la inicial.
En cuanto al montaje, es por lo general pausado, pues los planos tienen, en
promedio, una duración superior a los 6 segundos.3 Los cortes suelen coincidir
con el compás de la música, por lo que se puede hablar de un montaje acompa-
sado. Un ejemplo claro de este tipo de montaje se presenta en el número musi-
cal Cocaleca de Víctimas del pecado (Emilio Fernández, 1950), en que todos los
cortes coinciden con el compás de la música.4
En los números musicales clásicos, los movimientos de cámara suelen ser
suaves y básicamente de seguimiento de los personajes. Una excepción a lo
anterior lo constituyen algunos números musicales de películas como Nosotros
los Pobres (Ismael Rodríguez, 1947) y Dos tipos de cuidado (Ismael Rodríguez,
1952), en los que los movimientos de cámara parecen formar parte de la coreo-
grafía, pues buscan algo que mostrar o se detiene a mostrarlo, siempre al ritmo
de la música.

Periodo III: 1965 - 1980

El periodo comienza en 1965 con el auge del cine experimental, y concluye en


1980, en pleno proceso de lo que Pelayo (2012) define como el desmantela-
miento de la industria fílmica mexicana.
Este periodo se caracteriza por la completa desaparición de títulos con alu-
siones a bailar (Figura 2a) y a música, melodía y ritmo (Figura 2c). Los títulos que
hacen referencia a cantar, desaparecen también casi en su totalidad, registrán-
dose únicamente dos casos en todo el periodo (Figura 2b): Ven a cantar conmigo
(Alfredo Zacarías, 1966) y Mi caballo el cantador (Mario Hernández, 1977).

3 Para obtener el promedio de duración de planos, se aplicó, a 30 números musicales de pelí-


culas de este periodo, la herramienta CineMetrics desarollada por Yuri Tsivian (University of
Chicago) y que se encuentra disponible para su descarga en: <http://www.cinemetrics.lv/cine-
metrics.php>.
4 Este número musical presenta una duración de planos inferior al promedio de este periodo,
con sólo 2.4 segundos por plano. Para calcular la duración promedio de los planos de este
número musical, se utilizó la herramienta CineMetrics.

290 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


Sin embargo, y aunque con una disminución, se mantiene la producción de
títulos que se refieren a géneros o ritmos musicales (20 películas) (Figura 2d).
Si bien el mariachi, el son, el ranchero, el vals, el corrido, el bolero, el mambo,
el foxtrot, la huaracha, la balada y el norteño mantienen sus presencia; lo que
caracteriza a este periodo es la aparición de géneros y ritmos musicales como el
go gó (1965), el ye-yé (1967), la banda (1969), la cumbia (1972), el rock (1972), el
corrido norteño (1976), el pop (1976), la salsa (1976), el danzón (1979) y la cumbia
(1979). El mapa cronológico de la Figura 4 muestra que en este periodo la pro-
ducción de cine musical siguió concentrándose en los géneros del ranchero y el
corrido; mientras que el bolero entró en declive, y fue sustituido por la balada.
Entre los títulos de este periodo referentes a géneros musicales se encuen-
tran películas como Cumbia (Zacarías Gómez Urquiza, 1972), Bikinis y rock
(Alfredo Salazar, 1972), Danzón para que lo baile el muerto (Antonio del Rivero,
1979), Amor a ritmo de go go (Mihuel M. Delgado, 1966), El mariachi canta
(Miguel M. Delgado, 1962), Nobleza ranchera (Arturo Martínez, 1975) y Sor Ye
Ye (Ramón Fernández, 1967).
Los títulos que aluden a una canción, incluyendo su título o un fragmento,
presentan un decremento durante la segunda década de los sesenta y la pri-
mera década de los setenta. En el año de 1975, estás producciones comienzan
a incrementarse de nuevo. En este periodo, se producen un total de 70 pelí-
culas con título referente a una canción, muy lejos de las 166 producidas entre
1931 y 1965. Ejemplos de títulos de cintas referidos a canciones son: Caballo
prieto azabache (La tumba de villa, René Cardona, 1965), Acompáñame (Luis
Cesar Amadori, 1966), Corrido del hijo desobediente (Emilio Gómez Muriel,
1967), Somos novios (Corazón contento, Enrique Carreras, 1968), Fallaste cora-
zón (José María Fernández Unsaín, 1969), Me he de comer esa tuna (Alfredo
Zacarías, 1970), Buscando una sonrisa (Rubén Galindo, 1971), Lágrimas de mi
barrio (Rubén Galindo, 1972), El hijo del pueblo (René Cardona, 1973), La ley
del monte (Alberto Mariscal, 1974), Volver, volver, volver (Mario Hernández,
1975), Contrabando y traición (La Camelia, Arturo Martínez, 1976), Caminos de
Michoacán (David Reynoso, 1977), Son tus perjúmenes mujer (Arturo Martínez,
1978), El Noa Noa (Yo no nací para amar, Gonzalo Martínez, 1979) y Te solté la
rienda (Alfredo Salazar, 1980).
El fenómeno de las grandes estrellas que daba soporte a las películas musi-
cales mexicanas del periodo anterior comienza a languidecer, aunque siguen

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 291


figurando El piporro, Lucha Villa, Javier Solís, César Costa, Luis Aguilar,
Enrique Guzmán, Antonio Aguilar, Lola Beltrán, Angélica María, Tin Tan,
César Costa, Tongolele, Libertad Lamarque, Marco Antonio Muñiz, María
Victoria y Flor Silvestre. También estelarizan películas musicales juveniles
Alberto Vázquez, Julissa y Rocío Durcal. Aparecen nuevas figuras como las
de Pedro Infante hijo, Manuel Capetillo, Rosa de Castilla, Joselito, Álvaro
Zermeño, Vicente Fernández, José José, Raphael, Napoleón, Yolanda del Río,
Juan Gabriel, Daniela Romo, Rigo Tovar, Jorge Vargas, Rosenda Bernal, Pedrito
Fernández y Los Tigres del Norte. Cantautores como Cornelio Reyna, Cuco
Sánchez y Armando Manzanero se asoman a la pantalla, y aparecen, con bailes
eróticos, vedettes como Lyn May y Olga Breeskin, entre muchas otras.
Aunque siguen produciéndose películas musicales dentro de los cánones
del género, la disminución en la producción de este tipo de filmes responde a
un rechazo por lo musical, que se hace patente, por ejemplo, en la secuencia
inicial de Alguien nos quiere matar (Carlos Velo, 1969). En esta película, las
huestes del revolucionario Juan Pablo Ortigosa asaltan una hacienda. Ortigosa
montado en un caballo blanco cubierto con motivos psicodélicos arenga a sus
hombres, mientras su Adelita lo hostiga con muestras de admiración y afecto.
Ortigosa, harto, la patea. Ella cae al suelo, desde donde le dice: “Juan Pablo, te
amo a pesar de tus discursos”. Ortigosa saca entonces una pistola y le dispara.
Mientras la mujer agoniza en el suelo, Ortigosa ordena: “¡Ora que está en las
últimas, pásenle mi guitarra!”. Ella interpreta, entonces, unas coplas en honor
de Ortigosa y cae muerta con los últimos acordes. No hay ningún otro número
musical en la película. El tono irónico y paródico de esta secuencia, más bien
propio del paradigma del cine posmoderno, revela el rechazo al cine de género
y a la inclusión, con cualquier pretexto, de números musicales en los filmes.
Además del rechazo al musical, en este periodo tiene lugar una ruptura con
las convenciones formales del género. El número musical Una piedra dorada
de la película Cinco de chocolate y uno de fresa (Carlos Velo, 1967) resulta un
ejemplo paradigmático de ello. La secuencia no comienza con un plano gene-
ral como ocurre en el musical mexicano clásico, sino con el plano detalle de
una pantalla en la que se proyectan formas psicodélicas en movimiento. Esta
toma inicial impide al espectador ubicarse espaciotemporalmente. No hay nin-
gún plano abierto en la secuencia que sirva como toma de establecimiento.
Todos los planos son medios, close-ups o detalle. No se intercalan tomas que

292 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


den seguimiento a lo que ocurre con otros personajes o con la historia, como
ocurre en el musical clásico, e incluso hay numerosos planos detalle en los que
no hay personaje a cuadro.
Por otra parte, el personaje central del número musical hace su entrada de
izquierda a derecha, en sentido contrario a lo establecido por el sentido de lec-
tura occidental de la imagen y por las convenciones del cine musical clásico, en
que los personajes entran de derecha a izquierda, como lo hace Ninón Sevilla
en los números musicales Aventurera de la película homónima (Alberto Gout,
1949) o Cabeza hinchada de Aventura en Río (Alberto Gout, 1952).
Finalmente, el montaje está fundamentalmente constituido por una serie
de reencuadramientos por saltos (Jump cuts), en ruptura con la regla de 30°
del cine clásico. Los planos duran, en promedio, tan sólo 0.9 de segundo, por
lo que el montaje resulta vertiginoso. Aunque el ritmo del montaje es variable,
su aceleramiento o desaceleramiento, no se corresponde con la música. En los
momentos en que los planos tienen una menor duración, el montaje resulta
incluso estroboscópico.
La puesta en escena como elemento preponderante del cine musical clá-
sico pasa, en este número musical, a un segundo plano; mientras que la imagen
y el montaje cobran una mayor relevancia.
Es posible encontrar elementos de ruptura formal en otros números musi-
cales de películas de la época. Aparecen de forma recurrente la cámara en
mano, el plano secuencia, los planos invertidos, la profundidad de campo, el
fuera de foco, los planos holandeses, la cámara lenta y la interpretación en over
de canciones.

Periodo IV: 1981-2000

Este periodo inicia con la irrupción de la llamada generación de la crisis


(PELAYO, 2012), a inicios de los ochenta, y culmina, para efectos de este estu-
dio, en el 2000, último año abarcado por el trabajo de Viñas (2005).
En esta etapa, los títulos con referencias a bailar (Figura 2a), cantar
(Figura 2b) y música o melodía (Figura 2c) son sólo esporádicos. Algunos títu-
los que merecen ser destacados son: El baile (Víctor Vío, 1981), Las baileras
(palabras tristes, José Loza, 1990), El baile (José Luis Urquieta, 1999), California
Dancing Club (José J. Munguía, 1981), Canta Chamo (siempre te amaré, Rafael

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 293


Baledón, 1983), El canto de los humildes (Federico Curiel, 1982) y Las musique-
ras (Federico Curiel, 1981).
Las producciones con títulos referentes a géneros o ritmos musicales con-
tinúan durante este periodo. Entre los títulos que sobresalen encontramos:
Viva México y sus corridos (Mario Hernández, 1982), Los rockeros del barrio
(Me gusta de helado, Víctor Manuel Castro, 1985), Un toke de roc (Sergio García,
1988), Danzón (María Novaro, 1991), Rumbera caliente (Alfredo B. Crevenna,
1989), Que me entierren con la banda (Alfredo B. Crevenna, 1992), La quebra-
dita (Alberto Vidaurri, 1994), Dólar mambo (Paul Leduc, 1993), A ritmo de salsa
(Ramón Obón, 1993) y Noches de ronda (Bolero, Víctor Manuel Castro, 1991).
Mantienen su presencia en el cine mexicano géneros musicales como el
vals, el bolero, el ranchero, el mambo, la balada, el norteño, la banda, el corrido
norteño, el pop, la salsa, la cumbia, la rumba, el rock y el danzón, pero aparecen
otros géneros como: grupero (1981), bilongo (1989), trova (1990), bachata (1991)
y cumbia banda o quebradita (1994). De acuerdo con la Figura 4, comienzan su
declive las producciones musicales alrededor de la música ranchera y el corrido,
géneros que tuvieran su auge durante el periodo anterior; toman fuerza el
género norteño y el rock; y las baladas son poco a poco sustituidas por el pop.
En esta etapa se registran 61 películas que aluden al título o fragmento de
una canción. Algunos ejemplos son: Una pura y dos con sal (Rafael Villaseñor,
1981), No vale nada la vida (Alfredo Salazar, 1982), Pedro Navaja (Alfredo Rosas
Priego, 1983), Gavilán o paloma (Alfredo Gurrola , 1984), La jaula de oro (Sergio
Vejar, 1987), La puerta negra (Sergio Vejar, 1988), La camioneta gris (José Luis
Urquieta, 1989), Verano peligroso (René Cardona h, 1990), Burbujas de amor
(Felipe Cazals, 1991), Cambiando al destino (Gilberto de Anda, 1992), Una papa
sin cátsup (Sergio Andrade, 1995).
Las películas musicales de este periodo son protagonizadas por Pedro
Infante hijo, Juan Gabriel, Daniela Romo, José José, Lucha Villa, Rosenda
Bernal, Rigo Tovar, Alvaro Zermeño, Vicente Fernández, Pedrito Fernández,
Beatriz Adriana, Antonio Aguilar y Yolanda del Río. Aparecen los filmes que
apuntalan las carreras de estrellas del pop como Yuri, Luis Miguel, Lucerito,
Laura Flores, Tatiana, Lupita D’Alessio, Mijares, Alejandra Guzmán, Gloria
Trevi, Ricky Martín, Paulina Rubio, Los Chamos, Magneto y Garibaldi, entre
otros. Ejemplo de este tipo de filmes son Siempre en Domingo (René Cardona h,
1983) y Más que alcanzar una estrella (Juan Antonio de la Riva, 1992). También

294 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


aparecen en pantalla agrupaciones como Los Tigres del Norte, Bronco y Banda
El Recodo.
Formalmente se conjuntan elementos del cine musical clásico y del
moderno. El número musical Quién eres tú de la película ¡Soy libre! (Juan
Anotonio de la Riva, 1991) sirve como ejemplo. Toda la secuencia es una toma
fija única, esto es, un plano secuencia. No se trata de un plano general que per-
mita al espectador ubicarse espacio-temporalmente, sino de un plano medio
corto de la cantante Yuri, que ubicada frente un fondo azul, baila y canta. Yuri
se dirige directamente a cámara, rompiendo constantemente la cuarta pared;
mientras los juegos de luces la hacen aparecer en distintos colores y a contra-
luz. Es, pues, una puesta en escena minimalista, una secuencia en la que se con-
jugan elementos clásicos y modernos, en la que lo preponderante es la relación
entre la imagen y la música.
Es precisamente esta estética del videolcip la que alcanza su auge en el
cine musical de baladistas, gruperos y popperos de este periodo. Abundan los
números musicales que comparten elementos formales con lo que Rodríguez-
López y Aguaded Gómez (2016) refieren como videoclips performativos stage y
studio, en los que se incluyen, según estos autores, imágenes de los conciertos
del cantante, pietaje de backstage y con los fans o imágenes de la grabación en
estudio de una canción o videoclip. Ejemplos de películas con números musi-
cales como estos son: Rigo es amor (Felipe Cazals, 1980), Gavilán o Paloma
(Alfredo Gurrola, 1984), Fiebre de amor (René Cardona h, 1984), Cómo fui a
enamorarme de ti (Sergio Olhovich, 1990), Bronco (José Luis Urquieta, 1991),
Cambiando el destino (Gilberto de Anda, 1992), Más que alcanzar una estrella
(Juan Antonio de la Riva, 1992), Los Temerarios: sueño y realidad (Raúl Araiza,
1993), La mujer de los dos (Gilberto y Adolfo Martínez Solares, 1996) y la ya
mencionada ¡Soy libre! (Juan Anotonio de la Riva, 1991).
En el cine independiente, aparece, por ejemplo, Un toke de roc (Sergio
García, 1988), película constituida por una consecución de números de rock
que también comparten elementos formales con el videoclip, no sólo perfor-
mativo stage, sino también narrativo, según la tipología de Rodríguez-López y
Aguaded Gómez (2016). En Un toke de roc, son los números musicales los que
construyen toda la narración, a diferencia de lo que ocurre con el cine musical
mexicano en general, en que los números musicales se insertan a la narración
o incluso la interrumpen.

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 295


Otro caso interesante es Viva México y sus corridos (Mario Hernández,
1982), una película de tipo antológico, que compila corridos mexicanos, ilus-
trados, a manera de pastiche, con imágenes de películas de Antonio Aguilar.
Los números musicales se insertan a una narración didáctica de la historia del
corrido mexicano, en lo que podría considerarse un híbrido genérico: el docu-
mental musical.

Subgéneros del cine musical mexicano

A partir de la revisión del índice de Viñas (2005) y de los enlistados de títulos de


películas referentes a cantar, bailar, música, ritmos o géneros musicales, título
o fragmentos de canciones elaborados en este estudio, es posible identificar al
menos tres grandes subgéneros del cine musical mexicano: melodrama musi-
cal, comedia musical y musical de aventuras o acción.
Melodrama musical: Películas en que los números musicales expresan y
ahondan en los sentimientos de los personajes, que viven situaciones trágicas.
Entre los numerosos ejemplos de este tipo de filmes se encuentran: Angelitos
negros (Joselito Rodríguez, 1948), Aquellos ojos verdes (Zacarías Gómez Urquiza,
1951), ¡Amor qué malo eres! (José Díaz Morales, 1952), Acuérdate de vivir
(Roberto Gavaldón, 1952), La vida no vale nada (Rogelio A. González, 1954),
Historia de un amor (Roberto Gavaldón, 1955), Fallaste corazón (José María
Fernández Unsaín, 1969), Tu camino y el mío (Chano Urueta, 1971), En esta pri-
mavera (Gilberto Martínez Solares, 1976) y Bohemio de afición (Federico Curiel,
1984). Muchos melodramas musicales pueden ubicarse en otros subgéneros,
esto es, hay melodramas musicales rancheros, de época, de cabareteras etc.
El melodrama musical arrabalero que se desarrolla en vecindades y zonas
barriales de la ciudad, constituye un subtipo del melodrama musical. Algunas
películas representativas de este subtipo musical son: Nosotros los pobres
(Ismael Rodríguez, 1947), Quinto patio (Raphael J. Sevilla, 1950), El dinero no
es la vida (José Díaz Morales, 1951), Necesito dinero (Miguel Zacarías, 1951),
Ahora soy rico (Rogelio A. González, 1952) y Un rincón cerca del cielo (Rogelio
A. González, 1952).
Comedia musical: En estas películas, la música tiene un tono celebra-
torio y alegre, acompaña las situaciones de enredo que viven los personajes

296 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


o parodia los números musicales del melodrama. Ejemplos de este tipo de
filmes son: El hijo desobediente (Humberto Gómez Landero, 1945), Músico,
poeta y loco (Humberto Gómez Landero, 1947), ATM (A toda máquina, Ismael
Rodríguez, 1951), ¿Qué te ha dado esa mujer? (Ismael Rodríguez, 1951), Ahí
vienen los gorrones (Gilberto Martínez Solares, 1952), El inocente (Rogelio
A. González, 1955), Pancho López (René Cardona, 1956), Amorcito corazón
(Rogelio A. González, 1960) y Juntos (Rafael Rosales Durán, 1984). Como
en el caso del melodrama, las comedias musicales pueden ubicarse en otros
subgéneros, esto es, existen comedias musicales rancheras, como Dos tipos
de cuidado (Ismael Rodríguez, 1952); de época, como La marca del zorillo
(Gilberto Martínez Solares, 1950); de ciencia ficción como El bello durmiente
(Gilberto Martínez Solares, 1952) y La nave de los monstruos (Rogelio A.
González, 1959) etc.
Musical de aventuras o acción: Los números musicales cuentan o cele-
bran las hazañas de bandidos, justicieros, charros, jinetes y narcotraficantes.
Ejemplos de este tipo de películas son: La cama de piedra (René Cardona,
1957), Guitarras de media noche (Rafael Baledón, 1957), Calibre 44 (Julián Soler,
1959), Pa’qué me sirve la vida (Jaime Salvador, 1960), El jinete negro (Rogelio A.
González, 1960), ¡Ay, Jalisco, no te rajes! (Miguel Morayta, 1964), El caballo bayo
(René Cardona, 1966), Mi caballo el cantador (Mario Hernández , 1977) y El
Sinaloense (Jaime Fernández, 1984).
Un subgrupo del musical de aventuras o acción lo constituyen las pelí-
culas inspiradas en corridos rancheros o norteños que narran las hazañas de
personajes como bandidos y narcotraficantes. Algunos títulos representativos
de estas películas son: El jinete enmascarado (Manuel Muñoz / Tito Novaro,
1958), El justiciero vengador (Manuel Muñoz / Alberto Mariscal, 1960), El nor-
teño (Manuel Muñoz / Tito Novaro, 1962), El tragabalas (Rafael Baledón, 1964),
Juan pistolas (René Cardona h, 1966), La banda del carro rojo (Rubén Galindo,
1976), Contrabando y traición (La Camelia, Arturo Martínez, 1976), Mataron
a Camelia la Texana (Arturo Martínez, 1976), El Moro de Cumpas (El zaino
de agua prieta, Mario Hernández y Javier Durán, 1976), El Arracadas (Alberto
Mariscal, 1977), Emilio Varela contra Camelia la Texana (Rafael Portillo,
1979), El regreso del carro rojo (Fernando Durán, 1984), El rey de oros (Mario
Hernández, 1984), Lamberto Quintero (Mario Hernández, 1987) y La camioneta
gris (José Luis Urquieta, 1989).

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 297


Otros subgéneros

Además del musical de aventuras y acción, y de la comedia y el melodrama


musicales, la revisión de títulos permitió identificar algunos otros subgéneros
del cine musical mexicano.
Vistas de danzas: Vistas cinematográficas, musicalizadas en vivo, y pro-
tagonizadas por uno o más bailarines que interpretan, por lo general, danzas
regionales o populares. Aparecen en 1896 y desaparecen con la llegada del cine
sonoro en 1931. Algunos títulos de este subgénero son: La bailarina Rosita
Tejeda (Hermanos Becerril, 1900), Bailes por la señora Soler (Carlos Mongrand,
1900) y Jarabe tapatío (Danza mexicana, Gabriel Veyre y Claude Ferdinand
Bernard, 1896).
Biopic musical: Las películas biográficas sobre cantantes y compositores
mexicanos aparecen con la llegada del cine sonoro y se extienden por todos
los periodos aquí propuestos. De los títulos trabajados en este estudio, Sobre
las olas (Miguel Zacarías, 1932), película sobre la vida del compositor Juventino
Rosas, es el primer registro de este subgénero. Algunos ejemplos de biopics
musicales mexicanos son: el remake de Sobre las olas (Ismael Rodríguez, 1950);
La vida de Agustín Lara (Alejandro Galindo, 1958); Cri Crí el grillito cantor
(Tito Davison, 1963) sobre el compositor Gavilondo Soler; Noa Noa (Yo no
nací para amar, Gonzalo Martínez, 1979) y Es mi vida (El noa noa 2, Gonzalo
Martínez, 1980), ambas películas con elementos biográficos del cantautor
Alberto Aguilera Valadés Juan Gabriel; Pero sigo siendo el rey (René Cardona h,
1988) y Que te vaya bonito, (Alejandro Galindo, 1977), cintas sobre el cantautor
José Alfredo Jiménez; Gavilán o Paloma (Alfredo Gurrola, 1984) sobre el can-
tante José José; Los temerarios: sueño y realidad (Raúl Araiza, 1993) sobre las
vidas de los integrantes de ese grupo musical; 96 horas de amor (En la vida de
Guty Cárdenas, Miguel Zacarías, 1983); y Sabor a mí (El ultimo bohemio, René
Cardona h, 1987) sobre el compositor Álvaro Carillo.
Cine musical de época o histórico: Incluye películas como Perjura (Raphael
J. Sevilla, 1938) sobre los años anteriores a la Revolución; Una carta de amor
(Miguel Zacarías, 1943) situada durante la intervención francesa, Camino de
Sacramento (Chano Urueta, 1945) ubicada en la California del siglo XIX, y la
reconstrucción del mundo egipcio de La corte de Faraón (Julio Bracho, 1943),
entre otras.

298 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


También aquí se ubican las producciones sobre la Revolución Mexicana,
que se basan o inspiran en corridos o canciones populares de la época. Algunos
ejemplos de este tipo de filmes son: Cielito lindo (Roberto O’Quigley y Roberto
Gavaldón, 1936), La Adelita (Guillermo Hernández Gómez, 1937), La Valentina
(Martín Lucenay, 1938), Aquí está Juan Colorado (Rolando Aguilar, 1946), Si
Adelita se fuera con otro (Chano Urueta, 1948), Con los dorados de Villa (Raúl
de Anda, 1939), El siete leguas (El caballo de Pancho Villa, Raúl de Anda, 1953),
La cucaracha (Ismael Rodríguez, 1958), Carabina 30-30 (Miguel M. Delgado,
1958), La Valentina (Rogelio A. González, 1965), Valentín de la sierra (René
Cardona, 1967), Valente Quintero (Mario Hernández, 1972), Simón Blanco (Mario
Hernández, 1974), Benjamín Argumedo (El rebelde, Mario Hernández, 1978) y Juan
Charrasqueado – Gabino Barrera (Su verdadera historia, Rafael Villaseñor, 1981).
En este subgénero entran también las comedias musicales de época como
Reventa de esclavas (José Díaz Morales, 1953), Lo que le pasó a Sansón (Gilberto
Martínez Solares, 1955) y La odalisca número 13 (Fernando Cortés, 1957).
Musical mexicanista: Películas que exaltan la identidad mexicana, a través
de la música y los bailes tradicionales y populares de nuestro país. Algunos
títulos de este tipo de musical son: Mexicana (?, 1935), Alegría mexicana
(Carlos Véjar, 1936), México lindo (Ramón Pereda, 1938), Primero soy mexicano
(Joaquín Pardavé, 1950), Serenata en México (Chano Urueta, 1955), Cuando
México canta (Julián Soler, 1956), México lindo y querido (Julio Bracho, 1958),
Así es México (Arturo Martínez, 1962), México de mi corazón (Dos mexicanas en
México, Miguel M. Delgado, 1963), Como México no hay dos (Rafael Villaseñor,
1979) y Viva México y sus corridos (Mario Hernández, 1982).
Musical regionalista: Películas que exaltan las tradiciones de una región del
país, a través de sus bailes y canciones populares. Entre sus títulos destacan:
Allá en el Rancho Grande (Fernando de Fuentes, 1936), Huapango (Juan Bustillo
Oro, 1937), A la orilla de un palmar (Raphael J. Sevilla, 1937), Ojos tapatíos
(Boris Maicon, 1937), La tierra del mariachi (Raúl de Anda, 1938), Al son de la
marimba (Juan Bustillo Oro, 1940), ¡Ay, Jalisco, no te rajes! (Joselito Rodríguez,
1941), ¡Qué lindo es Michoacán! (El paraíso de México, Ismael Rodríguez, 1942),
Amanecer ranchero (Raúl de Anda, 1942), Balajú (Rolando Aguilar, 1943), ¡Ay
que rechula es Puebla! (René Cardona, 1945), Hasta que perdió Jalisco (Fernando
de Fuentes, 1945), Allá en el Rancho Grande (Fernando de Fuentes, 1948),
Bamba (Miguel Contreras Torres, 1948), De Tequila su mezcal (Carlos Toussaint

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 299


y Zacarías Gómez Urquiza, 1949), La feria de San Marcos (Gilberto Martínez
Solares, 1957), Zandunga para tres (Roberto Rodríguez, 1953), De Cocula es
el mariachi (Gilberto Martínez Solares, 1977) Caminos de Michoacán (David
Reynoso, 1977) y ¡Ay, Chihuahua no te rajes! (Federico Curiel, 1980).
Musical iberoamericanista y panamericanista: Por un lado, se trata de pelí-
culas que exaltan, a través de la música, la relación de España con México y
América Latina, como ocurre en Una gitana en México (José Díaz Morales,
1943), Una gitana en Jalisco (José Díaz Morales, 1946), Una gallega baila mambo
(Emilio Gómez Muriel, 1950), Gitana tenías que ser (Rafael Baledón, 1953),
Una gallega en La Habana (René Cardona, 1955), Ahí viene Martín Corona
(Miguel Zacarías, 1951), ¡Ay, pena, penita pena! (Pena penita, Miguel Morayta,
1953), Tú y las nubes (Limosna de amores, Miguel Morayta , 1955), Dos charros
y una gitana (Dos novias para un torero, Antonio Román, 1956), ¡Échame a
mí la culpa! (Échame la culpa, Fernando Cortés, 1958) y La gitana y el charro
(Gilberto Martínez Solares, 1963).
Por otra parte, encontramos producciones que proponen, a través de la
mezcla de ritmos musicales, la integración de México con el resto de los paí-
ses de América Latina, como ocurre en Canto a las Américas (Ramón Pereda,
1942), La liga de las canciones (Chano Urueta, 1941) y Las canciones unidas
(Chano Urueta / Tito Davison / Julio Bracho / Alfonso Patiño Gómez, 1959); o
películas que, a través de la música, estrechan los lazos entre México y otro país
del continente americano como es el caso de Que me toquen las golondrinas
(Miguel Morayta, 1956), Cuando quiere un mexicano (La gauchita y el charro,
Juan Bustillo Oro, 1944) y Amor se dice cantando (Miguel Morayta, 1957), todas
ellas sobre la relación México-Argentina; El buena suerte (Rogelio A. González,
1960), Alma llanera (Gilberto Martínez Solares, 1964) y Venezuela también canta
(Olimpiadas musicales, Fernando Cortés, 1951), sobre México y Venezuela;
Cuba baila (Julio García Espinoza, 1959), Ritmos del Caribe (Borrasca, Juan
J. Ortega, 1950) y El mariachi desconocido (Tin tan en La Habana, Gilberto
Martínez Solares, 1953), sobre México y Cuba; Aventura en Río (Alberto Gout,
1952), sobre la relación de México y Brasil; y Mi aventura en Puerto Rico (Mario
Hernández, 1974) y Romance en Puerto Rico (Ramón Pereda, 1961), sobre el
intercambio entre nuestro país y esa isla.
Ejemplo paradigmático de las películas musicales iberoamericanistas y
panamericanistas es la comedia Calabacitas tiernas (Gilberto Martínez Solares,

300 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


1948), en la que Tin Tan se vuelve empresario teatral y monta un espectáculo de
variedades con una artista cubana, una brasileña, una española y una mexicana.
Musical ranchero: Comedias y melodramas rurales en los que la música
ranchera exalta la vida campirana de pueblos, ranchos, rancherías y haciendas.
Algunos ejemplos de este tipo de películas son: Viva mi desgracia (Roberto
Rodríguez, 1943), Me he de comer esa tuna (Miguel Zacarías, 1944), Si me han
de matar mañana (Miguel Zacarías, 1946), La barca de oro (Joaquín Pardavé,
1947), Cartas marcadas (René Cardona, 1947), El muchacho alegre (Alejandro
Galindo, 1947), Dicen soy mujeriego (Roberto Rodríguez, 1948), Canta y no
llores (Alfonso Patiño Gómez, 1949), Dos tipos de cuidado (Ismael Rodríguez,
1952), ¡Grítenme piedras del campo! (Miguel M. Delgado, 1956), ¡Qué bonito
amor! (Mauricio de la Serna, 1959), Bala perdida (Chano Urueta, 1959), La joven
mancornadora (Mauricio de la Serna, 1959), Yo no me caso compadre (Miguel M.
Delgado, 1959), Aquí está tu enamorado (Jaime Salvador, 1962), El Alazán y el
Rosillo (René Cardona, 1964), La ley del monte (Alberto Mariscal, 1974), Volver,
volver, volver (Mario Hernández, 1975), Cruz de olvido (Alejandro Galindo, 1981)
y Por tu maldito amor (Rafael Villaseñor, 1990).
Cine de rumberas, cabareteras y vedettes: Películas que tienen como pro-
tagonistas a rumberas, cabareteras y vedettes que generalmente interpretan
bailes diversos como parte de las variedades de los cabarets o centros noctur-
nos en que trabajan. Ejemplos de estas películas son: La bien pagada (Alberto
Gout, 1947), Negra consentida (Julián Soler, 1948), Amor de la calle (Ernesto
Cortázar, 1949), Aventurera (Alberto Gout, 1949), Callejera (Ernesto Cortázar,
1949), Coqueta (Fernando A. Rivero, 1949), Perdida (Fernando A. Rivero, 1949),
Amor perdido (Miguel Morayta, 1950), Amor vendido (Joaquín Pardavé, 1950),
Sensualidad (Alberto Gout, 1950), Viajera (Alfonso Patiño Gómez, 1951) y
Piel canela (Juan J. Ortega, 1953). Las derivaciones más recientes de este tipo
de películas – incluyendo las producciones de ficheras de los años setenta y
ochenta – se despojan del tono melodramático del cine de cabareteras de la
época clásica, e incluso incursionan en la comedia. Algunas de estas películas
son: ¡Oye Salomé! (Miguel M. Delgado, 1978); Las musiqueras (Federico Curiel,
1981) y Juana la cubana (Raúl Fernández h, 1992), entre muchas otras.
Revistas musicales: Películas en las que los personajes son cantantes
o bailarines en un espectáculo de variedades, televisivo o radiofónico, por
lo que participan en cuadros musicales que se suceden, a manera de revista

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 301


musical, a lo largo de la película. Ejemplos destacados son: Amor con amor se
paga (Ernesto Cortázar, 1949), Mi querido capitán (Gilberto Martínez Solares,
1950), La niña popoff (Ramón Pereda, 1951), Cantando nace el amor (Miguel M.
Delgado, 1953), ¿Por qué ya no me quieres? (Chano Urueta, 1953), A los cuatro
vientos (Adolfo Fernández Bustamante, 1954), Camino de Guanajuato (Rafael
Baledón, 1955), No me platiques más (Miguel M. Delgado, 1956), ¡Ay Calypso,
no te rajes! (Jaime Salvador, 1957), ¿Dónde estás, corazón? (Rogelio A. González,
1960), Guitarras lloren guitarras (Miguel M. Delgado, 1964), Especialista en
chamacas (Chano Urueta, 1965), Me caí de la nube (Arturo Martínez, 1974) y Los
hombres no deben llorar (Roberto Ratti, 1976).
Musical infantil: Películas que pretenden mostrar el mundo infantil y sus
conflictos, a través de la música. Son protagonizadas por niños cantantes.
Ejemplos sobresalientes son: El caballo blanco (Rafael Baledón, 1961), La niña
de la mochila azul (Rubén Galindo, 1979), El oreja rajada (El potrillo colorado,
Rubén Galindo, 1979), Mamá solita (Miguel M. Delgado, 1980), Mamá, soy
Paquito (Sergio Vejar, 1981), La mugrosita (Rubén Galindo, 1981), La niña de la
mochila azul 2 (Rubén Galindo, 1981), La niña de los hoyitos (Rubén Galindo,
1982) y Ya nunca más (Abel Salazar, 1983).
Musical juvenil: Películas que pretenden mostrar el mundo adolescen-
te-juvenil y sus conflictos, utilizando la música como vehículo. Surgen con la
llegada del rock’n roll, pero no se limitan a ese género musical. Son protago-
nizadas por cantantes juveniles del momento. Ejemplos de musicales juveni-
les son: Dile que la quiero (Fernando Cortés, 1963), ¡Adiós cuñado! (Rogelio
A. González, 1966), Arrullo de Dios (Alfonso Corona Blake, 1966), Lanza tus
penas al viento (Julián Soler, 1966), Somos novios (Corazón contento, Enrique
Carreras, 1968), Coqueta (Sergio Vejar, 1984), Fiebre de amor (René Cardona h,
1984) y Delincuente (Sergio Vejar, 1985).
Musical pop: Películas que tienen como hilo conductor la discografía de
cantantes o grupos de música pop. Este subgénero tuvo su mayor auge a partir
de los años noventa. Ejemplos de este tipo de musical son: Verano peligroso
(René Cardona h, 1990), Pelo suelto (Pedro Galindo III, 1991); Cambiando al
destino (Gilberto de Anda, 1992), ¿Dónde quedó la bolita? (René Cardona, 1992),
Más que alcanzar una estrella (Juan Antonio de la Riva, 1992), Zapatos viejos
(Sergio Andrade, 1992) y ¡Soy libre! (Juan Antonio de la Riva, 1991).

302 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


Conclusiones

El estudio de los títulos de las películas mexicanas permitió una primera aproxi-
mación al cine musical de nuestro país. Dicha aproximación hizo posible iden-
tificar algunas de las características formales del musical mexicano, rastrear los
ritmos que lo atraviesan, e identificar algunos de los subgéneros que lo confor-
man. Por otra parte, los resultados de este trabajo permitieron proponer una
periodización del cine musical mexicano, y los estudios de caso arrojaron luz so-
bre las características formales de las películas representativas de cada periodo.
Esta primera aproximación sugirió, además, que el musical, como el melo-
drama,5 permeó prácticamente todos los géneros fílmicos mexicanos. Para
corroborar que lo musical hibridó con distintos géneros conforme estos apa-
recieron, se transformaron y/o desaparecieron del panorama cinematográfico
mexicano, se vuelve necesaria una segunda etapa de esta investigación, en la
que se analicen en términos de imagen, sonido, puesta en escena, montaje y
narración algunas películas representativas de los distintos géneros del cine de
nuestro país. Por supuesto, ello implica ampliar el corpus del presente trabajo,
más allá de los títulos aquí estudiados.

Referencias

ALTMAN, R. Genre: the musical. Londres: Routledge: Kegan Paul, 1981.


ALTMAN, R. The american film musical. Londres: Bloomington, 1987.
ALTMAN, R. La comédie musicale hollywoodienne: les problèmes de genre au cinéma.
París: A. Colin, 1992.
ALTMAN, R. El musical. In: BRUNETTA, G. P. Historia mundial del cine: Estados
Unidos I. Madrid: Akal, 2011.
BARRIOS, R. A song in the Dark: the birth of the musical film. Inglaterra: Oxford
University Press, 1995.
DE LOS REYES, A. Cine y sociedad en México: 1896-1930: vivir de sueños: vol. I: 1896-
1920. México: Instituto de Investigaciones Estéticas: UNAM, 1996.

5 Autores como Zavala (2015) y Tuñón (2003) sugieren que el melodrama atraviesa y modela
todos los géneros del cine mexicano.

Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica 303


DROMUNDO, B. Los cantos de la Revolución mexicana. Revista de la Universidad de
México, México, DF, v. 9, n. 2, p. 213-222, jul. 1931.
FEUER, J. The Hollywood Musical: BFI Cinema. Reino Unido: Palgrave Macmillan,
1992.
GARZA MONTES DE OCA, J. La comedia musical...¿en México o mexicana? 2008.
Tesis (Licenciatura en Teatro) ‒ Escuela de Ciencias Sociales, Artes y Humanidades,
Universidad de las Américas Puebla, San Andrés Cholula, 2008.
HIRSCHHORN, C. The Hollywood musical. New York: Crown Publishers, 1981.
LANGFORD, B. Film genre: Hollywood and beyond. Edingburgh: Edingburgh
University Press, 2005.
MASSON, A. Comédie musicale. Paris: Stock Cinema, 1981.
PELAYO, A. La generación de la crisis. El cine independiente mexicano de los años
ochenta. México, DF: IMCINE: CONACULTA, 2012.
PEREDO CASTRO, F. Cine y propaganda para Latinoamérica: México y Estados
Unidos en la encrucijada de los años cuarenta. México: UNAM: Centro de
Investigaciones sobre América Latina y el Caribe, 2011.
RODRÍGUEZ-LÓPEZ, J.; AGUADED GÓMEZ, J. I. Estilo y estética en el video
musical: creando una tipología clip. TELOS, Madrid, n. 103, p. 50-58, 2016.
TUÑÓN, J. Un mélo-noir mexicano: el hombre sin rostro. Secuencias: revista de
historia del cine, Madrid, n. 17, p. 40-57, 2003.
VIÑAS, M. Índice general del cine mexicano. México, DF: CONACULTA: IMCINE,
2005.
ZAVALA, L. Hacia un modelo semiótico para la teoría del cuento. Signa: Revista
de la Asociaicón Española de Semiótica, Madrid, n. 7, 1998. Disponible en: <http://
www.cervantesvirtual.com/obra-visor/signa-revista-de-la-asociacion-espanola-de-
semiotica--10/html/dcd92f4c-2dc6-11e2-b417-000475f5bda5_36.html>. Acceso en:
3 feb. 2016.
ZAVALA, L. Manual de análisis narrativo: literario, cinematografía, intertextual.
México: Trillas, 2007.
ZAVALA, L. Para una teoría paradigmática del cine: anuario de Investigación 2007.
México, DF: UAM-X, 2008. p. 28-42.
ZAVALA, L. Teoría y práctica del análisis cinematográfico: la seducción luminosa.
México, DF: Trillas, 2010.

304 ROCÍO GONZÁLEZ DE ARCE ARZAVE


El videoclip musical en México
esbozos de una historia

JULIÁN WOODSIDE

Introducción

El presente texto expone una serie de reflexiones alrededor de los anteceden-


tes, orígenes y devenir del videoclip en México, así como su relación con la
realización cinematográfica. A partir de concebirlo como cualquier producto o
fragmento audiovisual cuyo eje de argumentación y montaje parte de una com-
posición o situación musical, se revisan distintas prácticas músico-visuales que
a lo largo del siglo XX configuraron las convenciones para que el videoclip se
consolidara como un formato audiovisual. La intención del documento es re-
visar el desarrollo de la industria del videoclip en el contexto mexicano, por lo
que si bien la industria del entretenimiento de otros países marcó muchas ve-
ces la pauta, localmente se pueden identificar diversas prácticas que sentaron
las bases para que público y realizadores se sensibilizaran con respecto a las
convenciones y formas de lo que hoy se entiende por videoclip.
El primer apartado, Para entender al videoclip, reflexiona sobre cómo éste
devino de un largo proceso intermedial hasta consolidarse en el imaginario
colectivo a inicios de los ochenta, para después desarrollar y argumentar sobre
la definición propuesta en este texto. Por su parte, Antecedentes: representacio-
nes visuales de la música en México revisa brevemente algunas prácticas previas
al surgimiento del cine sonoro sincrónico, las cuales muestran cómo la repre-
sentación y visualización de lo musical antecede a dicho desarrollo tecnológico.
En La música en el cine y el cine musical se revisa el devenir de la musicalización
sincrónica en el cine, la cual configuró los primeros momentos músico-visuales
indisociables que podrían considerarse como antecedentes del videoclip. Más
adelante, en El videotape y la repetición televisiva, se argumenta que el desarro-
llo de la tecnología del videotape o cinta magnética, así como algunas prácticas
televisivas, sentaron las bases para que el público se familiarizara con la repe-
tición y recontextualización de fragmentos músico-visuales, mientras que la
industria del entretenimiento cobraba conciencia de su potencial comercial.
Posteriormente, en Inicios la industria del videoclip en México se describe cómo
ciertas coyunturas dieron pie a los primeros esbozos de una industria alrede-
dor del videoclip. Sin embargo, antes de continuar de manera cronológica, Una
historia en paralelo: la experimentación audiovisual ofrece una revisión sobre
cómo una serie de innovaciones y experimentaciones estéticas y discursivas
permitieron legitimar al videoclip como una práctica creativa, y no simple-
mente comercial. Finalmente, en El videoclip “de autor” y “Crisis” y reconfigu-
ración de la industria se describe brevemente el auge y la aparente decadencia
de la industria del videoclip.
Lo aquí expuesto es una síntesis de un proyecto más ambicioso que tiene
la intención de trazar de manera puntual la historia del videoclip en el con-
texto mexicano, así como algunos otros aspectos relacionados con la indus-
tria del entretenimiento. La información se ha desarrollado a partir de una
investigación documental, así como de varios testimonios obtenidos mediante
entrevistas a realizadores, músicos, periodistas e investigadores clave para el
tema: Adolfo Dávila, Alejandro Romero “Chicle”, Álvaro Vázquez Mantecón,
Ángel Flores, Benjy Estrada, Carlos Marcovich, Carlos Somonte, Cesy Sagredo,
Daniel Gruener, Daniel Patlán, David Ruiz “Leche”, Diego Martínez Ulanosky,
Elisa Lozano, Elsa Saavedra, Fernando Ruiz Rendón, Julián González, Julio
Carlos Ramos Zapata, Katina Medina, Luis Kelly, Pedro Torres, René de la

306 JULIÁN WOODSIDE


Rosa, Ricardo Nicolayevsky, Silvia Tort, Sofía Garza-Barba, Tino de la Huerta,
Toño Carrizosa y Walter Schmidt.1
Finalmente, cabe aclarar que es probable que algunas fechas de películas
varíen sutilmente, ya que algunas fuentes citan el año de realización, mientras
que otras plantean el año de estreno o de algún otro acontecimiento. Esto es
consecuencia de un problema mayor con respecto a la investigación y análisis
de la industria del entretenimiento en México: es escasa la documentación y
reflexión crítica, así como pocas las fuentes confiables, por lo que la triangula-
ción de información se complejiza.

Para entender al videoclip

Antes de hablar sobre los orígenes y devenir del videoclip en México es im-
portante comprender qué es lo que se entiende por dicha práctica. Si bien el
concepto “videoclip” se populariza durante la década de los ochenta, la his-
toria de dinámicas donde una canción es acompañada por elementos visuales
o performativos – ya sea para ilustrarla, o con fines comerciales – se puede
rastrear a mucho tiempo atrás.
El videoclip proviene de varias tradiciones donde lo musical, lo visual y lo
performativo han dialogado, consolidando diversas convenciones y recursos
músico-visuales y sincrésicos.2 Hablamos de cambios tecnológicos y formas
de representación que detonaron nuevos modos de pensar y experimentar el
tiempo y el espacio (ALCÁZAR, 1998, p. 14), tales como efectos especiales y
juegos de iluminación desarrollados en el teatro medieval y la ópera, así como
cuestiones narrativas, decorativas, escenográficas y coreográficas presentes en
los espectáculos populares. Y si bien se podría decir que el video revolucionó las
formas de creación y consumo audiovisual, Roy Armes plantea que para enten-
derlo es necesario contemplarlo dentro de todo el espectro de medios sonoros,
visuales y audiovisuales del siglo XIX y XX, incluyendo la radio, la fotografía, el

1 Además del apoyo de Jennifer Martínez García en la revisión de algunas fuentes y de Xóchitl
Rodríguez Quintero en la transcripción de las entrevistas.
2 Acrónimo acuñado por Michel Chion (1994, p. xviii-xix) que combina las palabras “sincroniza-
ción” y “síntesis” y que consiste en la fusión mental espontánea que ocurre cuando algo visual
y algo sonoro suceden al mismo tiempo.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 307


gramófono y la cinta magnética. (WESTGEEST, 2016, p. 3) Es así que cuando
se afianza el concepto de videoclip, lo que ocurre es que todas estas prácticas
músico-visuales que existían desde antes se integran bajo un mismo concepto
audiovisual. En otras palabras, dejaron de tener una cualidad intermedial para
consolidarse bajo la convención de lo que hoy conocemos como videoclip,3 y
en el proceso no sólo retomaron códigos y convenciones de otros medios como
la televisión o el cine, sino que también los retroalimentaron, surgiendo así una
estética “videoclipera”.4
Esta práctica tiende a discutirse desde dos perspectivas: “como formato
audiovisual y como estrategia de comercialización de la música”. (SEDEÑO
VALDELLÓS, 2008, p. 121) Sin embargo, interpretarla como un fenómeno que
depende solamente de aspectos formales, o de las dinámicas y orquestaciones
de una industria, resulta demasiado reduccionista. Si se revisa la historia de la
música se podrá identificar que las estrategias de comercialización a partir de
lo visual existían tanto con la venta de partituras ilustradas, como con infini-
dad de cortos animados, películas musicales y programas y anuncios de televi-
sión. Fue una consecuencia de muchas prácticas. Sí, en parte comerciales, pero
también estéticas, expresivas y de experimentación. Abordarlo sólo a partir de
criterios establecidos por el cine, la televisión, la publicidad y el videoarte deja
fuera muchas de las convenciones músico-visuales desarrolladas tanto por el
teatro (ALCÁZAR, 1998), como por la danza. (DALLAL, 1994, p. 128-129)
Los realizadores de videoclips han sido videoastas, fotógrafos, cineastas,
escenógrafos, coreógrafos, artistas plásticos, diseñadores, publicistas, anima-
dores, músicos y escritores. Cada uno ha retomado desde su disciplina códi-
gos desarrollados no sólo con fines comerciales, sino también expresivos y de
entretenimiento. Por esta razón, aquí se entenderá por videoclip a cualquier
producto o fragmento audiovisual cuyo eje de argumentación y montaje parte de
una composición o situación musical. ¿Por qué? Si bien como formato ha tenido
la intención de ilustrar o promover una composición musical, el público ha cata-
logado otros productos audiovisuales como videoclips, a pesar de que tuvieron
otra intención de origen. Estos se consolidan en el imaginario colectivo cuando

3 Sobre este proceso de intermedialidad, ver Higgins (2015).


4 Para profundizar sobre los procesos de acumulación y retroalimentación mediática, ver McLuhan
(1964); así como Bolter y Grusin (2000). Para un ejemplo en el caso del cine mexicano, ver nota 9.

308 JULIÁN WOODSIDE


un montaje visual se asocia directamente a una situación musical. Por eso, ya
sea que hablemos de un fragmento de una película (Pedro Infante cantando
“Amorcito corazón”), de una presentación por televisión (José José cantando
“El triste” en el 2º Festival de la Canción Latina en 1970), o de un producto
amateur (un video estudiantil hecho para la canción “Lo menea”, de Tropikal
Forever), ha sido la reproductibilidad – primero en televisión y video, y luego
por Internet –, la que les ha dado el status de videoclip en cada caso.

Antecedentes: representaciones visuales de la música en México

La visualización de la música tiene una larga historia. Como legado de las


puestas en escena medievales se utilizaron juegos de iluminación, vestuario,
fuegos artificiales, música, escenografías móviles y otros efectos para dar pie
a diversas dinámicas espacio-temporales que estimulaban la imaginación del
espectador. (RUELAS ESPINOSA, 2012, p. 365-370) Del Barroco español llegó
a la Nueva España la tradición de la zarzuela, un género “mezcla de drama ale-
górico en verso, canción popular y danza”. (RUELAS ESPINOSA, 2012, p. 612)
Así mismo, la venta de álbumes y repertorios de partituras desde mediados del
siglo XIX permitió no sólo promover y comercializar la música, sino también
asociarla a imaginarios visuales, ya que las impresiones solían incluir portadas
ilustradas. (MORENO GAMBOA, 2009, p. 62)
A inicios del siglo XX los espectáculos públicos se complejizaron a tal grado
que en una misma programación convivían proyecciones de cinematógrafo,
teatro, baile, música, actos circenses y presentaciones públicas de fonógrafo.
(ROSAS, 2010, p. 173) Fue tan natural la mezcla que desde los primeros años del
cine en México hubo dos formas de musicalización: incluir solistas, orquestas
o conjuntos para amenizar el inicio y los intermedios de una programación, o
para acompañar a las proyecciones (DE LOS REYES, 1983, p. 101); mientras que
en una programación musical se podían insertar “vistas” cinematográficas en
los intermedios. (DE LOS REYES, 1983, p. 103) Con el tiempo esto dio pie a la
“película-concierto”, formato de entretenimiento que consistía en “acompañar la
proyección de films con trozos de ópera o fragmentos de sinfonías corales, para
el lucimiento de músicos y cantantes”. (DE LOS REYES, 1983, p. 114)

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 309


Por otra parte, para 1903 ya se identificaban vistas cuyo eje argumental
era un espectáculo musical, tal es el caso de El jarabe tapatío ó El carnaval de
Mazatlán de los hermanos Becerril (VIÑAS, 1987, p. 20), las cuales – si bien
no incorporaban audio sincrónico – ayudaron a que la gente se familiarizara
con momentos breves de visualización musical. Tiempo después se estrenó la
película El amor que triunfa (Martínez Arredondo, 1917), la cual

fue la primera película basada en una obra de la lírica popular, la zarzuela


El amor que huye, con letra de Julio Pardo y música de Torregosa, antici-
pando así el aprovechamiento de canciones de éxito para nutrir los argu-
mentos cinematográficos. (VIÑAS, 1987, p. 53)

Además, por esas fechas ya se podían comprar las partituras de los temas
musicales de algunas películas. (DE LOS REYES, 1983, p. 116)

La música en el cine y el cine musical

El cine sonoro fue rápidamente asimilado gracias a su carga de contenidos


musicales. Se adaptaron éxitos teatrales y radiofónicos (DE LOS REYES, 1983,
p. 121), mientras que cantantes de teatro y radio se volvieron actores y algunos
actores se pusieron a cantar. (FLORES Y ESCALANTE; DUEÑAS, 2001, p. 3)
Por primera vez la industria del entretenimiento buscaba consolidar simultá-
neamente éxitos (y artistas) a través de distintos medios, razón por la que se es-
cribieron canciones “de las que derivaron argumentos cinematográficos, como
¡Ay, Jalisco, no te rajes!; el éxito cinematográfico que se tradujo en éxito dis-
quero y radiofónico”. (DE LOS REYES, 1988, p. 141) Fue así que esta etapa de-
vino en los primeros momentos de visualización musical que marcarían a varias
generaciones, ya que ahora imagen y sonido eran indisociables (y repetibles):

El cine mexicano ha captado sonidos, melodías, bailables, canciones e


imágenes de conjuntos e intérpretes de la música popular hoy muertos
y desaparecidos o en vías de extinción [...]. ¿Dónde es posible testificar
la apoteosis de los bailables tropicales si no es también en una película
mexicana? A veces un filme vale por oír una canción, una melodía tropical
o por ver un número musical o un bailable [...]. Las películas popularizaron
en México y Latinoamérica canciones, autores e intérpretes y su acción

310 JULIÁN WOODSIDE


fue completada por los discos y giras de presentaciones personales. (DE
LOS REYES, 1988, p. 177-182)

Los treinta significaron la consolidación de los primeros momentos musi-


cales icónicos. Películas como Santa (Moreno, 1932), Revista musical (Boytler,
1934),5 Payasadas de la vida (Zacarías, 1934) y La mujer del puerto (Boytler,
1934) agruparían música, imagen, montaje y performatividad en situaciones
que impactarían al imaginario colectivo, además de retomar convenciones del
teatro de variedades, donde era frecuente “la interrupción de la continuidad
de las películas para que el espectador escuche una canción, o vea un bailable
de principio a fin que nada tiene que ver con el desarrollo del argumento”.
(DE LOS REYES, 1988, p. 153) Fue además la década en la que la industria
dio sus primeros éxitos internacionales con Allá en el Rancho Grande (de
Fuentes, 1936), la cual “abrió el mercado de habla española para el cine mexi-
cano” (VIÑAS, 1987, p. 90); mientras que Perfidia (Rowland, 1939) popularizó
la canción homónima al grado que directores como Glen Miller y Artie Shaw
“la llevaron con sus orquestas por todos los frentes de guerra”. (FLORES Y
ESCALANTE; DUEÑAS, 2002, p. 5)
Los cuarenta significaron la consolidación del bolero, así como de las
grandes orquestas al estilo norteamericano y tropical, además de varios intér-
pretes. (RAMÓN, 1989, p. 18) Surge además la primera gran estrella mediática:
Pedro Infante, quien se volvió un ícono para muchas generaciones gracias a
momentos audiovisuales como el de “Amorcito corazón” en Nosotros los pobres
(Rodríguez, 1948).6 Así mismo, Germán Valdés “Tin Tan” conquistaría al público
cantando en cintas como Calabacitas tiernas ¡Ay qué bonitas piernas! (Martínez,
1949). De hecho fue tal el impacto de la relación música-cine que para 1950
el periodista Roberto Ayala crearía el Disco de Oro en reconocimiento a las

5 Tras perder un patrocinio de Goodrich Euzkadi, Arcady Boytler utilizó parte de una película
para hacer un cortometraje titulado Revista musical: “El corto tenía dos números musicales.
En el primero Agustín Lara interpretaba Viviré para ti junto con la bailarina Dinar Kaunas. El
segundo corría a cargo de Toña la Negra, quien cantaba La última carcajada de la cumbancha”.
(BERMÚDEZ, 2007, p. 125)
6 Algunos directores de videoclips han reconocido que varias secuencias de películas de
Pedro Infante podrían considerarse videoclips (David Ruiz “Leche”, comunicación personal,
01/02/2016; Ángel Flores, comunicación personal, 03/02/2016).

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 311


ventas discográficas de un artista (varios años antes de que la Recording Industry
Association of America – o RIAA – lo hiciera en Estados Unidos).7
Los cincuenta vinieron acompañados de la televisión, la cual impactaría a
su manera en la construcción audiovisual de éxitos musicales (algo que se desa-
rrollará en el siguiente apartado). El cine había agotado muchas de las fórmulas
de las décadas anteriores, por lo que los realizadores implementaron trucos
visuales y efectos especiales para generar nuevos ambientes cinematográficos.
(LOZANO, 2015, p. 74) Esto repercutió en la estética de los momentos músi-
co-visuales, pues de las formas originadas en el teatro de variedades se dio
pie a situaciones visual y narrativamente más elaboradas, tal como se puede
apreciar en algunos recursos utilizados en A toda máquina! (Rodríguez, 1951),
La muerte enamorada (Cortázar, 1951), Del can-can al mambo (Urueta, 1951),
Escuela de música (Zacarías, 1955) y La locura del rock and roll (Méndez, 1956),
la cual configuró uno de los primeros momentos icónicos dentro de la historia
del Rock & Roll en México: Gloria Ríos cantando “El relojito”.
La industria del entretenimiento vivió una ruptura irreversible durante
los sesenta: la consolidación del mercado juvenil. Esto, aunado a que el cine
extranjero ganaba terreno, que los presupuestos eran apretados y que la ima-
gen a color se abría paso, estimuló que los realizadores desarrollaran una serie
de innovaciones cinematográficas basadas en el uso de formas abstractas y
siluetas, así como de la proyección de elementos luminosos en la pared (p. 75).
De hecho muchas películas abordaron este choque generacional, así como
el impacto que tenían la radio, el cine y la televisión en la configuración de
estrellas musicales. Ejemplos como Mi vida es una canción (Delgado, 1963),
Un tipo a todo dar (Cortés, 1963), El gángster (Alcoriza, 1964), Especialista en
chamacas (Urueta, 1965), Simón del desierto (Buñuel, 1965), Amor a ritmo de a
go-gó (Delgado, 1966), Acapulgo a go-gó (Martínez, 1967) y Cinco de chocolate y
uno de fresa (Velo, 1967)8 generaron situaciones músico-visuales bastante inte-
resantes, a la vez que mostraban a artistas cuya carrera se consolidaba tanto en
las películas como en la vida real.

7 Con información de Toño Carrizosa, periodista e investigador (comunicación personal,


18/02/2016).
8 La investigadora Elisa Lozano se ha dedicado a documentar a profundidad el devenir de los
efectos visuales y escenográficos en el cine. Sobre la etapa psicodélica del mismo, se puede
revisar en Lozano (2014).

312 JULIÁN WOODSIDE


Los conflictos estudiantiles y la censura post-Avándaro significaron para
los setenta una fuerte limitación de las representaciones juveniles “rebeldes”
en la cinematografía comercial. El Rock desapareció prácticamente de todos
los medios, mientras que la balada se abría paso y la televisión empezaba a con-
solidarse como el medio que marcaría los momentos músico-visuales icónicos
de la década. Claro que hubo películas que generaron momentos representati-
vos, como Bikinis y rock (Salazar, 1972) y La verdadera vocación de Magdalena
(Hermosillo, 1972). Sin embargo, si no se tenía presencia en televisión resultaba
muy difícil estelarizar una película, situación que capitalizaron algunos cantan-
tes como José José en Buscando una sonrisa (Galindo, 1972), Juan Gabriel en
Nobleza ranchera (Martínez, 1977) y Daniela Romo en Frontera (Durán, 1978).
Sin embargo, los momentos musicales más memorables provinieron de sus
múltiples presentaciones por televisión.
Si bien durante los sesenta convivieron en armonía, e incluso se comple-
mentaron cinematográficamente, la ruptura entre Rock y balada durante los
setenta ocasionaron que el imaginario del primero dependiera de unas cuantas
expresiones artísticas independientes, así como de contenidos provenientes de
otros países, mientras el segundo desgastaría rápidamente su fórmula:

Los argumentos metaficcionales se repetían insistentemente (los perso-


najes se llamaban igual que los artistas, por ejemplo: Lupita D’Alessio es
Lupita en Mentiras, y quiere ser cantante); en Escápate conmigo – otra co-
producción de Carlos Amador – Lucerito es Lucerito (que ya había sido
Lucerito en Fiebre de amor, 1984) y Manuel Mijares, Manuel; ambos se
unirán, también en la vida real, y se convertirán en cantantes. Un claro en-
trecruce entre la información que el espectador de televisión ya tiene, pero
ahora trasladada a un musical fílmico. (MIRANDA LÓPEZ, 2006, p. 32)

Desde finales de los setenta diversos baladistas capitalizaron el modelo


comercial que décadas atrás había sido fructífero para los exponentes del
bolero, la ranchera, el Rock & Roll y algunos conjuntos tropicales (solo que
ahora se tenía el respaldo de una industria apuntalada por Televisa y de
varias disqueras transnacionales). Desde inicios de los ochenta varias pelícu-
las generaron momentos musicales importantes: Rigo es amor (Cazals, 1980),
Como México no hay dos (Villaseñor Kuri, 1980), El Noa Noa (Martínez, 1981),
Siempre en domingo (Cardona Jr., 1984), Ya nunca más (Salazar, 1984), Fiebre

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 313


de amor (Cardona Jr., 1985), Gavilán o paloma (Gurrola, A., 1985), Esta noche
cena Pancho (despedida de soltero) (Castro, 1986) y Escápate conmigo (Cardona
Jr., 1987). Sin embargo, la nula experimentación audiovisual, así como el sur-
gimiento del videoclip, ocasionaron que todos los momentos memorables –
incluidos aquellos originados en películas – se consolidaran no por su impacto
audiovisual, sino por su repetición constante en televisión.
La consolidación de la industria del videoclip y del Pop, el resurgimiento
del Rock, y la inserción en televisión y publicidad de algunos realizadores prove-
nientes de escuelas de cine permitieron que a finales de los ochenta se diera una
renovación en las formas audiovisuales comerciales. Desde inicios de los noventa
algunos artistas trataron de seguir con la capitalización del ámbito cinemato-
gráfico, como Bronco en Bronco (Urquieta, 1990), Alejandra Guzmán en Verano
peligroso (Cardona Jr., 1991), Gloria Trevi en Pelo suelto (Galindo III, 1991), los
Tigres del Norte en Amor a la medida (Araiza, 1992), Magneto en Cambiando
el destino (de Anda, 1992), Eduardo Capetillo, Ricky Martin y compañía en
Más que alcanzar una estrella (de la Riva, 1992), Garibaldi en Dónde quedó la
bolita (Cardona Jr., 1993) y Paulina Rubio en Bésame en la boca (Cherem, 1995).
No obstante, el modelo estaba desgastado; y la televisión y los videoclips eran
más rentables para la industria, así como más atractivos para el público.
Ya entrados los noventa el cine mostró influencias de las formas audiovi-
suales consolidadas con el videoclip.9 Por otra parte, la diversificación de públi-
cos juveniles y el auge del “nuevo cine mexicano” permitieron el desarrollo
de una forma sutilmente distinta de comercialización cinematográfica, la cual
había sido poco explotada durante las décadas anteriores: la curaduría de soun-
dtracks.10 Esto, así como el hacer videoclips de los temas de las películas, signi-
ficó una nueva sinergia entre música y cine presente en Sexo, pudor y lágrimas

9 Por ejemplo, hablando de Sobrenatural (Gruener, 1996), Raúl Miranda López (2006, p. 66) co-
menta: “significó para Televicine su ingreso a las formas de narrar posmodernas, propias de una
generación de cineastas jóvenes egresados del Centro de Capacitación Cinematográfica; la
dirigía Daniel Gruener. Calificada también por la crítica como un enorme videoclip, especialidad
que ejerce Gruener, la cinta obtiene múltiples premios nacionales e internacionales”.
10 Lo que se solía hacer antes era incluir los éxitos de las películas y de las series de televisión en las
producciones discográficas de los artistas, mientras que la figura de soundtrack era práctica-
mente exclusiva para las películas infantiles. Sin duda unos cuantos ejemplos son la excepción a
la regla, pero más allá de que eso amerita un texto aparte, es innegable que durante los noventa
hubo un crecimiento de esta forma de comercialización discográfico-cinematográfica.

314 JULIÁN WOODSIDE


(Serrano, 1999), Amores perros (Iñárritu, 2000), Por la libre (de Llaca, 2000), Y tu
mamá también (Cuarón, 2001), Piedras verdes (Flores, 2001), Perfume de violetas
(Sistach, 2001), Amarte duele (Sariñana, 2002) y Temporada de patos (Eimbcke,
2004). Finalmente los dosmiles significaron el crecimiento de otro formato
donde imagen y música son indisociables: el documental musical. Tal es el caso
de Esclavo del Rocanrol (Kelly, 2003), Cuatro labios (Marcovich, 2004), Naco
es chido (Arau, 2010), Seguir siendo (Cravioto & Contreras, 2010), Size: Nadie
puede vivir con un monstruo (Mendoza, 2011), Gimme the Power (Rubio, 2012),
Hecho en México (Bridgeman, 2012) y Panoramas (Cruz & Guardiola, 2016).
Para cerrar este apartado valdría la pena mencionar el impacto que tuvie-
ron las películas de Walt Disney en el imaginario músico-visual mexicano.
Desde la década de los treinta, y sobre todo a partir de los cuarenta, se pueden
identificar momentos musicales icónicos en Los tres caballeros (1944), El libro
de la selva (1967) y Los aristogatos (1970), por mencionar algunas. Lo mismo
ocurrió con otras cintas animadas como Los tres reyes magos (Ruiz, 1974) y
Katy, la oruga (hermanos Moro, 1984), mientras que la música de Francisco
Gabilondo Soler “Cri-cri” daría pie a infinidad de representaciones memora-
bles, como la secuencia de “Los cochinitos dormilones” que Walt Disney animó
para la película Cri Cri el grillito cantor (Davison, 1963). De hecho “Cri-cri” ha
tenido tal impacto visual que animar su música ha llegado a considerarse como
una vertiente del cine animado mexicano. (AURRECOECHEA, 2004, p. 43)

El videotape y la repetición televisiva

Habiendo hecho una breve revisión de la historia de la relación entre música


y cine – la cual ha dado infinidad de momentos músico-visuales icónicos –,
el siguiente paso consiste en identificar cómo la reproducción de estos frag-
mentos, junto con otros originados en televisión, permitió que el público se
familiarizara gradualmente con las formas estéticas y narrativas que dieron pie
a lo que hoy conocemos como videoclip.
No se puede hablar del videoclip sin tener en cuenta el impacto que
tuvo la cinta magnética – o videotape – en su consolidación, la cual facilitó
la reproducción de cualquier fragmento audiovisual (y con ello su rememo-
ración) a partir de que la televisión mexicana la incorporara en 1958. (MEJÍA

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 315


BARQUERA, 1998, p. 41) Esto ocasionó que el espectador naturalizara la repe-
tición y recontextualización de momentos músico-visuales, mientras que la
industria tomaba conciencia sobre la importancia de ello como estrategia de
promoción. Desde sus inicios la televisión tuvo una fuerte carga de conteni-
dos musicales mediante programas bajo nombres como Cita con..., La hora
de..., Revista musical, Teatro familiar o Novedades musicales. Dichos programas
solían estar conducidos por artistas del momento que fungían como maestros
de ceremonias, interpretando piezas musicales y presentando a los invitados.11
Los programas estaban generalmente patrocinados (al igual que otros
medios musicales radiofónicos e impresos), por lo que los momentos musica-
les no se limitaban a los actos “en vivo”, sino también a las cortinillas, jingles y
otras formas de identificación y promoción tanto de las marcas como de los
programas en sí. De hecho varias introducciones y cierres de programas de
televisión – locales y extranjeros – adquirieron tal grado de independencia
que podrían considerarse como proto-videoclips. Tal fue el caso de Topo Gigio,
La familia Telerín, Mi bella genio, Cantinflas show, La carabina de Ambrosio,
Odisea burbujas y Chespirito, así como algunas telenovelas como Viviana y Los
ricos también lloran.
A partir de los sesenta los públicos se diversificaron: mientras que los
programas para toda la familia buscaban generar un ambiente de variedades
“hogareño” e “íntimo”, los programas juveniles empezaron a experimentar
con juegos de cámara y la incorporación de situaciones mucho más estimulan-
tes: el Rock & Roll impactó no sólo en lo musical, sino también en la estética
audiovisual y performativa. Esto ocurrió con Premier Orfeón (1961-1965), mejor
conocido como Discoteque Orfeón A Go Gó (1965-1969), el cual era presentado
de forma dinámica y contaba con actos en vivo de artistas del momento acom-
pañados de “ballets” que hacían coreografías.12 Además podía ocurrir que para

11 Antecedente directo de lo que más adelante se conocería como Vj o videojockey en los canales
y programas de videos.
12 El periodista e investigador Alberto Dallal (1994, p. 128-129) comenta: “En su aspecto popular,
la danza por televisión hizo el esfuerzo de ofrecer deleites y atracciones a las demandas ma-
sivas […]. Significaba la apertura de la televisión a una nueva forma de aprovechamiento de la
danza. La dinámica de este arte ha de señalar los elementos que deben integrarse para que
surja el producto creativo, artístico, estético de la televisión: el video-clip. Sin la experiencia de
la danza, el video-clip jamás habría captado las cualidades implicadas en el ritmo, el montaje, la
estructura y la secuencia de las formas”.

316 JULIÁN WOODSIDE


ambientar la letra de una canción se hiciera uso de la escenografía y los extras
en el set de televisión.
Un momento musical representativo fue la presentación de José José en
el 2º Festival de la canción latina en 1970. Al revisar la interpretación de “El
triste” se puede apreciar cómo los encuadres y cortes de cámara potenciaron la
intención dramática y performativa del cantante, a la vez que mostrar las reac-
ciones del público asistente ayudó a la emotividad del momento. Lo mismo
ocurriría con infinidad de presentaciones de artistas mexicanos y extranjeros,
pues gracias a los encuadres, la iluminación, la escenografía y algunas técnicas
de edición éstas impactarían una y otra vez en la percepción de los artistas por
parte de los televidentes.
Durante los setenta se utilizaron recursos audiovisuales cada vez más ela-
borados, razón por la que la televisión consolidó la mayoría de los momentos
músico-visuales. Por otra parte, el uso de ballets se vería potenciado por el auge
de la música Disco, además de que la tecnología facilitó nuevos efectos como
disolvencias y gráficos animados. También se repetían fragmentos musicales
originados en películas y otros programas de televisión, a la vez que llegaron
de otros países los primeros “videos promocionales” realizados para algunos
artistas internacionales. Es así que las prácticas alrededor del videoclip se con-
solidaron gradualmente durante décadas, sobre todo a partir de la llegada del
videotape: el público estaba muy familiarizado con sus formas. Sin embargo,
a pesar de que durante los setenta surgieron varios programas dedicados a
la retransmisión de momentos músico-visuales, el inicio de la década de los
ochenta significaría una revolución importante: surgiría una industria alrede-
dor del videoclip.

Inicios de la industria del videoclip en México

La historia de productos audiovisuales cuyo fin era promover a un artista existe


desde los inicios de la cinematografía. Sin embargo, la consolidación del vi-
deoclip a inicios de los ochenta marcó un parteaguas en la industria del entre-
tenimiento, pues además de adquirir autonomía como medio, configuró una
serie de prácticas a su alrededor.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 317


Si bien se plantea que todo inició con MTV en 1981, tanto en México como
en Estados Unidos existían ya varios espacios televisivos que retransmitían
momentos músico-visuales. Sin embargo, a nivel local se puede rastrear el
inicio de la industria del videoclip a 1982, cuando el canal 16 de Cablevisión
“se transforma en – Con M de música –, versión mexicana de MTV, bajo
la dirección del productor Carlos Manuel Balderas y el trabajo creativo de
directores como Alejandro García, además de la animación de Pablo Jato”.
(IZZI, [2016]) Dicho canal fue la primera plataforma oficial de videos musi-
cales en México, primero programando videos de forma ininterrumpida, y
después incorporando a presentadores o videojockeys. Elsa Saavedra, una de
las primeras Vj’s recuerda:

Resultó ser un casting de siete mil personas, yo fui una de ellas y quedé
[...].13 Nos echamos el programa (Con M de Música). Empezó a ser grabado
y luego fue en vivo. De ahí justamente, cuando se dio la fuerza del vi-
deoclip, empezaron a surgir otras cosas […]. Toma en cuenta que estaban
en el gobierno de De la Madrid, entonces había una censura impresio-
nante.14

A partir de 1983 aparecieron una gran variedad de programas que transmi-


tían videos – como A toda música, Alta tensión, Estrellas de los 80’s, TNT, Video
éxitos, Video rock y XeTu –,15 el videoclip no fue muy bien recibido por las auto-
ridades, pues mantenían renuencia ante las expresiones juveniles emergentes:

Con la novedad del cable y de las parabólicas llegaron también los vi-
deoclips, ese nuevo género que fusionó música y video y que en un prin-
cipio en México sólo se exhibía por cable; los clips se hicieron muy popu-
lares y pronto pasaron a los canales masivos de VHF, pero a doña Paloma
Cordero de De la Madrid, la primera dama del país, no le gustaron y los
condenó, por lo que regresaron a los canales de cable. Sin embargo, los vi-
deoclips habían llegado para quedarse y bien pronto los cantantes locales
grabarían los suyos. (AGUSTÍN, 2007, p. 104)

13 Menciona además a Jesús Iturralde, Carlos Flores y Gloria Calzada.


14 Elsa Saavedra, comunicación personal, 14/03/2016.
15 Fue tal el impacto de este formato que empezaron a surgir “video bares”, los cuales tenían
muros de pantallas donde se reproducían varios videos. Uno de ellos sería el famoso Bar Bar,
inaugurado al sur de la ciudad de México en 1984.

318 JULIÁN WOODSIDE


A medida que la industria del crecía y se consolidaba, se perfilaron tres
entornos de donde provinieron los primeros videos: de artistas extranjeros
(principalmente anglo, aunque también varios europeos y sudamericanos); de
artistas Pop locales; y de algunos exponentes rockeros que empezaron a recupe-
rar terreno mediático.16 Así mismo, empezaron a surgir algunos nombres aso-
ciados a la práctica de la realización de videoclips: Luis de Llano, Benny Corral
y Pedro Torres.
Durante los ochenta – y parte de los noventa – las presentaciones por tele-
visión mantuvieron su relevancia en cuanto a la construcción de varios momen-
tos músico-visuales,17 los cuales muchas veces eran hechos con la intención de
convertirse automáticamente en videoclips. Sin embargo, si bien buena parte
de los videos mantuvo varios elementos estéticos de las presentaciones por
televisión, también hubo aquellos que apostaron situaciones narrativas más
elaboradas al retomar varias convenciones cinematográficas. Varios artistas
empezaron a realizar ejercicios cinematográficos donde las historias ilustraban
(o complementaban) las temáticas de las canciones, de los cuales valdría la pena
destacar “Payaso” (1984) de José José, “La incondicional” (1988) de Luis Miguel
y “Tampoco fuiste tú” (1991) de Daniela Romo; aunque sobran artistas que a lo
largo de la década lo llevaron a cabo.

Una historia en paralelo: la experimentación audiovisual

Antes de seguir hablando sobre la consolidación de la industria del videoclip


es importante revisar la historia de algunas formas de experimentación audio-
visual que ocurrieron en paralelo y que sentaron las bases para que el videoclip
dejara de ser considerado un “género menor” meramente comercial. Cabe
aclarar que las prácticas descritas a continuación tuvieron – salvo contadas
excepciones – poca o nula presencia mediática, por lo que pocas consolidaron
momentos músico-visuales icónicos. Y si bien significaron cierta resistencia

16 Como ocurrió con parte del catálogo de Comrock, sello discográfico independiente – dirigido
por Ricardo Ochoa, Chela Braniff y Juan Navarro – que incluía artistas que hicieron videos que
se transmitieron por televisión, como Kenny y los eléctricos, Ritmo peligroso, Luzbel y Los clips.
17 Siendo Siempre en domingo, programa transmitido desde 1969, uno de los principales espacios
donde se construyeron estos momentos.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 319


con respecto a lo que ocurría en la industria mainstream, hay varios problemas:
existe poca documentación, los registros son escasos y las descripciones tien-
den a tratar lo sonoro superficialmente. Esto complica el identificar momentos
músico-visuales memorables, pues no se llega a saber si la música era original o
no, o si su función era protagónica o secundaria.
De los primeros momentos de experimentación músico-visual en México
se pueden rastrear a Redes (Zinnemann & Gómez Muriel, 1936), donde lo visual
y la música de Silvestre Revueltas conviven de forma poética; así como al mon-
taje propuesto para ¡Que viva México! (1936):

Y así tomamos como motivo para la construcción de nuestro filme, esa


proximidad independiente y contrastante de sus violentos colores: 6 epi-
sodios que se suceden, diferentes de carácter; de gentes, de animales, de
árboles y de flores distintos. Y, sin embargo, unidos entre sí por la unidad
de la trama: una construcción rítmica y musical y un despliegue del espí-
ritu y el carácter mexicanos (EISENSTEIN, 1974, p. 183)

Si bien queda claro que muchas de las prácticas aquí desarrolladas no


tuvieron una intención comercial, valdría la pena recordar que el presente texto
concibe al videoclip como cualquier producto o fragmento audiovisual cuyo eje
de argumentación y montaje parte de una composición o situación musical, cri-
terio vigente para este apartado. Ahora bien, la experimentación audiovisual
tomó una ruta divergente a partir de los sesenta, sobre todo gracias a la colabo-
ración entre varios artistas que mostraron interés por dejar atrás varias conven-
ciones plásticas, teatrales y cinematográficas. Sin embargo, algunos ejemplos
que construyeron situaciones músico-visuales son Magueyes (Gámez, 1962),
cortometraje donde el montaje depende de una pieza de Dmitri Shostakóvich;
y La creación artística: Vicente Rojo, (Gurrola, J. J., 1965), mediometraje en el
que el montaje visual de la obra de Rojo se sincroniza con una pieza musical,
además de otros experimentos visuales como cuando el pintor interviene físi-
camente la cinta dibujando sobre ella varias figuras. (JÁCOME, 2014, p. 290)
Hubo también algunos largometrajes donde la música tuvo un papel central,
tal es el caso de La fórmula secreta (Gámez, 1965), Anticlimax (Gas, 1969) y
Fando y Lis (Jodorowsky, 1968).
Otra vertiente que es importante recuperar es la desarrollada por los supe-
rocheros entre 1970 y finales de los ochenta, pues generaron varias propuestas

320 JULIÁN WOODSIDE


músico-visuales que si bien muchas veces fueron consumidas solamente
por sus conocidos, no dejó de tener propuestas que trascendieron el círculo
cercano de los realizadores.18 Sin embargo, un problema del formato es que
pocas veces se tenía la posibilidad de registrar el audio durante la filmación,
por lo que el sonido se solía agregar a posteriori: los realizadores “se limitaban
a incluir una banda musical en la película” (VÁZQUEZ MANTECÓN, 2012,
p. 17), o tocaban en vivo durante las proyecciones. Un superochero que merece
una mención especial es Sergio García, quien hizo bastante uso de lo musical
para generar situaciones audiovisuales poéticas. Tal es el caso de El fin (1970),
cortometraje que incluía canciones de The Doors, Rolling Stones y Armando
Manzanero (VÁZQUEZ MANTECÓN, 2012, p. 56); Pobre del cantor (1975), que
ilustraba piezas de Pablo Milanés, Margarita Bauche, Silvio Rodríguez y Violeta
Parra;19 y Una larga experiencia (1982), donde aparecen “tomas de mujeres jóve-
nes y roqueras posando ante la cámara, como en un acercamiento de García
a la narrativa del videoclip que por aquellos años comenzaba a difundirse”.
(VÁZQUEZ MANTECÓN, 2012, p. 295) Fue tan importante la aproximación
músico-visual de Sergio García que se consagró como documentalista musi-
cal con cintas como Un toke de rok (1985), Nuestro ángel de la guarda (1994),
Rockdrigo a 10 años / ¿Por qué no me las prestas? (1996) y Una nena como yo no
se toma a la ligera (2003). Además de realizar 11 videoclips. (NÁVAR, 2010)
De igual forma, mucho de lo que se dejó de documentar por televisión con
respecto a la música y lo juvenil durante esas décadas quedó registrado tanto
en la obra de Sergio García como en la de otros realizadores. Tal fue el caso
de Avándaro (Gurrola, A., 1971), Deveras me atrapaste (Pardo, 1984), ¿Cómo
ves? (Leduc, 1985), Sábado de mierda (Rocha, 1988) y Nadie es inocente (Minter,
1987). Por otra parte, a principios de los ochenta empezó a perfilarse una
escena Punk-rock con tintes electrónicos que también haría uso del formato
súper 8, de ahí que Illy Bleeding, vocalista de Size, produjera un video para la

18 Sobre los superocheros resulta fundamental revisar Vázquez Mantecón (2012). La informa-
ción que se desarrolla aquí sobre el tema provino de dicha fuente, así como de fuentes do-
cumentales y comunicaciones personales con el autor (18/05/2016), Ricardo Nicolayevsky
(22/04/2016) y Walter Schmidt (17/05/2016)
19 Vázquez Mantecón (2012, p. 244, nota 76) hace la siguiente aclaración en su libro: “En el curso
de mi investigación no he encontrado más películas en súper 8 que ilustren canciones. Por
aquellos años en otros países, como en España, era muy común hacer cortometrajes que fun-
gían como una especie de precursor del videoclip”.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 321


canción “El diablo en el cuerpo” (ca. 1984), mientas que Ricardo Nicolayevski
realizaría varios cortos experimentales entre 1982 y 1985, los cuales solían pro-
yectarse y musicalizarse en algunas fiestas y presentaciones.20
Otra vertiente que merece comentarios es la desarrollada desde finales
de los setenta por el videoarte, pues obras como Flor cósmica (Weiss, 1977)
marcaron el inicio del uso poético de música y técnicas provenientes de la
televisión y el video como el wipe (o cortinillas de transición), el chroma key
(conocida como pantalla azul o verde) y las saturaciones de color (ZAPETT
TAPIA; AGUILAR CANCINO, 2014, p. 22); recursos que eran utilizados por la
televisión comercial, pero con fines narrativos, desde principios de la década.
Y si bien desde durante los ochenta algunos artistas y colectivos hicieron uso
del video y la música en algunas puestas en escena (ALCÁZAR, 1998, p. 137-
187), no sería sino hasta la segunda Bienal de Video en 1992 que se reco-
nocería al videoclip como categoría artística. (ZAPETT TAPIA; AGUILAR
CANCINO, 2014, p. 35) Más adelante en los noventa, pero sobre todo los
dosmiles, el videoarte mostró un crecimiento exponencial, retomando a su
vez convenciones desarrolladas por el videoclip. Y si bien la mayoría de las
obras se han limitado a museos y galerías, algunos casos han tenido mayor
alcance, tal como ocurrió con el video que Ximena Cuevas hizo para la can-
ción “Corazón sangrante” (1993) de Astrid Hadad, así como buena parte de
los visuales que han acompañado a las presentaciones de música electrónica
desde finales de los noventa.
Finalmente, las tradiciones y ejemplos descritos en este apartado
han influido en la percepción y consolidación de diversas convenciones
músico-visuales. Sin embargo, su impacto ha sido mucho más reducido que el
de exponentes similares provenientes de otros países. Esto tiene que ver con
algunos problemas estructurales dentro de la industria mediática en México,
pero eso es tema para otra investigación. Lo importante es trazar cierta con-
tinuidad dentro de la experimentación audiovisual local que, con el tiempo,
significó la legitimación del videoclip como una forma de expresión creativa.

20 Walter Schmidt y Ricardo Nicolayevsky comentan que desde finales de los setenta se llegó a
proyectar diapositivas o transparencias durante algunas presentaciones en vivo. Sin embargo,
normalmente los foros y los artistas no contaban con los recursos necesarios para que esto
fuera una práctica común.

322 JULIÁN WOODSIDE


El videoclip “de autor”

A lo largo de los ochenta el videoclip logró consolidarse en el imaginario de la


gente, mientras que surgía una industria dedicada a la promoción músico-visual
gracias a las primeras apuestas de músicos, realizadores y productores de tele-
visión. Pero a pesar de que el videoclip seguía siendo un “género menor”, a ini-
cios de los noventa algo cambió: no sólo inició su legitimación como un medio
para desarrollar la creatividad cinematográfica,21 sino que la figura de director
de videos empezó a ser reconocida.
Durante la segunda mitad de la década ocurrieron varias situaciones
coyunturales: hubo apertura mediática al Rock, estimulando la renovación
de aspectos estéticos y discursivos dentro de la producción audiovisual; a la
vez que realizadores provenientes de escuelas de cine se abrieron paso en el
ámbito televisivo y publicitario. Un momento decisivo ocurrió con Águila o
Rock (1989), un programa de televisión que mezclaba entrevistas con presen-
taciones musicales “videocliperas”. En él, nombres de realizadores como Juan
Carlos Colín, Luis Estrada, Miguel Mora, Emmanuel Lubezki y Alberto Cortés
aparecerían a la par de artistas como Caifanes, Cecilia Toussaint, Neón, Jaime
López, Santa Sabina, Fobia, Real de Catorce, Tex Tex, Maldita Vecindad y el
Tri.22 Y si bien estas primeras aproximaciones se dieron en el ámbito televisivo,
marcaron el inicio de varias colaboraciones entre músicos y cineastas, tal como
ocurrió con Ciudad de ciegos (Cortés, 1991), cinta que cuenta con la partici-
pación de integrantes de Caifanes, Santa Sabina y Maldita Vecindad, además
de un momento músico-visual destacado: el cierre con la interpretación de la
canción “Foto finish”.
Para inicios de los noventa la Music Video Production Association pre-
sionó a MTV en Estados Unidos para que pusiera los nombres de los direc-
tores en las plecas de información del video; algo que en 1992 se volvió
realidad. Lo anterior permitió que el público cobrara mayor conciencia del
trabajo de los directores, a la vez que empezó a identificar varios nombres.
Esto fue reproducido en México cuando en 1993 iniciaron transmisiones

21 Algo comentado por cada realizador entrevistado para este proyecto.


22 De hecho Emmanuel Lubezki dirigiría por esas fechas el video de “La negra Tomasa” de
Caifanes.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 323


Telehit y MTV Latinoamérica,23 permitiendo el despunte a nivel latinoameri-
cano de varios nombres durante los noventa e inicios de los dosmiles: Daniel
Gruener, Gustavo Garzón, Leche, Chicle, Fernando Eimbcke, Calabazitaz
Tiernaz (Everardo y Leopoldo Gout), Jorge Aguilera, Javier Aguilera, Oliver
Castro, Nunca Pepe, Ángel Flores, Adolfo Dávila, Carlos Marcovich, Carlos
Somonte, Luis Kelly, Rogelio Sikander, Gregory Allen, Luis Kelly, Juan Carlos
Martin, etcétera.
El videoclip logró reinventarse y diferenciarse de otras prácticas televisi-
vas y cinematográficas a partir de la experimentación con distintos formatos,
técnicas y formas de narración. Esto permitió que varios directores ejercita-
ran su estilo antes de la realización de sus primeros largometrajes. De igual
forma, otros directores que no se desarrollaron en el ámbito del videoclip uti-
lizaron el formato para promocionar sus películas. Este fue el caso de Sexo,
pudor y lágrimas (Serrano, 1999), Amores perros (González Iñárritu, 2000), Y tu
mamá también (2001) y Amar te duele (Sariñana, 2002).24 Fue tal el impacto de
esta práctica que cada vez aparecieron más reconocimientos: si bien los Video
Music Awards de MTV se crearon en 1984, a finales de la década se empezó a
premiar la labor de artistas latinoamericanos mediante categorías como “MTV
Internacional” (1989-1993) y “MTV Latin America” (1994-2002).25 Sin embargo,
sería hasta los dosmiles que esto se diversificaría mediante premios como MTV
Latinoamérica, Pantalla de cristal, Grammy Latino, Oye!, Orgullosamente
latino, Indie-O Music Awards, Telehit y Bandamax; así como con la realización
desde el 2013 de Aullido, una muestra internacional de videoclips que se ha
presentado en distintas ciudades del país.

23 Aparentemente la señal del canal que había sido Con M de música, de Cablevisión, dejó de
transmitirse en 1992. En años posteriores se lanzaron otros dos canales: Ritmoson (1994) y
Bandamax (1996).
24 De hecho se podría decir que el impacto mediático que tuvo el tema principal de la película
de Antonio Serrano, compuesto por Aleks Syntek, marcó el inicio del auge de la industria del
soundtrack en México.
25 También conocido como “Video de la gente”. En 1998 MTV dividió la categoría en “Norte” y
“Sur”; en 2001 agregaría la categoría “Central”, y en 2002 cambiaría las categorías a “North”,
“Pacific” y “Atlantic”. Posteriormente MTV creó otros reconocimientos a artistas latinos desde
sus filial MTV tr3s.

324 JULIÁN WOODSIDE


“Crisis” y reconfiguración de la industria

A partir del auge del MP3 a finales de los noventa, y de la ineptitud de muchos
para adaptarse a los cambios, los dosmiles significaron una crisis para los mo-
delos que la industria discográfica había consolidado en las décadas anteriores.
Al mismo tiempo, los desarrollos tecnológicos obligaron a los medios musica-
les a explorar otras formas para atraer al público: aparentemente la televisión
musical “llegaba a su fin”.
Resulta interesante que el 2005, año en que surge YouTube, coincide con
el momento en que algunas televisoras como MTV deciden modificar el diseño
de las plecas de los videos, omitiendo en el proceso el nombre de los directores.
Si bien algunos de los testimonios obtenidos durante esta investigación aluden
a meras cuestiones estéticas o de desidia, otros sugieren que detrás hubo posi-
blemente razones económicas, pues esto limita el que los directores exijan a las
televisoras o a las disqueras cierto tipo de remuneración por la retransmisión
de sus videos.26 De igual forma, otro cambio ocurre en el 2010, cuando MTV
como marca dejó de llamarse Music Television, manteniendo la intención de
crear contenidos para jóvenes, pero reconociendo que el consumo músico-vi-
sual estaba siendo capitalizado por Internet.
Entonces, ¿por qué hablar de una supuesta “crisis”? Porque si bien la
influencia de las televisoras ha disminuido, y la industria discográfica se ha
tenido que reconfigurar, en ningún momento se ha dejado de hacer videoclips.
De hecho el ímpetu del “hazlo tu mismo” que ha acompañado a las herramien-
tas digitales ha abierto nuevas posibilidades – no sólo creativas, sino también
de distribución y de consumo – para los videoclips. Hoy día ya no se está a
expensas de los criterios y censura de una televisora para hacer llegar una pro-
puesta músico-visual al público. Al mismo tiempo, la disminución del control
ha permitido que los realizadores exploren formas un poco más arriesgadas,
mientras que la oferta se ha diversificado ya que no se depende de los canales y
de las disqueras para generar contenidos desde distintos frentes.

26 Lo mismo pasa con Internet: los directores no ven ganancias por la reproducción digital de sus
videos: se les paga por realizar el video, pero los derechos patrimoniales, y por lo tanto todas
las ganancias, son para la disquera. Si bien depende de las cláusulas que se establecen entre el
director del video y la disquera y/o el artista, fue exactamente ese autoritarismo el que motivó
a la Music Video Production Association a presionar para que aparecieran los nombres en los
videos a inicios de los noventa.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 325


La industria Pop mantiene un modelo tradicional promocionando con
videos los sencillos de un artista, pero arriesgando poco y reduciendo cada
vez más sus presupuestos. Por su parte, la Banda y géneros afines han crecido
vertiginosamente, apropiándose de la estética y narrativas que consolidaron
a las grandes estrellas internacionales de los ochenta y noventa, a la vez que
implementa innovaciones tanto visuales (como plano secuencias y técnicas de
edición), como temáticas (relaciones homosexuales, situaciones humorísticas e
imaginarios ajenos a lo que normalmente se asocia con el género).27 Finalmente,
la música popular alternativa ha explorado otras dinámicas donde la creativi-
dad, y no la comercialización, ha sido el principal motor, dando mayor peso al
contenido, lo estético y la experimentación. La visibilización de las propuestas
independientes, algo que faltó durante las décadas anteriores, ha permitido
identificar piezas músico-visuales que están al nivel de cualquier propuesta
experimental dentro de la historia y presente del videoclip a nivel internacio-
nal. Al mismo tiempo, las herramientas de creación y edición audiovisual han
permitido que el público en general realice, con mayor facilidad, sus propias
interpretaciones visuales de canciones y fragmentos musicales, expandiendo
así las posibilidades expresivas.
Finalmente, empiezan a apuntalarse algunos nombres de directores como
Rodrigo Guardiola, León Larregui, Beto Hinojosa, Benjy Estrada, Pablo Dávila,
Daniel Patlán, Tino de la Huerta, Txema Novelo, Sofía Garza-Barba, René de
la Rosa, Julio Carlos Ramos Zapata, Rubén Ímaz, Silvia Tort, Yulene Olaizola,
Katina Medina, Alberto Celis, Eduardo Ancer y Manuel Gayosso, éste último
como parte de la renovación de las propuestas músico-visuales originadas en
la música Banda.

A manera de conclusión

La historia del videoclip en México, como se ha revisado de forma sintética


en el presente texto, se puede rastrear a los orígenes mismos de la cinemato-
grafía local. Sin embargo, su devenir y consolidación ha implicado un diálogo

27 Ha sido tal el auge de los videoclips de Banda que se venden DVDs piratas que incluyen dece-
nas de ellos junto con algunas versiones de karaoke.

326 JULIÁN WOODSIDE


constante con formatos y convenciones desarrollados en otros medios, a la vez
que ha repercutido estética discursivamente en ellos.
La tecnología ha tenido mucho que ver con este proceso: desde la apari-
ción del sonido sincrónico, el cual permitió la configuración de los primeros
momentos memorables, pasando por la reproductibilidad y recontextualiza-
ción que significó la cinta magnética, y la diversificación mediática y creativa de
las plataformas digitales. Sin embargo, la construcción y apropiación de situa-
ciones músico-visuales memorables ha sido el principal factor para la consoli-
dación del videoclip como formato autónomo. Y si bien es innegable que los
intereses comerciales han tenido un peso importante en la conformación de la
industria a su alrededor, éstos han sido consecuencia del impacto que los proce-
sos sincrésicos entre imagen y sonido tienen en el espectador, así como la forma
en la que varias obras capitalizaron creativa, estética y mediáticamente diversas
situaciones donde música, imagen y performatividad se volvieron indisociables.
Hablar de videoclip implica hoy día cualquier momento músico-visual que
pueda ser reproducido una y otra vez, impactando en la memoria colectiva.
Desde sus inicios ha servido para que realizadores ejerciten y experimenten
con distintas formas audiovisuales. Pero así como ha tomado de muchas prác-
ticas que existían desde antes, también ha impactado en éstas y otras que han
surgido desde entonces. Hablamos, finalmente, de distintas formas de expre-
sión en las que las convenciones de un lenguaje audiovisual se consolidan a
través de distintos medios. Pero también hablamos de cómo en ocasiones lo
sonoro, lo visual y lo performativo se vinculan tanto con fines comerciales,
como poéticos, expresivos o de mero entretenimiento.

Referencia

AGUSTÍN, J. Tragicomedia mexicana 3: la vida en México de 1982 a 1994. México, DF:


Grupo Editorial Planeta, 2007.
ALCÁZAR, J. La cuarta dimensión del teatro: tiempo, espacio y video en la escena
moderna. México, DF: Instituto Nacional de Bellas Artes, 1998.
AURRECOECHEA, J. M. El episodio perdido: historia del cine mexicano de animación.
México, DF: Cineteca Nacional, 2004.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 327


BERMÚDEZ, M. R. Animación: una perspectiva desde México. México: UNAM:
Centro Universitario de Estudios Cinematográficos, 2007.
BOLTER, J. D.; GRUSIN, R. A. Remediation: understanding new media. Cambridge:
MIT Press, 2000.
CHION, M. Audio-Vision: sound on screen. New York: Columbia University Press,
1994.
DALLAL, A. La danza en México en el siglo XX. México, DF: Consejo Nacional para la
Cultura y las Artes, 1994.
DE LOS REYES, A. La música en el cine mudo. Anales del Instituto de Investigaciones
Estéticas de la UNAM, México, DF, v. XIII, n. 51, p. 99-124, 1983.
DE LOS REYES, A. Medio siglo de cine mexicano (1896-1947). México: Trillas, 1988.
EISENSTEIN, S. M. El sentido del cine. México, DF: Siglo XXI, 1974.
FLORES Y ESCALANTE, J.; DUEÑAS, P. Un siglo de cantantes en el cine mexicano
[Notas del folleto]. In: Un siglo de cantantes en el cine mexicano [CD]. México, DF:
Asociación Mexicana de Estudios Fonográficos: A.C.: BMG Entertainment México,
2001.
FLORES Y ESCALANTE, J.; DUEÑAS, P. Del cine a la sinfonola [Notas del folleto].
In: Del cine a la sinfonola [CD]. México: Asociación Mexicana de Estudios
Fonográficos: A.C.: BMG Entertainment México, 2002.
HIGGINS, D. Sinestesia e intersentidos: la intermedia (con un apéndice de Hannah
Higgins). In: HIGGINS, D. (Breve) Autobiografía de la originalidad. México:
CONACULTA: Tumbona Ediciones, 2015. p. 23-43.
IZZI. Wikipedia, [2016]. Disponible en: <https://es.wikipedia.org/w/index.
php?title=Izzi_Telecom&oldid=91054069>. Acceso en: 14 mayo 2016.
JÁCOME, C. A. Trayectos y ensamblajes. In: EDER, R. (Ed.). Desafío a la estabilidad:
procesos artísticos en México, 1952-1967. México, D.F.: Universidad Nacional
Autónoma de México; Madrid: Turner, 2014. p. 284-295.
LOZANO, E. El arte de engañar: cuando el fondo es forma. Alquimia, [México, DF],
ano 19, n. 55, p. 70-80, 2015.
LOZANO, E. Películas psicodélicas. In: EDER, R. (Ed.). Desafío a la estabilidad:
procesos artísticos en México, 1952-1967. México, DF: Universidad Nacional
Autónoma de México; Madrid: Turner, 2014. p. 188.
MCLUHAN, M. Understanding media: the extensions of man. New York: Mentor,
1964.

328 JULIÁN WOODSIDE


MEJÍA BARQUERA, F. Del Canal 4 a Televisa. In: SÁNCHEZ DE ARMAS, M. A. (Ed.).
Apuntes para una historia de la televisión mexicana. México, DF: Espacio 98: Revista
mexicana de comunicación, 1998. p. 19-72.
MIRANDA LÓPEZ, R. Del quinto poder al séptimo arte: la producción fílmica de
televisa. México, DF: CONACULTA: Cineteca Nacional, 2006.
MORENO GAMBOA, O. Una cultura en movimiento: la prensa musical de la ciudad
de México (1860-1910). México, DF: Universidad Nacional Autónoma de México:
Instituto Nacional de Antropología e Historia, 2009.
NÁVAR, J. X. El rock mexicano pierde a un profeta. El Universal, [S. l.], 2010.
Disponible en: <http://www.eluniversal.com.mx/espectaculos/100599.html>. Acceso
en: 14 mayo 2016.
RAMÓN, D. Sensualidad: las películas de Ninón Sevilla. México, DF: Universidad
Nacional Autónoma de México, 1989.
ROSAS, A. 200 años del espectáculo: Ciudad de México. México, DF: Trilce: Océano,
2010.
RUELAS ESPINOSA, E. Historia del arte escénico: a través de siglos, épocas y edades.
México, DF: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012.
SEDEÑO VALDELLÓS, A. M. La relación musicovisual en el videoclip: propuestas
metodológicas y tipología. In: AGUILERA, M.; PITARCH, J.-E. A.; SEDEÑO
VALDELLÓS, A. M. (Ed.). Comunicación y música I: lenguaje y medios. Barcelona:
UOC, 2008. p. 121-140.
VÁZQUEZ MANTECÓN, A. El cine súper 8 en México, 1970-1989. México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2012.
VIÑAS, M. Historia del cine mexicano. México, DF: Coordinación de Difusión
Cultural: Dirección de Actividades Cinematográficas UNAM, 1987.
WESTGEEST, H. Video art theory: a comparative approach. Hoboken: Wiley
Blackwell, 2016.
ZAPETT TAPIA, A.; AGUILAR CANCINO, R. Videoarte en México: artistas nacionales
y residentes. México, DF: Instituto Nacional de Bellas Artes y Literatura, 2014.

El videoclip musical en México: esbozos de una historia 329


PARTE 3
ESTUDIOS DE CASO: SIGLO XX
Solamente vos
o musical invade o horário nobre
da televisão argentina

ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS

Introdução

As telenovelas vêm sendo, há muitos anos, os produtos culturais televisivos mais


importantes da América Latina. No entanto, o sucesso de audiência de produtos
televisivos tem se tornado cada vez mais um objetivo difícil de alcançar. A pro-
fusão de canais, abertos e fechados, e a crescente oferta de conteúdos dispo-
nibilizados e produzidos pelas novas plataformas digitais por meio da internet
vêm gradativamente acirrando a disputa por audiência. Por outro lado, muitas
produções e conteúdos televisivos deslizam para essas novas plataformas, resig-
nificando a própria condição. Nesse contexto contemporâneo de concorrência e
convergência das mídias, analisar a forma como algumas produções televisivas e,
em especial, algumas telenovelas alcançam o êxito de público pode ajudar a com-
preender as novas e movediças relações que se estabelecem entre os espectadores
e tais produções por meio de antigas e novas mídias.
Sob essa perspectiva, proponho a análise da conformação audiovisual
e midiática que resultou no sucesso de audiência alcançado pela telenovela
argentina Solamente vos (2013). A primeira questão elencada neste sentido é o
fato de ser uma comédia familiar com elementos de comédia romântica, con-
figuração que é analisada na relação que estabelece com a tradição de sucesso
desses gêneros no audiovisual argentino, que se intensifica na contemporanei-
dade. A isso se soma a proposição central e norteadora deste trabalho, que diz
respeito à presença marcante na telenovela de elementos e repertórios advin-
dos do musical, que se desvela como um gênero popular do audiovisual argen-
tino. A meta popular da produção anunciada por esses gêneros é reforçada
ainda pelo elenco de estrelas da televisão e pela escolha de canções e intérpre-
tes muito conhecidos na Argentina e nos países hispânicos. Além disso, a pro-
eminência da música em múltiplas instâncias na produção revela uma estreita
relação entre a indústria audiovisual e a fonográfica.
A perspicácia para essa feliz combinação dos gêneros comédia e musical
no formato de uma telenovela se deve a Adrian Suar, produtor e protagonista
da obra, e decorre de sua extensa, sólida e produtiva trajetória na indústria
audiovisual argentina. As escolhas e decisões que levaram à configuração de
Solamente vos como uma comédia romântica musical de sucesso estão, então,
intimamente ligadas à carreira e às escolhas profissionais de Suar, atualmente
consolidado como um astro da comédia e um Midas da indústria do entrete-
nimento no país.
Este texto busca, então, desvelar e analisar algumas das combinações,
arranjos e estratégias de elementos culturais, artísticos, midiáticos e mercado-
lógicos que fizeram de Solamente vos e seus conteúdos um êxito na televisão e
na internet.

Solamente vos: uma produção para toda a família

Em 21 de janeiro de 2013, estreava na Argentina, pelo canal de televisão El


trece,1 da Rede Clarín, a telenovela Solamente vos, que ficaria no ar de segunda

1 O canal de televisão de Buenos Aires El trece foi fundado em 1960 e, desde 1989, passou
a ser propriedade do Arte Radiotelevisivo Argentino (Artear), vertente do Grupo Clarín de-
dicada à produção e à emissão de vários canais de televisão. Em 2009, foi lançado El trece

334 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


a sexta-feira, às 21h30, horário nobre da programação televisiva aberta, por
exatamente um ano. Produzida pela Pol-ka Producciones, maior produtora de
conteúdo audiovisual ficcional televisivo do país, a telenovela foi um sucesso
nacional de audiência, sendo a ficção televisa mais assistida de 2013. Foi reco-
nhecida pela crítica com três prêmios Martín Fierro, premiação mais impor-
tante para os produtos televisivos da Argentina, atribuída pela Asociación de
Periodistas de Radiodifusoras y Televisión de la Republica Argentina (APRTA)
nas categorias: Melhor Ficção Diária, Melhor Ator Protagonista de Comédia e
Melhor Atriz Protagonista de Comédia. Escrita por uma equipe autoral inte-
grada por Daniel Cúparo, Mario Segade, Marta Betoldi e Lily Ann Martin; di-
rigida por Claudio Ferrari e Rodolfo Antúnez, sob a produção geral de Adrián
González, todos os 230 capítulos da telenovela estão atualmente disponíveis
na página oficial do Canal Eltrece no YouTube.
Solamente vos foi lançada com uma grande campanha de marketing alicer-
çada nos nomes famosos do elenco e encabeçada pela chamada: “una comédia
para toda la família”. A trama da telenovela segue a estrutura narrativa de uma
comédia romântica: um homem e uma mulher se apaixonam e passam por
muitos encontros e desencontros, até que, ao final da história, o amor supera
as adversidades e o casal finalmente termina junto. A temática leve de um pro-
duto televisivo para toda a família e o elenco composto por estrelas adultas e
juvenis da televisão e do cinema do país – Natalia Oreiro (1977), Muriel Sant
Anna (1970), Juan Minujín (1975), Claudia Fontán (1964), Lali Espósito (1991) e
Eugenia Suárez (1992) –,2 encabeçado pelo ator e produtor Adrián Suar (1968),
ao qual se somaram as participações especiais de vários astros da música his-
pânica, foram fundamentais para o êxito da telenovela. Os números musicais,
uma inovação para o gênero telenovela, coestrelados pelos intérpretes das can-
ções, consolidaram a relação de sucesso entre o público e a narrativa. A ideia
inovadora de inserir os números musicais à trama foi do produtor e protago-
nista da série, Adrián Suar.

internacional, uma plataforma de negócios internacionais para difundir a produção do canal e


da Artear na América e na Espanha.
2 Espósito e Suárez integraram o elenco do sucesso juvenil Casi Ángeles, produção da Telefe
que esteve no ar de 2007 a 2010, e também fizeram parte da banda pop juvenil Teen Angels,
formada a partir da telenovela.

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 335


Solamente vos conta a história do encontro fortuito e inusitado de um
músico erudito, Juan Cousteau, interpretado por Adrián Suar, e uma cabelei-
reira, Aurora Andrés, interpretada por Natalia Oreiro. Ele acaba de se separar
da “Polaca”, interpretada por Muriel SantAna, com quem tem cinco filhos,
cujas idades variam dos 20 aos 7 anos; e, para piorar a situação, foi demi-
tido da função de maestro da maior orquestra da cidade. Nesse momento de
crise, Juan é ajudado pelo amigo Felix Month, interpretado por Juan Minujín,
que nos anos 1980 integrava com ele uma boyband e que lhe empresta um
apartamento mobiliado para que possa reorganizar sua vida. É essa mudança
que irá aproximar Juan de Aurora, sua vizinha no edifício e, para complicar,
a amante de Felix à espera de sua separação de Michele, interpretada por
Claudia Fontán, para que possam assumir seu relacionamento. As desven-
turas de ambos os protagonistas e a proximidade espacial acaba os apro-
ximando, e eles terminam por se envolver um com os problemas do outro.
Como era de se esperar, apaixonam-se. Toda a trama, que se desenvolve em
torno do casal e das relações familiares implicadas na luta para ficarem jun-
tos, é atravessada por números musicais.
Mas Solamente vos não foi a única ficção televisiva argentina de 2013 a
incluir em suas narrativas números musicais, recurso até então não muito uti-
lizado pelos programas televisivos argentinos para adultos. A telenovela Los
vecinos en guerra (de segunda a quinta-feira, às 21h30), protagonizada pelo can-
tor Diego Torres, e a série Qitapenas (de terça a quinta-feira, às 21h) também
colocaram a música em primeiro plano na narrativa. Ambas as obras, realizadas
por produtoras independentes, foram veiculadas pelo Canal Telefe, concor-
rente direto do Canal Eltrece.3
Mas se os números musicais não eram algo comum nas narrativas televisi-
vas até então, tampouco eram uma novidade. Ainda no final da década de 1990,
Son o se hacen, dirigida por Diego Kaplan e exibida pelo Canal 9; mais recen-
temente, Para vestir santos (2010), produzida pela Pol-ka, dirigida por Daniel
Barone e exibida pelo Canal Eltrece; e Graduados (2012), exibida pelo canal
Telefe, já davam protagonismo narrativo à música. Por outro lado, a inserção

3 Atualmente, Eltrece divide a liderança de audiência com o Canal Telefe, propriedade da


Telefonica da Argentina, que durante muitos anos esteve isolado na liderança. A competição
entre os dois canais, que se acirrou, foi um dos fatores que impulsionou o desenvolvimento da
programação da televisão aberta no país.

336 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


de números musicais, tão recorrentes em narrativas televisivas para público
juvenil – como as produções latino-americanas Rebeldes e Violeta, ou ainda o
sucesso estadunidense Glee –, foi uma novidade para as narrativas televisivas
multitarget (para toda família).
Dentre as três obras, Qitapenas foi a que mais se comprometeu com o
gênero musical, uma vez que – diferentemente de Solamente vos e Los veci-
nos en guerra, nas quais os números musicais complementam a narrativa – a
música constrói a narrativa através da voz e do corpo dos atores, que cantam e
dançam. Como explica a autora da série, Adriana Lorenzo, que foi produzida
antes de Solamente vos, mas estreou depois:

La idea es que funcionen como parte de la trama e, incluso, como parte


de algunos textos. Digamos que en algunas escenas los textos en lugar de
estar dialogados, están cantados con canciones que todo el mundo cono-
ce. El ejemplo típico sería una discusión amorosa pero cantada con una
canción de Pimpinela. (RESPIGHI, 2013)

Assim, já no primeiro capítulo da série, Toni Qitapenas, interpretado por


Miguel Ángel Rodríguez, se apresenta para os espectadores falando e cantando
sobre a relação de sua família, os Qitapenas, com a música:

Dicen, que quien canta, los males espanta. Y en nuestra familia, todos
cantamos [personagem/ator canta o trecho de uma ária]. Mi nombre es
Antonio Qitapenas. Toni, como me dicen los amigos. [...] Y para nosotros,
los Qitapenas, cantar, es lo que nos permite ser felices unidos y, sobreto-
do, alegres. (QITAPENAS, 2013)

A narrativa era embalada por músicas famosas, escolhidas pela sintonia


da letra com a situação da cena, que eram cantadas e dançadas pelos per-
sonagens. Lorenzo explicou a motivação que a levou a pensar em escrever
um musical:

A partir [...] de que otros productos del estilo funcionaron en el mundo y


también de cierta tendencia a incluir musicales, aun en los dramas, es que
surge la idea de hacer una comedia musical familiar. En géneros como el
juvenil existe desde hace años, pero pocas veces se intentó en un producto
multitarget o para toda la familia. (RESPIGHI, 2013, grifo nosso)

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 337


Além dos números musicais que transformaram as músicas em outro pro-
tagonista, Solamente vos, Qitapenas e Los vecinos en guerra se aproximam ainda
pelo fato de serem comédias. Conforme os índices de audiência da Argentina,
as ficções de humor foram as campeãs de público no horário noturno em 2013,
sobretudo nos canais líderes. “Un estudio de la agencia de medios Mediacom
Insight indica que los programas de humor continúan pisando fuerte en el
gusto del público local”. (MARÍN, 2013) Então, podemos afirmar que, em 2013,
o musical invadiu o horário nobre da televisão aberta argentina em sua vertente
mais popular, a de comédia musical.

A comédia como receita de sucesso

Mas o fato de as produções Solamente vos, Los vecinos en guerra e Qitapenas,


que competiam diretamente na mesma faixa de horário por audiência, se-
rem comédias não é mero acaso. As três narrativas correspondem a um tipo
bem específico de humor: a comédia branca (comedia blanca), que vem se
consagrando como gênero de sucesso junto aos espectadores argentinos. O
surgimento do gênero remonta ao processo de transformação da comédia
argentina, que começa no teatro e se expande para o cinema e para a tele-
visão: de uma estrutura da comédia de raiz popular (popularesca) teatral a
uma comedia asainetada,4 passando pela coexistência das comédias pastelão
(astracanadas) e das comédias sofisticadas/de classe média,5 bem como pelo
contraste entre as comédias de costumes (costumbristas) e as comédias de
ingênuas (de matriz hollywoodiana) do período clássico do cinema argenti-
no. Por apresentarem a família como núcleo norteador de suas narrativas, os
subgêneros comédia sofisticada e comédia de ingênuas podem ser unificados

4 Comedia asainetada remete ao gênero teatral espanhol sainete: peça breve, geralmente de um
ato, que se apresentava entre ou ao final da peça teatral principal, abordando temas humorísti-
cos e populares com forte presença “de costumes”. Na Argentina, a transculturação do gênero
deu origem ao chamado sainete criollo, que voltava seu olhar para os costumes das classes
populares, principalmente, advindos dos cortiços, onde vivia a maioria dos imigrantes italianos,
e agregou aos elementos humorísticos do gênero um conflito sentimental e uma ação trágica.
5 Comédia sofisticada possui uma estrutura um pouco “mais sofisticada”, destinada à classe mé-
dia e, por conseguinte, focada na classe média, que por esses motivos é também referida como
comédia de classe média.

338 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


em um gênero mais amplo: o da comédia familiar, que apresenta um mode-
lo idealizado e otimista da família “como la panacea que resuelve y ordena
todos los conflictos” (BERARDI, 2006, p. 89 apud KELLY HOPFENBLATT,
2012, p. 4), capaz de superar e vencer todos os obstáculos que surjam em seu
caminho. Octavio Gentino (2016, p. 36), falando a respeito do crescimento
do cinema argentino em seus momentos de auge, destaca a comédia do pe-
ríodo clássico como:

un cine abiertamente burgués para consumo de las clases altas y medias,


conformado por comedias almibaradas, ingenuas protagonistas y escena-
rios fastuosos nacidos a partir del ‘37. […] Una de las expresiones más des-
tacadas de este cine de ‘teléfonos blancos’6 y de actrices ‘ingenuas’ (como
las ‘mellicitas’ Legrand y María Duval) fue Los martes orquídeas.

Na década de 1950, em consonância com a produção hollywoodiana, o


cinema argentino investe na screwball comedy, gênero que dará origem à comé-
dia romântica, também um tipo de comédia familiar que, assim como as ante-
riores, tem como temática a nova classe burguesa argentina.
Pensando nas transformações da comédia enquanto importante gênero
audiovisual argentino, não se pode omitir seu triste papel na década de 1970,
uma vez que, sob a repressão e a censura do governo militar, que investia no
cinema apenas como atividade comercial, a produção cinematográfica argen-
tina estava, como destaca Getino (2016, p. 36):

dominada por insípidos y aculturizantes filmes ‘musicales’ o subdesar-


rolladas y groseras imitaciones de un cine ‘erótico-humorístico’ [...] co-
medias ligeiras: filmes con cantantes de moda, y otros de humor grueso
destinados a dar una imagen deplorable del país.

Na década de 1980, houve, por parte de algumas produtoras, investi-


mento em comédias de um humor mais “popular” com forte apelo televisivo,
trazendo humoristas da televisão para o cinema, e com pitadas de erotismo,
focado, principalmente, na exibição do corpo feminino. Exemplo notório é a

6 “Cine de telefonos blancos”: expressão criada para referir às comédias italianas inocentes de
entretenimento fácil propagadas durante o governo fascista de Mussolini, da qual Getino se
apropria para qualificar as comédias argentinas desse período.

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 339


saga de filmes protagonizados pelas Brigada Z, que resultaram em alguns gran-
des sucessos de bilheteria, como Los bañeros más locos del mundo (1987), filme
nacional de maior bilheteria nesse ano.
Em paralelo a isso, a comédia branca foi ganhando força como uma pro-
dução para toda a família e destinada à classe média, transformando-se, atual-
mente, em um dos produtos mais lucrativos da indústria audiovisual argentina
contemporânea. Marina Sikora (2016, p. 191) reflete sobre a autorreferenciali-
dade da comédia branca que remete:

[...] a un mundo conocido por el espectador, padres, hijos, novios, esposas


y esposas que funcionan adaptándose a una vida burguesa que en última
instancia no se cuestiona y cuyas inconveniencias se suavizan viviendo un
modelo de vida establecido por las convenciones de la comedia blanca que
se dejan ver en el cine y en el teatro.

Apesar de Sikora (2016) não referir, a comédia branca (comédia familiar) é


igualmente um gênero de sucesso na televisão argentina. E, não por acaso, há
uma ligação direta entre esses três campos: teatro, cinema e televisão – e penso
que as produções específicas para a internet já começam também a interagir
nesse sistema –, principalmente em relação aos gêneros e aos atores que circu-
lam entre todos os veículos, expandindo o sucesso obtido em uma linguagem
para outra.
Essa relação entre a televisão e o cinema, que fica evidente no sucesso
das comédias estreladas por astros televisivos, é questão controversa, seja
no âmbito da crítica, da produção ou da recepção. Para Mex Faliero, um dos
produtores do Festival Internacional de Cine de Comedia (Funcinema), o que
prejudica o cinema de comédia argentino é justamente estar norteado pela
produção televisiva do país,

por el imaginario que construyen las tiras de Pol-Ka o Telefé (nuestro pú-
blico es muy televisivo, en el mal sentido). Y es un humor paternalista, cos-
tumbrista, grotesco, muy pobre desde un aspecto formal. Y ni qué decir
desde un aspecto reflexivo o político. (FALIERO, 2014)

Estrela de muitas comédias, Natalia Oreiro tem uma visão muito perspicaz
do sucesso do gênero e de seu papel como produto do mercado audiovisual:

340 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


Las películas dramáticas o con compromiso tienen más llegada en los
festivales y está bien, es una promoción necesaria porque no tienen la
masividad de una comedia. Las comedias son más fáciles de promocionar,
la gente está más dispuesta a ir al cine, son más comerciales. La palabra
comercial es justa porque los productores invierten y quieren recuperar el
dinero para filmar otra. (RODRÍGUEZ, 2011)

E quando a essa receita agregamos elementos da comédia romântica, uma


história de amor cheia de contratempos engraçados, mas que o espectador já
sabe que terá um final feliz, o sucesso está quase garantido. E somando-se a
isso a presença de astros da televisão, o trabalho de um bom diretor e de uma
equipe técnica competente e a escolha de uma boa e popular trilha sonora,
parece não haver escapatória para o espectador. Assim, não é por acaso que
muitos dos recentes sucessos, tanto na televisão quanto no cinema argentino,
tenham sido comédias, com destaque a comédias românticas.

A telenovela argentina contemporânea

Conforme Jesús Martín-Barbero (1987), foi através da “sintaxe audiovisual”


difundida pela televisão, que teve seu auge na década de 1970, quando pas-
sou a atingir todas as classes sociais, que começou a integração das massas na
modernidade latino-americana. Tal integração resultou em importantes modi-
ficações de hábitos e opiniões, que revitalizaram o espaço doméstico e colabo-
raram para a homogeneização cultural.
No contexto televisivo, a telenovela é, com certeza, o produto mais legítimo
junto às audiências da América Latina e também o que alcança o maior êxito
comercial. Como já destacado por Martín-Barbero, a telenovela está deixando
de ser um entretenimento dedicado às donas de casa, passando a competir com
grandes produções internacionais por audiência, se convertendo em um

producto económicamente importante por la inversión publicitaria que


allí se hace y los resortes de desarrollo industrial que moviliza, política-
mente significativa porque cada día un mayor número de personas y sec-
tores la ven como un espacio de intervención y culturalmente ofrece un
campo fundamental para la introducción de hábitos y valores. El tomar la
telenovela como un lugar en el que se manifiestan cambios importantes

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 341


que atañen a la industria cultural de América Latina permite ‘tomar el
pulso’, desde un producto concreto, a las relaciones entre cultura, comu-
nicación y una sociedad. (MARTÍN-BARBERO, 1987)

É inegável a forte presença e a influência da televisão na vida e na cultura


da Argentina, de maneira especial através das narrativas ficcionais televisivas
como a telenovela, sendo essa relação uma característica recorrente em países
latino-americanos. A telenovela tem importância econômica, social, estética
e cultural como produto nacional dos países da América Latina. Para Marta
Raimondi (2011, p. 6), “[...] la telenovela es uno de los pocos ámbitos mediáti-
cos que guarda cierto margen de autonomía con respecto a la predominancia
del modelo estadounidense y europeo”.
O início da telenovela argentina foi influenciado pelo teatro popular
argentino, em especial pela comédia contumbrista. Dela, foram levados para
a tela: os personagens portenhos, imigrantes europeus ou advindos do inte-
rior; protagonistas femininas que lutam para se impor; os cenários, o bairro, o
pátio, o bar, a cozinha, as paisagens urbanas; a linguagem coloquial, o voseo7 e
as gírias, muitas das quais advindas do lunfardo.
No início da década de 1990, conforme Nora Mazziotti e colaboradores
(2008), a crise econômica da Argentina, associada ao sucesso das telenovelas na
América Latina, resultou na emergência de coproduções. Obras transnacionais
que realizavam o apagamento das marcas identitárias, principalmente em rela-
ção à linguagem, dando preferência ao espanhol neutro, sem a utilização do
voseo ou de expressões e gírias “argentinas”. Mas, com o fim dos investimentos
econômicos estrangeiros, em meados da década de 1990, há um deslocamento
dos canais de produção e surgem as produtoras independentes de conteúdo
televisivo, que irão arcar com os riscos da produção.
Em 2003, a telenovela Resistiré, exibida pelo Telefe, foi um marco na tele-
dramaturgia contemporânea do país, apresentando um herói que toma a jus-
tiça em suas mãos para enfrentar a máfia do tráfico de órgãos humanos. Após o
sucesso de Resistiré, o Telefe investiu em outras novelas que abordaram temá-
ticas sociais e que rearticularam o modelo do melodrama argentino. Quanto à
relação entre a música e a narrativa, ou melhor, entre o mercado audiovisual

7 “Voseo”: uso do pronome “vos” como forma de tratamento, recorrente nos países platinos
Argentina e Uruguai.

342 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


televisivo e o fonográfico, a cortina musical de Resistiré, interpretada pelo
grupo AQM, e o tema “Down with my baby”, interpretada por Kevin Johansen,
que faz parte da trilha sonora da produção, chegaram ao topo das paradas
de sucesso. No entanto, esse modelo de melodrama mais realista e engajado
em questões sociais controversas, diretamente influenciado pelas telenovelas
brasileiras importadas pelo país, foi aos poucos dando lugar a outro tipo de
entretenimento mais “leve” e multitarget.
A partir da primeira década do século XXI, houve um deslizamento das
telenovelas argentinas para o humor, principalmente para o da comédia branca,
direcionado à família, produto de entretenimento cada vez mais reconhecido
como de preferência do público argentino seja na televisão, no cinema ou no
teatro. Solamente vos é, então, um resultado perfeito da receita audiovisual
argentina contemporânea de sucesso, uma vez que agrega ao humor familiar
da comédia branca repertórios da comédia romântica, transformando a narra-
tiva em uma comédia romântica familiar, à qual foram adicionados irresistíveis
números musicais.

Adrián Suar: o Midas do audiovisual argentino

Por trás do sucesso de Solamente vos, está, com certeza, o trabalho do produtor
e protagonista da telenovela, Adrián Suar. Filho de argentinos que viviam nos
Estados Unidos, Suar nasceu em Nova York, em 1968, indo com a família para
a Argentina em 1970. Sua carreira na televisão iniciou aos 13 anos, em 1981,
na série El papá de los domingos. A partir de então, atuou em várias produ-
ções televisivas, desenvolvendo uma grande percepção comercial em relação
ao espectador argentino e à produção audiovisual. A carreira de produtor foi
desenvolvida em paralelo à carreira de ator.
Em 1994, Suar fundou, conjuntamente com Fernando Blanco, a Pol-ka
Producciones, para realizar o piloto da série Poliladron: una historia de amor
(1995-1997), apostando em um produto diferenciado para a televisão, que ele
próprio ofereceu a vários canais até conseguir vendê-lo para o Canal Eltrece.
Permanecendo dois anos no ar, Poliladron é atualmente reconhecida como um
ponto de virada na produção televisa argentina. Toda a equipe técnica da pro-
dutora envolvida na produção da série advinha da produção cinematográfica,

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 343


imprimindo uma perspectiva mais sofisticada à linguagem audiovisual da nar-
rativa, por exemplo, explorando de maneira até então não usual na televisão,
os planos e os travellings.8
O cuidado cinematográfico de Suar com a produção televisiva resultou
na sofisticação da linguagem de seu produto, que o diferenciava da produção
“massiva” e apressada realizada até então. A série, que pode ser definida como
um policial-romântico com elementos de comédia, tinha como protagonista o
próprio Suar, no papel de Gustavo “el Nene” Carrizo, um ladrão vigarista, sim-
pático e carismático que termina por envolver-se amorosamente com a poli-
cial Verónica Vega, interpretada por Laura Novoa. A consagração da série foi
corroborada com os prêmios Martín Fierro, nas categorias: Melhor Programa
Unitário; Melhor Produção Integral de TV; Melhor Autor para Leonardo
Bechini e Oscar Tabernise; Melhor Ator Coadjuvante para Osvaldo Santoro; e
Melhor Cortina Musical para Lito Vitale.
Em 1990, já com alguma experiência da televisão, Suar participou do
longa-metragem de horror Charly, días de sangre, que foi lançado apenas e
diretamente em VHS. Sua estreia no cinema acontece, em 1997, como o poli-
cial Guillermo Parodiem em Comodines, filme realizado pela Pol-ka e dirigido
por Jorge Nisco, que havia sido um dos diretores de Poliladron. Desde 2003,
Suar tem sido o protagonista recorrente dos longas-metragens produzidos pela
Pol-ka e Patagonik Film Group: El día que me amen (2003), dirigido por Daniel
Barone; Un novio para mi mujer (2008), dirigido por Juan Taratuto; Igualita a
mí (2010) e Dos más dos (2012), ambos dirigido por Diego Kaplan; e Me Casé
com un boludo ou Roteiro de casamento (2016), dirigido por Juan Taratuto.

8 Desde então, a Pol-ka Produciones vem emplacando vários sucessos tanto na televisão, aberta
e a cabo (séries, minisséries, telenovelas), quanto no cinema. Com mais de 20 anos de uma
vasta atuação no audiovisual argentino, atualmente, é a maior produtora de ficção do país,
estando envolvida em muitos dos maiores sucessos televisivos e cinematográficos argentinos.
Dentre os grandes êxitos cinematográficos realizados pela Pol-ka Producciones, destaca-se El
hijo de la novia (2001), dirigido por Juan Jose Campanella e estrelado por Ricardo Darín, pro-
duzido por Suar juntamente à Patagonik Film Group. O longa-metragem concorreu ao Oscar
de Melhor Filme Estrangeiro e foi o filme argentino de maior bilheteria nacional em 2001.
Desde 2015, assumiu a divisão de vendas da Artear, com o objetivo de promover a expansão
e a projeção global de seus produtos. Atualmente, é a maior produtora de conteúdo ficcional
para televisão – telenovelas, séries e unitários – do país.

344 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


Foi como Diego El Tenso, protagonista de Un novio para mi mujer (2008),9
que contrata um homem para seduzir sua esposa com o desejo de que ela peça
a separação, que Suar deu início a sua trajetória de ator taquillero (que garante
o sucesso de bilheteria no cinema). Terceiro filme de Juan Taratuto, Un noivo
para mi mujer repete a fórmula de sucesso de suas duas obras anteriores: No
sos vos, soy yo (2004) e Quien dice que es fácil (2006), ambas comédias român-
ticas estreladas por Diego Peretti, que retomam a receita clássica do cinema
hollywoodiano – um homem e uma mulher que se apaixonam, passam por
muitas adversidades engraçadas e só conseguem ficar juntos ao final narrativa.
Apesar de serem igualmente comerciais, as comédias românticas de
Taratuto se distinguem de outras comédias taquilleras (campeãs de bilhete-
ria) argentinas mais escrachadas,10 rechaçadas pela crítica por levarem para o
cinema o que há de mais popular e “vulgar” na televisão do país e por não
apresentam preocupações estéticas com o fazer cinematográfico. Os filmes
de Taratuto conseguem, então, algo difícil: unir o sucesso de bilheteria com
o respeito cinematográfico de parte da crítica. E foi justamente a percepção
dessa combinação de sucesso de público e crítica que levou Suar a perceber Un
noivo para mi mujer como um ponto de virada em sua carreira de ator: “esta
es la primera vez que siento que el éxito fue una mezcla exacta entre crítica y
público. Y, sobre todo, siento que el cliente era um tipo de público distinto a
los que habían visto algunas otras películas mías”. (FERREIRÓS, 2008) Além
disso, o sucesso de Un novio para mi mujer,11 maior bilheteria do cinema nacio-
nal em 2008, superando inclusive produções hollywoodianas, marca a afirma-
ção e o reconhecimento do gênero comedia romântica como um grande filão
comercial no país. Todos os filmes posteriores da franquia Suar-Polka voltaram
à mesma fórmula: Igualita a mí, Dos más dos e Roteiro de casamento, logrando
novamente grandes sucessos de bilheteria.
Roteiro de casamento repete exatamente a fórmula de sucesso de Un novio
para mi mujer, que alçou Suar ao título de rei das bilheterias: uma comédia

9 Uma versão brasileira do filme foi lançada em 2016: Um namorado para minha mulher, adaptada
e dirigida por Julia Rezende, que teve como protagonista a atriz Ingrid Guimarães.
10 Um exemplo notório é a série de filmes Bañeros.
11 Em 2016, foi lançada no México a refilmagem Busco un novio para mi mujer, dirigida por Enrique
Begné e estrelada por Sandra Echeverría e Arath de la Torre, ambos conhecidos atores de
telenovelas mexicanas.

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 345


romântica, dirigida por Juan Taratuto, na qual novamente faz par romântico
com Valeria Bertuccelli. Lançado em março de 2016, em junho, o filme já
computava sozinho metade do total de entradas arrecadas até então no país
pelo cinema nacional, sendo a primeira produção do ano a superar dois milhões
de espectadores. Confirmando o sucesso das comédias românticas junto ao
público argentino e a consciência disso por parte de realizadores e produtores,
nesse mesmo, ano foram lançados pela Patagonik Film Group mais três filmes
do gênero: Permitidos, dirigido por Ariel Winogrand, Sin hijos (2015) e Una
Noche de Amor, dirigido por Hernán Guerschuny.
Paralelamente a sua carreira no audiovisual e intrinsecamente atrelada a
ela, Suar também incursiona pelo teatro. Sua estreia aconteceu em 1990, com
Pájaros in the nait, dirigida por Ricardo Darín, espetáculo que não obteve
sucesso. Seguiram-se, então, atuações em adaptações para o teatro de sucessos
televisivos nos quais também havia atuado: La banda del Golden Rocket (1991) e
Poliladron (1996). Suar retornou ao teatro após o sucesso de Un novio para mi
mujer, em 2008, com La cena de los tontos, dirigido por Guillermo Francella.
Mantendo-se na comédia, atuou ainda em El año que viene a la misma hora
(2009), La guerra de los roses (2011) e Dos pícaros sinverguenzas (2014), estron-
doso sucesso de bilheteria no qual contracenou com Guillermo Francella,
outro astro da televisão e do cinema. Em 2017, Suar voltou aos palcos em um
Un rato con el, outra comédia que alcançou grande sucesso de público.
É fácil identificar que a comédia é o gênero mais evidente do trabalho de
Suar enquanto ator e/ou produtor e, por conseguinte, das produções realiza-
das pela Pol-ka. Perguntado a respeito dessa preferência, ele explicou:

La comedia es para mí una línea más natural. No sé si soy bueno o no en


ella, pero siempre doy el máximo de lo que tengo. Me veo y me pienso que
estoy bien. Creo que es algo en lo que siempre me manejé razonablemente.
Es difícil aprender el humor. Siempre se puede mejorar, desde luego. El oficio
te mejora; la continuidad laboral te mejora; ser inteligente te mejora. Pero la
fibra de la comedia, eso estoy seguro, hay gente que la tiene y gente que no
la tiene. El drama, en cambio, me parece algo más fácil de abordar desde el
aprendizaje. Yo me siento más creíble en la comedia, en lo otro me cuesta
verme. En cambio, en la comedia me siento firme, y que todo lo que me pasa
en el cuerpo lo puedo transmitir con las palabras. En el drama, siento que lo
que me pasa en el cuerpo no lo puedo transmitir. (FERREIRÓS, 2008)

346 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


Suar é o gerente de programação do Canal Eltrece desde 2001, mesmo
ano em que teve seu trabalho por trás das câmeras reconhecido com o Prêmio
Konex de Melhor Produtor da década na Argentina.
Com sua atuação em Solamente vos, que, como anunciou à época da tele-
novela, foi seu último trabalho em uma ficção diária, Suar ganhou seu primeiro
Martin Fierro de Melhor Ator de Comédia. Em 2016, ele retornou à televisão,
mas desta vez em “unitário” (série que vai ao ar apenas uma vez por semana),
Silencios de família, outra produção multitarget de Pol-ka e, mais uma vez, um
êxito de audiência.

Pol-ka e a música para televisão

A Pol-ka sempre teve uma séria preocupação com a qualidade e a “eficá-


cia” da banda sonora de suas produções. Em 2006, Nicolás (Nico) Repetto
assumiu a direção e a produção musical da empresa, sendo, desde então,
o responsável por toda a elaboração musical das produções audiovisuais
realizadas. A partir de sua incursão na Pol-ka, que até então não havia in-
corporado a seus negócios a área da produção musical, Repetto funda, em
2007, em parceria com Fernando Blanco, a produtora musical Metronomo
Music, da qual atualmente é o presidente. Inicia-se, então, um cuidadoso
trabalho de produção das cortinas musicais para as produções televisivas
realizadas pela Pol-ka.
A escolha da canção de abertura, reconhecida como importante e mar-
cante na configuração das obras e em sua fixação junto ao público, torna-se
um elemento fundamental das produções. Não por acaso, por trás dessas com-
posições musicais, estiveram alguns dos mais consagrados músicos argenti-
nos, como Vicentico, Cacho Castaña, Javier Calamaro e Alejandro Lerner. Um
exemplo notório do poder dessa relação foi o sucesso da música “Maquillando
las noticias”, tema de abertura da série televisiva Primicias (2000), que alçou
à fama o grupo argentino Falcón. Nesse sentido, fica evidente que o traba-
lho da Pol-ka, da Metronomo Music e de seu produtor musical está intima-
mente relacionado à indústria musical do país e à forma como compreendem
o poder da relação comercial entre as indústrias fonográfica e televisiva, como
esclarece Repetto:

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 347


Si ponés una canción en televisión termina siendo el gran éxito, porque la
televisión es un lugar donde la gente se siente reflejada. Cuando un tema
se escucha en la radio llega a un determinado lugar, pero cuando está
acompañada con una imagen impacta más. (NICOLÁS…, 2015)

Em relação à escolha e à importância da cortina musical escolhida para


cada produção, Nico Repetto esclarece:

Hay que saber muy bien de qué se trata el programa, a quién va apuntado,
quiénes van a ser los consumidores principales, el género que se busca y
el estilo y sonido al cual se quiere llegar. En segundo lugar, se piensa qué
artista podría interpretar esta canción para poder lograr el objetivo. Y por
último, se trabaja en la música y letra de la canción para poder plasmar
todo y lograr el mejor resultado posible. (VIRZI, 2012)

Repetto apresenta uma perspectiva muito clara da relação de imbrica-


ção que ele busca instituir entre o conteúdo narrativo e visual da produ-
ção, a cortina musical e a trilha sonora do programa, que, para ele, devem
estar em harmonia, ou seja, dialogando. (GAZZO, 2012) A partir de 2008, a
Metronomo Music começa a oferecer seus serviços a outras produtoras de
televisão, cinema e teatro, consolidando-se enquanto produtora indepen-
dente e como líder no setor.

Os números musicais de Solamente vos

Enquanto diretor musical da Pol-ka, Repetto esteve à frente da produção e di-


reção musical de Solamente vos. A música pode ser reconhecida como o leimo-
tiv da telenovela, espécie de fio condutor que perpassa toda a trama. A teleno-
vela começa com um plano sequência através do qual o espectador acompanha
Juan caminhando pela cochia de um teatro até chegar ao palco, onde lhe espera
a orquestra que irá reger. Além disso, seu melhor amigo, Felix, com quem for-
mava uma dupla musical na juventude ao estilo das boy bands dos anos 1980, é
diretor de uma produtora musical, onde transcorre boa parte da ação da tele-
novela. E Aurora, o amor pelo qual os amigos irão disputar, largará a profissão
de cabeleireira para dedicar-se à carreira de cantora, carreira também almejada
por Daniela, filha de Juan e Polaca.

348 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


No âmbito de uma narrativa televisiva multitarget de cunho popular e com
o objetivo de abarcar a maior audiência possível, é natural que as músicas elen-
cadas para aparecerem nos episódios sejam extremamente populares ou, no
caso das compostas originalmente para a trama, recorram a fórmulas popu-
lares. Para esses números musicais, foram escolhidas canções e artistas muito
populares na Argentina e também na Hispano-América, uma vez que a produ-
ção também se destina ao mercado internacional de língua hispânica; como,
por exemplo: Sergio Denis, Ricardo Montaner, Carlos Vives, Patricia Sosa,
Los Pimpinela, Cristian Castro (cantautor e ator mexicano), Cacho Castaña,
Agapornis, Sandro, Valeria Lynch, Sergio Dalma, Miranda, David Bisbal,
Karina, Abel Pintos, Ricardo Montaner, Valeria Lynch, Paz Martínez, II Volo.
O grande mote da utilização da música na narrativa é também o mais
óbvio: relacionar a música com as emoções dos personagens. No entanto, ao
transformar essa relação em um todo audiovisual, faz-se a magia. E esse é um
processo sobre o qual a equipe de Pol-ka tem consciência, como esclarece
Repeto: “Hay um punto clave: lograr que em el libreto o la ficción se vea refle-
jada la canción. Tener em cuenta no solo las palabras, sino la estética musical”.
(NICOLÁS..., 2015)
Talvez seja esse o ponto mais forte de identificação com o espectador, que
encontra, nesse momento onírico da narrativa fictícia, a consolidação de seus
próprios devaneios musicais. A respeito da relação que se estabelece entre a
música e as emoções dos personagens, Marta Betoldi, principal roteirista de
Solamente vos, acredita que isso agrada aos espectadores, pois:

[...] la música marca nuestra historia emocional, está en el inconsciente


colectivo [...] Todos nosotros recordamos los hechos relevantes con una
canción: el primer beso, la primera decepción amorosa, el nacimiento de
un hijo o la partida de un amigo. Creo que los recuerdos siempre son
musicales. Tiene toda la sensorialidad: sabor, olor, gusto, tacto y músi-
ca. Pero estos sentidos son más difíciles de plasmar en lo audiovisual. En
cambio, la música es perfecta para provocar emociones. (BETOLDI apud
RESPIGHI, 2013)

Sob essa perspectiva, a música da cortina da telenovela foi encomenda pela


produtora ao músico argentino Coti Sorokin e recebeu o mesmo título da pro-
dução, Solamente vos: “Me base en la historia y en el ambiente. Con esos datos

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 349


uno construye un universo que, luego lo transforma en una canción. Fue todo
muy fluido. Mostré una primera idea y, por suerte, a Adrián Suar le gustó”.
(ESCUCHÁ…, [2012]) A letra da música, composta e gravada por Coti, anuncia
o perfil romântico da narrativa:

Solamente vos me alegras el día,


me llevas al barrio que da el amor
Solamente vos, nadie más que vos,
devolvió a mi vida ese que se yo.

Solamente vos despertas mi alma,


me cambias la cara de un ventarrón
Solamente vos, nadie más que vos
haces maravillas en mi corazón
(COTI, 2013)

Assim, a música de abertura dá o tom da telenovela: uma letra român-


tica embalada por uma melodia pop, clima que norteia a maioria dos núme-
ros musicais protagonizados por Juan e Aurora durante a trama. No entanto,
não apenas as canções de amor e de sofrimento que embalam a história do
casal de protagonista dão origem a números musicais. Os musicais atravessam
toda a narrativa e envolvem vários outros personagens, podendo ser divididos
em dois tipos: os musicais realistas e os oníricos. Os realistas fazem parte da
trama da narrativa, como, por exemplo, quando Aurora canta no estúdio ou em
algum show, ou quando os personagens recriam números de musicais consa-
grados, como A noviça rebelde (1965) e Grease: nos tempos da brilhantina (1978).
Já os números musicais oníricos são como videoclipes, momentos em que o
tempo diegético é suspenso, criando uma expansão temporal no interior da
narrativa, na qual acontecem os devaneios musicais.
Esses episódios buscam expor o estado emocional dos personagens atra-
vés do diálogo intertextual da trama e do episódio com as letras e os ritmos
das músicas. Para esses números, foram escolhidas canções muito populares,
que são apresentadas através de duos entre os famosos intérpretes reais e os
personagens da telenovela que contracenam cantando, dançando e interpre-
tando as canções, mas sem interagirem. A “magia” desses episódios se cons-
trói pela presença dos intérpretes originais, que aparecem inusitadamente

350 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


para cantar junto aos personagens e, assim como surgiram, desaparecem ao
final do número. Essas cenas muitas vezes jogam com a combinação ou com
a alternância entre o cenário e o figurino “reais” da narrativa e o cenário e o
figurino “imaginários” do devaneio dos personagens, construindo assim um
espaço híbrido.
Quanto a estes números musicais, comenta Marta Betoldi, que estava à
frente dos roteiristas da telenovela:

Siempre aporta la presencia de un artista real que se suma a la escena; la


vuelve atractiva. Los musicales dan aire. Aportan un respiro particular y la
trama sigue su curso, porque van en planos diferentes. En general perte-
necen a la fantasía de alguno de nuestros protagonistas. (RESPIGHI, 2013)

A cada novo episódio, sempre era esperado o momento em que algum dos
personagens, mas, principalmente, os protagonistas da trama, Aurora e Juan,
desvelariam seus sentimentos ao espectador através de uma canção, utilizando
a letra da música para apresentar ou ilustrar o seu estado de ânimo. Nesses hia-
tos oníricos da narrativa, os personagens da telenovela dublam as canções em
playback, juntamente com os intérpretes famosos, apresentando aos especta-
dores o que seriam os duos imaginários criados pela fantasia dos personagens.
Esse subterfúgio temporal narrativo é comum no gênero musical, pois permite
expandir o tempo da narrativa para que ocorra o número musical, após o qual
a narrativa retorna à sua temporalidade normal.
Muitas vezes, o estopim para o número musical foi colocar na boca de
um dos personagens uma frase da letra de uma música conhecida, como, por
exemplo, quando Juan declara seu amor a Aurora, dizendo: “mi corazón esta
colgando en tus manos”, metáfora que Aurora parece não entender, lançando
ao parceiro uma interjeição sonora de questionamento. Em resposta, ele res-
ponde: “colgando em tus manos”, título da canção do venezuelano Carlos
Baute, como que anunciando a música. Logo na cena seguinte, a música
começa a tocar, Juan está sozinho na sala de estar de seu apartamento, dan-
çando e dublando, quando aparece em cena, igualmente cantando e dançando,
o próprio Baute. Nesse episódio, assim como na maioria dos demais, o can-
tor convidado e os personagens não interagem, sugerindo a demarcação do
limite entre a “realidade” dos personagens e suas fantasias musicais. A atuação

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 351


propositadamente exagerada e quase caricata dos atores ao dublarem e dança-
rem as músicas, principalmente Suar, que tenta imitar os trejeitos dos canto-
res, insere humor aos episódios.
O forte apelo à comicidade está presente também nos números musicais
que apresentam cenas em flashback da banda pop Los Colosales, integrada
por Juan e Felix na década de 1980, que tem com inspiração boy bands, como
os Menudos, que faziam muito sucesso à época. Na esteira do sucesso dos
números musicais na telenovela, a Metronomo Music lança em sua página ofi-
cial no YouTube, Metronomo Visual, três temas da banda fictícia: “Recreo”,
“Rebobimane”, “Como um tonto”.
Em outros momentos, a participação de artistas convidados em números
musicais nasce de situações criadas no contexto da companhia discográfica
administrada por Felix e Michele, estando então a presença desses artistas inse-
rida na trama da narrativa. Além disso, a produtora também estará relacionada
à busca pela carreira musical de Daniela Cousteau, filha de Juan e Polaca, bem
como de Aurora. Nessa perspectiva, há um entrecruzamento entre a vida das
atrizes e as trajetórias de suas personagens, uma vez que tanto Lali Espósito e
Eugenia Suárez quanto Natalia Oreiro,12 além de atrizes, são também cantoras.
Os dons musicais de Espósito e de Suaréz, que integraram a banda juvenil Teen
Angels, são aproveitados em vários números da narrativa. Além de covers, como
“El colmo”, hit da famosa banda argentina Babasónicos, e “Like a prayer”, de
Madonna, Espósito também canta algumas de suas próprias composições
como: “Amor de água e sal”, “Somos uno” e “Me haces volar”.
Como todo casal de uma comédia romântica, Juan e Aurora têm um tema
musical romântico só para eles: “Hasta el final”, de David Bisbal, que foi gra-
vado especialmente para a telenovela. A importância da canção no romance
dos protagonistas faz com que ela ganhe dois videoclipes: um com Juan e outro
com Aurora. Com Juan, a música é apresentada como uma balada romântica
e repete a fórmula visual consagrada pela telenovela, na qual o personagem
dubla o cantor original da música, Bisbal, que também aparece cantando na
cena. Já na cena de Aurora, a canção ganha um novo arranjo, que a transforma

12 Natalia Oreiro, que, além de atriz, é também cantora, recebeu seu primeiro prêmio de melhor
atriz, o Premio Iris, por sua atuação na comédia musical Miss Tacuarembó (2010), de Martín
Sastre.

352 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


em uma cumbia, ao estilo da banda Agapornis, que acompanha a personagem
no videoclipe.
Em diálogo direto com o gênero musical hollywoodiano, Solamente vos
homenageia obras consagradas do gênero, como A noviça rebelde ou The sound
of music (1965), de Robert Wise; Grease: nos tempos da brilhatina ou Grease
(1978), de Randal Kleiser; e Cabaret (1972), de Bob Fosse. Ao contrário dos
videoclipes oníricos, que revelam ao espectador os sentimentos dos persona-
gens através das músicas que “tocam em suas cabeças”, as referências aos musi-
cais acontecem no contexto da narrativa. Aurora atua com Juan e seus filhos
em um número musical para a escola, no qual recriam uma famosa cena de
A noviça rebelde, da música “Dó, ré, mi”. Juan e Aurora reproduzem a famosa
cena vivida por Olivia Newton John e John Travolta em Grease: nos tempos da
brilhantina, ao som de “You’re the one that I want”, em um concurso de dança
na escola. A música “Cabaret”, eternizada por Liza Minelli no filme homônimo,
foi a escolha de Polaca para seu teste a um papel em uma comédia musical.
Além disso, Solamente vos rende homenagem ao cine de cantantes, musicais
do cinema argentino estrelados por cantores, que começam a ser realizados na
década de 1960, adentram a década de 1970 e chegam à década de 1980, tendo
seu auge no período de 1974 a 1982 – que Getino denominou de “noite do
cinema argentino”. Assim como Getino, a maioria da crítica na época desmere-
cia esses filmes por considerá-los produções de baixa qualidade artística e/ou
cultural. No entanto, eram produções que lotavam as salas de cinema. Destas
memórias cinematográficas argentinas, Solamente vos vai resgatar os cantores/
atores mais famosos: Sandro, Palito Ortega e Cacho Castaña.
O latin-lover Sandro, nome artístico de Roberto Sanchez (1945-2010),
cantautor e ator, astro de vários musicais, aparece em alguns videoclipes da
telenovela encarnado por Fernando Samartín – ator e cantor que o interpretou
no espetáculo Por amor a Sandro: el musical de América –, que se caracteriza
impecavelmente ao estilo usado à época pelo ator/cantor: vestindo terno e
usando um cabelo modelado pelo gel, fazendo um cover perfeito de Sandro.
As cenas que recriam a estética brega e sensual dos filmes do “cigano” são
embaladas por grandes sucessos do cantor, como “Penumbras”, “Como te
diré”, “Por esse palpitar” e “Te ló juro por esa”. As atuações intensas, exagera-
das e performáticas realizadas pelos atores ao dublarem as músicas de Sandro
exploram o clima exagerado e brega desses musicais para acentuar o humor.

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 353


Palito Ortega, nome artístico de Ramón Bautista Ortega (1942), cantautor,
ator, diretor, foi o nome mais importante do gênero, realizando e estrelando
mais de 30 filmes, muitos durante o período da ditadura. Ortega foi convidado
a dividir a cena com Juan cantando “Un muchacho como yo”, tema do filme
musical de mesmo nome protagonizado por ele, estreado em 1968.
Cacho Castaña, nome artístico de Humberto Castagna (1942), que estre-
lou vários musicais argentinos – El cabo tijereta (1973); Los éxitos del amor
(1979), de Fernando Siro; La carpa del amor (1979), de Julio Porter; La playa
del amor (1980); e La discoteca del amor (1980), ambos de Adolfo Aristarain
–, também foi convidado a cantar com Juan e com Aurora seus sucessos:
“Ojala no puedas” e “Com quién estás?”. A química de sucesso da música
de Castaña com as produções de Suar já havia acontecido em Un novio para
mi mujer, quando a música “Quieren matar el ladrón” (1975), um sucesso do
cantor sobre um homem que “roubou” – conquistou, seduziu – a mulher de
outro, é utilizada como música incidental de uma cena tríptica que apresenta
o possível triângulo amoroso do filme. A tela é dividida em três partes e apre-
senta em cada uma um dos personagens: Tana, El Tenso e Cuervo Flores, ao
se preparem para o encontro que pode consumar ou não o fim do casamento
dos protagonistas. A intertextualidade entre a letra da canção e seu reco-
nhecimento como um hit da música brega entram em sintonia com o tom
cômico da narrativa cinematográfica e das imagens dos três personagens se
preparando – enquanto Tana está indecisa quanto à roupa que vai usar, El
Tenso termina de se vestir no banheiro, e Cuervo Flores, também terminando
de se vestir, dança ao som da canção de Castaña, sugerindo para o espectador
a sua identificação com o eu lírico (personagem/narrador) da canção, que
roubou a mulher:

Quieren matar al ladrón, que se robó una mujer


quieren quieren
Quieren saber dónde está, nunca lo van a saber
Yo sé porque yo se que

Nunca sabrán que estás conmigo


en un rincón de mi cabaña
pues no conocen el camino
y no conocen las montañas
(CASTAÑA, [1975])

354 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


A inserção dessa canção, um hit daqueles que ninguém confessa escutar,
mas que todo mundo sabe cantar, contribuiu muito para a comicidade da cena.
Além disso, essa canção remete a uma identidade cultural argentina estereoti-
pada, representada pelo próprio Castaña, que ainda incorpora a figura de um
tangueiro sedutor, e pela temática de amor e sedução da canção.
E considerando, como destaca Getino, que a comédia musical no cinema
argentino, representada por esses cantores/atores, assim como a ranchera
no México e a chanchada no Brasil, tem sua origem “en la narrativa genérica
diseñada en Europa o en los EE.UU., pero incorpora elementos de la cultura y
de los procesos de autorreconocimiento de cada país” (GETINO, 2016, p. 144),
entende-se a importância que a aparição desses artistas e de suas músicas tem
na telenovela como memória que remete a uma identidade cultural audiovi-
sual, mesmo que construída através de estereótipos.
Nesse sentido, sendo a telenovela pensada como um produto para toda a
população de língua hispânica, nada mais natural que homenagear também a
Javier Solis (1931-1966), astro da ranchera mexicana com dois números musi-
cais baseados em suas músicas: “Perdonáme mi vida”, interpretado pelo grupo
argentino Mariachi Sol Azteca, como um pedido de perdão do novo pretendente
à Polaca; e “En tu pelo”, cuja versão feminina é dublada por Aurora em um show.
Se bem a referência a essas comédias musicais resgata uma tradição que,
apesar do sucesso de público, foi desmerecida pela crítica, mas que atualmente
ganham ares de algo cult, ela também serve para reforçar o discurso comer-
cial da produção e o seu comprometimento com o entretenimento de massa.
Ao trazer para a televisão astros que eram depreciados pela crítica, apesar do
grande sucesso de público, Suar responde às críticas que são feitas a ele e às
suas produções, consideradas produtos comerciais para o consumo fácil, mos-
trando que o que hoje é considerado comercial e sem valor artístico pode vir a
ser reconhecido com outro status em um futuro não tão longínquo.

Qual o segredo do sucesso de Solamente vos?

A receita de sucesso da Solamente vos é bem óbvia: uma comédia romântica fa-
miliar e musical, protagonizada por astros da televisão e do cinema, embalada
por números musicais que não apenas trazem para a narrativa músicas famosas

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 355


na Argentina e em outros países de língua hispânica, mas também seus intér-
pretes. E todo esse conteúdo é bem dirigido e tecnicamente bem executado.
A telenovela repete e reafirma o modelo de comédia branca que tem se
revelado um atrativo infalível para o espectador argentino, tanto na televisão
quanto no cinema, que remete ao modelo das comédias familiares da década
de 1940. Tematicamente, essas obras estão centradas na família de classe média
– independente de sua conformação –, que é o esteio norteador da narrativa:
lugar de partida e de chegada, tratando com humor temas e problemas recor-
rentes no cotidiano da classe média, sem abordar questões sociais ou políti-
cas controversas. Não poucas vezes, toda a trama gira em torno de um casal
apaixonado que só conseguirá ficar junto no final da narrativa, quando então
se casam e têm filhos. Além disso, essas obras não apresentam cenas “fortes”
de sexo ou de violência. São produções ambientadas em cenário urbano, com
a preponderância de cenas em estúdio. Os figurinos correspondem à moda
vigente ou, inclusive, lançam moda. E a seleção dos elencos está alicerçada ao
star system – televisivo, cinematográfico e teatral.
Solamente vos, ou melhor, Suar reconheceu e apostou no sucesso da música
como entretenimento na televisão argentina contemporânea. Êxito identifi-
cado, por exemplo, na ficção televisiva destinada ao público juvenil na qual
ele foi buscar duas jovens estrelas e também em reality shows como Cantando
por un sueño, que teve quatro edições, e Bailando por um sueno, com mais de
dez edições. Além disso, há ainda como intertexto fundador da narrativa uma
tradição argentina do musical, que nasce conjuntamente com o cinema sonoro
do país com Tango! (1933), de Luis José Moglia Barth, inaugurando uma relação
entre o cinema e o tango, que até hoje rende frutos. O musical foi também o
gênero imperativo do cinema de cantantes e segue sempre retornando e surpre-
endendo na cinematografia argentina, como, por exemplo, em Tangos: exílio de
Gardel ou El exílio de Gardel – Tangos (1986), de Fernando Solanas, e El ultimo
Elvis (2013), de Armando Bo. Não por acaso, John McInermy, cantor que atua
no filme de Bo por ser cover de Elvis Presley, também foi convidado a assumir
o papel de Elvis na telenovela.
No âmbito comercial, Solamente vos estabeleceu uma cooperação entre o
produto audiovisual e o fonográfico, utilizando uma linguagem para impul-
sionar a outra: Pol-ka Producciones e Metronomo Music uniram-se ao Canal
Eltrece na busca pela liderança de audiência e tiveram um grande êxito.

356 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


O sucesso dos números musicais, estrelados pelos personagens da telenovela
em parceria com os astros da música, gerou a difusão dos videoclipes na inter-
net, principalmente através do YouTube – tanto por fãs, quanto nos canais pró-
prios do Eltrece e da Metronomo Music – como produtos passíveis de apre-
ciação mesmo fora do contexto da narrativa. Após o término da telenovela, o
canal apresentou com sucesso alguns especiais dedicados exclusivamente aos
números musicais, que também foram disponibilizados no canal da emissora
no YouTube.
Para esses especiais, não apenas são editados os números musicais em
sequência, mas intercala-se a eles o making of das cenas, criando assim um
novo produto transmidiático da narrativa, que, ao convergir para a internet,
se expande. Os especiais seguem sempre a mesma lógica: para cada número
musical, é apresentado primeiro o making of, uma documentação audiovisual
da gravação, na qual os atores e os convidados falam rapidamente sobre a cena
e sobre a experiência de realizá-la. Também são mostrados erros ou situações
engraçadas que aconteceram durante a gravação da cena, para então, poste-
riormente, ser apresentada a cena/videoclipe como foi ao ar na telenovela.
Essa expansão metanarrativa do fazer televisivo para as plataformas de exibi-
ção da internet, seja no YouTube ou nos sites dos próprios canais realizadores
das obras, é uma tendência no atual contexto de convergência das mídias e
reafirma o interesse metatelevisivo: a televisão que fala sobre o fazer televisivo.
Os especiais repetem o clima divertido da telenovela e trazem para o especta-
dor uma nova perspectiva sobre os musicais da obra.
A incorporação da linguagem do musical à telenovela parece responder
a diferentes níveis de interesse: trazer “leveza” à narrativa com a irrupção de
números musicais que evidenciam seu caráter ficcional; incorporar uma nova
linguagem à linguagem da telenovela; e, é claro, promover cantores e canções.
É notório que uma música bem colocada em uma produção audiovisual tende
a dar visibilidade a seu intérprete e/ou compositor, sendo essa uma recorrente
forma de marketing da indústria fonográfica. O grande e diversificado leque
musical da telenovela foi escolhido sempre levando em consideração, além da
adequação da música ao conteúdo do episódio, a popularidade das canções –
quanto mais conhecidas, melhor.
O sucesso de Solamente vos é também o sucesso de uma perspectiva comer-
cial e industrial do audiovisual de entretenimento que vem sendo construída

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 357


há alguns anos na Argentina. A eleição de Mauricio Macri à presidência do
país, em 2015, não apenas redimensionou a relação de Suar com o Instituto
Nacional do Cinema e Audiovisual Argentino (Incaa)13 como também pareceu
eleger sua percepção do audiovisual como norteadora das ações governamen-
tais para o setor. Esse incentivo à produção audiovisual comercial, industrial e
autossuficiente ficou evidente com a escolha de Alejandro Cacetta, ex-diretor
de negócios da Pol-ka e da Patagonik Film Group, para a presidência do Incaa.14
E a festejada presença de Macri na première de Roteiro de casamento, em um
momento em que a maioria dos cineastas e trabalhadores do cinema se mani-
festava contra suas políticas para o setor, reafirma essa posição. Os conflitos
entre o presidente argentino e grande parte da comunidade cinematográfica
do país se acirraram em 2016, em decorrência da discussão em torno da Ley
de los medios, que havia sido sancionada pelo governo kirchnerista. E a tensão
se intensificou em 2017 pelo afastamento de Cacetta da presidência do Incaa,
acusado pelo ministro da Cultura, Pablo Avelluto, com o respaldo de Macri, de
não ter enfrentado com rigor casos de corrupção no instituto. Para substituir
Cacetta, o governo designou o então vice-presidente do Incaa, Ralph Douglas
Haiek.
Nesse sentido, pensando na perspectiva da produção audiovisual na
Argentina, é importante entendermos que há uma grande rede de relações cul-
turais, políticas e econômicas por trás do que chegamos a assistir como pro-
duto final desse intrincando processo de realização. E na perspectiva específica
de produções televisivas, em tempos de convergência das mídias, o sucesso de
Solamente vos revela que a televisão segue sendo um elemento crucial dentro
da ecologia das mídias latino-americanas. Não podemos, assim, desmerecer
a importância de suas produções nas sociedades que as geram, as consomem

13 Suar afirma ter tido uma relação conturbada com a política audiovisual do Incaa durante o
governo kirchenirista: “Sufrí bastante el kirchnerismo [...]. No me han hecho el camino fácil”.
(ARROYO, 2016)
14 Nas quatro gestões anteriores do Incaa, durante o período de governo kirchnerista, houve um
crescimento exponencial da produção televisiva e cinematográfica do país e foram realizados
grandes avanços em relação ao setor audiovisual argentino: a declaração do cinema nacional
como indústria, a criação do canal de televisão Incaa TV, o desenvolvimento dos Espaços Incaa
– destinados à exibição de cinema nacional –, a compra do Cine Gaumont, o lançamento da
plataforma on-line de exibição de produções nacionais Odeón e a criação do Ventana Sur –
para promover o mercado cinematográfico latino-americano.

358 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


e as difundem, mas, ao contrário, devemos estar atentos às relações que se
estabelecem entre seus conteúdos – narrativos, estéticos e temáticos –, as pla-
taformas em que são difundidas e os demais âmbitos da cultura, da sociedade,
da política e da economia engendrados em sua configuração.

Referências

ARROYO, B. Macri le entregó el Instituto del Cine a Suar y empieza a armar la liga de
los artistas M. Medios. La Politica Online, Buenos Aires, 16 marzo 2016. Disponível
em: <http://www.lapoliticaonline.com/nota/96468/>. Acesso em: 23 mar. 2016.
CARLÓN, M. Metatelevisión: un giro metadiscursivo de la televisión argentina. In:
LACALLE, R. (Coord.). Los formatos de la televisión. Barcelona: Gedisa, 2005.
p. 147-158. (De Signis, n. 7/8).
CASTAÑA, C. El regreso del ladrón: quieren matar al ladrón. CMTV, [Buenos Aires,
1975]. Disponível em: <http://www.cmtv.com.ar/discos_letras/letra.php?bnid=1784&t
mid=60976&tema=QUIEREN_MATAR_AL_LADR%D3N>. Acesso em: 12 abr. 2018.
COTI. Solamente vos: single. CMTV, [Buenos Aires], 2013. Disponível em:
http://cmtv.com.ar/discos_letras/show.php?bnid=78&banda=Coti&DS_
DS=9443&disco=SOLAMENTE_VOS_-_SINGLE. Acesso em: 12 abr. 2018.
EL CINE argentino marcó un récord de taquilla en 2016. Diario Uno, Mendoza, 3 jun.
2016. Disponível em: <http://www.diariouno.com.ar/espectaculos/el-cine-argentino-
marco-un-record-taquilla-2016-20160603-n798563.html>. Acesso em: 12 jun. 2016.
ESCUCHÁ el adelanto de solamente vos, la cortina de la nueva tira de el trece.
Entrevista a Coti Sorokin. El Trece TV, Buenos Aires, 6 nov. [2012]. Disponível em:
<http://www.eltrecetv.com.ar/solamente-vos/escucha-el-adelanto-de-solamente-vos-
la-cortina-de-la-nueva-tira-de-el-trece_056898>. Acesso em: 12 mar. 2016.
FALIERO, M. Películas para doblarse de la risa. 0223, Mar del Plata, 2014. Disponível
em: <http://www.0223.com.ar/nota/2014-9-17-peliculas-para-doblarse-de-la-risa>.
Acesso em: 14 abr. 2016.
FERREIRÓS, H. Entrevista a Adrián Suar. Brando, Buenos Aires, 23 dic. 2008.
Disponível em: <http://www.conexionbrando.com/1081048-entrevista-a-adrian-suar>.
Acesso em: 22 abr. 2016.
GAZZO, W. Nico Repetto, el hombre que le pone música a la ficción en TV. MDZ,
Buenos Aires, 4 Jul. 2012. Disponível em: <https://www.mdzol.com/nota/399168-
nico-repetto-el-hombre-que-le-pone-musica-a-la-ficcion-en-tv/>. Acesso em: 12 abr.
2018.

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 359


GETINO, O. Cine Argentino: entre lo posible y lo deseable. 3. ed. Buenos Aires:
CICCUS, 2016.
HERSCHMANN, M. La música como potente forma de comunicación. In: AMADO,
A.; RINCÓN, O. La comunicación en mutación: remix de discursos. Bogotá: Friedrich
Ebert Stiftung, 2015. Disponível em: <http://www.fesmedia-latin-america.org/
uploads/media/FINAL_Comunicacion_en_mutacion.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2016.
KELLY HOPFENBLATT, A. Hogar, dulce hogar: una aproximación a la comedia
familiar argentina de la década de 1940. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE LA
ASOCIACIÓN ARGENTINA DE ESTUDIOS DE CINE Y AUDIOVISUAL, 3, 2012,
Córdoba. Anais... Buenos Aires, 2012. Disponível em: <http://www.asaeca.org/aactas/
kelly_hopfenblatt__alejandro_-_ponencia.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2016.
MARÍN, R. La risita de las buenas noches. La Nación, Buenos Aires, 5 mayo 2013.
Disponível em: <http://www.lanacion.com.ar/1578965-la-risita-de-las-buenas-
noches>. Acesso em: 13 mar. 2016.
MARTÍN-BARBERO, J. La telenovela en Colombia: televisión, melodrama y vida
cotidiana. Diálogos de la Comunicación, Colômbia, n. 17, 1987. Disponível em: <http://
www.sx.ac.uk/lang/spanish/Modules/La467/week16to20/LA467-TelenovColomb.
pdf>. Acesso em: 11 fev. 2016.
MAZZIOTTI, N. et al. La televisión abierta argentina. In: CONGRESO DE LA
CULTURA IBEROAMERICANA, 1., 2008, Ciudad de México. Anais... Ciudad de
México, 2008. p. 89-97. Disponível em: <http://www.untref.edu.ar/documentos/
indicadores2008/La%20television%20abierta%20argentina%20Nora%20Mazzioti.
pdf>. Acesso em: 13 mar. 2016.
NICOLÁS Repetto: “los artistas viven de los shows y no de los discos”. UltimaHora,
Assunção, 4 mayo 2015. Disponível em: <http://m.ultimahora.com/nicolas-repetto-
los-artistas-viven-los-shows-y-no-discos-n893345.html>. Acesso em: 11 fev. 2016.
NIELSEN, J. La magia de la televisión argentina: 1996-2000: cierta historia
documentada. Buenos Aires: Del Jilguero, 2010. v. 7.
QITAPENAS. Direção: Gustavo Luppi e Mariano Demaría. Argentina: Telefe, 2013.
RAIMONDI, M. M. La telenovela en América Latina: experiencia de la modernidad
en la región y su expansión internacional (ARI). Real Instituto Elcano, Madrid, 2011.
Disponível em: <https://www.files.ethz.ch/isn/144133/ARI74-2011_Raimondi_
Telenovela_America_Latina.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2016.
RESPIGHI, E. “Hoy la telenovela se desliza al humor”. Página 12, Buenos Aires,
8 set. 2007. Disponível em: <http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/
espectaculos/8-7557-2007-09-08.html>. Acesso em: 13 abr. 2016.

360 ROSÂNGELA FACHEL DE MEDEIROS


RESPIGHI, E. Un nuevo protagonista se coló en la pantalla. Página 12, Buenos Aires,
11 mayo 2013. Disponível em: <http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/
espectaculos/8-28623-2013-05-11.html>. Acesso em: 14 mar. 2016.
RODRÍGUEZ, J. “Mi prioridad es mi mundo privado”. La voz, Buenos Aires, 2011.
Disponível em: <http://vos.lavoz.com.ar/cine/mi-prioridad-es-mi-mundo-privado>.
Acesso em: 12 abr. 2018.
SIKORA, M. La comedia de la premodernidad a la posmodernidad: de Nicolás
Granada a Javier Daulte. Cuadernos del CILH, Mendoza, v. 14, n. 2, p. 166-193, dic.
2013. Disponível em: <http://www.scielo.org.ar/pdf/ccilha/v14n2/v14n2a11.pdf>.
Acesso em: 23 fev. 2016.
VIRZI, S. D. Nico Repetto: “Busco vibrar con una canción”. Clarín. Buenos Aires,
19 enero 2012. Disponível em: <http://entremujeres.clarin.com/entretenimientos/
musica/Nico-Repetto-Busco-vibrar-cancion_0_1334266931.html>. Acesso em: 23
mar. 2016.

Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina 361


O samba da vida
o cinema brasileiro dos anos 1930 entre
o teatro cômico e a revista musicada

RAFAEL DE LUNA FREIRE

Introdução: o samba da vida

Os filmes musicais brasileiros da década de 1930 podem ser melhor compre-


endidos através da análise das múltiplas influências e relações que travavam
com outras mídias ou manifestações artísticas e culturais, seja com o universo
do Carnaval, com a música popular – o samba, em especial –, com a crescen-
te indústria do disco e do rádio, ou com o teatro brasileiro da época. Nesse
texto, abordaremos o filme O samba da vida, dirigido por Luiz de Barros em
1937. Trata-se da mais ambiciosa produção, até então, daquele que já era o
mais experiente cineasta brasileiro, um dos poucos realizadores a dirigir con-
tinuamente obras ficcionais desde a década de 1910. O samba da vida é uma
produção dos estúdios Cinédia, de Adhemar Gonzaga, companhia criada em
1930 que, ao longo da década, se equilibrou entre projetos assumidamente
comerciais e obras de maiores pretensões artísticas.
Iremos discutir O samba da vida privilegiando a comparação com o texto
original da peça que lhe deu origem, intitulada Frederico Segundo, escrita por
Eurico Silva em 1935 para a Companhia Procópio Ferreira. Dessa forma, pre-
tendemos analisar o filme pensando em sua relação com o gênero da comédia,
por meio do teatro ligeiro cômico, e com o gênero musical, a partir da trajetó-
ria dos filmes que adaptaram as revistas musicadas para as telas com o advento
do cinema sonoro, criando os chamados filmes-revista.

O sucesso do filme-revista no início do cinema sonoro

Em 1929, com a chegada ao Brasil das modernas tecnologias de reprodu-


ção sincrônica de imagem e som – os sistemas Vitaphone (som em disco) e
Movietone (som no filme) –, a então recente produção cinematográfica so-
nora de Hollywood foi, pela primeira vez, exibida para as plateias brasileiras.
Nos primeiros meses de contato dos brasileiros com a novidade dos talking
pictures, os distribuidores privilegiaram filmes cujo destaque estivesse nas
músicas, canções e ruídos, em detrimento dos incompreensíveis diálogos em
inglês. Assim, um dos mais bem sucedidos gêneros dessa primeira fase da po-
pularização do cinema sonoro no Brasil foi o dos “filmes-revista”, também
chamados de “revistas cinematográficas”. Isto é, os filmes que levavam para
as telas o conhecido gênero teatral da revista, frequente tanto nos palcos da
Broadway quanto nos teatros cariocas e cuja atração residia, em grande parte,
nos números de dança e canto, no visual das encenações, no talento e fama dos
músicos e intérpretes e no sucesso de novos ritmos e canções.1
Um dos maiores sucessos dessa “febre do filme sincronizado”, então ainda
restrita aos melhores cinemas de Rio de Janeiro, São Paulo e mais um punhado
de cidades brasileiras, foi a produção da Fox Follies de 1929 (Fox movietone
follies of 1929, David Butler, 1929), tida como “a primeira revista cinematográ-
fica” exibida no país, segundo Paulo Vanderley (1929a, p. 28), crítico da revista
Cinearte. Mesmo sem apresentar uma narrativa coesa, o atrativo dos números
musicais foi responsável por manter o filme em cartaz no Cine Odeon – um

1 Estamos nos referindo a um desdobramento do gênero da revista de ano do século XIX, que, ao
longo das primeiras décadas do século XX, se encaminhou para o formato da féerie e do show,
privilegiando a música, a fantasia e o corpo da mulher. (VENEZIANO, 1991)

364 RAFAEL DE LUNA FREIRE


dos palácios de cinema da Cinelândia, no Rio de Janeiro – por três semanas
seguidas, um verdadeiro recorde de bilheteria para a época. Da mesma forma
que os intelectualizados membros do cineclube Chaplin Club – que vocifera-
vam contra o cinema sonoro nas páginas de seu jornal O Fan –,2 o crítico da
Cinearte desprezava um filme que deixava “[...] o cinema relegado à condi-
ção inferior de divulgador de revistas teatrais”. Menosprezando Follies de 1929
como mero “teatro cinematografado”, Vanderley (1929a, p. 28) afirmava ainda
que o espectador poderia ver “coisa melhor nos teatros do Rio”.3
O correspondente da Cinearte em São Paulo, Octávio Mendes (1929, p. 23),
seguia na mesma linha em sua avaliação de Follies de 1929: “É uma revista.
Não é um filme. Tem muito teatro. Nada tem de cinema”. Mendes destacava
somente o talento da estrela Sue Carol, o principal mérito do filme, “porque o
resto vocês podem ver na Companhia de Alda Garrido ou na Margarida Max.
E em brasileiro!”.4
Esse tipo de avaliação que equiparava os filmes-revista hollywoodianos ao
que rotineiramente se via nos palcos cariocas repetiu-se nos meses seguintes,
numa provável resposta dos críticos à estrondosa publicidade dos distribuido-
res que destacava a suposta “novidade” trazida pelos primeiros filmes sonoros.
Embora esses críticos não conseguissem deixar de perceber a inegável atração
do público por essas mesmas revistas cinematográficas, eles rechaçavam vee-
mentemente a suposta submissão desses filmes ao teatro, por simplesmente
reproduzirem nas telas as convenções do gênero teatral e desprezarem a espe-
cificidade da linguagem cinematográfica.
Ainda assim, todos os grandes estúdios norte-americanos – que domi-
navam o mercado brasileiro – investiram no gênero das revistas, cujas pro-
duções foram adquirindo cada vez mais luxo e esplendor como elemento de
atração e diferencial. Em novembro de 1929, a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
lançou Hollywood revue (The Hollywood Revue of 1929, Charles Reisner, 1929).
Segundo Paulo Vanderley (1929b, p. 28), “muita gente não gostou, mas todo
mundo foi ver”. Êxito semelhante se repetiu em 1930 com as revistas da
Universal e Paramount, O rei do jazz (King of jazz, John Murray Anderson, 1930)

2 Sobre a rejeição dos membros do Chaplin Club ao cinema sonoro, veja Costa (2008, p. 75-84).
3 A ortografia nas citações foi atualizada para melhor compreensão.
4 Alda Garrido e Margarida Max eram grandes estrelas do teatro de revista da época.

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 365
e Paramount em grande gala (Paramount on parade, Dorothy Azner et al., 1930),
respectivamente. Outro sucesso, o filme Broadway (Paul Fejos, 1930) mostrava
já no título a dependência de Hollywood da cena teatral musical nova-iorquina,
numa produção que o crítico anônimo de Cinearte (1930a, p. 28) destacava pela
montagem formidável, pelos “avanços e recuos” da câmera e por “alguns bons
números de música” e “algumas girls interessantes”. De fato, os espectadores
de Broadway devem ter ficado impressionados com os cenários grandiosos, a
coreografia milimétrica e os vigorosos movimentos de câmera, possibilitados
pela enorme grua e pelo gigantesco palco do estúdio.5
Além de números de canto e dança, os primeiros filmes-revista hollywoo-
dianos também possuíam, como no gênero teatral, os chamados sketches
(esquetes) cômicos dialogados, embora sua atração para o público brasileiro
ainda fosse prejudicada pelo “problema linguístico”.6 Mas, em pouco tempo,
as revistas cinematográficas passaram a se preocupar em apresentar para seus
espectadores tramas minimamente mais desenvolvidas, mesmo que fosse um
fiapo de história, quer romântica, policial ou cômica. Mesmo assim, a nar-
rativa ainda era frequentemente tida como mero pretexto para apresentar os
números de revista. De fato, a atração assumidamente principal desses filmes
residia na beleza dos cenários e das coristas, no desfile de astros e celebrida-
des dos palcos e das telas e, sobretudo, no dinamismo e alegria que viriam a
ser considerados característicos do gênero. Sobre As mordedoras (Gold diggers
of Broadway, Roy Del Ruth, 1929), musical da Warner, escreveu o crítico da
Cinearte (1930b, p. 28): “o filme prima pela ligeireza. Tudo é rápido. Diálogos,
planos, apanhados, tudo, enfim [...]. Não somos dos que apreciam o cinema
falado. Mas confessamos, sinceramente, que este filme é uma esplendida diver-
são nesse gênero”.
Nos últimos meses de 1930, porém, o gênero começou a dar sinais de
cansaço junto às plateias cariocas, como revelaria a resenha de Parada das

5 Filme disponível na edição em DVD, pelo selo Criterium, da obra-prima Solidão (Lonesome,
1929), do mesmo diretor Paul Fejos.
6 A dificuldade de compreensão dos diálogos em inglês num momento anterior às primeiras
experiências bem-sucedidas de legendagem fez com que a cópia de O rei do jazz, por exemplo,
tenha sido remontada para exibição no Brasil: “foram suprimidos os sketches falados, todos
eles. Ficaram apenas os cantados e dançados”. (CINEARTE, 1930c, p. 30) Sobre o assunto, veja
Freire (2015).

366 RAFAEL DE LUNA FREIRE


maravilhas (The Sshow of Shows, John G. Adolfi, 1929): “Esgotou-se o gênero
revista, no cinema. [...] Foram tantas, tamanhas e tão numerosas as que se
exibiram [...] que, afinal, aconteceu o que era fácil prever: o público cansou-
-se!”. (CINEARTE, 1930d, p. 24) Os filmes-revista continuaram sendo lan-
çados, é verdade, e mirando, sobretudo, as plateias que tomavam contato
mais tardiamente com o cinema sonoro, por exemplo, no Norte do país e
nas cidades do interior. Entretanto, cada vez mais se destacaram os filmes
musicais que possuíam enredos interessantes e autossuficientes, apresen-
tando mais do que apenas “ligação lógica” na sua função de alinhavar os
números musicais.
Em meio a essa tendência, no ano seguinte, chegou às telas a primeira
revista cinematográfica brasileira. Coisas nossas (Wallace Downey, 1931) era o
“[...] primeiro longa-metragem brasileiro ‘inteiramente sincronizado’ com o
uso do sistema vitaphone a conter não apenas música, mas também vozes e
ruídos”. (MIRANDA, 2015, p. 31) Produzido por Alberto Byington Junior, her-
deiro da Byington & Cia, empresa proprietária de emissoras de rádio, estúdio
e fábrica de discos, Coisas nossas foi claramente identificado como pertencente
a esse gênero cinematográfico.7 Jornais falavam da “revista da Byington & Cia”,
num filme no “[...] gênero Paramount em grande gala”. (FREIRE, 2011a, p. 237)
De fato, analisando os materiais sonoros preservados de Coisas nossas – alguns
discos sobreviveram, mas as imagens estão desaparecidas –, percebemos que o
filme se ressente de uma ligação narrativa mínima entre os diferentes números
musicais e esquetes cômicos, sendo marcado pela “estética da descontinui-
dade”, característica do gênero teatral e cinematográfico.8
É interessante destacar uma crítica de Coisas nossas comentando que o
filme-revista brasileiro pertencia a um “gênero que já caiu de moda”. (FREIRE,
2011a, p. 237) Mas, se entendemos os gêneros cinematográficos a partir de sua
dialética de repetição e variação, encontramos a novidade – e atração – de
Coisas nossas em seu estilo musical, com gêneros típicos brasileiros, sobre-
tudo “[...] o predomínio de sonoridades e ritmos ligados ao universo rural”.

7 Sobre Alberto Byington Jr., veja Freire (2013).


8 “Estética da descontinuidade” é um termo criado por Rick Altman (2004) em referência ao
uso da música no cinema silencioso. Acredito, porém, que ele também descreve adequada-
mente a estética das revistas cinematográficas.

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 367
(MIRANDA, 2015, p. 38) Além disso, nos palcos dos teatros cariocas, a revista
ainda continuava atraindo o grande público, mantendo sua estrutura de qua-
dros sem ligação clara entre si, equilibrando-se em números de fantasia e as
cenas cômicas. De fato, Coisas nossas trazia não apenas cantores e músicos,
mas também artistas do teatro de revista em esquetes cômicos, como Jararaca
e Ratinho, Genésio Arruda, Batista Júnior, entre outros.
Se as revistas cinematográficas hollywoodianas provavelmente começa-
vam a se repetir e a cansar, a chegada das revistas cinematográficas brasileiras
podia ser responsável por uma renovação do gênero para as plateias locais. Sua
novidade era simples, mas fundamental: diálogos e canções em “brasileiro”.

O elemento carnavalesco

A estrutura e o sucesso de Coisas nossas foram repetidos em filmes-revista


como Alô, alô, Brasil (Wallace Downey, 1935), associação da Waldow, de Wallace
Downey, com a Cinédia, de Adhemar Gonzaga, que não fugia da estrutura de
quadros sem ligações entre si. Mas, diferentemente do filme de 1931, Alô, alô,
Brasil foi lançado no período pré-carnavalesco, mais exatamente no dia 4 de
fevereiro, no Rio de Janeiro, e no dia 11, em São Paulo (GONZAGA, 1987), cerca
de um mês antes do feriado. Assim, o filme-revista reproduzia, no cinema, a já
conhecida estratégia das “revistas teatrais carnavalescas” de estrearem músicas
e lançarem cantores especialmente para a festa de Momo. É preciso destacar
como o Carnaval era tradicionalmente uma época importante para o mercado
musical brasileiro, motivando o lançamento de artistas e canções em discos,
peças, bailes, partituras e filmes. Isso fica patente em trecho de um suplemen-
to especial para o Carnaval de 1930, publicado pela revista Phonoarte: “Durante
o ano, fox-trots, tangos, um ou outro maxixe ou samba; no Carnaval: só música
nacional [...]”. Com a popularização crescente das marchas e sambas carnava-
lescos, acentuava-se a importância comercial do Carnaval para os músicos, as
gravadoras e estações de rádio. Continuava o suplemento:

A atividade não para, porém, aí, em busca de consagração popular: são os


folhetos impressos para a distribuição gratuita, é o piano da casa editora
que martela a peça incessantemente, é o folheto despertando a atenção
para o verso, são as visitas aos jornais à guisa de entrevista, é a orquestra

368 RAFAEL DE LUNA FREIRE


de dança numa festa, é o próprio povo ou os blocos organizados nas bata-
lhas de confete, etc. (PHONOARTE, 1930, p. 2)

Desde o final da década de 1910, o cinema brasileiro vinha explorando a


popularidade do Carnaval através dos filmes naturais que documentavam as
festas do reinado de Momo.9 Ao serem exibidas nos cinemas após o feriado,
essas reportagens cinematográficas eram, muitas vezes, acompanhadas pelas
orquestras das salas de exibição, tocando ao vivo as músicas mais populares do
último Carnaval, que era revisto nas telas através de registros “naturais”. Com o
domínio do cinema sonoro pelos produtores brasileiros, os filmes carnavales-
cos saíram do campo dos filmes ditos “naturais”. A voz do Carnaval (Humberto
Mauro, 1933), por exemplo, uma das primeiras experiências da Cinédia com
o sistema Movietone, foi uma mistura de documentário (reportagem sobre o
Carnaval) com ficção (uma história cômica passada na folia). Naturalmente,
os produtores brasileiros não demoraram muito para também adaptar para o
cinema as revistas carnavalescas, com Alô, alô, Brasil lançado às vésperas do
carnaval de 1935, como já foi mencionado.
Após Alô, alô, Brasil, porém, esperava-se uma novidade no Carnaval
seguinte. No filme-revista carnavalesco de 1936, Alô, alô, Carnaval, direção
de Wallace Downey e Adhemar Gonzaga, os roteiristas Gonzaga e Ruy Costa
esboçaram uma narrativa mais coerente, que tentou não apenas unir, mas
também justificar pela trama a inserção dos inúmeros quadros de variedade.
No filme, dois autores teatrais pobretões – os cômicos Pinto Filho e Barbosa
Júnior – tentavam montar uma revista no luxuoso Cassino Mosca Azul, coman-
dado pelo empresário interpretado por Jayme Costa. Os números de palco –
quer musicais, quer cômicos – eram diegeticamente justificados por serem
apresentados no próprio cassino do filme (originalmente intitulado “O grande
cassino”), inspirado pelo verdadeiro Cassino da Urca, mas reconstruído no
estúdio da Cinédia.
A essa altura, críticos e jornalistas brasileiros chamavam de “filmes-revista”,
“revistas cinematográficas” ou “cine-revistas” quaisquer filmes musicais que
tivessem como atração os números de palco, mesmo que possuíssem tramas
mais coerentes, com início, meio e fim. Consolidavam-se como a narrativa

9 Por exemplo, O que foi o carnaval de 1920, produção da Carioca-Film.

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 369
mais frequente nesses musicais as aventuras e desventuras da própria produ-
ção e encenação de um espetáculo, desenvolvendo o que veio a ser conhecido
como “musical de bastidores”. Além da Cinédia e da Waldow, outros produto-
res brasileiros investiram nesse gênero em meados da década de 1930, podendo
ser citados os longa-metragens Noites cariocas (Luiz de Barros, 1935) e Cidade
mulher (Humberto Mauro, 1936), ambos infelizmente perdidos.

A influência do teatro ligeiro cômico

Apesar do sucesso comercial dos “alô, alôs” – que tentaram repetir o glamour
dos musicais hollywoodianos, sobretudo ao contratar os mais caros e famosos
astros da música brasileira, como Carmen Miranda, Mário Reis e Francisco
Alves –, Adhemar Gonzaga tinha pretensões mais elevadas como produtor.
Após Alô, alô, Carnaval, sua produção seguinte, Bonequinha de seda (Oduvaldo
Vianna, 1936), foi definida como um luxuoso “romance musical”, em que a
história de uma gata borralheira modernizada estava em primeiro lugar, sendo
protagonizada por Gilda de Abreu, reunindo numa só pessoa a atriz e a canto-
ra. Pretendia-se um “filme de cinema”, muito mais do que “teatro cinemato-
grafado” ou “filme radiofônico”. A crítica e o público aplaudiram a iniciativa e
consagraram Bonequinha de seda como o maior sucesso da história do cinema
brasileiro até aquele momento.
Bonequinha de seda foi dirigido pelo mais respeitado diretor teatral da
época, Oduvaldo Vianna. Percebemos que, além do disco e do rádio, o teatro
se tornava uma influência cada vez maior para os produtores cinematográ-
ficos brasileiros em busca de filmes com apelo popular e sucesso comercial.
Enquanto o formato da revista musicada foi gradativamente migrando dos
palcos dos teatros para as emissoras radiofônicas e para os grill-rooms dos cas-
sinos – como já demonstrava Alô, alô, Carnaval –, os anos 1930 presenciaram
também o relativo sucesso do teatro ligeiro cômico brasileiro.
Conforme Adriano de Assis Ferreira, o teatro ligeiro cômico surgiu em fins
da década de 1910, inserido no modo de produção teatral hegemônico no Rio
de Janeiro: peças curtas, apresentadas em duas ou três sessões por noite, sem
grandes variações temáticas e formais – permitindo o reaproveitamento de
ideias, cenários e figurinos –, com atores famosos e “[...] uma plateia a quem

370 RAFAEL DE LUNA FREIRE


se deseja agradar e fidelizar a todo custo”. (FERREIRA, 2010, p. 31) Como uma
reinvenção do teatro declamado – em busca de um equilíbrio, propício a uma
nascente classe média, entre diversão e moralidade, refinamento e preço aces-
sível –, um de seus marcos iniciais foi a encenação de O simpático Jeremias,
estrelado por Leopoldo Fróes, no Teatro Trianon, em 1918.
No início dos anos 1920, o teatro ligeiro cômico consolidou-se, embora
tenha atravessado a crise mais ampla que atingiu todo o teatro brasileiro no
final dessa década. Suas características principais são:

Apresentação de peças comuns, com expectativa de permanência de sete


dias em cartaz, preparando terreno, por meio da publicidade, para a estreia
de originais brasileiros que poderiam converter-se em sucessos; encenação
que privilegia o desempenho dos atores e, principalmente, da estrela, com
eventual recurso aos ‘cacos’ em detrimento do texto, e auxílio do ponto
para manter uma progressão no enredo; adoção do método das sessões,
sendo duas por noite, aliadas a algumas matinês semanais (de uma a três),
permitindo a cobrança de um valor não tão superior ao cobrado pelo teatro
ligeiro musicado e pelo cinema e inferior ao cobrado pelas companhias im-
portadas no Teatro Municipal. (FERREIRA, 2010, p. 53-54)

Na década de 1930, sustentado essencialmente na fama, carisma e talento


de astros como Jayme Costa, Mesquitinha, Dulcina e Odilon, Darcy Cazarré,
ou, principalmente, Procópio Ferreira, o teatro ligeiro cômico conheceu rela-
tivo sucesso, diferenciando-se do humor característico do popular, mas menos
prestigiado teatro de revista. Nesse gênero, os esquetes cômicos eram, geral-
mente, cenas independentes, improvisadas e autônomas, com piadas prontas
e frequentemente gratuitas – as chamadas “bolas” –, constituindo-se como
mais uma atração nesse teatro de variedades. Herdeiros do palhaço do circo, as
extravagâncias dos cômicos das revistas dialogavam mais com a plateia do que
com seus companheiros de palco. (PRADO, 1984, p. 30)
Já no chamado “teatro para rir”, o ator cômico era o centro do espetáculo
e, quase sempre, dono da companhia teatral. A comicidade era a atração prin-
cipal, e não a música ou a encenação – coreografia, cenário, figurino etc. O
público corria aos teatros para ver e rir do célebre astro, importando pouco ou
quase nada a história, geralmente escolhida ou especialmente escrita para se
ajustar ao estilo e perfil do comediante.

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 371
Embora muitos cômicos tenham transitado regularmente entre as revistas
e o teatro ligeiro cômico, o próprio Procópio Ferreira, em um de seus livros,
apontou as diferenças na performance do ator em um e outro gênero:

O ator de opereta e de revista inventa mais e sem atender ao espírito do


papel ou à situação posta em cena [...]. O ator de comédia, em contra-
posição [...] apresenta-se como o ‘continuador inteligente’ do autor. Um
quebra, o outro preserva a coerência da personagem e a identidade da
peça. Desde que não deformasse totalmente o personagem, o ator cômi-
co, porém, também estava livre para improvisos sobre o texto.10 (PRADO,
1984, p. 30)

Diante da voga do teatro ligeiro cômico – e com o rádio assumindo o


papel de principal divulgador e promotor da música popular –, a partir da
segunda metade dos anos 1930, o cinema ficcional brasileiro apoiou-se regu-
larmente em sucessos teatrais. Tal fenômeno pode ser claramente visto na fil-
mografia dos estúdios Cinédia e Sonofilms e podemos sugerir três hipóteses
principais para essa inegável tendência. Em primeiro lugar, a adaptação de
uma peça para o cinema tornava muito mais simples o trabalho do roteirista.
Bem mais fácil, por exemplo, do que escrever uma história e diálogos origi-
nais para um filme musical, que demandava ainda a criação de ganchos que
justificassem a inserção dos vários números musicais. Lembremos a inexis-
tência, no cinema brasileiro da época, em sua tentativa de industrialização,
de roteiristas profissionais.11
Em segundo lugar, a crítica comentava como os filmes musicais vinham
causando certo cansaço nos espectadores, demandando algum tipo de reno-
vação. A temática carnavalesca seria responsável por revitalizar o gênero para
os produtores brasileiros, mas sendo limitada aos filmes lançados próximos ao
feriado do início do ano, em pleno verão. Entretanto, era no período de março

10 Também Oscarito, astro de revistas nos anos 1930, fez essa distinção na década seguinte: “Na
comédia podemos representar, sem a preocupação da revista, onde somos obrigados a tudo
sacrificar em proveito da graça. Bola em cima de bola, eis o principal em revista”. (MIGUEIS,
1946, p. 6)
11 Em sua crítica ao filme O samba da vida, mesmo fazendo restrições à adaptação cinematográfi-
ca, Raymundo Magalhães Júnior (1937b, p. 5) observou: “Em todo caso, sempre é melhor filmar
uma peça, mesmo com seu desenvolvimento teatral, do que uma tolice sem pés nem cabeças,
como muitas que tem aparecido no nosso cinema”.

372 RAFAEL DE LUNA FREIRE


a novembro que as salas de cinema no Brasil – raríssimas dotadas de ar-condi-
cionado –12 eram mais frequentadas. Portanto, havia a necessidade de produzir
filmes para serem lançados em outras datas e que, obviamente, fugissem do
universo carnavalesco. As comédias baseadas em peças teatrais surgiam, então,
como excelente opção para os chamados filmes “de meio de ano”.
Em terceiro lugar, com o extraordinário sucesso, sobretudo comercial,
dos principais cantores e compositores de música popular, tornava-se cada
vez mais caro pagar para certas canções e intérpretes participarem dos fil-
mes. É conhecida a história de Ary Barroso ter pedido um preço considerado
muito alto pelo produtor Wallace Downey para ceder suas músicas para o filme
Banana da terra (1939), ao ponto dele ter preferido comprar os direitos de uma
canção então desconhecida de um compositor baiano iniciante. A sorte é que
esse músico então desconhecido chamava-se era Dorival Caymmi, e a música,
o sucesso “O que que a baiana tem”. (CASTRO, 2005, p. 166-168)
Nesse sentido, comprar os direitos de uma peça de sucesso já comprovado
nos palcos era um investimento menor e talvez mais garantido. Uma boa parte
dos filmes produzidos pelos estúdios de Adhemar Gonzaga e Alberto Byington/
Wallace Downey, na segunda metade dos anos 1930, era de adaptações de peças
teatrais cômicas encenadas com sucesso nos anos imediatamente anteriores.
Entretanto, uma ausência notável no cinema cômico brasileiro dos anos
1930 é a de Procópio Ferreira, inegavelmente o mais conhecido ator dos palcos
brasileiros. Com uma carreira de sucesso desde a década anterior, sua popu-
laridade foi elevada a níveis estratosféricos após a estreia de Deus lhe pague,
peça de Joracy Camargo, em fins de 1932, na qual interpretava o protagonista
“mendigo-milionário-filósofo”. Reapresentada milhares de vezes, Deus lhe
pague tornou Procópio milionário de verdade e o consagrou definitivamente
como maior nome do teatro do país.
Antes de Deus lhe pague, Procópio participou de um pequeno esquete no
filme Coisas nossas. Depois da peça de Joracy Camargo, o ator só voltou ao
cinema brasileiro no ambicioso drama da Cinédia Pureza (Chianca de Garcia,
1941), adaptado do romance do escritor José Lins do Rego. O motivo para essa

12 A refrigeração só começou a se expandir nas melhores salas do Rio de Janeiro após a inaugu-
ração do Cine Metro, em 1936. (FREIRE, 2011b)

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 373
ausência de dez anos nas telas brasileiras – com exceção da participação num
filme português – era que o teatro ocupava todo o seu tempo.13
Apesar de ser considerada um marco na história do chamado “teatro social
brasileiro”, Deus lhe pague não representava uma mudança, mas a culminância
de tendências teatrais e políticas. E para Procópio, “a peça significou um ápice,
que ele nunca ultrapassaria, não um corte ou uma mudança de rumo em sua
carreira”. (PRADO, 1984, p. 45-56) O mendigo de Deus lhe pague cristalizou o
tipo que o ator, com pequenas variações, já vinha desempenhando e continuou
representando dali em diante. Antes, mas, principalmente, depois dessa peça,
Procópio estrelou dezenas de montagens em que os personagens se adequa-
vam a sua personalidade. Não era exatamente o malandro, mas o tipo irônico e
espirituoso, interpretado pelo ator baixinho e narigudo a provocar graça com
suas tiradas sarcásticas, seu olhar vivo e seu sorriso malicioso. Conforme Décio
de Almeida Prado (1984, p. 71), Procópio era imbatível nas cenas a revelar a
hipocrisia alheia:

Rodeado de amigos ou parentes pressurosos, deixava cair as bochechas,


semicerrava os olhos, revirando-os para o alto, e reduzia a voz a um fiozi-
nho piedoso, tocante – mas perfeitamente audível da última fila da pla-
teia. Ríamos daquele lobo, ou melhor, daquela raposa vestida em pele de
cordeiro, que enganava a todos no palco e a ninguém na plateia.

Se o sucesso extraordinário de Deus lhe pague provavelmente intimidou


qualquer tentativa de levar a peça às telas brasileiras – só foi filmada em 1947,
e na Argentina! –, quatro outras montagens da Companhia Procópio Ferreira
foram adaptadas pelo cinema brasileiro na segunda metade dos anos 1930.
Nenhum desses filmes, porém, conseguiu contar com o ator no elenco.
Ainda em 1931, o mesmo Joracy Camargo, autor de Deus lhe Pague, já havia
escrito a peça O bobo do rei para Procópio, encenada em maio daquele ano
no Teatro Trianon, no Rio de Janeiro. No mês seguinte, o mesmo palco tam-
bém presenciou a estreia de Bombonzinho, de Viriato Corrêa, outra monta-
gem da Companhia Procópio Ferreira. Por fim, duas outras peças produzidas

13 Em entrevista à revista A Cena Muda, Procópio afirmava: “o cinema já me atraiu. [...] Não tive
tempo para continuar minha carreira cinematográfica. [...] Trabalho muito [no teatro]. E tenho
lotações esgotadas”. (MONCORVO, 1941, p. 21)

374 RAFAEL DE LUNA FREIRE


e estreladas por Procópio também virariam filmes: Compra-se um marido, de
José Wanderley, encenada em 1934, e Frederico Segundo, de Eurico Silva, que
estreou em 1935.
As adaptações cinematográficas de O bobo do rei e Bombonzinho foram
produzidas pela Sonofilms e, infelizmente, são consideradas perdidas. Eram
duas comédias de “meio do ano”, lançadas, respectivamente, em julho e setem-
bro de 1937. No filme O bobo do rei, o papel do “bobo da corte” do título – o
vagabundo do Morro do Querosene, Aristides Cassiano, vulgo Pinguim –, con-
sagrado nos palcos por Procópio, foi interpretado pelo cômico Mesquitinha,
também diretor da adaptação cinematográfica. Já em Bombozinho, a direção
coube ao próprio autor Joracy Camargo.14 No filme, o personagem Mingote, o
respeitável professor que cai na farra, foi interpretado por Oscarito – nos pal-
cos, o papel coube a Darcy Cazarré –, cabendo a Palmerim Silva o personagem
do mulherengo Agapito, que fora de Procópio.
As duas outras adaptações, produzidas pela Cinédia, trocaram o título ori-
ginal da peça: Frederico Segundo virou O samba da vida, enquanto Compra-se
um marido tornou-se Maridinho de luxo, ambos os filmes dirigidos por Luiz
de Barros. Eram também duas produções lançadas fora da temporada carnava-
lesca, respectivamente em outubro de 1937 e agosto de 1938.
Ainda que exista cópia preservada de Maridinho de luxo – protagonizado
novamente por Mesquitinha –, nosso principal objeto de análise será O samba
da vida, filme que também, felizmente, sobreviveu.15 Como já dito, trata-se
de uma adaptação da peça Frederico Segundo ou O homem que eu não sou,

14 A pesquisa em críticas da época e o material publicitário do filme deixam claro que a direção
do filme Bombonzinho coube a Joracy Camargo, embora praticamente toda a bibliografia sobre
cinema brasileiro credite a direção do filme a Mesquitinha, que sequer fazia parte do elenco
do filme, além de ter dirigido O bobo do rei na mesma época. Possivelmente, o dramaturgo,
posteriormente imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), envergonhado de sua única
experiência na direção de um longa-metragem, tenha renegado seu trabalho, que desapare-
ceu de seus currículos e biografias. Entretanto, é preciso corrigir essa informação, que consta,
inclusive, na base de dados Filmografia Brasileira, da Cinemateca Brasileira. A origem da confu-
são talvez esteja no livro pioneiro de Alex Viany (1959, p. 189), que já creditava a Mesquitinha a
direção de Bombonzinho. Portanto, podemos dizer que, em 1967, Joracy Camargo foi o primei-
ro cineasta a ser eleito para a ABL, quase 40 anos antes de Nelson Pereira dos Santos também
se tornar acadêmico.
15 Para esta pesquisa, utilizamos uma cópia em vídeo do filme, feita a partir da versão reconstruí-
da de O samba da vida, lançada pela Cinédia em 1981. Essa cópia claramente apresenta algumas
cenas em ordem invertida. Além disso, alguns números musicais mencionados na imprensa da

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 375
que estreou pela Companhia Procópio Ferreira, nos palcos de São Paulo, em
1935. No ano seguinte, a peça foi remontada no Rio de Janeiro, agora com
Darcy Cazarré no papel principal. Escrita pelo ator português Eurico Silva – o
galã de Deus lhe pague –, a peça trazia mais um papel feito sob medida para
Procópio, dessa vez o do “ladrão filósofo” Pedro Paulo. Como nos demais
filmes citados, na adaptação dessa peça para o cinema, o personagem coube a
outro astro cômico que não o sempre ocupado Procópio, sendo interpretado
por Jayme Costa.
O samba da vida costuma ser mais lembrado pelo fato de seu diretor ter
concluído as filmagens antes do previsto, conseguindo realizar um segundo
filme, Tereré não resolve (1938), no prazo de apenas uma semana, com restos de
negativo e praticamente a mesma equipe, elenco e equipamentos do primei-
ro.16 Devido ao caráter improvisado dessa produção, feita especialmente para
ser lançada no Carnaval de 1938, Luiz de Barros (1978, p. 137) considerou Tereré
não resolve como sua primeira chanchada. Alguns pesquisadores concordaram
com essa perspectiva, identificando ainda a auto ironia, a assumida precarie-
dade e a comicidade debochada de Tereré não resolve com marcas fundamen-
tais das chanchadas posteriores.17
Já O samba da vida, uma produção mais cuidadosa e lançada em outubro
de 1937, coloca-se distante do improviso da chanchada e do filme carnavalesco.
Ao mesmo tempo em que é uma adaptação relativamente fiel do texto teatral,
a versão cinematográfica tem cenas, personagens e, sobretudo, números musi-
cais que não existiam originalmente em Frederico Segundo. A peça cômica no
cinema aproximou-se do filme-revista.
Nossa análise se deterá sobre O samba da vida, buscando perceber como
esse filme se situava diante da voga de adaptações de sucessos do teatro
cômico pelo cinema brasileiro, equilibrando-se entre a comédia e o musical.

época aparentemente não estão presentes nessa versão, tais como “Caçador de esmeraldas”
e “Marqueza de Santos”. Essa cópia possui 94 minutos de duração.
16 Nas memórias de Luiz de Barros (1978, p. 137), pela edição cronológica de seu depoimento, o
leitor tem a impressão de que Tereré não resolve foi realizado com as sobras de Maridinho de
luxo. Mas Alice Gonzaga (1987, p. 71) deixa claro, em seu estudo, que se tratou de uma produ-
ção feita na esteira de O samba da vida.
17 Luciana Corrêa de Araújo (2006, p. 71) considera o filme “uma espécie de elo de ligação entre
os filmes carnavalescos anteriores, como Alô, Alô, carnaval, e a chanchada como ela se conso-
lida a partir dos anos 1940 [...]”.

376 RAFAEL DE LUNA FREIRE


Discutiremos ainda a inclusão de “números de revista” no filme, inexistentes
originalmente na peça, diante da dependência do cinema brasileiro sonoro da
popularidade e sucesso da música popular, particularmente do samba, assim
como da tradição dos filmes-revista. Por fim, analisaremos ainda a exigên-
cia da crítica cinematográfica da época por filmes mais “cinematográficos”,
o sucesso, junto ao público, das luxuosas “superproduções” de Hollywood e
como o cinema brasileiro buscou atender a essas expectativas. Cotejaremos o
filme da Cinédia, em especial, com as adaptações cinematográficas realizadas
no mesmo ano pelo concorrente estúdio Sonofilms.

De Frederico Segundo a O samba da vida

A peça Frederico Segundo inicia-se com a invasão de um palacete, à noite, pelo


protagonista Pedro Paulo, 50 anos, definido como “meio filósofo e ladrão in-
teiro”. (SILVA, 1936, p. 1) Acompanhado de sua gangue, o ladrão descobre que
os donos da luxuosa residência estão viajando e permanecerão ausentes por
três meses. Em vez de furtar os objetos, Pedro Paulo decide mudar-se para a
casa, acompanhado de sua mulher, Mathilde, da filha Geni, assim como do
comparsa, Ernesto, a passar-se por seu empregado, assumindo o nome de João.
O ladrão e senhora assumem, então, a identidade dos moradores, o respeitável
Coronel Frederico Antunes Segundo e sua esposa, Martiniana Ludovico.
Fazendo frequentes tiradas em francês, Pedro Paulo é um criminoso que usa
de sagacidade, não de força: “Eu gosto das aventuras, mas nunca fiz derramar
uma só gota de sangue de ninguém... É esse o meu lema”. (SILVA, 1936, p. 6)
Uma espécie cínica e distorcida de Robin Hood, seu objetivo é “tirar aos que tem
muito para entregar ao ‘outro’ que tem pouco”, deixando claro ser ele o “outro”
em questão. (SILVA, 1936, p. 9) Define-se, por fim, como um “modestíssimo
representante da justiça compensadora”. (SILVA, 1936, p. 80) Para atingir seus
objetivos, sua principal arma é a inteligência, ou perspicacité, em suas palavras.
Assim, ele enfrenta, com ironia e esperteza, as inúmeras confusões resultantes
de seu plano: a visita de um antigo conhecido do Coronel – mas que, míope,
acredita ser Pedro Paulo o seu velho amigo –; a chegada de um desconhecido
filho bastardo do verdadeiro morador da casa – fruto de uma aventura 18 anos
antes –; o encontro com um policial que planeja usar o palacete como armadilha

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 377
para capturar o próprio Pedro Paulo; e, por fim, o confronto com o verdadeiro
Coronel, que retorna a sua casa. O humor advém dos mal-entendidos, resolvidos
sempre de forma criativa pelo ladrão metido a filósofo, e de seus comentários
espirituosos a respeito das mais esdrúxulas situações.
Comédia despretensiosa, Frederico Segundo é uma peça em três atos,
sendo o primeiro divido em dois quadros, evoluindo cronologicamente no
cenário único da mansão do Coronel, uma “suntuosa habitação na Tijuca”.
(SILVA, 1936, p. 1) Com pouca ação física, trata-se de um texto que, na linha-
gem de Deus lhe pague, apoia-se nos diálogos como fonte de sua comicidade.
Demonstrando seu amor pelas máximas, trocadilhos e jogos de palavra, a peça
de Eurico Silva inseria-se na trilha do “teatro de frases”, consagrado por Joracy
Camargo. (PRADO, 1984, p. 47-48)
Além de piadas,18 o texto traz devaneios filosóficos cuja graça provém jus-
tamente da boca de quem eram proferidos: um ladrão absolutamente cínico.
Assim, a peça seguia o perfil consagrado dos textos feitos sob medida para
Procópio, do vagabundo filósofo de O bobo do rei, passando pelo mendigo
filósofo de Deus lhe pague, chegava-se ao ladrão filósofo de Frederico Segundo.
Como o Pinguim de O bobo do rei, favelado que conseguia trabalho como secre-
tário de um milionário usineiro, agindo como uma espécie de bobo da corte do
“Rei do Açúcar” (CAMARGO, 1932), Pedro Paulo também tira proveito de sua
excepcional condição – um ladrão no lugar de um milionário – para destilar
seu cinismo, que revela, porém, um visão franca e honesta da realidade como
resultado do insólito das situações. Ladrão assumido e descarado, Pedro Paulo
também se aproxima do adúltero profissional Agapito, de Bombonzinho, orgu-
lhoso de suas vigarices elaboradas com rigor matemático: “Armo as minhas
piratarias como se arma uma equação”. (CORREA, 1931)
A adaptação cinematográfica O samba da vida segue bem de perto a trama
de Frederico Segundo: a narrativa evolui na mesma cronologia, o cenário prin-
cipal permanece sendo a residência do Coronel e o diálogo, em grande parte,
é o mesmo. Entretanto, em todas as cenas que se constituem em adaptações
bastante fiéis do texto original, O samba da vida busca fugir de uma suposta

18 Por exemplo, na conversa entre o ladrão e sua mulher: “Pedro: Decididamente, eu nasci para
capitalista. / Mathilde: Só te falta uma coisa. / Pedro: O que? / Mathilde: O capital”. (SILVA,
1936, p. 39)

378 RAFAEL DE LUNA FREIRE


teatralidade – resultante do confinamento no estúdio e da verbalidade do
texto teatral – a partir de um inegável dinamismo da câmera e da montagem.
Planos curtos e movimentos variados de câmera, sempre posicionada em dife-
rentes locais do cenário, buscam enfaticamente dar ao filme um aspecto mais
“cinematográfico”, de acordo com os valores da época para o que se julgava
ser a especificidade do cinema. A própria publicidade da produção da Cinédia
alardeava que o filme, mesmo baseado em peça teatral, “é cinema e só cinema,
na intensa vibração das câmeras que o filmaram, na notável movimentação de
todas as suas cenas e das suas figuras”. (CINÉDIA, [1937])
Há de se destacar, inclusive, que algumas cenas com o personagem do policial
Rodrigo da Fonseca (Manoel Rocha) foram criadas especialmente para o filme, de
modo a dotar O samba da vida de um humor corporal inexistente na peça. Numa
ocasião, o personagem do policial lusitano e atrapalhado é perseguido por um cão
e, em outra, tentando criar uma fórmula, inadvertidamente provoca uma explo-
são, que deixa seu rosto inteiramente chamuscado, ambas as situações explorando
a comicidade através de ações físicas em detrimento do humor verbal.
A busca por um aspecto mais “cinematográfico” em O samba da vida des-
taca-se ainda mais quando em comparação com as produções mais apressadas
de Wallace Downey, na Sonofilms, realizadas no mesmo período. O bobo do
rei, lançado no Cine Rex em julho de 1937, foi assim sintetizado pelo crítico
Pedro Lima (1937b, p. 5): “Imagens fixas e sem movimento”. Sua opinião era
compartilhada por Raymundo Magalhães Júnior (1937a, p. 5): “filme de long
shots, uma carência absoluta de movimentação de máquina, de ângulos esco-
lhidos, de valores ‘cinemáticos’”. Por fim, a crítica de um fã, publicada no jornal
O Imparcial, repetia esses mesmos argumentos ao afirmar que O bobo do rei
não era um “verdadeiro filme cinematográfico”. Lamentando a falta de close
up, o leitor descrevia: “Vemos as personagens, quase sempre mais de três numa
cena, dos pés à cabeça, dando a impressão de verdadeira representação teatral”.
(DRUMMOND, 1937, p. 15)
Bombonzinho, lançado no Cinema Alhambra dois meses mais tarde, mere-
ceu comentários semelhantes: “Tem diálogos longos, falta movimentação, os
artistas conservam todos os vícios de ação que caracteriza os elementos de
ribalta”. (LIMA, 1937a, p. 5)
Embora não existam cópias de O bobo do rei e Bombonzinho para con-
ferirmos tais comentários, sem dúvida são descrições bem diferentes do que

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 379
vemos em O samba da vida e do que foi a recepção da crítica ao filme de Luiz
de Barros em outubro de 1937. Na produção da Cinédia, o dinamismo no posi-
cionamento da câmera – incluindo vários close ups – mereceu o elogio do crí-
tico Mário Nunes (1937, p. 16) no Jornal do Brasil: “A direção esforçou-se por
evitar a teatralidade, preocupou-se com o atrativo dos ângulos rebuscados, e
foi, de um modo geral, feliz”. Embora alguns críticos ainda tenham feito res-
trições aos “vícios da linguagem do palco” (LIMA, 1937c, p. 5), a resenha de
O Globo reproduziu a opinião da maioria: “Neste ponto, entre, por exemplo,
‘Bobo do rei’ e ‘Samba’, há pelo menos um século de direção...”. (E. L., 1937, p. 5)
A mesma comparação foi feita dois anos mais tarde, num artigo de Raymundo
Magalhães Júnior (1939, p. 5) sobre a voga de filmes baseados em textos tea-
trais. Nele, o crítico lamentava como filmes como O bobo do rei e Bombonzinho
ressentiram-se da falta de adaptação para o cinema. Já O samba da vida, ele
escrevia ironicamente, “[...] foi adaptada demais...”.
Vale destacar que O samba da vida está inserido num contexto do cinema
brasileiro em que, diante do maior domínio sobre a gravação sincrônica do som
à imagem, alguns diretores de maior pretensão buscaram criar obras que reto-
massem a linguagem mais dinâmica do cinema silencioso após a fase dos filmes
“teatrais” e “radiofônicos” do início do cinema sonoro. A imprensa notava, em
especial, uma espécie de “Fla x Flu” entre Oduvaldo Vianna e Raul Roulien, com
Bonequinha de seda (1936), produzido por Gonzaga, e O grito da mocidade (1937),
dirigido e produzido por Roulien. Em meio a essa disputa, Luiz de Barros (ou
Lulu de Barros) também buscou mostrar seu valor com O samba da vida, contando
com os mesmos estúdios e equipamentos da Cinédia que Oduvaldo Vianna usara,
assim como o mesmo diretor de fotografia, o competente Edgar Brasil.19
Na análise que fez de O samba da vida em seu estudo sobre o fotógrafo
Edgar Brasil, o pesquisador Hernani Heffner (1988, p. 147-148) destacou a

19 Hernani Heffner (1988, p. 137-138) ressaltou como Luiz de Barros, “depois de muitos anos
sendo malhado em virtude de seu estilo apressado e aproveitador de fazer cinema”, viveu uma
breve lua de mel com a crítica com a boa recepção a O jovem tataravô (1936) e O samba da vida
(1937). Essa “melhoria súbita” teria sido resultado de um maior compromisso do cineasta após
ser efetivado como diretor contratado da Cinédia, além dos maiores recursos que lhe foram
colocados à disposição. Entre eles, destacavam-se os equipamentos adquiridos por Gonzaga
entre 1935 e 1936, entre os quais, novos refletores modernos, além de reveladora e copiadora
profissionais, que melhoraram muito a qualidade no processamento dos filmes. (HEFFNER,
1988, p. 101-102)

380 RAFAEL DE LUNA FREIRE


intenção de Luiz de Barros de buscar “novas soluções narrativas e de compo-
sição”. Apesar de elogiar o “trabalho conjugado e criativo de câmera e mon-
tagem” em O samba da vida, marcado por um dinamismo e agilidade que se
opunham “à rigidez de linguagem dos filmes anteriores de Lulu” – planos fixos
e perspectiva quase única –, Heffner não deixou de reconhecer o “rebusca-
mento” do filme, que “acabou redundando em barroquismo consumado”.
Além disso, em comparação com seus concorrentes, Luiz de Barros revela
falta de perícia na manipulação da narrativa clássica cinematográfica, demons-
trando dificuldade na manutenção de uma exata continuidade de um plano
para o outro, diversas vezes “quebrando o eixo”, por exemplo.20 Os “ângulos
rebuscados” mencionados por Mário Nunes revelam a imperiosa necessidade
de dar ao filme bastante “movimento”, mesmo que de forma exagerada e, de
acordo com a gramática hollywoodiana, incorreta.21 As falhas na montagem –
isto é, na continuidade –, a cargo do próprio Luiz de Barros, foram notadas,
inclusive, pela crítica da época. (E. L., 1937, p. 5)
Não à toa, os melhores momentos cômicos de O samba da vida estão nas
cenas em que a câmera e a montagem menos intervêm, deixando os atores
conduzirem de forma mais precisa o timing dos diálogos – exatamente como
ocorria nos palcos da época. Exemplo disso é o encontro entre Pedro Paulo
e o Coronel Magalhães (Pinto Filho), em que Jayme Costa demonstra todo o
seu talento, ou as cenas em que ele contracena com seu comparsa Ernesto/

20 No estilo de continuidade que caracteriza o cinema clássico hollywoodiano, o espaço da cena é


construído ao redor do que é chamado de eixo de ação ou linha de 180 graus, estabelecido pela
câmera. O eixo atravessa a cena e estabelece um semicírculo, ou uma área de 180 graus, onde
a câmera pode ser posicionada em qualquer lugar para representar a ação. O uso da câmera
“dentro do eixo” garante que as posições dos elementos na imagem permaneçam consistentes
– isto é, verossímeis. Assim, um personagem permanecerá, em todos os planos em continui-
dade, sempre à esquerda ou à direita de outro personagem, por exemplo. “Quebrar o eixo”
consiste em colocar a câmera numa posição que cruze essa linha imaginária, resultando numa
imagem confusa, em que os personagens, por exemplo, parecem ter subitamente mudado de
posição. É o que acontece frequentemente em O samba da vida. (BORDWELL; THOMPSON,
2008, p. 231-234)
21 Luiz de Barros, como a maior parte dos cineastas da sua geração vinda do cinema mudo, in-
cluindo Humberto Mauro, teve grande dificuldade em obedecer às regras básicas da lingua-
gem clássica narrativa hollywoodiana, como respeitar o eixo. Oduvaldo Vianna e Raul Roulien
revelaram-se diretores muito mais hábeis, embora eu acredite que só a geração da Atlântida,
liderada por Watson Macedo, nos anos 1940, finalmente demonstrou plena segurança no do-
mínio das normas da narrativa clássica.

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 381
João, interpretado pelo igualmente talentoso comediante Manoelino Teixeira.
Na atenta avaliação de Pedro Lima, o protagonista Jayme Costa “toma conta do
público e é o maior responsável pelo agrado do filme”. (LIMA, 1937c, p. 5)
Outro aspecto a ser destacado em relação ao abundante uso de recursos
cinematográficos – que incluem até a grua apelidada de “dinossauro”, cons-
truída por Edgar Brasil para Bonequinha de seda – é o desejo de apresentar um
filme que rejeite a imagem de pobreza e precariedade do cinema brasileiro –
simbolizada cada vez mais pelas apressadas chanchadas carnavalescas –, espe-
cialmente em contraste com Hollywood.
Se muito se comenta sobre o fato de Tereré não resolve ter sido feito com as
sobras de O samba da vida, pouco se analisa o fato de O samba da vida ter tido
recursos abundantes e mais do que suficientes para sua produção – algo certa-
mente raro em qualquer momento da história do cinema brasileiro. A trama da
invasão de uma mansão enseja a exibição do talento do cenógrafo Hippolito
Collomb, responsável por criar, em estúdio, aposentos ricos e luxuosos, com lindas
estatuetas, quadros e vasos, além de um piano de cauda e longa escadaria. A maior
parte das cenas ocorre na espaçosa sala de estar, que chega a demandar da câmera
um longo movimento panorâmico para conseguir abarcá-la num único plano.
Seguindo essa ostentação visual, porém, o filme cria certas incongruên-
cias. No lugar de ressaltar o contraste da família de ladrões pobretões com o
luxuoso ambiente, O samba da vida parece promover um refinamento de seus
personagens. Apesar de interpretada pela mesma Belmira de Almeida que tam-
bém fez a personagem nos palcos, a Mathilde da adaptação cinematográfica
tem pouco do “tipo de mulher de subúrbio, desajeitada, grosseira” indicado
no texto da peça. (SILVA, 1936, p. 12) Assim, Frederico Segundo, peça inteira-
mente passada numa mansão, serve de adequada matéria-prima para um filme
da Cinédia, que, ao longo dos anos 1930, perseguiu o ideal de uma cinema
brasileiro sofisticado, refletido em cenários e personagens ricos, modernos e
luxuosos como se vê de Lábios sem beijos (Humberto Mauro, 1930) a Romance
proibido (Adhemar Gonzaga, 1944) e também nas fotos de cena dos filmes, hoje
perdidos, da Sonofilms.22

22 Uma observação interessante é que, para o filme O bobo do rei, foi criada uma introdução
inexistente na peça para mostrar uma batucada no Morro do Querosene, de onde vem o per-
sonagem Pinguim – algo apenas mencionado no texto teatral. Em uma foto de cena dessa
sequência – preservada no Acervo Pedro Lima, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro –,

382 RAFAEL DE LUNA FREIRE


Tratava-se, por fim, de alinhar O samba da vida ao que era o mais popular
gênero do cinema dos anos 1930, o das “superproduções”. Fossem romances,
dramas ou musicais, as superproduções eram associadas a grandes estrelas e
orçamentos elevados, refletidos em luxuosos valores de produção, como cená-
rios requintados, grande número de figurantes, figurino rico e variado etc.23
Entretanto, a comédia ligeira Frederico Segundo não somente se transformou
em superprodução no cinema, como também num filme musical.

O musical em O samba da vida

A mais evidente diferença do filme de Luiz de Barros para a peça original está
na criação de uma nova personagem, uma segunda filha para Pedro Paulo.
Além da loira Geni (Maria Amaro), dançarina num dancing, O samba da vida
apresenta a morena Heloísa (Heloísa Helena), bailarina coadjuvante num filme
musical rodado no próprio filme.
É justamente através de Heloísa que o filme apresenta suas principais
mudanças em relação ao texto teatral. Em sua primeira parte, a persona-
gem praticamente não contracena com o núcleo principal da história (Pedro,
Mathilde e João) e as cenas criadas para ela servem justamente para interrom-
per a evolução cronológica do enredo concentrada no cenário da mansão,
criando, assim, duas linhas narrativas paralelas e alternadas. Vamos analisar,
portanto, as cenas criadas especialmente para o filme, centradas na persona-
gem da candidata a estrela de cinema.
A primeira cena com Heloísa, além da chegada dela à casa, ocorre, no
filme, imediatamente em seguida ao que seria, na peça, o fim do primeiro qua-
dro, com a definitiva instalação da família no palacete. A “cortina” da peça é,
inclusive, reproduzida no cinema através de um efeito fotográfico. Heloísa está

chama atenção o realismo dos casebres e do grande número de figurantes que interpretam
moradores da favela. Após essa breve introdução, porém, o filme voltava-se inteiramente para
os interiores da luxuosa mansão do Rei do Açúcar, totalmente construídos em estúdio, embora
com cenas como a da piscina, filmadas em locação. O retrato mais realista da favela no início
de O bobo do rei – assim como em Favela dos meus amores (1935), de Humberto Mauro – são
exceções no tratamento desse cenário pelo cinema brasileiro da época. Sobre a representação
das favelas nas comédias musicais dos anos 1930 a 1960, veja Freire e Freire (2018).
23 Sobre as superproduções no cinema brasileiro dos anos 1930, veja Freire (2011a, p. 270-278).

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 383
entristecida no set de filmagem de um filme musical, dialogando com Carlos
(Orlando Britto), o jovem diretor do estúdio, revelando ter um problema em
casa, mas sem revelar qual é. Em seguida, tem início a filmagem de um número
musical dirigido por um cineasta de sotaque lusitano (José Soares) usando
monóculo no estilo de Erich Von Stroheim. Trata-se de “maracatu” (capiba),
um número folclórico com cangaceiros e escravos estilizados. Luiz de Barros
faz uso da relativa amplidão do palco de filmagem da Cinédia e da mobilidade
da grua, buscando efeitos caleidoscópios a la Busby Berkeley, mas o pequeno
número de dançarinos – entre os quais, a personagem Heloísa – e a banalidade
da coreografia os deixam pouco expressivos visualmente.24
Posteriormente, outra cena na mansão é interrompida, quando o filme
retorna para o cenário do estúdio de cinema. Dessa vez, Heloísa conversa com
outras bailarinas num intervalo de filmagem. As amigas pedem para Heloísa
cantar e, numa absoluta falta de sincronia, ela “toca” o piano e interpreta “Eu
canto samba”. A moça encanta a todos, que param para ouvi-la, até ser inter-
rompida por Carlos. Juntos, saem para tomar chá. Ao piano novamente, ela
canta a música-título, “O samba da vida” (Walfrido Silva), especialmente para
Carlos. Posteriormente, o diretor do estúdio deixa Heloísa de carro na man-
são e as duas irmãs se cruzam na escada, no que é, praticamente, a primeira
junção das duas linhas narrativas. Geni, vestida de preto, chama Heloísa, de
roupa branca, de a “certinha da casa”, esboçando uma oposição e uma rivali-
dade entre ambas, o que não é explorado dramaticamente no restante do filme.
A próxima sequência com Heloísa é incluída novamente no que, na peça,
era uma cena contínua, do encontro de Pedro Paulo com o policial Rodrigo
da Fonseca, interessado em alugar o andar superior da mansão como parte
do plano para capturar o ladrão que, na verdade, está a sua frente. Heloísa
está no escritório da produtora quando Carlos, subitamente, pede sua mão
em casamento. Ela recusa, dizendo que o ama, mas não pode se casar com ele.
A conversa, porém, é interrompida pelo assistente chamando para o início da
filmagem. Dessa vez, o número musical é o samba “Luar do morro” (Walfrido
Silva e Sinval Silva), interpretado por Odette Amaral. Trata-se do número musi-
cal mais interessante do filme – e mais elogiado pela crítica –, com sua favela

24 Segundo informações na imprensa da época, o número musical era estrelado por Ordélia de
Carvalho, mas que interpretava em play back, pois a voz seria da cantora Maria Costa Pereira.

384 RAFAEL DE LUNA FREIRE


reproduzida em estúdio, incluindo o boteco do Portuga, a baiana vendendo
doce, os malandros tocando violão e as cabrochas cantando em coro – do qual
faz parte Heloísa. A cena se encerra com belo movimento descendente da grua,
acompanhando a despedida do coro, que deixa a intérprete sozinha, ao lado do
poste, a cantar o fim do melancólico samba em cadência lenta.
Numa cena seguinte, Geni está na sala da mansão cantando ao piano “Ter
a vida transformada num sonho”, enquanto Heloísa, no quarto dos pais, deixa
uma carta de despedida e foge de casa. Ela parte de mala em punho para a
residência de Carlos, que se surpreende com Heloísa dizendo que “veio para
ficar”, embora ainda recuse o pedido de casamento. Ao descobrir a desonra da
filha solteira ter fugido de casa, Pedro vai à sua procura na casa de Carlos, mas
só a encontra no set de filmagem. A conversa entre Pedro e Heloísa ocorre em
meio à filmagem de uma cena musical num cenário de cabaré.
A personagem da atriz e cantora Heloísa, portanto, tem a importante fun-
ção de enriquecer o filme com elementos praticamente inexistentes original-
mente na peça: música, romance e drama. Serve, ainda, para afastar o filme do
cenário da mansão, variando o número de espaços, assim como para trazer o
sedutor universo dos bastidores do cinema para o filme. Esse aspecto, inclu-
sive, resulta em outras pequenas modificações na história. O personagem do
filho bastardo, Frederico Pinhões, na peça, dizia ter vindo ao Rio conhecer
o pai para atender sua “vocação para doutor...”. “Doutor de que, filhinho?”,
perguntava Pedro Paulo. “Doutor de qualquer coisa...”, respondia o caipirinha
abobalhado. (SILVA, 1936, p. 36) Já no filme, o menino dizia vir ao Rio sim-
plesmente para se tornar “artista de cinema”, num desempenho muito fraco do
jovem Wilson Porto.25
Entretanto, não parece exagero dizer que as cenas com Heloísa Helena, em
sua estreia no cinema, estão dentre as piores de O samba da vida, revelando a
dificuldade do cinema brasileiro dos anos 1930 em lidar com o drama. Até fins
dos anos 1940, foram reiteradas as críticas às cenas sérias e aos atores dramáticos
nos filmes brasileiros, que, por sua falta de naturalidade, tornavam emposta-
das, artificiais e falsas todas as pretensões dramáticas ou românticas dos nossos

25 Há de se imaginar o que esse papel não renderia nas mãos de um grande ator como Oscarito,
bastando comparar o tipo abobalhado, semelhante ao de Frederico Pinhões, que ele interpreta
na chanchada carnavalesca Está tudo aí (Mesquitinha, 1939).

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 385
cineastas. O desempenho de Heloísa Helena em O samba da vida só não é pior
do que o de seu companheiro de cena, o inexpressivo Orlando Britto. Por outro
lado, a crítica da época não foi tão severa com o desempenho de Heloísa Helena
– cantora já conhecida, mas estreante nas telas –, implicando mais com o exa-
gero de suas “pestanas postiças”, notado nos vários close ups da estrela.26
A “irmã” de Heloísa, a mais experiente Maria Amaro, tem um desempenho
igualmente fraco, mesmo que contracenando com um mais esforçado Rodolfo
Mayer, no papel de Alberto, filho do Coronel Magalhães. Enquanto, na peça,
Geni tem um lado mais cômico ao se afeiçoar ao abobalhado Frederico Pinhões
e fugir do arrogante Alberto, no filme, o que era um triângulo amoroso se
resume apenas à conquista dela pelo personagem de Mayer.
O que torna ainda pior a introdução da personagem Heloísa no filme é que
ela serve claramente a uma função moralizante, sendo responsável por dotar
a família de Pedro Paulo, originalmente cúmplice despreocupada na invasão à
mansão, de um elemento com dor na consciência. Afinal, era a carreira crimi-
nosa do pai que a impedia de ser feliz num casamento com um homem hon-
rado e honesto que ela amava, o produtor cinematográfico. De um melodrama
falso e exagerado, a filhinha “certinha” contamina até o desempenho de Jayme
Costa, obrigado a fazer um discurso de reconciliação. Diante da revelação do
sofrimento de Heloísa, que fugiu de casa envergonhada da família, o ladrão se
arrepende dos crimes ao falar com a filha:

E o que sabe você da minha vida? A vida que eu levo... É o raciocínio que
faz você censurar a vida que eu levo. Mas quando você era pequenina,
não raciocinava quando tinha fome. Chorava! Você precisava comer. Você
e sua irmã. ‘Para os meus filhos não passarem fome, sou até capaz de
roubar’, dizem todos... Vocês estavam passando fome. Por que não havia
de fazer o que todos dizem. Não sou tão culpado como você pensa. Não
me arrependo de nada. Tudo que fiz foi para dar um pouco de conforto a
vocês. Entretanto, se a vida que tenho levado vai impedir a sua felicidade,

26 O tratamento estrelar de Heloísa Helena é evidenciado em anúncio publicitário do sabonete


Palmolive, publicado nos jornais na época do lançamento de O samba da vida, ilustrado por
foto e depoimento assinado da “famosa estrela do cinema brasileiro”. No anúncio, fazendo re-
ferência à atriz e à personagem, Helena relatava ter escolhido o produto “para proteger minha
pele dos efeitos da ‘maquillage’ dos estúdios”. (A NOITE, 1937, p. 5) Esse tipo de publicidade era
quase sempre estrelado por estrelas de Hollywood.

386 RAFAEL DE LUNA FREIRE


eu lhe peço perdão, minha filha. Lamento toda a minha coragem, toda
minha audácia, por ver que fui tão mal compreendido. (O SAMBA..., 1937)

A filha, comovida, perdoa o pai ao perceber seu “nobre coração”, levando O


samba da vida a um melodrama da pior qualidade, sem nenhuma ironia. Além
disso, a inclusão do drama de Heloísa faz com que uma peça originalmente
mais cínica e malcomportada, espelhando a personalidade de seu protagonista,
resulte num filme mais moralista. Essa modificação, porém, é exemplar da pre-
ocupação dos cineastas brasileiros da década de 1930 em legitimar a atividade
cinematográfica frente à sociedade, buscando eliminar de seus filmes qual-
quer insinuação de elogio ao crime, ao ócio, enfim, à malandragem, em pleno
Estado Novo e sua defesa da ética do trabalho.
Mais interessante, porém, é o fato da personagem Heloísa servir como jus-
tificativa para a inclusão de números musicais numa história em que, original-
mente, não havia espaço para eles. O samba da vida acaba se aproximando do
típico “musical de bastidores”, em que há um espetáculo – no caso, um filme
musical – sendo preparado no próprio filme, justificando, através das cenas
de ensaio ou filmagem, a existência dos números musicais. Além disso, o filme
dentro do filme serve para Luiz de Barros mostrar seu talento – experimen-
tado na bem-sucedida carreira em teatros e cassinos – como encenador de
números musicais que a crítica chamava de “números de revista”.
A importância da música – e da personagem Helena – fica evidente, inclu-
sive, pelo final do filme, que se diferencia da conclusão da peça. Tanto em
Frederico Segundo quanto em O samba da vida, Pedro Paulo é confrontado com
o verdadeiro Coronel Frederico, que retorna de viagem, mas consegue se safar
ao revelar ao ilustre morador que descobriu, mexendo em seus papéis, vários de
seus podres: o “respeitável” Coronel pratica agiotagem, possui amante, sonega
impostos... Sem falar no filho bastardo que sua esposa desconhece. Na peça,
como um assumido chantagista, Pedro arranca mais dinheiro do milionário e
sai da mansão pela porta da frente com a mulher e filha, levando ainda vários
“embrulhos”.
No filme, porém, o agora arrependido Pedro Paulo recusa o dinheiro que o
Coronel lhe oferece para manter seu silêncio, dizendo não ser “quem o senhor
pensa”, pedindo apenas sua proteção para sair de casa sem ser importunado
pelo policial ou pelo Coronel Magalhães, que descobriu ter sido enganado pelo

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 387
ladrão farsante. Essa espécie de regeneração do ladrão, criada para o filme, é
resolvida de uma forma criativa na conclusão da cena. Assim, em sua partida,
Pedro Paulo e Mathilde são surpreendidos por dois pedidos de casamento: de
Alberto para Geni, e de Carlos para Heloísa, este último reconhecendo que os
“filhos não são responsáveis pelos erros dos pais”. De forma malandra e respei-
tando a personalidade cínica do personagem, Pedro anuncia que Heloísa e seu
noivo não precisarão mais se preocupar com sua carreira no crime:

Pode ficar descansado. Vou me aposentar. Tenho certo que meus queridos
genros vão comprar um sitiozinho para mim em Jacarepaguá, onde vou
fazer uma criação de patos, galinhas. O galinheiro quem constrói sou eu
que tenho pavor de ladrões de galinha. (O SAMBA..., 1937)

A contribuição original do também roteirista Luiz de Barros prossegue


com o convite, feito por Carlos, para que toda a família vá assistir à filmagem
da “fantasia” a qual Helena será a grande estrela, tendo sido escolhida para
substituir a atriz principal do filme. Temos, então, a repetição da canção-título,
“O samba da vida”, agora numa típica apoteose de revista – com plataformas,
passarelas e o desfile de coristas em luxuosas fantasias –, enquanto, ao lado
do diretor e da câmera, Pedro e sua família assistem à consagração de Helena.
A mensagem não podia ser mais clara: o meio cinematográfico é, no final feliz
do filme, um espaço digno para uma família agora honesta e decente. Assim,
O samba da vida se encerra com a típica apoteose final de revista, a reunir todo
o elenco principal.27
Como Mário Nunes (1937, p. 16) adequadamente resumiu em sua elogiosa
crítica, “O samba da vida é uma história cômica, contada com singeleza a que
se agregaram números de fantasia muito bem escolhidos, motivo para um
pouco de canto e música”. Aliando a matéria-prima do teatro ligeiro cômico
com elementos do filme-revista – inclusive sua típica variedade musical, do
samba ao maracatu, passando por artistas francesas do Folies bergère, bailarinas
americanas do grupo Glorified girls e canções ciganas tocadas no acordeom

27 A qualidade dos números de revista foi criticada para Pedro Lima, para quem eles seriam “pou-
co fotogênicos e até de mau gosto”. O número final, em particular, pareceria um “quadro banal
de revista de teatro mambembe ou de carros alegóricos de carnaval”. (LIMA, 1937c, p. 5)

388 RAFAEL DE LUNA FREIRE


por Isa Barkisinska –, O samba da vida revela-se um produto de diferentes
tendências em curso no cinema brasileiro da época.
O material publicitário de O samba da vida, distribuído à imprensa, infor-
mava que Luiz de Barros buscou conciliar “as delicadezas de uma comédia com
as grandiosidades de uma revista”, mas unindo ambos os gêneros com unidade
e integração. (CINÉDIA, [1937]) O resultado final foi elogiado pela crítica e
apreciado pelo público, com o filme sendo definido na imprensa através de um
curioso, mas pertinente neologismo genérico: “comédia-revista”. (O SAMBA...,
1937, p. 3) Um neologismo, aliás, muito expressivo da sempre dinâmica relação
do cinema brasileiro com a música e com o teatro, assim como das intensas e
constantes transformações dos gêneros, subgêneros ou ciclos dentro do vasto
guarda-chuva genérico do que chamamos de “filme musical”.

Referências

A NOITE. Rio de Janeiro: Empresa Jornalistica A Noite, n. 9236, p. 5, 25 out. 1937.


ALTMAN, R. Silent film sound. Nova York: Columbia University Press, 2004.
ARAÚJO, L. C. Tereré não resolve. In: ARAGÃO, A.; HEFFNER, H.; ROBALINHO, R.
(Org.). Cinédia 75 anos. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2006.
BARROS, L. Minhas memórias de cineasta. Rio de Janeiro: Artenova: Embrafilme,
1978.
BORDWELL, D.; THOMPSON, K. Film art: an introduction. 5. ed. Nova York:
McGraw Hill, 2008. p. 231-234.
CAMARGO, J. O bobo do rei. Rio de Janeiro: Acervo da Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais, 1932.
CASTRO, R. Carmen: uma biografia: a vida de Carmem Miranda, a brasileira mais
famosa do século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
CINEARTE. Rio de Janeiro: O Malho, n. 222, 28 maio 1930a. p. 28.
CINEARTE. Rio de Janeiro: O Malho, n. 240, 1 out. 1930b. p. 28.
CINEARTE. Rio de Janeiro: O Malho, n. 242, 15 out. 1930c. p. 30.
CINEARTE. Rio de Janeiro: O Malho, n. 249, 3 dez. 1930d. p. 24.
CINÉDIA. O samba da vida [press release]. Rio de Janeiro: [s.n.], [1937].
Mimeografado.

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 389
CORREA, V. Bombozinho. Rio de Janeiro: Acervo da Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais, 1931.
COSTA, F. M. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. p. 75-84.
DRUMMOND, W. A crítica dos fans: “O bobo do rei”. Imparcial, Rio de Janeiro,
n. 661, p. 15, 21 jul. 1937.
E. L. O samba da vida. O Globo, Rio de Janeiro, p. 5, 28 out. 1937.
FERREIRA, A. A. Teatro ligeiro cômico no Rio de Janeiro: a década de 1930. 2010.
391 f. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
FREIRE, L. L.; FREIRE, R. L. As favelas cariocas nas chanchadas: de berço do samba a
problema público. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, 2018 (no prelo).
FREIRE, R. L. Carnaval, mistério e gangsters: o filme policial no Brasil (1915-1951).
2011. 504 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Instituto de Arte e Comunicação
Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011a.
FREIRE, R. L. Da geração de eletricidade aos divertimentos elétricos: a trajetória
empresarial de Alberto Byington Jr. antes da produção de filmes. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 26, n. 51, p. 113-131, jan./jun. 2013.
FREIRE, R. L. O “conforto moderno”: a refrigeração nas salas de cinema do Rio de
Janeiro na primeira metade do século XX. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 5, p. 303-320, 2011b.
FREIRE, R. L. O início da legendagem de filmes no Brasil. Matrizes, São Paulo, v. 9,
n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2015.
GONZAGA, A. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1987.
HEFFNER, H. Edgar Brasil, um ensaio biográfico: aspectos da evolução técnica e
econômica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1988.
LIMA, P. Bombomzinho. Diário da noite, Rio de Janeiro, n. 3048, p. 5, 30 set. 1937a.
LIMA, P. O bobo do rei. Diário da Noite, Rio de Janeiro, n. 2988, p. 5, 22 jul. 1937b.
LIMA, P. O samba da vida. Diário da Noite, Rio de Janeiro, n. 3071, p. 5, 27 out. 1937c.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. O bobo do rei, film nacional, no Rex. A Noite, Rio de
Janeiro, n. 9129, p. 5, 12 jul. 1937a.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. O samba da vida – film nacional – Alhambra. A Noite, Rio
de Janeiro, n. 9236, p. 5, 27 out. 1937b.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. A contribuição do teatro ao cinema. A Noite, Rio de
Janeiro, n. 9869, p. 5, 1 ago. 1939.

390 RAFAEL DE LUNA FREIRE


MENDES, O. De São Paulo... Cinearte, Rio de Janeiro, n. 185, p. 23, 11 set. 1929.
MIGUEIS, A. Oscarito está se naturalizando! A Cena Muda, Rio de Janeiro, v. 26, n. 31,
p. 6-8, 30 jul. 1946.
MIRANDA, S. R. Que coisas nossas são estas? Música popular, disco e o início do
cinema sonoro no Brasil. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, São Paulo, v. 42,
n. 44, p. 29-44, 2015.
MONCORVO, S. Artistas de teatro e artistas de cinema. A Cena Muda, v. 20, n. 1072,
p. 21, 7 out. 1941.
NUNES, M. Filmes que fomos ver: o samba da vida da Cinédia no Alhambra. Jornal do
Brasil, n. 252, p. 16, 26 out. 1937.
O SAMBA DA VIDA. Direção: Luiz de Barros. Rio de Janeiro: Cinédia, 1937.
“O SAMBA da vida” e suas pequenas. O Jornal, Rio de Janeiro, v. 19, n. 5.447, p. 3, 18
mar. 1937.
PHONOARTE. Rio de Janeiro, n. 37, fev. 1930. p. 1.
PRADO, D. A. Procópio Ferreira: a graça do velho teatro. São Paulo: Brasiliense, 1984.
SILVA, E. Frederico Segundo ou O homem que eu não sou. Rio de Janeiro: Acervo da
Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, 1936. Mimeografado.
VANDERLEY, P. Follies de 1929. Cinearte, Rio de Janeiro, n. 184, p. 28, 4 set. 1929a.
VANDERLEY, P. Hollywood Revue. Cinearte, Rio de Janeiro, n. 194, p. 28, 13 nov.
1929b.
VENEZIANO, N. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções. Campinas:
Pontes: Editora da Unicamp, 1991.
VIANY, A. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro,
1959.

O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 391
Chamam-me ébrio! Ébrio...
O melodrama musical de Gilda de Abreu
e Vicente Celestino

HELOÍSA DE A. DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA

Introdução: a história de um inebriante sucesso

Em sua coluna habitual, escrevia o crítico Ruy Castro que, no ano de 2016,
muitos anos redondos se comemorariam: em 1946, ano em que O ébrio che-
gava às telas do cinema, lançava-se “Copacabana”, de Braguinha e Alberto
Ribeiro; “Baião”, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, “Les Feuilles Mortes”,
de Joseph Kosma e Jacques Prévert; “Ornithology”, de Charlie Parker; “Adiós,
Pampa Mia”, de Francisco Canaro. “Todos completarão setentinha”, comen-
tava. Na relação dos lançamentos de 1936 – há 80 anos, portanto –, figura
“O ébrio”, em disco. (CASTRO, 2016)
Muitos serão os registros, elaborados com maior ou menor rigor científico,
sobre o êxito do filme. O sucesso estrondoso do longa-metragem é susten-
tado por vários autores. Segundo Maria Rita Galvão e Carlos Roberto de Souza
(1997, p. 484 apud MACHADO, 2016, p. 41), o filme O ébrio constituiu “um dos
maiores sucessos que o cinema brasileiro já conheceu em toda a sua história”.
Estatísticas diversas afirmam que O ébrio, protagonizado por Celestino e diri-
gido por Gilda de Abreu, foi líder absoluto de audiência por mais de 30 anos,1
até o lançamento de Dona Flor e seus dois maridos (1976). Segundo a página da
Cinédia, O ébrio ultrapassou generosamente a bilheteria de Farrapo humano
(The lost weekend, Billy Wilder, 1945), outro filme cujo argumento também
associava à bebida a decadência de um homem.
Na verdade, a existência do longa-metragem se deve ao grande êxito da
canção homônima composta por Celestino, gravada primeira vez em 1936.
A partir do enredo da canção, o autor desenvolveu o roteiro para o teatro, que
chegou aos palcos em 1941 e ao cinema em 1946.2 (MACHADO, 2016, p. 51)
Anos mais tarde, teve sua entrada na televisão, protagonizada por Pedro Nóvoa,
na TV Excelsior (1965-1966).3 Aqui, Celestino faria uma pequena participação.
O curioso é que se trata, aparentemente, de um fato isolado, pois o sucesso
da década de 1930 girou em torno da Cinédia, em cujos estúdios firmaram-se as
diferentes fórmulas de comédia que sustentariam o cinema brasileiro durante
quase 20 anos. Sobre esse respeito, José Ramos Tinhorão destaca a importân-
cia da ação de Luís Severiano Ribeiro, proprietário de uma rede nacional de
cinemas, que comprou a Companhia Atlântica em 1947. Concebida para lançar

1 Apenas para citar algumas referências, menciona-se Mauro Baladi (2013, p. 548): “Estima-se
que O ébrio tenha sido visto por 12 milhões de pessoas”. Adhemar Gonzaga e Paulo Emílio
Salles Gomes, em 70 anos de cinema brasileiro (1966, p. 88), comentam: “A década de 30 girou
em torno da Cinédia, em cujos estúdios firmaram-se as diferentes fórmulas de comédia que
alimentarão nosso cinema durante quase vinte anos. Apesar do interesse e comunicabilidade
de Bonequinha de Seda, de Oduvaldo Viana Filho, esse tipo de comédia ligeira não foi tentado
muitas vezes entre nós. Tampouco o melodrama musical não fez escola – embora tenha sido
prodigioso e duradouro o êxito popular de O Ébrio, de Vicente Celestino e Gilda de Abreu”.
Mais adiante, a informação é reforçada: “O Ébrio, de Vicente Celestino, direção de Gilda de
Abreu. É um filme da Cinédia que há vinte anos está em cartaz. É o filme brasileiro de que mais
cópias se tiraram”. (GONZAGA; GOMES, 1966, p. 106)
2 Produção de Adhemar Gonzaga. Direção: Gilda de Abreu; com Vicente Celestino, Alice
Archambeau, Rodolfo Arena, Victor Drummond, Manoel Vieira, Walter D’Ávila, Júlia Dias,
Arlete Lester, José Mafra, Isabel de Barros, Antônia Marzullo, Manoel Rocha, Jacy de Oliveira.
Ano: 1946. Preto e branco, 115 min. (CINE NACIONAL, 2015)
3 Direção: José Castellar e Heloisa Castellar. A novela foi ao ar no horário das 20h, com 75 capí-
tulos. As músicas originais de Vicente Celestino foram regravadas pelo maestro Osmar Milani.
(O ÉBRIO, 2013)

394 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


filmes de arte, acabou se notabilizando incialmente por temas carnavalescos,
seguidos por musicais e chanchadas. (TINHORÃO, 1972, p. 262)
Como destacam Adhemar Gonzaga e Paulo Emílio S. Gomes (1966, p. 88),
o melodrama musical “não fez escola – embora tenha sido prodigioso e dura-
douro o êxito popular de O ébrio, de Vicente Celestino e Gilda de Abreu”.4 O
sucesso do filme valeu por muitos, além de abrir caminho para outras temáti-
cas mais sérias, como as biografias de artistas já falecidos (Rei do Samba, Tico-
tico no fubá, em 1952; Chico Viola não morreu, em 1955). A receptividade dessas
obras se justificava, em grande medida, pelo fato de o país viver uma época em
que ia se consolidando uma galeria de ídolos de massa. Dessa maneira, tanto
o repertório quanto os incidentes passados por eles ainda estavam vivos na
memória dos fãs. (TINHORÃO, 1972, p. 262)
A despeito das considerações de natureza teórica que aqui exporemos, não
há de se desprezar os dados empíricos que fizeram do filme um sucesso. Foram
500 cópias por todo o país e sessões corridas nas salas, exibindo somente esse
filme, durante dois a três meses seguidos.5 Sílvia Oroz faz referência à obra de
Alice Gonzaga ao destacar que, no Cine Madureira, O ébrio “passou a constituir
o único filme do programa, permanecendo cinco semanas em cartaz, (sem lei
de obrigatoriedade) substituindo 45 películas estrangeiras”. (GONZAGA, 1987
apud OROZ, 1999, p. 122) Era preciso estar muito sóbrio para que O ébrio se
transformasse em atração inebriante...

1946, ano de Gildas

Escreveu, no ano de 1982, o crítico José Carlos Avelar um instigante texto no


qual retrata o momento em que O ébrio estreava nas telas. Lembra que o mun-
do estava dividido em dois: um mundo real, fora do cinema, aquele em que
vivemos, e o mundo irreal, o da ficção. No primeiro, figurava:

4 Durante o período de 1933 a 1949, predomina a chanchada. Afirma Mary Eunice Mendonça
(1995, p. 22): “Realmente, os filmes de Gilda de Abreu foram exceções na medida em que o
melodrama musical não chegou a fazer escola no Brasil daquele período”.
5 Conforme consta da página da Cinédia, produtora do filme.

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 395
[...] em agosto de 1946 a Conferência de Paz inaugurada em Paris pou-
co depois dos testes com bombas atômicas no atol de Bikini, discutia as
fronteiras da Itália; na Alemanha encerravam-se os depoimentos do tribu-
nal de Nuremberg, que se iniciara em novembro do ano anterior; no Japão
continuavam o julgamento dos crimes de guerra no Tribunal de Tóquio,
aberto pouco depois das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki em agos-
to do ano anterior; em Moscou o Comitê Central do Partido Comunista
proibia a exibição da segunda parte de Ivan Grozny (Ivan, o terrível) de
Eisenstein. (AVELAR, 1982, grifo do autor)

Nesse período, os cineastas do Hemisfério Norte produziam clássicos:

[...] na Suécia Ingmar Bergman realizava seu primeiro longa-metragem,


Kris (Crise); em Tóquio Kurosawa filmava Waga seishun ni kuinashi (Não
lamento nossa juventude); em Roma, Sicília, Nápoles, Florença e no vale
do rio Po, Roberto Rosselini filmava Paisà; em Hollywood William Wyler
apresentava The Best Years of Our Lives (Os melhores anos de nossa vida);
Fritz Lang,Cloak and Dagger (O grande segredo); Orson Welles, The
Stranger (O estranho); Edmund Goulding, The Razor’s Edge (O fio da na-
valha). (AVELAR, 1982, grifo do autor)

Prossegue o crítico: “No mundo real em que vivemos dentro do cinema”


saía-se para assistir a Interlúdio, de Alfred Hitchcock, ou Gilda, de Charles
Vidor; e “no mundo quase irreal em que vivíamos dentro do cinema brasileiro”,
surge o drama descomedido pelo qual passaria o doutor Gilberto Silva, sob a
direção de uma Gilda de carne e osso, a atriz Gilda de Abreu.
Entre os oito a dez filmes estreados anualmente, todos tentavam reprodu-
zir o modelo estadunidense, na produção e na narração. Mas também o modelo
radiofônico influenciava a produção: o melodrama das novelas, o humor com
muito falatório e a presença assídua dos cantores. Foi por essa senda que enve-
redou Gilda de Abreu, ao engendrar O ébrio, com a colaboração de Vicente
Celestino. Soma-se a isso o fato de que o sucesso de Farrapo humano (The Lost
weekend, Billy Wilder, 1945) e o personagem de Ray Milland apontavam para
a boa receptividade de narrativas sobre o tema. Os componentes da fórmula
já estavam agrupados para a calorosa receptividade da obra. Para entender um
pouco algumas razões de tamanho sucesso, cabe-nos, antes de tudo, apontar
os aspectos teóricos atinentes à cultura latino-americana.

396 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


Os sentidos do popular na América Latina

A discussão em torno da cultura popular tem se aprofundado nas últimas déca-


das, refletindo sobre os sentidos destas configurações sociais, culturais, histó-
ricas e políticas e na correção de algumas “falhas epistemológicas”, no dizer de
García-Canclini (1987), que genericamente pensam o popular como sinônimo
de tradição ou ainda em termos de pureza cultural autóctone ou folclórica.
Mais do que um objeto de estudos, a cultura popular deve ser vista como um
campo de estudos que reúne várias áreas do conhecimento, encarando as difi-
culdades e complexidades que o termo abarca em nossas latitudes.6 O ébrio nos
parece um bom texto cultural para entender processos que envolvem o popular
na América Latina.
Segundo Martín-Barbero (1997), ao nos depararmos com os contextos
culturais latino-americanos, uma questão relevante se destaca: a mestiçagem.
Para além do fator racial, diz respeito a uma trama envolvendo modernidade e
descontinuidades culturais, deformações sociais, memórias e imaginários que
mesclam o indígena e o rural, o rural e o urbano, o folclore e o popular, o
popular e o massivo, o erudito e o popular, o erudito e o massivo. Assim é que
o autor propõe uma análise das mediações sociais e culturais, entendidas como
reveladoras de sentidos das sociabilidades, dos modos de vida, das formações
de identidades coletivas – o que a análise focada unicamente nos meios comu-
nicacionais ou nos estilos e gêneros artísticos e culturais em si mesmos não
permitiria entrever.
Contra uma tendência de analisar gêneros artísticos e estilos em si mes-
mos, Martín-Barbero vai buscar as mediações históricas que permitem ver as
apropriações, presenças, reconfigurações de sentido do popular no massivo
e vice-versa, envolvendo uma cadeia complexa de interferências, contamina-
ções, misturas. Adotando esse raciocínio, verifica-se que alimentar uma visão
utópica de um popular associado ao ingênuo e autêntico – porque ligado ao
passado e ao rural – em detrimento do que é urbano, moderno, visto como
ruim, é improcedente, pois as culturas urbanas acionam não apenas aquilo que

6 É imprescindível assumir que os processos vinculados à Modernidade expandiram o campo do


popular, devendo incluir as noções de hibridismo (GARCÍA-CANCLINI, 1998) e mestiçagem
(MARTÍN-BARBERO, 1997), que fazem com que esse domínio se amplie e supere uma visão
dicotômica de massivo versus popular.

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 397
é produzido pelo povo, mas pelo que o povo consome, suas apropriações, seus
hábitos de leitura, audição, diversão.7
É nesse contexto que o autor propõe a noção de “mediações culturais”, ins-
tâncias que se situam entre a produção e a recepção, espaço em que a cultura
cotidiana se dinamiza. Segundo Martín-Barbero, as mediações dizem respeito
aos contextos e às distintas formas através das quais os indivíduos se constituem
em sociedade, trazendo para o centro do debate elementos das culturas popula-
res urbanas – a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência
cultural–, que dialogariam e negociariam sentidos com os meios massivos.
Dialogando com Certeau (1994) e os estudos culturais britânicos, Martín-
Barbero percebe o cotidiano como lócus possível de apreensão das mediações,
dos usos e das apropriações que os receptores fazem do que lhes é dado pelos
meios de comunicação, em formas possíveis de resistência ou improvisação
que as “maneiras de fazer” informais, não organizadas e dispersas em fragmen-
tos que a vida de todo dia esboça.
Para uma compreensão do quanto se fazem presentes na cultura massiva
as matrizes culturais de outros tempos e articuladas à cultura popular, Martín-
Barbero faz uma reflexão sobre os folhetins e o melodrama como elementos que
nos ajudam a compreender a presença do popular – de maneiras transformadas
– na cultura massiva, seja no cinema, nas canções românticas, nas telenovelas.
Tendo origem no teatro do século XVIII –embora fosse mais do que isso–,
como expressão cantada dedicada à expressão violenta ou exagerada dos sen-
timentos, o melodrama atravessou séculos e se mostra presente hoje como
gênero/estilo ou como matriz cultural. (MARTÍN-BARBERO, 1997) Ao falar
em “matriz cultural”, refere-se o autor àqueles aspectos culturais de longa
duração que têm origem no passado, mas se conservam no presente de manei-
ras diferenciadas e híbridas, articulando processos de identificação.
O melodrama se mostra atuante em narrativas do cinema, literatura e na
canção, mais propriamente nas chamadas “canções românticas”, que falam

7 Isso demonstra as ressonâncias dos trabalhos dos estudos culturais britânicos (e a noção
gramsciana de cultura) em sua reflexão, os quais tomavam como eixo conceitual uma ideia
de cultura desprendida da sua tradição elitista e traziam para o centro do debate as práticas
cotidianas. Uma noção, assim, que superava as concepções de certa leitura marxista que viam
a cultura como mera determinação daquilo que adviria das bases materiais (superestrutura
versus infraestrutura), vendo no campo da cultura apenas lugar da abstração e, portanto, de
propagação de ideologia e alienação.

398 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


do amor, da paixão, do encontro, da felicidade na realização amorosa, do ser
amado e também dos percalços do sentimento amoroso, como a sua impossibi-
lidade, a desilusão, o ciúme, a traição, o sofrimento. Segundo Martín-Barbero,
as matrizes culturais expressam universalidades, tradições, memórias e res-
gatam seletivamente na Modernidade traços de um passado e de um tempo
aparentemente perdidos, sendo capazes de ativar mecanismos coletivos de
identificações e apropriações. Por serem dinâmicas, elas se mesclam e se adap-
tam no transcorrer histórico, destituindo elementos, incorporando outros.
Dessa forma é que percebemos a presença dessa matriz cultural melodramática
em boleros e sambas-canções dos anos 1940-1950, como também em versões
mais recentes do samba romântico, na transnacional balada... E também no
tango “O ébrio”, de Gilda de Abreu e Vicente Celestino.
Martín-Barbero traz mais elementos para esta contextualização e histó-
ria do melodrama, salientando que, desde o século XVII, pôs-se em marcha
uma produção de cultura cujos destinatários eram as classes populares. Ou
seja, vai se elaborando uma mudança que só se esboçaria com mais nitidez nos
séculos XIX e XX, qual seja, com a entrada em cena do popular no jogo cultu-
ral. Ocorria a formação e entrada em cena de uma “indústria” de narrativas e
imagens que, ao mesmo tempo em que demonstrava a circulação cultural (as
diversas apropriações e negociações mútuas) entre alta e baixa cultura, também
demarcava os territórios entre o nobre e o vulgar. A argumentação de Martín-
Barbero caminha no sentido de demonstrar que esta produção cultural (na qual
se inclui o melodrama, o folhetim etc.) – ainda que destinada ao vulgo – não
era mera ideologia, mas possibilitava, sim, o acesso das classes populares à cul-
tura hegemônica, além de também fazer comunicáveis suas memórias, experi-
ências e tradições.
Dito isso, percebemos que o melodrama se coloca como questão-chave
para compreender as mediações que configuram as relações entre o que cha-
mamos hoje de cultura popular e cultura massiva, como local de mestiçagens,
misturas, apropriações e negociações entre diversos elementos de níveis cul-
turais distintos. Podemos enumerar sinteticamente algumas das características
mais marcantes do melodrama, a saber: uma forma narrativa marcada pelas
intrigas, peripécias e incidentes sensacionais; a presença de emoções fortes,
efeitos dramáticos, situações excepcionais, repetição de personagens que
encarnam valores morais e a devida intenção moralizante tipificada no happy

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 399
end, em que a vítima vence o repressor e o bem triunfa; visual grandioso e
extravagância nos efeitos cênicos; a presença e a vinculação com a música para
o transcurso do espetáculo e para a costura e ênfase das cenas, narrativas e
personagens e clímax.
Valendo-se de estratégias que apelavam para a sensibilização do público
com temáticas universais e arquetípicas – amor, ódio, dever, honestidade,
segredos, mistérios, num jogo de polarizações entre bem/mal, ricos/pobres,
justo/injusto, vítimas/vilões, felicidade/tristeza –, esses espetáculos propor-
cionavam a possibilidade de as classes populares verem encenadas suas emo-
ções com extravagância e jocosidade. O melodrama era um espetáculo que fazia
menos uso das palavras e mais das ações e das grandes paixões, exagerando nos
gestos, o que adiciona um forte sabor emocional. Isso ocorria precisamente
num momento em que as elites buscavam a educação dos sentidos. Esse pro-
cesso civilizatório se valia de estratégias como a interiorização das emoções e o
controle dos sentimentos em favor da razão.
No caso d’O ébrio, o personagem Dr. Gilberto Silva é exemplar: honesto,
generoso, caridoso, esforçado; sobreviveu a uma tragédia familiar (falência) e
soube superar-se. Vagava pelas ruas desconhecidas. Até fome passou. Todas as
portas estavam fechadas para ele. Rejeitado pelos familiares, depois de tan-
tos tormentos, encontra uma porta aberta: a igreja. Conta ao padre que o pai
perdeu a fazenda por ter confiado em embusteiros. Teve de vender tudo para
pagar as dívidas. Depois, foi viver de favor na casa de antigos empregados.
Com isso, o sonho de Gilberto de se tornar médico foi interrompido. Sabendo
das dificuldades financeiras da igreja, candidata-se num concurso da rádio e
o vence. O prêmio em dinheiro é entregue ao padre. Uma parte da soma seria
suficiente para concluir seus estudos de medicina. Sensibilizado por Luísa,
menina aleijada e que, por esse motivo, não pode brincar como uma criança
normal, promete curá-la assim que se tornar médico. E assim cumpre sua pro-
messa: aos 33 minutos do longa-metragem, Luísa adentra o centro cirúrgico,
acompanhada por Marieta, a enfermeira dedicada (que posteriormente muda-
ria de atitude e caráter). Luísa não tem medo, só quer a boneca... E pede a
Marieta que tome conta da boneca enquanto ela estiver dormindo... A cirurgia
é um grande sucesso, a menina fica curada e, claro, tal proeza repercute de
modo a erguê-lo em sua carreira profissional. Surge o notável médico Gilberto
Silva, cirurgião respeitado pela sociedade.

400 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


O que Gilberto tem de altruísta, tem de ingênuo, não escapando aos
oportunistas interesseiros de toda sorte, a começar pela família. A simpá-
tica Marieta, de enfermeira-assistente, converte-se em Cinderela. A esposa
vive da luxúria, ostentando riqueza e dilapidando o patrimônio material do
marido; cede aos vícios da carne, com o galante primo José (talvez o vilão-mor
do enredo). Apenas Salomé, a empregada, permanece fiel ao patrão: aos 100
minutos do filme, ela lhe diz, após a constatação da traição e abandono do lar
pela mulher: “Desculpe, meu patrãozinho, se eu pudesse fazer alguma coisa
para o senhor não sofrer tanto...”. E se refere à mulher e aos parentes: “Eles
são brancos, mas têm a alma da cor da minha pele...”, ao que Gilberto profere:
“Foste a única criatura amiga que tive nesta casa! Vai! Não chora! Vai... Vai que
tenho ainda muito o que fazer”. A fidelidade de Salomé lhe renderá uma pen-
são vitalícia, executada por testamento.
Aturdido com o que lhe sucede, passa-se por morto e transforma-se em men-
digo errante. Dado como morto em notícia no jornal, os parentes vão à busca
da herança do “priminho querido”. A leitura do testamento, porém, revela uma
decisão inesperada: o testamenteiro (gago) declara que Gilberto Silva deixa para
o seu primo Leão Silva um pente; para seu parente Rego, um burro; para a fiel
empregada Salomé, uma renda mensal de 3 mil cruzeiros. “Todos os meus res-
tantes haveres serão entregues ao Padre Júlio, para fins de caridade” (89 minutos).
A vingança, apresentada de maneira picaresca, se dá quando Rego volta
para casa, a pé, com o burro, e encontra a casa toda destruída – recomendação
dada à empregada, antes de sair. Esta aparece desarranjada, com ar cansado, e
lhe diz que fez tudo como indicado. Que só faltava quebrar um vaso – e o lança
no chão, com força (veem-se cadeiras e móveis quebrados pelo chão). A família
desaparece de cena daí por diante.
Mas teria, de fato, morrido o bondoso Dr. Gilberto Silva? Não... E sim. Ao lhe
ser revelada a verdade, despede-se de Salomé e anda sem rumo, sem saber o
que fazer. Ao topar com um mendigo, que lhe pede uns tostões, ouve a frase
mágica: “Eu bebo só para esquecer! Para esquecer que não tenho dinheiro...”.
O mendigo morre atropelado segundos depois, e ele seria o suposto Dr. Silva,
para todos os efeitos – pois Silva havia trocado de roupa com o morto, dei-
xando propositadamente seu documento de identidade.
Passados 97 minutos do filme, surge o personagem-título, Gilberto, que
pensa em voz alta: “Eu bebo só para esquecer! Não queres fugir de ti mesmo?

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 401
Então vamos! É tão fácil trocar de lugar com ele! É só trocar a roupa. Todos
pensarão que morreste. E Assim ficarás livre para poder esquecer... Vamos!”.
Nasce o ébrio, que procura afogar no álcool a sua dor sem remédio. E assim
passa a vida, solitário, aguardando o momento de descansar na “morada final”.
Dois anos após, maltrapilho e com a barba por fazer, Gilberto encontra
outro ébrio, Pedro Cruz. Tornam-se amigos momentâneos e descobrem, após
algumas palavras, que tinham uma história de vida semelhante. Pedro Cruz
havia sido palhaço, “palhaço mais querido e mais endiabrado do mundo”.
Havia viajado por toda parte e, depois de traído pela mulher, entrou em deca-
dência. Após a morte da “pequenina boneca de carne”, “desceu a passos de
gigante a escada da decadência”.
No bar do Manuel de Jesus, local frequentado por gente briguenta,
enquanto os amigos relatam os dramas pessoais, adentram, subitamente, dois
casais muito esnobes, em trajes de gala, e pedem “garrafa de branquinha, e da
boa”. As mulheres comentam que o lugar é horrível, e um dos homens retruca:
“Você não quer um assunto para o seu novo livro? Pois então você o encontrará
aqui”. Chamam Silva e lhe oferecem a garrafa, caso ele lhes conte a sua história.
Nos últimos dez minutos do filme, aparecem alguns personagens-chave:
Lola aparece no bar e vê Silva cantando “O ébrio”, acompanhado do regional de
choro que havia entrado minutos antes. Pouco depois, chega Marieta, que se
oferece para trabalhar em troca de comida. A Lola conta que o primo José tam-
bém lhe aplicou o golpe, viajando para os Estados Unidos com todo o dinheiro.
Deixou-lhe uma carta e arrependimento. Lola comenta: “Como é estranho o
destino... Reúne, sob o mesmo teto, as três vítimas do mesmo homem. Eu sei
que minha culpa para consigo não tem perdão, mas seria em parte atenuada se
eu lhe dissesse que seu marido ainda vive?”.
Marieta quer falar com o marido. Pede a intervenção de Pedro, que a
cutuca: “Se a senhora sabia que seu marido era nobre, por que o afastou ao
vício e à desgraça?”. Marieta quer remediar a culpa. Ao se aproximar, fica de
joelhos chora: “Perdoa!”. Gilberto põe a mão sobre a cabeça dela: “Marieta,
estás perdoada! Há muito que havia dado meu perdão”; “Eu disse que perdo-
ava, mas não que me reconciliava”.
Gilberto despede-se de Pedro: “Adeus, meu amigo! Que um dia quando
souberes que desapareci vai à minha campa e derrama uma lágrima de dor a
este triste amigo”. O filme termina com Gilberto adentrando um largo portal

402 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


pleno de campas e jardins. Não ocorre um final feliz, mas redentor – de efeito
mais retórico, talvez: a vítima reitera seu caráter ilibado, sua honestidade, sua
retidão de caráter. Não lhe caberia a reconciliação com Marieta, que se deixou
seduzir facilmente com o primo malfeitor. Ele seria sempre o Dr. Gilberto, que
curou Luísa e ajudava o padre Júlio nas obras da igreja católica.
A cumplicidade que esse tipo de espetáculo estabeleceu com as camadas
populares nos ajuda a compreender os caminhos que nos levam até as músicas,
telenovelas e filmes feitos para um público massivo hoje: o melodrama mostra-se
como um local de chegada (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 159) de uma memória
narrativa oral e gestual (advindas do popular, das matrizes rurais e pré-modernas)
e local de emergência de uma cena de massas nas cidades que cresciam com
a industrialização, a urbanização e o estilo de vida modernos. Nesse processo
amplo, no qual o melodrama mostra-se exemplar, os elementos advindos do
popular vão se acompanhar da inclusão de temas, aspectos e formas estéticas
procedentes de outras bases, como o amor romântico patriarcal, o individua-
lismo, o ideal do sujeito autônomo que se expressa verbalmente, que cultiva o
mundo interior e atenta para a expressão dos sentimentos das emoções.
No caso de O ébrio, entra em confluência o mundo rural, de onde provi-
nha Gilberto (ingênuo e puro), e o ambiente urbano, em fase de crescimento.
Ainda existe a vizinhança, o bairro e seus frequentadores; os parentes oportu-
nistas e aproveitadores, matutos espertos... Mas nem tanto – sua tentativa de
golpe financeiro não é bem sucedida. De outra parte, quando se deixa aban-
donar pela vida errante, Gilberto se torna anônimo na metrópole, vagando a
torto e a direito.
No melodrama, o elemento musical é de extrema importância, com melo-
dias cantadas a narrar sentimentos e dores em tom fortemente emocional. As
letras das canções eram distribuídas ao público em coplas impressas e eram
cantadas juntas nos espetáculos, acompanhando as melodias já conhecidas,
revelando a força do elemento sonoro e sua funcionalização, que depois seriam
aproveitadas nas radionovelas e telenovelas e nas canções de hoje, em que o
público canta junto com seu intérprete favorito, numa expressão de não con-
tenção e de envolvimento que o teatro e a música culta não permitem (já desde
o início da Modernidade).
Antes de se tornar blockbuster no cinema, O ébrio foi lançado na versão
discográfica em 1936, com grande êxito. As mazelas do infeliz cujo destino só

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 403
lhe sorriu duas vezes (uma falsamente) foram suficientes para que, dez anos
depois, o drama fosse levado às telas. Além da canção-título, o filme incor-
porava “Porta aberta”, ambas interpretadas por Vicente Celestino, cantor
já de muita fama e prestígio. A dramaticidade do enredo somada à retórica
da enunciação de Celestino potencializariam, indubitavelmente, os efeitos
na recepção da obra. Apesar de sua formação no domínio lírico-operístico,
Celestino tinha, como público principal, as pessoas comuns, sem formação
intelectual mais apurada.
É por volta dos anos 1930 que vemos ocorrer, na América Latina, um pro-
cesso de modernização mais efetivo, com industrialização, presença de mas-
sas urbanas e processos em que os Estados nacionais (com coisas em comum,
mas por diferentes caminhos e formas) buscaram nas massas populares o apoio
para a construção de legitimação, nacionalismo e identidade cultural, em que
o “popular” ganha um novo modo de existência, não sendo apenas o rural,
o renegado, a negação dos valores e ideias modernos e capitalistas, mas um
espaço de articulação de valores, presenças que o associam ao “nacional”. Esse
popular de massas continha os elementos, formas de ver o mundo e sensibi-
lidades já bem conhecidos pelas camadas populares e que agora eram abun-
dantemente distribuídas pelo rádio, televisão, cinema, revistas, em forma de
radionovela (e depois, telenovela), cinema de lágrimas e canções, em que o sen-
timental e o passional teriam lugar de destaque. Os produtos dessas linguagens
desenham-se sobre temas que ecoam os valores de seu público.
Vai se constituindo o que Carlos Monsiváis (2005) chamou de uma “edu-
cação melodramática”, tão substancial em nossa formação sentimental e
ideológica latino-americana, que ajuda a elaborar formas de narrar a vida,
os acontecimentos, as dificuldades, alegrias, anseios e inclusive maneiras de
forjar e viver a política. O melodrama cobre uma ampla gama de emoções
que são conectadas aos indivíduos e inseridas no mundo cotidiano, comum
e doméstico. Essa sensibilidade comum, ligada aos laços familiares e socia-
bilidades tradicionais, traz certa “integração sentimental latino-americana”
(MARTÍN-BARBERO, 1997), essa estandardização de maneiras de sentir, pen-
sar, de se expressar em sons, vozes, formas de dançar, de adjetivar e usar o
corpo, acordes e líricas.
A retórica desses artefatos culturais massivos (que têm como matriz cul-
tural comum o melodrama) é construída a partir de ideia da existência de um

404 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


cânone e seu outro. O fato de o melodrama – a despeito de sua grande influ-
ência e presença em diversos formatos da cultura popular de massas, como
também de sua estrutura narrativa e sua retórica própria constituírem-se numa
estratégia de comunicação que se relaciona com diferentes universos culturais
– ser rechaçado pela alta cultura como sinônimo de mau gosto, anacrônico,
cafona, devido ao seu apelo ao sentimentalismo, revela aspectos importantes
do jogo de forças em que está imerso o campo da cultura.
Podemos afirmar que a implantação dos meios massivos latino-america-
nos foi concomitante ao ingresso das massas no cenário de reivindicações e de
consumo, estando as mídias ligadas ao processo de massificação, não sendo
consequência ou causa dela. Martín-Barbero cita o exemplo do cinema no
México, o rádio e a música no Brasil como fatos que evidenciam esses meios
massivos como construtores de um discurso com base numa certa continui-
dade do imaginário da massa com a memória narrativa, cênica, lírica e icono-
gráfica popular, na proposta de imaginários e sensibilidades nacionais.
Tem-se, assim, que os fatores econômicos e ideológicos – que, por muito
tempo, foram as únicas questões analisadas nos trabalhos sobre essa temática
e essa época – ligados à expansão das indústrias culturais e seu funcionamento
não podem ser desvinculados das formas de apropriação e reconhecimento
que as massas estabeleciam com o Estado (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 229-
230), reconhecendo-se naquelas narrativas e discursos propagados nas ondas
do rádio e nas telas do cinema, nas quais se construía um sentido de unidade,
de pertencimento e de vivência cotidiana da nação.
Nesse contexto, o rádio, os discos e o cinema exerceram o papel de pro-
motores da “primeira modernidade”, fazendo a ponte entre uma cultura oral,
rural, tradicional e uma cultura de massas, urbana, industrial, introduzindo nesta
última a expressividade daquela, possibilitando a passagem da “racionalidade
expressivo-simbólica à racionalidade informativo-instrumental organizada pela
modernidade”. (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001, p. 42) Enquanto na Europa
houve, muito claramente, uma passagem da hegemonia da cultura oral para uma
cultura escrita, por aqui, esta cultura oral primordial foi sendo entrecortada pela
tecnologia audiovisual. Nesse processo, oralidade e imagem, escuta e olhar não
se excluem. Dito isso, há de se compreender as transformações dessa cultura a
partir da articulação de todas estas matrizes, de modo a perfazer uma “segunda
alfabetização” ou “oralidade secundária” latino-americana, gramaticalizada

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 405
pelos dispositivos e pela sintaxe (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 210) das mídias
sonoras e audiovisuais, passando de uma cultura oral para uma cultura audiovi-
sual, sem deixar de lado seus traços orais, vocais e auditivos.

A voz orgulho do Brasil

Cantor, compositor e ator carioca, filho de imigrantes calabreses, Antonio


Vicente Filipe Celestino teve uma carreira de mais de 50 anos ininterruptos. Sua
atuação, pautada na música lírico-ligeira, deu-se no teatro, na televisão e no ci-
nema. Sua potente voz de tenor lírico (tinha como modelo o grande Caruso), que
impostava sempre como se fosse cantar uma aria di bravura operística, gabari-
tou-o a uma assiduidade às gravadoras em tempos muito distantes do som em
alta fidelidade acústica, apelidada hi-fi. Contemporâneo a Francisco Alves – com
quem até chegou a planejar uma dupla (GUERRA, 1994, p. 153) –, obteve muito
sucesso e conquistou um considerável fã-clube. Gravou 256 obras em 137 discos,
em 78 rotações (rpm), 10 compactos e 31 LP, sobretudo pela RCA Victor, com a
qual manteve contrato por 33 anos. Artista de múltiplas atividades, passou pela
ópera, operetas, pelos musicais, programas de rádio, além de atuar no cinema e
na televisão. Foram cinco décadas de atividade artística ininterrupta.8
A Gravadora Revivendo, responsável pela digitalização de repertório
antigo, preparou um encarte biográfico no qual destaca que, ainda jovem,
teria sido procurado pelo empresário italiano Mocchi para transformá-lo “no
maior tenor dramático do mundo”. Vicente optou por permanecer no Brasil.
Cantou as óperas Tosca, Aída e Carmen, além de espetáculos de teatro de
revista. Jamais conheceu o declínio. Na praça, no circo, no disco, no rádio, no
cinema e na televisão, era sempre aplaudido e reverenciado como um ídolo, a
“voz orgulho do Brasil” –9 alcunha conferida pelo radialista César Ladeira, que,
certamente, fazia referência à sua técnica, tessitura vocal, potência e fôlego,
qualidades essenciais numa época em que a tecnologia acústica ainda não havia
conquistado a alta fidelidade e requisitava plenos pulmões por parte do cantor.

8 Informações constantes na página virtual do MIS-Rio de Janeiro.


9 Disponível em: <http://revivendomusicas.com.br/biografias_detalhes.asp?id=204>.

406 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


Ao buscarmos estudos sobre o artista, percebe-se que as menções são
escassas, pouco ultrapassando as notas biográficas que se repetem aqui e acolá.
Referências a Vicente Celestino surgem como aposto nos índices onomásti-
cos, referindo-se à potência da sua voz, o dó de peito; em outras situações,
como exemplo de brega, démodé. Uma biografia (GUERRA, 1994) é laudatória,
além da obra escrita pela viúva Gilda de Abreu. Algumas fontes interessantes
se encontram em depoimentos radiofônicos, como a entrevista concedida ao
radialista e apresentador Moraes Sarmento. Também o Museu da Imagem e do
Som, do Rio de Janeiro, guarda importante material em seu acervo.10

Tem dó...!

O dó de peito talvez tenha sido o elemento característico que tenha levado


César Ladeira a alcunhar Celestino “a voz orgulho do Brasil”. Na época de seu
maior sucesso, havia outros tenores, igualmente prestigiados e apreciados pelo
público, a maioria tendo passado pelos estudos de canto lírico italiano, o bel
canto. Tendo em Enrico Caruso seu exemplo máximo, deixou-se influenciar
pela escuta de seus discos, o que resultou na voz projetada em seu canto. Esse
modo de emissão é típico de cantores clássicos, opondo-se a uma qualidade
mais conversacional – coloquial, mais próxima da impostação da voz falada –,
lançando mão dos sobretons bastante agudos. Ao observarmos as característi-
cas físicas de Celestino, principalmente de sua face, poderemos observar maio-
res detalhes sobre a produção sonora: seu rosto de formato mais alongado, com
o terço inferior da face tendendo mais ao alongamento do que encurtamento,
remete a uma voz com probabilidade de deslocamento dos formantes em dire-
ção aos graves e com ressonância posterior, devido à constituição anatômica e
fisiológica (músculos, tecidos, ossos) desse tipo de face. Assim, possivelmente,
poderemos ouvir momentos de ambas as qualidades sonoras na voz do cantor,
o predomínio da emissão anteriorizada, brilhosa e mais metálica e alguns mo-
mentos da voz posteriorizada e ampliada. Soa também como uma voz plena

10 “Em 19 de abril de 1967, Vicente Celestino, ‘A voz orgulho do Brasil’ [...], prestou seu depoimen-
to ao MIS, tendo como entrevistadores Ricardo Cravo Albin e Hélio Mariz Davi, representantes
da instituição, Almirante e Paulo Tapajós, pesquisadores da MPB e radialistas, e Gilda de Abreu,
esposa de Vicente. O depoimento, de 1h52m, foi gravado em fita magnética e, posteriormente,
remasterizado, digitalizado e dividido em 16 faixas [...]”. (ALMEIDA, 2013)

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 407
(sem soprosidade) e com o vibrato característico do estilo. O resultado obtido é
uma voz bastante volumosa, qualidade perceptível em sua entonação e dicção.11
Soma-se o fato de que Vicente Celestino canta as palavras de forma clara,
com boa dicção, na maior parte das canções, apesar da impostação. O poder
de projeção de sua voz lhe rendeu vantagens no início das gravações e registros
fonográficos no Brasil.
As gravações mecânicas exigiam dos cantores potência vocal a fim de pode-
rem ser captadas pelas tecnologias sonoras nascentes. Depoimentos relatam como
se deu a adaptação de Celestino aos dispositivos tecnológicos de então. Relata
a estudiosa Rose Esquenazi (2015) que a voz do cantor era tão potente que lhe
obrigava a “[...] cantar e gravar de costas, a cinco metros do microfone. De outra
maneira, o cristal que servia para reproduzir o som se partiria”. Não obstante
esses expedientes, o cantor jamais abriu mão de sua poderosa voz impostada em
projeção, durante toda a sua carreira. Esse procedimento técnico poupou-lhe de
patologias, por isso não interrompeu as atividades, ainda que momentaneamente.
No tocante à seleção de repertório, Celestino optava por cantar compo-
sições próprias e autores inspirados na poesia parnasiana, com tendência ao
“dramalhão”, não raro beirando a pieguice. Segundo palavras do próprio can-
tor, é na temática das letras do tango que ele encontrava a maneira de expor
sua estética. Ao lhe perguntarem se Gardel (apud GUERRA, 1994, p. 154) teria
tido algum tipo de influência sobre sua obra, respondeu:

Houve [...] uma identificação temática, uma escolha comum pelo trágico.
Quer dizer, gravei alguns sucessos dele, como ‘Beba comigo’, que se ade-
quavam ao meu estilo, mas coloco em discussão se essa influência passou
às minhas letras. O tango argentino me atraía, estava arraigado na cultura
nacional, e era o traço que nos unia.

O sucesso dessa temática revelou um imediato acolhimento por um con-


siderável contingente de receptores: a figura do azarado, do desgraçado, que,
por mais que se esforce, não escapará à sua sina cruel, plena de infortúnios que
se desencadeiam em série, culminando com a ruína e a perdição moral.
Sobre O ébrio, um dos seus maiores sucessos – no disco, no palco e no
cinema –, escreveram os críticos Severiano e Homem de Mello (1997, p. 144):

11 Agradeço a Rafaela R. González pela elaboração desta nota explicativa.

408 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


“O contraste da primeira parte, no modo menor, com a segunda, no modo
maior, contribui para ressaltar a tragédia do protagonista”. Trata-se de um
código, uma construção semântica intuitivamente assimilada pelos composi-
tores, intérpretes e ouvintes e que cuja receptividade era altamente prazerosa,
que será discutida mais adiante, neste texto.
E a semântica também se constrói a partir daquilo que o erudito Paul Zumthor
(1997) denomina “autoridade do vocalizador”: não se trata apenas da técnica, mas
também do carisma pessoal, obtido, em grande medida, pela sua forma de comu-
nicação com o público, sua teatralidade, sua presença cênica. Todos esses traços
são marcas indeléveis de Vicente Celestino. Destaca-se que ele experimentou
todas as linguagens performáticas e linguagens midiáticas de seu tempo. Se não
se “modernizou”, mantendo-se fiel à tradição aprendida com os maestros e com a
família – e que, certamente, teria vínculo com a imigração italiana –, é certo que
houve um público fiel que o admirou e o seguiu ouvindo, mesmo após a sua morte.

Da voz orgulho à voz banida...

Em tempos pós-modernos, a figura de Vicente Celestino parece ter se con-


vertido em uma espécie de caricatura vocal-teatral da persona artística que
ele criou e, mais ainda, dos personagens que encarnou cantando. Tanto o seu
modelo de canto, assim como os gêneros que privilegiou (tango, seresta, valsa),
ou mesmo as temáticas entraram em declínio, ao final da década de 1950, so-
bretudo após o surgimento da bossa nova.
Ainda assim, anos mais tarde, a obra de Celestino seria revisitada por
Caetano Veloso, no auge do Tropicalismo e, posteriormente, pela dupla Tangos
e Tragédias, compondo parodicamente, com intenção humorística, a partir
das exacerbações hiperbólicas das narrativas manifestadas nas letras e na con-
cepção performática. O trabalho de Hique Gomes e Nico Nicolaiewsky – ou
Kraunus Sang e Maestro Pletskaya, respectivamente –, personagens criados
pela dupla seu espetáculo Tangos e Tragédias,12 baseava-se na exploração de
uma dramaticidade exacerbada que aflorava das canções escolhidas para os

12 O espetáculo esteve em cartaz de 1984 até 2013, no Teatro São Pedro, em Porto Alegre,
principalmente no mês de janeiro, e foi interrompido pelo falecimento de Nico Nicolaiewsky.
Registrado em disco (LP, 1988; CD, 1994; 1997, DVD, 2008).

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 409
recitais. À base de uma interação ágil com a plateia, a improvisação daria o tom
marcado não apenas pelo repertório, mas também pelos arranjos e aspectos
cênicos. Era prática comum de o duo conduzir o público para fora do teatro
ao final de cada espetáculo, cantando “Coração materno”.13 Aliás, essa canção,
bem como “O ébrio” e “Noite cheia de estrelas”, grandes sucessos de Vicente
Celestino, fazia parte do repertório fixo da dupla, tendo sido registradas em
disco, com acompanhamento de apenas violino e acordeão.
Veloso, de seu lado, parte de uma experiência memorialista e sentimental,
para depois proceder à construção paródica. Em sua Verdade tropical, comenta
o artista que o disco Tropicália ou Panis et Circenses deveria incluir uma “[...]
velha canção brasileira em tudo e por tudo desprestigiada. Era a supersenti-
mental Coração materno, de Vicente Celestino, o melodramático compositor e
cantor de voz operística [...]”. (VELOSO, 1997, p. 293, grifo nosso) Para Veloso,
aos ouvidos de 1967, a obra, assim como todo o repertório de Celestino, soava
como “pastiche de ária de ópera italiana”. Ainda que desconstruindo a obra e
seu autor-intérprete, o vínculo com Celestino era amoroso – fato não compar-
tilhado com os demais membros de sua família:

A minha primeira lembrança de patrulhamento do gosto – ou de educação


estética por meio da humilhação. Ou de esnobismo cultural – remonta à
minha infância remota, entre os quatro e os seis anos, quando meus irmãos
riram de mim por eu externar admiração por Vicente Celestino, suas melo-
dias, sua grande voz. Já então, nos anos 40 – pelo menos dentro da minha
família –, os dramalhões cantados com voz empostada eram considerados
ridiculamente vulgares. Lembro a vergonha que senti foi funda e, sem dú-
vida, a marca indelével que deixou, disciplinou minha sensibilidade. Cresci
para desgostar de ópera italiana e suas imitações, e ainda hoje, quando se
trata de canto lírico, tenho prazer total com sopranos e contraltos e quase
nenhum com tenores e barítonos. (VELOSO, 1997, p. 293-294)

O caráter trágico e fatalista despertava particular interesse em Caetano


Veloso. Fã confesso de Celestino, gravou, em 1968, “Coração materno” (de
autoria de Celestino):

13 Informações constantes na página: <www.tangosetragedias.com.br>. Atualmente desativada,


Hique Gomes atua em outras participações e com diferentes parcerias. O contato atualmente se
dá através do Facebook, no endereço: <https://www.facebook.com/tangosetragediasoficial/>.

410 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


Mas nunca esqueci de todo as canções de Vicente Celestino, que eu sabia
cantar quase antes de falar. Para gravar o Coração materno não precisei pro-
priamente reaprender a canção, tive apenas que conferir a gravação original
para evitar eventuais erros tópicos. (VELOSO, 1997, p. 293-294, grifo nosso)

A despeito de seu carisma, a carreira de Vicente Celestino sofreria um


abalo sísmico com a entrada da alta-fidelidade acústica – que permitiu o canto
sussurrado e, não menos importante que isso, um novo espírito do tempo. Ao
lado das cançonetas, árias de ópera, tangos e outros gêneros em que as letras
que carregavam o sentimentalismo exacerbado, a bossa nova barulhentamente
tomaria conta da paisagem sonora, com sussurros e meias-vozes e à meia-luz.
Mas não seriam apenas as mudanças na tecnologia do som as responsá-
veis pela transformação no gosto. É certo que, com o surgimento da lingua-
gem televisiva, tal hábito de fruição estética desapareceria, pois o receptor já
havia se afastado da estética radiofônica, marcada pela fala operística, teatral.
Conforme destaca o crítico José Carlos Avelar (1982):

Educado (ou deseducado) principalmente pela televisão, está mais acos-


tumado a uma conversa coloquial, fragmentada, entrecortada/comple-
mentada por gestos e imagens visuais, em tudo distante deste cantarolar
impostado de personagens que se movem pouco ou nada, comum no ci-
nema do tempo do rádio, e de sua imediata tradução visual, a fotografia
marcada por tons escuros. A imagem, é só dedicar-lhe atenção depois do
tempo de ajuste necessário para acostumar-se à sonoridade do filme, cor-
re em paralelo com o tom impostado das falas.

Além dessa nova forma de fruição audiovisual, o apagamento do artista


se deve também ao desprezo de que passou a ser alvo pelos estudiosos da
música popular, para quem sua impostação vocal e sua performance carregada
de dramaticidade deveriam ceder à coloquialidade da fala, segundo muitos
deles, mais afeita à cultura nacional. Ao fazer tal afirmação, membros dessa
intelligentsia de origem universitária e jornalística muitas vezes levam em con-
sideração preferências pessoais ou mesmo justificativas teóricas para sustentar
sua argumentação. Desconsideram, contudo, que a formação do gosto con-
siste também num processo de educação dos sentidos que passa, necessaria-
mente, pela experiência e experimentação, que geram hábitos perceptivos. O

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 411
Tropicalismo se apropriaria da estética melodramática através de procedimen-
tos paródicos. O dramalhão ganha uma acepção cool, com voz menos projetada,
instrumentação com menos contrastes, menor quantidade de instrumentos.
Em meados da década de 1960, quando apresentavam um programa de
televisão, Caetano Veloso e Gilberto Gil tiveram a ideia de homenagear as vozes
memoráveis dos tempos áureos do rádio, e Celestino foi convidado a participar
ao vivo. Escolheram como local a Som de Cristal, espécie de boate, cenário
adequado para a exibição e que garantiria uma performance condizente com a
estética (cafona). No entanto, o projeto foi abortado com a morte de Celestino,
por enfarte fulminante, na recepção do Hotel Normandie, horas depois do
ensaio, enquanto aguardava o carro que o levaria à gravação do programa.
Expostos esses dados biográficos sintéticos, retomemos O ébrio. Mais
especificamente, sob seu argumento e sobreposições metalinguísticas que
pratica, além de uma transposição da linguagem radiofônica. Acreditamos que
essas são, em grande medida, responsáveis pelo largo sucesso do filme. Não
sendo possível explorar todos os vieses de análise, limitamo-nos a estas duas
aproximações, decupando partes do longa-metragem.

TOMADA 1: I Pagliacci... (Sobre intersemiose de músicas de cebola):

A primeira decupagem que faremos da obra diz respeito ao processo meta-


linguístico e como este é praticado, baseando-se numa memória coletiva de
natureza oral. Vários países de língua espanhola costumam chamar de “música
de cebola” aquela que suscita lágrimas, devido ao seu conteúdo sentimenta-
lista ou excessivamente melodramático, expresso na letra e na performance
em tom lamentoso, choroso. Aproveitando essa expressão – inexistente ou
rara no português brasileiro –, aproveitamos a ideia para sugerir uma dupla
articulação de ideias. A primeira, já sinalizada no início deste texto: o apelo
melodramático da obra; a segunda diz respeito às várias camadas de inter-
textualidade – ou, como preferimos aqui denominar, intersemiose. Estas se
encontram em vários níveis e ocorrem já no início. O texto declamado, a prin-
cípio, sinaliza o script do filme.

Nasci artista. Fui cantor. Ainda pequeno levaram-me para uma escola de
canto. O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo, até che-
gar aos píncaros da glória. Durante a minha trajetória artística tive vários

412 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


amores. Todas elas juravam-me amor eterno, mas acabavam fugindo com
outros, deixando-me a saudade e a dor. Uma noite, quando eu cantava a
Tosca, uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor. Essa jovem veio
a ser mais tarde a minha legítima esposa. Um dia, quando eu cantava A
Força do Destino, ela fugiu com outro, deixando-me uma carta, e na carta
um adeus. Não pude mais cantar. Mais tarde, lembrei-me que ela, contu-
do, me havia deixado um pedacinho de seu eu: a minha filha. Uma peque-
nina boneca de carne que eu tinha o dever de educar. Voltei novamente a
cantar, mas só por amor à minha filha. Eduquei-a, fez-se moça, bonita...
E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez. A Força do Destino,
Deus levou a minha filha para nunca mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo,
caindo, passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa. Até
que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo.
Nunca mais fui nada. Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a
minha desventura, chamam-me ébrio. Ébrio...

A expectativa é logo frustrada, após alguns minutos do filme. Gilberto


Silva não nasceu artista e tampouco cantor. Era filho de fazendeiro e desejava
ser médico. A carreira musical foi descoberta meio casualmente. Na verdade, a
saga artística era a do seu amigo, Pedro Cruz. A sinopse é similar, mas, no caso
de Pedro, substitui-se o cantor de ópera pelo palhaço de circo; a filha cuja vida
foi ceifada pelo destino ainda era criança, pelo que se deixa a entender:

Nasci artista. Percorri todos os países e, fazendo rir toda a gente. Era o pa-
lhaço mais querido e mais endiabrado do mundo. Ninguém saltava mais
do que eu; e ninguém fazia rir mais do que eu... Até o dia em que minha
companheira fugiu, deixando-me nos braços uma pequenina boneca de
carne, que também não quis ficar perto de mim e fugiu para o céu... E, daí,
fui caindo, caindo... Ninguém mais ria das minhas graças, fui descendo a
passos de gigante a escada da decadência até que fui despedido para um
circo de última classe. Nunca mais fui coisa alguma... (101 minutos)

Novamente, delineia-se a trajetória que se eleva ao ápice do prestígio e


reconhecimento para depois decair ao submundo do obscurecimento e deca-
dência, sem possibilidade de retorno.
Mas a operação metalinguística vai além: o narrador era um tenor lírico,
habituado ao repertório do romantismo italiano: A força do destino, de Verdi;
Tosca, de Puccini. Foi no palco que ele prestou atenção a uma jovem, sentada

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 413
na primeira fileira, que lhe jogou uma flor. Muito possivelmente, estaria inter-
pretando Mario Cavaradossi, em Recondita armonia ou E lucevan le stelle...
Existe, ainda, uma outra referência ao I Pagliacci, de outro compositor do
romantismo italiano, Leoncavallo, mas de maneira invertida. Canio é o palhaço
ciumento e possessivo que, ao saber da traição da mulher, mata-a, assim
como seu amante. Pedro Cruz é também palhaço, mas, ao invés de vingar-se,
lembra-se de que tem uma filha e a cria. Submisso, aceita o seu destino e cum-
pre seu dever de pai.
A menção a essas óperas remete a algumas possíveis razões. Uma delas
é o fato de que o público frequentador dos teatros daquela época, adepto às
temporadas líricas – especialmente os ítalo-descendentes, como Celestino –,
encontraria em tais referências uma versão assemelhada em linguagem cine-
matográfica, atendendo, assim, ao seu gosto. Em certa medida, ao reconhecer
nas telas referências às obras conhecidas (e muito provavelmente ouvidas no
rádio e nos discos), operava-se um processo de rememoração e reafirmação de
um gosto já consolidado.
De outra parte, sabe-se que Celestino e Gilda de Abreu levavam aos pal-
cos repertório lírico, além de modinhas e outros gêneros classificados como
semierudito ou música ligeira. Dominavam, assim, o métier dos palcos. O ébrio
repetiria a dose em uma versão estendida ao cinema.

TOMADA 2: “Os ébrios loucos como eu venham depositar... E suas


lágrimas de dor ao peito amigo...”

Acreditamos que a obra cinematográfica é, na verdade, uma transposição da


narrativa oral vocalizada nos palcos, sem microfone: a natureza performática
das falas – não raro lentificadas e pronunciadas em tom solene, com alta in-
tensidade – une um recurso retórico à comunicabilidade do texto. O uso de
trechos declamados, fazendo uso de rimas, reforça aspectos rítmicos que, de
algum modo, promovem a memorização daquilo que é dito.
Também o uso farto de interjeições, expressões soltas e comentários
esparsos contribui para essa transposição da voz viva, que a linguagem radio-
fônica soube bem transpor para a sua dramaturgia – tanto a “séria” quanto a
cômica. N’O ébrio, essas passagens cômicas, com pantomimas e gags, ficam a
cargo dos primos de Gilberto. Quando, por exemplo, tomam conhecimento da

414 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


morte dele, recomendam a Maricota que enrole uma cebola no lenço, já que ela
“chora pouco”. Por volta de 90 minutos, dá-se a leitura do testamenteiro gago.
Ao ouvirem os parentes que o primo Leão Silva recebe um pente, os persona-
gens falam: “Hein?”, “O que?”, “Um pente?”. Já ao saber que o “querido parente
Rego e Silva” recebeu um burro, todos caem em gargalhadas impostadas sob
alguns comentários como: “Que gozado!”, “Que coisa louca! Ah! É assim?
Acabou-se o luto!”. Outro momento com notas picarescas se dá quando Pedro
Cruz ouve o fado de Gilberto e retruca: “Menino! Isso parece história de porta
de engraxate!” (97 minutos).
Saltando do breve alívio cômico para o clímax da narrativa, encontramo-nos
no Bar do Manuel. Chegam os dois casais em traje de gala. Chamam Gilberto
e lhe oferecem a garrafa, sob a condição de que este lhes conte a sua histó-
ria; querem saber por que ele bebe. Gilberto toma o violão emprestado de um
freguês e se põe a tocá-lo. Os músicos de um regional de choro simulam acom-
panhá-lo. A canção tema começa aos 105 minutos.
Sobre a composição, trata-se de uma canção estrófica em duas partes
que se repetem. Enquanto canta a primeira estrofe (A), a câmera se fecha
em primeiro plano, focalizando Gilberto ao violão, que canta olhando para
o vazio. Na segunda estrofe (A1), a câmera se movimenta da esquerda para
a direita, mostrando do lado de fora do bar um grupo de crianças que ouve
atenta e séria a história; corta e toma Manuel e Pedro, que o fitam com
semblante choroso; outro corte e mostra Lola de costas, fumando. Ela se vira
e olha para Gilberto.
Na estrofe B, a câmera mostra Gilberto cercado dos grã-finos, que prestam
atenção à sua narrativa; depois, a câmera se aproxima e fecha em Gilberto.
Na recapitulação (A2), a câmera passeia por todos os figurantes. A can-
ção termina nos gestos de Celestino, como se tivesse tocado um acorde em
pizzicato, mas a música em playback continua a tocar. Concluída a canção, o
visitante mais velho percebe o outro encurvado com dores. Estabelece-se o
breve diálogo, envolvendo ambos e Silva:

— O que é isso, rapaz?


— Aquela mesma dor de sempre... Qual mesmo o nome técnico que os
senhores médicos dão a este sintoma?
— Espasmo das coronárias.

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 415
— ... E daí a se formar um espasmo do miocárdio, é um passo! – comenta Silva.
— E como se chama o senhor?
— Não tenho nome, doutor! (riso) E se tive um dia... Já o esqueci. –
conclui Silva.

O que dizer a respeito da música? Pelo que a escuta permite detectar, trata-
-se da mesma sinfonietta que acompanha “Porta aberta”, apresentada no início
do filme e que aparece diegeticamente. A melodia principal aparece na flauta e
nos violinos de modo não diegético – na cena, há mais quatro violões e o regio-
nal de choro, que não corresponde ao que se ouve – Percebe-se o pizzicato nos
violoncelos e as madeiras dobrando a melodia principal. Há um ritenuto na
primeira frase (“tornei-me um ébrio...”). Todo o fraseado é carregado de por-
tamentos, sostenuttti, sobretudo nas estrofes A, A1, A2 e A3 (em modo menor).
Na mudança para a estrofe B, quando há a modulação para o homônimo
modo maior, estamos diante de uma semântica já tradicionalmente estabele-
cida: o texto verbal deve anunciar situações e sentimentos relacionados à felici-
dade, alegria, ao sucesso (“Já fui feliz e recebido com nobreza. / Até nadava em
ouro e tinha alcova de cetim”). Ainda assim, uma reversão ao extremo oposto,
na variante B1, é peculiar, justamente quando o enunciador do texto declara
momentos de maior infortúnio: a opção pelo modo maior – contrariando o
que usualmente se pratica – pode representar, por outro lado, a estrofe B1, que
enuncia a tomada de consciência do enunciador (“E hoje ao ver-me na miséria
tudo vejo então / O falso lar que amava e que a chorar deixei”).

Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer


A Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou.
Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer.
Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou.
...
Só nas tabernas é que encontro meu abrigo.
A1 Cada colega de infortúnio é um grande amigo,
Que embora tenham, como eu, seus sofrimentos,
Me aconselham e aliviam o meu tormento
Já fui feliz e recebido com nobreza. Até
B Nadava em ouro e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo que depunha fé,
E nos parentes... confiava, sim
E hoje ao ver-me na miséria tudo vejo então:
B1 O falso lar que amava e que a chorar deixei.
Cada parente, cada amigo, era um ladrão;
Me abandonaram e roubaram o que amei

416 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar:
A2 Quando eu morrer, à minha campa nenhuma inscrição.
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste e este triste coração
Quero somente que na campa em que eu repousar
A3 Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo

Outro ponto de escuta remete a outra possibilidade de análise: O ébrio


poderia facilmente transformar-se em tango, à maneira de outros similares
contemporâneos à época de sua composição, como “Penado 14”, de Augustín
Magaldi e Pedro Noda, letra de Carlos Pesce, 1930, ou “Silencio”, de Carlos
Gardel Horacio Pettorossi, letra de Alfredo Le Pera de Horacio Pettorossi,
1932, igualmente de conteúdo dramático transbordante. Para tanto, bastaria
modificar ligeiramente a rítmica, colocando algumas colcheias com duplo
ponto de aumento e contrastes mais intensos na dinâmica.14 A obra permite
essa “movência”, uma vez que se trata de gênero em voga, na época do seu
lançamento. Em se tratando de composição do próprio Vicente Celestino, ele
próprio entusiasta por tangos, não parece precipitado supor que tal orientação
já estivesse de alguma forma absorvida em sua mente, ao compor a obra.

Nunca houve uma mulher como Gilda...

Após todas essas considerações, cabe-nos indagar: se, mesmo depois de tantas
mudanças na sociedade, nos costumes, nos hábitos de fruição estética, O ébrio
permaneceu como importante obra de entretenimento, que elementos teriam
contribuído para tal sucesso?
Como já afirmamos anteriormente, a competência performática e o
carisma dos artistas têm aqui grande importância. Dessa forma, concordamos
com Avelar (1982) que “[...] a adaptação feita por Gilda de Abreu da canção de
Vicente Celestino transpôs para o cinema não a história contada na canção,
mas a voz do cantor, seu modo de cantar”. O ébrio adota, ao fim e ao cabo,

14 Em grande medida, esse traço estilístico foi bem assimilado pela dupla Nicolaiewsky/Gomes, mas
se distancia largamente do arranjo feito por Mário Mascarenhas e publicado pela Mangione, “sem
tanguidade”.

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 417
o modelo de ópera popular, “[...] gritada em voz solene, com sinais popular-
mente atribuídos à encenação clássica – a voz potente e grave do cantor como
uma espécie de tradução da ópera e como um modelo de cena cinematográ-
fica”. (AVELAR, 1982)
Concordamos também com Avelar quando o crítico afirma que, assim
como os diálogos, o roteiro se esboça sobre uma “ingênua e esquemática rea-
firmação de lugares comuns pronunciada em tom solene”. E por que o banal
exerce sua atração? Talvez o crítico tenha razão ao afirmar: “Importa pouco o
que se conta. Provavelmente o que conta é o modo de contar. Importa pouco
e provavelmente importava pouco já na época em que O ébrio foi realizado”.
(AVELAR, 1982, grifo do autor)
Consideramos que o conteúdo expresso nas letras inseridas numa nar-
rativa melodramática exacerbada se sustenta graças a elementos culturais
sedimentados constituintes daquilo que os estudos culturais designam por
cultura popular latino-americana, conforme descrevemos, apoiadas na teoria
de Martín-Barbero (1987, 2004). Narrativas como O ébrio, Coração materno, e
Porta aberta são exemplos cabais, nesse sentido.
Outro aspecto interessante é verificar o quanto canções ganham vida autô-
noma ou não. “O ébrio” surgiu em 1936, sendo transposta para o palco em
1941 e para a tela em 1946. No longa-metragem, acrescenta-se “Porta aberta”,
composta especialmente para o filme. Mais tarde, a capacidade de movên-
cia da obra lhe permitiria passar por sucessivos processos de nomadismo
(ZUMTHOR, 1997), desdobrando-se, assim, em novos signos musicais – quer
de natureza diversa, tal como ocorreu com a apropriação pelos tropicalistas, ou
com o humor de tons circenses da dupla Tangos e Tragédias.
Antes de concluir, verificamos uma lacuna importante no tocante à figura
de Gilda de Abreu. O grande sucesso d’O ébrio se deve à sua iniciativa. Nos dias
de hoje, a visada seria outra: Gilda seria um exemplo cabal de empreendedo-
rismo. As inúmeras diligências que exige a produção de um longa-metragem; a
concepção artística, elaboração do argumento e do enredo... Quase tudo parece
ter passado pela sua supervisão para obter aprovação. As sérias falhas técnicas e
de direção – que não são poucas – não diminuem a importância da empreitada.
No entanto, as referências sobre sua biografia não passam de notas curtas,
destacando sua formação como atriz e cantora lírica:

418 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


Antes de se tornar diretora, Gilda é atriz, romancista, autora teatral e de
radionovelas. Em 1946 estreia como diretora, no filme O ébrio, ao lado do
seu marido. O filme é estrondoso sucesso de público, consagrando-a. Faz
apenas seis filmes, três como atriz e três como diretora. (SILVA NETO,
2010, p. 12)

E as referências a seu nome aparecem cruzadas com as de Vicente Celestino.


No verbete dedicado ao marido, repete-se a referência ao sucesso da obra con-
cebida e dirigida por Gilda: “O ébrio, estrondoso sucesso pelo Brasil”. (SILVA
NETO, 2010, p. 111) O outro empreendimento do casal, Coração materno
(1951), teve ampla aceitação, mas sem o mesmo sucesso.
Ainda sobre o casal, a página da prefeitura de Conservatória, que informa
ter inaugurado, em 13 de março de 1999, um museu dedicado a ambos: discos
gravados por Vicente Celestino em parceria com a Prefeitura de Valença e a
Secretaria de Turismo e Cultura, o museu Vicente Celestino conta com um
vasto material pessoal de Vicente Celestino e sua esposa Gilda de Abreu.15
Em tempos em que estudos de gênero estão em evidência, sua atuação
como produtora, roteirista, dramaturga e diretora ainda parece pouco explo-
rada, a despeito de seu trunfo como responsável maior pela sustentação de um
sucesso extraordinário de público e bilheterias por mais de 30 anos.

Referências

ALMEIDA, L. A. Vicente Celestino, a voz orgulho do Brasil. Rio de Janeiro: MIS, 2013.
Disponível em: <http://www.mis.rj.gov.br/blog/vicente-celestino-a-voz-orgulho-do-
brasil/>. Acesso em: 20 maio 2016.
AVELAR, J. C. O cinema do tempo do rádio. [S.l], 1982. Disponível em: <http://www.
escrevercinema.com/Ebrio.htm>. Acesso em: 7 set. 2016.
BALADI, M. Dicionário de cinema brasileiro: filmes de longa metragem produzidos
ente 1909 e 2012. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

15 “Conta com a discografia do artista, figurino de filmes e roupas de casamento. Há também


uma Galeria dos Imortais, com acervo de outros artistas, e uma sala de pesquisa da MPB, com
mais de 2000 fotos, títulos, recortes de jornais e revistas”. Disponível em: <http://www.conser-
vatoria.tur.br/php/index.php?option=com_content&view=article&id=30&Itemid=87>.

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 419
CASTRO, R. Folias de 2016. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 95, n. 31.703, p. 2, 20
jan. 2016.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994. v. 1.
CINE NACIONAL. O Ébrio. [Rio de Janeiro], 2015. Disponível em: <http://tvbrasil.
ebc.com.br/cinenacional/episodio/o-ebrio>. Acesso em: 20 mar. 2018.
ESQUENAZI, R. Vicente Celestino: o cantor orgulho do Brasil. [S.l.], 2015. Disponível
em: <http://radionahistoria.blogspot.com.br/2015/10/vicente-celestino-o-cantor-
orgulho-do.html>. Acesso em: 20 set. 2016.
GARCÍA-CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo: EDUSP, 1998.
GARCÍA-CANCLINI, N. Ni folklórico ni masivo: ¿qué es lo popular? Diálogos de la
comunicación, Medellín, n. 17, 13 maio 1987.
GONZAGA, A. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1987.
GONZAGA, A.; GOMES, P. E. S. 70 anos de cinema brasileiro. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura, 1966.
GUERRA, G. O hóspede das tempestades. Rio de Janeiro: Record, 1994.
LUCAS, A. S. Top 10 maiores bilheterias de filmes brasileiros na história do cinema.[S.l.]:
Top 10+, 2014. Disponível em: <http://top10mais.org/top-10-maiores-bilheterias-de-
filmes-brasileiros-na-historia-do-cinema/>. Acesso em: 20 maio 2016.
MACHADO, A. C. O “lado b” da linha evolutiva: Nelson Gonçalves e a “má” música
popular brasileira dos anos 1940 e 1950. 2016. 301 f. Tese (Doutorado em Música) –
Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.
MARTÍN-BARBERO, J. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da
comunicação na cultura. São Paulo: Loyola, 2004.
MARTÍN-BARBERO, J. Televisión, melodrama y vida cotidiana. 1987. Disponível em:
<http://revistas.javeriana.edu.co/index.php/signoypensamiento/article/view/574>.
Acesso em: jan. 2015.
MARTÍN-BARBERO, J; REY, G. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção
televisiva. São Paulo: Ed. SENAC, 2001.
MENDONÇA, M. E. R. Breve painel do cinema brasileiro. Comunicação e educação,
São Paulo, n. 4, p. 20-24, set./dez. 1995.

420 HELOÍSA DE A . DUARTE VALENTE E SIMONE LUCI PEREIRA


MONSIVÁIS, C. La política del melodrama. Revista Ñ, Buenos Aires,
25 jun. 2005. Disponível em: <http://edant.clarin.com/suplementos/
cultura/2005/06/25/u-1001425.htm>. Acesso em: 12 abr. 2018.
O ÉBRIO. Cinédia. Disponível em: <http://www.cinedia.com.br/O%20Ebrio.htm>.
Acesso em: 20 maio 2016.
O ÉBRIO. Rio de Janeiro: Memória Globo, 2013. Disponível em: <http://
memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/o-ebrio/trilha-sonora.
htm>. Acesso em: 20 maio 2016.
OROZ, S. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1999. (Espaço aberto, v. 1).
PINHEIRO, J. O ébrio e cineclube Baixa Augusta. São Paulo, 2011. Disponível em:
<http://jottapinheiro.blogspot.com.br/2011/03/o-ebrio-e-cineclube-baixa-augusta.
html>. Acesso em: 20 maio 2016.
RAMOS, F.; MIRANDA, L. F. (Org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Ed.
SENAC, 2000.
SEVERIANO, J.; HOMEM DE MELLO, Z. A canção no tempo 85 anos de músicas
brasileiras: vol. 1: 1901-1957. São Paulo: Editora 34, 1997.
SILVA NETO, A. L. Dicionário astros e estrelas do cinema brasileiro. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010. (Coleção Aplauso).
TINHORÃO, J. R. Música popular: teatro & cinema. Petrópolis: Vozes, 1972.
TODAS AS VOZES. Moraes Sarmento entrevistou Vicente Celestino. Rio de Janeiro,
2015. Disponível em: <http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2015-09/moraes-
sarmento-e-entrevista-com-vicente-celestino>. Acesso em: 20 maio 2016.
“TROPA de Elite 2” bate “Dona Flor” e se torna a maior bilheteria do cinema
nacional. São Paulo: UOL, 2010. Disponível em: <http://cinema.uol.com.br/noticias/
redacao/2010/12/08/tropa-de-elite-2-bate-dona-flor-e-se-torna-a-maior-bilheteria-
do-cinema-nacional.htm>. Acesso em: 20 maio 2016.
VELOSO, C. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. São Paulo: Hucitec: EDUC, 1997.

Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 421
Diante do improviso
variações no documentário brasileiro1

CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA

Introdução

Ao longo da história do cinema brasileiro, muitos documentários buscaram filmar


aspectos do fenômeno musical. Por vezes, centralizaram sua abordagem no traba-
lho dos músicos ou na caracterização de um determinado gênero musical; outras
vezes, mostraram como a música se insere em práticas e contextos sócio-históricos
específicos – mesmo que ali não estejam envolvidos sujeitos que exercem profis-
sionalmente o ofício de músico. Para os propósitos deste texto, abordaremos três
filmes que se lançaram ao desafio de registrar performances musicais2 marcadas
pela improvisação. Que tipos de desafios esses filmes enfrentaram?

1 Parte das reflexões aqui apresentadas integra a tese de doutorado Música em cena: à escuta do
documentário brasileiro, defendida em 2015, no Programa de Pós-graduação em Comunicação
Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob orientação do professor doutor
César Guimarães.
2 Por limitações do escopo do trabalho, não nos deteremos longamente neste conceito, mas si-
nalizamos aqui que nossa principal referência acerca da noção de performance é Paul Zumthor
(2000). Grosso modo, entendemos a performance como uma ação ancorada e suportada
pelo corpo, situada concretamente em um espaço e tempo, dentro de condições objetivas
Jean-Louis Comolli (2004, p. 318, grifo e tradução nossa), em um ensaio
sobre as relações entre jazz e cinema, afirma:

a improvisação é um modo de escritura refinada e ciente de uma ciência


desconhecida, talvez o modo mais ativo de escritura, na qual conta o ges-
to, isto é, a forma articulada tomada pelo corpo, a linguagem elaborada
do corpo como pensamento. Improvisar é abrir os caminhos por onde se
passa apenas uma vez. Traçar arabescos cujo modelo se perde imediata-
mente. Essa é uma obsessão comum ao jazz e ao cinema, de ser tomado
por um processo de nascimento contínuo.3

Para o autor, o

mundo mesmo se improvisa segundo após segundo, e esse mundo im-


provisado – isto é, mais do que involuntário: indesejado, impensado, não
previsível e não calculado – parece feito exatamente para a precisão indi-
ferente da máquina cinematográfica.4 (COMOLLI, 2004, p. 318, tradução
nossa)

Ele reivindica para o cinema a tarefa de filmar aquilo que se improvisa,


que se apresenta como risco, que escapa à regulação dos roteiros e ao controle
daqueles que filmam. Acontece que essa ideia de nascimento contínuo não
ocorre o tempo todo – nem no mundo, nem nas práticas musicais que se valem
da improvisação. Sempre se improvisa a partir de parâmetros, de indicações
específicas a partir das quais a improvisação se dá.
Bastante presente no universo da música contemporânea a partir da
segunda metade do século XX, o termo “improvisação” deve ser tomado aqui

específicas e que inclui também a dimensão da recepção do público. Assim, uma performance
musical não diz respeito apenas à execução da peça musical pelo músico/intérprete, mas en-
globa tudo o que se passa no seu entorno, de forma integrada.
3 “l’improvisation est un mode d’écriture raffiné et savant d’une science inconnue, peu-être le
mode plus actif de l’écriture, celui où compte le geste, c’est-à-dire la forme articulée prise par
le corps, le langage élaboré du corps comme pensée. Improviser, c’est frayer des chemins où
l’on ne passe qu’une fois. Tracer des arabesques dont on pert aussitôt le modèle. Cette obses-
sion commune au jazz et au cinéma d’être pris dans un processus de naissance continue”.
4 “Le monde lui-même s’improvise seconde après seconde; et ce monde improvisé – c’est à dire
plus qu’involontaire: invoulu, impensé, non prévisible et non calculable paraît exactement fait
pour la précision indifferente de la machine cinématographique”.

424 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


como uma modalidade de indeterminação. Fernando Rocha (2001, p. 39),
músico e pesquisador, ao recuperar algumas definições dos termos “impro-
visação”, “indeterminação” e “aleatoriedade” – para, em seguida, lançar-se à
análise de uma peça musical –,5 esclarece:

[...] na música indeterminada, existem elementos deixados à mercê do aca-


so ou da escolha do intérprete. O termo aleatório vem do latim ‘alea’, que
significa dados de jogar, e desta forma, está diretamente ligada à ideia de
acaso. Por outro lado, o termo improvisação implica numa tomada de de-
cisão pelo intérprete, no momento em que executa a obra, o que é bastante
diferente de um produto oriundo do acaso. Aleatoriedade e improvisação
apresentam-se, assim, como duas formas distintas de indeterminação.

Rocha escreve que a improvisação é “[...] um dos casos possíveis de inde-


terminação e ocorre, quando o compositor deixa, intencionalmente, para o
intérprete, a decisão sobre certos elementos do discurso musical (como altu-
ras, ritmos e timbres)”. (ROCHA, 2001, p. 39) Improvisar inclui, portanto, uma
margem de liberdade concedida ao intérprete para criar determinados ele-
mentos da música que será executada.6 Em outras palavras: é preciso que haja
espaço para que a improvisação possa ter lugar.
Porém, como alertam os sociólogos e músicos Faulkner e Becker (2009) –
em um estudo também sobre o jazz –, ao menos nesse gênero musical, impro-
visar, às vezes, é o mesmo que tocar “versões” de peças já conhecidas, utilizar
fórmulas nas quais essas músicas se encaixam, substituindo as melodias originais
por melodias compostas ali no momento da execução. A improvisação combina
“espontaneidade e conformidade a algum tipo de formato já dado”.7 (FAULKNER;
BECKER, 2009, p. 39, tradução nossa) Isso contraria, ao menos em parte, a ideia
de Comolli (2004) acerca do “nascimento contínuo” da improvisação.

5 Trata-se da peça Canção simples de tambor, composta em 1990 por Carlos Stasi, um solo para
caixa clara em seis movimentos.
6 No caso da peça analisada por Rocha, seções inteiras são dedicadas à improvisação: cabe ao
intérprete, no momento da performance, decidir sobre o que será feito. O compositor possui
relativo descontrole em relação ao resultado sonoro final da peça, pois concede ao intérprete
um espaço de jogo e de autonomia para a execução de determinadas passagens.
7 “Jazz improvisation, then, (more or less) combines spontaneity and conformity to some sort of
already given format”.

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 425


Solos improvisados são espontâneos, sim. Mas as pessoas que os tocam,
muitas vezes, trabalharam longa e arduamente para se familiarizar com
os ‘ossos’ harmônicos e melódicos da música que mais tarde irão impro-
visar em público. (FAULKNER, 2006) Os solos que eles performam de-
vem estar de acordo com aquelas estruturas básicas, mas não podem ser
previstos a partir do conhecimento daquilo que os músicos aprenderam
e praticaram anteriormente. Os limites até onde melodias, harmonias e
ritmos podem ser alterados e transformados variam de uma situação de
execução para outra, de um grupo para outro, de uma época para outra.
O que ‘soa bem’ com os acordes básicos da canção original varia de in-
térprete para intérprete e de tempos em tempos. E os intérpretes muitas
vezes discordam sobre o que é permitido em uma improvisação, assim
como o público.8 (FAULKNER; BECKER, 2009, p. 39, tradução nossa)

Diante de uma música que se improvisa perante as câmeras, alguns fil-


mes também se põem a improvisar. Isso depende fortemente da dinâmica da
cena, que estabelecerá os limites dessa improvisação. Passemos, então, a uma
breve análise de três obras – realizadas entre os anos de 1969 e 1981 –, para
elucidarmos de que maneira isso se dá.

A improvisação dentro de parâmetros mais “fechados”

Comecemos com um filme que aborda um contexto bastante distinto dos uni-
versos do jazz ou da música contemporânea. Trata-se de A cantoria (1969-1970),
documentário no qual acompanhamos um encontro com os cantadores Lourival
Batista e Severino Pinto na Fazenda Três Irmãos, no sertão de Caruaru, em
Pernambuco, em maio de 1969. O filme foi realizado pela Caravana Farkas, que
reuniu, entre 1964 e 1980, os realizadores Geraldo Sarno, Guido Araújo, Eduardo

8 “Improvised solos are spontaneous, yes. But the people who play them have often worked long
and hard to become familiar with the harmonic and melodic ‘bones’ of the tune they will later
improvise on in public (Faulkner 2006). The solos they perform do conform to those basic
structures but cannot be predicted from a knowledge of what the players have learned and
practiced beforehand. The limits within which melodies and harmonies and rhythms can be
altered and transformed vary from one playing situation to another, from one group to ano-
ther, from one era to another. What ‘sounds good’ against the basic chords of the original song
varies from player to player and time to time. And players often disagree on what’s allowable in
an improvisation, as do audiences”.

426 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


Escorel, Maurice Capovilla, Miguel do Rio Branco, Paulo Gil Soares, Sergio Muniz
e Roberto Duarte, além do próprio Thomaz Farkas.9 Em resumo, esse projeto bus-
cou retratar diferentes manifestações da cultura popular, particularmente aquelas
que têm lugar no sertão do país.10 Foi produzido em um período político marcado
pela ditadura – logo após o Ato Institucional nº 5 – e pela efervescência cultural e
intelectual que marcou irremediavelmente o cinema moderno.
A cantoria começa com um plano geral da varanda da fazenda onde se
reúnem músicos, plateia e equipe de filmagem. Os letreiros surgem sobre
as imagens, indicando que o filme é dedicado a Manoel Cavalcanti Proença,
especialista da cultura popular.11 Escutamos a cantoria que dá nome ao docu-
mentário: os dois violeiros jogam versos alternadamente, fazendo referência à
Fazenda Três Irmãos, onde se situam. Sobreposta ao canto, de forma impes-
soal, surge uma locução off, que descreve e contextualiza a situação.

Hábito dos antigos fazendeiros do sertão era convidar os mais afamados


cantadores para uma disputa poética: o desafio. Usava-se a quadra como
gênero mais comum. Com o tempo abandonou-se a quadra e multiplica-
ram-se os gêneros em mais de uma dezena. Cantavam acima do tom em
que as violas estão afinadas. Consciente de seu valor numa sociedade em
que a profissão poética dava status social, o cantador é tanto mais aceito
por sua insistência quanto mais se mantém fiel às formas tradicionais do
canto e do improviso. Não será nunca um inovador dessas formas, assim
como a sua arte não transgredirá os valores éticos tradicionais dessa socie-
dade. Por isso, a sua arte só sobrevive na medida em que se adapta ao meio
social do qual é uma expressão. Em maio de 1969, na Fazenda Três Irmãos,
Caruaru, Pernambuco, Lourival Batista e Severino Pinto, dois cantadores

9 Nascido na Hungria, em 1924, Thomaz Farkas veio para o Brasil ainda criança, aos cinco anos de
idade. Fez carreira como fotógrafo, cineasta, produtor e professor. Faleceu em São Paulo, em
2011. Os filmes produzidos pela Caravana Farkas foram compilados em sete DVDs, lançados
em 2006 pela Videofilmes e pela Cinemateca Brasileira.
10 Uma contextualização mais ampla dos filmes aqui abordados está disponível em nossa tese,
particularmente no capítulo “Filmar o improviso”. (LIMA, 2015, p. 120-157) Para um mapeamen-
to mais detalhado acerca da produção da Caravana, consultar Sobrinho (2008, 2013).
11 Autor do livro Literatura popular em verso e professor, nos anos 1960, do Instituto de Estudos
Brasileiros (IEB), órgão vinculado à Universidade São Paulo (USP). Geraldo Sarno frequentou
suas aulas sobre cultura popular. Os filmes da segunda leva da Caravana Farkas foram produ-
zidos graças a um acordo inicial feito com o IEB, em 1964, mas descontinuado em 1968 por
motivos financeiros. (SOBRINHO, 2008)

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 427


de profissão, encontraram-se para um desafio. Esse filme documenta al-
guns momentos da cantoria. (A CANTORIA, 1969-1970)

À medida que o narrador recita o texto, a câmera aproxima-se em zoom,


filmando os cantadores e suas violas de frente, em plano mais fechado. Os frag-
mentos da cantoria são separados por letreiros em fundo negro, que indicam
a forma da música que ouviremos em seguida – sextilha, dez pés a quadrão,
mourão, martelo, gemedeira.12 Em vários momentos, a legenda transcreve os
versos que escutamos em sincronia com a imagem (Figura 1).
A harmonia, a melodia e a rítmica praticamente não variam, obedecendo às
regras de cada gênero. O cantador possui liberdade para criar a letra, ao sabor
do encontro com o outro cantador, com quem estabelece o duelo, e com os
ouvintes. Como anuncia o narrador, no início, o cantador não transgride as nor-
mas do gênero, o que não impede o surgimento de aspectos indeterminados:
vez ou outra, eles entoam um verso engraçado e inesperado, arrancando sorri-
sos da plateia, localizada às bordas do quadro – e também de nós, espectadores.
Diferentemente de outras manifestações da cultura popular nordestina
(como a embolada), a cantoria depende de um convite para poder acontecer.
Os emboladores ou coquistas, por exemplo, apresentam-se em locais públicos
e, em torno deles, a audiência reúne-se espontaneamente, sem necessidade
de prévia divulgação. Já os repentistas ou cantadores, como os do filme de
Geraldo Sarno, apresentam-se em locais determinados previamente – uma
sala, varanda ou quintal de uma residência, mas também bares, restaurantes,
feiras, mercados, teatros, ginásios etc. Como explica Maria Ignez Novais Ayala
(1988, p. 16, grifo da autora): “Aberto ou fechado, o local é delineado para com-
portar uma plateia, acomodada, em bancos, cadeiras, ou mesmo em pé, mas
que para lá se dirige, essencialmente, motivada pelo espetáculo”.
Segundo Ayala (1988), a presença dos ouvintes é um fator importante para
a dinâmica das cantorias, pois é de praxe que o público faça pedidos e sugestões

12 Seria ocioso aqui explicitar as diferenças dos gêneros dos repentes. Vários autores fizeram tal
trabalho, recuperado parcialmente por Maria Ignez Novais Ayala (1988) numa seção inteira
dedicada às técnicas do improviso nas cantorias. Ressaltamos aqui apenas o fato de que a
autora enumera três princípios norteadores da improvisação do cantador nordestino: a rima, a
métrica e a oração. Essa última refere-se à forma como o assunto é narrado nos versos, dentro
de uma lógica de exposição do tema com “início, meio e fim”. Quando os versos não seguem
essa lógica coesa, diz-se que se trata de um disparate. (AYALA, 1988, p. 134)

428 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


aos cantadores, motivando-os com aplausos e outros gestos – aspecto que pode
ser percebido no filme. O interesse da plateia torna-se manifesto à medida que
os confrontos entre os cantadores se acirra. Nesse sentido, o público é uma
“instância crítica que, através da apreciação, incitamento e determinação de
assuntos, impulsiona o desafio”. (AYALA, 1988, p. 20) No filme, a plateia é vista
logo no início em um plano mais aberto, mas logo é deixada às bordas do qua-
dro, ocupando um lugar periférico na escritura fílmica.
O filme atém-se ao registro circunscrito da performance dos cantadores,
tomada em uma única apresentação, dando ênfase ao texto cantado, trans-
crito nas legendas e devidamente identificado segundo as cartelas que separam
o filme em blocos. A dinâmica entre cantadores e sua relação com o público
estão presentes, sim, mas é o texto e a identificação dos gêneros musicais
aquilo o que ganha destaque.
A câmera permanece fixa ao longo de grande parte do curta-metragem – ele
começa com um zoom e só volta a se movimentar no final, quando acompa-
nha a alternância dos cantadores. A imagem é interrompida por alguns cortes
secos e pelos letreiros explicativos. No centro do quadro, estão os protagonis-
tas da cena. Após cada letreiro, a imagem ressurge com pequenas diferenças de
enquadramento – ora mais fechado, ora mais aberto. Aos dez minutos do filme,
a câmera exibe os cantadores um a um, movimentando-se em panorâmicas para
reenquadrá-los a cada pergunta e resposta, no ritmo da alternância dos versos.
A sextilha, tradicionalmente cantada no início da disputa, é apresentada
logo após os créditos iniciais. A cada mudança, o fluxo de imagens em movi-
mento é interrompido por uma cartela em fundo negro, nomeando o gênero
executado e anunciando ao espectador, de antemão, aquilo que ele escutará
em seguida. Entretanto, um espectador “não iniciado” – que possui apenas
o letreiro como referência para a escuta –13 terá dificuldades de perceber as
nuances no que diz respeito à quantidade de versos, à métrica, à terminação
das frases e ao lugar correto de cada rima nos diferentes gêneros de cantoria.14

13 Um capítulo de nossa tese foi inteiramente dedicado à problematização do conceito de escu-


ta, a partir da leitura de diversos autores, buscando discutir tanto a experiência de escuta do
espectador quanto as figuras de escuta presentes nos filmes. (LIMA, 2015, p. 50-67)
14 A sextilha, por exemplo, é composta com estrofes de seis versos, organizados em três partes
– cada dois versos, ou pés, constituem uma frase. Já o martelo, gênero considerado mais difícil

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 429


Os minutos finais são dedicados a breves depoimentos de Severino e Lourival
– “Os cantadores”, como informa o letreiro. Já não há a voz impessoal de um
narrador, mas a fala ordinária, por meio da qual os sujeitos retratados falam de
sua carreira e de outros famosos repentistas, os quais já enfrentaram em outros
desafios. Embora sejam considerados cantadores profissionais – conhecidos em
diferentes lugares do Brasil e com excelente desempenho na improvisação dos
versos –, o filme ressalta que esse reconhecimento não veio acompanhado de
retorno financeiro expressivo. Lourival afirma que não possui riquezas, mas que
está satisfeito com seu ofício: “Como cantador, sou conhecido no Brasil todo.
O prazer é esse. Não tenho ganância, nem inveja, nem ambição. Nunca desejei
cargo. Desejei a viola e dar prazer a quem me ouve. Minha satisfação é essa”.
Já Severino comenta que, se pudesse, seguiria outro ofício, mas sem deixar de
apreciar outros cantadores – destacando, assim, a importância da escuta nessa
tradição de matriz oral. Para encerrar o segmento, eles cantam uma última can-
ção (um mourão voltado), que faz referência à própria filmagem, demonstrando
abertura do canto à situação vivida no momento da performance musical.
A moldura explicativa e didática adotada pelo filme é adequada ao propó-
sito de dar visibilidade a essa prática cultural. Porém, se por um lado a música
possui seu grau de abertura e de indeterminação, a escritura fílmica propõe um
caminho inverso, de relativo encerramento. O espectador tem acesso a uma
música aberta à surpresa e ao encontro, pois cabe aos intérpretes criar a boa rima
ali mesmo, no aqui-agora compartilhado com a equipe de filmagem e com os
outros ouvintes. No entanto, o filme propõe uma “grade” relativamente rígida
para dar conta desse fenômeno musical: a câmera é, na maior parte do tempo,
fixa, bem como o enquadramento – talvez em função da rigidez da estrutura
musical sobre a qual os cantadores improvisam. Os traços que mais chamam a
atenção do espectador são a divisão em blocos introduzidos por letreiros, que
nomeiam e categorizam os gêneros musicais cantados, e a transcrição dos versos
em legendas, que se configuram como uma instância racionalizadora que inter-
rompe o fluxo dos acontecimentos e transfere para o olho aquilo que, na situação
de tomada, era percebido pela escuta. Nesse sentido, a experiência do espectador
do filme é fortemente guiada pelo código verbal escrito na tela.

de improvisar, é constituído por “dez versos, cada qual com três unidades métricas (daí ser
chamado trinta por dez) com cesura recaindo na 3a., 6a., e 10a. sílabas”. (AYALA, 1988, p. 132)

430 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


Parte da rigidez do filme decorre das condições mesmas em que se dá a
filmagem. Talvez não fosse possível à câmera percorrer o ambiente, sob o risco
de atrapalhar a performance musical. Por outro lado, tocar em uma fazenda
não deixa de ser uma situação que constrange o próprio ofício do cantador,
de origem socioeconômica diferente dos proprietários do local – que dispõem
dos recursos financeiros para encomendar a performance. Como dizia o locu-
tor, no início do filme, a cantoria só sobrevive na medida em que se adapta ao
meio social do qual é uma expressão. Os cantadores não transgridem – nem
poderiam – as normas: nem as do gênero musical, nem as normas sociais que
conformam as condições nas quais eles atuam e sobrevivem. Por fim, há de se
levar em consideração, também, o projeto didático do filme – feito com baixo
orçamento e com o objetivo de ser distribuído em escolas posteriormente.
Um olhar mais fino mostra, entretanto, que o gesto do filme em direção à
manifestação musical filmada é, por assim dizer, permeado de “falhas” ou lacu-
nas. O filme vai em direção à música com esse olhar emoldurante e didático.
Contudo, algo na situação filmada resiste ao projeto do filme. O documentário
quer transcrever os versos, mas não o faz com todos eles. Muitos versos escapam
à legendagem e nós, espectadores, quase não temos tempo de acompanhá-los.
A sabedoria dos cantadores – sua desenvoltura e agilidade na improvisação dos
versos – ultrapassa nossa capacidade de ler e compreender os letreiros. A vontade
de explicação e categorização esboçada nos intertítulos, por sua vez, não dizem
muito a um espectador pouco familiarizado com o gênero, como se a cantoria
não pudesse ser explicada de todo pelos letreiros. A linguagem escrita, por ser de
outra natureza, não dá conta da complexidade do fenômeno musical de tradição
oral. Escritas na tela, as palavras que dão nome aos gêneros musicais são ape-
nas significantes: o significado não está de todo dado ao espectador e o sentido
parece estar alhures. A palavra escrita tenta fixar ou cristalizar a mobilidade e
fluidez que percebemos em cena – reduzindo o sentido sensível ao sentido sen-
sato, para nos valermos das expressões de Jean-Luc Nancy (2014).
O enquadramento particularmente rígido recorta e hierarquiza o que deve
ser visto, mas, vez ou outra, é invadido por outros elementos que entram, sem
aviso prévio, pela borda do quadro. Pequenas intrusões que frustram as pre-
tensões do dispositivo fílmico – a mão de um homem que acende um cigarro,
outro homem que toma assento ao lado do cantador; ou quando escutamos
os risos dos ouvintes, que reagem aos versos bem-humorados dos cantadores.

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 431


Assim, o acontecimento musical em cena escapa, de certo modo, ao desejo de
controle do diretor.
Tudo isso é bem-vindo para um cinema que se volta para as manifestações
do Nordeste com o objetivo de apreender algo que traduziria uma condição
brasileira. O filme está ciente de que, naquela prática, há uma sabedoria na qual
contam o gesto e o corpo – como mencionara Comolli –, dando-nos acesso a
um fazer musical distante dos holofotes ou das grandes salas de concerto, pra-
ticado no cotidiano, ao longo de toda uma vida, em ambientes como a varanda
de uma fazenda. Contudo, é preciso que algo da música e desse mundo que se
improvisa diante da câmera venha fustigar o projeto de catalogação implícito
no filme, modificando por dentro a sua escritura.

Figura 1 – Variações de enquadramento, cartelas e legendas, ao som da cantoria

Fonte: frames do filme A cantoria (Geraldo Sarno, 1969-1970).

432 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


Quando o filme se põe a improvisar

Já Partido alto (Leon Hirszman, 1976-1982) faz-se de modo bem diferente.


Realizado com a colaboração de Paulinho da Viola, o filme divide-se em dois
momentos: um centrado na figura do sambista carioca Candeia e outro em um
encontro na casa do instrumentista e compositor Manacéa.
Sérgio Puccini (2012) explica que o documentário passou por inúmeros
obstáculos ao longo de sua produção. Filmado em 1976, o filme tinha como
objetivo mapear uma “manifestação de cultura popular urbana carioca”, dando
voz aos diversos partideiros “ainda vivos”, “através da utilização das técnicas
de som direto”.15 Por motivos financeiros, não chegou a ser concluído à época.
Em 1979, a Embrafilme autorizou uma complementação orçamentária, solici-
tada pelo diretor, para que o filme pudesse ser transformado em média-metra-
gem, mas o impeditivo para que ele prosseguisse era outro: Hirszman estava
envolvido na realização de outro projeto, o Eles não usam black-tie (1981). Nesse
meio tempo, Candeia faleceu, em 1978, o que fez com que o cineasta refizesse
o argumento do filme, que passaria a ser, então, uma homenagem póstuma ao
sambista. A conclusão do curta só ocorreu 1982, seis anos depois do início de
suas filmagens.

Essa introdução serve para ilustrar os percalços de produção de um do-


cumentário, marcada essencialmente pelo improviso. Um filme cujo ar-
gumento irá passar por várias revisões até sua versão final. Essa ideia de
improviso, aliás, casa perfeitamente com o tema do filme, o Partido Alto.
(PUCCINI, 2012, p. 831)

Os créditos iniciais surgem silenciosamente sobre fotografias de uma


escola de samba e outros grupos musicais. A última delas é de Candeia, sentado
em sua cadeira de rodas, com um pandeiro em mãos.16 Os letreiros informam
que o filme é uma homenagem a ele. Quando surgem as primeiras imagens

15 Conforme citações de Leon Hisrzman em documentos originais disponíveis na coleção de-


dicada a ele, do arquivo Edgard Leuenroth, disponível na biblioteca do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp), consultado pelo pesquisador.
(PUCCINI, 2012, p. 830)
16 Candeia entrou para a polícia em 1961 e passou a usar cadeira de rodas depois de ser atingido
por um tiro.

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 433


em movimento, o rosto do protagonista emerge em primeiro plano, dizendo:
“Partido! Ó o gogó! Simbora, gente... Quero armar! Partido alto, eu já disse
que é a expressão mais autêntica no samba. É isso aí! É por isso que eu canto”.
Escutamos, no fora de campo, a música já em andamento – cuja instrumenta-
ção é formada pelo cavaquinho, o surdo, o tamborim e o agogô, tocados pelos
ritmistas do Grêmio Recreativo de Arte Negra (G.R.A.N.) Escola de Samba
Quilombo. Candeia logo emenda uma canção, que será respondida por outras
pessoas, em coro. A câmera afasta-se em movimento zoom, vagarosamente,
dando a ver partes desses outros corpos que habitam a cena. Trata-se da canção
“Testamento de partideiro”, composta por ele próprio. A presença das vozes
femininas faz-se notar, ora dizendo “na paz do senhor”, ora repetindo os mes-
mos versos do refrão, que diz: “Porque o sambista não precisa ser membro da
academia / Ser natural com sua poesia / E o povo lhe faz imortal [...]”.
Diferentemente de A cantoria, que começa com um locutor em voz off, aqui
a voz que abre o filme é in, encarnada, coloquial. Voz que fala de dentro da cena,
sem roteiro prévio e sem cerimônias. O movimento da câmera também é oposto
ao do filme de Sarno: o zoom out vem agregar elementos à cena, em um gesto
inclusivo: o que estava de fora do quadro é chamado a adentrar. Aqueles que
habitam o mesmo espaço serão incorporados à situação filmada, o que faz toda
a diferença no modo como se exibe o partido alto. A presença do coro e a letra
da canção (que evoca “os amigos” e “o povo”) já indicam o caráter coletivo do
partido alto – aspecto que será ainda mais ressaltado na segunda parte do filme.
Os músicos tocam seus instrumentos e improvisam os versos à maneira
do repente nordestino, como o próprio Candeia destaca na segunda cena: “A
improvisação que vai nascendo não só sobre o tema, o refrão, mas também
sobre o ambiente, um clima que vai se criando aos poucos”. Enquanto ele fala,
já se pode ouvir, ao fundo, o prato e o cavaquinho. Candeia, então, inicia o
samba, que será respondido imediatamente por todo o grupo: “Quem mandou
duvidar? Quem mandou, quem mandou duvidar?” (canção de Pandeirinho e
Zagaia). A cada estrofe, novos sujeitos passam a ocupar o quadro: as passistas
da G.R.A.N. Quilombo – todas vestidas com os mesmos longos vestidos colo-
ridos e os pés descalços –, um músico tocando o prato – o primeiro a cantar os
versos, a pedido de Candeia –, o cavaquinista Osmar.
Partido alto, como A cantoria, busca explicar alguns elementos da estru-
tura do gênero musical abordado. Candeia descreve a métrica do partido alto

434 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


(as quadras, os versos duplos, por exemplo) e conta que, antigamente, se podia
tocar o partido alto apenas com os instrumentos característicos (cavaquinho e
prato). Além da dinâmica do canto, somos convidados a conhecer as diferentes
formas de dançar esse tipo de samba – o miudinho, o samba com as mãos nas
“cadeiras”, o amoladinho –, o que será mostrado com o auxílio dos músicos e
das três mulheres que dançam e respondem em coro (Figura 2).
No primeiro bloco do filme, Candeia é quem orienta a mise-en-scène, con-
duzindo os assuntos e dizendo quem deve entrar ou sair de cena. “Tá bom,
filha!”, diz ele à moça que dança com as mãos nas cadeiras, sorrindo para
a câmera. Ela, então, volta ao seu lugar, dando a vez ao próximo dançarino
(o Tantinho), que irá demonstrar o amoladinho. Ao final, Candeia também
ordena: “Tá bom, meu irmão!”, encerrando a sequência.

Figura 2 – Como se dança ao som do partido alto

Fonte: frames do filme Partido alto (1982).

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 435


A improvisação se dá dentro de parâmetros métricos e rítmicos especí-
ficos, semelhante à cantoria retratada no filme de Sarno, mas uma diferença
importante é que, aqui, não há uma competição, disputa. Ao contrário, tudo
leva a crer que todos podem participar do improviso. Jogar versos tem um cará-
ter lúdico: é uma brincadeira, uma forma de estar em relação com os outros.
No último samba do primeiro bloco – composição feita em parceria com
Aniceto –, Candeia puxa os versos, enquanto os amigos respondem ao coro,
completando a rima correspondente de acordo com a proposição do cantador.
Nesse momento, tanto o cantador quanto o coro improvisam.
À medida que o samba se desenvolve, a câmera exibe, um a um, os outros
instrumentos, como se os apresentasse ao espectador: o prato, o cavaco, o
ganzá, o agogô, o tamborim, o pandeiro, o surdo, o atabaque, o reco-reco.
O cinegrafista obedece ao comando de Candeia e mostra os elementos da cena
que ele enumera. Todos respondem ao coro e dançam em um clima de des-
contração e alegria. Ao final da frase musical, há um corte para o letreiro que
introduz o segundo bloco, na casa de Manacéa.
Paulinho da Viola surge em cena e assume o papel de entrevistador.
Candeia não aparece novamente – embora seja mencionado. Os amigos da
velha guarda da Portela estão reunidos à mesa posta no quintal, almoçando
e conversando sobre o samba. Enquanto comem e bebem, alguns falam das
origens do partido alto, mencionando seus principais representantes. Já depois
da refeição, Paulinho da Viola pede aos outros que cantem um samba curto e
bem típico do partido alto. Alguém puxa o “Limoeiro”, que será respondido
rapidamente por todos. O filme está atento ao momento daquele encontro,
mas, por vezes, temos a impressão de que a câmera não sabe bem o que deve
filmar, sendo obrigada a agir de improviso. As pessoas presentes começam a
dançar na frente da câmera, obrigando-a a se desviar daquilo que ela filmava
anteriormente e refazer seu percurso.
À medida que a música se desenrola, mais pessoas surgem em cena, cer-
cando a equipe por todos os lados. A roda se torna mais cheia e ainda mais ani-
mada, e o samba continua até a noite, indicando que aquela festa não tem hora
para acabar. Enfim, os elementos presentes em cena se multiplicam, tornando
o trabalho do cinegrafista e do técnico de som mais complexo e mais difícil.
O que fazer? Improvisar. Notamos, inclusive, que há um hiato entre a perfor-
mance da câmera e a do microfone: quando a câmera ainda não se aproximou

436 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


de uma determinada situação, muitas vezes, é o microfone que está lá, anteci-
pando-se (e vice-versa). Como a câmera, ele também improvisa, adentrando o
quadro pela direita, pela esquerda, às vezes por cima, por baixo. Em um dado
momento, o corpo do técnico de som Ubirajara Castro aparece inteiramente
em cena.
Há um contraste evidente entre as duas partes do filme, como também
notou Sérgio Puccini (2012, p. 831):

A roda de samba da casa de Candeia envolve um grupo consideravelmente


menor de participantes e possui um teor mais didático, em que Candeia
se mostra preocupado em explicar, para o filme, o que vem a ser o Partido
Alto, portanto temos uma situação que poderíamos chamar de um pouco
mais controlada se comparada à segunda situação de filmagem, na casa de
Manacéia, que envolve um grupo consideravelmente maior de participan-
tes, membros da velha guarda da Portela, com destaque para a presença
de Paulinho da Viola, colaborador de Leon no documentário. O pouco
material bruto de imagem será determinante para forma que o filme irá
adquirir, como veremos a seguir.

Embora o filme já esteja em processo de improvisar na primeira parte, é no


segundo momento que esse gesto se acentua e se complexifica. Surge, então, a
locução off de Paulinho da Viola, intercalada aos versos improvisados da última
canção (“Muito embora abandonado”, de Micinha), que comenta:

A roda de partido é um momento de liberdade. O partideiro mesmo


tira o verso de improviso, como fazia João da Gente, Alcides, Aniceto do
Império, Candeia e tantos outros. Hoje, como não há mais essa obrigação,
qualquer um pode dizer seu verso, mesmo decorado. Quando menino,
eu via no partido uma forma de comunhão entre a gente do samba. Era
a brincadeira, a vadiagem, onde todo mundo participava como queria e
como podia. A arte mais pura é o jeito de cada um e só o partido alto
oferecia essa oportunidade. O samba tem hoje muitos compromissos que
reduzem a criatividade dos sambistas aos limites ditados pelo grande es-
petáculo. No partido, porém, tudo acontece de um jeito mais espontâ-
neo. Por isso sempre haverá partideiros e, o verso, de improviso ou não,
refletirá as verdades sentidas na alma de cada um. Vamos vadiar, ô, nega?

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 437


A cantoria, como mostramos, se distancia para oferecer ao espectador uma
explicação didática sobre aquilo que é filmado. Em Partido alto, há uma von-
tade de explicação encarnada na voz de Paulinho da Viola, mediador privile-
giado entre os sambistas e o público, mas, diferentemente da voz off de um
narrador externo e impessoal, ele fala de dentro do universo do samba. Como
destaca Puccini (2012), a voz que fala no filme é a voz na tomada, tanto no caso
de Candeia quanto no caso de Paulinho da Viola: voz encarnada em um corpo
presente em cena, que fala de dentro da situação, que conhece bem o fenô-
meno musical sobre o qual versa o filme. Por vezes, Paulinho é visto tocando
o cavaquinho junto com os outros músicos. O tempo passa, a noite vem; per-
cebemos que a música faz parte dessa temporalidade distendida da festa, do
encontro. Como explica Paulinho da Viola, o partido alto é um gênero musical
espontâneo e agregador, um momento de comunhão. Não por acaso, a voz
de dentro (transformada em off) endereça um convite também ao espectador:
“Vamos vadiar?”.
Em suma, o documentário de Leon Hirszman se deixa contaminar forte-
mente pela música que se improvisa diante da câmera e do microfone. A equipe
é instada a improvisar também, à medida que o encontro em torno do samba
vai se tornando uma grande festa e a cena se complexifica com novos elemen-
tos. Cria-se um espaço de jogo, móvel, instável, marcado por um grau de inde-
terminação, que guia não só a música, mas também o modo como se captam
sons e imagens. Ao garantir certa integridade da cena por meio do som direto e
do plano-sequência, a escritura desse documentário demonstra forte afinidade
de processo17 com o fenômeno musical que aborda, na medida em que a feitura
do próprio filme é contagiada pela dinâmica do partido alto.

Quando o improviso se abre ao cosmo

Lançado em 1981, Hermeto, campeão, de Thomaz Farkas, retrata o músico,


compositor e multi-instrumentista Hermeto Pascoal, nascido em 1936, em
Lagoa da Canoa – então município de Arapiraca –, em Alagoas. Para tanto,

17 Na tese, identificamos três formas do documentário estabelecer uma afinidade com o fe-
nômeno musical. Estas podem ser de ordem plástica, processual e formal. (LIMA, 2015, p.
241-245)

438 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


o filme atém-se ao presente das filmagens e à visão de mundo que Hermeto
expressa verbalmente à equipe. Basicamente, o músico é flagrado em três tipos
de situações: tocando com sua banda, formada por Carlos Malta, Pernambuco,
Jovino dos Santos Neto, Márcio Bahia e Itiberê Zwarg, alguns dos quais o
acompanham até os dias de hoje; compondo ou improvisando sozinho a partir
de sons da natureza, de gravações produzidas previamente ou explorando sons
do próprio corpo e de outros objetos; em interação com mulher e filhos, em
um almoço familiar. Todo o filme se passa em apenas duas locações: a casa de
Hermeto, localizada no bairro Jabour, próximo a Bangu, no subúrbio do Rio
de Janeiro, ou no sítio de Jovino, embora o filme não oriente o espectador em
relação a esses espaços. Predominam as tomadas internas, durante o dia, em
um clima de familiaridade e proximidade.
O filme começa com fotografias still de cenas que compõem o documen-
tário, um prenúncio do que está por vir. A imagem que abre o documentário é
a boca de um instrumento de sopro (saxofone, tuba ou talvez flugelhorn), uma
abertura negra, que já nos remete ao que vislumbraremos na primeira sequên-
cia em movimento, quando o grupo executa a música “Taynara” e a câmera se
detém nos metais.
Simultaneamente às fotos, escutamos o início da música – também conhe-
cida pelo nome de “Jegue” –, interrompida pela voz de Hermeto, que orienta
os músicos quanto à forma da peça que estão ensaiando. Das imagens fixas,
passamos às imagens em movimento. Hermeto indica aos companheiros a
hora certa de recomeçar após as secções dedicadas à improvisação. No pri-
meiro momento de improviso, ele narra a história do jegue:

[...] Meu pai tinha 500 mil cancelas e ele quebrou todas e passou. Mas
na hora que a gente monta nele, ele é mais preguiçoso que uma bexiga
da gota serena. Eu nunca vi um jegue tão danado quanto esse! O bicho
tem que tomar água, ele tem uma coisa, toma duas barricas por segundo.
Eu nunca vi um bicho tão danado e tão filho da gota serena, como dizia
papai. Ai, jumentinho da gota serena! Quer ver como o desgraçado pia?
(HERMETO... 1981)

Antes de finalizar, Hermeto acelera a fala, tornando quase ininteligível o


que é dito, e emula, no saxofone, os sons produzidos pelo animal. Vai do grave
ao agudo repetidas vezes, produzindo notas esgarçadas, no limite da afinação,

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 439


imitando o relinchar. O tema principal da música é retomado pelo grupo, e
chega o momento dedicado à segunda improvisação, quando Hermeto produz
glissandos no instrumento e alguns gemidos. Ele fala sem se afastar da boqui-
lha do sax, fazendo a voz soar dentro do corpo do instrumento: “O jumento tá
comendo um pedaço de maniva. Tá engasgado! Tá engasgado!”. Ele começa a
tossir, produzindo sons que misturam voz e ruído. No final, os instrumentos
produzem um ataque forte em tutti, como se o jumento tivesse expulsado,
finalmente, aquilo que estava preso à garganta.
De saída, o filme apresenta uma forma experimental de fazer música, que
combina ruído e voz (explorada no registro falado),18 harmonias dissonantes,
timbres variados e livre improvisação. Acompanhamos toda a peça pratica-
mente em plano-sequência. Vemos e escutamos o solo de Hermeto de forma
detida. Ao final, o músico se retira solenemente da sala e a câmera revela a
presença do grupo que o acompanha.
Homem simples e autodidata, Hermeto produz uma música sofisticada
em seus aspectos formais, mas de modo espontâneo e intuitivo. Sempre em
primeira pessoa, ele relata sua experiência e seu pensamento sobre o fazer
musical. O filme se vale sempre de fragmentos de depoimentos do músico em
off, e em nenhum momento assistimos a sua imagem enquanto fala à equipe.
Diferentemente de outras realizações da Caravana Farkas, que se valem do
comentário ou narração para estruturar os filmes – como o filme de Sarno
que analisamos –, a voz off, aqui, é lugar de singularização, que traz as marcas
da subjetividade do retratado, permitindo ao espectador acessar seus pontos
de vista. Pontualmente, informações de caráter contextual são mencionadas,
mas prevalecem os comentários de caráter reflexivo, que expressam sua forma
peculiar de ver – e escutar – o mundo.
Gravadores, microfones, fones de ouvido, amplificadores e pedestais são
elementos muitas vezes presentes na cena. Sem eles, alguns momentos do
filme seriam impossíveis: em um trecho, Hermeto improvisa uma melodia na

18 Para Hermeto Pascoal, toda fala é um canto. Em um relato, transcrito por Aline Morena, ele
explica: o “Som Da Aura é a vibração sonora da alma de cada um, refletida pela sua fala, que faz
a ligação entre mente e corpo. É possível fazer o som da aura também dos animais e dos obje-
tos. No caso dos objetos, eles refletem a nossa energia”. No disco Lagoa da Canoa Município de
Arapiraca (1984), Hermeto registrou, pela primeira vez, aquilo que ele chama de sons da aura:
eram as vozes dos locutores esportivos José Carlos Araújo e Osmar Santos. (PASCOAL, 2009)

440 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


flauta enquanto escuta, no fone de ouvido, o acompanhamento que ele mesmo
havia feito antes, ao teclado. A montagem paralela exibe Hermeto tocando os
dois instrumentos em momentos distintos, mas fazendo-os soar simultanea-
mente para o espectador. O músico improvisa enquanto escuta a gravação e
nós o escutamos escutar. Por efeito de montagem, os sons são sobrepostos,
permitindo-nos escutá-lo tocando consigo mesmo. Esse procedimento, bem
raro em documentários sobre música, é acionado duas vezes.
O cotidiano familiar do músico é apresentado de modo breve. Exibem-se
situações prosaicas do bairro, no entorno de sua casa; os filhos que posam para
a câmera, o almoço servido pela companheira Ilza. Em off, Hermeto afirma que
não faz show por dinheiro: “Ganhar dinheiro, a gente ganha, mas o dinheiro
não pode ganhar a gente. A gente não pode se vender, entendeu?”. Hermeto
demonstra ser um homem humilde, desapegado de bens materiais, mas bas-
tante convicto de seu fazer musical.
Os integrantes da banda ganham destaque apenas quando são convidados a
falar sobre o protagonista. Valendo-se, muitas vezes, de metáforas, eles revelam
uma rede de laços afetivos e sua admiração por Hermeto: afirmam que a capaci-
dade de criação com Hermeto é inesgotável, que o grupo é como uma árvore – em
que cada um pode desabrochar e dar frutos –, uma verdadeira escola. O baterista
Márcio Bahia, comovido, afirma que Hermeto é para ele como um pai.
A câmera na mão é maleável (mas não instável), atenta às situações filmadas.
Por vezes, ela se move rapidamente. Ora ela faz um vai e vem, como no trecho
em que acompanhamos Hermeto tocar flauta com Carlos Malta, na música “Lá
na casa da Madame eu vi” – reproduzindo didaticamente o esquema pergunta-
-reposta que caracteriza o trecho –, ora ela faz uma panorâmica veloz, um giro de
180 graus, permitindo-nos ver a banda, que até então se localizava atrás da câmera.
A segunda metade do documentário é inteiramente centrada no protago-
nista, apanhado sozinho em processo de criação e improvisação. Só voltaremos
a ver a banda completa nas fotografias que servem de fundo aos créditos finais.
Em um dado momento, Hermeto afirma que qualquer situação pode inspirar
uma composição.
Em meio à natureza, ele toca o harmônico, instrumento de teclas seme-
lhante ao órgão: suas mãos são apreendidas de lado, em detalhe, permi-
tindo-nos visualizar os dedos ágeis que percutem as teclas do instrumento.
Simultaneamente ao som produzido por ele, escutamos o zunir das abelhas.

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 441


Jovino e David Pennington, o técnico de som do filme, surgem próximos ao
enxame, com roupas especiais, microfone e gravador.

Eles [os bichos] são como as pessoas. Cada pessoa tem um timbre dife-
rente. Cada bicho também tem. Um bicho daqui, uma abelha daqui e uma
abelha lá do norte pode ter uma diferença de sotaque. Posso até dizer isso
aí. É! O timbre pra mim é o sotaque, é tudo junto! Faz parte do timbre,
né? (HERMETO... 1981)

Hermeto emula a densidade do som produzido pelas abelhas em uma


improvisação repleta de notas curtas, tocadas rapidamente, explorando cro-
matismos. Ele reproduz, no instrumento, o som que elas fazem, associando
elementos que são da ordem do visível a um outro, audível. O tamanho e a
velocidade das abelhas estão associados às notas curtas e rápidas; a proximi-
dade das abelhas umas em relação às outras, às notas cromáticas – também
elas “próximas umas das outras”, isto é, distantes por intervalos de semitons.
“É como se eu estivesse escrevendo um arranjo em cima do som das abelhas.
E foi diferente. Porque o som... São tantos. São tantas as abelhas, que são vários
timbres de uma vez só. Então, é uma coisa que é só escutar e compor”, explica,
dando-nos pistas para compreendermos como funciona sua própria escuta –
atenta aos sons da abelha como puro timbre, ritmo, intensidade.
Na transição para a cena seguinte, por efeito de montagem, escutamos
Hermeto tocar consigo mesmo uma segunda vez: enquanto toca o harmônico,
já se faz notar, no plano sonoro, o som da viola que aparecerá na cena seguinte.
Esse tipo de antecipação do som poderia ser mero artifício para atenuar o corte
no componente visual, fazendo a passagem entre uma imagem e outra, mais
fluida, para o espectador; no entanto, o procedimento dura mais tempo do
que o necessário para um efeito “naturalista” e provoca, ao contrário, um efeito
de estranhamento. Cria-se uma dissonância audiovisual, que não passa des-
percebida pelo espectador e que será resolvida na sequência seguinte, quando
Hermeto surge tocando a viola.19

19 A antecipação é um recurso da linguagem musical que vem sendo usado desde o Renascimento
no tratamento das dissonâncias. Consiste no adiantamento de uma nota pertencente a um
certo acorde (uma consonância) e que soa no tempo ou compasso anterior como dissonância.
Assim, quando passamos de um tempo a outro (de um compasso a outro), a dissonância “se re-
solve” no tempo seguinte. O que era sentido como tensão passa a ser sentido como resolução.

442 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


Hermeto, então, reproduz, por meio da voz e da levada, o trote acelerado
do cavalinho,20 mencionado na letra da canção. A melodia, de colorido modal
acentuado, mixolídio/nordestino,21 é acompanhada por acordes altamente dis-
sonantes, que exploram a escala cromática – o que é produzido quando um
acorde é tocado em casas vizinhas no braço do instrumento, saltando em inter-
valos de semitons. Como comentam Fausto Borém e Fabiano Araújo (2010)
acerca da obra de Hermeto, esta tem sido associada, na música erudita, aos
termos “tonalismo”, “modalismo”, “atonalismo”, “polimodalismo”, “paisagem
sonora” e música concreta. Ou seja: uma música que engloba elementos de
todos os grandes sistemas musicais ocidentais. Porém, Hermeto não adere a
esses rótulos, como demonstra em um fragmento em off:

Eu acho que a música clássica é um termo só. A música é uma só. É uma
coca-cola bem gelada, é uma marca de cigarro qualquer, o termo música
clássica. E eu não tô classificando ninguém, não quero chegar ao ponto de
classificar nada, mas eu acho que a música é um todo. (HERMETO..., 1981)

Reconhecemos aí uma forma de pensar e de fazer música livre das costu-


meiras distinções entre erudito/popular, entre modal/tonal/atonal. Como ele
mesmo afirma, “a música é um todo”.22 O espectador, mesmo que não conheça
previamente a linguagem musical de Hermeto, a essa altura, já dispõe de

Imaginemos um acorde G maior com 4ª e 6ª soando como dissonância (sol – si – dó – mi), por
exemplo, encadeado com um acorde do C maior (dó – mi – sol – dó). Enquanto ouvimos o acorde
de G 4/6, as notas “dó” e “mi” soam como dissonâncias (tensões), mas, quando mudamos para
o acorde seguinte, essas mesmas notas soarão como consonâncias, pois pertencem à estrutura
fundamental do acorde de C, trazendo, então, a sensação de um repouso ou resolução.
20 Esse tipo de efeito de sentido, decorrente das tentativas de descrever ou imitar figurativamente
a natureza por meio de procedimentos e códigos musicais, foi largamente explorado ao longo da
história da música erudita, desde o Renascimento até os dias de hoje. (CAZNOK, 2008)
21 O mixolídio caracteriza-se por ser um modo maior, com o VII grau menor. Ocasionalmente,
possui também a quarta aumentada – intervalo característico do modo lídio. Por serem co-
muns na música tradicional do Nordeste brasileiro, como o baião, tais escalas são também
chamadas de nordestinas.
22 Hermeto mais tarde cunhou o termo “música universal” para se referir à música que mistura
“todos os estilos, todas as tendências”. (ARRAIS, 2006, p. 7 apud BORÉM; ARAÚJO, 2010, p. 37)

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 443


elementos suficientes para notar seu caráter mais experimental, o que se tornará
explícito na cena da insólita improvisação de Hermeto com os sapos (Figura 3).23
A sequência começa com a tela totalmente escura. Em um pequeno círculo,
um vestígio da paisagem. Escutamos um curiosíssimo diálogo entre os sapos
e o flautim: um pergunta, o outro responde. Está chovendo. Em off, Hermeto
explica que Jovino e ele foram à lagoa para tocar com os sapos. Subitamente, a
tela negra dá lugar a uma sequência de quatro planos, nos quais Hermeto posa
para a câmera (de frente, de perfil e de costas), sugerindo como poderia ser
apresentado pelo filme. Ramalhetes de flores, arbustos, arco-íris, detalhe da
mão e da barba do compositor são outros fragmentos intercalados com a tela
preta, que dura, às vezes, 60 segundos. Ao fim do segmento, a tela escura, mais
uma vez, ganha destaque, obrigando o espectador a escutar mais e ver menos.

Figura 3 – Hermeto improvisando junto com os sapos

23 Em entrevista concedida a Otávio Rodrigues, em 2003, Hermeto afirmou: “Os animais são
meus maiores professores”. (BORÉM; ARAÚJO, 2010, p. 31)

444 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 445
Fonte: frames do filme Hermeto, campeão (1981).

A sequência conjuga materiais bastante heterogêneos – sons de sapos,


música, locução em off, tela escura, imagens em movimento, imagens estáticas
de Hermeto posando para a equipe –, como se incorporasse à escritura do filme a
heterogeneidade de recursos acionados pelo músico. Em momento algum vemos
e escutamos a mesma coisa; os sons surgem sempre de forma acusmática – a
fonte sonora não aparece. As imagens, por sua vez, não têm função referencial,
nenhum indício da lagoa, nenhum indicativo que nos permita localizar aquela
paisagem. São imagens com função poética, que solicitam a livre associação.
Mas por que a insistência na tela escura? Como escreveu Robert Bresson
(2005, p. 53, grifo do autor), em outro contexto: “O olho requisitado sozinho
torna o ouvido impaciente, o ouvido requisitado sozinho torna o olho impa-
ciente. Utilizar essas impaciências. Força do cinematógrafo que se dirige a dois
sentidos de maneira regulável”. Ao nos oferecer a tela negra, o filme nos desafia
a “abrir nossos ouvidos” para perceber as sutilezas do som. Percebemos que
Hermeto, para reproduzir o som inarmônico dos sapos, busca, às vezes, um
timbre semelhante, alcançando uma altura bastante próxima; outras vezes, pro-
põe a imitação de certo desenho melódico. Curiosamente, temos a impressão
de que os sapos, de fato, rebatem as provocações feitas por Hermeto, dando-
-lhe tempo suficiente para responder. Em off, Hermeto explica que, às vezes,
a velocidade mental dos sapos é superior à sua. Eles, os verdadeiros donos da
lagoa, muitas vezes, “ganham” do músico. Em sua fala, os animais são elevados
à categoria de verdadeiros interlocutores e, ao sapo, é concedida a capacidade
de uma escuta – e de uma performance – musical.

446 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


Quanto mais chove, mais eles cantam. E os bichos estão quentes, minha
gente, lá vai fogo! [...] Eu senti muito os sapos dizendo ‘pode tocar, pode
tocar’. E eu tocava e de repente eles diziam ‘pára, pára que eu vou conti-
nuar’. E eu parava. Mas eu sentia isso mesmo... é uma coisa que... Mas pra
tudo isso teve de ter uma preparação, pra dizer pra eles também ‘olha, eu
cheguei’, pra depois eles dizerem pra mim ‘mas olha, o dono da festa aqui
sou eu. Eu tô na lagoa, a lagoa é minha. Você tá aqui, pra você tocar, você
tem que entrar na nossa.’. Aí quando ele esquenta, você tem que tomar cui-
dado, porque tem hora que eu apanho dele. Ele ganha de mim, em termos
de rapidez mental, eu perco até pro sapo! Eu tô tentando aí e... pá... eu não
consigo! Aí de repente eu faço um lance e ele espera. Quando ele espera e
eu faço um lance, ele me desafia. (HERMETO... 1981)

Hermeto demonstra uma sensibilidade enorme para os sons do mundo,


além de um refinado senso de humor. Inspirado pela inarmonia dos sons da
natureza, ele já chegou a afirmar, em outro contexto: “O atonal é a coisa mais
natural que existe”. (COSTA-LIMA NETO, 1999, p. 190) Costa-Lima Neto pro-
põe a perspectiva de uma trindade sonora experimental para se referir às fontes
que contribuíram para a linguagem musical desenvolvida por Hermeto: os sons
dos animais, dos objetos e a voz humana.

O próprio Hermeto percebe uma relação do atonalismo que chama de


‘fala dos objetos’ com o atonalismo que ouve na fala humana, que con-
ceituou com música da aura: ‘Os pedaços de ferro já tinham alguma coisa
a ver com a música da aura... o som da aura que percebi desde minha in-
fância...’. (COSTA-LIMA NETO, 2000, p. 131-132 apud BORÉM; ARAÚJO,
2010, p. 32, grifo do autor)

Inspirando-se na multiplicidade de sons que a natureza lhe oferece,


Hermeto não se reduz a um único gênero ou linguagem musical.
Na penúltima sequência do filme, o compositor improvisa livremente a partir
de sons de instrumentos de ferro variados: serrotes, bandejas, mangueiras etc.,
enquanto explica que, desde a adolescência, catava objetos no lixo para “tirar som”.
Mais adiante, será visto explorando toda sorte de timbres feitos com a boca – para
além da voz. “Se eu tiro um som com minha voz, quer dizer, com os lábios, com
o nariz, com os olhos, com os cabelos, eu tiro um som com meu corpo todo, né?
Quer dizer, são vários os instrumentos, entende? Quer dizer, a voz também é um

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 447


instrumento”, ele comenta em off. Mais do que uma obra acabada, pronta para ser
tocada, o filme nos faz ver e ouvir a música em processo, aberta à influência do que
vem de fora – sejam os outros músicos, sejam os ruídos da natureza.
Na sequência que antecede os créditos finais, Hermeto compõe em frente
ao piano, valendo-se da notação musical tradicional (a partitura). Ele começa a
escrever sobre a folha pautada, preenchendo-a, aos poucos, com símbolos tra-
dicionais (colcheias, semicolcheias etc.) e outros inventados pelo compositor
(rabiscos, desenhos, inscrições mais próximas de uma notação musical contem-
porânea). Nem na escrita se contenta com as convenções. Em off, ele comenta
que a verdadeira música não é aquela que se escreve em pauta, mas sim aquela
que se imagina. Graficamente, somos convidados a ver que sua imaginação
extrapola os limites do que já está dado. Ele, então, canta e harmoniza a melodia
que acabara de compor (uma cadência em sol maior), introduzindo uma barra de
repetição na frase que lhe soou bem. E é com o acompanhamento desses sons
(reproduzidos uma segunda vez) que veremos as fotografias e os créditos finais.
Ao longo de todo o filme, a música de Hermeto surge ligada à improvi-
sação, aberta ao que escapa, imprevisível e inesperada. Não por acaso o filme
começa e termina com a fotografia da boca de um instrumento de sopro: aber-
tura por onde sai o ar que produz o som musical, mas também um buraco
negro, metáfora para o processo criativo de Hermeto, que incorpora todos
os tipos de materiais, do qual nada escapa – e também para sua relação quase
cósmica com o universo de seres e sons ao seu redor.
Para dar conta dessa música que incorpora a cada cena, um novo instrumento,
um novo timbre, uma nova qualidade e intenção, Thomaz Farkas acaba por acionar
múltiplas estratégias. Acreditamos que, por ser feito de componentes sonoros e
visuais bastante diversos, o filme também se deixa contaminar pela música que ele
põe em cena. Como se a música, composta de materiais heterogêneos, instigasse a
escritura do filme. Entretanto, o filme, ele mesmo, não improvisa. Diferentemente
do filme Partido alto, por exemplo, a câmera, aqui, é bastante ciente do que pro-
cura, bem como a montagem. O documentário, por vezes, oferece ao espectador
a oportunidade de escutar Hermeto tocando consigo mesmo, sobrepondo sons
diretos captados em situações diferentes; em outros momentos, propõe ao espec-
tador que ele não veja tudo, oferecendo ao olhar uma insistente tela escura. Há
todo um esforço de trazer os componentes sonoros para o primeiro plano.

448 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


Por meio das junções e disjunções entre os corpos em cena (engajados na
performance musical ou simplesmente em meio à vida cotidiana) e os sons
(a voz nunca tomada em som direto; a música frequentemente encarnada na
cena, com exceção da sequência na lagoa), o filme põe em jogo as lógicas do
olhar e da escuta. O filme solicita um trabalho ativo e múltiplo de seu especta-
dor ao oferecer-lhe um material musical heterogêneo e complexo, enriquecido,
ainda, por um sofisticado pensamento sobre os sons do mundo.

Considerações finais

Os três filmes analisados apontam para questões distintas em relação ao modo


como se filma o improviso. A análise de A cantoria nos permitiu vislumbrar
dois gestos: um primeiro, que vai do filme em direção ao mundo filmado, e
um segundo, que vai da música em direção ao filme. O documentário pos-
sui suas pretensões e estabelece suas estratégias ao filmar o acontecimento
em torno dos cantadores; no entanto, algo do mundo que se improvisa dian-
te do aparato cinematográfico dificulta, por assim dizer, o trabalho do filme.
Concluímos que o documentário acaba se configurando como uma escritura
cheia de buracos, graças justamente às dificuldades que ele enfrenta. O traba-
lho dos músicos é apreendido de forma relativamente rígida, em função das
condições específicas em que se dá a performance ao vivo encomendada por
um fazendeiro, mas há elementos (às vezes, mínimos) que escapam ao esqua-
drinhado meticuloso e um tanto didático proposto pelo cineasta.
Já Partido alto lida com o desafio de filmar o improviso de forma mais
desenvolta e, para isso, ele mesmo põe-se a improvisar. Candeia é filmado
no quintal da própria casa, em um ambiente festivo, sem cerimônias, entre
amigos. Graças à informalidade do gênero musical – e também da situação
filmada –, os sambistas podem interferir fortemente na condução da mise-
-en-scène. O próprio filme ganha maior liberdade, em consequência. Os can-
tadores de A cantoria, ao contrário, não dispõem das mesmas condições para
conduzirem sua performance em cena: não tanto porque o filme não permitiu,
mas por força das circunstâncias em que eles são apanhados.
Hermeto Pascoal também é filmado em ambientes mais informais (a
casa, o sítio) e demonstra maior liberdade para conduzir sua performance

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 449


no filme, quando comparado aos cantadores do sertão. Ele posa ao lado da
família; em outros momentos, posa também de perfil ou de costas – como
na cena em que escutamos a improvisação com os sapos. Contudo, não pode-
mos dizer que o filme improvisa junto a ele: há um rigor no modo como se
filma, mais controlado do que indeterminado. A câmera sabe bem o que e
como filmar. A forma do filme também é bem “amarrada”, percorrendo um
arco narrativo que não parece tão influenciado pelo improviso. Por outro
lado, o filme experimenta procedimentos heterogêneos em sua escritura, em
consonância com a poética musical de Hermeto, que se vale, igualmente, de
uma diversidade de elementos. Isso é obtido por meio do manejo dos recur-
sos expressivos, sobretudo no momento da montagem. Se há uma afinidade
com o fenômeno musical abordado, ela é mais formal do que processual –
como é o caso do filme de Hirszman.
A improvisação musical não se confunde com o aleatório ou com o indeter-
minado, uma vez que se dá a partir de um conjunto de parâmetros ou critérios
que orientam a tomada de decisões do intérprete. Ela pressupõe indeterminação,
mas não uma indeterminação total, pois estaríamos no domínio da aleatorie-
dade. Documentário e música possuem em comum o fato de que se ocupam das
durações, dos ritmos e também de que os sujeitos aí implicados podem impro-
visar – sejam aqueles que produzem o filme, como o diretor, o cinegrafista, o
técnico de som etc., sejam os sujeitos filmados. Porém, as condições específicas
em que se dá a cena são fundamentais para a forma que o filme ganha ao final,
pois são elas que prescrevem os termos ou limites que constrangem, em maior
ou menor grau, as performances e improvisações que aí têm lugar.

Referências

A CANTORIA. Direção: Geraldo Sarno. São Paulo: Caravana Farkas, 1969-1970. 14 min.
AYALA, M. I. N. No arranco do grito: aspectos da cantoria nordestina. São Paulo: Ática,
1988.
BORÉM, F.; ARAÚJO, F. Hermeto Pascoal: experiência de vida e a formação de sua
linguagem harmônica. Per Musi, Belo Horizonte, n. 22, p. 22-43, jul./dez. 2010.
BRESSON, R. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2005.
CAZNOK, Y. B. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: Editora UNESP; Rio de
Janeiro: Funarte, 2008.

450 CRISTIANE DA SILVEIRA LIMA


COMOLLI, J.-L. Quelques pistes paradoxales pour passar entre musique et cinèma.
In: COMOLLI, J.-L. Voir et pouvoir: l´innocence perdue: cinema, télévision, fiction et
documentaire. Paris: Verdier, 2004. p. 317-323.
COSTA-LIMA NETO, L. A música experimental de Hermeto Pascoal e Grupo (1981-
1993): concepção e linguagem. 1999. 200 f. Dissertação (Mestrado em Música)
– Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: <http://teses.musicodobrasil.com.br/a-
musicaexperimental-de-hermeto-pascoal-e-grupo.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2012.
COSTA-LIMA NETO, L. O cantor Hermeto Pascoal: os instrumentos da voz. Per Musi,
Belo Horizonte, n. 22, p. 44-62, 2010.
FAULKNER, R. R.; BECKER, H S. “Do you Know...?”: the Jazz repertoire in action.
Chicago; London: The University of Chicago Press, 2009.
HERMETO, campeão. Direção: Thomaz Farkas. São Paulo: Thomaz Farkas
Documentários, Cinema e Televisão, 1981. 43 min.
LIMA, C. S. Música em cena: à escuta do documentário brasileiro. 2015. 279 f. Tese
(Doutorado em Comunicação Social) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
NANCY, J.L. À escuta. Tradução de Fernanda Bernardo. Belo Horizonte: Edições Chão
da Feira, 2014.
PARTIDO alto. Direção: Leon Hirszman. [S.l.]: Embrafilme, 1976-1982. 22 min.
PASCOAL, H. Som da aura. Depoimento de Hermeto Pascoal redigido por Aline
Morena em 4 mar. 2009. Disponível em: <http://www.hermetopascoal.com.br>.
Acesso: 6 fev. 2015.
PUCCINI, S. Partido alto: a voz na tomada. In: ENCONTRO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE ESTUDOS DE CINEMA E AUDIOVISUAL, 16., 2012, São Paulo.
Anais... São Paulo: Centro Universitário Senac , 2012. p. 828-835.
ROCHA, F. Indeterminação na obra Canção Simples de Tambor de Carlos Stasi. Per
Musi, Belo Horizonte, v. 4, p. 37-51, 2001.
SOBRINHO, G. A. A Caravana Farkas e o moderno documentário brasileiro:
introdução aos contextos e aos conceitos dos filmes. In: HAMBURGUER, E. et al.
(Org.). Estudos de Cinema SOCINE. São Paulo: FAPESP, 2008. p. 155-162.
SOBRINHO, G. A. Os documentários de Geraldo Sarno (1964-1971): das catalogações
e análises do universo sertanejo aos procedimentos reflexivos. ALCEU, Rio de Janeiro,
v. 13, n. 26, p. 86-103, jan./jun. 2013.
ZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e
Suely Fenerich. São Paulo: EDUC, 2000.

Diante do improviso: variações no documentário brasileiro 451


Cabaret mineiro
lirismo e transgressão no ocaso da ditadura

MARIA GABRIELA S. M. C. MARINHO

Introdução

Exibido nacionalmente em 1980, com lançamento mundial no ano de 1984, o


filme Cabaret mineiro, de Carlos Alberto Prates Correia, recebeu uma acolhida
calorosa por parte da crítica.1 Porém, censurado pela ditadura militar e libera-
do pelo Conselho Superior de Censura em 1981, a distribuição ficou restrita ao
público reduzido dos cineclubes, universidades e em poucas salas com progra-
mação para cinéfilos. Nas décadas subsequentes, passou a ser exibido no Canal
Brasil e nas retrospectivas em torno da obra de seu diretor. Mais recentemente,
cópias começaram a circular pela internet e um de seus trechos, a “Suíte do

1 Cabaret mineiro venceu, em 1980, o Festival de Brasília na categoria de Melhor Fotografia. No


ano seguinte, 1981, teve desempenho consagrador no Festival de Gramado, com a obtenção
de sete “Kikitos” nas premiações de Melhor Filme, Melhor Fotografia (Murilo Salles), Melhor
Ator (Nelson Dantas), Melhor Montagem, Melhor Direção, Melhor Trilha Sonora e Melhor Atriz
Coadjuvante (Tânia Alves).
Quelemeu”, corruptela de “querer meu”, tornou-se um hit por seu conteúdo
irônico, debochado e pornográfico.
Produzido e lançado no final da ditadura militar brasileira, durante o
governo de João Baptista de Figueiredo, último general, mantido no poder
entre 1979 e 1985, Cabaret mineiro propõe uma narrativa inquietante, em um
contexto no qual o regime autoritário vivenciava sua pior crise. O filme é um
amálgama de referências históricas e afetivas, ancorado na livre transposição
de duas obras literárias de dois autores seminais da prosa e da poesia brasilei-
ras: João Guimarães Rosa e Carlos Drummond, ambos mineiros – assim como
o diretor Carlos Alberto.
Cabaret mineiro é, também, duplo mergulho na geografia e nas paisagens
do norte de Minas Gerais e explora a cartografia sentimental de seu diretor. A
narrativa se desenvolve em torno da viagem de um jogador de baralho aventu-
reiro que parte de Contria, distrito de Corinto e “boca do Sertão”, com destino
a Montes Claros. Em Contria, um lugarejo arquetípico das paisagens mineiras,
em transição para o Nordeste, o jogador Paixão (Nelson Dantas) acerta a via-
gem, para “um poquerzinho em Montes Claros”com um pequeno comerciante
local, Toni, que é também, no filme e na “vida real”, músico e violeiro (Antonio
Rodrigues).Indolente na fruição de um tempo que passa a “conta-gotas”, emol-
durado pela rima pobre da “rapadura na dentadura” e pelos primeiros elemen-
tos do erotismo explícito ou latente que vão permear a narrativa, o violeiro
pontifica: “Vaina frente... Eu te encontro lá!”.
Desse modo, tem início a travessia lírica e musical que articula a premiada
fotografia de Murilo Salles com o cancioneiro regional do norte de Minas e
que orbita entre as composições e recriações de Tavinho Moura, produção que
foi prensada em vinil com o mesmo título do filme original. Escasso de diálo-
gos formais, o filme é construído em torno de um fio que se organiza como
viagem onírica e erótica pelo sertão ambiente no qual a narrativa amplifica as
referências literárias, mesclando as paisagens eas recriações, visuais e sonoras,
das matrizes culturais ali presentes.
Nessa perspectiva, o capítulo aqui proposto parte de uma abordagem
interdisciplinar que pretende analisar o filme sob diferentes chaves interpreta-
tivas, do contexto de seu lançamento aos elementos da narrativa que extrava-
samas referências locais estéticas etemporais –, conduzindo a uma recriação
sofisticada e sutil da categoria “sertão”. Trata-se, no caso, de um sertão que

454 MARIA GABRIELA S . M . C . MARINHO


emana da experiência profunda das obras literárias selecionadas, mas também,
e principalmente, do diretor Prates Correia e de outros membros da equipe,
como Murilo Antunes, ambos nascidos e criados no norte de Minas.2
Ao mesmo tempo em que o filme estabelece interlocução visual e sonora
com tais referências, é pontuado também por outras releituras do território
mítico do sertão. Nesse caso, por meio da dança, explicitada nas coreogra-
fias do premiado Grupo Corpo, em inserções que acompanham a densidade
musical do repertório regional e das apropriações e recriações de Tavinho
Moura. Trata-se, aqui, de reconhecer – e também assinalar – como diferentes
expressões culturais organizadas na capital mineira, Belo Horizonte, em gru-
pos formais ou informais, foram mobilizadas e convergiram para a produção
de Cabaret. Além do Grupo Corpo,3 há um significativo entrecruzamento com
o movimento do Clube da Esquina,4 além da participação do Grupo Uakti.5
De volta à matriz literária, é possível identificar, no texto e no filme, ten-
sões permanentes entre o local e o universal, variáveis igualmente presentes em
Rosa e Drummond. A rigor, Cabaret mineiro amplifica e alarga essa percepção,
pois estão presentes também as tensões entre o local, o regional e o nacio-
nal que a obra comporta, em vista de uma narrativa que foi capaz de articular
referências visuais, literárias e musicais associadas com a categoria “sertão”,

2 O diretor Carlos Alberto Prates Correia nasceu em Montes Claros e Murilo Antunes em
Pedra Azul.
3 O Grupo Corpo, de dança contemporânea brasileira, foi criado em 1975, em Belo Horizonte,
por Paulo Pederneiras, como diretor-geral, e Rodrigo Pederneiras, como bailarino e depois co-
reógrafo. Seu primeiro grande sucesso foi a montagem de Maria, Maria¸ com música de Milton
Nascimento e coreografia do argentino Oscar Araiz, apresentanda em 14 países. O grupo con-
tinua em atividade e, em seus 40 anos de existência, já abrigou 106 bailarinos.
4 O Clube da Esquina, por sua vez, é identificado como um movimento musical que se constituiu,
inicialmente, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, a partir da amizade dos irmãos
Borges com o cantor e compositor Milton Nascimento. Em torno desse núcleo, agregaram-se
músicos como Tavinho Moura, Flavio Venturini, Beto Guedes, Fernando Brant, Toninho Horta
e Tavito. As músicas produzidas fundiam jazz, bossa nova, Beatles e as canções folclóricas de
Minas Gerais, resultando, daí, letras e melodias originais e envolventes.
5 Formado em 1978, o Grupo Uatki, designação de um ser mitológico da tribo tukano, proce-
dente das margens do Rio Negro, destacou-se pela confecção dos próprios instrumentos,
muitos deles com tubos de PVC, a partir dos quais se produz uma sonoridade particularmente
expressiva e complexa. Por muitos anos, o grupo manteve suas atividades no mesmo bairro de
Santa Tereza, em Belo Horizonte, onde construiu diversas parcerias com o Clube da Esquina,
especialmente em composições de Milton Nascimento. Em 2015, o grupo anunciou término
de suas atividades.

Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura 455


escapando de estereótipos corriqueiros. Nesse sentido, o filme não apresenta
uma narrativa linear, encadeada por sequências lógicas. Configura-se como um
mosaico de referências justapostas e capturam a sensibilidade do espectador
pela profusão de fragmentos narrativos que se adensam e se recombinam em
múltiplas referências. Assim, estão ali contempladas a presença norte-ameri-
cana, a guerrilha, Cuba, Che Guevara, mas também a dor da partida para o
hospício de Barbacena da mãe e filha de Sorôco, no conto de Guimarães Rosa,
ou o erotismo do bordel de Montes Claros, no poema de Drummond.

As músicas, a marujada, o domínio público e


o poema de Drummond

“Cabaré mineiro”, poema de Carlos Drummond de Andrade publicado em


Alguma poesia, e “Sorôco, sua mãe, sua filha”, conto que integra Primeiras es-
tórias, de João Guimarães Rosa,6 foram recriados na segunda metade do fil-
me – e, de certo modo, representam o ápice da narrativa. Avesso a entrevistas
e depoimentos, foi possível recuperar alguns fragmentos das lembranças de
Carlos Alberto Prates Correia publicados na imprensa.7 Somados aos relatos
de Tavinho Moura e Murilo Antunes acerca da produção de Cabaret mineiro,
as informações contribuem para recuperar a lógica que presidiu o processo
criativo e transcendeu a mera transposição dos textos literários.8
Nesse sentido, Prates Correia lembra, por exemplo, que o roteiro foi motivado
e “conduzido” pelas composições de Noel, Tavinho Moura e Antonio Rodrigues:

6 O poema de Carlos Drummond de Andrade, “Cabaré mineiro”, empresta seu nome ao filme,
porém em uma grafia distinta daquela adotada por Carlos Alberto Prates Correia. Ao contrário
de Drummond, Correia optou pela grafia francesa Cabaret. O poema apareceu pela primeira
vez no livro Alguma poesia, publicado em 1930 pela fictícia Editora Pindorama, estreia literária
de Carlos Drummond de Andrade. “Sorôco, sua mãe, sua filha” integrou a coletânea de contos
Primeiras estórias, de 1962, penúltima obra de Guimarães Rosa, editada apenas cinco antes de
sua morte, ocorrida em novembro de 1967.
7 Em 1965, Carlos Alberto Prates Correia trabalhou com Joaquim Pedro de Andrade na produ-
ção de O padre e a moça, adaptação do poema de Carlos Drummond de Andrade. O filme foi
restaurado em 1999 e depois entre 2005 e 2007.
8 Duas outras adaptações dos contos de Guimarães Rosa em Primeiras estórias são frequen-
temente reconhecidas pela crítica. No caso, a obra de Nelson Pereira dos Santos A terceira
margem do rio, de 1994, e Outras estórias, de Pedro Bial, de 1999.

456 MARIA GABRIELA S . M . C . MARINHO


A base do Cabaret é mais etílico-musical. Escrevi o roteiro bebendo e
cantando e as cenas derivavam das musicas de Antonio Rodrigues, do
Tavinho (Moura), de Noel. Não faltaram, é verdade, infiltrações literárias:
uma antiga crônica sobre a Rua de Baixo, em Montes Claros, a rua da mi-
nha família. Aquele poema de Drummond, que seria musicado...9

Os depoimentos de Tavinho Moura e Murilo Antunes ao Museu do Clube


da Esquina recuperam, igualmente, as condições de produção do filme, que
são também reveladoras do processo criativo desenvolvido coletivamente,
como observado nos relato a seguir. O relato apaixonado de Tavinho Moura,
que assinou ou adaptou a maior parte das composições do filme, muitas delas
com a parceria de Antonio Rodrigues, é esclarecedor do “espírito da época”,
marcado pelo tom inventivo, mas também pela escassez material e improvisa-
ção. Apesar de longa, a transcrição vale pelo registro dos meandros do projeto
e das condições de produção da época:

[...]O ‘Cabaret’ é um sucesso. Trabalhei no filme como assistente do


Carlos Alberto. Tem uma coisa genial de música que a gente fez, que eu
acho que é uma raridade. O ‘Cabaret’ era pra se chamar ‘O aventurei-
ro do São Francisco’. Era um jogador de baralho, pelo vapor do Rio São
Francisco, parando nas cidades, fazendo amizades, jogando baralho e me-
xendo com as putas.
Em 79, quando houve a maior enchente que o Rio São Francisco já teve, o
rio acabou, as margens ficaram todas enlameadas e o Carlos Alberto tro-
cou o título pra ‘CabaretMineiro’. Ele me telefonou: ‘Você faz uma música
em cima desse poema?’. Eu falei: ‘Faço, ué’.
Peguei o poema do Drummond, já tinha autorização do próprio Carlos
Drummond de Andrade. Peguei, fiz a música ‘CabaretMineiro’, levei pro
Rio, a Tânia Alves ouviu. Aí o Carlos Alberto falou: ‘O negócio é que nós va-
mos escrever o filme assim: eu tenho mais ou menos seis seqüências, as ou-
tras nós vamos escrever lá’. O filme foi sendo feito à medida que era filmado.
Isso era uma coisa arriscada pra danar, mas o Carlos Alberto é danado.
Uma vez, ele me chamou à noite e falou assim: ‘A Eliene Narduchi e o
Nelson Dantas vão cantar uma música. O que a gente pode fazer pra eles
cantarem?’. Aí eu fiz uma brincadeira com um motivo popular e nós ensaia-

9 Entrevista publicada no suplemento “Caderno Dois” do jornal O Estado de São Paulo, em 8 de


fevereiro de 2001 (p. D-4).

Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura 457


mos. [...] A Sílvia Beraudisam, que gravou comigo o ‘Como vai minha aldeia’.
Acho que ela estava namorando alguém da equipe, e ela foi a Grão Mogol.
Chegou nessa noite. Eu falei: ‘Silvinha, você trouxe a flauta?’.
‘Trouxe.’‘Então vem cá que você vai tocar comigo.’ Aí nós fizemos o se-
guinte: a câmera ficou numa ruína linda, uma ruína no meio do mato de
pedra, porque lá em Grão Mogol é tudo de pedra.
Os atores deitados no capim, a câmera em plongée, fez uma torre e ficou
um olhando pro outro. Um canta, o outro canta, mas eu tocando violão
de fora do quadro, a Silvinha tocando flauta de fora do quadro, Goulart
arrumando o som, mixando, os atores cantando. [...]
Eu fiz a introdução, a Silvinha tocou flauta, Nelson Dantas cantou, ela
cantou, os dois cantaram juntos. Terminou, eu fiz o final. ‘Valeu?’‘Valeu,
valeu.’ Não teve re-take, uma vez só. Ficou bacana, tenho o maior orgulho.
Aí nós ouvimos a gravação, estava boa pra cacete, tinha um grilo ali, uma
coisa aqui e tal, mas bonito. E isso é uma coisa difícil de fazer. Porque não
é playback, é direto mesmo. As locações eram em Montes Claros, Grão
Mogol, Contria. (MUSEU CLUBE DA ESQUINA, [2014?b])

Para Murilo Antunes, o “espírito da época”, marcado pelo tom inventivo,


mas também pelas condições de escassez e improviso, estão expressos no
resultado final:

Trabalhei também na produção do ‘Cabaré mineiro’, que foi um trabalho


extenuante, três meses de filmagem. A gente filmou em Grão-Mogol, em
Montes Claros, em Contria e no Rio de Janeiro. Cinema é bacana, porque
é feito em equipe.
Você aprende a simplicidade, a humildade. E especialmente com as pes-
soas da produção. Tem que descolar o alfinete, levar comida pros atores
no set, arrumar avião. O espírito de equipe é uma das coisas principais, e
uma forma de aprender cinema.
Quando fui fazer o ‘Cabaré’, isso em 1979, eu nunca tinha feito cinema. Ajudei
a arrumar o set. Até o diretor gritar ‘ação’ tinha o dedo da produção ali.
Vi toda a colocação de câmera, os travellings, como se concebiam os pla-
nos. E a gente era muito amigo, participava da elaboração dos planos,
das seqüências.
Até então eu era um observador de cinema. O ‘Cabaré’ foi quando eu
aprendi cinema com a forma do Carlos Alberto trabalhar, buscando a eco-
nomia, nunca com verbas astronômicas pra realizar os filmes dele.

458 MARIA GABRIELA S . M . C . MARINHO


Ele usava de extrema imaginação pra poder simplificar os planos. Por exem-
plo, não podia ter grua, podia ter grua dois dias. Para os outros planos tinha
que improvisar, fazer carretilhas, roldanas, e tentar imitar uma grua.
Porque a gente estava no meio do sertão, envolvia a comunidade, era uma
a coisa muito viva. Esse tempo da formação da gente era logo depois da
Nouvelle Vague, do neo-realismo italiano. A gente sempre gostou mais
dos filmes europeus. Godard, depois os italianos, o Antonioni, o Fellini,
o Pasolini.
Essa escola era muito boa, e os filmes americanos extra-Hollywood ou
meio à margem, mais próximos do possível cinema brasileiro. Já estava ro-
lando o Cinema Novo, que também foi uma lição fenomenal pro Brasil...
(MUSEU CLUBE DA ESQUINA, [2014?a])

As recordações de Tavinho Moura apontam também para um misto de


improvisação e inventividade:

Nós montamos o ‘Cabaret’ no salão paroquial. Pedimos ao padre a casa


paroquial emprestada e fizemos o ‘Cabaret’ lá. Depois ele viu, achou até
bonito: ‘Olha que teatro bonito que vocês fizeram aqui’. No dia em que
fomos filmar a música, houve uma encrenca qualquer, acho que foi com
o assoalho, porque o piso era caído. Tiveram que fazer um tabuado, e
quando puseram a grua, ficou muito perigoso.
Quando o cara começou a andar com o carrinho e com o Murilo Salles
pesadão lá em cima, com a câmera, começou a ficar perigoso aquilo cair
em cima dos figurantes todos. E aquilo foi atrasando a filmagem, a Tânia
ficando cansada.
O Carlos Alberto, enlouquecido, pegou a câmera e falou: ‘Bota a câmera
igual você está fazendo aí e solta o playback. Canta aí, Tânia’. Filmou um
plano só. Ela lá no palco, cantando a música. Era o único jeito que tinha.
(MUSEU CLUBE DA ESQUINA, [2014?b])

A derrocada do governo Figueiredo, o fim da ditadura e o retorno


ao “Brasil profundo”

As condições de produção do filme, em 1979, remetem para a conjuntura vi-


venciada pelo país a partir da segunda metade da década, em que diversos
setores clamavam pela liberdade, fim da censura e redemocratização. O ano de

Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura 459


1979 tornou-se emblemático, sobretudo pela aprovação da Lei da Anistia, em
agosto daquele ano, como resultado de uma ampla mobilização social, que se
avolumara em repúdio aos assassinatos pela ditadura de Alexandre Vanucchi
Leme, Vladimir Herzog e Manuel Filho, respectivamente, em 1973, 1975 e 1976.
Nesse sentido, a Anistia, apesar de suas limitações, representou um ponto
de inflexão na redemocratização, um ponto de não retorno. Embora as pres-
sões e contradições de um sistema político autoritário e repressivo tenham
perdurado e as eleições diretas para a presidência tenham sido postergadas
até 1989, ainda assim, a conjuntura, por fim, cedeu espaço para a reconstrução
democrática, processo que, a rigor, ainda está inconcluso,10 como demonstra a
crise política aguda vivida pelo país em 2016.
Contudo, o que se pretende reconhecer aqui é a condição de uma obra
musical que soube expressar as demandas de seu tempo histórico, tendo sido
capaz de capturar os anseios pela liberdade criativa, erótica e política do final
dos anos de 1970. Embora vincado pelas “marcas” desse tempo histórico,
Cabaret mineiro não se tornou um filme “datado”. Ao contrário, permaneceu
uma obra inquietante, vigorosa e irônica, com suas referências aos pastiches da
cultura norte-americana e, no mesmo registro, o tributo bem humorado aos
ícones da esquerda latino-americana, como assinala o próprio Tavinho Moura
em outro trecho de seu depoimento, reproduzido a seguir.

Gravar a trilha do ‘Cabaret Mineiro’ foi uma experiência incrível, porque


a gente queria mais gente tocando. Eu já tinha relação com muita gente.
Participaram comigo o Vermelho, o Flávio, o pessoal do 14 Bis, Eli. O es-
túdio tinha quatro canais. A Tânia Alves tinha que botar a voz, então a
gente tinha que saber essas divisões. É uma coisa difícil, mas se fazia, e
era bom pra danar.
É uma obra-prima. Eu, que participo como ator nessa seqüência, contra-
ceno com a Tânia. Ela se chama Avana, a estrela do Norte, e eu me chama-
va Ernesto, com uma boininha com a estrelinha igual ao Che Guevara, um
bigodinho do Chaplin e óculos escuros, maior cafajeste. Eu era amante da
Avana e o Nelson Dantas passa a mão nela. Eu digo pra ele: ‘Perdi-a por-
que acredito na utopia’. Que é a frase que o Guevara falou quando perdeu
a revolução da Bolívia.

10 Para uma abordagem mais detalhada do período em questão, consultar Silva (2003).

460 MARIA GABRIELA S . M . C . MARINHO


O ‘Cabaret’ é a segunda trilha com o Carlos Alberto e a terceira trilha
que eu faço. Foi o meu mestrado, porque o doutorado foi o Noites do
Sertão.
[...] No ‘Cabaret’, eu contraceno um pouco mais. O Fernando Brant fala
que eu sou o Hitchcock do Carlos Alberto, em vez de ele se colocar,
ele me põe pra fazer o que ele gostaria de fazer. (MUSEU CLUBE DA
ESQUINA, [2014?b])

A dimensão que o sertão assume na tessitura da narrativa emparelha-se


com a abordagem e a estatura estética dos textos literários nos quais o filme
se apoia em sua segunda metade, sequências que antecipam a catarse promo-
vida, afinal, pelo encerramento, com a marujada de Montes Claros. A ironia
e a carga erótica do Cabaret contrapõem-se de forma magistral com a den-
sidade dramática cortante de “Sorôco”, magnificamente transposto para o
filme em sua sequência final. A alusão direta ao temível e abjeto “trem dos
loucos”, que transportaria, ao longo dos anos, milhares de pessoas para uma
viagem sem volta ao hospício de Barbacena, tinge de dor e sofrimento o filme
em seus momentos finais.
Três décadas separaram o poema de Drummond, publicado no livro de
estreia, e o conto de Guimarães Rosa. Apenas três dias depois da morte de
Rosa, Carlos Drummond de Andrade publicou no jornal Correio da Manhã
o poema “Um chamado João”, posteriormente republicado em fac-símile na
quinta edição de Primeiras estórias, em 1969. Nesse poema, o sertão emerge de
imediato, em seu primeiro trecho, como reproduzido a seguir:

João era fabulista?


Fabuloso?
Fábula?
Sertão místico disparando no exílio da linguagem comum?
(ROSA, 1969)

Consagração e interdição: aplaudido, premiado e censurado

Marchas e contramarchas da censura e do arbítrio no final da ditadura mili-


tar impuseram a Cabaret mineiro a sina da contradição. O prestígio eviden-
te e a consagração da crítica não foram suficientes para que seu destino se

Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura 461


confirmasse pela acolhida junto ao público. Logo após o lançamento, Cabaret
mineiro, obteve enorme repercussão, como relata Tavinho Moura acerca de sua
participação no Festival de Cinema de Gramado.

O ‘Cabaret mineiro’ foi uma coisa estupenda, porque nós chegamos


num festival de cinema lá em Gramado e tinha o filme, acho que do
Jabor, com música do Tom Jobim, o Chico Buarque,11 e era um bochicho
danado aquele trem. Quando o filme passou, o pessoal ficou pirado com
o filme. Sei que, dos 14 prêmios, não sei se eram 14, 80% o nosso filme
ganhou. Ganhou tudo quanto era prêmio, inclusive a música. (MUSEU
CLUBE DA ESQUINA, [2014?b])

O filme foi liberado pelo Departamento de Censura do Ministério da


Justiça em abril de 1981; a reação do público sob o impacto de sua consagra-
ção em lançamento jamais seria aferida diretamente nas salas de exibição. As
alegações para a interdição são recuperadas pelo depoimento de Tavinho, que
relembra os prejuízos e a trajetória igualmente atropelada não só do filme, mas
também do disco de sua autoria:

Era pra ter sido um sucesso. Me deram um adiantamento sobre 200 mil
cópias, um trem assim. E não passou de 14 mil, porque foi censurado.
Teve uma primeira censura, que foi da música ‘A suíte do querer meu’.
Aquelas mulheres do terço na mão, de São Paulo, falaram contra a por-
nografia, revista pornográfica, música pornográfica. O disco então saiu
lacrado, com uma tarja: ‘Músicas pornográficas, proibido para menores
de 18 anos’. Quando ele estava no mercado foi proibido de novo, porque
cantava ‘... e o Figueiredo ‘tá’ com a bunda virada’, e o Figueiredo era pre-
sidente da república. Aí nós fizemos uma carta explicando quem era o
Figueiredo, que não era o presidente.
Na verdade, houve uma primeira carta do Ricardo Cravo Albim que fez
uma defesa da ‘Suíte do querer meu’. Ainda deve existir essa carta. Aí eles
liberaram, mas com a tarja ‘Restrito a ambientes masculinos’, e lacrado.

11 O Festival de Cinema de Gramado foi, primeiramente, entre 1969 e 1973, uma iniciativa local.
Em 1973, o Instituto Nacional de Cinema oficializou a iniciativa, que se tornou uma das mostras
mais prestigiadas do cinema nacional. O filme a que se refere Tavinho é Eu te amo, de Arnaldo
Jabor, que venceu as categorias de Melhor Atriz (Sonia Braga), Cenografia (Marcos Weinstock)
e Melhor Som.

462 MARIA GABRIELA S . M . C . MARINHO


Aí veio o negócio das mulheres. Nós escrevemos uma carta que fala: ‘Dona
Hebe, mãe do compositor Tavinho Moura, está com a bunda virada. Alceu,
irmão do diretor Carlos Alberto, está com a bunda virada’. Fomos falando
quem era cada um. ‘Joaquim Pedro de Andrade, cineasta, autor dos filmes
tais, está com a bunda virada. Figueiredo, funcionário do estúdio Bemol
em Belo Horizonte, também está com a bunda virada. Não se trata do
presidente da república.’ Aí liberaram.
Essa música é muito interessante. No filme quem dança é o Grupo
Corpo, as meninas dançam batendo as bundas de madrugada, é linda
essa filmagem. Aí teve uma terceira censura, interna. Porque manda-
ram um abaixo-assinado pra Odeon contra a pornografia. E a empre-
sa resolveu tirar o disco de catálogo. (MUSEU CLUBE DA ESQUINA,
[2014?b])

O reconhecimento pela qualidade das produções originais ou adaptadas


não se limitou ao âmbito interno. Também no exterior, filme e músicas foram
igualmente aplaudidos, como pode ser acompanhado a seguir:

O disco ‘Cabaret Mineiro’ foi feito primeiro pela Embrafilme. Quando


o filme passou em Cannes, na mostra paralela, levaram o disco pra lá.
Diz o Nelson Hoineff que foi uma verdadeira briga pra comprar o disco
depois da sessão. E eles só tinham levado cem longplays. Depois que
eu saí da RCA e fiz o meu contrato com a Odeon, eles queriam que
o meu primeiro disco fosse o ‘Cabaret Mineiro’. Aí o Carlos Alberto
negociou com eles, que ele era o dono do Master. Nem mexemos na
fita, foi igual, só mudei uma coisa ou outra. Aí virou o disco da Odeon,
com aquela capa. Mas foi censurado três vezes. (MUSEU CLUBE DA
ESQUINA, [2014?b])

Considerações finais

Apesar da acolhida entusiasmada da crítica e de figurar em diferentes “listas”


de “melhores” ou “maiores” filmes brasileiros “de todos os tempos”, curiosa-
mente, há poucas análises especificas em torno do filme Cabaret mineiro, sen-
do mais comum a citação em obras que analisam a transposição para o cinema
da produção literária de Carlos Drummond ou Guimarães Rosa. Desse modo,
fica o registro de uma produção que, tendo assegurado uma trajetória vigorosa

Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura 463


de reconhecimento e permanência na memória da crítica especializada, ain-
da clama por análises que possam aprofundar sua compreensão em diferentes
chaves interpretativas.

Referências

75 ANOS DE CINEMA. Cabaret Mineiro (1980). [20--]. Disponível em: <http://


www.75anosdecinema.pro.br/2105-CABARET_MINEIRO_(1980)>. Acesso em: 5 jun.
2017
ANDRADE, C. D. Cabaré mineiro. In: ANDRADE, C. D. Alguma poesia. Posfácio de
Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
CAETANO, M. R. Por onde andará Prates Correia? O Estado de S. Paulo, São Paulo,
D-4, 8 fev. 2001.
CINECLICK. Cabaret Mineiro. [20--]. Disponível em: <https://www.cineclick.com.br/
cabaret-mineiro>. Acesso em: 5 jun. 2017.
CLUBE DO COLECIONADOR. Cabaret Mineiro. [20--]. Disponível em: <http://www.
clubedocolecionador.wedigital.net/index.php?route=product/product&product_
id=713>. Acesso em: 5 jun. 2017.
LEONEL, M. C. M.; SEGATTO, J. A. O regional e o universal na representação das
relações sociais. LEONEL, M. C.; SEGATTO, J. A. Ficção e ensaio: literatura e história
no Brasil. São Carlos: EdUFSCar, 2012.
LIMA, N. T. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da
identidade nacional. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
LIMA, R. P.; DORIA, S. F. Duas óticas num foco: Drummond entre poema e cinema.
In: SEMINÁRIO NACIONAL LITERATURA E CULTURA, 5., 2014, São Cristóvão.
Anais... São Cristóvão: GELIC, 2014.
MUSEU CLUBE DA ESQUINA. Murilo Antunes. [2014?a]. Disponível em: <http://
www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/murilo-antunes/>. Acesso
em: mar. 2016.
MUSEU CLUBE DA ESQUINA. Tavinho Moura. [2014?b]. Disponível em: <http://
www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/tavinho-moura/>. Acesso em:
mar. 2016.
PEREIRA, C. X. Primeiras e outras estórias: uma tradução intersemiótica da literatura
para o cinema. 2011. 99 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2011.

464 MARIA GABRIELA S . M . C . MARINHO


PEREIRA, H. B. C. As adaptações das primeiras estórias de João Guimarães Rosa para
o cinema. IPOTESI, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 117-127, jan./jul. 2009.
RIBEIRO, A. A. Grupo Uakti. Estudos avançados, São Paulo, v. 14, n. 39, p. 249-272,
maio/ago. 2000.
ROSA, J. G. Primeiras estórias. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1969.
SILVA, F. C. T. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil,
1974-1985. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L. A. N. (Org.). O Brasil Republicano: o
tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. v. 4, p. 243-282.

Apêndice
Ficha técnica do filme
Duração: 75 min.
Ano: 1980
Lançamento (Brasil): 1980
País: Brasil
Cor: Colorido
Gênero: Drama, Musical
Outros títulos: Mineiro Cabaret (USA)
Co-produção: Cinematográfica Montes Clarense, Zoom Cinematográfica e Corisco
Filmes
Distribuição: Embrafilme
Direção: Carlos Alberto Prates Correia
Roteiro: Carlos Alberto Prates Correia
Produção: Carlos Alberto Prates Correia e Nilson Barbosa
Direção de Produção: Nilson Barbosa
Produção Executiva: Idê Lacreta e Paulo Henrique Veloso Souto
Figurinos: Carlos Wilson
Cenografia: Carlos Wilson
Coreografia: Rodrigo Pederneiras
Contra-regra: Rodrigo Pederneiras
Design de produção: Carlos Wilson
Câmera: Murilo Salles
Fotografia: Murilo Salles
Fotografia de cena: Inês de Teves
Edição e montagem: Idê Lacreta
Maquiagem: Waldir Monteiro
Trilha sonora: Tavinho Moura
Efeitos sonoros: Walter Goulart, Aloysio Vianna, Hélio Barroso e Barrozo Neto

Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura 465


Mixagem: Aloysio Vianna
Eletricista: Carlos Peixoto
Efeitos visuais: Pedro Louzada
Informação complementar: baseado em poema de Carlos Drummond de Andrade e
em conto de João Guimarães Rosa, “Sorôco, sua mãe, sua filha”.
Elenco (ordem alfabética): Antonio Rodrigues, Célia Maracajá, Dora Pellegrino
(Evangelina), Eliane Narducci (Maruja), Grupo Corpo de Baile de Belo Horizonte,
Helber Rangel (Tomaz, um americano), Louise Cardoso, Luiza Clotilde, Maria Sílvia,
Marujada de Montes Claros, Nelson Dantas (Paixão), Nena Ainhoren, Nildo Parente
(Zé, jogador de pôquer), Paschoal Villaboim, Sérgio Kato (Daniel), Sônia Santos,
Tamara Taxman (Salinas), Tânia Alves (Avana), Tavinho Moura, Thelma Reston, Zaira
Zambelli.

Prêmios
1981, Festival de Gramado, Brasil
Kikito de Ouro de Melhor Filme (Carlos Alberto Prates Correia)
Kikito de Ouro de Melhor Direção (Carlos Alberto Prates Correia)
Kikito de Ouro de Melhor Ator (Nelson Dantas)
Kikito de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante (Tânia Alves)
Kikito de Ouro de Melhor Trilha Sonora (Tavinho Moura)
Kikito de Ouro de Melhor Fotografia (Murilo Salles)
Kikito de Ouro de Melhor Edição (Idê Lacreta)
1980, XIII Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro, DF
Troféu Candango de Melhor Fotografia (Murilo Salles)

Ficha técnica do LP (Vinil)


Tavinho Moura – Cabaret Mineiro
Trilha sonora do filme Cabaret mineiro [na capa: “Impróprio para menores de 18 anos;
execução pública proibida; músicas pornográficas”].
Autor: Tavinho Moura
Lançamento (Brasil): 1981
Produtor Fonográfico: EMI-ODEON, Fonográfica, Industrial e Eletrônica S. A.
Produtor Executivo: Carlos Alberto Prates
Orquestrações e Regências: Tavinho Moura

466 MARIA GABRIELA S . M . C . MARINHO


Corte: Osmar Furtado
Lay-out: Jo Oliveira
Fotos: Inês de Teves (capa) e José Luiz Pederneiras (contra-capa)
Coordenação Gráfica: Tadeu Valério

Músicas:
Lado A
“Cabaré mineiro” (Tavinho Moura/Carlos Drummond de Andrade), canta: Tânia Alves;
“Nunca... Jamais” (Noel Rosa), cantam: Tavinho Moura e Silvia Beraldo;
“O sonho” (Zezinho da Viola), canta: Tânia Alves; part. especial do Grupo Uakti;
“A rua de baixo” (crônica de Geraldo Prates), narração: Nelson Dantas;
“Tema de Salinas” (Tavinho Moura), instrumental;
“Dona Mariana” (domínio público, adap. Tavinho Moura), canta: Antonio Rodrigues;
“Delírios de Paixão” (Tavinho Moura), instrumental;
“Maria Manteiga/bunda virada” (domínio público, adap. Tavinho Moura), canta:
Tavinho Moura;
“Suíte do Quelemeu” (domínio público, adap. Tavinho Moura), cantam: Tavinho
Moura e Antonio Rodrigues; part. especial Grupo Uakti;
Lado B
“Pra esquecer” (Noel Rosa), canta: Tavinho Moura;
“O aventureiro de São Francisco” (Tavinho Moura), instrumental;
“Serenata das virgens” (Mendes de Oliveira/José Maria Fernandes), canta: Clarice
Maciel;
“Te pega te pica” (Tavinho Moura/Zeduardo/Carlos Alberto Prates), canta: Tânia Alves;
“Meu semblante é teu sentido” (domínio público, adap. Tavinho Moura), cantam:
Nelson Dantas e Eliane Narducci;
“A onça” (Tavinho Moura), instrumental;
“Chirimia das loucas” (Tavinho Moura), instrumental;
“O trem das loucas” (Tavinho Moura), instrumental;
“Paixão come pequi” (Tavinho Moura), instrumental;
“Adeus adeus” (domínio público, cantiga de marujadas), cantam: Marujada de
Montes Claros.

Cabaret mineiro: lirismo e transgressão no ocaso da ditadura 467


Aspectos sociais da urbanidade
chilena no cinema do pós-guerra
indústria cultural, o roto e a modernidade

FABIÁN NÚÑEZ

Vivimos broquelados. Aislados. Islas de un archipiélago. Por


eso somos tristes. País sin fiestas populares. Sin masas corales.
Pero cuando en vida colectiva, en estadios, circos, teatros,
concentraciones, entonces nace, anestesiado el dolor de sí mismo,
nuestra alma colectiva; no tememos ridículo ni nada [...]
Juan Godoy
Breve ensayo sobre el roto

Introdução

Santa Cruz Achurra (2011), ao estudar a representação do nacional-popular no


cinema chileno dos anos 1940, década considerada áurea dessa cinematografia
durante o período clássico,1 constata a diminuição de filmes históricos, gênero

1 De 1941 a 1949, entraram em cartaz no Chile cerca de 50 longas-metragens nacionais, sendo


que alguns desses filmes alcançaram grande sucesso de público.
comum na produção silenciosa, e o grande sucesso de comédias e melodramas
com sequências musicais, em cujos filmes podemos encontrar o protagonismo
de personagens populares. Tais filmes abordam tanto o ambiente rural quanto
o urbano. Assim, a figura do popular presente nas telas é encarnada sob as duas
personas típicas da chilenidade: o huaso e o roto. Destacam-se entre os princi-
pais nomes desse tipo de filmes, os diretores Eugenio de Liguoro, Jorge Coke
Délano e José Bohr. Simultaneamente, ao longo da década de 1940, assistimos
ao principal esforço para erguer uma indústria cinematográfica nacional, com
forte auxílio do Estado: a Chile Films. Além da construção de estúdios dignos
desse termo, vemos a importação de mão de obra técnica e artística, sobretudo
da Argentina, e o sonho de alcançar o mercado externo. Também podemos
constatar uma aproximação de gêneros com a produção cinematográfica me-
xicana, que gozava de ampla popularidade em terras latino-americanas, o que
não era exceção no Chile. No entanto, após oito anos de funcionamento e seis
de realizações fílmicas, a empresa é definitivamente fechada em 1949 e suas
dependências, arrendadas. À guisa de conclusão, Santa Cruz Achurra sublinha
uma presença maior de elementos do campo na produção cinematográfica chi-
lena dos anos 1940, enquanto que, desde a década anterior, o país começava
a sofrer um forte êxodo rural em direção aos centros urbanos, além de uma
presença maior das camadas populares urbanas no âmbito político, organiza-
dos em sindicatos e nos partidos de esquerda. Em tom mais de formulação de
hipóteses do que de afirmações categóricas, Santa Cruz Achurra (2011, p. 137)
se questiona:

Por que o huaso e não o roto? Para compensar simbolicamente a falta de


inclusão dos setores rurais no modelo industrializador? [...] Por que o
huaso simbolizava o povo são e bom, infantil e inocente, ainda não enve-
nenado por agitadores? Por que a negação em se reconhecer no urbano e
no moderno?

A nossa intenção não é responder a tais questões, pois, como o próprio


Santa Cruz Achurra ressalta, seria necessária uma profunda pesquisa para esse
empreendimento. No entanto, o nosso estudo tem como ponto de partida
tais questões, embora nos foquemos na década seguinte, nos anos 1950, con-
siderado um dos períodos mais turvos da cinematografia chilena em termos
de produção, após a derrocada do sonho industrial de Chile Films. Por outro

470 FABIÁN NÚÑEZ


lado, são anos considerados chave pela historiografia do cinema chileno, pois
é nessa década que surgem as bases de um cinema social e político no âmbito
documental. Pela historiografia clássica, é por esse viés que eclode o tão cultu-
ado Nuevo Cine Chileno, a partir da segunda metade dos anos 1960. Em termos
políticos, a década de 1950 é ambiguamente marcada no Chile por atos repres-
sivos, como a perseguição aos comunistas, e pelo ideário desenvolvimentista,
o que coloca o país sul-americano no contexto da Guerra Fria. De modo coetâ-
neo, também testemunhamos o surgimento de algumas mudanças culturais e
de hábitos, sobretudo devido ao crescimento urbano. Portanto, o nosso estudo
se volta basicamente à figura do roto, uma vez que a nossa preocupação é o uni-
verso urbano e como as suas transformações sociais são abordadas na indústria
cultural chilena, sobretudo cinematográfica, em especial, nos anos da Guerra
Fria. Por outro lado, não podemos esquecer que a sombra do desastre da Chile
Films é um fantasma que ronda a cabeça desses cineastas.

O roto: de ofensa a símbolo nacional

Como frisa Gutiérrez (2008), ao utilizar o conceito de Hobsbawn, o roto é, ao


lado do huaso, uma “tradição inventada” que, desde meados do século XIX
até os dias de hoje, encarna a “chilenidade”. No entanto, como atenta o autor,
apesar de reconhecermos atualmente o seu caráter “inventado”, essa atitude
desmistificadora não torna essas tradições carentes de potencial simbólico,
pois, embora forjadas, “tradições inventadas” podem se converter em tradi-
ções autênticas. É justamente o caso das figuras do huaso e do roto, que foram
fortemente entranhadas no imaginário chileno e são, dia a dia, perpetuadas em
práticas sociais, seja de caráter oficial (como as Fiestas Patrias) ou de caráter
mundano, como a indústria cultural. Assim, o que nos interessa não é estabe-
lecer uma gênese do roto e, posteriormente, o seu ingresso na cinematografia
chilena; mas apenas pontuar alguns aspectos para, em seguida, entendermos
como os tipos populares urbanos aparecem nas telas chilenas.
É possível afirmar que o roto é a versão chilena da exaltação do mestiço,
do tipo social oriundo da mistura dos povos europeus e ameríndios. Verdade
seja dita, esse é um dos seus sentidos. Ao longo do século XIX, as intelectuali-
dades latino-americanas se viram incômodas diante do forte avanço das teorias

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 471
racistas que marcaram esse século. Ávidas por formar nações recém-emanci-
padas e, por conseguinte, carentes de identidade, as nossas elites precisaram
lidar com a miscigenação racial de nossos povos, o que “explicaria” as razões de
nosso atraso político, econômico, social e cultural. Frente a esse desafio, foram
tomadas medidas simbólicas e físicas para superar os supostos males oriundos
de nossa origem racial, em práticas de elevação moral (ocultação e repressão
às práticas “bárbaras”, oriundas dos índios e/ou negros) ou, simplesmente,
de branqueamento da população local (pelo incentivo à imigração europeia
somado ao extermínio de povos locais).
É inicialmente por esse viés pejorativo que o roto é identificado, isto é,
por um habitante urbano de origem popular: um mestiço de hábitos rudes e
simplórios, caracterizado por sua vestimenta esfarrapada, o que denota não
apenas a sua precariedade material, mas também (e sobretudo) a carência de
“modos civilizados”, espelhada em seu aspecto desleixado e sujo. Como frisa
Gutiérrez (2008), alguns intelectuais buscaram a origem do roto chileno em
tempos coloniais, nos relatos da Conquista, inclusive no próprio Pedro de
Valdivia. Assim, os espanhóis que se fixaram no Chile, devido à dureza da terra
e ao constante embate contra os belicosos nativos (os araucanos), tinham as
suas vestes rasgadas, o que deu a (má) fama aos chilenos de rotos por parte
dos habitantes do Peru, sede do vice-reino e terra rica e próspera.2 Nesse caso,
trata-se da busca de uma genealogia “nobre” ao roto, o que já caracteriza a
ação de parte da intelligentsia chilena no século XX. Assim, de ofensa, o roto se
converte em elemento característico do povo chileno, sob o ônus, como frisa
Gutiérrez (2008), da mistificação da mestiçagem como aspecto fundador da
identidade nacional do Chile.
Portanto, sob o ensejo da militância estética das vanguardas artísticas dos
anos 1920, seguido pelos movimentos regionalistas e neocriollistas das décadas
posteriores, a mestiçagem, o hibridismo e o multiculturalismo são alçados à
marca distintiva das identidades nacionais da América Latina. Portanto, pode-
mos afirmar que o roto chileno se encontra ao lado dos discursos de exaltação
da “raça cósmica” de José Vasconcelos, da “inteligência americana” de Alfonso

2 É impossível não identificarmos a rivalidade nacionalista entre chilenos e peruanos no “mito de


origem do roto”, sobretudo no ato simbólico de transformar um suposto insulto dos peruanos
aos habitantes do Chile em motivo de orgulho, de símbolo nacional.

472 FABIÁN NÚÑEZ


Reyes, da “cultura bastarda” de Martínez Estrada, da “antropofagia” de Oswald
de Andrade, do “real maravilhoso” de Carpentier, do “protoplasma incorpora-
tivo” de Lezama Lima, dos estudos de transculturação na literatura hispano-
-americana por Fernando Ortiz e Ángel Rama, entre muitos outros.3
Gutiérrez (2008) expõe como o “racismo científico” oitocentista é repro-
cessado no início do século seguinte, especialmente, pela monumental obra do
médico e ensaísta Nicolás Palacios, intitulada Raza chilena, publicada em 1904.
Palacios absorve as ideias racistas do político e historiador Francisco Antonio
Encina, que defende a tese da singularidade étnica típica do povo chileno, o
que explicaria a diferença da história do Chile em relação às demais nações
hispano-americanas. Os espanhóis que colonizaram o país possuíam um alto
teor de sangue germano oriunda dos godos, que conquistaram a Península
Ibérica. Assim, segundo Encina, caberia às camadas altas (apelidadas pelo autor
de “aristocracia castelhano-basca”) e médias do país sul-americano perseverar
a pureza de sua raça, evitando a miscigenação com índios (os casos peruano,
boliviano, equatoriano, paraguaio, mexicano e centro-americano), negros (o
caso caribenho) e povos latinos (os casos argentino e uruguaio).
Por sua vez, Palacios continua a defender a ideia da origem gótica do con-
quistador espanhol, mas com uma profunda diferença: os araucanos, os nativos
que os colonizadores europeus encontraram no Chile, eram, entre os ameríndios,
uma raça superior, comprovado por sua bravura e engenhosidade. Por conse-
guinte, o chileno, fruto da mistura de duas grandes raças, é um povo superior.
Logo, a miscigenação, para Palacios, não é um fator de degenerescência; pelo
contrário, é o aspecto-chave da superioridade chilena. É por isso que Gutiérrez
(2008) frisa que o nacionalismo de Palacios, somado ao seu apreço pelas camadas
populares de seu país, resulta na exaltação racial do mestiço chileno.
É seguindo por esse caminho que outros autores da primeira metade do
século XX, como Roberto Hernández e Luis Durand, exaltam o roto como o
representante autêntico do povo chileno, ao buscar as manifestações de sua
magnanimidade, sobretudo nas heroicas ações das camadas populares pela
defesa da pátria durante as Guerras da Independência (1813-1826), contra a

3 Sublinhamos que existem (grandes) diferenças entre todos esses discursos, embora todos te-
nham em comum o entendimento de que a mistura de culturas é a marca distintiva da identi-
dade latino-americana.

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 473
Confederação Peru-Boliviana (1836-1839) e do Pacífico (1879-1883). Assim, o
roto é caracterizado como um tipo popular, uma pessoa humilde, ingênua,
bem-humorada e brincalhona, mas que não se isenta ao ser chamado pelo
dever, sendo capaz de atos de bravura, movido por sua índole altruísta.
É sob esse olhar glorioso que o roto foi literalmente monumentalizado,
quando, em outubro de 1888, durante o governo presidencial de José Manuel
Balmaceda, é inaugurado o Monumento ao Roto Chileno, localizado na Praça
Yungay, em Santiago. Concebido e executado pelo escultor Virginio Arias, o
monumento é um arco de pedra em cujo cume se encontra a estátua de um
jovem em mangas de camisa, peito semidescoberto, pés descalços e munido
com um rifle na mão direita. Simbolicamente, representa o soldado desconhe-
cido caído nas lutas pelo país, mais especificamente durante a Guerra contra
a Confederação Peru-Boliviana, uma vez que a praça (e o bairro) é batizada de
Yungay em homenagem à batalha que consolida a vitória chilena ocorrida na
localidade centro-ocidental peruana em 20 de janeiro de 1839. Em 1888, ano
da inauguração do monumento, é instituída a data de 20 de janeiro como o Dia
do Roto Chileno, oficialmente comemorado até hoje na referida praça com a
deposição de flores por autoridades civis e militares e a execução do Hino de
Yungay, composto em 1839, dois meses após a batalha, para comemorar a vitó-
ria e que foi, durante boa parte do século XIX, considerado um segundo hino
nacional chileno devido à sua ampla popularidade.
Santa Cruz Achurra (2008) identifica nos filmes históricos do cinema
silencioso chileno a presença dessa face do roto. Portanto, é o roto patriota que
é digno de estar presente nas telas nacionais, isto é, o personagem popular que
combate e morre anonimamente pelo país, e não o roto alzado, “insolente e
rebelde, que questiona ou resiste [...], figura que na virada do século se associou
à ação do agitador estrangeiro”. Por sua vez, Gutiérrez chama a atenção de que
o elogio ao roto por parte dos intelectuais no começo do século XX se refere a
um momento do passado, como um tipo popular em extinção, o que pressu-
põe que a classe trabalhadora chilena perdeu (ou estava perdendo) o seu caráter
singelo, bonachão, valoroso e ordeiro. Portanto, de ofensa a símbolo nacional,
a figura maltrapilha do roto chileno jamais foi uma unanimidade entre a intelli-
gentsia nacional, pois um tom pejorativo sempre o espreita. Nesse sentido, é
bastante diverso em relação à figura do huaso, considerado sem controvérsias
como um símbolo positivo de chilenidade. O huaso é a persona típica do campo

474 FABIÁN NÚÑEZ


chileno (mais especificamente da zona centro-sul do país), caracterizado pelo
chamanto (poncho ou manta de lã), as esporas, as botas com corraleras (polai-
nas altas de couro com franjas), a chupalla (chapéu baixo de abas largas, seme-
lhante ao chapéu cordobês, feito de palha de achupalla, uma bromélia nativa
do Chile), pelo rebenque e adornado em ocasiões de festa por uma faixa de lã
na cintura e uma jaqueta curta em estilo andaluz. Assim, os debates em torno
do huaso e do roto manifestam o clássico embate entre cidade e campo, que
tanto fremiram as discussões nacionalistas nos séculos XIX e XX na América
Latina, tradicionalmente associando o universo rural com o repositório puro
das idiossincrasias e dos hábitos autenticamente nacionais.
É por esse viés que podemos entender, por exemplo, as reflexões do escri-
tor Joaquín Edwards Bello em sua obra El roto, publicada em 1920. Sob a
influência do naturalismo, o livro retrata o bas-fonds da sociedade santiaguina,
formado por uma horda de miseráveis, expulsos do campo, que se aglome-
ram no sórdido bairro surgido atrás da Estação Central. Essas pessoas, que
demonstravam o seu valor, orgulho e empenho na labuta diária nas fazendas, se
convertem em uma massa ignota e andrajosa, habitando os ambientes insalu-
bres e prostibulares da capital. Desterrados em sua própria nação, tais homens
e mulheres, outrora altivos, se fixam no lugar aonde acabam de chegar (pró-
ximo à estação de trem), se transformando em seres infra-humanos, vítimas da
fome, do álcool e do infortúnio. Assim, a origem racial, degenerada ou gloriosa,
pouca importa, mas sim a degradação provocada pelo meio, resultado de um
processo social que tendia a crescer exponencialmente na primeira metade do
século passado: o êxodo rural. Tanto que o crescimento populacional da capi-
tal foi o que motivou as reformas urbanas dos anos 1930, encabeçadas pelo
engenheiro-arquiteto austríaco Karl Brunner. Ao visar ordenar o crescimento
e o transporte urbanos, essas reformas buscaram prioritariamente organizar
o Centro, que, por sua vez, tinha sido “afrancesado” pelas reformas urbanas
do começo dos anos 1870 por Benjamín Vicuña Mackenna, então intendente
de Santiago. Assim, os bairros periféricos continuaram a crescer desordenada-
mente, o que continuou a agravar os problemas de habitação, saneamento e

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 475
transporte da capital. Somente na virada da década de 1950 para 1960 que tais
questões foram afrontadas de modo direto pelos poderes públicos.4
Portanto, para entendermos o que subjaz nos debates em torno do roto, é
necessário compreender não apenas as opiniões políticas e os matizes ideoló-
gicos dos autores que se debruçaram sobre o tema, mas também encararmos
as transformações sociais e políticas do Chile, em especial, do espaço urbano
de Santiago. Desse modo, a formação de uma indústria cultural acompanha as
mudanças sociopolíticas e urbano-espaciais ocorridas na capital ao longo do
século passado. Assim, desde os anos 1920, vemos uma pujante cidade se expan-
dir, cuja elite se dirige cada vez mais para a região oriental da capital (aos pés
da Cordilheira dos Andes), a formação de bairros populares na zona norte e o
surgimento de novos bairros, de estratos médios e baixos, nas zonas oeste e sul.
Assim, o roto, mais que um símbolo, expressa um sujeito urbano popular que se
identifica por determinadas regiões da cidade por onde se locomove, enquanto
é literalmente barrado em outros setores. E esse cidadão santiaguino, de nas-
cença ou por (falta de) opção, é, por sua vez, constantemente interpelado pelas
seduções da indústria cultural local. Em suma, de ofensa a símbolo nacional, o
roto é, acima de tudo, alguém que circula por Santiago não apenas no sentido
físico, mas também por uma cidade inventada pela indústria cultural.

O roto na indústria cultural chilena: da imprensa e dos palcos


para as telas

Em 1941, o intelectual Raúl Silva Castro, professor de literatura chilena e ame-


ricana no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile, publica um artigo
contra a figura do roto, mais especificamente ao personagem fictício Juan
Verdejo. O crítico literário é categórico ao afirmar que essa representação do
povo chileno é nociva ao país, pois fomenta o abandono, a preguiça e o comple-
xo de inferioridade por intermédio de um personagem maltrapilho, iletrado,
sujo, fétido, sem orgulho próprio e que fala por meio de expressões coloquiais,

4 O Plano Regulador Intercomunal de Santiago, aprovado em 1960, visou racionalizar a ocupa-


ção urbana da capital, ao determinar os limites das áreas urbanas e suburbanas da região me-
tropolitana, definir as zonas industriais e implementar uma lógica viária ao conceber a Avenida
Américo Vespúcio, um anel que circunda a capital, e a autopista Norte-Sul.

476 FABIÁN NÚÑEZ


oriundas da periferia e dos bordéis. Segundo o ensaísta, o povo chileno não
merece ser retratado de tal maneira, não somente por ser degradante, mas sim-
plesmente por ser falso, uma vez que, conforme o autor, a expressa maioria da
população chilena era formada, naquele momento, pelas camadas médias, que
abriam o caminho para o desenvolvimento do país, em cujo futuro promissor
não haveria mais lugar para a humilhante figura do roto e, que por isso, urgia
ser extirpada o quanto antes do imaginário nacional. A partir do estudo de
Salinas Campos (2006) sobre o teatro cômico chileno dos anos 1930, podemos
entender o libelo de Silva Castro como mais um ato na reação contra a figura
de Verdejo, encampada sobretudo pelo jornal El Mercurio. Principal diário do
país e baluarte do pensamento conservador, El Mercurio geralmente se referia
ao teatro cômico nacional – e ao imaginário popular no qual se encontrava in-
serido – com profundo desprezo, tratando-o como um mero entretenimento
vulgar e imoral.
Juan Verdejo surge nas páginas da revista satírica Topaze. Editada em
Santiago, a partir de agosto de 1931, o periódico semanal foi concebido pelo jor-
nalista, desenhista e cineasta Jorge Coke Délano, após retornar de Hollywood,
em 1929, onde foi estudar a tecnologia do cinema sonoro com uma bolsa paga
pelo Estado chileno. Publicada até 1970, Topaze adquiriu ampla popularidade
e foi uma escola de várias gerações de jornalistas e desenhistas, sendo caracte-
rizada pelo seu humor mordaz e satírico, o que lhe rendeu o desagrado de diri-
gentes políticos, chegando a ter alguns de seus números proibidos e recolhidos
por ordem presidencial. Portanto, o humor político é a sua marca, já manifes-
tada em seu título, retirado da peça teatral do francês Marcel Pagnol, que rapi-
damente passou a ser usado para se referir ao homem público inescrupuloso.5
Segundo Rueda (2011), o roto Juan Verdejo é publicado pela primeira vez na
edição nº 11, desenhado pelo próprio Délano e com os versos do poeta popu-
lar Héctor Meléndez. Trata-se de um tipo magro, desdentado, barba por fazer,
cabelo desgrenhado, chapéu disforme e furado, com as roupas rasgadas e os pés
descalços. Vários desenhistas da revista o retrataram e, por isso, possui distintos
traços. No entanto, é imediatamente reconhecido não apenas por seu aspecto

5 A obra de Pagnol, estreada em Paris em 1928, narra a história do professor Topaze, um cidadão
excessivamente probo que, ao se licenciar do magistério após anos de serviço exemplar e mal
remunerado, se converte em um homem corrupto e desonesto no mundo dos negócios.

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 477
físico, mas também por sua simpatia e expressões mordazes. Posteriormente,
Juan Verdejo adquire um segundo sobrenome, Larraín, o que demonstra o grau
de zombaria do periódico ao adotar para um personagem tão humilde o nome
imponente de uma família tradicional chilena. Como analisa Salinas Campos
(2006) em seus estudos, o roto encarnado por Verdejo deita raízes a uma vasta
tradição satírica de tom social e político que existe na imprensa chilena desde
tempos coloniais, oriunda do universo picaresco tão fortemente entranhado
no imaginário espanhol. Desse modo, essa faceta do roto chileno é uma versão
criolla do pícaro, devidamente (sub)urbanizado, sendo possível aproximá-lo,
então, das figuras do pelao mexicano e do golfo espanhol.
Devido ao seu imenso sucesso, Juan Verdejo migra para os palcos. No
começo de 1938, a Companhia Bataclánica Cóndor, uma das mais importantes
do meio artístico cômico nacional, apresenta a “jocosa revista” Juan Verdejo,
mundo arriba, de autoria de Eugenio Retes, a partir de um tema do poeta e
dramaturgo Víctor Domingo Silva. Trata-se de um espetáculo, formado por dez
quadros e variedades, que entra em cartaz no imponente Teatro Politeama,6
atrás do Portal Edwards e próximo à Estação Central, região de agitada vida
boêmia naqueles tempos, cercado por clubes e cabarés. A companhia em ques-
tão, criada em 1934, foi a mais célebre desse estilo nos anos 1930 e totalmente
voltada para o riso popular. Conforme Salinas Campos, desde a sua fundação,
manteve as suas atividades de modo ininterrupto até por volta de 1941. Ocupava
o Teatro Balmaceda, na margem norte do Rio Mapocho, na interseção dos bair-
ros Recoleta e Independencia, região popularmente conhecida, desde tempos
coloniais, de La Chimba.7
Logo em seguida, o famoso roto surge nas telas de cinema no média-
-metragem Lo que Verdejo se llevó (1941), dirigido por Eugenio de Liguoro, e nos

6 O Teatro Polietama entra abruptamente em declínio após um devastador incêndio ocorrido


em fevereiro de 1941. Posteriormente, seus escombros são derrubados para ser construída em
seu lugar uma arena poliesportiva chamada Estádio Chile, inaugurada em 1949. Em 2003, é re-
nomeado de Estádio Víctor Jara, em homenagem ao cantor e compositor morto pela ditadura
militar em 1973.
7 O termo La Chimba, derivado do Quéchua, significa “do outro lado”, referindo-se a outra mar-
gem do Rio Mapocho, no caso, à sua margem norte. Esse setor celebrizou-se, desde o final do
século XIX, por ser um local de diversão popular, pois além do Teatro Balmaceda, contava com
o Luna Park e o Hipódromo Circo, espaços onde se exibiam teatros de revista, espetáculos
circenses e lutas de boxe.

478 FABIÁN NÚÑEZ


longas Verdejo gasta un millón (1941), também de Liguoro, e Verdejo gobierna
en Villaflor (1942), dirigido por Pablo Petrowitsch. Os dois longas são corrotei-
rizados e os três filmes protagonizados por Eugenio Retes. Teria sido o então
produtor Petrowitsch quem teria convencido o comediante Retes a interpretar
Verdejo nas telas, transformando Verdejo gasta un millón em uma das maio-
res bilheterias do cinema chileno nos profícuos anos 1940. Em 1942, Liguoro
compra os estúdios Santa Elena, fundados por Délano, e no entusiasmo do tre-
mendo êxito de Verdejo, leva adiante a saga do roto. No entanto, o segundo
longa, cujos gastos foram mais elevados que o primeiro, não foi bem recebido
pelo público, terminando a carreira cinematográfica de Verdejo.8 Ressaltamos
que Liguoro se destaca por esses anos por trazer ao cinema as principais estrelas
cômicas dos palcos chilenos, como também são os casos de Lucho Córdoba e
Ana González. Aliás, o longa seguinte protagonizado por Retes, após os filmes
de Verdejo, é Dos caídos de la luna (1945), também dirigido por Liguoro, no
qual compartilha o estrelado com Ana González, conhecida por sua persona-
gem radiofônica Desideria, uma empregada doméstica que, apesar de sua ori-
gem humilde, é mordaz com os arraigados preconceitos sociais e raciais de seus
patrões — ela se diz ser a presidente da Corporação Nacional das Empregadas
de Casa Particular (Conadecapa).9 Logo, podemos afirmar que Desideria é uma
versão feminina do roto e Liguoro soube tirar proveito ao levar para as telas os
dois principais atores cômicos especializados em tais tipos populares.
Eugenio Retes, de origem peruana e oriundo de uma família de artistas,
é um dos principais nomes da comédia chilena a partir dos anos 1930. Antes
de fazer sucesso com Juan Verdejo, Retes já havia atuado no palco do Teatro
Politeama em 1938 com a revista criolla intitulada De Renca al Crillón,10 e a
obra Acá en el rancho chico, satirizando o fenomenal êxito cinematográfico

8 Jorge Délano levaria a sua criação ao cinema muito tempo depois ao dirigir o curta El imponen-
te señor Verdejo, em 1957, também protagonizado por Retes. Trata-se de um filme promocional
do Serviço de Seguro Social (SSS), no qual o famoso roto recebe uma casa e várias pensões por
parte da instituição estatal.
9 A personagem de Desideria nos faz lembrar o célebre personagem, também de origem radio-
fônica e posteriormente migrada para o cinema, de Cándida, protagonizada pela atriz argen-
tina Niní Marshall. Um estudo comparativo entre Desideria e Cándida, logo, entre González e
Marshall, merece ser realizado.
10 Segundo Salinas Campos, a revista foi anunciada na época como um “espetáculo más chileno
que la chucha-cho”.

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 479
mexicano Allá en el rancho grande (1936), de Fernando de Fuentes. Um ver-
dadeiro marco no cinema mexicano, essa comédia musical iniciou todo um
gênero na cinematografia asteca (a comédia ranchera), além de ter aberto as
portas do mercado internacional para a produção fílmica do país nortista.
Pelas informações de Salinas Campos, a peça de Retes era composta por “con-
trapuntos, tonadas e duelos de guitarras entre charros mexicanos e rotos chi-
lenos”, chegando a ter 45 artistas em cena. Por volta desse período, ingressa
na Companhia Bataclánica Cóndor, dirigida por seu irmão, Rogel Retes, que
enaltecia nas propagandas de suas peças o talento humorístico de sua equipe
artística e a graciosidade de suas dançarinas.
O nosso objetivo não é realizar um estudo sobre a inter-relação entre
a imprensa e o teatro de revistas e a produção cinematográfica no Chile.
Deveríamos incluir também nesse repertório a presença da rádio e da indústria
fonográfica. Portanto, a produção cinematográfica chilena em seu chamado perí-
odo clássico não é muito diferente de outras cinematografias latino-americanas.
Também é semelhante a forte rejeição, por parte da elite intelectual e social, às
produções locais de êxito comercial. Nesse sentido, é impressionante a radical
diferença entre as pretensiosas obras da Chile Films e essa produção de apelo
popular. E o próprio cinema chileno produziu verdadeiras pérolas ao ironizar o
erudito e o popular no cinema e também abordar a indústria cinematográfica
(e, por extensão, cultural) como uma fábrica de ilusões, além de satirizar as rela-
ções entre centro e periferia ao retratar com humor e inteligência as dificuldades
da produção fílmica local diante dos modelos hegemônicos — hollywoodianos
ou das indústrias latinas, como Argentina e México. Destacamos, nesse rol, as
comédias Hollywood es así (1944), de Jorge Délano, e La dama de las camelias
(1947), de José Bohr. No entanto, nossos olhos se voltam de agora adiante para a
década seguinte, quando o sonho industrial da Chile Films se transforma em um
pesadelo devido ao seu fracasso. Assim, os anos 1950 foram retratados na histo-
riografia clássica do cinema chileno como um período sombrio, preocupando-se
mais em vislumbrar o que irá eclodir na década seguinte do que compreender a
sua singularidade. Portanto, cremos que esse período merece pesquisas e aná-
lises mais aprofundadas, o que o presente texto, com certeza, não dará conta.

480 FABIÁN NÚÑEZ


O roto no embalo de ritmos caribenhos: música e bom humor na
Guerra Fria

Em Uno que ha sido marino (1951), de José Bohr, vemos a trajetória de um


humilde trio, os engraxates Hermóneges Zepeda (Eugenio Retes) e Silvano
(Arturo Gatica) e da jornaleira Maruja (Hilda Sour), que ascende socialmente
sob o signo da sorte e do trabalho. Essa ascensão é marcada no aspecto físico
urbano, pois os personagens migram da zona norte de Santiago, caracterizada
pelas pontes sobre o Rio Mapocho, para o Centro. Nesse sentido, é bastante
significativa a sequência (noturna) na qual Maruja, cansada de sua vida de mi-
séria e fome, decide tentar a vida no Centro (ou seja, na “cidade grande”), dei-
xando os seus colegas literalmente para trás. Silvano, apaixonado por Maruja,
canta melancolicamente o bolero “Así se fue”, quando a sua amada atravessa a
ponte, com alternância e algumas sobreimpressões de planos dela, dele e das
luzes da cidade (propagandas e letreiros de boates e cabarés) e de trânsito mo-
vimentado. Por ter uma linda voz, Maruja, que se torna empregada doméstica,
cai nas garras do ganancioso Federico Fontal (Eduardo Naveda), que a empre-
saria e com quem supostamente se envolve amorosamente, sendo duplamente
explorada. No final do filme, quando os dois amantes, Maruja e Silvano, se
reencontram na boate onde ela é a estrela da noite, a jovem afirma não ser mais
digna de seu amor e relembra de seus tempos “quando era boa”. Silvano retruca
o quanto ela ainda é como eles; ainda é a mesma pessoa, quando vivia nas ruas
vendendo jornais e eles engraxando sapatos.
Podemos encontrar uma estrutura (e ideologia) típica de vários melodra-
mas e comédias musicais do período clássico, não somente no cinema latino-
-americano, em que os ambientes pobres são identificados como o local da
pureza, da bondade e da camaradagem e, geralmente, o ambiente social dos
ricos é retratado como diametralmente oposto em termos morais, em que as
pessoas são falsas, inescrupulosas e interesseiras. Vários filmes na cinemato-
grafia latino-americana e alhures abordam a história (muitas vezes, sem final
feliz) da garota pobre que migra do campo ou da periferia para tentar a vida
na cidade grande, onde ela desgraçadamente dá aquele mau passo. A perda da
pureza é “punida”, em muitos casos, com a aquisição de doença e, às vezes,
somada com a gravidez. A presença da mulher pobre e solteira ronda boa parte
de nossas sociedades latino-americanas e, no caso chileno, está fortemente

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 481
entranhada em seu imaginário e na literatura, sobretudo por meio da figura do
huacho, palavra em Quéchua para “criança abandonada”, em geral, órfã de pai.
Ressaltamos no filme como o Mapocho marca uma rígida linha divisória
em termos sociais. Aliás, o cinema argentino, por sua vez, desde o seu perí-
odo silencioso, aborda essa forte divisão social também por meio de um rio,
o Riachuelo. Frisamos o modo como Hermógenes e Silvano passam a fazer
honradamente parte do Centro: através de um emprego municipal, cuja oferta
é lida em um jornal. “Funcionários públicos!”, exclama Hermógenes; “cida-
dãos ilustres”, complementa. Para dois míseros desempregados de periferia, é
o caminho, digamos, mais digno para fazer parte da capital, e altivos voltam
para a casa, pois “companheiro, é preciso ir dormir para amanhã acordar com a
mente limpa” – conclama Hermógenes. A caminho de casa, aconselha Silvano
a se livrar da fonte de todos os seus males, sua paixão por Maruja, enquanto ele
lhe retruca que ele é forte e que, por isso, conseguirá esquecê-la. Esse diálogo
se dá por um duo na divertida canção “Serenata testaruda”, sob o estilo de
canto tirolês, a música mais inusitada e, por isso, a mais cômica do filme.
Na sequência seguinte, vemos os dois nas ruas do Centro, felizes e hon-
rados sobre uma carroça-caçamba (o emprego público é de lixeiro), quando
Silvano canta “Santa Lucía”, uma ode ao Cerro homônimo, ponto turístico e
histórico da capital.11 A feliz sequência, entremeada pelos contentes lixeiros
na carroça com planos do Cerro e de transeuntes e carros, é abruptamente
interrompida por um aterrador assalto a banco próximo ao local, que muda o
destino dos protagonistas. Em seguida, após adquirirem fortuna, decidem fre-
quentar a vida noturna da cidade, ambiente em que está Maruja, transformada
em cantora de boleros com muito sucesso sob o nome artístico de María del
Mar. No entanto, Maruja é infeliz, pois se sente tão falsa quanto o seu nome
inventado e o matrimônio fake com Federico, mais um golpe de publicidade
para alavancar a sua carreira.
A comédia musical Uno que ha sido marino é fruto da oportunidade do
cineasta José Bohr em aproveitar uma estadia da atriz e cantora Hilda Sour

11 O Cerro Santa Lucía é o local de fundação de Santiago do Chile por Pedro de Valdivia, em 13 de
dezembro de 1540. O nome se deve à santa do dia, a Santa Lúcia de Siracusa ou, como popular-
mente é conhecida em nosso idioma, Santa Luzia. Durante as reformas de Vicuña Mackenna nos
anos 1870, o morro é transformado em um parque urbano, dando-lhe jardins em estilo francês,
fontes, escadas, trilhas, um museu (o Castelo Hidalgo), desativado posteriormente, e um mirante.

482 FABIÁN NÚÑEZ


no Chile. Sour inicia a sua carreira artística no Teatro Balmaceda e tem a sua
estreia cinematográfica no primeiro longa-metragem chileno sonoro, Norte y
sur (1934), de Délano. Posteriormente, migra para Argentina, onde é contra-
tada pela Rádio Belgrano, uma das maiores da América do Sul, e, como várias
de suas estrelas, importa o seu talento para os estúdios cinematográficos de
Buenos Aires. Depois da Segunda Guerra Mundial e de uma estadia em seu país
natal, fixa-se no México, onde prossegue a sua carreira como cantora e atriz.
Ao voltar de novo ao Chile para atuar como cantora na rádio, Bohr decide rodar
um filme com ela. Durante as filmagens, Sour conhece o cantor e folclorista
Arturo Gatica, que já havia trabalhado tanto com Retes, ainda nos anos 1930
no Teatro Balmaceda, quanto com Bohr, em seus filmes Mis espuelas de plata
(1948) e La cadena infinita (1949). Ambos, Sour e Gatica, se casam e formam,
ao lado do pianista Jorge Astrudillo, o trio Los Chilenos, que tem uma ampla
fama internacional, realizando turnês na América Latina, Europa e Oriente
Médio, transformando-se até a década seguinte, até a dissolução do grupo
(após a separação de Sour e Gatica), em embaixadores da música chilena (aliás,
ambição já expressa no nome do grupo). Com a formação do trio, e também
posteriormente, Gatica reata com os ritmos musicais do início de sua carreira,
a música folclórica chilena, após ter gravado tangos e boleros nos anos 1940 e
1950. Aliás, frisamos que o ritmo reinante em Uno que ha sido marino, tanto
na voz de Gatica quanto de Sour, é o bolero. É por esse caminho que segue
o irmão mais novo de Arturo Gatica, Luis Enrique, conhecido por seu nome
artístico Lucho Gatica, que se consagra internacionalmente em repercussão
muito maior, ganhando o epíteto de “o rei (chileno) do bolero”. É interessante
frisar que o filho mais velho de Arturo, Turín Gatica, também segue a carreira
de cantor, mas em plenos anos 1960, estando inserido no movimento musical
batizado de Nueva Ola Chilena, marcado pelo rock and roll.
A década de 1950 é conhecida no cenário musical chileno pela substituição
pelo bolero, no lugar do tango, como o ritmo dominante. De origem cubana,
o bolero se difunde por toda a América Latina, sobretudo a partir dos anos
1920, adquirindo subgêneros ao se mesclar com outros ritmos. Na década
seguinte, os anos 1930, surgem as “orquestras tropicais”, ao estilo big band.
Cuba e México se convertem nos polos aglutinadores e irradiadores do ritmo,
mas também encontramos no Chile a formação de orquestras tropicais já
desde a década de 1930. No entanto, nos anos 1950, ao lado do bolero, outros

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 483
ritmos também oriundos do Caribe fremem a noite santiaguina: o mambo e
o cha-cha-chá. Esses ritmos afro-caribenhos tinham ingressado na poderosa
indústria cultural mexicana na segunda metade da década de 1940, quando
invadem os rádios e as pistas de dança da Cidade do México. Logo em seguida,
tomam de assalto as telas de cinema, dando início a um subgênero no seio do
melodrama (os “filmes de cabaretera”), reforçando, mais uma vez, o México
como centro de talentos cubanos, atraindo para os seus cabarés e estúdios (de
rádio e de cinema) músicos, dançarinas e atrizes da ilha. Também são realizadas
coproduções com Cuba, sendo o principal esteio da produção cinematográfica
do país até a Revolução, que rompe radicalmente com esse modelo de cinema.
Obviamente, essa produção se irradia por todo o continente. Portanto, talvez
o aspecto mais chamativo (e saboroso) no longa-metragem que Bohr dirige
após Uno que ha sido marino, a comédia El Gran Circo Chamorro (1955), con-
siderado o filme chileno de maior bilheteria em uma década tão ingrata com o
cinema nacional, seja justamente a presença de uma artista cubana.
Trata-se da cantora Xiomara Alfaro, apelidada de “a rouxinol da canção”,
mundialmente conhecida por sua gravação do bolero “Siboney”, de Ernesto
Lecuona. Em 1954, participa do filme Mambo, de Robert Rossen, rodado na
Itália e protagonizado por Silvana Mangano e Vittorio Gassman. Em 1956, tra-
balha na produção mexicano-cubana Yambaó, de Alfredo B. Crevenna, prota-
gonizada pela diva das rumberas, estrela da era de ouro do cinema mexicano,
a atriz, dançarina e coreógrafa cubana Ninón Sevilla. A aparição de Alfaro no
filme de Bohr se deve, mais uma vez, ao senso de oportunidade do cineasta
teuto-chileno: a cantora cubana se encontrava no Chile em uma turnê. Em El
Gran Circo Chamorro, Alfaro aparece em um salão decorado com bandeiras
chilenas cantando a guaracha “Atrácale el bote”, composta pelo próprio Bohr.
O ambiente é o palco de uma casa de espetáculos chamada El Pollo Dopado,
uma piada com a célebre boate El Pollo Dorado, localizada próximo à Plaza
de Armas e ao Palácio de La Moneda, e que se converteu na principal casa
noturna de ritmos nacionais nos anos 1950, se referindo a si mesma como o
rincón de la chilenidad.
Por tal motivo, entendemos os temas nacionais na decoração do salão e a
letra da música, que se refere ao chileno. Porém, o instigante é a presença de
uma cantora e um ritmo musical de Cuba. A guaracha é um gênero popular
cubano caracterizado por suas letras satíricas. Nada mais conveniente para um

484 FABIÁN NÚÑEZ


roto. Em “Atrácale el bote”, a música, em determinado momento, se converte
em uma paródia de “Cielito lindo”, a famosíssima canção tradicional mexicana.
Assim, essa sequência musical se converte numa verdadeira mistura de latini-
dades, além de literalmente brincar com o nacional e o estrangeiro sob o viés
do popular. Frisamos que a música é tocada mais uma vez no filme, quando
Euríspides Chamorro (Eugenio Retes) flerta com a “empregada boazuda” da
casa na qual vai trabalhar como encerador de pisos. É uma ponta interpretada
pela atriz cômica Iris del Valle, que havia migrado da rádio para o cinema pelas
mãos de Bohr e já tinha atuado ao lado dos irmãos Retes no teatro de revista
no final dos anos 1930. Nos anos 1950, era vedete da Companhia de Revista
Bim Bam Bum, que sacudiu as noites de Santiago dessa década. No filme em
questão, ambos, Chamorro e a empregada, escutam no rádio “Atrácale el bote”,
dando o mote para uma curta sequência de dança entre os dois. Trata-se de
uma gag visual, culminando no “gingado” acelerado de Retes.
Para finalizar a análise da guaracha no filme, frisamos que “Cielito lindo”
recebe uma versão chilena nas eleições presidenciais de 1920, criada pelos par-
tidários de Arturo Alessandri Palma, que ganha o pleito. Essas eleições são con-
sideradas pela historiografia chilena a débâcle da república oligárquica, quando
a crise do modelo agro-exportador se expressa politicamente com a chegada
ao poder da burguesia com o apoio das camadas médias e populares urba-
nas, por intermédio da figura política chilena mais importante do começo do
século XX. Assim, ao som de uma guaracha que evoca a vitória sobre a tradicio-
nal elite agrária, o roto dança na sala de estar da alta burguesia, que está sendo
preparada para uma festa para a qual não fora convidado.
A comédia El Gran Circo Chamorro narra a obstinação de um roto em
enfrentar a vida, como um legítimo representante do valor do povo chileno.
Chamorro é um palhaço e “pau pra toda obra” no circo do qual é o dono,
herança de um velho amigo. Envia seu suado dinheiro para Santiago, com
o propósito de pagar os estudos em Medicina de seu filho Fernando (Pepe
Guixé). No entanto, ao ir para a capital, descobre que o filho havia abando-
nado a universidade e gastado o dinheiro com uma devastadora paixão. Após
retornar com Fernando, descobre que o seu circo tinha sido indevidamente
apropriado, graças a documentos falsos, pelo mau-caráter Claudio (Gerardo
Grez). Diante de tantas adversidades juntas, Chamorro não se abate e decide
reconstruir a sua vida a partir do zero, passando assim por várias profissões

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 485
— motorista de ônibus, padeiro, encerador de pisos, copeiro. A sequência de
abertura do filme já propõe Chamorro como esse roto que simboliza todo um
povo. São planos dos Andes e a voz over do próprio diretor, em tom bastante
autoral, que se dirige ao público:

Meus amigos, lhes fala José Bohr. Enquanto admiram a beleza extraordiná-
ria da Cordilheira dos Andes que, com suas neves eternas, é como um largo
sorriso que saúda ao viajante. Sorriso que também parece se refletir no
caráter sempre otimista de um povo: o povo chileno. Neste povo sem igual,
encontrei-o sob a humilde tenda de um desses circos que se anunciam
sempre sob o nome pomposo de ‘o Grande Circo...’. (EL GRAN..., 1955)

Como chama a atenção Santa Cruz G. (2011), esse prelúdio não é o único
momento metanarrativo em um filme supostamente tão convencional. Logo
após a abertura, os créditos do filme são curiosa e inventivamente apresenta-
dos diegeticamente, como se fossem anúncios do circo. Além disso, em mais
de uma ocasião, Chamorro, diante de uma inesperada situação, afirma que tais
coisas “parecem como nos filmes”. Como analisa Santa Cruz G., essas expres-
sões denotam que são coisas improváveis, artificiosas, maravilhosas, tais como
no cinema. O ápice é quando o personagem exclama de tal modo, olhando sor-
ridentemente para a câmera, desmontando o artifício. Como o próprio Santa
Cruz G. sublinha, o uso de tais procedimentos metanarrativos é sabiamente
justificado pelo próprio tema-título do filme, o circo, que expressa exata-
mente o sentido de espetáculo, entretenimento, deslumbramento e, ao mesmo
tempo, artificialidade.
O tema da mobilidade social se expressa pelo viés geracional. Todo o
esforço (e orgulho) de Chamorro é ver o seu filho em outro patamar social,
cuja oportunidade virá pelos estudos, o que a vida negou ao velho palhaço.
Apesar das boas notas, o que demonstra empenho e vocação, Fernando é um
personagem frágil, talvez devido à desatenção afetiva de seu pai, às voltas com
a labuta diária.12 No entanto, o compromisso de Margarita (Malú Gatica), a
filha do patrão, com Fernando é posto em causa por Chamorro, ao constatar

12 É curioso notar que em nenhum dos dois filmes analisados aparece a família mononuclear bur-
guesa completa. Trata-se de famílias monoparentais, mas, ao invés da ausência do pai, como no
tradicional caso do huacho, encontrarmos a ausência materna, em geral, provocada por morte
prematura.

486 FABIÁN NÚÑEZ


que ele e seu filho não pertencem àquele mundo, uma vez que os ricos da festa
são zombeteiros e preconceituosos. Porém, no final, Chamorro, que é acima
de tudo um sujeito de bom coração (como todo roto), aprova a relação entre
os dois, ao notar a sinceridade dos sentimentos de Margarita em relação ao
seu filho. A mesma nobreza encontramos no pai de Margarita, que aprova o
amor da filha apesar da diferença de classe. Assim, a ascensão social é marcada
pela concórdia entre as classes, que se dá por meio do amor e do trabalho, sob
o esteio da sinceridade. Essa conciliação social pode ser lida como mais um
aspecto da nobreza encarnada pelo roto, dando sintonia entre povo e nação.
No filme, a síntese desse orgulho nacional, além do otimismo do roto
frente às adversidades da vida, é expressa na tonada, ritmo folclórico nacional,
intitulada “Soy chileno”. Após Fernando realizar o parto de uma passageira no
meio da estrada, Chamorro continua a viagem no volante do ônibus, onde dá
as boas-vindas a mais um chileno que acabara de chegar ao mundo. A sequên-
cia exibe planos da Cordilheira e cenas campestres – o destino final do ônibus
é Quilicura, localidade ao norte de Santiago (mais uma vez, o norte) –, com
passageiros e os transeuntes fazendo coro ao refrão entoado por Chamorro.
Assim, podemos notar que em ambos os filmes há uma música de louvor pátrio
(“Santa Lucía” e “Soy chileno”). Logo, podemos afirmar que o roto patriota
continua, de certa forma, a dar as caras nas telas.
Em sua leitura, Santa Cruz Achurra (2011, p. 136-137) interpreta a picardia
do roto dos filmes de Bohr como “a imagem do popular subordinado, mas sim-
pático, ainda que posto nos marcos do urbano e do moderno, sem abandonar
o fundamental da matriz identitária conservadora”. Por outro lado, ao elogiar
Ana González e, especialmente, a sua personagem Desideria como um discurso
profundamente crítico aos aspectos sociais, podemos concluir que Santa Cruz
Achurra não descarta plenamente o caráter subversivo do roto e, menos ainda,
um aspecto político que a comédia possa adquirir.13 Sabemos que, tradicio-
nalmente, a comédia é um gênero interpretado arredio às questões políticas,

13 Remetemos aos estudos comparativos do pesquisador Maurício de Bragança entre Cantinflas


e Mazzaropi, em cuja leitura as figuras do pelao e do caipira, encarnados pelos dois comedian-
tes, são entendidos como tipos populares de resistência ao processo modernizador de caráter
conservador, típico das sociedades latino-americanas. O roto chileno não poderia ser interpre-
tado também por esse viés?

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 487
sendo fundamentalmente entendido como mero entretenimento. O musical
também. Mas é possível um filme musical ser político?14

Considerações finais

Recentemente, estudiosos buscam rever aspectos que foram entronizados na


historiografia do cinema chileno, que, movido pela monumentalização do
Nuevo Cine Chileno, destroçou criticamente obras de fecundos cineastas, asso-
ciados, portanto, a um cinema “malfeito” e “alienante”. É o caso de José Bohr.
Suas comédias foram tradicionalmente interpretadas como filmes sem ne-
nhum valor na cinematografia chilena. Assim, as duplas de estudiosos Cavallo
e Díaz e Cortínez e Engelbert buscam desmontar tais argumentos ao frisar, por
exemplo, que Bohr possui uma vasta carreira cinematográfica, que inclui filmes
no México e em Hollywood. Desse modo, tais autores chamam a atenção de
que Bohr conhece muito bem o seu ofício e que é um dos raríssimos estran-
geiros, ao lado de Buñuel, por exemplo, a ser aceito no restrito sindicato de
trabalhadores artísticos do cinema mexicano. Em suma, é possível condenar os
filmes de Bohr no nível político-ideológico, mas não em termos técnicos e pro-
fissionais. Além disso, Bohr possuía um talento artístico versátil, pois também
transitava pelo teatro de revista e pela rádio, como ator, cantor e compositor,
não somente no Chile.
Portanto, para entendermos sem mistificações o cinema chileno dos anos
1960 e do governo Allende, é necessário compreender que, desde meados dos
anos 1950, há fatores para o surgimento de uma nova geração de diretores,
atores, roteiristas e técnicos. O cineclubismo, os departamentos fílmicos uni-
versitários, os teatros experimentais universitários e os canais de televisão,
que também surgem em âmbito universitário, formam um verdadeiro celeiro

14 É instigante pensar que a cinematografia cubana pós-revolucionária, ao romper com o cinema


realizado antes da Revolução, vai buscar os elementos da “cubanía” em outras manifestações
culturais e artísticas, sobretudo a música; em particular, os ritmos de origem popular. Um dos
primeiros filmes pós-Revolução a abordar esse aspecto, ainda sob uma estética de viés neor-
realista, é Cuba baila (1961), de Julio García Espinosa. Em relação aos filmes musicais produ-
zidos nos países do antigo bloco socialista, especialmente a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) e a Alemanha Oriental, indicamos o documentário Assim dançou o comunis-
mo (East side story; Alemanha/França, 1997), de Dana Ranga.

488 FABIÁN NÚÑEZ


artístico e centros de formação técnica, que despontam ao longo dos anos
1960. Soma-se a isso o surgimento de uma legislação favorável à produção
audiovisual no país a partir de meados da década de 1960, após mais de uma
década de ausência da ação do Estado no setor devido à derrocada do sonho
industrial da Chile Films nos anos 1940. Cortínez e Engelbert se baseiam nos
estudos do sociólogo Garretón, que define a sociedade chilena em formação
após o fim da república oligárquica até a imposição da ditadura militar, em
1973, pela matriz “nacional-estatal-democrática-popular”.15 Assim, desde os
anos 1920, assistimos ao desenvolvimento do trabalho assalariado e à incor-
poração de setores sociais ao jogo democrático na inter-relação entre parti-
dos políticos e sindicatos: primeiro, as camadas médias vinculadas ao Estado,
durante o(s) governo(s) de Arturo Alessandri Palma; posteriormente, os seto-
res urbanos proletarizados pelo governo da Frente Popular de Pedro Aguirre
Cerda; e, por último, o esforço de incorporação das camadas populares rurais
pelo governo democrata-cristão de Eduardo Frei Montalva.
Nos anos 1960, Eugenio Retes já não reina sozinho como o principal ator
cômico do cinema chileno. Destaca-se outro ator e comediante, que, apesar de
aparecer nas telas desde meados dos anos 1940, alcança o seu auge no cinema
chileno duas décadas depois: Manolo González. Oriundo da rádio e do tea-
tro de revista, González é conhecido por seu humor político em alfinetar os
problemas cotidianos enfrentados pelo cidadão urbano comum. Como frisam
Cavallo e Díaz, caracterizado por seu terno e chapéu fedora, González repre-
senta um upgrade em relação ao seu antecessor, o roto Verdejo. Segundo os
autores, enquanto Verdejo encarna o (lumpem) proletariado oriundo do êxodo
rural, González já é um homem da cidade, tipicamente identificado com a
classe média urbana, preocupada com os problemas da metrópole e às voltas
com o arrivismo social. Coube aos cineastas Bohr e Tito Davison esse “ciclo
Manolo González” nos anos 1960, colocando ao lado do comediante a pre-
sença de outros cômicos e artistas locais – entre eles, Retes.
No entanto, em termos de entretenimento, a principal figura do cinema
chileno dos anos 1960 é, sem sombra de dúvida, Germán Becker. Ator e diretor,
formado no teatro universitário de vanguarda, celebrizou-se como o principal

15 A partir de 1973, como sugerem os autores, vemos o surgimento e a consolidação da atual


matriz social chilena, que pode ser definida como “nacional-estatal-mercantil-individual”.

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 489
realizador dos espetáculos que precediam os jogos de futebol no Estádio
Nacional de maior rivalidade universitária – os times Universidade do Chile e
Universidade Católica –, com uma mistura de música, teatro, dança, sketches
de humor e pirotecnia. Devido ao seu talento de showman com forte diálogo
com a juventude, foi convidado por Eduardo Frei Montalva a trabalhar em sua
campanha eleitoral de 1964. É nesse contexto que auxilia na organização da
Marcha da Pátria Jovem, um gigantesco movimento de massas que convergiu
para Santiago milhares de jovens de todo o país, do norte e do sul, em apoio
ao candidato democrata-cristão. Em seguida, na televisão, dirige um programa
musical no qual se apresentam cantores e grupos, com ênfase nos ritmos fol-
clóricos. Becker decide levar esse modelo para a tela grande ao dirigir o longa
musical homônimo do programa televisivo: Ayúdeme usted, compadre (1968).
Em pouco tempo, transforma-se no maior sucesso de bilheteria da história do
cinema chileno, com cerca de 370 mil espectadores. Um fenômeno que o pró-
prio Becker não consegue mais repetir ao tentar emplacar seus dois musicais
seguintes, Volver (1969) e Con el santo y la lismona (1970). Na historiografia, a
obra de Becker é alvo do mesmo desprezo de realizadores anteriores citados
como Bohr, Davison e Liguoro.
Por sua vez, Cortínez e Engelbert polemizam ao afirmar que Ayúdeme
usted, compadre é um dos filmes mais políticos do cinema chileno dos anos
1960 ao ser entendido como a tradução audiovisual do governo Frei Montalva.
Assim, o campo exaltado pelo filme de Becker se coaduna com as medidas de
Frei voltadas para o campesinato que estavam ocorrendo exatamente naquele
momento, como a Reforma Agrária e a sindicalização dos trabalhadores rurais.
Em contraste, El chacal de Nahueltoro (1970), dirigido por Miguel Littín, tam-
bém oriundo do teatro universitário e da televisão como Becker, é conside-
rado o primeiro filme de ficção chileno a exibir explicitamente a miséria no
ambiente rural e as suas perversas consequências sociais. No meio urbano,
essas mazelas já começavam a ser abordadas desde a década anterior por um
viés neorrealista, sobretudo em La caleta olvidada (1958), de Bruno Gebel.
Desse modo, se o roto tende a apresentar-se, a partir dos anos 1960, sob
a figura do favelado, do alcoólatra pobre e da criança de rua, podemos, por
outro lado, reconhecer a sua picardia no retrato das classes médias baixas, na
figura do suburbano ou do provinciano – curiosamente, nos cineastas mais
experimentais, isto é, Raúl Ruiz e Cristián Sánchez. Por sua vez, o diálogo entre

490 FABIÁN NÚÑEZ


o cinema chileno e os outros meios de entretenimento de massa continua.
Desde o cinema silencioso e a partir do advento do sonoro, os profissionais da
tela grande também transitavam entre o teatro de revista e a rádio – além da
imprensa e da indústria fonográfica, em menor escala. Em seguida, os cineas-
tas chilenos passam a transitar entre o teatro experimental universitário – à la
Brecht ou Ionesco – e a televisão; logo em seguida, também na publicidade.
Portanto, não nos surpreende que o filme chileno a bater o recorde de bilheteria
de Ayúdeme usted, compadre, 30 anos depois, tenha a sua origem em outro meio,
mais especificamente em um popularíssimo programa de rádio, calcado nos
relatos amorosos e sexuais dos ouvintes: El chacotero sentimental – la película
(1999), de Cristián Galaz, que abre uma nova fase na cinematografia chilena.

Referências

CAVALLO, A.; DÍAZ, C. Explotados y benditos: mito y desmitificación del cine chileno
de los 60. Santiago: Uqbar, 2007.
CINECHILE: enciclopedia del cine chileno. 2009-2018. Disponível em: <www.
cinechile.cl>. Acesso em: 11 mar. 2016.
CINETECA nacional online. Disponível em: <http://www.ccplm.cl/sitio/secciones/
cineteca-nacional/cineteca-online/>. Acesso em: 11 mar. 2016.
CORTÍNEZ, V. El cine chileno de los sesenta: clave para una cultura moderna. In.
PAATZ, A.; REINSTÄDTLER, J. (Org.). Arpillera sobre Chile: cine, teatro y literatura
antes y después de 1973. Berlim: Tranvía: Verlag Walter Frey, 2013. p. 13-59.
CORTÍNEZ, V.; ENGELBERT, M. Evolución en libertad: el cine chileno de fines de los
sesenta. Santiago: Cuarto Propio, 2014. 2 v.
EL GRAN circo Chamorro. Direção: José Bohr. Chile: [s.n.], 1955. 107 min.
GUTIÉRREZ, H. Exaltação do mestiço: a invenção do roto chileno. Esboços,
Florianópolis, v. 15, n. 20, p. 139-153, jun./dez. 2008.
MEMORIACHILENA: biblioteca nacional do Chile. Disponível em: <http://www.
memoriachilena.cl/602/w3-channel.html>. Acesso em: 12 mar. 2016.
MOUESCA, J. El cine sonoro en Chile: su impacto social y cultural. Cinemais, Rio de
Janeiro, n. 7, p. 31-51, set./out. 1997.
OSSA COO, C. Historia del cine chileno. Santiago: Quimantú, 1971.

Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 491
PARANAGUÁ, P. A. O cinema na América Latina: longe de Deus e perto de
Hollywood. Porto Alegre: L&PM, 1985.
PEIRANO, M. P.; GOBANTES, C. (Org.). Chilefilms, el Hollywood criollo:
aproximaciones al proyecto industrial cinematográfico chileno, 1942-1949. Santiago:
Cuarto Propio, 2014.
RUEDA, J. La poesía popular de Héctor Meléndez en la revista Topaze. Revista
Iberoamericana, Pittsburgh, v. 77, n. 236-237, p. 731-747, jul./dic. 2011.
SALINAS CAMPOS, M. El teatro cómico de los treinta y las representaciones de
Topaze y Juan Verdejo en los escenarios de Chile. Polis: Revista Latinoamericana,
Santiago, n. 13, p. 1-14, 2006.
SANTA CRUZ ACHURRA, E. El cine chileno y su discurso histórico sobre lo popular:
apuntes para un análisis histórico. Comunicación y Medios, Santiago, n. 18. p. 57-69,
2008.
SANTA CRUZ ACHURRA, E. Entre huasos y rotos: identidades en pantalla: el cine
chileno en la década de los 40. In: BARRIL, C.; SANTA CRUZ G., J. (Org.). El cine que
se fue: 100 años de cine chileno. Santiago: Arcis, 2011. p. 130-138.
SANTA CRUZ G., J. José Bohr y un cine ausente. In: BARRIL, C.; SANTA CRUZ G., J.
(Org.). El cine que se fue: 100 años de cine chileno. Santiago: Arcis, 2011. p. 42-50.
VEGA, A. et al. Re-visión del cine chileno. Santiago: Aconcagua, 1979.

492 FABIÁN NÚÑEZ


Lucha Reyes y Sofía Álvarez
la apropiación subversiva de la canción ranchera en
el cine mexicano de los cuarentas

SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ

Introducción

En el contexto del cine mexicano de la llamada Época de Oro hubo un género


asociado a la identidad nacional, la comedia ranchera, cuya característica prin-
cipal era la inclusión de canciones de tipo campirano interpretadas usualmente
por personajes que representaban al charro, figura legendaria del México rural
que el cine recuperó de manera espectacular, asociándola a la mexicanidad y
a la hegemonía masculina en la vida social. En ese universo ficcional, la mujer
aparecía usualmente como complemento folclórico-visual del charro, remi-
tiendo simbólicamente a la imagen de la china poblana gestada en el siglo XIX,
como emblema nacionalista y núcleo conservador de la sociedad mexicana.
Sin embargo, en la comedia ranchera hubo también mujeres cantantes que se
apropiaron de la llamada “canción bravía”, y de alguna manera rompieron ese
esquema ideal, parodiándolo lúdicamente o reinventándolo, aunque siempre
dentro de parámetros que no alteraban la dominación simbólica masculina.
Fue el caso de Lucha Reyes y Sofía Álvarez, quienes en algunas de sus partici-
paciones emulaban al charro en vestimenta, desplantes, y ante todo en el hecho
de apropiarse de la canción bravía (asociada a la masculinidad hegemónica),
desde una perspectiva femenina irreverente.
Considerada como el género que contribuyó decisivamente al surgimiento
de la industria cinematográfica mexicana, la comedia ranchera significo tam-
bién el medio para el establecimiento de una serie de estereotipos sociales y de
género, que a pesar de su carácter reduccionista de la realidad social, fueron
atractivos para la mayoría de la población e influyeron de diversas maneras en la
conformación del imaginario de la identidad mexicana de mediados del siglo XX.
Aspectos centrales de ese género, fueron la música y las canciones ranche-
ras, así como la figura del charro cantante, estructurados en una amalgama de
cuadros de costumbres rurales, con un humor muy simple. Ideológicamente,
como ha señalado Jorge Ayala Blanco, la comedia ranchera no tenía la intención
de abarcar la realidad histórica mexicana en su conjunto (sólo regiones como
Jalisco, Michoacán o Puebla), exaltando la provincia como símbolo de la patria
(la “patria chica”). Era un cine básicamente anclado en el pasado porfirista de
las haciendas, vistas como un “paraíso recobrado”, donde se anulaba la lucha
de clases y prevalecía un régimen de castas. En la comedia ranchera prevalecía
el punto de vista del patrón o de los comerciantes y artesanos acaudalados; y
constituía un verdadero himno al macho mexicano y al machismo, mediante
rituales probatorios de la hombría desde la perspectiva rural: peleas de gallos,
carreras de caballos, riñas de taberna, enfrentamientos musicales, noviazgos,
etcétera. El tema de la familia mexicana tradicional era esencial; y sus espacios
de acción los constituían una calle polvorienta o un camino real, una cantina, la
plaza principal del pueblo, una iglesia o los interiores de una hacienda. (AYALA
BLANCO, 1979, p. 69-89)
Los análisis sobre este género han enfatizado los aspectos antes mencio-
nados, destacando la dimensión ideológica y la paulatina transformación de la
comedia ranchera, que se fue adecuando al contexto histórico. Pero uno de los
elementos poco analizados es el papel de las actrices cantantes en la comedia
ranchera. En esa idea, en este trabajo propongo que la canción bravía, elemento
esencial de la comedia ranchera que resumía visiones de género y perspectivas
de mexicanidad, en varios momentos fue utilizada por destacadas cantantes

494 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


que trataron de ofrecer una visión más incluyente del universo musical, domi-
nado por el charro cantante, mediante personajes femeninos que innovaron
en la interpretación de la canción ranchera, manipulándola desde posturas de
empoderamiento expresivo o como parodia a las convenciones del género.
A través de las representaciones sociales que ofrecía de aspectos como la
relación hombre mujer y los umbrales de tolerancia a la diversidad sexual, el
cine mexicano de la llamada época de oro contribuyó a mantener situaciones
de discriminación, pero también introdujo, como veremos, algunas visiones
subversivas de los estereotipos vigentes. En esa perspectiva, a continuación se
ofrecen ejemplos de ambas situaciones. En el primero, se aborda el análisis
de la participación de Lucha Reyes como cantante y actriz en ¡Ay Jalisco, no te
rajes!, donde a través de su brillante interpretación de la canción bravía, logra
desafiar la hegemonía masculina imperante en el universo musical de la come-
dia ranchera, a pesar incluso de ser marginada de cualquier papel protagónico.
De forma distinta, está el caso de Sofía Álvarez, actriz y cantante de cierta
fama que incursionó esporádicamente en la canción ranchera, sin desarrollar
un estilo diferente, pero que logró papeles protagónicos de cantante, subordi-
nando a un segundo sitio a su acompañante masculino (Pedro Infante), trasto-
cando las convenciones del género e introduciendo lúdicamente un ejemplo de
masculinidad femenina.

Concepto de género

Contrariamente a la idea que percibe al género cinematográfico como una uni-


dad unificada, transparente y estable, compuesta por un corpus de películas
que comparten un tema y una estructura específicos, donde sólo varían los
detalles, en este trabajo me interesa introducir el proceso de recepción comu-
nicativa, por ello utilizo la aproximación semántico-sintáctica desarrollada por
Rick Altman (1999, p. 299), quien sugiere que los géneros surgen fundamental-
mente de dos maneras:

como una serie relativamente estable de premisas semánticas que evolu-


ciona a través de una experimentación sintáctica hasta constituirse en una
sintaxis coherente y duradera, o bien mediante la adopción, por parte de
una sintaxis existente, de un nuevo conjunto de elementos semánticos.

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 495
Lo distintivo de esta aproximación es que toma en consideración el carác-
ter histórico del género, entendido como un espacio de continua lucha o
“negociación” entre un sistema de producción específico y un público dado.

La canción en el cine mexicano de los años treinta

En el cine sonoro de la primera mitad de los treinta, se empezó a perfilar la


presencia de la canción mexicana y sus nuevos compositores, como parte
del engranaje de la industria de la diversión que en esos años sentaba sus
bases en México. Esa industria se iniciaba en el teatro de revista, donde los
autores y sus canciones se daban a conocer y eran aceptados o rechazados,
luego pasaban a las compañías disqueras y a la radio, el primer gran medio de
comunicación masiva del siglo XX; y los que resultaban triunfadores llegaban
al cine. Esos diferentes medios se nutrían mutuamente, al reciclar canciones,
actores y temas del teatro frívolo. El cine sonoro, que desde su inicio estuvo
vinculado a la canción mexicana con Santa (1931, Antonio Moreno), título
de la canción homónima del compositor de moda, Agustín Lara, continuó
utilizando la música y las canciones que habían probado su éxito en el teatro
de revista o en la radio.
El creciente interés del público por los programas radiofónicos, propició
que la iniciativa privada entrara de lleno en el naciente campo de la transmi-
sión radiofónica, y en 1930 nació la que durante décadas sería una de las más
potentes emisoras radiales de Latinoamérica: la XEW, la “Voz de la América
Latina desde México”. En sus diarias emisiones, la XEW difundió tanto la
nueva canción ranchera (trío Tariácuri, trío Calaveras, Lucha Reyes, trío
Garnica-Ascencio); como la canción romántica: Agustín Lara, María Grever,
Gonzalo Curiel, etc.
Al difundir la música popular y mantener el interés del radioescucha
por sus principales intérpretes, muchos de ellos vinculados al cine, la XEW
funcionó como elemento importante del engranaje comercial que permitió
el surgimiento de la industria cinematográfica mexicana. Ambas instancias,
cada una en su momento y a su manera, aprovecharon la oleada nacio-
nalista de la posrevolución para identificarse como representantes de lo
popular mexicano.

496 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


El éxito de las películas que incluían canciones de moda, se convirtió rápi-
damente en una fórmula dentro de la incipiente industria fílmica nacional,
especialmente a partir de filmes como Cielito lindo (1936 Roberto O’ Quigley)
y sobre todo Allá en el Rancho Grande (1936, Fernando de Fuentes). El cine
empezó a utilizar a la canción mexicana no sólo como tema, trasfondo o
adorno, sino como verdadero personaje que aglutinaba gran parte del compo-
nente nacionalista o ideológico de las cintas. Esto significó la incorporación
de las figuras más importantes de la nueva canción mexicana, cuyas canciones
eran popularizadas primero por la radio, no sólo en México sino también en los
Estados Unidos,1 y luego llegaban al cine.

La canción ranchera, producto citadino con color campirano

En el contexto de la efervescencia nacionalista que vivió el país en la etapa


posrevolucionaria, la canción campirana desarrollada a lo largo del siglo
XIX, vivió un importante proceso de revitalización y se tradujo transfor-
mó en un producto citadino con color campirano, representado por títulos
como Adiós Mariquita linda (1925, Marco Antonio Jiménez), La negra noche
(1920, Emilio D. Uranga), Allá en el Rancho Grande (1927, en arreglo de
Silvano Ramos). (MORENO RIVAS, 1989, p. 184) Este género, que empe-
zó a ser conocido como canción ranchera (interpretado inicialmente con
acompañamiento de piano, orquesta de alientos o de cuerdas) y tuvo una
gran aceptación popular, estuvo ligado al auge del teatro frívolo, durante
los años veinte. El teatro de revista en su modalidad costumbrista, se ca-
racterizó por una revaloración de lo mexicano con tintes nacionalistas, ya
que realizó un verdadero recorrido folclórico musical por todas las regio-
nes del país, propiciando el conocimiento, difusión y confrontación de los
diferentes estilos musicales, lo que significó un impulso a la creación de
canciones populares, de las que se cultivaron principalmente tres géneros:

1 Emilio García Riera (1984, p. 137-138) en una nota del Variety del 21 de octubre de 1936, sobre
la exhibición de Allá en el Rancho Grande en Nueva York; después de elogiar el éxito que tuvo la
cinta, se señala: “Aparte de las cualidades mencionadas, la película tiene la ventaja adicional de
tener canciones que se han difundido ampliamente por radio y fonógrafo en este país.”

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 497
el campirano o ranchero, el romántico y el regional. (MUSEO NACIONAL
DE CULTURAS POPULARES, 1986, p. 92)
Factores de impulsó a la renovación de la canción mexicana, fueron
eventos como el concurso y feria de la canción en el teatro Lírico, realizado
en 1927, del que surgieron compositores que darían fama internacional a la
música mexicana a través del cine (María Grever, Jorge del Moral, Espinosa
de los Monteros, Guty Cárdenas, Agustín Lara, Lorenzo Barcelata, Salvador
Quiroz, Ricardo Palmerín y Joaquín Pardavé); el debut en el teatro Politeama,
de portadores de nuevos estilos: el trío Garnica-Ascencio, Lucha Reyes, Delia
Magaña, el dueto de Felipe Liera y Lupe Irigoyen, y el tenor Pedro Vargas.
A esta nueva generación de intérpretes y compositores se sumó el grupo Los
Trovadores Tamaulipecos, que fue decisivo en la evolución del género ran-
chero. Integrado por Ernesto Cortázar, Lorenzo Barcelata, Alberto Caballero,
Antonio García Planes y Andrés Cortés Castillo, este grupo estableció un
exitoso estilo de canciones y ejecución que rápidamente fueron imitados.
Barcelata y Cortázar se separaron del grupo en 1935 y se incorporaron al
naciente cine sonoro mexicano, fijando moldes y estilos de lo que se conoce-
ría como la nueva canción ranchera.

Lucha Reyes y el nuevo estilo ranchero bravío

La modalidad más popular de la llamada “nueva canción ranchera”, fue la desa-


rrollada por la cantante Lucha Reyes, después de separarse del grupo Garnica-
Ascencio, cuando perdió su voz de soprano y se dedicó a cantar “de garganta”.
(MORENO RIVAS, 1989, p. 186) Esta particular modalidad de interpretación
fue conocida como estilo ranchero bravío, y se convirtió en sustento primordial
de la comedia ranchera y de su figura emblemática, el charro cantante.
El estilo ranchero bravío conjuntaba diversos elementos:

1. Daba una nueva impostación a la voz o prescindía por completo de ella,


utilizando directamente la garganta, aunque esto significara en ocasio-
nes una enunciación rasposa y poco musical (por lo tanto más bravía).

2. Las actitudes cinematográficas incidieron en la aparición de los nuevos


temas de la canción ranchera.

498 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


3. La canción bravía escrita en tono mayor era agresiva, afirmativa y rei-
vindicativa. Si el tema era amoroso, adoptaba un tono exigente y fanfa-
rrón. (MORENO RIVAS, 1989, p. 186-187)

La canción ranchera bravía tuvo en Lucha Reyes a su primera exponente


notable. Su estilo surgió, aparentemente, después de recuperar la voz tras un
periodo de afonía, adquiriendo un color de contralto y un matiz enronquecido
y bronco, aspectos que otorgaron a la naciente canción ranchera citadina un
estilo peculiar. Analistas e historiadores suelen atribuir gran parte de ese estilo
al temperamento de la actriz y a su atormentada vida (por lo tanto a su condi-
ción femenina), lo que supone minimizar los méritos artísticos y de carácter de
Lucha Reyes, pues conseguir la aceptación popular e innovar exitosamente en
un género musical masculinizado, no debió haber sido tarea sencilla.

Prodigaba su voz hasta desgarrarla, gemía, lloraba, reía e impreca-


ba. Nunca antes se habían escuchado interpretaciones de ese estilo.
Sobreponiéndose a las críticas que no aceptaban su falta de refinamiento,
pronto Lucha Reyes simbolizaba y personificaba a la mujer bravía y tem-
peramental a la mexicana. (MORENO RIVAS, 1989, p. 190)

Pero sin duda fue el cine el que dotó de presencia y arraigo a esta nueva
forma de ejecución. A través del charro cantante, la canción bravía se “mascu-
linizó” y se afirmó en el gusto popular, interpretada por figuras como Jorge
Negrete, Pedro Infante o Luis Aguilar. El cine la remodeló y ajustó a su esquema
de la realidad a través de la comedia ranchera. La relación entre canción bravía
y cine, se volvió inseparable a partir del éxito de ¡Ay Jalisco no te rajes! (1941,
Joselito Rodríguez), cuando entraron en escena el compositor Manuel Esperón
y el letrista Julio Cortázar; quienes desarrollaron la producción en serie de este
tipo de canciones. Esta dupla generó una producción fuera de lo común, que
aunque retomaba elementos del tradicional son jalisciense, poseía mayor sofis-
ticación y frescura, manteniendo en los oídos del oyente el nexo cada vez más
lejano con la provincia campirana. (MORENO RIVAS, 1989, p. 187) Los temas
que sirvieron de inspiración a ese tipo de canción ranchera fueron el alcohol, el
corrido de nota roja, el abandono, el desdén, el elogio a la provincia, la exalta-
ción del machismo y la afirmación nacionalista o localista; mismos temas que
adoptó y naturalizó la comedia ranchera.

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 499
Lucha Reyes y Jorge Negrete en ¡Ay Jalisco, no te rajes!

En este filme realizado en 1941 por Joselito Rodríguez, se dio la única coinci-
dencia entre Lucha Reyes, conocida en el medio del espectáculo como la reina
de la canción ranchera y Jorge Negrete, un cantante de ópera de voz privilegia-
da en vías de consagrarse como el prototipo del charro cantante.
Esta película, que tuvo un éxito insospechado, comparable al que había
tenido Allá en el Rancho Grande en 1936, narra la vida del niño Salvador Pérez
Gómez (Jorge Negrete), cuyos padres son asesinados por unos desconoci-
dos. El niño crece cuidado por Chaflán, el fiel peón familiar y su padrino, el
cantinero español Radilla, quien lo prepara en el arte del juego y la habilidad
con la pistola, para vengar la muerte de sus padres. Accidentalmente conoce
y se enamora de Carmela, prometida del arrogante Felipe (Victor Manuel
Mendoza), al que no quiere, pero con quien se casará para evitar la ruina de su
padre. La sobrina de Carmen, la niña Chachita, se encarga de unir a su tía y a
Salvador, quien entra en contacto con el gatillero “Mala Suerte” (Ángel Garasa),
que le ofrece información sobre los que mataron a sus padres. Apodado “El
Ametralladora” después de matar a cinco de los asesinos de sus padres (con
cinco disparos consecutivos), Salvador logra su venganza con la ayuda de y
Chaflán y huye con Carmela para evitar su boda.
Entre los factores que pueden ayudar a entender el gran éxito de ¡Ay
Jalisco, no te rajes!, destaca especialmente el intertexto de la canción ranchera
y los cantantes y actores elegidos. La música de Manuel Esperón, en especial la
que da título a la cinta, constituyó un atractivo indiscutible para el espectador
de la época, pues remitía a la canción interpretada y puesta de moda por quien
desde fines de los años treinta era considerada la mejor intérprete de la canción
mexicana: Lucha Reyes. (VELASCO, 2012) En una época anterior a la televi-
sión, en la que sentaba sus bases la industria del entretenimiento, la difusión
de las canciones se iniciaba en el teatro de revista, donde los autores y sus can-
ciones se daban a conocer y eran aceptados o rechazados por el público, luego
pasaban a las compañías disqueras y a la radio, el primer gran medio de comu-
nicación masiva del siglo XX; y las que resultaban triunfadoras llegaban al cine.
Esos diferentes medios se nutrían mutuamente, al reciclar canciones, actores y
temas. El cine sonoro, que desde su inicio estuvo vinculado a la canción mexi-
cana con Santa (1931, Antonio Moreno), título de la canción homónima del

500 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


compositor de moda, Agustín Lara, continuó utilizando la música y las cancio-
nes que habían probado su éxito en el teatro de revista o en la radio. Por ello, al
elegir el título de ¡Ay Jalisco, no te rajes!, la película tenía asegurado un público
receptor familiarizado con la canción de moda. A esto se sumaba el atractivo
de poder ver en la pantalla a su famosa intérprete, así como a figuras taquilleras
de la comedia ranchera como Carlos López Chaflán y a la pequeña Chachita.
Los protagonistas Gloria Marín y Jorge Negrete, eran actores poco conocidos
en el cine, pero formaron una pareja interesante en esta historia de amor y
venganza, donde la sorpresa sin duda fue la voz de Negrete y su forma de inter-
pretar la canción ¡Ay Jalisco, no te rajes!
En cuanto a los recursos narrativos, lo diferente de ¡Ay Jalisco, no te rajes!
respecto a las demás cintas del género, fue la inclusión de elementos del cine
de aventuras y del western; así como el montaje, donde se advierte la mano
del hermano del director, el joven Ismael Rodríguez, quien sería uno de los
mejores narradores del género. Realizador del guión y encargado de la con-
tinuidad, Ismael imprimió a la cinta un ritmo ágil que rompía con el estilo
aletargado que caracterizaba a la comedia ranchera, que seguía el modelo de
Allá en el Rancho Grande (Fernando de Fuentes, 1936). Ismael Rodríguez desa-
rrollo como una de sus reglas, el que las canciones fueran funcionales, esto
se refería a que tuvieran una utilidad definida. Para él, “Una canción deja de
ser funcional cuando suspende o interrumpe la acción”. (CUADERNOS DE LA
CINETECA NACIONAL, 1976, p. 119) Esto era usual muy frecuente en las pelí-
culas del género, donde la interpretación de una canción implicaba una cámara
casi estática y todo se enfocaba a registrar al cantante.
La notable aceptación que tuvo la película, convirtiendo al protagonista
en una de las primeras estrellas de la cinematografía nacional, en cuestión de
semanas, se debió en gran medida a esos elementos y a la voz de su intérprete,
pues como afirma Enrique Serna (1993, p. 51): “Su voz dominante y profunda
ennoblecía el mensaje verbal, sin recurrir en exceso al portamento (la extensión
por medio de ‘arrastrados’) al final de la frase musical, como la mayoría de los
cantantes anteriores y posteriores a él [...]”.
En ¡Ay Jalisco, no te rajes!, realizada en 1941 por Joselito Rodríguez, se dio
la única coincidencia entre Lucha Reyes, conocida en el medio del espectáculo
como la reina de la canción ranchera y Jorge Negrete, quien tenía formación
militar y había tomado clases de canto (aunque deseaba convertirse en médico

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 501
militar), pero poco a poco se fue introduciendo en el mundo del espectáculo,
teniendo como objetivo convertirse en actor y cantante de ópera y triunfar en
Hollywood. (SERNA, 1993, p. 24-45)
En esa película es quizá donde mejor se pudo expresar el estilo de Lucha
Reyes; ahí aparece una cantante en plenitud, poseedora de un dominio de la
voz y los gestos casi violentos. En su breve intervención se percibe un cierto
desafío hacia Negrete en términos interpretativos, una especie de reto a la
forma masculina de interpretar la canción ranchera, que él representa y que
ella ha transformado. En la interpretación que ambos personajes hacen de la
canción tema (¡Ay Jalisco no te rajes!), se advierte que el estilo desarrollado por
Lucha Reyes, quién había llevado al éxito dicha canción, ha sido asimilado en
gran medida por Negrete, añadiendo sus propios recursos vocales y expresivos.
En términos de puesta en escena, en esa secuencia donde aparece can-
tando Lucha Reyes se observa una representación inequitativa de la famosa
cantante, si la comparamos con la secuencia respectiva en que Jorge Negrete
interpreta la misma canción. En ese filme se puede decir que se capitalizó la
fama de Lucha Reyes para apuntalar el lanzamiento de Negrete como un nuevo
tipo de charro cantante, negándole a ella un papel equivalente en términos
narrativos y de imagen.
Tanto Lucha Reyes como Negrete habían iniciado su carrera en el cine
mexicano al final de los años treinta; ambos tenían formación académica en el
canto, él era barítono y ella soprano. Jorge Negrete había filmado ocho pelí-
culas hasta ese momento, con papeles protagónicos, y en todas ellas inter-
pretaba canciones de diverso tipo, desde habaneras hasta romanzas cursis,
pero todas muy lejos de lo popular mexicano. Su debut fue en La madrina
del diablo (1937), seguida por La Valentina (1938), El cementerio de las águilas
(1938), Perjura, Juan sin miedo (1938), Juntos pero no revueltos (1938) y Caminos
de ayer (La mano de Dios) (1938). La primera película en la que canto el género
ranchero y lució el traje de charro, fue Aquí llegó el valentón (El fanfarrón) (1938,
Fernando A. Rivero), en ella se perfila ya gran parte de lo que será su estilo de
interpretación y su personalidad histriónica altiva y resuelta.2 Sin embargo, fue
en ¡Ay Jalisco, no te rajes! donde aparece ya claramente definida su forma de

2 Esta película se estrenó cinco años después en una sala de segunda, cuando Jorge Negrete ya
era famoso. (GARCÍA RIERA, 1992, p. 54-55)

502 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


interpretar el género bravío, y en la cual puede verse, a posteriori, una cierta
mimetización o apropiación de elementos expresivos desarrollados por Lucha
Reyes, quien había creado la forma de interpretación original de la canción que
ambos cantan en la película.
Lucha Reyes, cuyo verdadero nombre era María de la Luz Flores Aceves,
nació en 1906 en Guadalajara, Jalisco. Se formación como cantante había sido
de manera informal, en el teatro de revista y en escenarios populares. Durante
una estancia en los Estados Unidos tomo clases de canto y a su retorno a México
empezó a desarrollar su personal estilo interpretativo. Su temprana muerte y
complicada existencia, aunada a la fama que alcanzó como intérprete, la han
convertido en una seductora figura mediática, cuya trayectoria artística ha sido
objeto de diversos acercamientos centrados más en los componentes llamati-
vos de su vida.3 Pero en los últimos años ha surgido un gran interés en el ámbito
académico mexicano y estadounidense, por analizar su obra desde perspectivas
teóricas feministas y de los estudios culturales. Mediante la incorporación de
diferentes herramientas teórico analíticas, esos trabajos están cambiando la
visión sobre esta famosa intérprete, cuestionando y superando la tendencia a
analizar su innovador estilo interpretativo como derivado de su “tormentosa
vida”, o como señala Lorena Alvarado (2012): acentuando el leitmotif del sufri-
miento y la enfermedad.
La trayectoria de Lucha Reyes en el cine se caracterizó por apariciones
en las que se interpretaba a sí misma como cantante, sólo hubo dos en las
que tuvo un personaje. Inició con Canción del alma  (1937, Chano Urueta),
en la que interpreta Estás como rifle y La mujer rejega de Lorenzo Barcelata.
(GARCÍA-OROZCO, 2013) La siguiente fue La Tierra del Mariachi (1938, Raul
de Anda), cantando canciones que había hecho populares: Adios, Sufrimiento
y El Castigador, del compositor Pedro Galindo. En Con los Dorados de Villa
(1939, Raúl de Anda), interpretó a, la soldadera Adela, enamorada de un médico
norteamericano al que canta “Qué re chulo es mi gringo”. En 1940 participa en
El zorro de Jalisco, dirigida por José Benavides Jr., al lado de Pedro Armendáriz
y  Emilio Fernández, con un papel secundario en el que destaca su presen-
cia y carisma como La Nena, cantante de una cantina que interpreta La vaca

3 Entre ellos la película de Arturo Ripstein La reina de la noche (1994), documentales televisivos y
la novela de Alma Velasco (2012).

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 503
pinta, uno de sus éxitos. Después de su participación en ¡Ay Jalisco, no te rajes!
(1941, Joselito Rodríguez), Lucha Reyes intervino en Flor silvestre (1943, Emilio
Fernández), donde cantó El Herradero, una de las canciones representativas
de la mexicanidad campirana creada por el cine mexicano, y que resume la
función que el cine de la época le asignó a esta gran intérprete, como símbolo
femenino de la canción popular bravía.
En la cinta hay dos interpretaciones de ¡Ay Jalisco, no te rajes! La primera es
la de Lucha Reyes, en el minuto 44:14, donde sin aparente justificación narra-
tiva entra a cuadro en Planos medios, en el ruedo de un palenque en pleno
día de fiesta. La puesta en escena la muestra en primer plano, mientras en un
segundo plano, y desde el lado derecho van entrando Salvador (Negrete) y los
actores cómicos de soporte (Chaflán y Mala suerte). La cantante luce el cabello
recogido hacia un lado, falda hasta el tobillo y blusa ajustada con hombreras,
aretes y collares que dan vida a su rostro, pero que no siguen el estereotipo de
la china poblana, la que históricamente era la pareja del charro. La interpre-
tación altiva y desafiante de Lucha Reyes (con el rostro y el pecho levantados,
dominando el escenario con sus desplazamientos, mirada y ademanes) consti-
tuye una atractiva dramatización de la canción, aunado a la potencia desgarrada
de su voz, que transmite la intensidad emotiva de lo que expresa la letra. Su
estilo de interpretar compromete simultáneamente el cuerpo y la voz, la movi-
lidad corporal es desafiante e intensa y logra un fácil contacto con el receptor.
La secuencia dura 1 minuto 58 segundos, sin embargo, no todo ese tiempo apa-
rece a cuadro, pues su presencia es fragmentada (¿minimizada?) por el montaje,
que mantiene su voz fuera de campo la mayor parte del tiempo, usándola en
plano/contraplano para ilustrar tomas del lugar, especialmente de Salvador
(Negrete) y sus amigos, así como del mariachi y de otros asistentes sentados en las
gradas del palenque. La energía expresiva de su voz se convierte en marco sonoro
que enfatiza y resalta escenas de la charrería ejecutadas por diestros rancheros.
Esa puesta en escena niega al espectador la visión de Lucha Reyes can-
tando y la deja sólo como voz sin rostro. Ello implica una evidente decisión
formal que resta relevancia a su participación como intérprete de la canción
tema, la que ella había hecho famosa, gracias a su estilo “bravío”, agresivo y
reivindicativo. A pesar de que su participación entra en lo que después se lla-
marían “actuaciones especiales”, es clara la intención de usar su fama dentro
de la música popular para promover a Jorge negrete. No obstante, un análisis

504 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


comparativo entre la interpretación de Lucha reyes y la de Jorge Negrete, per-
mite destacar lo específico de cada uno.
En la intervención de ella, se advierte una cierta ironía hacia la masculini-
dad hegemónica, especialmente con el gesto de sus manos para referirse al uso
de la pistola que los charros de Jalisco llevan en la cintura, mientras la cámara
encuadra a Salvador (Negrete) y sus amigos que entran al escenario sonriendo.
Lucha Reyes canta con ímpetu y total dominio de la escena, sin apoyo de otros
elementos escenográficos, sólo con la fuerza de su voz y la expresividad de sus
manos y gestos. En lo que podemos ver como una teatralización lúdico/emo-
tiva de la canción, su rostro transmite el doble sentido de la frase “... ¡y muy
cumplidores!”, mientras el encuadre muestra un plano medio de Salvador y sus
amigos, donde él asiente con un gesto de aceptación. Instantes después, en
plano medio, con las manos en la cintura, de espaldas a la cámara y mirando de
frente a los asistentes, especialmente a ellos, Lucha Reyes va a sentarse al lado
de Salvador (Negrete), al tiempo que canta:

Su orgullo su traje de charro


Traer su pistola, fajada en el cinto
Tener su guitarra pa’ echar muncho tipo
Y a las que presumen quitarles el hipo

En ese instante de gran emotividad interpretativa (que exalta atributos


asociados al machismo), hay una intervención del charro Negrete, que puede
verse como un intento de boicotear cómicamente esa representación, dán-
dole un pellizco en el trasero a la cantante. Esta acción, a la que ella reacciona
levantándose y lanzando un grito que forma parte de la canción pero que
funciona cómicamente:

¡Ay Jalisco, no te Rajes!


Me sale del alma gritar con calor
Abrir todo el pecho, pa’ echar este grito,
Qué lindo es Jalisco, Palabra de Honor

Otra lectura de esa acción, es verla como un intento de devaluar a la mujer


intérprete, llevándola al terreno de “objeto sexual”, en el cual el hombre se
arroga el derecho (culturalmente legitimado) de tocar o manipular el cuerpo

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 505
femenino en público, sin pedir su consentimiento. Esto, que tiende a igno-
rarse en los análisis, ejemplifica el nivel de naturalización de la dominación
patriarcal en la cultura de la época, pues la narración lo presenta en plan lúdico.
Siguiendo esa intención lúdica, Lucha Reyes responde jalándole la corbata a
Mala suerte, lo que provoca que Chaflán instintivamente extienda las manos
hacia el trasero de la cantante, pero otra mano lo detiene. Esta parte, que bien
pudo haberse eliminado durante el montaje por su mal gusto y falta de respeto
a una mujer, aparentemente en esa época (1941), se percibía como algo natural
y divertido, aún dentro de una película clasificación A.
La interpretación de Salvador (Negrete) de la misma canción, se da en el
minuto 55 y tiene una duración de cinco minutos (casi cuatro minutos más que
la de Lucha Reyes). En ella hay una introducción de 53 segundos a cargo de un
trío de cancioneras que funcionan como coro de apoyo al charro cantante. En
esta secuencia, que se da en el interior de una cantina, Negrete entra a cuadro en
una especie de coreografía que lo destaca e individualiza a través de los encua-
dres (planos medios y primeros planos de su rostro) y de las acciones de los
demás, especialmente las jóvenes cancioneras a las que sienta a su lado y le sir-
ven de apoyo al interpretar una parte de la canción. Otro elemento de soporte
es el mariachi, que también canta un segmento de ¡Ay Jalisco, no te rajes! y
permite un mayor lucimiento de Jorge Negrete quien finaliza la interpretación.
En comparación con la forma de cantar de Lucha Reyes, la de él es menos
expresiva en cuanto a mímica y gestos, todo lo articula a través de la ejecución
vocal, que algunos consideran “limpia”, aunque en ocasiones excesivamente
refinada, debido a su entrenamiento operístico. No obstante, Jorge Negrete
adaptó a su voz y posibilidades de matiz el estilo bravío que había desarrollado
Lucha Retes, y le aporto nuevas características de ejecución. A partir de sus
interpretaciones en ¡Ay Jalisco, no te rajes! , impuso un estilo ágil, agresivo y
vivaz, que sería distintivo de la canción ranchera y sería modelo para decenas
de sucesores. (MORENO RIVAS, 1989, p. 206)

Sofía Álvarez

Lucha Reyes y Sofía Álvarez aparecen como casos extremos de apropiación


del llamado estilo bravío, pero al mismo tiempo sus trayectorias en el cine

506 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


ejemplifican la fuerza del contexto sociocultural de la época y de los estereoti-
pos de género dominantes.
En el cine mexicano de la llamada época de oro, hubo varias actrices que
parodiaron la figura del charro cantante, ya fuera como cantantes o en el nivel
de la actuación. Entre ellas sobresalen: Sara García en Por mis pistolas (1938,
José Bohr), comedia situada en el medio rural, en la aparece en plan de mujer
macha que lleva serenata y usa pistola; Jesusita en Chihuahua (1942, René
Cardona), comedia ranchera en la que la protagonista se enfrenta con otra
mujer en la cantina del pueblo mediante coplas de retache y a golpes; Libertad
Lamarque en Huellas del pasado (1950, Alfredo B. Crevenna) hace una divertida
parodia del estilo interpretativo de Jorge Negrete en varias de sus canciones.
La trayectoria cinematográfica de Sofía Álvarez, nacida en Colombia pero
residente en México desde 1928, se inició con un pequeño papel de prosti-
tuta en Santa (1931 Antonio Moreno), la primera película sonora del cine
mexicano. Durante los años treinta interpretó pequeños papeles en películas
como: Revolución (La sombra de Pancho Villa) (1932, Miguel Contreras Torres
y Antonio Moreno), Una vida por otra (1932, John H. Auer), Martín Garatuza
(1935, Gabriel Soria). Simultáneamente desarrolló una carrera de cantante, y
en la primera mitad de los cuarentas pudo tener papeles coprotagónicos al
lado de figuras de primer nivel, como Mario Moreno Cantinflas en Ahí está el
detalle (1940, Juan Bustillo Oro), Joaquín Pardavé y Fernando Soler en México
de mis recuerdos (1943, Juan Bustillo Oro) y La reina de la opereta (1945, José
Benavides Jr.). En ellas interpretaba papeles de dama de clase alta o cantante de
opereta, hasta que en 1946 inicia una serie de tres comedias rancheras al lado
de Pedro Infante, en dos de las cuales interpreta personajes de mujer bragada
y canta el género ranchero bravío. Estas fueron: Si me han de matar mañana
(1946, Miguel Zacarías) y La barca de oro (1947, Joaquín Pardavé).
En Si me han de matar mañana, Sofía Álvarez es Lupe la Serrana, una can-
cionera de música ranchera. Es presentada luciendo trajes típicos, entre ellos
el de China poblana, en oposición a una citadina que usa palabras en inglés
y discrimina a Lupe llamándola india y payita. Musicalmente, ella interpreta
la canción bravía y rivaliza con el ranchero Ramiro (Pedro Infante) mediante
coplas de retache en una cantina.
Su forma de cantar busca seducir a los espectadores, sonriendo y coqueteando
con movimientos de las manos y el cuerpo. La función de la canción bravía en la

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 507
película es expresar el nacionalismo en oposición a lo extranjero (estadounidense)
en costumbres, lenguaje y estilo de vida. El personaje de Sofía Álvarez comparte el
escenario con Infante, cantando a dúo Bajo el sol de Jalisco, luciendo un estilizado
traje de china poblana y de charro, respectivamente, y bailando el jarabe tapatío
(danza que simula un cortejo) en planos medios, cortos y de conjunto.
Pero ninguna película del género ranchero había propuesto un personaje
que asumiera abiertamente su masculinidad femenina, como fue el caso de
Chabela Vargas (Sofía Álvarez) en La barca de oro. La película es la historia de
la joven Chabela, dueña de un rancho, quien vive con su hermana y su tío y se
encarga de la administración. Usa el atuendo masculino y convive con sus traba-
jadores de igual a igual, en el campo y la cantina. Su tío quiere que se case, como
su hermana que ya tiene novio. La llegada de un Ingeniero de la capital que
va a venderles material agrícola, despierta su interés. Su caporal Pedro (Pedro
Infante) está enamorado de ella y al oír rumores sobre la supuesta boda de ella
con el Ingeniero, se desilusiona. Durante una celebración en el rancho, Chabela
se viste como una dama y causa sensación, ahí se anuncia su boda con el inge-
niero. Pedro desaparece, Chabela descubre que el ingeniero pretendía también
a su hermana y lo despide. Después de una pelea entre Chabela y Pedro, se
reconcilian y se casan. Tienen una niña que se comporta igual que su madre.
La barca de oro comienza y termina con la interpretación del corrido de
Chabela Vargas (que es un recuento de su personalidad), cantado por Pedro
Infante primero y por la hija de ambos al final. Enseguida interpreta una can-
ción ranchera con estilo desafiante, algunas de cuyas frases son las siguientes:

Tengo el alma de ranchera, y sobrado el corazón,


pa’ toparme con cualquera que ande fuera de razón,
y ando siempre preparada, tengo la mano ligera
y mi genio va por ahí,
Si me pongo pantalones es mi gusto ya ve usté,
si el hombre es muy trucha, también la mujer,
si el hombre es muy macho, también la mujer,
me gusta darle sustos al que busca mi querer,
mi cariño es pa’ mi rancho, al que siempre le soy fiel,
con mi lindo sombre ancho y mi cuaco pura ley,
tengo el corazón contento, para darlo hay que pensar,
así es mi manera y modo de ser…

508 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


Curiosamente, su vestuario es similar al de los vaqueros del western, som-
brero norteño, camisa de cuadros, botas y pantalón de mezclilla. La puesta
en escena y los encuadres la destacan, al centro, en planos medios y cortos,
mientras Pedro Infante aparece en segundo plano. Su personaje interpreta más
canciones que su contraparte masculina,
Hay varios momentos en que exhibe su dominación con recursos mascu-
linos; en la cantina, donde juega cartas y golpea a un tramposo que la llama
hombruna, o cuando, pistola en mano obliga a Infante a cantarle una canción y
termina peleando con el cuerpo a cuerpo, mientras le confiesa su amor.
En este filme, Sofía Álvarez se apropia de los privilegios y libertad de que
goza la masculinidad hegemónica. En su personaje de Chabela Vargas, hace
suyos no sólo los atributos de masculinidad en vestuario, acciones y carácter,
desafiando la tradicional hegemonía del charro cantor, sino también en el
terreno de la canción bravía, la cual utiliza para enfatizar gozosa y retadora-
mente los rasgos de su personalidad insumisa. La canción ranchera es el vehí-
culo de expresión de su postura hacia el amor y la vida. Todo ello es posible por
los elementos intertextuales de la screwball comedy.4 La hibridación entre con-
venciones de la comedia ranchera y la screwball comedy permite naturalizar la
inclusión de un personaje como el de la machorra o marimacho, que al mismo
tiempo es protagonista y cantante, y cuya pareja, el ranchero representado por
Pedro Infante, aparece en un papel marginal y sumiso.
La comicidad de la película se basa en una clara inversión humorística del
“orden natural” de las características de la femineidad, y el establecimiento de
una jerarquía en la cual la mujer asume la hegemonía y el poder usualmente
adscritos al charro en la comedia ranchera. Lo distintivo de La barca de oro,
en relación con las varias películas que han incluido personajes femeninos de
machorras, es, que en todas ellas al final se restituye el orden patriarcal, la
mujer decide asumirse como tal en actitud y vestuario, mientras que en este
filme se impone la masculinidad femenina.

4 Este género estuvo en boga en el cine norteamericano en los años treinta y cuarenta, en el
contexto de la gran depresión y sirvió de escape a la problemática social. En ella destacan las
mujeres, que son las que sostienen la trama con sus acciones, suelen ser de carácter fuerte,
valientes y rebeldes hacia las convenciones sociales que las limitan.

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 509
A modo de conclusión

La intención de analizar las formas en que cantantes como Lucha Reyes y Sofía
Álvarez utilizaron la canción bravía en la comedia ranchera, tiene como objeti-
vo ayudar a ampliar el conocimiento sobre la relación entre la canción popular
y las representaciones que el cine ha ofrecido de las cantantes del género ran-
chero, la mayoría etiquetadas como cancioneras. En ese sentido, se pretende
contribuir al establecimiento de líneas de análisis que aborden teóricamente
este ámbito de la historia del cine, el de las cantantes de música ranchera, para
entender mejor la aportación femenina a un género usualmente asociado a fi-
guras masculinas.

Referencias

ALTMAN, R. Los géneros cinematográficos. Barcelona: Paidós Comunicación, 1999


ALVARADO, L. Corporealities of feeling: mexican sentimiento and gender politics.
2012. 179 f. Dissertation (Doctor of Philosophy in Culture and Performance) —
University of California, Los Angeles, 2012. Disponible en: <http://escholarship.org/
uc/item/46g544zn>. Acceso en: 13 abr. 2017.
AYALA BLANCO, J. La aventura del cine mexicano. México, DF: Editorial Posada,
1979.
CUADERNOS DE LA CINETECA NACIONAL. Testimonios para la historia del cine
mexicano. México, DF, 1976. n. 6.
MUSEO NACIONAL DE CULTURAS POPULARES. El país de las tandas: teatro de
revista: 1910-1940. Coyoacán, 1986.
GARCÍA-OROZCO, A. Lucha Reyes: la reina del estilo bravío. Estudios sobre las
Culturas Contemporáneas, Colima, v. 19, p. 127-155, 2013. Disponible en: <http://www.
redalyc.org/articulo.oa?id=31629857007>. Acceso en: 31 mayo 2016.
GARCÍA RIERA, E. Historia documental del cine mexicano. 2. ed. Guadalajara:
Universidad de Guadalajara, 1992.
GARCÍA RIERA, E. Fernando de Fuentes. México, DF: Cineteca Nacional, 1984. (Serie
monografías, n. 1).
MORENO RIVAS, Y. Historia de la música popular mexicana. México, DF: Alianza
Editorial mexicana: Conaculta, 1989.

510 SIBONEY OBSCURA GUTIÉRREZ


SERNA, E. Jorge el bueno, La vida de Jorge Negrete. México, DF: Editorial Clío, 1993.
(Fascículo 1).
VELASCO, A. Me llaman la Tequilera: Lucha Reyes la cantante que innovó la canción
ranchera. México, DF: Suma de Letras, 2012.

Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 511
Momentos musicales en el cine
de Emilio el Indio Fernández
casos de contemplación, compasión y éxtasis

ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES

Introducción

La música de una película crea momentos de contemplación cuando resume


los contenidos emocionales de la imagen y promueve una reflexión sobre lo
que se ve. La música sutura el momento que muestra la imagen con la emoción
del espectador. La música construye un vínculo entre espectador y el personaje.
La música imita su éxtasis, su arrebato pasional o su intenso dolor. Si el es-
pectador reconocer una melodía popular de su agrado en una escena, le añade
una particular efusividad porque la música lleva a otros contextos y logra que
el efecto de lo que cuenta en las imágenes se extienda a la imaginación. Los
ensambles de músicos que tocaban en las primeras salas de cine tenían reper-
torios amplísimos, y muchas veces, sin más guía que las imágenes, se lanzaban
a acompañarlas para deleitar a la audiencia (CHION, 2009, p. 388) para acom-
pañar y facilitarle la apropiación de la historia contada con imágenes.
Antes que la palabra dicha fue la música en el cine. El espectro limitado
de sonidos ambientales, diegéticos, subjetivos y psicológicos fue exten-
diendo el concepto de lo verosímil, fue indagando en la psique de los per-
sonajes y la transmitió a los espectadores: ¿cómo suena el dolor?, ¿cómo se
oye el enamoramiento? Estas sinestesias sin duda han ocupado las investi-
gaciones sobre cine desde hace mucho tiempo. Aquí nos ocuparemos de la
música como recurso expresivo en el cuatro cintas del director mexicano
Emilio el Indio Fernández.
En la elaboración de una plástica mexicana, Fernández empleó diversos
recursos musicales para apuntalar el melodrama y la tensión argumental
de sus filmes. La música en sus cintas – de las cuales utilizaremos como
casos concretos Las abandonadas (1954) Enamorada (1946), La malquerida
(1949) y Víctimas del pecado (1951) – apoya el argumento de que en este
cine mexicano se aprovechan la historia contada en canciones populares
para redondear la anécdota cinematográfica y llevar al espectador a una
experiencia de contemplación, compasión o éxtasis por medio de diversas
emociones sonoras.
El cine de Fernández utiliza canciones populares de compositores pres-
tigiosos interpretadas por cantantes famosos, fondos y arreglos para crear
ambientes musicales de diversa verosimilitud – serenatas nocturnas, pianolas
y mariachis en una cantina, orquestas tropicales, las marchas que acompa-
ñan las tropas rebeldes – que forman un variopinto conjunto reconocido por
su extraordinaria fotografía (de Gabriel Figueroa), argumentos desiguales y
actuaciones grandilocuentes que han marcado el imaginario del cine nacio-
nal. Consideramos que estos ambientes sonoros son otra forma de explo-
rar los recursos expresivos que se integran al universo plástico y al paisaje
acústico en el que sentimos o recordamos cierto estilo “mexicano”, hoy un
concepto esquivo, que para el director resultaba siempre como resultado de
combinar música, paisajes, actuación y recursos fáciles de comprender para
el gran público. Fernández – activo entre 1941 y 1978 – supo integrar a su
peculiar estilo de contar historias el talento de compositores y arreglistas
como Francisco Domínguez, Antonio Díaz Conde, Manuel Esperón, Raúl
Lavista y Gustavo César Carrión, Pedro Vargas, Rita Montaner y Pérez Prado,
entre otros.

514 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


Música y emoción

Estas líneas se concentrarán en presentar la música como acompañamiento y


efecto de las emociones expresadas por otros recursos del cine como pretexto
para la contemplación, la compasión o el éxtasis, entendidos como emocio-
nes provocadas por cierto arreglos y tonos musicales.1 No hay música que no
se pueda relacionar con la emoción, y toda música deriva en una forma de
complementar la imagen, así sea música expresiva, anímica o imitativa según
se relacione con lo que se muestra en pantalla; o incidental, si sólo la escucha
el espectador, o accidental si a lo largo de la acción se descubre que la fuente
sonora está en la imagen. Aquí sigo la propuesta de Olarte Martínez (2002b)
para clasificar la música en expresiva – aquella que ayuda a expresar un senti-
miento o estado emocional – y música estructural – aquella que sirve de telón
de fondo y que acompaña la escena. Repetidamente en el cine de Fernández
– dirigió 41 películas – la música es además incidental o atmosférica, pues
impacta el estado de ánimo del espectador al menos en tres casos ya mencio-
nados: contemplación, cuando ayuda a que destaquen los detalles de la mínima
acción, por ejemplo el largo caminar de la protagonista en Las abandonadas; la
empatía con el héroe melodramático, en La malquerida, o compasión cuando
imita la emoción retratada de la imagen, como la serenata de Enamorada; y
éxtasis cuando ilustra fugaz gozo sensual de la historia, como en los bailes de
Víctimas del pecado.
En los casos revisados, las serenatas, las escenas de cantina, mariachis o
tríos, se consideran música accidental o diegética, por surgir de los elemen-
tos presentes en la escena, por ser sonidos escuchados por los protagonistas
e influir en su emoción y porque afectan la historia. Pero también es música
narrativa que aligera las partes textuales del guion, que cumple con funciones

1 Recuérdese que hay una convención cultural extendida que permite estas relaciones: “Do mayor
como música ‘alegre y guerrera’, Mi bemol mayor como ‘cruel y severa’, Sol mayor como ‘tran-
quilamente alegre’ y así sucesivamente. Claro está que, como lo recuerda Freedberg, el impacto
emocional de la música es mucho más complejo debido a las modulaciones no sólo de las claves,
sino del ritmo, la armonía, la melodía, para no mencionar las variaciones culturales, individuales y
ambientales del auditorio en general y de cada escucha particular”. (DÍAZ, 2010) Para otros teóri-
cos debe romperse con estos convencionalismos, que indican que “para expresar bondad y amor
la tesitura de la composición debería ser alta o media, mientras que para expresar lo contrario
– maldad y celo s– debería ser grave”. (OLARTE MARTÍNEZ, 2002a, p. 751)

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 515


estructurales, pues puede identificar un personaje, avisar que se dará una situa-
ción, rematar usa secuencia etc. La música descriptiva es la que concierne al
ritmo de la acción, “puede describir cómo se desarrolla una determinada situa-
ción”. (OLARTE MARTÍNEZ, 2002a, p. 749)
La música en las cintas de Emilio Fernández es también un asunto de vero-
similitud, de énfasis dramático, de tensión y distensión del tiempo narrativo;
su estudio es una oportunidad para dar a conocer el vasto repertorio de música
mexicana que con gran naturalidad ilustró, revistió y acompañó las situaciones
de sus argumentos.
Para Xalabarder (2006, p. 7), “la mejor música de cine no es la que se
mejor escucha, sino la que mejor se ve”, a lo que agregaríamos que es mejor
aquella música que permite ver más de lo mostrado. Aún si se tiene en cuenta
que hace falta un registro más preciso de todas las canciones, temas y géne-
ros, de música incidental, de fondo, de transición etc. que se emplearon en
su filmografía, es posible ver la amplitud del espectro de registros musicales
usados en las cintas de Fernández, que deben ser estudiados más allá de su
consideración como fondos o acompañamientos. Damos aquí algunas pautas
y ejemplos.

Las abandonadas (1944) en la contemplación

Este melodrama descrito como un folletín revolucionario se empezó a pu-


blicitar aludiendo a que en ella sería posible escuchar la canción La barca de
oro, del dominio público y extensamente conocida en México, cuyo yo lírico
es un sujeto masculino que ha sido desterrado y se despide de una manera
atroz de una amada que se queda condenada a la soledad. Este texto musical
encubre, en parte, el truculento argumento de la cinta, pues la historia no
está dicha en la canción. Es la historia de una mujer engañada por un seduc-
tor que la deja a su suerte con un hijo cuya manutención se dará a cambio del
sacrificio increíble del honor y la vida. La maternidad como castigo, el hijo
como recuerdo del amor fracasado, la pena más grande que el agravio son
los desequilibrios argumentales a los que el director tenía acostumbrados
a su público y a sus críticos, y se aluden tangencialmente en el sentimiento
de pérdida y soledad que están en todas las canciones usadas en el filme.

516 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


Consideramos así que lo más original de la cinta es el tratamiento del sustra-
to musical. En primer término por los fondos musicales de Manuel Esperón,
afamado arreglista y compositor en la primera de sus cinco colaboraciones
con Emilio Fernández.2
Los arreglos son convencionales, como el ritmo creciente que se acom-
pasa con las olas de la playa para emular la pasión al inicio de la historia. Este
es un ejemplo de la música que nos hacer ver más en la imagen pues el ritmo
musical creciente alude al incremento de movimiento de las olas, y ambos
aumentos se conectan a su vez con el fogoso encuentro de los amantes, que no
vemos pero podemos imaginar en la música. Luego, en la rutina matinal de los
amantes se reconoce el danzón Almendra en una vitrola de la habitación donde
Julio (Cortázar) le avisa a Margarita (Pérez) que tiene que irse a la capital. Se va
en tren, no en la barca de oro, para nunca más regresar. Posteriormente, ella
vuelve a la casa paterna para ser expulsada violentamente a su suerte. Entonces
se da un momento musical muy bien logrado del filme: el largo recorrido de
la muchacha repudiada desde la costa es un ascenso por el altiplano. A pie pri-
mero y luego a bordo de una carreta en la que tres campesinos3 van cantando
la desgracia del abandono. Es música diegética, puesto que el trío sale a cuadro
mientras interpreta la canción. Si para ella es el sufrimiento, para el especta-
dor es momento de la contemplación, pues escuchamos sus cuitas mientras
Margarita atraviesa el inmenso paisaje – nubes, cactus, montañas – fotogra-
fiado por Gabriel Figueroa. La acción en la imagen, el destierro, se apoya en
la letra de la canción, como un texto dentro del texto. El ritmo de la acción se
supedita a la contemplación del sufrimiento ajeno, se alude al pathos del per-
sonaje y su peripecia como frágil víctima frente al universo adverso, se logra así
ver el sufrimiento del otro escuchando música incidental.

2 Las abandonadas (1944); El rapto (1953); Un dorado de Pancho Villa (1966); El crepúsculo de un
dios (1975) y Zona Roja (1968). (GARCÍA RIERA,1987)
3 El Trío Calavera estaba formado por Guillermo Bermejo Araujo, Miguel Bermejo Araujo y Raúl
Prado. La letra dice: “Pa’ qué cantarán las aves, en medio de aquel palmar / Pa’ qué trinará el
cenzontle tan cerca de mi jacal / Si ella no ha de escuchar / Pa’ qué Pa qué cantarán / si ella no
ha de escuchar / Pa’ qué va a rallar el alba / Pa’ qué va a salir el sol / si para mí todo es noche /
desde el día en que me dejó / Y pa’ qué brilla la luna si no hay noche de amor / Y Pa’ qué brilla la
luna si no hay noche de amor”. Letra transcrita de la cinta sonora de la versión estudiada.

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 517


A la sencilla Margarita4 la veremos transformada en Margot en lo alto de
una regia escalera, vestida de brillos blancos, desde donde desciende en silen-
cio, para marcar otra contemplación ahora del espectador y del personaje que
la conquista. Con él conocerá la dicha, su Juan la quiere de verdad y hace tocar
La barca de oro todo el tiempo en su ventana. La desgracia la cantarán violi-
nes sinfónicos y los platillos que acentúan la revelación de Margarita – recién
salida de tras ocho años de cárcel – cuando le dice a su hijo: “Margarito, tu
madre ha muerto”. El melodrama que es justamente este desarrollo del sufri-
miento de los personajes apoyado en notas musicales que redondean emocio-
nes ya conocidas por el gran público. (HERLINGHAUS, 2002) En la cinta, la
música adjetiva la melancolía, por ejemplo cuando Margarita visita la tumba
de Juan; o colorea la miseria moral de una mujer obligada a conseguir dinero
vendiéndose o robando. Es la música lo que hace verosímil tanta peripecia:
violines tristes, alientos en sordina, flauta y percusiones ominosas, pianolas
cruelmente alegres, toda su desgracia es contada con el apoyo de la música
“anímica” (OLARTE MARTÍNEZ, 2002a, p. 748) y pertinente al ambiente en
que se encuentra la protagonista: el abandono. En esto también estriba la con-
templación, en ver el dolor del otro poetizado por la música. Incluso por la pia-
nola guiñolesca cuando vemos a Margarita, hecha una ruina, robar y escapar,
siempre para mantener a su hijo en el internado.
La música de tonos alegres del inicio del filme da paso a guitarras tristes,
a danzas jocosas del burdel, al sonido solemne del encierro. Y desemboca en
esta melodía que es la derrota de una vida que se ha sacrificado para hacer
del hijo “un gran hombre”. El clímax será el encuentro con el hijo piadoso,
que ignorando su identidad, la levanta. Esta tercera caída de Margarita es el
preámbulo de su sacrifico pleno: quedarse abandonada al pie de la escalinata
del tribual, como una figura que quiere ser trágica pero es apenas patética, y
que crece apoyada por los acordes sinfónicos que clausuran el relato, llenos de
clichés pero con una rica narrativa de emociones melódicas y dramáticas. Es la
música de la contemplación del dolor del otro. La música de Manuel Esperón
no se limita a comentarios musicales, sonoriza el sentimentalismo maternal.

4 Este nombre parece inspirado en la Margarita Gautier de La dama de las camelias de Alejandro
Dumas hijo, novela de 1848 que inspiró la ópera La Traviata de Giuseppe Verdi, de 1853. Es un
arquetipo europeo que mexicaniza la cinta de Fernández.

518 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


Enamorada (1946): Serenata de la compasión

Calificada como comedia con imprecisiones históricas, es sin duda una de las
películas más famosas de Emilio Fernández. Es una adaptación de La doma de
la bravía,5 la mujer rebelde que es sometida por el hombre a quien ama. Esta
comedia permitió mostrar el paisaje y las bellezas arquitectónicas de Cholula
y Puebla, y la veta cómica de María Félix y Pedro Armendáriz. La música está
a cargo de Eduardo Hernández Moncada. Se incluyen canciones de Pedro
Galindo: La malagueña y La ingrata mujer, y Ave María de Franz Schubert.
Las tres canciones comentan el tema de la película: la mujer que se contempla,
se admira, se ama o se desprecia. Los fondos musicales parafrasean algunas
canciones populares de la época de la Revolución.
Acerca de música de la película se dice que:

parece un poco excesiva la introducción del Ave María de Schubert con


el pretexto de realzar las bellezas arquitectónicas – indiscutibles – de
aquella iglesia. Aspecto meramente documental en la peripecia dramá-
tica de Enamorada que no se justifica, pese a la calidad de la fotografía.
(CUSTODIO apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 95)

Disentimos de esta opinión, pues como se verá más adelante este momento
da un tono preciso a la cinta. Efraín Huerta hizo una crítica de la película en
forma de corrido titulado “Corrido de la Enamorada”.6 Otras críticas destacan
que “[...] se nota en Enamorada una gran desproporción entre las maravillas de
la fotografía y el fondo musical o entre la fotografía y el tema de la película”.
(MANCISIDOR apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 98)

5 La doma de la bravía  o  La doma de la furia  (en inglés,  The Taming of the Shrew), comedia de
William Shakespeare de 1560. También se alude a una historia semejante en El Conde Lucanor,
Ejemplo 35, de Don Juan Manuel, de 1335. La versión de Fernández combina algunos elemen-
tos de la trama de la comedia en un ambiente que alude a la Revolución sin precisar más su
contexto histórico.
6 “Voy a contarles, señores, / lo que en Cholula pasó, / cuando el general Juan Reyes / con sus
hombres la tomó / […] Una noche, José Juan serenata le llevó / Perdón pidió el general / un
perdón para su amor”. […] “Salió Beatriz a la calle / llorando de puro amor / Va siguiendo a José
Juan, / el dueño de su pasión / -Perdón, mi padre querido / Perdón les pido a los dos / Yo me
voy de soldadera / ¡Viva la Revolución”. (EFRAÍN HUERTA apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 96)

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 519


Refiriéndose a La malagueña interpretada por el Trío Calaveras se dijo:
“En el curso de un acompañamiento musical bastante poco notable, emerge
una serenata popular a tres voces que es sin duda uno de los más bellos cantos
de amor de la humanidad” (LO DUCA apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 99) para
referirse a la escena de la serenata en el balcón.
Los críticos notan la música como un elemento secundario que debe estar
supeditado a los eventos, pero no le confieren facultad de desarrollo indepen-
diente de la trama. Este es un problema muy acentuado en la crítica de cine de
esa época. Sostenemos que los elementos musicales conmueven al espectador y
enriquecen la anécdota adaptándola al contexto mexicano. La música funciona
como elemento de compasión, es decir, de pasión compartida entre lo que escu-
cha y emociona al espectador y lo que sucede en escena. Un ejemplo es el empleo
de la música en la secuencia en el portón, cuando el general José Juan va a casa
de Beatriz, la música marca los movimientos – mickeymousing – del sacerdote
Sierra, del padre don Carlos Peñafiel y de Beatriz cuando se levantan de sus
asientos en la sala. También subraya las chanzas de los actores, como en el slaps-
tick que adopta la cinta en esa secuencia y subraya la comicidad de la situación.
Encontramos dos números musicales claramente integrados al argumento:
Ave María de Franz Schubert, cantada en la secuencia en el templo por Fernando
Fernández acompañado por el Coro Infantil de la Catedral de Morelia, y La mala-
gueña de Pedro Galindo, interpretada por el Trío Calaveras, en la serenata a Beatriz.
Tenemos así una secuencia de temas musicales para conmover al espec-
tador. El canto Ave María ilustra el carácter noble del fiero General Juan José
Reyes. Cuando éste llega al atrio de San Francisco Acatepec, en Cholula,7 veri-
fica que nadie lo vea entrar al templo. Un corte directo nos lleva al plano con-
junto de los niños cantores y el padre Sierra. En contrapicado se revela el prodi-
gioso techo cubierto de querubines que repiten en sus rostros los de los niños
como rima visual. La mirada del General descubre en planos subjetivos la rica
decoración del recinto. Así se recorre la capilla, y al llegar al altar el general gira
la vista al origen de la voz cantante, el padre Sierra, quien a su vez levanta la
vista al cielo, al fuera de cuadro. Se hace así un doble ascenso de miradas y se
han introducido visualmente el tema religioso visual – el riquísimo interior del

7 El interior del templo que se ve en la cinta es la Capilla de la Virgen del Rosario. Es la capilla
anexa al Templo de Santo Domingo en la ciudad de Puebla, México.

520 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


templo – y sonoro, pues hemos escuchado completa la pieza de Schubert (3
min. 9 seg.). Esta música diegética arropa la secuencia en un ambiente de con-
templación de una figura femenina. Se presenta también la confrontación de
discursos – el religioso y el pragmático –, dado por el espacio sacro hasta donde
llega el General para preguntar sobre “una muchacha”, haciendo que lo carnal
irrumpa en el espacio de lo espiritual, mientras al fondo seguimos escuchamos
a los niños-ángeles cantar en latín. Al oír la palabra “muchacha”, el cura decide
llevar la conversación a otra parte. Salen hacia la sacristía, donde el general reco-
noce en un cuadro – la Adoración de los Reyes de Nicolás Rodríguez Juárez,
hecho en 1698 –8 las virtudes que los hombres actuales han olvidado. Luego,
él describe a su mujer admirada con tal vehemencia que el padre lo increpa. La
discusión enlaza la honorabilidad de una figura femenina (la Virgen) aludida en
Ave María, adorada por el sacerdote, enfrentada con el deseo del General de
tener a esa mujer de carne y hueso (Beatriz) a como dé lugar.
En una compresión temporal se muestra el repetido rechazo de Beatriz al
galanteo del general Reyes. Sus paseos frente al elevado balcón siempre cerrado,
y su encuentro y su pelea en el atrio de la iglesia (San Francisco Acatepec), donde
la insulta y golpea para defender el buen nombre de sus soldaderas, desembocan
en el coronel destemplado, bebiendo en la cantina mientras se oye una pianola
de fondo: La Adelita primero y luego La rielera, canciones que remiten al con-
texto “revolucionario” en que se ambienta esta historia de amor, y repiten el
asunto de las mujeres de su tropa que él “defendió” del insulto de Beatriz con
otra ofensa. Con esas tonadas, que cantan a las mujeres valientes y rebeldes –
“adelitas” o “rieleras” y Beatriz – se unen los eventos que acabamos de ver: el
enfrentamiento y el arrepentimiento del agresor. Hacen el fondo sonoro para
la conversación entre el hombre viejo, don Joaquín, y el joven, el general Reyes,
unidos por el asunto del amor de una mujer que no se deja “domar”. El consejo
surte efecto y el general hace las paces con el padre Sierra en el interior de la
iglesia, mientras un puente sonoro nos remite al tema del Ave María. Luego
aparecen en plano general el militar y un trío que rasga sus guitarras. Corte al

8 La pintura de Nicolás Rodríguez Juárez hecho en 1698, que vemos en la película es de utiliería y
fue pintado para la escena; alude a esa familia de pintores novohispanos y sus temas; por ejem-
plo la Adoración de los Reyes de José Juárez, óleo sobre tela, de 1655, depositado en el Museo
Nacional de Arte de la ciudad de México. (NELLY, 2002)

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 521


rostro de Beatriz, que duerme. En picado al pie del balcón de Beatriz, el general
mira hacia arriba y explica:

Vengo a pedirle perdón, Beatriz, pero quizá usted no me quiera escuchar.


Yo le pido perdón y se lo pediré siempre sin esperar que me lo conceda.
Tal vez mis palabras se pierdan antes de llegar a sus oídos, porque tienen
que subir muy alto y su balcón está siempre cerrado. Por eso, otras voces
tendrán que decirle lo que yo le diga.

Este último parlamento se encabalga con las voces del Trio Calavera que
canta la primera parte de la canción: “Qué bonitos ojos tienes, debajo de esas
dos cejas”. Y un corte nos revela el más famoso close up de la película y del cine
mexicano: los ojos de María Félix que se abren para mirar hacia arriba a la dere-
cha, para preguntarse qué oyen, luego giran hacia la ventana como dándose
cuenta y ascienden hacia la izquierda para disfrutar la música. Corte y un plano
conjunto contrapicado regresa al trío. Y cuando éste dice: “Malagueña salerosa”
aparece a cuadro el general mirando hacia arriba, afuera al pie del balcón. Luego
vemos a Beatriz mirando hacia abajo, desde dentro protegida por los postigos
de la ventana. La música diegética es un puente que une los espacios físicos en
un planteamiento musical de la primera parte de la canción de los confusos
sentimientos del deseo, el arrepentimiento, el enojo y la seducción, al unísono
con el personaje de la copla, esa Malagueña que es Beatriz, cuyos ojos son domi-
nados por el carácter: ojos que quieren ver, pero cuyo carácter recio no los deja
“ni siquiera parpadear”.
La voz del trío es la voz del general enamorado que “dice” a través de los
versos de la copla su súplica. Por eso, los planos medios y cerrados del trío
multiplican el perdón masculino, cantando un falsete – que es un contrapunto
agudo a la voz viril grave – que mueven a la compasión. La segunda parte de la
canción la marcan los estribillos de la guitarra cuando no se canta, que sirven
para que Beatriz recorra su recámara y descubra al general, cabizbajo, al pie de
su balcón, derrotado y conquistado por su desdén. Él es el enamorado. En la
tercera parte de la canción ella escucha los versos cantados al pie del poste del
dosel de su cama, y vemos en sus ojos que los valora y que está siendo acon-
sejada por la canción: “Si por pobre me desprecias, yo te concedo razón” y ve
la fotografía de su prometido, el rico Señor Roberts, mientras abajo los cuatro

522 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


hombres – tres que cantan y uno que se asume como el yo lírico de esos versos
– parecen ofrecer el corazón a cambio de sus pobrezas. Esta es la función de
la música en esta secuencia: ser un resonador del corazón, fungir como anima-
ción de lo que no tiene voz, lograr así la compasión al espectador.
Ahora, intrigada por lo que oye, Beatriz espía al general allá abajo y lo
ve retirarse. Regresa al pie de la cama y escucha, más con los ojos que con el
entendimiento, la última frase de la canción: “Eres linda y hechicera como el
candor de una rosa”. Baja la mirada como conquistada o enterada de algo que
no sabía, ahora ella es la enamorada.
Si la letra de una canción repite el argumento de la secuencia y alude al
filme completo, se convierte así en el tema y en el rema (comentario) entre
el amor y el carácter de los personajes y enfatiza por el emplazamiento físico
que ella está en la posición de poder (arriba) y él que espera impotente (abajo).
Es música que interviene en la historia. La historia está en suspenso y sólo se
pone en marcha dentro de la letra de la canción, que no revela el desenlace. En
la siguiente secuencia, Beatriz reza ante el altar de la Virgen del Rosario y escu-
chamos el sonido diegético de las espuelas del general antes de verlo. El sonido
la previene, pero él está ya frente a ella y se arrodilla. Una guitarra acompaña al
fondo el largo discurso de amor sin derechos ni esperanzas, en que José Juan
jurará quererla y venerarla como a la Virgen del altar. Así se han unido los dos
planteamientos anteriores de la admiración, en la que parece haber sucumbido
lo carnal y ganado lo ideal. La música le ha comunicado a ella la pasión de él.
Ella, muda, escucha al general y luego sale para concluir esta sublimación de un
juramento matrimonial cuasi religioso sin carnalidad posible. Luego él camina
por el campamento y se escuchan los primeros versos de la canción “Ya lo paga-
rás con Dios”,9 que dicen: “Sufro terrible la ausencia / por una ingrata mujer /
que me abandonó”. Así la copla continua la historia de general y Beatriz, ahora
en el momento de la cuita de amor. Hay un abrupto cambio de tono en el con-
tenido de las letras con las que se alude a la mujer que pasa de amada a ingrata.

9 “Ya lo pagarás con Dios” es un tema de Severiano Briseño Chávez. La letra dice: “Sufro terri-
ble la ausencia / Por una ingrata mujer que me abandonó / Al cielo pido clemencia / que me
haga olvidar las penas que paso yo / Qué sentimiento tan grande / Cuando me paso las horas
velando por ti / Quiero hacer por olvidarte / Pero más y más me siento juntito a ti / Quiero no
verte ni volver a hablarte / Jamás en la vida ingrata mujer / Ya lo pagarás con Dios. Disponible
en: <https://es.wikipedia.org/wiki/Severiano_Brise%C3%B1o>.

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 523


Las últimas secuencias de la cinta están acompañadas por una marcha
militar, de retirada. Aparecen las tropas de salida en grandes sombras que los
agrandan. Beatriz se despide de su padre y va al encuentro de su amado. Ambos
avanzan: él a caballo, ella detrás a pie. Ambos respaldados por los volcanes al
sonoro y marcial toque de trompetas y clarines, en alusión a la conquista amo-
rosa, que es una forma de guerra de la que ahora somos cómplices y partícipes
a través de nuestra compasión con sus personajes.

La malquerida (1949) y la empatía

Alguna vez se dijo de la música de Pueblerina (1949) que era “de primer orden
porque prepara el ánimo para sentir la belleza plástica y lo abre a la emoción
del idilio y la tragedia”. (DUENDE FILMO apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 142)
Así también funciona la música en La malquerida (1949) – una libérrima adap-
tación de la obra teatral de don Jacinto Benavente escrita en 1913 –, que trasla-
da la tragedia épica de los solares castellanos a los llanos del Estado de México
y Tlaxcala. Para apropiarse de esta historia, Fernández empleó la fotografía de
Gabriel Figueroa como una magnificación de la condición humana de los aman-
tes malhadados que aparecen engrandecidos por primeros planos frecuentes y
ángulos picados que los alargan como esbeltas columnas que sostienen un cielo
cargado de desgracias, siempre a punto de soltar su tormenta sobre ellos.10
Si el triángulo es la forma más resistente en una estructura, en el melo-
drama resulta la más interesante. Cada vez que hay un giro, los otros dos ángu-
los parecen separarse. El amor entre hija y padrastro arrastra la conciencia de
todos a su alrededor. La Hacienda El Soto está retratada para enfatizar la tie-
rra que sujeta el pasado y el honor. Por eso Acacia recorre la acequia antes de
encontrarse con su salvador, Faustino, quien será asesinado por su padrastro
en el escampado. El plano general nos permite ver la escena de lejos, con el
polvo y el terreno como cómplices. El Rubio, fiel capataz, sacará a Faustino de

10 El reparto fue: Pedro Armendáriz como Esteban; Dolores del Río como Raimunda; Columba
Domínguez como Acacia, y Roberto Cañedo como Faustino, acompañados por Julio Villarreal
como don Eusebio; Gilberto González como Rubio; Mimí Derba como la madre Doña
Mercedes, y Enriqueta Reza como Juliana.

524 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


los terrenos del Soto. De la tierra nace la desgracia.11 Por eso estos personajes
surgen de ella malhadados.
La música fluye y va dando los colores emocionales que parecen estar
ausentes de los rostros de los actores. Y en la película se destaca sobre todo
la emoción contenida, hierática, de los protagonistas, que sólo se suelta en
ocasiones: en forma de llanto, de odio, de dolor. Varias críticas vieron debajo
de esta apariencia trágica un melodrama pleno. Y en efecto, esta película es un
drama apoyado en la melodía.
La música compuesta por Antonio Díaz Conde ha sido calificada de “magnífi-
camente descriptiva. Un acierto es el canto de la copla de la del Soto, con música de
‘El Venadito’”. (PERUCHO apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 154) El fondo musical
que acompaña los créditos va soltando frases que serán repetidas y ampliadas en
las escenas importantes. En la cinta hay un excelente mezcla de acordes y sonidos
diegéticos: las espuelas contra la piedra, las coces, relinchos de los caballos arria-
dos a su corral. El tema es machista y debe acercarse al espectador remarcando
la “injusticia” del amor que nadie controla. El amor es el villano de la cinta. Por
eso, la música balancea el triángulo pasional (madre / esposo-padrastro / hija).
La empatía del espectador se carga hacia la figura materna. Ésta es la mexicaniza-
ción del asunto original de Jacinto Benavente. El énfasis en lo maternal descansa
en la musicalización exacerbada de las intervenciones clave de la madre en la his-
toria: confesar su amor por su marido, defenderlo y sufrir el abandono.
Raimunda le dice a su fiel criada Juliana, quien quiere irse de esa casa: “Los
árboles y las piedras nunca se van de donde están aunque los azote el viento; y
tú eres mucho más que un árbol o una piedra de El Soto”. Mientras lo dice se
escuchan cuerdas suaves, melancólicas, que son el contrapunto de esta terrible
premonición: las mujeres se quedarán ahí como las piedras o los árboles, a
pesar de los embates que vienen en la historia. La música acentúa la premoni-
ción de la palabra. El personaje de la malquerida, Acacia, tiene un tema musical
de tonos graves, que aparece y se oculta entre las pausas del diálogo con su
madre suplicante. La música enfatiza el ruego de la confesión de la madre ena-
morada de su marido, y desarrolla el dolor (el amor imposible) de la hija con

11 Cuando Faustino y su padre van a pedir la mano de Acacia, Raimunda apunta que el verdadero
interés de esa unión no es el amor, sino las tierras de El Soto, cosa que Don Eusebio considera
lo “más natural”. Faustino es engañado por Acacia, quien le hacer creer que lo quiere, y eso le
causará la muerte.

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 525


un crescendo y percusiones que imitan el latido del joven corazón desbocado,
que corre como ella. Una marcha triunfal cuenta el azoro y la dignidad de la
madre cuando camina hacia la alcoba atravesando la sala, asciende una seño-
rial escalera, recorre un largo pasillo.12 La melodía expresa los sentimientos
complicados de la madre y cesa cuando se impone la confesión de Acacia con
respecto del hombre cuyos afectos comparten: “Lo odio con todas las fuerzas
de mi corazón, con toda mi vida y con toda mi sangre”. Su voz resuena en el
silencio con el que termina la escena.
La música es parte del diálogo y del desarrollo de acciones y emociones del
filme. Dispone al espectador para cierto estado de ánimo. La música esboza la
atmósfera ominosa de todo el filme. En contraste con los soleados escenarios,
repinta las sombras de esta pasión y se vuelve la banda sonora en una tensión
suspensiva en la que la música y la muerte – de un inocente, Faustino, y la del
culpable, Esteban – parecen negociar el equilibrio del mundo relatado.
Hemos dicho que los desplazamientos narran musicalmente las emociones
del personaje. Esta música incidental de Díaz Conde reitera los hechos que
estamos viendo y los subraya dramáticamente. Por ejemplo, cuando Raimunda,
luego de ser expulsada del velorio de Faustino, se traslada al templo, escucha-
mos el tema musical del dolor: una orquestación de cuerdas, alientos y cam-
panas que anuncian su destino. Ella baja, entra y recorre la nave del Santuario
de Nuestra Señora de Ocotlán. La cámara no la sigue cuando se aleja. Se achica
así su figura enlutada, y la música llora. En medio de estos desarrollos musi-
cales está una revelación de su sobrino Norberto. Al pie del altar Raimunda,
engrandecida por un contrapicado, se niega a oír lo que su sobrino, de rodillas,
le grita: “No fui yo, tía, quien mató a Faustino. Fue Esteban el causante de
esta desgracia”. La música de la terrible verdad del clímax argumental va cres-
cendo, y acompaña de nuevo el desplazamiento del personaje. Ahora de salida
del templo, la figura va creciendo desde el fondo del plano, y conforme se
acerca a la cámara, la efigie se va haciendo más monumental, más trágica. Sale
del templo y sube al carruaje. Corte directo a la cantina. Ella escucha de lejos
los acordes de “El corrido de la Malquerida”, que cuenta “lo que en el Soto

12 La escenografía es de Manuel Fontanals, quien concibió espléndidos espacios sobrios, cuadros


de ancestros y recios muebles de esta aristocracia campirana. Se emplean los exteriores de
un cortijo en el Estado de México, y el atrio y la nave central del templo de Nuestra Señora de
Ocotlán en Tlaxcala, entre otros.

526 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


pasa”. El cochero le dice: “Sabe usted, mi ama, quién es el que canta. Es el
Rubio”. Primero la voz de Norberto, luego la vox populi, le repiten lo que todos,
menos ella, ya sabían: su hija es la malquerida y ella la engañada. El viento de
la desgracia bate su velo negro y regresa a “El Soto”, mientras escuchamos y
vemos al Rubio cantar la historia. El corrido, género popular mexicano, fija en
la memoria la historia de este amor. Al final, una marcha fúnebre acompaña el
contrapicado de Raimunda al lado de Esteban yaciente. Con este fondo sonoro
ominoso, ella pide que lo lleven dentro de la casa principal para velarlo como
“el amo de El Soto”. La Hacienda, el llano, es el escenario de este melodrama
épico, señorial, de figuras y música grandilocuente.

Víctimas del pecado (1950) y el éxtasis

Los personajes del este peculiar cine negro son sobrevivientes con las horas
contadas. Son víctimas de algo mayor, el deseo. Su expresión es el éxtasis re-
presentado en la explosiva música tropical del cabaret, espacio que hace espec-
táculo del cuerpo y sus pasiones. En la cinta hay varios números musicales que
son naturales a la historia, diegéticos, propios del espacio de la anécdota que se
desarrolla entre los cabarets Changoo y La Máquina Loca. En las sórdidas calles
aledañas a la estación de trenes Buenavista descubrimos un excéntrico perso-
naje que se hace acompañar por un Mariachi completo que ameniza su paso.
La música alegre es el contrapunto de su vida ensombrecida por la soledad.
La vecindad y el cabaret como senos de lo humano son presentados como
los márgenes más auténticos de una ciudad populosa, empobrecida y opulenta,
fecunda y cruel, que es el escenario de la desgracia. Así, la ciudad nocturna
tiene su música alegre, despechada, trágica o sufrida. Es música para juntar
los cuerpos, bailar danzón o percusiones que aluden a la pasión casi animal,
expresada en los contoneos de músicos y bailarines.
Aquí la música es la representación sonora del fatalismo que eleva la figura
del pecador como víctima de su entorno, sin salida ni redención, para hacer
más larga su caída. En esta cinta (melodrama), la música es un personaje más en
la historia. Es una película de género musical integrado (COHAN, 2001, p. 9),
en el sentido de que la trama se emplaza en un ambiente del entretenimiento,
el cabaret y la cantina. En la primera escena la gente entra al cabaret Changoo.

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 527


Suena un danzón. Rodolfo (Acosta) se prepara para salir, y Rita (Montaner)
canta Changoo, y mete así el espacio del drama en la música. Violeta (Ninón
Sevilla) baila y Pérez Prado dirige la orquesta. El ambiente contrasta el baile con
la miseria humana. Pedro Vargas canta, hierático, Pecadora13 de Agustín Lara
y repite la desgracia de Rosa, la mala madre que abandonó a su hijo. Éste fue
recuperado por Violeta, quien ahora dividirá su vida en una dicotomía común
en las historias de Emilio Fernández: la bailarina/sensual es también madre/
sufrida. Estos contrastes se amenizan con danzones y bailes orquestados para
exhibir la sensualidad y la alegría como máscara de la desgracia. Es el caso
cuando Violeta canta y baila Cocaleca, que pone el acento en lo exótico. Luego
Rita (Montaner) interpreta Ay José en tono de comedia y una riña en el antro es
musicalizada por la orquesta con tonos de slapstick.
La música que apoya la historia marca la salida de Rodolfo de la cárcel
como una advertencia del mal por venir. Como cuando Violeta, envuelta en un
maternal rebozo, cruza el Puente de Nonoalco entre los sonidos diegéticos de
la ciudad (bocinas de autos, autobuses, una locomotora y su silbato), que sub-
rayan como descenso moral ese trayecto del personaje que camina con el niño
en brazos rumbo a su desgracia. Un danzón la recibe en La Máquina Loca, su
nuevo cabaret. A los pocos minutos de haber llegado, Violeta baila al ritmo de
las percusiones. La música, que no parece redimirlos, al menos alegra los esca-
sos momentos de felicidad de estas víctimas del pecado, enmarca su desgracia
para acercarlas al espectador, para conmoverlo. Como en la secuencia en que
Violeta friega el piso del reclusorio, y unos lamentos de los violines agrandan su
infortunio, como lo hace la música con la vida callejera de Juanito, con su hijo
convertido en vendedor de periódicos. La música puede provocar la empatía
con los personajes cuyas emociones expuestas suenan también en los tonos de
las melodías que acompañan estos dramas humanos.

En conclusión

Hemos visto cómo la música acompaña el desenvolvimiento de la anécdota


e ilumina el paisaje para dejarlos ver en ellos la expresión del destierro (Las

13 “Pecadora” es un bolero, con letra y música de Agustín Lara, grabado por Pedro Vargas 1947.

528 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


abandonadas). También hemos visto cómo la música suple los pensamientos
del protagonista y expone sus más empozados amores (Enamorada). También
la música sostiene el ambiente del melodrama (La malquerida) y apunta a la
desgracia y las efímeras alegrías del cabaret como destino (Víctimas del pecado).
En las cintas estudiadas de Emilio Fernández la música colabora con las
esquematizaciones de los personajes de sus argumentos, muchas veces dema-
siado simples y predecibles, en los que se repiten fórmulas que acomodan sin
complicaciones sus cuestionamientos sobre el amor, la justicia y la lealtad.
La música en las cintas estudiadas acompasa la historia de ficción con el
mundo real del espectador de la época y para el contemporáneo. La música de
estas películas es una muestra de la riqueza de canciones, letras y asuntos con
los que se puede retratar la condición humana.
La música de estos ejemplos del cine mexicano clásico es una expresión de
la emoción, pero no sólo como apoyo de la imagen, sino como una manera de
marcar las intenciones de la historia contada por las imágenes. La música es la
extensión de la historia hacia la memoria cultural y sentimental del espectador,
pues permite extender la historia más allá de la pantalla, hacia la memoria y la
imaginación, hacia la historia personal en la que el cine nos educa las emociones.

Referencias

CARPENTIER, A. Ese músico que llevo dentro. Madrid: Alianza Editorial, 1987.
(El Libro de Bolsillo, n. 1245).
COHAN, S. (Ed.). Hollywood musicals, the film reader. Florence: Routledge, 2001.
(In Focus).
COLÓN PERALES, C.; DEL ROSAL, F. I.; LOMBARDO ORTEGA, M. Historia y
teoría de la música en el cine: presencias afectivas. Sevilla: Alfar, 1997.
CHION, M. El cine y sus oficios. 4. ed. Madrid: Cátedra, 2009. (Signo e imagen, 27).
DÍAZ, J. L. Música, lenguaje y emoción: una aproximación cerebral. Salud Mental,
México, v. 33, n. 6, nov./dic. 2010. Disponible en: <http://www.scielo.org.mx/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0185-33252010000600009>. Acceso en: 10 enero 2016.
LA MALQUERIDA. Direccíon: Emilio Fernández. Productores: Francisco de P.
Cabrera y Felipe Subervielle. México: Cabrera films, 1949. 90 min.

Momentos musicales en el cine de Emilio el Indio Fernández 529


LAS ABANDONADAS. Direccíon: Emilio Fernández. Productor: Felipe Subervielle.
México: Film Mundiales, 1945. 103 min.
ENAMORADA. Direccíon: Emilio Fernández. Productor: Benito Alazraki. México:
Panamericana Films S. A., 1946. 99 min.
VÍCTIMAS DEL PECADO. Direccíon: Emilio Fernández. Productores: Guillermo
Calderón y Pedro Arturo Calderón. México: Producciones Calderón, 1951. 90 min.
GARCÍA RIERA, E: Emilio Fernández (1904-1986). México: Universidad de
Guadalajara (Centro de Investigaciones y Enseñanza Cinematográfica), 1987.
HERLINGHAUS, H. (Ed.). Narraciones anacrónicas de la modernidad: Melodrama e
intermedialidad en América Latina. Santiago de Chile: Cuarto Propio, 2002.
MARTIN-JONES, D. Deleuze and World Cinema. London: New Yok: Continuum
International Publishing Group, 2011.
OLARTE MARTÍNEZ, M. M. ¿Existe una frontera en la música aplicada a la imagen
como elemento expresivo y estructural? In: LOLO, B. (Ed.). Campos interdisciplinares
de la Musicología: actas del V Congreso de la Sociedad Española de la Musicología.
Madrid: Sociedad Española de Musicología, 2002a. v. 1, p. 745-760.
OLARTE MARTÍNEZ, M. M. La música incidental en el cine y en el teatro. In:
BANÚS, E. (Ed.). El legado musical del s. XX. Pamplona: Eunsa, 2002b. p. 151-179.
SIGAUT, N. José Juárez: recursos y discursos del arte de pintar. Ciudad de México:
Patronato del Museo Nacional de Arte, A. C. México, 2002.
XALABARDER, C. Música del cine: una ilusión óptica: método de análisis y creación
de bandas sonoras. Madrid: LibrosEnRed, 2006. (Colección Música).
YACAVONE, D. Film worlds: a philosophical aesthetics of cinema. New York:
Columbia University Press, 2015.

530 ROBERTO DOMÍNGUEZ CÁCERES


PARTE 4
ESTUDIOS DE CASO: SIGLO XXI
O documentário biográfico
e a escrita da história
análise da narrativa de Fabricando Tom Zé

MÁRCIA CARVALHO

Introdução

No Brasil, o documentário musical sobre personagens da história da Música


Popular Brasileira (MPB) é uma produção recorrente em várias mídias, consti-
tuindo um amplo panorama de produção biográfica que pode instigar diferen-
tes análises na busca por um melhor entendimento a respeito das possibilidades
narrativas do documentário sobre personagens da história da música. Torna-se
relevante, portanto, investigar estruturas narrativas e seus modos de produção,
verificando o uso da técnica da entrevista, as articulações entre vida e obra e as
performances musicais que ilustram a importância cultural do biografado.1

1 Este texto apresenta um trecho de minha pesquisa de doutoramento desenvolvida no


Programa de Meios e Processos Audiovisuais, sob supervisão do professor doutor Eduardo
Morettin, na Universidade de São Paulo. (CARVALHO, 2015b)
Nesse sentido, a escolha dos protagonistas para as biografias dá-se pela elei-
ção de expoentes culturais de uma época que são legitimados pelas entrevistas e
pelo material de arquivo resgatado e editado, fixando a ideia de que os persona-
gens retratados transcenderam o âmbito comercial da música, convertendo-se
em expoentes simbólicos da cultura brasileira a partir da história da música popu-
lar. Além disso, uma biografia não é apenas uma narrativa da vida do biografado,
é também uma narrativa da relação entre o biógrafo e o biografado. E para que ela
possa acontecer, é preciso que haja liberdade para a produção do documentário
biográfico, dado que a biografia não é gênero factual, e sim um gênero impuro,
que tem sua parte de criatividade na produção da narrativa audiovisual.
Essa prática não é exclusiva dos documentários biográficos sobre persona-
gens da MPB, mas evidencia um método de representação da história da música
popular brasileira que investiga documentos e fontes, trabalho que não é exclu-
sivo do historiador e que, para o documentarista e o espectador, se revela fun-
damental para a interrogação sobre a história hegemônica da cultura brasileira,
aberta à dialética da memória, às relações com as tendências da arte e vulnerável
a diferentes abordagens temáticas e eleições de personagens e fontes.
Com essa reflexão em perspectiva, este texto analisa o documentário
Fabricando Tom Zé (2007), dirigido por Décio Matos Júnior, investigando o
seu método de tratamento de enfoque do tropicalista Tom Zé como persona-
gem, a partir do registro da turnê do músico pela Europa em 2005. Nessa via-
gem, o diretor registra vários depoimentos do músico ao narrar a sua trajetória
como compositor. Além do passado revelado pela memória e relato de Tom
Zé, o filme registra o músico em aeroportos, trens e hotéis, como também em
ensaios e performances musicais.

Documentário e narrativa biográfica 2

Nos últimos anos, dezenas de documentários brasileiros optaram por repre-


sentar os músicos na tela. Conforme já apontei no livro Documentário e modos
de produção (2015a), são compositores, intérpretes e bandas dos mais variados
estilos musicais e épocas atravessando a historiografia da canção popular, da

2 Parte deste texto sobre o documentário biográfico já foi publicado no livro Documentário e
modos de produção. (CARVALHO, 2015a)

534 MÁRCIA CARVALHO


música independente e da música erudita em suas várias vertentes da produção
cultural brasileira. Entre os exemplos, há produções expositivas convencionais,
calcadas na pesquisa de arquivo e na entrevista, como em Simonal – Ninguém
sabe o duro que dei (2008), de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal;
ou nas biografias bem comportadas sobre os mais importantes personagens da
história do rock brasileiro: Lóki: Arnaldo Baptista (2009), produzido pelo Canal
Brasil, com direção de Paulo Henrique Fontenelle, e Raul – O início, o fim e
o meio (2011), de Walter Carvalho, Leonardo Gudel e Evaldo Mocarzel; até os
exemplos mais inventivos em seus modos de produção, como Olho nu (2012),
biografia poética sobre Ney Matogrosso, dirigida por Joel Pizzini, e A músi-
ca segundo Tom Jobim (2011), dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Dora
Jobim, documentário de montagem que se constrói pela colagem de perfor-
mances musicais, quando, por meio de várias versões e regravações de canções,
identifica-se o sucesso internacional e a dimensão de como a música de Tom
Jobim se espalhou pelo mundo ao longo de sua trajetória de vida.
Para Arnaldo Momigliano (1993), a biografia nasce no século V antes de
Cristo, embora não se tenha evidências seguras para informar se não foi praticada
antes, em vista da falta de documentos. A biografia surge inscrita em pinturas de
vasos, em tragédias, comédias e dramas, como nos relatos de viagens, que esbo-
çavam fragmentos biográficos. Ainda segundo o autor, a principal função das
biografias na Antiguidade era a de construir modelos de conduta, códigos morais
para serem seguidos, além de propiciarem a elaboração de uma memória, em
geral, exemplar para a posteridade. Já para François Dosse (2009, p. 123-151), o
surgimento do gênero não é tão importante, mas sim sua difusão pelo Ocidente
junto à noção de indivíduo. Assim, os dois autores apontam, historicamente, as
características que aproximam e distanciam história e biografia.
Sobre o biografismo no Brasil, o pesquisador Wilton Carlos Lima da Silva
(2009, p. 153-154) afirma que:

A produção bibliográfica do biografismo brasileiro tradicionalmente


vincula-se a uma humanização da história e a criação de uma pedagogia
moral e cívica, com um volume relativamente tímido – quando compara-
do com outros biografismos nacionais – de obras que a partir de metodo-
logias e enfoques semelhantes na produção historiográfica, no romance
histórico, nas memórias pessoais, na literatura escolar e nas biografias no
sentido estreito do termo. Mas a reconstrução de uma trajetória individu-

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 535


al (quer de outro ou própria) significa também a percepção de uma rede
de relações a partir da idéia de individualidade, com diferentes tempora-
lidades (o ontem e o hoje), vínculos e pertencimentos que dizem respeito
tanto sobre quem se escreve, quem escreve e para quem se escreve.

No entanto, para o pesquisador José Geraldo Vinci de Moraes (2000), a


biografia de personagens da história da música, apesar de sua falta de método
e pesquisa histórica evidente, tornou-se fundamental para a escrita da própria
história da música popular brasileira. Em suas palavras:

A produção historiográfica da música popular urbana moderna acompa-


nhou, em um movimento de mimetização, a tendência predominante das
biografias e a descritiva de gêneros existentes nas interpretações da ‘boa
música’. No entanto, os problemas e distorções existentes nessa área fo-
ram aprofundados pelo fato de os pesquisadores realizarem suas obras
sem clareza metodológica, de modo amadorístico e precário, e muitas ve-
zes sem apoios institucionais e financeiros. (MORAES, 2000, p. 207-208)

Segundo Benito Schmidt (1997, p. 3), com base no catálogo de publi-


cações brasileiras, em 1994, o gênero biográfico havia tido um crescimento
de 55% em relação ao período de 1987, alcançando “[...] as vendagens dos
manuais de autoajuda e dos livros escritos por magos, anjos e esotéricos em
geral”, e, desde os anos 1990, o gênero biográfico não deixou de ter destaque
no mercado editorial brasileiro.
As biografias audiovisuais nascem, muitas vezes, a partir desse percurso
editorial e também se tornaram essenciais para várias mídias. Assim, no cinema
e na televisão, o documentário biográfico sobre personagens da MPB garantiu
seu espaço e público, evidenciando uma forma discursiva de valoração, apon-
tando aqueles que devem ser memoráveis na história da música brasileira.
Segundo Huyssen (2000), no trabalho em que aponta para o nascimento
de uma cultura da memória e sua expansão global, o “boom da memória” teria
trazido consigo também uma espécie de “comercialização em massa da nostal-
gia”, sendo um de seus resultados o crescimento das biografias.
Para Michael Pollak (1989), a memória é formada por lembranças e esqueci-
mentos. Segundo o autor, as “memórias subterrâneas” se colocam em oposição
a uma “memória oficial”. Assim, certas lembranças são transmitidas de geração a

536 MÁRCIA CARVALHO


geração pela oralidade, longe de serem esquecidas, e se constituem como resis-
tência aos discursos oficiais. Ainda segundo o autor, a memória coletiva, dife-
rente das subterrâneas, não pode ser construída arbitrariamente, ou seja, precisa
ser “enquadrada”, deve “satisfizer a certas exigências de justificação”. Isso gera um
reenquadramento constante frente às demandas do presente. Em suas palavras:

O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material for-


necido pela história. Esse material pode sem dúvida ser interpretado e
combinado a um sem-número de referências associadas; guiado pela
preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de
modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em
função dos combates do presente e do futuro. (POLLAK, 1989, p. [8])

A intenção de construção de um discurso próximo da verdade é uma das


marcas da produção de um documentário. Esse discurso também é primordial
para a elaboração de biografias. As duas práticas definem-se pela interpretação
dos fatos, que se tornam narrativas. Como se sabe, os vários aspectos de uma
vida não cabem numa narrativa linear. Nesse sentido, as narrativas biográficas
são repletas de possibilidades e escolhas de abordagem e estilo.
Também, o documentário é resultado de um processo criativo do diretor,
é desenhado por várias etapas de pesquisa, seleção, comandadas por escolhas,
recortes, variadas fontes e pensamentos, marcados pela apropriação subjetiva
do real feita pelo realizador audiovisual. Como já escreveu Ismail Xavier:

No documentário contemporâneo, temos visto uma variedade de cami-


nhos na construção do ‘personagem’ [...] Dependendo do método e dos
materiais mobilizados pelo cineasta, nem tudo o que se mostra de uma
personagem se reduz a entrevistas. Estas são formas particulares do sujei-
to entrar em cena, compor sua imagem, atuar; mas ele pode também ser
filmado “em ação”, em pleno exercício de uma atividade que o caracteriza
na sociedade ou fazendo outra coisa qualquer. Pode também ser objeto
de outros relatos, quando nos é dada uma imagem indireta, mediada por
outros discursos. (MIGLIORIN, 2010, p. 65-66)

Assim, fica evidente a importância do debate sobre a construção de sen-


tido na narrativa biográfica de documentários. Ao combinar imagens, entre-
vistas, depoimentos, trilhas e materiais de arquivo, cria-se um encadeamento

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 537


de argumentos dentro de um fluxo temporal, “enquadrando” uma abordagem
sobre um personagem biografado, muitas vezes, sustentada pelos documen-
tos do material de arquivo, pela apropriação de imagens e registros sonoros já
existentes e com a edição de diferentes discursos com o uso da entrevista, o
que resulta numa leitura da história individual e coletiva.
Desenvolver uma reflexão crítica sobre o documentário biográfico, por-
tanto, é entender que o filme não se trata de uma prova ou documento do
real, mas sim uma representação de uma história de vida. O que se coloca em
questão é o trabalho do documentarista diante de seus modos de produção,
intenção e estilo na construção de um ponto de vista sobre o biografado.
Também, a biografia desfaz a falsa oposição entre indivíduo e sociedade,
pois o indivíduo não existe só, convergindo em sua vida fatos e forças sociais,
bem como o contexto social converge nas ideias, representações e imaginário
do indivíduo. (DEL PRIORE, 2009, p. 10)
Todos esses questionamentos denunciam que o biógrafo oferece uma visão
de mundo tributária a sua percepção e leitura, tal como já discutiu François
Dosse (2009, p. 410):

À maneira do discurso do historiador que se apresenta, no dizer de


Roland Barthes, como um ‘efeito do real’, o gênero biográfico traz em
si a ambição de criar um ‘efeito do vivido’. Daí a importância da retórica,
do modo de narração escolhido para conseguir restituir carne e forma a
figuras desaparecidas. Mas em sua era hermenêutica o biógrafo já não tem
a ilusão de fazer falar a realidade e de saturar com ela o sentido. Ele sabe
que o enigma biográfico sobrevive à escrita biográfica. A porta permanece
escancarada para sempre, oferecida a todos em revisitações sempre possí-
veis das efrações individuais e de seus traços do tempo.

De fato, a construção de uma biografia exige o diálogo com as diferen-


tes formas de controle simbólico do tempo, da memória e da individualiza-
ção nas sociedades humanas, na busca de traduzir uma experiência de vida e
com suas relações com a cultura. Dessa maneira, as narrativas biográficas dos
documentários precisam também analisar o contexto histórico da sociedade,
permitindo, assim, melhor compreender a realidade a partir de seus protago-
nistas, colocando a prática de produção do documentário biográfico como um
instigante material de fonte histórica.

538 MÁRCIA CARVALHO


Além disso, o biógrafo corre o risco de apresentar um discurso moral
sobre o biografado. Como se sabe, a escrita biográfica se constitui numa
modalidade de exercício da escrita da história. (AVELAR; SCHMIDT, 2012)
Assim, o atual interesse pelas biografias impulsiona também preocupações
com trabalhos de pesquisa mais rigorosos, capazes de analisar as tensões que
envolvem as narrativas biográficas e seus métodos de rememoração, pesquisa
histórica e testemunho.
Com a profusão de escolhas que norteiam o processo de produção audio-
visual, para o documentarista, a narrativa biográfica ou a possibilidade de
contar uma história real de uma vida evidencia o desafio de compreensão e
organização da identidade de uma pessoa numa única representação. Por isso,
a discussão sobre as narrativas biográficas precisa levar em conta o redimen-
sionamento da problemática dos “enquadramentos” da escrita da história em
seus enlaces com os modos de produção da prática documental.

A Tropicália singular de Fabricando Tom Zé

Tropicalismo ou Tropicália define um movimento musical com a produção de


Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Capinam, Torquato Neto, Gal Costa,
Rogério Duprat e Os Mutantes, entre os anos de 1967 e 1970, e também um
conjunto de manifestações culturais por meio do corpo, da voz, da roupa, das
letras, danças e diálogos de experiências estéticas diversas, que incluíam o tea-
tro e as artes plásticas. Todas essas manifestações culturais repercutiam o ges-
to antropofágico de Oswald de Andrade na concepção cultural sincrética, na
pesquisa de técnicas de expressão, humor corrosivo e atitude anárquica, numa
percepção carnavalesca do mundo, como já analisou Celso Favaretto em seu
livro Tropicália, alegoria, alegria, publicado em 1979.
As canções tropicalistas demonstraram um discreto uso de procedimentos
típicos da poesia concreta, como a sintaxe não discursiva, a verbi-voco-visua-
lidade e a concisão vocabular. (FAVARETTO, 2000, p. 51) No entanto, como já
descreveu Zuza Homem de Mello (2003, p. 303), “à estridência da guitarra e
à adoção do pop foram acrescentados a comunicação de massa, a abertura do
cafona, o auditório do vale-tudo e as vestes espalhafatosas. Eram os elementos
da geratriz de uma estética: a estética tropicalista”.

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 539


O tropicalista Antônio José Santana Martins, Tom Zé, surgiu na cena musi-
cal brasileira quando participou do álbum manifesto do movimento, Tropicália
ou Panis et Circencis, de 1968, com a canção “Parque industrial (Made in Brasil)”,
álbum “destinado a figurar entre os dez discos fundamentais da música brasi-
leira”. (MELLO, 2003, p. 306) Favaretto (2000, p. 78) define o álbum com as
seguintes palavras:

Suma tropicalista, este disco integra e atualiza o projeto estético e o exercício


de linguagem tropicalistas. Os diversos procedimentos e efeitos da mistura aí
comparecem: carnavalização, festa, alegoria do Brasil, crítica da musicalidade
brasileira, crítica social, cafonice –, compondo um ritual de devoração.

Tom Zé foi trazido para o movimento por Caetano Veloso, quem o con-
venceu a se mudar para a cidade de São Paulo. Segundo Carlos Calado, em seu
livro Tropicália: a história de uma revolução musical (1997, p. 38):

Foi após uma projeção de Moleques de Rua, o curta-metragem de Alvinho


Guimarães, que Caetano e Tom Zé se conheceram pessoalmente, apre-
sentados pelo jornalista Orlando Senna (que mais tarde veio a se tornar
cineasta). Nessa época, Tom Zé já era uma figura popular em Salvador,
principalmente no meio universitário, graças às canções satíricas e irreve-
rentes que compunha, incluindo alguns trabalhos no CPC.

Tom Zé estudou música na Universidade Federal da Bahia com professores


ligados à vanguarda, como Hans Joachim Koellreutter, Ernst Widmer e Walter
Smetak, e participou da montagem da peça Nós, por exemplo, no Teatro Castro
Alves, e Arena canta Bahia, no Teatro de Arena, musical dirigido por Augusto
Boal em São Paulo, em 1965. Segundo Herom Vargas (2012, p. 283):

Todas essas experiências forjaram parte do seu gosto apaixonado pela ex-
perimentação e pela busca constante da invenção. Seus procedimentos
básicos estavam na junção de repertórios e sons já conhecidos, mas por ele
tocados em novas circunstâncias e novas relações. Quanto ao repertório,
lançava mão desde canções da tradição nordestina, que conhecia da infân-
cia, até o rock e a música de vanguarda; quanto aos elementos musicais,
utilizava tanto os instrumentos tradicionais como os novos instrumentos
eletroeletrônicos e alguns objetos e práticas sonoras do cotidiano (bacia
com água, gargarejos, palmas, gritos, furadeira, esmeril, enceradeira etc.)

540 MÁRCIA CARVALHO


Tom Zé participou do tropicalismo até o período de exílio de Caetano e
Gil, sem perder sua identidade. Ainda segundo Carlos Calado (1997, p. 40):

Descontada uma certa diferença de idade e algumas peculiaridades ge-


ográficas, Tom Zé vinha do mesmo universo cultural de Caetano e Gil.
Antônio José Santana Martins nasceu em Irará, no sertão baiano, em 11
de outubro de 1936. Os baiões de Luiz Gonzaga e os xaxados de Jackson
do Pandeiro também animaram boa parte de sua adolescência, junto com
os cantores e cantoras popularizados pelos programas da Rádio Nacional.
Porém, talvez pelo fato de a luz elétrica só ter chegado em Irará em 1949,
o que realmente marcou Tom Zé foi o folclore da região, das cantigas dos
violeiros aos sambas de roda das lavadeiras.

Em 1968, Tom Zé foi premiado no Festival da TV Record com a música


“São São Paulo, meu amor”, colocou “2001”, composição em parceria com Rita
Lee, em quarto lugar no mesmo evento e gravou seu primeiro disco, Tom Zé
– Grande liquidação, que tematiza a vida urbana brasileira em música e texto
renovadores, obtendo, assim, considerável sucesso até o álbum Todos os olhos,
de 1973, quando a crítica e o público não compreenderam sua linguagem ino-
vadora, afastando o músico dos meios de comunicação.
O trabalho experimental de Tom Zé em seus discos da década de 1970 –
Todos os olhos (1973), Estudando o samba (1975) e Correio da Estação do Brás
(1978) – evidencia a desconstrução da poética eloquente da canção tradicional
por meio de ironias, neologismos e jogos de palavras, bem como pela busca
de ruídos e sonoridades de instrumentações não usuais, com sinos, buzinas,
despertadores, eletrodomésticos e ferramentas industriais, que serão desen-
volvidas também em suas obras posteriores.3
Santuza C. Naves (2010) define o trabalho de Tom Zé como “canção crí-
tica”, aquela que põe em questão as capacidades da canção ser entendida por
sua interferência em seu contexto, ao comentar criticamente os elementos
que a constituem. Assim, a singularidade de sua composição ocorre no âmbito

3 Antes do documentário de Décio Matos Jr., as experimentações de Tom Zé foram retratadas


no documentário Tom Zé, ou Quem irá colocar uma dinamite na cabeça do século? (2000), diri-
gido por Carla Gallo, produção que investiga as diversas sonoridades retiradas de objetos do
cotidiano e de materiais de construção – caixa de fósforos, furadeira, martelos etc. –, materiais
já utilizados pelos concretistas franceses dos anos 1940 e que Tom Zé incorpora na música
popular. Além disso, aborda o conceito do tempo na música e a performance do artista.

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 541


interno da canção, na materialidade de sua linguagem, e nas relações com os
campos culturais em que germina. A ousadia empregada na tropicália singu-
lar de Tom Zé não foi bem recebida pelo público, custando-lhe “[...] anos de
exclusão do cenário ‘oficial’ do país, num período em que, além de tudo, as
empresas de gravação haviam eliminado o risco de seus investimentos musi-
cais”. (TATIT, 2004, p. 238)
O documentário Fabricando Tom Zé é uma biografia cujo fio condutor é a
turnê de Tom Zé pela Europa em 2005, com uma câmera que segue o músico
pelas ruas e shows pelas cidades de Paris, Viennes, Turim, Roma e Montreux.
O estilo narrativo do documentário de Décio Matos Jr. encontra diálogo
com os documentários Lóki, de Paulo Henrique Fontenelle, sobre Arnaldo
Baptista em sua turnê em Londres com o “resgate de reconhecimento do
artista” em âmbito internacional, conforme já analisei em O rock desligado de
Lóki (CARVALHO, 2012); e Coração Vagabundo (2008), de Fernando Grostein
Andrade. (CARVALHO, 2015b)
Esses documentários trazem diários íntimos de viagem das turnês dos
músicos, com imagens em aeroportos, estação de trens e hotéis e também
registros de ensaios, performances e encontros musicais. Essas produções são
narrativas de registro e making of das apresentações musicais dos biografados,
mas extrapolam o enfoque de extra para o DVD do show dos músicos. Também
podem ser consideradas documentários biográficos por suas narrativas centra-
das nos personagens, mesmo sem criar retratos convencionais de apresentação
de vida e obra, mas sim perseguindo seus personagens com a câmera para reve-
lar um pouco sua história de vida a partir de um recorte temporal que percorre
diferentes espaços determinados pela música e pelo trabalho de um músico.
O filme sobre Tom Zé tem a moldura e o protagonismo do registro da turnê
em desenvolvimento, misturando vídeo e animação para construir um olhar
sobre a trajetória do músico. O próprio título do documentário, Fabricando
Tom Zé, enfatiza a ideia de construção e inacabamento da obra e do artista.
O discurso narrativo do filme é promovido pelo personagem, em seu elogio
a sua constante inovação, renovação e novas experimentações. Essa ideia de
construção permanente do artista retratado pode ser observada pela forma
com que a narrativa fílmica se elabora, desde a abertura, apresentando vida e
obra, homem e artista, até a recorrente fala do próprio artista, que se autofla-
gela e se vitimiza em vários depoimentos autobiográficos que relatam como

542 MÁRCIA CARVALHO


ele sempre foi “péssimo músico” e que só é único por usar enceradeiras em sua
música. Como já escreveu José Geraldo Couto (2007), o documentário “não
sufoca seu retratado sob o peso da homenagem, mas, ao contrário, colhe-o no
contrapé, como uma contradição andante, ‘com defeito de fabricação’ (título
de um CD seu), com alguns parafusos a menos ou a mais”.
A ênfase na história de vida narrada pelo próprio biografado revela um
relato autobiográfico voltado para a câmera, para qual Tom Zé se dirige direta-
mente várias vezes durante o filme, sem criar um diálogo com o diretor ou com o
público, mas sim com o próprio equipamento. O documentário, portanto, narra
a história de vida de Tom Zé reconstituindo o seu passado a partir do seu relato
sobre sua vida. Assim, a ênfase narrativa discorre da forma de entrevista a partir
de Tom Zé e de sua presença na tomada, deixando claro o que está em jogo e de
onde sai a enunciação, ao sabor da reflexão teórica sobre a imagem-câmera e sua
tomada, no eixo da valoração ética da intervenção da câmera como articuladora
do discurso fílmico, desenvolvida por Fernão Ramos (2008). Trata-se do per-
sonagem em situação de entrevista, quando o seu relato e suas pequenas ações
determinam a edição do documentário “sob o risco” da memória, da fala e da
encenação do próprio artista. Segundo Jean-Louis Comolli (2008, p. 48):

[...] a peculiaridade do documentário não está na forma ou na estrutura


narrativa (nesse sentido, ele de fato não é diferente da ficção), mas sim no
lugar (no espaço e no tempo) que ele reserva às falas, aos gestos e aos cor-
pos do outro (enfim, à mise-en-scène do sujeito filmado), à mise-en-scène
do cineasta e, enfim, ao embate de quem filma e quem é filmado.

No entanto, para o tratamento sonoro do filme, a escolha é convencional.


Segundo Sérgio Puccini (2009), destacam-se cinco possibilidades para o som
no documentário: som direto (na filmagem, em entrevistas, depoimentos, dra-
matizações e em tomadas em locações); o som de arquivo (filmes, entrevistas,
programas de rádio e TV, discursos, entrevistas etc.); voz over (narração sobre-
posta às imagens durante a montagem); efeitos sonoros (sons criados na fase
de edição que ajudam a criar ambientação para as imagens) e a trilha musical
ou sonora (compilada, adaptada ou original).
Nesse sentido, o documentário Fabricando Tom Zé usa, predominante-
mente, o som direto da entrevista, contando com os depoimentos de Neusa,
mulher e produtora de Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, David Byrne, o

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 543


crítico musical Tárik de Souza, o produtor musical Kid Vinil e os integrantes de
sua banda, entre outros. Assim, o documentário apresenta poucas brechas para
o som de arquivo e as canções, que ganham destaque nas performances regis-
tradas nos shows. Nesses momentos, a música não é protagonista, mas sim o
sujeito filmado em ação, no exercício de sua atividade como músico, revelando
o personagem em seu desempenho, tangenciando uma “evidência do sensível”.
(COMOLLI, 2008)
Nesse debate, Jean-Claude Bernardet foi um dos primeiros pesquisadores
de cinema que alertaram para alguns problemas advindos dessa nova tendên-
cia do documentário calcado na entrevista e no depoimento. Bernardet, no
capítulo “A entrevista”, presente na segunda edição do livro Cineastas e ima-
gens do povo (2003), comenta que esse método de abordagem, que privilegia
os depoimentos, não significou um enriquecimento das estratégias narrativas
para a prática contemporânea de documentários, mas acabou virando uma
mania e um ato quase automático e apelativo de repetição de um mesmo pro-
cedimento. Em contrapartida, Comolli (2008, p. 86) alerta que, mesmo diante
dessa inflação e repetição da fórmula da entrevista, sua prática não significa
um recurso sem desafios.
No filme, é evidente o predomínio da voz. Logo em sua abertura, antes de
se ver e ouvir o show, os aplausos em Paris e a fala de Tom Zé, o que se escuta
é a voz. A vocalização é o primeiro elemento sonoro do filme, para anunciar a
letra “Tô te explicando pra te confundir. Tô te confundindo pra te esclarecer”.
Em seguida, o primeiro depoimento é de Tom Zé, sobre o show que vimos e
ouvimos antes e sobre o seu cansaço de fazer shows. Com isso, o primeiro ele-
mento do filme é a voz.
Com toda a sua bagagem de cultura oral de Irará, sua terra natal, Tom Zé
herdou a capacidade performática que coloca o corpo no centro da música,
na declamação das letras das canções, no jogo vocal como instrumento. Paulo
Celso da Silva e Miriam Cristina Carlos da Silva (2012, p. 236) também apon-
tam a importância do corpo para a performance de Tom Zé:

Desta tradição oral, contadora de histórias e não letrada, Tom Zé herdou a


capacidade performática que coloca o corpo no centro da música, soma-
da à poesia, declamada e quase dissonante em relação aos instrumentos
que a acompanham. O corpo, somado aos acessórios, ao figurino e ao

544 MÁRCIA CARVALHO


cenário, traz uma performance levada ao extremo também pelos demais
tropicalistas, que fizeram de suas apresentações uma explosão complexa
de signos, em que todos os elementos são elementos de sentido: Estes re-
cursos permitiam enfatizar o efeito cafona e o humor, contribuindo para
o impacto das construções paródico-alegóricas, essenciais à constituição
das imagens tropicalistas.

Essa abertura apresenta bem o estilo narrativo do documentário e suas


escolhas diante do desafio biográfico colado no corpo do personagem prota-
gonista. A narrativa do documentário desdobra-se sobre a memória de Tom Zé
desde o começo de sua carreira, quando integrou o movimento tropicalista, até
o seu sucesso na Europa, representado pelos shows que atravessam toda nar-
rativa, desde os aplausos em Paris até as vaias em Viennes (França), quando o
músico tentou cantar em francês, até a briga com o técnico de áudio no Festival
de Montreaux. Dessa memória, também destaca-se o período de esquecimento
sobre o músico, que só se findou com a “descoberta” de seu talento pelo olhar
estrangeiro de David Byrne, produtor musical e líder da banda nova iorquina
Talking Heads, que, nos anos 1990, ou seja, após quase 20 anos de ostracismo,
considerou Tom Zé um representante da autêntica música brasileira ao se apai-
xonar pela modernidade do álbum Estudando o samba, de 1976.4
Como se sabe, após o apoio de David Byrne e o subsequente reconheci-
mento pela crítica musical internacional, Tom Zé ganhou destaque e exposição
através da mídia internacional e passou a acumular certo capital cultural, o
que permitiu que ele se legitimasse, reconquistasse seu espaço no mercado
brasileiro e recolocasse seu nome na cultura brasileira. Tatit (2004, p. 238-239)
comenta sobre isso:

[...] era como se o mundo tivesse se curvado diante da singularidade de


uma criação que escancarava a imperfeição e a incompletude como qua-
lidades alternativas à eficácia do produto ‘bem acabado’ para consumo.
Era como se os ‘defeitos’ assegurassem uma dinâmica cultural perdida
nos acabamentos ‘perfeitos’ do mercado sonoro. E, de quebra, Tom Zé

4 Byrne convidou Tom Zé para gravar nos Estados Unidos em 1990, lançando, anos depois, uma
coletânea e dois discos inéditos do artista no mercado internacional; respectivamente, The hips
of tradition (1992) e Fabrication defect (1998), que conquistaram elogios da crítica especializada
norte-americana.

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 545


personificava o Brasil – sem qualquer estereótipo de ‘autenticidade’ re-
gional – seguindo acintosamente uma trilha própria, construída nos vãos
desprezados pelas iniciativas internacionais.

No documentário, Tom Zé retorna à sua cidade natal. Visita vários luga-


res de referência de sua vida em Irará: sua casa, o comércio de seu pai e a sua
escola, onde conversa com os alunos. Nessa viagem às origens, revelam-se a
paisagem da infância e as histórias da linguagem sonora e do ritmo que aju-
daram o artista a enfrentar a lógica discursiva da escola tradicional e as difi-
culdades de uma vida humilde. Não à toa, Tom Zé é retratado ao longo do
documentário, nos depoimentos, como um gênio, criativo e inovador, como
também um sujeito que atua como jardineiro e ganha dois salários mínimos
para cuidar do jardim do prédio onde mora em São Paulo.
Dessa forma, o documentário pretende fazer alusão à ressignificação do
artista, abordando a ideia de “fabricação” desse músico “feio, pobre, baiano,
filho da puta”, como o próprio biografado se define. Também, a contribuição
de Tom Zé para a Tropicália é um elemento muito enfatizado na narrativa.
O músico paulistano Arnaldo Antunes, por exemplo, define-o como “o mais
paulista dos nordestinos da Tropicália”, assim como Caetano e Gilberto Gil
reconhecem o seu abandono após o período de exílio, quando se “abriu uma
vaga no Tropicalismo”.
Na mesma linha, o crítico Arthur Nestrovski avalia que Tom Zé “não era de
fato um tropicalista”, apesar de não explicar tal afirmação. Depois do sucesso
internacional, comenta-se a retomada de sua experimentação ao incluir ence-
radeiras no álbum Defeito de fabricação, como comenta Kid Vinil, produtor do
disco. Além disso, revela sua abertura para novos desafios, como a criação da
trilha para balé ao trabalhar para o Grupo Corpo, em 1997, em parceria com
José Miguel Wisnik, e com Santagustin, em 2002, em parceria com Gilberto
Assis, como lembra Rodrigo Perderneiras, diretor do Grupo Corpo. As sessões
de gravação do álbum Estudando o pagode revelam o músico em seu processo
de criação e gravação, ao lado de Jairzinho Rodrigues, que afirma que “a fita
cassete é o Pro Tools de Tom Zé”.
Da intimidade, Neusa revela como Tom Zé nunca deixou Irará, revela
como o artista fica nervoso e inquieto quando escreve e reescreve suas canções
e conta como o músico ficou doente quando as gravadoras e o público não

546 MÁRCIA CARVALHO


mais se interessavam pelo seu trabalho. De material de arquivo, há as imagens
do Festival da TV Record e várias entrevistas de Tom Zé na MTV brasileira,
repercutindo o sucesso no exterior promovido por David Byrne. Além disso, o
filme mostra várias capas de discos e jornais para pontuar momentos marcan-
tes da carreira do artista e da repercussão dos shows que são acompanhados
pela equipe de gravação do documentário.
Fabricando Tom Zé se constitui, assim, como um lugar privilegiado para
observar a construção da memória, em especial, a memória privada e individual
carregada de subjetividade e recordação. No documentário, a memória é ele-
mento fundamental para a elaboração da narrativa, tanto de um esforço intelec-
tual no discurso da fala, no relato do passado e na avaliação da experiência vivida,
quanto nas impressões e nos sentimentos que extrapolam o discurso e se revelam
no rosto, no gesto, na inquietude do corpo do sujeito que é entrevistado.
Para entender o documentário, é preciso, então, levar em conta que cada
testemunho é uma versão do que aconteceu e que toda biografia possui um
enfoque, evidenciando a escolha do documentário em narrar a história de Tom
Zé pela sua própria memória e história oral. Assim, buscam-se outras fontes
com entrevistas e materiais de arquivo, que são editados para complementar
os aspectos apresentados pelo biografado.
Como já escreveu Guy Gauthier (2011, p. 245):

O interesse não está na verdade – a não ser para a pesquisa histórica –,


mas no próprio funcionamento da memória, considerada uma manifes-
tação da vida que funda a personalidade e o imaginário dos indivíduos e
grupos. Sua força é, ao mesmo tempo, sua fraqueza, pois ela dinamiza a
ação em detrimento da busca intratável da verdade. A história é conheci-
mento, o documentário é memória; a testemunha é raramente libertada
de suas lembranças, e tenta, no mais das vezes, revisitá-las.

Nesse sentido, com a mistura de retrato e diário de viagem, Fabricando


Tom Zé enquadra um método prático de narrar uma breve história de seu per-
sonagem com um ponto de vista pessoal do biografado, que constrói o dis-
curso em sua fala e na relação com a câmera, elementos que se evidenciam na
montagem do documentário. Assim, a fabricação discursiva do documentário
é quase autobiográfica, colada no relato da experiência do protagonista, no seu
corpo, na sua memória e voz.

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 547


A singularidade da criação de Tom Zé no documentário está centrada
na constante exploração dos defeitos, de sonoridades imperfeitas, do “pés-
simo músico” com uma postura de rebeldia explícita ao fetiche da perfeição.
Pode-se dizer que, ao renegar padrões estéticos da canção de massa, em que a
música deve ser apenas agradável, e ao rebelar-se contra a interpretação sem
falhas e sem lacunas, Tom Zé assume uma postura de desconstrução da canção,
que se manifesta no conteúdo das letras, nos arranjos, na maneira de interpre-
tar, promovendo rupturas e criando sua particularidade como artista. Parece
ser relevante, portanto, quando, ao final do filme, a animação coloca a sombra
maior que o homem, enfatizando a grandeza do biografado e seu legado.
Diante desta análise, pode-se afirmar que a prática biográfica de Fabricando
Tom Zé se movimenta pelo seu depoimento, mas também pelo complemento
de entrevistas, o registro de shows e bastidores, muitas vezes com clara influ-
ência da técnica do cinema direto e imagens de performances musicais, colo-
cando em cena o músico em ação.

Considerações finais

A biografia nunca teve fronteiras bem delimitadas e padronizadas. Uma bio-


grafia é um relato de uma vida, uma narrativa sobre a história de uma pessoa,
um registro histórico da memória pessoal e coletiva de alguém, de um indiví-
duo em sua singularidade.
A partir desta breve análise de Fabricando Tom Zé, pode-se afirmar que
o documentário exibe uma metodologia narrativa que investiga a história e a
música com novas articulações entre a memória e a reconstituição do percurso
de um músico. Para isso, aposta na entrevista e no depoimento, destacando a
história oral e a memória dos indivíduos como instrumento de reconstituição
do passado. Com isso, é a voz, e não a música, protagonista desse documentá-
rio biográfico, colocando a fala como recurso predominante para se conhecer
a história de um músico.
O retrato de Tom Zé dispõe de enunciação em primeira pessoa, tornando-se
autobiográfico na medida em que comanda o foco narrativo. Assim, o acesso
ao passado é mediado pelo próprio personagem, que conduz a reconstituição
dos vínculos dos acontecimentos de vida e obra do passado a partir da fala do
tempo presente da tomada, da gravação da produção.

548 MÁRCIA CARVALHO


Percebe-se, portanto, que esse filme carrega características similares a
vários recentes documentários sobre músicos da MPB, projetando-se como
novos lugares de produção de discurso sobre a história da música popular, nos
quais a memória musical está problematicamente delimitada pelos “enquadra-
mentos da memória” (POLLAK, 1989) dos seus personagens.
Como já analisou Arnaldo Contier (1988, p. 77):

A bibliografia sobre a História da Música no Brasil durante o século XX,


tem se revelado, sob o nosso ponto de vista, muito restrita, ‘frágil’ te-
oricamente, não apresentando uma visão mais abrangente das possíveis
conexões entre arte e sociedade. Em geral, as análises sobre a produção
artística privilegiam a vida e a obra dos autores considerados mais signi-
ficativos, sem contudo tecer comentários mais profundos sobre o caráter
simbólico da linguagem musical, marcadamente instrumental, ou os as-
pectos textuais da canção popular ou erudita e suas possíveis vinculações
com o contexto histórico, propriamente dito.

Nesse sentido, pode-se discutir o documentário biográfico como fonte


do conhecimento histórico e como agente dessa escrita da história. Afinal, o
documentário é “[...] um instrumento poderoso para os rearranjos sucessivos
da memória coletiva [...]” (POLLAK, 1989, p. [9]) e, apesar de não trabalhar os
retratos biográficos com rigor histórico, é capaz de resgatar, preservar, conser-
var, registrar e arquivar algo da memória social que ficará para o futuro.
Todos esses questionamentos apontados nesta análise denunciam os ris-
cos da ilusão biográfica, não no sentido em que Bourdieu (2005) analisa a sua
narrativa, mas no que tange o fato de que o biógrafo, em seu pacto com o bio-
grafado, oferece uma visão sobre o músico tributária à sua percepção e leitura
da história da MPB.

Referências

AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005.
AVELAR, A. S.; SCHMIDT, B. B. (Org.). Grafia da vida: reflexões e experiências com a
escrita biográfica. São Paulo: Letra e Voz, 2012.

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 549


BERNARDET, J. C. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras,
2003.
BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (Org.). Usos e
abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
CALADO, C. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997.
CARVALHO, M. Documentário e modos de produção. Saarbrücken: Novas edições
acadêmicas, 2015a.
CARVALHO, M. O rock desligado de Lóki. Doc On-line, Covilhã, n. 12, p. 75-99, ago.
2012. Disponível em: <http://www.doc.ubi.pt/12/dt_marcia_carvalho.pdf>. Acesso em:
30 nov. 2013.
CARVALHO, M. O som do retrato: análise de narrativas biográficas em documentários
musicais brasileiros. 2015. 102 f. Relatório final (Pós-doutorado em Meios e processos
audiovisuais) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2015b.
COMOLLI, J.L. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção,
documentário. Tradução de Augustin de Tugny, Oswaldo Teixeira e Ruben Caixeta.
Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.
CONTIER, A. D. Música e História. Revista de História, São Paulo, n. 119, p. 69-89,
jul./dez. 1988.
COUTO, J. G. Documentário mostra paradoxo ambulante. Folha de São Paulo, São
Paulo, 13 jul. 2007. Seção Ilustrada. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
fsp/ilustrad/fq1307200715.htm>. Acesso em: 14 fev. 2015.
DEL PRIORE, M. Biografia: quando o indivíduo encontra a história. Topoi, Rio de
Janeiro, v. 10, n. 19, p. 7-16, jul./dez. 2009.
DOSSE, F. O desafio biográfico: escrever uma vida. Tradução de Gilson C. C. de Souza.
São Paulo: USP, 2009.
FAVARETTO, C. Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.
GAUTHIER, G. O documentário: um outro cinema. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro.
Campinas: Papirus, 2011.
HUYSSEN, A. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2000.
MELLO, Z. H. A era dos festivais: uma parábola. São Paulo: Ed. 34, 2003.
MIGLIORIN, C. (Org.). Ensaios no real: o documentário brasileiro hoje. Rio de Janeiro:
Beco do Azougue, 2010.

550 MÁRCIA CARVALHO


MOMIGLIANO, A. The development of greek biography. Cambridge: Cambridge
University, 1993.
MORAES, J. G. V. de. História e música: canção popular e conhecimento histórico.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 203-221, 2000.
NAVES, S. C. Canção popular no Brasil: a canção crítica. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010.
NESTROVSKI, A. (Org.). Música popular brasileira hoje. São Paulo: Publifolha, 2002.
POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2,
n. 3, p. 3-15, 1989.
PUCCINI, S. Roteiro de documentário: da pré-produção à pós-produção. Campinas:
Papirus, 2009.
RAMOS, F. Mas afinal... O que é mesmo documentário? São Paulo: SENAC, 2008.
RAMOS, F. (Org.). Teoria Contemporânea de Cinema: documentário e narratividade
ficcional. São Paulo: SENAC, 2005. v. 2.
SCHMIDT, B. B. Biografia e regimes de historicidade. MÉTIS: história e cultura,
Porto Alegre, v. 2, n. 3, p. 57-72, jan./jun. 2003.
SCHMIDT, B. B. Construindo biografias... Historiadores e jornalistas: aproximações e
afastamentos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 10, n. 19, p. 3-21, 1997.
SILVA, P. C.; SILVA, M. C. C. DocumenTom Zé: fabricando o Tropicalismo. Doc On-
line, Covilhã, n. 12, p. 233-243, ago. 2012. Disponível em: <http://www.doc.ubi.pt/12/
analise_paulo_silva.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2014.
SILVA, W. C. L. Biografias: construção e reconstrução da memória. Fronteiras,
Dourados, v. 11, n. 20, p. 151-166, jul./dez. 2009.
TATIT, L. O século da canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004.
TOM ZÉ. Site Oficial, São Paulo. Disponível em: <http://www.tomze.com.br/>. Acesso
em: 15 fev. 2015.
VARGAS, H. As inovações de Tom Zé na linguagem da canção popular dos anos 1970.
Galáxia, São Paulo, n. 24, p. 279-291, dez. 2012.

O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de Fabricando Tom Zé 551


Cine colombiano
notas sueltas sobre un cine sin
tradición musical

JERÓNIMO RIVERA-BETANCUR, ENRIQUE URIBE-JONGBLOED


Y OSCAR OLAYA-MALDONADO

Introducción

A diferencia de México, Brasil y Argentina, las cinematografías más sólidas de


América Latina, el cine colombiano no tiene una larga tradición de cine mu-
sical. Las razones que pueden darse para este suceso pueden ser exploradas
desde variables culturales hasta argumentos relacionados con la falta de una
industria cinematográfica sólida, pero no podemos olvidar que un factor fun-
damental se relaciona con la técnica y la escasa solvencia profesional de quie-
nes tradicionalmente han hecho cine en el país.
Es bien conocido el caso del cine mexicano que desde su “Edad de oro”
impulsó en las películas la figura del “charro” cantador y encantador que
conquista a las mujeres por su apariencia tanto como por su voz. De estos
primeros relatos y la narrativa que aparece presente en ellos se populariza
en Latinoamérica (y específicamente en Colombia) el melodrama como
género eminentemente latinoamericano. Aunque, como se ha dicho, el cine
mexicano influyó ampliamente en la narrativa de las películas colombianas
(fundamentalmente en los años 1970 y 1980 en los que se veía masivamente
en Colombia); aspectos como la utilización de cantantes populares en las
películas y el uso de canciones como parte de las historias tuvieron escasa
presencia en las películas colombianas.
Después de la puesta en marcha de la ley 814 o ley de cine, en 2003, en
Colombia ha aumentado la cantidad de películas que se estrenan anualmente y
se vive una etapa de auge de la cinematografía en un sector que busca ser indus-
tria a pesar de múltiples obstáculos entre los que se destaca la poca respuesta
del público y las dificultades para la financiación de la producción audiovisual.
No obstante, en la última década, se han estrenado anualmente en promedio
más películas nacionales de las que pasaron por las salas comerciales en toda
la década de 1990.
Se ha dicho coloquialmente que el cine colombiano del siglo XX tenía dos
grandes problemas: no se veía y no se escuchaba. Esto, que puede parecer un
chiste, impidió que se desarrollara una narrativa basada en criterios audio-
visuales y que muchas de las películas terminaran siendo “La película que se
pudo hacer” y no “La que se quiso hacer”.
Al llegar el siglo XXI, el aspecto visual de las películas fue mejorando poco
a poco gracias a la facilidad para obtener cámaras con mejores ópticas y opera-
dores y directores de fotografía con experiencia cinematográfica obtenida en
la publicidad, pero el sonido seguía siendo ha sido (y, en menor medida, aún
lo es) el gran olvidado de los relatos; razón por la cual músicos e ingenieros de
sonido lamentan que cuando se llega el proceso final de mezcla y edición de
sonido, el presupuesto de la película ya se ha agotado.
Estos inconvenientes técnicos derivados del complejo proceso de captura,
mezcla y edición de sonido; que difiere ampliamente entre el cine y la televi-
sión llevaron a que pasara que algunas películas nunca pudieran estrenarse por
errores tan simples como la imposibilidad de hacer lipsync o un folie defec-
tuoso en la fase de montaje.
En estas condiciones, pensar en hacer una película musical era poco
menos que una gran quijotada. A las difíciles condiciones de producción es
necesario sumar las dificultades de la sincronización de voces e imágenes, la

554 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
sincronización entre sonido en vivo y doblaje y un diseño sonoro pensado para
narrar y no solo para acompañar las imágenes.
Entre las pocas películas colombianas del siglo XXI que se acercan al
género del cine musical hemos seleccionado cuatro títulos:
1. Te busco. Dir.: Ricardo Coral, 2002
2. El ángel del acordeón. Dir.: María Camila Lizarazo, 2008
3. Los viajes del viento. Dir.: Ciro Guerra, 2009
4. Ciudad Delirio. Dir.: Chus Gutiérrez, 2014

Se trata de cuatro películas con diferentes estilos, narrativas y modelos de


producción, en las que se exploran géneros musicales tan diferentes como la
salsa, el vallenato y la música tropical. En algunos casos se trata de películas
donde la música es el hilo conductor de la historia y en otras la música aporta
a la caracterización de los personajes, momentos anímicos de los personajes o
la ambientación de las locaciones.
Para hacer el análisis se busca articular el conocimiento del profesor Óscar
Olaya (músico profesional y profesor de musicalización, quien ha participado en
la composición de bandas sonoras de varias películas colombianas) con los cono-
cimientos en narrativas audiovisuales de los profesores Enrique Uribe y Jerónimo
Rivera, quienes estudiaron las películas por medio de un decoupage de secuencias.
La intención es encontrar pistas narrativas sobre las modalidades por
medio de las cuales la música se inserta en las historias y cuál es su importancia
dentro de la construcción del relato.

Cine musical

Si buscamos las bases del género musical notaremos que, como todo género na-
rrativo, sus fronteras están permeadas por otros géneros narrativos. Suponemos
que una película determinada ajusta al género musical cuando la música adquiere
un rol predominante y se entreteje con la narrativa, particularmente en los diá-
logos de los personajes. Es decir, las canciones y melodías que se interpretan no
sólo son complementos de la narrativa, sino que revelan pensamientos del perso-
naje y se entretejen con la narrativa. De hecho, la música hace que se trastoque la
narrativa lógica y sea remplazada por la narrativa emocional. (LAING, 2000, p. 8)
Por esto, los biopics de artistas musicales quedan en un lugar difícil en relación

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 555
con el musical, ya que plantean la relación entre el protagonista de la narrativa y
sus canciones a partir de cómo éstas cuentan su vida.
Siendo así, entendemos que el musical es el cine donde la relación entre la
música y el personaje están indivisiblemente vinculados y la historia quedaría
incompleta si la música no se incorporara directamente en relación con, y a
veces tomando prelación sobre, otros elementos de la narrativa. En ese sen-
tido, como plantea Laing (2000, p. 5):

[...] lo que parece marcar al musical como particular en este debate, es la


forma en que construye su propias reglas emocionales y narrativas sobre
cómo funcionan las canciones, haciendo un hincapié explícito sobre las
distintas cualidades que la música y letra le dan la una a la otra, y cómo
esto puede afectar el estado anímico y comportamiento del personaje.

La obras estudiadas

A continuación presentamos las obras estudiadas como ejemplo del musical


contemporáneo en Colombia. Ellas están enmarcadas en los últimos quince
años y buscan presentar el panorama de este género en el cine nacional actual.

TE BUSCO

FICHA TÉCNICA

País: Colombia

556 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
Año: 2002
Producción: Dago García Producciones
Dirección: Ricardo Coral-Dorado
Elenco: Robinson Díaz, Felipe Rubio, Andrea Guzmán, Enrique Carriazo,
Diego Correal.
Sinopsis: A los cinco años, William pasa una temporada con su tío Gustavo,
quien decide montar una banda de música tropical para conquistar a Jazmín,
una atractiva cantante, de la que está profundamente enamorado.

Cine “popular” en Colombia

El mal llamado “cine popular” está asociado en Colombia con dos nombres y dos
épocas: Gustavo Nieto Roa a fines de la década de 1970 y primeros años de la
década de 1980, y Dago García en el inicio del siglo XXI. Ambos realizadores son
productores, guionistas y directores, y su forma de hacer cine, el éxito obtenido
con el público y la narrativa de sus películas tienen grandes semejanzas. El éxito
de Nieto Roa en la década de 1980 fue tal que algunos críticos y en textos de
historia del cine colombiano se habla del “Benjumeísmo” o “Nietoroísmo”. Para
ser justos, hay que reconocer la gran influencia que en las películas de este di-
rector-productor tuvieron las películas mexicanas de las décadas de 1960, 1970 y
1980, como él mismo lo reconoció en una entrevista. El caso de Dago García es
también muy interesante, pues es un guionista vinculado con el Canal Caracol,
uno de los dos canales privados de Colombia y gracias a su participación, primero
como guionista y luego como productor, llegó a ser Vicepresidente de este canal
y dueño de su propia productora, Dago García Producciones. Si bien García no
es el director de Te busco, su estilo sí está presente en la narrativa de esta produc-
ción. Ricardo Coral-Dorado, el director de la película, también ha sido director
de series y telenovelas en Colombia y puede ser ésta la razón por la que muchos
critican sus producciones: por ser productos televisivos, que juegan a fórmulas ya
conocidas y que llegan con éxito al público sin aparentemente mucho esfuerzo.
Llama la atención, no obstante, la recurrencia de este tipo de películas a
mostrar personajes de clase baja y media-baja como protagonistas. Sin duda,
como herederas de las películas mexicanas del género, estas películas roman-
tizan la pobreza y caen en los clichés de bueno-pobre/malo-rico para contar
historias llenas de apuntes cómicos y un final complaciente de superación de

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 557
los personajes. En ese sentido, Te busco tiene algunos ingredientes que lo sacan
de la fórmula sin decidirse a ser tampoco una apuesta arriesgada para los pro-
ductores. A pesar de no tener un final feliz y de cierta amargura que recorre la
cinta, la historia explora costumbres divertidas de los colombianos de clase
baja y tiene como hilo conductor a la música tropical que usualmente es aso-
ciada en el país con las fiestas de fin de año, los tablados populares y los bal-
nearios y con una época concreta en la que tuvieron más auge: las décadas de
1970 y 1980. De allí que la historia tenga también un dejo de nostalgia y que se
cuente en tiempo presente recordando un pasado que, si bien no fue feliz, sí
produjo un impacto emocional en el protagonista.

Análisis

Te busco narra la historia de William, un niño de cinco años que se enfrenta a


que vivir en un mundo de adultos, luego de que sus padres se van de viaje y lo
dejan bajo la custodia de su tío Gustavo, quien decide formar una orquesta tro-
pical para conquistar a Jazmín, la cantante del grupo, y de quién está perdida-
mente enamorado. Para lograrlo, deberá superar varios retos, como mantener
unida la orquesta aún en medio del fracaso y componer una canción (sin ser
compositor) para que la cante Jazmín.
Desde los créditos de inicio, Te busco deja claro que parte fundamental de la
historia girará alrededor de la música tropical, sus acordes y letras. Una música
que, como la película, mezcla el romance con el humor y el baile. El tono de
añoranza inicia desde la primera secuencia, un baile familiar en el que los padres
de William se besan al ritmo de la música. El matiz de los recuerdos del pequeño
protagonista está marcado por las acciones y la música que las acompaña.
Aunque el ritmo es lo más importante de esta música (también se le llama
comúnmente música “bailable”), las letras dan pie a que los danzantes las
canten mientras bailan con sus parejas. Aunque aparentan ser las canciones
que monta la orquesta para lograr llegar a la cima, dentro de sus letras se
esconden mensajes que nos hablan de la relación que se va dando entre el Tío
Gustavo y Jazmín.
Es importante aclarar que no siempre se presentan, en su totalidad, de
forma diegética, por lo que resulta claro que nos quieren transmitir un mensaje
con sus textos. Algunas secuencias lo ejemplifican bien:

558 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
· La primera vez que vemos a Jazmín canta un bolero antillano que dice:
“Llévame hasta el final del camino, tómame hasta que salga el sol,
arráncame la vida”. Esta letra que parece una provocación se completa
con un beso que ella lanza desde el escenario ilusionando a Gustavo,
hasta que descubre que lo hizo enternecida por su sobrino.

· En la primera presentación de la orquesta cantan “Tus besos son los


que me dan alegría” de Rodolfo Aicardi y justo después del concierto
Jazmín besa por primera vez a Gustavo.

· La orquesta comienza una gira que parece ser la oportunidad que todos
estaban buscando y suena la canción “Cariñito”, del mismo autor; aunque
aún no sabemos qué sucederá con la orquesta, la letra de la canción también
hace referencia a que Gustavo le pide a Jazmín que, pase lo que pase, nunca
lo abandone: “Nunca, pero nunca, me abandones cariñito”. Evidentemente
la orquesta cae en el fracaso, pues las finanzas no funcionaron, pero Jazmín
se queda con Gustavo, pues sabe que él hizo todo esto por ella.

· Con la vida por el piso, sin orquesta, y ya casi sin Jazmín, Gustavo
decide lanzarse nuevamente, pero esta vez con su canción inédita “Te
busco”, que escribió con mucho esfuerzo (pues no es compositor) para
regalársela a Jazmín. Logra reunir de nuevo su orquesta y tocar en un
espectáculo televisivo muy reconocido. Es tal vez con esta canción que
finalmente logra conquistar a Jazmín.

La película cuenta también con música incidental, destinada especialmente


a reforzar los sentimientos de William y de Gustavo. Por ejemplo, hay un cue
de solo piano que se usa cada vez que el niño se siente triste por algo; bien sea
porque su tío le queda mal con algo o por qué lo reprende. Así mismo hay un
cue en guitarra que se usa cada vez que Gustavo ve la inocencia de su sobrino
en las situaciones que le ha tocado vivir. Otro tema incidental importante es
el que muestra el enamoramiento de Gustavo hacia Jazmín; suena en aquellos
momentos donde vemos que el “plan de conquista” parece estarle funcionando.
La película toma también posición frente al oficio de los músicos y las
dificultades que enfrentan para sobrevivir de la música. Es así como en la pre-
sentación de los músicos de la orquesta, William los define como “Un grupo
de perdedores golpeados por la vida, pero sobre todo por el difícil oficio de

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 559
ser músicos”. En una secuencia que nos recuerda mucho a The Commitments
de Alan Parker, Gustavo recluta a sus músicos que trabajan en un mariachi,
tocando en un restaurante o en funerales. De igual manera, al presentar al que
será el director de la orquesta, éste argumenta que ya no le interesa la música y
es allí donde Gustavo expresa su gran amor por el arte al citar a su propio padre
cuando le decía que había que luchar por vivir de la música hasta la muerte.
El narrador también admite que, para él, la experiencia de la orquesta fue la
primera vez que se sintió importante y con responsabilidad; aunque su tío le ha
dicho que se dedique al fútbol porque los músicos sufren mucho.
La música, sin embargo, no es realmente la motivación principal para los pro-
tagonistas de la historia. Para los músicos de la orquesta la única motivación es el
dinero, para el protagonista vivir una aventura en el mundo de los adultos y para
su tío, conquistar a la chica que le gusta. La canción “Te busco” no es solamente el
título de la canción compuesta por el tío enamorado, es también el título de la pelí-
cula y la evidencia de que la música es el lenguaje que se usa para expresar el amor.
Después de una subtrama policíaca derivada del préstamo que Gustavo
pide a un caricaturesco mafioso; la película cierra con el protagonista, ya mayor,
tocando en su propia orquesta mientras Gustavo y Jazmín bailan y se besan en
la pista. La música es el vínculo que une finalmente a los tres protagonistas.

CIUDAD DELIRIO

FICHA TÉCNICA

País: Colombia-España

560 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
Año: 2014
Producción: 64 A Films, Fatal Films, TVE
Dirección: Chus Gutiérrez
Elenco: Carolina Ramírez, Julián Villagrán, Jorge Herrera y Margarita Ortega.
Sinopsis: Un médico cansado de su profesión visita Cali (Colombia) para partici-
par en un congreso especializado de medicina. Allí conoce a Angie, una profesora
de baila, que le enseña a bailar y a ver la vida diferente y de quien se enamora.

La polémica

El Festival Internacional de Cine y TV de Cartagena (ahora llamado FICCI) es no


solo el más antiguo de Latinoamérica sino uno de los más importantes y presti-
giosos de la región. Como se sabe, la película inaugural marca el inicio de cual-
quier festival y se pretende que sea una obra de gran calidad técnica y artística.
En la versión 54 del FICCI, en 2014, la película inaugural fue la coproducción
colombo-española Ciudad Delirio, dirigida por la española Chus Gutiérrez y
protagonizada por la colombiana Carolina Ramírez y el español Julián Villagrán.
La película fue mal recibida por el público que criticó la intención política de esta
proyección, influida por la recién aprobada ley 1556 de 2012, cuyo propósito es
promover el país como locación cinematográfica para películas extranjeras.
En su artículo “Flores del Valle”, el crítico de cine Pedro Adrián Zuluaga
(2014) se refiere a que la estrategia de “vender” al país para ojos extranjeros que
puedan interesarse en él está retrasada por seis o siete décadas y que “Ciudad
delirio es una película que expresa, una a una, todas las torpezas de esta estra-
tegia, su potencial tanto como sus limitaciones, su horizonte estético y polí-
tico”. En el portal “Las dos orillas”, el columnista Iván Gallo suscitó también
una controversia al afirmar que :

Es una vergüenza que la ministra, en una actitud de indígena arrodillada


ante el filo de una espada, trate de salvar a los realizadores españoles que
se han quedado sin trabajo por culpa de la crisis, otorgándoles el beneficio
que deberían tener realizadores nacionales con proyectos que son clara-
mente superiores a Ciudad Delirio.

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 561
Ambos columnistas criticaron de la película su visión colonialista y su pos-
tura machista y hasta su soterrada homofobia y el hecho de que, a pesar del
colonialismo de las películas de Hollywood, se hayan destinado 700 millones
de pesos (unos 235 mil dólares al cambio actual) para realizar una película que
perpetua estereotipos. Zuluaga (2012) argumenta:

los portadores de la civilización son extranjeros y blancos que tienen com-


portamientos racionales, autocontrol y capacidad reflexiva. A los demás
les corresponden las puras fuerzas instintivas, la pasión, el baile, el des-
perdicio de fuerzas, las condiciones propias de lo primitivo e informe”.
Gallo remata diciendo: “las mujeres, cansadas de los negros machistas,
incultos y feos que pueblan el Valle, se derriten ante las buenas maneras,
la caballerosidad y el acento de los extranjeros que han venido a hipnoti-
zarnos con sus espejitos. (GALLO, 2014)

El portal Las dos orillas, que publicó la columna inicial de Iván Gallo, pre-
sentó la réplica de la Ministra de Cultura Mariana Garcés, en la que afirma que
la película fue financiada en un 75% por productores colombianos. Ahí invita
al columnista a justificar su acusación de que la película fue impuesta al festival
por parte del Ministerio y remata diciendo que “desdice mucho de los críticos
que se agazapan en epítetos descalificadores, en acusaciones infundadas y en
aseveraciones poco informadas para sustituir lo que deberían ser argumentos
técnicos y estéticos sobre las películas”.
Más allá de la polémica sobre los méritos de la película, nuestro interés
se centra en descubrir el aporte de la música a la construcción del relato, par-
tiendo de la condición anteriormente mencionada de que el musical, y aun la
comedia romántica, son géneros poco explorados en Colombia.

Análisis

Ciudad Delirio no es sólo el nombre de esta película, sino también el de una


revista musical caleña de gran reconocimiento internacional, lo que aumenta
más las sospechas de quienes atacan la película como una invitación a visitar
Colombia y, particularmente, a visitar la ciudad de Cali. Siendo más suspicaces,
el énfasis en las mujeres caleñas y su forma de ser extrovertida y alegre puede
ser, y en esto coincidimos con Zuluaga y Gallo, una invitación a los europeos

562 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
para el turismo sentimental o hasta sexual. La secuencia más criticada de la pe-
lícula es justamente aquella en la que el protagonista español se levanta de una
tremenda resaca, y cuando camina por las calles pasa por un boulevard lleno
de atractivas mujeres que le sonríen, mientras suena: “Las caleñas son como las
flores, que vestidas van de mil colores”.
La película narra la historia de amor que viven Javier Ibarra, un tímido
médico español, con Angie, una extrovertida bailarina caleña, que se ha
divorciado poco tiempo antes, cuando éste visita la ciudad para participar
como conferencista en un congreso de epidemiología, donde el presentador
afirma que Cali es “Una bella ciudad acogedora”. El mensaje de este locutor
con voz acartonada es reforzado más adelante en la escena de la rumba en
chiva, cuando el animador afirma: “Véngase a Cali, que lo esperamos con los
brazos y el corazón abierto”.
En esta película se muestra una imagen diáfana de Cali, resaltada por
lentes gran angular y música salsa de fondo, con un montaje que nos recuerda
mucho a los videos institucionales que suelen hacerse para hacer marketing
de ciudad. La ciudad desborda alegría desde la primera secuencia, donde
vemos a los bailarines en sus ocupaciones cotidianas (estudiantes, mecánicos,
mensajeros etc.) bailando al ritmo de la música de la radio que hace las veces
de cortina musical de introducción.
La música juega un papel muy importante en toda la narración, pues
comunica, casi de manera directa, lo que piensan, sienten y viven los persona-
jes. El uso de canciones representativas de la salsa, con letras muy reconocidas
por la audiencia, ayuda a la descripción de personajes, locaciones, y emociones.
“Escucha tu intuición, siente la música y déjate llevar”.
Hemos identificado en Ciudad Delirio cuatro modalidades en el uso de la
música para definir personajes, locaciones, sentimientos y momentos:

Música para definir personajes

Desde el inicio, es la música (incidental) la que nos presenta a los protagonis-


tas. Cuando aparece Angie, nos da información concreta sobre su entorno, su
ciudad (Cali) y su profesión (el baile). En contraste, luego se presenta Javier, sin
música, dejando claro que es una persona más seria y cuya vida gira alrededor

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 563
del trabajo; en su mundo no existe la música rumbera. La música y la “No mú-
sica” es la que nos permite diferenciar a estos dos personajes.
Esa “No música” de los europeos hace parte de los estereotipos sobre
latinos y europeos con respecto al ritmo y es reforzado cuando, en su primer
encuentro, Javier la pisa con torpeza y ella se burla con su amigo diciendo:
“como tiesito el españolito”.

Música para definir locaciones

Angie y Javier se conocen en una noche de rumba en Cali. Allí, la música diegética
(de la discoteca) tan solo nos permite contextualizar el lugar donde se encuentran
los dos personajes. Sin embargo, a medida que va aumentando la rumba y los dos
personajes van viviendo una noche de completa fiesta, suben a un “chiva rumbera”
que los lleva por la ciudad y donde suena la canción “Oiga, mire, vea” de Guayacan
Orquesta, gran referente de la salsa local, con una canción que es casi un himno in-
formal de Cali. Así pues, aunque sea música diegética, tiene una función descriptiva
de la locación donde se desarrolla la historia, su gente, su cultura y sus costumbres.

Música para definir sentimientos

La música también acompaña momentos dramáticos y estados de ánimo de


los personajes. En la escena donde Javier y Angie bailan, durante una boda,
suena la canción “Nuestro Sueño” del grupo Niche: “Estoy viviendo un sueño,
me siento único dueño del amor”. Hasta ese momento de la historia, eso es el
amor de Angie para Javier, quien poco a poco se ha ido enamorando de Angie.
Lo interesante de esta secuencia, es que la música inicia de forma diegética (en
la boda) por lo que la audiencia, en principio, no atiende mucho a su presencia;
sin embargo, desaparecen los diálogos y la música pasa al nivel incidental (so-
breponiéndose a otras escenas) donde el mensaje de la letra se convierte en el
“diálogo” entre estos dos personajes. Es como si Javier se le declarara a Angie.
Al final de la canción, se besan por primera vez.
Más adelante cuando se da la ruptura se realiza una secuencia con montaje
paralelo en la que se ve a Javier ejerciendo de nuevo la medicina mientras los
preparativos de la presentación del grupo de Angie avanzan. La secuencia sería

564 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
meramente descriptiva si no fuera por la letra de la canción que dice: “ya lo ves,
te sigo queriendo”.

Música para definir momentos

Otro ejemplo ocurre cuando, por una posible separación entre Angie y Javier, por-
que éste decide regresar a España, se escucha la canción “Oh, qué será”, de Willie
Colón. Su letra pareciera generar la duda entre los personajes sobre algo inexpli-
cable que sucede entre ellos. Al estar de manera incidental, sobre un montaje en
paralelo donde se muestra a Javier en su consultorio y a Angie es su escuela de baile,
el mensaje es directo para la audiencia dando a entender, claramente, que los dos
personajes están en una situación complicada y que el romance puede terminar.
También se establece una diferencia generacional alrededor de la salsa y algunos
ritmos que le dieron origen, como el bolero y el chachachá, géneros que se escu-
chan en la taberna de “Vaso e’ leche” y con los que Javier aprende a bailar en una
secuencia cómica que combina la torpeza del español con la letra de la canción: “las
clases de Chachacha... el profesor se encuentra aquí, el profesor te ayudará”.
El clímax de la película llega con la típica escena de persecución hasta el aero-
puerto que, en este caso, es protagonizada por la chica que persigue a su chico
y al final lo alcanza para confesarle su amor. El punto más alto lo pone “Cali
pachanguero”, canción insignia de la ciudad y, como si se tratara de una película de
Bollywood, la película termina con una coreografía en el aeropuerto en la que parti-
cipan Angie y Javier y en la que baila gente del común mostrando una gran destreza.
En conclusión, el tratamiento musical de esta película va más allá de la
mera inserción de cues para acompañar imágenes o apoyar emociones. Tiene
un tratamiento totalmente narrativo que va desde la descripción de una loca-
ción hasta algo más personal como el sentimiento de un personaje. Las cancio-
nes seleccionadas para esta película, además de ser muy representativas en su
género y de fácil recordación para una audiencia latina, resultan tener textos
con mensajes muy claros que las hacen indispensables en la construcción del
discurso narrativo de la historia.

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 565
EL ÁNGEL DEL ACORDEÓN

FICHA TÉCNICA

País: Colombia
Año: 2008
Producción: CMO Producciones
Dirección: María Camila Lizarazo
Elenco: Camilo Molina, Dionnel Velázquez, César Navarro, Marlon Moreno,
Noëlle Schonwald, Etty Grossman, Stephania Borge
Sinopsis: Una historia de amor por la música vallenata y por la oportunidad de
ganarse el corazón de una mujer que se ha amado desde la infancia nos lleva a
ver las dificultades que experimenta Poncho para seguir su sueño de conver-
tirse en un acordeonero de gran fama y conquistar el corazón de Sara María.

Un cuento de hadas en el Caribe

Esta obra está estructurada como un cuento de hadas, como una historia de un
personaje que, a través de su esfuerzo y dedicación, y gracias al apoyo de dos
personajes claramente mágicos logra encontrar su destino. El interés de hacer
de esta historia un cuento de hadas se ve reforzado por el uso de elementos
gráficos sobre algunas de las imágenes en momentos claves de la narrativa,
una iluminación plana llena de colores vivos, y una falta generalizada de pro-
fundidad y agendas secundarias por parte de los personajes. Sin embargo, esto

566 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
se convierte en el problema mismo de la narrativa, pues falta una pieza funda-
mental del cuento de hadas: un enemigo malévolo y mal intencionado.
Mientras que a un lado tenemos a Poncho y a Sara María, quienes desde
niños evidencian su interés el uno por el otro, y conforman así el cuadro de amor
inocente fundamental en la narrativa contemporánea del cuento de hadas, los
personajes de Pepe, y más aún el de su padre, Jairo, no quedan claramente inscri-
tos como antagonistas creíbles. El primero, por su supuesto cambio de rol entre
enemigo de infancia y luego amigo, eso sí falso, de adolescencia. El segundo,
porque su aparición se restringe al tercer acto, y en este es poco lo que puede
presentar como antagonista.
Los roles de la abuela alcahueta, el viejo consejero y el primo motivador, se
convierten en fundamentales como apoyos del personaje y como indicadores
clave de su destino de conquistar el corazón de Sara María. Aunque el rol de
este último puede parecer un poco fabricado para generar un vínculo, no sólo
musical, sino de mercado, con México como país potencial consumidor de la
obra, logra cumplir una labor relevante dentro de la historia.
El personaje opositor del padre, por otro lado, no parece ser lo suficiente-
mente sólido tampoco y así como los otros personajes antagonistas, carece del
temor que debería infundir para que el logro del héroe nos parezca relevante.
La película está planteada desde la música, siendo ésta quien define a los
personajes, su cultura, su estilo de vida, sus costumbres y, lo más importante,
sus sentimientos. Todo esto a través de temas característicos del Atlántico
Colombiano, que se van desarrollando con la historia. Es importante resaltar
como el acordeón es el elemento que define a Poncho y a su propia música.
Cuando no hay acordeón, la música solo está en la imaginación del personaje,
y aunque él toca en acordeones de otros dueños, es solo en su propio acordeón
que toca la canción que finalmente hizo para Sara María. Esto es muy relevante,
dada la importancia que tiene, en la historia, que el personaje logre conseguir
su propio instrumento. La directora se reserva la canción más importante de
la historia para el momento en el que Poncho consigue su propio acordeón.

Análisis

La música aquí desempeña una labor fundamental, al convertirse tanto en el


hilo narrativo como en el descriptor directo del desarrollo de nuestro héroe.

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 567
A la música, y en particular a la relación del instrumento con su usuario, se le da
ese valor mítico que genera que la música sea el centro de la narrativa.
Las canciones se convierten en la forma de comprender el proceso de cre-
cimiento emocional del personaje, y la fuerza que va adquiriendo su fuerza
sentimental. El tratamiento musical que tiene esta película es muy interesante
porque cada momento clave de la historia va mostrando la evolución musical
que tiene el niño, desde que “imagina” estar tocando el acordeón, hasta que
llega ese gran concierto donde logra conquistar a Sara María. Aunque debe
atravesar por muchas dificultades, especialmente familiares y económicas,
Poncho nunca deja de soñar y sigue en su lucha por lograr conseguir su propio
acordeón y componer esa canción.
Mientras que la música incidental se limita a ser efectista y reforzar las
evidentes rupturas o crisis entre los personajes, en un estilo muy similar al que
se sonorizan las telenovelas, lo que lleva el mensaje fundamental son las com-
posiciones propias del protagonista, que expresan sus sentimientos a la vez que
permiten conocer la evolución de sus habilidades musicales.
La forma de hacerlo es vinculando canciones o fragmentos de estas en la
vida diaria de los personajes, desde una simple melodía en una clase de acor-
deón hasta un duelo de acordeoneros, en el colegio de Poncho, junto a Pepe, el
otro pretendiente de Sara María. A propósito de esta escena, es la primera vez
que Poncho le canta algunas notas de su composición a Sara María y la va des-
lumbrando con su talento. Es la música quien se encarga de mover las emocio-
nes tanto de personajes como audiencia, a media que el duelo se va haciendo
más intenso y Sara María nombra un ganador.
Aquí la música, en particular el vallenato y su base en el acordeón, se con-
vierte en la justificación emotiva de la narrativa.

568 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
LOS VIAJES DEL VIENTO

FICHA TÉCNICA

País: Colombia
Año: 2009
Producción: Ciudad Lunar Producciones
Dirección: Ciro Guerra
Elenco: Marciano Martínez, Yull Núñez
Sinopsis: Viaje de retorno de un viejo y solitario acordeonero quien, aceptando
a regañadientes la compañía de un joven muchacho que quiere ser su aprendiz,
lleva a cabo una travesía por la geografía y música del Caribe para retornar el
instrumento musical que ve como una maldición.

Cine arte del caribe colombiano

Los viajes del viento narra la travesía que emprende Ignacio Carrillo, un juglar
del norte del caribe Colombiano, quien ha decidido dejar de tocar su acordeón
para devolverlo a su maestro, después de que su esposa muriera trágicamente.
Durante el viaje se encuentra con Fermín, un joven que decide acompañarlo y
cuya única ilusión es que Ignacio le enseñe a tocar acordeón.

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 569
Esta película es una gran poesía sobre el paisaje y su relación con la música
local. Los personajes hablan poco y sus sentimientos no son fuertemente evi-
denciados por sus acciones, sino más bien por su relación con el entorno.
La música nos transporta, así como lo hacen los grandes planos generales, a
contemplar un terreno que parece particularmente inhóspito. En el mejor sen-
tido Kantiano, la belleza sublime de la naturaleza todopoderosa se combina
con la soledad que se plantea que se cierne sobre el personaje.
En contraposición a Te busco, esta película abarca el espectro de una obra
desarrollada y pensada con un interés mucho más poético y menos simple en
su aproximación narrativa. Este interés artístico se evidencia, precisamente,
en la escogencia de planos largos, en donde las expresiones de los personajes
no redundan con la melodía para evidenciar sensaciones, sino que más bien se
plantean en un plano de la contemplación. La fotografía de esta película es muy
delicada y permite sentir una gran cantidad de matices y tonalidades que rescata
mucha de la geografía del Caribe colombiano. A su vez, lo contrapone a perso-
najes minúsculos, aplacados, casi irrelevantes ante la fuerza de la naturaleza.
Este viaje de retorno de un objeto maldito puede ser planteado como
un símil de El Señor de los Anillos, y comparte con éste los planos generales
muy abiertos que muestran la dificultad del viaje para los protagonistas. Sin
embargo, la diferencia fundamental surge en el acompañamiento que da la
música. Mientras que en El Señor de los Anillos la mayor parte de la música es
incidental basada en una gran sinfónica que lleva la historia a nivel de epopeya,
aquí es de índole tradicional y de menor escala, siempre surgiendo de manera
diegética, de manos de los personajes en escena. Esto hace que el paisaje no
sólo sea visual sino además sonoro.
A medida que Ignacio y Fermín se desplazan por las diferentes regiones del
norte de Colombia, van sonando sus músicas autóctonas, lo cual ayuda a enten-
der cómo van avanzando los personajes en su travesía, y muestra, también, un
viaje a través de las diferentes formas de la música del Caribe colombiano.
Esta película no presenta canciones populares del vallenato y que se han
vuelto exitosas, sino por el contrario, va a las raíces de una cultura musical,
donde, gracias a los juglares, se podía conocer. Es un viaje a través de la historia
musical de una región muy importante e influyente de Colombia. Es como si,
analógicamente, se hubiera pensado en el viaje que hace el viento a través del

570 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
acordeón para producir una música que deja de ser simples notas y se convierte
en el reflejo de unas tradiciones que ayudan a definir una cultura.

Análisis

Aunque en un primer análisis pareciese que existe una dicotomía entre el paisaje y
la música, en cuanto los paisajes son amplios y grandilocuentes y la música es per-
sonal e íntima, la relación entre paisaje y música reposa en el nivel de lo emocional.
Aunque Ignacio ha decidido no volver a tocar su acordeón, debe enfrentar
varias situaciones donde se ve obligado a hacerlo, pues necesita dinero para con-
tinuar hasta su destino. El primer momento donde lo hace es en el duelo de acor-
deones en la gallera, durante el día de la Virgen de la Candelaria. Allí sucede algo
muy interesante y es que la canción con la que se están enfrentando (El Amor-
Amor, anónimo) es un Paseo Vallenato donde los acordeoneros cantan estrofas
improvisadas de cuatro versos que van aumentando, en audacia y picardía, a
medida que van improvisando. Sin embargo, cuando Ignacio entra al duelo, lo
primero que hace es cambiar el ritmo y pedir un Merengue Vallenato, con el cual
logra derrotar a su oponente. Luego, y cuando ya es el vencedor, pide un nuevo
cambio a ritmo de Puya Vallenata, la cual se caracteriza, principalmente, por ser
más rápida y con una habilidad casi virtuosa del acordeonero. De esta secuencia,
se puede concluir que el autor hace un viaje por los distintos aires que caracteri-
zan al Vallenato, como lo son el Paseo, el Merengue y la Puya.
Este duelo musical, que evidencia la habilidad virtuosa, cuyo origen está
supuestamente en el acordeón maldito, es un giro narrativo conocido. Es indu-
dable que la habilidad musical, por su dificultad, y por la visible transforma-
ción del artista, ha llevado a que se considere siempre como un evento místico
y mágico. En este caso, es un punto fundamental en la narrativa porque nos
evidencia la capacidad de Ignacio de transformarse, de ese hombre callado y
poco expresivo, en ese músico lanzado, atrevido e histriónico.
Es así que la música juega en ese contrapunto, entre esa naturaleza indo-
mable y ese espíritu liberado. El viaje de los personajes es, en sí, un viaje sobre
el control de las emociones en un mundo que es, a todas luces, inhóspito.
La belleza de la naturaleza contrasta con la ausencia de seres humanos, y la
música se convierte en el punto de encuentro de estas dos realidades.

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 571
Por otra parte, la música que hace Ignacio en su acordeón, también refleja su
sentimiento. El mejor ejemplo de esto, ocurre al final de la película cuando Ignacio
llega donde su maestro, quién había fallecido, pero que había pedido que no lo
enterraran hasta que Ignacio volviera con su acordeón. Allí el personaje interpreta
una música llena de nostalgia y recuerdos, pero que a su vez infunde mucho res-
peto por quien fue su maestro y por quién está ahora allí. ¡Es un homenaje!

Conclusión

Las cuatro películas estudiadas evidencian la variedad en torno al musical


como género en el cine colombiano. Mientras que Te busco y Ciudad Delirio
se concentran en la relación de la música con el baile, El ángel del acordeón
y Los viajes del viento se concentran en el aspecto mágico, casi místico, del
intérprete. Tienen en común que la música desborda la lógica narrativa y la
trastoca, pues aunque evidencia los sentimientos de los personajes, cambia la
velocidad y la dirección de la historia. En todos los casos, parece que hay algo
de biopic, pues los personajes están vinculados con la música de una manera
directa (compositores, intérpretes y bailarines), y la irrupción de las situacio-
nes musicales nunca nos parece completamente abrupta, sino parte clara de la
construcción de la historia.
El caso particular es Los viajes del viento donde la música parece trans-
formar al personaje, pero a su vez es contrapunto de las imágenes de paisajes
eternos. En este sentido evidencia ser una película que no se encaja, como las
otras, en un intento de cine popular, o de amplio consumo.
Otro detalle que vale la pena mencionar es la vinculación de todos estos
ritmos musicales con lugares y personajes particulares. En Ciudad Delirio la
música está completamente ligada a Cali, con su nombre implícito en el título
mismo. El ángel del acordeón y Los viajes del viento ubican a los personajes en
una tradición musical del caribe colombiano. En Te busco, que tiene un tanto
de road movie, se ve también cómo se inscriben los personajes en un estilo de
música regional.
El cine musical en Colombia no es un género tan claro como lo puede
ser para Hollywood o Bollywood, aunque es una forma que ha adquirido
mayor interés en los últimos años y, tal vez por la cantidad de biopics de

572 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
músicos en la televisión colombiana, no ha tenido mayor espacio en la pantalla
cinematográfica.

Referencias

BUHLER, J.; NEUMEYER, D.; DEEMER, R. Hearing the movies: music and sound in
film history. New York: Oxford University Press, 2009.
CHION, M. La música en el cine. Barcelona: Paidós, 1997.
GALLO, I. Ciudad delirio y la ministra arrodillada. Las dos orillas, Bogotá, 2014.
Disponible en <https://www.las2orillas.co/ciudad-delirio-y-la-ministra-de-cultura-
arrodillada>. Acceso en: 17 nov. 2017.
LAING, H. Emotion by numbers: music, song and the musical. In: MARSHALL, B.;
R. STILWELL, R. (Ed.). Musicals: Hollywood and Beyond. Exeter: Portland: Intellect
Books, 2000. p. 5-13.
RIVERA-BETANCUR, J. ¿Va el cine colombiano hacia su madurez? análisis de 10 años
de ley de cine en Colombia. Anagramas, Medellín, v. 13, n. 25, p. 127-144, jul./dic.
2014.
RIVERA-BETANCUR, J. Ley de cine ayuda más al turismo que al sector
audiovisual. TV y Video Latinoamérica, 2012. Disponible en: <http://www.tvyvideo.
com/201207164825/articulos/otros-enfoques/jeronimo-rivera-ley-de-cine-ayuda-
mas-al-turismo-que-al-sector-audiovisual.html>. Acceso en: 28 nov. 2017.
XALABARDER, C. El guión musical en el cine. Createspace Independent Publishing
Platform, 2013.
ZULUAGA, P. A. Ciudad delirio, de Chus Gutiérrez: “Flores del Valle”. Pajarera
del medio, Bogotá, 2014. Disponible en: <http://pajareradelmedio.blogspot.com.
co/2014/04/ciudad-delirio-de-chus-gutierrez-flores.html>. Acceso en: 2 dic. 2017.
ZULUAGA, P. A. La nueva ley de cine, o el paisaje que seremos. Razón Publica, Bogotá,
2012. Disponible en: <https://www.razonpublica.com/index.php/regiones-temas-
31/3153-pedro-adrian-zuluaga.html>. Acceso en: 1 nov. 2017.

Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 573
El cine uruguayo y la música
en los años dos mil
nuevas incursiones en el género musical

ROSARIO RADAKOVICH

Quizás se obstina usted en pensar que el cine es “imágenes y


sonidos’. ¿Y si fuera al revés? ¿Y si fuera sonido e imágenes?
¿Sonidos que dan a imaginar lo que se ve
y a ver lo que se imagina?
Serge Daney (2004, p. 130)

Introducción

Como señala Pierre Sorlin (2010, p. 107), el sonido ejerció una importante in-
fluencia en la percepción de las películas, aún antes de ser incorporado formal-
mente. De esta forma, el cine nunca fue “verdaderamente silencioso”, siempre
que la proyección se acompañara de una orquesta o de los comentarios de un
“cuentista” o a falta de ello, se transcribieran los diálogos de los personajes.
Ello implicaba “al menos una ilusión auditiva”. Aún más, la inclusión del sonido
en el cine, más allá de la mejora técnica que supuso, reveló que su presencia
modificaba “de manera singular la percepción del film”.
Sin embargo, el abordaje académico tradicionalmente se ha centrado más
en lo visual y menos en el componente musical. (ADORNO; EISLER, 2005)
Es recién a partir de los años setenta (ALTMAN, 1989; FEUER, 1982) que se
presta mayor interés al análisis del papel de la banda sonora (WEISS; BELTON,
1985) y del impacto de la música en las prácticas fílmicas. (CHION, 1997;
KASSABIAN, 2000; LACK, 1999)
A pesar de esta situación, el género musical en particular es uno de los más
característicos de la primera época de Hollywood, con producciones memo-
rables como Cantando bajo la lluvia (Singin’ in the rain, 1951). El género se ha
renovado a lo largo del tiempo y ha cobrado creciente relevancia a nivel global
diversificando sus formas y estéticas. (ALTMAN, 1989) Según Metz (2002), el
cine musical es aquel donde la mayoría de la música que se presenta en la pelí-
cula es a la vez “diegética y no diegética” pero los números musicales y las letras
forman parte de la narración de la película.
Munsó Cabús (1997a, p. 3-5) pone énfasis en que el cine musical es aquel
que logra recrear un mundo fantástico e imaginario a partir de la música y la
danza. El género se constituye con influencias del ballet, la ópera, el circo, la
pintura, y en Hollywood a partir de los musicales de Broadway. El argumento
se anuda a la música y la danza, así como el decorado y el vestuario a la pintura,
proporcionando un sentido dinámico a la película.
Como señalan Jaume Radigales y Magda Polo en La música en el cine: la
estética de la música (2008), el cine musical no es estrictamente un “género”
sino un “sistema de producción” y uno muy costoso porque requiere tanto un
equipo cinematográfico como uno musical. Quizá por estas razones ha tenido
altibajos en la historia del cine y ha quedado muy ligado a la producción de la
Metro Goldwin Mayer (con producciones paradigmáticas como La melodía de
Broadway, 1929), así como a Fox (con Movietone Folies, 1929), Paramount (con
El desfile del amor, 1929) y al Hollywood clásico en general.
Más recientemente, el cine musical adquiere protagonismo singular en
producciones como Moulin Rouge (Luhrmann, 2001) a principios de los años
dos mil. Y fuera de Hollywood, en Bollywood (en referencia al fenómeno del
cine de Bombay) en la India. De hecho, el cine musical ha convocado a produc-
tores, coreógrafos, bailarines y figuras del espectáculo, logrando un ‘star sys-
tem’ propio, relativamente independiente del “mainstream” de Hollywood,
y con estéticas reconocibles desde las más tradicionales – centradas en los

576 ROSARIO RADAKOVICH


grupos de baile y los “happy endings” – a las más vanguardistas, de tono
bizarro y kitsch.
En América Latina, el cine musical ha adoptado formas diversas no sola-
mente asociadas a la tradición del cine musical de Hollywood, sino incorpo-
rando influencias y tradiciones culturales regionales propias. Guilherme Maia
y Lucas Ravazanno (2015) en O cinema musical na América Latina. Uma car-
tografía mapean el cine musical latinoamericano, revelando tradiciones vincu-
ladas al tango en Argentina, donde se incorporan figuras de la talla de Carlos
Gardel y Hugo del Carril en una primera etapa, y al rock and pop en los años
sesenta con Palito Ortega y Sandro.
En el caso de México, con una extensa producción vinculada al cine musi-
cal – los autores cuentan 232 musicales en la base de IMDB entre 1930 y 1960
– se destacan las comedias rancheras y los melodramas cabareteros desarro-
llados respectivamente en haciendas del ámbito rural y en el cabaret de los
márgenes de las ciudades. En años recientes la producción musical se reduce,
dadas las condicionantes del cine mexicano a la industria norteamericana.
Como los señalan Maia y Ravazanno (2015), otras son las apropiaciones
locales del género musical en Brasil que fueron entrelazadas a la música popu-
lar desde el inicio del siglo XX. En Brasil, tradicionalmente los musicales desta-
caron el carnaval y la samba. Con una relevante producción en el género a nivel
histórico, hoy el cine musical es retomado por jóvenes cineastas independien-
tes. Y en un marco más amplio también se producen cine-biografías de artistas
y cantantes, así como documentales musicales.
En el caso uruguayo, la relación entre el cine y la música se remonta al
menos a Dos destinos (1936) de Juan Etchebehere y Vocación (1936) de Rina
Massardi, “primera película lírica latinoamericana” (RAU, 1996), por lo
que se hace presente desde las primeras décadas del siglo pasado. (MAIA;
RAVAZZANO, 2015) Otras producciones cinematográficas de ficción han
mostrado la relevancia de la música en el cine local sobre finales del siglo
pasado, tales como Sábado disco (Rivero, 1983), sobre el impacto de la música
disco en Uruguay y Gardel: ecos del silencio (Rodríguez, 1997) y sobre la figura
de Carlos Gardel y su disputada nacionalidad.
También la música es protagonista en diversos documentales recientes,
tanto en el análisis de fenómenos culturales de gran relevancia como el car-
naval y la murga – como es el caso de La Matinee (Bednarik, 2006), Cachila

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 577
(Bednarik, 2008) o más recientemente Voz de Murga (Dominguez, 2013)
– cuanto en producciones vinculadas al rock nacional, como Hit (Abend,
Loeff, 2008). No obstante, pocos casos representan strictu sensu el género
“cine musical” en la ficción de larga duración en la primera década de los
años dos mil.
Este artículo se plantea explorar las características estilísticas y narrativas,
así como el impacto público, de dos incursiones de ficción en el cine musi-
cal en Uruguay en la primera década de los años dos mil que se consideran
representativas del período: Miss Tacuarembó (Sastre, 2010), considerada una
“comedia musical”, e Hiroshima (Stoll, 2009), definida por su propio director
como un “musical mudo”.
Se considera que ambas películas – a pesar y desde de sus diferencias –
representan la incursión en el género del cine musical del período e ilustran
con ello un proceso de creciente diversificación de géneros, narrativas y for-
matos característico del cine uruguayo en los años dos mil. (MARTIN-JONES;
MONTAÑEZ, 2009, RADAKOVICH et al., 2014; RUFFINELLI, 2015)
Este fermental período del cine uruguayo en su apertura trajo consigo
dos películas emblemáticas, como son En la puta vida (Flores Silva, 2001) y 25
Watts (Stoll y Rebella, 2001), ambas propuestas extremadamente diferentes en
lo estético, y en temática, género, formato de producción y estilo de dirección,
y que captan las preocupaciones de diversos públicos nacionales con un alto
impacto social en el ámbito local y con reconocimiento internacional. Como
cierre de la década se incorpora el cine de género al cine uruguayo, tanto a par-
tir de la incursión en el cine musical – como se adelantó, con Hiroshima y Miss
Tacuarembó en ficción – cuanto en la aparición de un thriller de terror (La casa
muda, Hernández, 2011), un policial (Reus, Fernández y Piñeiro, 2011) y un cine
de época o histórico (La redota, Charlone, Solé, 2011).
La metodología de aproximación es de corte cualitativo, a partir del análisis
de contenido de las películas basado en el visionado de las mismas y la opinión
de la crítica en prensa escrita y web local, así como de la valoración de los públi-
cos locales en una página web especializada en la cartelera cinematográfica.
El análisis de contenido de la opinión de los públicos se fundamenta
en 233 comentarios vertidos en la web1 sobre las dos películas a analizar: 29

1 Disponible en: <www.cartelera.com/apeliculafunciones.aspx?720&&CINE&FILM&-1&1>.

578 ROSARIO RADAKOVICH


relacionados con Hiroshima y 204 con Miss Tacuarembó. Esto constituye una
selección de las producciones del género musical presentes en una muestra
mayor de doce películas uruguayas seleccionadas por su éxito de taquilla o en
la premiación en Festivales Internacionales competitivos durante la primera
década de los años dos mil.
Para el análisis se trabajó con una plataforma local de Internet de alto
impacto social y un espacio-red que, como señala Fuentes Navarro (2001),
“habilita nuevas formas de debate y legitimación de lo cultural”, en este caso
las producciones de cine musical más recientes del cine uruguayo.
El análisis de los registros en web se realizó siguiendo criterios clásicos de
análisis de contenido (TAYLOR; BOGDAN, 1987) a partir de la clasificación y
codificación de la información, más allá de que se incorpora una perspectiva
más amplia que surge a partir de la “experiencia hipertextual” del “ecosistema
hipermedial”. (SCOLARI, 2008)
Entre las distintas formas de estar en la Red se analiza aquí un espacio de
comentarios y valoraciones de películas que opera como “foro de discusión”.
Este foro, si bien propuesto como espacio de recomendación o advertencia a
otros internautas sobre la película en cuestión, también se plantea como un
espacio de diálogo entre usuarios. (GÁLVEZ et al., 2003, p. 3)
El análisis es parte de una investigación más amplia realizada por el
Grupo Industrias creativas innovadoras: consumo y creatividad audiovisual
(CreA) del Programa de Desarrollo de la Información y la Comunicación
(Prodic) de la Facultad de Información y Comunicación de la Universidad de
la República Uruguaya.

Incursiones recientes en el cine musical:


Miss Tacuarembó e Hiroshima

Tan disímiles en su aproximación estética como narrativa, Miss Tacuarembó


(Sastre, 2010) e Hiroshima (Stoll, 2009) constituyen dos expresiones de apro-
piación local del género musical representativas de la ficción de la primera
década de los años dos mil en Uruguay.
Por un lado, Miss Tacuarembó podría considerarse una ficción paradigmá-
tica del género “cine musical” actual, dado el estilo pop y una estética kitsch

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 579
que la caracteriza. Dirigida por Martín Sastre, la película incluye canciones que
van desde los Parchís a Irene Cara y su Flashdance, y referencias artísticas que
van desde la actriz venezolana Jeannette Rodríguez a Madonna.
Justamente, la estética kitsch se instaló desde temprano en los musi-
cales, a la vez que se ha consolidado como parte significativa actualmente.
De acuerdo con Lipovetsky y Serroy (2015) el kitsch se caracteriza hoy por
“la mescolanza y la incoherencia estilísticas, la promiscuidad heteróclita y
una profusión decorativa y sensiblera”. Se traduce así en una experiencia de
“irrealidad real o de realidad irreal”, una experiencia emocional y sensorial de
“transrealidad”. Los musicales revelan de forma paradigmática en el cine su
perfil kitsch conjugando el lujo y la cultura pop en la escenografía, el vestua-
rio y la coreografía.

Figura 1 — Trailer Miss Tacuarembó de Martín Sastre

Fonte: Miss Tacuarembó (2010).2

Miss Tacuarembó está basada en una novela del escritor y artista perfor-
mático Dani Umpi del mismo nombre, con una banda sonora original com-
puesta por Ale Sergi del grupo Miranda y Ricardo Mollo. Se trata de una
coproducción uruguayo — argentina — española que se estrenó en 2010. Fue

2 Disponible en: <https://www.youtube.com/watch?v=q0rlZzmm1Kg>. Acceso en: 1 nov. 2017.

580 ROSARIO RADAKOVICH


protagonizada por Natalia Oreiro, Mirella Pascual, Mike Amigorena, Rossy de
Palma y Diego Reinhold.
La película trata de las expectativas de una niña, Natalia, que vive en el
Interior del Uruguay y quiere ser una estrella en el ámbito de los medios,
tomando como referentes películas como Flashdance o telenovelas como
Cristal. La aspiración de Natalia se ve circunscrita al concurso Miss Tacuarembó,
nombre de la ciudad del interior de país, donde ella vive. En su vida adulta se
convierte en animadora de un parque temático religioso en Buenos Aires deno-
minado Tierra Santa. Por último, presa de sus sueños de realización artística,
termina siendo parte de un reality show donde reaparecen en su vida los per-
sonajes de su niñez, junto con sus frustraciones y miedos.3
La trama pone de manifiesto la inconsistencia entre aspiraciones y
expectativas de una joven de la periferia del mundo frente a sus sueños de
incorporación en el star system global radicado en Hollywood. Varias escenas
traducen la tensión entre la vida en el ámbito local y la búsqueda de “un lugar
en el mundo”. La presencia de un globo terráqueo gigante mientras Natalia
Oreiro canta What a Feeling en medio de un cruce de rutas es más que explí-
cita en esta búsqueda.4
A través de la música en Miss Tacuarembó los personajes se anclan en
el mundo y se proyectan fuera de la aldea. Las canciones que aparecen en
la película son: Cristal; El perfume del amor; Mi vida eres tú; Días de coreo-
grafías; Cristo Park; Papá; What a Feeling; Ten fe; Cándida. En distintos
momentos musicales de la película, Natalia Oreiro canta, mostrando su
competencia como cantante pop a partir de canciones que rozan lo ridículo
y la frivolidad. Como ejemplo, la letra de El perfume del amor, que se trans-
cribe a continuación.

Ay qué calor, ay qué calor... / estoy loquita y es por amor. Ay qué calor,
ay qué calor... / está loquita y es por amor. La vida es impredecible y te
sorprende de dos por tres, a veces no pasa nada y a veces pasa todo a
la vez. No hay métodos infalibles para pasarla un poco mejor, pero hay
algo irresistible en el aroma de la pasión. Siéntelo, el perfume del amor.

3 Disponible en: <http://www.misstacuarembo.es/site/MissTacuarembo_dossier.pdf>.


4 En el siguiente video queda en evidencia: <https://www.youtube.com/watch?v=GiqGHep-
10Mo>. Acceso en: 10 abr. 2015.

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 581
/ Pruébalo, y se sentirá mejor. / Búscame, que se va a poner bonito.
Chiquitito, chiquitito y lo bailo apretadito. / Chiquitito, chiquitito ay mi
corazón. / Ay qué calor, ay qué calor... [...] / Lo único que yo quiero es
vivir la vida./ Vivir la vida, con Pascualina. / Permíteme que te dé la razón,
querida. / La Pascualina, fiesta total. 5

Parte de la parodia de la película es justamente la ridiculización en extremo


de sus canciones a partir sobre todo de las letras. Nuevamente lo pop y lo kitsch
se ven representados en este musical uruguayo que se propone transgresor
de las normas sociales del interior del país frente a las expectativas de éxito
que ofrecen las industrias culturales en los años ochenta y la integración a un
mundo sin geografías ni fronteras.
Evidentemente, la música juega un lugar central en esta película como
vehículo de significado muy potente y como comunicante no verbal. Como
señala Sorlin (2010, p. 143), a partir de Bazin (1962) se considera que la música
crea una atmósfera en las películas, esto es, la banda sonora reafirma los diálo-
gos, resalta los actores y condensa el relato: “El efecto de sonido designa a los
objetos y los personajes a los que hay que prestarles atención”.
A una trama y estética bizarra se le suman vestuarios, escenografías y letras
estridentes y ridículamente kitsch. La capacidad de representar un mundo
paralelo al real es sorprendente, al mismo tiempo que da cuenta muy bien del
mundo “real” del interior del Uruguay.
El mundo de Natalia transcurría muy fuertemente vinculado a la televi-
sión, que en cierta forma era su válvula de escape de una realidad muy acotada
a las instituciones de socialización más tradicionales: escuela, familia y barrio.
Así, Natalia era fanática de la telenovela Cristal, una telenovela venezolana
emitida en distintos países latinoamericanos y también en España, que tuvo
altos niveles de rating.6
Por otra parte, Carlos era el mejor amigo de Natalia, un niño poco inte-
grado al entorno de los otros niños de su edad en el pueblo. En la película se
lo puede ver como el niño que dejó de comer carne cuando su madre sacrificó

5 Disponible en: <http://www.musica.com/letras.asp?letra=1859421> y en <https://www.youtu-


be.com/watch?v=hGUekjEYmaQ>. Acceso en: 12 abr. 2016.
6 En el vídeo de la telenovela puede apreciarse su argumento principal y estética: <https://www.
youtube.com/watch?v=qsbttAmNess>. Acceso en: 10 abr. 2016.

582 ROSARIO RADAKOVICH


a su oveja, Madonna. Madonna, ícono de la revolución sexual y de una visión
de la cultura pop en la que se empodera lo Porn Chic (2012) se revela como
ícono de la liberación sexual a nivel global. La connotación de la película y
del personaje de Carlos a la apertura sexual es evidente, especialmente en los
años ochenta, donde se ubica como heredera de las reivindicaciones de los
movimientos gays.
La película también denuncia el poder de la religiosidad católica tradi-
cional en el interior del país y el impacto de los valores cristianos en la vida
de adultos de los personajes. Así, Natalia y Carlos terminan trabajando en el
Parque Temático Cristo Park en Buenos Aires, cuyas principales atracciones
son asociadas al catolicismo. Es interesante cómo la película pone de mani-
fiesto la religiosidad en un país que se auto- considera laico, revelando que el
catolicismo está más arraigado de lo que los imaginarios sociales se atreven
a confirmar.
Por tales razones, la película traduce los condicionamientos sociales y
morales, así como las limitaciones geográficas y de origen en la búsqueda de
un camino de realización personal.
Por otro lado, Hiroshima  es una película realizada en 2009 y coprodu-
cida por Uruguay, Argentina, España y Colombia. La película fue escrita y diri-
gida por Pablo Stoll y en ella actúan varios miembros de su familia y allega-
dos: Juan Andrés Stoll, Mario Stoll, Guillermo Stoll, Juan Carlos Garza, Leonor
Courtoisie y Alejandro Castiglioni. Se basa en la vida del actor principal, Juan
Andrés Stoll, hermano del director, y su relación con la música.
Juan es un joven uruguayo que recorre la ciudad en bicicleta con sus auri-
culares y su música. El joven trabaja en una panadería, pero su vida gira en
torno a su música y su banda. Se trata de una película minimalista que recorre
el día del hermano del director en su profunda relación con la música como
pasión, y finalmente queda en evidencia que es también su vocación.7

7 Al respecto puede verse el Trailer de la película. Hiroshima en: <https://www.youtube.com/


watch?v=_aLSV3wohmI>. Acceso en: 3 nov. 2017.

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 583
Figura 2 — Hiroshima

Fonte: Control Z.8

Oficialmente, según la web de la productora Control Z, la película es “un


musical mudo”, en la que los diálogos no tienen sonido. Por el contrario, son
únicamente leídos, rememorando las películas mudas. Con ello, la película es
también una relectura del lenguaje cinematográfico convencional y una suerte
de homenaje al cine clásico, con un resultado “híbrido” característico de la
búsqueda de renovación permanente del cine contemporáneo, muy en conso-
nancia con las apuestas de la productora Control Z.9
Como señala Marrero (2015), Stoll realiza “una operación antropofágica”
en la que crea un lenguaje audiovisual propio a partir de una obra que integra
diversos géneros, estéticas y momentos del cine. A pesar de postularse como un
cine minimalista, la obra trae múltiples asociaciones al cine clásico. El mismo
título de la película se asocia con las denominadas road movies, a partir del
deambular en bicicleta del protagonista. El western se asocia en la escena de

8 Disponible en: <http://www.controlzfilms.com/peliculas/hiroshima/data/>.


9 Al respecto puede verse las distintas propuestas que ofrece Control Z: <http://www.controlz-
films.com/>.

584 ROSARIO RADAKOVICH


discusión con el padre por su indiferencia con la posibilidad de trabajo en una
empresa estatal.
En esta película, el sonido es el protagonista en el juego de presencia y
ausencia que define la trama. Hiroshima transcurre entre los diálogos silencia-
dos de los protagonistas que llegan al público a partir de continuos intertítulos,
que sustituyen la voz. Y la música surge de las opciones de Juan presentes en
sus auriculares mientras deambula por la ciudad. El contraste entre la ausencia
de sonido y un intenso ritmo musical altera la percepción habitual que ofrecen
las películas.
Como consecuencia, la propuesta resta centralidad a la voz de los perso-
najes y realza la música como agente significante de la experiencia de vida del
personaje principal. Este recurso invierte lo que Michel Chion (1993) denomina
la tendencia “vococentrista” del sonido en el cine. Ello supone que se favorece
a la voz, se la resalta entre otros sonidos, “es casi siempre [...] lo que se aísla
en la mezcla como instrumento solista del que los demás sonidos, músicas o
ruidos, no serían sino el acompañamiento”. (CHION, 1993, p. 15)
La película se construye como un “musical mudo” construido en el con-
traste entre voces silenciadas, la inclusión de lenguaje escrito (intertítulos)
y música. Según Marrero, la decisión de representar los diálogos a través de
intertítulos tiene varias implicancias: la recuperación de un recurso propio
del cine mudo, revelando un retorno “a los orígenes”, por un lado, y por otro
“la subversión del carácter verbocentrista del cine” que, según Michel Chion
(1993), privilegia el lenguaje verbal a la hora de diseñar el sonido.
A contramano de la imagen high-tech del cine global actual (LIPOVETSKY;
SERROY, 2015), Hiroshima retorna al cine clásico y, de una forma atípica, al
género musical. La realización de un “musical mudo” con numerosas referen-
cias a obras clásicas da cuenta de un hacer diferente en el cine independiente y
de una aproximación al género musical extremadamente original.
Quizás cine-arte, esta obra de Stoll trae recursos poco habituales a la pan-
talla. Los diálogos de los personajes se subtitulan y silencian. Sólo la música
que acompaña al personaje principal nutre las emociones de los protagonistas
y de los públicos. El operativo de desnaturalizar el lenguaje resulta también
sugerente y desconcertante para el público.
Aún al introducirse intertítulos, los contenidos de los diálogos que se trans-
criben no son relevantes per se para entender la obra. Justamente, la parodia se

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 585
construye en relación con los intertítulos, que sólo ofrecen redundancias. Es la
música la que ofrece un hilo articulador de la película.
Casi a contramano de la obviedad y los clichés que Adorno y Eisler (2005)
en “El cine y la música” advierten en el uso de la música, en Hiroshima Stoll
juega con la música recreando un lenguaje cinematográfico deliberadamente
obvio (la centralidad de la música), pero operativamente disruptivo con el
común de las películas contemporáneas, en las que el sonido está al servicio
de la voz y la música, como dirían Adorno y Eisler nuevamente. La música
está prevista para “no oírse”. Como señalan los autores, “la reiteración de
situaciones típicas y momentos emocionales repetidos ha decantado en la
estandarización de los recursos utilizados para estimular la tension, lo que
lleva a la creación de “lugares communes musicales”. (ADORNO; EISLER,
2005, p. 24)
Sólo en el final la voz indica haber encontrado el camino, la identidad,
los planes, el presente vital y un destino. El destino es la acción presente que
sólo se releva al final de la película, cuando el protagonista canta con su banda
de rock una canción: Hiroshima. Su música, su banda, es su voz, donde logra
comunicarse en medio de la in-comunicación de su deambular cotidiano.
En los créditos finales de la película, Stoll revela que varias escenas tie-
nen influencias de la obra La ciudad (2008) del reconocido escritor uruguayo
Mario Levrero. Se trata, según Lorena Ferrer (2013), de lo que Sergio Wolf llama
“transposición encubierta” y define como una adaptación de zonas, efectos de
estilo o frases que adquieren relevancia en el diseño cinematográfico sin que
ello implique un seguimiento explícito del relato literario de origen. (WOLF,
2001, p. 16 e 149 apud FERRER REY, 2013, p. 123)
Como Stoll reconoce, no se trata de una adaptación fiel del texto literario,
sino de una libre inspiración de dos escenas presentes en la novela de Levrero.
Pero se asume que la sombra del autor planea durante toda la película. “No leí
de vuelta La ciudad para hacer el guión”, declara en la entrevista anteriormente
mencionada, “pero [...] cuando estaba escribiendo el guión me gustó incluirlo
en la parte de Solís, que es la parte más onírica de la película. Después me di
cuenta de que de alguna manera contaminaban el resto [...]”. (AGUIAR, 2010)
La película, además de ser una variante original del cine musical por los
recursos audiovisuales que implementa, se vuelve un anclaje local con sello
uruguayo en sus contenidos y por atmósfera levreriana recreada.

586 ROSARIO RADAKOVICH


Ambas apuestas del cine uruguayo reciente dan cuenta de apropiaciones
locales del género musical que cuentan con la complicidad literaria en su
trama y con ingeniosas formas de mostrar la relevancia de la música en la vida
de los protagonistas.

El punto de vista de los públicos: musicales pop y punk-rock


ante el público local

El encuentro con los públicos de las producciones locales en el caso uruguayo


tiende a ser complejo, imprevisible y cargado de prejuicios (RADAKOVICH,
2011, 2014a), pero no inamovible, como lo muestran los últimos estudios res-
pecto a la opinión de los públicos y cinéfilos uruguayos sobre su propio cine en
los años recientes. (RADAKOVICH, 2014, 2015a)
No obstante, los uruguayos han ido incorporando progresivamente en su
imaginario cultural la existencia de un cine nacional, por cierto menos nacional
en sentido estricto dado que se trata cada vez más de coproducciones y a la
vez menos de un único cine. Se trata de una variedad de propuestas estéticas,
narrativas, géneros y abordajes temáticos. (RADAKOVICH, 2014)
De acuerdo a la Tercera Encuesta Nacional de Imaginarios y Consumo
Cultural de los Uruguayos de 2014, el 66% de los uruguayos ha visto cine
nacional alguna vez en la vida, mostrando que el interés existe y que se desliga
del ritual de ir al cine. El 43% accedió a ver cine local a partir de la oferta tele-
visiva, escasa pero existente en los últimos años en medios públicos y privados.
Y el 29% lo hizo a partir del videoclub del barrio o la ciudad.
La misma fuente plantea que al analizar el perfil social de quienes valoran el
cine uruguayo, el capital educativo expresa intensas diferenciaciones. Aquellos
que cuentan con menor nivel educativo tienen dificultades para valorar aquello
que vieron en una considerable mayor proporción que quienes cuentan con
mayor inversión educativa. El 51% de quienes tienen primaria no saben o no
contestan acerca de cómo valoran el cine nacional. (RADAKOVICH, 2014)
Al analizar una web especializada en cartelera cinematográfica donde
públicos de cine aportan sus comentarios respecto a las películas10 se pueden

10 Disponible en: <www.cartelera.com.uy>.

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 587
señalar algunas características en la apreciación de las dos ficciones que se ana-
lizan por ser representativas del género “cine musical”.
A diferencia de otras producciones de ficción nacionales, Miss Tacuarembó
y Hiroshima no son debatidos meramente por su capacidad de reflejo de la
identidad “nacional”. Su valoración se asocia a la capacidad de sorprender con
sus recursos, estéticas y la incursión en un género cinematográfico no habitual
en el entorno nacional. Ambas películas se perciben desde el gusto o disgusto
en base a su calidad técnica y artística y su capacidad de emocionar y entretener.
Respecto a Miss Tacuarembó, la valoración y la crítica coinciden en su
carácter pop. Sin embargo, para unos se trata de una producción “incohe-
rente” y para otros “irónica”. Para unos, la estética es producto de un capricho
del director. Para otros, se trata de la sintonía y guiñadas cinematográficas a
otros directores y películas. La disputa traduce no sólo la valoración de la pelí-
cula sino la apreciación de los públicos. Entre los más y menos intelectuales
o eruditos, entre cinéfilos (o más específicamente “cinéfilos 2.0”) (JULLIER;
LEVERATTO, 2012) y amateurs. El aspecto a central de debate es su connotada
estética pop.

Sencillamente mala. Tan incoherente y creída de ser pop que no entiendo


porque tanta gente acá sigue hablando de ella una y otra vez. Es mejor
obviarla e ignorarla... (Gustavo, 27 años, calificación 1, 12-07-2010)

Muy pop, mucha historia que no me interesó. Muy forzada, demasiado


gay, muy egocéntrica, demasiado formal. Un capricho total. (Gonzalo, 40
años, calificación 1, 12-07-2010)

Aburrida, incoherente, fallida. Un bodriete [...] Una sopa de cosas que


no pegan con nada. Tupamaros, homosexuales, comedias viejas, religión
y todo así. No me gustan las películas musicales lo admito, pero aun las
partes que no son musicales no tienen ningún enganche. (Andrés, 39 años,
calificación 1, 10-08-2010)

Algunos la califican como “mala” justamente en base a su carácter de come-


dia musical pop, asociándola más a un cine “estridente” caracterizado por los
públicos que comentan en la web como “incoherente”, “forzada”, “caprichosa”,
sin “ningún enganche”. De acuerdo con Susan Sontag (1984) en “Notas sobre lo
camp”, lo camp es lúdico, anti-serio. Se trata de un buen gusto del mal gusto.

588 ROSARIO RADAKOVICH


El gusto del exceso. También se trata del gusto de lo no-consagrado y de lo que
es reactivo (‘bodrio’). Justamente, en el discurso de una parte de los públicos
analizados se trata de un “bodrio” o “bodriete”, como se menciona en las citas
anteriores.
En particular se puede evidenciar el gusto por lo camp vinculada al trash y
el kitsch. El trash se asocia a las obras “chocantes”, que confrontan las normas
sociales, sexuales y políticas. De ahí también que se le caracteriza como una
película contracultural en relación al status quo y las normas hegemónicas de
una sociedad heterosexual, conservadora y religiosa, especialmente en el inte-
rior del país, a pesar de la laicidad del Estado que caracteriza al país.

Muy buena película, al fin el cine uruguayo hace algo alegre, colorido,
delirante, bizarro... la música genial, canciones delirantes y pegadizas. Es
humor, no un ataque a la iglesia ni una oda a los gays. (Martín, 26 años,
calificación 5, 23-07-2010)

Muy divertida y sobre todo muy creativa. Hace un manejo muy inteligente
de la ironía, las creencias y los musicales. Es una película muy disfrutable,
a la altura de las lindas locuras de Almodóvar y Monty Python. Entiendo
que no es una película para todo público... (Sergio, 50 años, calificación
5, 8-07-2010)

Me encanto. Bizarra. (Valentina, 27 años, calificación 5, 23-07-2010)

Por otra parte, otros advierten un tono más positivo bajo la misma carac-
terización de la película como bizarra, delirante, divertida, creativa, irónica.
En el kitsch “se asume con plena conciencia el lado excesivo: un kitsch rui-
doso y chillón, pero que nunca se cree totalmente lo que es”. (LIPOVETSKY;
SERROY, 2015, p. 259) Aplicado al cine, lo que Lipovetsky y Serroy denominan
“neokitsch” tiene una función lúdica más intensa que supone en los públicos la
búsqueda del disfrute, de lo alegre y también de lo no convencional en géneros,
estéticas y narrativas.
En la recurrente calificación de la película como “bizarra”, gusto y dis-
gusto se invierten de significado. Como señalan Lipovetsky y Serroy (2015, p.
256) respecto al kitsch “el gusto por el mal gusto, lo insignificante y lo vulgar
se ha vuelto chic”, algo que es “ofensivo, inapropiado o de tan mal gusto que
se vuelve divertido”. El kitsch posmoderno se hace presente en las “comedias

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 589
musicales” como señalan los autores “en aquellas que representan ‘Nuestra
Señora de París’ en cancioncillas populares, los Diez Mandamientos como un
sainete con cuplés y a Mozart en plan pop-rock”.
Como se señalaba antes, el kitsch hipermoderno sintetiza placer, emoción
y fascinación, es una experiencia artística que despierta los sentidos. Lo kitsch
se vuelve experiencial y emocional. Expresa una realidad irreal, una verdad
falsa, una transrealidad. Mis Tacuarembó cumple muy bien con esta estética
hipermoderna bizarra de goce sensorial. Con ello, logra situarse como una
película transgresora para los parámetros del cine reciente en Uruguay.
En el caso de Hiroshima el debate también transita entre los polos más
radicales de valoración: desde su caracterización como “bodrio” asociado a lo
“aburrido”, a la nominación como “obra maestra” del cine uruguayo, “exce-
lente” en relación a los sentimientos que provoca en el ánimo de los públicos.

Mala no, horrible!... para mí los que le ponen excelente son los Stoll, no
hay caso... nadie que la vio puede decir eso. Si tienen duda vayan a verla...
no lleven pistolas ni armas blancas... seguro las usarían. (Eltero, 28 años,
calificación 1, 28-04-2010)

Reiterativa (25 watts) pero carente de aquella gracia. Un verdadero bodrio


sin ningún interés para aquellos que no pertenezcan al círculo de la familia
Stoll. Si el director hubiese sido Juan Pérez, ¿recibiría tan buenas críticas?
(‘Vieja cinéfila’, 67 años, calificación 1, 25-04-2010)

Hace tiempo no disfrutaba tanto de ver una película en el cine. Es un viaje.


Me encantan las películas que inventan una ciudad con herramientas de
cine. Nada más fantástico que una fantasía armada con pedazos de reali-
dad. [...] Es verdad que está vinculada al cine de los hermanos Dardenne o
de los Kaurismaki, [...] Además H arma un relato auténtico y bien perso-
nal. La estrategia que usa para contar es conmovedora. Me da la sensación
de que enmudeció al mundo – de la película – para nivelar lo descolo-
cado del personaje – que es el hermano del director además. La verdad
es que todo habla, es envolvente, sensible, sensual y el final es... potente.
Agradecido. (CeroU, 35 años, calificación 5, 24-04-2010)

Nuevamente, el “bodrio” se debate aquí como sinónimo del “mal gusto”


para unos, mientras para otros se trata de un producto cultural que delata la
ideología estética del cine y una intencionalidad estética específica del director

590 ROSARIO RADAKOVICH


– Pablo Stoll. Como señala Dominique Chateau en Estética del cine (2010, p. 72),
“es un error superponer las antinomias cultura/arte y buen gusto/mal gusto. En
términos de fine taste... es posible cultivar un gusto refinado por los productos
culturales, por ejemplo, volverse un experto en kitsch o en bodrios”.
El debate que se plantea entre los públicos también se traslada por un lado
a la estética de la productora que ha sabido replicar un cierto ‘hacer’ cinemato-
gráfico en sus distintas obras – desde 25 Watts, Whisky, La Perrera, Gigante – y
con éxito a nivel internacional.

No hay que perder de vista el fin último de cualquier tipo de creación ar-
tística: que alguien la vea/aprecie/lea/escuche. Sin un espectador, la obra
no se completa. [...] Se lo puede dejar sobrevolar por climas y atmósferas
“músico-visuales” (como lo hace, y muy bien por cierto, esta película).
Pero por sobre todas las cosas, no se lo puede ignorar. Creo que CTRLZ
hace rato que se olvidó que hay gente del otro lado del proyector que
gusta del cine [...]. Ese mismo espectador [...] espera que lo sorprendan y
lo deleiten, o que lo incomoden y lo aguijoneen. O algo. [...] (Lafinur, 78
años, calificación 2, 24-05-2010)

A Lafinur: [...] Yo creo que Ctrl-Z no es el mejor ejemplo de pacto fiel con
el espectador; nunca lo fueron. [...] Pero si le reprochamos a Hiroshima
que se olvida del espectador, creo podemos hacer lo mismo con Tsai Ming
Liang o Lucrecia Martel. A mí me parece que, y aunque el propio Stoll lo
niegue, en Hiroshima hay un verdadero deseo de comunicar ese universo
en particular al otro lado del proyector. Pasa que de ese universo no todo
el mundo quiere enterarse o pocos están dispuestos a verlo en cine. (Jab,
24 años, calificación 4, 25-05-2010)

En este sentido, la crítica se manifiesta en la recurrencia de un modelo


estético exitoso en festivales especializados pero encrípticas para el gran
público, ciertamente un aspecto polémico para la valoración de la película
entre los públicos. Algunos comentarios enfatizan que se trata de películas
cargadas de guiños cinematográficos y chistes entendido por los allegados a
la productora – amigos, familiares y los propios directores – no incluyen al
público en general.
Pero, por otro lado, en los comentarios también se reconoce que apues-
tas cinematográficas como “Hiroshima” resultan sumamente originales para el

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 591
cine uruguayo y atractivas en una arena mayor cuando se ofrecen en festivales
y muestras internacionales porque dialogan con estéticas y cineastas consagra-
dos del cine clásico y el cine independiente internacional. El debate se entabla
entre dos visiones diferentes de lo que significa el cine como arte y entreteni-
miento, pero también entre públicos eruditos y amateurs.
Como señala Jullier y Jean-Marc (2012, p. 86), el cine sonoro supuso una
intensificación del placer cinematográfico mientras el film mudo “revelaba
cada vez más límites, percibidos por numerosos consumidores, en su capaci-
dad para expresar las emociones humanas”. En Hiroshima la sonoridad queda
puesta por entero en la música potenciando su efecto emotivo. Con ello, este
“musical mudo” se revela como una variante al fin del cine musical con apro-
piaciones locales del rock y el punk rock a partir de la centralidad que adquie-
ren diversas canciones de grupos uruguayos contemporáneos como Relaciones
Sexuales, DanteInferno, Perdonalos Garrido!, Psiconautas, Estado de Fetidez,
Los Ases del Beat, Reverb, The Supersónicos y Genuflexos.

Conclusiones

Hiroshima y Miss Tacuarembó constituyen ejemplos disímiles en el tratamiento


del sonido y la puesta en escena, pero muy representativos de las apuestas del
cine de ficción uruguayo en la primera década de los años dos mil al denomi-
nado cine musical. Mientras Miss Tacuarembó cumple con las definiciones más
convencionales del cine musical reciente, Hiroshima se asume como un musi-
cal mudo con múltiples referencias al cine clásico.
Sin embargo, ambas películas también plantean puntos de contacto. En
primer lugar, el argumento de la trama podría resumirse como la búsqueda de
un sueño vinculado al querer vivir de la cultura y en particular “de la música”.
Tal es el caso de Natalia en Miss Tacuarembó y de Juan como músico y cantante
de la banda a la que pertenecía – “Genuflexos” – en Hiroshima.
En segundo lugar, ambas películas representan aproximaciones culturales
críticas y alternativas: una lo hace desde el pop internacional y la música meló-
dica y otra a través del rock y el rock punk uruguayo. Si Miss Tacuarembó repre-
senta una dimensión de “lo masivo”, Hiroshima podría asociarse al universo
“erudito” y “under” del arte y la cultura. De cierta forma entonces, representan

592 ROSARIO RADAKOVICH


“lo contracultural”, lo que ciertamente es interesante como expresión “trans-
gresora” del cine musical reciente, también en la crítica cultural que plantean.
Ahora bien, mientras Miss Tacuarembó toma como referencia una obra
de un autor joven “under” como Dani Umpi, Hiroshima se vincula a un autor
consagrado de la literatura uruguaya como Mario Levrero. Si Miss Tacuarembó
podría llegar a representar un musical derivado de las variantes estéticas
hollywoodenses del género pero con una narrativa demasiado irónica para
consagrar el status quo social y cultural, Hiroshima representa la vertiente
europea y clásica del cine musical con una trama muy emblemática para las
nuevas generaciones y el universo juvenil: encontrar la voz propia, vivir del arte,
diferenciarse de los estilos de vida de las generaciones adultas etc.
Del análisis realizado surge que el género musical no es en sí mismo
debatido por los públicos locales sino cómo consecuencia de las estéticas y
narrativas específicas de las dos películas. Los públicos se dividen en posicio-
nes “eruditas” y “amateurs” fundamentalmente a la hora de valorar la estética
kitsch y camp que las caracteriza. Las diferencias de apreciación en los públicos
remiten en ambos casos al kitsch. El kitsch es considerado adorable o detesta-
ble – bodrio –, según se trate de públicos más o menos especializados.
Al considerar el sentido social de las películas, Miss Tacuarembó deja en
evidencia el impacto de la globalización en los años ochenta en el contexto
local y la inconsistencia de expectativas entre las promesas del éxito global
que promueven los medios en relación a las limitaciones que ofrece “la aldea”
Hiroshima por su parte, parece más un retrato de la vida posmoderna con-
temporánea en el que la vida cotidiana queda desmembrada en una dimensión
alternativa a la de los gustos, en la que la música es el único impulso de un
joven que deambula en la ciudad sin ofrecer más que la concreción del toque/
recital el final feliz. No hay proyección futura sino acción presente. En ambos
casos, la música es el horizonte.

Referencias

25 WATTS. Dirección: Pablo Stoll y Juan Pablo Rebella. Uruguay: Ctrl Z Films, 2001.
ADORNO, T.; EISLER, H. El cine y la música. 2. ed. Madrid: Fundamentos, 2005.

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 593
AGUIAR, X. Sentí una especie de peso que se iba. El País, Montevideo, 13 ago. 2010.
Disponible en: <http://www.elpais.com.uy/suplemento/cultural/-senti-una-especie-
de-peso-que-se-iba-/cultural_507240_100813.html>. Acceso en: 12 feb. 2016.
ALTMAN, R. The american film musical. Indianapolis: Indiana University Press, 1989.
AMIEVA, M. Stoll en Hiroshima. 33 Cines, Montevideo, n. 6, 2011.
ARRIAZU MUÑOZ, R. ¿Nuevos medios o nuevas formas de indagación? una
propuesta metodológica para la investigación social on-line a través del foro de
discusión. Forum: qualitative social research, Berlim, v. 8, n. 3, art. 37, sept. 2007.
Disponible en: <www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/275/606>.
Acceso en: 10 feb. 2017.
AUGÉ, M. Los no lugares: espacios del anonimato. Barcelona: Gedisa, 2009.
BORDWELL, D.; THOMPSON, K.; STAIGER, J. El cine clásico de Hollywood.
Barcelona: Paidós, 1997.
CHATEAU, D. Estética del cine. Buenos Aires: La marca, 2010.
CHION, M. La audiovisión: introducción a un análisis conjunto de la imagen y el
sonido. Barcelona: Paidós, 1993.
CHION, M. La música en el cine. Barcelona: Paidós, 1997.
CINEMATECA URUGUAYA. La historia no oficial del cine uruguayo: 1898-2002.
Disponible en: <http://www.cinemateca.org.uy/PDF/La%20historia%20no%20
oficial%20del%20cine%20uruguayo.pdf >. Acceso: 22 abr. 2016.
CORONA RODRÍGUEZ, J. M. Etnografía de lo virtual: experiencias y aprendizajes de
una propuesta metodológica para investigar internet. Razón y Palabra, Quito, n. 82,
p. [1-17], marzo/mayo 2013.
DANEY, S. Cine, arte del presente. Buenos Aires: Santiago Arcos, 2004.
DOS destinos. Dirección: Juan Etchebehere. Uruguay: Ciclolux, 1936.
EN LA PUTA vida. Dirección: Beatriz Flores Silva. Uruguay, 2001.
FERRER REY, L. Algo más que una mención en los créditos: la impronta de Mario
Levrero en Hiroshima de Pablo Stoll. Anales de Literatura Hispanoamericana, Madrid,
v. 42, número especial, p. 121-130, 2013. Disponible en: <https://revistas.ucm.es/index.
php/ALHI/article/viewFile/43033/40846>. Acceso en: 13 feb. 2017.
FEUER, J. The Hollywood Musical. London: MacMillan, 1982.
FUENTES NAVARRO, R. Exploraciones teórico-metodológicas para la investigación
sociocultural de los usos de Internet. In: VASALLO DE LOPES, M.; FUENTES
NAVARRO, R. (Org.). Comunicación, campo y objeto de estúdio: perspectivas reflexivas
latino-americanas. Guadalajara: ITESO, 2001.

594 ROSARIO RADAKOVICH


GARDEL: ecos del silencio. Dirección: Pablo Rodríguez. Uruguay: Grupo Tango’s
Uruguay: Orsai Films, 1997.
HIROSHIMA. Dirección: Pablo Stoll. Uruguay: Ctrl Z Films, 2009.
JAMESON, F. Posmodernismo o la lógica cultural del capitalismo tardío. Barcelona:
Paidós, 1991.
JULLIER, L.; JEAN-MARC, L. Cinéfilos y cinefilias. Buenos Aires: La Marca, 2012.
KASSABIAN, A. Hearing Film: tracking identifications in contemporary Hollywood
film music. London: New York: Routledge, 2000.
LA CASA muda. Dirección: Gustavo Hernández. Uruguay: Tokio Films, 2011.
LACK, R. La música en el cine. Madrid: Cátedra, 1999.
LEVRERO, M. La ciudad. Barcelona: Debolsillo, 2008.
LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. La estetización del mundo: vivir en la época del
capitalismo artístico. Barcelona: Anagrama, 2015.
LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. La pantalla global: cultura mediática y cine en la era
hipermoderna. Barcelona: Anagrama, 2009.
LYNCH, A. Porn chic: exploring the contours of ranch eroticism. London: Berg, 2012.
MAIA, G.; RAVAZZANO, L. O cinema musical na América Latina: uma cartografía.
Significaçao, São Paulo, v. 42, n. 44, p. 212-231, 2015. Disponible en: <http://www.
revistas.usp.br/significacao/article/viewFile/103432/106905>. Acceso en: 1 feb. 2016.
MARRERO, C. El silencio de Hiroshima. 33 Cines, Montevideo, Tercera época, n. 3,
dic. 2015. Disponible en: <http://33cines.uy/el-silencio-de-hiroshima/>. Acceso en:
13 marzo 2016.
MARTIN-JONES, D.; MONTAÑEZ, M. S. Cinema in progress: New Uruguayan
Cinema. Screen, London, v. 50, n. 3, autumn 2009.
MARZAL FELICI, J.; REYES, J. J. El sonido del cine mudo: música e integración
narrativa en algunos films de Griffith. Archivos de la Filmoteca, Valência, v. 20, p.
22-35, jun. 1995.
MATAR a todos. Dirección: Esteban Schroeder. Uruguay: Guazú Media, 2007.
METZ, C. Ensayos sobre la significación en el cine: (1964-1968). Barcelona: Paidós,
2002.
MISS Tacuarembó. Dirección: Martín Sastre. Uruguay: Oriental Films, 2010.
MUNSÓ CABÚS, J. El cine musical: I: 1927-1945. Barcelona: Film Ideal 2000, 1997a.
MUNSÓ CABÚS, J. El cine musical: II: 1945-1997. Barcelona: Film Ideal 2000, 1997b.

El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 595
RADAKOVICH, R. El consumo cinematográfico en Uruguay. Revista Versión, México
DF, 2015a.
RADAKOVICH, R. Intersecciones entre lo culto, lo popular y lo tecno-audiovisual.
In: DOMINZAÍN, S. et al. Imaginarios y consumo cultural de los uruguayos.
Montevideo: MEC: UDELAR, 2015b.
RADAKOVICH, R. Retrato cultural: montevideo entre cumbias, tambores y óperas.
Montevidéu: Udelar/FIC, 2011.
RADAKOVICH, R. et al. El cine nacional de la década: Industrias creativas
innovadoras. Montevidéu: Udelar/FIC: MEC/ICAU, 2014.
RADIGALES, J.; POLO, M. La música en el cine: la estética de la música. Barcelona:
UOC, 2008. (Colección Duo).
RAU. El cine uruguayo. 1996. Disponible en: <http://www.rau.edu.uy/uruguay/
cultura/Uy.cine.htm>. Acceso en: 25 mayo 2016.
REUS. Dirección: Pablo Fernández, Eduardo Piñero y Alejandro Pi. Uruguay: Panda
Filmes, 2011.
RUFFINELLI, J. Para verte mejor: el nuevo cine urugauyo y todo lo anterior.
Montevideo: Trilce, 2015.
RUSSO, E. El cine clásico: itinerarios, variaciones y replanteos de una idea. Buenos
Aires: Manantial, 2008.
SCOLARI, C. Hipermediaciones: elementos para una teoría de la comunicación digital
interactiva. Barcelona: Gedisa, 2008.
SONTAG, S. Notas sobe los camp. In: SONTAG, S. Contra la interpretación y otros
ensayos. Barcelona: Seix Barral, 1984. p. 303-331.
SORLIN, P. Estéticas del audiovisual. Buenos Aires: La marca, 2010.
TAYLOR, S. J.; BODGAN, R. Introducción a los métodos cualitativos de investigación,
Barcelona: Paidós, 1987.
WEISS, E.; BELTON, J. (Ed.). Film Sound: theory and practice. New York: Columbia
University Press, 1985.
WOLF, S. Cine/Literatur: ritos de pasaje. Buenos Aires: Paidós, 2001.
VOCACIÓN. Dirección: Rina Massardi. Uruguay, 1936.
ZANAHORIA. Dirección: Enrique Buchichio. Uruguay: Lavorágine Films, 2014.

596 ROSARIO RADAKOVICH


PARTE 5
TESTEMONIOS
Entrevista com João Luiz Vieira1

GUILHERME SARMIENTO

Conheci João Luiz Vieira no primeiro semestre de 1992. Ele acabava de retor-
nar ao país após uma temporada de estudos no Japão. Minha viagem era mais
modesta: chegava do interior do estado do Rio de Janeiro para estudar cinema
na Universidade Federal Fluminense (UFF). Fui aprovado para o segundo se-
mestre e ainda restava alguns meses antes da matrícula quando abri um folheto
de programação do Centro Cultural Banco do Brasil. Era um dia comum da
semana, e desperdiçava meu tempo ocioso assistindo filmes. Debaixo da abó-
boda luminosa de arquitetura neoclássica, abri o folheto cilíndrico dobrado em
seis como um inábil tocador de sanfona e, em meio aos anúncios de mostras,
exposições e temporadas teatrais, havia a chamada para um minicurso de ci-
nema japonês, com inscrições gratuitas. Dez dias depois, entrava no elevador
da Avenida Presidente Wilson, no centro do Rio, para chegar até o andar de

1 Entrevista realizada por Guilherme Sarmiento em agosto de 2015, para os projetos de pesquisa
“Cinema Musical na América Latina: ficção, documentários e novos formatos”, apoiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), e “Os Musicais no Brasil: cinema
e televisão”, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), desenvolvidos no Laboratório de Análise Fílmica (LAF) da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), coordenado pelo professor Guilherme Maia. Entrevista transcrita por Franklin
Guimarães e Thiago Alecrim – graduandos e membros voluntários do LAF.
funcionamento do Centro Cultural do Consulado do Japão, em cujo auditó-
rio, já sentado na mesa centralizada, o professor arrumava pacientemente suas
anotações e um funcionário preparava o projetor 16 milímetros para a exibição
das películas.
Passados quase 30 anos, aquelas aulas e projeções são como uma baga-
gem – em minhas poucas andanças pelo mundo – que ainda não se extraviou.
Recupero sem dificuldade, do fundo da mala, a camisa em que se estampa a
figura de Chishu Ryu descascando uma laranja ao final de Pai e filha (1949),
de Yasujiro Ozu; muito embora sua lavagem exija certos cuidados para não
se perder de vez a nitidez do desenho, manteve, de certa forma, sua legível
e impactante atualidade.2 Realizar esta entrevista com João Luiz Vieira nesse
momento da minha vida tem o poder de revirar essas lembranças e trazê-las
sob uma nova roupagem. Isso porque, nesse intervalo, tornei-me professor e
passamos a ser colegas. Também porque o assunto que nos une hoje – o motivo
de nosso encontro – não tem relação direta com o cinema japonês, mas com
o cinema brasileiro e latino-americano. Vamos conversar sobre os filmes musi-
cais na América Latina. Isso me força a pensar na trajetória intelectual do entre-
vistado, atento não somente às câmeras baixas, sóbrias e estáticas do mestre
japonês como também às coreografias cantantes e burlescas legadas por José
Carlos Burle.3 E essa disparidade entre interesses cinematográficos revela um
pesquisador inquieto e um caráter nostálgico, no qual o impacto das primeiras
impressões traz para o interior da pesquisa as marcas de uma afecção.
Isso se revela logo no começo da entrevista, quando, instigado a falar
sobre os musicais, João Luiz Vieira resgata o ambiente familiar que envolveu

2 O curso de João Luiz Vieira fez um painel muito aprofundado do cinema japonês, especialmen-
te da década de 1930 a 1950. Além de Yasujiro Ozu, foram mostradas obras de Kenji Mizoguchi,
Heinozuke Gosho e Mikio Naruse. É interessante chamar atenção aqui para a importância do
cinema japonês adquirida entre a cinefilia da década de 1970. Outro cineasta e crítico de sua
geração, Jairo Ferreira iniciou sua carreira de crítico colaborando com São Paulo Shimbun,
jornal da colônia japonesa dirigido pelo entusiasta do cinema de seu país, Mizumoto Kokuro.
(GAMO, 2002)
3 José Carlos Burle foi um dos diretores mais importante da Atlântida, dirigindo, entre as déca-
das de 1940 e 1960, inúmeras comédias musicais. Talvez por ser também compositor de suces-
so, ajudou a consolidar o formato das chanchadas, nas quais se incluíam números musicais que
marcaram a história do cinema brasileiro. Grande Otelo e Colé Santana cantando a marchinha
“Cachaça não é água”, em Carnaval Atlântida (1952), é uma dessas imagens icônicas que fazem
parte dessa memória do musical realizado no Brasil. (ENCICLOPÉDIA..., 2016)

600 GUILHERME SARMIENTO


sua iniciação à magia do aparato cinematográfico – um sentimento que nos
leva a uma determinada atmosfera, mais do que exatamente ancora o tema
em análises frias e desinteressadas. Quando João fala do musical, assim como
falava do cinema japonês, seu timbre de voz vem afetado por uma experiência
vivida com intensidade e essa impressão torna sua fala um agregado de paixões
entrelaçadas diante de uma tela. O cinema japonês e as chanchadas assinalam,
sobretudo, etapas de vida, e assistir novamente a essas obras tem o efeito de
uma madeleine proustiana. A imagem e o som cinematográficos reconduzem
o espectador a determinada poética ingênua das origens – entendendo “ingê-
nuo” em sua acepção romântica, como uma experiência total e ainda não cin-
dida por uma crise da representação. Diante dela, corpo e espírito, palavra e
coisa tornam-se, se não um relato imóvel, o relampejo fugaz de um sentimento
imortalizado. Por isso, ao falar sobre cinema musical, o pesquisador, antes de
mais nada, rememora sua infância no subúrbio do Rio, quando frequentava o
Cine Irajá com a mãe e o irmão:

Eu fui criado nos anos 1950. A partir de 1954, 1955 e 1956, eu, minha mãe e
meu irmão estamos indo ao cinema, invariavelmente, uma vez, às vezes duas
vezes por semana. E o que a gente via eram exatamente as chanchadas. Elas
atraíam desde adultos até crianças, porque tinham humor, música e, tam-
bém, eram faladas em português. O adulto via ali piadas, piadas interessan-
tes, de repente tinham vedetes, mulheres bonitas... Coisas que você só assistia
nos teatros da Praça Tiradentes, mas que criança não podia ver e, nos nú-
meros músicas das chanchadas, você via. Era um prazer ver aqueles shows e
aqueles espetáculos. Quando eu tinha por volta de seis anos, Sinfonia carioca
(1955), de Watson Macedo, com a Eliana, me deixou muito impressionado.

João Luiz Vieira assistiria novamente Sinfonia carioca na comemora-


ção do quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro, no Cinema Palácio
Higienópolis.4 Na época, já era um adolescente cinéfilo e possuía um caderno
– que guarda até hoje – no qual anotava suas impressões. Embora fosse muito
novo para perceber, assistia às transformações estéticas e ideológicas radicais
sofridas no período, que questionariam os modos de fazer da geração anterior.

4 O Cine Palácio de Higienópolis era um cinema de rua fundado na década de 1950, na Penha, e
possuía 950 lugares, segundo dados do blogue Cine Mafalda (2010).

Entrevista com João Luiz Vieira 601


“É o momento histórico de uma nova sensibilidade, ali, no final dos anos 1950.”
– afirma.

Até um pouco antes, aqui no Brasil, com Nelson Pereira filmando Rio 40
graus (1955) e Rio, Zona Norte (1957). Buscava-se outro tipo de cinema, e a
tradição que vinha dos anos 1930 passou a ser considerada anacrônica, ve-
lha, um cinema de estúdio, um cinema mais pesado, um cinema de fórmulas,
um modelo esgotado narrativamente.5 O Cinema Novo foi um movimento
geracional, de renovação, algo muito natural de ter acontecido naquele mo-
mento histórico. Assim, mal comparando, mas tentando fazer uma ponte
com os dias de hoje, é mais ou menos a mesma reação que os jovens cineastas,
formados nas universidades, têm com a estética televisiva. Houve uma época
que se reagiu ao ‘cinema de rádio’. Atualmente, essa reação voltou-se contra
as estruturas cômicas redundantes, narrativas e interpretativas marcadas
pela TV.

O sábado estava chuvoso e a entrevista ocorria debaixo de uma marquise,


em frente a um tapume de madeira. A princípio, aquele pano de fundo não se
mostrava adequado; pensei em desligar a câmera e sugeri que procurássemos
um café, porém não tínhamos muito tempo e o local, pelo menos, protegia a
todos da ventania e da chuva. Não tínhamos muito tempo: em 40 minutos, uma
van passaria no hotel para levar nosso entrevistado ao aeroporto – ele se hospe-
dara em Salvador para participar de uma conferência no Nordestelab. Forçado
por circunstâncias tão adversas, resolvi encaminhar o assunto para questões
mais factuais e perguntei sobre as origens do musical no Brasil: “Só se pode pen-
sar no filme musical efetivamente ligado à película quando surge o cinema sonoro”
– respondeu João Luiz Vieira, como se já aguardasse aquela pergunta.

5 A animosidade de Glauber Rocha, um dos principais artífices do Cinema Novo, contra o gênero
era notória, pois, em sua atuação como crítico, não deixou de apontar na chanchada um dos
principais males a serem superados pelo cinema brasileiro. Em seu livro A revisão crítica do
cinema brasileiro (1963), chegou a considerá-la como “pornografia a baixo preço”. Obviamente,
não se deve generalizar tais juízos críticos, pois muitos cineastas do movimento, como Joaquim
Pedro e Nelson Pereira dos Santos, dialogavam com essa tradição tentando enquadrá-la a
partir de uma perspectiva mais moderna, como, por exemplo, em Macunaíma (1969) e Rio Zona
Norte (1957), em que se percebem elementos do universo da chanchada integrados aos pre-
ceitos cinemanovistas.

602 GUILHERME SARMIENTO


Estamos no momento em que há o desenvolvimento do rádio, ali no final dos
anos 1920, de uma indústria fonográfica começando e, para tudo isso, acho
que há uma convergência de mídias, digamos assim. Isto faz com que a mú-
sica seja um elemento muito presente naquele momento. Eu vou voltar a isso
mais adiante. Mas quando se fala sobre ‘cinema sonoro’ – historicamente é
o que se consagra, né, a chegada do som no cinema, o som sincronizado –, se
esquece da tradição dos filmes cantantes da bela época do cinema brasileiro,
ali entre, razoavelmente, 1908 e 1911, quando era comum você ter canções
interpretadas e cantadas atrás da tela, algumas vezes sincronizadas, assim
de improviso, enquanto se projetavam as imagens. Isso pra mim já seria,
digamos, um pré-cinema musical.6

Atrás de João, o tapume gasto e desbotado parecia dialogar com a reali-


dade precária do cinema brasileiro dos primórdios. Não raro, naqueles estúdios
improvisados de fundo de quintal, as tapadeiras sofriam várias demãos de
tinta sem conseguir esconder por completo o desgaste de sua superfície.
A situação criada pela cena implicava o próprio entrevistado na precariedade
de nossa interlocução, que, na verdade, dentro do enquadramento, funcionava
como uma mônada a dialogar com a totalidade de um processo em permanente
estado de ruína. Fazer filmes, escrever sobre filmes, falar sobre filmes no Brasil
é estar diante desse tapume, saber escondê-lo com mil artimanhas, ou então
simplesmente assumi-lo de forma problemática como fonte estética e criativa.
Sem acessar o conteúdo excêntrico de meus pensamentos, João Luiz Vieira
mantinha sua imaginação embebida nas possibilidades abertas pelo cinema
musical e, em sua notória generosidade em compartilhar conhecimento, não
se importava com os pingos de chuva e salitre que as rufadas do vento traziam
do mar, embaçando a lente de seus óculos.

6 Segundo Fernando Morais da Costa (2008), desde o final do século XIX, existiram várias expe-
riências de sincronização entre som e imagem, dando origem aos “cinemas falantes”, “cinemas
cantantes”, utilizando não somente máquinas rudimentares, como o cinophon-falante, para
criar a mágica de imagens audiovisuais, mas também contratando músicos, cantores e sono-
plastas que ajudavam a criar o ambiente sonoro exigido pelo filme no momento mesmo da pro-
jeção. Nesse sentido, considerar que em alguma época houve um cinema mudo ou silencioso,
segundo os novos estudos da história do som no cinema, reforça a invisibilidade desses antigos
modelos que a sua época responderam ao desafio de produzir, dentro de suas possibilidades
técnicas, filmes falados e cantados.

Entrevista com João Luiz Vieira 603


Não só no Brasil, mas ao redor do mundo, você vê, por exemplo, o apareci-
mento, a explosão, desse gênero, que é o musical. O primeiro filme ameri-
cano que chega no Brasil, já em 1929, é Melodia da Broadway, com o uso
do cancioneiro americano. E aqui você tem, em seguida, a Cinédia com suas
produções, os primeiros filmes sonoros de verdade, que utilizarão as marchi-
nhas carnavalescas;7 na Argentina, o tango vai criar a base das coreografias;8
em Portugal, o fado; no Egito, também, cancões árabes são logo incorporadas
numa indústria cinematográfica em construção... A música como expressão
humana universal logo encontraria seu caminho ao ser incorporada pelo
cinema em seus primeiros anos.

Nesse momento, um caminhão passou na rua e comprometeu a captação


de som da entrevista. André Félix, que me acompanhava na gravação, desligou
momentaneamente a câmera e eu dei uma pausa no Tascam. João Luiz descon-
traiu o corpo e aproveitou para tirar os óculos e limpar as lentes. Estava diante
de um dos pesquisadores responsáveis pelo resgate da chanchada como mani-
festação artística e cultural, um dos que redimiu para a academia filmes até
então soterrados pela verborrágica aversão glauberiana pela sátira maliciosa.
Foram necessárias mãos seguras e cuidadosas para retirar de sobre aquelas
obras o peso de preconceitos acumulados durante anos e, a partir de uma pers-
pectiva pessoal e rigorosamente analítica, devolver o deleite produzido quando
filmes como Rico ri a toa (1957), Metido a bacana (1957), O homem do Sputnik
(1959) ganharam as telas do cinema. Na década de 1980, seja como programa-
dor da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) ou em inúmeros artigos

7 Segundo João Luiz Vieira ([2012]): “na historiografia clássica do cinema brasileiro, quando nos
referimos a ‘cinema de estúdio’, apesar de várias experiências país afora, em geral são três os
nomes que, imediatamente, vêm à tona: a Cinédia – exemplo inaugural que se costuma consi-
derar como o modelo de um desejo de estúdio de verdade, especialmente ao longo dos anos
30 e início dos anos 40 – seguida da Atlântida, na segunda metade dos anos 40 e ao longo dos
anos 50 e, finalmente, da Vera Cruz, no final da década de 40 e até a primeira metade dos anos
50”.
8 Segundo Guilherme Maia e Lucas Ravazzano (2015, p. 216), “o cinema sonoro argentino nasce
em íntima simbiose com o tango. Gênero de música e dança oriundo das camadas populares
de Buenos Aires e Montevidéu, no final do século XIX, o tango ganha musculatura simbólica
nos salões da aristocracia francesa na primeira década do século XX. [...] Deste ponto em dian-
te, não é temerário afirmar que se torna uma fundamental marca de identidade do cinema
musical argentino. Tango e cinema foram tão íntimos no país, que um expressivo número de
compositores se tornaram também diretores e produtores de filmes, sem dúvida um caso raro
na História do cinema mundial”.

604 GUILHERME SARMIENTO


publicados em revistas e livros, João Luiz Vieira dignificou um gênero cinema-
tográfico até então colocado no ostracismo.
Com a volta do relativo silêncio de uma rua em dia de sábado, retorna-
mos às gravações. Então, incitei o entrevistado a continuar sua reflexão sobre
a relação da chanchada com a indústria cultural do período, especialmente a
cultura popular.

A estrutura dos programas radiofônicos e do teatro de revista será mais ins-


piradora, neste momento, para os musicais brasileiros do que as narrativas
do cinema norte-americano. A indústria fonográfica no Brasil está presente
ao longo dos anos 1920 e já está consolidada quando saem os primeiros fil-
mes da Cinédia. Vou citar o exemplo clássico de Alô, Alô, Carnaval (1935), do
Ademar Gonzaga, que é similar ao desaparecido Alô, Alô, Brasil (1935), que
sobreviveu somente em alguns depoimentos. Você pode em vários momentos
acompanhar Alô, Alô, Carnaval sem ver diretamente a imagem. Se você pega
sua banda sonora, vai escutar piadas, diálogos, sound sketchs bem escritos,
os números musicais que parecem retirados de uma programação radiofôni-
ca do período. Isso não quer dizer que a imagem não tenha nenhum apelo.
É evidente a contribuição da imagem para uma maior concretude, textura e
beleza das narrativas.9 E aí também entra um aspecto importante, que é mos-
trar ao público os cantores e cantoras somente conhecidos até então através
da voz. Os cantores começam a se tornar conhecidos visualmente; Carmen
Miranda, que ali, em 1929, já era uma grande estrela do rádio, quando ela
migra para o cinema, desperta uma grande curiosidade do público. Nunca
tinham visto seu corpo em movimento. E aí é muito interessante esse número
musical icônico chamado ‘cantoras do rádio’. Você vê ali as duas irmãs –

9 Em seu artigo para a revista on-line Boletim CPCB, João Luiz Vieira ([2012]) esmiuçou essa
relação ao afirmar que “esse grupo diretor da Atlântida também havia experimentado o suces-
so popular da união entre cinema e música popular tão bem conseguido pelas produções da
Cinédia na década anterior e de realizadores como Wallace Downey, além do próprio Fenelon,
sempre ligado a questões de sonorização e, por isso mesmo, atento ao papel sedutor que
a música desempenhava junto ao público. Portanto, além dessas produções mais artísticas e
dos cinejornais presentes desde o início da produção (e pelos quais, além das chanchadas,
a marca Atlântida permaneceria para sempre no imaginário dos espectadores), a realização
de comédias musicais também foi experimentada nesses primeiros anos, em títulos às vezes
premonitórios e visionários como Tristezas Não Pagam Dívidas (1944), sob a direção de Burle,
ou Não Adianta Chorar (1945), de um estreante Watson Macedo, com Oscarito, Grande Otelo
e um elenco onde se destacavam números musicais defendidos pelas irmãs Batista, Emilinha
Borba, Marion, Sílvio Caldas, Alvarenga e Ranchinho, entre vários outros nomes de grande
popularidade no rádio”.

Entrevista com João Luiz Vieira 605


Aurora e Carmen Miranda – interpretando, dançando uma coreografia in-
teressante; a câmera se movimentando para seguir seus corpos. O que motiva
a câmera é o movimento dessas cantoras num cenário art déco muito bonito,
desenhado pelo J. Carlos; a orquestra na frente e, de repente, ali naquele nú-
mero, você tem um momento especial: o meio close up da Carmen Miranda,
onde você já vê a expressão de alguém muito consciente de sua imagem. Ela
mexe com os olhos, ela faz caras e bocas, vai lá! Interpretando muito bem a
música, aquilo é um aspecto absolutamente cinematográfico, performático,
que eu acho que aí, o cinema acrescentou ao rádio.

A fala de João Luiz Vieira me colocou diante daquele close tão icônico e
fundamental que mais parecia extraído da semiosfera, região rarefeita onde
somente os signos conseguem sobreviver e se perpetuar como organismos
vivos. Talvez eu nunca tenha visto aquele close, era como se o respirasse ou
simplesmente se precipitasse do cosmos direto para a minha mente, frag-
mento de um corpo celeste até então girando ao redor da terra. Vi Carmem
Miranda revirando os olhos espertos, cantando diante da orquestra, seu
brilho intenso de estrela singularizando sua presença diante da irmã e pre-
nunciando o carisma que mais tarde conquistaria Hollywood. Essa capaci-
dade sugestiva era algo muito próprio da elocução de João Luiz Vieira, cuja
paixão pelo cinema dava a suas aulas e exposições públicas um vívido inte-
resse. Ainda com a imagem de Carmem Miranda diante dos olhos, provo-
quei o professor e pesquisador a responder se o gênero musical resistiria à
contemporaneidade:

O Musical da Metro de meados dos anos 1940 até meados dos anos 1950
faz parte do passado. Acho que o formato, caso fosse transposto para os dias
atuais, somente funcionaria através de um sentimento nostálgico, com o ob-
jetivo de reverência, de homenagem, de paródia, de pastiche. Eu acho que
isso pode voltar aqui e ali, sem se estabelecer como um filão artístico. Esses
gêneros específicos estão muito imprecisos nos dias de hoje. Já não se tem
mais aquele ideal de um gênero perfeito, fechado, facilmente identificável.
Sempre vai aparecer um Chicago (2002), por exemplo, ou então Dreamgirls
(2006), que é recente, porém como manifestações esporádicas. Hoje é muito
comum, especialmente no Brasil, as biografias musicais como Dois filhos de
Francisco (2005). Pode-se pensar nesse filme como uma espécie de revisão de
um musical tipicamente brasileiro. Eu acho que pelo víes da cinebiografia se

606 GUILHERME SARMIENTO


pode pensar numa renovação do gênero. Agora, volta e meia você ouve coisas
do tipo: Steven Spilberg quer refilmar Amor, sublime Amor – West Side
Story –, clássico de 1961. Será que é o caso? Eu me pergunto. Não sei! Acho
estranho, acho temeroso, inclusive, esse tipo de coisa.

Quando João Luiz Vieira disse “temeroso”, em meados de 2015, o adje-


tivo não tinha a conotação que viria a possuir tempos depois. Observando o
material na ilha de edição, após dois anos de realizada a entrevista, aquela
palavra jogada assim, de forma espontânea, guardava suas ressonâncias pro-
féticas. A distância temporal e as trágicas circunstâncias históricas transfor-
maram aquele temor singelo em um anúncio de traições, ligações perigosas
e golpe parlamentar. Porém, a imagem do intelectual emoldurado por um
tapume seguia seu ritmo, indiferente à irreversibilidade do tempo. Nem o
musical seria hoje o mesmo que já foi um dia; nem nós, nem nosso país. E se
isso ocorresse só resultaria no efeito de uma farsa ou de uma paródia. Nesse
momento, minha voz surgiu do espaço fora de campo. Insinuava-se nas
pausas do depoimento para alimentar a fala do entrevistado. Minha presença
invisível fez com que o professor focasse seus olhos além e se atentasse às
minhas últimas questões. Gostaria que continuasse sua explanação sobre o
destino dos musicais no Brasil.

Na minha opinião, a novíssima geração, eu estou pensando sempre nos alu-


nos que a gente encontra a cada ano, ela não carrega consigo – e não tem
porque carregar –, o peso de uma tradição, digamos, formada por um cine-
ma brasileiro que marcou o mundo, que é o Cinema Novo, de importância
politica e estética. Mas o descompromisso, vá lá! de uma nova geração com o
passado não a impede de redescobrir aspectos de uma determinada tradição
e trazê-la sob uma nova perspectiva, como é o caso do musical. Faroeste
Caboclo (2013), por exemplo. Não tem dança, não tem coreografia. Mas, de
repente, é baseado numa canção do Legião Urbana, grupo de rock de muito
sucesso na década de 1980. Será que seria esse um dos caminhos de valori-
zação e renovação do musical no Brasil? Ou melhor, será que a gente teria
como pensar uma relação mais complexa entre o cinema contemporâneo e
determinada tradição, considerando o gênero como algo menos fechado e
mais aberto experimentações? Atualmente, está sendo lançada uma cine-
biografia de Cantinflas, no México. Ainda não vi. Está programada para
o Festival do Rio. É interessante porque o caso mexicano é muito próxi-

Entrevista com João Luiz Vieira 607


mo do nosso, apesar da indústria cinematográfica ter sido mais forte lá.10
Você tem México, Brasil e Argentina, ali nos anos 1930 e 1950, produzindo
muitos filmes, inclusive musicais. E Cantinflas é, sem sombra de dúvida,
o grande nome do cinema mexicano, comparável com cômicos brasileiros,
especialmente, Oscarito. Uma cinebiografia de Oscarito, de Grande Otelo,
de Ankito, de outros cômicos que a gente teve – e tivemos muitos – (Quem
sabe?) seria o motivo ideal para homenageá-los e, de quebra, reeditar essa
tradição do musical.

A entrevista finalizava-se de forma otimista. Era bem expressiva da per-


sonalidade de João Luiz Vieira, que, quando foi meu professor na UFF, sem-
pre tinha uma palavra de estímulo para seus alunos perseverarem, mesmo
em momentos adversos. Observar os fatos a partir de uma perspectiva posi-
tiva, à espera de que o novo surja espontaneamente, dava-nos segurança de
prosseguir na certeza de que um mundo provisório sempre restará incom-
pleto. E a função das gerações será confeccionar peças que se encaixem e,
no entanto, abram espaço para novos vazios. E assim vão se reconfigurando
as formas, em um jogo de variações infinitas, variações estas que transfor-
maram o cinema cantante em musical, o musical em paródia, a paródia em
pastiche. Que transmudaram a vida real em película, a película em vídeo,
o vídeo em um arquivo mp4. E todo o material de uma hora de entrevista
coube com folga em um pen-drive de dez gigabites de memória.

10 No México, na época em que se dava, no Brasil, o fenômeno das chanchadas, os melodra-


mas cabareteros atraíam milhares de espectadores mexicanos e latino-americanos. Segundo
Maurício de Bragança (2014, p. 274), “Este cinema musical cabaretero dos anos 40/50 se en-
trelaçava ao melodramático e ao erótico, em que os números musicais eram a justificativa para
a performance sensual dos corpos na tela. O cabaré convertia-se numa espécie de ‘templo
sagrado tropicalizado’, na qual a rumbeira era a deusa do sexo e dos fetiches tropicais, e onde
a música garantia as relações de identificação entre o público e os filmes. Assim, um circuito
formado pelo teatro de revista, indústria fonográfica, rádio e cinema assegurava as mediações
em torno da cultura popular, e reconfigurava novas sociabilidades e práticas de identificação
mediante a transformação dos gostos e dos comportamentos atravessados pela cultura de
massa”.

608 GUILHERME SARMIENTO


Referências

BRAGANÇA, M. A canção mexicana nos filmes de cabaré. Contemporanea:


comunicação e cultura, Salvador, v. 12, n. 2, p. 273-287, maio/ago. 2014.
CINE MAFALDA. Rio de Janeiro letra P. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://
cinemafalda.blogspot.com.br/2010/01/rio-de-janeiro-letra-p.html>. Acesso em: 2 ago.
2017.
COSTA, F. M. O som no Cinema Brasileiro. Rio de janeiro: 7 Letras, 2008.
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://enciclopedia.
itaucultural.org.br/pessoa16931/jose-carlos-burle>. Acesso em: 5 ago. 2017.
GAMO, A. Jairo Ferreira no São Paulo Shimbum. In: CENTRO CULTURAL BANCO
DO BRASIL. Mostra Jairo Ferreira: cinema de invenção: catálogo. São Paulo, 2012.
MAIA, G.; RAVAZZANO, L. O cinema musical na América latina: uma cartografia.
Significação: revista de cultura audiovisual, São Paulo, v. 42, n. 44, p. 212-231, 2015.
ROCHA, G. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1963.
VIEIRA, J. L. Industrialização e cinema de estúdio no Brasil: a “Fábrica” Atlântida. Rio
de Janeiro, [2012]. Disponível em: <http://www.cpcb.org.br/artigos/industrializacao-
e-cinema-de-estudio-no-brasil-a-fabrica-atlantida/>. Acesso em: 7 ago. 2017.

Entrevista com João Luiz Vieira 609


Hecho en México
las atmósferas emocionales mexicanas

RUBÉN OLACHEA PÉREZ

Introducción

Hecho en México es un documental sobre música mexicana: antigua, tradi-


cional, moderna y contemporánea, dirigido por el músico británico Duncan
Bridgeman en 2012. Su duración es de 98 minutos y su edición en DVD y Blu-
Ray cuenta con abundante material extra. Su productora es Lynn Fainchtein
Steider, mexicana de origen ruso-judío, con una reconocida trayectoria en ra-
dio, televisión y cine como productora y supervisora musical. Sitios de internet
como IMDB le calculan a la producción un presupuesto aproximado a los dos
millones de dólares, con ganancias inferiores a la inversión. La película tuvo
una bien armada corrida y cobertura mediática, y generó comentarios de la crí-
tica especializada más a favor que en contra. Es probable que Hecho en México
haya recuperado su inversión inicial, si se considera el total de su circulación,
así como su renta y venta en formato de disco y en streaming.
Básicamente, los comentarios a favor circulan en torno a la música, sus
intérpretes y la calidad visual de las imágenes, que abarcan paisajes naturales
y espacios urbanos plenos de belleza y color. Tomas variadas, edición ágil, ilu-
minación y fotografía son de gran calidad y cualidades estéticas, por lo que
el filme fluye y resulta atractivo al espectador. Los entrevistados varían desde
personajes famosos a otros menos conocidos, de manera similar a los músi-
cos incluidos, que varían desde callejeros hasta mainstream. Es un documental
ecléctico que busca emocionar y generar una reflexión en torno al importante
rol de la música mexicana en la identidad nacional. Fainchtein admite en diver-
sas entrevistas disponibles en red que la película tomó dos años y medio en su
elaboración, que se exhibió en un momento político difícil para México (elec-
ciones presidenciales conflictivas que culminaron con un controversial retorno
del Partido Revolucionario Institucional – PRI – al poder) por lo cual se des-
prenden comentarios positivos y negativos del público.
Los comentarios en contra se concentraron primordialmente en dos
aspectos: el primero, por ser una película producida por el gigante mediático
Televisa, firmada por su dueño, Emilio Azcárraga, quien aparece como uno de
los dos productores ejecutivos; el segundo, que surge en un momento polí-
tico que podría interpretarse como un intento de dicha empresa por lavar su
desprestigiada imagen (básicamente, de ser un aliado de un mal gobierno con
continuos escándalos de corrupción e impunidad) y mostrar el rostro amable
de un país invariablemente en crisis.
Fainchtein ha puesto énfasis en que la película es un proyecto apolítico,
libre de sesgos ideológicos, que gozó de absoluta libertad creativa sin censura
ni imposiciones por parte de una empresa que ella misma ha criticado por
no atender su responsabilidad social ante la ciudadanía. Ese discurso sostiene
que por eso se buscó que el director fuera deliberadamente un extranjero que
supiera mucho de música pero poco de México para recorrer el país y apasio-
narse así por su música.
El reputado crítico musical Juan Arturo Brennan publicó en el influyente
diario La Jornada (el 29 de septiembre de 2012) un agudo análisis intitulado
¿Hecho en México? en apariencia negativo pero que termina señalando más
virtudes que defectos:

[...] El acierto principal de la película está en su cuidada producción mu-


sical, que ha logrado algunos momentos de síntesis (¿sinergia? ¿sincretis-
mo?) realmente atractivos que permiten, por ejemplo, que jaraneros, ra-

612 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


peros y roqueros se vuelvan un vehículo musical único, pero multifacético,
para la interpretación de una canción, o que unos DJs y unos gruperos se
fundan a la distancia en una sola entidad musical.

Brennan acusa un plagio a la trilogía Qatsi de Godfrey Reggio en lo con-


cerniente a la concepción visual de Hecho en México; también señala que algu-
nos de los testimonios ahí vertidos son tonterías de tibieza crítica. Ejemplos: el
intercambio de albures entre los comediantes Brozo y Ponchito, y la conclusión
de que “todos (los mexicanos) somos guadalupanos” la considera falaz, digna
de consternación.
En efecto, derivados de la reflexión sobre la cultura y la diversidad musical
que muestra el documental, surgen temas de inevitable sesgo ideológico, tales
como la religión, la sexualidad, la sensualidad, el erotismo y los roles de género
en la sociedad mexicana contemporánea, más otros apenas insinuados y con-
troversiales: racismo, xenofobia, discriminación, acomplejamiento, machismo,
misoginia, clasismo, rencor social, rezago indígena y económico, entre otros.

La estructura: el capitulado

Hecho en México consta de trece capítulos. El primero, a manera de introduc-


ción, se llama Tiempo de híbridos. El segundo, es una de las seis preguntas que
el documental lanza: ¿Qué es ahora?; el tercero: ¿Libertad?; el cuarto: Fronteras.
Una progresión lógica que ubica las coordenadas de tiempo y espacio en un
país tan vasto. Cuestiones geopolíticas migran hacia políticas de género en el
quinto apartado: ¿Quién lleva los pantalones?. Lo que sigue es más ideológi-
co: Resistencia. En contraste, una autocrítica desde la comicidad: Me gusta mi
medicina (justo a la mitad). Los cuatro siguientes apartados son más espiri-
tuales. El capítulo ocho pregunta: ¿Alma?; el nueve: ¿Quién soy?; el décimo:
Nana Guadalupe; el número once es una especie de primera conclusión: Un
rezo universal. El apartado doce, la última pregunta, emula una famosa canción
cómica: ¿A qué le tiras cuando sueñas?, al tiempo que es un segundo final, pues
sirve como un catálogo de alegre recorrido en fotos fijas por la mayoría de los
participantes en el documental. Finalmente, el capítulo trece lleva por nombre
Bolom Chon que incluye los créditos completos, en su totalidad.

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 613


Tiempo de híbridos

Tiempo de híbridos es una canción cuya letra dice:

Era un gran rancho electrónico / con Marías ciclotrónicas / tragafuegos


supersónicos / y su campesino sideral / era un gran tiempo de híbridos /
de salvajes y científicos / panzones que estaban tísicos / en la campecha-
na mental / en la vil penetración cultural / en el agandalle trasnacional /
en lo oportuno norteño imperial / en la desfachatez empresarial / y en
el despiporre intelectual / en la vulgar falta de identidad / ¡en la cam-
pechana mental!

Son unos músicos indígenas caminando en el campo los que inician su


aparición visual en el documental con la voz en off de Rubén Albarrán, activista
más conocido por ser el líder del grupo de rock alternativo, el cuarteto Café
Tacvba. Unas sencillas notas de un viejo violín de afinado rústico y guitarras
son la entrada a una canción interpretada por José Bautista, Antonio Carrillo
y Rubén Albarrán.
Menos conocido de este inicio es que el autor de la letra es Rodrigo
González Guzmán (1950-1985) mejor conocido como Rockdrigo, legendario
cantautor rockero que gozó una enorme, legítima popularidad en los años 70 y
80, lejos de cualquier compromiso comercial con grandes empresas – disque-
ras o mediáticas– que mermaran su libertad creativa. Rockdrigo murió a causa
del gran terremoto que sacudió a la Ciudad de México el 19 de septiembre de
1985. Ello lo mitificó aún más. Gracias a internet ahora circulan videos donde
se aprecia su gran estilo y carisma. Sorprende su visión chamánica para des-
cribir con crítica y humor las características de la sociedad mexicana: sus rolas
rolan como piedras rodantes del rock and roll en español.
A la canción la acompañan espectaculares imágenes con efectos visuales
generados por computadora y la agilidad que permite la edición digital. En
breve espacio de tiempo vemos imágenes avasallantes que ilustran lo que la
canción dice. Es una descripción del México contemporáneo a la par de la crisis
planetaria: neoliberalismo, capitalismo, consumismo. Vacío existencial y hedo-
nismo. Escepticismo y optimismo.
Crítica jocosa puesta al día: esos “panzones tísicos” serían hoy los enfer-
mos por la comida chatarra, que México encabeza. La “campechana” mental,

614 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


un estado de conformidad cultural general que en vez de avanzar se estanca.
El “agandalle” es un mexicanismo que significa abuso, robo: lo ilegal e ilícito;
enriquecerse gozando total impunidad. Su protagonista es el “gandalla” y el
verbo es “agandallar(se)”. Todos vocablos vigentes en el habla cotidiana mexicana.
Finalmente, el despiporre intelectual significa caos, desorden, desbarajuste.
Esa descripción hecha en 1985 por Rockdrigo parece haberse incremen-
tado hasta hoy en todos los ámbitos: calentamiento global, explosión demo-
gráfica; estrés urbano, ludopatías; crimen organizado en alianza con un Estado
fallido o semifallido (para no perder la esperanza).
Por tanto, la introducción es un resumen: ritmos e instrumentos tradicio-
nales con apropiación de lo nuevo (el rock, canto de protesta y contracultura),
las reapropiaciones (rock alternativo, fusión con otros géneros musicales).
La compleja identidad nacional mexicana en diversidad audiovisual.
Quizá de todos los mexicanismos presentes en esta canción emblemática
el más polisémico sea “campechana”. En México hay una entidad federativa
llamada Campeche, en la península de Yucatán. En lengua maya, Campeche
significa “serpiente y garrapata” o “lugar del señor sol garrapata”. En México
campechana es un vocablo múltiple que significa combinar y mezclar (por
ejemplo: verduras, en gastronomía) pero igualmente se refiere a un letargo,
un estado de comodidad: estarse quieto, a gusto. La “campechana mental”
en la canción de Rockdrigo no es un elogio. Es una zona de confort causado
por la alienación laboral que el marxismo señalaría, por la evasión del fantaseo
mediático y que deviene en control social.

¿Qué es ahora?

La tranquilizadora voz de la joven vocalista Carla Morrison aparece en una


balada reflexiva, donde la voz femenina, juvenil y serena (llamativa tendencia
actual en varias cantantes de moda) en la cual no se percibe grado alguno de
desesperación cultural (alejada de lo que podría ser el rock y la canción de de-
nuncia o protesta). Es una postura política conocedora del caos y la injusticia
pero uno también se preguntaría por qué los jóvenes prefieren que las chicas
cantantes ya no suenen a rebeldes. Quizá un contrapunto natural a varias can-
tantes anteriores que sobresalieron por su tono aguerrido, tanto en el género

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 615


vernáculo como en la balada: Lucha Villa, Lupita D´Alessio, Paquita la del
Barrio, Jenny Rivera.
En este fragmento aparece la famosa cantante de rancheras Chavela Vargas
elogiando a México como gigante dormido. Se mezcla jarana (son tradicional
veracruzano El cascabel) con rap: “Guardiana del tiempo fiel... Vengo a decirles
señores / que aquí nunca pasa nada” y rock con la agrupación Botellita de Jerez,
banda cuyo nombre se inspira en un dicho humorístico contra chismes, insul-
tos o maldiciones: “Botellita de jerez: todo lo que digas será al revés”.
El intelectual Luis Villoro describe a un país en el que hay que procesar los
más de setenta años sin completa democracia del sistema de gobierno del PRI
para dar paso al mexicano singular. Justo cuando lo enuncia, la imagen mues-
tra a un joven clavadista en el trampolín. Pero como bien sabemos, los ídolos
masivos son más bien una selección de futbol: un colectivo, no un individuo.

¿Libertad?

El Cuarteto Latinoamericano, cuatro intérpretes de música clásica, de frac,


dentro de un templo colonial, da pie a unos arpegios y armonías en clave es-
tridentista dodecafónica, acompañadas de imágenes rapidísimas desde el na-
cimiento de un bebé hasta la idea de superpoblación. Asimismo, el rap México
2000 de Rojo Córdova, quien desde una estación del sistema de transporte
Metro bombardea de información: “pocas becas que da el Fonca / bara bara
bara, llévelo, llévelo, llévelo / me las prestas, muxes, mixiote”.
Esto es: la queja de los jóvenes artistas de que las becas no son suficientes,
las frases típicas de los vendedores ambulantes, más el albur de “me las pres-
tas” siempre en doble sentido, de humor sexual, primordialmente homosexual.
Finalmente, la referencia al placer gastronómico del mixiote, delicatessen del
sur que es, básicamente, carne enchilada, pero que es una muestra de lo sofis-
ticada que puede llegar a ser la cocina tradicional mexicana, reconocida mun-
dialmente. La sonoridad de las palabras se agolpa para dar paso a la opinión
del actor y activista Daniel Giménez Cacho: “Si no pasas por la tv no existes...
Años de genocidio cultural”. Otros entrevistados hablan de los medios, de la
manipulación de las conciencias. Lo mucho que de miedo nutre los universos
paralelos de la publicidad y la moda.

616 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


También aparecen miembros de otras bandas inspiradoras de documentales:
Molotov (Gimme The Power, Olallo Rubio, 2012) y Residente de Calle 13 (Sin
mapa, Marc de Beaufort, 2009): se recitan algunos nombres de drogas y de ahí
al Reclusorio Sur donde se graba un concierto de musicoterapia. Testimonios
con voces del barrio: tatuados que hablan del perdón, de perdonar. El rap de
Residente repite: “Soy libre porque pienso. Lo real es falso y lo falso es real”.
Un fragmento de la popular balada tradicional Caminante del Mayab (de
Augusto Cárdenas Pinelo) acompaña a los voladores de Papantla (tradición
veracruzana y emblemática de todo el país), cuya culminación son espectacula-
res tomas aéreas de este ritual que combina acrobacia con misticismo.
Adanowsky entra a la concurrida estación de metro Zócalo, ataviado al
estilo de Ringo Starr de los Beatles: traje de terciopelo púrpura, grandes pati-
llas. Su suave balada reza: “leer las noticias dan ganas de llorar / aguanta her-
mano, aguanta hermana / quieren que creas que todo es blanco y negro / gracias
a Dios no es tan simple”: escrita por Sharon Robinson y Leonard Cohen, tradu-
cida por José Pablo de la Torre.
La calidad literaria del autor canadiense Cohen (1934-2016) reconocido
con el premio Princesa de Asturias en 2011, contrasta con los rostros aburridos
de los pasajeros en el metro. La diferencia sociocultural es abismal. Adanowsky
es hijo del cineasta de culto Alejandro Jodorowsky. Su canción es una referen-
cia a la dodecafónica A Day In The Life (“I read the news today, Oh boy!”) de los
Beatles. La expresión cinematográfica del malestar en la cultura pop que ya
Freud había señalado, mas no para quienes viven al día en un sistema opresor
y perverso.

¿Fronteras?

La tesis de este capítulo es que vivimos fraccionados por las fronteras. “Mi
laberinto de soledades”, dice un migrante en la frontera norte, parafraseando a
Octavio Paz. En la frontera sur: la bestia, el tren de los indocumentados. Surge
una balada melancólica que habla de cuando “era una fiesta el andén”. Surge
entonces la transición a un show de dj´s. Es la estética de Tijuana. “Ellos tienen
el dinero, nosotros el corazón”, canta Ali Gua Gua en episodio bilingüe: “I know
they have the money, but we have the fucking love”.

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 617


Es el sonido norteño, fronterizo, tan atractivo que parece volver “fronte-
ricéntrico” a quienes allí viven y estudian el fenómeno. Se entiende porqué: es
una realidad tan intensa que no sorprende que eclipse a quienes la experimen-
tan. Hablan desde la estética de Los Ángeles: “A mi México querido le deseo lo
mejor, no es que aquí esté muy chido, pero sí menos peor... O te cogen por delante
o te cogen por detrás”. La sexualización del lenguaje es recurrente alegoría de las
naciones y sus sistemas.
Sonido electroacústico donde el acordeón es un personaje protagónico.
“El terrorista es otro, no el ilegal”: cantan Los Tucanes de Tijuana. “¡Sólo buscan
trabajo!” argumenta Aguilar Camín. Jóvenes de barrio, con bigotito: el look
cholo. Dos cosas prohibidas en los Estados Unidos que vienen de México: las
drogas y la mano de obra barata. Surge una balada jocosa en Spanglish: “Tan
lejos de Dios y tan cerquita de United States”. Intérpretes: Haragán y Meme. El
autor es Luis Antonio Alvarez Martínez.
Dos celebridades: Amanditita, hija de Rockdrigo, y Don Cheto. En un rap cri-
tican con sarcasmo la integración al sistema de vida norteamericano con el olvido
por la supuesta vergüenza de ser originario de México: “Te crees el muy muy”.
Se ríen del nopal en la frente. Chile y limón en la comida, y el PRI como culpable
de todos los males. Vuelve Giménez Cacho: la otra frontera es económica y racial,
porque dentro de México los ricos son más rubios y los pobres más morenos.
Testimonio campesino e indígena: valor no es lo mismo que precio, la tie-
rra es espiritual, no utilitaria. Si el piso es de tierra y sin drenaje, es otra la dig-
nidad. Recuerdos de un México en el que ríos libres llegaban al mar, ahora van
llenos de basura. Bajo una ceiba es la balada ranchera que Alejandro Fernández
(heredero del ídolo popular Vicente Fernández) entona frente a un bello paisaje
natural, aunque las imágenes son intercaladas con otras que muestran tala de
bosques. “Delirio de destrucción”, acota un entrevistado indignado.

¿Quién lleva los pantalones?

Cómicamente, un narrador mezcla una leyenda del Mayab, en el que el hom-


bre recibe un castigo divino: errar por el mundo hasta que en una estación de
autobuses, el hombre “descubre” a la mujer. Se muestra a niños indígenas son-
rientes. La guerra de los sexos es una batalla perdida de antemano, nos dice el

618 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


joven actor y cineasta Diego Luna. Cusinela es una alegre canción de seducción
mutua. En lengua indígena, Palichi, un niño de unos diez años, canta un ritmo
alegre, pese al tono alburero: la traducción dice “qué bien te mueves / qué bien
tus gorditas / sudaditas”. Esos niños sonrientes observan el espectáculo y se
integran a él. La música de banda se incorpora a la tradicional.
Un señor da su testimonio: ‘El destino quiso que naciera en viernes, por
lo tanto tengo suerte en el amor’. Baile tropical. Gloria Trevi rapea: “Hijo de
hembra, madre de varón / ¡Sí se puede! / Rechina la cama, rechina el colchón”.
Entrevistada, se dice “Harta de jaladas. El departamento de mamadas, lo
tengo aquí abajo. Yo no estoy para hincarme sino para ¡que te hinques!”. Los
miembros de la banda, todos varones, corean repetidamente: “Se me quiere
parar”. Puras promesas, se queja, burlesca. Luego grita: ¡El mundo es nuestro!
“Pues-sí: pussy” (broma bilingüe). Los comediantes Brozo y Ponchito inter-
cambian albures homosexuales. Gloria Trevi arremete: “Los mexicanos y sus
mamás; los mexicanos y sus mamadas”: presumen de lo que carecen.
Así leído, suena demencial. Sin embargo, llegados a este momento, el
documental fluye ligero. Se ha ido incrementando el nivel de cambios, de con-
catenaciones entre el registro visual y las opiniones vertidas. La famosa can-
tante y compositora Gloria Trevi es provocadora y desinhibida sexualmente.
Es una constante crítica del machismo. Es la voz de una mexicana empode-
rada, pero no como María Félix, la gran diva del cine. Ya desde 1995, Carlos
Monsiváis le había dedicado a Trevi un ensayo elogioso y crítico a la vez en su
libro Los rituales del caos.
Surge entonces una transición a marimba electrónica, una voz que canta
y dice que el amor viaja en metrobús (de la Ciudad de México). La canción
es: Un tipo raro, de Camilo Lara: “encontrar una mujer es como encontrar a
un abogado que no te tome el pelo / formar la nación tomó 200 años, y 20
minutos destruir una relación / Cuántas canciones has tirado a la basura, por
mujeres que no entienden tu dulzura”. De la ciudad capital, la cámara vuelve a
la banda de pueblo y niños bailando Cusinela, cantada ahora en español por el
carismático Palichi: “Vente al metate, amasa, remuela, inquieta, ah ah ¡ahj!”. El
niño verdaderamente luce inocente, pero la letra es una canción sexualizada,
con doble sentido, para adultos.
Otra transición. Banda de puras señoras, algunas ya ancianas, con ves-
tidos tradicionales de motivos florales. Se llaman Las Mayas Internacional.

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 619


Cantan un popurrí: Obsesión, de Pedro Flores; La última noche, de Bobby
Collazo y Quién será, de Pablo Beltrán Ruiz. Una voz en off opina que vivimos
un matriarcado machista: la mujer es quien administra. A cuadro: mujeres
cocineras riendo. El personaje cómico de la Beba Galván (interpretado por
Víctor Trujillo, el mismo de Brozo) opina risueña que hay dos cosas impor-
tantes: “el amor y la otra... no me acuerdo”.
En un primer nivel, la cultura del humor mexicano se lleva al terreno de los
roles de género, dando cabida a varias opiniones, desde el rol tradicional rein-
terpretado, hasta el de la mujer emancipada que causa pavor, literalmente, a
los varones. Se detecta una intención de ridiculizar al machismo. El crítico Juan
Arturo Brennan (2012) no vio – no tenía porqué – en la Beba Galván al perso-
naje antagónico del payaso Brozo. Ello agrega al acalorado debate sobre si las
bromas de albures homosexuales son exclusiva y fundamentalmente homófo-
bas, o si simultáneamente abren, en sus carcajadas, un espacio cultural para
aminorar prejuicios y ampliar la tolerancia.

Resistencia

Se escucha un estribillo moderno urbano electrónico. Después, un músico tra-


dicional a la usanza indígena nos habla del armadillo, un animal pacífico, que
se protege, se hace bolita y jamás da un paso atrás: “así somos los mexicanos”.
Resistencia es la palabra: a 500 años de la Conquista Española, resistencia a los
políticos y a los Estados Unidos. México sigue con su propio rostro y vibración.
Es un logro enorme, se nos dice. Discurso del Ejército Zapatista de Liberación
Nacional (EZLN) en Chiapas: “Estamos aquí no para señalar caminos, que sólo
dividen y confrontan, sino para luchar por la vida, la justicia, la verdad y la paz”.
Contraste: escenas de fiesta taurina. Una cornada. Parece que encontramos gozo
en el daño y el sufrimiento. La escritora Ángeles Mastretta se pronuncia contra la
cultura católica de la culpa: “ni la felicidad es un premio, ni el dolor un castigo”.
El músico enmascarado Gull toca Motivación, de Nathaniel Rappole (son la
misma persona). A primera vista, Gull inspira temor: su cuerpo brilla de sudor,
sólo porta su máscara de calavera y unos bóxers negros. Mientras toca a ritmo
frenético en la calle varios instrumentos como hombre orquesta, vemos a una
viejita de pie que vende chicles en la calle y que es parte de su público. Transición

620 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


hacia otro enmascarado: el luchador de lucha libre Blue Demon, quien libró una
batalla contra el cáncer. Escenas en el ring. Sí es un atleta. Una voz opina que el
dolor es lo único que nos hace pensar, pero el dolor en el corazón genera ren-
cor. La gran aventura humana la da el perdón, agrega. Esta parte coincide con la
mirada fija, mas no directa al lente de la cámara, de la cantante de Yajvalel Vinajel,
un grupo de indígenas conformado por hombres y mujeres jóvenes chiapanecos.
Como contrapunto, escuchamos a un grupo de rap chiapaneco en lengua
indígena, todos varones, cuya letra traducida en subtítulos al español repite
los clichés de las baladas románticas: “desde que te fuiste... sin ti no soy...”. La
famosa escritora Laura Esquivel, autora de Como agua para chocolate opina
que invertimos demasiada energía en un ego que prefiere tener la razón a ser
feliz, cuando sería más fácil rendirse y ser feliz.
Por lo visto, algo que caracteriza a México es la resistencia en múltiples
sentidos, a través del tiempo y contra diversos obstáculos. El comentario final
de la escritora, más que claudicante, evidencia la capacidad negociadora de
la mujer mexicana, una virtud política poco reconocida. Es una prolongación
de ese talento para administrar que se mencionó anteriormente, en todas las
esferas de la vida. Esa virtud se ha visto como defecto en el mito de la Malinche.
Concuerdo en que es mucho más grave y dañino el machismo que el malin-
chismo. Se ha querido ver en Malinche a una traidora “vende patrias” cuando
en realidad es una traductora: una diplomática.

Me gusta mi medicina

Sobresale en este capítulo la actuación entre otros muchos, de la banda alter-


nativa electrónica Kinky y de Juan Cirerol. Reza una conseja: “para todo mal,
un mezcal, y para todo bien, también”. Giménez Cacho comenta la frase que
encontró en una etiqueta de una botella de licor: “otra vez esta maldita felici-
dad”. Música de banda, parejas bailando danzón. Se maneja entonces la idea
de que esa variedad, esa diversidad de comportamientos conforman la unidad
mexicana. O mejor aún, que como sociedad multicultural, México no requiere
necesariamente de uniformidad, sino que celebra su variedad.
Amandititita enumera adicciones: al sexo, a tener la razón, a llamar la
atención. Al drama, a la religión. El bajón: adictos al azúcar, a la cocaína. Con

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 621


humor, aparece la ya icónica María Sabina. Aparecen borrachos, muchos ciga-
rros. Los comediantes Brozo y Ponchito, esta vez apuntando y burlándose del
público, como mucho antes hizo el comediante Tin Tán en la película El rey del
barrio (Gilberto Martínez Solares, 1950), señalándolos también como adictos
anónimos. Hay unas rapidísimas escenas de jóvenes gays bailando en un antro.
Es un aspecto no aprovechado por el filme. De hecho, subterráneamente, se
dice que la productora Fainchtein pertenece al colectivo LGBT, pero al parecer
se prefirió omitir el tema, tan apreciado por las nuevas generaciones.

¿Alma?

La famosa escritora Elenita Poniatowska reflexiona sobre el tiempo y la muerte.


Vemos a unos niños en la celebración del Día de Muertos. Se trata de una misa
cantada, un rosario. Se nos dice que es la fiesta de angelitos y de muertos. La
muerte es tan real como la vida. A la pregunta de si los espíritus regresan, quien
da testimonio revierte la pregunta: ¿ustedes están seguros que no regresan?
Chavela Vargas (1919-2012) habla del miedo a lo desconocido (confunde
el término tangente, por tangible). Julieta Venegas aparece embarazada, frente
al ultrasonido de su bebé. Chavela canta la ‘Canción de simples cosas’, cuyos
autores son Julio César Isella y Armando Gómez Tejada: “Uno vuelve siempre,
a los viejos sitios donde amó la vida / el amor es simple y a las cosas simples las
devora el tiempo”. Su honda y brava tristeza, como siempre, es cautivadora.

¿Quién soy?

La imaginación: las alas del artista. Carla Robinson y León Larregui (de Zoé)
cantan sobre cambiar al mundo desde adentro: dudar en silencio. Vuelve
Amanditita: “estoy harta aburrida víctima, telenovelas de abuela, que hueva
me doy, ostión”, al tiempo que los entrevistados enuncian su ser y hacer: soy
activista, soy astronauta, soy pesimista, soy muxe, soy rebelde, soy mexicana,
soy voladora (de Papantla).
Vemos fragmentos de un documental sobre la mariposa monarca. Surge
un testimonio de indígenas que enfatizan no ser campesinos, sino ciudada-
nos globalizados que siguen siendo indígenas. “Hay quien quiere valorar a los

622 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


indígenas muertos y despreciar a los vivos”. La cantante Mare, canta: “Tengo
derecho de ser mestiza, derecho a pedir justicia”. Se trata de los derechos huma-
nos, una verdadera crisis en México. El cantante Rocco y su pareja Moyenel
Valdés cantan: “Por los otros, los rostros, los sin rostro”. Hablan de una nueva
mexicanidad, un arco iris, no para volver al esplendor maya sino para unir a
Latinoamérica y poner un ¡ya basta! a la injusticia.

Nana Guadalupe

En un paisaje impresionante, de amplio horizonte, el anciano indígena huichol


Jesús Cruz canta, apenas perceptible, como si fuera un murmullo y una fórmula
iniciática, en su lengua nativa, lo que nos es traducido en subtítulos:

Los antepasados vinieron desde el mar / vieron venir a la diosa encima de


nubes negras / por eso el águila extiende sus plumas a través del viento,
para saludarla. / Cuando uno ve un águila, cualquier cosa que uno le pida
a la diosa le será concedida.

Una joven mujer da su testimonio en lengua indígena, también tradu-


cido con subtítulos en español: se refiere a la diosa indígena del antiguo
México. “Le digo hermana nuestra. No puedo verte, sé que estás aquí”. Si el
público ha llegado hasta este punto, es tiempo de darse cuenta que estamos
frente a otra lógica, no la tradicional occidental y de la que cada vez se habla
menos en el aula escolar, el discurso oficial o los medios tradicionales. Otra
mujer opina con extraño entusiasmo (al menos para quien esto escribe) que
los mexicanos estamos aplastados, resistiendo. Su devoción es a Tonantzin.
A cámara lenta, observamos múltiples peregrinos que acuden a la Basílica
de Guadalupe.
Lila Downs aparece con una ofrenda floral, rebozo y con botas de rockera
urbana cosmopolita (un detalle que me parece importante aunque visualmente
pasa casi inadvertido por el ángulo de la toma), dentro de una iglesia:

Rocío de la mañana / espinas de mi tiempo / y amargo dolor. Nana


Guadalupe, peñón de los milagros / la memoria es tu voz / no vengo a ofre-
certe pesares / no vengo a ofrecerte temores / yo vengo a demostrarte mi fe.

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 623


Aparecen entonces imágenes conmovedoras de la basílica: gente car-
gando enormes figuras en bicicleta por la carretera. Multitudes guadalupanas.
Imposible entender a México sin la Virgen de Guadalupe, se nos dice. Santiago
Pando, publicista que llevó a Vicente Fox a la presidencia y luego se volvió gurú,
comenta que la religión separa, mas la espiritualidad une. Vemos al luchador
Blue Demon tomándose una foto grupal familiar. Él compara a la Virgen con
una batería de la cual obtenemos ganas de vivir. El psiquiatra Jesús Ramírez
opina que el mexicano ve en la Virgen un valor simbólico de la feminidad: no
el dominio sino la convivencia con lo natural. Es sagrado, no tanto el pasado
sino el futuro y el presente, pues se trata, nos dice el padre Julián Pablo, de una
virgen embarazada: es la Virgen del Apocalipsis que dará a luz al Mesías. Natalia
Lafourcade entona: “Nana Guadalupe / la divina madre que me trajo a aquí”.
Estos testimonios no son material típico, por ejemplo, de la televisión
mexicana. Pocas veces se aborda con profundidad el tema de la devoción de
ese sincretismo mexicano que funde la diosa de la fecundidad con la Virgen
María de la Cristiandad, símbolo del mestizaje étnico, del intercambio cultural
con diversas otredades.
Se ve una secuencia en una escuela secundaria de Veracruz. Se trata de una
orquesta juvenil impresionante: metales, tambores, baile folklórico. Es la Casa
de Lago de la Universidad Veracruzana.
El popular cantante Lupe Esparza canta dentro de una iglesia: “hazme un
espacio en tu agenda... / esto es una emergencia / pues se nos muere el amor”.
Entra otro ritmo. Gira el color. Caracoleros danzan en la Basílica.
A la pregunta de ¿Por qué te rezamos Madre Tonantzin? Lila Downs y
Esparza responden: “Un rezo para mí. / Un rezo para ti”.

Un rezo universal

En un tono gradualmente cada vez más festivo, aparecen indígenas bailando,


con máscaras. Se trata de la continuación del intro, aquel del rancho elec-
trónico (la aldea global McLuhan versión Rockdrigo). No se trata, dice otro
testimonio, de vivir mejor, sino de vivir bien. El escritor Antonio Velasco Piña
habla entonces de que estamos llegando a un momento de conciencia planeta-
ria unificada, un verdadero reto para la humanidad. Una mutación ideológica;

624 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


una vinculación con lo cósmico: un hacedor de paz, quien con su sola presencia
predica paz.
Rubén Albarrán, el “tacubo” de Café Tacvba, canta:

Sigamos hermanos al venadito que va corriendo / y va diciendo mestizos


e indios todos defendiendo / La Patria no ha muerto, qué viva la Matria,
¡amor eterno! / la Tierra es sagrada, toda es bien sagrada, esto sí que es
cierto / (y entra música de banda): Aquí en el corazón / donde se cruzaron
todas las lenguas / (Fiesta de niños con pétalos de flores): Son cuatro pun-
tos, más uno en el centro y al firmamento / Al universo, con este verso,
alzamos un rezo.

La secuencia finaliza con un giro de la cámara hacia la noche, con ecos de


paz indígena y mestiza también: quietud espiritual.

¿A qué le tiras cuando sueñas?

Este es la secuencia inicial de créditos finales, en donde aparecen con gran-


des letras e imagen fija los protagonistas del documental, incluyendo artis-
tas e intelectuales. Aparecen los productores ejecutivos: Emilio Azcárraga y
Bernardo Gómez. Luego el triple crédito de escrita, producida y dirigida por:
Duncan Bridgeman.
La canción es de Salvador Flores Rivera, mejor conocido como Chava
Flores. Un éxito de 1954 que aún resuena en la mentes de muchos mexica-
nos de mayor edad, no tanto los millenials o generación zeta. Es una alegre
tonada que confronta al mexicano promedio, hallazgo meritorio de un can-
tautor que invariablemente consideraba al barrio y al campo el corazón que
nutría a México. Esto es: los pobres, pero nunca con una visión melodramática
condescendiente. Buena parte del cine mexicano (clásico y moderno; en blanco
y negro y a color) le debe mucho a sus canciones que consiguieron populari-
dad porque reflejaban una visión optimista del porvenir de los mexicanos y
sus hábitos culturales, por englobar en un solo concepto un gran número de
comportamientos, incluidos el machismo y la picardía, ya de suyo complejos.
Es Lupe Esparza, el mismo que cantó a la Virgen de Guadalupe el que con-
fronta al mexicano promedio, quien nos revela la tan comúnmente criticada

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 625


doble cara o doble moral (personalmente, prefiero llamarla no doble sino múlti-
ple). Es la canción popular más conocida, crítica y alegre de todo el documen-
tal, su versión es íntegra. Vale la pena transcribirla completa:

¿A qué le tiras cuando sueñas mexicano? ¿a hacerte rico en loterías y un


millón? Mejor trabaja, ya levántate temprano (y hace la famosa seña obs-
cena y cómica del lenguaje corporal que significa “huevón”: haragán) / con
sueños verdes sólo pierdes el camión.
¿A qué le tiras cuando sueñas mexicano? / Con sueños de opio no convie-
ne ni soñar / sueñas con hadas / y ya no debes nada / tu casa está pagada /
ya no hay que trabajar / ya está salvada la copa en la olimpiada / soñar no
cuesta nada / qué ganas de soñar.
(Esparza a caballo): Pero ahora sí, mañana sí te lo hago / pero ahora sí, ma-
ñana sí que voy / pero ahora sí, mañana sí te pago / ¿a qué le tiras cuando
sueñas sin cumplir?

Entra música estridente y metálica de banda en kiosko y el crédito a La


Original Banda El limón, con los siguientes saludos extras característicos de
ese estilo): “¡Ay, já... y esta es la Original Banda El limón, mi amigo! ¡Échele
ganas, oiga! ¿A qué le tiras, mexicanito? ¡Échele ganas, mi compa!”

¿A qué le tiras cuando sueñas mexicano? / Deja el tesoro que Cuauhtémoc


fue a enterrar /¿cuántos centavos se te escapan de la mano / buscando un
taxi que jamás te ha de llevar? /¿A qué le tiras cuando sueñas mexicano /
que faltan niños pa’poblar este lugar? / Sigue soñando que no hay con-
tribuciones / que ya no hay mordelones / que ya puedes ahorrar / sigue
soñando que el PRI ya no anda en zancos / que prestan en los bancos /
que dejas de fumar.
Pero ahora sí, mañana sí que lo hago / pero ahora sí, mañana sí que voy /
pero ahora sí, (mañana te lo pago, que fue sustituido por:) la última y nos
vamos, ¿o no? / ¿A qué le tiras cuando sueñas, soñador? Y un detalle có-
mico de gran final: se caen algunos instrumentos del equipo de filmación
justo en ese momento.

El material de análisis del comportamiento típico del mexicano que aporta


esta canción es invaluable de tan valioso. Además de crítico, es humorístico.
La cantidad de escenas y esferas que abarca es asombrosa por juntar tantos

626 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


aspectos en tan breve espacio y con tal certeza. Dibuja más al hombre que a
la mujer; describe al mexicano como a un ingenuo iluso pero también como
un pícaro lleno de excusas y falsas promesas. También lo critica como alguien
holgazán e incumplido. Sabemos que el mexicano es el que más trabaja (diver-
sas estadísticas internacionales dan fe) pero su productividad es menor a la de
otros países que dedican menos horas al trabajo. De salarios ni hablemos.
También critica el débil desempeño en competencias deportivas; a la
historia mitificada de un tesoro indígena; la falta de planificación familiar;
la corrupción solapada; un sistema de gobierno basado en un partido polí-
tico cuyo discurso e ideología no son sólo retórica sino tautología (frases
huecas típicas: “aplicar todo el peso de la ley”, “caiga quien caiga”, “fuertes
declaraciones”, “hacer hasta lo imposible”, “hacer un exhorto”, “que el pue-
blo se lo demande”, “trabajar a marchas forzadas”, “turnar a las autoridades
correspondientes”, y un largo etcétera no ajeno al populismo latinoamericano
y planetario). Asimismo, la falsa ingenuidad al creer en un sistema financiero y
bancario en sí mismo fraudulento y usurero.
Finalmente, el punto quizá más audaz de la cartilla: criticar el bajo o nulo
poder de la fuerza de voluntad del individuo mexicano que no puede dejar
vicios como apostar, endeudarse, fumar o beber alcohol.
Frente a todas las intenciones místicas o simpáticos devaneos de opinión,
¿A qué le tiras cuando sueñas mexicano? es el mejor número del documental
Hecho en México. Es la canción con mayor fuerza y vigencia, que combina un
punto de vista analítico y al mismo tiempo humorístico. Ello resulta una verda-
dera acrobacia artística y estilística: una muestra de un paradigma vanguardista
difícil de alcanzar, igualar o superar. Entre lo burlesco y lo didáctico, hay cierta
ambigüedad que no sabemos si celebra lo grotesco que puede resultar el rezago
y el subdesarrollo empecinado o si a la voz del cantautor Chava Flores lo mueve
la desazón, la frustración o la meras ganas de chingar (como diría Octavio Paz)
y ser el Sócrates de un país con forma de cuerno de la abundancia. Es un repro-
che cariñoso, un reclamo no exento de afecto.
Es un cierre perfecto, una vuelta de tuerca a una diatriba en torno a
los temas sin solución aparente sobre la frontera entre México y Estados
Unidos, la batalla entre los sexos o la cuestión de si todos los mexicanos
somos o no guadalupanos (y por ende, católicos no racistas ni misóginos...
lo que sería ¡fabuloso!).

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 627


Duncan Bridgeman explota favorablemente el estilo fusión: un arreglo
que mezcla la música grupera, con la banda norteña de redoba y metales
con tuba estruendosa. Es un comentario a todos los participantes de manera
pícara porque refiere todo lo anteriormente dicho, al tiempo que contradice
mordazmente una actitud complaciente o condescendiente hacia ese mexi-
cano promedio tan esquivo para algunos, pero tan claramente definido por
Chava Flores.
Es una canción bastante masculina, donde los músicos portan trajes de
gala kitsch que celebran deliberadamente lo que el buen gusto considera exce-
sivo y de mal gusto. Irremediablemente celebran lo que son, lo que hay: un
grupo de hombres organizados para amenizar. Quizá sea también la manera
más reciente de celebrar el machismo en México y un estilo de vida, la narco-
cultura, que velada o abiertamente defiende el negocio y consumo de alcohol,
drogas, y hasta justifica al machismo, la violencia y los abusos de autoridad.
Me explico: de la versión original de Chava Flores en 1954 a esta versión
espectacular estilo banda y norteño, se condensa la historia reciente de un
México regido por el poder del narco y su estética buchona machista de narco-
corrido, analizado con sagacidad por Jean Franco en su libro Cruel Modernity
(2013): no hay voz femenina, ni coros, ni siquiera intérpretes de instrumentos
que sean mujeres. Es un mundo de hombres para hombres, lo cual lo vuelve ine-
vitablemente homoerótico y atractivo a las estéticas masculinas gay y bisexual.
Por supuesto, ni Televisa ni Bridgeman ni Chava Flores ni sus intérpretes
estarían de acuerdo con la apología del narco pero es una cuestión que radica
en sus bases populares, como cuando Mijaíl Bajtín identificó el humor soez
del pueblo en las obras de Rabelais. Ese humor celebra el régimen de dominio
masculino sobre lo femenino, que en México se exacerba. Más en el norte de
México. Lo que no se dan cuenta los fanfarrones que con impostura celebran el
machismo es que el contenido de la canción de Chava Flores vulnera la lógica
misma de la masculinidad hegemónica. Exhibe precisamente su inconsisten-
cia, su puñeterez: un estado de eterno adolescente masturbatorio, fantaseando
y alardeando siempre, pero sin logros verdaderos. A lo Shakespeare: mucho
ruido y pocas nueces. O de ratones y hombres, emulando a John Steinbeck.
El cantautor Salvador Chava Flores Rivera, un mexicano congruente y cohe-
rente. No por ser crítico se volvía críptico, todo lo contrario: atención al detalle
emocional, con un gusto contagioso por la alegría de vivir.

628 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


Para cerrar, una antigua melodía acompaña a los créditos finales: Bolom
Chon, la más tierna y dulce de las melodías del documental. No hay subtítulos
que traduzcan lo expresado. Representa lo indígena en México: un enigma que
asombra por su resiliencia.
En cambio, el despliegue de masculinidad en su mayor apego a lo terre-
nal se da en clave cómica: irónica confrontación al comportamiento nacio-
nal, predominio de instrumentos metálicos, intérpretes masculinos de gala,
sincronizada coreografía y a caballo. El himno nacional cómico que es ¿A qué
le tiras cuando sueñas mexicano? nos muestra, en Hecho en México, un país
en el que la relación con Estados Unidos no es lo más importante, ni ser
guadalupanos, sino la inconciencia en el proceder cotidiano: el machismo
como una ideología perversa, cruel no sólo contra mujeres, niños, ancia-
nos, sino contra los varones mismos. Sueños guajiros, de opio: demagogia e
impunidad. Padre ausente y autoridad intransigente. Inmadurez e irrespon-
sabilidad. Ineptitud solidaria. Moral ruin. El mexicano se vuelve entonces
merecedor de sus malos gobernantes, causa de todas sus desgracias, proble-
mas y rezagos. La solución sería múltiple: respetar, valorar a los pueblos ori-
ginarios, a la naturaleza, a las mujeres, niños y ancianos, a todos. Restituir
la dignidad perdida.
Con frases sencillas plenas de verdades, esta alegre pieza de folklore
urbano es un recuento de la vida socio-política-cultural-económica-financiera
de nuestro país y Latinoamérica. Pero no nos pongamos relativistas. Es a los
mexicanos a quien va dirigido, con preclara malicia, semejante interrogato-
rio. No se trata de la Santa Inquisición, los nazis o la Interpol; no es ninguna
intriga internacional ni teoría conspiratoria. Espejo: el enemigo número uno
de México está en casa, no afuera.
El mexicano educado de clase media con aspiración a alta puede sentirse
observado por Televisa, pues el gigante mediático incursionó a su registro
musical para conocerlo a él cada vez mejor. Hecho en México celebra la diver-
sidad cultural mexicana y descubre a un ciudadano con muchas de las inte-
rrogantes que se plantean los seres humanos globalizados del siglo XXI. Sus
atmósferas emocionales son ambiciosas: varían desde la alegría más sencilla
hasta la autorreflexión crítica.

Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas 629


Referencias

HECHO en México. Dirección: Duncan Bridgeman. Intérpretes: Diego Luna, Kinky,


Lila Downs. [México, DF]: Lynn Fainchtein: Televisa, 2012.
FRANCO, J. Cruel Modernity. Durham: Duke University Press, 2013.
BRENNAN, J. A. ¿Hecho en México? La Jornada, México, DF, 29 sept. 2012.
WARPMAGAZINE. WARPtv presenta: hecho en México, entrevista exclusiva con Lynn
Fainchtein. 2012. Disponible en: <https://www.youtube.com/watch?v=L9EgpZkIunc>.
Acceso en: mayo 2016.

630 RUBÉN OLACHEA PÉREZ


Organizadores

Guilherme Maia é músico, doutor em Comunicação e mestre em Música.


Professor da Faculdade de Comunicação (Facom) e do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom) da Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Coordena o núcleo de ficção do grupo de pesquisa Laboratório
de Análise Fílmica (LAF) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). É um dos organizadores da coletânea Ouvir o documentário:
vozes, música e ruídos, publicada pela Edufba, e autor do livro Elementos para uma
poética da música dos filmes, pela Appris.
Mais informações disponíveis em: <https://ufba.academia.edu/GuilhermeMaia>.
E-mail: maia.audiovisual@gmail.com

Lauro Zavala es doctor en literatura hispánica por El Colegio de México.


Coordina la línea de Teoría y Análisis Cinematográfico en el Doctorado en
Humanidades de la Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), unidad
Xochimilco. Presidente de Seminario Permanente de Análisis Cinematográfico
(Sepancine). Autor de varios modelos de análisis cinematográfico. Pertenece a
la Academia Mexicana de Ciencias, la Academia Norteamericana de la Lengua
y el Sistema Nacional de Investigadores. Su libro más reciente es Principios
de teoría narrativa, publicado por la Editorial de la Universidad Nacional
Autónoma de México (UNAM).
Más información disponible em: <https://laurozavala.academia.edu/LauroZavala>.
E-mail: zavala38@hotmail.com

AUTORES

Anabella Celeste Bustos es Diseñadora de Imagen y Sonido y maestranda en


Diseño Comunicacional en la Universidad de Buenos Aires (UBA). Especialista
en cine argentino y latinoamericano. Se desempeña como diseñadora en el
área de Comunicación Institucional del Centro de Estudios e Investigaciones
Laborales (Ceil) del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
(Conicet), y como docente en la materia Historia analítica de los medios argen-
tinos y latinoamericanos, en la UBA. Ha publicado en libros y revistas especia-
lizados en cine e imagen audiovisual.

André Luís Mourão de Uzêda é professor do Colégio de Aplicação da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde leciona Língua
Portuguesa e Literatura para a educação básica e ministra disciplinas no Curso
de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica (Cespeb). Mestre e
doutorando em Ciência da Literatura (Teoria Literária) pela UFRJ. Licenciado
em Letras pela UFRJ e bacharel em Museologia pela Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de
Estudos Carnavalescos e do grupo de pesquisa Literatura e Educação Literária.

Arthur Autran é doutor pelo Instituto de Artes da Unicamp. Atua desde 2002
como docente do Departamento de Artes e Comunicação da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Escreveu os livros Alex Viany: crítico e

632 AUTORES
historiador (2003) e O pensamento industrial cinematográfico brasileiro (2013).
Dirigiu os documentários Minoria absoluta (1995) e A política do cinema (2011).

César Maranghello es un historiador especializado en cine argentino, au-


tor de diversas publicaciones sobre el tema. Fue docente de cine nacional
en la Universidad de Buenos Aires y en el Instituto Nacional de Cine y Artes
Audiovisuales. Escribió varias obras sobre cine, entre las que pueden señalar-
se Breve historia del cine argentino (2005), Hugo del Carril (1984) y Artistas
Argentinos Asociados: La epopeya trunca (2002). Colaboró en el Diccionario de
Realizadores Latinoamericanos (1997) y The Cinema of Latin America (2003).

Cristiane da Silveira Lima é professora adjunta do Instituto de Humanidades,


Artes e Ciências (Ihac) e do Centro de Formação em Artes (CFA) da Universidade
Federal do Sul da Bahia (UFSB). Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com
a pesquisa “Música em cena: à escuta do documentário brasileiro”. É pesqui-
sadora vinculada à Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual
(Socine), tendo coordenado o seminário temático “Teoria e Estética do
Som no Audiovisual” no período de 2016 e 2017. Integra o comitê científi-
co do Laboratório de pesquisa e criação La Création Sonore – Cinéma, Arts
Médiatiques et Arts du Son, na Université de Montréal, Canadá.

Enrique Uribe-Jongbloed es docente investigador en la Facultad de


Comunicación Social – Periodismo de la Universidad Externado de Colombia.
Sus investigaciones versan sobre el punto de encuentro entre cultura, comuni-
cación y lingüística, en especial en el caso de los audiovisuales.

Fabián Núñez é professor associado do Departamento de Cinema e Vídeo da


Universidade Federal Fluminense (UFF), onde também leciona no Programa
de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine). É pesquisador vincu-
lado à Plataforma de Reflexão sobre o Audiovisual Latino-Americano (Prala) e
ao Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (Lupa). Também atua
no projeto de extensão Cineclube Sala Escura, focado na difusão do cinema
latino-americano.

Autores 633
Fred Góes é professor titular do Departamento de Ciência da Literatura
da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Carnavalescos. Pesquisador
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
com pós-doutorado em Estudos Culturais pela Universidade de Tulane, Nova
Orleans, Estados Unidos. Compositor letrista, contista e ensaísta. Autor de di-
versos livros, entre eles: Teatro rival, resistência e sensibilidade (2018); O ABC
de Jorge Amado, em parceria com Moraes Moreira (2012); Antes do furacão: o
Mardi de um folião brasileiro em Nova Orleans (2008); e O país do Carnaval
elétrico (1982).

Guilherme Sarmiento é roteirista, cineasta e professor adjunto de


Dramaturgia e Narrativas Audiovisuais na Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia (UFRB). Graduado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense
(UFF), doutor e mestre em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio). Coordenou o primeiro Festival Brasileiro de Cinema
Universitário e realizou, junto com outros quatro diretores, Conceição, ou
autor bom é autor morto (2007), considerado o primeiro longa-metragem
universitário. Em 2017, assinou a direção do longa-metragem Diário da greve.

Heloísa de A. Duarte Valente é doutora em Comunicação e Semiótica


(PUC-SP) e pós-doutora em Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). É autora e
organizadora de várias obras nas áreas de música e mídia. Fundadora do Centro
de Estudos em Música e Mídia (MusiMid), é professora titular do Programa de
Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista (UNIP) e vinculada
ao Programa de Pós-Graduação em Música, na USP. Suas principais linhas de
investigação incluem as áreas de semiótica musical e estudos interdisciplinares
nos campos da música, comunicação e semiótica da cultura e da mídia.

Javier Campo es doctor en Ciencias Sociales en la Universidad de Buenos


Aires (UBA). Investigador del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas
y Técnicas (Conicet). Codirector de la revista Cine Documental. Editor asocia-
do de Latin American Perspectives. Profesor de Estética cinematográfica en la
Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires (UNICEN).

634 AUTORES
Autor de Revolución y Democracia. El cine documental argentino del exilio
(2017) e Cine documental argentino. Entre el arte, la cultura y la política (2012);
coeditor de A trail of fire for Political Cinema. The Hour of the Furnaces fifty
years later (2019, en prensa).

Jerónimo Rivera-Betancur es docente investigador de la Universidad de La


Sabana y director de la Red Iberoamericana de Investigación en Narrativas
Audiovisuales. Escribe sobre cine y cultura en su blog <www.jeronimorivera.
com> y en el diario El Tiempo de Colombia. Es autor de cinco libros sobre cine
y cultura audiovisual.

Jorge Grassi es arquitecto y diseñador de imagen y sonido en la Facultad de


Arquitectura, Diseño y Urbanismo (Fadu), Universidad de Buenos Aires (UBA).
Jefe de trabajos prácticos de la Cátedra de Historia Analítica de los Medios
Audiovisuales Argentinos y Latinoamericanos (Hamal) Cátedra Lic. Marino,
Adjunto de la Cátedra de Historia de las Artes Audiovisuales II (UNDAV).
Co-Autor de: “Los cines de Barrio: un Patrimonio en extinción”, en el Forum
UNESCO –2002, y Archivo General de la Nación, 2005, “Cines Porteños
Patrimonio en Extinción”.

Julián Woodside, con formación en comunicación, historia y literatura com-


parada, se ha dedicado al estudio de las relaciones entre medios, cultura, me-
moria e identidad. Trabaja temas de semiótica del sonido, de la música y de
medios audiovisuales y digitales, sobre los que ha publicado textos académicos
y de divulgación. Ha impartido conferencias y charlas sobre semiótica, diseño
sonoro y análisis musical en México y el extranjero, además de haber impartido
clases en instituciones de educación superior y de colaborar esporádicamente
con diversos medios.

Leonardo Augusto Bora é mestre e doutor em Ciência da Literatura (Teoria


Literária) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com perí-
odo sanduíche na Université Nice Sophia Antipolis, França. Bacharel em
Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e licenciado em Letras
Português-Inglês pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Carnavalescos. Desenhista

Autores 635
e carnavalesco, desenvolveu, em parceria com Gabriel Haddad, narrativas de
enredo sobre Manoel de Barros, para a Acadêmicos do Sossego (2016), e sobre
Arthur Bispo do Rosário, para a Acadêmicos do Cubango (2018).

Márcia Carvalho possui pós-doutorado em Meios e Processos Audiovisuais


pela Universidade de São Paulo (USP) e atua em ensino e pesquisa de histó-
ria, teoria e linguagem do cinema, rádio, TV e internet. É integrante do gru-
po de pesquisa de Análise do Audiovisual da Universidade Estadual Paulista
(UNESP). É autora dos livros Documentário e modos de produção (Novas edições
Acadêmicas, 2015) e A canção no cinema brasileiro (Alameda-FAPESP, 2015).

Maria Gabriela S.M.C. Marinho é doutora em História Social pela


Universidade de São Paulo (USP) e mestre pelo Departamento de Política
Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), desenvolve pesquisas na área de história das elites científicas e cul-
turais, relações de poder, autoritarismo e anticomunismo, história dos inte-
lectuais. Pesquisa também as interfaces entre o regime civil-militar de 1964
e a produção cultural e científica do país. Pesquisadora associada do Museu
Histórico da Faculdade de Medicina (FM) da USP.

Oscar Olaya-Maldonado es compositor de música para cine y orquestador.


Su portafolio incluye trabajos para cine, televisión y videojuegos, así como mú-
sica de concierto para diferentes formatos instrumentales. Ha trabajado con
la Orquesta Filarmónica de Praga, Sinfónica de Colombia y Filarmonica de
Bogotá. Actualmente, es docente de la Universidad de La Sabana y la Pontificia
Universidad Javeriana y coordinador académico de los diplomados en Sonido
Cinematográfico y Composición de música para cine.

Rafael de Luna Freire é professor adjunto no Departamento de Cinema


e Vídeo e no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da
Universidade Federal Fluminense (UFF). É autor de diversas publicações
sobre a história do cinema brasileiro; entre elas, o livro Cinematographo em
Nictheroy: história das salas de cinema de Niterói. Coordenou o projeto “Resgate
da obra cinematográfica de Gerson Tavares”, responsável pela restauração

636 AUTORES
do longa-metragem Antes, o verão (1968). É coordenador do Laboratório
Universitário de Preservação Audiovisual (Lupa), na UFF.

Roberto Domínguez Cáceres es doctor en Letras (1998) y maestro en Letras


Modernas (1993) por la Universidad Iberoamérica Ciudad de México. Profesor
investigador de la Escuela de Humanidades y Educación del Tecnológico de
Monterrey. Miembro del Sistema Nacional de Investigadores nivel 1. Autor de
varios libros individuales y en coautoría, de artículos de investigación en teo-
ría literaria, cine y semiótica. Miembro del Seminario Permanente de Análisis
Cinematográfico (Sepancine).

Rocío González de Arce Arzave es actualmente maestrante en Estudios


de Arte en la Universidad Iberoamericana dentro de la línea de Imaginarios,
Cultura Visual y Estética. Ha co-realizado dos mediometrajes documentales:
Permanencia voluntaria (2012) y Anagnórisis: el análisis cinematográfico en
México (2015). En 2014, curó la exposición “Memoria en Celuloide: La histo-
ria de la exhibición cinematográfica en México a través de sus objetos”. Es co-
-coordinadora del libro “Análisis cinematográficos para entender los espacios
habitables en el siglo XXI” (2018).

Rosângela Fachel de Medeiros é doutora em Literatura Comparada pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professo-
ra visitante do Mestrado em Artes Visuais da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel) e coordena o grupo “Narrativas Audiovisuais Contemporâneas”. Integra
o “Grupo de Estudos de Cinema da América Latina e Vanguardas Artísticas”
– Gecilava (UNIFESP); a Red Iberoamericana de Narrativas Audiovisuales
(RedInav) e a Red de Investigoadores sobre Cine Latinoamericano (RICiLa).

Rosario Radakovich es doctora en Sociología en la Universidade Estadual


de Campinas (UNICAMP) con diplomas de posgrado en Comunicación
Audiovisual en la Universidade Aberta do Brasil (UAB), Estudios
Internacionales y Licenciatura en Sociología, Universidad de la República
(UDELAR). Es profesora adjunta del Departamento de Teoría y Metodología
en la Facultad de Información y Comunicación de la UDELAR e investigadora
nivel I de la Agencia Nacional de Investigación e Innovación. Actualmente es

Autores 637
profesora invitada de la Cátedra Unesco “Savoir Devenire a l´ère numérique”
en Sorbonne Nouvelle Paris III. Se ha especializado en consumo audiovisual,
cinefilia y políticas de comunicación y cultura, temas en los que cuenta con
numerosas publicaciones.

Rubén Olachea Pérez es PhD in Film and Television Studies, Universidad de


Warwick, Reino Unido. En 2017, obtuvo primer lugar en el concurso de ensayo
sobre transparencia en Baja California Sur y segundo lugar nacional en cuento
sobre el día de muertos organizado por Canal 22 (TV). En 2018, profesor visi-
tante en Jamaica: curso de historia latinoamericana vista desde el cine.

Siboney Obscura Gutiérrez es doctora en Ciencias Políticas y Sociales por la


Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). Docente en el Sistema
de Universidad Abierta y a Distancia de la UNAM, donde imparte la mate-
ria Discurso audiovisual. Líneas de investigación: historia del cine mexicano
y teoría del documental. Ha publicado diversos artículos y capítulos de libros.
Última publicación: “Nosotros los pobres” (2016), en Clásicos del cine mexica-
no: 31 películas emblemáticas desde la Época de Oro hasta el presente. Madrid
Frankfurt: Iberoamericana Vervuert.

Simone Luci Pereira é mestre em História e doutora em Ciências Sociais –


Antropologia pela Pontífice Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Pós-doutora em Música pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Pós-doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Pós-doutora também pelo Progranma Postdoctoral em
Ciencias Socialez, Niñez y Juventud no Consejo Latinoamericano de Ciencias
Sociales (Clacso). Vice-coordenadora do Centro de Estudos em Música e Mídia.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Paulista (UNIP). Coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação e Culturas
Urbanas (Intercom).

Sophie Dufays es profesora invitada en la Université Catholique de Louvain.


Su tesis de doctorado (2012) ha dado lugar a dos libros, El niño en el cine ar-
gentino de la postdictadura. Alegoría y nostalgia (Tamesis 2014) e Infancia y me-
lancolía en el cine argentino, de La ciénaga a La Rabia (Biblos 2016). Sus otras

638 AUTORES
publicaciones (que incluyen la edición de dossiers en revistas y de dos libros
colectivos) se centran en la persistencia del melodrama como (anti)modelo y
en el papel de las canciones en el cine latinoamericano. También ha sido pro-
fesora invitada en las Universidades de Gante (2013) y de Lieja (2017) y Visiting
Scholar en la Universidad de Stanford (2014).

Tomás Crowder-Taraborrelli es profesor de Estudios Latinoamericanos en


la Soka University of America (SUA), Aliso Viejo, California. En SUA, dicta
cursos sobre cine latinoamericano, literatura latinoamericana y humanidades.
Es miembro del comité editorial de Latin American Perspectives (LAP) y edi-
tor (junto a Kristi Wilson) de la sección de cine de LAP. Es coautor de Film
and Genocide [Cine y genocidio] (2012) y coautor, junto a Antonio Traverso, del
número especial de LAP Political Documentary Film and Video in the Southern
Cone (2013).

Zuleika de Paula Bueno é graduada em Ciências Sociais pela Universidade


Estadual de Campinas (UNICAMP) e doutora em Multimeios pela mesma
instituição. Atualmente, é docente do Departamento de Ciências Sociais na
Universidade Estadual de Maringá (UEM). É autora de Leia o livro, veja o filme,
compre o disco: a formação do cinema juvenil brasileiro (Eduem, 2016).

Autores 639
E ste livro foi produzido em formato 170 x 240 mm e utiliza as tipografias
Practice e Brandon, com miolo em papel Alta Alvura 75g/m2 capa em
Cartão Supremo 300g/m2, impressa na Gráfica 3.
Tiragem: 400 exemplares.

Você também pode gostar