Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NA AMÉRICA LATINA
APROXIMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS
EL CINE MUSICAL
EN AMÉRICA LATINA
APROXIMACIONES CONTEMPORÁNEAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
REITOR João Carlos Salles Pires da Silva
VICE-REITOR Paulo Cesar Miguez de Oliveira
ASSESSOR DO REITOR Paulo Costa Lima
CINEMA MUSICAL
NA AMÉRICA LATINA
APROXIMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS
EL CINE MUSICAL
EN AMÉRICA LATINA
APROXIMACIONES CONTEMPORÁNEAS
SALVADOR
EDUFBA
2018
Autores, 2018.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil desde 2009.
Capa e projeto gráfico
Gabriel Cayres
Editoração
Larissa Ribeiro
Revisão
Mariana Rios Amaral de Oliveira
Normalização
Cecília Nascimento
CDD - 791.43098
CDU - 791.221.2(8)
Editora afiliada à
Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo
s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br
edufba@ufba.br
Sumário
9 Apresentação geral
23 Presentación general
Argentina
127 La vida es un tango: el rol del tango en la cinematografía argentina
(1896-1945)
Jorge Grassi y Anabella Bustos
México
277 Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución genérica
Rocío González de Arce Arzave
Argentina
333 Solamente vos: o musical invade o horário nobre da televisão argentina
Rosângela Fachel de Medeiros
Brasil
363 O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro
cômico e a revista musicada
Rafael de Luna Freire
Chile
469 Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra:
indústria cultural, o roto e a modernidade
Fabián Núñez
México
493 Lucha Reyes y Sofía Álvarez: la apropiación subversiva de la canción
ranchera en el cine mexicano de los cuarentas
Siboney Obscura Gutiérrez
Brasil
533 O documentário biográfico e a escrita da história: análise da narrativa de
Fabricando Tom Zé
Márcia Carvalho
Colombia
553 Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical
Jerónimo Rivera-Betancur, Enrique Uribe-Jongbloed y Oscar
Olaya-Maldonado
Uruguay
575 El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en
el género musical
Rosario Radakovich
PARTE 5 ‒ Testemonios
Brasil
599 Entrevista com João Luiz Vieira
Guilherme Sarmiento
México
611 Hecho en México: las atmósferas emocionales mexicanas
Rubén Olachea Pérez
631 Organizadores
632 Autores
Apresentação geral
Este livro é fruto dos projetos de pesquisa “O cinema musical na América Latina:
ficção documentários e novos formatos”, financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), e “Os musicais no Brasil: cinema e televisão”,
apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), ambos realizados no âmbito do Laboratório de Análise Fílmica (LAF),
grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Contemporâneas (PósCom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Os dois projetos foram concebidos, em primeiro lugar, por ter sido consta-
tada, ao longo de pesquisas preliminares, a ausência de uma produção acadêmica
analítica – e até mesmo histórica – quantitativamente expressiva sobre os musicais
latino-americanos enquanto gênero audiovisual, apesar do fato de ter sido esse um
dos gêneros mais explorados durante as três primeiras décadas do cinema sonoro
em países como Argentina, México e Brasil. Em segundo lugar, por considerarmos
necessário contribuir para a integração entre os estudos sobre cinema e sobre a can-
ção popular na América Latina. Como a performance diegética de canções populares
é um dos elementos definidores do cinema musical, esse gênero foi visto por nós,
do LAF, como um objeto de estudo ideal para observar modos de interação entre os
filmes e as canções que os habitam no contexto do cinema latino-americano.
É esta a vocação mais fundamental deste nosso livro: reunir pesquisa-
doras e pesquisadores com interesse em escrever sobre os filmes musicais
latino-americanos e, assim, dar um passo em direção a uma sistematização
de conhecimento acerca de um gênero que, embora tenha sido dominante na
produção cinematográfica da América Latina ao longo de mais de três décadas,
não tem sido alvo de muita curiosidade da comunidade acadêmica.
Neste volume coletivo, três tipos de pesquisas sobre o cinema musical
foram reunidos: (1) estudos teóricos e comparativos; (2) panoramas histo-
riográficos de abrangência nacional; e (3) estudos de caso representativos da
produção musical latino-americana. A esses estudos, foi adicionado um par
de depoimentos de colegas pesquisadores. Examinando questões nucleares e
tangentes ao fenômeno, os artigos e depoimentos contemplam aspectos de
musicais ficcionais, documentários musicais, telenovela, videoclipes e núme-
ros musicais em filmes não musicais.
A maioria dos artigos foi escrita por pesquisadores(as) da área do audio-
visual, mas o livro reúne trabalhos de investigadores(as) com formação e
atuação em muitas outras áreas, como musicologia, teoria literária, litera-
tura comparada, comunicação, estudos culturais, semiótica, história, antro-
pologia e ciências sociais. A seguir, apresentamos as ideias centrais de cada
um dos artigos do livro.
Apresentação Geral 11
História do cinema musical
ARGENTINA
BRASIL
Apresentação Geral 13
pelo hibridismo cultural, pela sinergia com a canção popular, o disco, o
rádio, o teatro o circo e o Carnaval.
Zuleika de Paula Bueno, de olho em estratégias de segmentação do
mercado cinematográfico, apresenta resultados de suas investigações sobre
o nicho dos filmes musicais brasileiros voltados para um público juvenil.
Tomando como ponto de partida o surgimento dos filmes de rock dos anos
1950 nos Estados Unidos, a autora observa a penetração pontual do rock nos
números musicais das chanchadas a partir da célebre imitação cômica que o
ator Oscarito faz de Elvis Presley em De vento em popa (Carlos Manga, 1957),
nos fala da chegada da bossa-nova às telas e dos filmes da Jovem Guarda na
década de 1960, assim como do rock progressivo/psicodélico e da disco music
em musicais dos anos de 1970. Bueno vê essas manifestações como antece-
dentes de um fenômeno que têm sua culminância nas décadas de 1980 e 1990,
com a intensificação da produção de musicais direcionados para o nicho do
público infantil e para os aficionados do rock e do pop brasileiros que con-
quistaram um espaço midiático importante no rádio e na televisão naquele
momento.
MÉXICO
ARGENTINA
Apresentação Geral 15
BRASIL
CHILE
Apresentação Geral 17
musicais das duas películas, a presença de um roto já distante do arquétipo
rural-nacionalista, um roto insubordinado e “abolerado” por influência das
indústrias cinematográficas e fonográficas mexicanas. No espírito desse roto,
contudo, segundo Núñez, a matriz identitária conservadora continua em cena,
cantando canções de louvor pátrio.
MÉXICO
BRASIL
COLOMBIA
Apresentação Geral 19
promover uma visão machista da região caribenha; El ángel del acordeón per-
mite conhecer algumas das variantes menos convencionais do vallenato; e Los
viajes del viento é o filme que mais se distingue dos demais ao apresentar uma
história à margem de convenções genéricas mais tradicionais.
URUGUAI
Depoimentos
BRASIL
1 LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. La estetización del mundo: vivir en la época del capitalismo artísti-
co. Barcelona: Anagrama, 2015.
MÉXICO
Apresentação Geral 21
Embora, em muitos casos, os musicais de outras nacionalidades mante-
nham importantes vínculos de conteúdo e forma com a tradição da Hollywood
clássica, eles compõem um conjunto plural de espécies moldadas a partir da
influência de diferentes tradições culturais, artísticas e de contingências tec-
nológicas, econômicas e políticas locais.
Altman conclui que, no que diz respeito ao que chamamos de “filme
musical”, ainda há um vasto território a ser explorado. O cinema musical
latino-americano, sem dúvida, é parte desse território que o nosso livro se
propõe a explorar.
Presentación 25
Historia del Cine Musical
ARGENTINA
En su trabajo sobre el rol del tango en el cine argentino de 1896 a 1945, Jorge
Grassi y Anabella Bustos empiezan por estudiar el lugar que ocupa el cine si-
lente de José Agustín Ferreyra, cuyos títulos, temas y personajes tangueros per-
miten hablar de un “folletín arrabalero”. A su vez, ¡Tango! (Luis Moglia Barth,
1933) abre el período industrial y clásico del cine argentino, resume los tópicos
del cine mudo y establece los elementos del melodrama tanguero: el descen-
so de la mujer hacia la prostitución y el ascenso del hombre como cantor de
tangos. Poco después surge la ópera tanguera formada por la trilogía Ayúdame
a vivir (1936), Besos Brujos (1937) y La ley que olvidaron (1938), dirigidas por
Ferreyra y protagonizadas por Libertad Lamarque. Y la cabalgata tanguera tie-
ne su trilogía emblemática en el cine de Manuel Romero: Los muchachos de
antes no usaban gomina (1937), La vida es un tango (1938) y Carnaval de anta-
ño (1940). Finalmente, este ciclo tanguero se cierra con La cabalgata del circo
(1944), protagonizada por Hugo del Carril y la misma Lamarque, que ofrece
una mirada nostálgica y metaficcional al cine tanguero.
En su recorrido historiográfico, César Maranghello ofrece un ameno y
pormenorizado recuento de los numerosos musicales producidos en el cine
argentino de 1933 a 1955, señalando en cada película la trama, los actores, los
intérpretes y las piezas musicales más destacadas. Este recorrido se organiza
por géneros, empezando por la música española para continuar con las come-
dias y parodias, las historias de travestismo y enredo sexual, los éxitos de las
divas y los divos, los musicales de boleros y tango, la presencia de las rumberas,
la música clásica, el ballet y la música popular de las otras provincias, termi-
nando con los ritmos juveniles de la década de 1950 y el anuncio de los nuevos
ritmos que anunciaban el inminente cambio cultural de la siguiente década.
El trabajo de Javier Campo y Tomás Crowder-Taraborrelli condensa una
experiencia generacional al observar cómo en los documentales de rock argen-
tinos producidos durante el lapso comprendido entre 1971 y 1986 se regis-
tra la psicodelia y la rebeldía de sus espectadores originales. En este reco-
rrido se propone la existencia de cuatro tipos de rockumental: el de carácter
BRASIL
Presentación 27
Zuleika de Paula Bueno, al observar las estrategias de segmentación del
mercado cinematográfico, presenta los resultados de sus investigaciones
sobre el nicho de las películas musicales brasileñas dirigidas al público juvenil.
Tomando como punto de partida el surgimento de las películas de rock de la
década de 1950 en los Estados Unidos, la autora observa la penetración pun-
tual del rock en los números musicales de las chanchadas a partir de la célebre
imitación cómica que el actor Oscarito hizo de Elvis Presley en De vento em
popa (Carlos Manga, 1957), que nos habla de la llegada del bossa-nova a las
pantallas y de las películas de la Jovem Guarda en la década de 1960, así como
del rock progresivo/psicodélico y de la disco music en musicales de la década de
1970. Bueno ve esas manifestaciones como antecedentes de un fenómeno que
tiene su culminación en las décadas de 1980 y 1990, con la intensificación de
la producción de musicales dirigidos a un nicho de público infantil y para los
aficionados al rock y al pop brasileños que conquistaron un espacio mediático
importante en la radio y la televisión en aquel momento.
MÉXICO
ARGENTINA
BRASIL
Presentación 29
caso sobre la película O samba da vida (Luiz de Barros, 1937). Con base en
una investigación de material testimonial y crítico en diarios y revistas de cine
publicados en la década de 1930, Freire nos habla, en un primer momento,
sobre el éxito de los musicales revue de Hollywood en las taquillas brasileñas,
los primeros musicales-revista brasileños, el agotamiento de ese género y el
proceso que condujo a la creación de los llamados “musicales de bastidores”.
A continuación, al analizar la dinámica intermedial entre O samba da vida y la
pieza teatral que dio origen a la película – la comedia Frederico Segundo, escri-
ta por Eurico Silva –, Freire nos revela una película que hace un homenaje al
teatro cómico ligero y al teatro de revista, pero que, al mismo tiempo, exige su
derecho a pertencer al terreno de los productos esencialmente cinematográfi-
cos y reconocimiento de su valor artístico y cultural.
Heloísa de A. Duarte Valente y Simone Luci Pereira eligieron como objeto
de estudio un fenómeno que, desde nuestra perspectiva, todavía no ha sido
suficientemente contemplado por las investigaciones sobre el cine brasileño:
el drama musical O ébrio, obra dirigida por una mujer – Gilda de Abreu – en
1946. En el ámbito de la cinematografia brasileña, O ébrio es un rarísimo caso
de lo que Silvia Oroz llamó el “cine de lágrimas da América Latina” y es, hasta
nuestros días, una de las cinco películas con mayor éxito de taquilla en la his-
toria del cine brasileño. Teniendo como fundamento el concepto de mediación
cultural, tal como lo propuso Jesús Martín-Barbero, las autoras asocian el éxito
de O ébrio al éxito radiofónico y fonográfico de la canción homónima, lanzada
en 1936, así como al rico capital mediático que el protagonista de la película
– el cantante Vicente Celestino – celebró en sus días, la fuerza retórica de los
artefactos culturales masivos que tienen como matriz cultural común al melo-
drama, y la existencia de una especie de “integración sentimental latinoame-
ricana”, que surge, como dice Barbero, de un gusto por el drama sentimental
extremo derivado de lo que Carlos Monsiváis llamó la “educación melodramá-
tica” de los radioescuchas y los espectadores de América Latina.
Cristiane da Silveira Lima, cantante, investigadora y profesora del curso de
Comunicación y Multimedios en la Universidad Estatal de Maringá (UEM), se
pregunta a qué clase de desafíos se enfrentan los documentalistas que registran
las distintas formas de la improvisación musical. ¿Hasta qué punto la improvi-
sación en la música producida por los músicos filmados se refleja en el tejido
narrativo y audiovisual de los documentales? La autora busca respuestas a esa
CHILE
Presentación 31
de las industrias cinematográficas y fonográficas mexicanas. A pesar de todo,
según Núñez, en el espíritu de ese roto la matriz identitaria conservadora con-
tinúa en escena, cantando canciones de fervor patrio.
MÉXICO
BRASIL
COLOMBIA
Presentación 33
URUGUAY
Testimonios
BRASIL
Por último, Rubén Olachea Pérez recuenta los contenidos del documental Hecho
en México (Duncan Bridgeman, 2012), construido como un complejo collage
donde se superponen innumerables imágenes del país en forma de preguntas
dirigidas a los mexicanos frente al espejo. Después de mostrar las opiniones de
artistas, escritores y periodistas, así como imágenes de la migración, la narco-
cultura, la violencia urbana, la rutina cotidiana, la gastronomía, el humor, el ero-
tismo, la religiosidad y muchas otras dimensiones de la identidad cultural, este
documental se cierra con una recuperación de la canción de Chava Flores, A qué
le tiras cuando sueñas, mexicano, como una pregunta que, formulada con humor
hace más de 50 años, sigue resonando en la conciencia nacional.
***
En el último capítulo del libro colectivo The International Film Musical (com-
pilacion organizada por Corey Creekmur y Linda Y. Mokdad), Rick Altman, sin
duda el investigador que ha dedicado más energía a los estudios sobre los musi-
cales estadounidenses, confiesa su sorpresa al descubrir la diversidad de manifes-
taciones del género musical en muchos otros países del mundo. Él observa cómo
cada país trabaja al musical a su manera, y reconoce que los conceptos que él desa-
rrolló en su libro American Film Musical – en el cual discute la natureza de los
musicales cinematográficos, propone una taxonomía del género y sustenta la tesis
de que los musicales tienen como esencia común una narración de doble foco –
no dan cuenta de la diversidad de manifestaciones del cine musical en el mundo.
Sin embargo, en muchos casos los musicales de otras nacionalidades
mantienen importantes vínculos de contenido y de forma con la tradición del
Hollywood clásico, y forman un conjunto plural de especies moldeadas a partir
de la influencia de diferentes tradiciones culturales y artísticas, y de contingen-
cias tecnológicas, económicas y políticas de carácter local.
Altman concluye que, en lo que concierne a lo que llamamos “cine musical”,
todavia hay un vasto territorio por ser explorado. El cine musical latinoameri-
cano, sin duda, es parte de ese territorio que nuestro libro se propone explorar.
Presentación 35
PARTE 1
TEORÍA Y ANÁLISIS COMPARATIVO
Un modelo paradigmático para
el análisis del cine musical
LAURO ZAVALA
Introducción
¿Qué es el cine musical? Se puede entender por cine musical toda película de
ficción donde los personajes cantan y/o bailan, ya sea dentro o fuera del esce-
nario, con música producida en escena o fuera de ella.
La tradición académica más abundante sobre el cine musical sigue siendo
la dedicada al cine hollywoodense, y se presenta en un formato historiográ-
fico (FEUER, 1993; FONTENLA, 1971; MORDDEN, 1981); como guía de con-
sulta (MIRET; BALAGUÉ, 2009; MUNSÓ, 2006) o como análisis ideológico.
(RYALL, 1998; SMITH, 2005; WILLIAMS, 1998) Otros estudios se aproximan
al cine musical desde una perspectiva más moderna, y señalan la importancia
de los remakes (DELAMATER, 1998), la parodia (HARRIES, 2000) o la meta-
ficción. (AMES, 1997)
La mayor parte de los estudios sobre el cine musical hollywoodense clásico
está enmarcado en la teoría de los géneros. (NEALE, 2002; PINEL, 2009) A
su vez, la discusión sobre los géneros clásicos tiene como referente el trabajo
de Rick Altman (1984), quien propuso integrar la aproximación ritual (según la
cual los géneros surgen de los deseos del público) y la aproximación ideológica
(según la cual la industria del cine aprovecha los deseos del público para sus pro-
pios fines). Para estudiar los géneros, Altman propuso reconocer los elementos
semánticos y sintácticos en cada película particular. (WALKER, 2015, p. 17)
El modelo de Altman requiere ser ampliado. Por una parte, es necesario
señalar que la aplicación de estas categorías al análisis del lenguaje cinematográ-
fico podría llevar a asociar el análisis sintáctico con el montaje y la narración, y
el análisis semántico con la imagen y la puesta en escena. Pero también es nece-
sario señalar que a estas dos dimensiones (semántica y sintáctica) es necesario
añadir la dimensión pragmática, es decir, el estudio del espectador implícito.
Los estudios sobre el cine musical están orientados a ciertos temas recu-
rrentes, y tratan sobre la agencia narrativa de la música (LEVINSON, 1995;
REAY, 2004); sobre la evolución de la estructura narrativa en el musical
(LACEY, 2000); sobre la relación entre el ritmo del montaje y el ritmo coreo-
gráfico (BUHLER; NEUMEYER; DEEMER. 2010; DANCIGER, 2011); sobre
la percepción de la ficción audiovisual (L. Jullier 2010), y sobre las posibilida-
des artísticas del paralelismo entre música e imágenes en movimiento (MAIA,
2015), o ponen en juego la reflexión sobre los límites del concepto de género.
(STAM, 2001a, 2001b)
El análisis de películas específicas del cine musical se inició con el trabajo
canónico de Raymond Bellour (2000) sobre una secuencia de Gigi (1958), a par-
tir del modelo de la Gran Sintagmática de Christian Metz. Y ha sido continuado
en la tradición alemana con los trabajos de découpage de Gottfried Schlemmer
(1991) sobre Meet Me in St. Louis (1944); Hans-Peter Rodenberg (1995) sobre
Dirty Dancing (1987) y Fred Ritzel (1999) sobre Carmen de Carlos Saura (1983).
Más adelante se han elaborado los trabajos de Jane Feuer (2005) sobre Singing
in the Rain (1952) desde una perspectiva contextual; Ken Danciger (2011) sobre
40 LAURO ZAVALA
el montaje en West Side Story (1964), y Christine Etherington-Wright y Ruth
Doughty en su Introduction to Film Theory (2011) sobre Moulin Rouge (2001)
como ejemplo de los rasgos formales e ideológicos del cine posmoderno.
Desde la incorporación del sonido en el cine en 1927, con El cantante de
jazz, el cine musical ha estado asociado a Hollywood. Sin embargo, siempre
se ha realizado cine musical distinto del hollywoodense, lo mismo en el cine
independiente estadounidense que en el resto del mundo. Los estudios sobre
el cine musical que se produce más allá de Hollywood es todavía incipiente.
(CREEKMUR; MOKDAD, 2013; PARKINSON, 2007)
Éste es un campo de la investigación que requiere mayor atención, aunque
ya existen algunos documentales sobre distintas formas de cine musical ajeno a
Hollywood, especialmente en los casos de India, Inglaterra, México y los países
socialistas durante las décadas de 1940 y 1950 (ver la Filmografía Documental
al final de estas notas).
42 LAURO ZAVALA
En el cine musical clásico el emplazamiento de la cámara suele acompañar
al protagonista, mostrando su perspectiva y su experiencia, lo cual facilita que
el espectador se identifique con él. Ésa es la función que cumplen los demás
componentes de la imagen, tales como la escala de los planos, los movimien-
tos de cámara, la profundidad de campo y el empleo del color. La llamada
transparencia del cine clásico consiste en la sensación de que la perspectiva
de la cámara tiene un carácter natural en relación con el sentido dramático de
la secuencia. Éste es el caso de los musicales canónicos, como Un americano
en París o Un día en Nueva York y del cine producido en los países socialis-
tas durante el periodo estalinista, como Conductores de tractor (URSS, 1937) o
Líder obrero (Alemania, 1955).
Sonido: Si la herramienta más precisa para el análisis de una secuencia es
el découpage por planos, es decir, el establecimiento de la función que cumple
cada uno de los componentes visuales del lenguaje cinematográfico en cada
uno de los planos, también es necesario establecer un découpage sonoro, que
deberá estar pautado por la variación en los elementos señalados, y que ade-
más tiene rasgos específicos en cada plano (volumen, grano, silencios o mezcla
de planos sonoros). Y también es necesario establecer la relación estructural
del sonido con las imágenes en movimiento. Esta relación puede ser, respecti-
vamente, clásica, es decir, de consonancia didáctica (de carácter dramático);
moderna, es decir, de disonancia dialéctica (de carácter conceptual) o posmo-
derna, es decir, de resonancia dialógica (de carácter intertextual).
En el cine musical clásico la relación entre música e imágenes es de con-
sonancia didáctica, de tal manera que las letras de las canciones se integran
a la historia misma, y suelen ofrecer información crucial para la secuencia
siguiente. A esta integración se le llama la agencia narrativa de la música. En
este tipo de cine se establece una consonancia dramática entre la letra de la
música y el contenido narrativo de las imágenes. Estas características pertene-
cen al cine musical hollywoodense, y se encuentran con frecuencia en el cine
musical contemporáneo, como ocurre en las dos versiones cinematográficas de
Billy Eliot (2000 y 2014).
Aunque gran parte de los trabajos sobre la función de la música se han
opuesto al paralelismo dramático entre imágenes y música (como es el caso de
Adorno, Eisenstein y otros), el paralelismo corresponde a la naturaleza neuro-
nal propia de la condición humana, como ha sido señalado por Torben Grodal
44 LAURO ZAVALA
reconstrucción musical de una huelga de vendedores de periódico en el año
1900 en la ciudad de Nueva York.
Narración: El cine musical clásico es didáctico y moralizante, y por eso es
heredero de la narrativa decimonónica. Aquí todo número musical se inicia
con una toma de conjunto que facilita visualizar a todos los personajes de la
secuencia y establecer mecanismos de complicidad con el espectador, lo que
contribuye a la creación del suspenso narrativo. El cierre de cada número musi-
cal es epifánico, pues contiene una revelación narrativa dirigida al espectador,
que de esa manera suele saber algo más que algunos de los personajes. Así son
las secuencias musicales en el cine de rumberas y las secuencias de comedia
romántica producidas en las décadas de 1940 y 1950, donde por ejemplo Pedro
Infante declara su amor interpretando diversas canciones. También éste es
el caso de adaptaciones musicales canónicas, como la espectacular West Side
Story (1961).
46 LAURO ZAVALA
de la cuarta pared. Estos recursos irónicos están presentes con frecuencia en
las secuencias musicales de algunas películas de Tin Tan en las décadas de 1940
y 1950, como ocurre en la apócrifa y sensual clase de música en Músico, poeta
y loco o la serenata improvisada en El rey del barrio. Más recientemente, estos
recursos son utilizados en las piezas musicales de la neobarroca Shrek, donde
se yuxtaponen personajes provenientes de distintas casas productoras de dibu-
jos animados.
Sonido: En el cine musical posmoderno existe una relación de resonancia
intertextual entre la música utilizada y otras películas de la tradición genérica,
lo cual ha sido considerado como una relación architextual. Esto ocurre en
Fiebre latina o Moulin Rouge! También suele haber una resonancia metafórica
o alegórica, como en los planos-secuencia de carácter musical en Danzón. En
este último caso, las imágenes siguen la cadencia de la música (en lugar de que
la música acompañe a las imágenes).
Puesta en Escena: En el cine musical posmoderno la amplitud estilística es
variable en el interior de una misma escena o entre una escena y la siguiente,
como en las secuencias musicales de Fiebre latina (EEUU, 1982), Danzón
(México, 1992) y Nada más (Cuba, 2001).
Montaje: En el cine musical posmoderno, el montaje se construye en el
interior del encuadre, con el empleo de planos-secuencia (como en Danzón) o
bien se construye de manera vertiginosa, con el empleo de múltiples cámaras
y complejos movimientos de cámara (como en Moulin Rouge). En Calabacitas
tiernas (1949), el protagonista entabla una conversación con su reflejo en el
espejo, y éste no sólo responde sus preguntas, sino que también lo acompaña
para cantar en un lúdico dúo de guitarra.
Narración: El cine musical posmoderno es intensamente intertextual, y
suele estar saturado de alusiones a películas canónicas del cine clásico. Esto
ocurre en Moulin Rouge en relación con musicales clásicos como The Sound of
Music o algunas secuencias musicales protagonizadas por Marilyn Monroe en
Gentlemen Prefer Blondes. En Introducing Dorothy Dandridge (1999) se entre-
mezclan dos historias: la relación personal de esta actriz negra con el produc-
tor y director Otto Preminger y el rodaje de la película Carmen Jones, donde la
ópera de Bizet se convierte en la historia de un soldado negro que se enamora
de Carmen durante la Segunda Guerra Mundial. Esta yuxtaposición produce
una hibridación musical de carácter metaficcional.
48 LAURO ZAVALA
Aquí es necesario recordar la distinción entre lo maravilloso y lo fantástico.
Lo maravilloso existe cuando lo imposible es considerado como natural, preci-
samente como un acto de fe. En cambio, la existencia de lo fantástico requiere
la existencia de una conciencia racional (por parte de los espectadores) de que
algo es imposible, si bien en ambos casos se establece un pacto de verosimili-
tud entre el espectador y las reglas de género.
Por otra parte, es necesario establecer que el fantástico clásico es aquel
donde el hecho imposible es exterior a los personajes (porque es algo que ocu-
rre en el mundo físico). En cambio, el fantástico moderno es aquel donde el
hecho imposible es interior a los personajes (porque es algo que ocurre en su
percepción o en su imaginación). El fantástico posmoderno yuxtapone, com-
bina y alterna elementos de lo maravilloso y lo fantástico gracias al empleo de
la parodia (de una película particular), la metaparodia (de un género cinema-
tográfico), la metaficción, la metalepsis, la tematización, el distanciamiento y
otros recursos irónicos que permiten esta yuxtaposición paradójica, creando
simulacros de lo maravilloso y lo fantástico.2
A partir de esta distinción podemos reconocer la naturaleza metagenérica
(es decir, maravillosa o fantástica) del cine musical. En primer lugar, el cine
musical clásico puede ser considerado como una forma de lo maravilloso, pues
lo imposible (el hecho de que surja una música de ninguna parte, y que los
personajes bailen y canten acompañados por esta música) es presentado como
algo natural. En cambio, en el cine musical moderno accedemos al terreno de
lo fantástico, pues esta imposibilidad es tematizada, hiperbolizada, parodiada
y, en pocas palabras, asumida como una convención aceptada por los especta-
dores en un pacto de lectura.
En este último caso, la diferencia entre una película de carácter fantástico
clásico o moderno está determinada por la fuente de donde proviene la música.
Nos encontramos ante un caso de fantástico clásico cuando lo que ocurre en
escena es imposible pero el origen de la música es exterior a los personajes, es
decir, evidente en la puesta en escena, como en el cine musical de la India o en
el concierto donde canta la protagonista de Who Framed Roger Rabbit.
Análisis de Secuencias
Cine Musical Clásico
MARAVILLOSO (lo imposible como natural)
Snow White and the Seven Dwarfs
Billy Eliot
The Sound of Music
Cine Musical Moderno (lo imposible tematizado)
FANTÁSTICO CLÁSICO (exterior: música en escena)
50 LAURO ZAVALA
Análisis de Secuencias
Cine musical de la India
The Band Wagon
Who Framed Roger Rabbit
FANTÁSTICO MODERNO (interior: música acusmática)
Una mujer es una mujer
The Meaning of Life
Bailando en la obscuridad
FANTÁSTICO POSMODERNO (tematización, simulacros, parodia)
Cantando bajo la lluvia
Zoot Suit
Nada más
Cine Musical Posmoderno (hibridación, metaparodia, distanciamiento)
FANTÁSTICO POSMODERNO (a la vez maravilloso y fantástico)
Bugsy Malone
Calabacitas tiernas
500 días con ella
Comentario final
El cine musical en América Latina es parte sustancial del cine musical interna-
cional. Sin embargo, como ocurre con el resto del cine producido en la región
latinoamericana, es un cine muy poco conocido. A pesar del acceso al cine faci-
litado por las redes digitales, todavía no existen videotecas que permitan tener
una visión completa de esta tradición genérica.
A su vez, la mayor parte de los trabajos sobre cine musical en la región son
de carácter casuístico, mientras que los estudios panorámicos se limitan a un
52 LAURO ZAVALA
país o un periodo. Sigue habiendo una total ausencia de propuestas de carácter
teórico que puedan ser utilizadas en el análisis de cualquier película (musical o
de otra naturaleza).
Por todo lo anterior, en los países latinoamericanos sigue siendo nece-
sario contar con videotecas del cine producido en la región, y crear centros
de investigación orientados a la formación de investigadores en teoría y
análisis cinematográfico.
Referencias
54 LAURO ZAVALA
MUNSÓ, J. El cine musical: diccionario de películas. Madrid: T & B Editores, 2006.
NEALE, S. Genre and contemporary Hollywood. London: BFI, 2002.
NEUMEYER, D. The Oxford handbook of film music studies. New York: Oxford
University Press, 2014.
NIETO, O. Teoría general de lo fantástico: del fantástico clásico al posmoderno.
México: UACM, 2015.
PARKINSON, D. A world of entertainment: the international musical. In:
PARKINSON, D. The rough guide to film musicals. London: Rough Guides, 2007.
p. 267-292.
PINEL, V. Los géneros cinematográficos: géneros, escuelas, movimientos y corrientes en
el cine. Barcelona: Ma Non Troppo, 2009.
PRINCE, S. Classical film violence: designing and regulating brutality in Hollywood
cinema, 1930-1968. New Brunswick: Rutgers University Press, 2003.
REAY, P. Music in film: soundtracks and synergy. London: Wallflower Books, 2004.
RITZEL, F. La ópera y la música en el cine: Carmen (1983). In: FAULSTICH, W.;
KORTE, H. (Ed.). Cien años de cine 1895-1995: vol. 5: 1977-1995. México: Siglo XXI
Editores, 1999. p. 139-159. Edición original en alemán publicado en 1995.
RODENBERG, H.-P. Cuento de hadas para adolescentes y adultos: Dirty Dancing
(Baile Caliente) (1987). In: FAULSTICH, W.; KORTE, H. (Ed.). Cien años de cine 1895-
1995, vol. 5: 1977-1995. México: Siglo XXI Editores, 1999. p. 226-251. Edición original
en alemán publicado en 1995.
RYALL, T. Genre and Hollywood. In: HILL, J.; GIBSON, P. C. The Oxford guide to film
studies. New York: Oxford University Press, 1998. p. 327-337.
SCHAFER, R. M. The Soundscape: our sonic environment and the tuning of the world.
Vermont: Destiny Books, 1994.
SCHLEMMER, G. Seriales y filmes americanos: Meet me in St. Louis (1944). In:
FAULSTICH, W.; KORTE, H. (Ed.). Cien años de cine 1895-1995: vol. 2: 1925-1944.
México: Siglo XXI Editores, 1995. p. 397-411. Edición original en alemán publicado en
1991.
SINCLAIR, C. Audition: making sense of cinema. The Velvet Light Trap, Austin, p. 8,
March 2003.
SMITH, S. The musical: race, gender and performance. London: Wallflower Press,
2005.
Filmografia
Películas de Ficción
(500) Days of Summer (500 días con ella). Dirección: Mike Webb. EEUU, 2009.
A Hard Day’s Night. Dirección: Richard Lester. GB, 1964.
All That Jazz. Dirección: Bob Fosse. EEUU, 1979.
Allá en el Rancho Grande. Dirección: Fernando de Fuentes. México, 1936.
Allá en el Rancho Grande. Dirección: Fernando de Fuentes. México, 1949.
An American in Paris. Dirección: Vincente Minelli. EEUU, 1951.
Annie. Dirección: John Huston. EEUU, 1982.
Belle Époque. Dirección: Fernando Trueba. España, 1992.
56 LAURO ZAVALA
Billy Eliot. Dirección: Stephen Daldry. GB, 2000.
Billy Eliot. The Musical Live. Dirección: Stephen Daldry & Brett Sullivan. GB, 2014.
Bugsy Malone. Dirección: Alan Parker. EEUU, 1976.
Chicago. Dirección: Rob Marshall. EEUU, 2002.
Cabaret. Dirección: Bob Fosse. EEUU, 1972.
Calabacitas tiernas. Dirección: Gilberto Martínez Solares. México, 1949.
Carmen. Dirección: Carlos Saura. España, 1983.
Carmen. A Hip Hopera. Dirección: Robert Townsend. EEUU, 2001.
Carmen de Bizet. Dirección: Francesco Rosi. Italia, 1984.
Carmen Jones. Dirección: Otto Preminger. EEUU, 1954.
Cool World. Dirección: Ralph Bakshi. EEUU, 1992.
Dancer in the Dark. Dirección: Lars von Trier. Dinamarca, 2000.
Danzón. Dirección: María Novaro. México, 1991.
Dirty Dancing. Dirección: Emile Ardolino. EEUU, 1987.
Eika Katappa. Dirección: Werner Schroeter. Alemania, 1969.
El rey del barrio. Dirección: Gilberto Martínez Solares. México, 1950.
El sueño de Valentín. Dirección: Alejandro Agresti. Argentina, 2002.
Everyone Says I Love You. Dirección: Woody Allen. EEUU, 1996.
Evita. Dirección: Alan Parker. EEUU, 1996.
Gentlemen Prefer Blondes. Dirección: Howard Hawks. EEUU, 1953.
I’m Not There. Dirección: Todd Haynes. EEUU, 2007.
Introducing Dorothy Dandridge. Dirección: Martha Coolidge. EEUU, 1999.
La lengua de las mariposas. Dirección: José Luis Cuerda. España, 1999.
Le bal (El baile). Dirección: Ettore Scola. Italia, 1983.
Meet Me in St. Louis. Dirección: Vincente Minelli. EEUU, 1944.
Moulin Rouge! Dirección: Baz Luhrmann. Australia, 2001.
Músico, poeta y loco. Dirección: Humberto Gómez Landero. México, 1948.
Nada más. Dirección: Juan Carlos Cremata. Cuba, 2001.
Newsies. Dirección: Kenny Ortega. EEUU, 1992.
58 LAURO ZAVALA
East Side Story. Dirección: Dana Ranga. Alemania, 1997. Sobre el cine musical en
Europa del Este durante el periodo estalinista.
Enamorada. Vol. 20 de la serie Los Que Hicieron Nuestro Cine. Dirección: Alejandro
Pelayo. México, 1984.
Ni muy muy ni tan tan... simplemente Tin Tan. Dirección: Manuel Márquez. México,
2005.
There’ll Always Be Stars in the Sky. Dirección: Jeremy Marre. GB, 1983. Sobre la música
en el cine musical de la India.
Tin Tan a 40 años. Dirección: Francesco Taboada Tabone. México, 2010.
You Can’t Do That! The Making of A Hard Day’s Night. Dirección: David Leaf. GB,
1995.
GUILHERME MAIA
Introdução
1 Pesquisa realizada com apoio financeiro dos projetos “O cinema musical na América Latina:
ficção, documentários e novos formatos”, financiado pelo edital da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) 11/2013 de Apoio à Formação e Articulação de Redes de
Pesquisa no Estado da Bahia; e “Os musicais no Brasil: cinema e televisão”, aprovado no edital
universal Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI/CNPq) nº 14/2013. A pesquisa
gerou também artigos que foram publicados em revistas acadêmicas com peer review e entre-
vistas com pesquisadores e realizadores. Os artigos e as entrevistas podem ser acessados no
site do LAF: <www.lafposcom.com.br>.
62 GUILHERME MAIA
de 1950, e estudos de caso de dois filmes franceses, um espanhol e dois gregos.
O desvio mais importante nesse padrão é, sem dúvida, o livro The International
Film Musical, organizado por Corey K. Creekmur e Linda Y. Mokdad e lançado
em 2012, do qual falaremos um pouco a seguir. Mesmo levando em conta que
a seção dedicada à Europa seja a maior do livro, composta por oito artigos, a
obra dedica sete artigos a musicais produzidos na América Latina, na Ásia e no
Oriente Médio, sinalizando que o coração do gênero também pulsa com vigor
fora dos Estados Unidos e da Europa.
Rick Altman (2012), sem dúvida o pesquisador que tem dedicado mais
energia aos estudos sobre os musicais cinematográficos, no último capítulo da
coletânea de Creekmur e Mokdad, ao tecer seus comentários sobre o livro, con-
fessa sua surpresa com a potência do musical em países como México, Brasil,
Japão, Egito Índia, Rússia, Turquia, Inglaterra, França, Alemanha, Portugal,
Espanha, Itália e Grécia. Altman percebe como cada país trabalha o musical à
sua maneira e se rende ao fato de que os conceitos por ele trabalhados no livro
The American Film Musical (c1987), no qual discute a natureza dos musicais
cinematográficos, propõem uma taxonomia do gênero e sustentam a tese de
que os musicais têm como natureza comum uma narrativa de duplo foco,2 não
dão conta da diversidade de manifestações de cinema musical nos países estu-
dados na coletânea. Embora, em muitos casos, os musicais de outras naciona-
lidades mantenham importantes vínculos de conteúdo e forma com a tradição
da Hollywood clássica, eles compõem um conjunto plural de espécies, molda-
das a partir da influência de diferentes tradições culturais, artísticas e de con-
tingências tecnológicas, econômicas e políticas locais. A conclusão de Altman
é a de que, no que diz respeito ao que chamamos de “filme musical”, ainda há
2 Por meio de uma quantidade suficiente de exemplos, Altman nos mostra que os filmes musicais
clássicos apresentam tramas centradas em um casal de protagonistas. O foco e o conflito da
trama, entretanto, não são, necessariamente, os encaixes e desencaixes amorosos, mas a reso-
lução ou atenuação da bipolaridade do casal protagonista. Para o autor, os musicais do período
clássico trabalham com a constante oposição entre o masculino e o feminino, construindo o
casal de protagonistas como figuras diametralmente opostas que, ao longo do filme, vão aos
poucos “aprendendo um com o outro”. Em termos de estrutura, cada número musical do per-
sonagem masculino é sucedido por um da personagem feminina, fazendo avançar a narrativa
em uma progressão que chega ao “grande final”, via de regra, um dueto, no qual a canção e a
dança confirmam para o espectador que o que separava o casal foi suplantado por algo que os
une, seja o amor, a solidariedade ou até mesmo a morte, como em West Side Story (Direção:
Jerome Robbins e Robert Wis, 1961).
3 John Mundy nos mostra como os britânicos exploraram intensamente o veio do rock e do
pop bretão, como nos filmes dos Beatles. Na Espanha, de acordo com Imaculada Alarcón, o
musical se apropriava da zarzuela e da copla, enquanto que na Itália, para Alex Marlow-Mann,
eles bebiam na fonte do musicarello, da ópera italiana e da scenegiatta. A Alemanha, por sua
vez, trazia, como aponta Antje Ascheid, as óperas e operetas locais para o domínio do musical.
Os musicais franceses, para Kelley Conway, têm, muitas vezes, um caráter mais experimental,
que se afasta bastante do modelo de Hollywood, tendo como principais expoentes diretores
como René Clair, Jaques Demy e François Ozon. Na União Soviética, Richard Taylor destaca
os célebres musicais dirigidos por Alexandrov nos anos 1940, que tinham como objetivo a
difusão dos ideais socialistas. Aaron Gerow nos conta que o musical japonês é impregnado de
elementos culturais locais, como o teatro Noh, o Kabuki e a ópera Asakusa. A China, conforme
apresentada por Emilie Yueh-Yu Yeh, é um caso peculiar, já que seus musicais não apenas se
apropriam de ritmos locais, como o Shidai Qu, como também de ritmos musicais estrangeiros,
como o rockabilly e o mambo. No Oriente Médio, segundo Mokdad, o Egito pode ser consi-
derado o país que apostou em tentativas de reprodução do modelo hollywoodiano. Todos os
autores citados nesta nota integram a citada coletânea The International Film Musical.
64 GUILHERME MAIA
Reflexões sobre a natureza do musical cinematográfico
Partimos, aqui, de Barry Langford (2005, p. 83, tradução nossa), que nos fala
sobre alguns aspectos que distinguem o musical dos seus companheiros no
contexto dos chamados filmes de gênero: “[...] o musical cria um universo ge-
nérico hermeticamente fechado”,4 no qual as convenções e a verossimilhança
operam de um modo muito particular e têm a função de viabilizar as perfor-
mances musicais que definem a forma. Além disso, Langford entende como
um traço também excepcional o fato do musical ser nomeado não pelo tema
(western, filme de guerra) ou por seu efeito sobre o espectador, mas por aquilo
que chama de “modo de performance”, que implica dar tempo de tela e alto-fa-
lantes à música cantada e, segundo o autor, sobretudo dançada. É inevitável es-
tar de acordo com Langford – e com muitos outros autores, ademais – quando
ele diz que as performances musicais definem a natureza do musical – ora, não
há musicais sem performances musicais –, mas poderíamos iniciar aqui uma
discussão acerca da ideia de que o musical não é definível pelo efeito. Se o fil-
me de horror tem como destinação produzir sustos e sensações da ordem do
temor no espectador, não seria possível dizer que um dos efeitos próprios do
musical é um prazer audiovisual derivado do caráter espetacular dos números
de canto e dança?
Observemos, agora, que Langford coloca a dança acima de tudo, o que
nos leva a concluir que, para ele, um filme no qual os personagens cantam,
mas não dançam, não seria, de fato, um musical. Já para Steve Neale (2009,
p. 32, tradução nossa), é a canção o principal elemento da forja da natureza
específica dessa classe de filmes: “Cantar em um musical não é apenas prová-
vel, é obrigatório”.5 A canção, para Neale, não é apenas uma opção no eixo das
possibilidades, é condição necessária para a existência do gênero.
Berry Keith Grant (2012, p. 1, tradução nossa) flexibiliza o modelo, afir-
mando que os musicais são filmes “que envolvem performances de música e/
ou dança realizadas por seus personagens principais e que também incluam o
6 “The musical refers to films that involve the performance of song and/or dance by the main
characters and also include singing and/or dancing as important element”.
7 “We learned that a musical episode must be so presented as to motivate a detail of the plot,
and must become so vital to the story the it cannot be dispensed with. The test today is: if a
song can be cut out of the musical, it doesn’t belong to it”.
66 GUILHERME MAIA
a trama avançar ou ser reflexo dos desejos, objetivos, estados de espírito
ou vida interior de um personagem.8
8 “[...] whether or not the musical performance is for an audience in the film or integrated into
the story in some other way. In other words, the music must advance the plot in some fashion
or be reflective of a character’s desires, goals, and state of mind”.
9 “Intuitively, we call a film a musical when it contains diegetic singing: songs or numbers that
contribute to the telling of the film’s narrative [...] For better or for worse, the scholarly study
of musicals has evolved a bit further than this. And yet, we still disagree as to just how much
music a film must contain to be called a musical, how that music must relate to the diegesis (the
narrative world of the film), and what proportions of singing and dancing there must be”.
68 GUILHERME MAIA
determinado gênero. Grosso modo, o viés semântico diz respeito ao con-
teúdo (ao sentido) e o sintático a aspectos de natureza estrutural (formal).
Mais tarde, no capítulo conclusivo da edição de 2012 do livro Film Genre,
vemos Altman acrescentar ao modelo uma dimensão pragmática, que inclui
no paradigma classificatório aspectos que não emanam necessariamente
da análise interna da obra: forças exteriores que afetam a natureza de uma
determinada classe de filmes e o nome que a ela se dá. Entre essas forças,
estão as instâncias de produção, distribuição, divulgação, recepção crítica,
fruição das obras e podemos considerar também o modo como a literatura
acadêmica e os bancos de dados oficiais e colaborativos as classificam.
Assim, tendo como referência a chave de Staiger, nos descartamos de um
modelo idealista por entendermos que partir de um paradigma construído
tendo como base o musical hollywoodiano clássico não é uma boa estraté-
gia, uma vez que o próprio Altman reconhece, como vimos, que essa régua
não dá conta da diversidade de espécies de musicais produzidos fora desse
contexto. Não estamos também em busca de musicais “puros”. Já se sabe
muito bem que isso seria perda de tempo. A tese da “pureza” de um gênero
cinematográfico já foi suficientemente derrotada com argumentos de boa
musculatura. Para Steve Neale (2009, p. 105, tradução nossa), o musical “sem-
pre foi um gênero híbrido. Em variáveis medidas e combinações, música,
canção e dança foram seus únicos ingredientes essenciais. Em consequência,
sua história, no palco e nas telas, tem sido marcada por numerosas tradições,
formas e estilos”.
Gêneros, ademais, são objetos em movimento. Como nos diz Altman
(2012), por exemplo, quando o que hoje chamamos de cinema musical surgiu,
o termo “musical” para designar o gênero não existia e somente retrospectiva-
mente filmes de tão diferentes naturezas poderiam vir a constituir um grupo
coerente. É interessante acrescentar aqui a visão de Jason Mittell (2001, p. 11),
que propõe analisar os gêneros como uma categoria cultural contingenciada
por um processo de “estabilidade em fluxo”. O entendimento de gêneros como
um campo de disputas discursivas permite, para Mittell, olhar a noção de
gênero como estruturas tanto estáveis quanto mutantes. Embora as definições
de gênero ocorram em constante negociação no interior do que Mittell chama
A escultura do nosso objeto, como veremos a seguir, parte dos modelos em-
pirista e da convenção social, para, em um movimento posterior, adotar uma
perspectiva que, de certa forma, pode ser considerada a priori, mas a contra-
pelo, ou seja, observando não elementos genéricos comuns, mas alguns ele-
mentos que distinguem os filmes classificados como musicais produzidos no
México, no Brasil e na Argentina. No contexto deste artigo, um filme tem di-
reito de ser um musical nos seguintes casos:
a) Se a literatura acadêmica consultada, de alguma forma, a ele se refere
como pertencente à chave dos musicais;
11 “discursive clusters”.
70 GUILHERME MAIA
um filme – ou uma determinada espécie de filme, no nosso caso – está vivo no
mundo virtual – referenciado em bancos de dados públicos ou se está disponí-
vel no YouTube, por exemplo –, significa que, por algum motivo, teve potência
para sobreviver ao tempo e ao esquecimento.
No que diz respeito aos bancos de dados virtuais institucionais, a plata-
forma da Cinemateca Brasileira facilita, de certo modo, o nosso trabalho, pois
inclui a informação “gênero” nas fichas das obras. Embora o sistema não seja
muito eficiente no processo de busca por gêneros, é possível, filme a filme,
verificar que obras essa instância institucional classifica como musical. Já na
plataforma privada Cinenacional.com, único banco de dados virtual sobre fil-
mes argentinos até agora localizado na nossa investigação, as fichas técnicas
fornecem apenas alguns dados básicos sobre os filmes e não fazem referên-
cia a gênero. Em relação ao México, a plataforma da filmoteca institucional
da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM)12 oferece uma ficha
técnica bem mais completa, mas, infelizmente, também não faz referência ao
gênero dos filmes.
O livro Índice General del Cine Mexicano (2005) e o Dicionário de Cinema
Brasileiro (2013) oferecem a classificação por gênero nas fichas dos filmes, embora
este último não atribua ao musical brasileiro um status de “grande gênero”:
Para Viñas (2005), por ejemplo, un filme musical es una ficción que ‘parte
de una representación con elementos musicales y/o coreográficos’. A par-
tir de esta muy amplia definición de lo que es una película musical, el
autor identifica, en su Índice general del cine mexicano (2005), 755 pe-
lículas musicales producidas en México entre 1896 y el 2000. Una rápida
72 GUILHERME MAIA
revisión tan sólo de la entrada A de este Índice revela, sin embargo, un
gran número de películas que bajo los criterios del propio autor deberían
considerarse como musicales, pero que no se apuntan como tal. ¿Utilizó el
autor algún otro criterio para definir una película como musical? ¿Es po-
sible que no haya considerado algunas producciones como musicales por
no encontrarlas disponibles para su visionado en algún archivo fílmico?16
16 Esta citação consta no capítulo “Cine musical mexicano: tendencias temáticas y evolución ge-
nérica”, nas páginas 278 e 279.
17 Ver critérios de elegibilidade do IMDB em: <http://www.imdb.com/help/show_leaf?titleeligibility>.
74 GUILHERME MAIA
um idade de ouro de um determinado tipo de comédia, frequentemente mar-
cada pela adjetivação “musical”, que coincide com um vetor de crescimento de
produção e de consumo interno de filmes brasileiros nas décadas de 1940 e
1950. Em cada caso específico, portanto, essas possíveis “edads de oro” são ter-
ritórios de fronteiras desenhadas sem um grau elevado de precisão, mas todas
as referências as situam entre 1930 e o final da década de 1950.
Apresentaremos, em seguida, um estudo a partir de dados quantitativos
sobre filmes musicais produzidos nos três países, entre 1930 e 1959, que nos
ajuda a localizar possíveis picos de produção de musicais em cada país, a escul-
pir os contornos das “eras de ouro” do gênero e nos fornece algumas pistas
preliminares sobre a natureza desses filmes. Entre 1930 e 1959, a base de dados
consultada apontou, ao todo, 436 musicais cinematográficos: 214 no México,
129 na Argentina e 93 no Brasil. A seguir, apresentamos uma tabela com a dis-
tribuição da produção por décadas.
ARGENTINA 40 55 34 129
BRASIL 14 29 50 93
22 Guadalajara (Chano Urueta, 1943) e La Reina del Mambo (Ramón Pereda, 1951).
23 Fazendo fitas (Vittorio Capellaro, 1935); Joujoux e balangandãs (Amadeu Castelaneto, 1939); O
rei do samba (Luiz de Barros, 1952); Canjerê (Iolandino Maia, 1957).
ARGENTINA
1930-1939 9 24
1940-1949 25 21
1950-1959 22 13
TOTAL 56 58
BRASIL
24 Diez canciones de Gardel (Eduardo Morera, 1931); Idolos de la radio (Eduardo Morera, 1934);
Asi cantaba Carlos Gardel (Eduardo Morera, 1935); La vida es un Tango (Manuel Romero, 1939);
La canción que tú cantabas (Miguel Mileo, 1939); El astro del Tango (Luis Bayón Herrera, 1940);
Mañana me suicido (Carlos Schlieper, 1942); La calle Corrientes (Manuel Romero, 1943); La casta
Susana (Benito Perojo, 1944); Circus Cavalcade (Eduardo Boneo e Mario Soffici, 1945); La can-
ción de Buenos Aires (Julio Irigoyen, 1945); Buenos Aires canta (Antonio Solano, 1947); La guitarra
de Gardel (León Klimovsky, 1949); Corrientes, calle de ensueños (Román Viñoly Barreto, 1949);
Filomena Marturano (Luis Mottura, 1950) e A la Habana me voy (Luis Bayón Herrera, 1950).
76 GUILHERME MAIA
1930-1939 11 1
1940-1949 26 1
1950-1959 47 1
TOTAL 84 3
MÉXICO
1930-1939 10 13
1940-1949 48 48
1950-1959 94 60
25 Não existem dados precisos relativos a bilheterias de filmes lançados antes da criação da Embrafilme,
em 1969.
26 Órgão da Agência Nacional do Cinema (Ancine), do Ministério da Cultura.
27 Referência ao título do livro de Laurent Desbois, citado no parágrafo anterior.
28 Tabela “Filmes Brasileiros com Mais de 500.000 Espectadores - 1970 a 2015”, ver Observatório
Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (2016). Estamos desconsiderando o filme Os dez manda-
mentos (Alexandre Avancini, 2016), que também ultrapassou a barreira dos 10 milhões, mas, ao
que tudo indica, por meio de uma ação fraudulenta de uma grande igreja neopenteconstal que
comprou os ingressos para distribuir gratuitamente entre os fiéis.
29 Ver um estudo mais aprofundado sobre O ébrio no excelente artigo assinado por Helosa
Valente e Simone Luci Pereira, incluído nesta coletânea.
30 O roteiro do filme foi escrito pelo próprio Vicente Celestino.
78 GUILHERME MAIA
arriscamos a responder. O fato é que, no Brasil, o gênero musical “dourado”
praticamente inexiste associado a algum outro gênero que não seja a comédia.
Não encontramos trabalho acadêmico sobre as comédias produzidas
no Brasil nas décadas de 1930 a 1950 no qual a palavra “carnaval” e/
ou “carnavalesco(a)” não apareça em bases regulares e abundantes.
“Musicarnavalescos”, “comédias musicais carnavalescas”, “filmes carnavales-
cos”, “filmusicais carnavalescos”, “filmes de Carnaval”. As comédias musicais
cinematográficas brasileiras foram inicialmente chamadas por esses nomes.
Desse vínculo da origem do nosso cinema musical com o Carnaval, nas-
ceu um gênero substantivo, tipicamente brasileiro (FREIRE, 2011; SHAW;
DENNISON, 2007) e com nome próprio:31 chanchada.32 Praticamente todas
as chanchadas eram musicais ou incluíam ao menos um par de números
musicais diegéticos. As naturezas das canções desses números musicais, para
João Luiz Vieira (2003, p. 46), podem ser a principal a marca de gênero das
chanchadas: “[...] A música popular, em grande parte de natureza carnava-
lesca, é uma característica essencial desse conjunto de filmes, talvez seu traço
genérico mais forte”.
É essa relação com o repertório de canções – sambas, marchas carnavales-
cas ou marchinhas e, eventualmente, frevos –, mas também com a iconografia
do Carnaval brasileiro da época que parece ser o mais nítido traço distinção
entre os filmes da nossa possível “era de ouro” das dos dois outros países
aqui comparados. Muitas e muitas comédias musicais foram produzidas na
Argentina, como as tantas dirigidas por Manuel Romero, Julio Saraceni, Luís
Bayon Herrera e Luis César Amadori. No México, as comédias musicais de Tin
Tan, el pachuco de oro, personagem criado pelo cantor e ator Germán Valdés,
também deixaram marcas profundas na história e permanecem bem vivas
31 O jornalista e crítico de cinema Sérgio Augusto (1989, p. 71), no livro Esse mundo é um pandeiro,
se refere a “chanchadas mexicanas” e “chanchadas argentinas”, mas não encontramos texto
escrito por autores mexicanos e argentinos que assim se refiram às comédias produzidas nos
seus respectivos países. Nossas chanchadas não foram produto de exportação. Talvez por isso,
muitos pesquisadores argentinos e mexicanos contemporâneos nem mesmo sabem o que sig-
nifica a expressão “chanchada”, como pode ser comprovado nas entrevistas realizadas pelo
nosso projeto de investigação.
32 A rigor, como demonstra Rafael de Luna Freire (2011), o termo “chanchada” só se consoli-
da como expressão substantiva que designa uma determinada classe de filmes em uma visão
retrospectiva, um giro interpretativo sobre o fenômeno que ocorre nos anos de 1970. Antes
disso, foi amplamente utilizado pela crítica e pela historiografia com sentido pejorativo.
33 A palavra “lero” é uma referência à letra de uma canção carnavalesca composta por Benedito
Lacerda e Frazão para o carnaval de 1942, que diz: “O nosso lero lero é diferente / O clima aqui
é muito quente / E a gente, pra desabafar / canta, canta, até o sol raiar”. A expressão “lero-lero”
pode ser traduzida para o espanhol como parloteo ou charloteo, mas o sentido mais preciso
na letra da canção nos parece ser o que em português pode ser expresso pela palavra “labia”,
uma verbosidade “malandra”, persuasiva e graciosa. Em palavras do professor Lauro Zavala: “La
expresión coloquial en México sería ‘rollo o choro’”.
34 Aspas internas do autor, referência a expressão utilizada por Mikhail Bahktin.
80 GUILHERME MAIA
samba. Na tela, embora em diferentes graus, a festa carnavalesca se manifesta
em todos os filmes examinados, rigorosamente, com presença garantida nos
cenários e figurinos de números musicais: confete, serpentina, fantasias, alego-
rias, desfiles de escola de samba estilizados, palcos de bailes de salão.
Como não poderia deixar de ser, esse espírito carnavalesco deixou tam-
bém suas marcas em títulos como A voz do carnaval (Adhemar Gonzaga e
Humberto Mauro, 1933), Alô alô carnaval (Adhemar Gonzaga, 1936), Carnaval
no fogo (Watson Macedo, 1949), Carnaval Atlântida (José Carlos Burle, 1952),
Carnaval em lá maior (Adhemar Gonzaga, 1955) e em filmes cujo enredo está
associado ao Carnaval, como, por exemplo, Tererê não resolve (Luiz de Barros,
1938), Pif-Paf (Luiz de Barros e Adhemar Gonzaga, 1945) e Caídos do Céu (Luiz
de Barros, 1946).
35 Samba da vida (Luiz de Barros, 1937); Samba em Berlim (Luiz de Barros, 1943); O rei do samba
(Luiz de Barros, 1952); Samba na Vila (Luiz de Barros, 1956); Guerra ao samba (Carlos Manga,
1956); Garotas e samba (Carlos Manga, 1957); Quem roubou meu samba (José Carlos Burle,
Hélio Barroso, 1959).
36 González propõe uma classificação dos musicais mexicanos em três espécies dominantes:
melodrama musical, comédia musical, musical de aventuras ou acción – e filmes classificáveis
em outras 12 categorias: vistas de danzas, biopic musical, cine musical de época ou históri-
co, musical mexicanista, musical regionalista, musical iberoamericanista e panamericanista,
musical ranchero, cine de rumberas, cabareteras y vedettes, revistas musicais; musical infantil;
musical juvenil.
82 GUILHERME MAIA
As condições herdadas da época muda não eram muito diferentes daque-
las existentes no Brasil e no México, em termos de gente preparada e de
infraestrutura. A diferença foi o tango, verdadeiro veículo da expansão do
cinema argentino dentro e fora do país. (PARANAGUÁ, 1985, p. 41, grifo
nosso)
84 GUILHERME MAIA
década de 1940, quando a “pequena notável” Carmen Miranda se transforma
na brazilian bombshell.42
Evidentemente, o tango não foi o único gênero musical explorado
pelos musicais argentinos. Como nos dá provas o artigo do professor César
Maranguello, publicado neste nosso livro, muitos outros gêneros foram can-
tados e dançados nos mundos construídos pelos musicais cinematográficos
argentinos do período clássico, e até o nosso samba esteve por lá. No entanto,
a revisão bibliográfica reitera: “En el ámbito latino-americano, el caso más
paradigmático de confluência entre cine y música popular se produjo en
Argentina”. (AISENBERG, 2005, p. 16) Tango e cinema foram tão íntimos na
Argentina naquele momento que não raramente letras de tango se transforma-
ram em argumentos de filmes, e muitos compositores de tango atuaram tam-
bém como diretores, roteiristas e atores, em uma dimensão quantitativa que
parece ser um caso raro na história do cinema mundial. Sem desconsiderar o
importante papel que o cantor, compositor, ator, diretor e compositor Hugo
del Carril tem nessa história, optamos aqui por falar muito brevemente de
outros três desses “multiartistas”: Manuel Romero, Enrique Santos Discépolo
e Homero Manzi.
Entre 1931 e 1953, Romero, que faleceu em 1954, dirigiu 53 filmes, assi-
nou ou colaborou em cerca de 50 roteiros cinematográficos, mas foi autor
também de mais de uma centena de peças teatrais e canções. Dezenove das
canções de Romero foram gravadas por Carlos Gardel.43 No cinema, Romero
dirigiu principalmente dramas familiares e comédias de costumes, mas tem
também no currículo alguns filmes classificados como thriller e horror. Nossa
pesquisa localizou 17 filmes classificados como musicais dirigidos por Romero.
Já Enrique Santos Discépolo, o “filósofo do desencanto”, mais conhecido no
Brasil como autor do célebre tango “Cambalache”, entre 1939 e 1951, diri-
giu seis filmes: Cándida, la mujer del año (1943), Fantasmas en Buenos Aires
42 Interessante observar também o lugar que o tango – como espetáculo audiovisual e como sig-
no de sedução e erotismo em uma chave elegante e requintada – desfruta hoje nas telas inter-
nacionais, expresso claramente em filmes de grande difusão, como Perfume de Mulher (Martin
Brest, 1992) e Chicago (Rob Marshal, 2002). A lista de filmes nos quais o tango é executado
e dançado para conferir uma dimensão espetacular e erótica à uma cena é muito extensa e
constrói um lugar simbólico bem distinto dos ocupados pelo samba, a rumba e o bolero, por
exemplo.
43 Segundo semblanza de Romero, ver Pinsón ([20--]).
44 Blum (1970), El hincha (1951), Yo no elegí mi vida (1949), Cándida, la mujer del año (1943),
Fantasmas en Buenos Aires (1942), En la luz de una estrella (1941), Confesión (1940), Caprichosa y
millonaria (1940), Un señor mucamo (1940), Cuatro corazones (1939), Melodías porteñas (1937).
45 El hincha (1951), Yo no elegí mi vida (1949), ...Y mañana serán hombres (1939), Cuatro corazones
(1939), Melodías porteñas (1937), Mateo (1937), Yira, yira (1930).
46 Essa frase costuma ser atribuída a Enrico Santtos Discépolo.
86 GUILHERME MAIA
La mala vida no proscênio: las películas prostibulares mexicanas
Para entrar no universo do musical mexicano, nada melhor do que ser conduzi-
do pelas mãos de Ana M. López. Afinal, é essa a autora que trata desses filmes os
considerando como obras pertencentes ao reino dos musicais. No já citado livro
International film musical (2012), em capítulo dedicado ao cinema musical pro-
duzido no México, López47 nos mostra como os números musicais presentes em
duas espécies de musicais de grande destaque no mercado mexicano entre os
anos 1930 e 1960 – as comedias rancheras e os filmes cabareteros –, ao contrário
de cooperarem no processo de atenuação das diferenças entre os protagonis-
tas masculino e feminino que conduz ao sucesso amoroso, como acontece na
narrativa de duplo foco do musical clássico de Hollywood (ALTMAN, 1988),48
estão organizados como estratégias que inscrevem no filme tensões relativas a
questões de identidade nacional e resistência cultural. No cinema mexicano da
“era de ouro”, diz López (2012, p. 136, tradução nossa), “música e performance
foram incorporados em espaços narrativos específicos [a hacienda e os cabarets]
que serviram de alegorias utópicas e/ou distópicas de nacionalidade”.49
Examinando um contexto nacional fortemente contingenciado ora por
resistência, ora por sujeição ao fluxo de interesses políticos e econômicos dos
Estados Unidos, López diagnostica que o cinema musical mexicano da chamada
“era de ouro” foi, entre muitas outras coisas, reflexo e agente de um processo
construção de símbolos oficiais de “mexicanidade”, filmes que herdaram do
rádio não somente os excessos melodramáticos das radionovelas, mas também
os gêneros de canção popular já institucionalizados pelo meio como signos de
uma “musicalidade mexicana”, especialmente o mariachi, a ranchera e o bolero
mexicano.50 De um modo geral, os dois primeiros contribuem para o estabeleci-
mento do ethos rural, comunitário e utópico das comedias rancheras. Já os
47 Diretora do Cuban and Caribbean Studies Institute, professora da Tulane University, com pes-
quisas na área de mídia, televisão, cultura popular e cinema latino-americano.
48 Citado pela autora.
49 “In the ‘Golden age’ Mexican cinema, ‘the musical’ did not function as a distinct entity compa-
rable to the Hollywood genre. Instead, music and performance were incorporated into specific
narrative spaces that served as a utopian and/or dystopian allegories of nationhood”.
50 O termo “bolero”, em música, designa tanto manifestações de canto e dança populares espa-
nholas do século XVIII com influência árabe, quanto gênero de música de concerto – o bolero
de Ravel, por exemplo – e um gênero de canção popular oriundo de Cuba. Foi, contudo, o
bolero reinventado e mexicanizado por Augustín Lara o gênero que se disseminou por toda a
América Latina e pelo mundo.
51 ClyNE, 2016.
52 Somente entre 1946 e 1950, encontramos os seguintes títulos dessa natureza em listagens
de películas de rumberas ou cine de rumberas: Pervertida, La insaciable, Peacdora, La bien pa-
gada, La sin ventura, Señora tentación, Una mujer con passado, El pecado de Laura, Venus de
fuego, La mujer del puerto, La hija del penal, Un cuerpo de mujer, Si fuera una cualquiera, Perdida,
Aventurera, Traicionera.
53 Referindo-se ao filme Santa (Antonio Moreno, 1932) .
88 GUILHERME MAIA
le dicta sus constantes morales y le inspira uno de sus climas más coerentes y
genuinos”. (BLANCO, 1993, p. 108)
Para Oroz (1999, p. 86), “o melodrama latino-americano tem em sua baga-
gem um tipo único de prostituta: a rumbeira, que, embora seja de origem cubana,
encontra no cinema mexicano seu campo expressivo”. Apesar das desgraças que
enfrenta fora dos palcos, seja pela pobreza, doença, preconceito ou por ser explo-
rada por um cafetão, quando sobe ao palco, tudo isso se transforma em um espe-
táculo radiante de alegria, sensualidade e descontração. “Ela [a rumbeira] encarna
todas, e, esquematicamente, as penúrias sofridas pelas classes menos favorecidas
na América Latina”. (OROZ, 1999, p. 86) Essa marca de “latinidade”, para Oroz
(1999, p. 86), deriva, por um lado, do fato do corpo das atrizes que interpretavam
as rumbeiras – “coxas grossas e cadeiras generosas” – não corresponder ao padrão
de cinema europeu e estadunidense. Por outro lado, por operar como um corpo
erótico que trazia consigo um determinado imaginário sobre a América Latina.
“À época”, nos diz Oroz (1999, p. 87), “‘tropical’ e ‘cabaré’ tinham uma conotação
de prazer sexual muito acentuada, e a isto junte-se que a origem cubana da maioria
das rumbeiras acentuava esta carga, em razão da inumerável quantidade de cabarés
e prostíbulos que havia em naqueles anos”. As rumbeiras invadem as telas vestidas
por trajes que deixam as pernas, o ventre e os seios fartos (parcialmente) à mostra
e executando movimentos intensos de las caderas, não raramente mostrados em
close-up, movimentos esses próprios de danças que claramente estabelecem rela-
ções bem diretas com o ato sexual. Estamos falando aqui de um tropo afro-caribe-
nho que tem como matéria essencial um determinado imaginário sobre uma Cuba
pré-revolucionária, que, sob o domínio econômico de gangsters estadunidenses,
havia sido transformada em um paraíso para homens endinheirados em busca de
sol, jogos de azar e sexo pago. É esse o tal “paraíso tropical”: essa imagem de Cuba,
assim como de outros países da América Latina, como lugares nos quais um prazer
sexual de excelência está à venda.
Por outro lado, ninguém melhor que Carlos Monsiváis e Carlos Bonfil
(1994, p. 40) para nos falar da potência subversiva desse emblemático ser
de linguagem dos musicais mexicanos, as cabareteras, “mujeres prisioneras
del fango54 e redimibles por su misteriosa pureza interior”. Para Monsivais,
54 Segundo as definições do Dicionário da Real Academia Espanhola, a tradução literal para o por-
tuguês de “fango” seria “lodo”, mas existe também o sentido de “degradação”, que parece ser o
Esto se había visto claramente desde 1937 con una película ‘maldita’ del
cine mexicano, La mancha de Sangre, de Alberto Best Maugard, pero la
ambivalência persiste hasta finales de los cuarenta con una galería de ca-
bareteras de fotogenia irresistible, entre las cuales se destaca la cubana
Ninón Sevilla. En 1949, Aventurera, de Albert Gout [...] es la cinta que vo-
luntariamente o no, consigue subvertir la moral tradicional satirizando la
hipocresía de una familia de abolengo55 de Guadalajara. […] En la inconte-
nible escalada del melodrama, Ninón aparece como la primera prostituta
verdaderamente villana que exhibe los trofeos de la vulgaridad y el ero-
tismo para escándalo de las buenas conciencias tapatías.56 (MONSIVÁIS;
BONFIL, 1994, p. 40)
significado que Monsiváis quer dar à expressão “mujeres prisioneras del fango”. Disponível em:
<http://dle.rae.es/?id=HamsDx6>.
55 Família “de tradição”.
56 Tapatías: natural ou relativo a Guadalajara.
90 GUILHERME MAIA
Já no que diz respeito à Argentina, havia dramas musicais, mas, curiosamente,
segundo Oroz (1999), as pecadoras e aventureiras migraram somente para as
comédias, o que implicou uma mudança polar na essência das personagens.
Considerações finais
Podemos entender o que foi escrito até aqui, em breve síntese, como o relatório
de um percurso investigativo que teve como objetivo basilar um olhar compa-
rativo dirigido às principais marcas de distinção entre os musicais argentinos,
mexicanos e brasileiros do período “de ouro”. Nosso primeiro problema foi
decidir de que modo seria possível construir um corpus composto por musicais
latino-americanos. Para enfrentar esse problema, foi inevitável fincar raízes nas
57 Citação composta a partir de frases proferidas pelos depoentes referidos neste parágrafo,
situadas entre 40:21 e 41:28 da versão digital consultada.
92 GUILHERME MAIA
objetos: filmes argentinos, mexicanos e brasileiros das décadas de 1930, 1940
e 1950. No marco dessa ação de revisão de bibliografia, os discursos históricos
e analíticos observados levaram à conclusão inevitável de que, em cada um dos
países analisados, houve a erupção de uma ou mais espécies de musicais idios-
sincráticos, com personalidade forte, filmes que concedem um bom tempo de
tela e de alto-falantes para manifestações de canto e de dança da tradição oral e
da cultura popular de cada um dos países. Se alguns signos audiovisuais impri-
mem marcas fortes de nacionalidade – como o samba, o tango e o corrido, por
exemplo –, outros demarcam um espaço sonoro e corporal translatino, como é
o caso das rumberas – estrelas cubanas que contribuíram para a criação de um
tropo que se tornou uma marca identitária dos musicais “de oro” mexicanos,
que circulou pelas salas de cinema de todo o mundo hispanófono, difundindo
ritmos afro-caribenhos, e chegou às telas dos musicais brasileiros e argentinos.
Evidentemente, ainda há muitas e muitas camadas a serem revolvidas para
entender, em uma perspectiva mais plena, as complexas relações do tango com
os musicais argentinos, das mujeres de mala vida com os musicais mexicanos
e do Carnaval com as chanchadas musicais brasileiras. Alguns artigos desta
coletânea oferecem justamente análises mais aprofundadas de algumas dessas
espécies. Outras boas fontes para informações sobre os musicais latino-ame-
ricanos são as entrevistas com pesquisadores e realizadores argentinos, mexi-
canos e brasileiros realizadas no marco da pesquisa que gerou esta coletânea.
Essas entrevistas estão postadas no site do LAF.58
Sobre os musicais mexicanos, um excelente ponto de partida é o capí-
tulo “México”, assinado por Ana M. López no livro International Film Musical
(2012), além, é claro, do artigo “Cine musical mexicano: tendencias temáticas y
evolución genérica”, escrito pela pesquisadora Rocío González para esta nossa
coletânea. A leitura do livro A través del espejo: el cine mexicano y su público
(1994), de Carlos Monsiváis, também é assaz enriquecedora. Para um mergu-
lho mais profundo nas relações do tango com o musical argentino, voltamos a
recomendar a leitura de El mercado del deseo: tango, cine y cultura de masas en
la Argentina de los ’30, excelente trabalho da pesquisadora Cecilia Gil Mariño.
Aconselhamos também o livro El Tango: quatro conferencias, transcrição de
94 GUILHERME MAIA
Embora muitos filmes musicais argentinos, mexicanos e brasileiros –
especialmente estes últimos – tenham sido apreciados e analisados no con-
texto da pesquisa que gerou este artigo, ainda não há massa empírica sufi-
ciente para conclusões amplamente generalizáveis em relação à estrutura
dessas obras enquanto seres do reino dos musicais. É fato, no entanto, que,
até o presente momento, nenhum vestígio da narrativa de duplo foco – ele-
mento que, segundo Altman, define a estrutura narrativa do musical clássico
de Hollywood – foi encontrado nas muitas obras já apreciadas. Ou seja: são
fortes os indícios que levam a crer que a regra de ouro que define o musical
estadunidense não é aplicável aos musicais rancheros, tangueros, cabareteros e
carnavalescos discutidos neste artigo. Altman é preciso, sem dúvida, quando
nos mostra um traço estrutural comum no tecido narrativo do musical clássico
de Hollywood e também quando se rende ao fato de que, em uma perspectiva
mundial, ainda há um vasto território a ser explorado no que diz respeito ao
musical cinematográfico. Para explorar o território do filme musical latino-
-americano, entretanto, talvez o gesto analítico mais importante seja, em pri-
meiro lugar, descolonizar a audiovisão e saborear essa obras como elas são, e
não como deveriam ser segundo paradigmas construídos a partir de qualquer
outra cinematografia.
Referências
96 GUILHERME MAIA
KING, J. O cinema latino-americano, c. 1920 – c. 1930. In: BETHEL, L. (Org.).
História da América Latina: volume VIII: a América Latina após 1930: ideias, cultura e
sociedade. São Paulo: EdUSP, 2011.
LA EDAD de oro del cine argentino (1930/1950). Taringa!, Buenos Aires, [2012].
Disponível em: <http://www.taringa.net/posts/arte/12083747/La-edad-de-oro-del-
cine-argentino-1930-1950.html>. Acesso em: 24 abr. 2016
LANGFORD, B. Film genre: Hollywood and beyond. Edinburgh: Edinburgh University
Press, 2005.
LÓPEZ, A. M. Mexico. In: CREEKMUR, C. K.; MOKDAD, L. Y. (Org.). The
international film musical. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2012. p. 121-140.
MAIA, G.; AFONSO, L. Tangos, ditaduras e carnavais: entrevista sobre o cinema
musical argentino. Revista Extraprensa, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 300-3007, 2017.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/139655>.
Acesso em: 12 dez. 2017.
MAKING OFF. [S.l.: s. n.], [20--]. Disponível em: <https://makingoff.org/forum//
index.php>. Acesso em: 9 abr. 2017.
MANETTI, R.; RIVA, L. R. (Org.). 30-50-70: conformación, crisis y renovación del
cine industrial argentino y latinoamericano. Buenos Aires: Editorial de la Facultad de
Filosofia y Letras: Universidad de Buenos Aires, 2014.
MANRUPE, R.; PORTELLA, M. A. Un diccionario de films argentinos (1930-1995).
Buenos Aires: Ediciones Corregidor, 2005.
MARIÑO, C. G. El mercado del deseo: tango, cine y cultura de masas en la Argentina de
los ’30. Buenos Aires: Teseo, 2015.
MENDONÇA, L. Sob a direção do humor. [Diário da Manhã], [Goiânia], 5 jan. 2016.
Disponível em: <http://www.dm.com.br/cultura/2016/01/sob-a-direcao-do-humor.
html>. Acesso em: 24 abr. 2016.
MITTELL, J. A cultural approach to television genre theory. Cinema Journal, Austin,
v. 40, n. 3, p. 3-24, Spring 2001.
MONSIVÁIS, C. Rostros del cine mexicano. 3. ed. Cidade do México: Américo Arte
Editores, 1999.
MONSIVÁIS, C.; BONFIL, C. Através del espejo: el cine mexicano y su público. Cidade
do México: Ediciones El Milagro: Instituto Mexicano de Cinematografia, 1994.
MONTEIRO, J. C. Pirâmides de imagens: a invenção da idade de ouro na
historiografia do cinema mexicano. In: AMANCIO, T.; TEDESCO, M. C. (Org.). Brasil-
México: aproximações cinematográficas. Niterói: Ed. UFF, 2011. p. 69-117.
98 GUILHERME MAIA
Pertinencia de las canciones
disonantes en cuatro (anti)melodramas
hispanoamericanos contemporáneos1
SOPHIE DUFAYS
Introducción
1 Este texto ha sido previamente publicado en la Revista Canadiense de Estudios Hispánicos (v. 40, n.
3, primavera 2016, p. 561-583). Agradezco a esta revista por autorizar la reedición de dicho artículo.
famosa.2 El personaje (generalmente infantil, adolescente y/o femenino) no es
un cantante profesional; no se trata de un número artístico – aunque el perso-
naje pueda pretenderlo, como en las películas de Desanzo y de Murga –, sino de
lo que Claudia Gorbman llama en inglés artless singing (en un artículo de 2011).3
Pero la escena de esta artless canción, singular o repetida, resulta clave tanto en
la diégesis como en la configuración estética de las obras – que distan mucho de
ser “musicales” – y en la comunicación afectiva con el público. A partir de estos
dos rasgos – lazos familiares y canción en vivo –, las películas mencionadas en-
lazan con la tradición latinoamericana del melodrama, eminentemente musical
y doméstica;4 pero esta relación oscila entre la asimilación al menos parcial (en
las cinco primeras películas), el homenaje (en Infancia clandestina) y la inversión
en lo que podemos llamar un antimelodrama (en las demás obras). El objetivo de
este ensayo es analizar los papeles diegéticos de las canciones en vivo y algunos
de los valores y sentidos extradiegéticos (asociados a su origen, cantante, género
musical o lengua, según los casos) en cuatro de estas obras – dos argentinas y
dos mexicanas –, y articular sus efectos con la tradición melodramática a la que
remiten o que invierten. Examinaré por una parte El Polaquito y La misma luna,
y por otra Post Tenebras Lux y Una semana solos.
Tal vez no sea inútil recordar primero que la vocación musical del melodrama se
verifica de manera ejemplar en los cines argentino y mexicano de la época de oro,
ya que un buen número de melodramas de estos países se inspiraron o incluso
se fundaron en el espíritu, las letras y las melodías de los tangos y de los boleros,
2 La lista, claro está, no pretende de ninguna manera ser exhaustiva. Son algunos ejemplos de un
fenómeno mucho más frecuente.
3 Gorbman (2011, p. 157) precisa que el “artless singing” es un cantar que, “in the conceit of a film
story, is not a professional performance, and is done in synch sound with appropriate indices of
spatial realism, and without the magical backing of an orchestra”.
4 Incluso cuando la trama del melodrama es más épica que doméstica, los temas histórico-na-
cionales están estrechamente ligados a la vida de una familia protagónica (o de una pareja que
depende de sus parientes). (SADLIER, 2009, p. 4)
5 Nótese que esta relación entre canción y filme melodramáticos no es del orden de la sucesión
sino, más bien, de la sinergia; el melodrama cinematográfico (por lo menos el mexicano) cris-
talizó un gusto de la época que se desarrolló junto con la canción popular, y cuyo origen se en-
cuentra en la literatura (pensemos en la inspiración literaria de las letras de muchas canciones
de Agustín Lara).
6 Esta condición difiere de las situaciones de monologic artless singing consideradas por Gorbman
(2011, p. 161), que afirma (a raíz de ejemplos norteamericanos): “Most monologic singing is pri-
vate by definition, not intended to be heard by others in the diegetic world”.
7 Dufays (2013). Un ejemplo argentino clásico se encuentra en La ley que olvidaron (José Agustín
Ferreyra, 1938); uno de los ejemplos mexicanos más famosos es Chachita en Nosotros los po-
bres (Ismael Rodríguez, 1948). Se suele mencionar Los olvidados (Luis Buñuel, 1950) como obra
transgresora respecto a la codificación melodramática de niños o adolescentes como inocen-
tes víctimas en el cine latinoamericano.
8 En su análisis de La misma luna, Connelly (2011, p. 15) considera la relación melo/realismo al
revés, cuando opina que el filme es “melodramatic without excessively distorting reality or re-
sorting to degrading sensationalism”. En cuanto al Polaquito, Bernades (2003) describe el filme
como “una de esas películas en las que todo se muestra, se dice y se ilustra”; En Una ráfaga de
crueldad (2003) escribe que “en aras de la verosimilitud […] el filme cae a veces en la falta de
sutileza, en el trazo grueso con apenas un desvío en algún semidesnudo que roza lo comercial”,
pero este “trazo grueso” no impidió a otro crítico ver en el filme una “cruda radiografía de una
verdad”. (ADOLESCENTES…, 2003) Según Vargas (2011) quien compara El Polaquito con otras
películas latinoamericanas sobre niños de la calle, “la denuncia social que ofrece se diluye ante la
acumulación de excesos y de imágenes que se regodean en la miseria humana para impactar al
espectador sin darle oportunidad de reflexionar. La mirada del coguionista y director Desanzo es
complaciente, melodramática y se dedica más a mostrar el martirologio que sufre El Polaquito”.
9 Respecto a la esquematización y la polarización en el melodrama, véase Martín-Barbero (1987,
p. 128).
10 Este aspecto ha sido objeto de críticas en El Polaquito. Según Vargas (2011) las escenas mos-
trando los sufrimientos de los personajes en esta película “son acompañadas por una estriden-
te música de fondo, la cual aumenta de volumen para enfatizar el dramatismo y sacudir tram-
posamente al espectador”. En La misma luna, unas canciones extradiegéticas complementan la
música “de fosa”.
11 En realidad no vemos la reunión misma (el abrazo) entre madre e hijo: la película termina con
primeros planos de ambos personajes mirándose y esperando a que el semáforo pase al verde
para poder correr el uno hacia el otro. La letra es de José Manuel Figuereo; en el filme es
interpretada por Los Ches, pero la canción ha sido popularizada por la cantante (y actriz de
telenovelas) mexicana Laura León (apodada “La Tesorito”).
12 Como indica el montaje de la segunda secuencia del filme que establece un paralelo estricto
entre las acciones cotidianas de la madre y del hijo más allá de la distancia que los separa, es su
destino – conforme a la ley de la familia – reunirse.
Si es por amor yo soy capaz de parar / con el pecho una bala / si es por amor
que me arriesgo a cruzar esta vez a la mala / y por amor es que voy a cruzar
/ la frontera sin miedo.
Como nota Caryn Connelly (2011, p. 23), en esta canción se concentran los
dos temas centrales del filme: el fuerte lazo que une Carlos a su madre y los
peligros que corren los inmigrantes al cruzar la frontera estadounidense. La
modalidad vocal del corrido – al menos tal como lo cantan los Tigres del Norte
– no es en sí melodramática; Hermann Herlinghaus (2009, p. 92) explica que:
[the] anamorphic strain on the vocal flow [...] suspends the possibility of
melodrama by creating a different affective mode: if melodramatic expres-
sion relies on excitement and overstatement, then hyperbole meets its
other in the nonhyperbolic yet deeply sensuous [...] musical counterpoint.
13 Como indica el montaje de la segunda secuencia del filme que establece un paralelo estricto
entre las acciones cotidianas de la madre y del hijo más allá de la distancia que los separa, es su
destino – conforme a la ley de la familia – reunirse.
14 “Después... / ¿qué importa ya el después? / que toda mi vida es un ayer / que me detiene en el pasa-
do / eterna y vieja juventud / que me ha dejado acobardado / como un pájaro sin luz”.
15 “¿Qué le habrán hecho mis manos? / ¿qué le habrán hecho? / para dejarme en el pecho / tanto
dolor / dolor de vieja arboleda / canción de esquina / con un pedazo de vida / Naranjo en flor.”
16 Es así como Vinelli (2003) escribe que el Polaquito “se gana la subsistencia imitando malamente
al Polaco Goyeneche y recibiendo limosna por canciones que destroza con entusiasmo e inocen-
cia”; Bernades (2003) es aún más severo: “No conforme con errar obstinadamente la línea
melódica, el pibe sobreactúa innecesariamente su papel de cantor de tren, haciendo gestos y
abriendo los brazos con desmesura, hasta el punto de resultar cargoso y molesto para el resto
del pasaje. Su imitación no le rinde el menor honor al modelo […]”.
17 En esta película, la madre militante del niño protagonista canta el tango clásico “Sueño de ju-
ventud”, y esta canción sirve como elemento de continuidad en una secuencia que muestra al
grupo de montoneros preparar sus armas en un ambiente de clandestinidad y de convivialidad;
el tango es el elemento que revela o delata la tentación melodramática del filme y, sobre todo,
su construcción nostálgica.
Canciones y antimelodramas
18 Se pueden mencionar, entre otros autores ejemplares de esta postura centrada en la recepción
de las producciones culturales, a Umberto Eco (2012, 2013) y a Michel de Certeau (1980).
19 Precisamente, una de las características del arte postmoderno consiste en su reciclaje de obras
y productos culturales previos sin distinción de su origen o estatuto más o menos “elevado”.
20 Murga reivindica este efecto: “Hay […] una búsqueda narrativa en el cine de ficción que yo hago
que tiene que ver con lo documental, con la idea de registrar situaciones independizadas de su
22 En su texto “Duelo y melancolía” (1915), Freud describe la melancolía como un duelo patológi-
co, en el que el sujeto no reconoce lo que ha perdido junto con la persona difunta o el objeto
desaparecido. En vez de efectuar el duelo de dicho objeto, el sujeto melancólico entra en un
paradójico e imposible duelo de sí mismo, de su propia imagen.
23 Así, según Halfon (2009), “viendo Una semana solos, la sensación que surge es de una cierta
melancolía, tristeza por una infancia que, en el lugar pretendidamente ideal, empieza a perci-
birse como perdida”.
24 Desde su estreno y el escándalo que provocó en el Festival de Cannes de 2012 (en el que fue
abucheado, pero obtuvo el Premio a la Mejor Dirección), Post Tenebras Lux sigue dividiendo a
sus espectadores: según algunos se trata de una obra maestra, según otros (muchos franceses)
de una estafa incomprensible (léanse por ejemplo las críticas publicadas en Le Monde o en los
Inrocks). Cuando Juan declara: “Tengo cansancio de estar aquí”, Natalia propone llamar al doc-
tor pero él tiene otra solución: “Mejor tócanos una canción”.
25 Esta canción proviene del álbum Prairie Wind estrenado en 2005.
26 Se puede entender – a raíz de una secuencia posterior en la que su hijo Eleazar anuncia la muer-
te de su padre – que Juan muere después de esta escena (habría sido matado por su empleado
nombrado Siete) y, en este caso, las secuencias en flash forward, mostrando la familia años más
tarde, serían oníricas o imaginarias; pero es permitido no dar por cierta esta afirmación del niño
y ver en los flash forwards verdaderas escenas del futuro familiar.
27 Cuando Juan declara: “Tengo cansancio de estar aquí”, Natalia propone llamar al doctor pero él
tiene otra solución: “Mejor tócanos una canción”.
28 La letra de la primera copla es la siguiente: “In the morning when I wake up and listen to the sound
/ Of the birds outside on the roof / I try to ignore what the paper says / And I try not to read all the
news / And I’ll hold you if you had a bad dream / And I hope it never comes true / ‘Cause you and I
been through so many things together / And the sun starts climbing the roof”.
29 La letra del estribillo reza así: “It’s a dream, only a dream / And it’s fading now, fading away / It’s
only a dream / Just a memory without anywhere to stay”.
30 Según la lógica alegórica del filme, en efecto, la alusión a la Pantera Rosa recibe una doble
interpretación posible: en un plano cotidiano y literal, los niños van efectivamente a ver el fa-
moso programa de televisión; pero en un plano figurado y metafísico, la “Pantera Rosa” puede
designar el Diablo cuya silueta roja aparece (literalmente) dos veces en los pasillos de casa
familiar, precisamente vinculada a la mirada de los niños.
31 Tal es la letra de la segunda copla: “The Red River still flows through my home town / Rollin’ and
tumblin’ on its way / Swirling around the old bridge pylons / Where a boy fishes the morning away /
His bicycle leans on an oak tree / While the cars rumble over his head / An aeroplane leaves a trail
in an empty blue sky / And the young birds call out to be fed”.
32 Estos planos muestran: (1) el borde de un mueble de madera y una sábana arrugada –¿u otra
cosa?–; (2) una foto de Juan rompiendo una fila de policías; (3) el reflejo en el espejo de Natalia
sentada al piano.
Juan habla como si hubiera muerto ya, como si mirara su vida desde otro
lugar; la canción sugiere que este lugar es el no-lugar de un sueño que se con-
funde con la memoria, una memoria que idealiza la infancia como un estado
de gracia de conexión con el universo. Juan insiste en su aptitud nueva para
sentir más allá del presente (“me sentí como cuando era niño”, “Hoy sentí que
amaba todo”, “me sentí como un bebé”) y para ver más allá de las apariencias
(“vi como todo está vivo”, “ahora lo veo con claridad”), pero cree que ha per-
dido la capacidad (infantil) de oír la naturaleza y el mundo (“cantaban unos
grillos que no he vuelto a oír, no sé si se extinguieron o simplemente los dejé de
oír”). Cuando Natalia canta – estropeándola – la canción de Neil Young, Juan
se da cuenta del poder del canto, y de la imposibilidad melancólica (demos-
trada por la voz disonante de Natalia) de recuperar la plenitud que otorgaba
antes a sus oyentes. La canción mal cantada transforma el sueño en pesadilla
o, más bien, revela que el sueño de la vida (según la perspectiva barroca y pesi-
mista de Reygadas) es, en el fondo, una pesadilla – de la que escapan tan solo
la infancia y la muerte. Las lágrimas de Natalia, que le impiden terminar su
canción, introducen en la película el recuerdo del melodrama (su posibilidad
no aprovechada, o despreciada); este, como la canción de Neil Young, es la
base tan necesaria como desfigurada de las emociones que Post Tenebras Lux
se propone visitar melancólicamente.
33 En Post Tenebras Lux, el personaje nombrado Siete tiene una función semejante respecto a la
familia burguesa protagónica.
34 Al parecer, la canción ha sido compuesta para la película por Inés Gamarci, Martín Salas y
Marcelo Pérez. La letra es la siguiente: “[primera copla] Ascoltami bambino / Non conosci il
destino / Quante cose che non sai di me / Quante cose che non so di te / Quella persona non sei tu
/ Chi se ne va, che male fa. / [Estribillo] Invisibile / Io sono invisibile per te / Io sono invisibile (bis) /
Invisibile / Il mio cuore è invisibile per te (bis) / Dimmi che cosa c’è. / [Segunda copla] Ho perso la
testa / Ma devo lasciare / Il mio cuore parlare. / Arrivederci amore, ciao (bis) / Quella persona non
sei tu / Chi se ne va, che male fa. [Se repite el estribillo]”.
35 Su breve intercambio se parece a un diálogo de sordos: “Quería saber si todavía somos novios”
/ “Pero nosotros somos primos” / “Pero nos besamos” / “Pero nosotros nunca fuimos novios”
(subrayado mío).
Voces desafinadas
Ahora, conviene preguntarnos por qué tanto Natalia como Sofí cantan con una
voz desafinada y en una lengua extranjera; por qué los directores eligen infligir
canciones desentonadas, cuyas letras detalladas quedan inaccesibles a la ma-
yoría de los espectadores. Según Richard Dyer (2012, p. 31), “musical numbers
(and other aspects of entertainment) are utopian in the sense of presenting
ideal, joyous feelings, above all happiness”; la perfección de una canción bien
cantada y acompañada de baile nos divierte y nos lleva a otro espacio, ideal, de
felicidad. En los melodramas que hemos comentado, las canciones remiten por
su letra (en castellano) a un locus feliz que se proyecta en el pasado (el tango) o
en el futuro (“Por amor”), pero su interpretación (exagerada y desentonada en
el caso del Polaquito; sobria y personalizada en el caso de los Tigres del Norte) y
su puesta en escena realista (aunque también melodramática) no nos permiten
evadirnos del lugar infeliz por el que transitan los personajes.36 En La misma
36 Recordemos que, en su artículo “Entertainment and utopia”, Dyer (1981, p. 177) explica a propó-
sito de las comedias musicales que: “Entertainment offers the image of ‘something better’ to
escape into, or something we want deeply that our day-to-day lives don’t provide. Alternatives,
hopes, wishes – these are the stuff of utopia, the sense that things could be better, that some-
thing other than what is can be imagined and maybe realised.”
37 Acerca del significado posible de esta elección espacial en el filme de Reygadas, véase
Solórzano (2013).
Referencias
BARRENHA, N. Entrevista a Celina Murga (Talent Press). [S. l.]: Otroscines, 2012.
Disponible en: <http://www.otroscines.com/nota?idnota=6326>. Acceso en: 22 jun.
2015.
BERNADES, H. Miseria demasiado explícita. Página 12, Buenos Aires, 2003. Disponible
en: <http://www.pagina12.com.ar/diario/espectaculos/6-26521-2003-10-10.html>.
Acceso en: 20 jun. 2015.
Introducción
“El argentino iba al cine a aprender a ser argentino”, decía el historiador Claudio
España al referirse a lo que sucedía entre el espectador y la pantalla cinema-
tográfica nacional en su período industrial y clásico. No sin razón, le pedía
prestada esa afirmación a Jesús Martín Barbero (que lo mismo decía del cine
mexicano en análogo período). Es que a poco de comenzado el siglo XX, en el
tiempo en que la modernidad nos hacía llegar uno de sus más representativos
dispositivos – el cinematógrafo –, los pueblos latinoamericanos éramos un
1 La vida es un tango es el nombre de una película estrenada en 1939, dirigida por el entonces emble-
mático Manuel Romero. Acá, ese título es utilizado como síntesis de la tesis central del artículo.
verdadero conglomerado de culturas diversas que lentamente se entramaban,
no sin esfuerzo, en un “único deseo: el de participar del sentimiento nacional”. 2
¿Qué significaba ser argentino? El cine aventura unas pocas respuestas en
franca alianza con otros medios de difusión masiva. Pocas, pero sumamente
eficaces, esas respuestas naturalizaron, en el metraje de las películas, eso que
sería entendido como “la argentinidad”.
Ahora bien, tal presunta argentinidad tuvo su epicentro en las inmedia-
ciones del Río de La Plata y particularmente en la ciudad portuaria de Buenos
Aires, sometida entonces a los veloces cambios de configuración sufridos
como efecto de la creciente actividad industrial. Allí nacía el tango que, pri-
mero identificado con el decir porteño, se hará luego extensivo a lo largo y
ancho del país.
Sería erróneo, no obstante, pensar que en el tango está la respuesta. No
sólo en el tango. Habrá que urdir en la amalgama que se irá forjando, durante
las primeras cuatro décadas del siglo XX, entre el tango y el devenir de la indus-
tria cultural. Amalgama que logra definir unas “imágenes” bien reconocibles
que, tan ilusorias como necesarias, serán el objeto de identificación de muchos
individuos que se harán Pueblo.
En este artículo nos proponemos explorar el fenómeno cultural que
supuso la unión (simbiótica) entre el tango y el cine argentino, delineando un
recorrido – a saltos – que va desde sus orígenes hasta mediados de la década
del 40’. Con ese propósito, cada apartado del artículo se detiene en alguno
de los que, consideramos, son los puntos centrales a partir de los cuales es
posible identificar los rasgos más salientes del “cine tanguero”. Finalmente,
a la luz de esos rasgos, procuraremos señalar las características de la imagen
moderna y nacional que ese cine construye.
Acá es utilizada como síntesis de la idea de la que parte este apartado: tango y cine surgen y
se desarrollan en paralelo.
4 El lunfardo es el dialecto originado en las ciudades nucleadas alrededor del Río de la Plata,
resultado del cruce de idiomas que se produjo al calor del trabajo de las clases populares. Es
utilizado en la mayoría de los tangos para referirse a diferentes cosas en términos especiales.
El lunfardo puede ser considerado como el “idioma del tango” argentino.
5 Pascual Contursi fue autor de alrededor de cuarenta letras de tango. Nació en Chivilcoy, una
pequeña ciudad rural de la Argentina, el 18 de noviembre de 1888. En su último viaje a Paris,
aparecieron síntomas extravío, por lo que sus amigos lo embarcaron rumbo a Buenos Aires,
donde murió internado en un hospicio de salud mental, en el año 1932.
6 Evaristo Carriego nació en 1883 en Paraná, capital de la provincia de Entre Ríos, se trasladó con
su familia desde Paraná a Buenos Aires en 1887, luego a La Plata, y finalmente otra vez a Buenos
Aires en 1889, donde residió hasta su muerte, ocurrida en 1912. Con veinte años se introdujo
en los círculos intelectuales de la capital, donde le gustaba recitar sus versos. De 1904 a 1908
publicó infinidad de composiciones poéticas en diarios y revistas, como Ideas, Caras y Caretas
y otras. Misas herejes (1908) fue su primer y único libro publicado en vida. Horacio Ferrer co-
menta en El libro del tango: “Si bien Almafuerte, Rubén Darío y Marcelo del Mazo gravitaron en su
estilo, fue luego, con toda originalidad, el primer gran poeta del suburbio porteño. Su visión de la
ciudad, su manera de sentirla y de escribirla, alcanzaron luego enorme gravitación en las letras del
tango, particularmente por vía de Homero Manzi, que fue su más talentoso continuador”. Evaristo
murió de tisis, en 1912, a la edad de 29 años. La obra de Carriego también influye en el sencillis-
mo de Baldomero Fernández Moreno y en el cine de José “el Negro” Agustín Ferreyra.
En este marco surge una de las figuras más relevantes del período pre-indus-
trial del cine argentino: el realizador José Agustín Ferreyra. Letrista de los tan-
gos que moldearán sus argumentos fílmicos, pintor y escenógrafo, “bohemio
incorregible, romántico incurable” según lo definía un periodista en 1939,9
Ferreyra – sin otra escuela que la propia intuición – realizó un cuantioso nú-
mero de películas silentes cuyas historias transcurrían entre el centro de la
7 Término acuñado por Noël Burch para designar al conjunto de directrices que, en el seno de
la producción cinematográfica industrial, configuran las bases del lenguaje que entendemos
como “clásico” y que ha sido dominante hasta la década de 1950.
8 Orquesta Típica: Nació en 1910 con el sexteto formado por Vicente Greco. La idea de llamar-
la “Orquesta típica criolla” fue de Ernesto Tossi, gerente comercial de la compañía Columbia.
Las “típicas” que permitieron el lucimiento del intérprete, incorporaron adornos sonoros y
otros válidos recursos creativos.
9 Se trataba del periodista Julián Rielar, quien le hizo una serie de reportajes a José Agustín
Ferreyra para la revista Cine Argentino, en los últimos meses de 1939. Extraído acá de Jorge
Miguel Couselo (2001, p. 21).
10 Son especialmente memorables los planos exteriores que abren su película Perdón viejita
(1927), describiendo primero el atardecer de la urbe porteña (y asociando a las luces de la no-
che con la “malicia de mujer”) y luego un amanecer en las inmediaciones del Riachuelo, donde,
por contraste con las imágenes del trabajo que se pone en marcha, los personajes protagóni-
cos son presentados como “residuos” de la sociedad.
¡El sonido! ¡Un sentido reconquistado! ¡Un nuevo mundo! El canto del
Ruiseñor. El taponazo del champagne. El chasquido de un beso. Ver es
sólo la mitad de la vida. ¡Ver y oír es la vida entera! (CALISTRO, 1978, p. 15)
11 Ferreyra, en 1931, bajo el título de Muñequitas porteñas, estrena el primer largometraje nacional
sonorizado con el sistema Vitaphone de discos sincronizados.
12 Carlos Gardel filmó, en 1930, quince cortometrajes (cinco de ellos arruinados en el proceso de
revelado de la película) que llevan, cada uno, el nombre del tema musical que allí se interpreta.
La mayoría son tangos, aunque también hay valses y hasta un tema campero, todos registrados
Y fue popular no sólo en el propio país, sino que trascendió a escala regio-
nal, sobre todo durante la década del 30’ luego de lo cual México, ayudado por
su posición en la Segunda Guerra Mundial, fortaleció su industria y se puso a la
cabeza del mercado latinoamericano.
Así como sucedió en otras latitudes, en Argentina, ante la aparición del
sonido, no bastó con que los personajes dialogaran; tenían que cantar. ¿Qué
cantarían? Tango, “naturalmente”. ¡Tango!, dirigida por Luis Moglia Barth y pro-
ducida por el empresario Ángel Mentasti, – a la cabeza de la recién creada pro-
ductora Argentina Sono Film – fue el nombre de la película que, estrenada el 27
de abril de 1933, abre el período industrial (y clásico) de nuestra cinematografía.
bajo el sistema movieton de sonido óptico. Los diez cortos que hoy subsisten son: El carrete-
ro, Añoranzas, Rosas de otoño, Mano a mano, Yira, yira, Tengo miedo, Padrino pelao, Enfundá la
mandolina, Canchero y Viejo smoking. El conjunto permitía tanto el lucimiento del intérprete
como la promoción del novedoso cine sonoro. Así se expresaba Gardel en uno de los diálogos:
“Aquí ando, hermano, dispuesto como siempre a defender nuestro idioma, nuestras costum-
bres y nuestras canciones con la ayuda del film sonoro argentino”.
13 Así rotula el film el historiador argentino Claudio España en el libro colectivo Cine argentino:
industria y clasicismo (2000, p. 29).
14 Nótese que los nombres de los personajes protagónicos coinciden plenamente con los nom-
bres de los actores/cantantes que los interpretan. Tenemos allí, en “el nombre”, la unión an-
ticipada, letra por letra, de lo que constituye el texto estrella: la amalgama indisoluble entre
personaje y actor, al servicio de la economía del sistema industrial.
Mi mamá te dijo que se preocupaba, ella es así. Cree que, si uno se preocu-
pa, cumple con los sacrosantos deberes de ser madre, que si me desgarro
el alma soy la mejor de las madres, ¡”la escuelita de Libertad Lamarque”!,
así lo cree. Así me enseñó. Y así querría que te enseñara a ti. ¡No Isabel,
no!, la gente puede querer aunque no esté angustiada, ojalá yo habría
aprendido a querer sin dolor, pero ella no me enseñó...16
15 “Gente bien” es un término lunfardo que se usa para caracterizar a personas decentes, educa-
das. Es, además, el nombre de una película de 1939, dirigida por el director Manuel Romero. En
este artículo, igual que en la película, usamos el término como síntesis de una de las ideas del
apartado: el cine tanguero propone que las personas del mundo del espectáculo son decentes
y/o educadas.
16 Línea de diálogo entre la madre (protagonista) y su hija, perteneciente a la secuencia titulada
“La escuelita de Libertad Lamarque” del film de Arturo Ripstein Las razones del corazón. Rodada
en el año 2010, esta versión libre de la novela “Madame Bovary”, como es costumbre en el
trabajo mancomunado del director y la guionista Alicia Paz Garcíadiego, se constituye como
reverso del melodrama y, por tanto, como su crítica.
17 Personaje perteneciente a la película Los muchachos de antes no usaban gomina, dirigida por
Manuel Romero en 1937 e interpretado por Sabina Olmos.
18 Personaje perteneciente a la película Carnaval de antaño, de 1940, dirigida por Manuel Romero
e interpretada por Mecha Ortiz.
Nadie lo dudó jamás, el tango nació varón... se crió en los suburbios, entre
calles de fango y empedrado, bailado por taitas y malevos en un mundo de
machos, donde la mujer era “paica, loca o milonguera, personaje secun-
dario, sometido, desplazado hasta la condición de mero objeto pasivo...
territorio vedado para las honestas, para las que quedaron en el barrio: la
dulce viejecita, la piba de la esquina, la novia del pasado; almas inmacu-
19 “Añoranzas” es un vals cuya letra y música le pertenece a José María Aguilar. El vals fue inter-
pretado por Carlos Gardel, en el cortometraje que lleva su nombre y que, junto con otros tan-
tos tangos cantados, forma parte de la serie de los cortometrajes que el cantante protagonizó
bajo la dirección de Eduardo Morera, en 1930, realizados con el sistema de Lee de Forest. En
este artículo, “añoranzas” señala uno de los aspectos centrales del apartado: el referente a las
cabalgatas tangueras.
A modo de cierre
El recorrido que propone este texto nos permite vislumbrar el efecto que sur-
ge de la simbiosis entre el tango y el cine industrial argentino. A fuerza de la
Corolario de lo que implicará el comienzo del fin del período industrial del
cine argentino, se viene anunciando, al promediar la década del cuarenta, lo que
unos años más tarde será la crisis – a escala global – del modelo narrativo clásico.
En 1944, rodada en los Estudios San Miguel, anticipándose a esa impug-
nación que sufrirá el reinado de las historias por sobre los relatos, el director
Mario Soffici dirigirá la película que siembra una duda respecto de la condición
22 Nos referimos acá al texto de Carlos Monsiváis “La política del melodrama”.
23 “Sombras porteñas” es un vals de 1936 cuya letra le pertenece a Homero Manzi y cuya música
a Sebastián Piana y Pedro Maffia. Acá es utilizado como síntesis de la idea central de este
apartado.
24 Del tango “Tiempos viejos” escrito por Manuel Romero a propósito de su película Los mucha-
chos de antes no usaban gomina (1937).
25 Los términos “espejo” y “ventana” hacen referencia a lo que Jesús González Requena designa
como la metáfora perfecta del cine clásico en su artículo El sistema de representación clásico y
las escrituras manieristas (1986).
26 La negrita nos pertenece y subraya uno de los gestos “manieristas” del film: la designación – en
su título – del formato sobre el que se relata la historia que narra.
Referencias
CALISTRO, M. et al.: Reportaje al cine argentino: los pioneros del sonoro. Buenos
Aires: Anesa, 1978.
COUSELO, J. M. El Negro Ferreyra: un cine por instinto. Buenos Aires: Grupo
Editor Altamira, 2001.
ESPAÑA, C. (Org.). Cine argentino: industria y clasicismo: 1933-1956: vol. I.
Buenos Aires: Fondo Nacional de las Artes, 2000.
GIL MARIÑO, C. N. El mercado del deseo: tango, cine y cultura de masas en la
Argentina de los 30. Buenos Aires: Teseo, 2015.
GIL MARIÑO, C. N. Del arrabal y el cafetín a la broadcasting: imágenes del ascenso
social y un tango moderno en el cine argentino de los años treinta. Revista Sans Soleil,
[Madrid], v. 5, n. 1, p. 92-106, 2013.
Glosario lunfardo
CÉSAR MARANGHELLO
Introdução
Después de la Segunda Guerra Mundial, Hollywood dominó otra vez los estre-
nos en pantalla, por lo que decayeron los cines locales, y a la vez, se inició la in-
vasión y el monopolio del disco norteamericano. Un golpe doble, que silenció
voces y bailes latinos. Desde el primer momento, el musical había desarrollado
una tendencia a inmiscuirse, sobre todo, en la comedia. Debido al tono festivo
que se desprendía de ese universo de canciones y bailes, el acople se demostró
apropiado y sencillo. Lo mismo puede considerarse con la parodia. En ese caso,
el campo se reduce y debe existir un precedente con afinidades temáticas sobre
las que aplicar las ganas de reírse de algo o de alguien. En ese caso, el registro
podía desplazarse hasta la estética kitsch.
El primer astro internacional de nuestro cine fue Luis Sandrini. Y entre
sus primeras actuaciones memorables se encuentra El cañonero de Giles (1937,
Romero) donde todo el elenco termina entonando La Marcha del Football,
letra de Romero. Otro de sus grandes éxitos populares fue Bartolo tenía una
flauta (1939, A. Botta), donde un flautista es engañado por una millonaria, le
plagian un tema, gana un juicio y se vuelve millonario. Peluqueria de señoras
(1941, Bayón Herrera) es otro gracioso vehículo sobre un peluquero de damas
reconvertido en boxeador, con el apodo de “Tom Mix”. Amanda Ledesma canta
una ranchera y Susy del Carril, una rumba.
La talentosa Olinda Bozán también pudo lucirse en la primera década
sonora, e incluso después. Apareció en Idolos de la radio (1934, Morera), donde
se ejecuta el fox Bailando en el Alvear, con Don Dean y sus Estudiantes de
Hollywood, más Ana May; el Jazz vocal de Ken Hamilton; Los Bohemios y
Los equívocos y las confusiones sexuales forman parte de cierto tipo de come-
dia. El cine alemán de los treinta sentó cátedra para que el musical, en una línea
jovial y cómica, abordase además los enredos sexuales y el desorden de iden-
tidades. Films en los que el transgénero forma parte importante del metraje, y
donde el travestido se limita a fijar el aspecto estético como foco del desorden.
El género musical abre una puerta a la emancipación mediante la fantasía y,
siguiendo las reflexiones de Rick Altman (2000), permite en su simplificación
como película de género, otorgar un valor simbólico de manera sistematica.
Boleros y boleristas
Las llamadas – reinas del trópico – destacaron por su tipo latino, sus coreo-
grafías sensuales y su desafío a la moral imperante. La diferencia fundamental
con México: aquí el personaje encontró su lugar dentro de la comedia sofisti-
cada, con mucho personal de servicio y varios platos y floreros que volaban por
los aires, hacia la cabeza del hombre de la casa. Intérpretes indiscutidas de las
comedias con enredos de parejas, muchos movimientos de ojos y labios y tra-
mas sencillas. Los salones con inmensas escaleras y teléfonos blancos fueron
el terreno para su gracia y simpatía y los bamboleos de sus caderas. La cubana
Amelita Vargas – de breve carrera en Hollywood – participó en 23 películas
argentinas desde su debut en Con el diablo en el cuerpo (1947, Christensen).
Esta fue una comedia intrascendente sobre una muchacha que “pierde” a su
marido y sale a su búscarlo, junto a un misógino médico clínico. En Córdoba
aterrizan en lo de un anfitrión árabe, que tiene a Amelita como una de sus
hijas, Angora la cubana, que le canta a Thorry La ola marina. A partir de en-
tonces, pero en la vida real, enamoró sucesivamente a tres directores locales:
Demicheli, Lugones (5 películas) y Enrique Carreras (11 films), y pasó a la his-
toria como la Reina del Mambo.
En la farsa La secta del trébol (1948, Mario Soffici) acompaña a Pedro López
Lagar en una intrincada trama policial sobre diamantes robados y sectas chi-
nas, que resulta ser una pesadilla. Amelita interpreta tres temas: Palabra de
mujer, Así... así, y Tambor de Pérez Prado. Después forma un tándem con el
Referencias
Introducción
Cuando a Peter Pilafian le ofrecieron hacer el registro del concierto que da-
ría Jimi Hendrix en Berkeley, lo cual era lo mismo que ofrecerle entrar por
la puerta grande al negocio de los concert films, pensó que sería una buena
oportunidad para “hacer algo más significativo que eso”. (WENNEKES, 2013,
p. 88-89) Cuando a Michael Wadleigh le ofrecieron registrar Woodstock con-
testó que no quería hacer un concert film debido a que ese evento “era más
1 Por tal motivo los estudios sobre documental musical y rockumental aquí citados ha sido reali-
zado y publicado en otras lenguas. Condición necesaria: utilizar bibliografía producida en otras
latitudes.
2 Recientemente se estrenó en Buenos Aires Indio Solari, la película (2015). Un concert film que
presenta solo imágenes de una performance en vivo de la banda del ex cantante de Patricio
Rey y sus Redonditos de Ricota. El lugar elegido para el estreno, y uno de los pocos en que se
proyectó, fue el estadio Luna Park.
3) Otros films contienen partes de conciertos pero son algo más, el docu-
mental de una performance, término empleado por Brian Winston
[rock performance documentary]. (COHEN, 2012, p. 19) Según Winston
este es uno de los estilos documentales genuinamente más populares;
Chanan (2013, p. 339) identifica los rasgos principales de este tipo:
cámara en mano, escenas filmadas fuera del escenario, tomas de fanáti-
cos, reportajes en autos, calles, teatros, casas. Jonathan Demme, direc-
tor de Stop Making Sense (1984) película que registra una performance
del grupo norteamericano Talking Heads, hace una distinción entre
music documentaries, por ejemplo Woodstock, y performance films,
recitales sin publico filmados para la audiencia del film [Storefront
Hitchcock (1998)]. (DEUTSCH, 2014, p. 3) Como veremos más ade-
lante en este trabajo la presencia y participación de la audiencia es un
aspecto de gran importancia en el documental de rock. Cohen (2012,
p. 19) señala que, “la performance en una película deja un registro de
un público involucrado en la actividad social de tocar música en un
momento histórico particular”. Para Chanan (2013, p. 339), el registro
de la reacción del público en un concierto es “un pilar del documental
musical como género”.
5 Para Michael Chanan se puede considerar como antecedente de los documentales de rock
Jazz on a summer’s day (Bert Stern, 1960), debido al uso de varias cámaras para registrar el con-
cierto con el inserto de tomas con cámara al hombro capturadas entre la audiencia. (CHANAN,
2013, 339)
6 Generalmente no se menciona a otro film, similar en su estructura y estética al film de los
Maysles sobre The Beatles, Charlie is my Darling (Peter Whitehead, 1965). El rockumental se
basa en el registro de la gira irlandesa de los Rolling Stones, quienes se muestran mucho más
evasivos con los fans de lo que se presentan los cuatro de Liverpool.
Rock hasta que se ponga el sol, dirigido por Aníbal Uset, es un documental de
gran valor histórico para la música popular argentina y latinoamericana. La
popular revista de rock Pelo anticipaba en su momento la importancia que el
documental de Uset llegaría a tener: “Lo que allí se grabe será el primer docu-
mento visual importante de la evolución del rock en la Argentina”.7 (BRUNO,
2000, p. 7) Producido por Héctor Olivera y Fernando Ayala, dos directores
destacados en el medio, el documental recoge las actuaciones en el festival B.A.
Rock (en su tercera edición) y en otras locaciones, de artistas y bandas pione-
ras del género: Color Humano, Vox Dei, Pescado Rabioso, Pappo, Leon Gieco,
Litto Nebbia, Sui Generis, Arco Iris, Billy Bond y Gabriela entre otros. Muchos
de los músicos que integraban estos grupos continuaron sus carreras en otras
bandas importantes o como solistas, como fue el caso de Luis Alberto Spinetta
7 Dos años antes se realizó el cortometraje Buenos Aires Beat de Néstor Cosentino, que está
basado en el repaso de diferentes hitos de la breve historia del rock nacional. Performances en
vivo (con sonido pos sincronizado) de Manal, Almendra y Vox Dei se suceden en el marco de
una entrevista a un rockero (simulada por las voces de actores). Finaliza con lo que podemos
considerar el primer videoclip, o un esbozo aproximado, basado en Muchacha (Luis Alberto
Spinetta) e interpretado por dos actores que representan estar enamorados mediante miradas
y gestos en un paseo lindero al Río de la Plata. Como decíamos en otro trabajo: “Los grandes
edificios dan el marco para el film que con los contrapicados dedicados a los rascacielos y
las imágenes de los obreros demoliendo viejas construcciones, parecen redondear una de las
ideas centrales de Cosentino: el rock es lo nuevo que, guste o no a lo establecido, viene a ocu-
par el espacio de los géneros y las costumbres ya perimidas entre los jóvenes”. (CAMPO, 2012,
p. 53) El origen del movimiento Beat nacional es analizado con mayor detalle en el largometraje
Argentina Beat (Hernán Gaffet, 2006).
La cuarta, y última, edición del festival Buenos Aires Rock se realizó los días
6, 13, 20 y 27 de noviembre de 1982 (pocos días antes del estreno en salas de
Prima Rock). Con la dictadura en retirada luego de la derrota de Malvinas se
filmó Buenos Aires Rock (Héctor Olivera, 1983), estrenado en enero de 1983,
el registro de aquella edición del encuentro rockero (y algo más). Se trata del
rockumental argentino más político, pero no solo por los procedimientos
de montaje llevados a cabo (que serán analizados más adelante) sino tam-
bién por lo que ocurrió efectivamente arriba del escenario: merced del corri-
miento del rock progresivo hacia el formato de canción, del estilo trovadora
(como expone León Gieco) o de protesta (el caso de Miguel Cantilo), en el
rock nacional ganó espacio el contenido poético realista, más o menos meta-
fórico según los casos. Desde las primeras ediciones del B. A. Rock, cuando
a su nombre se adosaba “Festival de la música progresiva”, hasta la última
realizada en 1982, y luego de diez años desde la anterior, la escena del rock
nacional cambió. Los visos de posibilidad de contar con un movimiento mu-
sical progresivo se fue decantando hacia la composición de canciones cortas
con una preeminencia de la letra, valorizando los estribillos. Asimismo, las
interpretaciones se centraron en dejar de lado el virtuosismo de largos pasa-
jes musicales para focalizarse en la generación de una respuesta explícita del
público, coreando los temas. Ese pasaje es perceptible en el film de Olivera y
tiene una secuencia ejemplar: en el comienzo están zapando Gieco, Cantilo,
Raúl Porchetto y Piero, quienes alternadamente cantan estrofas de diferentes
canciones intercaladas y ríen por esa mezcla. Eso da cuenta de que para la
época ya “hay” una historia del rock nacional, la cual forzosamente es intro-
ducida de forma pedagógica en Rock hasta que se ponga el sol, tarea que no es
necesario realizar ya para este film; y que esa historia ya resulta “entrañable”,
es una que podemos contar-cantar todos.
Olivera había sido el productor de aquel film de Uset, con su empresa
Aries Cinematográfica, y lo sería también de Que sea Rock (Sebastián Schindel,
Conclusión
Referencias
ARTHUR AUTRAN
Introdução
1 A pesquisa que gerou este artigo conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). Uma primeira versão do artigo foi apresentada no âmbito no
XIX Encontro da Sociedade Brasileira de Estudo de Cinema e Audiovisual (Socine), realizado na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2015.
Afrânio Mendes Catani (2002) sobre a Maristela, o qual tem como figura de
proa o já citado Mário Audrá Júnior; e a tese de doutoramento de Luciano
Ramos (2014) sobre Oswaldo Massaini.
O presente artigo busca contribuir com a ampliação do conhecimento
histórico acerca da atividade dos produtores no Brasil, enfocando a trajetória
cinematográfica de uma figura ainda mal conhecida: Wallace Downey.
Downey nasceu em 1902, em Nova York, e estabeleceu-se em São Paulo, em
1928, para instalar a seção brasileira da gravadora de discos Columbia, tendo
se desempenhado, então, como seu diretor artístico. (CATANI, 2012, p. 251)
Nesse momento, travou contato com o empresário Alberto Byington Jr., que,
por meio da empresa Byington & Cia, se tornou representante da Columbia
no Brasil. Downey já era um profissional experiente do mercado fonográfico;
em 1922, ele dirigia o laboratório de gravação da Cameo Records. (MIRANDA,
2015, p. 32)
Segundo Rafael de Luna Freire (2013, p. 122), “a partir de 1929, embora
continuasse importando discos estrangeiros, a Columbia passou também a
fabricar discos nacionais a partir de matrizes estrangeiras e, principalmente,
começou a produzir discos de matrizes gravadas no próprio Brasil”.
Ademais, essa empresa, assim como outras gravadoras, mandou para o
Brasil “profissionais experientes para acompanhar a instalação de suas fábri-
cas”, tais como o próprio Wallace Downey, John Lilienthal (diretor geral), Jones
B. Orr (chefe da filial do Rio de Janeiro) e George C. Stevens (diretor técnico
do setor de eletricidade e chefe de publicidade no Rio de Janeiro). (FREIRE,
2013, p. 122)
É interessante lembrar que, também entre as filiais das distribuidoras cine-
matográficas norte-americanas que se instalaram no Brasil desde a segunda
metade dos anos 1910, era corriqueira a presença de profissionais provenientes
dos Estados Unidos. A título de exemplo, é possível mencionar Al Szeckler, que
dirigiu a agência da Universal em parte da década de 1920, e William Melniker,
chefe do escritório da Metro-Goldwyn-Mayer no Brasil até o decênio seguinte.
Com o advento do cinema sonoro, Downey passou a se dedicar à ativi-
dade cinematográfica. É significativo notar que a historiografia dedicou rela-
tivamente pouca atenção a sua figura e, mesmo assim, quando ela avulta, é
como uma das mais antipatizadas por historiadores do cinema, pesquisadores,
jornalistas e biógrafos.
2 Trata-se de Lee Shubert, produtor que levou Carmen Miranda para os Estados Unidos.
Coisas nossas
A experiência da Waldow
3 O levantamento das menções a Wallace Downey na Variety foi feito pela pesquisadora Suzana
Reck Miranda, que gentilmente me repassou esse valioso material.
4 Carta de Walace Downey para Adhemar Gonzaga. Rio de Janeiro, 7 out. 1935. Documento
depositado no Arquivo Cinédia (RJ).
5 Não encontrei um documento que indicasse a renda da Waldow. Não basta replicar a ren-
da destinada à Cinédia, pois o valor anotado acima parece incluir a Distribuidora de Filmes
Brasileiros (DFB).
A experiência da Sonofilms
8 No Youtube, está disponível este trecho do filme, o qual, até onde alcança o meu conhecimen-
to, é somente o que restou de Banana da terra nos nossos dias. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=ojo3I59Gn6c>. Acesso em: 25 maio 2016.
Também dirigida por Ruy Costa (de parceria com Braguinha e Fenelon),
esta segunda fruta carnavalesca da Sonofilms continha uma galeria de ti-
pos que seriam figurinhas fáceis nas chachadas da Atlântida: um cientista
louco, chamado professor Salchich (Lauro Borges), seu aloprado criado
(Boneco de Piche, interpretado por Grande Otelo) e uma família na qual
Wallace Downey iniciou uma nova filmagem para a Sonofilms, mas que se
está rodando na Cinédia. Trata-se de um ‘musical’ e chama-se – acreditem
ou não... – Abacaxi azul.10 Depois de ter feito Banana da terra e Laranja
da China, só faltava mesmo o abacaxi. Mas azul, por que? (COCKTAIL...,
1943, grifo nosso)
10 Nota-se que “abacaxi” era o termo pejorativo pelo qual a crítica brasileira da época se referia
aos filmes muito ruins.
Considerações finais
João Luiz Vieira (1987) sintetiza a importância da Sonofilms para o cinema bra-
sileiro da seguinte forma: “O sucesso inicial da Sonofilms deve-se, principal-
mente, a uma tentativa menos ambiciosa de realização de um ‘grande’ cinema e
a uma consciência mais clara das limitações impostas pelo mercado para o qual
suas produções são adaptadas”. (VIEIRA, 1987, p. 151)
A meu ver, Wallace Downey foi a figura central na estruturação da pro-
dução da Sonofilms, não apenas porque continuou a apostar nas comédias
musicais feitas para o período do Carnaval, como ainda por ter ensaiado, antes
mesmo do início das atividades dessa empresa, a viabilidade da produção de
comédias ligeiras lançadas no meio do ano, ou seja, o modo como a Sonofilms
11 OBITUARIES (1967).
1 Aviso aos navegantes foi a primeira chanchada da Atlântida. É um filme brasileiro de 1950, es-
trelado por Oscarito e Grande Otelo. Direção de Watson Macedo.
instaurados pela monarquia tão bem difundidos internacionalmente à época
pela diplomacia brasileira.
A primeira leva de filmes norte-americanos que se ambientavam por aqui
não era, de maneira alguma, elogiosa à América do Sul. Do final da década
de 1920 para o início da década de 1930, os primeiros filmes hollywoodianos
situados no Brasil reproduziam a imagem distorcida que se fazia no exterior do
país. Basta citar, como exemplo, a primeira película hollywoodiana que tem o
Rio de Janeiro como cenário de fundo: The girl from Rio, de 1927, que, além do
fraco enredo apresentado, não ilustrava o Rio de belezas naturais e paisagens
deslumbrantes como habitualmente ficou marcado no imaginário estrangeiro;
ao contrário, apresentava o lugar como uma “vila esquálida”, nos dizeres de
Bianca Freire-Medeiros (2005).
De acordo com a autora, a mudança de paradigma nesse contexto se deve
sobretudo à Grande Depressão americana de 1929, marcada pela severa crise
na economia do país, quando enfim a ideologia do livre-mercado é questio-
nada e o papel do Estado na política econômica passa a ser repensado, o que
muito contribuiu para uma abertura e maior tolerância para com o “outro”.
Além disso, a Segunda Grande Guerra foi outro evento importante nesse cená-
rio. Visando à necessidade de se estreitarem os laços vizinhos em uma unidade
continental frente às forças do Eixo, a história do cinema brasileiro tem, na
política de boa vizinhança, a oportunidade de se consolidar como campo fértil
de produção.
É fato que o imperialismo americano, por sua superioridade tecnológica
incontestável e extensiva a todas as esferas da vida, não excluiria o lazer do
seu projeto de fortalecimento do grande capital. Adorno e Horkheimer (1985)
já apontaram para o fato quando versaram a respeito da indústria cultural,
entendendo a apropriação dos meios de comunicação, em especial o rádio e
o cinema, enquanto produtos a serem consumidos. Nesse sentido, em muito
pouco tempo, a tecnologia e a produção dos bens culturais norte-americanos
difundiram-se por todo o mundo ocidental, seja na música, em que é notório
o caso do jazz, seja no cinema, por meio de Hollywood.
No Brasil, a política estado-novista durante o governo da Era Vargas soube
apropriar-se de maneira bastante inteligente do fenômeno da indústria cultural.
O rádio era o principal veículo de promoção do governo, ao mesmo tempo em
que, pela música, particularmente pela apropriação do samba, consolidava-se,
[...] tais filmes devem ser vistos no interior de uma articulação entre vários
ramos de comunicação dessa indústria [cultural], pois na linguagem da
chanchada acham-se presentes elementos do circo, do carnaval, do rádio
e do teatro [...], sendo que suas condições de produção caracterizam-se
por um esquema industrial que se autossustenta, utilizando técnicas pou-
co sofisticadas e com um custo bastante reduzido.
Em Uma noite no Rio (That night in Rio, 1941), produção da 20th Century
Fox, imortalizou-se uma das imagens mais marcantes de Carmen Miranda no
cinema: Carmen, acompanhada do Bando da Lua, canta “Chica Chica Boom
Chic” em performance emblemática para o imaginário que da cantora ainda
hoje se faz. Vestida em seu traje branco de baiana estilizada, com babados e
balangandãs, destaca-se ao centro como uma figura esguia e lânguida por seu
vestido alongado até os pés e, contribuindo para a ilusão de ótica que ofuscava
seus 1,52 metros, portando um vistoso turbante na cabeça, no qual se destacam
frutos, folhagens e penugens de toda ordem.
O turbante de Carmen ficou sendo a sua marca registrada. Além das fru-
tas tropicais, muitas vezes dispostas dentro de cestos – em que se destacava
sobremaneira a opulência real do abacaxi –, a criatividade de Carmen permitia
que ali se colocasse de tudo um pouco: sombrinhas, laços, fitas, flores – e até
mesmo um fálico farol. Do turbante, Carmen Miranda fazia seu tabuleiro e,
com ele, deixava no ar, por onde quer que passasse, a pergunta da canção de
Caymmi que imortalizara em sua voz: afinal, o que é que a baiana – e a brasi-
leira – tem?
Parece-nos apropriado estabelecer associação metafórica entre o turbante
de Carmen Miranda e a estética carnavalizante da chanchada. Tal como em sua
fruteira, de tudo um pouco a chanchada tem. Como é próprio de nossa cultura,
a antropofagia carnavalesca deglute as mais diversas manifestações culturais,
do grotesco ao sublime, do erudito ao popular, e só nos interessa, parafrase-
ando Oswald de Andrade, o que não é nosso. “Fizemos foi carnaval”, diz ele no
Manifesto antropofágico [2001], a festa que é o verdadeiro ópio do povo, em
que se mascara a realidade, em que se vive a mais pura fantasia.
Mas não apenas: fizemos foi chanchada. Não é à toa, portanto, que sob tal
estética plural, como intuímos ilustrar em nosso texto, parodiaram-se muitos
dos filmes hollywoodianos, relendo-os com sotaque e sintaxe muito próprios,
apropriando-se dos mais diferentes gêneros: épicos, policiais, românticos
e – claro – musicais. Como a Pequena Carmen, a chanchada fez-se também
Notável, justamente por representar plenamente o lado “pra cima” da nossa
identidade cultural, a tão almejada brasilidade, caçada por nossos modernis-
tas como quem buscava o Eldorado. Distanciados mais de meio século de seu
Referências
4 “Roquianos” era a denominação dada na época aos jovens dançarinos de rock’n’roll. (GARSON,
2013)
5 A expressão era bastante popular nas páginas de jornal no Brasil de finais dos anos 1950 ao se
referir a situações de perturbação pública relacionada à mocidade da época. Ela acabou por
se consolidar no vocabulário popular ao nomear o filme de Nicolas Ray, Rebel without a cause,
lançado no Brasil como Juventude transviada, em 1956. (GARSON, 2015)
6 Nessa década, a denominação de “ié-ié-ié” passou a ser utilizada pela imprensa da época como
sinônimo das canções de rock.
7 Os reis do iê-ié-ié, primeiro filme dos Beatles, dirigido por Richard Lester, estava em cartaz nas
salas brasileiras no final de 1964, conforme noticiava a coluna “Os filmes da semana” do Jornal
do Brasil em 13 de dezembro de 1964 (Caderno B, p. 23). Help! entraria nas salas brasileiras
em janeiro de 1965, conforme anúncios publicados no Jornal do Brasil, 4 de janeiro de 1965
(Caderno B).
8 O terceiro filme da trilogia, Roberto Carlos a 300 km por hora, não é propriamente um musical,
portanto não será discutido neste capítulo.
9 Frankie Avalon e Anette Funicello, casal protagonista do ciclo de filmes de praia no cinema
norte-americano, eram conhecidos por aqui. Avalon ganhava destaque nas páginas de jornais
e revistas da época como cantor e ídolo jovem norte-americano. A partir de meados da dé-
cada de 1960, os filmes de praia começaram a circular nas salas brasileiras e permaneceram
em cartaz até o final dos anos 1960. Praia dos amores é o primeiro a estrear, em São Paulo e
no Rio de Janeiro, em setembro de 1964. Em janeiro de 1966, Quanto mais músculo melhor
entrava em cartaz nos grandes centros. Estreava naquele mesmo ano, no mês de dezembro,
Folias na praia. Em setembro de 1967, Avalon estava em cartaz nas salas brasileiras com Bola de
fogo 500, uma aventura juvenil perpassada com muita corrida de carro. Em dezembro daquele
mesmo ano, Praia dos biquinis entrava em cartaz nas salas dos cinemas de bairro em São Paulo.
Os filmes circularam nos cinemas na década de 1960, permanecendo várias semanas em cartaz
nos circuitos dos bairros e nas salas do interior, e se mantiveram na programação televisiva
nas sessões da tarde nas décadas posteriores. Informações colhidas a partir da pesquisa nos
jornais Folha de São Paulo (SP), Jornal do Brasil (RJ) e Revista do Rádio, cujo acervo se encontra
disponível para consulta pública.
10 A própria peça era uma adaptação brasileira da obra originalmente composta pelo italiano
Sergio Bardotti e pelo argentino Luis Enríquez Bacalov.
11 De acordo com dados na Ancine, 1.327.377 espectadores pagaram ingresso para ver Bete
Balanço. (MAIA; COELHO, 2015, p. 134)
12 Composto por Cazuza nos vocais, Frejat na guitarra, Guto Goffi na bateria, Dé no baixo e
Maurício Barros nos teclados.
14 O filme é estrelado por Sandy e Júnior, nomes significativos da indústria fonográfica e do mer-
cado adolescente daquele momento.
Apontamentos finais
15 Essa proposta de análise é sugerida por Rick Altman, em entrevista realizada no início dos anos
2000. (AN INTERVIEW..., 2003)
Referências
A EXIBIÇÃO da película ‘Ao balanço das horas’. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 16,
23 dez. 1956.
A EXIBIÇÃO de ‘Ao balanço das horas’ no Rio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 4,
5 jan. 1957.
ALTMAN, R. A semantic/syntactic approach to film genre. Cinema Journal,
Champaign, v. 23, n. 3, p. 6-18, Spring 1984.
AN INTERVIEW with Rick Altman. The Velvet Light Trap, Austin, n. 51, p. 67-72,
Spring 2003.
AUGUSTO, S. Este mundo é um pandeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
AUTRAN, A. As concepções de público no pensamento industrial cinematográfico.
Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 36, p. 84-90, ago. 2008.
BAENA, P. K. Rock around the clock: a difusão do rock em território brasileiro.
In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DO ROCK, 2., 2015, Cascavel.
Anais... Cascavel: Unioeste, 2015.
BARCINSKI, A. Pavões misteriosos, 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil. São
Paulo: Três Estrelas, 2014.
BRYAN, G.; VILLARI, V. Teletema: a história da música popular através da
teledramaturgia brasileira. São Paulo: Dash, 2014.
BUENO, Z. P. Uma leitura dos roteiros de SSS Contra Jovem Guarda. In: ESTUDOS
DE CINEMA E AUDIOVISUAL SOCINE, 19., 2016, São Paulo. Anais... São Paulo:
Socine, 2016a. p. 318-324.
BUENO, Z. P. Leia o livro, veja o filme, compre o disco: a formação do cinema juvenil
brasileiro. Maringá: Eduem, 2016b.
BUENO, Z. P. Quando os mocinhos se rebelam: notas sobre um possível cinema juvenil
brasileiro. In: LYRA, B.; SANTANA, G. Cinema de bordas. São Paulo: A Lápis, 2006.
p. 176-187.
Lo primero que revelaron los títulos estudiados fueron las fuentes de las
que abrevó el cine musical mexicano. Películas como Revista musical,
(Arcady Boytler, 1934), Las tandas del principal, (Juan Bustillo Oro, 1949),
Extravaganza mexicana, (Juan José Segura, 1942), Extravaganza torera, (Juan
José Segura, 1942), El fantasma de la opereta (Fernando Cortés, 1959), La
reina de la opereta (José Benavides h., 1945), Burlesque (René Cardona, 1980)
y Variedades de medianoche (Fernando Cortés, 1949) hacen referencia a la
manera en que el cine musical de nuestro país hunde sus raíces en el género
teatral chico mexicano.
Por otro lado, a partir de la revisión del Índice de Viñas (2005), se regis-
traron 442 títulos que incluyen referencias directas a música, baile, canto,
nombres de compositores, cantantes o grupos musicales, títulos o fragmen-
tos de canciones y/o géneros musicales. De estos títulos, 24 son referentes a
bailar (Figura 2a), 37 a cantar (Figura 2b), 20 a música o melodía (Figura 2c),
70 a géneros o ritmos musicales (Figura 2d) y 302 a títulos o fragmentos de
canciones (Figura 2e). La figura 2 permite la comparación gráfica del número
de películas producidas por año – entre 1896 y 2000 – en cada una de las
categorías anteriores.
Las películas con títulos referentes a ritmos musicales, permitieron detec-
tar la presencia de 30 géneros musicales, que se graficaron en el mapa cronoló-
gico de la Figura 3. Los géneros musicales que aparecen más recurrentemente
en los títulos del cine mexicano son: mariachi con ocho menciones, mambo y
go gó con cinco menciones cada uno, y rock con cuatro.
1896 1900 1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000
Figura 4 − Géneros o ritmos musicales derivados de los títulos de películas mexicanas que
hacen referencia a un fragmento o título de canción, a partir de Viñas (2005). Los recuadros
en color sólido corresponden al año en que se produjeron películas con títulos referentes
a géneros musicales; mientras que los recuadros punteados indican el periodo entre una
producción y otra, dentro del mismo género musical. Las líneas verticales en negro indican la
propuesta de periodización para el cine musical mexicano
1896 1900 1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000
Este periodo puede considerarse el del cine musical preclásico, esto es, el del
cine anterior al establecimiento de las convenciones del cine de géneros. Esta
etapa, que comienza con la llegada a México del cinematógrafo, termina con
la aparición del cine sonoro en 1931, y abarca las producciones mexicanas del
llamado cine silente.
Como se observa en la gráfica de la Figura 2a, los títulos de este periodo
son predominantemente referentes a bailes y danzas (12 títulos), y se con-
centran en tres géneros musicales (Figuras 3 y 4): jarabe tapatío, jota y ópera.
Destacan los títulos de vistas como Jarabe tapatío (Danza mexicana) (Gabriel
Veyre y Claude Ferdinand Bernard, 1896), Jarabe tapatío (Salvador Toscano,
1 La teoría paradigmática propuesta por Zavala plantea que, a partir del reconocimiento de “los
componentes semióticos de la narrativa audiovisual” (ZAVALA, 2008, p. 28), es posible distin-
guir entre el cine clásico (1900-1960), que se caracteriza por respetar convenciones visuales,
sonoras e ideológicas; el cine moderno (1965-1980), que rompe con las convenciones del cine
clásico; y el cine posmoderno (1980 a la actualidad), que se distingue por conjuntar elementos
del cine clásico y el moderno. Es importante apuntar que la teoría paradigmática propuesta por
Zavala (2008), no es una periodización, por lo que es posible encontrar, por ejemplo, películas
clásicas producidas en 1993.
Es el periodo del auge del cine musical clásico, en el que se consolidan las
convenciones del género y se presenta su mayor diversificación subgenérica.
Se inicia en 1931 con la aparición, en el cine mexicano, del sonido como una
banda paralela a la banda imagen de la película, y finaliza en 1964, antes de la
aparición de los concursos de cine experimental.
Como es posible observar en la Figura 2, mientras que en el periodo ante-
rior hay 12 títulos referentes a baile por cada título referente a canto (12:1); en
este periodo disminuye drásticamente el número de películas que hacen refe-
rencia al baile (solamente se registran seis títulos) y aumenta exponencialmente
2 De acuerdo con Peredo Castro (2001), durante y después de la Segunda Guerra Mundial,
un proyecto mexicano-estadunidense se impulsó la producción de películas que pretendían
“emplear el nacionalismo mexicano y promover un sentimiento de integración latinoameri-
cana para fortalecer el panamericanismo y repeler con él cualquier intervención europea”.
(PEREDO CASTRO, 2011, p. 36)
El estudio de los títulos de las películas mexicanas permitió una primera aproxi-
mación al cine musical de nuestro país. Dicha aproximación hizo posible iden-
tificar algunas de las características formales del musical mexicano, rastrear los
ritmos que lo atraviesan, e identificar algunos de los subgéneros que lo confor-
man. Por otra parte, los resultados de este trabajo permitieron proponer una
periodización del cine musical mexicano, y los estudios de caso arrojaron luz so-
bre las características formales de las películas representativas de cada periodo.
Esta primera aproximación sugirió, además, que el musical, como el melo-
drama,5 permeó prácticamente todos los géneros fílmicos mexicanos. Para
corroborar que lo musical hibridó con distintos géneros conforme estos apa-
recieron, se transformaron y/o desaparecieron del panorama cinematográfico
mexicano, se vuelve necesaria una segunda etapa de esta investigación, en la
que se analicen en términos de imagen, sonido, puesta en escena, montaje y
narración algunas películas representativas de los distintos géneros del cine de
nuestro país. Por supuesto, ello implica ampliar el corpus del presente trabajo,
más allá de los títulos aquí estudiados.
Referencias
5 Autores como Zavala (2015) y Tuñón (2003) sugieren que el melodrama atraviesa y modela
todos los géneros del cine mexicano.
JULIÁN WOODSIDE
Introducción
Antes de hablar sobre los orígenes y devenir del videoclip en México es im-
portante comprender qué es lo que se entiende por dicha práctica. Si bien el
concepto “videoclip” se populariza durante la década de los ochenta, la his-
toria de dinámicas donde una canción es acompañada por elementos visuales
o performativos – ya sea para ilustrarla, o con fines comerciales – se puede
rastrear a mucho tiempo atrás.
El videoclip proviene de varias tradiciones donde lo musical, lo visual y lo
performativo han dialogado, consolidando diversas convenciones y recursos
músico-visuales y sincrésicos.2 Hablamos de cambios tecnológicos y formas
de representación que detonaron nuevos modos de pensar y experimentar el
tiempo y el espacio (ALCÁZAR, 1998, p. 14), tales como efectos especiales y
juegos de iluminación desarrollados en el teatro medieval y la ópera, así como
cuestiones narrativas, decorativas, escenográficas y coreográficas presentes en
los espectáculos populares. Y si bien se podría decir que el video revolucionó las
formas de creación y consumo audiovisual, Roy Armes plantea que para enten-
derlo es necesario contemplarlo dentro de todo el espectro de medios sonoros,
visuales y audiovisuales del siglo XIX y XX, incluyendo la radio, la fotografía, el
1 Además del apoyo de Jennifer Martínez García en la revisión de algunas fuentes y de Xóchitl
Rodríguez Quintero en la transcripción de las entrevistas.
2 Acrónimo acuñado por Michel Chion (1994, p. xviii-xix) que combina las palabras “sincroniza-
ción” y “síntesis” y que consiste en la fusión mental espontánea que ocurre cuando algo visual
y algo sonoro suceden al mismo tiempo.
Además, por esas fechas ya se podían comprar las partituras de los temas
musicales de algunas películas. (DE LOS REYES, 1983, p. 116)
5 Tras perder un patrocinio de Goodrich Euzkadi, Arcady Boytler utilizó parte de una película
para hacer un cortometraje titulado Revista musical: “El corto tenía dos números musicales.
En el primero Agustín Lara interpretaba Viviré para ti junto con la bailarina Dinar Kaunas. El
segundo corría a cargo de Toña la Negra, quien cantaba La última carcajada de la cumbancha”.
(BERMÚDEZ, 2007, p. 125)
6 Algunos directores de videoclips han reconocido que varias secuencias de películas de
Pedro Infante podrían considerarse videoclips (David Ruiz “Leche”, comunicación personal,
01/02/2016; Ángel Flores, comunicación personal, 03/02/2016).
9 Por ejemplo, hablando de Sobrenatural (Gruener, 1996), Raúl Miranda López (2006, p. 66) co-
menta: “significó para Televicine su ingreso a las formas de narrar posmodernas, propias de una
generación de cineastas jóvenes egresados del Centro de Capacitación Cinematográfica; la
dirigía Daniel Gruener. Calificada también por la crítica como un enorme videoclip, especialidad
que ejerce Gruener, la cinta obtiene múltiples premios nacionales e internacionales”.
10 Lo que se solía hacer antes era incluir los éxitos de las películas y de las series de televisión en las
producciones discográficas de los artistas, mientras que la figura de soundtrack era práctica-
mente exclusiva para las películas infantiles. Sin duda unos cuantos ejemplos son la excepción a
la regla, pero más allá de que eso amerita un texto aparte, es innegable que durante los noventa
hubo un crecimiento de esta forma de comercialización discográfico-cinematográfica.
11 Antecedente directo de lo que más adelante se conocería como Vj o videojockey en los canales
y programas de videos.
12 El periodista e investigador Alberto Dallal (1994, p. 128-129) comenta: “En su aspecto popular,
la danza por televisión hizo el esfuerzo de ofrecer deleites y atracciones a las demandas ma-
sivas […]. Significaba la apertura de la televisión a una nueva forma de aprovechamiento de la
danza. La dinámica de este arte ha de señalar los elementos que deben integrarse para que
surja el producto creativo, artístico, estético de la televisión: el video-clip. Sin la experiencia de
la danza, el video-clip jamás habría captado las cualidades implicadas en el ritmo, el montaje, la
estructura y la secuencia de las formas”.
Resultó ser un casting de siete mil personas, yo fui una de ellas y quedé
[...].13 Nos echamos el programa (Con M de Música). Empezó a ser grabado
y luego fue en vivo. De ahí justamente, cuando se dio la fuerza del vi-
deoclip, empezaron a surgir otras cosas […]. Toma en cuenta que estaban
en el gobierno de De la Madrid, entonces había una censura impresio-
nante.14
Con la novedad del cable y de las parabólicas llegaron también los vi-
deoclips, ese nuevo género que fusionó música y video y que en un prin-
cipio en México sólo se exhibía por cable; los clips se hicieron muy popu-
lares y pronto pasaron a los canales masivos de VHF, pero a doña Paloma
Cordero de De la Madrid, la primera dama del país, no le gustaron y los
condenó, por lo que regresaron a los canales de cable. Sin embargo, los vi-
deoclips habían llegado para quedarse y bien pronto los cantantes locales
grabarían los suyos. (AGUSTÍN, 2007, p. 104)
16 Como ocurrió con parte del catálogo de Comrock, sello discográfico independiente – dirigido
por Ricardo Ochoa, Chela Braniff y Juan Navarro – que incluía artistas que hicieron videos que
se transmitieron por televisión, como Kenny y los eléctricos, Ritmo peligroso, Luzbel y Los clips.
17 Siendo Siempre en domingo, programa transmitido desde 1969, uno de los principales espacios
donde se construyeron estos momentos.
18 Sobre los superocheros resulta fundamental revisar Vázquez Mantecón (2012). La informa-
ción que se desarrolla aquí sobre el tema provino de dicha fuente, así como de fuentes do-
cumentales y comunicaciones personales con el autor (18/05/2016), Ricardo Nicolayevsky
(22/04/2016) y Walter Schmidt (17/05/2016)
19 Vázquez Mantecón (2012, p. 244, nota 76) hace la siguiente aclaración en su libro: “En el curso
de mi investigación no he encontrado más películas en súper 8 que ilustren canciones. Por
aquellos años en otros países, como en España, era muy común hacer cortometrajes que fun-
gían como una especie de precursor del videoclip”.
20 Walter Schmidt y Ricardo Nicolayevsky comentan que desde finales de los setenta se llegó a
proyectar diapositivas o transparencias durante algunas presentaciones en vivo. Sin embargo,
normalmente los foros y los artistas no contaban con los recursos necesarios para que esto
fuera una práctica común.
23 Aparentemente la señal del canal que había sido Con M de música, de Cablevisión, dejó de
transmitirse en 1992. En años posteriores se lanzaron otros dos canales: Ritmoson (1994) y
Bandamax (1996).
24 De hecho se podría decir que el impacto mediático que tuvo el tema principal de la película
de Antonio Serrano, compuesto por Aleks Syntek, marcó el inicio del auge de la industria del
soundtrack en México.
25 También conocido como “Video de la gente”. En 1998 MTV dividió la categoría en “Norte” y
“Sur”; en 2001 agregaría la categoría “Central”, y en 2002 cambiaría las categorías a “North”,
“Pacific” y “Atlantic”. Posteriormente MTV creó otros reconocimientos a artistas latinos desde
sus filial MTV tr3s.
A partir del auge del MP3 a finales de los noventa, y de la ineptitud de muchos
para adaptarse a los cambios, los dosmiles significaron una crisis para los mo-
delos que la industria discográfica había consolidado en las décadas anteriores.
Al mismo tiempo, los desarrollos tecnológicos obligaron a los medios musica-
les a explorar otras formas para atraer al público: aparentemente la televisión
musical “llegaba a su fin”.
Resulta interesante que el 2005, año en que surge YouTube, coincide con
el momento en que algunas televisoras como MTV deciden modificar el diseño
de las plecas de los videos, omitiendo en el proceso el nombre de los directores.
Si bien algunos de los testimonios obtenidos durante esta investigación aluden
a meras cuestiones estéticas o de desidia, otros sugieren que detrás hubo posi-
blemente razones económicas, pues esto limita el que los directores exijan a las
televisoras o a las disqueras cierto tipo de remuneración por la retransmisión
de sus videos.26 De igual forma, otro cambio ocurre en el 2010, cuando MTV
como marca dejó de llamarse Music Television, manteniendo la intención de
crear contenidos para jóvenes, pero reconociendo que el consumo músico-vi-
sual estaba siendo capitalizado por Internet.
Entonces, ¿por qué hablar de una supuesta “crisis”? Porque si bien la
influencia de las televisoras ha disminuido, y la industria discográfica se ha
tenido que reconfigurar, en ningún momento se ha dejado de hacer videoclips.
De hecho el ímpetu del “hazlo tu mismo” que ha acompañado a las herramien-
tas digitales ha abierto nuevas posibilidades – no sólo creativas, sino también
de distribución y de consumo – para los videoclips. Hoy día ya no se está a
expensas de los criterios y censura de una televisora para hacer llegar una pro-
puesta músico-visual al público. Al mismo tiempo, la disminución del control
ha permitido que los realizadores exploren formas un poco más arriesgadas,
mientras que la oferta se ha diversificado ya que no se depende de los canales y
de las disqueras para generar contenidos desde distintos frentes.
26 Lo mismo pasa con Internet: los directores no ven ganancias por la reproducción digital de sus
videos: se les paga por realizar el video, pero los derechos patrimoniales, y por lo tanto todas
las ganancias, son para la disquera. Si bien depende de las cláusulas que se establecen entre el
director del video y la disquera y/o el artista, fue exactamente ese autoritarismo el que motivó
a la Music Video Production Association a presionar para que aparecieran los nombres en los
videos a inicios de los noventa.
A manera de conclusión
27 Ha sido tal el auge de los videoclips de Banda que se venden DVDs piratas que incluyen dece-
nas de ellos junto con algunas versiones de karaoke.
Referencia
Introdução
1 O canal de televisão de Buenos Aires El trece foi fundado em 1960 e, desde 1989, passou
a ser propriedade do Arte Radiotelevisivo Argentino (Artear), vertente do Grupo Clarín de-
dicada à produção e à emissão de vários canais de televisão. Em 2009, foi lançado El trece
Dicen, que quien canta, los males espanta. Y en nuestra familia, todos
cantamos [personagem/ator canta o trecho de uma ária]. Mi nombre es
Antonio Qitapenas. Toni, como me dicen los amigos. [...] Y para nosotros,
los Qitapenas, cantar, es lo que nos permite ser felices unidos y, sobreto-
do, alegres. (QITAPENAS, 2013)
4 Comedia asainetada remete ao gênero teatral espanhol sainete: peça breve, geralmente de um
ato, que se apresentava entre ou ao final da peça teatral principal, abordando temas humorísti-
cos e populares com forte presença “de costumes”. Na Argentina, a transculturação do gênero
deu origem ao chamado sainete criollo, que voltava seu olhar para os costumes das classes
populares, principalmente, advindos dos cortiços, onde vivia a maioria dos imigrantes italianos,
e agregou aos elementos humorísticos do gênero um conflito sentimental e uma ação trágica.
5 Comédia sofisticada possui uma estrutura um pouco “mais sofisticada”, destinada à classe mé-
dia e, por conseguinte, focada na classe média, que por esses motivos é também referida como
comédia de classe média.
6 “Cine de telefonos blancos”: expressão criada para referir às comédias italianas inocentes de
entretenimento fácil propagadas durante o governo fascista de Mussolini, da qual Getino se
apropria para qualificar as comédias argentinas desse período.
por el imaginario que construyen las tiras de Pol-Ka o Telefé (nuestro pú-
blico es muy televisivo, en el mal sentido). Y es un humor paternalista, cos-
tumbrista, grotesco, muy pobre desde un aspecto formal. Y ni qué decir
desde un aspecto reflexivo o político. (FALIERO, 2014)
Estrela de muitas comédias, Natalia Oreiro tem uma visão muito perspicaz
do sucesso do gênero e de seu papel como produto do mercado audiovisual:
7 “Voseo”: uso do pronome “vos” como forma de tratamento, recorrente nos países platinos
Argentina e Uruguai.
Por trás do sucesso de Solamente vos, está, com certeza, o trabalho do produtor
e protagonista da telenovela, Adrián Suar. Filho de argentinos que viviam nos
Estados Unidos, Suar nasceu em Nova York, em 1968, indo com a família para
a Argentina em 1970. Sua carreira na televisão iniciou aos 13 anos, em 1981,
na série El papá de los domingos. A partir de então, atuou em várias produ-
ções televisivas, desenvolvendo uma grande percepção comercial em relação
ao espectador argentino e à produção audiovisual. A carreira de produtor foi
desenvolvida em paralelo à carreira de ator.
Em 1994, Suar fundou, conjuntamente com Fernando Blanco, a Pol-ka
Producciones, para realizar o piloto da série Poliladron: una historia de amor
(1995-1997), apostando em um produto diferenciado para a televisão, que ele
próprio ofereceu a vários canais até conseguir vendê-lo para o Canal Eltrece.
Permanecendo dois anos no ar, Poliladron é atualmente reconhecida como um
ponto de virada na produção televisa argentina. Toda a equipe técnica da pro-
dutora envolvida na produção da série advinha da produção cinematográfica,
8 Desde então, a Pol-ka Produciones vem emplacando vários sucessos tanto na televisão, aberta
e a cabo (séries, minisséries, telenovelas), quanto no cinema. Com mais de 20 anos de uma
vasta atuação no audiovisual argentino, atualmente, é a maior produtora de ficção do país,
estando envolvida em muitos dos maiores sucessos televisivos e cinematográficos argentinos.
Dentre os grandes êxitos cinematográficos realizados pela Pol-ka Producciones, destaca-se El
hijo de la novia (2001), dirigido por Juan Jose Campanella e estrelado por Ricardo Darín, pro-
duzido por Suar juntamente à Patagonik Film Group. O longa-metragem concorreu ao Oscar
de Melhor Filme Estrangeiro e foi o filme argentino de maior bilheteria nacional em 2001.
Desde 2015, assumiu a divisão de vendas da Artear, com o objetivo de promover a expansão
e a projeção global de seus produtos. Atualmente, é a maior produtora de conteúdo ficcional
para televisão – telenovelas, séries e unitários – do país.
9 Uma versão brasileira do filme foi lançada em 2016: Um namorado para minha mulher, adaptada
e dirigida por Julia Rezende, que teve como protagonista a atriz Ingrid Guimarães.
10 Um exemplo notório é a série de filmes Bañeros.
11 Em 2016, foi lançada no México a refilmagem Busco un novio para mi mujer, dirigida por Enrique
Begné e estrelada por Sandra Echeverría e Arath de la Torre, ambos conhecidos atores de
telenovelas mexicanas.
Hay que saber muy bien de qué se trata el programa, a quién va apuntado,
quiénes van a ser los consumidores principales, el género que se busca y
el estilo y sonido al cual se quiere llegar. En segundo lugar, se piensa qué
artista podría interpretar esta canción para poder lograr el objetivo. Y por
último, se trabaja en la música y letra de la canción para poder plasmar
todo y lograr el mejor resultado posible. (VIRZI, 2012)
A cada novo episódio, sempre era esperado o momento em que algum dos
personagens, mas, principalmente, os protagonistas da trama, Aurora e Juan,
desvelariam seus sentimentos ao espectador através de uma canção, utilizando
a letra da música para apresentar ou ilustrar o seu estado de ânimo. Nesses hia-
tos oníricos da narrativa, os personagens da telenovela dublam as canções em
playback, juntamente com os intérpretes famosos, apresentando aos especta-
dores o que seriam os duos imaginários criados pela fantasia dos personagens.
Esse subterfúgio temporal narrativo é comum no gênero musical, pois permite
expandir o tempo da narrativa para que ocorra o número musical, após o qual
a narrativa retorna à sua temporalidade normal.
Muitas vezes, o estopim para o número musical foi colocar na boca de
um dos personagens uma frase da letra de uma música conhecida, como, por
exemplo, quando Juan declara seu amor a Aurora, dizendo: “mi corazón esta
colgando en tus manos”, metáfora que Aurora parece não entender, lançando
ao parceiro uma interjeição sonora de questionamento. Em resposta, ele res-
ponde: “colgando em tus manos”, título da canção do venezuelano Carlos
Baute, como que anunciando a música. Logo na cena seguinte, a música
começa a tocar, Juan está sozinho na sala de estar de seu apartamento, dan-
çando e dublando, quando aparece em cena, igualmente cantando e dançando,
o próprio Baute. Nesse episódio, assim como na maioria dos demais, o can-
tor convidado e os personagens não interagem, sugerindo a demarcação do
limite entre a “realidade” dos personagens e suas fantasias musicais. A atuação
12 Natalia Oreiro, que, além de atriz, é também cantora, recebeu seu primeiro prêmio de melhor
atriz, o Premio Iris, por sua atuação na comédia musical Miss Tacuarembó (2010), de Martín
Sastre.
A receita de sucesso da Solamente vos é bem óbvia: uma comédia romântica fa-
miliar e musical, protagonizada por astros da televisão e do cinema, embalada
por números musicais que não apenas trazem para a narrativa músicas famosas
13 Suar afirma ter tido uma relação conturbada com a política audiovisual do Incaa durante o
governo kirchenirista: “Sufrí bastante el kirchnerismo [...]. No me han hecho el camino fácil”.
(ARROYO, 2016)
14 Nas quatro gestões anteriores do Incaa, durante o período de governo kirchnerista, houve um
crescimento exponencial da produção televisiva e cinematográfica do país e foram realizados
grandes avanços em relação ao setor audiovisual argentino: a declaração do cinema nacional
como indústria, a criação do canal de televisão Incaa TV, o desenvolvimento dos Espaços Incaa
– destinados à exibição de cinema nacional –, a compra do Cine Gaumont, o lançamento da
plataforma on-line de exibição de produções nacionais Odeón e a criação do Ventana Sur –
para promover o mercado cinematográfico latino-americano.
Referências
ARROYO, B. Macri le entregó el Instituto del Cine a Suar y empieza a armar la liga de
los artistas M. Medios. La Politica Online, Buenos Aires, 16 marzo 2016. Disponível
em: <http://www.lapoliticaonline.com/nota/96468/>. Acesso em: 23 mar. 2016.
CARLÓN, M. Metatelevisión: un giro metadiscursivo de la televisión argentina. In:
LACALLE, R. (Coord.). Los formatos de la televisión. Barcelona: Gedisa, 2005.
p. 147-158. (De Signis, n. 7/8).
CASTAÑA, C. El regreso del ladrón: quieren matar al ladrón. CMTV, [Buenos Aires,
1975]. Disponível em: <http://www.cmtv.com.ar/discos_letras/letra.php?bnid=1784&t
mid=60976&tema=QUIEREN_MATAR_AL_LADR%D3N>. Acesso em: 12 abr. 2018.
COTI. Solamente vos: single. CMTV, [Buenos Aires], 2013. Disponível em:
http://cmtv.com.ar/discos_letras/show.php?bnid=78&banda=Coti&DS_
DS=9443&disco=SOLAMENTE_VOS_-_SINGLE. Acesso em: 12 abr. 2018.
EL CINE argentino marcó un récord de taquilla en 2016. Diario Uno, Mendoza, 3 jun.
2016. Disponível em: <http://www.diariouno.com.ar/espectaculos/el-cine-argentino-
marco-un-record-taquilla-2016-20160603-n798563.html>. Acesso em: 12 jun. 2016.
ESCUCHÁ el adelanto de solamente vos, la cortina de la nueva tira de el trece.
Entrevista a Coti Sorokin. El Trece TV, Buenos Aires, 6 nov. [2012]. Disponível em:
<http://www.eltrecetv.com.ar/solamente-vos/escucha-el-adelanto-de-solamente-vos-
la-cortina-de-la-nueva-tira-de-el-trece_056898>. Acesso em: 12 mar. 2016.
FALIERO, M. Películas para doblarse de la risa. 0223, Mar del Plata, 2014. Disponível
em: <http://www.0223.com.ar/nota/2014-9-17-peliculas-para-doblarse-de-la-risa>.
Acesso em: 14 abr. 2016.
FERREIRÓS, H. Entrevista a Adrián Suar. Brando, Buenos Aires, 23 dic. 2008.
Disponível em: <http://www.conexionbrando.com/1081048-entrevista-a-adrian-suar>.
Acesso em: 22 abr. 2016.
GAZZO, W. Nico Repetto, el hombre que le pone música a la ficción en TV. MDZ,
Buenos Aires, 4 Jul. 2012. Disponível em: <https://www.mdzol.com/nota/399168-
nico-repetto-el-hombre-que-le-pone-musica-a-la-ficcion-en-tv/>. Acesso em: 12 abr.
2018.
1 Estamos nos referindo a um desdobramento do gênero da revista de ano do século XIX, que, ao
longo das primeiras décadas do século XX, se encaminhou para o formato da féerie e do show,
privilegiando a música, a fantasia e o corpo da mulher. (VENEZIANO, 1991)
2 Sobre a rejeição dos membros do Chaplin Club ao cinema sonoro, veja Costa (2008, p. 75-84).
3 A ortografia nas citações foi atualizada para melhor compreensão.
4 Alda Garrido e Margarida Max eram grandes estrelas do teatro de revista da época.
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 365
e Paramount em grande gala (Paramount on parade, Dorothy Azner et al., 1930),
respectivamente. Outro sucesso, o filme Broadway (Paul Fejos, 1930) mostrava
já no título a dependência de Hollywood da cena teatral musical nova-iorquina,
numa produção que o crítico anônimo de Cinearte (1930a, p. 28) destacava pela
montagem formidável, pelos “avanços e recuos” da câmera e por “alguns bons
números de música” e “algumas girls interessantes”. De fato, os espectadores
de Broadway devem ter ficado impressionados com os cenários grandiosos, a
coreografia milimétrica e os vigorosos movimentos de câmera, possibilitados
pela enorme grua e pelo gigantesco palco do estúdio.5
Além de números de canto e dança, os primeiros filmes-revista hollywoo-
dianos também possuíam, como no gênero teatral, os chamados sketches
(esquetes) cômicos dialogados, embora sua atração para o público brasileiro
ainda fosse prejudicada pelo “problema linguístico”.6 Mas, em pouco tempo,
as revistas cinematográficas passaram a se preocupar em apresentar para seus
espectadores tramas minimamente mais desenvolvidas, mesmo que fosse um
fiapo de história, quer romântica, policial ou cômica. Mesmo assim, a nar-
rativa ainda era frequentemente tida como mero pretexto para apresentar os
números de revista. De fato, a atração assumidamente principal desses filmes
residia na beleza dos cenários e das coristas, no desfile de astros e celebrida-
des dos palcos e das telas e, sobretudo, no dinamismo e alegria que viriam a
ser considerados característicos do gênero. Sobre As mordedoras (Gold diggers
of Broadway, Roy Del Ruth, 1929), musical da Warner, escreveu o crítico da
Cinearte (1930b, p. 28): “o filme prima pela ligeireza. Tudo é rápido. Diálogos,
planos, apanhados, tudo, enfim [...]. Não somos dos que apreciam o cinema
falado. Mas confessamos, sinceramente, que este filme é uma esplendida diver-
são nesse gênero”.
Nos últimos meses de 1930, porém, o gênero começou a dar sinais de
cansaço junto às plateias cariocas, como revelaria a resenha de Parada das
5 Filme disponível na edição em DVD, pelo selo Criterium, da obra-prima Solidão (Lonesome,
1929), do mesmo diretor Paul Fejos.
6 A dificuldade de compreensão dos diálogos em inglês num momento anterior às primeiras
experiências bem-sucedidas de legendagem fez com que a cópia de O rei do jazz, por exemplo,
tenha sido remontada para exibição no Brasil: “foram suprimidos os sketches falados, todos
eles. Ficaram apenas os cantados e dançados”. (CINEARTE, 1930c, p. 30) Sobre o assunto, veja
Freire (2015).
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 367
(MIRANDA, 2015, p. 38) Além disso, nos palcos dos teatros cariocas, a revista
ainda continuava atraindo o grande público, mantendo sua estrutura de qua-
dros sem ligação clara entre si, equilibrando-se em números de fantasia e as
cenas cômicas. De fato, Coisas nossas trazia não apenas cantores e músicos,
mas também artistas do teatro de revista em esquetes cômicos, como Jararaca
e Ratinho, Genésio Arruda, Batista Júnior, entre outros.
Se as revistas cinematográficas hollywoodianas provavelmente começa-
vam a se repetir e a cansar, a chegada das revistas cinematográficas brasileiras
podia ser responsável por uma renovação do gênero para as plateias locais. Sua
novidade era simples, mas fundamental: diálogos e canções em “brasileiro”.
O elemento carnavalesco
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 369
mais frequente nesses musicais as aventuras e desventuras da própria produ-
ção e encenação de um espetáculo, desenvolvendo o que veio a ser conhecido
como “musical de bastidores”. Além da Cinédia e da Waldow, outros produto-
res brasileiros investiram nesse gênero em meados da década de 1930, podendo
ser citados os longa-metragens Noites cariocas (Luiz de Barros, 1935) e Cidade
mulher (Humberto Mauro, 1936), ambos infelizmente perdidos.
Apesar do sucesso comercial dos “alô, alôs” – que tentaram repetir o glamour
dos musicais hollywoodianos, sobretudo ao contratar os mais caros e famosos
astros da música brasileira, como Carmen Miranda, Mário Reis e Francisco
Alves –, Adhemar Gonzaga tinha pretensões mais elevadas como produtor.
Após Alô, alô, Carnaval, sua produção seguinte, Bonequinha de seda (Oduvaldo
Vianna, 1936), foi definida como um luxuoso “romance musical”, em que a
história de uma gata borralheira modernizada estava em primeiro lugar, sendo
protagonizada por Gilda de Abreu, reunindo numa só pessoa a atriz e a canto-
ra. Pretendia-se um “filme de cinema”, muito mais do que “teatro cinemato-
grafado” ou “filme radiofônico”. A crítica e o público aplaudiram a iniciativa e
consagraram Bonequinha de seda como o maior sucesso da história do cinema
brasileiro até aquele momento.
Bonequinha de seda foi dirigido pelo mais respeitado diretor teatral da
época, Oduvaldo Vianna. Percebemos que, além do disco e do rádio, o teatro
se tornava uma influência cada vez maior para os produtores cinematográ-
ficos brasileiros em busca de filmes com apelo popular e sucesso comercial.
Enquanto o formato da revista musicada foi gradativamente migrando dos
palcos dos teatros para as emissoras radiofônicas e para os grill-rooms dos cas-
sinos – como já demonstrava Alô, alô, Carnaval –, os anos 1930 presenciaram
também o relativo sucesso do teatro ligeiro cômico brasileiro.
Conforme Adriano de Assis Ferreira, o teatro ligeiro cômico surgiu em fins
da década de 1910, inserido no modo de produção teatral hegemônico no Rio
de Janeiro: peças curtas, apresentadas em duas ou três sessões por noite, sem
grandes variações temáticas e formais – permitindo o reaproveitamento de
ideias, cenários e figurinos –, com atores famosos e “[...] uma plateia a quem
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 371
Embora muitos cômicos tenham transitado regularmente entre as revistas
e o teatro ligeiro cômico, o próprio Procópio Ferreira, em um de seus livros,
apontou as diferenças na performance do ator em um e outro gênero:
10 Também Oscarito, astro de revistas nos anos 1930, fez essa distinção na década seguinte: “Na
comédia podemos representar, sem a preocupação da revista, onde somos obrigados a tudo
sacrificar em proveito da graça. Bola em cima de bola, eis o principal em revista”. (MIGUEIS,
1946, p. 6)
11 Em sua crítica ao filme O samba da vida, mesmo fazendo restrições à adaptação cinematográfi-
ca, Raymundo Magalhães Júnior (1937b, p. 5) observou: “Em todo caso, sempre é melhor filmar
uma peça, mesmo com seu desenvolvimento teatral, do que uma tolice sem pés nem cabeças,
como muitas que tem aparecido no nosso cinema”.
12 A refrigeração só começou a se expandir nas melhores salas do Rio de Janeiro após a inaugu-
ração do Cine Metro, em 1936. (FREIRE, 2011b)
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 373
ausência de dez anos nas telas brasileiras – com exceção da participação num
filme português – era que o teatro ocupava todo o seu tempo.13
Apesar de ser considerada um marco na história do chamado “teatro social
brasileiro”, Deus lhe pague não representava uma mudança, mas a culminância
de tendências teatrais e políticas. E para Procópio, “a peça significou um ápice,
que ele nunca ultrapassaria, não um corte ou uma mudança de rumo em sua
carreira”. (PRADO, 1984, p. 45-56) O mendigo de Deus lhe pague cristalizou o
tipo que o ator, com pequenas variações, já vinha desempenhando e continuou
representando dali em diante. Antes, mas, principalmente, depois dessa peça,
Procópio estrelou dezenas de montagens em que os personagens se adequa-
vam a sua personalidade. Não era exatamente o malandro, mas o tipo irônico e
espirituoso, interpretado pelo ator baixinho e narigudo a provocar graça com
suas tiradas sarcásticas, seu olhar vivo e seu sorriso malicioso. Conforme Décio
de Almeida Prado (1984, p. 71), Procópio era imbatível nas cenas a revelar a
hipocrisia alheia:
13 Em entrevista à revista A Cena Muda, Procópio afirmava: “o cinema já me atraiu. [...] Não tive
tempo para continuar minha carreira cinematográfica. [...] Trabalho muito [no teatro]. E tenho
lotações esgotadas”. (MONCORVO, 1941, p. 21)
14 A pesquisa em críticas da época e o material publicitário do filme deixam claro que a direção
do filme Bombonzinho coube a Joracy Camargo, embora praticamente toda a bibliografia sobre
cinema brasileiro credite a direção do filme a Mesquitinha, que sequer fazia parte do elenco
do filme, além de ter dirigido O bobo do rei na mesma época. Possivelmente, o dramaturgo,
posteriormente imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), envergonhado de sua única
experiência na direção de um longa-metragem, tenha renegado seu trabalho, que desapare-
ceu de seus currículos e biografias. Entretanto, é preciso corrigir essa informação, que consta,
inclusive, na base de dados Filmografia Brasileira, da Cinemateca Brasileira. A origem da confu-
são talvez esteja no livro pioneiro de Alex Viany (1959, p. 189), que já creditava a Mesquitinha a
direção de Bombonzinho. Portanto, podemos dizer que, em 1967, Joracy Camargo foi o primei-
ro cineasta a ser eleito para a ABL, quase 40 anos antes de Nelson Pereira dos Santos também
se tornar acadêmico.
15 Para esta pesquisa, utilizamos uma cópia em vídeo do filme, feita a partir da versão reconstruí-
da de O samba da vida, lançada pela Cinédia em 1981. Essa cópia claramente apresenta algumas
cenas em ordem invertida. Além disso, alguns números musicais mencionados na imprensa da
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 375
que estreou pela Companhia Procópio Ferreira, nos palcos de São Paulo, em
1935. No ano seguinte, a peça foi remontada no Rio de Janeiro, agora com
Darcy Cazarré no papel principal. Escrita pelo ator português Eurico Silva – o
galã de Deus lhe pague –, a peça trazia mais um papel feito sob medida para
Procópio, dessa vez o do “ladrão filósofo” Pedro Paulo. Como nos demais
filmes citados, na adaptação dessa peça para o cinema, o personagem coube a
outro astro cômico que não o sempre ocupado Procópio, sendo interpretado
por Jayme Costa.
O samba da vida costuma ser mais lembrado pelo fato de seu diretor ter
concluído as filmagens antes do previsto, conseguindo realizar um segundo
filme, Tereré não resolve (1938), no prazo de apenas uma semana, com restos de
negativo e praticamente a mesma equipe, elenco e equipamentos do primei-
ro.16 Devido ao caráter improvisado dessa produção, feita especialmente para
ser lançada no Carnaval de 1938, Luiz de Barros (1978, p. 137) considerou Tereré
não resolve como sua primeira chanchada. Alguns pesquisadores concordaram
com essa perspectiva, identificando ainda a auto ironia, a assumida precarie-
dade e a comicidade debochada de Tereré não resolve com marcas fundamen-
tais das chanchadas posteriores.17
Já O samba da vida, uma produção mais cuidadosa e lançada em outubro
de 1937, coloca-se distante do improviso da chanchada e do filme carnavalesco.
Ao mesmo tempo em que é uma adaptação relativamente fiel do texto teatral,
a versão cinematográfica tem cenas, personagens e, sobretudo, números musi-
cais que não existiam originalmente em Frederico Segundo. A peça cômica no
cinema aproximou-se do filme-revista.
Nossa análise se deterá sobre O samba da vida, buscando perceber como
esse filme se situava diante da voga de adaptações de sucessos do teatro
cômico pelo cinema brasileiro, equilibrando-se entre a comédia e o musical.
época aparentemente não estão presentes nessa versão, tais como “Caçador de esmeraldas”
e “Marqueza de Santos”. Essa cópia possui 94 minutos de duração.
16 Nas memórias de Luiz de Barros (1978, p. 137), pela edição cronológica de seu depoimento, o
leitor tem a impressão de que Tereré não resolve foi realizado com as sobras de Maridinho de
luxo. Mas Alice Gonzaga (1987, p. 71) deixa claro, em seu estudo, que se tratou de uma produ-
ção feita na esteira de O samba da vida.
17 Luciana Corrêa de Araújo (2006, p. 71) considera o filme “uma espécie de elo de ligação entre
os filmes carnavalescos anteriores, como Alô, Alô, carnaval, e a chanchada como ela se conso-
lida a partir dos anos 1940 [...]”.
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 377
para capturar o próprio Pedro Paulo; e, por fim, o confronto com o verdadeiro
Coronel, que retorna a sua casa. O humor advém dos mal-entendidos, resolvidos
sempre de forma criativa pelo ladrão metido a filósofo, e de seus comentários
espirituosos a respeito das mais esdrúxulas situações.
Comédia despretensiosa, Frederico Segundo é uma peça em três atos,
sendo o primeiro divido em dois quadros, evoluindo cronologicamente no
cenário único da mansão do Coronel, uma “suntuosa habitação na Tijuca”.
(SILVA, 1936, p. 1) Com pouca ação física, trata-se de um texto que, na linha-
gem de Deus lhe pague, apoia-se nos diálogos como fonte de sua comicidade.
Demonstrando seu amor pelas máximas, trocadilhos e jogos de palavra, a peça
de Eurico Silva inseria-se na trilha do “teatro de frases”, consagrado por Joracy
Camargo. (PRADO, 1984, p. 47-48)
Além de piadas,18 o texto traz devaneios filosóficos cuja graça provém jus-
tamente da boca de quem eram proferidos: um ladrão absolutamente cínico.
Assim, a peça seguia o perfil consagrado dos textos feitos sob medida para
Procópio, do vagabundo filósofo de O bobo do rei, passando pelo mendigo
filósofo de Deus lhe pague, chegava-se ao ladrão filósofo de Frederico Segundo.
Como o Pinguim de O bobo do rei, favelado que conseguia trabalho como secre-
tário de um milionário usineiro, agindo como uma espécie de bobo da corte do
“Rei do Açúcar” (CAMARGO, 1932), Pedro Paulo também tira proveito de sua
excepcional condição – um ladrão no lugar de um milionário – para destilar
seu cinismo, que revela, porém, um visão franca e honesta da realidade como
resultado do insólito das situações. Ladrão assumido e descarado, Pedro Paulo
também se aproxima do adúltero profissional Agapito, de Bombonzinho, orgu-
lhoso de suas vigarices elaboradas com rigor matemático: “Armo as minhas
piratarias como se arma uma equação”. (CORREA, 1931)
A adaptação cinematográfica O samba da vida segue bem de perto a trama
de Frederico Segundo: a narrativa evolui na mesma cronologia, o cenário prin-
cipal permanece sendo a residência do Coronel e o diálogo, em grande parte,
é o mesmo. Entretanto, em todas as cenas que se constituem em adaptações
bastante fiéis do texto original, O samba da vida busca fugir de uma suposta
18 Por exemplo, na conversa entre o ladrão e sua mulher: “Pedro: Decididamente, eu nasci para
capitalista. / Mathilde: Só te falta uma coisa. / Pedro: O que? / Mathilde: O capital”. (SILVA,
1936, p. 39)
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 379
vemos em O samba da vida e do que foi a recepção da crítica ao filme de Luiz
de Barros em outubro de 1937. Na produção da Cinédia, o dinamismo no posi-
cionamento da câmera – incluindo vários close ups – mereceu o elogio do crí-
tico Mário Nunes (1937, p. 16) no Jornal do Brasil: “A direção esforçou-se por
evitar a teatralidade, preocupou-se com o atrativo dos ângulos rebuscados, e
foi, de um modo geral, feliz”. Embora alguns críticos ainda tenham feito res-
trições aos “vícios da linguagem do palco” (LIMA, 1937c, p. 5), a resenha de
O Globo reproduziu a opinião da maioria: “Neste ponto, entre, por exemplo,
‘Bobo do rei’ e ‘Samba’, há pelo menos um século de direção...”. (E. L., 1937, p. 5)
A mesma comparação foi feita dois anos mais tarde, num artigo de Raymundo
Magalhães Júnior (1939, p. 5) sobre a voga de filmes baseados em textos tea-
trais. Nele, o crítico lamentava como filmes como O bobo do rei e Bombonzinho
ressentiram-se da falta de adaptação para o cinema. Já O samba da vida, ele
escrevia ironicamente, “[...] foi adaptada demais...”.
Vale destacar que O samba da vida está inserido num contexto do cinema
brasileiro em que, diante do maior domínio sobre a gravação sincrônica do som
à imagem, alguns diretores de maior pretensão buscaram criar obras que reto-
massem a linguagem mais dinâmica do cinema silencioso após a fase dos filmes
“teatrais” e “radiofônicos” do início do cinema sonoro. A imprensa notava, em
especial, uma espécie de “Fla x Flu” entre Oduvaldo Vianna e Raul Roulien, com
Bonequinha de seda (1936), produzido por Gonzaga, e O grito da mocidade (1937),
dirigido e produzido por Roulien. Em meio a essa disputa, Luiz de Barros (ou
Lulu de Barros) também buscou mostrar seu valor com O samba da vida, contando
com os mesmos estúdios e equipamentos da Cinédia que Oduvaldo Vianna usara,
assim como o mesmo diretor de fotografia, o competente Edgar Brasil.19
Na análise que fez de O samba da vida em seu estudo sobre o fotógrafo
Edgar Brasil, o pesquisador Hernani Heffner (1988, p. 147-148) destacou a
19 Hernani Heffner (1988, p. 137-138) ressaltou como Luiz de Barros, “depois de muitos anos
sendo malhado em virtude de seu estilo apressado e aproveitador de fazer cinema”, viveu uma
breve lua de mel com a crítica com a boa recepção a O jovem tataravô (1936) e O samba da vida
(1937). Essa “melhoria súbita” teria sido resultado de um maior compromisso do cineasta após
ser efetivado como diretor contratado da Cinédia, além dos maiores recursos que lhe foram
colocados à disposição. Entre eles, destacavam-se os equipamentos adquiridos por Gonzaga
entre 1935 e 1936, entre os quais, novos refletores modernos, além de reveladora e copiadora
profissionais, que melhoraram muito a qualidade no processamento dos filmes. (HEFFNER,
1988, p. 101-102)
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 381
João, interpretado pelo igualmente talentoso comediante Manoelino Teixeira.
Na atenta avaliação de Pedro Lima, o protagonista Jayme Costa “toma conta do
público e é o maior responsável pelo agrado do filme”. (LIMA, 1937c, p. 5)
Outro aspecto a ser destacado em relação ao abundante uso de recursos
cinematográficos – que incluem até a grua apelidada de “dinossauro”, cons-
truída por Edgar Brasil para Bonequinha de seda – é o desejo de apresentar um
filme que rejeite a imagem de pobreza e precariedade do cinema brasileiro –
simbolizada cada vez mais pelas apressadas chanchadas carnavalescas –, espe-
cialmente em contraste com Hollywood.
Se muito se comenta sobre o fato de Tereré não resolve ter sido feito com as
sobras de O samba da vida, pouco se analisa o fato de O samba da vida ter tido
recursos abundantes e mais do que suficientes para sua produção – algo certa-
mente raro em qualquer momento da história do cinema brasileiro. A trama da
invasão de uma mansão enseja a exibição do talento do cenógrafo Hippolito
Collomb, responsável por criar, em estúdio, aposentos ricos e luxuosos, com lindas
estatuetas, quadros e vasos, além de um piano de cauda e longa escadaria. A maior
parte das cenas ocorre na espaçosa sala de estar, que chega a demandar da câmera
um longo movimento panorâmico para conseguir abarcá-la num único plano.
Seguindo essa ostentação visual, porém, o filme cria certas incongruên-
cias. No lugar de ressaltar o contraste da família de ladrões pobretões com o
luxuoso ambiente, O samba da vida parece promover um refinamento de seus
personagens. Apesar de interpretada pela mesma Belmira de Almeida que tam-
bém fez a personagem nos palcos, a Mathilde da adaptação cinematográfica
tem pouco do “tipo de mulher de subúrbio, desajeitada, grosseira” indicado
no texto da peça. (SILVA, 1936, p. 12) Assim, Frederico Segundo, peça inteira-
mente passada numa mansão, serve de adequada matéria-prima para um filme
da Cinédia, que, ao longo dos anos 1930, perseguiu o ideal de uma cinema
brasileiro sofisticado, refletido em cenários e personagens ricos, modernos e
luxuosos como se vê de Lábios sem beijos (Humberto Mauro, 1930) a Romance
proibido (Adhemar Gonzaga, 1944) e também nas fotos de cena dos filmes, hoje
perdidos, da Sonofilms.22
22 Uma observação interessante é que, para o filme O bobo do rei, foi criada uma introdução
inexistente na peça para mostrar uma batucada no Morro do Querosene, de onde vem o per-
sonagem Pinguim – algo apenas mencionado no texto teatral. Em uma foto de cena dessa
sequência – preservada no Acervo Pedro Lima, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro –,
A mais evidente diferença do filme de Luiz de Barros para a peça original está
na criação de uma nova personagem, uma segunda filha para Pedro Paulo.
Além da loira Geni (Maria Amaro), dançarina num dancing, O samba da vida
apresenta a morena Heloísa (Heloísa Helena), bailarina coadjuvante num filme
musical rodado no próprio filme.
É justamente através de Heloísa que o filme apresenta suas principais
mudanças em relação ao texto teatral. Em sua primeira parte, a persona-
gem praticamente não contracena com o núcleo principal da história (Pedro,
Mathilde e João) e as cenas criadas para ela servem justamente para interrom-
per a evolução cronológica do enredo concentrada no cenário da mansão,
criando, assim, duas linhas narrativas paralelas e alternadas. Vamos analisar,
portanto, as cenas criadas especialmente para o filme, centradas na persona-
gem da candidata a estrela de cinema.
A primeira cena com Heloísa, além da chegada dela à casa, ocorre, no
filme, imediatamente em seguida ao que seria, na peça, o fim do primeiro qua-
dro, com a definitiva instalação da família no palacete. A “cortina” da peça é,
inclusive, reproduzida no cinema através de um efeito fotográfico. Heloísa está
chama atenção o realismo dos casebres e do grande número de figurantes que interpretam
moradores da favela. Após essa breve introdução, porém, o filme voltava-se inteiramente para
os interiores da luxuosa mansão do Rei do Açúcar, totalmente construídos em estúdio, embora
com cenas como a da piscina, filmadas em locação. O retrato mais realista da favela no início
de O bobo do rei – assim como em Favela dos meus amores (1935), de Humberto Mauro – são
exceções no tratamento desse cenário pelo cinema brasileiro da época. Sobre a representação
das favelas nas comédias musicais dos anos 1930 a 1960, veja Freire e Freire (2018).
23 Sobre as superproduções no cinema brasileiro dos anos 1930, veja Freire (2011a, p. 270-278).
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 383
entristecida no set de filmagem de um filme musical, dialogando com Carlos
(Orlando Britto), o jovem diretor do estúdio, revelando ter um problema em
casa, mas sem revelar qual é. Em seguida, tem início a filmagem de um número
musical dirigido por um cineasta de sotaque lusitano (José Soares) usando
monóculo no estilo de Erich Von Stroheim. Trata-se de “maracatu” (capiba),
um número folclórico com cangaceiros e escravos estilizados. Luiz de Barros
faz uso da relativa amplidão do palco de filmagem da Cinédia e da mobilidade
da grua, buscando efeitos caleidoscópios a la Busby Berkeley, mas o pequeno
número de dançarinos – entre os quais, a personagem Heloísa – e a banalidade
da coreografia os deixam pouco expressivos visualmente.24
Posteriormente, outra cena na mansão é interrompida, quando o filme
retorna para o cenário do estúdio de cinema. Dessa vez, Heloísa conversa com
outras bailarinas num intervalo de filmagem. As amigas pedem para Heloísa
cantar e, numa absoluta falta de sincronia, ela “toca” o piano e interpreta “Eu
canto samba”. A moça encanta a todos, que param para ouvi-la, até ser inter-
rompida por Carlos. Juntos, saem para tomar chá. Ao piano novamente, ela
canta a música-título, “O samba da vida” (Walfrido Silva), especialmente para
Carlos. Posteriormente, o diretor do estúdio deixa Heloísa de carro na man-
são e as duas irmãs se cruzam na escada, no que é, praticamente, a primeira
junção das duas linhas narrativas. Geni, vestida de preto, chama Heloísa, de
roupa branca, de a “certinha da casa”, esboçando uma oposição e uma rivali-
dade entre ambas, o que não é explorado dramaticamente no restante do filme.
A próxima sequência com Heloísa é incluída novamente no que, na peça,
era uma cena contínua, do encontro de Pedro Paulo com o policial Rodrigo
da Fonseca, interessado em alugar o andar superior da mansão como parte
do plano para capturar o ladrão que, na verdade, está a sua frente. Heloísa
está no escritório da produtora quando Carlos, subitamente, pede sua mão
em casamento. Ela recusa, dizendo que o ama, mas não pode se casar com ele.
A conversa, porém, é interrompida pelo assistente chamando para o início da
filmagem. Dessa vez, o número musical é o samba “Luar do morro” (Walfrido
Silva e Sinval Silva), interpretado por Odette Amaral. Trata-se do número musi-
cal mais interessante do filme – e mais elogiado pela crítica –, com sua favela
24 Segundo informações na imprensa da época, o número musical era estrelado por Ordélia de
Carvalho, mas que interpretava em play back, pois a voz seria da cantora Maria Costa Pereira.
25 Há de se imaginar o que esse papel não renderia nas mãos de um grande ator como Oscarito,
bastando comparar o tipo abobalhado, semelhante ao de Frederico Pinhões, que ele interpreta
na chanchada carnavalesca Está tudo aí (Mesquitinha, 1939).
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 385
cineastas. O desempenho de Heloísa Helena em O samba da vida só não é pior
do que o de seu companheiro de cena, o inexpressivo Orlando Britto. Por outro
lado, a crítica da época não foi tão severa com o desempenho de Heloísa Helena
– cantora já conhecida, mas estreante nas telas –, implicando mais com o exa-
gero de suas “pestanas postiças”, notado nos vários close ups da estrela.26
A “irmã” de Heloísa, a mais experiente Maria Amaro, tem um desempenho
igualmente fraco, mesmo que contracenando com um mais esforçado Rodolfo
Mayer, no papel de Alberto, filho do Coronel Magalhães. Enquanto, na peça,
Geni tem um lado mais cômico ao se afeiçoar ao abobalhado Frederico Pinhões
e fugir do arrogante Alberto, no filme, o que era um triângulo amoroso se
resume apenas à conquista dela pelo personagem de Mayer.
O que torna ainda pior a introdução da personagem Heloísa no filme é que
ela serve claramente a uma função moralizante, sendo responsável por dotar
a família de Pedro Paulo, originalmente cúmplice despreocupada na invasão à
mansão, de um elemento com dor na consciência. Afinal, era a carreira crimi-
nosa do pai que a impedia de ser feliz num casamento com um homem hon-
rado e honesto que ela amava, o produtor cinematográfico. De um melodrama
falso e exagerado, a filhinha “certinha” contamina até o desempenho de Jayme
Costa, obrigado a fazer um discurso de reconciliação. Diante da revelação do
sofrimento de Heloísa, que fugiu de casa envergonhada da família, o ladrão se
arrepende dos crimes ao falar com a filha:
E o que sabe você da minha vida? A vida que eu levo... É o raciocínio que
faz você censurar a vida que eu levo. Mas quando você era pequenina,
não raciocinava quando tinha fome. Chorava! Você precisava comer. Você
e sua irmã. ‘Para os meus filhos não passarem fome, sou até capaz de
roubar’, dizem todos... Vocês estavam passando fome. Por que não havia
de fazer o que todos dizem. Não sou tão culpado como você pensa. Não
me arrependo de nada. Tudo que fiz foi para dar um pouco de conforto a
vocês. Entretanto, se a vida que tenho levado vai impedir a sua felicidade,
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 387
ladrão farsante. Essa espécie de regeneração do ladrão, criada para o filme, é
resolvida de uma forma criativa na conclusão da cena. Assim, em sua partida,
Pedro Paulo e Mathilde são surpreendidos por dois pedidos de casamento: de
Alberto para Geni, e de Carlos para Heloísa, este último reconhecendo que os
“filhos não são responsáveis pelos erros dos pais”. De forma malandra e respei-
tando a personalidade cínica do personagem, Pedro anuncia que Heloísa e seu
noivo não precisarão mais se preocupar com sua carreira no crime:
Pode ficar descansado. Vou me aposentar. Tenho certo que meus queridos
genros vão comprar um sitiozinho para mim em Jacarepaguá, onde vou
fazer uma criação de patos, galinhas. O galinheiro quem constrói sou eu
que tenho pavor de ladrões de galinha. (O SAMBA..., 1937)
27 A qualidade dos números de revista foi criticada para Pedro Lima, para quem eles seriam “pou-
co fotogênicos e até de mau gosto”. O número final, em particular, pareceria um “quadro banal
de revista de teatro mambembe ou de carros alegóricos de carnaval”. (LIMA, 1937c, p. 5)
Referências
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 389
CORREA, V. Bombozinho. Rio de Janeiro: Acervo da Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais, 1931.
COSTA, F. M. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. p. 75-84.
DRUMMOND, W. A crítica dos fans: “O bobo do rei”. Imparcial, Rio de Janeiro,
n. 661, p. 15, 21 jul. 1937.
E. L. O samba da vida. O Globo, Rio de Janeiro, p. 5, 28 out. 1937.
FERREIRA, A. A. Teatro ligeiro cômico no Rio de Janeiro: a década de 1930. 2010.
391 f. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
FREIRE, L. L.; FREIRE, R. L. As favelas cariocas nas chanchadas: de berço do samba a
problema público. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, 2018 (no prelo).
FREIRE, R. L. Carnaval, mistério e gangsters: o filme policial no Brasil (1915-1951).
2011. 504 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Instituto de Arte e Comunicação
Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011a.
FREIRE, R. L. Da geração de eletricidade aos divertimentos elétricos: a trajetória
empresarial de Alberto Byington Jr. antes da produção de filmes. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 26, n. 51, p. 113-131, jan./jun. 2013.
FREIRE, R. L. O “conforto moderno”: a refrigeração nas salas de cinema do Rio de
Janeiro na primeira metade do século XX. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 5, p. 303-320, 2011b.
FREIRE, R. L. O início da legendagem de filmes no Brasil. Matrizes, São Paulo, v. 9,
n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2015.
GONZAGA, A. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1987.
HEFFNER, H. Edgar Brasil, um ensaio biográfico: aspectos da evolução técnica e
econômica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1988.
LIMA, P. Bombomzinho. Diário da noite, Rio de Janeiro, n. 3048, p. 5, 30 set. 1937a.
LIMA, P. O bobo do rei. Diário da Noite, Rio de Janeiro, n. 2988, p. 5, 22 jul. 1937b.
LIMA, P. O samba da vida. Diário da Noite, Rio de Janeiro, n. 3071, p. 5, 27 out. 1937c.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. O bobo do rei, film nacional, no Rex. A Noite, Rio de
Janeiro, n. 9129, p. 5, 12 jul. 1937a.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. O samba da vida – film nacional – Alhambra. A Noite, Rio
de Janeiro, n. 9236, p. 5, 27 out. 1937b.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. A contribuição do teatro ao cinema. A Noite, Rio de
Janeiro, n. 9869, p. 5, 1 ago. 1939.
O samba da vida: o cinema brasileiro dos anos 1930 entre o teatro cômico e a revista musicada 391
Chamam-me ébrio! Ébrio...
O melodrama musical de Gilda de Abreu
e Vicente Celestino
Em sua coluna habitual, escrevia o crítico Ruy Castro que, no ano de 2016,
muitos anos redondos se comemorariam: em 1946, ano em que O ébrio che-
gava às telas do cinema, lançava-se “Copacabana”, de Braguinha e Alberto
Ribeiro; “Baião”, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, “Les Feuilles Mortes”,
de Joseph Kosma e Jacques Prévert; “Ornithology”, de Charlie Parker; “Adiós,
Pampa Mia”, de Francisco Canaro. “Todos completarão setentinha”, comen-
tava. Na relação dos lançamentos de 1936 – há 80 anos, portanto –, figura
“O ébrio”, em disco. (CASTRO, 2016)
Muitos serão os registros, elaborados com maior ou menor rigor científico,
sobre o êxito do filme. O sucesso estrondoso do longa-metragem é susten-
tado por vários autores. Segundo Maria Rita Galvão e Carlos Roberto de Souza
(1997, p. 484 apud MACHADO, 2016, p. 41), o filme O ébrio constituiu “um dos
maiores sucessos que o cinema brasileiro já conheceu em toda a sua história”.
Estatísticas diversas afirmam que O ébrio, protagonizado por Celestino e diri-
gido por Gilda de Abreu, foi líder absoluto de audiência por mais de 30 anos,1
até o lançamento de Dona Flor e seus dois maridos (1976). Segundo a página da
Cinédia, O ébrio ultrapassou generosamente a bilheteria de Farrapo humano
(The lost weekend, Billy Wilder, 1945), outro filme cujo argumento também
associava à bebida a decadência de um homem.
Na verdade, a existência do longa-metragem se deve ao grande êxito da
canção homônima composta por Celestino, gravada primeira vez em 1936.
A partir do enredo da canção, o autor desenvolveu o roteiro para o teatro, que
chegou aos palcos em 1941 e ao cinema em 1946.2 (MACHADO, 2016, p. 51)
Anos mais tarde, teve sua entrada na televisão, protagonizada por Pedro Nóvoa,
na TV Excelsior (1965-1966).3 Aqui, Celestino faria uma pequena participação.
O curioso é que se trata, aparentemente, de um fato isolado, pois o sucesso
da década de 1930 girou em torno da Cinédia, em cujos estúdios firmaram-se as
diferentes fórmulas de comédia que sustentariam o cinema brasileiro durante
quase 20 anos. Sobre esse respeito, José Ramos Tinhorão destaca a importân-
cia da ação de Luís Severiano Ribeiro, proprietário de uma rede nacional de
cinemas, que comprou a Companhia Atlântica em 1947. Concebida para lançar
1 Apenas para citar algumas referências, menciona-se Mauro Baladi (2013, p. 548): “Estima-se
que O ébrio tenha sido visto por 12 milhões de pessoas”. Adhemar Gonzaga e Paulo Emílio
Salles Gomes, em 70 anos de cinema brasileiro (1966, p. 88), comentam: “A década de 30 girou
em torno da Cinédia, em cujos estúdios firmaram-se as diferentes fórmulas de comédia que
alimentarão nosso cinema durante quase vinte anos. Apesar do interesse e comunicabilidade
de Bonequinha de Seda, de Oduvaldo Viana Filho, esse tipo de comédia ligeira não foi tentado
muitas vezes entre nós. Tampouco o melodrama musical não fez escola – embora tenha sido
prodigioso e duradouro o êxito popular de O Ébrio, de Vicente Celestino e Gilda de Abreu”.
Mais adiante, a informação é reforçada: “O Ébrio, de Vicente Celestino, direção de Gilda de
Abreu. É um filme da Cinédia que há vinte anos está em cartaz. É o filme brasileiro de que mais
cópias se tiraram”. (GONZAGA; GOMES, 1966, p. 106)
2 Produção de Adhemar Gonzaga. Direção: Gilda de Abreu; com Vicente Celestino, Alice
Archambeau, Rodolfo Arena, Victor Drummond, Manoel Vieira, Walter D’Ávila, Júlia Dias,
Arlete Lester, José Mafra, Isabel de Barros, Antônia Marzullo, Manoel Rocha, Jacy de Oliveira.
Ano: 1946. Preto e branco, 115 min. (CINE NACIONAL, 2015)
3 Direção: José Castellar e Heloisa Castellar. A novela foi ao ar no horário das 20h, com 75 capí-
tulos. As músicas originais de Vicente Celestino foram regravadas pelo maestro Osmar Milani.
(O ÉBRIO, 2013)
4 Durante o período de 1933 a 1949, predomina a chanchada. Afirma Mary Eunice Mendonça
(1995, p. 22): “Realmente, os filmes de Gilda de Abreu foram exceções na medida em que o
melodrama musical não chegou a fazer escola no Brasil daquele período”.
5 Conforme consta da página da Cinédia, produtora do filme.
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 395
[...] em agosto de 1946 a Conferência de Paz inaugurada em Paris pou-
co depois dos testes com bombas atômicas no atol de Bikini, discutia as
fronteiras da Itália; na Alemanha encerravam-se os depoimentos do tribu-
nal de Nuremberg, que se iniciara em novembro do ano anterior; no Japão
continuavam o julgamento dos crimes de guerra no Tribunal de Tóquio,
aberto pouco depois das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki em agos-
to do ano anterior; em Moscou o Comitê Central do Partido Comunista
proibia a exibição da segunda parte de Ivan Grozny (Ivan, o terrível) de
Eisenstein. (AVELAR, 1982, grifo do autor)
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 397
é produzido pelo povo, mas pelo que o povo consome, suas apropriações, seus
hábitos de leitura, audição, diversão.7
É nesse contexto que o autor propõe a noção de “mediações culturais”, ins-
tâncias que se situam entre a produção e a recepção, espaço em que a cultura
cotidiana se dinamiza. Segundo Martín-Barbero, as mediações dizem respeito
aos contextos e às distintas formas através das quais os indivíduos se constituem
em sociedade, trazendo para o centro do debate elementos das culturas popula-
res urbanas – a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência
cultural–, que dialogariam e negociariam sentidos com os meios massivos.
Dialogando com Certeau (1994) e os estudos culturais britânicos, Martín-
Barbero percebe o cotidiano como lócus possível de apreensão das mediações,
dos usos e das apropriações que os receptores fazem do que lhes é dado pelos
meios de comunicação, em formas possíveis de resistência ou improvisação
que as “maneiras de fazer” informais, não organizadas e dispersas em fragmen-
tos que a vida de todo dia esboça.
Para uma compreensão do quanto se fazem presentes na cultura massiva
as matrizes culturais de outros tempos e articuladas à cultura popular, Martín-
Barbero faz uma reflexão sobre os folhetins e o melodrama como elementos que
nos ajudam a compreender a presença do popular – de maneiras transformadas
– na cultura massiva, seja no cinema, nas canções românticas, nas telenovelas.
Tendo origem no teatro do século XVIII –embora fosse mais do que isso–,
como expressão cantada dedicada à expressão violenta ou exagerada dos sen-
timentos, o melodrama atravessou séculos e se mostra presente hoje como
gênero/estilo ou como matriz cultural. (MARTÍN-BARBERO, 1997) Ao falar
em “matriz cultural”, refere-se o autor àqueles aspectos culturais de longa
duração que têm origem no passado, mas se conservam no presente de manei-
ras diferenciadas e híbridas, articulando processos de identificação.
O melodrama se mostra atuante em narrativas do cinema, literatura e na
canção, mais propriamente nas chamadas “canções românticas”, que falam
7 Isso demonstra as ressonâncias dos trabalhos dos estudos culturais britânicos (e a noção
gramsciana de cultura) em sua reflexão, os quais tomavam como eixo conceitual uma ideia
de cultura desprendida da sua tradição elitista e traziam para o centro do debate as práticas
cotidianas. Uma noção, assim, que superava as concepções de certa leitura marxista que viam
a cultura como mera determinação daquilo que adviria das bases materiais (superestrutura
versus infraestrutura), vendo no campo da cultura apenas lugar da abstração e, portanto, de
propagação de ideologia e alienação.
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 399
end, em que a vítima vence o repressor e o bem triunfa; visual grandioso e
extravagância nos efeitos cênicos; a presença e a vinculação com a música para
o transcurso do espetáculo e para a costura e ênfase das cenas, narrativas e
personagens e clímax.
Valendo-se de estratégias que apelavam para a sensibilização do público
com temáticas universais e arquetípicas – amor, ódio, dever, honestidade,
segredos, mistérios, num jogo de polarizações entre bem/mal, ricos/pobres,
justo/injusto, vítimas/vilões, felicidade/tristeza –, esses espetáculos propor-
cionavam a possibilidade de as classes populares verem encenadas suas emo-
ções com extravagância e jocosidade. O melodrama era um espetáculo que fazia
menos uso das palavras e mais das ações e das grandes paixões, exagerando nos
gestos, o que adiciona um forte sabor emocional. Isso ocorria precisamente
num momento em que as elites buscavam a educação dos sentidos. Esse pro-
cesso civilizatório se valia de estratégias como a interiorização das emoções e o
controle dos sentimentos em favor da razão.
No caso d’O ébrio, o personagem Dr. Gilberto Silva é exemplar: honesto,
generoso, caridoso, esforçado; sobreviveu a uma tragédia familiar (falência) e
soube superar-se. Vagava pelas ruas desconhecidas. Até fome passou. Todas as
portas estavam fechadas para ele. Rejeitado pelos familiares, depois de tan-
tos tormentos, encontra uma porta aberta: a igreja. Conta ao padre que o pai
perdeu a fazenda por ter confiado em embusteiros. Teve de vender tudo para
pagar as dívidas. Depois, foi viver de favor na casa de antigos empregados.
Com isso, o sonho de Gilberto de se tornar médico foi interrompido. Sabendo
das dificuldades financeiras da igreja, candidata-se num concurso da rádio e
o vence. O prêmio em dinheiro é entregue ao padre. Uma parte da soma seria
suficiente para concluir seus estudos de medicina. Sensibilizado por Luísa,
menina aleijada e que, por esse motivo, não pode brincar como uma criança
normal, promete curá-la assim que se tornar médico. E assim cumpre sua pro-
messa: aos 33 minutos do longa-metragem, Luísa adentra o centro cirúrgico,
acompanhada por Marieta, a enfermeira dedicada (que posteriormente muda-
ria de atitude e caráter). Luísa não tem medo, só quer a boneca... E pede a
Marieta que tome conta da boneca enquanto ela estiver dormindo... A cirurgia
é um grande sucesso, a menina fica curada e, claro, tal proeza repercute de
modo a erguê-lo em sua carreira profissional. Surge o notável médico Gilberto
Silva, cirurgião respeitado pela sociedade.
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 401
Então vamos! É tão fácil trocar de lugar com ele! É só trocar a roupa. Todos
pensarão que morreste. E Assim ficarás livre para poder esquecer... Vamos!”.
Nasce o ébrio, que procura afogar no álcool a sua dor sem remédio. E assim
passa a vida, solitário, aguardando o momento de descansar na “morada final”.
Dois anos após, maltrapilho e com a barba por fazer, Gilberto encontra
outro ébrio, Pedro Cruz. Tornam-se amigos momentâneos e descobrem, após
algumas palavras, que tinham uma história de vida semelhante. Pedro Cruz
havia sido palhaço, “palhaço mais querido e mais endiabrado do mundo”.
Havia viajado por toda parte e, depois de traído pela mulher, entrou em deca-
dência. Após a morte da “pequenina boneca de carne”, “desceu a passos de
gigante a escada da decadência”.
No bar do Manuel de Jesus, local frequentado por gente briguenta,
enquanto os amigos relatam os dramas pessoais, adentram, subitamente, dois
casais muito esnobes, em trajes de gala, e pedem “garrafa de branquinha, e da
boa”. As mulheres comentam que o lugar é horrível, e um dos homens retruca:
“Você não quer um assunto para o seu novo livro? Pois então você o encontrará
aqui”. Chamam Silva e lhe oferecem a garrafa, caso ele lhes conte a sua história.
Nos últimos dez minutos do filme, aparecem alguns personagens-chave:
Lola aparece no bar e vê Silva cantando “O ébrio”, acompanhado do regional de
choro que havia entrado minutos antes. Pouco depois, chega Marieta, que se
oferece para trabalhar em troca de comida. A Lola conta que o primo José tam-
bém lhe aplicou o golpe, viajando para os Estados Unidos com todo o dinheiro.
Deixou-lhe uma carta e arrependimento. Lola comenta: “Como é estranho o
destino... Reúne, sob o mesmo teto, as três vítimas do mesmo homem. Eu sei
que minha culpa para consigo não tem perdão, mas seria em parte atenuada se
eu lhe dissesse que seu marido ainda vive?”.
Marieta quer falar com o marido. Pede a intervenção de Pedro, que a
cutuca: “Se a senhora sabia que seu marido era nobre, por que o afastou ao
vício e à desgraça?”. Marieta quer remediar a culpa. Ao se aproximar, fica de
joelhos chora: “Perdoa!”. Gilberto põe a mão sobre a cabeça dela: “Marieta,
estás perdoada! Há muito que havia dado meu perdão”; “Eu disse que perdo-
ava, mas não que me reconciliava”.
Gilberto despede-se de Pedro: “Adeus, meu amigo! Que um dia quando
souberes que desapareci vai à minha campa e derrama uma lágrima de dor a
este triste amigo”. O filme termina com Gilberto adentrando um largo portal
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 403
lhe sorriu duas vezes (uma falsamente) foram suficientes para que, dez anos
depois, o drama fosse levado às telas. Além da canção-título, o filme incor-
porava “Porta aberta”, ambas interpretadas por Vicente Celestino, cantor
já de muita fama e prestígio. A dramaticidade do enredo somada à retórica
da enunciação de Celestino potencializariam, indubitavelmente, os efeitos
na recepção da obra. Apesar de sua formação no domínio lírico-operístico,
Celestino tinha, como público principal, as pessoas comuns, sem formação
intelectual mais apurada.
É por volta dos anos 1930 que vemos ocorrer, na América Latina, um pro-
cesso de modernização mais efetivo, com industrialização, presença de mas-
sas urbanas e processos em que os Estados nacionais (com coisas em comum,
mas por diferentes caminhos e formas) buscaram nas massas populares o apoio
para a construção de legitimação, nacionalismo e identidade cultural, em que
o “popular” ganha um novo modo de existência, não sendo apenas o rural,
o renegado, a negação dos valores e ideias modernos e capitalistas, mas um
espaço de articulação de valores, presenças que o associam ao “nacional”. Esse
popular de massas continha os elementos, formas de ver o mundo e sensibi-
lidades já bem conhecidos pelas camadas populares e que agora eram abun-
dantemente distribuídas pelo rádio, televisão, cinema, revistas, em forma de
radionovela (e depois, telenovela), cinema de lágrimas e canções, em que o sen-
timental e o passional teriam lugar de destaque. Os produtos dessas linguagens
desenham-se sobre temas que ecoam os valores de seu público.
Vai se constituindo o que Carlos Monsiváis (2005) chamou de uma “edu-
cação melodramática”, tão substancial em nossa formação sentimental e
ideológica latino-americana, que ajuda a elaborar formas de narrar a vida,
os acontecimentos, as dificuldades, alegrias, anseios e inclusive maneiras de
forjar e viver a política. O melodrama cobre uma ampla gama de emoções
que são conectadas aos indivíduos e inseridas no mundo cotidiano, comum
e doméstico. Essa sensibilidade comum, ligada aos laços familiares e socia-
bilidades tradicionais, traz certa “integração sentimental latino-americana”
(MARTÍN-BARBERO, 1997), essa estandardização de maneiras de sentir, pen-
sar, de se expressar em sons, vozes, formas de dançar, de adjetivar e usar o
corpo, acordes e líricas.
A retórica desses artefatos culturais massivos (que têm como matriz cul-
tural comum o melodrama) é construída a partir de ideia da existência de um
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 405
pelos dispositivos e pela sintaxe (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 210) das mídias
sonoras e audiovisuais, passando de uma cultura oral para uma cultura audiovi-
sual, sem deixar de lado seus traços orais, vocais e auditivos.
Tem dó...!
10 “Em 19 de abril de 1967, Vicente Celestino, ‘A voz orgulho do Brasil’ [...], prestou seu depoimen-
to ao MIS, tendo como entrevistadores Ricardo Cravo Albin e Hélio Mariz Davi, representantes
da instituição, Almirante e Paulo Tapajós, pesquisadores da MPB e radialistas, e Gilda de Abreu,
esposa de Vicente. O depoimento, de 1h52m, foi gravado em fita magnética e, posteriormente,
remasterizado, digitalizado e dividido em 16 faixas [...]”. (ALMEIDA, 2013)
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 407
(sem soprosidade) e com o vibrato característico do estilo. O resultado obtido é
uma voz bastante volumosa, qualidade perceptível em sua entonação e dicção.11
Soma-se o fato de que Vicente Celestino canta as palavras de forma clara,
com boa dicção, na maior parte das canções, apesar da impostação. O poder
de projeção de sua voz lhe rendeu vantagens no início das gravações e registros
fonográficos no Brasil.
As gravações mecânicas exigiam dos cantores potência vocal a fim de pode-
rem ser captadas pelas tecnologias sonoras nascentes. Depoimentos relatam como
se deu a adaptação de Celestino aos dispositivos tecnológicos de então. Relata
a estudiosa Rose Esquenazi (2015) que a voz do cantor era tão potente que lhe
obrigava a “[...] cantar e gravar de costas, a cinco metros do microfone. De outra
maneira, o cristal que servia para reproduzir o som se partiria”. Não obstante
esses expedientes, o cantor jamais abriu mão de sua poderosa voz impostada em
projeção, durante toda a sua carreira. Esse procedimento técnico poupou-lhe de
patologias, por isso não interrompeu as atividades, ainda que momentaneamente.
No tocante à seleção de repertório, Celestino optava por cantar compo-
sições próprias e autores inspirados na poesia parnasiana, com tendência ao
“dramalhão”, não raro beirando a pieguice. Segundo palavras do próprio can-
tor, é na temática das letras do tango que ele encontrava a maneira de expor
sua estética. Ao lhe perguntarem se Gardel (apud GUERRA, 1994, p. 154) teria
tido algum tipo de influência sobre sua obra, respondeu:
Houve [...] uma identificação temática, uma escolha comum pelo trágico.
Quer dizer, gravei alguns sucessos dele, como ‘Beba comigo’, que se ade-
quavam ao meu estilo, mas coloco em discussão se essa influência passou
às minhas letras. O tango argentino me atraía, estava arraigado na cultura
nacional, e era o traço que nos unia.
12 O espetáculo esteve em cartaz de 1984 até 2013, no Teatro São Pedro, em Porto Alegre,
principalmente no mês de janeiro, e foi interrompido pelo falecimento de Nico Nicolaiewsky.
Registrado em disco (LP, 1988; CD, 1994; 1997, DVD, 2008).
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 409
recitais. À base de uma interação ágil com a plateia, a improvisação daria o tom
marcado não apenas pelo repertório, mas também pelos arranjos e aspectos
cênicos. Era prática comum de o duo conduzir o público para fora do teatro
ao final de cada espetáculo, cantando “Coração materno”.13 Aliás, essa canção,
bem como “O ébrio” e “Noite cheia de estrelas”, grandes sucessos de Vicente
Celestino, fazia parte do repertório fixo da dupla, tendo sido registradas em
disco, com acompanhamento de apenas violino e acordeão.
Veloso, de seu lado, parte de uma experiência memorialista e sentimental,
para depois proceder à construção paródica. Em sua Verdade tropical, comenta
o artista que o disco Tropicália ou Panis et Circenses deveria incluir uma “[...]
velha canção brasileira em tudo e por tudo desprestigiada. Era a supersenti-
mental Coração materno, de Vicente Celestino, o melodramático compositor e
cantor de voz operística [...]”. (VELOSO, 1997, p. 293, grifo nosso) Para Veloso,
aos ouvidos de 1967, a obra, assim como todo o repertório de Celestino, soava
como “pastiche de ária de ópera italiana”. Ainda que desconstruindo a obra e
seu autor-intérprete, o vínculo com Celestino era amoroso – fato não compar-
tilhado com os demais membros de sua família:
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 411
Tropicalismo se apropriaria da estética melodramática através de procedimen-
tos paródicos. O dramalhão ganha uma acepção cool, com voz menos projetada,
instrumentação com menos contrastes, menor quantidade de instrumentos.
Em meados da década de 1960, quando apresentavam um programa de
televisão, Caetano Veloso e Gilberto Gil tiveram a ideia de homenagear as vozes
memoráveis dos tempos áureos do rádio, e Celestino foi convidado a participar
ao vivo. Escolheram como local a Som de Cristal, espécie de boate, cenário
adequado para a exibição e que garantiria uma performance condizente com a
estética (cafona). No entanto, o projeto foi abortado com a morte de Celestino,
por enfarte fulminante, na recepção do Hotel Normandie, horas depois do
ensaio, enquanto aguardava o carro que o levaria à gravação do programa.
Expostos esses dados biográficos sintéticos, retomemos O ébrio. Mais
especificamente, sob seu argumento e sobreposições metalinguísticas que
pratica, além de uma transposição da linguagem radiofônica. Acreditamos que
essas são, em grande medida, responsáveis pelo largo sucesso do filme. Não
sendo possível explorar todos os vieses de análise, limitamo-nos a estas duas
aproximações, decupando partes do longa-metragem.
Nasci artista. Fui cantor. Ainda pequeno levaram-me para uma escola de
canto. O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo, até che-
gar aos píncaros da glória. Durante a minha trajetória artística tive vários
Nasci artista. Percorri todos os países e, fazendo rir toda a gente. Era o pa-
lhaço mais querido e mais endiabrado do mundo. Ninguém saltava mais
do que eu; e ninguém fazia rir mais do que eu... Até o dia em que minha
companheira fugiu, deixando-me nos braços uma pequenina boneca de
carne, que também não quis ficar perto de mim e fugiu para o céu... E, daí,
fui caindo, caindo... Ninguém mais ria das minhas graças, fui descendo a
passos de gigante a escada da decadência até que fui despedido para um
circo de última classe. Nunca mais fui coisa alguma... (101 minutos)
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 413
na primeira fileira, que lhe jogou uma flor. Muito possivelmente, estaria inter-
pretando Mario Cavaradossi, em Recondita armonia ou E lucevan le stelle...
Existe, ainda, uma outra referência ao I Pagliacci, de outro compositor do
romantismo italiano, Leoncavallo, mas de maneira invertida. Canio é o palhaço
ciumento e possessivo que, ao saber da traição da mulher, mata-a, assim
como seu amante. Pedro Cruz é também palhaço, mas, ao invés de vingar-se,
lembra-se de que tem uma filha e a cria. Submisso, aceita o seu destino e cum-
pre seu dever de pai.
A menção a essas óperas remete a algumas possíveis razões. Uma delas
é o fato de que o público frequentador dos teatros daquela época, adepto às
temporadas líricas – especialmente os ítalo-descendentes, como Celestino –,
encontraria em tais referências uma versão assemelhada em linguagem cine-
matográfica, atendendo, assim, ao seu gosto. Em certa medida, ao reconhecer
nas telas referências às obras conhecidas (e muito provavelmente ouvidas no
rádio e nos discos), operava-se um processo de rememoração e reafirmação de
um gosto já consolidado.
De outra parte, sabe-se que Celestino e Gilda de Abreu levavam aos pal-
cos repertório lírico, além de modinhas e outros gêneros classificados como
semierudito ou música ligeira. Dominavam, assim, o métier dos palcos. O ébrio
repetiria a dose em uma versão estendida ao cinema.
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 415
— ... E daí a se formar um espasmo do miocárdio, é um passo! – comenta Silva.
— E como se chama o senhor?
— Não tenho nome, doutor! (riso) E se tive um dia... Já o esqueci. –
conclui Silva.
O que dizer a respeito da música? Pelo que a escuta permite detectar, trata-
-se da mesma sinfonietta que acompanha “Porta aberta”, apresentada no início
do filme e que aparece diegeticamente. A melodia principal aparece na flauta e
nos violinos de modo não diegético – na cena, há mais quatro violões e o regio-
nal de choro, que não corresponde ao que se ouve – Percebe-se o pizzicato nos
violoncelos e as madeiras dobrando a melodia principal. Há um ritenuto na
primeira frase (“tornei-me um ébrio...”). Todo o fraseado é carregado de por-
tamentos, sostenuttti, sobretudo nas estrofes A, A1, A2 e A3 (em modo menor).
Na mudança para a estrofe B, quando há a modulação para o homônimo
modo maior, estamos diante de uma semântica já tradicionalmente estabele-
cida: o texto verbal deve anunciar situações e sentimentos relacionados à felici-
dade, alegria, ao sucesso (“Já fui feliz e recebido com nobreza. / Até nadava em
ouro e tinha alcova de cetim”). Ainda assim, uma reversão ao extremo oposto,
na variante B1, é peculiar, justamente quando o enunciador do texto declara
momentos de maior infortúnio: a opção pelo modo maior – contrariando o
que usualmente se pratica – pode representar, por outro lado, a estrofe B1, que
enuncia a tomada de consciência do enunciador (“E hoje ao ver-me na miséria
tudo vejo então / O falso lar que amava e que a chorar deixei”).
Após todas essas considerações, cabe-nos indagar: se, mesmo depois de tantas
mudanças na sociedade, nos costumes, nos hábitos de fruição estética, O ébrio
permaneceu como importante obra de entretenimento, que elementos teriam
contribuído para tal sucesso?
Como já afirmamos anteriormente, a competência performática e o
carisma dos artistas têm aqui grande importância. Dessa forma, concordamos
com Avelar (1982) que “[...] a adaptação feita por Gilda de Abreu da canção de
Vicente Celestino transpôs para o cinema não a história contada na canção,
mas a voz do cantor, seu modo de cantar”. O ébrio adota, ao fim e ao cabo,
14 Em grande medida, esse traço estilístico foi bem assimilado pela dupla Nicolaiewsky/Gomes, mas
se distancia largamente do arranjo feito por Mário Mascarenhas e publicado pela Mangione, “sem
tanguidade”.
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 417
o modelo de ópera popular, “[...] gritada em voz solene, com sinais popular-
mente atribuídos à encenação clássica – a voz potente e grave do cantor como
uma espécie de tradução da ópera e como um modelo de cena cinematográ-
fica”. (AVELAR, 1982)
Concordamos também com Avelar quando o crítico afirma que, assim
como os diálogos, o roteiro se esboça sobre uma “ingênua e esquemática rea-
firmação de lugares comuns pronunciada em tom solene”. E por que o banal
exerce sua atração? Talvez o crítico tenha razão ao afirmar: “Importa pouco o
que se conta. Provavelmente o que conta é o modo de contar. Importa pouco
e provavelmente importava pouco já na época em que O ébrio foi realizado”.
(AVELAR, 1982, grifo do autor)
Consideramos que o conteúdo expresso nas letras inseridas numa nar-
rativa melodramática exacerbada se sustenta graças a elementos culturais
sedimentados constituintes daquilo que os estudos culturais designam por
cultura popular latino-americana, conforme descrevemos, apoiadas na teoria
de Martín-Barbero (1987, 2004). Narrativas como O ébrio, Coração materno, e
Porta aberta são exemplos cabais, nesse sentido.
Outro aspecto interessante é verificar o quanto canções ganham vida autô-
noma ou não. “O ébrio” surgiu em 1936, sendo transposta para o palco em
1941 e para a tela em 1946. No longa-metragem, acrescenta-se “Porta aberta”,
composta especialmente para o filme. Mais tarde, a capacidade de movên-
cia da obra lhe permitiria passar por sucessivos processos de nomadismo
(ZUMTHOR, 1997), desdobrando-se, assim, em novos signos musicais – quer
de natureza diversa, tal como ocorreu com a apropriação pelos tropicalistas, ou
com o humor de tons circenses da dupla Tangos e Tragédias.
Antes de concluir, verificamos uma lacuna importante no tocante à figura
de Gilda de Abreu. O grande sucesso d’O ébrio se deve à sua iniciativa. Nos dias
de hoje, a visada seria outra: Gilda seria um exemplo cabal de empreendedo-
rismo. As inúmeras diligências que exige a produção de um longa-metragem; a
concepção artística, elaboração do argumento e do enredo... Quase tudo parece
ter passado pela sua supervisão para obter aprovação. As sérias falhas técnicas e
de direção – que não são poucas – não diminuem a importância da empreitada.
No entanto, as referências sobre sua biografia não passam de notas curtas,
destacando sua formação como atriz e cantora lírica:
Referências
ALMEIDA, L. A. Vicente Celestino, a voz orgulho do Brasil. Rio de Janeiro: MIS, 2013.
Disponível em: <http://www.mis.rj.gov.br/blog/vicente-celestino-a-voz-orgulho-do-
brasil/>. Acesso em: 20 maio 2016.
AVELAR, J. C. O cinema do tempo do rádio. [S.l], 1982. Disponível em: <http://www.
escrevercinema.com/Ebrio.htm>. Acesso em: 7 set. 2016.
BALADI, M. Dicionário de cinema brasileiro: filmes de longa metragem produzidos
ente 1909 e 2012. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 419
CASTRO, R. Folias de 2016. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 95, n. 31.703, p. 2, 20
jan. 2016.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994. v. 1.
CINE NACIONAL. O Ébrio. [Rio de Janeiro], 2015. Disponível em: <http://tvbrasil.
ebc.com.br/cinenacional/episodio/o-ebrio>. Acesso em: 20 mar. 2018.
ESQUENAZI, R. Vicente Celestino: o cantor orgulho do Brasil. [S.l.], 2015. Disponível
em: <http://radionahistoria.blogspot.com.br/2015/10/vicente-celestino-o-cantor-
orgulho-do.html>. Acesso em: 20 set. 2016.
GARCÍA-CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo: EDUSP, 1998.
GARCÍA-CANCLINI, N. Ni folklórico ni masivo: ¿qué es lo popular? Diálogos de la
comunicación, Medellín, n. 17, 13 maio 1987.
GONZAGA, A. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1987.
GONZAGA, A.; GOMES, P. E. S. 70 anos de cinema brasileiro. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura, 1966.
GUERRA, G. O hóspede das tempestades. Rio de Janeiro: Record, 1994.
LUCAS, A. S. Top 10 maiores bilheterias de filmes brasileiros na história do cinema.[S.l.]:
Top 10+, 2014. Disponível em: <http://top10mais.org/top-10-maiores-bilheterias-de-
filmes-brasileiros-na-historia-do-cinema/>. Acesso em: 20 maio 2016.
MACHADO, A. C. O “lado b” da linha evolutiva: Nelson Gonçalves e a “má” música
popular brasileira dos anos 1940 e 1950. 2016. 301 f. Tese (Doutorado em Música) –
Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.
MARTÍN-BARBERO, J. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da
comunicação na cultura. São Paulo: Loyola, 2004.
MARTÍN-BARBERO, J. Televisión, melodrama y vida cotidiana. 1987. Disponível em:
<http://revistas.javeriana.edu.co/index.php/signoypensamiento/article/view/574>.
Acesso em: jan. 2015.
MARTÍN-BARBERO, J; REY, G. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção
televisiva. São Paulo: Ed. SENAC, 2001.
MENDONÇA, M. E. R. Breve painel do cinema brasileiro. Comunicação e educação,
São Paulo, n. 4, p. 20-24, set./dez. 1995.
Chamam-me ébrio! Ébrio... O melodrama musical de Gilda de Abreu e Vicente Celestino 421
Diante do improviso
variações no documentário brasileiro1
Introdução
1 Parte das reflexões aqui apresentadas integra a tese de doutorado Música em cena: à escuta do
documentário brasileiro, defendida em 2015, no Programa de Pós-graduação em Comunicação
Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob orientação do professor doutor
César Guimarães.
2 Por limitações do escopo do trabalho, não nos deteremos longamente neste conceito, mas si-
nalizamos aqui que nossa principal referência acerca da noção de performance é Paul Zumthor
(2000). Grosso modo, entendemos a performance como uma ação ancorada e suportada
pelo corpo, situada concretamente em um espaço e tempo, dentro de condições objetivas
Jean-Louis Comolli (2004, p. 318, grifo e tradução nossa), em um ensaio
sobre as relações entre jazz e cinema, afirma:
Para o autor, o
específicas e que inclui também a dimensão da recepção do público. Assim, uma performance
musical não diz respeito apenas à execução da peça musical pelo músico/intérprete, mas en-
globa tudo o que se passa no seu entorno, de forma integrada.
3 “l’improvisation est un mode d’écriture raffiné et savant d’une science inconnue, peu-être le
mode plus actif de l’écriture, celui où compte le geste, c’est-à-dire la forme articulée prise par
le corps, le langage élaboré du corps comme pensée. Improviser, c’est frayer des chemins où
l’on ne passe qu’une fois. Tracer des arabesques dont on pert aussitôt le modèle. Cette obses-
sion commune au jazz et au cinéma d’être pris dans un processus de naissance continue”.
4 “Le monde lui-même s’improvise seconde après seconde; et ce monde improvisé – c’est à dire
plus qu’involontaire: invoulu, impensé, non prévisible et non calculable paraît exactement fait
pour la précision indifferente de la machine cinématographique”.
5 Trata-se da peça Canção simples de tambor, composta em 1990 por Carlos Stasi, um solo para
caixa clara em seis movimentos.
6 No caso da peça analisada por Rocha, seções inteiras são dedicadas à improvisação: cabe ao
intérprete, no momento da performance, decidir sobre o que será feito. O compositor possui
relativo descontrole em relação ao resultado sonoro final da peça, pois concede ao intérprete
um espaço de jogo e de autonomia para a execução de determinadas passagens.
7 “Jazz improvisation, then, (more or less) combines spontaneity and conformity to some sort of
already given format”.
Comecemos com um filme que aborda um contexto bastante distinto dos uni-
versos do jazz ou da música contemporânea. Trata-se de A cantoria (1969-1970),
documentário no qual acompanhamos um encontro com os cantadores Lourival
Batista e Severino Pinto na Fazenda Três Irmãos, no sertão de Caruaru, em
Pernambuco, em maio de 1969. O filme foi realizado pela Caravana Farkas, que
reuniu, entre 1964 e 1980, os realizadores Geraldo Sarno, Guido Araújo, Eduardo
8 “Improvised solos are spontaneous, yes. But the people who play them have often worked long
and hard to become familiar with the harmonic and melodic ‘bones’ of the tune they will later
improvise on in public (Faulkner 2006). The solos they perform do conform to those basic
structures but cannot be predicted from a knowledge of what the players have learned and
practiced beforehand. The limits within which melodies and harmonies and rhythms can be
altered and transformed vary from one playing situation to another, from one group to ano-
ther, from one era to another. What ‘sounds good’ against the basic chords of the original song
varies from player to player and time to time. And players often disagree on what’s allowable in
an improvisation, as do audiences”.
9 Nascido na Hungria, em 1924, Thomaz Farkas veio para o Brasil ainda criança, aos cinco anos de
idade. Fez carreira como fotógrafo, cineasta, produtor e professor. Faleceu em São Paulo, em
2011. Os filmes produzidos pela Caravana Farkas foram compilados em sete DVDs, lançados
em 2006 pela Videofilmes e pela Cinemateca Brasileira.
10 Uma contextualização mais ampla dos filmes aqui abordados está disponível em nossa tese,
particularmente no capítulo “Filmar o improviso”. (LIMA, 2015, p. 120-157) Para um mapeamen-
to mais detalhado acerca da produção da Caravana, consultar Sobrinho (2008, 2013).
11 Autor do livro Literatura popular em verso e professor, nos anos 1960, do Instituto de Estudos
Brasileiros (IEB), órgão vinculado à Universidade São Paulo (USP). Geraldo Sarno frequentou
suas aulas sobre cultura popular. Os filmes da segunda leva da Caravana Farkas foram produ-
zidos graças a um acordo inicial feito com o IEB, em 1964, mas descontinuado em 1968 por
motivos financeiros. (SOBRINHO, 2008)
12 Seria ocioso aqui explicitar as diferenças dos gêneros dos repentes. Vários autores fizeram tal
trabalho, recuperado parcialmente por Maria Ignez Novais Ayala (1988) numa seção inteira
dedicada às técnicas do improviso nas cantorias. Ressaltamos aqui apenas o fato de que a
autora enumera três princípios norteadores da improvisação do cantador nordestino: a rima, a
métrica e a oração. Essa última refere-se à forma como o assunto é narrado nos versos, dentro
de uma lógica de exposição do tema com “início, meio e fim”. Quando os versos não seguem
essa lógica coesa, diz-se que se trata de um disparate. (AYALA, 1988, p. 134)
de improvisar, é constituído por “dez versos, cada qual com três unidades métricas (daí ser
chamado trinta por dez) com cesura recaindo na 3a., 6a., e 10a. sílabas”. (AYALA, 1988, p. 132)
17 Na tese, identificamos três formas do documentário estabelecer uma afinidade com o fe-
nômeno musical. Estas podem ser de ordem plástica, processual e formal. (LIMA, 2015, p.
241-245)
[...] Meu pai tinha 500 mil cancelas e ele quebrou todas e passou. Mas
na hora que a gente monta nele, ele é mais preguiçoso que uma bexiga
da gota serena. Eu nunca vi um jegue tão danado quanto esse! O bicho
tem que tomar água, ele tem uma coisa, toma duas barricas por segundo.
Eu nunca vi um bicho tão danado e tão filho da gota serena, como dizia
papai. Ai, jumentinho da gota serena! Quer ver como o desgraçado pia?
(HERMETO... 1981)
18 Para Hermeto Pascoal, toda fala é um canto. Em um relato, transcrito por Aline Morena, ele
explica: o “Som Da Aura é a vibração sonora da alma de cada um, refletida pela sua fala, que faz
a ligação entre mente e corpo. É possível fazer o som da aura também dos animais e dos obje-
tos. No caso dos objetos, eles refletem a nossa energia”. No disco Lagoa da Canoa Município de
Arapiraca (1984), Hermeto registrou, pela primeira vez, aquilo que ele chama de sons da aura:
eram as vozes dos locutores esportivos José Carlos Araújo e Osmar Santos. (PASCOAL, 2009)
Eles [os bichos] são como as pessoas. Cada pessoa tem um timbre dife-
rente. Cada bicho também tem. Um bicho daqui, uma abelha daqui e uma
abelha lá do norte pode ter uma diferença de sotaque. Posso até dizer isso
aí. É! O timbre pra mim é o sotaque, é tudo junto! Faz parte do timbre,
né? (HERMETO... 1981)
19 A antecipação é um recurso da linguagem musical que vem sendo usado desde o Renascimento
no tratamento das dissonâncias. Consiste no adiantamento de uma nota pertencente a um
certo acorde (uma consonância) e que soa no tempo ou compasso anterior como dissonância.
Assim, quando passamos de um tempo a outro (de um compasso a outro), a dissonância “se re-
solve” no tempo seguinte. O que era sentido como tensão passa a ser sentido como resolução.
Eu acho que a música clássica é um termo só. A música é uma só. É uma
coca-cola bem gelada, é uma marca de cigarro qualquer, o termo música
clássica. E eu não tô classificando ninguém, não quero chegar ao ponto de
classificar nada, mas eu acho que a música é um todo. (HERMETO..., 1981)
Imaginemos um acorde G maior com 4ª e 6ª soando como dissonância (sol – si – dó – mi), por
exemplo, encadeado com um acorde do C maior (dó – mi – sol – dó). Enquanto ouvimos o acorde
de G 4/6, as notas “dó” e “mi” soam como dissonâncias (tensões), mas, quando mudamos para
o acorde seguinte, essas mesmas notas soarão como consonâncias, pois pertencem à estrutura
fundamental do acorde de C, trazendo, então, a sensação de um repouso ou resolução.
20 Esse tipo de efeito de sentido, decorrente das tentativas de descrever ou imitar figurativamente
a natureza por meio de procedimentos e códigos musicais, foi largamente explorado ao longo da
história da música erudita, desde o Renascimento até os dias de hoje. (CAZNOK, 2008)
21 O mixolídio caracteriza-se por ser um modo maior, com o VII grau menor. Ocasionalmente,
possui também a quarta aumentada – intervalo característico do modo lídio. Por serem co-
muns na música tradicional do Nordeste brasileiro, como o baião, tais escalas são também
chamadas de nordestinas.
22 Hermeto mais tarde cunhou o termo “música universal” para se referir à música que mistura
“todos os estilos, todas as tendências”. (ARRAIS, 2006, p. 7 apud BORÉM; ARAÚJO, 2010, p. 37)
23 Em entrevista concedida a Otávio Rodrigues, em 2003, Hermeto afirmou: “Os animais são
meus maiores professores”. (BORÉM; ARAÚJO, 2010, p. 31)
Considerações finais
Referências
A CANTORIA. Direção: Geraldo Sarno. São Paulo: Caravana Farkas, 1969-1970. 14 min.
AYALA, M. I. N. No arranco do grito: aspectos da cantoria nordestina. São Paulo: Ática,
1988.
BORÉM, F.; ARAÚJO, F. Hermeto Pascoal: experiência de vida e a formação de sua
linguagem harmônica. Per Musi, Belo Horizonte, n. 22, p. 22-43, jul./dez. 2010.
BRESSON, R. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2005.
CAZNOK, Y. B. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: Editora UNESP; Rio de
Janeiro: Funarte, 2008.
Introdução
2 O diretor Carlos Alberto Prates Correia nasceu em Montes Claros e Murilo Antunes em
Pedra Azul.
3 O Grupo Corpo, de dança contemporânea brasileira, foi criado em 1975, em Belo Horizonte,
por Paulo Pederneiras, como diretor-geral, e Rodrigo Pederneiras, como bailarino e depois co-
reógrafo. Seu primeiro grande sucesso foi a montagem de Maria, Maria¸ com música de Milton
Nascimento e coreografia do argentino Oscar Araiz, apresentanda em 14 países. O grupo con-
tinua em atividade e, em seus 40 anos de existência, já abrigou 106 bailarinos.
4 O Clube da Esquina, por sua vez, é identificado como um movimento musical que se constituiu,
inicialmente, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, a partir da amizade dos irmãos
Borges com o cantor e compositor Milton Nascimento. Em torno desse núcleo, agregaram-se
músicos como Tavinho Moura, Flavio Venturini, Beto Guedes, Fernando Brant, Toninho Horta
e Tavito. As músicas produzidas fundiam jazz, bossa nova, Beatles e as canções folclóricas de
Minas Gerais, resultando, daí, letras e melodias originais e envolventes.
5 Formado em 1978, o Grupo Uatki, designação de um ser mitológico da tribo tukano, proce-
dente das margens do Rio Negro, destacou-se pela confecção dos próprios instrumentos,
muitos deles com tubos de PVC, a partir dos quais se produz uma sonoridade particularmente
expressiva e complexa. Por muitos anos, o grupo manteve suas atividades no mesmo bairro de
Santa Tereza, em Belo Horizonte, onde construiu diversas parcerias com o Clube da Esquina,
especialmente em composições de Milton Nascimento. Em 2015, o grupo anunciou término
de suas atividades.
6 O poema de Carlos Drummond de Andrade, “Cabaré mineiro”, empresta seu nome ao filme,
porém em uma grafia distinta daquela adotada por Carlos Alberto Prates Correia. Ao contrário
de Drummond, Correia optou pela grafia francesa Cabaret. O poema apareceu pela primeira
vez no livro Alguma poesia, publicado em 1930 pela fictícia Editora Pindorama, estreia literária
de Carlos Drummond de Andrade. “Sorôco, sua mãe, sua filha” integrou a coletânea de contos
Primeiras estórias, de 1962, penúltima obra de Guimarães Rosa, editada apenas cinco antes de
sua morte, ocorrida em novembro de 1967.
7 Em 1965, Carlos Alberto Prates Correia trabalhou com Joaquim Pedro de Andrade na produ-
ção de O padre e a moça, adaptação do poema de Carlos Drummond de Andrade. O filme foi
restaurado em 1999 e depois entre 2005 e 2007.
8 Duas outras adaptações dos contos de Guimarães Rosa em Primeiras estórias são frequen-
temente reconhecidas pela crítica. No caso, a obra de Nelson Pereira dos Santos A terceira
margem do rio, de 1994, e Outras estórias, de Pedro Bial, de 1999.
10 Para uma abordagem mais detalhada do período em questão, consultar Silva (2003).
Era pra ter sido um sucesso. Me deram um adiantamento sobre 200 mil
cópias, um trem assim. E não passou de 14 mil, porque foi censurado.
Teve uma primeira censura, que foi da música ‘A suíte do querer meu’.
Aquelas mulheres do terço na mão, de São Paulo, falaram contra a por-
nografia, revista pornográfica, música pornográfica. O disco então saiu
lacrado, com uma tarja: ‘Músicas pornográficas, proibido para menores
de 18 anos’. Quando ele estava no mercado foi proibido de novo, porque
cantava ‘... e o Figueiredo ‘tá’ com a bunda virada’, e o Figueiredo era pre-
sidente da república. Aí nós fizemos uma carta explicando quem era o
Figueiredo, que não era o presidente.
Na verdade, houve uma primeira carta do Ricardo Cravo Albim que fez
uma defesa da ‘Suíte do querer meu’. Ainda deve existir essa carta. Aí eles
liberaram, mas com a tarja ‘Restrito a ambientes masculinos’, e lacrado.
11 O Festival de Cinema de Gramado foi, primeiramente, entre 1969 e 1973, uma iniciativa local.
Em 1973, o Instituto Nacional de Cinema oficializou a iniciativa, que se tornou uma das mostras
mais prestigiadas do cinema nacional. O filme a que se refere Tavinho é Eu te amo, de Arnaldo
Jabor, que venceu as categorias de Melhor Atriz (Sonia Braga), Cenografia (Marcos Weinstock)
e Melhor Som.
Considerações finais
Referências
Apêndice
Ficha técnica do filme
Duração: 75 min.
Ano: 1980
Lançamento (Brasil): 1980
País: Brasil
Cor: Colorido
Gênero: Drama, Musical
Outros títulos: Mineiro Cabaret (USA)
Co-produção: Cinematográfica Montes Clarense, Zoom Cinematográfica e Corisco
Filmes
Distribuição: Embrafilme
Direção: Carlos Alberto Prates Correia
Roteiro: Carlos Alberto Prates Correia
Produção: Carlos Alberto Prates Correia e Nilson Barbosa
Direção de Produção: Nilson Barbosa
Produção Executiva: Idê Lacreta e Paulo Henrique Veloso Souto
Figurinos: Carlos Wilson
Cenografia: Carlos Wilson
Coreografia: Rodrigo Pederneiras
Contra-regra: Rodrigo Pederneiras
Design de produção: Carlos Wilson
Câmera: Murilo Salles
Fotografia: Murilo Salles
Fotografia de cena: Inês de Teves
Edição e montagem: Idê Lacreta
Maquiagem: Waldir Monteiro
Trilha sonora: Tavinho Moura
Efeitos sonoros: Walter Goulart, Aloysio Vianna, Hélio Barroso e Barrozo Neto
Prêmios
1981, Festival de Gramado, Brasil
Kikito de Ouro de Melhor Filme (Carlos Alberto Prates Correia)
Kikito de Ouro de Melhor Direção (Carlos Alberto Prates Correia)
Kikito de Ouro de Melhor Ator (Nelson Dantas)
Kikito de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante (Tânia Alves)
Kikito de Ouro de Melhor Trilha Sonora (Tavinho Moura)
Kikito de Ouro de Melhor Fotografia (Murilo Salles)
Kikito de Ouro de Melhor Edição (Idê Lacreta)
1980, XIII Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro, DF
Troféu Candango de Melhor Fotografia (Murilo Salles)
Músicas:
Lado A
“Cabaré mineiro” (Tavinho Moura/Carlos Drummond de Andrade), canta: Tânia Alves;
“Nunca... Jamais” (Noel Rosa), cantam: Tavinho Moura e Silvia Beraldo;
“O sonho” (Zezinho da Viola), canta: Tânia Alves; part. especial do Grupo Uakti;
“A rua de baixo” (crônica de Geraldo Prates), narração: Nelson Dantas;
“Tema de Salinas” (Tavinho Moura), instrumental;
“Dona Mariana” (domínio público, adap. Tavinho Moura), canta: Antonio Rodrigues;
“Delírios de Paixão” (Tavinho Moura), instrumental;
“Maria Manteiga/bunda virada” (domínio público, adap. Tavinho Moura), canta:
Tavinho Moura;
“Suíte do Quelemeu” (domínio público, adap. Tavinho Moura), cantam: Tavinho
Moura e Antonio Rodrigues; part. especial Grupo Uakti;
Lado B
“Pra esquecer” (Noel Rosa), canta: Tavinho Moura;
“O aventureiro de São Francisco” (Tavinho Moura), instrumental;
“Serenata das virgens” (Mendes de Oliveira/José Maria Fernandes), canta: Clarice
Maciel;
“Te pega te pica” (Tavinho Moura/Zeduardo/Carlos Alberto Prates), canta: Tânia Alves;
“Meu semblante é teu sentido” (domínio público, adap. Tavinho Moura), cantam:
Nelson Dantas e Eliane Narducci;
“A onça” (Tavinho Moura), instrumental;
“Chirimia das loucas” (Tavinho Moura), instrumental;
“O trem das loucas” (Tavinho Moura), instrumental;
“Paixão come pequi” (Tavinho Moura), instrumental;
“Adeus adeus” (domínio público, cantiga de marujadas), cantam: Marujada de
Montes Claros.
FABIÁN NÚÑEZ
Introdução
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 471
racistas que marcaram esse século. Ávidas por formar nações recém-emanci-
padas e, por conseguinte, carentes de identidade, as nossas elites precisaram
lidar com a miscigenação racial de nossos povos, o que “explicaria” as razões de
nosso atraso político, econômico, social e cultural. Frente a esse desafio, foram
tomadas medidas simbólicas e físicas para superar os supostos males oriundos
de nossa origem racial, em práticas de elevação moral (ocultação e repressão
às práticas “bárbaras”, oriundas dos índios e/ou negros) ou, simplesmente,
de branqueamento da população local (pelo incentivo à imigração europeia
somado ao extermínio de povos locais).
É inicialmente por esse viés pejorativo que o roto é identificado, isto é,
por um habitante urbano de origem popular: um mestiço de hábitos rudes e
simplórios, caracterizado por sua vestimenta esfarrapada, o que denota não
apenas a sua precariedade material, mas também (e sobretudo) a carência de
“modos civilizados”, espelhada em seu aspecto desleixado e sujo. Como frisa
Gutiérrez (2008), alguns intelectuais buscaram a origem do roto chileno em
tempos coloniais, nos relatos da Conquista, inclusive no próprio Pedro de
Valdivia. Assim, os espanhóis que se fixaram no Chile, devido à dureza da terra
e ao constante embate contra os belicosos nativos (os araucanos), tinham as
suas vestes rasgadas, o que deu a (má) fama aos chilenos de rotos por parte
dos habitantes do Peru, sede do vice-reino e terra rica e próspera.2 Nesse caso,
trata-se da busca de uma genealogia “nobre” ao roto, o que já caracteriza a
ação de parte da intelligentsia chilena no século XX. Assim, de ofensa, o roto se
converte em elemento característico do povo chileno, sob o ônus, como frisa
Gutiérrez (2008), da mistificação da mestiçagem como aspecto fundador da
identidade nacional do Chile.
Portanto, sob o ensejo da militância estética das vanguardas artísticas dos
anos 1920, seguido pelos movimentos regionalistas e neocriollistas das décadas
posteriores, a mestiçagem, o hibridismo e o multiculturalismo são alçados à
marca distintiva das identidades nacionais da América Latina. Portanto, pode-
mos afirmar que o roto chileno se encontra ao lado dos discursos de exaltação
da “raça cósmica” de José Vasconcelos, da “inteligência americana” de Alfonso
3 Sublinhamos que existem (grandes) diferenças entre todos esses discursos, embora todos te-
nham em comum o entendimento de que a mistura de culturas é a marca distintiva da identi-
dade latino-americana.
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 473
Confederação Peru-Boliviana (1836-1839) e do Pacífico (1879-1883). Assim, o
roto é caracterizado como um tipo popular, uma pessoa humilde, ingênua,
bem-humorada e brincalhona, mas que não se isenta ao ser chamado pelo
dever, sendo capaz de atos de bravura, movido por sua índole altruísta.
É sob esse olhar glorioso que o roto foi literalmente monumentalizado,
quando, em outubro de 1888, durante o governo presidencial de José Manuel
Balmaceda, é inaugurado o Monumento ao Roto Chileno, localizado na Praça
Yungay, em Santiago. Concebido e executado pelo escultor Virginio Arias, o
monumento é um arco de pedra em cujo cume se encontra a estátua de um
jovem em mangas de camisa, peito semidescoberto, pés descalços e munido
com um rifle na mão direita. Simbolicamente, representa o soldado desconhe-
cido caído nas lutas pelo país, mais especificamente durante a Guerra contra
a Confederação Peru-Boliviana, uma vez que a praça (e o bairro) é batizada de
Yungay em homenagem à batalha que consolida a vitória chilena ocorrida na
localidade centro-ocidental peruana em 20 de janeiro de 1839. Em 1888, ano
da inauguração do monumento, é instituída a data de 20 de janeiro como o Dia
do Roto Chileno, oficialmente comemorado até hoje na referida praça com a
deposição de flores por autoridades civis e militares e a execução do Hino de
Yungay, composto em 1839, dois meses após a batalha, para comemorar a vitó-
ria e que foi, durante boa parte do século XIX, considerado um segundo hino
nacional chileno devido à sua ampla popularidade.
Santa Cruz Achurra (2008) identifica nos filmes históricos do cinema
silencioso chileno a presença dessa face do roto. Portanto, é o roto patriota que
é digno de estar presente nas telas nacionais, isto é, o personagem popular que
combate e morre anonimamente pelo país, e não o roto alzado, “insolente e
rebelde, que questiona ou resiste [...], figura que na virada do século se associou
à ação do agitador estrangeiro”. Por sua vez, Gutiérrez chama a atenção de que
o elogio ao roto por parte dos intelectuais no começo do século XX se refere a
um momento do passado, como um tipo popular em extinção, o que pressu-
põe que a classe trabalhadora chilena perdeu (ou estava perdendo) o seu caráter
singelo, bonachão, valoroso e ordeiro. Portanto, de ofensa a símbolo nacional,
a figura maltrapilha do roto chileno jamais foi uma unanimidade entre a intelli-
gentsia nacional, pois um tom pejorativo sempre o espreita. Nesse sentido, é
bastante diverso em relação à figura do huaso, considerado sem controvérsias
como um símbolo positivo de chilenidade. O huaso é a persona típica do campo
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 475
transporte da capital. Somente na virada da década de 1950 para 1960 que tais
questões foram afrontadas de modo direto pelos poderes públicos.4
Portanto, para entendermos o que subjaz nos debates em torno do roto, é
necessário compreender não apenas as opiniões políticas e os matizes ideoló-
gicos dos autores que se debruçaram sobre o tema, mas também encararmos
as transformações sociais e políticas do Chile, em especial, do espaço urbano
de Santiago. Desse modo, a formação de uma indústria cultural acompanha as
mudanças sociopolíticas e urbano-espaciais ocorridas na capital ao longo do
século passado. Assim, desde os anos 1920, vemos uma pujante cidade se expan-
dir, cuja elite se dirige cada vez mais para a região oriental da capital (aos pés
da Cordilheira dos Andes), a formação de bairros populares na zona norte e o
surgimento de novos bairros, de estratos médios e baixos, nas zonas oeste e sul.
Assim, o roto, mais que um símbolo, expressa um sujeito urbano popular que se
identifica por determinadas regiões da cidade por onde se locomove, enquanto
é literalmente barrado em outros setores. E esse cidadão santiaguino, de nas-
cença ou por (falta de) opção, é, por sua vez, constantemente interpelado pelas
seduções da indústria cultural local. Em suma, de ofensa a símbolo nacional, o
roto é, acima de tudo, alguém que circula por Santiago não apenas no sentido
físico, mas também por uma cidade inventada pela indústria cultural.
5 A obra de Pagnol, estreada em Paris em 1928, narra a história do professor Topaze, um cidadão
excessivamente probo que, ao se licenciar do magistério após anos de serviço exemplar e mal
remunerado, se converte em um homem corrupto e desonesto no mundo dos negócios.
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 477
físico, mas também por sua simpatia e expressões mordazes. Posteriormente,
Juan Verdejo adquire um segundo sobrenome, Larraín, o que demonstra o grau
de zombaria do periódico ao adotar para um personagem tão humilde o nome
imponente de uma família tradicional chilena. Como analisa Salinas Campos
(2006) em seus estudos, o roto encarnado por Verdejo deita raízes a uma vasta
tradição satírica de tom social e político que existe na imprensa chilena desde
tempos coloniais, oriunda do universo picaresco tão fortemente entranhado
no imaginário espanhol. Desse modo, essa faceta do roto chileno é uma versão
criolla do pícaro, devidamente (sub)urbanizado, sendo possível aproximá-lo,
então, das figuras do pelao mexicano e do golfo espanhol.
Devido ao seu imenso sucesso, Juan Verdejo migra para os palcos. No
começo de 1938, a Companhia Bataclánica Cóndor, uma das mais importantes
do meio artístico cômico nacional, apresenta a “jocosa revista” Juan Verdejo,
mundo arriba, de autoria de Eugenio Retes, a partir de um tema do poeta e
dramaturgo Víctor Domingo Silva. Trata-se de um espetáculo, formado por dez
quadros e variedades, que entra em cartaz no imponente Teatro Politeama,6
atrás do Portal Edwards e próximo à Estação Central, região de agitada vida
boêmia naqueles tempos, cercado por clubes e cabarés. A companhia em ques-
tão, criada em 1934, foi a mais célebre desse estilo nos anos 1930 e totalmente
voltada para o riso popular. Conforme Salinas Campos, desde a sua fundação,
manteve as suas atividades de modo ininterrupto até por volta de 1941. Ocupava
o Teatro Balmaceda, na margem norte do Rio Mapocho, na interseção dos bair-
ros Recoleta e Independencia, região popularmente conhecida, desde tempos
coloniais, de La Chimba.7
Logo em seguida, o famoso roto surge nas telas de cinema no média-
-metragem Lo que Verdejo se llevó (1941), dirigido por Eugenio de Liguoro, e nos
8 Jorge Délano levaria a sua criação ao cinema muito tempo depois ao dirigir o curta El imponen-
te señor Verdejo, em 1957, também protagonizado por Retes. Trata-se de um filme promocional
do Serviço de Seguro Social (SSS), no qual o famoso roto recebe uma casa e várias pensões por
parte da instituição estatal.
9 A personagem de Desideria nos faz lembrar o célebre personagem, também de origem radio-
fônica e posteriormente migrada para o cinema, de Cándida, protagonizada pela atriz argen-
tina Niní Marshall. Um estudo comparativo entre Desideria e Cándida, logo, entre González e
Marshall, merece ser realizado.
10 Segundo Salinas Campos, a revista foi anunciada na época como um “espetáculo más chileno
que la chucha-cho”.
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 479
mexicano Allá en el rancho grande (1936), de Fernando de Fuentes. Um ver-
dadeiro marco no cinema mexicano, essa comédia musical iniciou todo um
gênero na cinematografia asteca (a comédia ranchera), além de ter aberto as
portas do mercado internacional para a produção fílmica do país nortista.
Pelas informações de Salinas Campos, a peça de Retes era composta por “con-
trapuntos, tonadas e duelos de guitarras entre charros mexicanos e rotos chi-
lenos”, chegando a ter 45 artistas em cena. Por volta desse período, ingressa
na Companhia Bataclánica Cóndor, dirigida por seu irmão, Rogel Retes, que
enaltecia nas propagandas de suas peças o talento humorístico de sua equipe
artística e a graciosidade de suas dançarinas.
O nosso objetivo não é realizar um estudo sobre a inter-relação entre
a imprensa e o teatro de revistas e a produção cinematográfica no Chile.
Deveríamos incluir também nesse repertório a presença da rádio e da indústria
fonográfica. Portanto, a produção cinematográfica chilena em seu chamado perí-
odo clássico não é muito diferente de outras cinematografias latino-americanas.
Também é semelhante a forte rejeição, por parte da elite intelectual e social, às
produções locais de êxito comercial. Nesse sentido, é impressionante a radical
diferença entre as pretensiosas obras da Chile Films e essa produção de apelo
popular. E o próprio cinema chileno produziu verdadeiras pérolas ao ironizar o
erudito e o popular no cinema e também abordar a indústria cinematográfica
(e, por extensão, cultural) como uma fábrica de ilusões, além de satirizar as rela-
ções entre centro e periferia ao retratar com humor e inteligência as dificuldades
da produção fílmica local diante dos modelos hegemônicos — hollywoodianos
ou das indústrias latinas, como Argentina e México. Destacamos, nesse rol, as
comédias Hollywood es así (1944), de Jorge Délano, e La dama de las camelias
(1947), de José Bohr. No entanto, nossos olhos se voltam de agora adiante para a
década seguinte, quando o sonho industrial da Chile Films se transforma em um
pesadelo devido ao seu fracasso. Assim, os anos 1950 foram retratados na histo-
riografia clássica do cinema chileno como um período sombrio, preocupando-se
mais em vislumbrar o que irá eclodir na década seguinte do que compreender a
sua singularidade. Portanto, cremos que esse período merece pesquisas e aná-
lises mais aprofundadas, o que o presente texto, com certeza, não dará conta.
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 481
entranhada em seu imaginário e na literatura, sobretudo por meio da figura do
huacho, palavra em Quéchua para “criança abandonada”, em geral, órfã de pai.
Ressaltamos no filme como o Mapocho marca uma rígida linha divisória
em termos sociais. Aliás, o cinema argentino, por sua vez, desde o seu perí-
odo silencioso, aborda essa forte divisão social também por meio de um rio,
o Riachuelo. Frisamos o modo como Hermógenes e Silvano passam a fazer
honradamente parte do Centro: através de um emprego municipal, cuja oferta
é lida em um jornal. “Funcionários públicos!”, exclama Hermógenes; “cida-
dãos ilustres”, complementa. Para dois míseros desempregados de periferia, é
o caminho, digamos, mais digno para fazer parte da capital, e altivos voltam
para a casa, pois “companheiro, é preciso ir dormir para amanhã acordar com a
mente limpa” – conclama Hermógenes. A caminho de casa, aconselha Silvano
a se livrar da fonte de todos os seus males, sua paixão por Maruja, enquanto ele
lhe retruca que ele é forte e que, por isso, conseguirá esquecê-la. Esse diálogo
se dá por um duo na divertida canção “Serenata testaruda”, sob o estilo de
canto tirolês, a música mais inusitada e, por isso, a mais cômica do filme.
Na sequência seguinte, vemos os dois nas ruas do Centro, felizes e hon-
rados sobre uma carroça-caçamba (o emprego público é de lixeiro), quando
Silvano canta “Santa Lucía”, uma ode ao Cerro homônimo, ponto turístico e
histórico da capital.11 A feliz sequência, entremeada pelos contentes lixeiros
na carroça com planos do Cerro e de transeuntes e carros, é abruptamente
interrompida por um aterrador assalto a banco próximo ao local, que muda o
destino dos protagonistas. Em seguida, após adquirirem fortuna, decidem fre-
quentar a vida noturna da cidade, ambiente em que está Maruja, transformada
em cantora de boleros com muito sucesso sob o nome artístico de María del
Mar. No entanto, Maruja é infeliz, pois se sente tão falsa quanto o seu nome
inventado e o matrimônio fake com Federico, mais um golpe de publicidade
para alavancar a sua carreira.
A comédia musical Uno que ha sido marino é fruto da oportunidade do
cineasta José Bohr em aproveitar uma estadia da atriz e cantora Hilda Sour
11 O Cerro Santa Lucía é o local de fundação de Santiago do Chile por Pedro de Valdivia, em 13 de
dezembro de 1540. O nome se deve à santa do dia, a Santa Lúcia de Siracusa ou, como popular-
mente é conhecida em nosso idioma, Santa Luzia. Durante as reformas de Vicuña Mackenna nos
anos 1870, o morro é transformado em um parque urbano, dando-lhe jardins em estilo francês,
fontes, escadas, trilhas, um museu (o Castelo Hidalgo), desativado posteriormente, e um mirante.
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 483
ritmos também oriundos do Caribe fremem a noite santiaguina: o mambo e
o cha-cha-chá. Esses ritmos afro-caribenhos tinham ingressado na poderosa
indústria cultural mexicana na segunda metade da década de 1940, quando
invadem os rádios e as pistas de dança da Cidade do México. Logo em seguida,
tomam de assalto as telas de cinema, dando início a um subgênero no seio do
melodrama (os “filmes de cabaretera”), reforçando, mais uma vez, o México
como centro de talentos cubanos, atraindo para os seus cabarés e estúdios (de
rádio e de cinema) músicos, dançarinas e atrizes da ilha. Também são realizadas
coproduções com Cuba, sendo o principal esteio da produção cinematográfica
do país até a Revolução, que rompe radicalmente com esse modelo de cinema.
Obviamente, essa produção se irradia por todo o continente. Portanto, talvez
o aspecto mais chamativo (e saboroso) no longa-metragem que Bohr dirige
após Uno que ha sido marino, a comédia El Gran Circo Chamorro (1955), con-
siderado o filme chileno de maior bilheteria em uma década tão ingrata com o
cinema nacional, seja justamente a presença de uma artista cubana.
Trata-se da cantora Xiomara Alfaro, apelidada de “a rouxinol da canção”,
mundialmente conhecida por sua gravação do bolero “Siboney”, de Ernesto
Lecuona. Em 1954, participa do filme Mambo, de Robert Rossen, rodado na
Itália e protagonizado por Silvana Mangano e Vittorio Gassman. Em 1956, tra-
balha na produção mexicano-cubana Yambaó, de Alfredo B. Crevenna, prota-
gonizada pela diva das rumberas, estrela da era de ouro do cinema mexicano,
a atriz, dançarina e coreógrafa cubana Ninón Sevilla. A aparição de Alfaro no
filme de Bohr se deve, mais uma vez, ao senso de oportunidade do cineasta
teuto-chileno: a cantora cubana se encontrava no Chile em uma turnê. Em El
Gran Circo Chamorro, Alfaro aparece em um salão decorado com bandeiras
chilenas cantando a guaracha “Atrácale el bote”, composta pelo próprio Bohr.
O ambiente é o palco de uma casa de espetáculos chamada El Pollo Dopado,
uma piada com a célebre boate El Pollo Dorado, localizada próximo à Plaza
de Armas e ao Palácio de La Moneda, e que se converteu na principal casa
noturna de ritmos nacionais nos anos 1950, se referindo a si mesma como o
rincón de la chilenidad.
Por tal motivo, entendemos os temas nacionais na decoração do salão e a
letra da música, que se refere ao chileno. Porém, o instigante é a presença de
uma cantora e um ritmo musical de Cuba. A guaracha é um gênero popular
cubano caracterizado por suas letras satíricas. Nada mais conveniente para um
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 485
— motorista de ônibus, padeiro, encerador de pisos, copeiro. A sequência de
abertura do filme já propõe Chamorro como esse roto que simboliza todo um
povo. São planos dos Andes e a voz over do próprio diretor, em tom bastante
autoral, que se dirige ao público:
Meus amigos, lhes fala José Bohr. Enquanto admiram a beleza extraordiná-
ria da Cordilheira dos Andes que, com suas neves eternas, é como um largo
sorriso que saúda ao viajante. Sorriso que também parece se refletir no
caráter sempre otimista de um povo: o povo chileno. Neste povo sem igual,
encontrei-o sob a humilde tenda de um desses circos que se anunciam
sempre sob o nome pomposo de ‘o Grande Circo...’. (EL GRAN..., 1955)
Como chama a atenção Santa Cruz G. (2011), esse prelúdio não é o único
momento metanarrativo em um filme supostamente tão convencional. Logo
após a abertura, os créditos do filme são curiosa e inventivamente apresenta-
dos diegeticamente, como se fossem anúncios do circo. Além disso, em mais
de uma ocasião, Chamorro, diante de uma inesperada situação, afirma que tais
coisas “parecem como nos filmes”. Como analisa Santa Cruz G., essas expres-
sões denotam que são coisas improváveis, artificiosas, maravilhosas, tais como
no cinema. O ápice é quando o personagem exclama de tal modo, olhando sor-
ridentemente para a câmera, desmontando o artifício. Como o próprio Santa
Cruz G. sublinha, o uso de tais procedimentos metanarrativos é sabiamente
justificado pelo próprio tema-título do filme, o circo, que expressa exata-
mente o sentido de espetáculo, entretenimento, deslumbramento e, ao mesmo
tempo, artificialidade.
O tema da mobilidade social se expressa pelo viés geracional. Todo o
esforço (e orgulho) de Chamorro é ver o seu filho em outro patamar social,
cuja oportunidade virá pelos estudos, o que a vida negou ao velho palhaço.
Apesar das boas notas, o que demonstra empenho e vocação, Fernando é um
personagem frágil, talvez devido à desatenção afetiva de seu pai, às voltas com
a labuta diária.12 No entanto, o compromisso de Margarita (Malú Gatica), a
filha do patrão, com Fernando é posto em causa por Chamorro, ao constatar
12 É curioso notar que em nenhum dos dois filmes analisados aparece a família mononuclear bur-
guesa completa. Trata-se de famílias monoparentais, mas, ao invés da ausência do pai, como no
tradicional caso do huacho, encontrarmos a ausência materna, em geral, provocada por morte
prematura.
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 487
sendo fundamentalmente entendido como mero entretenimento. O musical
também. Mas é possível um filme musical ser político?14
Considerações finais
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 489
realizador dos espetáculos que precediam os jogos de futebol no Estádio
Nacional de maior rivalidade universitária – os times Universidade do Chile e
Universidade Católica –, com uma mistura de música, teatro, dança, sketches
de humor e pirotecnia. Devido ao seu talento de showman com forte diálogo
com a juventude, foi convidado por Eduardo Frei Montalva a trabalhar em sua
campanha eleitoral de 1964. É nesse contexto que auxilia na organização da
Marcha da Pátria Jovem, um gigantesco movimento de massas que convergiu
para Santiago milhares de jovens de todo o país, do norte e do sul, em apoio
ao candidato democrata-cristão. Em seguida, na televisão, dirige um programa
musical no qual se apresentam cantores e grupos, com ênfase nos ritmos fol-
clóricos. Becker decide levar esse modelo para a tela grande ao dirigir o longa
musical homônimo do programa televisivo: Ayúdeme usted, compadre (1968).
Em pouco tempo, transforma-se no maior sucesso de bilheteria da história do
cinema chileno, com cerca de 370 mil espectadores. Um fenômeno que o pró-
prio Becker não consegue mais repetir ao tentar emplacar seus dois musicais
seguintes, Volver (1969) e Con el santo y la lismona (1970). Na historiografia, a
obra de Becker é alvo do mesmo desprezo de realizadores anteriores citados
como Bohr, Davison e Liguoro.
Por sua vez, Cortínez e Engelbert polemizam ao afirmar que Ayúdeme
usted, compadre é um dos filmes mais políticos do cinema chileno dos anos
1960 ao ser entendido como a tradução audiovisual do governo Frei Montalva.
Assim, o campo exaltado pelo filme de Becker se coaduna com as medidas de
Frei voltadas para o campesinato que estavam ocorrendo exatamente naquele
momento, como a Reforma Agrária e a sindicalização dos trabalhadores rurais.
Em contraste, El chacal de Nahueltoro (1970), dirigido por Miguel Littín, tam-
bém oriundo do teatro universitário e da televisão como Becker, é conside-
rado o primeiro filme de ficção chileno a exibir explicitamente a miséria no
ambiente rural e as suas perversas consequências sociais. No meio urbano,
essas mazelas já começavam a ser abordadas desde a década anterior por um
viés neorrealista, sobretudo em La caleta olvidada (1958), de Bruno Gebel.
Desse modo, se o roto tende a apresentar-se, a partir dos anos 1960, sob
a figura do favelado, do alcoólatra pobre e da criança de rua, podemos, por
outro lado, reconhecer a sua picardia no retrato das classes médias baixas, na
figura do suburbano ou do provinciano – curiosamente, nos cineastas mais
experimentais, isto é, Raúl Ruiz e Cristián Sánchez. Por sua vez, o diálogo entre
Referências
CAVALLO, A.; DÍAZ, C. Explotados y benditos: mito y desmitificación del cine chileno
de los 60. Santiago: Uqbar, 2007.
CINECHILE: enciclopedia del cine chileno. 2009-2018. Disponível em: <www.
cinechile.cl>. Acesso em: 11 mar. 2016.
CINETECA nacional online. Disponível em: <http://www.ccplm.cl/sitio/secciones/
cineteca-nacional/cineteca-online/>. Acesso em: 11 mar. 2016.
CORTÍNEZ, V. El cine chileno de los sesenta: clave para una cultura moderna. In.
PAATZ, A.; REINSTÄDTLER, J. (Org.). Arpillera sobre Chile: cine, teatro y literatura
antes y después de 1973. Berlim: Tranvía: Verlag Walter Frey, 2013. p. 13-59.
CORTÍNEZ, V.; ENGELBERT, M. Evolución en libertad: el cine chileno de fines de los
sesenta. Santiago: Cuarto Propio, 2014. 2 v.
EL GRAN circo Chamorro. Direção: José Bohr. Chile: [s.n.], 1955. 107 min.
GUTIÉRREZ, H. Exaltação do mestiço: a invenção do roto chileno. Esboços,
Florianópolis, v. 15, n. 20, p. 139-153, jun./dez. 2008.
MEMORIACHILENA: biblioteca nacional do Chile. Disponível em: <http://www.
memoriachilena.cl/602/w3-channel.html>. Acesso em: 12 mar. 2016.
MOUESCA, J. El cine sonoro en Chile: su impacto social y cultural. Cinemais, Rio de
Janeiro, n. 7, p. 31-51, set./out. 1997.
OSSA COO, C. Historia del cine chileno. Santiago: Quimantú, 1971.
Aspectos sociais da urbanidade chilena no cinema do pós-guerra: indústria cultural, o roto e a modernidade 491
PARANAGUÁ, P. A. O cinema na América Latina: longe de Deus e perto de
Hollywood. Porto Alegre: L&PM, 1985.
PEIRANO, M. P.; GOBANTES, C. (Org.). Chilefilms, el Hollywood criollo:
aproximaciones al proyecto industrial cinematográfico chileno, 1942-1949. Santiago:
Cuarto Propio, 2014.
RUEDA, J. La poesía popular de Héctor Meléndez en la revista Topaze. Revista
Iberoamericana, Pittsburgh, v. 77, n. 236-237, p. 731-747, jul./dic. 2011.
SALINAS CAMPOS, M. El teatro cómico de los treinta y las representaciones de
Topaze y Juan Verdejo en los escenarios de Chile. Polis: Revista Latinoamericana,
Santiago, n. 13, p. 1-14, 2006.
SANTA CRUZ ACHURRA, E. El cine chileno y su discurso histórico sobre lo popular:
apuntes para un análisis histórico. Comunicación y Medios, Santiago, n. 18. p. 57-69,
2008.
SANTA CRUZ ACHURRA, E. Entre huasos y rotos: identidades en pantalla: el cine
chileno en la década de los 40. In: BARRIL, C.; SANTA CRUZ G., J. (Org.). El cine que
se fue: 100 años de cine chileno. Santiago: Arcis, 2011. p. 130-138.
SANTA CRUZ G., J. José Bohr y un cine ausente. In: BARRIL, C.; SANTA CRUZ G., J.
(Org.). El cine que se fue: 100 años de cine chileno. Santiago: Arcis, 2011. p. 42-50.
VEGA, A. et al. Re-visión del cine chileno. Santiago: Aconcagua, 1979.
Introducción
Concepto de género
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 495
Lo distintivo de esta aproximación es que toma en consideración el carác-
ter histórico del género, entendido como un espacio de continua lucha o
“negociación” entre un sistema de producción específico y un público dado.
1 Emilio García Riera (1984, p. 137-138) en una nota del Variety del 21 de octubre de 1936, sobre
la exhibición de Allá en el Rancho Grande en Nueva York; después de elogiar el éxito que tuvo la
cinta, se señala: “Aparte de las cualidades mencionadas, la película tiene la ventaja adicional de
tener canciones que se han difundido ampliamente por radio y fonógrafo en este país.”
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 497
el campirano o ranchero, el romántico y el regional. (MUSEO NACIONAL
DE CULTURAS POPULARES, 1986, p. 92)
Factores de impulsó a la renovación de la canción mexicana, fueron
eventos como el concurso y feria de la canción en el teatro Lírico, realizado
en 1927, del que surgieron compositores que darían fama internacional a la
música mexicana a través del cine (María Grever, Jorge del Moral, Espinosa
de los Monteros, Guty Cárdenas, Agustín Lara, Lorenzo Barcelata, Salvador
Quiroz, Ricardo Palmerín y Joaquín Pardavé); el debut en el teatro Politeama,
de portadores de nuevos estilos: el trío Garnica-Ascencio, Lucha Reyes, Delia
Magaña, el dueto de Felipe Liera y Lupe Irigoyen, y el tenor Pedro Vargas.
A esta nueva generación de intérpretes y compositores se sumó el grupo Los
Trovadores Tamaulipecos, que fue decisivo en la evolución del género ran-
chero. Integrado por Ernesto Cortázar, Lorenzo Barcelata, Alberto Caballero,
Antonio García Planes y Andrés Cortés Castillo, este grupo estableció un
exitoso estilo de canciones y ejecución que rápidamente fueron imitados.
Barcelata y Cortázar se separaron del grupo en 1935 y se incorporaron al
naciente cine sonoro mexicano, fijando moldes y estilos de lo que se conoce-
ría como la nueva canción ranchera.
Pero sin duda fue el cine el que dotó de presencia y arraigo a esta nueva
forma de ejecución. A través del charro cantante, la canción bravía se “mascu-
linizó” y se afirmó en el gusto popular, interpretada por figuras como Jorge
Negrete, Pedro Infante o Luis Aguilar. El cine la remodeló y ajustó a su esquema
de la realidad a través de la comedia ranchera. La relación entre canción bravía
y cine, se volvió inseparable a partir del éxito de ¡Ay Jalisco no te rajes! (1941,
Joselito Rodríguez), cuando entraron en escena el compositor Manuel Esperón
y el letrista Julio Cortázar; quienes desarrollaron la producción en serie de este
tipo de canciones. Esta dupla generó una producción fuera de lo común, que
aunque retomaba elementos del tradicional son jalisciense, poseía mayor sofis-
ticación y frescura, manteniendo en los oídos del oyente el nexo cada vez más
lejano con la provincia campirana. (MORENO RIVAS, 1989, p. 187) Los temas
que sirvieron de inspiración a ese tipo de canción ranchera fueron el alcohol, el
corrido de nota roja, el abandono, el desdén, el elogio a la provincia, la exalta-
ción del machismo y la afirmación nacionalista o localista; mismos temas que
adoptó y naturalizó la comedia ranchera.
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 499
Lucha Reyes y Jorge Negrete en ¡Ay Jalisco, no te rajes!
En este filme realizado en 1941 por Joselito Rodríguez, se dio la única coinci-
dencia entre Lucha Reyes, conocida en el medio del espectáculo como la reina
de la canción ranchera y Jorge Negrete, un cantante de ópera de voz privilegia-
da en vías de consagrarse como el prototipo del charro cantante.
Esta película, que tuvo un éxito insospechado, comparable al que había
tenido Allá en el Rancho Grande en 1936, narra la vida del niño Salvador Pérez
Gómez (Jorge Negrete), cuyos padres son asesinados por unos desconoci-
dos. El niño crece cuidado por Chaflán, el fiel peón familiar y su padrino, el
cantinero español Radilla, quien lo prepara en el arte del juego y la habilidad
con la pistola, para vengar la muerte de sus padres. Accidentalmente conoce
y se enamora de Carmela, prometida del arrogante Felipe (Victor Manuel
Mendoza), al que no quiere, pero con quien se casará para evitar la ruina de su
padre. La sobrina de Carmen, la niña Chachita, se encarga de unir a su tía y a
Salvador, quien entra en contacto con el gatillero “Mala Suerte” (Ángel Garasa),
que le ofrece información sobre los que mataron a sus padres. Apodado “El
Ametralladora” después de matar a cinco de los asesinos de sus padres (con
cinco disparos consecutivos), Salvador logra su venganza con la ayuda de y
Chaflán y huye con Carmela para evitar su boda.
Entre los factores que pueden ayudar a entender el gran éxito de ¡Ay
Jalisco, no te rajes!, destaca especialmente el intertexto de la canción ranchera
y los cantantes y actores elegidos. La música de Manuel Esperón, en especial la
que da título a la cinta, constituyó un atractivo indiscutible para el espectador
de la época, pues remitía a la canción interpretada y puesta de moda por quien
desde fines de los años treinta era considerada la mejor intérprete de la canción
mexicana: Lucha Reyes. (VELASCO, 2012) En una época anterior a la televi-
sión, en la que sentaba sus bases la industria del entretenimiento, la difusión
de las canciones se iniciaba en el teatro de revista, donde los autores y sus can-
ciones se daban a conocer y eran aceptados o rechazados por el público, luego
pasaban a las compañías disqueras y a la radio, el primer gran medio de comu-
nicación masiva del siglo XX; y las que resultaban triunfadoras llegaban al cine.
Esos diferentes medios se nutrían mutuamente, al reciclar canciones, actores y
temas. El cine sonoro, que desde su inicio estuvo vinculado a la canción mexi-
cana con Santa (1931, Antonio Moreno), título de la canción homónima del
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 501
militar), pero poco a poco se fue introduciendo en el mundo del espectáculo,
teniendo como objetivo convertirse en actor y cantante de ópera y triunfar en
Hollywood. (SERNA, 1993, p. 24-45)
En esa película es quizá donde mejor se pudo expresar el estilo de Lucha
Reyes; ahí aparece una cantante en plenitud, poseedora de un dominio de la
voz y los gestos casi violentos. En su breve intervención se percibe un cierto
desafío hacia Negrete en términos interpretativos, una especie de reto a la
forma masculina de interpretar la canción ranchera, que él representa y que
ella ha transformado. En la interpretación que ambos personajes hacen de la
canción tema (¡Ay Jalisco no te rajes!), se advierte que el estilo desarrollado por
Lucha Reyes, quién había llevado al éxito dicha canción, ha sido asimilado en
gran medida por Negrete, añadiendo sus propios recursos vocales y expresivos.
En términos de puesta en escena, en esa secuencia donde aparece can-
tando Lucha Reyes se observa una representación inequitativa de la famosa
cantante, si la comparamos con la secuencia respectiva en que Jorge Negrete
interpreta la misma canción. En ese filme se puede decir que se capitalizó la
fama de Lucha Reyes para apuntalar el lanzamiento de Negrete como un nuevo
tipo de charro cantante, negándole a ella un papel equivalente en términos
narrativos y de imagen.
Tanto Lucha Reyes como Negrete habían iniciado su carrera en el cine
mexicano al final de los años treinta; ambos tenían formación académica en el
canto, él era barítono y ella soprano. Jorge Negrete había filmado ocho pelí-
culas hasta ese momento, con papeles protagónicos, y en todas ellas inter-
pretaba canciones de diverso tipo, desde habaneras hasta romanzas cursis,
pero todas muy lejos de lo popular mexicano. Su debut fue en La madrina
del diablo (1937), seguida por La Valentina (1938), El cementerio de las águilas
(1938), Perjura, Juan sin miedo (1938), Juntos pero no revueltos (1938) y Caminos
de ayer (La mano de Dios) (1938). La primera película en la que canto el género
ranchero y lució el traje de charro, fue Aquí llegó el valentón (El fanfarrón) (1938,
Fernando A. Rivero), en ella se perfila ya gran parte de lo que será su estilo de
interpretación y su personalidad histriónica altiva y resuelta.2 Sin embargo, fue
en ¡Ay Jalisco, no te rajes! donde aparece ya claramente definida su forma de
2 Esta película se estrenó cinco años después en una sala de segunda, cuando Jorge Negrete ya
era famoso. (GARCÍA RIERA, 1992, p. 54-55)
3 Entre ellos la película de Arturo Ripstein La reina de la noche (1994), documentales televisivos y
la novela de Alma Velasco (2012).
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 503
pinta, uno de sus éxitos. Después de su participación en ¡Ay Jalisco, no te rajes!
(1941, Joselito Rodríguez), Lucha Reyes intervino en Flor silvestre (1943, Emilio
Fernández), donde cantó El Herradero, una de las canciones representativas
de la mexicanidad campirana creada por el cine mexicano, y que resume la
función que el cine de la época le asignó a esta gran intérprete, como símbolo
femenino de la canción popular bravía.
En la cinta hay dos interpretaciones de ¡Ay Jalisco, no te rajes! La primera es
la de Lucha Reyes, en el minuto 44:14, donde sin aparente justificación narra-
tiva entra a cuadro en Planos medios, en el ruedo de un palenque en pleno
día de fiesta. La puesta en escena la muestra en primer plano, mientras en un
segundo plano, y desde el lado derecho van entrando Salvador (Negrete) y los
actores cómicos de soporte (Chaflán y Mala suerte). La cantante luce el cabello
recogido hacia un lado, falda hasta el tobillo y blusa ajustada con hombreras,
aretes y collares que dan vida a su rostro, pero que no siguen el estereotipo de
la china poblana, la que históricamente era la pareja del charro. La interpre-
tación altiva y desafiante de Lucha Reyes (con el rostro y el pecho levantados,
dominando el escenario con sus desplazamientos, mirada y ademanes) consti-
tuye una atractiva dramatización de la canción, aunado a la potencia desgarrada
de su voz, que transmite la intensidad emotiva de lo que expresa la letra. Su
estilo de interpretar compromete simultáneamente el cuerpo y la voz, la movi-
lidad corporal es desafiante e intensa y logra un fácil contacto con el receptor.
La secuencia dura 1 minuto 58 segundos, sin embargo, no todo ese tiempo apa-
rece a cuadro, pues su presencia es fragmentada (¿minimizada?) por el montaje,
que mantiene su voz fuera de campo la mayor parte del tiempo, usándola en
plano/contraplano para ilustrar tomas del lugar, especialmente de Salvador
(Negrete) y sus amigos, así como del mariachi y de otros asistentes sentados en las
gradas del palenque. La energía expresiva de su voz se convierte en marco sonoro
que enfatiza y resalta escenas de la charrería ejecutadas por diestros rancheros.
Esa puesta en escena niega al espectador la visión de Lucha Reyes can-
tando y la deja sólo como voz sin rostro. Ello implica una evidente decisión
formal que resta relevancia a su participación como intérprete de la canción
tema, la que ella había hecho famosa, gracias a su estilo “bravío”, agresivo y
reivindicativo. A pesar de que su participación entra en lo que después se lla-
marían “actuaciones especiales”, es clara la intención de usar su fama dentro
de la música popular para promover a Jorge negrete. No obstante, un análisis
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 505
femenino en público, sin pedir su consentimiento. Esto, que tiende a igno-
rarse en los análisis, ejemplifica el nivel de naturalización de la dominación
patriarcal en la cultura de la época, pues la narración lo presenta en plan lúdico.
Siguiendo esa intención lúdica, Lucha Reyes responde jalándole la corbata a
Mala suerte, lo que provoca que Chaflán instintivamente extienda las manos
hacia el trasero de la cantante, pero otra mano lo detiene. Esta parte, que bien
pudo haberse eliminado durante el montaje por su mal gusto y falta de respeto
a una mujer, aparentemente en esa época (1941), se percibía como algo natural
y divertido, aún dentro de una película clasificación A.
La interpretación de Salvador (Negrete) de la misma canción, se da en el
minuto 55 y tiene una duración de cinco minutos (casi cuatro minutos más que
la de Lucha Reyes). En ella hay una introducción de 53 segundos a cargo de un
trío de cancioneras que funcionan como coro de apoyo al charro cantante. En
esta secuencia, que se da en el interior de una cantina, Negrete entra a cuadro en
una especie de coreografía que lo destaca e individualiza a través de los encua-
dres (planos medios y primeros planos de su rostro) y de las acciones de los
demás, especialmente las jóvenes cancioneras a las que sienta a su lado y le sir-
ven de apoyo al interpretar una parte de la canción. Otro elemento de soporte
es el mariachi, que también canta un segmento de ¡Ay Jalisco, no te rajes! y
permite un mayor lucimiento de Jorge Negrete quien finaliza la interpretación.
En comparación con la forma de cantar de Lucha Reyes, la de él es menos
expresiva en cuanto a mímica y gestos, todo lo articula a través de la ejecución
vocal, que algunos consideran “limpia”, aunque en ocasiones excesivamente
refinada, debido a su entrenamiento operístico. No obstante, Jorge Negrete
adaptó a su voz y posibilidades de matiz el estilo bravío que había desarrollado
Lucha Retes, y le aporto nuevas características de ejecución. A partir de sus
interpretaciones en ¡Ay Jalisco, no te rajes! , impuso un estilo ágil, agresivo y
vivaz, que sería distintivo de la canción ranchera y sería modelo para decenas
de sucesores. (MORENO RIVAS, 1989, p. 206)
Sofía Álvarez
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 507
película es expresar el nacionalismo en oposición a lo extranjero (estadounidense)
en costumbres, lenguaje y estilo de vida. El personaje de Sofía Álvarez comparte el
escenario con Infante, cantando a dúo Bajo el sol de Jalisco, luciendo un estilizado
traje de china poblana y de charro, respectivamente, y bailando el jarabe tapatío
(danza que simula un cortejo) en planos medios, cortos y de conjunto.
Pero ninguna película del género ranchero había propuesto un personaje
que asumiera abiertamente su masculinidad femenina, como fue el caso de
Chabela Vargas (Sofía Álvarez) en La barca de oro. La película es la historia de
la joven Chabela, dueña de un rancho, quien vive con su hermana y su tío y se
encarga de la administración. Usa el atuendo masculino y convive con sus traba-
jadores de igual a igual, en el campo y la cantina. Su tío quiere que se case, como
su hermana que ya tiene novio. La llegada de un Ingeniero de la capital que
va a venderles material agrícola, despierta su interés. Su caporal Pedro (Pedro
Infante) está enamorado de ella y al oír rumores sobre la supuesta boda de ella
con el Ingeniero, se desilusiona. Durante una celebración en el rancho, Chabela
se viste como una dama y causa sensación, ahí se anuncia su boda con el inge-
niero. Pedro desaparece, Chabela descubre que el ingeniero pretendía también
a su hermana y lo despide. Después de una pelea entre Chabela y Pedro, se
reconcilian y se casan. Tienen una niña que se comporta igual que su madre.
La barca de oro comienza y termina con la interpretación del corrido de
Chabela Vargas (que es un recuento de su personalidad), cantado por Pedro
Infante primero y por la hija de ambos al final. Enseguida interpreta una can-
ción ranchera con estilo desafiante, algunas de cuyas frases son las siguientes:
4 Este género estuvo en boga en el cine norteamericano en los años treinta y cuarenta, en el
contexto de la gran depresión y sirvió de escape a la problemática social. En ella destacan las
mujeres, que son las que sostienen la trama con sus acciones, suelen ser de carácter fuerte,
valientes y rebeldes hacia las convenciones sociales que las limitan.
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 509
A modo de conclusión
La intención de analizar las formas en que cantantes como Lucha Reyes y Sofía
Álvarez utilizaron la canción bravía en la comedia ranchera, tiene como objeti-
vo ayudar a ampliar el conocimiento sobre la relación entre la canción popular
y las representaciones que el cine ha ofrecido de las cantantes del género ran-
chero, la mayoría etiquetadas como cancioneras. En ese sentido, se pretende
contribuir al establecimiento de líneas de análisis que aborden teóricamente
este ámbito de la historia del cine, el de las cantantes de música ranchera, para
entender mejor la aportación femenina a un género usualmente asociado a fi-
guras masculinas.
Referencias
Lucha Reyes y Sofía Álvarez: La apropiación subversiva de la canción ranchera en el cine... 511
Momentos musicales en el cine
de Emilio el Indio Fernández
casos de contemplación, compasión y éxtasis
Introducción
1 Recuérdese que hay una convención cultural extendida que permite estas relaciones: “Do mayor
como música ‘alegre y guerrera’, Mi bemol mayor como ‘cruel y severa’, Sol mayor como ‘tran-
quilamente alegre’ y así sucesivamente. Claro está que, como lo recuerda Freedberg, el impacto
emocional de la música es mucho más complejo debido a las modulaciones no sólo de las claves,
sino del ritmo, la armonía, la melodía, para no mencionar las variaciones culturales, individuales y
ambientales del auditorio en general y de cada escucha particular”. (DÍAZ, 2010) Para otros teóri-
cos debe romperse con estos convencionalismos, que indican que “para expresar bondad y amor
la tesitura de la composición debería ser alta o media, mientras que para expresar lo contrario
– maldad y celo s– debería ser grave”. (OLARTE MARTÍNEZ, 2002a, p. 751)
2 Las abandonadas (1944); El rapto (1953); Un dorado de Pancho Villa (1966); El crepúsculo de un
dios (1975) y Zona Roja (1968). (GARCÍA RIERA,1987)
3 El Trío Calavera estaba formado por Guillermo Bermejo Araujo, Miguel Bermejo Araujo y Raúl
Prado. La letra dice: “Pa’ qué cantarán las aves, en medio de aquel palmar / Pa’ qué trinará el
cenzontle tan cerca de mi jacal / Si ella no ha de escuchar / Pa’ qué Pa qué cantarán / si ella no
ha de escuchar / Pa’ qué va a rallar el alba / Pa’ qué va a salir el sol / si para mí todo es noche /
desde el día en que me dejó / Y pa’ qué brilla la luna si no hay noche de amor / Y Pa’ qué brilla la
luna si no hay noche de amor”. Letra transcrita de la cinta sonora de la versión estudiada.
4 Este nombre parece inspirado en la Margarita Gautier de La dama de las camelias de Alejandro
Dumas hijo, novela de 1848 que inspiró la ópera La Traviata de Giuseppe Verdi, de 1853. Es un
arquetipo europeo que mexicaniza la cinta de Fernández.
Calificada como comedia con imprecisiones históricas, es sin duda una de las
películas más famosas de Emilio Fernández. Es una adaptación de La doma de
la bravía,5 la mujer rebelde que es sometida por el hombre a quien ama. Esta
comedia permitió mostrar el paisaje y las bellezas arquitectónicas de Cholula
y Puebla, y la veta cómica de María Félix y Pedro Armendáriz. La música está
a cargo de Eduardo Hernández Moncada. Se incluyen canciones de Pedro
Galindo: La malagueña y La ingrata mujer, y Ave María de Franz Schubert.
Las tres canciones comentan el tema de la película: la mujer que se contempla,
se admira, se ama o se desprecia. Los fondos musicales parafrasean algunas
canciones populares de la época de la Revolución.
Acerca de música de la película se dice que:
Disentimos de esta opinión, pues como se verá más adelante este momento
da un tono preciso a la cinta. Efraín Huerta hizo una crítica de la película en
forma de corrido titulado “Corrido de la Enamorada”.6 Otras críticas destacan
que “[...] se nota en Enamorada una gran desproporción entre las maravillas de
la fotografía y el fondo musical o entre la fotografía y el tema de la película”.
(MANCISIDOR apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 98)
5 La doma de la bravía o La doma de la furia (en inglés, The Taming of the Shrew), comedia de
William Shakespeare de 1560. También se alude a una historia semejante en El Conde Lucanor,
Ejemplo 35, de Don Juan Manuel, de 1335. La versión de Fernández combina algunos elemen-
tos de la trama de la comedia en un ambiente que alude a la Revolución sin precisar más su
contexto histórico.
6 “Voy a contarles, señores, / lo que en Cholula pasó, / cuando el general Juan Reyes / con sus
hombres la tomó / […] Una noche, José Juan serenata le llevó / Perdón pidió el general / un
perdón para su amor”. […] “Salió Beatriz a la calle / llorando de puro amor / Va siguiendo a José
Juan, / el dueño de su pasión / -Perdón, mi padre querido / Perdón les pido a los dos / Yo me
voy de soldadera / ¡Viva la Revolución”. (EFRAÍN HUERTA apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 96)
7 El interior del templo que se ve en la cinta es la Capilla de la Virgen del Rosario. Es la capilla
anexa al Templo de Santo Domingo en la ciudad de Puebla, México.
8 La pintura de Nicolás Rodríguez Juárez hecho en 1698, que vemos en la película es de utiliería y
fue pintado para la escena; alude a esa familia de pintores novohispanos y sus temas; por ejem-
plo la Adoración de los Reyes de José Juárez, óleo sobre tela, de 1655, depositado en el Museo
Nacional de Arte de la ciudad de México. (NELLY, 2002)
Este último parlamento se encabalga con las voces del Trio Calavera que
canta la primera parte de la canción: “Qué bonitos ojos tienes, debajo de esas
dos cejas”. Y un corte nos revela el más famoso close up de la película y del cine
mexicano: los ojos de María Félix que se abren para mirar hacia arriba a la dere-
cha, para preguntarse qué oyen, luego giran hacia la ventana como dándose
cuenta y ascienden hacia la izquierda para disfrutar la música. Corte y un plano
conjunto contrapicado regresa al trío. Y cuando éste dice: “Malagueña salerosa”
aparece a cuadro el general mirando hacia arriba, afuera al pie del balcón. Luego
vemos a Beatriz mirando hacia abajo, desde dentro protegida por los postigos
de la ventana. La música diegética es un puente que une los espacios físicos en
un planteamiento musical de la primera parte de la canción de los confusos
sentimientos del deseo, el arrepentimiento, el enojo y la seducción, al unísono
con el personaje de la copla, esa Malagueña que es Beatriz, cuyos ojos son domi-
nados por el carácter: ojos que quieren ver, pero cuyo carácter recio no los deja
“ni siquiera parpadear”.
La voz del trío es la voz del general enamorado que “dice” a través de los
versos de la copla su súplica. Por eso, los planos medios y cerrados del trío
multiplican el perdón masculino, cantando un falsete – que es un contrapunto
agudo a la voz viril grave – que mueven a la compasión. La segunda parte de la
canción la marcan los estribillos de la guitarra cuando no se canta, que sirven
para que Beatriz recorra su recámara y descubra al general, cabizbajo, al pie de
su balcón, derrotado y conquistado por su desdén. Él es el enamorado. En la
tercera parte de la canción ella escucha los versos cantados al pie del poste del
dosel de su cama, y vemos en sus ojos que los valora y que está siendo acon-
sejada por la canción: “Si por pobre me desprecias, yo te concedo razón” y ve
la fotografía de su prometido, el rico Señor Roberts, mientras abajo los cuatro
9 “Ya lo pagarás con Dios” es un tema de Severiano Briseño Chávez. La letra dice: “Sufro terri-
ble la ausencia / Por una ingrata mujer que me abandonó / Al cielo pido clemencia / que me
haga olvidar las penas que paso yo / Qué sentimiento tan grande / Cuando me paso las horas
velando por ti / Quiero hacer por olvidarte / Pero más y más me siento juntito a ti / Quiero no
verte ni volver a hablarte / Jamás en la vida ingrata mujer / Ya lo pagarás con Dios. Disponible
en: <https://es.wikipedia.org/wiki/Severiano_Brise%C3%B1o>.
Alguna vez se dijo de la música de Pueblerina (1949) que era “de primer orden
porque prepara el ánimo para sentir la belleza plástica y lo abre a la emoción
del idilio y la tragedia”. (DUENDE FILMO apud GARCÍA RIERA, 1987, p. 142)
Así también funciona la música en La malquerida (1949) – una libérrima adap-
tación de la obra teatral de don Jacinto Benavente escrita en 1913 –, que trasla-
da la tragedia épica de los solares castellanos a los llanos del Estado de México
y Tlaxcala. Para apropiarse de esta historia, Fernández empleó la fotografía de
Gabriel Figueroa como una magnificación de la condición humana de los aman-
tes malhadados que aparecen engrandecidos por primeros planos frecuentes y
ángulos picados que los alargan como esbeltas columnas que sostienen un cielo
cargado de desgracias, siempre a punto de soltar su tormenta sobre ellos.10
Si el triángulo es la forma más resistente en una estructura, en el melo-
drama resulta la más interesante. Cada vez que hay un giro, los otros dos ángu-
los parecen separarse. El amor entre hija y padrastro arrastra la conciencia de
todos a su alrededor. La Hacienda El Soto está retratada para enfatizar la tie-
rra que sujeta el pasado y el honor. Por eso Acacia recorre la acequia antes de
encontrarse con su salvador, Faustino, quien será asesinado por su padrastro
en el escampado. El plano general nos permite ver la escena de lejos, con el
polvo y el terreno como cómplices. El Rubio, fiel capataz, sacará a Faustino de
10 El reparto fue: Pedro Armendáriz como Esteban; Dolores del Río como Raimunda; Columba
Domínguez como Acacia, y Roberto Cañedo como Faustino, acompañados por Julio Villarreal
como don Eusebio; Gilberto González como Rubio; Mimí Derba como la madre Doña
Mercedes, y Enriqueta Reza como Juliana.
11 Cuando Faustino y su padre van a pedir la mano de Acacia, Raimunda apunta que el verdadero
interés de esa unión no es el amor, sino las tierras de El Soto, cosa que Don Eusebio considera
lo “más natural”. Faustino es engañado por Acacia, quien le hacer creer que lo quiere, y eso le
causará la muerte.
Los personajes del este peculiar cine negro son sobrevivientes con las horas
contadas. Son víctimas de algo mayor, el deseo. Su expresión es el éxtasis re-
presentado en la explosiva música tropical del cabaret, espacio que hace espec-
táculo del cuerpo y sus pasiones. En la cinta hay varios números musicales que
son naturales a la historia, diegéticos, propios del espacio de la anécdota que se
desarrolla entre los cabarets Changoo y La Máquina Loca. En las sórdidas calles
aledañas a la estación de trenes Buenavista descubrimos un excéntrico perso-
naje que se hace acompañar por un Mariachi completo que ameniza su paso.
La música alegre es el contrapunto de su vida ensombrecida por la soledad.
La vecindad y el cabaret como senos de lo humano son presentados como
los márgenes más auténticos de una ciudad populosa, empobrecida y opulenta,
fecunda y cruel, que es el escenario de la desgracia. Así, la ciudad nocturna
tiene su música alegre, despechada, trágica o sufrida. Es música para juntar
los cuerpos, bailar danzón o percusiones que aluden a la pasión casi animal,
expresada en los contoneos de músicos y bailarines.
Aquí la música es la representación sonora del fatalismo que eleva la figura
del pecador como víctima de su entorno, sin salida ni redención, para hacer
más larga su caída. En esta cinta (melodrama), la música es un personaje más en
la historia. Es una película de género musical integrado (COHAN, 2001, p. 9),
en el sentido de que la trama se emplaza en un ambiente del entretenimiento,
el cabaret y la cantina. En la primera escena la gente entra al cabaret Changoo.
En conclusión
13 “Pecadora” es un bolero, con letra y música de Agustín Lara, grabado por Pedro Vargas 1947.
Referencias
CARPENTIER, A. Ese músico que llevo dentro. Madrid: Alianza Editorial, 1987.
(El Libro de Bolsillo, n. 1245).
COHAN, S. (Ed.). Hollywood musicals, the film reader. Florence: Routledge, 2001.
(In Focus).
COLÓN PERALES, C.; DEL ROSAL, F. I.; LOMBARDO ORTEGA, M. Historia y
teoría de la música en el cine: presencias afectivas. Sevilla: Alfar, 1997.
CHION, M. El cine y sus oficios. 4. ed. Madrid: Cátedra, 2009. (Signo e imagen, 27).
DÍAZ, J. L. Música, lenguaje y emoción: una aproximación cerebral. Salud Mental,
México, v. 33, n. 6, nov./dic. 2010. Disponible en: <http://www.scielo.org.mx/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0185-33252010000600009>. Acceso en: 10 enero 2016.
LA MALQUERIDA. Direccíon: Emilio Fernández. Productores: Francisco de P.
Cabrera y Felipe Subervielle. México: Cabrera films, 1949. 90 min.
MÁRCIA CARVALHO
Introdução
2 Parte deste texto sobre o documentário biográfico já foi publicado no livro Documentário e
modos de produção. (CARVALHO, 2015a)
Tom Zé foi trazido para o movimento por Caetano Veloso, quem o con-
venceu a se mudar para a cidade de São Paulo. Segundo Carlos Calado, em seu
livro Tropicália: a história de uma revolução musical (1997, p. 38):
Todas essas experiências forjaram parte do seu gosto apaixonado pela ex-
perimentação e pela busca constante da invenção. Seus procedimentos
básicos estavam na junção de repertórios e sons já conhecidos, mas por ele
tocados em novas circunstâncias e novas relações. Quanto ao repertório,
lançava mão desde canções da tradição nordestina, que conhecia da infân-
cia, até o rock e a música de vanguarda; quanto aos elementos musicais,
utilizava tanto os instrumentos tradicionais como os novos instrumentos
eletroeletrônicos e alguns objetos e práticas sonoras do cotidiano (bacia
com água, gargarejos, palmas, gritos, furadeira, esmeril, enceradeira etc.)
4 Byrne convidou Tom Zé para gravar nos Estados Unidos em 1990, lançando, anos depois, uma
coletânea e dois discos inéditos do artista no mercado internacional; respectivamente, The hips
of tradition (1992) e Fabrication defect (1998), que conquistaram elogios da crítica especializada
norte-americana.
Considerações finais
Referências
AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005.
AVELAR, A. S.; SCHMIDT, B. B. (Org.). Grafia da vida: reflexões e experiências com a
escrita biográfica. São Paulo: Letra e Voz, 2012.
Introducción
554 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
sincronización entre sonido en vivo y doblaje y un diseño sonoro pensado para
narrar y no solo para acompañar las imágenes.
Entre las pocas películas colombianas del siglo XXI que se acercan al
género del cine musical hemos seleccionado cuatro títulos:
1. Te busco. Dir.: Ricardo Coral, 2002
2. El ángel del acordeón. Dir.: María Camila Lizarazo, 2008
3. Los viajes del viento. Dir.: Ciro Guerra, 2009
4. Ciudad Delirio. Dir.: Chus Gutiérrez, 2014
Cine musical
Si buscamos las bases del género musical notaremos que, como todo género na-
rrativo, sus fronteras están permeadas por otros géneros narrativos. Suponemos
que una película determinada ajusta al género musical cuando la música adquiere
un rol predominante y se entreteje con la narrativa, particularmente en los diá-
logos de los personajes. Es decir, las canciones y melodías que se interpretan no
sólo son complementos de la narrativa, sino que revelan pensamientos del perso-
naje y se entretejen con la narrativa. De hecho, la música hace que se trastoque la
narrativa lógica y sea remplazada por la narrativa emocional. (LAING, 2000, p. 8)
Por esto, los biopics de artistas musicales quedan en un lugar difícil en relación
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 555
con el musical, ya que plantean la relación entre el protagonista de la narrativa y
sus canciones a partir de cómo éstas cuentan su vida.
Siendo así, entendemos que el musical es el cine donde la relación entre la
música y el personaje están indivisiblemente vinculados y la historia quedaría
incompleta si la música no se incorporara directamente en relación con, y a
veces tomando prelación sobre, otros elementos de la narrativa. En ese sen-
tido, como plantea Laing (2000, p. 5):
La obras estudiadas
TE BUSCO
FICHA TÉCNICA
País: Colombia
556 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
Año: 2002
Producción: Dago García Producciones
Dirección: Ricardo Coral-Dorado
Elenco: Robinson Díaz, Felipe Rubio, Andrea Guzmán, Enrique Carriazo,
Diego Correal.
Sinopsis: A los cinco años, William pasa una temporada con su tío Gustavo,
quien decide montar una banda de música tropical para conquistar a Jazmín,
una atractiva cantante, de la que está profundamente enamorado.
El mal llamado “cine popular” está asociado en Colombia con dos nombres y dos
épocas: Gustavo Nieto Roa a fines de la década de 1970 y primeros años de la
década de 1980, y Dago García en el inicio del siglo XXI. Ambos realizadores son
productores, guionistas y directores, y su forma de hacer cine, el éxito obtenido
con el público y la narrativa de sus películas tienen grandes semejanzas. El éxito
de Nieto Roa en la década de 1980 fue tal que algunos críticos y en textos de
historia del cine colombiano se habla del “Benjumeísmo” o “Nietoroísmo”. Para
ser justos, hay que reconocer la gran influencia que en las películas de este di-
rector-productor tuvieron las películas mexicanas de las décadas de 1960, 1970 y
1980, como él mismo lo reconoció en una entrevista. El caso de Dago García es
también muy interesante, pues es un guionista vinculado con el Canal Caracol,
uno de los dos canales privados de Colombia y gracias a su participación, primero
como guionista y luego como productor, llegó a ser Vicepresidente de este canal
y dueño de su propia productora, Dago García Producciones. Si bien García no
es el director de Te busco, su estilo sí está presente en la narrativa de esta produc-
ción. Ricardo Coral-Dorado, el director de la película, también ha sido director
de series y telenovelas en Colombia y puede ser ésta la razón por la que muchos
critican sus producciones: por ser productos televisivos, que juegan a fórmulas ya
conocidas y que llegan con éxito al público sin aparentemente mucho esfuerzo.
Llama la atención, no obstante, la recurrencia de este tipo de películas a
mostrar personajes de clase baja y media-baja como protagonistas. Sin duda,
como herederas de las películas mexicanas del género, estas películas roman-
tizan la pobreza y caen en los clichés de bueno-pobre/malo-rico para contar
historias llenas de apuntes cómicos y un final complaciente de superación de
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 557
los personajes. En ese sentido, Te busco tiene algunos ingredientes que lo sacan
de la fórmula sin decidirse a ser tampoco una apuesta arriesgada para los pro-
ductores. A pesar de no tener un final feliz y de cierta amargura que recorre la
cinta, la historia explora costumbres divertidas de los colombianos de clase
baja y tiene como hilo conductor a la música tropical que usualmente es aso-
ciada en el país con las fiestas de fin de año, los tablados populares y los bal-
nearios y con una época concreta en la que tuvieron más auge: las décadas de
1970 y 1980. De allí que la historia tenga también un dejo de nostalgia y que se
cuente en tiempo presente recordando un pasado que, si bien no fue feliz, sí
produjo un impacto emocional en el protagonista.
Análisis
558 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
· La primera vez que vemos a Jazmín canta un bolero antillano que dice:
“Llévame hasta el final del camino, tómame hasta que salga el sol,
arráncame la vida”. Esta letra que parece una provocación se completa
con un beso que ella lanza desde el escenario ilusionando a Gustavo,
hasta que descubre que lo hizo enternecida por su sobrino.
· La orquesta comienza una gira que parece ser la oportunidad que todos
estaban buscando y suena la canción “Cariñito”, del mismo autor; aunque
aún no sabemos qué sucederá con la orquesta, la letra de la canción también
hace referencia a que Gustavo le pide a Jazmín que, pase lo que pase, nunca
lo abandone: “Nunca, pero nunca, me abandones cariñito”. Evidentemente
la orquesta cae en el fracaso, pues las finanzas no funcionaron, pero Jazmín
se queda con Gustavo, pues sabe que él hizo todo esto por ella.
· Con la vida por el piso, sin orquesta, y ya casi sin Jazmín, Gustavo
decide lanzarse nuevamente, pero esta vez con su canción inédita “Te
busco”, que escribió con mucho esfuerzo (pues no es compositor) para
regalársela a Jazmín. Logra reunir de nuevo su orquesta y tocar en un
espectáculo televisivo muy reconocido. Es tal vez con esta canción que
finalmente logra conquistar a Jazmín.
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 559
ser músicos”. En una secuencia que nos recuerda mucho a The Commitments
de Alan Parker, Gustavo recluta a sus músicos que trabajan en un mariachi,
tocando en un restaurante o en funerales. De igual manera, al presentar al que
será el director de la orquesta, éste argumenta que ya no le interesa la música y
es allí donde Gustavo expresa su gran amor por el arte al citar a su propio padre
cuando le decía que había que luchar por vivir de la música hasta la muerte.
El narrador también admite que, para él, la experiencia de la orquesta fue la
primera vez que se sintió importante y con responsabilidad; aunque su tío le ha
dicho que se dedique al fútbol porque los músicos sufren mucho.
La música, sin embargo, no es realmente la motivación principal para los pro-
tagonistas de la historia. Para los músicos de la orquesta la única motivación es el
dinero, para el protagonista vivir una aventura en el mundo de los adultos y para
su tío, conquistar a la chica que le gusta. La canción “Te busco” no es solamente el
título de la canción compuesta por el tío enamorado, es también el título de la pelí-
cula y la evidencia de que la música es el lenguaje que se usa para expresar el amor.
Después de una subtrama policíaca derivada del préstamo que Gustavo
pide a un caricaturesco mafioso; la película cierra con el protagonista, ya mayor,
tocando en su propia orquesta mientras Gustavo y Jazmín bailan y se besan en
la pista. La música es el vínculo que une finalmente a los tres protagonistas.
CIUDAD DELIRIO
FICHA TÉCNICA
País: Colombia-España
560 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
Año: 2014
Producción: 64 A Films, Fatal Films, TVE
Dirección: Chus Gutiérrez
Elenco: Carolina Ramírez, Julián Villagrán, Jorge Herrera y Margarita Ortega.
Sinopsis: Un médico cansado de su profesión visita Cali (Colombia) para partici-
par en un congreso especializado de medicina. Allí conoce a Angie, una profesora
de baila, que le enseña a bailar y a ver la vida diferente y de quien se enamora.
La polémica
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 561
Ambos columnistas criticaron de la película su visión colonialista y su pos-
tura machista y hasta su soterrada homofobia y el hecho de que, a pesar del
colonialismo de las películas de Hollywood, se hayan destinado 700 millones
de pesos (unos 235 mil dólares al cambio actual) para realizar una película que
perpetua estereotipos. Zuluaga (2012) argumenta:
El portal Las dos orillas, que publicó la columna inicial de Iván Gallo, pre-
sentó la réplica de la Ministra de Cultura Mariana Garcés, en la que afirma que
la película fue financiada en un 75% por productores colombianos. Ahí invita
al columnista a justificar su acusación de que la película fue impuesta al festival
por parte del Ministerio y remata diciendo que “desdice mucho de los críticos
que se agazapan en epítetos descalificadores, en acusaciones infundadas y en
aseveraciones poco informadas para sustituir lo que deberían ser argumentos
técnicos y estéticos sobre las películas”.
Más allá de la polémica sobre los méritos de la película, nuestro interés
se centra en descubrir el aporte de la música a la construcción del relato, par-
tiendo de la condición anteriormente mencionada de que el musical, y aun la
comedia romántica, son géneros poco explorados en Colombia.
Análisis
562 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
para el turismo sentimental o hasta sexual. La secuencia más criticada de la pe-
lícula es justamente aquella en la que el protagonista español se levanta de una
tremenda resaca, y cuando camina por las calles pasa por un boulevard lleno
de atractivas mujeres que le sonríen, mientras suena: “Las caleñas son como las
flores, que vestidas van de mil colores”.
La película narra la historia de amor que viven Javier Ibarra, un tímido
médico español, con Angie, una extrovertida bailarina caleña, que se ha
divorciado poco tiempo antes, cuando éste visita la ciudad para participar
como conferencista en un congreso de epidemiología, donde el presentador
afirma que Cali es “Una bella ciudad acogedora”. El mensaje de este locutor
con voz acartonada es reforzado más adelante en la escena de la rumba en
chiva, cuando el animador afirma: “Véngase a Cali, que lo esperamos con los
brazos y el corazón abierto”.
En esta película se muestra una imagen diáfana de Cali, resaltada por
lentes gran angular y música salsa de fondo, con un montaje que nos recuerda
mucho a los videos institucionales que suelen hacerse para hacer marketing
de ciudad. La ciudad desborda alegría desde la primera secuencia, donde
vemos a los bailarines en sus ocupaciones cotidianas (estudiantes, mecánicos,
mensajeros etc.) bailando al ritmo de la música de la radio que hace las veces
de cortina musical de introducción.
La música juega un papel muy importante en toda la narración, pues
comunica, casi de manera directa, lo que piensan, sienten y viven los persona-
jes. El uso de canciones representativas de la salsa, con letras muy reconocidas
por la audiencia, ayuda a la descripción de personajes, locaciones, y emociones.
“Escucha tu intuición, siente la música y déjate llevar”.
Hemos identificado en Ciudad Delirio cuatro modalidades en el uso de la
música para definir personajes, locaciones, sentimientos y momentos:
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 563
del trabajo; en su mundo no existe la música rumbera. La música y la “No mú-
sica” es la que nos permite diferenciar a estos dos personajes.
Esa “No música” de los europeos hace parte de los estereotipos sobre
latinos y europeos con respecto al ritmo y es reforzado cuando, en su primer
encuentro, Javier la pisa con torpeza y ella se burla con su amigo diciendo:
“como tiesito el españolito”.
Angie y Javier se conocen en una noche de rumba en Cali. Allí, la música diegética
(de la discoteca) tan solo nos permite contextualizar el lugar donde se encuentran
los dos personajes. Sin embargo, a medida que va aumentando la rumba y los dos
personajes van viviendo una noche de completa fiesta, suben a un “chiva rumbera”
que los lleva por la ciudad y donde suena la canción “Oiga, mire, vea” de Guayacan
Orquesta, gran referente de la salsa local, con una canción que es casi un himno in-
formal de Cali. Así pues, aunque sea música diegética, tiene una función descriptiva
de la locación donde se desarrolla la historia, su gente, su cultura y sus costumbres.
564 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
meramente descriptiva si no fuera por la letra de la canción que dice: “ya lo ves,
te sigo queriendo”.
Otro ejemplo ocurre cuando, por una posible separación entre Angie y Javier, por-
que éste decide regresar a España, se escucha la canción “Oh, qué será”, de Willie
Colón. Su letra pareciera generar la duda entre los personajes sobre algo inexpli-
cable que sucede entre ellos. Al estar de manera incidental, sobre un montaje en
paralelo donde se muestra a Javier en su consultorio y a Angie es su escuela de baile,
el mensaje es directo para la audiencia dando a entender, claramente, que los dos
personajes están en una situación complicada y que el romance puede terminar.
También se establece una diferencia generacional alrededor de la salsa y algunos
ritmos que le dieron origen, como el bolero y el chachachá, géneros que se escu-
chan en la taberna de “Vaso e’ leche” y con los que Javier aprende a bailar en una
secuencia cómica que combina la torpeza del español con la letra de la canción: “las
clases de Chachacha... el profesor se encuentra aquí, el profesor te ayudará”.
El clímax de la película llega con la típica escena de persecución hasta el aero-
puerto que, en este caso, es protagonizada por la chica que persigue a su chico
y al final lo alcanza para confesarle su amor. El punto más alto lo pone “Cali
pachanguero”, canción insignia de la ciudad y, como si se tratara de una película de
Bollywood, la película termina con una coreografía en el aeropuerto en la que parti-
cipan Angie y Javier y en la que baila gente del común mostrando una gran destreza.
En conclusión, el tratamiento musical de esta película va más allá de la
mera inserción de cues para acompañar imágenes o apoyar emociones. Tiene
un tratamiento totalmente narrativo que va desde la descripción de una loca-
ción hasta algo más personal como el sentimiento de un personaje. Las cancio-
nes seleccionadas para esta película, además de ser muy representativas en su
género y de fácil recordación para una audiencia latina, resultan tener textos
con mensajes muy claros que las hacen indispensables en la construcción del
discurso narrativo de la historia.
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 565
EL ÁNGEL DEL ACORDEÓN
FICHA TÉCNICA
País: Colombia
Año: 2008
Producción: CMO Producciones
Dirección: María Camila Lizarazo
Elenco: Camilo Molina, Dionnel Velázquez, César Navarro, Marlon Moreno,
Noëlle Schonwald, Etty Grossman, Stephania Borge
Sinopsis: Una historia de amor por la música vallenata y por la oportunidad de
ganarse el corazón de una mujer que se ha amado desde la infancia nos lleva a
ver las dificultades que experimenta Poncho para seguir su sueño de conver-
tirse en un acordeonero de gran fama y conquistar el corazón de Sara María.
Esta obra está estructurada como un cuento de hadas, como una historia de un
personaje que, a través de su esfuerzo y dedicación, y gracias al apoyo de dos
personajes claramente mágicos logra encontrar su destino. El interés de hacer
de esta historia un cuento de hadas se ve reforzado por el uso de elementos
gráficos sobre algunas de las imágenes en momentos claves de la narrativa,
una iluminación plana llena de colores vivos, y una falta generalizada de pro-
fundidad y agendas secundarias por parte de los personajes. Sin embargo, esto
566 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
se convierte en el problema mismo de la narrativa, pues falta una pieza funda-
mental del cuento de hadas: un enemigo malévolo y mal intencionado.
Mientras que a un lado tenemos a Poncho y a Sara María, quienes desde
niños evidencian su interés el uno por el otro, y conforman así el cuadro de amor
inocente fundamental en la narrativa contemporánea del cuento de hadas, los
personajes de Pepe, y más aún el de su padre, Jairo, no quedan claramente inscri-
tos como antagonistas creíbles. El primero, por su supuesto cambio de rol entre
enemigo de infancia y luego amigo, eso sí falso, de adolescencia. El segundo,
porque su aparición se restringe al tercer acto, y en este es poco lo que puede
presentar como antagonista.
Los roles de la abuela alcahueta, el viejo consejero y el primo motivador, se
convierten en fundamentales como apoyos del personaje y como indicadores
clave de su destino de conquistar el corazón de Sara María. Aunque el rol de
este último puede parecer un poco fabricado para generar un vínculo, no sólo
musical, sino de mercado, con México como país potencial consumidor de la
obra, logra cumplir una labor relevante dentro de la historia.
El personaje opositor del padre, por otro lado, no parece ser lo suficiente-
mente sólido tampoco y así como los otros personajes antagonistas, carece del
temor que debería infundir para que el logro del héroe nos parezca relevante.
La película está planteada desde la música, siendo ésta quien define a los
personajes, su cultura, su estilo de vida, sus costumbres y, lo más importante,
sus sentimientos. Todo esto a través de temas característicos del Atlántico
Colombiano, que se van desarrollando con la historia. Es importante resaltar
como el acordeón es el elemento que define a Poncho y a su propia música.
Cuando no hay acordeón, la música solo está en la imaginación del personaje,
y aunque él toca en acordeones de otros dueños, es solo en su propio acordeón
que toca la canción que finalmente hizo para Sara María. Esto es muy relevante,
dada la importancia que tiene, en la historia, que el personaje logre conseguir
su propio instrumento. La directora se reserva la canción más importante de
la historia para el momento en el que Poncho consigue su propio acordeón.
Análisis
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 567
A la música, y en particular a la relación del instrumento con su usuario, se le da
ese valor mítico que genera que la música sea el centro de la narrativa.
Las canciones se convierten en la forma de comprender el proceso de cre-
cimiento emocional del personaje, y la fuerza que va adquiriendo su fuerza
sentimental. El tratamiento musical que tiene esta película es muy interesante
porque cada momento clave de la historia va mostrando la evolución musical
que tiene el niño, desde que “imagina” estar tocando el acordeón, hasta que
llega ese gran concierto donde logra conquistar a Sara María. Aunque debe
atravesar por muchas dificultades, especialmente familiares y económicas,
Poncho nunca deja de soñar y sigue en su lucha por lograr conseguir su propio
acordeón y componer esa canción.
Mientras que la música incidental se limita a ser efectista y reforzar las
evidentes rupturas o crisis entre los personajes, en un estilo muy similar al que
se sonorizan las telenovelas, lo que lleva el mensaje fundamental son las com-
posiciones propias del protagonista, que expresan sus sentimientos a la vez que
permiten conocer la evolución de sus habilidades musicales.
La forma de hacerlo es vinculando canciones o fragmentos de estas en la
vida diaria de los personajes, desde una simple melodía en una clase de acor-
deón hasta un duelo de acordeoneros, en el colegio de Poncho, junto a Pepe, el
otro pretendiente de Sara María. A propósito de esta escena, es la primera vez
que Poncho le canta algunas notas de su composición a Sara María y la va des-
lumbrando con su talento. Es la música quien se encarga de mover las emocio-
nes tanto de personajes como audiencia, a media que el duelo se va haciendo
más intenso y Sara María nombra un ganador.
Aquí la música, en particular el vallenato y su base en el acordeón, se con-
vierte en la justificación emotiva de la narrativa.
568 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
LOS VIAJES DEL VIENTO
FICHA TÉCNICA
País: Colombia
Año: 2009
Producción: Ciudad Lunar Producciones
Dirección: Ciro Guerra
Elenco: Marciano Martínez, Yull Núñez
Sinopsis: Viaje de retorno de un viejo y solitario acordeonero quien, aceptando
a regañadientes la compañía de un joven muchacho que quiere ser su aprendiz,
lleva a cabo una travesía por la geografía y música del Caribe para retornar el
instrumento musical que ve como una maldición.
Los viajes del viento narra la travesía que emprende Ignacio Carrillo, un juglar
del norte del caribe Colombiano, quien ha decidido dejar de tocar su acordeón
para devolverlo a su maestro, después de que su esposa muriera trágicamente.
Durante el viaje se encuentra con Fermín, un joven que decide acompañarlo y
cuya única ilusión es que Ignacio le enseñe a tocar acordeón.
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 569
Esta película es una gran poesía sobre el paisaje y su relación con la música
local. Los personajes hablan poco y sus sentimientos no son fuertemente evi-
denciados por sus acciones, sino más bien por su relación con el entorno.
La música nos transporta, así como lo hacen los grandes planos generales, a
contemplar un terreno que parece particularmente inhóspito. En el mejor sen-
tido Kantiano, la belleza sublime de la naturaleza todopoderosa se combina
con la soledad que se plantea que se cierne sobre el personaje.
En contraposición a Te busco, esta película abarca el espectro de una obra
desarrollada y pensada con un interés mucho más poético y menos simple en
su aproximación narrativa. Este interés artístico se evidencia, precisamente,
en la escogencia de planos largos, en donde las expresiones de los personajes
no redundan con la melodía para evidenciar sensaciones, sino que más bien se
plantean en un plano de la contemplación. La fotografía de esta película es muy
delicada y permite sentir una gran cantidad de matices y tonalidades que rescata
mucha de la geografía del Caribe colombiano. A su vez, lo contrapone a perso-
najes minúsculos, aplacados, casi irrelevantes ante la fuerza de la naturaleza.
Este viaje de retorno de un objeto maldito puede ser planteado como
un símil de El Señor de los Anillos, y comparte con éste los planos generales
muy abiertos que muestran la dificultad del viaje para los protagonistas. Sin
embargo, la diferencia fundamental surge en el acompañamiento que da la
música. Mientras que en El Señor de los Anillos la mayor parte de la música es
incidental basada en una gran sinfónica que lleva la historia a nivel de epopeya,
aquí es de índole tradicional y de menor escala, siempre surgiendo de manera
diegética, de manos de los personajes en escena. Esto hace que el paisaje no
sólo sea visual sino además sonoro.
A medida que Ignacio y Fermín se desplazan por las diferentes regiones del
norte de Colombia, van sonando sus músicas autóctonas, lo cual ayuda a enten-
der cómo van avanzando los personajes en su travesía, y muestra, también, un
viaje a través de las diferentes formas de la música del Caribe colombiano.
Esta película no presenta canciones populares del vallenato y que se han
vuelto exitosas, sino por el contrario, va a las raíces de una cultura musical,
donde, gracias a los juglares, se podía conocer. Es un viaje a través de la historia
musical de una región muy importante e influyente de Colombia. Es como si,
analógicamente, se hubiera pensado en el viaje que hace el viento a través del
570 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
acordeón para producir una música que deja de ser simples notas y se convierte
en el reflejo de unas tradiciones que ayudan a definir una cultura.
Análisis
Aunque en un primer análisis pareciese que existe una dicotomía entre el paisaje y
la música, en cuanto los paisajes son amplios y grandilocuentes y la música es per-
sonal e íntima, la relación entre paisaje y música reposa en el nivel de lo emocional.
Aunque Ignacio ha decidido no volver a tocar su acordeón, debe enfrentar
varias situaciones donde se ve obligado a hacerlo, pues necesita dinero para con-
tinuar hasta su destino. El primer momento donde lo hace es en el duelo de acor-
deones en la gallera, durante el día de la Virgen de la Candelaria. Allí sucede algo
muy interesante y es que la canción con la que se están enfrentando (El Amor-
Amor, anónimo) es un Paseo Vallenato donde los acordeoneros cantan estrofas
improvisadas de cuatro versos que van aumentando, en audacia y picardía, a
medida que van improvisando. Sin embargo, cuando Ignacio entra al duelo, lo
primero que hace es cambiar el ritmo y pedir un Merengue Vallenato, con el cual
logra derrotar a su oponente. Luego, y cuando ya es el vencedor, pide un nuevo
cambio a ritmo de Puya Vallenata, la cual se caracteriza, principalmente, por ser
más rápida y con una habilidad casi virtuosa del acordeonero. De esta secuencia,
se puede concluir que el autor hace un viaje por los distintos aires que caracteri-
zan al Vallenato, como lo son el Paseo, el Merengue y la Puya.
Este duelo musical, que evidencia la habilidad virtuosa, cuyo origen está
supuestamente en el acordeón maldito, es un giro narrativo conocido. Es indu-
dable que la habilidad musical, por su dificultad, y por la visible transforma-
ción del artista, ha llevado a que se considere siempre como un evento místico
y mágico. En este caso, es un punto fundamental en la narrativa porque nos
evidencia la capacidad de Ignacio de transformarse, de ese hombre callado y
poco expresivo, en ese músico lanzado, atrevido e histriónico.
Es así que la música juega en ese contrapunto, entre esa naturaleza indo-
mable y ese espíritu liberado. El viaje de los personajes es, en sí, un viaje sobre
el control de las emociones en un mundo que es, a todas luces, inhóspito.
La belleza de la naturaleza contrasta con la ausencia de seres humanos, y la
música se convierte en el punto de encuentro de estas dos realidades.
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 571
Por otra parte, la música que hace Ignacio en su acordeón, también refleja su
sentimiento. El mejor ejemplo de esto, ocurre al final de la película cuando Ignacio
llega donde su maestro, quién había fallecido, pero que había pedido que no lo
enterraran hasta que Ignacio volviera con su acordeón. Allí el personaje interpreta
una música llena de nostalgia y recuerdos, pero que a su vez infunde mucho res-
peto por quien fue su maestro y por quién está ahora allí. ¡Es un homenaje!
Conclusión
572 JERÓNIMO RIVERA - BETANCUR , ENRIQUE URIBE - JONGBLOED Y OSCAR OLAYA - MALDONADO
músicos en la televisión colombiana, no ha tenido mayor espacio en la pantalla
cinematográfica.
Referencias
BUHLER, J.; NEUMEYER, D.; DEEMER, R. Hearing the movies: music and sound in
film history. New York: Oxford University Press, 2009.
CHION, M. La música en el cine. Barcelona: Paidós, 1997.
GALLO, I. Ciudad delirio y la ministra arrodillada. Las dos orillas, Bogotá, 2014.
Disponible en <https://www.las2orillas.co/ciudad-delirio-y-la-ministra-de-cultura-
arrodillada>. Acceso en: 17 nov. 2017.
LAING, H. Emotion by numbers: music, song and the musical. In: MARSHALL, B.;
R. STILWELL, R. (Ed.). Musicals: Hollywood and Beyond. Exeter: Portland: Intellect
Books, 2000. p. 5-13.
RIVERA-BETANCUR, J. ¿Va el cine colombiano hacia su madurez? análisis de 10 años
de ley de cine en Colombia. Anagramas, Medellín, v. 13, n. 25, p. 127-144, jul./dic.
2014.
RIVERA-BETANCUR, J. Ley de cine ayuda más al turismo que al sector
audiovisual. TV y Video Latinoamérica, 2012. Disponible en: <http://www.tvyvideo.
com/201207164825/articulos/otros-enfoques/jeronimo-rivera-ley-de-cine-ayuda-
mas-al-turismo-que-al-sector-audiovisual.html>. Acceso en: 28 nov. 2017.
XALABARDER, C. El guión musical en el cine. Createspace Independent Publishing
Platform, 2013.
ZULUAGA, P. A. Ciudad delirio, de Chus Gutiérrez: “Flores del Valle”. Pajarera
del medio, Bogotá, 2014. Disponible en: <http://pajareradelmedio.blogspot.com.
co/2014/04/ciudad-delirio-de-chus-gutierrez-flores.html>. Acceso en: 2 dic. 2017.
ZULUAGA, P. A. La nueva ley de cine, o el paisaje que seremos. Razón Publica, Bogotá,
2012. Disponible en: <https://www.razonpublica.com/index.php/regiones-temas-
31/3153-pedro-adrian-zuluaga.html>. Acceso en: 1 nov. 2017.
Cine colombiano: notas sueltas sobre un cine sin tradición musical 573
El cine uruguayo y la música
en los años dos mil
nuevas incursiones en el género musical
ROSARIO RADAKOVICH
Introducción
Como señala Pierre Sorlin (2010, p. 107), el sonido ejerció una importante in-
fluencia en la percepción de las películas, aún antes de ser incorporado formal-
mente. De esta forma, el cine nunca fue “verdaderamente silencioso”, siempre
que la proyección se acompañara de una orquesta o de los comentarios de un
“cuentista” o a falta de ello, se transcribieran los diálogos de los personajes.
Ello implicaba “al menos una ilusión auditiva”. Aún más, la inclusión del sonido
en el cine, más allá de la mejora técnica que supuso, reveló que su presencia
modificaba “de manera singular la percepción del film”.
Sin embargo, el abordaje académico tradicionalmente se ha centrado más
en lo visual y menos en el componente musical. (ADORNO; EISLER, 2005)
Es recién a partir de los años setenta (ALTMAN, 1989; FEUER, 1982) que se
presta mayor interés al análisis del papel de la banda sonora (WEISS; BELTON,
1985) y del impacto de la música en las prácticas fílmicas. (CHION, 1997;
KASSABIAN, 2000; LACK, 1999)
A pesar de esta situación, el género musical en particular es uno de los más
característicos de la primera época de Hollywood, con producciones memo-
rables como Cantando bajo la lluvia (Singin’ in the rain, 1951). El género se ha
renovado a lo largo del tiempo y ha cobrado creciente relevancia a nivel global
diversificando sus formas y estéticas. (ALTMAN, 1989) Según Metz (2002), el
cine musical es aquel donde la mayoría de la música que se presenta en la pelí-
cula es a la vez “diegética y no diegética” pero los números musicales y las letras
forman parte de la narración de la película.
Munsó Cabús (1997a, p. 3-5) pone énfasis en que el cine musical es aquel
que logra recrear un mundo fantástico e imaginario a partir de la música y la
danza. El género se constituye con influencias del ballet, la ópera, el circo, la
pintura, y en Hollywood a partir de los musicales de Broadway. El argumento
se anuda a la música y la danza, así como el decorado y el vestuario a la pintura,
proporcionando un sentido dinámico a la película.
Como señalan Jaume Radigales y Magda Polo en La música en el cine: la
estética de la música (2008), el cine musical no es estrictamente un “género”
sino un “sistema de producción” y uno muy costoso porque requiere tanto un
equipo cinematográfico como uno musical. Quizá por estas razones ha tenido
altibajos en la historia del cine y ha quedado muy ligado a la producción de la
Metro Goldwin Mayer (con producciones paradigmáticas como La melodía de
Broadway, 1929), así como a Fox (con Movietone Folies, 1929), Paramount (con
El desfile del amor, 1929) y al Hollywood clásico en general.
Más recientemente, el cine musical adquiere protagonismo singular en
producciones como Moulin Rouge (Luhrmann, 2001) a principios de los años
dos mil. Y fuera de Hollywood, en Bollywood (en referencia al fenómeno del
cine de Bombay) en la India. De hecho, el cine musical ha convocado a produc-
tores, coreógrafos, bailarines y figuras del espectáculo, logrando un ‘star sys-
tem’ propio, relativamente independiente del “mainstream” de Hollywood,
y con estéticas reconocibles desde las más tradicionales – centradas en los
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 577
(Bednarik, 2008) o más recientemente Voz de Murga (Dominguez, 2013)
– cuanto en producciones vinculadas al rock nacional, como Hit (Abend,
Loeff, 2008). No obstante, pocos casos representan strictu sensu el género
“cine musical” en la ficción de larga duración en la primera década de los
años dos mil.
Este artículo se plantea explorar las características estilísticas y narrativas,
así como el impacto público, de dos incursiones de ficción en el cine musi-
cal en Uruguay en la primera década de los años dos mil que se consideran
representativas del período: Miss Tacuarembó (Sastre, 2010), considerada una
“comedia musical”, e Hiroshima (Stoll, 2009), definida por su propio director
como un “musical mudo”.
Se considera que ambas películas – a pesar y desde de sus diferencias –
representan la incursión en el género del cine musical del período e ilustran
con ello un proceso de creciente diversificación de géneros, narrativas y for-
matos característico del cine uruguayo en los años dos mil. (MARTIN-JONES;
MONTAÑEZ, 2009, RADAKOVICH et al., 2014; RUFFINELLI, 2015)
Este fermental período del cine uruguayo en su apertura trajo consigo
dos películas emblemáticas, como son En la puta vida (Flores Silva, 2001) y 25
Watts (Stoll y Rebella, 2001), ambas propuestas extremadamente diferentes en
lo estético, y en temática, género, formato de producción y estilo de dirección,
y que captan las preocupaciones de diversos públicos nacionales con un alto
impacto social en el ámbito local y con reconocimiento internacional. Como
cierre de la década se incorpora el cine de género al cine uruguayo, tanto a par-
tir de la incursión en el cine musical – como se adelantó, con Hiroshima y Miss
Tacuarembó en ficción – cuanto en la aparición de un thriller de terror (La casa
muda, Hernández, 2011), un policial (Reus, Fernández y Piñeiro, 2011) y un cine
de época o histórico (La redota, Charlone, Solé, 2011).
La metodología de aproximación es de corte cualitativo, a partir del análisis
de contenido de las películas basado en el visionado de las mismas y la opinión
de la crítica en prensa escrita y web local, así como de la valoración de los públi-
cos locales en una página web especializada en la cartelera cinematográfica.
El análisis de contenido de la opinión de los públicos se fundamenta
en 233 comentarios vertidos en la web1 sobre las dos películas a analizar: 29
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 579
que la caracteriza. Dirigida por Martín Sastre, la película incluye canciones que
van desde los Parchís a Irene Cara y su Flashdance, y referencias artísticas que
van desde la actriz venezolana Jeannette Rodríguez a Madonna.
Justamente, la estética kitsch se instaló desde temprano en los musi-
cales, a la vez que se ha consolidado como parte significativa actualmente.
De acuerdo con Lipovetsky y Serroy (2015) el kitsch se caracteriza hoy por
“la mescolanza y la incoherencia estilísticas, la promiscuidad heteróclita y
una profusión decorativa y sensiblera”. Se traduce así en una experiencia de
“irrealidad real o de realidad irreal”, una experiencia emocional y sensorial de
“transrealidad”. Los musicales revelan de forma paradigmática en el cine su
perfil kitsch conjugando el lujo y la cultura pop en la escenografía, el vestua-
rio y la coreografía.
Miss Tacuarembó está basada en una novela del escritor y artista perfor-
mático Dani Umpi del mismo nombre, con una banda sonora original com-
puesta por Ale Sergi del grupo Miranda y Ricardo Mollo. Se trata de una
coproducción uruguayo — argentina — española que se estrenó en 2010. Fue
Ay qué calor, ay qué calor... / estoy loquita y es por amor. Ay qué calor,
ay qué calor... / está loquita y es por amor. La vida es impredecible y te
sorprende de dos por tres, a veces no pasa nada y a veces pasa todo a
la vez. No hay métodos infalibles para pasarla un poco mejor, pero hay
algo irresistible en el aroma de la pasión. Siéntelo, el perfume del amor.
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 581
/ Pruébalo, y se sentirá mejor. / Búscame, que se va a poner bonito.
Chiquitito, chiquitito y lo bailo apretadito. / Chiquitito, chiquitito ay mi
corazón. / Ay qué calor, ay qué calor... [...] / Lo único que yo quiero es
vivir la vida./ Vivir la vida, con Pascualina. / Permíteme que te dé la razón,
querida. / La Pascualina, fiesta total. 5
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 583
Figura 2 — Hiroshima
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 585
construye en relación con los intertítulos, que sólo ofrecen redundancias. Es la
música la que ofrece un hilo articulador de la película.
Casi a contramano de la obviedad y los clichés que Adorno y Eisler (2005)
en “El cine y la música” advierten en el uso de la música, en Hiroshima Stoll
juega con la música recreando un lenguaje cinematográfico deliberadamente
obvio (la centralidad de la música), pero operativamente disruptivo con el
común de las películas contemporáneas, en las que el sonido está al servicio
de la voz y la música, como dirían Adorno y Eisler nuevamente. La música
está prevista para “no oírse”. Como señalan los autores, “la reiteración de
situaciones típicas y momentos emocionales repetidos ha decantado en la
estandarización de los recursos utilizados para estimular la tension, lo que
lleva a la creación de “lugares communes musicales”. (ADORNO; EISLER,
2005, p. 24)
Sólo en el final la voz indica haber encontrado el camino, la identidad,
los planes, el presente vital y un destino. El destino es la acción presente que
sólo se releva al final de la película, cuando el protagonista canta con su banda
de rock una canción: Hiroshima. Su música, su banda, es su voz, donde logra
comunicarse en medio de la in-comunicación de su deambular cotidiano.
En los créditos finales de la película, Stoll revela que varias escenas tie-
nen influencias de la obra La ciudad (2008) del reconocido escritor uruguayo
Mario Levrero. Se trata, según Lorena Ferrer (2013), de lo que Sergio Wolf llama
“transposición encubierta” y define como una adaptación de zonas, efectos de
estilo o frases que adquieren relevancia en el diseño cinematográfico sin que
ello implique un seguimiento explícito del relato literario de origen. (WOLF,
2001, p. 16 e 149 apud FERRER REY, 2013, p. 123)
Como Stoll reconoce, no se trata de una adaptación fiel del texto literario,
sino de una libre inspiración de dos escenas presentes en la novela de Levrero.
Pero se asume que la sombra del autor planea durante toda la película. “No leí
de vuelta La ciudad para hacer el guión”, declara en la entrevista anteriormente
mencionada, “pero [...] cuando estaba escribiendo el guión me gustó incluirlo
en la parte de Solís, que es la parte más onírica de la película. Después me di
cuenta de que de alguna manera contaminaban el resto [...]”. (AGUIAR, 2010)
La película, además de ser una variante original del cine musical por los
recursos audiovisuales que implementa, se vuelve un anclaje local con sello
uruguayo en sus contenidos y por atmósfera levreriana recreada.
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 587
señalar algunas características en la apreciación de las dos ficciones que se ana-
lizan por ser representativas del género “cine musical”.
A diferencia de otras producciones de ficción nacionales, Miss Tacuarembó
y Hiroshima no son debatidos meramente por su capacidad de reflejo de la
identidad “nacional”. Su valoración se asocia a la capacidad de sorprender con
sus recursos, estéticas y la incursión en un género cinematográfico no habitual
en el entorno nacional. Ambas películas se perciben desde el gusto o disgusto
en base a su calidad técnica y artística y su capacidad de emocionar y entretener.
Respecto a Miss Tacuarembó, la valoración y la crítica coinciden en su
carácter pop. Sin embargo, para unos se trata de una producción “incohe-
rente” y para otros “irónica”. Para unos, la estética es producto de un capricho
del director. Para otros, se trata de la sintonía y guiñadas cinematográficas a
otros directores y películas. La disputa traduce no sólo la valoración de la pelí-
cula sino la apreciación de los públicos. Entre los más y menos intelectuales
o eruditos, entre cinéfilos (o más específicamente “cinéfilos 2.0”) (JULLIER;
LEVERATTO, 2012) y amateurs. El aspecto a central de debate es su connotada
estética pop.
Muy buena película, al fin el cine uruguayo hace algo alegre, colorido,
delirante, bizarro... la música genial, canciones delirantes y pegadizas. Es
humor, no un ataque a la iglesia ni una oda a los gays. (Martín, 26 años,
calificación 5, 23-07-2010)
Muy divertida y sobre todo muy creativa. Hace un manejo muy inteligente
de la ironía, las creencias y los musicales. Es una película muy disfrutable,
a la altura de las lindas locuras de Almodóvar y Monty Python. Entiendo
que no es una película para todo público... (Sergio, 50 años, calificación
5, 8-07-2010)
Por otra parte, otros advierten un tono más positivo bajo la misma carac-
terización de la película como bizarra, delirante, divertida, creativa, irónica.
En el kitsch “se asume con plena conciencia el lado excesivo: un kitsch rui-
doso y chillón, pero que nunca se cree totalmente lo que es”. (LIPOVETSKY;
SERROY, 2015, p. 259) Aplicado al cine, lo que Lipovetsky y Serroy denominan
“neokitsch” tiene una función lúdica más intensa que supone en los públicos la
búsqueda del disfrute, de lo alegre y también de lo no convencional en géneros,
estéticas y narrativas.
En la recurrente calificación de la película como “bizarra”, gusto y dis-
gusto se invierten de significado. Como señalan Lipovetsky y Serroy (2015, p.
256) respecto al kitsch “el gusto por el mal gusto, lo insignificante y lo vulgar
se ha vuelto chic”, algo que es “ofensivo, inapropiado o de tan mal gusto que
se vuelve divertido”. El kitsch posmoderno se hace presente en las “comedias
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 589
musicales” como señalan los autores “en aquellas que representan ‘Nuestra
Señora de París’ en cancioncillas populares, los Diez Mandamientos como un
sainete con cuplés y a Mozart en plan pop-rock”.
Como se señalaba antes, el kitsch hipermoderno sintetiza placer, emoción
y fascinación, es una experiencia artística que despierta los sentidos. Lo kitsch
se vuelve experiencial y emocional. Expresa una realidad irreal, una verdad
falsa, una transrealidad. Mis Tacuarembó cumple muy bien con esta estética
hipermoderna bizarra de goce sensorial. Con ello, logra situarse como una
película transgresora para los parámetros del cine reciente en Uruguay.
En el caso de Hiroshima el debate también transita entre los polos más
radicales de valoración: desde su caracterización como “bodrio” asociado a lo
“aburrido”, a la nominación como “obra maestra” del cine uruguayo, “exce-
lente” en relación a los sentimientos que provoca en el ánimo de los públicos.
Mala no, horrible!... para mí los que le ponen excelente son los Stoll, no
hay caso... nadie que la vio puede decir eso. Si tienen duda vayan a verla...
no lleven pistolas ni armas blancas... seguro las usarían. (Eltero, 28 años,
calificación 1, 28-04-2010)
No hay que perder de vista el fin último de cualquier tipo de creación ar-
tística: que alguien la vea/aprecie/lea/escuche. Sin un espectador, la obra
no se completa. [...] Se lo puede dejar sobrevolar por climas y atmósferas
“músico-visuales” (como lo hace, y muy bien por cierto, esta película).
Pero por sobre todas las cosas, no se lo puede ignorar. Creo que CTRLZ
hace rato que se olvidó que hay gente del otro lado del proyector que
gusta del cine [...]. Ese mismo espectador [...] espera que lo sorprendan y
lo deleiten, o que lo incomoden y lo aguijoneen. O algo. [...] (Lafinur, 78
años, calificación 2, 24-05-2010)
A Lafinur: [...] Yo creo que Ctrl-Z no es el mejor ejemplo de pacto fiel con
el espectador; nunca lo fueron. [...] Pero si le reprochamos a Hiroshima
que se olvida del espectador, creo podemos hacer lo mismo con Tsai Ming
Liang o Lucrecia Martel. A mí me parece que, y aunque el propio Stoll lo
niegue, en Hiroshima hay un verdadero deseo de comunicar ese universo
en particular al otro lado del proyector. Pasa que de ese universo no todo
el mundo quiere enterarse o pocos están dispuestos a verlo en cine. (Jab,
24 años, calificación 4, 25-05-2010)
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 591
cine uruguayo y atractivas en una arena mayor cuando se ofrecen en festivales
y muestras internacionales porque dialogan con estéticas y cineastas consagra-
dos del cine clásico y el cine independiente internacional. El debate se entabla
entre dos visiones diferentes de lo que significa el cine como arte y entreteni-
miento, pero también entre públicos eruditos y amateurs.
Como señala Jullier y Jean-Marc (2012, p. 86), el cine sonoro supuso una
intensificación del placer cinematográfico mientras el film mudo “revelaba
cada vez más límites, percibidos por numerosos consumidores, en su capaci-
dad para expresar las emociones humanas”. En Hiroshima la sonoridad queda
puesta por entero en la música potenciando su efecto emotivo. Con ello, este
“musical mudo” se revela como una variante al fin del cine musical con apro-
piaciones locales del rock y el punk rock a partir de la centralidad que adquie-
ren diversas canciones de grupos uruguayos contemporáneos como Relaciones
Sexuales, DanteInferno, Perdonalos Garrido!, Psiconautas, Estado de Fetidez,
Los Ases del Beat, Reverb, The Supersónicos y Genuflexos.
Conclusiones
Referencias
25 WATTS. Dirección: Pablo Stoll y Juan Pablo Rebella. Uruguay: Ctrl Z Films, 2001.
ADORNO, T.; EISLER, H. El cine y la música. 2. ed. Madrid: Fundamentos, 2005.
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 593
AGUIAR, X. Sentí una especie de peso que se iba. El País, Montevideo, 13 ago. 2010.
Disponible en: <http://www.elpais.com.uy/suplemento/cultural/-senti-una-especie-
de-peso-que-se-iba-/cultural_507240_100813.html>. Acceso en: 12 feb. 2016.
ALTMAN, R. The american film musical. Indianapolis: Indiana University Press, 1989.
AMIEVA, M. Stoll en Hiroshima. 33 Cines, Montevideo, n. 6, 2011.
ARRIAZU MUÑOZ, R. ¿Nuevos medios o nuevas formas de indagación? una
propuesta metodológica para la investigación social on-line a través del foro de
discusión. Forum: qualitative social research, Berlim, v. 8, n. 3, art. 37, sept. 2007.
Disponible en: <www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/275/606>.
Acceso en: 10 feb. 2017.
AUGÉ, M. Los no lugares: espacios del anonimato. Barcelona: Gedisa, 2009.
BORDWELL, D.; THOMPSON, K.; STAIGER, J. El cine clásico de Hollywood.
Barcelona: Paidós, 1997.
CHATEAU, D. Estética del cine. Buenos Aires: La marca, 2010.
CHION, M. La audiovisión: introducción a un análisis conjunto de la imagen y el
sonido. Barcelona: Paidós, 1993.
CHION, M. La música en el cine. Barcelona: Paidós, 1997.
CINEMATECA URUGUAYA. La historia no oficial del cine uruguayo: 1898-2002.
Disponible en: <http://www.cinemateca.org.uy/PDF/La%20historia%20no%20
oficial%20del%20cine%20uruguayo.pdf >. Acceso: 22 abr. 2016.
CORONA RODRÍGUEZ, J. M. Etnografía de lo virtual: experiencias y aprendizajes de
una propuesta metodológica para investigar internet. Razón y Palabra, Quito, n. 82,
p. [1-17], marzo/mayo 2013.
DANEY, S. Cine, arte del presente. Buenos Aires: Santiago Arcos, 2004.
DOS destinos. Dirección: Juan Etchebehere. Uruguay: Ciclolux, 1936.
EN LA PUTA vida. Dirección: Beatriz Flores Silva. Uruguay, 2001.
FERRER REY, L. Algo más que una mención en los créditos: la impronta de Mario
Levrero en Hiroshima de Pablo Stoll. Anales de Literatura Hispanoamericana, Madrid,
v. 42, número especial, p. 121-130, 2013. Disponible en: <https://revistas.ucm.es/index.
php/ALHI/article/viewFile/43033/40846>. Acceso en: 13 feb. 2017.
FEUER, J. The Hollywood Musical. London: MacMillan, 1982.
FUENTES NAVARRO, R. Exploraciones teórico-metodológicas para la investigación
sociocultural de los usos de Internet. In: VASALLO DE LOPES, M.; FUENTES
NAVARRO, R. (Org.). Comunicación, campo y objeto de estúdio: perspectivas reflexivas
latino-americanas. Guadalajara: ITESO, 2001.
El cine uruguayo y la música en los años dos mil: nuevas incursiones en el género musical 595
RADAKOVICH, R. El consumo cinematográfico en Uruguay. Revista Versión, México
DF, 2015a.
RADAKOVICH, R. Intersecciones entre lo culto, lo popular y lo tecno-audiovisual.
In: DOMINZAÍN, S. et al. Imaginarios y consumo cultural de los uruguayos.
Montevideo: MEC: UDELAR, 2015b.
RADAKOVICH, R. Retrato cultural: montevideo entre cumbias, tambores y óperas.
Montevidéu: Udelar/FIC, 2011.
RADAKOVICH, R. et al. El cine nacional de la década: Industrias creativas
innovadoras. Montevidéu: Udelar/FIC: MEC/ICAU, 2014.
RADIGALES, J.; POLO, M. La música en el cine: la estética de la música. Barcelona:
UOC, 2008. (Colección Duo).
RAU. El cine uruguayo. 1996. Disponible en: <http://www.rau.edu.uy/uruguay/
cultura/Uy.cine.htm>. Acceso en: 25 mayo 2016.
REUS. Dirección: Pablo Fernández, Eduardo Piñero y Alejandro Pi. Uruguay: Panda
Filmes, 2011.
RUFFINELLI, J. Para verte mejor: el nuevo cine urugauyo y todo lo anterior.
Montevideo: Trilce, 2015.
RUSSO, E. El cine clásico: itinerarios, variaciones y replanteos de una idea. Buenos
Aires: Manantial, 2008.
SCOLARI, C. Hipermediaciones: elementos para una teoría de la comunicación digital
interactiva. Barcelona: Gedisa, 2008.
SONTAG, S. Notas sobe los camp. In: SONTAG, S. Contra la interpretación y otros
ensayos. Barcelona: Seix Barral, 1984. p. 303-331.
SORLIN, P. Estéticas del audiovisual. Buenos Aires: La marca, 2010.
TAYLOR, S. J.; BODGAN, R. Introducción a los métodos cualitativos de investigación,
Barcelona: Paidós, 1987.
WEISS, E.; BELTON, J. (Ed.). Film Sound: theory and practice. New York: Columbia
University Press, 1985.
WOLF, S. Cine/Literatur: ritos de pasaje. Buenos Aires: Paidós, 2001.
VOCACIÓN. Dirección: Rina Massardi. Uruguay, 1936.
ZANAHORIA. Dirección: Enrique Buchichio. Uruguay: Lavorágine Films, 2014.
GUILHERME SARMIENTO
Conheci João Luiz Vieira no primeiro semestre de 1992. Ele acabava de retor-
nar ao país após uma temporada de estudos no Japão. Minha viagem era mais
modesta: chegava do interior do estado do Rio de Janeiro para estudar cinema
na Universidade Federal Fluminense (UFF). Fui aprovado para o segundo se-
mestre e ainda restava alguns meses antes da matrícula quando abri um folheto
de programação do Centro Cultural Banco do Brasil. Era um dia comum da
semana, e desperdiçava meu tempo ocioso assistindo filmes. Debaixo da abó-
boda luminosa de arquitetura neoclássica, abri o folheto cilíndrico dobrado em
seis como um inábil tocador de sanfona e, em meio aos anúncios de mostras,
exposições e temporadas teatrais, havia a chamada para um minicurso de ci-
nema japonês, com inscrições gratuitas. Dez dias depois, entrava no elevador
da Avenida Presidente Wilson, no centro do Rio, para chegar até o andar de
1 Entrevista realizada por Guilherme Sarmiento em agosto de 2015, para os projetos de pesquisa
“Cinema Musical na América Latina: ficção, documentários e novos formatos”, apoiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), e “Os Musicais no Brasil: cinema
e televisão”, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), desenvolvidos no Laboratório de Análise Fílmica (LAF) da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), coordenado pelo professor Guilherme Maia. Entrevista transcrita por Franklin
Guimarães e Thiago Alecrim – graduandos e membros voluntários do LAF.
funcionamento do Centro Cultural do Consulado do Japão, em cujo auditó-
rio, já sentado na mesa centralizada, o professor arrumava pacientemente suas
anotações e um funcionário preparava o projetor 16 milímetros para a exibição
das películas.
Passados quase 30 anos, aquelas aulas e projeções são como uma baga-
gem – em minhas poucas andanças pelo mundo – que ainda não se extraviou.
Recupero sem dificuldade, do fundo da mala, a camisa em que se estampa a
figura de Chishu Ryu descascando uma laranja ao final de Pai e filha (1949),
de Yasujiro Ozu; muito embora sua lavagem exija certos cuidados para não
se perder de vez a nitidez do desenho, manteve, de certa forma, sua legível
e impactante atualidade.2 Realizar esta entrevista com João Luiz Vieira nesse
momento da minha vida tem o poder de revirar essas lembranças e trazê-las
sob uma nova roupagem. Isso porque, nesse intervalo, tornei-me professor e
passamos a ser colegas. Também porque o assunto que nos une hoje – o motivo
de nosso encontro – não tem relação direta com o cinema japonês, mas com
o cinema brasileiro e latino-americano. Vamos conversar sobre os filmes musi-
cais na América Latina. Isso me força a pensar na trajetória intelectual do entre-
vistado, atento não somente às câmeras baixas, sóbrias e estáticas do mestre
japonês como também às coreografias cantantes e burlescas legadas por José
Carlos Burle.3 E essa disparidade entre interesses cinematográficos revela um
pesquisador inquieto e um caráter nostálgico, no qual o impacto das primeiras
impressões traz para o interior da pesquisa as marcas de uma afecção.
Isso se revela logo no começo da entrevista, quando, instigado a falar
sobre os musicais, João Luiz Vieira resgata o ambiente familiar que envolveu
2 O curso de João Luiz Vieira fez um painel muito aprofundado do cinema japonês, especialmen-
te da década de 1930 a 1950. Além de Yasujiro Ozu, foram mostradas obras de Kenji Mizoguchi,
Heinozuke Gosho e Mikio Naruse. É interessante chamar atenção aqui para a importância do
cinema japonês adquirida entre a cinefilia da década de 1970. Outro cineasta e crítico de sua
geração, Jairo Ferreira iniciou sua carreira de crítico colaborando com São Paulo Shimbun,
jornal da colônia japonesa dirigido pelo entusiasta do cinema de seu país, Mizumoto Kokuro.
(GAMO, 2002)
3 José Carlos Burle foi um dos diretores mais importante da Atlântida, dirigindo, entre as déca-
das de 1940 e 1960, inúmeras comédias musicais. Talvez por ser também compositor de suces-
so, ajudou a consolidar o formato das chanchadas, nas quais se incluíam números musicais que
marcaram a história do cinema brasileiro. Grande Otelo e Colé Santana cantando a marchinha
“Cachaça não é água”, em Carnaval Atlântida (1952), é uma dessas imagens icônicas que fazem
parte dessa memória do musical realizado no Brasil. (ENCICLOPÉDIA..., 2016)
Eu fui criado nos anos 1950. A partir de 1954, 1955 e 1956, eu, minha mãe e
meu irmão estamos indo ao cinema, invariavelmente, uma vez, às vezes duas
vezes por semana. E o que a gente via eram exatamente as chanchadas. Elas
atraíam desde adultos até crianças, porque tinham humor, música e, tam-
bém, eram faladas em português. O adulto via ali piadas, piadas interessan-
tes, de repente tinham vedetes, mulheres bonitas... Coisas que você só assistia
nos teatros da Praça Tiradentes, mas que criança não podia ver e, nos nú-
meros músicas das chanchadas, você via. Era um prazer ver aqueles shows e
aqueles espetáculos. Quando eu tinha por volta de seis anos, Sinfonia carioca
(1955), de Watson Macedo, com a Eliana, me deixou muito impressionado.
4 O Cine Palácio de Higienópolis era um cinema de rua fundado na década de 1950, na Penha, e
possuía 950 lugares, segundo dados do blogue Cine Mafalda (2010).
Até um pouco antes, aqui no Brasil, com Nelson Pereira filmando Rio 40
graus (1955) e Rio, Zona Norte (1957). Buscava-se outro tipo de cinema, e a
tradição que vinha dos anos 1930 passou a ser considerada anacrônica, ve-
lha, um cinema de estúdio, um cinema mais pesado, um cinema de fórmulas,
um modelo esgotado narrativamente.5 O Cinema Novo foi um movimento
geracional, de renovação, algo muito natural de ter acontecido naquele mo-
mento histórico. Assim, mal comparando, mas tentando fazer uma ponte
com os dias de hoje, é mais ou menos a mesma reação que os jovens cineastas,
formados nas universidades, têm com a estética televisiva. Houve uma época
que se reagiu ao ‘cinema de rádio’. Atualmente, essa reação voltou-se contra
as estruturas cômicas redundantes, narrativas e interpretativas marcadas
pela TV.
5 A animosidade de Glauber Rocha, um dos principais artífices do Cinema Novo, contra o gênero
era notória, pois, em sua atuação como crítico, não deixou de apontar na chanchada um dos
principais males a serem superados pelo cinema brasileiro. Em seu livro A revisão crítica do
cinema brasileiro (1963), chegou a considerá-la como “pornografia a baixo preço”. Obviamente,
não se deve generalizar tais juízos críticos, pois muitos cineastas do movimento, como Joaquim
Pedro e Nelson Pereira dos Santos, dialogavam com essa tradição tentando enquadrá-la a
partir de uma perspectiva mais moderna, como, por exemplo, em Macunaíma (1969) e Rio Zona
Norte (1957), em que se percebem elementos do universo da chanchada integrados aos pre-
ceitos cinemanovistas.
6 Segundo Fernando Morais da Costa (2008), desde o final do século XIX, existiram várias expe-
riências de sincronização entre som e imagem, dando origem aos “cinemas falantes”, “cinemas
cantantes”, utilizando não somente máquinas rudimentares, como o cinophon-falante, para
criar a mágica de imagens audiovisuais, mas também contratando músicos, cantores e sono-
plastas que ajudavam a criar o ambiente sonoro exigido pelo filme no momento mesmo da pro-
jeção. Nesse sentido, considerar que em alguma época houve um cinema mudo ou silencioso,
segundo os novos estudos da história do som no cinema, reforça a invisibilidade desses antigos
modelos que a sua época responderam ao desafio de produzir, dentro de suas possibilidades
técnicas, filmes falados e cantados.
7 Segundo João Luiz Vieira ([2012]): “na historiografia clássica do cinema brasileiro, quando nos
referimos a ‘cinema de estúdio’, apesar de várias experiências país afora, em geral são três os
nomes que, imediatamente, vêm à tona: a Cinédia – exemplo inaugural que se costuma consi-
derar como o modelo de um desejo de estúdio de verdade, especialmente ao longo dos anos
30 e início dos anos 40 – seguida da Atlântida, na segunda metade dos anos 40 e ao longo dos
anos 50 e, finalmente, da Vera Cruz, no final da década de 40 e até a primeira metade dos anos
50”.
8 Segundo Guilherme Maia e Lucas Ravazzano (2015, p. 216), “o cinema sonoro argentino nasce
em íntima simbiose com o tango. Gênero de música e dança oriundo das camadas populares
de Buenos Aires e Montevidéu, no final do século XIX, o tango ganha musculatura simbólica
nos salões da aristocracia francesa na primeira década do século XX. [...] Deste ponto em dian-
te, não é temerário afirmar que se torna uma fundamental marca de identidade do cinema
musical argentino. Tango e cinema foram tão íntimos no país, que um expressivo número de
compositores se tornaram também diretores e produtores de filmes, sem dúvida um caso raro
na História do cinema mundial”.
9 Em seu artigo para a revista on-line Boletim CPCB, João Luiz Vieira ([2012]) esmiuçou essa
relação ao afirmar que “esse grupo diretor da Atlântida também havia experimentado o suces-
so popular da união entre cinema e música popular tão bem conseguido pelas produções da
Cinédia na década anterior e de realizadores como Wallace Downey, além do próprio Fenelon,
sempre ligado a questões de sonorização e, por isso mesmo, atento ao papel sedutor que
a música desempenhava junto ao público. Portanto, além dessas produções mais artísticas e
dos cinejornais presentes desde o início da produção (e pelos quais, além das chanchadas,
a marca Atlântida permaneceria para sempre no imaginário dos espectadores), a realização
de comédias musicais também foi experimentada nesses primeiros anos, em títulos às vezes
premonitórios e visionários como Tristezas Não Pagam Dívidas (1944), sob a direção de Burle,
ou Não Adianta Chorar (1945), de um estreante Watson Macedo, com Oscarito, Grande Otelo
e um elenco onde se destacavam números musicais defendidos pelas irmãs Batista, Emilinha
Borba, Marion, Sílvio Caldas, Alvarenga e Ranchinho, entre vários outros nomes de grande
popularidade no rádio”.
A fala de João Luiz Vieira me colocou diante daquele close tão icônico e
fundamental que mais parecia extraído da semiosfera, região rarefeita onde
somente os signos conseguem sobreviver e se perpetuar como organismos
vivos. Talvez eu nunca tenha visto aquele close, era como se o respirasse ou
simplesmente se precipitasse do cosmos direto para a minha mente, frag-
mento de um corpo celeste até então girando ao redor da terra. Vi Carmem
Miranda revirando os olhos espertos, cantando diante da orquestra, seu
brilho intenso de estrela singularizando sua presença diante da irmã e pre-
nunciando o carisma que mais tarde conquistaria Hollywood. Essa capaci-
dade sugestiva era algo muito próprio da elocução de João Luiz Vieira, cuja
paixão pelo cinema dava a suas aulas e exposições públicas um vívido inte-
resse. Ainda com a imagem de Carmem Miranda diante dos olhos, provo-
quei o professor e pesquisador a responder se o gênero musical resistiria à
contemporaneidade:
O Musical da Metro de meados dos anos 1940 até meados dos anos 1950
faz parte do passado. Acho que o formato, caso fosse transposto para os dias
atuais, somente funcionaria através de um sentimento nostálgico, com o ob-
jetivo de reverência, de homenagem, de paródia, de pastiche. Eu acho que
isso pode voltar aqui e ali, sem se estabelecer como um filão artístico. Esses
gêneros específicos estão muito imprecisos nos dias de hoje. Já não se tem
mais aquele ideal de um gênero perfeito, fechado, facilmente identificável.
Sempre vai aparecer um Chicago (2002), por exemplo, ou então Dreamgirls
(2006), que é recente, porém como manifestações esporádicas. Hoje é muito
comum, especialmente no Brasil, as biografias musicais como Dois filhos de
Francisco (2005). Pode-se pensar nesse filme como uma espécie de revisão de
um musical tipicamente brasileiro. Eu acho que pelo víes da cinebiografia se
Introducción
La estructura: el capitulado
¿Qué es ahora?
¿Libertad?
¿Fronteras?
La tesis de este capítulo es que vivimos fraccionados por las fronteras. “Mi
laberinto de soledades”, dice un migrante en la frontera norte, parafraseando a
Octavio Paz. En la frontera sur: la bestia, el tren de los indocumentados. Surge
una balada melancólica que habla de cuando “era una fiesta el andén”. Surge
entonces la transición a un show de dj´s. Es la estética de Tijuana. “Ellos tienen
el dinero, nosotros el corazón”, canta Ali Gua Gua en episodio bilingüe: “I know
they have the money, but we have the fucking love”.
Resistencia
Me gusta mi medicina
¿Alma?
¿Quién soy?
La imaginación: las alas del artista. Carla Robinson y León Larregui (de Zoé)
cantan sobre cambiar al mundo desde adentro: dudar en silencio. Vuelve
Amanditita: “estoy harta aburrida víctima, telenovelas de abuela, que hueva
me doy, ostión”, al tiempo que los entrevistados enuncian su ser y hacer: soy
activista, soy astronauta, soy pesimista, soy muxe, soy rebelde, soy mexicana,
soy voladora (de Papantla).
Vemos fragmentos de un documental sobre la mariposa monarca. Surge
un testimonio de indígenas que enfatizan no ser campesinos, sino ciudada-
nos globalizados que siguen siendo indígenas. “Hay quien quiere valorar a los
Nana Guadalupe
Un rezo universal
AUTORES
Arthur Autran é doutor pelo Instituto de Artes da Unicamp. Atua desde 2002
como docente do Departamento de Artes e Comunicação da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Escreveu os livros Alex Viany: crítico e
632 AUTORES
historiador (2003) e O pensamento industrial cinematográfico brasileiro (2013).
Dirigiu os documentários Minoria absoluta (1995) e A política do cinema (2011).
Autores 633
Fred Góes é professor titular do Departamento de Ciência da Literatura
da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Carnavalescos. Pesquisador
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
com pós-doutorado em Estudos Culturais pela Universidade de Tulane, Nova
Orleans, Estados Unidos. Compositor letrista, contista e ensaísta. Autor de di-
versos livros, entre eles: Teatro rival, resistência e sensibilidade (2018); O ABC
de Jorge Amado, em parceria com Moraes Moreira (2012); Antes do furacão: o
Mardi de um folião brasileiro em Nova Orleans (2008); e O país do Carnaval
elétrico (1982).
634 AUTORES
Autor de Revolución y Democracia. El cine documental argentino del exilio
(2017) e Cine documental argentino. Entre el arte, la cultura y la política (2012);
coeditor de A trail of fire for Political Cinema. The Hour of the Furnaces fifty
years later (2019, en prensa).
Autores 635
e carnavalesco, desenvolveu, em parceria com Gabriel Haddad, narrativas de
enredo sobre Manoel de Barros, para a Acadêmicos do Sossego (2016), e sobre
Arthur Bispo do Rosário, para a Acadêmicos do Cubango (2018).
636 AUTORES
do longa-metragem Antes, o verão (1968). É coordenador do Laboratório
Universitário de Preservação Audiovisual (Lupa), na UFF.
Autores 637
profesora invitada de la Cátedra Unesco “Savoir Devenire a l´ère numérique”
en Sorbonne Nouvelle Paris III. Se ha especializado en consumo audiovisual,
cinefilia y políticas de comunicación y cultura, temas en los que cuenta con
numerosas publicaciones.
638 AUTORES
publicaciones (que incluyen la edición de dossiers en revistas y de dos libros
colectivos) se centran en la persistencia del melodrama como (anti)modelo y
en el papel de las canciones en el cine latinoamericano. También ha sido pro-
fesora invitada en las Universidades de Gante (2013) y de Lieja (2017) y Visiting
Scholar en la Universidad de Stanford (2014).
Autores 639
E ste livro foi produzido em formato 170 x 240 mm e utiliza as tipografias
Practice e Brandon, com miolo em papel Alta Alvura 75g/m2 capa em
Cartão Supremo 300g/m2, impressa na Gráfica 3.
Tiragem: 400 exemplares.