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Zacarias – entre o silêncio e um novo canto

(Alexandr Ivanov – Zachariah)

Que a graça e a paz estejam com vocês.


Permitam-me fazer uma ponte entre o primeiro “Diálogos com Lutero” e esta segunda e tão esperada
edição!
Dialogar com Lutero, para falar de narrativas bíblicas sobre o nascimento de Jesus, em pleno
Advento; a gente pensa: bingo: a meditação inicial será sobre o Magnificat.
Mas hoje não começaremos com Maria e seu cântico; nos concentraremos em outra pessoa.

Narrativa conforme Lucas 1.5-23


Confessemos: é fácil esquecer a história de Zacarias. Quem é da música, sabe muito bem o
Benedictus, mas esse é o final da história; o resto, omitimos. A gente prefere a Maria, cuja confiança
no que disse o anjo Gabriel contrasta com a dúvida cheia de argumentos de Zacarias. Maria tinha
paixão e fé, enquanto Zacarias parecia incerto e incrédulo; desafiadora na sua dúvida. Ele parece
um contraexemplo de Maria.
Eu me identifico com Zacarias. Muitas, muitos aqui também. Andamos argumentando, duvidando,
colocando nossos questionamentos. Não andamos com uma fé bonitinha, no script, cheia de
certezas, nem no presente, nem no porvir. Seus problemas acabaram??? Conte outra!

Tem horas que é caco de vidro

Meses que é feito um grito

Tem horas que eu nem duvido


Tem dias que eu acredito. (P Leminski)

A tal ponto que, segundo a narrativa, Gabriel lhe dá afinal uma sentença: “E agora você ficará em
silêncio e não poderá falar até o dia em que isso acontecer, porque você não acreditou nas minhas
palavras, que se tornarão realidade no seu devido momento.” Zacarias ficou em silêncio por um
tempo maior que a própria gestação de Isabel. É bastante tempo! O que significa esse silêncio?
Zacarias foi calado pelo anjo? Ou Zacarias silenciou? À primeira vista, as palavras de Gabriel podem
parecer uma punição, também as podemos ler como um convite.
Eu quero propor uma distinção, somente para nossa compreensão, entre os termos calar e silenciar.
Aparentemente, eles parecem sinônimos. Mas vamos imaginar calar como uma atitude mais passiva,
mais do tipo “cala a boca”, ser calado, me calaram, calaram minha voz. E silenciar como uma
atitude, uma ação ativa, em que eu mesma gerencio meu silêncio.
Teus silêncios, meus silêncios, o silêncio de Zacarias. Silêncios são frutos do espanto, da
estupefação, do medo, do cansaço, mas também são frutos da paz interior, do alívio, do desejo
genuíno de ouvir e escutar (A vida no paraíso), mas também ouvir-se. Retiros de silêncio: audição
aguçada, para fora e para dentro.
Mas engana-se quem pensa que o silêncio é uma ausência, mais ainda quem pensa que o silêncio é
um grande NADA, ou pura inércia!
Há tanto movimento nos silêncios, tanta coisa acontece em silêncio: conspirações, elocubrações,
tensões quase palpáveis. Silêncios contém vida, movimento, ações. Pensemos na gestação de
Isabel e de Maria; uma gestação por vezes é muito silenciosa, enquanto muita vida está
acontecendo, está se formando.
Por outro lado, silêncios são muito expressivos. Em música, há as chamadas “pausas expressivas”,
tão importantes quanto os sons. São espaços para gerar tensão, curiosidade, chamar a atenção.
“Repara bem no que não digo”, disse Paulo Leminski. Silêncios também são para ser lidos. Quanto
me falam alguns silêncios teus!

No tempo de silêncio em que Zacarias era incapaz de falar, algo muda dentro dele. Enquanto as
Escrituras não falam sobre esse tempo, ainda somos convidado/as a nos perguntar: o que aconteceu
entre Zacarias e Deus então? O que transformou Zacarias de ser uma pessoa que discutiu com o
anjo para aquele que oferece um cântico proclamando louvor, salvação, justiça e liberdade (Lucas
1:68-79)? Não sei o que aconteceu, mas me pergunto.

Deus muitas vezes fala mais claramente para nós em momentos em que podemos acalmar nossas
próprias mentes e vozes. As palavras às vezes refletem mais das minhas próprias ansiedades e
preocupações do que da ação de Deus. Embora palavras possam ser um belo modo de
comunicação, elas também podem ser distrações. Às vezes, nossas palavras, como as de Zacarias,
manifestam nossos próprios limites. Mas depois de expressar tudo isso, o silêncio abre espaço para
a plenitude do poder dinâmico e curativo de Deus.

Algumas de nós andamos em silêncio já há algum tempo. Fomos caladas e calados, ou decidimos
silenciar. Ou o medo, o espanto, a estupefação nos pegaram de jeito. Não faz mal: porque podemos
aproveitar isso para preparar a fala que ainda vem – isso também é Advento! Isso também é
esperança!
No nosso silêncio, Deus ainda está trabalhando. O poder de Deus excede nossa própria habilidade
de nomear, capturar ou controlar os eventos, os sentimentos e tudo que nos sobrevém. Ao fazer
silêncio, como Zacarias, aprendemos a confiar na força transformadora de Deus que ocorre no ainda
desconhecido.

Depois disso, sim, um dia, quiçá muito em breve, poderemos cantar nosso canto. O Canto de
Zacarias é de uma força imensa! Convido vocês a orar com esse cântico.

Soraya Heinrich Eberle para o Fórum Esperançar – II Diálogos com Lutero

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