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Faculdade CAL de Artes Cênicas

“As Instituições Sociais e sua possível reconstituição pelo Teatro do Oprimido” por
Beatriz de Castro Damini (BT33A)

Rio de Janeiro, 2020

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Introdução

É inegável a relevância do trabalho de Augusto Boal para o Teatro brasileiro e


também global. O tão famoso “Teatro do Oprimido” vem sendo objeto de estudo há
anos, sem se descontextualizar dos momentos históricos concomitantes, mostrando
que cada vez mais se faz relevante falar sobre Boal e o “Teatro do Oprimido”, pois
este é atemporal e universal.

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Objetivo

Visa-se com esta pesquisa executar uma investigação acerca das teorizações
do “Teatro do Oprimido” e, a partir disso, pretende-se analisar a possibilidade de
reconstituição das Instituições Sociais – entende-se por Instituições Sociais quaisquer
organizações da sociedade que existem para que haja coesão social, como por
exemplo Escola, Igreja, Presídio e Hospital – de uma maneira mais empática e
humanizada, dando, na medida do possível, mais poder de ação e de mudança ao
oprimido.

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Desenvolvimento

Durante à década de 1940, Augusto Boal era estudante de química industrial.


Sua afinidade com o Teatro, porém, era inegável, e, dentro da universidade fez parte
de várias ações culturais e artísticas.
É nessa década também que inicia uma aproximação com Nelson Rodrigues
e com Sábato Magaldi, peças-chave na consolidação do Teatro Brasileiro.
Junto a Gláucio Gill e Léo Jusi, elabora um projeto para fundação do Teatro
Artístico do Rio de Janeiro – referência ao Teatro de Arte de Moscou –.
Como citado em “Hamlet e o filho do padeiro”, os três buscam primeiramente
inspirações russas, mas não se contemplam e partem para outras pesquisas, dentre
elas o Teatro Shakesperiano. Novamente chegam à conclusão de que é inviável:
“Caímos na realidade. Onde arranjar dinheiro para tanto Shakespeare? Onde arranjar
teatro para tanto elenco? Onde arranjar público que se apaixonasse por nós?”.
(BOAL, 2014). Assim, o Teatro Artístico do Rio de Janeiro nunca chega a existir de
fato, foi apenas uma ideia no papel, porém todos os questionamentos levantados
durante esse período seriam de grande valia para as teorizações futuras de Boal
acerca do Teatro Brasileiro.
Em 1953, Boal elabora um manifesto intitulado “Companhia Suicida do Teatro
Brasileiro” junto com Abdias do Nascimento, Léo Jusi, Gláucio Gill e Nelson
Rodrigues. Em forma de carta aberta no jornal, o manifesto reivindicava mais
incentivos à dramaturgia nacional.
Para Boal, os teatros brasileiros estavam receosos de encenar peças
brasileiras, daí então a preocupação em criar uma linguagem teatral que pudesse
traduzir a realidade do seu país; uma maneira brasileira de falar, sentir e pensar
teatro.
Na segunda metade de 1953 Boal vai então estudar na Columbia University
(NY). Lá participa de projetos como o “Circle in the Square” de José Quintero e tem
experiências dentro do “Actor’s Studio” de Lee Strasberg e Stella Adler, além do
“Writer’s Group” de John Grassner, que foi a grande motivação de Boal para ir aos
EUA.
Quando volta para o Brasil, Boal se envolve com o Teatro de Arena junto a José
Renato. Ambos consolidam então um repertório brasileiro de baixo orçamento.
Em 1956 acontece o famoso Seminário de Dramaturgia a partir de “Eles Não
Usam Black-Tie”. E é nessa época também que ocorre a fase de Nacionalização dos
Clássicos dentro do Teatro de Arena.
Com a chegada da década de 1960, a ditadura começa a tomar forma, e o Teatro
de Arena é obrigado a se reinventar. É a fase dos Musicais (“Arena Canta”).
Culminando no golpe de 64, esse período de repressão representou grandes
dificuldades para os trabalhadores da cultura.
Boal então começa a desenvolver uma de suas próprias teorizações cênicas, que
quando finalizada, daria nome ao que conhecemos por Sistema Coringa.
O Sistema Coringa consistia em uma proposta de encenação na qual diferentes
atores poderiam assumir um mesmo personagem.
Esta forma de ver a atuação se assemelha com as teorizações cênicas de Bertolt
Brecht e propõe um distanciamento do ator em relação ao personagem, na medida
em que, assumindo diferentes personagens, o ator não se identifica totalmente com
nenhum deles.
Correlacionando o Sistema Coringa ao tema deste estudo, ao pensarmos sobre o
uso deste sistema em Instituições Sociais – vamos usar de exemplo escolas e

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presídios – podemos perceber grande potencialidade de reestruturação por um viés
mais empata, na medida em que o Sistema Coringa permite ao indivíduo vivenciar
outras posições sociais que não a que ele ocupa naquele momento. Como seria, por
exemplo, ter um prisioneiro encenando um carcereiro? No documentário “Augusto
Boal e o Teatro do Oprimido” isso foi possível, ainda que numa amostragem pequena,
pois isso aconteceu dentro de apenas um presídio. Mas numa escala maior, trazer o
Teatro do Oprimido e o Sistema Coringa para dentro dessas Instituições pode se
mostrar de grande efeito quanto à humanização dos presídios brasileiros.
Dentro de escolas, a possibilidade de reestruturação não é diferente, pois o
Sistema Coringa permite o contato com símbolos e signos que talvez precisem ser
revistos dentro da estrutura pedagógica atual das escolas brasileiras. O recente
crescimento do conceito de “escola construtivista” – surgido no século XX, a partir,
principalmente, das experiências dos filósofos e pensadores da educação Jean Piaget
e Lev Vygotsky – e também o baixo desempenho dos estudantes no Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM) evidencia – além de muitas outras questões – a
necessidade de revisão e reestruturação da base educacional pedagógica brasileira.
Voltando à história de Boal no Teatro, em fevereiro de 1971 ele é preso e torturado
pelo regime militar. Após isso é então exilado.
Foi durante o exílio que ele desenvolveu as bases conceituais do Teatro do
Oprimido – método teatral inspirado em Bertolt Brecht e ligado ao teatro de resistência
e aos movimentos de vanguarda surgidos na Rússia e na Alemanha na década de
1930. O objetivo do Teatro do Oprimido é despertar a consciência e a mobilização
política. Como citado por Boal no documentário “Augusto Boal e o Teatro do
Oprimido”: “(...) O Teatro do Oprimido abre caminhos. (...) O Teatro do Oprimido não
pertence a nenhuma organização. Apenas ao oprimido. (...) Expressar a arte a fim de
compreender a sua realidade. Assim nasce a democracia.” (BOAL, 2010)
Na Argentina, primeiro país que Boal vai quando exilado, começa a
desenvolver o que posteriormente se chamaria Teatro Invisível, cuja ideia principal
era não saber se o que se apresentava era de fato teatro ou uma casualidade – ou
causalidade – cotidiana.
Quando pensamos na reestruturação das Instituições Sociais, ter em mãos a
possibilidade de fazer um teatro que não se sabe se é teatro, é infinitamente potente.
E se, no meio de um culto ou missa surgisse um ator interpretando um morador de
rua e pedisse parte do dízimo da noite para comer? Qual seria a reverberação disso
nos fiéis e na cúpula religiosa daquele espaço? É preciso acreditar na potência do
Teatro Invisível como grande escancaro da posição do oprimido. Ainda, é preciso
acreditar que a partir deste escancaro desperte-se uma consciência coletiva e empata
sobre o oprimido. Como comenta Boal ainda no documentário citado anteriormente:
“É uma contra-catarse. (...) Uma purificação pela piedade.” (BOAL, 2010). É preciso
acreditar.
Após o trabalho com Teatro Invisível na Argentina, Boal desenvolve o chamado
Teatro-Fórum no Peru.
O Teatro-Fórum é uma técnica em que os atores representam uma cena até a
apresentação do problema ou da opressão propriamente dita, em seguida cabe aos
espectadores que coloquem, por meio da ação cênica, soluções para o então
problema apresentado. Como mencionado anteriormente nas explicações do Sistema
Coringa, no documentário “Augusto Boal e o Teatro do Oprimido” há um momento em
que presidiários tem a oportunidade de participar de um “Teatro-Fórum”,
apresentando soluções para situações de opressão que vivenciam no dia a dia.

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Existem vários grupos internacionais de Teatro do Oprimido. A maioria deles
foca no Teatro-Fórum, acredito que pelo poder prático de solução da opressão e
internalização dessa solução. Um grupo africano, por exemplo, fez uma grande
campanha de conscientização sobre HIV a partir do Teatro-Fórum, o que já nos
levanta a ideia de poder trazer o Teatro-Fórum também para a área da saúde –
Instituições Hospitalares também são Instituições Sociais –, visto que hoje em dia as
campanhas de conscientização são pouco acessíveis a população, muito porque o
índice de analfabetismo no Brasil ainda é elevado, então trocar campanhas escritas
por campanhas performáticas pode surtir mais efeito na conscientização e prevenção
de doenças ou infecções.
Algumas das outras teorizações de Boal – que não são o enfoque desta
pesquisa mas também são muito singulares e importantes – foram o Teatro Imagem
– que consistia em se representar uma situação de opressão por meio de uma
imagem ou partitura corporal –, o Teatro Jornal – transformação de qualquer notícia
de jornal, ou qualquer outro material sem propósito dramático, em cenas ou ações
teatrais –, o Teatro Legislativo – cenas de Teatro-Fórum apresentadas em sessões
legislativas – e por fim o Arco-Íris do Desejo – espécie de teatro-terapia que se
assemelha ao psicodrama e traz a possibilidade de investigação subjetiva de
situações de opressão –.
Boal volta ao Brasil em 1984, depois da anistia. E em 1986, funda o Centro de
Teatro do Oprimido. Nesse período desenvolve também a chamada “Árvore do Teatro
do Oprimido”, que é de grande valia para visualizar a potência dessa possível
reconstituição das Instituições Sociais a partir do Teatro do Oprimido.
Vê-se abaixo:

SÉRIE: Teatro do Oprimido | AUTORIA: Augusto Boal | DATA: 19-- | ANO: 19-- | LOCAL: s/l

Para Boal, “A árvore representa o Teatro do Oprimido. Esse solo tem que ser
carregado de ética e solidariedade que é a base do teatro do oprimido. (...) O tronco
são jogos e exercícios, o básico. E nos galhos, as técnicas” (BOAL, 2010)
Se pensarmos na árvore como representação simbólica de toda e qualquer
Instituição Social – afinal, para Boal, tudo é teatro –, com seu solo, raízes, tronco e
folhas, podemos pensar também em uma possível associação com a “Árvore do
Teatro do Oprimido”.
Como na árvore de Boal, ética é também a grande regente das Instituições. A
solidariedade deveria estar junto, porém a humanidade ainda não conseguiu

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incorporar a solidariedade nessas Instituições, muito porque são Instituições
dependentes de um sistema econômico, que sendo capitalista, não visa priorizar as
questões humanas.
O maior desafio, portanto, nesta possível reconstituição das Instituições
Sociais a partir do Teatro do Oprimido, é incorporar a solidariedade juntamente com
a ética. Dessa maneira, Instituições podem se tornar mais empatas, humanas, e
efetivas.
Augusto Boal foi indicado ao Nobel da Paz em 2008 e foi consagrado
Embaixador Mundial do Teatro pela UNESCO em 2009, o ano em que falece,
deixando um legado atemporal tanto para o Brasil, quanto para o mundo.

“A natureza permite a vida mas exige a morte, então tudo é transitório. O início da
vida é sensível e não simbólico.” – (BOAL, 2010)

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Bibliografia

TEATRO do Oprimido. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura


Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo616/teatro-do-oprimido.

AUGUSTO Boal e o Teatro do Oprimido. Direção: Zelito Viana. [S. l.: s. n.], 2010.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lL3-Wc305Gg. Acesso em: 13
jun. 2020.

BOAL, Augusto. Hamlet e o Filho do Padeiro: Memórias Imaginadas. 1. ed. [S. l.]:
Cosac & Naify, 2014. 416 p.

INSTITUTO AUGUSTO BOAL (Brasil). Vida e Obra. In: Vida e Obra de Augusto
Boal. [S. l.], 2010. Disponível em: http://augustoboal.com.br/. Acesso em: 13 jun.
2020.

INSTITUTO AUGUSTO BOAL (Brasil). Acervo. In: Acervo. [S. l.], 2010. Disponível
em: http://augustoboal.com.br/. Acesso em: 13 jun. 2020.

BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido: Outras Poéticas Políticas. [S. l.]: Civilização
Brasileira, 2005. 288 p.

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