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ter, 25 abr 2017 | 09:55


BIOLÓGICAS (/UNICAMP/INDEX.PHP/JU/BIOLOGICAS)

O sentido do olfato varia conforme a história


de vida da pessoa
Pesquisadores demonstram que o ambiente ao redor
do indivíduo contribui para modular o número de
células que identificam cada cheiro

AUTORIA PATRÍCIA LAURETTI (MAILTO:PATRICIA.LAURETTI@REITORIA.UNICAMP.BR)

FOTOS ANTONINHO PERRI (MAILTO:PERRI@UNICAMP.BR)

EDIÇÃO DE IMAGEM LUIS PAULO SILVA (MAILTO:LCARLOS@REITORIA.UNICAMP.BR)

O olfato, o sentido com que se distinguem os odores, é moldado


pela história do indivíduo e não somente por sua constituição
genética, como se acreditava. O funcionamento e a constituição
do nariz de alguém exposto a determinado cheiro ao longo da
vida são diferentes do funcionamento e da constituição do nariz
de outra pessoa  que cresceu e viveu em outro ambiente, com
outros odores. Foi o que descobriu um time envolvendo 17
pesquisadores de quatro laboratórios especializados no estudo
da olfação, distribuídos em três países: Estados Unidos, Inglaterra
e Brasil. Entre eles está o grupo coordenado pelo professor Fabio
Papes, do Laboratório de Genômica e Expressão (LGE), do
Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

O trabalho utilizou camundongos de laboratório como modelo e


está sendo publicado neste momento em artigo na revista (https://
elife.elifesciences.org/content/6/e21476) eLife (https://elife.elifesciences.org/
content/6/e21476) , um periódico das áreas biomédica e de ciências
da vida, com fator de impacto elevado (9.0 em 2016), e que adota
um rápido processo editorial, com a preocupação de dar
visibilidade ao trabalho de jovens docentes. Na publicação os
pesquisadores detalham experimentos realizados na Unicamp, na
Universidade de Duke e Monell Chemical Senses Center (Estados
Unidos), e no Wellcome Trust Sanger Institute (Inglaterra),
coordenados pelo professor Darren Logan. Na Unicamp foi
realizado o estudo histológico e molecular detalhado do tecido
olfativo dos animais, com o objetivo de verificar como os genes
envolvidos no funcionamento da percepção de cheiros estão
expressos na cavidade nasal.

O tecido olfativo é composto por neurônios sensoriais periféricos,


que possuem receptores moleculares devotados à detecção das
moléculas dos odores. Enquanto no sistema visual participam
apenas três tipos de receptores e na gustação 49 tipos de
receptores percebem os diferentes sabores, no olfato são 1.200
tipos de receptores olfativos. Além disso, a identificação dos
cheiros se dá de forma combinatorial, pois um odor pode ser
detectado por vários receptores olfativos agindo
simultaneamente. Dessa forma, o repertório de odores que o ser
humano pode detectar é extremamente grande, contribuindo para
uma capacidade de sentir cheiros praticamente ilimitada.

“O sistema olfativo é o mais complexo dentre os sistemas


sensoriais, do ponto de vista molecular. É também o mais
primitivo evolutivamente, tendo surgido com essa ampla
capacidade de detecção porque não se pode prever a que tipos de
odores estaremos expostos ao longo da vida. É diferente das
informações visuais ou auditivas, que comparativamente são
muito mais previsíveis”, destaca Fabio Papes.
O aspecto inédito demonstrado pela pesquisa é que o ambiente
no qual o indivíduo vive e se desenvolve contribui
substancialmente para modular o número de células capazes de
identificar cada cheiro. "Não se trata do efeito que a experiência
do indivíduo exerce sobre como o cérebro interpreta as
informações sensoriais, o que poderia ser considerado como
memória olfativa, mas na construção de fato do tecido olfativo".
Segundo o professor, "a construção celular e molecular do tecido
olfativo, em um determinado momento, é preparada não só pelos
genes do organismo, mas também pela sua história de vida".

Os neurônios olfativos são formados durante toda a vida do


indivíduo, e os dados do estudo mostram que a modulação da
olfação imposta pelo ambiente leva ao surgimento de mais
células capazes de detectar cheiros aos quais houve maior
exposição ao longo do tempo. "Você tem mais células para
aquele cheiro”, complementa o professor. Como consequência,
diferentes indivíduos, mesmo que geneticamente semelhantes,
podem ter capacidades olfativas completamente distintas, o que
contribui para a individualidade do sentido do olfato, inclusive em
seres humanos.

Professor Fabio Papes: “O sistema olfativo é o mais complexo dentre os sistemas sensoriais”.

Em um dos experimentos, os times realizaram a implantação de


embriões de camundongo geneticamente diferentes (A e B) em
um mesmo tipo de fêmea de aluguel, garantindo assim que o
ambiente a que os filhotes foram expostos durante a gravidez
fosse idêntico. Ao termo da gravidez, filhotes do tipo genético A
foram transferidos para serem nutridos por uma fêmea adulta do
tipo A, com exceção de um filhote, que era de constituição
genética diferente B. Em contrapartida, o ensaio também foi
conduzido da forma inversa: filhotes do tipo B foram nutridos por
fêmeas B, além de um filhote diferente, do tipo A. "Tivemos
quatro grupos com variações de ambiente e genes”, salienta
Papes.

Os experimentos permitiram aos pesquisadores comparar


animais geneticamente idênticos, mas que cresceram e se
desenvolveram em ambientes diferentes; da mesma forma,
puderam comparar animais que cresceram no mesmo ambiente,
mas eram geneticamente diferentes. Os órgãos olfativos desses
animais foram, então, avaliados por uma combinação de técnicas,
histológicas e moleculares, incluindo sequenciamento dos genes
ali expressos. Ao final, foi possível avaliar as contribuições dos
genes e do ambiente na construção do tecido olfativo.

“Ficou evidente que o papel dos genes, especialmente daqueles


que codificam receptores olfativos no genoma, é muito
importante na construção do tecido nasal, mas houve uma
contribuição muito notável do ambiente, algo nunca antes
registrado”, observa Papes.

Em outro experimento, o papel do ambiente foi melhor avaliado.


Quatro odores foram oferecidos aos camundongos ao longo de
seis meses. O resultado final mostrou que o número de células
que têm receptores para esses quatro compostos aumentou
quase 100 vezes, embora os genes ainda sejam os maiores
responsáveis pela organização dos demais tipos de células no
tecido olfativo.
O professor Fabio Papes (dir) com os alunos Thiago Nakahara e Paulo Henrique Martins Netto.

Implicações

A compreensão de que a construção dos neurônios do tecido


olfativo depende também da história do indivíduo pode ter
implicações para o entendimento de todos os sistemas
sensoriais, afirma o professor Fabio Papes. “A grande
contribuição do estudo é perceber como os órgãos do sentido
não são iguais em todos os indivíduos. Isso é algo com enormes
implicações médicas, por exemplo, pois diferentes indivíduos
podem responder ao ambiente de diferentes maneiras, inclusive
em condições patológicas. Não porque suas fisiologias são
adaptadas de formas diferentes, mas porque seus órgãos dos
sentidos per se são construídos de formas diferentes,
dependendo de sua história de vida".

Em um contexto de medicina personalizada, esta afirmação pode


ser significativa. "Não podemos encarar que todos têm a mesma
capacidade de percepção sensorial e tratá-los da mesma
maneira”, argumenta o professor. Em alguns casos extremos para
certas enfermidades, a perda de capacidade sensorial já é
avaliada corriqueiramente. Por exemplo, em alguns países, já se
utiliza a perda da capacidade olfativa para o diagnóstico de
determinadas doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e
Parkinson.
Imagem de fluorescência mostrando o órgão olfativo visto de lado no nariz, com alguns neurônios corados em vermelho e
verde.

Com o avanço dos estudos e a mudança de paradigma em


relação à individualidade dos sentidos, o professor Papes salienta
que será eventualmente possível traçar correlatos entre as
diferentes capacidades de percepção sensorial e determinadas
condições médicas, mesmo em situações menos extremas.

Fabio Papes ressalta ainda que a importância do sistema olfativo


para a compreensão do funcionamento do cérebro já é motivo
suficiente para estudá-lo. “O número de áreas do cérebro
devotadas ao funcionamento do sistema olfativo é muito grande,
mesmo no ser humano. Compreendê-las é uma maneira de
compreender como o cérebro funciona, como o cérebro processa
informações. Seria um modo de acessar o cérebro, utilizando
uma espécie de atalho”.
Imagem de capa JU-online

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