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O Silencio Ou A Profanacao Do Outro
O Silencio Ou A Profanacao Do Outro
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Fevereiro de 2007
Editorial
Roberto Bartholo
Apresentar uma revista é explicitar seu compromisso, seu pacto fundamental. E fazemos isso
mediante a referência a um "velho" testemunho de D. Helder Câmara (1987:128-129):
".... Lembro-me de certa vez que me convidaram para a inauguração de uma grande empresa. Era um dia
de intenso calor, mas os escritórios dos diretores tinham o conforto dos aparelhos de ar condicionado. Os garçons
passavam travessas e mais travessas com garrafas de uísque. Uma, duas, muitas vezes. Eu tomava apenas
refrigerantes - não por virtude excessiva, pois até gosto de um pouco de vinho, o que não me causa nenhum
problema de ordem moral - e sim porque o álcool parece não gostar de mim... Em dado momento um dos
convidados se aproxima e, grosseiramente, me diz: ´ora, ora Dom Hélder! Como é que vai sua demagogia? O
senhor ainda tem coragem de dizer que vivemos cercados de fome e miséria aqui em Recife?´ Outras pessoas
juntaram-se a nós encorajadas por aquela provocação e querendo prossegui-la. Eu respondi a todos em alto e
bom som: ´vejam só! Eu estava tranqüilo no meu canto, mas vocês preferiram provocar-me... Pois eu lhes
garanto que se sairmos todos nos belos carros que vocês têm, em poucos minutos eu os mergulharei num ambiente
da mais terrível fome e miséria...
Para surpresa minha aceitaram o desafio. Em não mais que dez minutos chegamos a uma sapucaia, um
desses lugares onde os serviços públicos despejam e depois incineram, o lixo da cidade. Eu conhecia bem o
local... Chamei um conhecido, que é funcionário da prefeitura e por ali trabalha. Ele tem, a propósito o apelido
de Doutor Lixeira... Longa experiência lhe ensinou a ver, no meio daquele lixo todo o que ainda pode ser
aproveitado como alimento. É ele quem estabelece a classificação: comida de primeira classe, que funcionários
da prefeitura reservam para si mesmos; comida de segunda classe, boa ainda para as pessoas que nada têm do
que viver e se alojam por ali, disputando o refugo com os urubus que ciscam como galinhas pretas; comida de
terceira classe, que se coleta e guarda para vendê-la depois nas tendinhas de quarta ou quinta classe, onde
qualquer coisa serve para encher a barriga dos que vivem encharcados de álcool...
O Doutor Lixeira explicou tudo isso muito direitinho às dezenas de chefes de empresa que me haviam
acompanhado até ali. Tive a impressão de que marcara profundamente o meu ponto, ensinando-lhes uma dura
lição... Mas qual! No dia seguinte, um deles me chama ao telefone, e diz: ´Dom Hélder, que sujeito formidável
aquele Doutor Lixeira! Ele tem muita iniciativa! Bem que poderíamos empregá-lo...´
Nosso compromisso com a atualidade do testemunho de Dom Hélder pode encontrar abrigo na
afirmativa de um dos mais importantes economistas contemporâneos, A. O. Hirschman (1996: 257):
"... o progresso político e o econômico não estão ligados entre si de modo fácil, direto, funcional".
Essas conexões são construídas situacionalmente. E nesse sentido os estudos de Amartya Sen (2000,
2001) são exemplares para apontar como a igualdade formal de oportunidades deve necessariamente
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Fevereiro de 2007
Referências bibliográficas
Bartholo Jr., Roberto S. (2001) Você e eu: Martin Buber, Presença, Palavra. Rio de Janeiro,
Garamond.
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Hirschman, Albert O. (1996). Autosubversão. São Paulo, Companhia das Letras.
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Expediente
Informações básicas
A Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais é uma publicação científica gratuita, de
periodicidade quadrimestral, do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (Programa de
Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ).
Dedica-se a divulgar trabalhos voltados para a apresentação e análise de propostas e experiências
ligadas à gestão social. Pretende manter uma atitude prospectiva, apontando possíveis tendências
nesse campo.
Como seções fixas, reúne artigos, reportagens, entrevistas, apresentação de casos e resenhas
críticas. Procura utilizar ao máximo os recursos oferecidos pelo formato de periódico on-line,
explorando as possibilidades do meio eletrônico para oferecer e trocar informações, em particular o
recurso do hipertexto e oferecendo sempre que possível indicação de fontes de informação
complementar disponíveis na web.
O título abreviado da revista é Revista Virtual GIS, forma a ser utilizada em bibliografias, notas
e referências.
Copyright
Os conceitos emitidos em artigos são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não refletindo,
necessariamente, a opinião da redação.
Permite-se a reprodução total ou parcial dos trabalhos, desde que seja indicada explicitamente a
sua fonte.
CORPO EDITORIAL
Editor responsável
Roberto dos Santos Bartholo Jr. - Professor do Programa Engenharia de Produção - COPPE/
UFRJ e Coordenador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social
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Comitê editorial
Carlos Renato Mota - professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Laboratório
de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ
Arminda Eugenia Marques Campos - pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e
Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ
Conselho Editorial
Geraldo de Souza Ferreira - DEGEO/UFOP, Ouro Preto, MG
Marcel Bursztyn - CDS/UnB, Brasília, DF
Maurício Cesar Delamaro - FEG/UNESP, Guaratinguetá, SP
Michel Thiollent - COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ
Paulo Márcio Melo - UERJ, Rio de Janeiro, RJ
Susana Finquelievich - Fac. Ciências Sociais, Universidade de Buenos Aires, Argentina
Equipe de redação
Andreia Ribeiro Ayres
Secretaria
Maria Joselina de Barros
Revisão
Arminda Eugenia Marques Campos
Webdesign
Marcos Lins Langenbach
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Apresentação
Ao prepararmos este número da Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais não definimos
com rigidez um tema a ser trabalhado com exclusividade.
Conforme chegaram as contribuições, percebemos que todas, de alguma forma, se relacionam
com a idéia presente no título da resenha: arqueologia da inclusão. Os textos que compõem este
oitavo número questionam a idéia de inclusão, como costuma ser apresentada e proposta em diferentes
contextos: no universo da educação e no mundo do trabalho, da perspectiva de formulação de
políticas públicas ou do ponto de vista da atuação empresarial. Esses textos têm em comum uma
insatisfação com idéias usualmente apresentadas como oportunidades de inclusão e a proposta de
refletir mais profundamente sobre esse tema.
Aguardamos seus comentários sobre os temas escolhidos e sobra a Revista como um todo. Seus
comentários e sugestões poderão nos ajudar a melhorar aspectos técnicos ou de conteúdo desta
publicação.
Aguardamos também suas contribuições - artigos, resenhas ou estudos de caso - para o próximo
número. Os textos submetidos serão analisados por nosso Comitê Editorial. A seção “Instruções
aos autores” contém as informações necessárias para preparar os textos que deseja apresentar.
Boa leitura!
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Sumário
Resenha Crítica
Florestan Fernandes, “O negro no mundo dos brancos” Difusão Européia do Livro
Uma arqueologia da inclusão
FERNANDES, Florestan. - Por Elzamir Gonzaga Silva ..................................................................08
Artigos
Celso Furtado e o Desenvolvimento como Invenção
Andreia Ribeiro Ayres........................................................................................................................11
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Resenha Crítica
FERNANDES, Florestan.
São Paulo, 1972.
Quando discutimos a inclusão social tudo faz se em resultados (empíricos e teóricos) de uma
parecer que o tema é uma novidade que surgiu investigação feita em São Paulo, suplementada
nos anos 90. Isso não faz jus aos esforços de por material colhido em outra pesquisa em
pesquisadores que vêm examinando a coleções de jornais do meio negro ou fontes
organização da sociedade brasileira, no sentido estatísticas (e.g. IBGE).
exatamente de verificar a democratização das
relações sociais (leia-se situação de inclusão social Para o autor, no Brasil há um padrão de
dos diferentes componentes da sociedade equilíbrio racial baseado na falácia de que não
brasileira). existe discriminação racial e existem no país dois
pólos na perpetuação indefinida do status quo
Tentaremos demonstrar que o tema da racial: a orientação estática do comportamento
inclusão é preocupação antiga presente em dos brancos e uma certa acomodação por parte
estudos dos fenômenos sociais no Brasil. Para dos negros, descrita como “capitulação passiva.”
isto, analisamos a seguir um dos trabalhos de (pág. 10). Persistindo esse padrão, persiste a
Florestan Fernandes que trata das relações sociais desigualdade racial, pois a ascensão do negro
entre “brancos”, “negros” e “mulatos” ou as ocorre em um processo cujas vantagens
relações raciais. privilegiam o branco.
No livro O negro no mundo dos brancos o autor Três questões são comentadas pelo autor:
se ocupa em demonstrar como o racismo no primeira – os dados são históricos – a coleta
Brasil se manifesta de maneira diferente do que ocorreu quinze anos antes da publicação da
ocorre em países como Estados Unidos e África análise dos resultados. Segunda – os ensaios do
do Sul. O livro reúne escritos publicados entre livro constituem ponto de partida para reflexões,
1965 e 1969, e outros dos anos 40 e 50 (o autor não estão desenvolvidos em seu potencial pleno.
publicara em 1964 a Obra “A integração do negro Terceira – o negro no mundo dos brancos significa
no Brasil” EDUSP, 2vs.). Esses trabalhos têm que não existe a tão aclamada igualdade racial,
como foco a situação do negro e do mulato na tampouco a dita miscigenação no mundo social
sociedade brasileira, a partir da cidade de São brasileiro, o que há é uma sociedade que, mesmo
Paulo. O autor considera a cidade um padrão tendo incorporado muito da cultura negra e
brasileiro de relações raciais, cujos modelos
comportamentais se espelhavam nos mesmos do
período escravocrata, dando ao sistema de classes *
Elzamir Gonzaga Silva é graduada e mestre em Psicologia pela Universidade de
Brasília. Atualmente, exerce a função de analista de ciência e tecnologia do CNPq.
a mesma dinâmica e estrutura do sistema de
castas. A coletânea apresentada no livro baseia-
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indígena, ainda assim, essa incorporação foi futuro parece reservar ao Brasil em matéria de
montada para esse branco (que sequer existe “integração racial”.
como tal), para privilegiá-lo.
Primeiramente, segundo as conclusões das
Segundo o autor, o negro foi exposto a um pesquisas realizadas, a cor da pele é relevante no
mundo organizado socialmente para os segmentos processo de inserção social. O autor sugere que
privilegiados da raça dominante, não ficou inerte, elementos da moral cristã fizeram com que os
mas também as suas influências não mudaram o brasileiros acabassem desenvolvendo um
rumo do processo social. Submeteu-se a formas “preconceito de ter preconceito”:
de auto-afirmação que são ao mesmo tempo
“...preconceito reativo: o preconceito contra o
formas de autonegação; extração do próprio valor
preconceito ou o preconceito por ter preconceito. Ao
e reconhecimento pelos outros de seu valor não
que parece, entendia-se que ter preconceito seria
como negro ou mulato, mas pelo que não é –
degradante e o esforço maior passou a ser o de
branco! Como seria a unidade social se integrasse
combater a idéia de que existiria preconceito no
por multiplicação e não por exclusão, como visto
Brasil, sem se fazer nada no sentido de melhorar a
acima, em que se perdem heranças culturais que
situação do negro e de acabar com as misérias
não se combinam com as condições em que os
inerentes ao seu destino humano na sociedade
estratos dominantes tentam realizar a integração
brasileira.” (pág. 42).
pela sua própria dominação? Essa é a grande
pergunta do autor que permanece e se aplica Isso agiu como elemento principal na forma
também a outros grupos excluídos. disfarçada como sempre se manifestou o
preconceito racial no Brasil. A partir disso, com
O livro divide-se em cinco partes, incluída a
o fim da escravidão e a imigração, os negros
conclusão, e aborda desde pesquisas feitas sobre
passaram a ocupar os piores postos de trabalho
a questão racial brasileira, até trabalhos sobre
na economia emergente. Sua inserção na
obras literárias, artísticas e manifestações
sociedade de classes deveu-se a um fenômeno
culturais do mundo dos negros. As investigações
econômico – necessidade de mão-de-obra. São
que o autor apresenta tratam de desmascarar a
mostrados dados estatísticos com as porcentagens
falaciosa neutralidade brasileira em relação ao
de brancos, negros e mulatos que exerciam cada
preconceito racial apoiada em aspectos como:
uma das ocupações. Demonstra-se claramente a
barreiras sociais à integração; a luta dos negros
prevalência de brancos nas ocupações mais bem
contra a concentração de privilégios entre os
remuneradas e socialmente valorizadas e a quase
brancos; a distância de uma verdadeira
totalidade de negros e mulatos nas ocupações
democracia racial no Brasil; mobilidade e relações
mais mal remuneradas ou de menor valor para a
sociais; estratificação e segregação social; aspectos
sociedade, situação agravada com a imigração.
históricos que influenciam na manutenção da
Negros e mulatos formavam os grupos
discriminação; a imigração e as relações raciais;
marginalizados que viviam nas ruas, na
a situação do negro em São Paulo (foi diferente
prostituição, na degradação social, ou na
em Recife, Salvador e Rio de Janeiro). Demonstra-
economia de subsistência, que foi o que lhe
se como, na sociedade brasileira, os negros foram
garantiu alguma condição de dignidade.
relegados à condição de não-humanos,
inicialmente pela escravidão que lhes tirava o Segundo Florestan, o Brasil está longe de ser
direito da liberdade, depois pela segregação social, uma democracia racial. Entretanto, há entre os
econômica política e até cultural. negros uma resistência em manter-se sob a
sujeição dos brancos, como requer o modelo
O autor, a partir de uma primeira investigação
relacional adotado no país. Ela se constitui de
cuja hipótese era exatamente da convivência
auto-educação e auto-esclarecimento
harmônica entre os grupos raciais, concentrou-
desenvolvidos do seu próprio esforço e em escala
se em analisar a natureza do comportamento do
coletiva.
brasileiro diante do problema racial, o que há de
mito e realidade atrás desse problema, e o que o A mensagem transmitida pelo livro que mais
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interessa à inclusão aborda duas questões dos brancos ou da ordem social existente, porque o
principais: a importância da investigação científica protesto acabou se transformando num valor em si
sobre o tema das relações raciais no Brasil e o mesmo, como se o negro tomasse a si a tarefa
significado do protesto negro. histórica de exibir uma integridade que os brancos
não possuem na auto-identificação com os valores
As investigações científicas, segundo o autor,
fundamentais da civilização vigente”(175).
teriam uma relevância muito grande para a
questão da inclusão do negro na sociedade Em lugar de se insurgir contra aquele que
brasileira com ou sem o preconceito que existe exclui, trata de defender o direito à inclusão,
hoje. O conhecimento sobre a questão racial defendendo-a para si e para os outros excluídos.
brasileira seria uma maneira de demonstrar como
Nos capítulos finais da obra o autor demonstra
as relações inter-étnicas afetam o
vários aspectos da discriminação encontrados na
desenvolvimento da civilização ocidental no
expressão literária e no teatro, manifestações
Brasil. Tal conhecimento viria esclarecer e
culturais do mundo negro, assim como a história
resolver o problema racial em conformidade com
de João Camargo, considerado um líder
os critérios racionais do pensamento científico.
carismático.
Deste modo, o autor sugere que a transformação
do Brasil em uma verdadeira democracia racial A leitura é demasiado interessante e muito
requer o conhecimento explícito de como o rica para condensar em tão breve espaço. É
preconceito se manifesta na sociedade brasileira leitura obrigatória para todos que têm que lidar
e do quanto ele a impede de progredir. Em suas com a diversidade em seu trabalho: funcionários
próprias palavras: públicos, profissionais da área de educação e
saúde, além dos interessados na diversidade
“...o conhecimento da realidade presente precisa
cultural brasileira e dos estudiosos do tema.
ser bastante amplo para proporcionar-nos idéias
justas sobre os pontos em que a herança social A leitura pode concentrar-se na questão da
tradicional se opõe, como obstáculo cultural, às inclusão do negro na sociedade brasileira, mas
tendências favoráveis à democratização e para também pode-se retirar muitas conclusões acerca
revelar-nos as condições em que ela orienta da inclusão de outros grupos excluídos,
negativamente a formação de hábitos novos...” (pág. notadamente os deficientes em geral. Ambos
167). vivem num mundo criado por um grupo
majoritário e para atender às necessidades deste
Pelo que o autor demonstra, entende-se que
grupo, o que lhe rende privilégio de acesso a certos
conhecer as relações raciais ajuda a reconhecer
bens e atividades. O preconceito e a exclusão em
todos os aspectos e mecanismos que promovem
ambos os casos é semelhante:
o solapamento ou reforçam os estereótipos raciais.
Isso, do nosso ponto de vista, seria também útil confere tratamento diferenciado em função
no que se refere ao preconceito contra outros de uma marca física e é velado como resultado
grupos excluídos. da moral cristã – o preconceito de ter preconceito.
O protesto negro representa, segundo o autor,
o clímax da capacidade de um grupo se preocupar
e lutar pela sua libertação do preconceito, como
se uma minoria pudesse promover mudança nas
leis e costumes tradicionais. Tem valor de marco
histórico e de evidenciar
“...o poder assimilacionista da sociedade
inclusiva. [...] deixa patente que mantidas as atuais
condições econômicas, sociais e políticas, o altruísmo,
a nobreza e a elevação dos movimentos sociais do
meio negro não põem em questão as “injustiças”
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Artigo
Resumo
Este trabalho procura apresentar o pensamento de Celso Furtado como uma referência para se
pensar estratégias alternativas ao “modelo único” de desenvolvimento e seus efeitos perversos para
economias periféricas e dependentes: concentração de renda, desigualdade social e o não atendimento
das necessidades básicas da maioria da população. Essa referência tem sua atualidade corroborada
pela necessidade de se ultrapassar os limites de uma concepção estritamente economicista do
desenvolvimento situado e sustentável.
Palavras-chave: desenvolvimento, mimetismo cultural, pensamento crítico e
criatividade
Abstract
This paper aims at presenting Celso Furtado thinking as a reference to devise strategic alternatives
different form the single model of development and its vicious effects to dependent periphery
economies. Some of those effects are income concentration, social inequality and basic needs of the
major part of the population left unattended. It tries to show that his thinking remains up-to-date,
since we need to surpass the limits of a purely economicist vision of sustainable and situated
development.
Key words: development, cultural mimesis, critical thinking, creativity
Autonomia epistemológica
Uma significativa afirmação de Celso O pensamento de Celso Furtado é de precário
Furtado é que “quando o consenso se impõe a uma enquadramento em rótulos pré-concebidos. Seu
sociedade, é porque ela atravessa uma era pouco criativa” desafio maior é a busca por caminhar em direção
(FURTADO, 2002, p.80-81). Essa é uma às respostas dos desafios da vida vivida. Daí
afirmativa coerente para a trajetória de vida de advém a força de sua autonomia epistemológica. Em
um pensador que sempre ousou a confrontação seu horizonte não se vislumbra a simples
crítica, sem medo das desqualificações que o capacidade de resolver problemas já recebidos
pensamento hegemônico costuma propagar a
*Andreia Ribeiro Ayres
respeito das heterodoxias. Sua trajetória de vida
D. Sc. (2005)
é também um testemunho do empenho tanto pela
Pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (LTDS)
assimilação crítica da produção e objetos do Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ.
culturais estrangeiros, como pelo risco de integrar
pensar e agir num projeto próprio.
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apresentam como perenes. Dito de modo mais simples: é ¾. (1984) Cultura e Desenvolvimento em época de
urgente recuperar a faculdade de tornar possível amanhã crise, Rio de Janeiro, Paz e Terra, Coleção Estudos
o que hoje parece impossível.” (BARTHOLO, 2002) Brasileiros, v.80.
Nessa perspectiva, o legado de economistas ¾. (1998) O capitalismo global, 5.ed., Rio de
como Celso Furtado pode servir de referência Janeiro, Paz e Terra.
valorativa às estratégias de desenvolvimento de
cunho genérico e universalista, baseadas na lógica ¾. (2002) Em busca de um novo modelo: reflexões
expansiva do mercado globalizado. sobre a crise contemporânea, São Paulo, Paz e Terra.
RAMOS, A.G. (1996) A redução sociológica, 3.
ed., Rio de Janeiro, UFRJ.
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BARTHOLO JR., R. S. (2001) “A mais
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ambientais, Coleção Terra Mater, Rio de Janeiro,
Garamond,p p. 13-26).
¾. (2002) “A Pirâmide, a Teia e as Falácias”.
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Seminário Sociedade do conhecimento: novos
desafios universitários. São Paulo, v. 1. p. 7-14,
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BARTHOLO JUNIOR, R.S. TUNES, G.
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econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento,
3. ed., Rio de Janeiro, Contraponto.
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CEPAL, Rio de Janeiro, Record, v.1.
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¾. (1970) Formação Econômica do Brasil, 10.ed.,
São Paulo, Companhia Editora Nacional.
¾. (1974) O mito do desenvolvimento econômico,
4.ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra.
¾. (1978) Criatividade e dependência na civilização
industrial, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
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Artigo
Resumo
Trata-se de um texto em que se examina a idéia de inclusão escolar sob a ótica da exclusão social.
Procura-se mostrar que o monopólio radical dos instrumentos sociais é um dos mais importantes
geradores de exclusão social e que o movimento de inclusão de pessoas ou grupos em instituições
que o exercem é um dos principais mecanismos de manutenção da exclusão social. No exame
empreendido, procura-se demonstrar como a estrutura da escola, tomada esta instituição como caso
exemplar, cria e mantém mecanismos de exclusão, no interior do movimento de inclusão, ao
transformar-se em instituição voltada para a auto-perpetuação.
Palavras-chave: exclusão social, inclusão escolar, educação
Abstract
This paper examines the idea of school inclusion from the standpoint of social exclusion. It tries
to show that the radical monopoly of social tools is a major producer of social exclusion. It also aims
at demonstrating that the movement of including people or groups in institutions that practice the
radical monopoly of social tools is one of the main mechanisms of the preservation of social exclusion.
The text intends to show how the structure of the school, this institution being considered a paradigm,
creates and keeps untouched exclusion mechanisms, despite the inclusion efforts, because the school
is an institution devoted to self-perpetuation.
Key words: social exclusion, school inclusion, education
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Falar sobre exclusão tornou-se mais freqüente organização social atual. São pessoas que, por não
com a modernidade, quando relacionada ao terem as mesmas oportunidades, podem se tornar
fenômeno crescente da pobreza nas cidades. O uma ameaça para os “bem sucedidos”, que a elas
desenvolvimento urbano traçou caminhos atribuem a realização de fatos e suas
excludentes originando a pobreza metropolitana. conseqüências desastrosas e incômodas como a
Convivemos com um contingente de pessoas que violência urbana, o mercado informal e o tráfico
procuram nas brechas do capitalismo uma de drogas. Ter pessoas desempregadas e afastadas
oportunidade para sobreviver. São os ilegais, do mercado formal de trabalho gera encargos
também chamados de marginais, os diferentes, financeiros e previdenciários; sendo assim, os
os menos favorecidos, os não civilizados, os excluídos são um fardo para os economicamente
pobres, os negros, os índios, os do interior, os da tidos como “incluídos” (Bursztyn, 2005). Os que
periferia etc. estão no processo produtivo desresponsabilizam-
se pelos que estão fora dele. Acontece a ruptura
A modernidade vem modificando o interesse nos laços de solidariedade (Bursztyn, 2005). É
social pelos marginalizados (Bursztyn, 2005). O nesse contexto que podem ser vistas condutas
século XX, ao contrário das predições de século de exclusão cada vez mais acirradas, pois os
da paz, foi de rupturas nos laços de solidariedade, excluídos são ameaçadores e não mais um
das grandes guerras e do profundo aumento das interesse econômico.
desigualdades. Na década de 70, começa a se
delinear mais claramente uma inversão, deixa-se Entretanto, o termo exclusão não é sinônimo
de proteger pessoas e passa-se a proteger de pobreza. Segundo Escorel (1998) a origem do
mercados e recursos de interesse da produção. termo é atribuída ao título do livro de René
Acontece um recuo na proteção do trabalho; a Lenoir, Les exclus: un français sur dix, publicado na
correlação direta entre crescimento econômico e França em 1974. No momento da publicação, a
emprego já não acontece mais. Na atualidade, noção de exclusão foi relacionada à noção de
pode-se produzir muito com pouco trabalho. “inadequados sociais” e “desajustados”. O autor
Assim, muitos estão fora do mercado. O fundo era Secretário de Ação Social do governo de
previdenciário aumenta com pessoas Jacques Chirac e tinha como preocupação central
aposentadas, doentes e desempregadas, acontece amparar por meio de ações governamentais a
certa “antipatia” por parte daqueles que estão pobreza dependente, que acarretava gastos sociais
pagando para outros viverem à custa dos fundos crescentes.
previdenciários, gera-se um desapego, uma Após a publicação do livro na França, a partir
desresponsabilidade e por fim um esfriamento de meados dos anos 80, ocorre uma modificação
total em relação à situação em que vivem aqueles no perfil da pobreza com o aumento da
que estão excluídos. Os marginalizados, na desigualdade social. O trabalho assume o núcleo
sociedade de trinta anos atrás, eram aqueles que central como criador de vínculos e os problemas
tinham inserção como trabalhadores, embora de sociais são ancorados nas estruturas econômico-
modo informal. Geralmente, moravam sem ocupacionais. Nesse contexto, o excluído
condições mínimas de saneamento e acesso aos configura uma nova questão social e a inserção
serviços públicos; entretanto, prestavam serviços pelo trabalho uma luta contra a exclusão.
necessários à sociedade. A grande novidade da
modernidade é a nova condição da exclusão que, Baseando-se nos trabalhos de Hannah Arendt
comparada à condição da marginalidade, perde (2001) sobre a condição humana, Escorel
muitos “privilégios”, pois os excluídos não são elaborou o conceito de exclusão social, que é
mais úteis para a produção, tornam-se definido como um processo em que (no limite)
desnecessários, conforme aponta Bursztyn os indivíduos são reduzidos à condição de animais
(2005). que têm como única atividade a sua preservação
biológica e que estão impossibilitados do exercício
As pessoas tidas como “desqualificadas”, fora das potencialidades da condição humana. Assim
do padrão, já não são mais úteis para a
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Tendo como pano de fundo a idéia de gera engodos que passam pela necessidade de
monopólio radical em que a industrialização qualificação e que encontram na educação uma
capitalista transforma as relações do homem com estrutura regida pela lógica excludente. Não se
a ferramenta, Illich destaca dois tipos de saberes. trata apenas de preparar para conseguir uma
O espontâneo, que provém das relações criadoras colocação no mundo do trabalho, a rede da nova
entre o homem e o seu meio, como a situação social está bem trançada, a dualidade
aprendizagem da língua materna, e o saber das sociedades tradicionais é substituída por uma
coisificado, que é uma instrução intencional e sociedade fragmentada e complexa. Estão
programada, como o ensino das disciplinas presentes várias situações de vulnerabilidade e
escolares. O homem tem cada vez menos chance ruptura de vínculos. O caminho oposto, o da
de fazer as suas coisas e necessita do saber inclusão, não pode ser estruturado apenas por leis
escolarizado para satisfazer as necessidades que que oferecem acesso de todos aos direitos
estão dependentes das ferramentas constitucionais. É preciso uma mudança na
industrializadas. relação entre os homens, em que o valor maior
não seja a mercadoria e o seu poder de troca.
Nesse sentido, portanto, o saber é um bem
que está exposto no mercado. Para Silva (2005),
a conversão do conhecimento em mercadoria gera Exclusão Social e Exclusão Escolar
o monopólio do saber: os que detêm o
conhecimento científico, autorizado, Para a delimitação do conceito de exclusão
desqualificam os que não o têm. O conhecimento social, Escorel (1998) analisou a trajetória de
cotidiano é transformado em ciência que não está vulnerabilidade dentro do âmbito da vida social.
disponível a todos: “a ciência tutela a vida, e A fim de analisar o conceito de exclusão escolar
torna as pessoas dependentes de um e procurar configurá-lo, achamos que seria
conhecimento que elas não podem gerar, mas simplório restringir essa análise ao âmbito escolar;
somente comprar” (p.71). O crescimento contudo, a visão dicotômica de que a escola é
industrial e científico leva a educação a exercer o um lugar separado da sociedade ainda é muito
controle social para o uso dos produtos. A generalizada. A idéia de que na escola vive-se
educação transforma-se em necessidade para uma vida de preparo para a vida futura em
diplomar seletivamente pessoas e também para sociedade descaracteriza a condição humana de
controlar as que ascendem ao consumo. pertencimento a um contexto escolar que é social.
A vida não pára e perde as suas referências dentro
A institucionalização do ensino, na sociedade
do espaço escolar; muito pelo contrário, a escola
contemporânea, atrelada às necessidades do
é sociedade. Os alunos, professores e
capitalismo, assume características empresariais,
funcionários trazem suas histórias marcadas e
nas quais presenciamos a comercialização do
ancoradas em relações vividas nos diversos
conhecimento e a transformação do aluno em um
âmbitos sociais. Um professor não pára de ser
objeto de consumo. A escola alarga o campo de
um homem comum só porque está assumindo a
sua atuação e se torna um monopólio radical. A
posição de educador. Restringir a investigação da
educação é socialmente designada pela sociedade
exclusão escolar à escola é o mesmo que compará-
como a principal possibilidade de um futuro
la a uma brincadeira de faz de conta. É claro que
promissor e de um emprego digno. A escola é
as situações didáticas são em sua maioria
obrigatória e aquele que não a freqüenta está fora
artificiais; entretanto, os seus atores são
da lei, não sendo assim digno de um emprego e
verdadeiros e trazem na sua interpretação suas
impossibilitado de sonhar com um futuro melhor.
idéias, necessidades e valores.
A escola assume hoje o principal veículo de
ascensão social e, pelo seu caráter de monopólio Nesse sentido, o conceito de exclusão social
radical, também de exclusão. é importante para compreender e assim analisar
a exclusão que acontece de forma articulada
A perspectiva de inserção social pelo trabalho
dentro da escola. Encontramos reflexões que
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da eliminação adiada; refere-se à manutenção das exclusão educacional brasileira fosse gerada pela
classes populares em profissões menos nobres. falta de vagas e escolas. Com as cotas, um novo
Ele é representado por aqueles que conseguem mecanismo de discriminação é criado e a escola
ter a qualificação básica para corresponder à nova continua a mesma.
demanda neoliberal. O terceiro nível é o da
Quem são, então, os excluídos da escola? Será
manutenção adiada ou exclusão pura e simples
possível a generalização de que todos os negros
das camadas populares da escola, ou seja, a
são excluídos, todos os repetentes são fracassados
evasão. Os alunos têm a possibilidade de entrar
e apenas aqueles que conseguem uma formação
na escola; contudo, não conseguem nela
superior são os bem sucedidos? Deveríamos criar,
permanecer. O último e quarto nível é o da
então, secretarias de inclusão para os negros,
eliminação propriamente dita, quando não há
pobres, índios, pessoas com deficiência, pessoas
acesso ao ingresso das camadas populares na
com distúrbio de aprendizagem, filhos de
escola. Esse nível concerne àqueles
trabalhadores rurais e todas as pessoas que, por
predestinados ao trabalho manual.
algum motivo, não se enquadrarem dentro das
Na procura em determinar quem são os amarras estipuladas pelo padrão da escola? Ou,
excluídos do espaço escolar, ressalta-se outro então, criar uma secretaria de inclusão da
aspecto importante dentro desse delineamento aprendizagem na escola, independente de grupos
que é a análise do grupo formado pelos filhos das ou minorias, a fim de pesquisar o porquê de tantos
classes média e alta que apresentam dificuldade fracassos em aprender o que foi estipulado, no
de aprendizagem. Eles fracassam e tropeçam em tempo determinado e da maneira esperada?
doloridos processos de escolarização. Tratam-se
No quadro aqui delineado, os excluídos da
de crianças que, em geral, não passaram por
escola são também os excluídos sociais, já que o
privações nutricionais, culturais ou médicas, mas
padrão de sucesso é reconhecido e mantido por
também apresentam problemas de inadequação
toda a estrutura social. Os excluídos são os que
escolar. Se fossem filhos de pessoas “pobres” logo
fugiram do padrão ou por alguma razão não
seriam rotulados como deficientes mentais.
conseguiram atingir o que já estava pronto e
Entretanto, normalmente, não são diagnosticados
estipulado como sucesso. A escola é obrigatória
como tais e assim reconhecidos como crianças
e tal como está estruturada funciona como um
que possuem distúrbios de aprendizagem,
monopólio radical. Não freqüentar uma escola é
recebendo atendimento especializado que sempre
como não existir socialmente. Todavia, ao mesmo
procura moldá-los em conformidade com o
tempo em que é uma condição para a existência
padrão estabelecido de homem de sucesso.
humana, torna-se, para muitos, um fardo difícil
Contudo, o problema continua no aluno, e não é
de ser carregado.
questionada a estrutura de ensino que
desconsidera a diversidade, perseverando na sua O desafio não é tentar incluir os excluídos,
seletividade excludente. mas sim incluir a diversidade como condição
humana. O desafio é incluir, na sociedade, o
Se até os filhos dos bem sucedidos encontram
enfoque na aprendizagem individual e não na
dificuldade no processo de escolarização, o que
soberania do ensino imposto, competitivo,
dizer dos índios e negros que são historicamente
classificatório e padronizador. Estamos perdendo
discriminados? Da mesma forma que se criaram
tempo com a inclusão dos “diferentes” dentro da
estratégias para minimizar a evasão e a repetência,
fabricação de “iguais”.
outras foram destinadas a facilitar a inserção
escolar desses grupos. Os governantes se A exclusão é uma invenção da modernidade.
vangloriam da expansão educacional em todo o Os descartados sempre existiram, mas, agora,
território nacional; cotas para negros, índios e houve uma mudança no seu caráter utilitário.
estudantes da escola pública são criadas a fim de Tratam-se, atualmente, de pessoas não
favorecer sua entrada em universidades públicas necessárias para o mercado que passaram a ser
e novamente o problema é distorcido como se a reconhecidas como excluídas. Para deter o
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processo de exclusão é preciso uma reestruturação A essa ampliação de sua esfera de ação
social profunda. Contudo, no momento, é mais corresponde, como é sabido, um crescimento nos
lucrativo, mais fácil, substituir essa reestruturação aparatos de poder que a estruturam e, por
por leis generalizantes e ações superficiais. O foco conseqüência, um vigor cada vez maior nas
não deveria estar nos excluídos, mas sim nos relações de poder que lhe dizem respeito (Ibáñez,
mecanismos que os excluem. 2006). Desse modo, o custo de sua própria
manutenção começa a sobrepujar em muito o das
A inclusão escolar não acontece por um
operações que justificaram a sua instituição. Não
decreto ou simplesmente pela presença de
conseguindo realizar os objetivos para os quais
crianças incluídas dentro da escola. Não é apenas
foi criada, acaba por gerar um novo objetivo que
modificando leis, papéis, currículos e métodos
é o de meramente subsistir. Sendo sua própria
didáticos que algo se faz, mas sim modificando o
existência a sua finalidade, a escola, como
olhar, que deve se orientar pelo primado da ética,
instrumento social, instrumentaliza seus fins,
do compromisso com o outro. A exclusão
deixando de servir ao homem, mas subjugando-
acontece porque os mecanismos que determinam
o. O monopólio radical parece ser, assim, um dos
os tipos de relações excludentes estão
mecanismos muito importantes de garantia de
perpetuados, vivos e a cada dia mais fortes. Eles
permanência da escola e, em todo caso, um forte
não se limitam ao universo escolar, mas abrangem
mecanismo de exclusão.
muitos espaços da vida concretamente vivida.
A escola é uma organização fortemente
A exclusão social não é uma epidemia que
conservadora. As mudanças que têm acontecido
deve ser controlada com campanhas de vacinação.
na vida social dos homens em conseqüência do
Inventar uma epidemia moderna promove ações
desenvolvimento da ciência e da tecnologia não
políticas e demagógicas heróicas que só camuflam
se fazem acompanhar de mudanças substantivas
e respaldam os que as criam. A exclusão sempre
nos meios de ensino e aprendizagem escolares.
existiu e agora só foi rebatizada e tudo permanece
O caráter anacrônico da escola contemporânea e
como antes.
sua resistência à mudança são reconhecidos,
embora não diretamente enfrentados. “Novas”
O silêncio ou a profanação do outro políticas e diretrizes educacionais são formuladas
aos borbotões, mas, na sua essência, a escola
Como qualquer organização, no princípio, a permanece a mesma. Ora, “quando a matéria
escola constitui-se como “um meio conjunturalmente sobre a qual se aplica um instrumento é por
válido para conseguir um fim que lhe é externo definição mutante, ou se modifica com ela o
(itálicos do autor)” (Ibáñez, 2006, p. 29)1 . Surge instrumento ou este passa a ter uma eficácia
como substituta dos modos de aprender que, na puramente simbólica” (Ibáñez, 2006, p. 30). Nas
Idade Média, aconteciam no seio mesmo da vida palavras de Ibáñez (2006), a solução é onírica:
concretamente vivida (Áries, 1981). “transforma-se ‘ideologicamente’ a realidade para que
permaneça camuflado o anacronismo” (p. 31, itálicos
Todavia, no seu caminhar histórico, a
do autor). Dessa forma, parodiando o autor, a
instituição escolar tende a ampliar a sua presença,
escola “está morta para seus fins, ainda que siga viva
seja na vida de cada pessoa, com o aumento das
para perpetuar-se a si mesma” (p. 28, itálicos do
exigências de tempo de escolarização, seja na
autor).
extensão do número de pessoas capturadas pelos
seus tentáculos, com a exigência crescente de Ao chegar à escola pela primeira vez, a criança
comprovada escolarização para o exercício de já encontra toda a sua vida preparada. O seu
diversas atividades, como é o caso do trabalho. presente é aquele da soberania do ritual, da
disciplina, da repetição, das normas, das
1 Aplicamos à escola idéias de Ibáñez (2005), quando analisa o “lamentável
naufrágio da CNT” (p. 8). avaliações, das hierarquias, do tempo certo.
Enfim, um padrão de ser. O seu futuro é o da
certificação, do bom sucesso, do lugar social, do
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trabalho incerto, mas dado como certo. Enfim, Utopias: Caminhos Contemporâneos do
um padrão do vir-a-ser. A criança já é de todos Desenvolvimento Situado. Tese de Doutorado,
sabida: a escola proclama, ruidosamente, quem Centro de Desenvolvimento Situado/ UnB,
ela é, quais são suas necessidades, o que deve Brasília, 2005.
fazer, o que não deve fazer, o que pode e o que
TRINDADE, Iole Maria Ferreiro. A exclusão
não pode querer. A escola fala, mas não precisa
social da/ escola. Ciências e Letras, n. 17, p.199-
ouvir. A criança não deve falar, mas somente
208, 1996.
ouvir: sua vida já lhe foi esculpida.
TUNES, E. e BARTHOLO, R. O trabalho
“Está escrito: ‘Farás para mim um altar de
pedagógico na escola inclusiva. Em M. C. V. R.
terra... e se fazes para mim um altar de pedra não
Tacca (Org.) Aprendizagem e Trabalho pedagógico.
o construirás de pedras talhadas porque se
Encaminhado para publicação. SP: Editora
levantas tua ferramenta sobre ele, o profanarás’”.
Alínea, 2006.
O rabí de Rizhyn explicava isto como se
segue: ‘O altar de terra é o altar do silêncio, que
é o mais agradável a Deus. Mas se fazes um altar
de palavras, não as talhes nem as esculpas porque
tal artifício as profanaria’.” (Buber, 1994).
Referências bibliográficas
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de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
ARIÈS, P. História social da criança e da família.
2. ed. Rio de Janeiro, TC, 1981.
BUBER, M. Cuentos Jasídicos – los maestros
continuadores. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica,
1994.
BURSZTYN, M. Modernidade técnica e exclusão
social. Palestra proferida no Seminário Nacional
sobre Preconceito, Inclusão e Deficiência, UFRJ
e UNB, junho de 2005.
ESCOREL, Sarah. Vidas ao léu: uma etnografia
da exclusão social. Tese de Doutorado,
Departamento de Sociologia, Universidade de
Brasília, Brasília, 1998.
FREITAS, L.C. de A. Crítica da organização do
trabalho pedagógico e da didática. Campinas, SP:
Papirus,1995.
IBÁÑEZ, T. Por qué A? Fragmentos dispersos
para um anarquismo sin dogmas. Barcelona:
Anthropos Editorial, 2006.
ILLICH, I. La convivencialidad. México:
Joaquin Mortiz/Planeta, 1985. 161 p.
SILVA, Gabriela Tunes da. Sobre Raízes e
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Artigo
Resumo
Tendo como eixo a relação entre igualdade e diversidade, este texto procura examinar alguns
aspectos da inclusão escolar de pessoas com deficiência. Com base em estatísticas censitárias,
questiona-se o modelo político pedagógico atual que, negando a diversidade, nega a possibilidade de
igualdade de acesso das pessoas deficientes às ferramentas culturais historicamente forjadas pelo
homem. Questionando a vinculação da escola ao mercado, procura-se mostrar a necessidade de um
projeto que supere a relação educação e mercado na perspectiva de uma educação que promova a
constituição humana do homem, uma escola para além do capital.
Palavras-chave: diversidade, educação, pessoas com deficiência
Abstract
With its axis in the relation between equality and diversity, this text examines some aspects of
scholar inclusion of people with deficiencies. Based on census data, it questions the current political-
pedagogical model, which, by denying diversity, denies the possibility of equal access of deficient
people to the cultural tools that were historically molded by men. We try to show the necessity of a
project that overcomes the bond of school to the market, following the perspective of an education
that promotes the human constitution of men, a school that is beyond capital.
Key words: diversity, education, people with disabilities
1. Introdução
Atualmente, muito se tem falado sobre o diversidade é fato constituinte no processo de
direito à diversidade. No dicionário, diversidade humanização, pois para sua subsistência o
é a ‘qualidade daquilo que é diverso, diferente, homem transforma a natureza com o trabalho e
variado; conjunto variado, multiplicidade’ assim ele cria cultura. Diferentes modos de
(HOUAISS, 2001). trabalhar e de viver: diferentes culturas e,
portanto, diferentes modos de pensar, cultuar,
Ora, num simples olhar, verifica-se que a
vestir, comer, metabolizar, significar, sentir,
realidade é composta pela diversidade, pelo
peculiar, pelas diferenças, seja na natureza ou na
cultura. Ao se pensar a diversidade entre os *Kátia Regina Moreno Caiado é graduada em Educação pela PUC-Campinas,
mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos e doutora em
homens enquanto multiplicidade pode-se, por Educação pela Universidade de São Paulo. Atualmente, exerce a função de professor
titular da Puc-Campinas, onde é coordenadora do Programa de Pós-graduação em
exemplo, pensar nas diferenças biológicas, indo Educação.
de gênero a comprometimentos orgânicos, ou nas
diferentes histórias de vida, indo de culturas
distantes às diferenças sociais. Sabe-se que a
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níveis de ensino e nas escolas regulares. Inúmeras Enquanto os maiores índices estão localizados
publicações na área da educação analisam nas faixas etárias mais elevadas, observa-se
trajetórias escolares referentes à entrada do aluno também a existência de analfabetos nas faixas
com deficiência na escola regular (Anped, 2006; etárias que correspondem aos níveis de educação
MEC/SEESP, 2006). Além disso, os dados do fundamental e média. Isso indica a fragilidade do
censo escolar revelam que, dentre as matrículas sistema educacional brasileiro que ainda carece
na educação básica do país, em 2005, 1% refere- de qualidade para bem alfabetizar todas as
se a alunos da educação especial, consideradas crianças.
as matrículas em escolas regulares em classes
A pergunta que se faz é: qual é a qualidade
comuns e matrículas em escolas exclusivamente
da educação que o aluno com deficiência
especializadas e em classes especiais. Ou seja,
encontra na escola regular? Não bastam as vagas
em 2005, houve 640.317 matrículas de alunos
na escola regular. É preciso também discutir as
da educação especial na educação básica contra
possibilidades concretas de nela permanecer e
337.326 matrículas em 1998, o que significou no
aprender. Num projeto emancipador de educação,
período de 1998-2005 um aumento de 48% de
a função da escola é a de socializar o
matrículas de alunos da educação especial.
conhecimento historicamente construído, “a
Sobre o número de matrículas de alunos da atividade nuclear da escola é a transmissão dos
educação especial em escolas regulares em classes instrumentos de acesso ao saber elaborado”
comuns, com e sem apoio pedagógico (Saviani, 2000, p. 21).
especializado, vale observar que, em 1998, era
Na sociedade capitalista onde tudo é
de 43.923 e, em 2005, o número se eleva para
mercadoria, a educação tem sido tratada como
262.243, o que significou no período de 1998-
um negócio lucrativo e, como afirma Mészáros
2005 um aumento de 6 vezes o número de
(2005, p.35), a escola serve
matrículas.
ao propósito de não só fornecer os conhecimentos
Neri (2003, p. 120) afirma que os dados do
e o pessoal necessário à máquina produtiva em
censo demográfico de 2000
expansão do sistema do capital como também gerar
revelam que as pessoas com deficiência têm e transmitir um quadro de valores que legitima os
menor inserção na educação e, quando conseguem interesses dominantes.
ser inseridos, têm dificuldade de acompanhar os
Aprende-se na escola o que será útil ao
alunos sem deficiências. O caso é ainda mais
mercado e, assim, aprende-se a naturalizar o que
complicado pois acompanhada à dificuldade de
é histórico, ou seja, internaliza-se que as causas
inserção encontra-se o desestímulo...reflexo do grande
do não aprender estão no indivíduo, como aponta
contingente que interrompe o processo de
Freitas (2002, p.308)
aprendizado, retornando em classes não seriadas.
a exclusão é internalizada no sentido de que o
Essa análise permanece atual, como revelam
aluno permanece na instituição escolar mesmo sem
com os dados do censo escolar de 2005: de
aprendizagem, ao contrário de quando era
419.309 alunos matriculados no ensino
puramente eliminado da escola.
fundamental, apenas 10.912 matriculam-se no
ensino médio, sendo que 50.369 matriculam-se Nessa lógica, aos alunos com deficiência
na educação de jovens e adultos. bastariam vagas para acesso e alguma permanência
na escola regular porque historicamente são
É interessante notar que esse mesmo
reconhecidos como incapazes, pois as marcas
movimento de evasão escolar ocorre dentre os
socialmente atribuídas às pessoas com deficiência
alunos sem deficiência. Permanecer e aprender
estão associadas às suspeitas da incapacidade
na escola não é problema apenas para os alunos
(GOFFMAN, 1988) enquanto atributo individual.
da educação especial. Dados do INEP (2003) já
revelavam que o analfabetismo no Brasil atinge
as diferentes faixas etárias de modo distinto.
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Artigo
Resumo
Este artigo mostra a distância entre o discurso e a prática da responsabilidade social empresarial-
RSE - no estudo de caso da aproximação entre a COOPA-ROCA, Cooperativa de Trabalho Artesanal
e de Costura da Rocinha Ltda, e a indústria de moda nacional. A Coopa-roca representa dois
stakeholders da indústria de moda: fornecedor, trabalha fornecendo artesanato para esta indústria; e
comunidade, é um projeto de inclusão social por meio de geração de trabalho e renda na favela da
Rocinha, Rio de Janeiro. O modelo iniciado e implementado por esta cooperativa tem servido de
referência para ações semelhantes no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, como o Projeto Arte
Indústria da Federação das Indústrias do Estado – FIRJAN. Trata-se de um projeto pioneiro,
engendrado sob a perspectiva da RSE, em 1999. O resultado econômico alcançado pelo projeto é
exitoso, porém, a implantação de produção em escala na cooperativa, fruto da parceria comercial
chamada de responsabilidade social pelas empresas, gera problemas decorrentes da organização do
trabalho que estão em aberto, oferecendo um vasto campo de atuação para a Engenharia de Produção.
Palavras-chave: Responsabilidade social empresarial, Diálogo, Cooperativas de
artesanato
Abstract
This article shows the distance between speech and practice in the domain of corporate social
responsibility CSR. It is a case study of the relations between COOPA-ROCA, Cooperative of
Artisan Work and Sewing of Rocinha and the national fashion industry. Coopa-roca represents two
stakeholders of the fashion industry: supplier, as it works to supply handicraft products to that
industry; and community, as it is a project of social inclusion by means of work and income generation
in Rocinha shanty town, in Rio de Janeiro. The model set and implemented for this cooperative has
served as reference for similar actions in Rio de Janeiro State, as the Project Art Industry of the
Federacy of the Industries of Rio de Janeiro State - FIRJAN. It is a pioneer project, designed from
CSR perspective in 1999. The economic result of the project is positive. However, the scaling-up of
production in the cooperative, fruit a commercial partnership that businesses name social
responsibility, generates problems resulting from work organization that are yet to be solved and
that offering a vast field of activity for Industrial Engineering experts.
Key words: Corporate social responsibility; Dialog; Handicraft cooperatives
*Rita de Cassia Monteiro Afonso é Bacharel em Comunicação pela Faculdade
d a
Cidade (1987), Mestre em Ciências da Engenharia de Produção pela UFRJ (2006),
pesquisadora do LTDS (Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social)
da COPPE/UFRJ.
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até mesmo pronta, cabendo à pilotista (tarefa de moda foi opção para fazer o que realmente
algumas artesãs), descobrir como reproduzi-la e sabiam, ou seja, o artesanato, e driblar as
repassá-la ao grupo escolhido para produzir o dificuldades de desenvolvimento de produto,
trabalho, dentro de um estrito controle de distribuição e comercialização. Desta forma e
qualidade. Este limite no projeto transforma-as com a produção para a escala industrial, a solução
em operadoras da criação do estilista; é o trabalho organizado, dividido, repetido e
realizado em partes.
“Se você não tem controle sobre a criação num
trabalho com a indústria, aí é operário” d) Esta opção impõe ao fazer artesanal um
(AFONSO, 2006, p.164). ritmo que não é lhe natural, provocando longas
jornadas de trabalho em curtos espaços de tempo,
“Se eu tiver que inventar alguma coisa, eu tenho
seguidas de períodos sem trabalho. No artesanato,
o prazer de estar inventando, eu gosto de estar
ao contrário do mercado industrial, o homem se
inventando, mas depois que eu faço aquilo, eu não
impõe ao produto. No tempo industrial, o ritmo
quero ver mais aquilo” (AFONSO, 2006,
atropela o homem, podendo desenraizá-lo.
p.164).
A administração desta produção, resultando
Lima (2006) afirma que os projetos de
na perda de controle do processo de produção
pedagogia instrucional – engendrados de fora da
pela artesã, tem ainda um outro problema: a peça
comunidade – tiram o prazer do trabalho,
final muitas vezes não é de conhecimento da
subtraem a relação homem / objeto, separam o
artesã.
homem do fazer e o criador da criação. Em sua
visão, a pedagogia instrucional tenta adaptar o “Aqui, cada um de nós, nunca vê o trabalho
artesão ao mercado; Lima acredita que há espaço todo. Cê só entrega a tua parte, vai embora, outra
para adaptar o mercado ao artesão. chega e entrega a dela, você nunca vê, assim ... aí,
quando é num desfile, tem oportunidade de ver o
Em sua opinião, o controle de qualidade
trabalho todo ... aí é muito bom, muito gratificante
imposto ao artesanato pela indústria é “censura”.
saber que o teu trabalho está ali, que todo mundo
Segundo ele, a qualidade do artesanato é a
tá vendo, elogiando” (AFONSO, 2006, p.160).
funcionalidade da peça; resume-se a isto; a peça
deve servir ao que foi criada. Aquilo que a e) Outra questão, que amplifica a anterior, é
indústria costuma chamar de “defeito” para ele é a precarização generalizada desta relação de
marca cultural, traz ancestralidade e nisto residiria trabalho. Se vista pelo lado da cooperativa e, ainda
o valor do artesanato. Se o controle sobre a peça que fosse obedecida uma jornada razoável, estas
artesanal, no caso da Coopa-roca, pudesse não mulheres não possuem nenhuma seguridade social
buscar a perfeição industrial, as mulheres ou benefício. Visto este aspecto, pelo lado da
fundadoras, por exemplo, poderiam estar ainda responsabilidade social empresarial, agrava-se
trabalhando (já que têm dificuldade de adaptar- ainda mais a distância com a colaboração para o
se a produzir peças industriais porque suas mãos desenvolvimento social.
e seus olhos não obedecem mais a este controle).
Por tratar-se de trabalho manual de extrema
“Prá nós, às vez falta mesmo, mas a gente tá sofisticação e pelo controle de qualidade
satisfeita das outras também ganhá o dinheiro delas, extremamente técnico, a vista cansada ou a mão
trabaiá e ganhá o dinheiro delas” (AFONSO, trêmula, sinais da idade, são também sinais de
2006, p.164). retorno à exclusão e sobrecarga nos encargos
governamentais, já que estas mulheres não
c) A produção em escala do fazer artesanal
contribuem, enquanto economicamente ativas,
foi a solução encontrada para atender aos pedidos
para suas seguridades.
da indústria, mas talvez tenha sido, antes disto,
uma opção. f) Estando a atividade de relação com o
mercado numa função externa à cooperativa, já
No início de suas atividades, a cooperativa
qu é desempenhada pela coordenação, a gestão
fazia peças de decoração. A aproximação com a
democrática da cooperativa não é exercida em
sua potencialidade.
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Referências
AFONSO, R. C. M. Esse trabalho Liberta?
Produção seriada e responsabilidade social empresarial.
Dissertação de mestrado defendida na COPPE/
UFRJ. Programa de Engenharia de Produção,
2006.
ARMSTRONG, Gary; KOTLER, Philip.
Princípios de Marketing. Editora Prentice-Hall do
Brasil, Rio de Janeiro, 1998. p 527: 471/492;
BARTHOLO, Roberto. A Pirâmide, a teia e
as falácias sobre modernidade industrial e
desenvolvimento social. Texto escrito para o curso
Gestão de iniciativas sociais COPPE/ UFRJ/
UNISESI, Rio de Janeiro, sem data, p.9.
BUARQUE, C. A Segunda Abolição: um
manifesto-proposta para a erradicação da pobreza no
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Artigo
Resumo
Este artigo apresenta alguns elementos conceituais necessários para o enriquecimento das análises
do desenvolvimento humano. Para isso recorremos à fundamentação teórica de Amartya Sen, na
perspectiva do Homem liberto como núcleo potencial do desenvolvimento, e à teoria dos sítios
simbólicos de pertencimento de Hassan Zaoual, que aborda este mesmo Homem a partir das suas
raízes culturais. Para tanto, iniciamos nossa abordagem com uma aproximação do conceito de
liberdade apresentado por Sen para, em seguida, tratamos das diversas características da vida humana,
até nos depararmos com a necessidade de recorrermos a um conjunto de informações para o
estabelecimento de critérios de justiça.
Palavras-chave: desenvolvimento humano; desenvolvimento situado
Abstract
This work presents some conceptual elements needed to the enrichment of analyses of human
development. One of this work’s basis is Amartya Sen’s theory of the freed man as the potential
nucleus of development; another basis is Hassan Zaoual’s theory of the symbolic site of belonging,
which approaches that same man’s cultural origins. Our boarding started with an approach of
freedom’s concept presented for Sen. After that, we deal several characteristics of human life to
recognize the necessary use of set of information for establishment of justice criteria.
Key words: human development, sited development
1. Introdução
O objetivo deste trabalho é despertar a “Entretanto, vivemos igualmente em um mundo
atenção de estudiosos do tema para o que pode de privação, destituição e opressão extraordinárias.
estar por trás dos discursos que tratam Existem problemas novos convivendo com antigos
desenvolvimento humano no mundo sob a – a persistência da pobreza e de necessidades
perspectiva do indivíduo. Para tanto nos essenciais não satisfeitas, fomes coletivas e fome
apoiamos na teoria do desenvolvimento humano crônica muito disseminadas, violação de liberdades
difundida pelo indiano Amartya Sen, Prêmio políticas elementares e de liberdades formais básicas,
Nobel de Economia, na qual ele destaca o ampla negligência diante dos interesses e da condição
Homem como o protagonista em potencial do de agente das mulheres e ameaças cada vez mais
seu desenvolvimento. Dizemos “potencial” *Pesquisador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social-
porque, para exercer tal papel, cada pessoa deve LTDS. Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense-
UFF, mestre em Ciências pelo Programa de Engenharia de Produção da COPPE/
estar destituída de diferentes formas de privação, UFRJ e doutorando da UFRJ com estudos na área de Turismo e Desenvolvimento
Social.
como o próprio Sen observa no prefácio do seu
livro Desenvolvimento como liberdade:
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graves ao nosso meio ambiente e à sustentabilidade vida. Isso pode parecer óbvio mas, não é raro
de nossa vida econômica e social.” (Sen, 2000: p. 9). encontrarmos propostas de desenvolvimento nas
quais o ser humano aparece como um mero
Na perspectiva apontada por Sen nos
beneficiário das ações implementadas por
deparamos com o Homem como um indivíduo
pseudo-salvadores. Portanto, a nossa
liberto mais, ao mesmo tempo, integrado a um
fundamentação teórica e conceitual consiste em
contexto cultural, político e social a partir do qual
entender de que forma o Homem deve se
ele descobre e define a sua identidade. Sen
posicionar perante os diferentes contextos de
procura mostrar a ampliação da liberdade
privação.
humana como meio e, ao mesmo tempo, fim do
desenvolvimento humano, classificando-a e No final deste trabalho tratamos de
mostrando as relações existentes entre cada forma determinados critérios de justiça que
de liberdade. condicionam o processo de desenvolvimento
humano, mostrando que tais critérios se mostram
Na análise das suas idéias, trazemos a tona
com maior significância na medida que se apóiem
valores que constituem os alicerces das teorias
em informações que procuram retratar o contexto
que reconhecem o Homem como o indivíduo
que se encontra sob julgamento ou avaliação. Ou
potencialmente capaz de construir um mundo
seja, o que pretendemos é chamar atenção para a
mais justo e liberto de privações que se
importância da base informacional que
apresentam como obstáculos para o seu
fundamentará as ações de capacitação do Homem
desenvolvimento.
e de rompimento das diversos tipos de privação
Para tanto, assumimos que o ainda presentes no mundo.
desenvolvimento é para o indivíduo sim, como
afirmam alguns críticos, mas, para um indivíduo
que está em plena interação com diversos outros 2. Um Olhar sobre a Liberdade
através de relações pessoais ou institucionais.
A visão de desenvolvimento tratada aqui está
Relações essas pautadas pela ética e pelos
vinculada ao processo de expansão das liberdades
fundamentos de justiça social. Portanto, podemos
reais que as pessoas desfrutam, proporcionando
acertadamente afirmar que a valorização do
uma abordagem que vai além da medição do
indivíduo na visão de Sen não implica na rejeição
Produto Nacional Bruto (PNB), do aumento das
das práticas coletivistas. Aliás, uma das formas
rendas pessoais, da industrialização, dos avanços
de liberdade apontada por este autor é a liberdade
tecnológicos ou da modernização social. Ou seja,
de participar das discussões públicas e dos
olhar o desenvolvimento como expansão de
processos participativos de tomada de decisão.
liberdades substantivas nos permite atentar para
O leitor poderá refletir, a partir desta leitura, os fins que o tornam importante ao invés de
sobre os diferentes graus e formas de liberdade restringi-lo a alguns meios, sem desprezar a
influenciadas pelos tipos de governo vigentes – importância desses no processo (Sen, 2000).
democrático ou autoritário -, pelas diversas
Essa abordagem do desenvolvimento resgata a
formas de cultura, pelos diferentes princípios
posição do Homem que tem sido relegado ao papel de
religiosos etc. Por isso, logo no início do trabalho
mero beneficiário dos modelos de desenvolvimento de
fazemos uma abordagem que mostra a
viés “cartesiano”, nos quais são privilegiadas a lógica e
importância de diferentes formas de liberdade
a técnica. Dessa forma, devemos estar atentos para
para o desenvolvimento humano.
que os diversos segmentos da sociedade humana
Entretanto, devemos reconhecer que para não devam ser vistos, simplesmente, como “recursos
falar do desenvolvimento na perspectiva da humanos” a serem “consumidos/processados” pelos
liberdade humana precisamos conhecer mais de sistemas de produção e modernização, que nos
perto o Homem e as diversas formas de existência tempos atuais já evidenciam sua fragilidade.
deste Ser, nas suas mais variadas condições de
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A discussão dos valores sustentados pelo características do homem, podemos apontar aqui
Homem está fortemente vinculada a outros temas a seguinte questão para a reflexão do leitor: Como
de extrema relevância para o desenvolvimento: a duas pessoas, compartilhando pacotes de
tradição, a cultura e a democracia. As relações mercadorias idênticos, mas apresentando
entre estes podem ser observadas em contextos características diferentes, poderiam usufruir o
onde uma tímida participação democrática pode mesmo nível de qualidade de vida?
acarretar um grande desprezo ou até mesmo o
desconhecimento de tradições e heranças culturais
de um determinado povo. Este, submetido a 4. Capacidades e Privações para o
algum modelo de desenvolvimento econômico Desenvolvimento
que prioriza a hegemonia de normas e padrões,
fica sujeito à importação de hábitos e culturas O censo comum das pessoas com respeito às
inatos ao seu meio. suas realizações atribui à renda e à riqueza
econômica um papel muito significante na
Este panorama é analisado pelo marroquino redução das suas privações, ampliando suas
Hassan Zaoual que sugere um olhar crítico sobre possibilidades de viver como desejam.
o estado de crise permanente das ciências Entretanto, esse censo, de certa forma forjado
econômica e social do Ocidente. As estruturas por uma sociedade de consumo, pormenoriza as
segmentadas e especializadas do mundo ocidental demais circunstâncias que estão relacionadas com
não consideram a pluralidade de culturas, cada a capacidade de cada pessoa realizar seus desejos.
vez mais evidentes no mundo globalizado, e que
exige da ciência um novo paradigma que considere Embora o Homem deva ter a liberdade de
a complexidade da relação entre ciência e cultura. viver da forma como valoriza, devemos analisar
(Zaoual, 2003) determinados contextos amparados por um juízo
de valor e por uma abordagem ética para termos
Na abordagem deste autor, tradição, cultura clareza dos limites da opulência, por um lado, e
e democracia devem ser consideradas a partir da da pobreza e miséria de outro. Temos que
observação do Homem como um ser que observar com cuidado os aspectos utilitaristas da
promove suas ações num determinado espaço riqueza principalmente na sua relação com as
geográfico ao qual ele pertence e sustenta sua liberdades substantivas que ela nos possibilita
identidade através, por exemplo, de uma ideologia obter.
e/ou de uma religião; dizendo de outra forma,
ele propõe uma teoria dos “sítios simbólicos de Compartilhando a visão de Sen, podemos
pertencimento” nos quais o homo situs aceita ou apontar as fomes coletivas, que ainda podem ser
recusa o que lhe é proposto ou imposto de fora e detectadas em diversas regiões deste planeta,
procura soluções originais para seus problemas. como a forma de privação de liberdade mais
(Zaoual, 2003). repugnante no mundo moderno. Não há vida sem
alimentação e, podemos ir além, não há saúde
A proposta de Zaoual visa um rompimento sem um acesso adequado a alimentos ricos em
com os antigos padrões cientificistas e nutrientes, capazes de fortalecer o sistema
deterministas, que já nos fazem evidentes as suas imunológico do ser humano.
fragilidades perante os diversos contextos
econômicos, sociais e culturais, para a definição Nas experiências de governos democráticos,
de ações em espaços localizados mobilizando o nos quais os cidadãos usufruem seus direitos
Homem, como ator enraizado em sua realidade, políticos, as chances de ocorrência de fomes
para a promoção do seu desenvolvimento. coletivas são reduzidas por representarem riscos
de descontinuidade desses governos; enquanto
Embora não tratarmos neste trabalho da nos regimes autoritários a prevenção de problemas
dificuldade do bem-estar ser medido pela renda desse gênero não é vista como prioridade.
sem se considerar diferenças de idade, sexo,
habilidades etc., ou seja, das diferentes Quando nos reportamos à importância da
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liberdade política e das liberdades civis não Todas as nossas referências aos aspectos
pretendemos justificá-las pelos seus efeitos econômicos do desenvolvimento humano não
indiretos na economia; estas por si mesmas já têm por objetivo rejeitar a influência da economia
denotam sua importância, ou melhor, não nas diversas formas de liberdade. Observamos
devemos falar de liberdade humana sem falar das apenas que o impedimento arbitrário de
liberdades políticas e civis como elementos que oportunidades de transação e troca deve ser visto
constituem e tornam exeqüível o como uma fonte de privação de liberdade e que
desenvolvimento (Sen, 2000). não deve prevalecer na relação entre mercados e
liberdade. Não vamos aqui discutir a eficiência
O usufruto de liberdade política é uma das
do mecanismo de mercado ou as possíveis
formas pelas quais os cidadãos podem debater
conseqüências da ausência deste, pretendemos
os seus valores e determinar prioridades que
apenas chamar atenção para o fato de que a
reflitam no seu desenvolvimento e no da
liberdade de troca é tão importante quanto
sociedade. Por isso devemos estar atentos aos
qualquer outra.
discursos daqueles que se recusam dispensar
atenção às liberdades políticas diante da intensa Para pensar na liberdade das pessoas como
necessidade de atendimento das questões um componente do desenvolvimento e ao mesmo
econômicas. tempo como um fruto deste, devemos considerar
todos esses fatores que constituem a substância
Em nosso estudo podemos assumir a
dessa liberdade, por mais abrangentes e
capacidade das pessoas de levar o tipo de vida
complexos que sejam. Isso pode ser dito de outra
que elas valorizam como um fator fundamental
forma, ou seja, o desenvolvimento como liberdade
para análise de políticas públicas, já que estas
está condicionado à superação das situações de
tanto contribuem para a expansão das
privação encontradas nas diversas formas de vida
capacidades como também são influenciadas pela
que cada pessoa tem razão por valorizar.
capacidade de participação do povo na sua
concepção e execução. Dessa forma o papel da
condição de agente do indivíduo que participa 5. Os Frutos e a Semeadura do
das ações econômicas, sociais e políticas é mais
uma vez ressaltada. Desenvolvimento
Não pretendemos negar a relação entre um Quando nos propomos falar dos frutos e da
baixo nível de renda e a privação de capacidades semeadura do desenvolvimento, estamos na
individuais, muito pelo contrário, estamos cientes verdade nos referindo ao “fim primordial” e ao
do forte vínculo que pode existir entre estes dois “principal meio” do desenvolvimento que é a
fatos. Entretanto, não devemos achar que expansão da liberdade, ou como Sen denominou
conhecendo as privações de renda teremos respectivamente, “o papel constitutivo e o papel
condições de dizer alguma coisa sobre a privação instrumental da liberdade no desenvolvimento”.
de capacidades. Em muitos casos, estudar o Os frutos a serem colhidos do processo de
distanciamento entre esses dois contextos pode desenvolvimento têm como nutrientes porções
ser mais enriquecedor para a concepção de de liberdade substantiva que proporcionarão o
políticas. (Sen, 2000) enriquecimento da vida humana. Ou seja, a
expansão das liberdades reais que as pessoas
A pobreza, na nossa abordagem, deve ser vista desfrutam pode ser constatada quando forem
como uma privação de capacidades básicas e não verificadas capacidades elementares como ter
somente como insuficiência de renda. Nesta condições de evitar privações como a fome, a
perspectiva podemos entender melhor os quadros subnutrição, a morbidez evitável, a morte
de mortes prematuras, de subnutrição aguda em prematura, o analfabetismo, a pequena
crianças, de analfabetismo disseminado e de participação política, a falta de liberdade de
outras deficiências de diferentes contextos sociais. expressão etc. (Sen, 2000)
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Embora devamos distinguir os fins dos meios básica para a saúde e aos processos de reforma
do desenvolvimento, não podemos atribuir pesos agrária.
diferentes para estes dois papéis da liberdade. Não
O que queremos ressaltar da constituição das
contestamos a inferência da expansão de cada tipo
disposições sociais é o fato destas não
de liberdade sobre o desenvolvimento, há muito
dependerem dum grande volume de riqueza criada
mais na relação instrumental do que esse
num país, que poderá ocorrer num prazo muito
encadeamento constitutivo, ou seja, o que nos
longo e acarretar um possível agravamento dos
importa é o reconhecimento de que a eficácia da
problemas sociais. O custeio público mostra que
liberdade como instrumento se verifica na inter-
a expansão da educação básica e a ampliação dos
relação dos diferentes tipos de liberdade e na
serviços de saúde podem ocorrer de forma muito
possível contribuição de cada uma para a
satisfatória a despeito dos baixos níveis de renda.
promoção de outras formas de liberdade. (Sen,
Um programa de serviços sociais bem elaborado
2000)
e adequadamente implementado num país pobre
Para se ter idéia das inter-relações e poderá melhorar significativamente a qualidade
complementaridade das liberdades instrumentais, de vida e, num segundo momento, ampliar o
podemos imaginar alguns reflexos das liberdades processo de desenvolvimento através do
políticas sobre o desenvolvimento. Por exemplo, crescimento econômico e do incremento das
em países com governos de perfil democrático o características clássicas da qualidade de vida
processo eleitoral tende a ocorrer sob a atenção (educação ampliada, maior acesso à cultura e ao
crítica dos cidadãos, que podem desfrutar da lazer, maior participação em mercados de
transparência do processo a ponto de decidirem consumo de bens etc.). (Sen, 2000)
a quem eleger, considerando as facilidades
Uma medida emblemática para o êxito do
econômicas (microcrédito, crédito rural,
desenvolvimento humano se observa nos
financiamento habitacional etc) e as
programas de redução da mortalidade a partir dos
oportunidades sociais (programas de saúde,
quais fica evidenciada a necessidade do
sistema de educação, acesso à cultura etc)
crescimento e do aprimoramento das disposições
constantes no seu plano de governo.
sociais. Experiências já aplicadas tanto em países
As diversas instituições sociais têm forte ricos como pobres mostraram o poder de
influência nas liberdades individuais ao contribuir aumentar significativamente a expectativa de vida
para a garantia social dessas, promovendo a ao nascer a partir da definição de estratégias para
tolerância entre os diferentes atores da sociedade os programas sociais que se baseiam no custeio
e assegurando as possibilidades de troca e público e no compartilhamento amplo dos
transações em diferentes mercados. Entretanto, serviços sociais pela sociedade.
não podemos desconsiderar a influência das ações
Podemos encerrar essa nossa breve
do Estado na determinação da natureza e do
abordagem sobre o fim e os meios do
alcance das liberdades individuais, mesmo
desenvolvimento ratificando que a expansão da
sabendo que as disposições sociais não devam
liberdade humana depende das capacidades que
ser originadas apenas a partir de planejamentos
cada pessoa terá a partir das disposições
governamentais. O Poder Público deve atuar
econômicas, sociais e políticas que ela encontrará
como facilitador na formação e no aproveitamento
no seu percurso de vida. Nessa trajetória
das capacidades humanas através dos serviços
vislumbra-se o usufruto de disposições
básicos de saúde e educação, por exemplo.
institucionais apropriadas e de tipos distintos de
Para entendermos os vínculos entre as liberdades instrumentais, considerando sempre as
oportunidades sociais e o desenvolvimento inter-relações entre estas. Ademais, cabe-nos
econômico em países como o Brasil, por exemplo, observar que esse usufruto não ocorrerá
temos que olhar para a história das políticas passivamente, as pessoas são convidadas a
públicas implementadas dando ênfase às questões participarem ativamente na conquista das suas
relacionadas à educação elementar, à assistência liberdades. Governos e organizações civis são
responsáveis pelo fortalecimento e pela proteção
das capacidades humanas.
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