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RESUMO
Gleyce Kelly de Araújo Bezerra¹
Poliana Coelho Cabral² Objetivos: Avaliar o início da terapia nutricional enteral precoce e a sua associação com variáveis
demográficas, antropométricas e clínicas de pacientes críticos em uma unidade de terapia inten-
siva. Método: Foi realizado um estudo de série de casos em pacientes admitidos em unidade de
terapia intensiva de um hospital universitário entre março de 2014 e março de 2016. Os critérios
de inclusão foram pacientes de ambos os sexos, em idade acima de 20 anos e em terapia enteral
exclusiva durante a internação. Resultados: Cento e setenta e dois pacientes foram avaliados e,
dentre eles, 75,3% apresentaram nutrição enteral precoce. Das variáveis demográficas, antropo-
métricas e clínicas, somente o desfecho clínico foi associado com a terapia nutricional precoce.
Em outras palavras, os pacientes que receberam alta tiveram nutrição enteral iniciada mais cedo.
Unitermos: Conclusões: A frequência da nutrição enteral precoce foi adequada considerando o histórico dos
Nutrição Enteral. Unidade de Terapia Intensiva. Mor-
pacientes cujas causas clínicas instáveis causaram intolerância gastrointestinal. A participação
talidade. Estado Nutricional.
efetiva da equipe de nutrição pode contribuir positivamente na terapia nutricional precoce.
Keywords:
Enteral Nutrition. Intensive Care Unit. Mortality. ABSTRACT
Nutritional Status. Objective: To evaluate the early enteral nutritional therapy and its association with demogra-
phic, clinical and anthropometric variables in critically ill patients admitted to an intensive care
Endereço para correspondência: unit. Methods: A retrospective serious case study was performed with patients admitted to an
Gleyce Kelly de Araújo Bezerra intensive care unit of a university hospital from March 2014 to March 2016. Inclusion criteria
Av. Dr. Belmínio Correia, 5226 – Capibaribe – São were patients of both sexes, aged over 20 years and in exclusive enteral therapy during ICU stay.
Lourenço da Mata, PE, Brasil – CEP: 54705000 Results: One hundred and seventy-two patients were evaluated and of these, 75.3% presented
E-mail: gleycearaujo.nutri@gmail.com
early nutrition. Of the demographic, anthropometric and clinical variables evaluated, only the
Submissão clinical outcome was associated with early nutritional therapy. In other words, patients who were
17 de setembro de 2018 discharged had earlier onset of enteral nutrition. Conclusions: The frequency of early enteral
nutrition was adequate considering the literature for these patients, who clinical instability causes
Aceito para publicação gastrointestinal intolerance. The effective participation of the nutrition therapy team can contribute
5 de novembro de 2018 positively on early nutritional therapy.
1. Nutricionista, Especialista em Nutrição Clínica - Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE), Recife, PE, Brasil.
2. Nutricionista, Doutora em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Docente do Departamento de Nutrição da UFPE, Recife,
PE, Brasil.
de forma isolada ou associada (Tabela 1). Ao avaliar o estado valor que entre os pacientes que apresentaram alta da UTI
nutricional, observou-se que 13,0% dos pacientes foram foi de 81,7% (p=0,032) (Tabela 1).
classificados com baixo peso e 43,8% com excesso de peso. Quando se comparou a média e mediana de pacientes
Foram a óbito 38,1% dos pacientes avaliados. classificados nos grupos com e sem TNE precoce, verificou-
Do total da amostra, 75,3% dos pacientes receberam se apenas diferença estatisticamente significante quanto ao
nutrição enteral precoce. Ao associar com as variáveis início da dieta (0,000) e o momento em que foi alcançado
demográficas, antropométricas e clínicas, apenas o desfecho 100% das necessidades nutricionais (0,035), ambos ocor-
clínico apresentou associação com a TNE precoce. Logo, dos rendo mais rapidamente nos pacientes com TNE precoce
pacientes foram a óbito 67,2% apresentaram início precoce, (Tabela 2).
Tabela 1 – Características demográficas, antropométricas e clínicas de pacientes admitidos na UTI segundo o início precoce de nutrição enteral.
TNE Precoce
Total Sim Não
Variáveis N % N % N % RP† IC95% p
Masculino 91 52,9 73 80,2 18 19,8 1,14 0,96-1,36 0,186
Feminino 81 47,1 57 70,4 24 29,6 1,00 -
Idade 0,704
20 a 44 anos 30 17,4 22 73,3 08 26,7 0,99 0,77-1,27
45 a 59 anos 54 31,4 43 79,6 11 20,4 1,08 0,90-1,30
≥ 60 anos 88 51,2 65 73,9 23 26,1 1,00 -
Diagnóstico na admissão 0,069
Sepse 55 31,9 39 70,9 16 29,1 1,08 0,79-1,98
Rebaixamento Consciência 39 22,7 32 82,1 07 17,9 1,25 0,93-1,69
Insuficiência respiratória aguda 34 19,8 29 85,3 05 14,7 1,30 0,97-1,75
Pós-operatório imediato 15 8,7 09 60,0 06 40,0 0,92 0,56-1,50
Outros 29 16,9 19 65,5 10 34,5 1,00 -
Afecção de base 0,925
Câncer 50 29,1 37 74,0 13 26,0 0,98 0,78-1,23
Doença cardiovascular 31 18,0 22 71,0 09 29,0 0,94 0,72-1,23
Aids 18 10,5 16 88,9 02 11,1 1,18 0,94-1,47
Doença hepática 10 5,8 07 70,0 03 30,0 0,93 0,60-1,43
Doença autoimune 10 5,8 07 70,0 03 30,0 0,93 0,60-1,43
Outras 53 30,8 40 75,5 13 24,5 1,00 -
Afecções associadas 0,976
Hipertensão + Diabetes 43 46,3 34 79,1 09 20,9 1,08 0,77-1,52
Hipertensão 35 37,6 29 82,9 06 17,1 1,13 0,80-1,59
Outras 15 16,1 11 73,3 04 26,7 1,00 -
Classificação do estado nutricional 0,824
Baixo Peso 22 13,0 15 68,2 07 31,8 0,86 0,62-1,20
Eutrofia 73 43,2 55 75,3 18 24,7 0,95 0,76-1,18
Sobrepeso 40 23,7 30 75,0 10 25,0 0,94 0,74-1,21
Obesidade 34 20,1 27 79,4 07 20,6 1,00
Dias de internamento 0,822
Até 7 dias 54 32,0 39 72,2 5 27,8 0,95 0,76-1,19
De 8 a 15 dias 57 33,7 44 77,2 13 22,8 1,02 0,83-1,25
Acima de 15 dias 58 34,3 44 75,9 14 24,1 1,00 -
Desfecho clínico 0,032
Alta 104 61,9 85 81,7 19 18,3 1,22 1,00-1,48
Óbito 64 38,1 43 67,2 21 32,8 1,00 -
O número total de indivíduos em cada variável é diferente em razão do número de respostas. TNE=terapia nutricional enteral; UTI=unidade de terapia intensiva; RP† Razão de prevalência;
IC95%
=Intervalo de Confiança; p= Teste de Qui-quadrado
no nosso estudo foram oriundos das enfermarias onde se 2. McClave SA, Martindale RG, Rice TW, Heyland
encontravam antes da admissão na UTI. Neste caso, poucos DK. Feeding the critically ill patient. Crit Care Med.
2014;42(12):2600-10.
dados foram estimados, o que se torna algo positivo, uma vez 3. Alberda C, Gramlich L, Jones N, Jeejeebhoy K, Day AG,
que a avaliação do estado nutricional em UTI é facilmente Dhaliwal R, et al. The relationship nutritional intake and
comprometida não só pela condição clínica do paciente1, clinical outcomes in critically ill patients: results of an inter-
mas principalmente devido às alterações hemodinâmicas national multicenter observational study. Intensive Care Med.
(edema e anasarca no paciente) que interferem na intepre- 2009;35(10):1728-37.
4. Soeters P, Bozzetti F, Cynober L, Forbes A, Shenkin A,
tação dos resultados antropométricos. Sobotka L. Defining malnutrition: A plea to rethink. Clin Nutr.
Pode ter ocorrido neste grupo de pacientes uma relação 2017;36(3):896-901.
entre estado nutricional e acompanhamento dietético na 5. Simpson F, Doig GS. Parenteral vs. enteral nutrition in the criti-
cally ill patient: a meta-analysis of trials using the intention to
enfermaria. A triagem nutricional é uma técnica de rastrea- treat principle. Intensive Care Med. 2005;31(1):12-23.
mento de problemas relacionados a aspectos nutricionais, 6. Seron-Arbeloa C, Zamora-Elson M, Labarta-Monzon L, Mallor-
que pode ser aplicada em uma população ou em indivíduos, Bonet T. Enteral nutrition in critical care. J Clin Med Res.
identificando risco de desnutrição18,19. Após a aplicação de 2013;5(1):1-11.
ferramentas de triagem, a intervenção nutricional em enfer- 7. Wei X, Day AG, Ouellette-Kuntz H, Heyland DK. The Associa-
tion Between Nutritional Adequacy and Long-Term Outcomes
maria pode promover a reabilitação mais rápida, reduzir as in Critically Ill Patients Requiring Prolonged Mechanical
taxas de infecção e mortalidade dos pacientes20. A presença Ventilation: A Multicenter Cohort Study. Crit Care Med.
de acompanhamento nutricional a nível de enfermaria pode 2015;43(8):1569-79.
ter contribuído para que, no momento da admissão na UTI, 8. Khalid I, Doshi P, Digiovine B. Early enteral nutrition and
a maioria dos pacientes no estudo estivessem eutróficos ou outcomes of critically ill patients treated with vasopressors and
mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2010;19(3):261-8.
com excesso de peso segundo o IMC. 9. Teixeira AC, Caruso L, Soriano FG. Nutrition support in an
Nota-se que os pacientes que possuíram desfecho intensive care unit: delivery versus requirements. Rev Bras Ter
clínico desfavorável (óbito), apresentaram menos preco- Intensiva. 2006;18(4):331-7.
10. Lucas MCS, Fayh APT. Estado nutricional, hiperglicemia,
cidade no início da dieta (38,1%), o que pode ser reflexo nutrição precoce e mortalidade de pacientes internados em
do quadro clínico do paciente, que impossibilitou qualquer uma unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva.
via de alimentação. As limitações encontradas no estudo 2010;24(2):157-61.
são inerentes à condição clínica do paciente crítico, dentre 11. Nunes GR, De Resende FR, Da Silva DCG. Análise comparativa
elas a dificuldade em se realizar uma avaliação nutricional do volume de dieta enteral prescrito com o volume de dieta
infundido em pacientes internados em um hospital do município
completa, o comprometimento na evolução de dieta nos de Muriaé (MG). Rev Cient Faminas. 2015;11(2):24-32.
pacientes mais instáveis e, principalmente, o registro dos 12. Favarin SS, Camponogara S. Perfil dos pacientes internados na
dados de internamento destes, que uma vez incompletos, unidade de terapia intensiva adulto de um hospital universitário.
dificultam a interpretação da evolução clínico-nutricional Rev Enferm UFSM. 2012;2(2):320-9.
durante a permanência deste paciente na UTI. 13. Miranda GMD, Mendes ACG, da Silva ALA. O envelhecimento
populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais
Como conclusão, observa-se que nesta população, e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19.
a frequência de 75,3% dos pacientes com início precoce 14. Mendes MRSSB, Gusmão JL, Mancussi e Faro AC, Leite RCBO.
de dieta enteral foi expressivo quando comparado aos A situação social do idoso no Brasil: uma breve consideração.
Acta Paul Enferm. 2005;18(4):422-6.
dados obtidos na literatura, e que isto pode ser reflexo, 15. Ribeiro CDM, Schramm FR. A necessária frugalidade dos idosos.
sobretudo, de uma maior preocupação da equipe multi- Cad Saúde Pública. 2004;20(5):1141-8.
disciplinar quanto à abreviação do jejum destes pacientes, 16. Azoulay E, Afessa B. The intensive care support of patients with
contribuindo desse modo para um melhor desfecho clínico malignancy: do everything that can be done. Intensive Care Med.
na UTI. 2006;32(1):3-5.
17. Leandro-Merhi VA, Morete JL, Oliveira MRM. Avaliação do
estado nutricional precedente ao uso de nutrição enteral. Arq
REFERÊNCIAS Gastroenterol. 2009;46(3)219-24.
18. Identifying patients at risk: ADA’s definitions for nutrition
1. McClave S, Taylor B, Martindale RG, Warren MM, Johnson screening and nutrition assessment. Council on Practice
DR, Braunschweig C, et al.; Society of Critical Care Medicine; (COP) Quality Management Committee. J Am Diet Assoc.
American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. Guide- 1994;94(8):838-9.
lines for the Provision and Assessment of Nutrition Support 19. Barrocas A. Rastreamento Nutricional. In: Waitzberg DL, ed.
Therapy in the Adult Critically Ill Patient: Society of Critical Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica. 3ª ed. São
Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Paulo: Atheneu; 2004.
Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 20. Stanga Z. Basics in clinical nutrition: Nutrition in the elderly.
2016;40(2):159-211. e-ESPEN Eur J Clin Nutr Metabol. 2009;4(6):e289-e299.
Local de realização do estudo: Núcleo Interdisciplinar de Saúde - Faculdade Ruy Barbosa/Wyden, Salvador, BA, Brasil.