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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv8n1-115
RESUMO
Estudo retrospectivo, observacional que teve como objetivo avaliar a relação da interação
medicamento nutriente e distúrbios gastrointestinais em pacientes em TNE. Englobou
159 pacientes, maiores de 18 anos, que utilizaram TNE. Foram investigados prontuários,
assim como indicadores de intercorrências, realizados pelo Serviço de Nutrição e
Dietética da instituição. Inicialmente, foi realizada uma análise descritiva dos dados,
sendo esses agrupados em planilha do Excel/2007 e organizados em gráficos e tabelas.
Para análise estatística foi utilizado o software R, sendo realizado o teste Qui-quadrado
seguido do teste exato de Fischer, quando apropriado. O nível de significância
considerado foi de 5%. Houve maior prevalência de utilização de sonda nasoentérica
(63,5%), em relação às outras vias de administração. A fórmula enteral mais prescrita foi
a normocalórica/normoproteica, sem fibras (38,5%). A diarreia foi o distúrbio
gastrointestinal mais presente na população em estudo (39,6%), estando relacionada à
utilização de medicamentos da classe dos antibióticos, diuréticos e anticonvulsivantes, p<
0,05. Os resultados revelaram um número importante de possíveis interações entre
ABSTRACT
Retrospective, observational study that aimed to assess the relationship between nutrient
drug interaction and gastrointestinal disturbances in ENT patients. It included 159
patients, older than 18 years, who used ENT. Medical records were investigated, as well
as indicators of complications, carried out by the Nutrition and Dietetics Service of the
institution. Initially, a descriptive analysis of the data was performed, which were grouped
in an Excel/2007 spreadsheet and organized into graphs and tables. For statistical
analysis, the R software was used, and the Chi-square test was performed, followed by
Fisher's exact test, when appropriate. The significance level considered was 5%. There
was a higher prevalence of use of nasoenteric tube (63.5%) compared to other routes of
administration. The most prescribed enteral formula was normocaloric/normoprotein,
without fibers (38.5%). Diarrhea was the most common gastrointestinal disorder in the
study population (39.6%), being related to the use of antibiotics, diuretics and
anticonvulsant drugs, p<0.05. The results revealed an important number of possible
interactions between drugs and nutrients, and their association with gastrointestinal
disorders.
1 INTRODUÇÃO
O alimento, independentemente da cultura do indivíduo e da época vivida, é um
fator essencial e indispensável à manutenção e à ordem da saúde. Sua importância está
associada à sua capacidade de fornecer ao corpo humano, nutrientes necessários ao seu
sustento. Para o equilíbrio harmônico desta tarefa, é fundamental a sua ingestão em
quantidade e qualidade adequadas, de modo que funções específicas, como a plástica, a
reguladora e a energética sejam alcançadas, mantendo assim a integridade estrutural e
funcional do organismo.1
No ambiente hospitalar, é comum que pacientes não consigam se alimentar por
via oral. Dessa forma, aqueles previamente desnutridos, com ingesta por via oral (VO)
nula ou mínima de 60% do Gasto Energético Total (GET) por cinco ou mais dias, e com
o trato gastrointestinal (TGI) funcionante, são candidatos ao suporte nutricional (Terapia
Nutricional Enteral - TNE), instrumento fundamental na diminuição da morbimortalidade
de pacientes críticos e na diminuição da taxa de permanência hospitalar.2,3
Dessa forma, define-se como Nutrição Enteral, alimentos para fins especiais, com
ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, especialmente
formulada e elaborada por uso de sondas ou via oral, industrializada ou não, utilizada
exclusiva ou parcialmente para substituir ou complementar a alimentação oral em regime
hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos,
órgãos ou sistemas.4
No entanto, observa-se que durante a TNE, há interação entre nutrientes e
medicamentos, um problema de grande relevância na prática clínica, uma vez que os
nutrientes podem modificar os efeitos dos medicamentos por interferir em processos
farmacocinéticos, como absorção, distribuição, biotransformação e excreção,5,6,7
acarretando prejuízo terapêutico. Concomitantemente, o medicamento pode interferir na
absorção dos nutrientes, acarretando prejuízos nutricionais além de disfunções
gastrintestinais. Isso ocorre porque a absorção dos nutrientes e de alguns medicamentos
ocorre por mecanismos semelhantes e frequentemente competitivos e, portanto,
apresentam como principal sítio de interação, o trato gastrointestinal.6,8
Um maior conhecimento em relação a este processo conduz a um controle mais
efetivo da administração do medicamento e do alimento, favorecendo assim, a adoção de
terapias mais eficazes. Portanto, o presente trabalho tem como propósito apresentar os
diversos aspectos envolvidos na interação medicamento-nutriente e a relação desta com
frequentes distúrbios gastrintestinais.
2 OBJETIVO
Avaliar a relação da interação medicamento com nutrientes e sua possível
associação com distúrbios gastrointestinais, como a diarreia, em pacientes em Terapia
Nutricional Enteral (TNE).
3 METODOLOGIA
O Projeto de pesquisa foi submetido para aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de Itajubá (Parecer: 919.407 de 09/12/2014),
e após aprovação, foi solicitada autorização para acesso aos prontuários.
Trata-se de um estudo retrospectivo, do tipo observacional. Englobou 159
pacientes, maiores de 18 anos, que já haviam estado internados na enfermaria de clínica
médica da instituição, e que fizeram uso de Terapia Nutricional Enteral (TNE).
4 RESULTADOS
Dos 159 prontuários selecionados, que atenderam aos critérios de inclusão da
pesquisa, observou-se prevalência de pacientes do sexo masculino (56,6%), e idade média
de 67 anos. Com relação aos tipos de Terapias Nutricionais Enterais (TNE), houve maior
frequência de utilização de sonda em posição nasoentérica 101 (63,5%), seguida da
associação da mesma com dieta administrada por via oral, 24 (15,0%) (Figura 1).
Figura 1: Classificação dos tipos de Terapia Nutricional Enteral (TNE) quanto à sua frequência de
utilização. Itajubá (MG), 2015.
Figura 2. Classificação dos tipos de fórmulas enterais quanto à sua frequência de utilização. Itajubá (MG),
2015
.
Da população total estudada, 152 (95,6%) pacientes apresentaram algum distúrbio
gastrointestinal, após o início da TNE, como pode ser observado na Tabela 1.
AAS (Ácido Acetilsalicílico) Depleção na absorção das Irritação da mucosa gástrica e 0,4649
(n=20) vitaminas C e K. Aumenta o pH sangramento digestivo.
gástrico e reduz a solubilidade.
Metilpredinisolona Aumenta a glicose sanguínea. Úceração péptica; perfuração 0,3962
(n=1) Lipomatose; retenção de sódio, intestinal; hemorragia gástrica;
retenção de fluidos, alcalose pancreatite; peritonite; esofagite
hipocalêmica; dislipidemia; ulcerativa; esofagite; distensão
prejuízo da tolerância. abdominal; dor abdominal;
diarreia, dispepsia, náusea.
Prednisona (n=3) Distúrbios hidro-eletrolíticos: Úlcera péptica com possível 0,5630
retenção de sódio, retenção de perfuração e hemorragia,
líquido, perda de potássio, pancreatite, distensão
alcalose hipocalêmica, abdominal e esofagite
hipertensão. ulcerativa.
Ansiolíticos/Anticonvulsivantes (psicotrópicos):
Diazepam (n=13) Interage com glicídio, lipídeo e Náusea.
proteína, retardando o 0,3757
esvaziamento gástrico,
aumentando o tempo de
permanência gástrica do
medicamento.
Fenobarbital (n=10) Interfere na absorção do cálcio. Diarreia. 0,0439*
5 DISCUSSÃO
A Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde
classifica cronologicamente como adulta a pessoa entre 19 e 59 anos, e como idosa a
pessoa com 60 anos ou mais em países em desenvolvimento. Estima-se que 23% da
população brasileira consome cerca de 60% da produção nacional de medicamentos,
principalmente aquela acima de 60 anos.9,10,11
Durante o estudo, observou-se idade média de 70 anos. Sabe-se que com a chegada
da velhice, há uma série de alterações fisiológicas no organismo do idoso, que podem
afetar sensivelmente tanto a farmacocinética como a farmacodinâmica da maioria dos
fármacos. Nesta faixa etária há diminuição da massa muscular, do teor de água corporal,
do metabolismo hepático, dos mecanismos homeostáticos, além da capacidade de
filtração e excreção renal, o que torna os idosos mais propícios à hospitalização e a
utilização de Terapia Medicamentosa e Nutricional.12,13
(SF), têm composição e volume padronizados, não precisando de uma área para prepara-
ção, uma vez que são constituídas por dietas líquidas industrializadas, estéreis,
acondicionadas em bolsas prontas para administração. Assim, se bem utilizadas, reduzem
o risco de contaminação e infecção.8
No geral, nesses sistemas abertos de alimentação enteral podem ocorrer
contaminações que, frequentemente, estão relacionadas à falta de cuidado dos
manipuladores em relação à higiene adequada.16
A administração de fórmulas eventualmente contaminadas pode não somente
causar distúrbios gastrintestinais, mas contribuir para infecções mais graves, especial-
mente em pacientes imunodeprimidos.2 Furnaleto-Maia e Pangoni17 defendem que a
contaminação microbiana das fórmulas enterais pode ocorrer em diversas etapas, sendo a
manipulação uma etapa especialmente crítica para a contaminação. Como não foi
realizada análise estatística para indicar qual Sistema (Aberto ou Fechado), estaria mais
relacionado com os diversos distúrbios gastrintestinais, não se pode afirmar que há
relação direta entre ambos os dados. Mas, sabe-se que esse é um fator determinante na
ocorrência de distúrbios gastrintestinais, principalmente de diarreia, em pacientes em
TNE.
Proporcionar adequada administração de medicamentos a pacientes
impossibilitados de deglutir e submetidos à NE é um verdadeiro desafio para os
profissionais de saúde. Quando os pacientes que fazem o uso de sondas de alimentação
enteral não apresentam deglutição eficaz e correm risco de aspiração pulmonar, as sondas
de nutrição também são utilizadas para a administração de medicamentos, sendo este um
procedimento de rotina na prática hospitalar. Porém, o uso dessa via para administração
de medicamentos pode, se não planejado adequadamente, também se tornar parte de suas
potenciais complicações.3,18,19
Nos estudos realizados por Hoefler e Vidal3 e por Lima et al20, ambos chegaram
à conclusão de que, antes de se implementar uma terapia farmacológica via sonda enteral,
diversas considerações devem ser feitas, o que se torna um problema frente à escassez de
informações encontradas na literatura e também nas especificações do fabricante. Alguns
aspectos devem ser previamente avaliados pelo farmacêutico, como: possibilidade de
substituição do medicamento (forma farmacêutica, via de administração ou fármaco
alternativo), sítio de absorção e de ação do fármaco, efeitos da nutrição enteral na
absorção deste, bem como o tipo de sonda e sua localização no TGI.
Dos 159 (cento e cinquenta e nove) sujeitos do estudo, a maioria estava sob o uso
da polifarmácia, que segundo Linjakumpu21 e Secoli12 pode ser definida como o uso de
cinco ou mais medicamentos concomitantemente por um indivíduo.
Segundo a literatura3,20, formas farmacêuticas líquidas são de escolha preferencial
para a administração de medicamentos pela via enteral, no entanto, a indisponibilidade
destas acarreta a derivação de formas sólidas. Uma vez que essas formas não são
desenvolvidas com a finalidade de administração via sonda enteral, muitas das
recomendações seguidas são baseadas em empirismo, e os pacientes que recebem NE e
medicamentos devem ter monitoramento especial da resposta clínica. Ainda sem tradução
oficial para o português, usa-se o termo off label para se referir ao uso diferente do
aprovado em bula ou ao uso de produto não registrado no órgão regulatório de vigilância
sanitária no País, que, no Brasil, é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Engloba variadas situações em que o medicamento é usado em não conformidade com as
orientações da bula, incluindo a administração de formulações extemporâneas ou de doses
elaboradas a partir de especialidades farmacêuticas registradas; indicações e posologias
não usuais; administração do medicamento por via diferente da preconizada;
administração em faixas etárias para as quais o medicamento não foi testado; e indicação
terapêutica diferente da aprovada para o medicamento.22
Moriel et al23 acredita que o uso de medicamentos através de Terapia Nutricional
Enteral (TNE) frequentemente acaba sendo um uso off label, uma vez que a maioria das
drogas não é desenvolvida com essa finalidade e seus fabricantes muitas vezes não
dispõem de estudos sobre este uso. Neste contexto, compreende-se que este não é um uso
incorreto se não claramente contraindicado pelo fabricante. Desse modo, afirmam que a
articulação das informações sobre este uso, que frequentemente são inexatas ou escassas,
é fundamental na busca da alternativa terapêutica mais adequada e mais assertiva para
cada caso.
Das seis classes medicamentosas analisadas (Antibióticos, Antiulcerosos,
Anticoagulantes, Anti-hipertensivos, Anti-inflamatórios, psicotrópicos), é possível
observar que há apontamentos de interações medicamento-nutriente em grande parte dos
medicamentos. A interação medicamento nutriente é definida como uma alteração da
cinética ou dinâmica de um medicamento ou nutriente, ou, ainda, o comprometimento do
estado nutricional como resultado de administração de um medicamento.24
A absorção dos nutrientes e de alguns fármacos ocorre por mecanismos
semelhantes e, frequentemente, competitivos, apresentando como principal sítio de
6 CONCLUSÃO
Os resultados revelaram um número importante de possíveis interações entre
medicamentos e nutrientes, durante o tratamento clínico dos pacientes internados, bem
como alterações na motilidade intestinal, o que demanda maiores estudos. Houve maior
prevalência de utilização de sonda nasoentérica (63,5%), em relação às outras vias de
administração. A fórmula enteral mais prescrita foi a normocalórica/normoproteica, sem
fibras (38,5%). A diarreia foi o distúrbio gastrointestinal mais presente na população em
estudo (39,6%), estando relacionada à utilização de medicamentos da classe dos
antibióticos, diuréticos e anticonvulsivantes. Dessa forma, entender como alimentos e
medicamentos podem interagir, sobretudo, em pacientes debilitados em uso de TNE pode
contribuir para melhorar a qualidade de assistência a esses pacientes, principalmente
evitando-se, quando possível, medicamentos que alterem a motilidade intestinal
dificultando a absorção de nutrientes essenciais para recuperação. Nosso estudo
demonstrou que, dentre os medicamentos possivelmente associados a diarreia, a
piperacilina apresentou forte evidência estatística (p < 0,001) quando introduzida nesse
grupo de pacientes, demandando, portanto, maior atenção no seu uso e manejo na prática
clínica.
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