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Fundamentos de Concreto Armado

André Jacomel Torii

29 de junho de 2021
Conteúdo

Prefácio iii

1 Comportamento Mecânico dos Materiais 1


1.1 Concreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.1 Compressão uniaxial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.2 Tração uniaxial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Aço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 Flexão 12
2.1 Seções Retangulares Simplesmente Armadas . . . . . . . . . . . . 12
2.1.1 Diagrama Momento-Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.1.2 Momento Último . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.2 Ductibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.2.1 Domı́nios de Ruptura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.2.2 Posição da Linha Neutra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.2.3 Pré-dimensionamento e verificação . . . . . . . . . . . . . 33
2.2.4 Considerações práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.3 Seções Retangulares com Armadura Dupla . . . . . . . . . . . . . 37
2.3.1 Diagrama Momento-Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.3.2 Deslocamento da linha neutra para cima . . . . . . . . . . 40
2.3.3 Seções balanceadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.4 Seções T . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.4.1 Armadura Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.4.2 Ductibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.4.3 Considerações Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.4.4 Armadura Duplas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.5 Seções Arbitrárias e Flexão Oblı́qua . . . . . . . . . . . . . . . . 51

3 Flexão Composta 55
3.1 Flexão composta de seções retangulares . . . . . . . . . . . . . . 55
3.2 Diagramas adimensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

4 Força Cortante 65
4.1 Treliça de Morsch . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.1.1 Bielas de Concreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.1.2 Tirantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
4.1.3 Inclinação das bielas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
4.2 Considerações práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

i
CONTEÚDO ii

4.3 Considerações adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

5 Torção 79
5.1 Torção de Equilı́brio e de Compatibilidade . . . . . . . . . . . . . 79
5.2 Espessura Efetiva de Seções Retangulares . . . . . . . . . . . . . 81
5.3 Treliça de Morsch . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
5.3.1 Bielas de concreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
5.3.2 Estribos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
5.3.3 Barras longitudinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
5.4 Considerações práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
5.5 Interação com força cortante e momento fletor . . . . . . . . . . 90
5.6 Considerações Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

6 Ancoragem das armaduras 93


6.1 Ensaio de pull-out . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
6.2 Comprimento básico de ancoragem . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
6.3 Ganchos e dobras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
6.4 Emendas por traspasse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
6.5 Considerações adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

7 Fissuração em vigas 103


7.1 Tirante armado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
7.1.1 Fissuração Estabilizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
7.1.2 Fissuração Não-Estabilizada . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
7.2 Vigas de seção retangular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
7.3 Comparação com outras expressões . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
7.4 Considerações adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

8 Flechas em vigas 120


8.1 Análise Não-Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
8.2 Análise Linear Equivalente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
8.3 Flecha Diferida no Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
8.4 Estimativas e pré-dimensionamento . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
8.4.1 Momento de inércia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
8.4.2 Flecha diferida no tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
8.4.3 Flechas admissı́veis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Prefácio

Notas de aula da disciplina Estruturas de Concreto Armado I, da Universidade


Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Não utilizar como referência
para trabalhos cientı́ficos e acadêmicos. Não divulgar este material sem prévia
autorização.

iii
Capı́tulo 1

Comportamento Mecânico
dos Materiais

Neste capı́tulo veremos como podemos modelar o comportamento mecânico do


concreto e do aço para estruturas convencionais de concreto armado.

1.1 Concreto
1.1.1 Compressão uniaxial
A relação tensão-deformação do concreto convencional submetido à compressão
uniaxial é como mostrada na Figura 1.1. Percebe-se que a relação tensão-
deformação é bastante não-linear, principalmente próximo à resistência última
fc . Percebe-se também que concretos de resistências mais elevadas sustentam
menores deformações após atingir a resistência última fc . Assim, dizemos que
concretos de resistência mais elevada possuem ruptura frágil (pouco dúctil). Já
os concretos de resistência inferior a 50 MPa possuem certa capacidade de sus-
tentar deformações após atingir a resistência última fc . Por este motivo, dizemos
que concretos convencionais de classe até C50 possuem ruptura quase-frágil, ao
invés da ruptura frágil dos concretos de alta resistência.
Existem diversos modelos utilizados para representar a relação tensão-deformação
do concreto submetido à compressão. Os mais comuns são os modelos Bilinear
(EUROCODE 2, 2004), Parábola-Retângulo (de Araújo, 2014) e de Hognes-
tad (Wight and MacGregor, 2012). O modelo de Hognestad é mostrado na
Figura 1.2. Neste modelo a relação tensão-deformação é considerada parabólica
até o pico de resistência. Após o pico de resistência, a relação tensão-deformação
é modelada por uma reta decrescente até a deformação última  = 0, 0038. Este
modelo é bastante preciso e muito utilizado em diversos paı́ses, mas não será
utilizado aqui.
O modelo parábola-retângulo é mostrado na Figura 1.3. O modelo é com-
posto de um primeiro trecho parabólico até o pico de resistência e um segundo
trecho constante até a deformação última. Neste caso a resistência última fc é
ponderada por um fator de 0, 85, uma vez que a resposta mecânica real do con-
creto após o pico de tensão não é constante (ver Figura 1.1). A ponderação por
0, 85 visa garantir que o patamar constante tenha o mesmo efeito estrutural do

1
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 2

Figura 1.1: Diagrama tensão-deformação do concreto à compressão uniaxial


Fonte: Chen (1982)

trecho decrescente pós-pico. O modelo parábola-retângulo é muito utilizado de-


vido a sua maior facilidade de utilização do que o modelo de Hognestad. Aqui
utilizaremos principalmente o modelo parábola-retângulo, conforme recomen-
dado pela normativa brasileira.
O trecho parabólico do modelo parábola-retângulo é definido por 1
  n 
εc
σc = 0, 85fc 1 − 1 − , (1.1)
εc2
onde σc é a tensão no concreto, εc é a deformação no concreto e fc é a re-
sistência última do concreto à compressão. Após o pico de resistência a tensão
é considerada constante até a deformação última εcu . Já os parâmetros εc2 e
1 Você irá notar que a norma NBR-6118 (2014) faz referência a resistência à compressão

caracterı́stica fck . O valor de fck é obtido através de uma minoração do valor da resistência
última fc por motivações estatı́sticas relacionadas à segurança. O significado de tal minoração
será discutido em outro momento. Por enquanto utilizaremos o valor da resistência última fc
para nossos cálculos.
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 3

Figura 1.2: Modelo de Hognestad


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Figura 1.3: Modelo parábola-retângulo


Fonte: NBR-6118 (2014)

n dependem da classe de resistência do concreto. Para concretos de classe até


CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 4

C50 é adotado
2, 0
εc2 = (1.2)
1000
3, 5
εcu = (1.3)
1000

n = 2. (1.4)
O modelo bilinear é mostrado na Figura 1.4. Este modelo é recomendado
pelo EUROCODE 2 (2004) mas não é citado pela NBR-6118 (2014). Por este
motivo, utilizaremos este modelo apenas em algumas situações, devido a sua
simplicidade em comparação com os demais modelos. Segundo o EUROCODE
2 (2004), para concretos de classe até C50 podemos adotar
1, 75
εc3 = (1.5)
1000
3, 5
εcu3 = εcu = . (1.6)
1000

Figura 1.4: Modelo bilinear


Fonte: EUROCODE 2 (2004)

Exemplo 1.1. Construa a relação tensão-deformação para concretos de re-


sistência fc = 25, 35 e 45 MPa com o modelo parábola-retângulo e com o
modelo bilinear usando programa de planilhas eletrônicas. Compare os dois
modelos.
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 5

Módulo de Elasticidade
Como a relação tensão-deformação do concreto é não-linear, o módulo de elas-
ticidade não é constante. Mesmo assim, é conveniente definir e trabalhar com
dois valores de módulo de elasticidade. O primeiro é o Módulo de Elasti-
cidade Tangente inicial, representado por Eci . Este módulo de elasticidade
diz respeito à inclinação da reta tangente no trecho inicial do diagrama tensão-
deformação (ver Figura 1.5). O módulo Eci pode ser determinado por ensaio
de laboratório aos 28 dias, de acordo com normas pertinentes. Na ausência de
resultados de laboratório, pode-se utilizar a relação empı́rica recomendada pela
normativa brasileira, dada por
p
Eci = 5600 fc , (1.7)
com fc dado em MPa. Esta expressão é válida para concretos feitos com agre-
gados graúdos de granito e de classe C20 até C50. Mais detalhes podem ser
consultados na norma brasileira.

Figura 1.5: Módulo de elasticidade do concreto


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Outro módulo de elasticidade importante é o Módulo de Elasticidade


Secante, representado por Ecs . O módulo secante é definido como a inclinação
da reta secante entre o inı́cio do diagrama tensão-deformação e um ponto de in-
teresse (ver Figura 1.5). No caso do concreto, o módulo Ecs é sempre inferior ao
módulo Eci , por conta do formato do diagrama tensão-deformação do material.
Além disso, o valor do módulo secante depende da tensão/deformação utilizado
para determinar a reta secante. No caso de estruturas de concreto armado é
comum utilizar o módulo secante associado a 80% da resistência última. Este
valor é mais representativo do que o módulo tangente inicial quando o objetivo
é avaliar os deslocamentos da estrutura, por exemplo, uma vez que o módulo
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 6

Eci superestima a rigidez real da estrutura, por considerar o trecho inicial do


diagrama tensão-deformação. O módulo secante Ecs pode ser determinado por
ensaios de laboratório de acordo com normas pertinentes a cada paı́s. Porém,
para concretos convencionais pode-se utilizar a relação empı́rica

Ecs = 0, 85Eci . (1.8)


É importante ressaltar que existem diversas outras relações empı́ricas entre a
resistência à compressão e os módulos Eci e Ecs . O importante é saber que estas
relações empı́ricas são ajustadas com dados de um grande número de ensaios
de laboratório. Por este motivo, a utilização de tais relações empı́ricas deve
ser vista apenas como uma estimativa do módulo de elasticidade. Caso seja
necessário determinar um valor mais preciso para determinado tipo de mistura
de concreto é necessário recorrer a ensaios de laboratório. Além disso, tais
relações empı́ricas não são recomendadas para concretos não-convencionais.
Exemplo 1.2. Estime os módulos Eci e Ecs para concretos convencionais de
resistência fc = 25, 35 e 45 MPa.

1.1.2 Tração uniaxial


A relação tensão deformação do concreto à tração uniaxial é mostrada na Figura
1.6. Geralmente, a resistência à tração fct é da ordem de 5% a 10% da resistência
à compressão. Por este motivo é comum dizermos que o concreto é um material
com baixa resistência à tração.
A resistência à tração é geralmente determinada experimentalmente através
do ensaio de compressão diametral mostrado na Figura 1.7. O corpo de prova
é comprimido ao longo de seu diâmetro e rompe-se como ilustrado na figura. A
resistência à tração pode ser então determinada a partir da carga de ruptura
diametral, utilizando conceitos da mecânica dos sólidos.
Na ausência de ensaios fı́sicos, a resistência à tração pode ser estimada pela
regra empı́rica

fct = 0, 3fc2/3 , (1.9)


onde fc é dado em MPA. A expressão é válida para concretos convencionais de
classe até C50. Vale ainda ressaltar que esta relação empı́rica deve ser vista ape-
nas como uma estimativas da resistência à tração para materiais convencionais.
No caso de concretos não convencionais ou quando é necessária uma avaliação
mais precisa da resistência à tração é necessário recorrer à ensaios fı́sicos.
A relação tensão-deformação do concreto à tração pode ser representada por
diversos modelos. O modelo mais utilizado é o bilinear, mostrado na Figura
1.8. Neste caso apenas o trecho ascendente da relação tensão-deformação é
considerado. É assumido um módulo de elasticidade igual a Eci até 90% da
resistência última à tração fct . Posteriormente é assumido um segundo trecho
linear até a deformação última de 0,15/1000.
Note ainda que o modelo bilinear pode ser aproximado a favor da segurança
pelo modelo simplificado mostrado na Figura 1.9. Neste caso adotamos uma lei
linear até a deformação última de εctu = 0, 15/1000.
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 7

Figura 1.6: Diagrama tensão-deformação do concreto à tração uniaxial


Fonte: Chen (1982)

Exemplo 1.3. Construa a relação tensão-deformação na tração para concretos


de resistência fc = 25, 35 e 45 MPa usando o modelo bilinear e o modelo simpli-
ficado com uma programa de planilhas eletrônicas. Compare os dois modelos.

1.2 Aço
O comportamento mecânico do aço à compressão e a tração é semelhante. As-
sim, é suficiente estudar o comportamento à tração. A relação tensão-deformação
de diferentes tipos de aço é mostrada na Figura 1.10. Nesta figura, os aços do
tipo grade 40/60 são os aços com tensão de escoamento 400/600MPa. O aço
mais utilizado no concreto armado convencional possui tensão de escoamento de
500MPa. Note que os aços grade 40/60 possuem resposta mecânica semelhante,
com patamar de escoamento bastante definido. Estes aços possuem comporta-
mento dúctil, pois sustentam grandes deformações após o escoamento.
O modelo mais utilizado para modelar a resposta mecânica do aço para con-
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 8

Figura 1.7: Ensaio de compressão diametral


Fonte: Chen (1982)

Figura 1.8: Modelo bilinear para o concreto à tração


Fonte: NBR-6118 (2014)

creto armado convencional é o modelo bilinear, mostrado na Figura 1.11. Neste


caso assume-se que o aço possui comportamento elástico-linear até a tensão de
escoamento fy . Após a tensão de escoamento assume-se um patamar constante
até a deformação última εsu . A deformação última εsu é geralmente adotada
como 10/100. Este modelo descarta o trecho de endurecimento do material
após escoamento (ver Figura 1.10). Existem ainda modelos que incorporam o
endurecimento, mas estes modelos não serão utilizados aqui.
Um aspecto importante é que o módulo de elasticidade do aço é praticamente
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 9

Figura 1.9: Modelo simplificado para o concreto à tração

o mesmo para diferentes tipos de liga, em torno de Es = 200GPa. O que se


altera é a tensão de escoamento, a tensão última, a deformação última e a fase
de endurecimento. Ou seja, apenas o comportamento pós-escoamento realmente
se altera. Considerando que Es = 200GPa, a deformação de escoamento do aço
pode ser determinada como
fy
εsy = . (1.10)
Es
Os aços mais utilizados para o concreto armado convencional são o CA50 e o
CA60, onde CA é uma abreviação para Concreto Armado e a numeração indica
a tensão de escoamento em kgf/mm2 . Vale salientar que kgf/mm2 = 10MPa.
Assim, os aços CA50 e CA60 possuem tensão de escoamento de 500MPa e
600MPa, respectivamente. Temos ainda o aço CA25, que é pouco utilizado no
Brasil. Porém, vale salientar que aços com tensão de escoamento próximos a
250MPa são muito utilizados em alguns paı́ses da Europa, por possuı́rem grande
ductibilidade, o que contribui para a segurança em regiões sı́smicas.
Exemplo 1.4. Construa a relação tensão-deformação para aços CA25, CA50 e
CA600 usando o modelo bilinear.
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 10

Figura 1.10: Diagrama tensão-deformação de diferentes tipos de aço


Fonte: Chen (1982)
CAPÍTULO 1. COMPORTAMENTO MECÂNICO DOS MATERIAIS 11

Figura 1.11: Modelo bilinear para o aço


Capı́tulo 2

Flexão

Neste capı́tulo veremos como se comportam e como podemos determinar a re-


sistência de seções de concreto armado submetidos à flexão simples.

2.1 Seções Retangulares Simplesmente Armadas


Iniciaremos nossos estudos considerando uma seção retangular de concreto ar-
mado com apenas uma camada de armadura na parte tracionada, como ilustrado
na Figura 2.1. Este tipo de seção é comumente chamado de Seção Retangular
Simplesmente Armada. Apesar de simples, este tipo de seção é a mais co-
mum em projetos usuais de concreto armado e servirá como uma boa introdução
ao assunto.

Figura 2.1: Seção retangular simplesmente armada

Consideraremos aqui que uma área total de armadura As é disposta ao longo


de uma camada. Note que não importa quantas barras são alocadas, mas sim a
área total resultante. Além disso, a seção tem altura h, base b e a distância do
centróide da área As até o topo da seção é representado por d. A quantidade d

12
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 13

é frequentemente chamada de altura útil da seção transversal, uma vez que é


esta distância (e não h) que será efetivamente importante para o comportamento
da seção à flexão.
Adotaremos aqui as hipóteses de Bernouli para vigas, ou seja:

ˆ Seções transversais inicialmente planas permanecerão planas;

ˆ Seções transversais inicialmente perpendiculares ao eixo da viga assim


permanecerão.

Sob estas hipóteses, ao aplicarmos um momento fletor M as deformações ao


longo da altura da viga serão como mostrado na Figura 2.2.

Figura 2.2: Deformações ao longo da altura da seção transversal

Neste caso yc é a posição da linha neutra, θ é a rotação da seção transver-


sal, εc é a deformação no topo da seção e εs é a deformação das armaduras.
Como a deformação ao longo da altura da seção transversal possui variação li-
near (em decorrência das hipóteses de Bernouli), basta conhecermos duas das
quatro quantidades acima para determinarmos completamente o campo de de-
formações.
Note que as deformações ao longo da altura da seção transversal podem ser
escritas em função de θ e yc como

ε = (yc − y) tan θ (2.1)


onde y é a posição medida a partir do topo da seção transversal e assumimos
que deformações positivas correspondem à compressão. Assim, no topo da seção
temos y = 0 e, portanto,

εc = yc tan θ. (2.2)
Já a deformação nas armaduras resulta

εs = (yc − d) tan θ. (2.3)


CAPÍTULO 2. FLEXÃO 14

2.1.1 Diagrama Momento-Curvatura


Vejamos primeiro como analisar a seção transversal a partir de valores de θ e
yc . Obteremos assim o chamado Diagrama Momento-Curvatura da seção
transversal. Para simplificar nossa análise, adotaremos o modelo bilinear para
representar a relação tensão-deformação do concreto submetido à compressão.
Para o concreto submetido à tração, adotaremos o modelo simplificado. A
relação tensão deformação do aço será representada pelo modelo bilinear. Estes
modelos foram estudados no capı́tulo anterior.
A tensão ao longo da altura da seção transversal poderá assumir três forma-
tos básicos, como mostrado na Figura 2.3. No primeiro caso, a deformação no
topo da seção não atinge o valor εc3 , a tensão não atinge o valor fc e assim temos
apenas uma variação linear de tensões na região comprimida. No segundo caso
a deformação na parte comprimida ultrapassa εc3 mas não atinge a deformação
última εcu . A variação de tensões possui então então um trecho linear e um
trecho constante. O terceiro caso é semelhante ao segundo, mas a deformação
no topo da seção ultrapassa εcu . Assim, a parte superior da seção não apresenta
tensões devido à falha do material.
Para determinar o momento fletor na seção transversal devemos antes subs-
tituir as tensões distribuı́das por forças concentradas equivalentes. Como mos-
trado na Figura 2.4, vamos então determinar a força resultante na parte com-
primida de concreto Fc e sua posição xc , a força resultante na parte tracionada
de concreto Ft e sua posição xt e a força resultante nas armaduras Fs .

Força resultante na região comprimida


Utilizando o modelo bilinear, na compressão o material terá um módulo de
elasticidade aparente dado por
fc
E= . (2.4)
εc3
Assim, para εc ≤ εc3 (Caso a da Figura 2.3) a tensão no topo da seção será
fc
σc = εc E = εc . (2.5)
εc3
As tensões na parte comprimida podem então ser substituı́das por uma força
resultante de magnitude
yc
Fc = b σc (2.6)
2
localizada na posição
yc
xc = . (2.7)
3
Para εc3 ≤ εc ≤ εcu (Caso b da Figura 2.3) a tensão no topo da seção será
fc . A posição y1 onde a tensão atinge fc pode ser determinada da condição

εc3 = (yc − y1 ) tan θ,


de onde resulta
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 15

a)

b)

c)

Figura 2.3: Tensão ao longo da altura da seção transversal

εc3
y1 = yc − . (2.8)
tan θ
A força resultante é então dada por
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 16

Figura 2.4: Forças resultantes na seção transversal

1
Fc = y1 bfc + (yc − y1 )bfc
2 (2.9)
1
= bfc (y1 + yc )
2
com
  
1 y1 1 yc − y1
xc = y1 bfc + (yc − y1 )bfc y1 +
Fc 2 2 3
2 2
(2.10)
1 y1 + y1 yc + yc
= .
3 y1 + yc
Para εc ≥ εcu (Caso c da Figura 2.3) a tensão na parte superior da seção
transversal será nula pois o material já terá se rompido. A posição y2 até onde
a tensão se anula pode ser determinada da condição

εcu = (yc − y2 ) tan θ,


de onde resulta
εcu
y2 = yc − . (2.11)
tan θ
Temos então

1
Fc = (y1 − y2 ) bfc + (yc − y1 )bfc
2 (2.12)
1
= bfc (y1 − 2y2 + yc )
2
com
  
1 y1 + y2 1 yc − y1
xc = (y1 − y2 ) bfc + (yc − y1 )bfc y1 +
Fc 2 2 3
2 2 2
(2.13)
1 y1 + y1 yc − 3y2 + yc
= .
3 y1 − 2y2 + yc
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 17

Força resultante na região tracionada


Já no caso da tração, como utilizaremos o modelo simplificado, teremos um
módulo de elasticidade aparente
fct
E= , (2.14)
εctu
onde εctu = 0, 15/1000 é a deformação última do concreto à tração. Da Eq.
(2.1), a deformação na base da seção transversal resulta

εct = (h − yc ) tan θ, (2.15)


onde invertemos o sinal para trabalharmos apenas com valores positivos.
Para εct ≤ εctu (Caso a) a deformação na parte tracionada não ultrapassa
a deformação última e a tensão na base da seção será
fct
σct = εct E = εct . (2.16)
εctu
As tensões na parte tracionada podem então ser substituı́das por uma força
concentrada de magnitude
h − yc
Ft = bσct (2.17)
2
localizada na posição
2 2 1
xt = yc + (h − yc ) = h + yc . (2.18)
3 3 3
Para εct > εctu (Caso b) a tensão na base da seção transversal será nula,
pois o material já terá ultrapassado a deformação última. A posição y3 onde a
deformação ultrapassa a deformação última pode ser determinada da condição

− εctu = (yc − y3 ) tan θ, (2.19)


de onde resulta
εctu
y3 = yc + . (2.20)
tan θ
Temos então
y3 − yc
Ft = bfct (2.21)
2
localizada na posição
2 2 1
xt = yc + (y3 − yc ) = y3 + yc . (2.22)
3 3 3
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 18

Força resultante nas armaduras


A deformação nas armaduras é dada por

εs = (d − yc ) tan θ, (2.23)
onde invertemos o sinal para trabalhar apenas com valores positivos. Já a
deformação de escoamento do aço é dada por
fy
εsy = , (2.24)
Es
onde Es = 200GPa é o módulo de elasticidade do aço. Adotando o modelo
bilinear para o aço, a tensão nas armaduras é então dada por

 εs Es , εs ≤ εsy
σs = fy , εsy < εs ≤ εsu (2.25)
0, εs > εsu

Assim, a força resultante nas armaduras é

Fs = σ s As . (2.26)

Diagrama Momento-Curvatura
A força resultante na seção transversal é dada por (ver Figura 2.4)

N (θ, yc ) = Fc (θ, yc ) − Ft (θ, yc ) − Fs (θ, yc ), (2.27)


onde deixamos em evidência que as quantidades dependem da curvatura θ e da
posição da linha neutra yc . Considerando flexão pura, do equilı́brio de forças
temos

N (θ, yc ) = Fc (θ, yc ) − Ft (θ, yc ) − Fs (θ, yc ) = 0. (2.28)


Assim, para um determinado valor de curvatura θ, a posição da linha neutra
yc resultante terá de satisfazer a equação acima. Ou seja, a posição da linha
neutra é na realidade a raı́z da equação não-linear acima. Assim, podemos
determinar a posição da linha neutra com métodos analı́ticos ou computacionais
para determinação de raı́zes de equações não-lineares.
Uma vez determinada a posição da linha neutra yc podemos determinar o
momento resultante calculando o momento em relação à posição da linha neutra,
de onde resulta (ver Figura 2.4)

M (θ, yc ) = (yc − xc )Fc (θ, yc ) + (xt − yc )Ft (θ, yc ) + (d − yc )Fs (θ, yc ). (2.29)

Assim, para uma sequência de valores de curvaturas podemos determinar a


posição da linha neutra correspondente (que satisfaz o equilı́brio) e finalmente
avaliar o momento resultante na seção transversal.

Exemplo 2.1. Considere uma seção retangular simplesmente armada com b =


200mm, h = 500mm, d = 460mm e As = 369mm2 (3 barras de 12,5mm de
diâmetro). É utilizado concreto convencional com resistência fc = 30MPa e aço
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 19

CA50, com fy = 500MPa. Utilize um programa de planilhas eletrônicas para


determinar o momento resultante para uma curvatura θ = 5 × 10−6 .
Solução:
O exemplo pode ser resolvido utilizando o LibreOffice Calc, como mostrado
na Figura 2.5. Nas células B2 a B14 são inseridos os dados do exemplo. A
resistência à tração fct foi estimada e a deformação de escoamento do aço εsy
foi calculada com as expressões apresentadas no Capı́tulo 1. Na célula B16 é
prescrito o valor de curvatura e na célula B17 devemos inserir a posição da linha
neutra de forma a garantir o equilı́brio de forças axiais. Iniciamos as contas com
yc = 250mm, como mostrado na Figura 2.5a, e posteriormente ajustaremos este
valor.

a) b)

Figura 2.5: Planilha eletrônica para determinação do momento em função da


curvatura

Nas células B19 a B34 são calculadas a força resultante na parte comprimida
de concreto Fc e a posição xc . Os valores de Fc e xc são calculados para os Casos
a, b e c separadamente. Na Célula B33 é verificado qual caso ocorre e então
definido o valor de Fc . O mesmo é feito na célula B34 para o valor de xc . O
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 20

comando SE (IF) é utilizado para esta finalidade. O conteúdo da célula B33 é


=SE(B19<B8;B24;SE(B19<B9;B27;B30))
Ou seja, caso εc ≤ εc3 é utilizado o valor do Caso a. Caso contrário, é feita a
verificação εct > εctu . Se esta verificação for verdadeira trata-se do Caso b e é
utilizado o valor correspondente. Caso contrário é alocado o valor do Caso c. A
verificação da célula B34 é muito semelhante, mas são utilizados os valores de
xc , de onde resulta
=SE(B19<B8;B25;SE(B19<B9;B28;B31)).
Note que a mesma verificação é feita, mas agora é definido o valor de xc .
Nas células B36 a B47 é calculada a força resultante na parte tracionada
de concreto Ft e sua posição xt . Temos agora apenas dois casos. Novamente,
os valores de cada caso são calculados e posteriormente é utilizado o comando
SE para determinar o valor apropriado de Ft e xt nas células B46 e B47. O
conteúdo destas células é, respectivamente
=SE(B36<B10;B40;B43)
=SE(B36<B10;B41;B44)
Note que a verificação de qual caso se trata é igual nas duas células.
Nas células B49 a B51 é calculada a força resultante na armadura tracionada.
A tensão na armadura é calculada na célula B50, cujo conteúdo é
=SE(B49<B14;B12*B49;SE(B49<B13;B11;0))
Primeiro verifica-se se a deformação é inferior a εsy . Caso isso ocorra, a arma-
dura encontra-se no regime elástico-linear e a tensão é calculada multiplicando-
se a deformação pelo módulo de elasticidade. Caso contrário, é verificado se a
deformação é inferior a deformação última εsu . Caso isso ocorra a armadura
escoou e a tensão é fy . Caso contrário, a armadura rompeu e a tensão é nula.
A força axial resultante é calculada na célula B53. Neste caso verificamos
que a força axial resultante não se anulou, o que viola o equilı́brio no caso da
flexão pura. Isso quer dizer que para a curvatura θ = 5 × 10−6 prescrita o valor
yc = 250mm não é a posição correta da linha neutra. Devemos então determinar
o valor de yc tal que a força axial resultante seja nula ou bastante próxima de
zero.
Por tentativa e erro podemos determinar que para yc = 124, 4mm temos uma
força axial resultante N = 120, 1N, o que é muito próximo de zero considerando
a ordem de magnitude das forças envolvidas. Assim, a posição correta da linha
neutra é muito próxima de yc = 124, 4mm e este valor pode ser adotado como
solução aproximada do problema. O resultado é como mostrado na Figura 2.5b.
Com a posição da linha neutra determinada podemos então avaliar o mo-
mento resultante, que vale M = 52, 7kN.m. Isso quer dizer que para uma
curvatura θ = 5 × 10−6 temos yc = 124, 4mm e um momento resultante na
seção transversal de M = 52, 7kN.m.
Para automatizar a determinação do valor correto para yc podemos utilizar o
SOLVER do LibreOffice Calc. Você irá no menu Ferramentas→Solver e poderá
configurar a solução do problema como mostrado na Figura 2.6. Note que a
célula objetivo é definida como sendo aquela que contém o valor da força axial
resultante. Definimos então que está célula deverá ter valor igual a 0. A célula
variável é definida como sendo aquela que contém o valor de yc , que queremos
determinar. Adicionamos ainda duas restrições, indicando que o valor de yc deve
ser maior ou igual a 0 e menor ou igual ao valor de h, para que a posição da
linha neutra esteja dentro da seção transversal. Assim, o SOLVER irá buscar
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 21

numericamente um valor de yc que satisfaça N = 0 respeitando as restrições


impostas.

Figura 2.6: SOLVER para determinação da posição da linha neutra

Após acionar o SOLVER o valor encontrado é yc = 124, 352mm, muito


próximo ao valor que determinamos anteriormente. Assim, o momento resul-
tante é praticamente igual àquele calculado anteriormente. Porém, este pro-
cedimento automatizado com o SOLVER será utilizado daqui em diante por
facilidade.

Exemplo 2.2. Construa o diagrama Momento-Curvatura para a seção trans-


versal do Exemplo 2.1.
Solução:
Exemplo 2.1 vimos como avaliar o momento resultante na seção transversal
para uma curvatura prescrita, de forma a satisfazer o equilı́brio de forças. Iremos
agora obter o diagrama Momento-Curvatura da seção transversal, que é um
gráfico relacionado a curvatura prescrita com o momento resultante. Para esta
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 22

finalidade iremos simplesmente fazer as contas para uma sequência de valores


de curvatura.
Vamos construir o diagrama momento-curvatura para curvaturas entre 0 e
2 × 10−5 com incrementos de 1 × 10−6 . Inicialmente, nossa planilha será como
mostrado na Figura 2.7, onde arrastamos as colunas e colocamos os valores de θ
a serem analisados. Note que os valores de yc foram todos iniciados com 250mm
por enquanto. Além disso, lembre-se de fixar as células referentes aos dados do
exemplo antes de arrastar as colunas, usando o sı́mbolo $ no LibreOffice Calc.

Figura 2.7: Planilha eletrônica para determinação do diagrama momento-


curvatura

Note que adicionamos a célula RESÍDUO, que é calculado na célula B56. O


conteúdo desta célula é
=SOMAQUAD(B53:V53)
Isso quer dizer que na célula B56 teremos a soma dos quadrados dos valores
da linha 53. Na linha 53 temos os valores de força axial resultante. Assim, o
resı́duo nada mais é do que a soma das forças axiais resultantes ao quadrado.
Uma vez que as forças axiais resultantes devem ser todas nulas, a soma de seus
valores ao quadrado deveria ser nula também. Porém, isso não ocorre porque
os valores de yc presentes na planilha não satisfazem o equilı́brio. Vamos então
utilizar o SOLVER para determinar os valores de yc que minimizem o resı́duo,
fornecendo assim os valores apropriados de yc .
O SOLVER é configurado como mostrado na Figura 2.8. Note que o objetivo
agora é minimizar a célula contendo o RESÍDUO. Isso garantirá valores de
força axiais bem próximos de zero e uma boa aproximação para os valores de
yc . Já as células variáveis foram definidas como aquelas contendo os valores de
yc . Foram também incluı́das restrições, de forma que os valores de yc sejam
buscados apenas dentro da seção transversal. Assim, o SOLVER irá buscar os
valores de yc que minimizam o resı́duo.
Após utilizar o SOLVER o resultado é como mostrado na Figura 2.9. O
SOLVER irá demorar um pouco neste caso, pois diversos valores de yc que
satisfazem o equilı́brio devem ser buscados ao mesmo tempo. Porém, após
rodar o SOLVER percebemos que os valores de yc foram ajustados de forma
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 23

Figura 2.8: SOLVER para determinação do diagrama momento-curvatura

que as forças axiais resultantes são praticamente nulas. Isso quer dizer que o
procedimento encontrou os valores adequados para yc . Note que à medida que a
curvatura imposta na seção transversal aumenta, a linha neutra se desloca para
o topo da seção transversal (o valor de yc decresce). O diagrama momento-
curvatura da seção transversal pode ser construı́do plotando-se os valores de
momento e curvatura obtidos, conforme mostrado na Figura 2.10.

Figura 2.9: Valores do diagrama momento-curvatura

O diagrama Momento-Curvatura da Figura 2.10 é bastante caracterı́stico


do comportamento à flexão de vigas de concreto armado. Note que o trecho
inicial possui uma inclinação maior. Isso ocorre porque para pequenos valores de
momento/curvatura o concreto na parte tracionada ainda não superou a tensão
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 24

Figura 2.10: Diagrama momento-curvatura

última à tração. Assim, o concreto na parte tracionada também contribui com


o equilı́brio.
Porém, percebe-se uma abrupta alteração na inclinação do diagrama. Neste
exemplo esta alteração ocorre próxima de 20kN.m. Isto ocorre porque para
momentos/curvaturas mais elevados a deformação na parte tracionada da seção
já supera a deformação última do concreto à tração. Assim, o concreto na
parte tracionada praticamente não contribui mais para o equilı́brio. O momento
fletor no qual ocorre esta abrupta perda de rigidez é chamado de Momento de
Fissuração do concreto, pois está associado à ruptura e fissuração do concreto
tracionado.
Após a fissuração, a rigidez da seção transversal é reduzida, o que é eviden-
ciado por uma menor inclinação do diagrama. Uma segunda redução abrupta
da inclinação é observada. Neste exemplo, esta segunda redução ocorre próxima
a 80kN.m. Neste caso a perda de rigidez é muito drástica e percebe-se que a
relação momento/curvatura torna-se praticamente horizontal. Isso quer dizer
que a curvatura pode ser aumentada muito com um leve incremento de momento
fletor. Este comportamento estrutural é chamado de Rótula Plástica, pois é
como se uma rótula tivesse surgido na seção transversal por conta da plasti-
ficação do material. Isso ocorre porque nesta fase as armaduras já atingiram
a tensão de escoamento e, portanto, não conseguem suportar força adicional.
Porém, como as armaduras ainda não romperem a seção transversal possui
grande capacidade de rotação. O momento máximo que a seção transversal é
capaz de suportar é chamado de Momento Último. Neste exemplo o momento
último é próximo de 81kN.m.
Para determinar o valor do momento último devemos obter o diagrama
momento-curvatura até o ponto onde ocorre o colapso da seção, caracterizada
por uma queda brusca da resistência da seção transversal. Isso não ocorreu no
Exemplo 2.2 porque as curvaturas impostas não levaram a seção até o ponto
de colapso. Vamos então refazer o Exemplo 2.2, de forma a identificar esta
situação.
Exemplo 2.3. Construa o diagrama Momento-Curvatura para a seção trans-
versal do Exemplo 2.2 até a curvatura θ = 10−4 .
Solução:
Neste caso basta refazermos o exemplo usando um incremento de curvatura
igual a 5 × 10−6 . O resultado será aquele mostrado na Figura 2.11
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 25

Figura 2.11: Diagrama momento-curvatura até o colapso

Note que agora podemos identificar o ponto de colapso da seção transversal,


para uma curvatura de aproximadamente 8, 5 × 10−5 . Porém, ao usarmos um
incremento de curvatura maior não conseguimos identificar agora o momento
de fissuração.

Note o diagrama da Figura 2.11 indica um comportamento dúctil da seção


transversal. Isso porque o diagrama apresenta um amplo patamar de escoamento
antes do colapso, caracterizado pelo ramo praticamento horizontal da relação
momento-curvatura. Assim, a seção transversal será capaz de suportar grandes
rotações após atingir seu limite de resistência antes de colapsar. Este compor-
tamento é muito benéfico, pois permitirá a redistribuição de esforços internos
caso a seção transversal encontre-se próxima ao colapso. Além disso, grandes
rotação implicarão em fissuras visı́veis. Portanto, caso esta seção transversal
esteja próxima ao colapso poderão ser observadas muitas fissuras no concreto,
indicando o problema e possibilitando a evacuação da edificação.

Atividade 2.1. Considere uma seção retangular simplesmente armada com


b = 150mm, h = 400mm, d = 360mm e As = 246mm2 (2 barras de 12,5mm
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 26

de diâmetro). É utilizado concreto convencional com resistência fc = 35MPa


e aço CA50. Construa o diagrama momento-curvatura da seção transversal.
Identifique o momento de fissuração e o momento último.
Atividade 2.2. Considere uma seção retangular simplesmente armada com
b = 250mm, h = 600mm, d = 560mm e As = 603mm2 (3 barras de 16mm
de diâmetro). É utilizado concreto convencional com resistência fc = 40MPa
e aço CA50. Construa o diagrama momento-curvatura da seção transversal.
Identifique o momento de fissuração e o momento último.

2.1.2 Momento Último


A obtenção do diagrama Momento-Curvatura é muito importante para conhe-
cermos o comportamento de seções transversais de concreto armado. Porém,
em alguns casos pode ser interessante determinar o momento último direta-
mente através de cálculos analı́ticos, sem necessidade de utilizarmos métodos
numéricos.
Observando a Figura 2.11, vemos que à medida que a curvatura aumenta a
tensão nas armaduras aumenta até atingir a tensão de escoamento fy . No caso
da Figura 2.11, as armaduras escoam para uma curvatura de aproximadamente
θ = 8 × 10−6 . A partir desta curvatura a tensão nas armaduras permanecerá
constante e igual a fy . Observando a Figura 2.11 vemos também que a de-
formação no topo da seção aumenta à medida que a curvatura cresce. Assim, a
resistência da seção cresce até que seja atingida a deformação última do concreto
no topo da seção.
Feitas estas considerações, para estimar uma aproximação para o momento
último podemos adotar as seguintes hipóteses:

ˆ As armaduras escoam sem se romper.


ˆ O concreto comprimido no topo da seção atinge a deformação última εcu .

Podemos então utilizar estas hipóteses para estimar diretamente o momento


último, sem necessidade de se obter o diagrama momento-curvatura completo.
Porém, a validade das hipóteses precisa ser verificada ao final dos cálculos.
Além disso, para permitir o cálculo analı́tico (sem necessidade de métodos
computacionais) adotaremos duas hipóteses simplificadoras adicionais:

ˆ A resistência do concreto à tração será desconsiderada.


ˆ A tensão na parte comprimida do concreto será substituı́da por uma dis-
tribuição de tensões como mostrado na Figura 2.12.

Estas duas hipóteses são geralmente adotadas quando fazemos o cálculo sim-
plificado do momento último da seção transversal. Note que desconsiderar a
resistência à tração do concreto é uma hipótese à favor da segurança, pois o
material de fato apresenta certa resistência à tração.
A distribuição uniforme de tensões mostrada na Figura 2.12 é chamado de
Stress Block e é largamente utilizada no mundo. Os parâmetros αc e λ podem
ser adotados como

αc = 0, 85 (2.30)
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 27

λ = 0, 8 (2.31)
para concretos de classe até C50.

Figura 2.12: Bloco de tensões para cálculo aproximado do momento último

A força resultante na parte comprimida de concreto resulta então

Fc = αc λbyc fc (2.32)
e é localizada na posição
λyc
xc = . (2.33)
2
Já a força na armadura resulta

Fs = fy As . (2.34)
Como a força resultante da parte tracionada do concreto é desconsiderada,
do equilı́brio de forças axiais temos Fc = Fs , de onde resulta
fy As
yc = . (2.35)
αc λbfc
Note que novamente é o equilı́brio de forças axiais que nos permite determinar a
posição da linha neutra. O momento fletor pode ser então calculado do momento
do binário dado por Fc e Fs , de onde resulta

Mu = zFs
(2.36)
= zfy As

onde z é o braço de alavanca dado por

z = d − xc
λyc (2.37)
=d−
2
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 28

Exemplo 2.4. Estime o momento último da seção transversal do Exemplo 2.2.


Solução:

yc = 45, 22mm

z = 441, 9mm

Mu = 81, 53kN.m.

Uma vez estimado o momento últimos devemos verificar se as hipóteses de


cálculo são satisfeitas. Assumindo que a deformação no concreto comprimido
atinge a deformação última εcu temos, da Eq. (2.2),
εcu
tan θ = , (2.38)
yc
que nos permite avaliar para qual curvatura essa situação ocorre. Substituı́mos
então esta curvatura na Eq. (2.3) e avaliamos a deformação na armadura.
Caso a deformação εs assim calculada de fato esteja entre a deformação de
escoamento εsy e a deformação última εsu então a armadura de fato escoa sem
se romper. Caso isso ocorra, então de fato o valor de θ assim determinado
satisfaz as hipóteses de cálculo e a solução é válida.

Exemplo 2.5. Verifique se as hipóteses da estimativa do Exemplo 2.4 são


válidas.
Solução:
Temos

tan θ = 7, 74 × 10−5

εs = −0, 0321.
A deformação na armadura é superior à deformação de escoamento εsy = 0, 0025
e inferior à deformação última εsu = 0, 1, em módulo. Assim, a armadura de
fato escoa sem se romper quando o concreto atinge sua deformação última εcu
e as hipóteses do cálculo são válidas.

Note que o momento último estimado no Exemplo 2.4 é bastante próximo


ao momento último obtido do diagrama momento-curvatura da Figura 2.11
(81,53kN.m e 81,9kN.m, respectivamente). Ou seja, o procedimento é suficien-
temente preciso para estimarmos o momento último. Porém, o procedimento
possui algumas limitações.
Primeiramente, note que as curvaturas envolvidas costumam ser muito pe-
quenas. Assim, geralmente temos θ ≈ tan θ. Logo, segundo a estimativa feita no
Exemplo 2.4 a curvatura última seria θ = 7, 74 × 10−5 . Infelizmente este valor
não é uma boa estimativa para a curvatura última observada na Figura 1.9, que
é próxima de θ = 8, 5 × 10−5 . Isso ocorre porque o Stress Block foi calibrado
para dar boas estimativas do momento último, mas não necessariamente das
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 29

curvaturas envolvidas. Assim, o comportamento completo da seção transversal


realmente só pode ser conhecido obtendo-se o diagrama momento-curvatura.
Outra limitação do procedimento é que as contas são simples apenas para
seções transversais simples. Geralmente isso ocorre apenas para seções retangu-
lares e T com armadura tracionadas e comprimidas. Porém, quando as arma-
duras são dispostas em mais de duas camadas o procedimento pode tornar-se
tão complexo que é mais eficiente obter o diagrama momento-curvatura direta-
mente.
Vejamos agora o que ocorre quando as hipóteses da estimativa são violadas.

Concreto não atinge a deformação última na ruptura


Considere o caso onde adotamos a hipótese de que o concreto atinge a de-
formação última εcu e verificamos que a deformação na armadura é superior à
deformação última εsu . Neste caso o colapso ocorre na verdade antes do concreto
atingir a deformação última, quando a armadura atinge a deformação última
εsu . Assim, a hipótese εc = εcu não é verdadeira e devemos reavaliar a tensão
no concreto.
Neste caso a tensão no concreto será ligeiramente inferior a fc , a linha neutra
será deslocada para cima (para manter o equilı́brio de forças axiais) e o braço
de alavanca será alterado. Portanto, o momento último poderia ser avaliado
corrigindo-se o braço de alavanca z. Porém, o stress block foi desenvolvido com
o intuito de aproximar as tensões quando o concreto atinge a tensão fc . Assim, é
necessário adotar o modelo bilinear ou o modelo parábola-retângulo para avaliar
Fc , o que torna o procedimento bem mais complexo.
O colapso deste tipo de seção transversal é bastante dúctil, pois ocorre apenas
após completo escoamento das armaduras. Portanto, seções que estejam nesta
situação podem ser utilizadas sem problemas em projetos usuais.

Armadura não escoa


Caso seja adotada a hipótese εc = εcu e seja verificado que a armadura não escoa
temos um caso muito problemático. Isto indica que o colapso da seção ocorre
sem que a armadura escoe. O colapso será então governado pelo comportamento
do concreto, o que ocasiona uma ruptura frágil. Este tipo de comportamento
estrutural deve ser evitado, uma vez que colapso do tipo frágil torna a estrutura
menos segura, como discutido anteriormente.
Note que o momento último pode ser avaliado determinando-se a deformação
na armadura e calculando a força resultante Fs sem maiores problemas. Porém,
o problema desta situação não é o procedimento para avaliar o momento último,
mas sim a inviabilidade de se utilizar seções com este tipo de comportamento
em projetos.

Considerações adicionais
Na prática, a imensa maioria dos casos de interesse se encaixa nas hipóteses de
escoamento da armadura com concreto atingindo a deformação última. Assim,
o procedimento descrito para estimativa do momento último será válido na
maioria dos casos de interesse. Como discutido anteriormente, caso isso não
ocorra pode ser porque a armadura não escoa ou porque o concreto não atinge
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 30

a deformação última no momento do colapso. Em ambos os casos é recomendado


que o momento último seja então avaliado com o diagrama momento-curvatura,
como discutido anteriormente. Além disso, deve ser enfatizado novamente que
o projeto de estruturas com comportamento frágil, onde o colapso ocorre sem
escoamento das armaduras, é vetado por todas as normas mundiais. Assim, tal
situação deve ocorrer apenas caso o engenheiro esteja analisando estruturas já
construı́das cujo projeto viole estes preceitos.
Atividade 2.3. Estime o momento último Mu das seções transversais das Ati-
vidades 2.1 e 2.2 com o procedimento apresentado nesta seção e verifique se as
hipóteses de cálculo são válidas. Discuta os resultados.

2.2 Ductibilidade
Como discutido anteriormente, é muito importante que as estruturas de concreto
armado possuam colapso do tipo dúctil sempre que possı́vel. A importância
desta consideração é baseada principalmente em dois fatores.
Primeiro, estruturas com colapso do tipo frágil não apresentam grandes des-
locamentos antes do colapso. Assim, é difı́cil diagnosticar problemas estruturais
em elementos com ruptura frágil, pois as evidências que seriam decorrentes de
grandes deslocamentos não podem ser percebidas visualmente. Já o projeto de
elementos estruturais com colapso dúctil permite que eventuais problemas sejam
percebidos visualmente, por conta de deslocamentos excessivos ou fissuração ex-
cessiva. Isso só ocorre caso o elemento apresente grandes deslocamentos antes
do colapso, o que só é verdade para elementos estruturais com comportamento
dúctil.
Além disso, a utilização de elementos estruturas dúcteis confere mais segu-
rança para as estruturas. Isso por que elementos com comportamento dúctil,
que sofrem grandes deslocamentos antes de colapsar, são capazes de transferir
esforços para elementos adjacentes quando encontram-se próximos ao colapso.
Por este motivo é imprescindı́vel que o projetista garanta a ductibilidade da
estrutura sempre que possı́vel. No caso de elementos de concreto armado sujeitos
à flexão isso é possı́vel, como visto anteriormente. Assim, elementos sujeitos à
flexão, como vigas e lajes, devem sempre ser projetados para terem colapso
do tipo dúctil. O engenheiro pode se deparar com estruturas que possuam
elementos com ruptura frágil. Isso ocorre quando estruturas existentes, que
foram projetadas violando estes preceitos, devem ser analisadas.

2.2.1 Domı́nios de Ruptura


Uma primeira forma de avaliar a ductibilidade de elementos de concreto armado
sujeitos à flexão é através dos domı́nios de ruptura. Neste caso definimos os
seguintes domı́nios de ruptura (ver Figura 2.13):

ˆ Domı́nio 1: ruptura onde toda a seção encontra-se tracionada. Este


domı́nio não é do nosso interesse aqui.

ˆ Domı́nio 2: ruptura por flexão onde a armadura atinge a ruptura e o


concreto não atinge sua deformação última.
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 31

ˆ Domı́nio 3: ruptura por flexão onde o concreto atinge a deformação última


e a armadura escoa.

ˆ Domı́nio 4: ruptura por flexão onde o concreto atinge a deformação última


sem que a armadura escoe.

Figura 2.13: Domı́nios de ruptura


Fonte: de Araújo (2014)

Note que o Domı́nio 4 é aquele que deve ser evitado, pois corresponde a
um colapso do tipo frágil, dominado pelo colapso do concreto que atinge sua
deformação última. Assim, elementos sujeitos à flexão não devem ser projetados
para atingir o momento último na situação do Domı́nio 4.
Por muitos anos os engenheiros partiram deste preceito e projetaram os
elementos sujeitos à flexão no limite entre os domı́nio 3 e 4. Isso porque o projeto
no limite entre estes dois domı́nios faz com que área de armadura utilizada seja
reduzida, pois utiliza as propriedades mecânicas do material ao seu limite.
Porém, ao longo dos anos ficou evidente que projetar estruturas no limite
entre os domı́nios 3 e 4 não era seguro. Isso porque pequenas alterações nas pro-
priedades mecânicas dos materiais ou geométricas da seção podiam fazer com
que a estrutura passasse para o Domı́nio 4, que deve ser evitado. Em outras
palavras, grande parte dos elementos estruturais projetados no limite entre os
domı́nios 3 e 4 acabam for estar dentro do Domı́nio 4 ao longo de sua vida
útil, seja por variações das propriedades mecânicas dos materiais, imperfeições
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 32

geométricas decorrentes da construção ou alterações causadas pelo envelheci-


mento da estrutura.
Por este motivo, identificou-se a necessidade de se manter uma margem do
Domı́nio 4, como mostrado na Figura 2.13. Note que neste caso existe uma
região do Domı́nio 3 a ser evitada por ser muito próxima do Domı́nio 4.

2.2.2 Posição da Linha Neutra


Na Figura 2.13 vemos que a transição dos domı́nios 2 e 3 para o domı́nio 4 é
acompanhado do deslocamento da linha neutra para baixo. Isso porque ao man-
termos a deformação no topo da seção igual à deformação última do concreto,
a linha neutra se desloca para baixo à medida que a deformação na armadura é
reduzida. Assim, existe uma relação importante entre os domı́nios de ruptura e
a posição relativa da linha neutra dentro da seção transversal. Por este motivo,
a ductibilidade de elementos sujeitos à flexão pode ser avaliada em função da
posição relativa da linha neutra.
Note que a fronteira entre os domı́nios 3 e 4 é dada pela situação onde o
concreto no topo da seção atinge a deformação última εcu e o aço atinge a
deformação de escoamento εsy . Impondo estas condições nas Eqs. (2.2) e (2.3)
obtemos os sistema

εcu = yc tan θ
, (2.39)
−εsy = (yc − d) tan θ
que possui solução
yc 1
= εsy . (2.40)
d 1 + εcu
Definido a posição relativa da linha neutra como
yc
ξ= (2.41)
d
temos então que o limite entre os domı́nios 3 e 4 é definido por
1
ξ= εsy . (2.42)
1 + εcu
Para concretos de classe até C50 (εcu = 3, 5/1000) e aço CA50 (εsy =
2, 5/1000), a fronteira entre os domı́nios 3 e 4 resulta

ξ = 0, 5833. (2.43)
Assim, seções transversais cuja posição relativa da linha neutra seja inferior a
este valor não estarão no Domı́nio 4. Note também que o limite é alterado
quando εcu é menor que 3,5/1000, o que ocorre para concretos de alto desem-
penho de classe superior a C50. Além disso, o limite também depende do tipo
de aço.
Como discutimos anteriormente, é importante garantir que o projeto seja
feito longe da fronteira entre os domı́nios 3 e 4. Assim, as normas de projeto
definem valores limites da posição da linha neutra e impõem a condição

ξ ≤ ξlim . (2.44)
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 33

Os valores da posição limite ξlim variam de acordo com a situação. A NBR-


6118 (2014), por exemplo, prescreve que a posição relativa da linha neutra seja
limitada a

ξlim = 0, 45 (2.45)
para concretos de classe até C50. Já para concretos de classe entre C50 e C90
a norma prescreve

ξlim = 0, 35. (2.46)


Perceba que a norma brasileira impõe um limite menor para concretos de
classe superior a C50. Isso ocorre porque estes concretos possuem deformação
última εcu inferior a 3, 5/1000, decorrentes de um comportamento mais frágil.
Além disso, o limite ξlim = 0, 45 é bastante inferior ao valor que define a fronteira
entre os domı́nios 3 e 4 (0,5833). Isso garante que os projetos feitos respeitando
o limite prescrito pela norma estejam suficientemente afastados do Domı́nio 4,
garantindo segurança em relação à ductibilidade da seção.
Atividade 2.4. Verifique a posição relativa da linha neutra das seções trans-
versais das Atividades 2.1 e 2.2 na situação de colapso. Discuta os resultados.

2.2.3 Pré-dimensionamento e verificação


Note que estabelecer um limite para a posição relativa da linha neutra equivale
e estabelecer uma quantidade de armadura máxima que pode ser utilizada em
uma dada seção transversal de concreto. Isso porque ao adotar um limite ξlim
estabelecemos um limite para posição da linha neutra. Da Eq. (2.35) temos
yc f y As
ξ= = .
d αc λbdfc
Assim, devemos satisfazer a condição
f y As
≤ ξlim ,
αc λbdfc
de onde resulta
fc
As ≤ ξlim αc λbd .
fy
Portanto, deve ser satisfeita a condição

As ≤ As lim (2.47)
onde a área de aço limite é dada por
fc
As lim = ξlim αc λbd . (2.48)
fy
A equação acima demonstra que devemos respeitar uma quantidade máxima
de armadura As para garantir que o elemento possua comportamento dúctil. É
comum utilizarmos os termos:
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 34

ˆ Vigas super-armadas: aquelas que possuem área de aço excessiva, vio-


lando o limite acima e causando o comportamento frágil.
ˆ Vigas sub-armadas: aquelas que possuem área de aço apropriada, sa-
tisfazendo o limite acime e garantido ductibilidade.
Note ainda que podemos reescrever a Eq. (2.37) como

λξd
z =d−
2 (2.49)
2 − λξ
= d
2
onde substituı́mos yc = ξd. Assim, para ξlim temos
2 − λξlim
zlim = d. (2.50)
2
Substituindo zlim e As lim na Eq. (2.36) obtemos então o Momento Limite
Mlim que pode ser suportado por uma seção retangular simplesmente armada,
dado por

Mlim = zlim As lim fy


1 (2.51)
= (2 − λξlim )ξlim αc λbd2 fc .
2
Adotando os valores da NBR-6118 (2014) para concretos de classe até C50
obtemos, por exemplo,

Mlim = 0, 251bd2 fc . (2.52)


Este é o momento limite que uma seção retangular simplesmente armada pode
suportar sem violar o limite imposto de ductbilidade. Note que o limite depende
da altura efetiva d, da largura da seção e da resistência do concreto.
Ao satisfazer as condições de ductibilidade teremos z ≥ zlim . Assim, o
momento último de uma seção que satisfaz as condições de ductibilidade satisfaz
também (da Eq. (2.36))

Mu ≥ zlim fy As. (2.53)


Assim, as estimativa dada por

Mu = zlim fy As (2.54)
é à favor da segurança para seções que satisfaçam os critérios de ductibilidade.
Adotando os valores da NBR-6118 (2014) para concretos de classe até C50
podemos então estimar o momento último por

Mu = 0, 82dfy As , (2.55)
para As ≤ As lim , o que equivale a satisfazer a condição

Mu ≤ Mlim . (2.56)
Esta estimativa é muito útil para verificações simplificadas e pré-dimensionamento
de vigas e lajes.
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 35

Exemplo 2.6. Estime o momento último da seção transversal do Exemplo 2.2


com a Eq. (2.55) e verifique sua validade.
Solução:
O momento limite resulta, da Eq. (2.52),

Mlim = 318, 7kN.m.


Da Eq. (2.55) obtemos diretamente

Mu = 69, 6kN.m.
Como Mu estimado é inferior ao momento limite Mlim a seção satisfaz o critério
de ductibilidade e a estimativa é válida.

Note que a estimativa simplificada do Exemplo 2.6 é bastante inferior à


estimativa mais precisa do Exemplo 2.4 (69, 6kN.m e 81, 53kN.m, respectiva-
mente). Neste caso observamos que a estimativa simplificada teve um erro de
15%. Isso ocorre porque foi adotada a estimativa conservadora z/d = 0, 82. Se
observarmos os dados do Exemplo 2.4 temos na realidade a relação z/d = 0, 96.
Ou seja, a imprecisão da estimativa simplificada vem do fato de uma estimativa
conservadora (à favor da segurança) do braço de alavanca.
Mesmo assim, a estimativa da Eq. (2.55) é muito utilizado para pré-dimensionamento
de seções transversais e verificação rápidas que precisam ser feitas in loco com
contas manuais. Além disso, muitos engenheiros costumam utilizar a estimativa

Mu = 0, 9dfy As , (2.57)
que costuma prever bem o momento último de seções retangulares simplesmente
armadas que satisfaçam o critério de ductibilidade. Porém, vale lembrar que esta
expressão deve ser utilizada apenas como ferramenta de pré-dimensionamento e
estimativas preliminares, pois não é à favor da segurança em todas as situações.
Exemplo 2.7. Utilize a Eq. (2.55) para pré-dimensionar as armaduras de uma
seção retangular simplesmente armada com b = 150mm, h = 350mm, d =
310mm que deve suportar um Momento de Projeto igual a Md = 63kN.m.
Considere concreto convencional com resistência fc = 30MPa e aço CA50, com
fy = 500MPa.
Solução:
Inicialmente verificamos se o momento de projeto Md é inferior ao momento
limite, que resulta

Mlim = 108, 5kN.m.


Como o momento de projeto é inferior ao momento limite, será possı́vel pres-
crever armadura sem que a seção torne-se frágil. Adotando Mu = Md na Eq.
(2.55) obtemos
Md
As = , (2.58)
0, 82dfy
que nos permite estimar (à favor da segurança) a área de aço necessária, que
resulta
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 36

As = 495, 7mm2 .
Podemos então pre-dimensionar a seção transversal com 4 barras de diâmetro
12,5mm, que fornecem uma área As = 491mm2 . A área pré-dimensionada é um
pouco menor do que aquela estimada. Porém, a área pré-dimensionada deve
ser suficiente, uma vez que a expressão utilizada para o pré-dimensionamento
possui uma grande margem à favor da segurança (da ordem de 10% a 15%,
como visto anteriormente). Além disso, o momento último será verificado de
maneira mais precisa no próximo exemplo.
Exemplo 2.8. Verifique se a seção pré-dimensionada no Exemplo 2.7 é capaz
de resistir o momento de projeto solicitante.
Solução:
Neste caso o momento último resulta

Mu = 68, 2kN.m.
Assim, concluı́mos que a seção pré-dimensionada de fato atende ao momento
solicitante de projeto.

Atividade 2.5. Considere uma seção retangular simplesmente armada com b =


250mm, h = 500mm, d = 450mm que deve suportar um Momento de Projeto
igual a Md = 247kN.m. Considere concreto convencional com resistência fc =
40MPa e aço CA50, com fy = 500MPa. Verifique o momento limite, pré-
dimensione a armadura necessária e verifique se ela é de fato suficiente.
Atividade 2.6. Considere uma seção retangular simplesmente armada com b =
200mm, h = 600mm, d = 552mm que deve suportar um Momento de Projeto
igual a Md = 180kN.m. Considere concreto convencional com resistência fc =
35MPa e aço CA50, com fy = 500MPa. Verifique o momento limite, pré-
dimensione a armadura necessária e verifique se ela é de fato suficiente.
Caso o momento limite Mlim seja inferior ao momento solicitante de projeto
Md , então não é possı́vel prescrever armadura simples que atenda Md sem tornar
o elemento frágil. Neste caso é necessário adicionar armadura dupla, como será
visto posteriormente, ou aumentar as dimensões da seção transversal para que
o momento limite da seção seja suficiente para atender o momento de projeto.
Atividade 2.7. Considere uma seção retangular simplesmente armada com b =
150mm, h = 350mm, d = 310mm que deve suportar um Momento de Projeto
igual a Md = 137kN.m. Considere concreto convencional com resistência fc =
25MPa e aço CA50, com fy = 500MPa. Verifique o momento limite, pré-
dimensione a armadura necessária e verifique se ela é de fato suficiente. Caso
necessário, altere as dimensões da seção transversal para garantir ductibilidade
da seção transversal.
Atividade 2.8. Considere uma seção retangular simplesmente armada com b =
200mm, h = 400mm, d = 360mm que deve suportar um Momento de Projeto
igual a Md = 270kN.m. Considere concreto convencional com resistência fc =
35MPa e aço CA50, com fy = 500MPa. Verifique o momento limite, pré-
dimensione a armadura necessária e verifique se ela é de fato suficiente. Caso
necessário, altere as dimensões da seção transversal para garantir ductibilidade
da seção transversal.
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 37

2.2.4 Considerações práticas


A maioria das vigas e lajes em estruturas usuais de concreto armado requer ape-
nas seções retangulares com armadura simples. Isso ocorre porque os momentos
solicitantes geralmente são inferiores ao momento limite das seções. Assim, ge-
ralmente não é necessário adotar armaduras na parte comprimida por motivos
estruturais.
Mesmo assim, a maior parte das vigas são construı́das com armaduras du-
plas, na parte superior e na parte inferior. Isso ocorre por motivos construtivos,
uma vez que não é possı́vel amarrar corretamente as armaduras (longitudinais
e estribos) sem a presença de barras na parte superior e inferior da viga. Por-
tanto, praticamente todas as vigas terão armadura dupla no desenho constru-
tivo, mesmo que a armadura dupla não seja necessária por motivos estruturais.
Vale salientar que a inclusão de armaduras adicionais na parte comprimida
não acarreta nenhum problema estrutural. Isso porque a adição de armadura
na parte comprimida desloca a posição da linha neutra para cima e torna a
seção transversal ainda mais dúctil. Assim, não existe nenhum problema em
dimensionar a seção transversal considerando o modelo estrutural de Seção Re-
tangular Simplesmente Armada e posteriormente apenas prescrever armaduras
construtivas na parte comprimida.
Por outro lado, o aumento da área de armadura tracionada deve ser tratada
com cautela. Como visto anteriormente, a ductibilidade da seção transversal
requer que a armadura não ultrapasse um valor limite. Assim, a área de ar-
madura tracionada não deve ser aumentada in loco sem a devida verificação da
ductibilidade. Em outras palavras, não deve-se utilizar mais barras ou barras de
diâmetro superiores ao prescrito no projeto sem antes verificar adequadamente
se as condições de ductibilidade da viga são atendidas.

2.3 Seções Retangulares com Armadura Dupla


Na seção anterior estudamos em detalhes seções retangulares com armadura
simples, pois na maior parte dos casos de interesse prático estas seções serão su-
ficientes para projetar uma estrutura usual. Porém, em alguns casos é necessário
adotar seções com armadura dupla. Neste caso, a seção transversal será como
mostrado na Figura 2.14, onde a armadura na parte comprimida possui área A0s
e posição d0 .

2.3.1 Diagrama Momento-Curvatura


A obtenção do diagrama momento-curvatura de seções retangulares com arma-
dura dupla é muito parecido com o caso de armaduras simples. A única diferença
é que agora adicionaremos a parcela relacionada à armadura comprimida.
Da Eq. (2.1), a deformação nas armaduras comprimidas é dada por (ver
Figura 2.15)

ε0s = (yc − d0 ) tan θ (2.59)


Adotando o modelo bilinear para o aço, a tensão nas armaduras comprimidas é
então dada por
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 38

Figura 2.14: Seção retangular com armadura dupla

Figura 2.15: Deformações ao longo da altura da seção transversal

 0
 εs Es , ε0s ≤ εsy
0
σs = fy , εsy < ε0s ≤ εsu (2.60)
0, ε0s > εsu

Assim, a força resultante nas armaduras é

Fs0 = σs0 A0s . (2.61)


Da condição de equilı́brio de forças axiais temos agora

N (θ, yc ) = Fc (θ, yc ) + Fs0 (θ, yc ) − Ft (θ, yc ) − Fs (θ, yc ) = 0. (2.62)

O momento fletor resulta então

M (θ, yc ) = (yc −xc )Fc (θ, yc )+(yc −d0 )Fs0 (θ, yc )+(xt −yc )Ft (θ, yc )+(d−yc )Fs (θ, yc ).
(2.63)
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 39

Exemplo 2.9. Construa o diagrama Momento-Curvatura da seção transversal


do Exemplo 2.1 adicionando armadura comprimida A0s = 369mm2 (2 barras de
12,5mm de diâmetro) na posição d0 = 40mm.
Solução:
Neste caso vamos utilizar um incremento de curvatura igual a 1 × 10−5 .
Após adicionar as linhas relacionadas à armadura comprimida e utilizarmos o
SOLVER obtemos os resultados mostrados na Figura 2.16.

a)

b)

Figura 2.16: Diagrama momento-curvatura

Note que o diagrama momento-curvatura da Figura 2.16 é praticamente


idêntico aquele da Figura 2.10. Além disso, em ambos os casos obtemos o mo-
mento último próximo a 80,4kN.m. Em outras palavras, para a seção transversal
do Exemplo 2.1 a inclusão de armaduras comprimidas não alterou o momento
último resultante.
Isso ocorre porque a seção do Exemplo 2.1 é sub-armada e, portanto, a
falha ocorre com escoamento da armadura tracionada. A inclusão de armadura
comprimida contribui para que a tensão na parte comprimida de concreto seja
reduzida. Porém, como a ruptura desta seção não é governada pela ruptura do
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 40

concreto comprimido, esta medida praticamente não alterou o comportamento


mecânico.
A armadura comprimida pode de fato aumentar a rotação para a qual ocorre
o colapso, tornando a estrutura mais dúctil. Isso porque a presença de armadura
comprimida irá reduzir a deformação no concreto na parte superior, permitindo
maiores rotações caso a falha ocorra com ruptura do concreto (Domı́nio 3).
Porém, quando a falha ocorre sem ruptura do concreto (Domı́nio 2), a adição de
armadura comprimida praticamente não irá alterar o comportamento mecânico
da seção transversal.
Assim, concluı́mos que:

ˆ Quando a seção rompe com escoamento da armadura tracionada (Domı́nios


2 e 3), adicionar armadura comprimida praticamente não altera o mo-
mento último da seção.
ˆ Quando a seção rompe sem o concreto atingir a deformação última (Domı́nio
2), adicionar armadura comprimida praticamente não altera o diagrama
momento-curvatura da seção transversal.
ˆ Ou seja, a inclusão de armadura dupla não altera significativa-
mente a resistência de seções dúcteis.

Atividade 2.9. Considere uma seção retangular com b = 250mm, h = 600mm,


d = 560mm, d0 = 40, As = 603mm2 e A0s = 402mm2 . É utilizado concreto
convencional com resistência fc = 40MPa e aço CA50. Construa o diagrama
momento-curvatura da seção transversal. Compare os resultados com aqueles
obtidos na Atividade 2.2.
Do ponto de vista de projeto, a única finalidade da inclusão da armadura
dupla é aumentar a ductibilidade da seção transversal. Vejamos o motivo.

2.3.2 Deslocamento da linha neutra para cima


O stress block para seções com armadura dupla é mostrado na Figura 2.17. A
situação é muito semelhante ao caso da armadura simples, mas agora temos
uma parcela de força adicional, dada pela armadura comprimida. Adotando
as mesmas hipóteses adotadas no caso de seções com armaduras simples (a
armadura tracionada escoa e o concreto atinge a deformação última) temos
novamente

Fc = αc λbyc fc (2.64)

Fs = fy As . (2.65)
A tensão na armadura comprimida resulta

Fs0 = σs0 A0s , (2.66)


onde a tensão na armadura comprimida σs0 não é necessariamente igual a tensão
de escoamento. Como a força resultante da parte tracionada do concreto é
desconsiderada, do equilı́brio de forças axiais temos Fc + Fs0 = Fs , de onde
resulta
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 41

Figura 2.17: Bloco de tensões para cálculo aproximado do momento último

αc λbyc fc + σs0 A0s = fy As

As fy − A0s σs0
yc = . (2.67)
αc λbfc
Comparando a Eq. (2.35) com a Eq. (2.67) vemos que a linha neutra será
deslocada para cima (yc terá seu valor reduzido) quando armadura comprimida
é adicionada, por conta do termo negativo que agora aparece no numerador. Ou
seja, a inclusão de armadura de compressão aumenta a ductibilidade da seção
transversal.
Porém, não podemos estimar yc diretamente, pois σs0 depende do campo
de deformações e, portanto, do próprio valor de yc . Assim, seria necessário
resolver uma equação não-linear para determinar o valor correto de yc , o que
não é eficiente do ponto de vista computacional. Por este motivo, é recomendada
a utilização do diagrama momento-curvatura para a determinação do momento
último de seções transversais retangulares com armadura dupla.

2.3.3 Seções balanceadas


Do ponto de vista prático de projeto, existe uma situação onde o momento
último pode ser estimado facilmente. Como já vimos anteriormente, a inclusão
de armadura dupla praticamente não altera o momento último quando a seção
não está no Domı́nio 4. Assim, podemos utilizar o seguinte procedimento para
avaliar o momento último de seções com armadura dupla.
Calculamos a área limite As lim com a Eq. (2.48). Caso tenhamos As ≤ As lim
assumimos que a inclusão de armadura comprimida não altera o momento último
da seção. Assim, o momento último é estimado desconsiderando a armadura
comprimida A0s , com as equações vistas anteriormente.
Caso tenhamos As > As lim , então a inclusão de armadura comprimida irá
alterar o momento último. Escrevemos então

Mu = Mu1 + ∆Mu , (2.68)


CAPÍTULO 2. FLEXÃO 42

onde Mu1 é o momento último estimado desconsiderando A0s e ∆Mu é o in-


cremento de resistência causado pela inclusão da armadura comprimida. Aqui
vamos considerar apenas o caso onde

∆As = A0s = As − As lim , (2.69)


que é mais relevante para fins de projeto. Quando isso ocorre dizemos que a
seção transversal é Balanceada, pois a quantidade de armadura comprimida é
igual a quantidade de armadura tracionada adicionada além de As lim .
O momento último de seções balanceadas pode ser estimado utilizando su-
perposição dos efeitos das duas situações:

ˆ Momento último considerando apenas o concreto e a armadura tracionada


As lim .
ˆ Momento último considerando apenas o incremento de armaduras ∆As .

A situação é como mostrada na Figura 2.18.

Figura 2.18: Superposição de efeitos para análise de armadura dupla

O momento último considerando apenas armadura tracionada com quanti-


dade As lim resulta no próprio momento limite Mlim . Assumindo que as arma-
duras escoam, o momento resistido pelas armaduras adicionais ∆As (segundo
caso da Figura 2.18) é dado pelo momento do binário formado pelas armaduras
adicionais. Assim, o momento último resulta

Mu = Mlim + (d − d0 )fy ∆As , (2.70)


onde (d − d0 ) é o braço de alavanca e fy ∆As e a força do binário.

Exemplo 2.10. Considere uma seção retangular com armadura dupla com
b = 250mm, h = 600mm, d = 550mm, d0 = 50mm, As = 2.500mm2 e A0s =
820mm2 . É utilizado concreto convencional com resistência fc = 20MPa e aço
com fy = 500MPa. Estime o momento último da seção transversal.
Solução:
Considerando apenas a armadura tracionada temos

yc = 367, 6mm

Mu = 503, 7kN.m
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 43

Mlim = 380kN.m
Assim, percebemos que a seção considerando apenas a armadura tracionada
está no Domı́nio 4.
Temos então

As lim = 1.683mm2

∆As = 2.500 − 1.683 = 817mm2 .


Como ∆As é muito próximo de A0s , podemos considerar que a seção é balance-
ada. Adotamos então ∆As = 817mm2 , de onde resulta

Mu = 380 + (d − d0 )fy ∆As = 585kN.m.

Note que o momento último estimado é próximo daquele estimado consi-


derando apenas a armadura tracionada (503,7 kN.m e 585 kN.m, respectiva-
mente). Isso não quer dizer que ao adicionarmos armadura comprimida o mo-
mento último não se alterou. Caso fosse adicionada apenas armadura tracionada
o momento último não seria 503,7 kN.m, pois a seção estaria no Domı́nio 4 e as
hipóteses de cálculo não seriam verificadas. Ou seja, o momento último caso a
viga possuı́sse apenas armadura tracionada seria na realidade muito inferior a
503,7 kN.m.
Porém, observamos que a utilização de armadura dupla balanceada resulta
num momento último muito próximo àquele estimado com a expressão utilizada
quando temos apenas armadura tracionada. A diferença é que ao incluirmos a
armadura comprimida a seção não estará mais no Domı́nio 4. Ou seja, na
prática a armadura comprimida é adicionada apenas para garantir adequada
ductibilidade da seção transversal, não para aumentar sua resistência efetiva.
Vejamos agora porque as seções balanceadas são muito pertinentes do ponto
de vista de projeto.
Exemplo 2.11. Considere uma seção retangular com b = 200mm, h = 600mm,
d = 550mm e d0 = 50mm. É utilizado concreto convencional com resistência
fc = 30MPa e aço com fy = 500MPa. Dimensione as armaduras para que a
seção seja capaz de resistir um momento solicitante de projeto igual a Md =
650kN.m.
Solução:
Neste caso o momento limite resulta

Mlim = 456kN.m
Assim, não é possı́vel prescrever armadura simples para atingirmos a resistência
de 650kN.m garantindo adequada ductibilidade. Prescrevemos então, inicial-
mente, armadura tracionada igual a

As lim = 2.020mm2 ,
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 44

que sozinha nos garante uma resistência igual a Mlim = 456kN.m. O momento
adicional até 650kN.m será resistido pela armadura adicional ∆As . Adotando
Mu = Md e rearranjando a Eq. (2.70) obtemos
Md − Mlim
∆As = , (2.71)
(d − d0 )fy
que nos permite avaliar a armadura adicional para atingirmos o momento soli-
citante de projeto. Resulta então

∆As = 778mm2 .
Assim, para termos uma seção balanceada que tenha resistência de 650kN.m
devemos prescrever armadura tracionada

As = As lim + ∆As = 2.797mm2


e armadura comprimida

A0s = ∆As = 778mm2 .

Ao definirmos o número de barras não será possı́vel atender exatamente as


quantidades de armaduras calculadas. Devemos então levar em consideração
que não existe problema conceitual em prescrevemos armaduras comprimidas a
mais do que aquelas calculadas (778mm2 , por exemplo), pois colocando mais
armadura comprimida a linha neutra será deslocada para cima, tornando a seção
transversal ainda mais dúctil do que o necessário. Isto não causará problemas
estruturais.
O caso das armaduras tracionadas é mais delicado. Primeiro, devemos pres-
crever no mı́nimo aquilo que foi calculado, para garantir adequada resistência.
Porém, não devemos prescrever áreas muito superiores aquelas calculadas na
parte tracionada (2.797mm2 , por exemplo), pois isto pode tornar a seção frágil
(nos levar ao Domı́nio 4). Assim, devemos prescrever armaduras tracionadas o
mais próximo possı́vel daquelas calculadas para uma seção balanceada. Inevita-
velmente teremos um pouco mais de armadura tracionada do que o calculado.
Porém, como a posição limite da linha neutra foi definida com certa folga em
relação do Domı́nio 4, isso não será problema desde que a quantidade de arma-
dura não seja demasiadamente superior ao calculado.
Atividade 2.10. Considere uma seção retangular com b = 250mm, h = 500mm,
d = 450mm, d0 = 50mm que deve suportar um Momento de Projeto igual a
Md = 720kN.m. Considere concreto convencional com resistência fc = 40MPa
e aço CA50, com fy = 500MPa. Dimensione as armaduras.
Atividade 2.11. Considere uma seção retangular com b = 200mm, h = 600mm,
d = 552mm, d0 = 48mm que deve suportar um Momento de Projeto igual a
Md = 800kN.m. Considere concreto convencional com resistência fc = 35MPa
e aço CA50, com fy = 500MPa. Dimensione as armaduras.
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 45

2.4 Seções T
Outro tipo de seção transversal muito importante na prática são as seções T,
como aquela mostrada na Figura 2.19. A parte mais larga no topo da seção é
conhecida como Mesa (flange em inglês). Já a parte mais estreita é chamada de
Alma (web em inglês). Aqui veremos apenas como estimar o momento último
destas seções.

Figura 2.19: Seção T

2.4.1 Armadura Simples


Vamos considerar inicialmente o caso de seções com armadura simples. Vamos
adotar as mesmas hipóteses adotas para o caso de seções retangulares, ou seja:
i) a armadura escoa mas não se rompe, tendo tensão igual a fy ; ii) o concreto
atinge a deformação última εcu .
Caso todo o stress block esteja dentro da mesa (λyc ≤ hf ), como ocorre
no primeiro caso da Figura 2.20, então todos os cálculos podem ser realizados
com as mesmas expressões utilizadas para seções retangulares, apenas utilizando
b = bf para o cálculo da força resultante na parte comprimida de concreto 1 .
Temos então

Fc = αc λbf yc fc , (2.72)
de onde resulta
fy As
yc = . (2.73)
αc λbf fc
Caso parte do stress block esteja fora da mesa (λyc > hf ), como ocorre no
segundo caso da Figura 2.20, então devemos avaliar a contribuição individual
da alma e da mesa para a força resultante na parte comprimida de concreto.
A situação pode ser analisada dividindo a região comprimida como mostrado
1 Note estamos considerando se o stress block está dentro da mesa pois é o modelo utilizado

para avaliar a força resultante no concreto. Isso não quer dizer, necessariamente, que a linha
neutra encontra-se dentro da mesa.
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 46

Figura 2.20: Posição da linha neutra em uma seção T

na Figura 2.21, onde consideramos a contribuição da alma e a contribuição da


mesa separadamente. Neste caso, a força resultante é dada por

Figura 2.21: Linha neutra fora da mesa em uma seção T

Fc = αc λbyc fc + αc (bf − b)hf fc . (2.74)


O primeiro termo da expressão acima é a força resultante na alma, que se
manifesta até a posição λyc em uma largura b. O segundo termo da expressão
acima é a força resultante na mesa, que se manifesta em uma largura bf − b
(pois a parcela da alma já foi contabilizada) até a posição hf . Do equilı́brio de
forças axiais Fc = Fs temos

αc λbyc fc + αc (bf − b)hf fc = As fy (2.75)


de onde resulta

fy As − αc (bf − b)hf fc
yc = . (2.76)
αc λbfc
Uma vez calculada a posição da linha neutra o momento último resulta
λyc
z =d− (2.77)
2

Mu = zfy As. (2.78)


CAPÍTULO 2. FLEXÃO 47

As expressões são praticamente as mesmas utilizada para seções retangulares,


apenas a posição da linha neutra é calculada de forma diferente. Além disso,
após avaliar o momento último é necessário avaliar se as hipóteses de cálculo são
válidas, verificando a deformação na armadura para uma deformação no topo
da seção igual a εcu .
Exemplo 2.12. Considere uma seção T simplesmente armada com b = 200mm,
h = 500mm, hf = 100mm, bf = 500mm, d = 460mm e As = 369mm2 . É
utilizado concreto convencional com resistência fc = 30MPa e aço CA50, com
fy = 500MPa. Estime o momento último da seção transversal e verifique as
hipóteses de cálculo.
Solução:
Adotamos inicialmente a hipótese de que os stress block está dentro da mesa.
Neste caso resulta
f y As
yc = = 18, 09mm.
αc λbf fc
Como λyc = 14, 5mm ≤ hf concluı́mos que o stress block está realmente dentro
da mesa e o valor de yc está correto. Temos então

z = 452, 8mm

Mu = 83, 54kN.m.
A verificação das hipóteses de cálculo é igual ao caso de seções retangulares.
Neste caso resulta
εcu
tan θ = = 0, 00019
yc

εs = (yc − d) tan θ = −0, 085.


Verificamos então que para uma deformação igual a εcu no topo da seção a
armadura escoa sem se romper, o que valida as hipóteses de cálculo
Exemplo 2.13. Considere uma seção T simplesmente armada com b = 200mm,
h = 600mm, hf = 100mm, bf = 400mm, d = 560mm e As = 1.963mm2 . É
utilizado concreto convencional com resistência fc = 21MPa e aço com fy =
434MPa. Estime o momento último da seção transversal e verifique as hipóteses
de cálculo.
Solução:
Adotamos inicialmente a hipótese de que os stress block está dentro da mesa.
Neste caso resulta

yc = 149, 15mm.
Como λyc = 119, 3mm > hf concluı́mos que o stress block não está dentro da
mesa. Assim, o valor correto é dado por

fy As − αc (bf − b)hf fc
yc = = 173, 3mm.
αc λbfc
Temos então
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 48

z = 490, 7mm

Mu = 418, 0kN.m.
A verificação das hipóteses de cálculo é igual ao caso de seções retangulares.
Neste caso resulta

tan θ = 0, 0000202

εs = −0, 0078.
Verificamos então que para uma deformação igual a εcu no topo da seção a
armadura escoa sem se romper, o que valida as hipóteses de cálculo

2.4.2 Ductibilidade
A verificação da ductibilidade de seções T pode ser avaliando-se o momento
limite. Porém, novamente devemos verificar se o stress block está dentro ou fora
da mesa da seção transversal. Caso o stress block esteja dentro da mesa, então
o momento limite pode ser avaliado com as mesmas expressões utilizadas para
seções retangulares, apenas considerando b = bf . Para concretos de classe até
C50 resulta então, das Eqs.( 2.48) e (2.52),
fc
As lim = ξlim αc λbf d (2.79)
fy

Mlim = 0, 251bf d2 fc . (2.80)


Caso o stress block esteja fora da mesa temos

yc fy As − αc (bf − b)hf fc
ξ= = .
d αc λbdfc
Assim, devemos satisfazer a condição

fy As − αc (bf − b)hf fc
≤ ξlim ,
αc λbdfc
de onde resulta
fc
As ≤ ξlim αc λbd + αc (bf − b)hf fc .
fy
Portanto, a área de aço limite é dada por
fc fc
As lim = ξlim αc λbd + αc (bf − b)hf , (2.81)
fy fy
Substituindo As lim e zlim (Eq. (2.50)) na Eq. (2.36) obtemos então
2 − λξlim
zlim = d. (2.82)
2
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 49

Mlim = zlim As lim fy


1 1 (2.83)
= (2 − λξlim )ξlim αc λbd2 fc + (2 − λξlim )αc (bf − b)hf dfc .
2 2
Para concretos de classe até C50 resulta

Mlim = 0, 251bd2 fc + 0, 697(bf − b)dhf fc . (2.84)


Note que a área de armadura limite e o momento limite que garantem ade-
quada ductibilidade são aumentados quando a mesa é considerada. Isso ocorre
porque a consideração da mesa desloca a linha neutra para cima, aumentando
a ductibilidade da seção e permitindo que mais área de aço seja adicionada sem
que o Domı́nio 4 seja alcançado. Ou seja, uma das principais vantagens de se
utilizar seções T em relação a seções retangulares é que ocorre um incremento
da área de aço e do momento limite que garantem ductibilidade.
Exemplo 2.14. Determine o momento limite para a seção transversal do Exem-
plo 2.12.
Solução:
Como o stress block encontra-se inteiramente dentro da mesa temos

Mlim = 0, 251bf d2 fc = 796, 7kN.m.

Exemplo 2.15. Determine o momento limite para a seção transversal do Exem-


plo 2.13.
Solução:
Como parte do stress block encontra-se fora da mesa temos

Mlim = 0, 251bd2 fc + 0, 697(bf − b)dhf fc = 494, 5kN.m.

Atividade 2.12. Considere uma seção T simplesmente armada com b = 200mm,


h = 500mm, d = 465mm, hf = 150mm, bf = 600mm, As = 804mm2 . Consi-
dere concreto convencional com resistência fc = 32MPa e com fy = 434MPa.
Determine o momento último da seção transversal. Avalie se a seção possui
ductibilidade adequada.
Atividade 2.13. Considere uma seção T simplesmente armada com b = 150mm,
h = 600mm, d = 570mm, hf = 100mm, bf = 500mm, As = 1.963mm2 . Con-
sidere concreto convencional com resistência fc = 21MPa e com fy = 522MPa.
Determine o momento último da seção transversal. Avalie se a seção possui
ductibilidade adequada.

2.4.3 Considerações Adicionais


Note que a seção transversal do Exemplo 2.4 é igual aquela do Exemplo 2.12 ex-
cluindo a mesa da seção transversal. Os momentos últimos resultantes também
são semelhantes (81,53kN.m e 83,54kN.m). Porém, notamos que a consideração
da mesa aumentou muito o momento limite da seção transversal (de 318,7kN.m
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 50

para 796,7 kN.m). Isso demonstra que o momento limite pode ser aumentado
drasticamente quando a mesa é considerada, o que é benéfico do ponto de vista
projetual, pois possibilita que momentos mais elevados possam ser resistidos
sem a necessidade de inclusão de armadura dupla. Além disso, a consideração
da mesa nem sempre aumentará significativamente o momento último da seção,
como foi o caso desses dois exemplos. Isso ocorre quando o momento último é
muito distante do momento limite da seção.
Por estes motivos, alguns engenheiros verificam se o momento atuante em
uma dada seção transversal T é próximo ou não do momento limite. Caso o mo-
mento atuante seja distante do momento limite, então é uma boa aproximação a
favor da segurança dimensionar a seção transversal desconsiderando-se a mesa.
Isso garantirá um projeto à favor da segurança e muito próximo daquele que seria
obtido considerando-se a mesa. Porém, caso o momento atuante seja próximo
do momento limite, este procedimento irá resultar em um projeto excessiva-
mente conservador. De toda forma desconsiderar a aba da seção transversal
é uma aproximação razoável quando contas aproximadas são feitas, como em
verificações in loco e pré-dimensionamento.
Exemplo 2.16. Pré-dimensione as armaduras de uma seção T simplesmente
armada com b = 150mm, h = 350mm, bf = 500, hf = 100, d = 310mm que deve
suportar um Momento de Projeto igual a Md = 63kN.m. Considere concreto
convencional com resistência fc = 25MPa e aço CA50, com fy = 500MPa.
Verifique se o dimensionamento atende ao momento solicitante.
Solução:
Inicialmente não-sabemos se o stress block está dento da mesa ou não. Assim,
vamos adotar a hipótese de que o stress block está dentro da mesa e posterior-
mente verificar esta hipótese. Neste caso temos

Mlim = 0, 251bf d2 fc = 422kN.m.


Assim, o momento solicitante é muito inferior ao momento limite da seção e
podemos prescrever apenas armaduras simples.
Como o momento atuante é muito inferior ao momento limite, o momento
último da seção será parecido com aquele calculado desconsiderando-se a mesa.
Por este motivo utilizaremos novamente a Eq. (2.55) para o pré-dimensionamento,
de onde resulta As = 491mm2 . Temos então

yc = 20, 63.
Temos assim λyc ≤ hf e o stress block de fato encontra-se dentro da mesa,
validando a hipótese feita no inı́cio do pré-dimensionamento. O momento último
resulta então

Mu = 74, 08kN.m.
Assim, a seção dimensionada atende o momento solicitante. Como Mu é sig-
nificativamente superior ao momento solicitante, seria ainda possı́vel obter um
dimensionamento mais econômico reduzindo um pouco a área de aço, mas isso
não será feito aqui.
É interessante comparar o Exemplo 2.16 com o Exemplo 2.7, que não possui
mesa. Novamente note que a consideração da mesa aumentou drasticamente
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 51

o momento limite (de 108,5 kN.m para 422 kN.m). O momento último com
As 491mm2 também aumentou, porém de maneira menos significativa (de 68,2
kN.m para 74,08 kN.m). Por este motivo o pré-dimensionamento de seções T é
frequentemente realizado desconsiderando a mesa da seção.
Atividade 2.14. Considere uma seção T simplesmente armada com b = 150mm,
h = 450mm, d = 420mm, hf = 120mm, bf = 500mm que deve suportar um
Momento de Projeto igual a Md = 110kN.m. Considere concreto convencio-
nal com resistência fc = 32MPa e aço com fy = 434MPa. Verifique o momento
limite, pré-dimensione a armadura necessária e verifique se ela é de fato sufi-
ciente. Caso necessário, altere as dimensões da seção transversal para garantir
ductibilidade da seção transversal.
Atividade 2.15. Considere uma seção T simplesmente armada com b = 250mm,
h = 750mm, d = 710mm, hf = 150mm, bf = 900mm que deve suportar um
Momento de Projeto igual a Md = 690kN.m. Considere concreto convencio-
nal com resistência fc = 36MPa e aço com fy = 434MPa. Verifique o momento
limite, pré-dimensione a armadura necessária e verifique se ela é de fato sufi-
ciente. Caso necessário, altere as dimensões da seção transversal para garantir
ductibilidade da seção transversal.

2.4.4 Armadura Duplas


Como vimos anteriormente, a mesa de uma seção T aumenta drasticamente o
momento limite Mlim . Por este motivo, é muito pouco comum que seja ne-
cessário utilizar armadura dupla em seções T. Mesmo assim, caso isso seja ne-
cessário o procedimento é igual àquele utilizado para seções retangulares com
armadura dupla balanceada. Ou seja, o momento solicitante adicional, além do
momento limite é utilizado para dimensionar o incremento de armadura ∆As a
ser adicionado na parte comprimida e na parte tracionada de forma balanceada.

2.5 Seções Arbitrárias e Flexão Oblı́qua


Caso a seção transversal analisada não possua formato retangular ou T, então
não é trivial obter o momento último com o procedimento descrito até agora.
Neste caso é mais eficiente obter o diagrama momento-curvatura da seção trans-
versal com algum programa computacional especı́fico. Existem diversos progra-
mas comerciais e gratuitos que podem ser utilizados para esta finalidade.
Dois programas que podem ser utilizados para esta finalidade são descritos
por Melo et al. (2021) e Bentz (2000). Estes programas operam de maneira
semelhante ao procedimento descrito aqui, aplicando incrementos de rotação,
avaliando a posição da linha neutra através do equilı́brio de forças e finalmente
determinando os momentos resultantes. A principal diferença é que a contri-
buição do concreto é avaliada dividindo-se a seção transversal em pequenas
áreas. O exemplo de uma seção transversal elipsoidal analisada por Melo et al.
(2021) é mostrado na Figura 2.22. Com este tipo de programa é possı́vel anali-
sar e dimensionar praticamente qualquer tipo de seção transversal de concreto
armado, além de obter o diagrama momento curvatura e avaliar a ductibilidade
da seção.
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 52

Outro caso de interesse que pode ser analisado com programas computacio-
nais é o caso da flexão oblı́qua. Esta situação ocorre quando a seção transversal
sofre flexão em relação ao eixos vertical e horizontal simultaneamente, como
mostrado na Figura 2.23. Neste caso não é trivial avaliar o momento último
diretamente, pois as forças resultantes levam à expressões complexas mesmo
para seções retangulares. Existem ainda algumas expressões aproximadas para
esta situação, mas que são de aplicação limitada e geralmente não permitem a
avaliação da ductibilidade da seção. Por este motivo, no caso da flexão oblı́qua é
recomendado que seja avaliado o diagrama momento-curvatura da seção trans-
versal.
Na flexão oblı́qua o momento resultante é inclinado em relação ao eixo ho-
rizontal. Assim, a seção pode ser analisada rotacionando-se a seção transversal
de maneira que o momento resultante esteja alinhado com o eixo horizontal. O
diagrama momento-curvatura pode ser então avaliado com programas compu-
tacionais, considerando a seção resultante rotacionada. Por fim, vale salientar
que a flexão oblı́qua não é comum em projetos usuais, uma vez que a maioria
dos elementos estruturais estará sujeito a esforços predominantes em uma ou
outra direção.
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 53

Figura 2.22: Seção elipsoidal, discretização e diagrama momento-curvatura


Fonte: Melo et al. (2021)
CAPÍTULO 2. FLEXÃO 54

Figura 2.23: Seção retangular sujeita a flexão oblı́qua


Capı́tulo 3

Flexão Composta

Vejamos agora como analisar seções transversais sujeitas à flexão composta,


quando atuam na seção transversal momento fletor e força axial simultanea-
mente. Esta situação é importante para a análise de pilares.

3.1 Flexão composta de seções retangulares


Antes de mais nada, é necessário avaliar as deformações nas armaduras em
função da posição da linha neutra. Para pilares retangulares com armaduras
em 2 camadas, como mostrado na Figura 3.1, notamos que1

Figura 3.1: Deformações

εc εs1
=
yc yc − d1
εc εs2
= .
yc yc − d2
1 Aqui optamos por numerar as camadas de armaduras para que seja possı́vel generalizar
os resultados para um número qualquer de camadas posteriormente.

55
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA 56

Logo
 
d1
εs1 = 1− εc
yc
 
d2
εs2 = 1− εc .
yc
Com as deformações, é então possı́vel determinar as tensões nas armaduras
através do modelo bilinear

 Es εsi , |εsi | ≤ εsy
σsi = fy |εεsi
si |
, εsy < |εsi | ≤ εsu
0, |εsi | > εsu

Note que a relação εsi /|εsi | é utilizada apenas para definir o sinal da tensão caso
a deformação seja superior, em módulo, à tensão de escoamento. A força nas
armaduras resulta, finalmente,

Fs1 = As1 σs1

Fs2 = As2 σs2 .


Para a determinação da resistência última, a distribuição das tensões na
parte comprimida pode ser aproximada pelo stress block. Temos então uma
tensão de intensidade

σc = αc fc
distribuı́da ao longo de uma altura

yb = λyc ≤ h,
como mostrado na Figura 2.12. Note que yc representa a posição da linha
neutra, enquanto yb representa a posição do stress block. Além disso, a altura
do stress block yb não pode ser maior do que a altura da seção h. A força na
parte comprimida de concreto resulta então

Fc = byb αc fc .
Considerando deformações/tensões de compressão com valores positivos, do
equilı́brio de forças axiais temos então

N = Fc + Fs1 + Fs2 .
Do equilı́brio de momentos em relação ao centróide da seção temos
   
1 h h
M = (h − yb ) Fc + − d1 Fs1 + − d2 Fs2 .
2 2 2
Das equações acima, notamos que para uma dada profundidade da linha
neutra yc podemos determinar o momento e a força axial resultantes. Assim,
variando-se a posição da linha neutra podemos obter um diagrama que deter-
mina a resistência da seção em relação ao momento e força axial de projeto.
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA 57

As expressões acima podem ser generalizadas para n camadas de armaduras,


resultando
n
X
N = Fc + Fsi (3.1)
i=1
n  
1 X h
M = (h − yb )Fc + − di Fsi (3.2)
2 i=1
2

yb = λyc ≤ h (3.3)

Fc = byb αc fc (3.4)
 
di
εsi = 1 − εc (3.5)
yc

 Es εsi , |εsi | ≤ εsy
σsi = fy |εεsi
si |
, εsy < |εsi | ≤ εsu , (3.6)
0, |εsi | > εsu

Fsi = Asi σsi , (3.7)

fy
εsy = , (3.8)
Es

εsu = 10/100 = 0, 1, (3.9)


que podem ser utilizadas para se obter o diagrama de interação N-M para pilares
retangulares com armaduras em várias camadas.
Exemplo 3.1. Determine a envoltória de resistência para uma seção com pro-
priedades: b = h = 0, 3m, d1 = 0, 03m, d2 = 0, 27m, As1 = As2 = 4, 02cm2
(2φ16mm), λ = 0, 8, αc = 0, 85, Es = 210GPa, εc = 3, 5/1000, fy = 434MPa e
fc = 18MPa.
Solução:
A envoltória de resistência pode ser construı́da adotando-se valores de yc e
calculando o momento fletor e a força axial resultantes com as expressões. Ado-
taremos aqui uma sequência de valores de yc = 30mm, 60mm, 90mm, 120mm e
assim por diante. A planilha fica como mostrado na Figura 3.2.
Note que o valor de yb não pode superar o valor de h (o stress block não pode
se estender para fora da seção transversal). Isso pode ser imposto utilizando o
comando mı́nimo. Assim, o conteúdo da célula B18 é dado por
=MÍNIMO($B$8*A18;$B$3)
Note que neste caso o valor de yb é o menor valor entre λyc e h.
Calculamos então a força no concreto Fc e as deformações nas armaduras.
O cálculo das tensões nas armaduras é feito utilizando o modelo bilinear. Para
esta finalidade podemos usar o comando SE (IF). Assim, o conteúdo da célula
F18 resulta
=SE(ABS(D18)<=$B$14;D18*$B$10;$B$13*D18/ABS(D18))
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA 58

Figura 3.2: Planilha para obtenção do diagrama N-M

Verificamos inicialmente se a deformação é inferior à deformação de escoamento.


Caso isso ocorra, calculamos a tensão usando Es εs1 . Caso contrário, a tensão é
definida como fy εs1 /|εs1 |, onde o termo εs1 /|εs1 | é utilizado apenas para definir
o sinal da tensão.
Não incluı́mos na célula F18 a verificação da deformação última εsu pois
isso não ocorrerá na imensa maioria dos casos de interesse prático. Você pode
verificar que isso não ocorre neste exemplo pois as deformações são sempre muito
inferiores a 0,1, em módulo.
Calculamos finalmente a força resultante N e o momento fletor resultante
M . O resultado é como mostrado na Figura 3.3a. Para obtermos um diagrama
mais detalhado basta adotarmos uma sequência de valores mais próximos para
yc . Adotando yc = 10mm, 20mm, 30mm, ..., obtemos então o digrama da Figura
3.3b.

O diagrama da Figura 3.3 é chamado de Diagrama de Interação N-M.


Este diagrama é uma envoltória de resistência da seção transversal. Este dia-
grama pode ser utilizado para se determinar o momento último dada uma força
axial aplicada e vice-versa. Assim, a seção transversal estará segura quando o
par N, M aplicado estiver dentro da envoltória. Notamos, por exemplo, que a
seção transversal da Figura 3.3 é capaz de resistir a uma solicitação dada por
N = 500kN, M = 40kN.m. Por outro lado, não é capaz de resistir à solicitação
M = 70kN.m, N = 1.500kN.
Um ponto importante para se notar é que o Momento último na flexão
simples pode ser obtido adotando-se N = 0. No caso da Figura 3.3 o momento
último é de aproximadamente 45kN.m.
Note que à medida que aumentamos a força axial aplicada (nos deslocamos
parra a direita no eixo horizontal), o momento resistente cresce até um valor
máximo. No exemplo da Figura 3.3 o momento resistente máximo é aproxi-
madamente 92kN.m e ocorre para uma força axial próxima de 600kN. A partir
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA 59

a)

b)

Figura 3.3: Exemplo de diagrama N-M

deste ponto, aumentar a força axial aplicada reduz o momento resistente. Esse
comportamento ocorre porque até certo ponto o aumento da força axial reduz a
tensão nas armaduras tracionadas, permitindo uma maior resistência à flexão.
Porém, a partir de certo ponto o aumento da força axial causa compressão ex-
cessiva na seção transversal, reduzindo o momento resistente. Este formato do
diagrama é bastante caracterı́stico e ocorre para todos os tipos de seção trans-
versal.

Atividade 3.1. Determine a envoltória de resistência para uma seção com


propriedades: b = h = 0, 50m, d1 = 0, 05m, d2 = 0, 45m, As1 = As2 = 4, 02cm2
(2φ16mm), λ = 0, 8, αc = 0, 85, Es = 210GPa, εc = 3, 5/1000, fy = 434MPa e
fc = 18MPa.
Atividade 3.2. Determine a envoltória de resistência para uma seção com
propriedades: b = h = 0, 450m, d1 = 0, 05m, d2 = 0, 445m, As1 = As2 =
6, 28cm2 (2φ20mm), λ = 0, 8, αc = 0, 85, Es = 210GPa, εc = 3, 5/1000, fy =
434MPa e fc = 33MPa.

3.2 Diagramas adimensionais


Para efeitos práticos, é interessante desenvolver diagramas de interação que
sejam válidos para uma famı́lia de seções transversais com propriedades seme-
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA 60

lhantes. Isto pode ser feito utilizando-se valores adimensionais. Primeiramente,


assumimos que todas as camadas possuam a mesma área

As1 = As2 = ... = Asn .


Definimos então os esforços adimensionais
N
ν= , (3.10)
bhαc fc
M
µ= (3.11)
bh2 αc fc
e a taxa mecânica de armadura
As fy
ω= , (3.12)
bhαc fc
sendo As a área total de armadura

As = As1 + As2 + ... + Asn . (3.13)


Para entender a importância do diagrama adimensional, vejamos o exemplo
a seguir.
Exemplo 3.2. Determine a envoltória de resistência para uma seção com pro-
priedades: b = h = 0, 3m, d1 = 0, 03m, d2 = 0, 27m, As1 = As2 = 8, 04cm2 ,
λ = 0, 8, αc = 0, 85, Es = 210GPa, εc = 3, 5/1000, fy = 434MPa e fc = 36MPa.
Solução:
Este exemplo é muito parecido com o Exemplo 3.1, porém a resistência do
concreto foi aumentada para fc = 36MPa e a área de armadura foi dobrada.
Utilizando a planilha desenvolvida para o exemplo anterior obtemos então o
diagrama N-M mostrado na Figura 3.4.

Figura 3.4: Exemplo de diagrama N-M

Comparando com o diagrama do Exemplo 3.1 temos a Figura 3.5. Notamos


que a adoção de um concreto com resistência superior e o aumento da área de
aço aumentou a envoltória de resistência da seção consideravelmente.
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA 61

Figura 3.5: Exemplo de diagrama N-M

Exemplo 3.3. Faça o diagrama adimensional ν-µ para as seções transversais


dos Exemplos 3.1 e 3.2.
Solução:
Neste caso adicionamos colunas correspondentes a ν e µ. Para a seção do
Exemplo 3.1 a planilha fica como mostrado na Figura 3.6. Fazemos então o
mesmo para a seção do Exemplo 3.2. O diagrama ν e µ para os dois casos fica
como mostrado na Figura 3.7.

Figura 3.6: Planilha para obtenção do diagrama ν-µ

No Exemplo 3.3 percebemos que o diagrama adimensional ν-µ das duas


seções é igual. Isso ocorre porque as duas seções transversais possuem a mesma
taxa mecânica de armadura ω = 0, 2534 e as mesmas relações δ = d1 /h = 0, 1.
Ou seja: o diagrama adimensional ν-µ não se altera quando a taxa
mecânica de armadura e a posição relativa das armaduras δ é mantida
constante.
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA 62

Figura 3.7: Exemplo de diagrama ν-µ

Assim, os engenheiros construı́ram ábacos adimensionais, que podem ser


utilizados para a verificação de seções transversais, como aqueles mostrados nas
Figuras 3.8 e 3.9. Vejamos como utilizar este tipo de ábaco.
Exemplo 3.4. Considere uma seção com propriedades: b = h = 350mm, δ =
0, 1, fy = 434MPa e fc = 27MPa. A armadura é composta por 4 barras de
20mm de diâmetro dispostas simetricamente. Determine se a seção transversal
é capaz de resistir aos esforços N = 1.000kN , M = 150kN.m.
Solução:
Neste caso temos

ω = 0, 194

ν = 0, 356,

µ = 0, 152.
Do ábaco da Figura 3.8 notamos que o esforço adimensional ν = 0, 356,
µ = 0, 152 está dentro da envoltória para a taxa de armadura ω = 0, 2. Portanto,
a seção transversal é capaz de resistir aos esforços aplicados.

Atividade 3.3. Considere uma seção com propriedades: b = h = 400mm,


δ = 0, 1, fy = 434MPa e fc = 25MPa. A armadura é composta por 4 barras
dispostas simetricamente. Dimensione a armadura para resistir aos esforços
N = 1.250kN , M = 200kN.m. Utilize o ábaco da Figura 3.8.
Atividade 3.4. Considere uma seção com propriedades: b = h = 450mm,
δ = 0, 1, fy = 434MPa e fc = 25MPa. A armadura é composta por 4 barras
dispostas simetricamente. Dimensione a armadura para resistir aos esforços
N = 2.500kN , M = 630kN.m. Utilize o ábaco da Figura 3.8.
Atividade 3.5. Considere uma seção com propriedades: b = h = 500mm,
δ = 0, 1, fy = 434MPa e fc = 35MPa. A armadura é composta por 8 barras
dispostas simetricamente. Dimensione a armadura para resistir aos esforços
N = 3.500kN , M = 910kN.m. Utilize o ábaco da Figura 3.9.
0,6

0,5

h
1,2
0,4
1,0

0,3
0,8

μ
CA-50
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA

0,6 fck<50MPa
0,2 d1/h = 0,1
0,4

0,1 0,2

Figura 3.8: Diagrama ν-µ para fy = 434MPa


0,05
0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 2,2

ν
63
0,6

0,5

h
0,4
1,2
1,0
0,3

μ
0,8 CA-50
CAPÍTULO 3. FLEXÃO COMPOSTA

fck<50MPa
0,2
0,6 d1/h = 0,1
0,4
0,1 0,2

Figura 3.9: Diagrama ν-µ para fy = 434MPa


0,05
0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 2,2

ν
64
Capı́tulo 4

Força Cortante

A força cortante em vigas de concreto armado é geralmente resistida por es-


tribos. Estribos são armaduras dispostas de maneira transversal ao eixo do
elemento, conforme mostrado na Figura 4.1.
Os estribos mais utilizados são os estribos fechados de 2 ramos, mostrado
na Figura 4.1. Este estribo é composto por uma única barra dobrada ao redor
do perı́metro delineado pelas armaduras longitudinais. Note que no estribo de
2 ramos, a área de resultante Asw é igual a duas vezes a área da barra utilizada
para confeccionar o estribo. Outro tipo de estribo comum é o estribo fechado de
4 ramos. Neste caso a área resultante Asw será é igual a quatro vezes a área da
barra utilizada. Alguns outros tipos de estribos são mostrados na Figura 4.2.

Figura 4.1: Estribos de 2 e 4 ramos

4.1 Treliça de Morsch


A resistência de elementos de concreto armado sujeitos a força cortante é de-
terminada com base na analogia da Treliça de Morsch. Neste caso, assumimos

65
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 66

Figura 4.2: Estribos


Fonte: McCormac and Brown (2014)

que o mecanismo resistente da viga é análogo a uma treliça, como ilustrado na


Figura 6.12.
Esta treliça é composta por Bielas comprimidas de concreto e Tirantes de
aço. Os tirantes de aço são compostos pelas armaduras adicionadas no elemento
estrutural e encarregam-se de resistir as forças de tração resultantes na treliça.
Já as bielas comprimidas são compostas pelo próprio concreto que preenche o
elemento e encarregam-se de resistir aos esforços de compressão. A resistência
à força cortante pode ser então determinada avaliando a força resistida pelas
bielas de concreto e a força resistida pelos tirantes de aço.

Figura 4.3: Mecanismo da Treliça de Morsch


Fonte: Fusco (2008)

4.1.1 Bielas de Concreto


Supondo armadura transversal (estribos) com inclinação de 90 graus (estribos
verticais), temos a Treliça de Morsch mostrada na Figura 4.4. Para uma força
cortante Vd , a força na biela comprimida de concreto resulta
Vd
Fc = ,
sin θ
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 67

Figura 4.4: Treliça de Morsch

onde θ é a inclinação da biela. A distância entre bielas sucessivas resulta

a = cot(θ)Z.
Assim, a força Fc atua em uma área igual a (ver Figura 4.5)

Ac = bw a sin(θ),
onde bw é a largura da alma da viga.

Figura 4.5: Área da biela comprimida


Fonte: de Araújo (2014)

A tensão na biela comprimida resulta


Fc
σc = ,
bw a sin(θ)
e, portanto,
Vd
σc = .
bw Z cos(θ) sin(θ)
Adotando a aproximação Z = 0, 9d e rearranjando temos

Vd = 0, 9dσc bw cos(θ) sin(θ)


CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 68

A expressão acima indica a força cortante resultante quando a tensão na biela


comprimida de concreto é igual a σc . Assim, substituindo σc pela resistência
à compressão do concreto podemos determinar a força cortante que pode ser
resistida pelas bielas comprimidas. Porém, ao longo dos anos observou-se que
não deve ser utilizado σc = fc para avaliar a resistência à força cortante. Isso
porque a fissuração da viga faz com que o concreto das bielas comprimidas
não consiga atingir de fato a resistência fc . Assim, diversos autores indicam
expressões para avaliação da resistência a ser utilizada. Uma abordagem comum
é utilizar a resistência à compressão reduzida (de Araújo, 2014; EUROCODE
2, 2004)

fcr = 0, 6αv fc (4.1)


com
fc
αv = 1 − , (4.2)
250
onde fc é dado em MPa. Lembre-se que a minoração da resistência está rela-
cionada com o fato de que na prática as bielas de concreto estarão fissuradas,
reduzindo a resistência à compressão efetiva do material.
A força cortante que pode ser resistida pelas bielas comprimidas resulta
então

VR2 = 0, 9dfcr bw cos(θ) sin(θ). (4.3)


Exemplo 4.1. Considere uma viga de seção retangular com h = 400mm, d =
360mm bw = 200mm. Considere fc = 35MPa. Determine a força cortante que
pode ser resistida pelas bielas comprimidas para θ = 30, 45 e 60 graus.
Solução:
Neste caso temos

αv = 0, 86

fcr = 18, 06M P a.


Logo

VR2 = 507kN (θ = 30◦ )

VR2 = 585kN (θ = 45◦ )

VR2 = 507kN (θ = 60◦ ).

Note que a máxima resistência das bielas ocorre quando consideramos θ =


45◦ . Isso porque é este ângulo que maximiza o produto cos(θ) sin(θ).
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 69

4.1.2 Tirantes
Supondo armadura transversal (estribos) com inclinação de 90 graus (estribos
verticais), a força nos estribos resulta

Fs = V d .
Considere, inicialmente, que estribos com área Asw são colocados com espaçamento
igual ao espaçamento a entre as bielas. Neste caso a resistência do tirante resulta
0
Vsw = Asw fy .
Porém, na prática raramente o espaçamento entre os estribos será exatamente
igual ao espaçamento a. Assim, considerando que o espaçamento entre os estri-
bos seja igual a s, a resistência do tirante será
a
Vsw = Asw fy ,
s
que é uma ponderação da resistência considerando s 6= a. Note também que
esta expressão é igual à expressão anterior para s = a.
Adotando novamente a aproximação Z = 0, 9d concluı́mos que a força cor-
tante resistida pelos estribos é
Asw
Vsw = 0, 9 dfy cot(θ), (4.4)
s
onde Asw /s é a taxa de armadura transversal por unidade de comprimento.
Exemplo 4.2. Considere a seção do Exemplo 4.1. Suponha que sejam pres-
critos estribos de 2 ramos, espaçamento s = 15cm, bitola φ =6,3mm e fy =
522MPa. Determine a força cortante resistida pelos estribos para θ = 30, 45 e
60 graus.
Solução:
A área de uma barra de bitola φ =6,3mm é igual a 31mm2 . Assim, os
estribos de 2 ramos fornecem uma área

Asw = 62mm2 .
Temos então a taxa de armadura por unidade de comprimento
Asw 62
= = 0, 41mm.
s 150
Logo

Vsw = 121kN (θ = 30◦ )

Vsw = 70kN (θ = 45◦ )

Vsw = 40kN (θ = 60◦ ).

Note que quanto menor o valor de θ maior é o valor de Vsw . Isso ocorre
porque cot(θ) → ∞ quando θ → 0. Ou seja, considerar uma inclinação θ menor
resulta em uma estimativa maior para a força resistida pelos estribos.
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 70

Contribuição do concreto
Ao longo dos anos observou-se que a resistência dos tirantes é na realidade supe-
rior a Vsw . Isso porque a força Vsw foi obtida desconsiderando-se a contribuição
do concreto tracionado. Mesmo que esta resistência seja pequena, experimentos
indicaram que vigas de concreto armado sem estribos possuem uma resistência
ao cisalhamento bastante considerável.
A avaliação da resistência ao cisalhamento de vigas sem estribos é feita com
expressões semi-empı́ricas, ajustadas para reproduzir o comportamento obser-
vado em extensivos experimentos de laboratório. Na Figura 4.6 são mostrados
resultados de experimentos relacionando a resistência à força cortante com a
taxa de armadura longitudinal As /bw d em vigas sem estribos. Percebe-se que
a resistência ao cisalhamento aumenta quando a taxa armadura longitudinal
(aquela dimensionada para resistir ao momento fletor) aumenta.

Figura 4.6: Resistência ao cisalhamento de vigas sem estribos


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Em função dos dados experimentais, a norma americana permite que a re-


sistência de vigas sem estribos seja aproximada por (ver McCormac and Brown
(2014) para uma expressões menos conservadora)
1p
Vc = fc bw d,
6
onde fc é dado em MPa1 . Já a norma brasileira adota a aproximação

Vc = 0, 6fct bw d, (4.5)

desde que seja adotado θ = 45 .
O importante é você perceber que em todos os casos, incluindo a norma
europeia EUROCODE 2 (2004), a resistência à força cortante de vigas sem
estribos é determinada com base em expressões semi-empı́ricas. Além disso, esta
resistência depende principalmente da resistência do concreto e das dimensões
1 Note

que na Figura 4.6 temos Vc = 2 fc bw d pois neste caso fc é dado em psi.
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 71

bw , d da seção. Daqui em diante utilizaremos a aproximação da norma brasileira,


sem perda de generalidade.
A resistência total dos tirantes é então dada por

VR3 = Vc + Vsw , (4.6)


que é a soma da resistência de uma viga sem estribos Vc com a resistência dos
estribos Vsw .
Esta expressão também indica que o elemento estrutural será capaz de re-
sistir uma força cortante de magnitude Vc sem necessidade de estribos. Mesmo
assim, as normas prescrevem taxas mı́nimas de armadura transversal a serem
utilizadas. Isso porque a ruptura por força cortante é frágil e, portanto, deve
ser evitada a qualquer custo. Além disso, a norma brasileira classifica como
laje elementos que satisfaçam a relação bw > 5d. Estes elementos não precisam
satisfazer taxas mı́nimas de armadura transversal, pois sua resistência à força
cortante é geralmente muito superior aos esforços cortantes desenvolvidos. Por
este motivo, lajes raramente requerem armadura transversal para resistir força
cortante.

Exemplo 4.3. Considere a seção do Exemplo 4.2. Determine a força cortante


resistida pelos tirantes para θ = 45◦ .
Solução:
A Eq. (4.5) vale apenas para θ = 45◦ . Neste caso temos

fct = 3, 2M P a

Vc = 139kN.
Assim, a resistência total dos tirantes é

VR3 = Vc + Vsw = 139 + 70 = 209kN.


Usando a expressão a favor da segurança do código ACI obtemos

Vc = 71kN

VR3 = Vc + Vsw = 71 + 70 = 141kN.

Note que o valor de Vc calculado com a expressão a favor da segurança da


norma americana é muito inferior aquele da norma brasileira. Isso ocorre porque
a estimativa obtida com a expressão da norma americana vale para qualquer
valor de θ, enquanto a expressão brasileira vale apenas para θ = 45◦ . Caso θ
seja diferente de 45 graus a norma brasileira prescreve uma redução de Vc .
Salienta-se que a norma americana e o EUROCODE 2 (2004) possuem ainda
expressões mais precisas para a avaliação de Vc . Estas expressões consideram a
contribuição das armaduras longitudinais para a resistência ao cisalhamento e
o efeito de eventuais forças de compressão. Porém, estas expressões não serão
vistas aqui.
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 72

4.1.3 Inclinação das bielas


Note que a resistência das bielas e dos tirantes depende da inclinação θ adotada
para as bielas. Vamos agora discutir como esta inclinação costuma ser definida
para efeitos de projeto.
Note que a Eq. (4.3) depende do produto cos(θ) sin(θ). Este produto assume
valor máximo para θ = π/4, ou seja, 45 graus. Assim, a resistência máxima das
bielas comprimidas ocorre para esta inclinação. Além disso, a resistência das
bielas é nula para θ = 0 e θ = π/2, ou seja, 0 e 90 graus. Ou seja, a resistência
das bielas comprimidas é máxima para 45 graus e cai quando nos aproximamos
de 0 e 90 graus (ver Exemplo 4.1).
Já a resistência dos estribos depende de cot(θ) (ver Eq. (4.4)). Esta quanti-
dade tende a infinito quando nos aproximamos de θ = 0. Ou seja, a resistência
dos tirantes aumenta quanto menor for a inclinação θ (ver Exemplo 4.2).
Assim, percebemos que a resistência máxima de uma dada seção dependerá
da inclinação θ adotada para as bielas, como pode ser visto no próximo exemplo.
Exemplo 4.4. Considere a seção do Exemplo 4.3. Determine a inclinação θ
que fornece a máxima resistência ao esforço cortante.
Solução:
Como θ não é necessariamente igual a 45 graus, utilizaremos a expressão
conservadora da norma americana. Neste caso temos

Vc = 71kN

Asw
VR3 = Vc + Vsw = 71 + 0, 9 dfy cot(θ)
s

VR2 = 0, 9dfcr bw cos(θ) sin(θ).


Fazendo um gráfico de VR2 e VR3 em função de θ obtemos então o resultado da
Figura 4.7.

Figura 4.7: Resistência em função de θ


CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 73

A resistência à força cortante é dado pelo menor valor entre VR2 e VR3 . Para
θ < 15◦ notamos que VR2 é inferior a VR3 e portanto a resistência da seção
é dominada pela resistência das bielas comprimidas. Já para θ > 20◦ , vemos
que VR3 é inferior a VR2 e a resistência é dominada pela resistência dos tirantes.
Concluı́mos então que a resistência máxima é aproximadamente 300kN e decorre
de uma inclinação θ de aproximadamente 15 graus.
Concluı́mos então que o valor de θ que maximiza a resistência
das bielas comprimidas é diferente do valore de θ que maximiza a
resistência dos tirantes. Além disso, é possı́vel determinar para cada caso
qual seria o valor de θ que maximiza a resistência da seção transversal.
Atividade 4.1. Considere uma viga de seção retangular com h = 500mm, d =
450mm bw = 230mm, fc = 30MPa. Suponha que sejam prescritos estribos de 2
ramos, espaçamento s = 10cm, bitola φ =6,3mm e fy = 522MPa. Determine a
resistência máxima e a inclinação θ. Utilize a estimativa conservadora da norma
americana para Vc .
Atividade 4.2. Considere uma viga de seção retangular com h = 600mm, d =
550mm bw = 200mm, fc = 35MPa. Suponha que sejam prescritos estribos de 4
ramos, espaçamento s = 12cm, bitola φ =6,3mm e fy = 522MPa. Determine a
resistência máxima e a inclinação θ. Utilize a estimativa conservadora da norma
americana para Vc .
É muito importante salientar que experimentos indicam que o modelo de
Treliça de Morsch torna-se impreciso para valores de θ muito distantes de 45
graus. Isso ocorre porque a fissuração decorrente da força cortante geralmente se
forma em ângulos próximos a 45 graus. Isso reduz a força nas bielas comprimidas
para θ muito diferente de 45 graus, afetando a precisão do modelo.
Além disso, percebe-se que a resistência das bielas comprimidas é reduzida
quando θ se afasta de 45 graus. Assim, elementos projetados adotando-se valores
de θ muito distantes de 45 podem sofrer fissuração excessiva, comprometendo a
durabilidade da estrutura.
Por conta destas duas considerações, as normas de projeto prescrevem limites
para o ângulo θ a ser adotado durante o projeto. A norma EUROCODE 2
(2004), por exemplo, impõe os limites 1 ≤ cot(θ) ≤ 2, 5, o que equivale a limitar
θ entre aproximadamente 22 e 45 graus. Outras normas prescrevem inclinações
entre 35 e 65 graus.
A norma brasileira impõe os limites

30◦ ≤ θ ≤ 45◦ . (4.7)



Porém, a estimativa da Eq. (4.5) para Vc vale apenas para θ = 45 , sendo
necessário reduzir o valor para os demais casos. Por este motivo, daqui por
diante adotaremos

θ = 45◦ , (4.8)
que corresponde o Modelo I da norma brasileira. Neste caso resulta

VR2 = 0, 45dbw fcr (4.9)


CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 74

VR3 = Vc + Vsw (4.10)

Vc = 0, 6fct bw d (4.11)

Asw
Vsw = 0, 9 dfy . (4.12)
s
Além de simplificar os cálculos, adotar θ = 45◦ contribui para que a re-
sistência das bielas comprimidas seja elevada e a fissuração na peça seja redu-
zida.

4.2 Considerações práticas


O dimensionamento das armaduras transversais é feito avaliando-se se as bielas
comprimidas e os tirantes resistem à força cortante de projeto Vd . Ou seja,
devemos satisfazer

Vd ≤ VR2 (4.13)

Vd ≤ VR3 . (4.14)
Na prática, a força das bielas comprimidas é geralmente bastante elevada.
Por este motivo, verificamos inicialmente se Vd ≤ VR2 . Caso a condição seja
atendida, então as bielas comprimidas resistem à força cortante e procedemos
para o dimensionamento da armadura. Caso Vd > VR2 devemos redefinir as
dimensões da seção transversal.
Considerando que a resistência dos tirantes deve ser ao menos igual à força
cortante adotamos VR3 = Vd , a força a ser resistida pelas armaduras transversais
resulta

Vsw = Vd − Vc . (4.15)
Da Eq. (4.5) temos então
Asw Vd − Vc
= 1, 1 . (4.16)
s dfy
Exemplo 4.5. Considere uma viga de seção retangular com h = 450mm, d =
400mm bw = 150mm, fc = 30MPa. Dimensione os estribos para resistir a uma
força cortante Vd = 300kN, caso possı́vel. Considere fy = 522MPa.
Solução:
Adotando θ = 45◦ (Modelo I da norma brasileira) a resistência das bielas
comprimidas resulta

VR2 = 428kN.
Portanto, as bielas comprimidas suportam a força cortante e podemos determi-
nar a quantidade necessária de estribos.
Temos então
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 75

Vc = 104kN
e a força a ser resistida pelos estribos é igual a

Vsw = Vd − Vc = 196kN.
A taxa de armadura por unidade de comprimento é então igual a
Asw Vd − Vc
= 1, 1 = 1, 03mm2 /mm = 10, 3cm2 /m. (4.17)
s dfy
Para atendermos a taxa de armadura 10, 3cm2 /m podemos utilizar estribos de
2 ramos com bitola φ = 8mm e espaçamento s = 9, 5cm, que resulta na taxa de
armadura 10, 58cm2 /m (ver tabelas com bitolas e espaçamentos de estribos de
2 ramos).

Exemplo 4.6. Considere uma viga de seção retangular com h = 400mm, d =


350mm bw = 150mm, fc = 25MPa. Dimensione os estribos para resistir a uma
força cortante Vd = 375kN. Altere as propriedades da seção transversal caso
necessário. Considere fy = 522MPa.
Solução:
Adotando θ = 45◦ (Modelo I da norma brasileira) a resistência das bielas
comprimidas resulta

VR2 = 319kN.
Portanto, as bielas comprimidas não suportam a força cortante. Assim, é ne-
cessário alterar as dimensões da seção transversal. Para bw = 200mm resulta

VR2 = 425kN,
que é suficiente para garantir a segurança das bielas comprimidas. Assim, ado-
taremos bw = 200mm.
Temos então

Vc = 108kN

Vsw = 375 − 108 = 267kN.

Asw
= 16, 1cm2 /m. (4.18)
s
Esta taxa de armadura é bastante elevada. Por este motivo, adotaremos estribos
de 4 ramos. A bitola e o espaçamento podem ser determinados da tabela para
estribos de 2 ramos, considerando que neste caso a taxa de armadura será o
dobro daquela da tabela. Assim, percebemos que estribos de 4 ramos com bitola
φ = 6, 3mm e espaçamento s = 7, 5cm providenciam uma taxa de armadura
Asw /s = 2×8, 31 = 16, 62cm2 /m, que é suficiente para a força cortante atuante.
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 76

Caso a força cortante de projeto seja superior à resistência das bielas com-
primidas VR2 é necessário alterar as propriedades da seção transversal. Note
que VR2 pode ser aumentado alterando a resistência do concreto utilizado (fcr )
ou as dimensões da seção transversal (bw , d). Alterar a resistência do concreto
utilizado costuma ser uma medida pouco utilizada, pois não é eficiente utilizar
concretos de diferentes classes para os diversos elementos estruturais do projeto.
Assim, geralmente procede-se aumentando-se as dimensões da seção transversal.
Como a altura útil d afeta a altura da viga muitas vezes é impraticável alterar d
por motivos arquitetônicos. Assim, na maior parte dos casos opta-se por alterar
a espessura bw .
Atividade 4.3. Considere uma viga de seção retangular com h = 350mm,
d = 320mm bw = 150mm, fc = 22MPa. Dimensione os estribos para resistir
a uma força cortante Vd = 150kN. Altere as propriedades da seção transversal
caso necessário. Considere fy = 522MPa.

Atividade 4.4. Considere uma viga de seção retangular com h = 350mm,


d = 320mm bw = 150mm, fc = 22MPa. Dimensione os estribos para resistir
a uma força cortante Vd = 300kN. Altere as propriedades da seção transversal
caso necessário. Considere fy = 522MPa.
Atividade 4.5. Considere uma viga de seção retangular com h = 470mm,
d = 440mm bw = 180mm, fc = 33MPa. Dimensione os estribos para resistir
a uma força cortante Vd = 320kN. Altere as propriedades da seção transversal
caso necessário. Considere fy = 522MPa.
Atividade 4.6. Considere uma viga de seção retangular com h = 470mm,
d = 440mm bw = 180mm, fc = 33MPa. Dimensione os estribos para resistir
a uma força cortante Vd = 700kN. Altere as propriedades da seção transversal
caso necessário. Considere fy = 522MPa.

4.3 Considerações adicionais


Vimos aqui apenas o caso de seções retangulares, onde bw é igual à largura da
seção transversal. Nos demais casos, bw é adotado a favor da segurança como
sendo a menor espessura medida na região compreendida pelos estribos, como
mostrado na Figura 4.8.

Figura 4.8: Espessura bw para projeto de estribos


Fonte: EUROCODE 2 (2004)
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 77

Aqui vimos apenas o caso de estribos verticais. Porém, é possı́vel também


utilizar estribos inclinados, como mostrado na Figura 4.9. Neste caso as ex-
pressões obtidas anteriormente precisam ser ajustas para levar em conta a in-
clinação dos estribos, como detalhado por de Araújo (2014) (ver Figura 4.10).
Esta solução estrutural é de fato muito eficiente, pois a força resultante nos
estribos é reduzida, permitindo a utilização de menor taxa de armadura por
unidade de comprimento. Porém, a utilização de estribos inclinados também
apresenta algumas desvantagens, como dificuldades de execução. Além disso, a
inclinação dos estribos é definida em função do sinal da força cortante, o que
requer cuidado na elaboração do projeto e inspeção cuidadosa in loco.
Por motivos práticos de projeto e execução, a utilização de estribos inclina-
dos não costuma ser vantajosa em estruturas usuais. Por este motivo, estribos
verticais são adotados na maior parte dos casos usuais. Porém, estribos incli-
nados são de fato utilizados em estruturas especiais, quando a força cortante
torna-se muito elevada.

Figura 4.9: Estribos inclinados


Fonte: Bhatt et al. (2014)

Figura 4.10: Estribos inclinados


Fonte: de Araújo (2014)

Por fim, outro tipo de armadura que é utilizado em alguns casos são as
barras dobradas inclinadas, como mostrado na Figura 4.11. As barras dobra-
das inclinadas funcionam de maneira semelhante aos estribos inclinados, mas
são compostas de barras de diâmetro maior e geralmente dispostas apenas em
pontos especı́ficos (ao contrário dos estribos, que são espalhados ao longo de
CAPÍTULO 4. FORÇA CORTANTE 78

toda a viga). A inclusão de barras inclinadas em locais onde a força cortante é


muito grande (próximo a apoios os pontos de aplicação de forças concentradas)
aumenta muito a resistência à força cortante. Assim, uma solução utilizada
em alguns projetos particulares é complementar os estribos com algumas barras
inclinadas em pontos especı́ficos.

Figura 4.11: Barras inclinadas


Capı́tulo 5

Torção

Neste capı́tulo veremos como determinar a resistência de elementos lineares


sujeitos à torção. Veremos apenas uma introdução ao assunto, considerando
seções retangulares. O método de análise é baseado na analogia da Treliça de
Morsch. Porém, antes de procedermos é importante salientar que a torção pode
ser desconsiderada no dimensionamento em algumas situações.

5.1 Torção de Equilı́brio e de Compatibilidade


Para compreender em quais situações o efeito da torção pode ser desconsiderado,
é importante classificar os esforços de torção em dois casos: Torção de Equilı́brio
e Torção de Compatibilidade.
A Torção de Compatibilidade ocorre quando o esforço de torção não é
estritamente necessário para que ocorra o equilı́brio estático. Um exemplo é
mostrado na Figura 5.1. Neste caso a viga CD estará sujeita a torção caso o
modelo estrutural mostrado na figura seja utilizado. Porém, a estrutura é hipe-
restática e o equilı́brio pode ser satisfeito considerando que o momento torçor
é nulo. Isto ocasiona uma redistribuição de esforços na estrutura, aumentando
a força cortante e o momento fletor. Assim, é possı́vel desconsiderar o efeito da
torção e projetar a estrutura apenas considerando a força cortante e o momento
fletor, desde que os esforços da estrutura sejam obtidos desconsiderando a ri-
gidez torsional das barras (i.e. desconsiderando a contribuição da torção para
o equilı́brio). Na prática o momento torçor é frequentemente muito pequeno
em relação aos demais esforços, de forma que basta desconsiderar este efeito.
Mesmo assim salienta-se que o procedimento mais recomendável é desconside-
rar a rigidez torsional das barras, de forma a obter esforços que satisfaçam o
equilı́brio.
Na prática a Torção de Compatibilidade costuma ocorrer quando temos
vigas dispostas em um mesmo plano, como mostrado na Figura 5.2, pois uma
viga pode transferir momento torçor para outra. Porém, desconsiderando a
rigidez torsional das barras podemos obter forças cortantes e momentos fletores
que possibilitam o equilı́brio, evitando assim o dimensionamento ao momento
torçor. Este é o procedimento geralmente utilizado na prática de projeto e,
portanto, o dimensionamento à torção ocorre muito pouco durante o projeto de
estruturas usuais.

79
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 80

Por fim, vale salientar que o termo Torção de Compatibilidade está re-
lacionado com o fato de que nestes casos a torção ocorre por compatibilidade
de deformações, sem ser estritamente necessário para o equilı́brio estático.

Figura 5.1: Torção de Compatibilidade


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Figura 5.2: Torção de Compatibilidade


Fonte: McCormac and Brown (2014)

Já a Torção de Equilı́brio ocorre quando o equilı́brio estático não pode


ser satisfeito sem o esforço de torção. Isso geralmente ocorre em estruturas
isostáticas. Dois exemplos são mostrados na Figura 5.3. Note que nestes casos
é impossı́vel desconsiderar o efeito da torção, pois sem este esforço não é possı́vel
satisfazer o equilı́brio estático. Nestes casos a torção não pode ser desconside-
rada utilizando redistribuição de esforços (como pode ser feito na torção de
compatibilidade). Assim, é torna-se necessário dimensionar os elementos para
o esforço de torção.

Figura 5.3: Torção de Equilı́brio


Fonte: Wight and MacGregor (2012)
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 81

5.2 Espessura Efetiva de Seções Retangulares


Vamos considerar aqui apenas o caso de seções retangulares, como mostrado na
Figura 5.4.

Figura 5.4: Torção de seção retangular


Fonte: Bhatt et al. (2014)

O momento torçor causa esforços de cisalhamento na seção transversal, como


mostrado na Figura 5.5. Estas tensões de cisalhamento são nulas no centro da
seção e crescem em direção à superfı́cie da seção. Por este motivo, a resistência
da seção pode ser avaliada adequadamente considerando apenas a parcela mais
próxima à superfı́cie da seção transversal, como mostrado na Figura 5.6. Ou
seja, a análise é feita para uma seção vazada equivalente. A experimentação de
vigas de concreto armado ao longo dos anos confirma que apenas uma parcela
da parte mais externa da seção (uma pequena casca da seção) efetivamente
contribui de maneira significativa para a resistência à torção, confirmando que
a aproximação por uma seção vazada equivalente é de fato representativa.

Figura 5.5: Esforços de cisalhamento decorrentes de momento torçor


Fonte: Bhatt et al. (2014)

No caso de seções retangulares, devemos então determinar a espessura efetiva


da seção vazada equivalente. De forma geral, observa-se que a espessura efetiva
pode ser aproximada como
A
t= ≥ 2C1 (5.1)
µ
sendo A a área da seção, µ o perı́metro da seção e C1 a distância entre o
eixo da barra longitudinal do canto e a face lateral do elemento estrutural,
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 82

Figura 5.6: Seção vazada equivalente


Fonte: Bhatt et al. (2014)

como mostrado na Figura 5.7. Ou seja, a espessura equivalente não deve ser
inferior a 2C1 . Esta aproximação é recomenda pela norma brasileira e pela
norma europeia. Já a norma americana recomenda t = (3/4)(A/µ). Daqui
por diante iremos nos ater aos valores recomendados pela norma europeia, pois
o procedimento da norma europeia é mais apropriado para fins didáticos e o
procedimento adotado pelas demais normas é muito semelhante.

Figura 5.7: Espessura da seção vazada equivalente


Fonte: de Araújo (2014)

5.3 Treliça de Morsch


O cálculo da resistência à torção é realizado utilizando a analogia de Treliça de
Morsch, como mostrado nas Figuras 5.8 e 5.9. Neste caso temos uma treliça
tridimensional que estará sujeita a um momento torçor de projeto Td .
Definimos inicialmente o Fluxo de Cisalhamento q, dado pelo produto da
tensão de cisalhamento τ com a espessura da seção vazada t, ou seja,

q = τ t. (5.2)
O fluxo de cisalhamento é a força resultante de cisalhamento que se desenvolve
ao longo da linha média da seção vazada (ver Figura 5.7).
Para uma seção retangular, o momento torçor total Td pode ser calculado
do equilı́brio de momentos em relação a um dos vértices da área Ae delimitada
pela linha média, de onde obtemos
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 83

Figura 5.8: Treliça de Morsch para torção


Fonte: Bhatt et al. (2014)

Figura 5.9: Treliça de Morsch para torção


Fonte: de Araújo (2014)

Td = q(h − t)(b − t) + q(h − t)(b − t) = q2(h − t)(b − t).


Porém, a área Ae é dada por

Ae = (b − t)(h − t), (5.3)


de onde concluı́mos que

Td = 2qAe .
Apesar da equação acima ter sido obtida para uma seção retangular, pode-se
demonstrar que ela é válida para seções vazadas de qualquer formato. Temos
então
Td
q= . (5.4)
2Ae
Da Figura 5.8 notamos que a força Fc0 em uma biela comprimida de concreto
(barra diagonal da face lateral) satisfaz

Fc0 sin θ = qh,


ou seja, deve ser igual ao fluxo de cisalhamento desenvolvido ao longo da altura
da face lateral h. A força na biela resulta então
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 84

qh
Fc0 = . (5.5)
sin θ
Esta é a força que deverá ser resistida por cada biela de concreto.
A força total a ser resistida pelas bielas diagonais é dada por1

Fc sin θ = qu,
onde u é o perı́metro da área Ae delimitada pela linha média, dado por (ver
Figura 5.7)

u = 2(b + h − 2t). (5.6)


Assim, percebemos que a força longitudinal resultante Fs é dada por (ver Figura
5.8)
qu u
Fs = Fc cos θ = cos θ = Td cot θ, (5.7)
sin θ 2Ae
Deste resultado percebemos que a torção causa tração nas barras ao longo do
eixo da barra. Esta força longitudinal Fs deverá ser resistida por armadura
longitudinal.
Finalmente, força resultante em uma barra vertical da face lateral resulta
0
Fsw = qh. (5.8)
Esta força deverá ser resistida pelos estribos da face lateral.

5.3.1 Bielas de concreto


A força Fc0 na barras diagonais da face lateral deve ser resistida pelas bielas
de concreto. A resistência das bielas pode ser calculada conforme ilustrado na
Figura 5.10. A espessura de cada biela resulta

b = h cos θ.
Assim, a força resultante na biela é dada por

Fc0 = tbσc = th cos θσc ,


sendo σc a tensão na biela.
Da Eq. (5.5) temos então
qh
Fc0 = = th cos θσc ,
sin θ
de onde resulta
q 2q
σc = = .
t cos θ sin θ t sin 2θ
Da Eq. (5.4) temos então
1 Neste caso multiplicamos o fluxo de cisalhamento q pelo perı́metro u porque estamos

calculando a força resultante total, não apenas aquela resultante em uma das faces laterais.
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 85

Figura 5.10: Bielas de concreto


Fonte: Bhatt et al. (2014)

Td
σc = , (5.9)
Ae t sin 2θ
que nos permite calcular a tensão nas bielas comprimidas causada pelo momento
torçor.
A tensão σc deve ser inferior à resistência do concreto. Denotando a re-
sistência das bielas comprimidas por TR2 e adotando σc igual a resistência ao
cisalhamento fcr na expressão acima temos finalmente

TR2 = Ae tfcr sin 2θ. (5.10)

5.3.2 Estribos
0
A força Fsw deverá ser resistida pelos estribos de cada face lateral. Temos então

0 h
Fsw = qh = Td .
2Ae
Da Figura 5.8 notamos que o espaçamento entre as barras transversais da
Treliça de Morsch é igual a h cot θ. Caso o espaçamento dos estribo seja igual
ao espaçamento das barras transversais da Treliça de Morsch a força resultante
nos estribos no momento do escoamento é dado por
0
Fsw = A0sw fy ,
onde A0sw é a área dos estribos de uma das faces laterais. Porém, como o
espaçamento s dos estribos é de forma geral diferente do espaçamento das barras
transversais da treliça, a força resultante nos estribos resulta

0 h cot θ
Fsw = A0sw fy ,
s
obtida da ponderação da força anterior pela relação entre o espaçamento real
dos estribos s e o espaçamento teórico das barras transversais h cot θ.
Temos assim

0 h h cot θ
Fsw = Td = A0sw fy ,
2Ae s
de onde resulta
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 86

cot θ
Td = 2Ae A0sw fy .
s
Denotando a resistência dos estribos por TR3 temos então

A0sw
TR3 = 2Ae fy cot θ. (5.11)
s
É importante salientar que na expressão acima não é considerada a área
total dos ramos do estribos Asw , mas apenas a área de estribos na face lateral
da peça A0sw . Isso porque a força resultante foi calculada considerando apenas
uma face lateral. Porém, para estribos de 2 ramos temos
Asw
A0sw = , (5.12)
2
de onde resulta
Asw
TR3 = Ae fy cot θ (2 ramos). (5.13)
s

5.3.3 Barras longitudinais


A força de tração Fs nas barras longitudinais deve ser resistida por armadura
longitudinais. Como a força nas armaduras longitudinais no momento do esco-
amento do aço é dada por

Fs = As fy
temos
u
Fs = Td cot θ = As fy ,
2Ae
de onde resulta
Ae
Td = 2 tan θAs fy .
u
Denotando a resistência das armaduras longitudinais à torção por TR4 temos
então
Ae
TR4 = 2 As fy tan θ, (5.14)
u
onde As é a área total de armaduras longitudinais.
Exemplo 5.1. Considere uma seção retangular com b = 200mm, h = 450mm,
C1 = 30mm, estribos fechados de 2 ramos com bitola φ = 6, 3mm e espaçamento
s = 80mm, quatro barras longitudinais de bitola φ = 12, 5mm dispostas nos
cantos da seção, fy = 522MPa, fc = 25MPa. Determine o momento torçor
máximo que a seção pode resistir. Considere θ igual a 30, 45 e 60 graus.
Solução:
Neste caso temos
Asw
= 0, 779mm2 /mm
s
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 87

As = 491mm2

fcr = 13, 5M P a

A = 90, 000mm2

µ = 1, 300mm

90, 000
t= = 69, 2mm
1, 300
Como 69, 2mm > 2C1 adotamos t = 69, 2mm. Temos então

Ae = 49, 793mm2

u = 1, 023mm.
Para θ = 30◦ temos

TR2 = 40, 3kN.m

TR3 = 35, 1kN.m

TR4 = 14, 4kN.m.


Para θ = 45◦ temos

TR2 = 46, 5kN.m

TR3 = 20, 3kN.m

TR4 = 25, 0kN.m.


Para θ = 60◦ temos

TR2 = 40, 3kN.m

TR3 = 11, 7kN.m

TR4 = 43, kN.m


Assim, concluı́mos que para θ = 30◦ a resistência é TR = 14, 4 kN.m, sendo
crı́tica a resistência das barras longitudinais. Para θ = 45◦ a resistência é
TR = 20, 3 kN.m, sendo crı́tica a resistência dos estribos. Por fim, para θ = 60◦
a resistência é TR = 11, 7 kN.m, sendo novamente crı́tica a resistência dos
estribos. Em nenhum dos casos foi crı́tica a resistência das bielas comprimidas.
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 88

Como ocorre para a força cortante, a resistência depende da inclinação θ


adotada para as bielas. Porém, as normas indicam que a mesma inclinação
θ utilizada para o dimensionamento à força cortante deve ser utilizado para o
dimensionamento à torção. Isso impõe limites aos valores de θ que podem ser
efetivamente utilizados para projeto.
Atividade 5.1. Considere uma seção retangular com b = 150mm, h = 400mm,
C1 = 30mm, estribos fechados de 2 ramos com bitola φ = 6, 3mm e espaçamento
s = 80mm, quatro barras longitudinais de bitola φ = 12, 5mm dispostas nos
cantos da seção, fy = 522MPa, fc = 30MPa. Determine o momento torçor
máximo que a seção pode resistir. Considere θ igual a 30, 45 e 60 graus.
Atividade 5.2. Considere uma seção retangular com b = 200mm, h = 500mm,
C1 = 35mm, estribos fechados de 2 ramos com bitola φ = 8mm e espaçamento
s = 70mm, quatro barras longitudinais de bitola φ = 16mm dispostas nos cantos
da seção, fy = 522MPa, fc = 35MPa. Determine o momento torçor máximo
que a seção pode resistir. Considere θ igual a 30, 45 e 60 graus.

5.4 Considerações práticas


Na prática geralmente adotamos θ = 45◦ . Isso porque a inclinação utilizada para
dimensionamento à torção deve ser a mesma utilizada para o dimensionamento
à força cortante. Neste caso temos

TR2 = Ae tfcr , (5.15)

A0sw
TR3 = 2Ae fy , (5.16)
s
Ae
TR4 = 2As f y . (5.17)
u
Considerando que o momento torçor de projeto seja Td , devemos então ga-
rantir que

Td ≤ TR2 , (5.18)

Td ≤ TR3 , (5.19)

Td ≤ TR4 , (5.20)
ou seja, devemos projetar a seção para que o momento atuante Td seja menor do
que a resistências das bielas comprimidas, dos estribos e das barras longitudinais
à torção.
De forma geral, verificamos inicialmente se Td ≤ TR2 . Caso isso não ocorra
devemos ajustar as dimensões da seção transversal para atender este requisito.
Caso as bielas comprimidas sejam capazes de resistir ao esforço, procedemos
então com o dimensionamento das armaduras
Para dimensionar as armaduras transversais adotamos a situação limite
TR3 = Td , de onde resulta
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 89

A0sw Td
= . (5.21)
s 2Ae fy
Deve-se ficar atendo pois esta área A0sw é a armadura transversal necessária em
cada face da viga. Para estribos fechados de 2 ramos temos
Asw Td
= . (5.22)
s Ae fy
Para dimensionar as armaduras longitudinais adotamos a situação limite
TR4 = Td , de onde resulta
Td u
As = . (5.23)
2Ae fy
Exemplo 5.2. Considere uma seção retangular com b = 150mm, h = 350mm,
C1 = 40mm, fc = 30MPa, fy = 500MPa. Verifique as bielas comprimidas e
dimensione as armaduras para um momento torçor Td = 10kN.m. Considere
θ = 45◦ .
Solução:
Neste caso temos

fcr = 15, 8M P a

A = 52, 500mm2

µ = 1, 000mm.
Como 2C1 > A/µ temos

t = 2C1 = 80mm

Ae = 18, 900mm2

u = 680mm.
A resistência das bielas resulta

TR2 = 24kN.m,
que é suficiente para resistir ao esforço aplicado. Temos então
Asw
= 1, 06mm2 /mm = 10, 6cm2 /m
s

As = 359, 8mm2 = 3, 59cm2 .


Para atender a armadura transversal Asw /s podemos prescrever estribos
fechados de 2 ramos com bitola φ = 8mm e espaçamento s = 9cm. Para atender
a armadura longitudinal As podemos prescrever 4 barras de bitola φ = 12, 5mm
nos cantos da seção transversal.
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 90

5.5 Interação com força cortante e momento fle-


tor
A resistência calculada anteriormente vale quando apenas momento torçor atua
no elemento estrutural. Porém, de forma geral atuarão também força cortante
e momento fletor. Neste caso, as armaduras calculadas anteriormente devem
ser adicionadas àquelas provenientes do dimensionamento ao esforço cortante
e ao momento fletor. Porém, deve ser utilizada a mesma inclinação θ para a
avaliação da força cortante e do momento torçor. Como adota-se geralmente
θ = 45◦ para a força cortante, esta mesma inclinação costuma ser utilizada para
avaliação da força cortante.
Deve-se verificar ainda se a tensão total causada pela torção e pela força cor-
tante nas bielas comprimidas é inferior à resistência fcr . Porém, esta verificação
é equivalente a verificar se
Vd Td
+ ≤ 1, (5.24)
VR2 TR2
que é a expressão adotada pela norma brasileira e pela norma europeia.
Experimentalmente verifica-se que a resistência das bielas comprimidas de-
corrente da ação combinada do momento torçor e da força cortante é subes-
timada pela expressão anterior. Na Figura 5.11 são mostrados os esforços de
ruptura em vigas sem estribos. Percebe-se claramente uma relação não-linear
entre a resistência ao cisalhamento e à torção. Por este motivo, a norma ame-
ricana adota a verificação
 2  2
Vd Td
+ ≤ 1, (5.25)
VR2 TR2
que representa uma envoltória de resistência quadrática como mostrado na Fi-
gura 5.11.

Figura 5.11: Interação da força cortante e momento torçor em vigas sem estribos
Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Deve-se salientar que esta diferença entre as normas não têm grandes im-
plicações práticas, uma vez que as bielas comprimidas raramente são o fator
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 91

limitante do projeto. Além disso, fica entendido que as normas brasileira e


europeia adotam valores mais conservadores para a resistência das bielas por
considerar que deve haver uma margem de segurança superior para este tipo de
ruptura, que seria mais frágil por ser baseada no comportamento do concreto.
Exemplo 5.3. Considere a seção do exemplo 5.2. Dimensione a seção para
atender aos esforços Md = 63kN.m, Vd = 150kN , Td = 10kN.m.
Solução:
No exemplo 2.7 determinamos que são necessárias 4 barras de bitola φ =
12, 5mm para resistir ao momento fletor.
Considerando a força cortante Vd = 150kN obtemos

VR2 = 331kN

Vc = 80, 8kN

Asw
= 0, 49mm2 /mm = 4, 9cm2 /m.
s
Para o momento torçor Td = 10kN.m temos, do exemplo 5.2,

TR2 = 24kN.m

Asw
= 1, 06mm2 /mm = 10, 6cm2 /m
s

As = 359, 8mm2 = 3, 59cm2 .


Verificamos inicialmente a resistência das bielas comprimidas com a fórmula
de interação, de onde resulta
Vd Td
+ = 0, 45 + 0, 42 = 0, 87.
VR2 TR2
Como o resultado é inferior a 1 concluı́mos que as bielas comprimidas são capazes
de resistir a solicitação.
A armadura transversal é então obtida somando os requisitos da força cor-
tante com os requisitos do momento torçor, de onde resulta
Asw
= 0, 49 + 1, 06 = 1, 55mm2 /mm = 15, 5cm2 /m.
s
Podemos então prescrever estribos de 2 ramos de bitola φ = 10mm com espaçamento
s = 10cm.
No caso da armadura transversal, devemos prescrever a área As = 3, 59cm2
disposta nos cantos da seção além dos requisitos decorrentes do momento fletor.
Esta área pode ser composta por 4 barras de bitola φ = 12, 5mm dispostas
nos cantos da seção transversal. Assim a armadura total da seção transversal
resulta: 6 barras de bitola φ = 12, 5mm na base da seção e 2 barras de bitola
φ = 12, 5mm no topo da seção.
Note que pode ser inviável alocar 6 barras na base da seção, por motivos
construtivos. Porém, estas 6 barras podem ser trocadas por um número menor
de barras de bitola superior. Como a área total na base da seção é igual a
CAPÍTULO 5. TORÇÃO 92

7, 36cm2 , podemos trocar as 6 barras de bitola φ = 12, 5mm por 4 barras de


bitola φ = 16mm. Neste caso temos 4 barras de bitola φ = 16mm na base da
seção e 2 barras de bitola φ = 12, 5mm no topo da seção.

Atividade 5.3. Considere uma seção retangular com b = 250mm, h = 500mm,


C1 = 30mm, fc = 40MPa, fy = 432MPa. Verifique as bielas comprimidas e
dimensione as armaduras para as ações Md = 280kN.m, Vd = 300kN , Td =
50kN.m. Altere a geometria da seção transversal caso necessário.

Atividade 5.4. Considere uma seção retangular com b = 200mm, h = 450mm,


C1 = 40mm, fc = 25MPa, fy = 432MPa. Verifique as bielas comprimidas e
dimensione as armaduras para as ações Md = 180kN.m, Vd = 220kN , Td =
35kN.m. Altere a geometria da seção transversal caso necessário.

5.6 Considerações Adicionais


O caso de seções vazadas e seções compostas por retângulos (como seções T) po-
dem ser estudados de maneira semelhante ao visto aqui para seções retangulares.
O assunto é tratado em detalhes por de Araújo (2014).
Capı́tulo 6

Ancoragem das armaduras

Até aqui, todos os cálculos consideraram que a deformação em uma armadura é


igual à deformação no concreto ao seu entorno. Esta hipótese é conhecida como
Perfeita Aderência, pois pressupõe que o concreto é perfeitamente aderente ao
aço e vice-versa. Isso garante que a deformação no aço seja igual à deformação
no concreto ao seu entorno.
Na realidade o concreto e o aço não são perfeitamente aderentes. Porém,
a aderência entre os dois materiais será suficientemente grande (tornando a
hipótese precisa) caso alguns requisitos sejam atendidos. O principal destes
requisitos diz respeito à ancoragem das armaduras. A Ancoragem das arma-
duras visa garantir que as barras de aço não “escorreguem” dentro do concreto
quando tensionadas, garantindo assim adequada aderência.
A ancoragem das barras longitudinais de uma viga (ou laje) é feita prologando-
se a barra até além da região onde ocorre a solicitação. A ancoragem no final
das vigas é feita prolongando-se as barras além do apoio, como mostrado na
Figura 6.1. A ancoragem também é necessária em alguns pontos no interior da
viga, quando o número de barras longitudinais ao longo da viga não é cons-
tante. Neste caso as barras devem sem prolongadas até além do ponto onde são
necessárias para a resistência da seção, garantindo assim adequada ancoragem.

Figura 6.1: Ancoragem das barras longitudinais ao final de uma viga


Fonte: de Araújo (2014)

93
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 94

6.1 Ensaio de pull-out


A ancoragem das armaduras pode ser avaliada experimentalmente através do
ensaio de pull-out (arrancamento), como mostrado na Figura 6.2. Neste ensaio
a força necessária para arrancar uma barra de aço de um bloco de concreto é
mensurada. Assim, é possı́vel avaliar a aderência desenvolvida entre a barra e
concreto.

Figura 6.2: Ensaio de pull-out


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Como ilustrado na Figura 6.2, a tensão resultante na barra não é constante.


Isso ocorre porque a deformação na barra no inı́cio da região de ancoragem é
constante e igual à deformação fora do bloco de concreto. Porém, a deformação
no final da barra é nula. Assim, a deformação na barra varia desde um valor igual
àquele fora do bloco até a deformação nula no final da barra. Consequentemente,
a tensão na barra varia da mesma maneira.
A tensão de aderência (bond stress) ao longo da barra também não é cons-
tante. Isso porque a tensão de aderência desenvolve-se pela variação da de-
formação na barra. Pode-se demonstrar que a tensão de aderência é proporcio-
nal à variação (derivada) da tensão na barra. Isso porque é a tensão de aderência
que faz com que a deformação/tensão na barra varie. Dessa maneira, a tensão
de aderência também não é constante.

6.2 Comprimento básico de ancoragem


A tensão de aderência entre a barra e o concreto não é constante. Mesmo assim,
é possı́vel avaliar a força de arrancamento resultante adotando uma tensão de
aderência média. Assim, a força de ancoragem pode ser escrita como

Rb = τb φπlb ,
onde τb é a tensão de aderência desenvolvida na superfı́cie de contato entre a
barra e o concreto, φπ é o perı́metro da circunferência de uma barra de diâmetro
φ e lb o comprimento de ancoragem.
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 95

Figura 6.3: Força de ancoragem


Fonte: de Araújo (2014)

O objetivo da ancoragem é garantir que a barra permaneça an-


corada sob qualquer condição de carregamento. Caso a força seja
muito grande, a barra deve escoar antes de sofrer escorregamento.
Isso porque a ancoragem visa garantir aderência perfeita entre o aço
e o concreto. Em diversas passagens dos capı́tulos anteriores con-
sideramos que o aço poderia escoar. Porém, em nenhum momento
consideramos a possibilidade da deformação no aço ser diferente da
deformação no concreto ao seu entorno. Ou seja, caso a ancoragem
não seja satisfeita os modelos de cálculo utilizados nos capı́tulos an-
teriores não são sequer válidos.
Por este motivo, consideramos que a força de ancoragem deve ser capaz de
suportar à força máxima transmitida pela barra. A força máxima que pode ser
transmitida pela barra é igual a As fy , que é a força na barra no momento do
escoamento do material. Assim, a força de ancoragem deve satisfazer

Rb = τb φπlb = As fy .
Como As = πφ2 /4 temos então

φ2
Rb = τb φπlb = πfy ,
4
de onde resulta o comprimento básico de ancoragem
φ fy
lb = ,
4 τb
sendo τb é a tensão de aderência desenvolvida entre o concreto e o aço.
Denotando como fb a tensão última de aderência (resistência de aderência)
temos então
φ fy
lb = . (6.1)
4 fb
A tensão de aderência fb pode ser adotada como (NBR-6118, 2014)

fb = η1 η2 η3 fct . (6.2)
expressões semelhantes são utilizadas por outras normas.
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 96

O coeficiente η1 leva em consideração se a barra é lisa ou nervurada. Para


barras nervuradas temos η1 = 2, 25. Para barras lisas temos η1 = 1, 0. Isso
porque as nervuras aumentam a aderência entre as barras e o concreto.
O coeficiente η2 leva em consideração se a situação é considerada de boa
ou má aderência. Situações de má aderência são aquelas nas quais a aderência
entre o aço e o concreto pode ser prejudicada por questões de concretagem. De
forma geral, considera-se de má aderência locais distantes do fundo da peça, pois
nestes casos pode haver acúmulo de água (proveniente da exsudação) entre a
armadura e o concreto, prejudicando a aderência entre os dois (ver Figura 6.4).
Para regiões de boa aderência temos η2 = 1, 0 e para regiões de má aderência
temos η2 = 0, 7.

Figura 6.4: Regiões de boa e má aderência


Fonte: de Araújo (2014)

O coeficiente η3 leva em consideração o diâmetro das barras e vale η3 = 1, 0


para barras de bitola até 32mm. Para barras com bitola superior a 32mm são
utilizados valores reduzidos para η3 . Isso porque a fissuração no concreto ao
redor das barras torna-se excessiva quando barras de diâmetros muito grande
são utilizada, reduzindo a resistência efetiva do concreto na região de ancoragem.
Note também que o cálculo de fb é baseado na resistência à tração do con-
creto fct . Como mostrado na Figura 6.5, quando a barra é tensionada apare-
cem tensões inclinadas no concreto, que são responsáveis pelo equilı́brio. Em
decorrência destas tensões ocorre fissuração radial ao redor da barra, como mos-
trado na Figura 6.6. Desta maneira, à resistência do concreto na região de
ancoragem acaba sendo governada pela sua resistência à tração.
Para garantir que a fissuração radial ao redor da barra não cause desco-
lamento do concreto, é necessário que a a região fissurada radialmente esteja
distante o suficiente da superfı́cie da peça, como mostrado na Figura 6.7. Isso
pode ser garantido providenciando um cobrimento c que seja ao menos igual ao
diâmetro da barra, ou seja

c ≥ φ. (6.3)
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 97

Figura 6.5: Tensões resultantes no concreto


Fonte: Fusco (1995)

Figura 6.6: Fissuração radial ao redor da barra


Fonte: de Araújo (2014)

6.3 Ganchos e dobras


Uma forma de aumentar a eficiência da ancoragem e assim reduzir o compri-
mento necessário de ancoragem é utilizar ganchos, como mostrado na Figura
6.8. Isso porque desenvolvem-se tensões adicionais na região onde a barra é
dobrada, aumentando a força de ancoragem. Por este motivo, as normas de
projeto permitem reduzir o comprimento de ancoragem caso sejam utilizados
ganchos. O procedimento adotado pelas diversas normas mundiais é semelhante
e, por este motivo, veremos apenas o caso da norma brasileira.
O comprimento necessário de ancoragem lb,nec é então dado por

lb , barras retas
lb,nec = (6.4)
0, 7lb , ganchos
Note que ancoragens feitas com barras dobradas podem ter comprimento re-
duzido, devido às forças adicionais desenvolvidas na dobra. O comprimento de
ancoragem deve ainda ser superior ao valor mı́nimo

 0, 3lb ,
lb,min = max 10φ, (6.5)
10cm,

para garantir adequado funcionamento da ancoragem.


CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 98

Figura 6.7: Cobrimento de barras ancoradas


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Figura 6.8: Ancoragem com gancho


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

É importante salientar que o comprimento necessário de ancoragem é medido


até o final do gancho, como mostrado na Figura 6.9. Ou seja, o comprimento
de ancoragem não é igual ao comprimento do trecho dobrado para formar o
gancho.
Para serem considerado efetivos, os ganchos devem estar à uma distância de
ao menos 3φ do final da peça. Caso contrário, o efeito do gancho fica compro-
metido pela possı́vel formação de fissuras na região do gancho e perda de sua
efetividade. Além disso, os ganchos devem possuir os comprimentos mı́nimos
mostrados na Figura 6.10, dependendo da inclinação da dobra, para garantir
adequado desenvolvimento das forças envolvidas.
É necessário também respeitar diâmetros mı́nimos para as dobras dos gan-
chos. Isso porque a tensão que se desenvolve na dobra do gancho é inversamente
proporcional ao diâmetro da dobra. Assim, dobras com diâmetro muito pequeno
podem causar fissuração excessiva do concreto na região da dobra e até mesmo
causar o esmagamento do concreto. Por este motivo, o diâmetro da dobra deve
satisfazer os valores da Tabela 6.1.
Por fim, é necessário prescrever armaduras transversais nas ancoragens, de
forma a controlar a fissuração decorrente das tensões desenvolvidas. Estas ar-
maduras podem ser aquelas já presentes na estrutura por conta de outras con-
siderações, como as armaduras dos pilares ou estribos da própria viga. Porém,
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 99

Figura 6.9: Comprimento necessário de ancoragem


Fonte: de Araújo (2014)

Figura 6.10: Comprimento de ganchos


Fonte: de Araújo (2014)

Tabela 6.1: Diâmetro mı́nimo de dobramento


Bitola CA-25 CA-50 CA-60
φ < 20mm 4φ 5φ 6φ
φ ≥ 20mm 5φ 8φ
Fonte: de Araújo (2014)

caso estas armaduras não estejam presentes é necessário prescrevê-las adequa-


damente, conforme especificado nas normas de projeto (ver Figura 6.11).

Ponderação do comprimento necessário de ancoragem


Diversas normas, incluindo a brasileira, permitem calcular o comprimento ne-
cessário de ancoragem como
( A
s,calc
As,ef lb , barras retas
lb,nec = A
0, 7 As,calc
s,ef
lb , ganchos
onde As,calc é a área de armadura calculada no dimensionamento e As,ef é a
área de aço efetivamente prescrita no projeto, que é superior àquela calculada
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 100

Figura 6.11: Armadura transversal em ancoragem


Fonte: Wight and MacGregor (2012) e McCormac and Brown (2014)

por conta da escolha das barras.


Esta ponderação reduz o comprimento necessário de ancoragem, ao conside-
rar que a ancoragem deve ser capaz de resistir à força calculada no dimensiona-
mento, mas não à força que pode ser carregada efetivamente pela área utilizada
no projeto. Porém, esta prática é altamente desaconselhada. Isso por-
que, como já foi dito anteriormente, a ideia principal da ancoragem é impedir o
escorregamento da armadura dentro do concreto, garantindo a hipótese de per-
feita aderência. Por este motivo, a ancoragem deve ser capaz de resistir à força
decorrente do escoamento da armadura presente, mesmo que a armadura pres-
crita seja superior àquela efetivamente calculada na fase de dimensionamento.

6.4 Emendas por traspasse


Em alguns casos pode ser necessário providenciar emendas das barras longitudi-
nais. Isso ocorre quando o comprimento das barras disponı́veis não é suficiente
para vencer os vãos envolvidos. O tipo de emenda mais comum é a Emenda
por Traspasse, como mostrado na Figura 6.12, pois não requer solda das bar-
ras. Neste caso a emenda das barras é feita por sobreposição das mesmas ao
longo de um dado comprimento de traspasse.
O comprimento de traspasse pode ser calculado com base no comprimento
básico de ancoragem como

lot = αot lb,nec , (6.6)


onde αot é um coeficiente que considera a porcentagem de barras emendas em
uma mesma região (ver Tabela 6.2). Este coeficiente basicamente aumenta
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 101

Figura 6.12: Emenda por traspasse


Fonte: de Araújo (2014)

o comprimento de traspasse quando diversas barras são emendadas em uma


mesma região da peça.

Tabela 6.2: Valores de αot


Porcentagem das barras emendadas ≤ 20% 25% 33% 50% > 50%
Valores de αot 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0
Fonte: de Araújo (2014)

Além disso, o comprimento de traspasse deve ser superior ao valor mı́nimo



 0, 6lb ,
lot,min = max 15φ, , (6.7)
20cm,

que é quase igual ao dobro de lb,min .


Por fim, devem ser prescritas armaduras transversais adequadas na região
de traspasse (ver Figura 6.13). Essas armaduras visam controlar a fissuração
causada pela tensões que surgem entre as barras. Maiores detalhes sobre estas
armaduras são discutidas por de Araújo (2014).

6.5 Considerações adicionais


O caso de ancoragens de feixes de barras é tratado calculando-se um diâmetro
efetivo do feixe. Existem também outros mecanismos de ancoragem, como bar-
ras transversais soldadas, telas soldadas. Estes mecanismos são utilizados em
regiões onde não é possı́vel ancorar adequadamente a barra apenas com anco-
ragens retas e ganchos. Devido à dificuldade de execução decorrente da neces-
sidade de solda, são geralmente utilizadas apenas em estruturas pré-fabricadas
ou particulares.
Atividade 6.1. Os comprimentos de ancoragens são geralmente determina-
dos através de tabelas confeccionadas previamente pelo projetista, como aquela
CAPÍTULO 6. ANCORAGEM DAS ARMADURAS 102

Figura 6.13: Armadura transversal em emenda por traspasse


Fonte: de Araújo (2014)

apresentada por de Araújo (2014). Estas tabelas indicam o comprimento ne-


cessário de ancoragem para ancoragens retas e com ganchos, considerando con-
cretos de diversas resistências e situações de boa e má aderência. Confeccione
uma tabela de comprimentos necessários de ancoragem para situações de boa
aderência e uma tabela para situações de má aderência. Considere barras de
bitolas 8mm, 10m, 12,5mm, 16mm e 20mm e concretos de resistência fc igual
a 14MPa, 18MPa, 21MPa, 25MPa e 28MPa. Considere aço com tensão de
escoamento fy =434MPa.
Capı́tulo 7

Fissuração em vigas

Neste capı́tulo veremos como estimar a abertura das fissuras em vigas de con-
creto armado. O procedimento pode ser estendido para a estimativa em lajes.
Veremos apenas o caso da fissuração causada pelo momento fletor. Os desenvol-
vimentos mostrados aqui são baseados naqueles descritos por de Araújo (2014)
e Häussler-Combe (2015).

7.1 Tirante armado


O estudo da fissuração inicia-se com o caso de um tirante armado, sujeito à
tração uniforme, como ilustrado na Figura 7.1. Ao tracionarmos um tirante
armado até causar sua fissuração, notamos que a tensão na armadura e no
concreto irá variar. Isso ocorre porque a tensão total deve equilibrar a força
aplicada. Porém, o concreto não poderá contribuir com o equilı́brio (terá tensão
nula) nas fissuras. Logo, nas fissuras toda força será resistida pela tensão na
armadura, fazendo com que seja máxima nestes locais. Assim, as tensões na
armadura e no concreto variam como mostrado na Figura 7.1.

Figura 7.1: Tirante armado


Fonte: de Araújo (2014)

103
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 104

Caso a força aplicada no tirante seja aumentada uma nova fissura tenderá
a se formar no meio das duas fissuras já existentes. Isso porque a tensão no
concreto é máxima nesta posição (ver Figura 7.1). A formação desta nova
fissura irá anular a tensão no concreto nesta posição. A situação resultante é
como mostrado na Figura 7.2, onde cada nova fissura formada controla a tensão
máxima que ocorre no concreto.

Figura 7.2: Formação de fissuras em tirante armado


Fonte: Häussler-Combe (2015)

Considerando fissuras com espaçamento 2lt como mostrado na Figura 7.3, a


abertura da fissura é dada por
Z lt Z lt
w= (εs (x) − εc (x)) dx = 2 (εs (x) − εc (x)) dx, (7.1)
−lt 0
onde εs é a deformação na armadura e εc é a deformação no concreto. Note que
a expressão acima contabiliza a diferença total entre a deformação no aço e no
concreto.

Figura 7.3: Abertura de fissura


Fonte: Häussler-Combe (2015)

Definindo as deformações médias


Z lt
1
εsm = εs (x)dx (7.2)
lt 0
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 105

Z lt
1
εcm = εc (x)dx (7.3)
lt 0
podemos escrever então

w = 2lt (εsm − εcm ) . (7.4)


Destes resultados notamos que a abertura da fissura é resultado da diferença
entre a deformação média na armadura e a deformação média no concreto ao
longo de um dado trecho lt . Assim, para determinarmos a abertura da fis-
sura devemos estimar os valores de εsm e εcm . Estas tensões são estimadas
com expressões semi-empı́ricas, que são cálculos teóricos dependentes de alguns
coeficientes a serem avaliados empiricamente.
A deformação média no aço é dada por
σsm
εsm = , (7.5)
Es
onde Es é o módulo de elasticidade do aço e σsm a tensão média na armadura.
A tensão média na armadura pode ser escrita como

σsm = σs (0) − βt ∆σs , (7.6)


sendo

∆σs = σs (0) − σs (lt ). (7.7)


O coeficiente βt leva em consideração a variação da tensão na armadura e de-
pende principalmente da eficiência da transferência de tensão entre a armadura
e o concreto. Este coeficiente é calibrado com base em ensaios de laboratório.
Para carregamentos de longa duração o CEB (1993) e o EUROCODE 2 (2004)
recomendam

βt = 0, 4. (7.8)
Note que ∆σs é a queda de tensão na armadura ao longo do comprimento lt .
Já a tensão média é σsm é avaliada em função da tensão inicial na barra e da
queda de tensão, considerando ainda a aderência entre o concreto e o aço por
meio do coeficiente empı́rico βt .
Já a deformação média no concreto é dada por
σcm
εcm = , (7.9)
Ec
onde Ec é o módulo de elasticidade do concreto e σcm a tensão média no con-
creto. Do equilı́brio temos

σc (x)Ac = (σs (0) − σs (x))As ,


ou seja, a força absorvida pelo concreto é igual à variação de força na armadura.
Rearranjando temos então
As
σc (x) = (σs (0) − σs (x)) (7.10)
Ac
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 106

A tensão média resulta então

Z lt
1
σcm = σc (x)dx
lt 0
Z lt
1 As As 1
= σs (0)lt − σs (x)dx
l t Ac Ac lt 0
As As
= σs (0) − σsm
Ac Ac
As
= (σs (0) − σsm )
Ac
Da Eq. (7.6) temos então
As
σcm = βt ∆σs . (7.11)
Ac
Definindo a taxa de armadura
As
ρs = , (7.12)
Ac
a abertura da fissura resulta, da Eq. (7.37),

 
1 1
w = 2lt (σs (0) − βt ∆σs ) − ρs βt ∆σs
Es Ec
 
lt Es
=2 σs (0) − βt ∆σs − ρs βt ∆σs
Es Ec
   
lt Es
=2 σs (0) − 1 + ρs βt ∆σs
Es Ec

Definindo a relação entre os módulos de elasticidade como


Es
α= (7.13)
Ec
temos então
lt
w=2 (σs (0) − (1 + αρs ) βt ∆σs ) . (7.14)
Es
O valor do comprimento lt pode ser calculado considerando que a queda de
tensão na armadura ∆σs é decorrente da aderência entre a armadura e concreto.
Igualando as duas forças temos

∆σs As = lt τb φπ,
onde φ é o diâmetro da armadura e τb é a tensão média de aderência entre o
concreto e a armadura. Rearranjando a equação acima e substituindo As =
πφ2 /4 temos então
∆σs φ
lt = (7.15)
4τb
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 107

Substituindo o resultado acima na Eq. (7.14) e temos então


φ ∆σs
w= (σs (0) − (1 + αρs ) βt ∆σs ) .
2τb Es
Para efeitos de projeto adotamos τb = fb , onde fb é a tensão última de aderência
da Eq. (6.2), resultando
φ ∆σs
w= (σs (0) − (1 + αρs ) βt ∆σs ) . (7.16)
2fb Es

7.1.1 Fissuração Estabilizada


É interessante discutir como se dá a propagação da fissuração. Para esta fina-
lidade, considere novamente a Figura 7.2. Suponha que existam duas fissuras
formadas, como mostrado na Figura 7.2a. Caso a força seja aumentada, o valor
de σc no meio das duas fissuras cresce até atingir a resistência do concreto à
tração fct . Quando isto ocorre forma-se uma nova fissura no meio das duas
existentes anteriormente. A formação desta nova fissura anula a tensão σc no
meio das duas fissuras anteriores, devido à formação da nova fissura. Isso re-
duz os valores de σc nos demais pontos da barra. Caso a força seja aumentada
ainda mais, o processo se repete, formando novamente fissuras entre duas fissu-
ras pré-existentes. O processo continua à medida que a força é aumentada e o
panorama de fissuração assemelha-se ao mostrado na Figura 7.2b.
Assim, uma nova fissura é formada toda vez que a força absorvida pelo
concreto igualar sua resistência à tração. Como a força absorvida pelo concreto
é aquela decorrente da variação de tensão na armadura ∆σs , temos que uma
nova fissura se forma quando

∆σs As = fct Ac .
de onde resulta (considerando ρs = As /Ac )
fct
∆σs = . (7.17)
ρs
Esta é a variação de tensão na armadura necessária para que se forme uma nova
fissura.
Adotando τb igual à resistência última de aderência fb na Eq. (7.15) e
rearranjando temos
4fb lt
∆σs = .
φ
Esta é a varição de tensão que pode ser desenvolver ao longo do comprimento
de transferência lt considerando uma resistência de aderência fb .
Note que uma nova fissura pode se formar apenas quando a variação de
tensão que pode se desenvolver ao longo do comprimento lt superar a variação
necessária para a formação de uma nova fissura. Ou seja, só é possı́vel que uma
nova fissura se forme quando
4τb lt fct
≥ ,
φ ρs
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 108

de onde resulta a condição


1 φ fct
lt ≥ . (7.18)
4 ρs τb
Esta condição indica que novas fissuras podem ser formar apenas quando lt é
superior a um dado valor. À medida que novas fissuras se formam, o valor de lt
é reduzido e consequentemente a condição acima deixa de ser atendida. A partir
deste momento não se formam novas fissuras e dizemos que o tirante atingiu a
situação de Fissuração Estabilizada.
Adotando τb = fb , o espaçamento máximo entre fissuras resulta
1 fct φ
sr,max = . (7.19)
4 fb ρs
Considerando fb como definido na norma brasileira temos então
1 φ fct 1 1 φ
sr,max = = ,
4 ρs η1 η2 η3 fct 4 η1 η2 η3 ρs
que depende basicamente do diâmetro da barra φ e da taxa de armadura ρs .
Os resultados acima demonstram que novas fissuras se formam
até que a distância entre elas alcance o valor sr,max . A partir deste
momento o comprimento de transferência lt torna-se muito pequeno
para causar novas fissuras. Esta situação é conhecida como Fissuração
Estabilizada, pois não ocorre o surgimento de novas fissuras.
Assim, concluı́mos que na situação de Fissuração Estabilizada o espaçamento
entre as fissuras não poderá ser inferior ao limite estabelecido na Eq. (7.19).
Este limite pode ser utilizado para se estimar o espaçamento entre as fissuras
na situação de fissuração estabilizada.
Além disso, feitas estas considerações podemos agora determinar a abertura
das fissuras na situação de fissuração estabilizada. Substituindo a Eq. (7.17) na
Eq. (7.16) e adotando τb = fb obtemos então a abertura das fissuras na situação
Estabilizada, dada por
 
φ fct fct
w= σs (0) − (1 + αρs ) βt . (7.20)
2fb ρs Es ρs
Uma vez que o módulo de elasticidade do aço Es é praticamente constante
e considerando βt = 0, 4, verificamos então que os principais fatores que afetam
a abertura das fissuras são:

ˆ diâmetro da armadura φ;
ˆ tensão última de aderência fb ;
ˆ resistência do concreto à tração fct ;
ˆ taxa de armadura ρs = As /Ac ;
ˆ tensão inicial na armadura σs (0);
ˆ relação entre rigidez α = Es /Ec .

Além disso, se considerarmos um dado tipo de concreto (definindo assim valores


para fct , fb , α) a abertura das fissuras depende basicamente de:
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 109

ˆ diâmetro da armadura φ;

ˆ taxa de armadura ρs = As /Ac ;

ˆ tensão inicial na armadura σs (0).

7.1.2 Fissuração Não-Estabilizada


Em algumas situações a tensão σs (0) pode ser insuficiente para que o tirante
atinja a situação de Fissuração Estabilizada. Neste caso temos a Fissuração
Não-Estabilizada, pois novas fissuras ainda poderão se formar à medida que
o carregamento for aumentado. O limite entre a situação estabilizada e não-
estabilizada é dada pelo momento no qual o valor de ∆σs calculado na situação
não-estabilizada atinge o valor calculado na situação estabilizada. O limite entre
as duas situações é então dado pela condição

σs (0) fct
= ,
1 + αρs ρs
de onde resulta
1 + αρs
σs (0) = fct .
ρs
Definindo o limite
1 + αρs
σsr = fct , (7.21)
ρs
o tirante estará então na situação não-estabilizada quando

σs (0) ≤ σsr .
Caso contrário estará na situação estabilizada.
Na situação não-estabilizada a deformação no concreto e na armadura ao
fim do comprimento de transferência lt devem ser iguais, como mostrado na
Figura 7.2a. Isto decorre da hipótese de perfeita aderência à uma distância
suficientemente grande da fissura. Temos então a condição

εc (lt ) = εs (lt ),
de onde resulta
1 As 1
(σs (0) − σs (lt )) = (σs (0) − ∆σs )
E c Ac Es

αρs ∆σs = σs (0) − ∆σs

σs (0)
∆σs = . (7.22)
1 + αρs
Assim, a abertura da fissura na situação não-estabilizada pode ser estimada
substituindo a Eq. (7.22) na Eq. (7.16).
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 110

Exemplo 7.1. Considere um tirante armado com as seguintes propriedades:


seção transversal retangular com b = 150mm, h = 250mm, armadura composta
de 4 barras de bitola φ = 16mm, concreto convencional com resistência fc =
30MPa, barras nervuradas em situação de boa aderência, Es = 210GPa, βt =
0, 4. Avalie o espaçamento máximo entre as fissuras e a abertura das fissuras
para σs (0) = 250MPa.
Solução:
Neste caso temos

Ac = bh = 37.500mm2

fct = 0, 3fc2/3 = 2, 9M P a

η1 η2 η3 = 2, 25

fb = η1 η2 η3 fct = 6, 52M P a

p
Eci = 5600 fc = 30672, 5M P a

Ecs = 0, 85Eci = 26071, 6M P a

As
ρs = = 0, 021
Ac
Es
α= = 8, 05
Ec
Note que utilizaremos o módulo de elasticidade secante Ecs para o concreto pois
este módulo é mais representativo do que o módulo inicial Eci .
O espaçamento máximo entre fissuras resulta
1 fct φ
sr,max = = 82, 9mm.
4 fb ρs
A tensão limite entre fissuração estabilizada e não-estabilizada é dada por
1 + αρs
σsr = fct = 158, 4M P a.
ρs
Assim, para σs (0) = 250MPa estamos na situação de Fissuração Estabili-
zada. Portanto, calculamos ∆σs com a Eq. (7.17), de onde resulta
fct
∆σs = = 135, 1M P a
ρs
Substituindo na Eq. (7.16) obtemos

w = 0, 147mm.
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 111

Note que o valor correto para ∆σs é o menor entre os valores das Eq. (7.17)
e (7.22). Isso porque o valor da Eq. (7.22) será inferior ao da Eq. (7.17) na
situação não-estabilizada e vice-versa. Esta é uma forma alternativa de verificar
se a fissuração encontra-se na situação estabilizada ou não.
Atividade 7.1. Considere o caso do Exemplo 7.1. Avalie a abertura das fissuras
caso a tensão aplicada seja σs (0) = 120MPa. Discuta os resultados.
Atividade 7.2. Considere o caso do Exemplo 7.1. Avalie o espaçamento
máximo e a abertura das fissuras caso as 4 barras de bitola φ = 16mm se-
jam trocadas por 16 barras de bitola φ = 8mm (a área total de aço seja mantida
mas o diâmetro das barras seja reduzido). Discuta os resultados.
Atividade 7.3. Considere o caso do Exemplo 7.1. Avalie o espaçamento
máximo e a abertura das fissuras caso seja utilizado concreto com resistência
fc = 45MPa. Discuta os resultados.
Atividade 7.4. Considere o caso do Exemplo 7.1. Avalie o espaçamento
máximo e a abertura das fissuras caso a seção tenha dimensões b = 250mm,
h = 300mm. Discuta os resultados.
Atividade 7.5. Considere o caso do Exemplo 7.1. Faça uma figura da abertura
da fissura w em função da tensão σs (0) para valores entre 0MPa e 500MPa.
Discuta os resultados.

7.2 Vigas de seção retangular


Os resultados anteriores foram obtidos para o caso de um tirante armado.
Porém, as mesmas expressões podem ser utilizadas para estimar a fissuração
em vigas e lajes desde que a taxa de armadura seja calculada de maneira apro-
priada. Neste caso, adota-se a taxa de armadura efetiva
As
ρse = , (7.23)
Ace
onde Ace é área de concreto efetiva em torno das armaduras tracionadas.
O EUROCODE 2 (2004) recomenda que a área efetiva seja calculada con-
siderando apenas a região indicada da Figura 7.4. Ou seja, adotamos a altura
efetiva

he = 2, 5(h − d), (7.24)


desde que o valor seja menor que o limite (h − y)/3 (no nosso caso a posição da
linha neutra é representado por y). O CEB (1993) define valores ligeiramente
diferentes, mas sem grandes implicações práticas.
No caso de vigas, a tensão σs (0) é aquela decorrente do momento fletor apli-
cado. Porém, esta tensão deve ser calculada desconsiderando a contribuição
do concreto tracionado na seção transversal. Em concreto armado dizemos
que esta é uma análise feita no Estádio II, pois considera que a parte traci-
onada encontra-se completamente fissurada e, portanto, não contribui com o
equilı́brio. Já o Estádio I ocorre quando a tensão máxima de tração não su-
pera a resistência do concreto à tração. Neste caso toda a seção transversal,
incluindo a parte tracionada, contribui com o equilı́brio.
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 112

Figura 7.4: Área efetiva em vigas e lajes


Fonte: CEB (1993)

Considerando o diagrama momento-curvatura da Figura 2.10, por exemplo,


identificamos os Estádios I e II conforme mostrado na Figura 7.5. Note que o
Estádio I ocorre antes do Momento de Fissuração, para o qual as fissuras
começam a se formar na parte tracionada. Já o Estádio II ocorre com a seção
transversal completamente fissurada na parte tracionada.

Figura 7.5: Estádios I e II

Estádio I
No Estádio I toda a seção transversal contribui com o equilı́brio. Assim, o
momento de inércia da seção transversal é aquele da seção bruta, dado por

bh3
Ic = . (7.25)
12
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 113

Estádio II
No Estádio II devemos desconsiderar a contribuição do concreto tracionado para
o equilı́brio. Assim, o momento de inércia é avaliado conforme ilustrado na Fi-
gura 5.8, através de uma seção equivalente onde a região de concreto tracionada
é descartada. Aqui vamos desconsiderar a armadura na parte comprimida.

Figura 7.6: Momento de inércia da seção fissurada


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

A área de concreto na região comprimida é

A1 = by, (7.26)
onde y é a posição da linha neutra. A área de aço é substituı́da por uma área
equivalente de concreto, posicionada na altura das armaduras, com valor
Es
A2 = As = αAs (7.27)
Ecs
A ponderação da área de aço pelo fator α amplifica a área de aço pelo fato deste
material ter maior módulo de elasticidade do que o concreto.
Considerando
As
ρ= , (7.28)
bh
e
d
δ= , (7.29)
h
do equilı́brio de momento em relação ao eixo da linha neutra temos
y
A1 = A2 (d − y),
2
de onde resulta
1 2
by − αρbh(δh − y) = 0
2
1 2
y − αρh(δh − y) = 0
2
1 2
y + αρhy − αρδh2 = 0.
2
A posição da linha neutra é raı́z da equação de segundo grau acima e resulta
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 114

p 
y= α2 ρ2 + 2αρδ − αρ h

que pode ser reescrita como


p 
y= k 2 + 2kδ − k h (7.30)

k = αρ. (7.31)
Aplicando o Teorema dos eixos paralelos em relação à linha neutra, o mo-
mento de inércia no Estádio II resulta finalmente

by 3
III = + (d − y)2 A2
3 (7.32)
by 3
= + (d − y)2 αAs .
3
O mesmo procedimento pode ser adotado para seções T, levando em consi-
deração se a linha neutra encontra-se dentro ou fora da mesa. Quando a linha
neutra se encontrar dentro da mesa, o resultado é igual ao anterior porém ado-
tando b = bf . Além disso, o procedimento pode ser adaptado para vigas com
armadura comprimida. Porém, a armadura comprimida não altera significati-
vamente o resultado, pois na parte comprimida já é considerada a contribuição
do concreto, que é significativamente maior.
Exemplo 7.2. Considere a seção dimensionada no Exemplo 2.7. Avalie o
espaçamento máximo entre fissuras e a abertura das fissuras caso o momento
aplicado seja M = 55kN.m
Solução:
Iniciamos calculando os parâmetros

Ac = 52.500mm2

As = 491mm2

Eci = 30672, 5M P a

Ecs = 26071, 6M P a

fct = 2, 90M P a

fb = 6, 52M P a.
A tensão σs (0) deve ser avaliada considerando a seção no Estádio II. Devemos
então calcular III , de onde resulta

ρ = 0, 009
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 115

α = 8, 05

δ = 0, 89

k = 0, 08

y = 104, 18mm

III = 224.071.819, 60mm4 = 224 × 106 mm4 .


A tensão na posição das armaduras pode ser agora calculada com a fórmula
da flexão
Mc
σ= , (7.33)
I
onde c é a distância da linha neutra até a posição de interesse. Neste caso temos

c=d−y (7.34)

c = 205, 82mm

σ = 50, 52M P a.
Porém, esta tensão é aquela calculada considerando uma área A2 = αAs , ampli-
ficada para levar em conta o fato de que o aço é mais rı́gido do que o concreto.
Assim, para obtermos a tensão real nas armaduras devemos ponderar o resulta
pelo fator α, de onde resulta

σs (0) = ασ, (7.35)

σs (0) = 406, 93M P a.


Antes de avaliarmos a abertura das fissuras devemos ainda determinar a taxa
de armadura efetiva ρse , que depende da altura efetiva da seção. No nosso caso
temos

he = 2, 5(h − d) = 100mm.
Porém, o valor é superior ao limite (h − y)/3 = 81, 94mm. Portanto, adotamos

he = 81, 94mm.
Temos então

Ace = bhe = 12.291, 04mm2

As
ρse = = 0, 04.
Ace
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 116

Determinamos agora o limite entre a situação estabilizada e não-estabilizada,


utilizando a taxa de armadura efetiva ρse , de onde resulta
1 + αρse
σsr = fct = 95, 84M P a.
ρse
Percebemos então que trata-se da situação estabilizada. Temos então

sr,max = 34, 8mm

w = 0, 122mm.
Atividade 7.6. Avalie a abertura das fissuras para a seção dimensionada na
Atividade 2.5 quando o momento fletor é igual a M = 200kN.m.
Atividade 7.7. Avalie a abertura das fissuras para a seção dimensionada na
Atividade 2.6 quando o momento fletor é igual a M = 130kN.m.

Atividade 7.8. Avalie a abertura das fissuras para a seção dimensionada na


Atividade 2.7 quando o momento fletor é igual a M = 100kN.m.
Atividade 7.9. Avalie a abertura das fissuras para a seção dimensionada na
Atividade 2.8 quando o momento fletor é igual a M = 220kN.m.

Outra forma de se avaliar a tensão σs (0) é utilizar as rotinas desenvolvidas


para determinar o diagrama momento-curvatura da seção transversal. Neste
caso basta identificarmos a tensão nas armaduras para o momento de interesse.
O procedimento fica facilitado neste caso, pois não requer a avaliação de III .
Exemplo 7.3. Considere a seção do Exemplo 2.2. Avalie o espaçamento
máximo e a abertura das fissuras caso o momento aplicado seja M = 52, 7kN.m.
Solução:
Da Figura 2.9, notamos que a tensão nas armaduras para o momento M =
52, 7kN.m é igual a

σs (0) = 335, 6M P a. (7.36)


Caso seja adotado o procedimento baseado no cálculo de III , como feito no
exemplo anterior, obtemos σs (0) = 335, 52M P a. Note que os valores são seme-
lhantes. Procedendo com o restante das contas obtemos

he = 100mm

sr,max = 75, 3mm

w = 0, 189mm.
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 117

7.3 Comparação com outras expressões


Diversas expressões para a estimativa da abertura de fissuras podem ser encon-
trada na literatura. Apesar de serem diferentes, a maioria delas leva em conta
os mesmos fatores principais.
O EUROCODE 2 (2004) utiliza a expressão

w = sr,max (εsm − εcm ) , (7.37)


onde sr,max é valor máximo do espaçamento das fissuras. Como vimos ante-
riormente, o espaçamento das fissuras é limitado ao valor dado na Eq. (7.19).
Assim, a expressão demonstrada aqui poderia também ser colocada neste for-
mato, substituindo 2lt = sr,max na Eq. (7.37). Porém, o EUROCODE 2 (2004)
define
φ
sr,max = k3 c + k1 k2 k4 ,
ρse
onde c é o cobrimento da armadura longitudinal e k1 , k2 , k3 , k4 são coeficientes
empı́ricos. Note que esta definição é muito parecida com aquela calculada ante-
riormente, pois depende basicamente da relação φ/ρse . Porém, a expressão do
EUROCODE 2 (2004) adiciona uma parcela decorrente do cobrimento. Além
disso, o EUROCODE 2 (2004) adiciona a condição
σs
(εsm − εcm ) ≥ 0, 6
Es
O código modelo CEB (1993) (que serve como base para o EUROCODE 2
(2004)) utiliza uma versão muito parecida com o EUROCODE 2 (2004), ado-
tando porém o espaçamento máximo entre fissuras como
φ
sr,max = .
3, 6ρse
Novamente, a expressão é conceitualmente parecida com as anteriores.
A norma americana permite que a abertura de fissuras seja estimada com a
expressão de Gergely-Lutz (McCormac and Brown, 2014), que é uma fórmula
empı́rica calibrada estatisticamente. A expressão é de fácil aplicação, mas não
é considerada precisa como as demais expressões mostradas anteriormente.
Por fim, a norma brasileira adota uma expressão diferente daquelas adotadas
anteriormente. Isso porque a norma brasileira adota uma verificação baseada
na fissuração ao redor de cada barra, considerando que as barras podem ter
diâmetros diferentes. Assim, a fissuração ao redor de uma dada barra é estimada
como o menor dos dois valores a seguir
φi σsi 3σsi
w=
12, 5η1 Esi fct
 
1 σsi 4
w= φi + 45 ,
12, 5η1 Esi ρsi
onde cada quantidade é avaliada para cada barra individualmente. As expressões
são equivalentes aquelas vistas aqui, sendo a primeira equivalente ao caso da
fissuração não-estabilizada e a segunda equivalente ao caso da fissuração esta-
bilizada. Porém, percebe-se que alguns valores foram fixados, decorrentes da
adoção de parâmetros caracterı́sticos para simplificar as expressões.
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 118

7.4 Considerações adicionais


As normas de projeto prescrevem valores admissı́veis para a abertura de fissu-
ras que não comprometam a durabilidade das estruturas. De forma geral, os
valores admissı́veis são 0, 2mm, 0, 3mm ou 0, 4mm, dependendo da finalidade da
estrutura.
Como visto anteriormente, é possı́vel controlar a abertura das fissuras im-
pondo limites ao diâmetro das barras e à tensão atuante. Por este motivo, todas
as normas de projeto prescrevem condições que, caso atendidas, dispensam o
cálculo da abertura das fissuras. As tabelas mostradas na Figura 7.7 mostram
as condições que, caso atendidas, dispensam o cálculo da abertura das fissuras
segundo o EUROCODE 2 (2004). Note que valores admissı́veis para o diâmetro
máximo das barras e o espaçamento das barras são prescritos em função da
tensão na armadura σs (0). Uma tabela análoga da norma brasileira é mos-
trada na Figura 7.8, que considera aberturas de fissura máxima igual a 0,3mm
para armaduras convencionais (passivas) e 0,2mm para armaduras protendidas
(ativas).

Figura 7.7: Casos onde o cálculo da abertura das fissuras é dispensado


Fonte: EUROCODE 2 (2004)

Na prática a maioria dos projetos é feito respeitando-se os limites impostos


por estas tabelas. Isso porque a maioria dos projetos não terá como fator deter-
minante a fissuração, tornando-se mais simples respeitar os limites das tabelas
do que calcular explicitamente a abertura das fissuras. Mesmo assim, em al-
guns projetos especiais o cálculo da abertura das fissuras é necessário, como em
estruturas não convencionais ou contendo substâncias especiais. Isso porque as
tabelas são confeccionadas com hipóteses que não são válidas em alguns casos
particulares, como explicitado nas tabelas do EUROCODE 2 (2004).
CAPÍTULO 7. FISSURAÇÃO EM VIGAS 119

Figura 7.8: Casos onde o cálculo da abertura das fissuras é dispensado


Fonte: NBR-6118 (2014)
Capı́tulo 8

Flechas em vigas

Neste capı́tulo será abordado o cálculo de deslocamentos (flechas) em vigas.

8.1 Análise Não-Linear


Anteriormente vimos que os diagramas momento-curvatura relacionam o mo-
mento aplicado com a curvatura resultante em uma dada seção transversal (ver
Figura 2.10). Neste contexto, a Rigidez Tangente é definida como

dM (θ)
EIt (θ) = ,

ou seja, como a taxa de variação pontual da curvatura em relação ao momento
aplicado. Graficamente identificamos a rigidez tangente como sendo a inclinação
do diagrama momento-curvatura em um dado ponto de interesse. Como a rigi-
dez EIt depende do valor da curvatura θ a análise estrutural adotando a rigidez
tangente torna-se não-linear.
O procedimento mais geral para avaliar flechas em vigas de concreto armado
é aplicar Análise Estrutural Não-Linear, que consiste em resolver o pro-
blema adotando a rigidez como função da curvatura (ou seja, adotando a relação
não-linear entre o momento e a curvatura). Esta abordagem permite uma
modelagem precisa do comportamento estrutural. Porém, a adoção das não-
linearidades dificulta a análise estrutural, pois não existem soluções analı́ticas
mesmo em casos simples. Além disso, caso sejam utilizados métodos compu-
tacionais, o problema resultante envolve a solução de um sistema de equações
não-lineares. Este é um procedimento complexo em comparação com a solução
dos sistemas lineares, decorrentes de uma análise estrutural linear.
Por estes motivos, a avaliação de flechas em vigas e lajes é geralmente feita
adotando-se um modelo linear equivalente. No caso de vigas de concreto armado
utilizamos como rigidez equivalente a Rigidez Secante, definida como

M (θ)
EIs (θ) = .
θ
A rigidez secante é a taxa de variação média entre a origem do diagrama
momento-curvatura e a curvatura de interesse θ. Além disso, a rigidez secante

120
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 121

também depende de θ, pois o momento M depende de forma não-linear da cur-


vatura θ. Assim, uma análise estrutural baseada na rigidez secante também é,
à princı́pio, não-linear.
Porém, podemos realizar uma análise linear aproximada adotando como ri-
gidez da viga a rigidez secante EIs calculada para um valor de θ que represente
bem a situação da estrutura. Ou seja, podemos transformar o modelo estrutural
não-linear em um modelo linear aproximado adotando uma rigidez secante para
um dado valor de θ.

8.2 Análise Linear Equivalente


Em estruturas de concreto armado, a rigidez secante equivalente é geralmente
calculada utilizando o módulo de elasticidade secante do concreto Ecs . As nor-
mas de projeto apresentam expressões que podem ser utilizadas para estimar
este módulo de elasticidade em função da resistência do concreto. A norma
brasileira prescreve, por exemplo

Ecs = 0, 85Eci , (8.1)

p
Eci = 5600 fc , (8.2)
onde fc é dado em MPA.
Além disso, o cálculo da rigidez à flexão deve levar em conta a fissuração da
seção transversal. Como visto anteriormente, a fissuração causa uma redução
do momento de inércia efetivo da seção transversal.
Para estimar o momento de inércia da seção transversal devemos primeira-
mente determinar o Momento de Fissuração, para saber se a seção encontra-
se no Estádio I ou II (não-fissurada ou fissurada). Diversas normas de projeto
estimam o momento de fissuração com a expressão
fct Ic
Mr = α , (8.3)
yt
onde yt é a distância do centro de gravidade da seção transversal até a fibra
mais tracionada e α é um fator de forma da seção transversal. Para seções
retangulares podemos adotar α = 1, 5.

Exemplo 8.1. Estime o momento de fissuração da Seção do Exemplo 2.2 com


a expressão analı́tica.
Solução:
Neste caso temos

Ic = 2, 08 × 109 mm4

yt = 250mm

fct = 2, 9M P a

Mr = 36, 2kN.m.
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 122

Note que neste caso a expressão analı́tica super-estima o momento de fissuração


estimado com o diagrama momento-curvatura (aproximadamente 18kN.m).

Uma vez que o momento de fissuração seja conhecido, a rigidez da seção


transversal pode ser estimada analiticamente adotando I = Ic no Estádio I e
I = III no Estádio II.
Exemplo 8.2. Estime a rigidez à flexão da Seção do Exemplo 2.2 para um
momento igual a 60kN.m com a expressão analı́tica. Compare o resultado com
a rigidez secante obtida do diagrama momento-curvatura.
Solução:
O momento de fissuração desta seção transversal é Mr = 36, 2 kN.m. Como
o momento atuante é superior ao momento de fissuração, a seção encontra-se
no Estádio II e o momento de inércia é igual a III . Neste caso temos

y = 100, 8mm

III = 4, 34 × 108 mm4

EIeq = Ecs III = 1, 13 × 1013 kN.mm2 ,


Do diagrama momento-curvatura obtido para o Exemplo 2.2 notamos que para
um momento igual a 60kN.m a curvatura resultante é aproximadamente 5, 7 ×
10−6 mm. Assim, a rigidez secante resulta

M 60 × 106
EIs = = = 1, 05 × 1013 kN.mm2 .
θ 5, 7 × 10−6
Note que a estimativa analı́tica da rigidez efetiva da seção transversal é precisa
o suficiente para a maior parte dos casos de interesse prático.

Como visto no exemplo anterior, é possı́vel estimar adequadamente a rigidez


efetiva da seção transversal adotando o momento de inércia III da seção fissu-
rada. Porém, esta estimativa vale apenas para a rigidez em um ponto da viga.
Na prática a rigidez efetiva varia ao longo da viga, uma vez que a curvatura não
é constante. Para uma viga contı́nua, que é a a situação mais usual em edifı́cios,
a situação é como ilustrada na Figura 8.1. Nas regiões onde o momento fletor
não é muito elevado as seções estarão no Estádio I, tendo rigidez Ic obtida com a
seção não-fissurada. Apenas nas regiões onde o momento é elevado (no meio do
vão e junto aos apoios contı́nuos) as seções estarão no Estádio II, tendo rigidez
III obtida com a seção fissurada.
Para efeitos de cálculo da flecha em vigas é necessário considerar esta va-
riação de rigidez ao longo do vão. Uma forma de fazer a análise seria dividir
a viga em diversas sub-regiões e atribuir a rigidez Ic ou III dependo do estado
de fissuração naquela posição. Porém, este tipo de análise seria muito oneroso
para a maior parte das finalidades práticas.
Uma abordagem para considerar a variação de rigidez ao longo do vão é
adotar a rigidez equivalente

EIeq = Ecs γ 3 Ic + (1 − γ 3 )III ≤ Ecs Ic ,


 
(8.4)
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 123

Figura 8.1: Rigidez ao longo de uma viga contı́nua


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

onde γ é o fator de ponderação


Mr
γ= (8.5)
Ma
e Ma é o momento atuante. Como o momento fletor varia ao longo da viga, o
valor de Ma deve ser adotado como um valor representativo ao longo do com-
primento. Para vigas contı́nuas ou simplesmente apoiadas, o momento atuante
deve ser adotado como o valor do momento no meio do vão. Em vigas em
balanço, deve ser adotado o valor no engaste. Esta estimativa é adotada por di-
versas normas de projeto e tem como base a análise de casos usuais em edifı́cios.
Por este motivo, não é recomendada para situações não-usuais.
A rigidez equivalente EIeq é ilustrada na Figura 8.2. A expressão é ba-
sicamente uma ponderação entre Ic e III . A ponderação é feita pela relação
entre o momento atuante Ma e o momento de fissuração Mr elevado ao cubo e
converge rapidamente para III à medida que o momento atuante aumenta. O
limite Ecs Ic é imposto para garantir que a rigidez equivalente não ultrapasse
aquela do Estádio I.
É importante ressaltar que este procedimento de análise é aproximado. Isso
porque é adotado um valor fixo para rigidez da viga, o que é uma aproximação.
Além disso, é adotado um valor constante para a rigidez ao longo da viga, o que
também é uma aproximação. Porém, estas aproximações são permitidas pelas
normas de projeto para que seja possı́vel verificar as flechas em vigas e lajes
sem que o projetista precise recorrer à Análise Estrutural Não-Linear. Mesmo
assim, em projetos particulares e não usuais é recomendável que as flechas sejam
avaliadas com técnicas computacionais mais precisas.
Exemplo 8.3. Estime o deslocamento no meio do vão de uma viga simples-
mente apoiada de comprimento l = 3m com carregamento concentrado no meio
do vão igual a P = 40kN. A viga possui seção transversal retangular simples-
mente armada com b = 150mm, h = 300mm, d = 262, 5mm, fc = 20MPa,
fy = 500MPa, Es = 200GPa e três barras de bitola φ = 12, 5mm.
Solução:
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 124

Figura 8.2: Rigidez equivalente


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

Neste caso temos

fct = 2, 2M P a

Ecs = 21, 3GP a

Ic = 3, 38 × 108 mm4

y = 89, 4mm

III = 1, 40 × 108 mm4

Mr = 7, 5kN.m

γ = 0, 25

EIeq = Ecs [0, 015Ic + 0, 985III ] = 3, 04 × 1012 kN.mm2 .


O deslocamento máximo em uma viga simplesmente apoiada com carga con-
centrada no meio do vão é dado por

P L3
v= ,
48EI
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 125

de onde resulta

v = 7, 4mm.
Na Figura 8.3 é mostrada a relação carga-deslocamento desta viga obtida
com software de Análise Estrutural Não-Linear. Note que para P = 40kN o
deslocamento estimado é semelhante àquele obtido com análise não-linear.

Figura 8.3: Relação carga-deslocamento no meio do vão


Fonte: de Melo et al. (2020)

Atividade 8.1. Considere a seção dimensionada na Atividade 2.5. Suponha


que a viga é simplesmente apoiada, com vão igual a 7m e carregamento uniforme
igual a 30kN/m. Avalie a flecha imediata.

Atividade 8.2. Considere a seção dimensionada na Atividade 2.6. Suponha


que a viga é simplesmente apoiada, com vão igual a 5m e carregamento uniforme
igual a 40kN/m. Avalie a flecha imediata.
Atividade 8.3. Considere a seção dimensionada na Atividade 2.7. Suponha
que a viga é simplesmente apoiada, com vão igual a 5m e carregamento uniforme
igual a 30kN/m. Avalie a flecha imediata.

8.3 Flecha Diferida no Tempo


Em praticamente todos os tipos de estruturas observa-se que os deslocamentos
aumentam com o passar dos anos, mesmo sob carregamentos praticamente cons-
tates. Isto ocorre principalmente por conta da Fluência, que é aumento das
deformações em um material sob tensões constantes. A fluência é um fenômeno
estudado em detalhes em livros sobre viscoelasticidade e não será visto aqui
em detalhes. Aqui veremos apenas alguns modelos usualmente adotados para
estruturas de concreto armado.
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 126

O CEB (1993) apresenta uma discussão detalhada de como a fluência pode


ser estimada, considerando aspectos como o tipo de concreto, a umidade relativa
do ambiente e a resistência do concreto. Já a norma brasileira e a norma ameri-
cana consideram uma avaliação simplificada da fluência, onde são considerados
valores representativos para os parâmetros anteriores. A norma europeia adota
uma abordagem intermediária entre a versão simplificada da norma americana
e a versão detalhada do CEB (1993). Consideraremos aqui o caso da norma
brasileira, que é praticamente idêntica à norma americana neste aspecto.
A flecha no tempo t pode ser escrita como

u(t) = u(0) (1 + αf ) , (8.6)


onde u(0) é o deslocamento imediato e αf é o coeficiente de amplificação decor-
rente da fluência. Este coeficiente é dado por
∆ξ
αf = , (8.7)
1 + 50ρ0
onde ρ0 é a taxa de armadura tracionada (COMPRIMIDA! CORRIGIR!)

A0s
ρ0 = , (8.8)
bd
e ∆ξ é um fator que depende da duração do carregamento aplicado, dado por

∆ξ = ξ(t) − ξ(t0 ). (8.9)


Os valores de ξ para carregamentos de diferentes durações podem ser obtidos
da tabela 17.1 da NBR-6118 (2014), reproduzida na Figura 8.4. Esta tabela é
análoga à Figura 8.5, baseada na norma americana. Note que o coeficiente de
fluência cresce com o passar do tempo mas converge para ξ = 2 para t → ∞.
Ou seja, para carregamentos de longa duração (superior a 70 meses) podemos
considerar ξ = 2.

Figura 8.4: Coeficientes de fluência


Fonte: NBR-6118 (2014)

Note que o coeficiente ∆ξ considera a diferença entre ξ(t) e ξ(t0 ). Isso


porque o coeficiente considera que nem todos os carregamentos serão aplicados
na estrutura ao mesmo tempo. O peso próprio da estrutura, por exemplo, atua
desde a idade inicial da estrutura. Assim para o carregamento permanente (dead
load ) decorrente do peso próprio da estrutura temos

t0 = 0, (peso próprio da estrutura).


Caso o restante do peso próprio da construção (paredes, entre outros) seja apli-
cado com 30 dias, por exemplo, temos então
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 127

Figura 8.5: Coeficientes de fluência


Fonte: Wight and MacGregor (2012)

t0 = 1, 0, (restante do peso próprio da construção).


Para carregamentos que atuem por mais de 70 meses temos então

∆ξ = 2, 0 − 0, 00 = 2, 00 (peso próprio da estrutura)

∆ξ = 2, 0 − 0, 68 = 1, 32 (restante do peso próprio da construção após 1 mês).


O carregamento de serviço (live load ), decorrente do uso da estrutura, geral-
mente é aplicado alguns meses após a idade inicial. Considerando por exemplo
que o carregamento de serviço seja aplicado a uma idade t = 4 temos então

∆ξ = 2, 0 − 1, 04 = 0, 96 (carregamento de serviço após 4 meses).


Para carregamentos aplicados em outros momentos deve-se avaliar o coeficiente
de forma análoga.
Percebe-se assim que o coeficiente ∆ξ é, de forma geral, diferente para cada
tipo de carregamento. Por este motivo, a flecha total diferida no tempo deve ser
avaliada considerando a parcela de cada tipo de carregamento individualmente.
Ou seja, a flecha total diferida no tempo deve ser avaliada como
n
X
u(t) = ui (0)(1 + αf i ), (8.10)
i=1
onde ui (0) é o deslocamento imediado causado pelo carregamento i e αf i é o
coeficiente do carregamento i.
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 128

Exemplo 8.4. Considere uma viga com taxa de armadura ρ = 0, 3/100 sujeita
ao seu peso próprio, ao peso próprio da construção (paredes) e a uma sobrecarga
de utilização. Os deslocamentos imediatos decorrentes de cada carregamento
são respectivamente 4mm, 7mm e 5mm. Considerando que o peso próprio da
construção atua a partir de 15 dias e que a sobrecarga de utilização atua a partir
de 5 meses, determine a flecha diferida no tempo após 70 meses.
Solução:
Neste caso temos

∆ξ = 2, 0 − 0, 00 = 2, 00 (peso próprio da viga)

∆ξ = 2, 0 − 0, 54 = 1, 46 (peso próprio da construção)

∆ξ = 2, 0 − 1, 12 = 0, 88 (sobrecarga de utilização),

αf i = 1, 74 (peso próprio da viga)

αf i = 1, 27 (peso próprio da construção)

αf i = 0, 77 (sobrecarga de utilização),

u(t > 70) = 4 × (1 + 1, 74) + 7 × (1 + 1, 27) + 5 × (1 + 0, 77) = 35, 67mm.

Atividade 8.4. Considere a viga da Atividade 8.1. Suponha que o carrega-


mento seja composto por: peso próprio da viga, peso próprio da construção
(18kN/m) e sobrecarga de utilização (8kN/m). Considere que o peso próprio da
construção seja aplicado na idade 1 mês e a sobrecarga seja aplicada na idade 4
meses. Estime a flecha diferida no tempo após 70 meses. Estime o peso próprio
da viga considerando um peso especı́fico para o concreto igual a 2500kg/m3 .
Atividade 8.5. Considere a viga da Atividade 8.2. Suponha que o carrega-
mento seja composto por: peso próprio da viga, peso próprio da construção
(24kN/m) e sobrecarga de utilização (12kN/m). Considere que o peso próprio
da construção seja aplicado na idade 15 dias e a sobrecarga seja aplicada na
idade 10 meses. Estime a flecha diferida no tempo após 70 meses. Estime o
peso próprio da viga considerando um peso especı́fico para o concreto igual a
2500kg/m3 .
Atividade 8.6. Considere a viga da Atividade 8.3. Suponha que o carrega-
mento seja composto por: peso próprio da viga, peso próprio da construção
(15kN/m) e sobrecarga de utilização (10kN/m). Considere que o peso próprio
da construção seja aplicado na idade 1 mês e a sobrecarga seja aplicada na idade
6 meses. Estime a flecha diferida no tempo após 70 meses. Estime o peso próprio
da viga considerando um peso especı́fico para o concreto igual a 2500kg/m3 .
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 129

8.4 Estimativas e pré-dimensionamento


8.4.1 Momento de inércia
Como visto anteriormente, a avaliação da fissuração e o cálculo de flechas re-
quer a avaliação do momento de inércia da seção fissurada III . Porém, esta
avaliação requer que seja conhecida a taxa de armadura da seção transversal.
Isso impede que III possa ser calculado nas fases iniciais do projeto, quando a
área de armadura das vigas e lajes ainda não foram definidas. Neste contexto,
é importante obter estimativas mais simples para III , que possam ser utiliza-
das nas fases iniciais do projeto. Isto pode ser feito adotando-se alguns valores
representativos para os parâmetros que afetam III .
O primeiro destes parâmetros é a taxa de armadura. Todas as normas de
projeto definem taxas mı́nimas de armadura que devem ser prescritas no projeto.
No caso da norma brasileira, o projeto de vigas/lajes devem satisfazer a taxa
mı́nima absoluta é de 0,15 %. Ou seja, a armadura tracionada em elementos
sujeitos à flexão não pode nunca ser inferior a este valor. Além disso, na maioria
dos casos usuais observa-se que a taxa de armadura resulta em torno de 0,6%.
Assim, podemos adotar a simplificação
0, 6
ρs = . (8.11)
100
Além disso, a maioria das lajes possui relação altura total/altura útil superior
a 0,75 (esta situação equivale a h = 10cmm e d = 7, 5cm). Já as vigas costumam
possuir relação d/h superior a 0,9. Assim, podemos adotar a simplificação

0, 75, lajes
δ= (8.12)
0, 90, vigas
Por fim, para concretos com fc = 30MPa temos Es /Ecs = 8, 05. Assim,
podemos adotar a simplificação

α = 8, 0. (8.13)
Os valores ρs = 0, 6/100 e α = 8, 0 são representativos do que ocorre na maior
parte dos casos usuais. Substituindo estes valores na Eq. (7.32) e utilizando os
valores de δ da Eq. (8.12) temos

0, 017bh3 , lajes

III =
0, 025bh3 , vigas
Estes valores podem ser aproximados por

0, 20Ic , lajes
III = (8.14)
0, 30Ic , vigas
Estas estimativas demonstram que o momento de inércia das seções transversais
fissuradas é significativamente inferior ao momento de inércia da seção bruta.
Isso ocorre principalmente para as lajes, uma vez que a relação d/h costuma ser
inferior nestes casos.
Em situações usuais, o momento atuante nas seções costuma ser da ordem
de 2 vezes o momento de fissuração Mr . Assim, podemos adotar a aproximação
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 130

1
γ= ,
2
de onde resulta

EIeq = Ecs [0, 125Ic + 0, 875III ] .


Adotando as aproximações anteriores temos

0, 30Ecs Ic , lajes
EIeq ≈ (8.15)
0, 40Ecs Ic , vigas
Estas considerações demonstram que para análises preliminares, quando as
armaduras das seções transversais ainda não tiverem sido dimensionadas, po-
demos adotar as Eqs. (8.14)-(8.15) para estimar a rigidez à flexão das vigas e
lajes. Porém, estas estimativas devem ser corrigidas quando a quantidade de
armadura seja definida e não é válida para situações não-usuais.

8.4.2 Flecha diferida no tempo


A avaliação da flecha de acordo com Eq. (8.10) é trabalhosa, pois envolve a
determinação de diversas parcelas. Isto dificulta o procedimento de projeto
considerando que as verificações precisam ser feitas para diversas vigas e la-
jes. Além disso, estruturas usuais de concreto não costumam ter problemas em
atender os requisitos de deslocamentos admissı́veis.
Por estes motivos, a norma americana e a norma europeia permitem a veri-
ficação indireta das flechas. Isso é feito avaliando se a relação altura/vão da viga
satisfaz requisitos pré-estabelecidos que, em situações usuais, garantem que a
flecha seja inferior aos limites admissı́veis. Assim, a maioria dos projetos feitos
de acordo com estas normas substituem o cálculo das flechas em vigas e lajes
por verificações da geometria da seção transversal.
A norma brasileira não considera este tipo de verificação indireta para os
deslocamentos. Porém, na maioria dos casos usuais as flechas observadas são
bastante inferiores aos limites normativos. Assim, é possı́vel adotar inicialmente

αf = 2, 0
para todos os carregamentos da estrutura. A flecha assim estimada resulta

u(t) = u(0) (1 + 2) = 3u(0),


onde neste caso u(0) é a flecha causada por todos os carregamentos simultane-
amente. Ou seja, podemos estimar a flecha diferida no tempo multiplicando a
flecha imediata por 3.
Esta expressão sobre-estima o valor que seria encontrado com a Eq. (8.10),
pois considera o maior coeficiente de fluência possı́vel. Mesmo assim, a flecha
assim estimada será inferior aos limites impostos pelas normas para a maioria
das vigas e lajes. Desta maneira, a Eq. (8.10) precisa ser avaliada apenas
caso a flecha sobre-estimada com a expressão acima não atenda às prescrições
normativas.
Em alguns casos é necessário realizar análises estruturais preliminares, antes
que as seções sejam de fato dimensionadas. Nestes casos deve-se considerar que
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 131

os deslocamentos à longo prazo são da ordem de 2,5 a 3,0 vezes o valor dos
deslocamentos imediatos. Esta informação é importante durante a concepção
estrutural e o pré-dimensionamento.

8.4.3 Flechas admissı́veis


As normas de projeto definem valores admissı́veis para a flecha máxima em viga
e lajes em função dos requisitos a serem atendidos. Para vigas que sustentam
paredes de alvenaria, por exemplo, a NBR-6118 (2014) estabelece que as flechas
máximas devem satisfazer

l/500
u(t) ≤ (vigas), (8.16)
1cm
onde l é o vão da viga. Para lajes usuais que não sustentem paredes a NBR-6118
(2014) estabelece que as flechas máximas devem satisfazer

u(t) ≤ l/250, (lajes) (8.17)


onde l é o menor vão.

Exemplo 8.5. Considere uma viga simplesmente apoiada de concreto armado


com vão igual a 5m e sujeita aos seguintes carregamentos: peso próprio, paredes
(8,5kN/m) e sobrecarga de utilização (10kN/m). Pré-dimensione uma seção
transversal retangular para que a flecha seja inferior a l/500.
Solução:
Por se tratar de pré-dimensionamento da seção transversal, na ausência de
maiores informações adotaremos fc = 30MPa. Temos então Ecs = 26GPa.
Considerando um peso especı́fico de 2500kg/m3 para o concreto armado, o car-
regamento distribuı́do na viga resulta

w = 8, 5 + 10, 0 + 24, 5bh, kN/m.


O deslocamento admissı́vel na viga é dado por v = l/500 = 0, 01mm. Para
efeitos de pré-dimensionamento da seção podemos adotar αf = 3, 0. Assim, o
deslocamento imediato admissı́vel é dado por
0, 01
u(0) = = 0, 0033m.
3, 0
O deslocamento máximo em uma viga simplesmente apoiada sujeita a um
carregamento uniforme é dado por

5wl4
v= .
384EI
Consideraremos aqui o momento de inércia

bh3
I = 0, 85Ic = 0, 85
.
12
Adotando b = 15cm e usando uma planilha eletrônica determinamos, por
tentativa e erro, que para uma altura h = 60cm resulta

w = 20, 7kN/m
CAPÍTULO 8. FLECHAS EM VIGAS 132

I = 0, 00230m4

v = 0, 0028m,
que é inferior ao deslocamento imediato admissı́vel. Assim, podemos adotar
inicialmente a seção transversal retangular de dimensões 15x60 cm. Isto nos
possibilita analisarmos a estrutura e procedermos com o dimensionamento de-
talhado da viga. Além disso, note que é necessário verificar a flecha novamente
ao final do processo de dimensionamento, pois os valores reais dos parâmetros
podem ser distintos daqueles adotados aqui.
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