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DETERMINAÇÃO DOS ÍNDICES DE ANISOTROPIA EM CHAPAS METÁLICAS1.

Rodrigo Magnabosco
Mestre em engenharia. Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da FEI.
Av. Humberto de Alencar Castelo Branco, 3972-CEP 09850-901 S.B. Campo-S.P.
rodrmagn@cci.fei.br

Clarissa G. Lima
Aluna de graduação do Departamento de Engenharia Mecânica da FEI.

Alexandra Sílvia Matheisen


Aluna de graduação do Departamento de Engenharia Mecânica da FEI.
Av. Humberto de Alencar Castelo Branco, 3972-CEP 09850-901 S.B. Campo-S.P.

RESUMO

Materiais cuja estrutura pode apresentar uma orientação preferencial dos grãos após
algum processo de deformação são chamados de materiais anisotrópicos, já que tais materiais
podem apresentar, por exemplo, diferentes comportamentos quando deformados (como
ondulação nas bordas de objetos estampados ou variações de espessura das chapas numa dada
direção após a conformação mecânica da mesma). Assim, o presente trabalho apresenta um
estudo a respeito do comportamento anisotrópico de chapas de aço inoxidável AISI 304, aço
carbono ABNT 1008 e latão 67-33. A quantificação do comportamento anisotrópico foi
possível através da obtenção dos índices de anisotropia normal e planar dos diferentes materiais
estudados. Concluiu-se que os ensaios de anisotropia apresentaram resultados coerentes e
reprodutíveis estatisticamente quando realizados em deformações elevadas dentro do regime
de deformação plástica uniforme (onde a tensão aplicada é próxima ao limite de resistência do
material), do que quando realizados com pequenas porcentagens de deformação (em tensões
pouco superiores ao limite de escoamento).

ABSTRACT

Materials which structure have a preferably grain orientation after deformation


processes are called anisotropic materials, since these materials could present, for example,
diferent behaviours when deformed (like variation in the thickness of sheets in a specific
direction after mechanical shaping). So, the present work presents a study concerning the
anisotropic behaviour of stainless steel AISI 304, carbon steel ABNT 1008 and brass 67-33
sheets. The quantification of the anisotropic behaviour was possible through the attainment of
the indexes of normal and planar anisotropy of the studied materials. It has been concluded that
the anisotropic test presented coherent results when realized with high deformation in the
uniform plastic deformation zone (where the stress is near the tensile strength of the material),
which do not occur when it was realized with low deformation percentages (and stresses a little
higher than the yield point).
1
Trabalho apresentado no 13º CBECIMAT
I. OBJETIVOS

O objetivo deste estudo foi determinar experimentalmente o limite de escoamento, o


limite de resistência e o alongamento total de chapas de três materiais: aço SAE 1008, aço
inoxidável AISI 304 e latão 67-33. Esses valores foram medidos em três orientações diferentes
na chapa em relação à direção de laminação. Além destas propriedades, foi caracterizado o
grau de anisotropia de cada material, através dos cálculos do índice de anisotropia normal
médio e de anisotropia planar.

II. INTRODUÇÃO TEÓRICA

Para um mesmo material, propriedades físicas e mecânicas medidas em direções


cristalográficas diferentes podem apresentar valores diferentes. Quando isso acontece se diz
que o material é anisotrópico. Um material é dito isotrópico quando suas propriedades físicas e
mecânicas possuem um mesmo valor, independente da direção na qual elas são medidas [1].
As propriedades físicas dos monocristais são geralmente muito influenciadas pela
direção na qual são medidas. Ou seja, na maioria dos casos os monocristais são anisotrópicos
[2]
. Nessas situações, apesar de cada monocristal ser anisotrópico, o material (que é um
agregado desses cristais) pode ser isotrópico [1]. Isto ocorre pois em um material policristalino
considera-se que os cristais estão orientados ao acaso, compensando a anisotropia de cada
cristal. No entanto essa compensação nunca é total. É impossível, através dos processos de
fabricação utilizados atualmente, alcançar-se uma orientação uniforme ou totalmente ao acaso
dos grãos. Durante o processamento o material adquire uma orientação preferencial, e esta
orientação preferencial do material é chamada de textura [2].

ÍNDICES DE ANISOTROPIA:

A anisotropia cristalográfica afeta em maior escala a tensão limite de escoamento e a


resistência mecânica. Estas propriedades podem variar dependendo da direção na qual foram
medidas. Em chapas, pode-se definir assim três direções principais. A direção principal de
trabalho é a direção longitudinal. A direção transversal é a perpendicular à longitudinal [5].
Determina-se também uma direção principal orientada a 45º da direção longitudinal.
Anisotropia normal:
O fator r, que mede a anisotropia normal, é a razão entre a deformação na largura e a
deformação na espessura de uma chapa, como pode ser visto na equação 1 [5]:

r = εw = ln (wo / w) (eq. 1)
εt ln (to / t)

onde,
wo : largura inicial;
w : largura final;
to : espessura inicial;
t : espessura final.

Se um material possui um alto valor de r significa que ele oferece grande resistência à
deformação plástica na direção da espessura [5].
No caso de chapas finas, as medidas da espessura não são precisas, assim a equação 1
pode ser reescrita, aplicando-se a relação de volume constante. Obtém-se assim a equação 2 [5]:

r = ln (wo / w) (eq. 2)
ln (Lw / Lowo)

onde,
Lo : comprimento inicial;
L : comprimento final.

Chapas laminadas apresentam variação das propriedades elásticas e plásticas de acordo


com a direção de laminação a qual foram sujeitas. O índice de anisotropia r pode ser medido
em chapas com direções de laminação diferentes, variando de 0º a 90º. O índice r0º seria o
índice de anisotropia medido em uma direção longitudinal à direção de laminação; e r90º o
índice de anisotropia medido em uma direção transversal à direção de laminação. Neste caso
costuma-se utilizar um valor médio (rm) de anisotropia planar para diferentes direções,
representado pela equação 3 [5]:

rm = (r0º + 2.r45º + r90º) (eq. 3)


4

Este valor está relacionado com o desempenho do material na estampagem. O ideal é


que o material possua um alto valor de rm, o que significa que não haverá grande redução da
espessura. Para chapas de aço o valor de rm varia entre 1 e 2, sendo que o limite teórico para
materiais CCC seria 3 [5].
Anisotropia planar:
A anisotropia planar representa a variação da deformação no plano de uma chapa. O
índice de anisotropia planar ∆r é calculado de acordo com a equação 4:

∆r = (r0º + r90º - 2r45º) (eq.4)


2

Este índice representa a diferença entre os valores de r nas direções transversal,


longitudinal e 45º. Se ∆r apresenta um alto valor significa uma diferença grande entre os
índices de anisotropia nas direções consideradas, o que não é ideal em um processo de
conformação mecânica, pois podem aparecer “orelhas” indesejadas na peça estampada [6].

III. MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado ensaio de tração em chapas de 1 mm de espessura de três materiais


diferentes: latão 67-33, aço SAE 1008 e aço inoxidável AISI 304. As tabelas 1, 2 e 3
apresentam a composição química de cada material. As chapas foram cortadas em três direções
diferentes de laminação. Algumas chapas foram cortadas no mesmo sentido da laminação, ou
seja, 0º em relação ao sentido de laminação; outras formaram 45º e outras formaram 90º com o
sentido de laminação. Estes ensaios foram realizados segundo a norma NBR 6673, e através
deles determinou-se o limite de escoamento, de resistência e o alongamento de cada material
para cada direção.
Seguindo a norma ASTM E517, foram realizados ensaios de anisotropia para cada
material, para as três diferentes direções (0º, 45º e 90º), adotando-se dois patamares de tensão:
o primeiro superior, mas próximo ao limite de escoamento e o segundo próximo ao limite de
resistência. As deformações foram portanto, mantidas dentro do regime de deformação plástica
uniforme. Foram medidos assim o comprimento (l), a espessura (t) e a largura (w) das chapas
antes e depois do ensaio, para o cálculo dos índices de anisotropia.

TABELA 1: Composição química do latão ensaiado

Elemento Cu S Fe Pb Zn
% peso 66,78 0,019 0,001 0,006 33,17

TABELA 2: Composição química do aço SAE 1008 ensaiado

Elemento C S Mn Si Al
% peso 0,069 0,023 0,30 0,025 0,048
TABELA 3: Composição química do aço inoxidável ensaiado

Elemento C Si S Mn P Cr Ni Mo Fe
% peso 0,048 0,27 0,01 1,18 0,033 18,21 8,53 0,36 restante

IV. RESULTADOS

Foram determinados valores médios para os limites de escoamento e de resistência para


o aço SAE 1008 ( Tabela 4), para o latão (Tabela 5) e para o aço inoxidável (Tabela 6). Nas
tabelas também são apresentados os alongamentos médios de cada material em 50 mm.

TABELA 4: Valores médios das propriedades mecânicas do aço SAE 1008

0º 45º 90º
σe (MPa) 301,5±10,59 314,8±2,33 330,7±6,18
σr (MPa) 377,4±6,71 393,6±2,94 393,1±11,30
alongamento (%) 26,78±0,42 22,23±1,55 25,11±0,79

TABELA 5: Valores médios das propriedades mecânicas do latão 67-33

0º 45º 90º
σe (MPa) 145,1±2,82 140,9±2,53 150,6±0,44
σr (MPa) 347,1±5,80 335,2±6,04 339,0±4,40
alongamento (%) 48,00±0,70 51,45±3,03 59,95±5,33

TABELA 6: Valores médios das propriedades mecânicas do aço inoxidável


AISI 304

0º 45º 90º
σe (MPa) 357,0±10,75 369,6±13,66 348,4±1,38
σr (MPa) 674,5±0,73 674,5±1,59 671,7±11,06
alongamento (%) 53,08±1,42 55,59±2,95 60,9±3,39
O primeiro patamar de tensão adotado para o ensaio de anisotropia foi superior mas
próximo ao limite de escoamento. As Tabelas 7, 8 e 9 apresentam os valores de r nas direções
0º, 45º e 90º com os respectivos desvios padrão, além dos valores de anisotropia normal média
(r m) e anisotropia planar (∆r).

TABELA 7: Valores de anisotropia planar e normal para o aço SAE 1008 na tensão próxima
ao limite de escoamento

0º 45º 90º
r -12,21 1,78 10,53
σ 24,90 0,68 9,02
∆r = -2,62 rm = 0,47

TABELA 8: Valores de anisotropia planar e normal para o latão 67-33 na tensão próxima ao
limite de escoamento

0º 45º 90º
r -1,07 3,17 58,83
σ 2,06 2,38 85,45
∆r = 25,71 rm = 16,02

TABELA 9: Valores de anisotropia planar e normal para o aço inoxidável


AISI 304 na tensão próxima ao limite de escoamento

0º 45º 90º
r 0,74 1,96 1,09
σ 0,12 1,34 0,27
∆r = -1,05 rm = 1,44

O segundo patamar de tensão adotado para o ensaio de anisotropia foi inferior mas
próximo ao limite de resistência. As Tabelas 10, 11 e 12 apresentam os valores de r nas
direções 0º, 45º e 90º com os respectivos desvios σ, rm e ∆r .
TABELA 10: Valores de anisotropia planar e normal para o latão 67-33 na tensão próxima ao
limite de resistência

0º 45º 90º
r 0,93 0,98 0,88
σ 0,06 0,09 0,06
∆r = -0,07 rm = 0,94

TABELA 11: Valores de anisotropia planar e normal para o aço SAE 1008 na tensão próxima
ao limite de resistência

0º 45º 90º
r 1,20 1,22 2,61
σ 0,18 0,22 0,92
∆r = 0,68 rm = 1,56

TABELA 12: Valores de anisotropia planar e normal para o aço inoxidável


AISI 304 na tensão próxima ao limite de resistência

0º 45º 90º
r 0,80 0,87 0,86
σ 0,03 0,04 0,18
∆r = -0,04 rm = 0,85

V. DISCUSSÃO

Os ensaios de anisotropia foram realizados com duas faixas diferentes de deformação,


ambas dentro do regime plástico, uma faixa encantrando-se próxima ao limite de escoamento e
a outra próximo ao limite de resistência. O objetivo era examinar se o índice de anisotropia
obtido era o mesmo independente da deformação plástica sofrida. Para baixas deformações os
resultados foram muito discrepantes, não podendo ser considerados. Observando-se os desvios
calculados (Tabelas 7 a 9), percebe-se que o índice de anisotropia normal não apresenta
precisão. Já para grandes deformações os índices de anisotropia apresentaram-se coerentes, o
que pode ser confirmado através dos desvios calculados (Tabelas 10 a 12).
Os valores dos limites de escoamento e resistência apresentaram coerência e foram
bastante próximos aos valores encontrados em literatura [7].
VI. CONCLUSÃO

Com base nos resultados pode-se afirmar que são necessárias grandes deformações
plásticas para a determinação do índice de anisotropia. Ensaios de anisotropia realizados com
deformações plásticas próximas ao limite de escoamento não apresentam resultados confiáveis
e reprodutíveis. Para confirmar esta afirmação basta analisar os desvios calculados para baixas
deformações, que chegam até a ter um valor superior ao índice de anisotropia normal
calculado, o que demonstra sua imprecisão.

VII. BIBLIOGRAFIA

[1] CALLISTER JR., W. D. Materials Science and Engineering: an Introduction. John


Wiley : NY 4. ed. p.51-52.

[2] REED-HILL, R. E. Princípios de Metalurgia Física Guanabara Dois : RJ 1982 2. ed.


p.10-11.

[3] MALISHEV, A. et all. Tecnologia dos Metais Mestre Jou : SP 1970 1. ed. p.164-
171.

[4] COTTRELL, A. H. Introdução à Metalurgia Calouste Gulbenkian : Lisboa 1976 2.


ed. p.753-756.

[5] DIETER, G. E. Metalurgia Mecânica Guanabara Dois : RJ 1981 2. ed. p.75, 319,
591, 592.

[6] SLATER, R. A. C. Engineering plasticity - Theory and Application to Metal Forming


Processes MacMillan : London 1977 p. 152-156.

[7] Materials and Process Engineering Databook Metals Park : ASM 2. ed. 1970 p.6.

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