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Coitado!

que em um tempo choro e rio Quem diz que Amor é falso ou enganoso

Coitado! que em um tempo choro e rio; Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Espero e temo, quero e aborreço; Ligeiro, ingrato, vão desconhecido,
Juntamente me alegro e entristeço; Sem falta lhe terá bem merecido
Du~a cousa confio e desconfio. Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Voo sem asas; estou cego e guio; Amor é brando, é doce, e é piedoso.
E no que valho mais menos mereço. Quem o contrário diz não seja crido;
Calo e dou vozes, falo e emudeço, Seja por cego e apaixonado tido,
Nada me contradiz, e eu aporfio. E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.

Queria, se ser pudesse, o impossível; Se males faz Amor em mim se vêem;


Queria poder mudar-me e estar quedo; Em mim mostrando todo o seu rigor,
Usar de liberdade e estar cativo; Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Queria que visto fosse e invisível; Mas todas suas iras são de Amor;
Queira desenredar-me e mais me enredo: Todos os seus males são um bem,
Tais os extremos em que triste vivo! Que eu por todo outro bem não trocaria.

(Camões, p. 31) (Camões, p. 94)

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;


É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

(Camões, p. 23)

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