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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

INSTITUTO DE ECONOMIA

Núcleo de Estudos e Pesquisa em Relações Internacionais (NEPRI)


Grupo de Estudos “Uberlândia no Contexto Internacional” (GEUCI)

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE UBERLÂNDIA: ANÁLISE DA EVOLUÇÃO


DO PROCESSO E UM CENÁRIO PROSPECTIVO DO MESMO

Relatório Técnico da Pesquisa financiada pela FAPEMIG (Demanda Universal/2012)


Processo nº CSA-APQ-00421-12
Coordenador: Prof. Dr. Armando Gallo Yahn Filho (IE/UFU)

Uberlândia, 2015
PESQUISADORES

Armando Gallo Yahn Filho: Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de


Uberlândia (UFU). Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (PUC-Campinas), é Mestre em Relações Internacionais pelo Programa
“San Tiago Dantas” (UNESP - UNICAMP - PUC/SP) e Doutor em Ciência Política pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), tendo como área de concentração Política
Internacional. Suas pesquisas estão voltadas para os seguintes temas: paradiplomacia, recursos
hídricos transfronteiriços, direito internacional de águas. É membro do Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Relações Internacionais (UFU), do Centro de Pesquisa e Inovação em Recursos
Hídricos (UFU) e da International Law Association.

Áureo de Toledo Gomes: Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de


Uberlândia (UFU). Possui graduação em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2004) e mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
(2008). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Política Internacional.

Débora Figueiredo Mendonça do Prado: Professora do Instituto de Economia da


Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Possui graduação em Relações Internacionais
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007) e mestrado em Relações
Internacionais - Programa de pós-graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-
SP) (2009). Atualmente é Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Estadual de
Campinas. É pesquisadora do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e do
Instituto Nacional de Estudos sobre Estados Unidos(INEU).

Eduardo Nunes Guimarães: Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de


Uberlândia (UFU). Formado em Ciências Econômicas na Universidade Federal de
Uberlândia, com mestrado em Economia no CEDEPLAR/UFMG, área de planejamento
regional, e doutorado em Economia no IE/UNICAMP, área de Teoria Econômica. No período
de março de 2009 a fevereiro de 2010, desenvolveu o pós-doutorado no departamento de
Geografia da Universidade de Sussex - UK, sob a supervisão do prof. Michael Dunford.
Desde 1989 atua como professor, em dedicação exclusiva, do Instituto de Economia da UFU.
No período de dezembro de 2004 a dezembro de 2008 exerceu o cargo de Pró-Reitor de
Pesquisa e Pós-Graduação. Já desenvolveu diversas pesquisas na área de Economia com
ênfase em Desenvolvimento Regional e Urbano e políticas públicas e sociais, atuando
principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento regional, infraestrutura logística de
integração, rede urbana, regionalização e política habitacional. Participou como pesquisador
de projetos de âmbito nacional como o estudo da rede urbana brasileira (IPEA/IBGE/Nesur-
UNICAMP) e do PRONEX - redistribuição da população e meio ambiente (Nepo-
UNICAMP). Também foi responsável pela coordenação geral e implantação do Núcleo de
Inovação Tecnológica da UFU (com apoio da FINEP, CNPQ e FAPEMIG) e implantação de
uma diretoria de Propriedade Intelectual e Inovação, onde coordenou projetos de pesquisa na
área de inovação e proteção intelectual. Na área de pesquisa coordenou ações para o
fortalecimento de grupos de pesquisa na instituição com destaque para os interdisciplinares e
os Projetos CT-Infra. Também coordenou a implantação do Centro de Referência em
Violência e Segurança Pública da UFU (CeVio).

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Filipe Almeida Mendonça: Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Possui graduação em Relações Internacionais pelo Centro Universitário
Ibero Americano (2006) e mestrado em Relações Internacionais - San Tiago Dantas (UNESP,
UNICAMP e PUC/SP) (2009). Atualmente é pesquisador do Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea e professor da Universidade Federal de Uberlândia. Tem experiência na área
de Ciência Política, com ênfase em Relações Internacionais, atuando principalmente nos
seguintes temas: estados unidos, relações internacionais, OMC, política comercial e rodada
Doha.

Haroldo Ramanzini Júnior: Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de


Uberlândia (UFU). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Mestre em Ciência Política pelo Departamento de Ciência Política da Universidade
de São Paulo (USP) e Doutorando em Ciência Política na USP. Professor assistente do
Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisador do Centro
de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT/INEU). Membro do Grupo de
Pesquisa de Relações Internacionais do CEDEC. Atua principalmente nos seguintes temas:
Política Externa Brasileira, Análise de Política Externa, Integração Regional e Teoria das
Relações Internacionais.

Marrielle Maia Alves Ferreira: Professora do Instituto de Economia da Universidade


Federal de Uberlândia (UFU). Doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) na área de Política Internacional e Política Externa. Possui Graduação
(1997) e Mestrado (2000) em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB).
Os interesses de pesquisa na área de Relações Internacionais estão relacionados aos temas de
política internacional, política externa, direito internacional público e comércio internacional.

Vitorino Alves da Silva: Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de


Uberlândia (UFU). Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de
Uberlândia (1985), com mestrado em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de
Campinas (2002). Pesquisador nas áreas de finanças públicas, com ênfase nos temas de
economia regional e urbana, federalismo fiscal, finanças regionais e municipais.

ii
AGRADECIMENTOS

Agradecemos, primeiramente, à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais


(FAPEMIG) pela aprovação e financiamento do nosso projeto de pesquisa intitulado
“Relações Internacionais e atores subnacionais: um estudo de caso da inserção internacional
de Uberlândia” (Processo nº CSA – APQ-00421-12) que teve como um de seus produtos este
Relatório Técnico, cujo objetivo é contribuir com a Secretaria de Desenvolvimento
Econômico e Turismo de Uberlândia no avanço da paradiplomacia municipal, por meio de um
conhecimento especializado.
Agradecemos, também, a todos os representantes de setores públicos e privados, em
todos os níveis de governo, que contribuíram com suas informações e manifestando seus
interesses específicos de suas instituições no que tange à inserção internacional de Uberlândia.
Mais especificamente, fica o nosso agradecimento àqueles que concederam as entrevistas
anexas: Sr. Fábio Pergher, presidente da Associação de Comércio e Indústria de Uberlândia;
Profa. Dra. Raquel Santini Leandro Rade, Diretora de Relações Internacionais e Institucionais
da UFU; e Sr. Rodrigo Perpétuo, Chefe da Assessoria de Relações Internacionais de Minas
Gerais.
Enfim, e de forma muito especial, agradecemos ao Governo Municipal de Uberlândia
que, por meio da Secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo, deu-nos a
oportunidade de chegar ao nosso objetivo maior, que era fazer do Grupo de Estudos
Uberlândia no Contexto Internacional (GEUCI), inserido no Núcleo de Estudos e Pesquisa em
Relações Internacionais (NEPRI) da UFU, a base de apoio para a concretização da
paradiplomacia uberlandense, colocando em prática o conhecimento especializado de todos os
pesquisadores envolvidos no projeto para o benefício da cidade.

iii
RESUMO

O processo de globalização que se iniciou nos anos 1990 ampliou a participação de


outros atores, além do Estado-nação, nas relações internacionais. Entre eles, destacam-se
atores governamentais subnacionais e atores não-governamentais, na busca de interesses
econômicos. Isso se faz por meio de paradiplomacia (pública e privada), que conformam uma
governança multinível, envolvendo diversas escalas de poder. Como consequência, constata-
se, em alguns casos, uma identidade da paradiplomacia local e/ou regional com a própria
política externa brasileira, consolidando uma identidade de interesses nacional e local, do que
decorre uma razão maior para que o Estado distribua suas responsabilidades com as demais
esferas de governo para atingir suas metas de desenvolvimento e de inserção internacional.
Este estudo pretende não só fazer uma análise da evolução do processo de inserção
internacional de Uberlândia, mas também traçar um cenário prospectivo desta
internacionalização que ainda se encontra por atingir sua plenitude.

iv
Sumário

1. Introdução ................................................................................................................ 1

2. O reescalonamento do Estado.................................................................................. 2

3. Governança multinível e relações internacionais .................................................... 6

4. O perfil de uma cidade internacional ....................................................................... 8


4.1. Paradiplomacia pública: fator estratégico na inserção internacional ............. 10

5. A política externa do Governo Lula e a inserção internacional do Triângulo


Mineiro .................................................................................................................. 12

6. Integração regional e paradiplomacia: Uberlândia de volta à Rede Mercocidades


...............................................................................................................................16

7. A inserção internacional de Uberlândia e do Triângulo Mineiro: análise de um


processo em evolução ............................................................................................ 18

8. Construindo um cenário prospectivo da inserção internacional de Uberlândia e do


Triângulo Mineiro.................................................................................................. 32
8.1. Análise comparativa entre o desenvolvimento econômico de Campinas e
Uberlândia: base para se encontrar tendências de peso .................................. 36
8.1.1. Ciência e Tecnologia ............................................................................... 43
8.1.2. Infraestrutura .......................................................................................... 45
8.1.3. Investimento estrangeiro direto ............................................................... 47
8.1.4. Paradiplomacia urbana municipal como política pública estratégica...48
8.2. O acordo entre Uberlândia e Dublin: um fato portador de futuro .................. 50
8.2.1. Investimento estrangeiro direto, infraestrutura, transferência de
tecnologia, desenvolvimento sustentável, formação científica e novas
oportunidades para mão-de-obra qualificada ........................................ 53
8.3. Gestão das bacias do Triângulo Mineiro, crise hídrica e relações
internacionais: fato portador de futuro ou surpresa inevitável? ..................... 55

9. Conclusão .............................................................................................................. 62

REFERÊNCIABIBLIOGRÁFICA ............................................................................ 64

ANEXOS .................................................................................................................... 67

v
1. Introdução

Ao acompanharmos o processo evolutivo do desenvolvimento econômico da Região


do Triângulo Mineiro, é perceptível uma relação de interdependência econômica entre as
cidades e todos os demais atores públicos e privados da região. Assim sendo, ainda que
Uberlândia tenha se tornado o polo regional de desenvolvimento do Triângulo Mineiro, esse
processo não aconteceu de forma isolada, com base tão somente na economia municipal, mas
sim, a partir de uma diversificação econômica regional que se expandiu graças a uma
infraestrutura financiada com o apoio de órgãos estaduais e federais, que tinham uma
percepção estratégica da vantagem comparativa da região do Triângulo para fins de
desenvolvimento econômico de Minas Gerais e do Brasil, além da inserção internacional do
estado e do País.
Portanto, ainda que tenhamos como um polo centralizador a cidade de Uberlândia, e
os diversos atores que se concentram em seu território, é preciso considerar que este
município é a base de uma governança multinível que envolve governos municipais do
Triângulo, o estadual mineiro e o federal na busca de um desenvolvimento econômico mais
amplo.
A participação dos atores subnacionais nas relações internacionais deu origem a uma
corrente de pensamento (econômico) denominada localista, que defende a hipótese de que as
cidades podem levar adiante um processo de desenvolvimento isolado. Inclusive, alguns
desses autores são defensores da ideia do fim do Estado-nação. Mas, por outro lado, há uma
gama de autores que condenam esta teoria e demonstram como o desenvolvimento das
cidades e regiões estão totalmente atrelados a uma estratégia de desenvolvimento da própria
nação, continuando a ser o Estado o principal ator nas relações internacionais.
Ao tomarmos a Região do Triângulo Mineiro como exemplo, é interessante perceber
que todos os fatos relacionados ao desenvolvimento local estão associados à própria política
externa brasileira, que acaba sendo um fator estratégico para o desenvolvimento nacional.
Neste sentido, pretendemos tomar como exemplo o histórico de desenvolvimento do
Triângulo Mineiro na década de 2000 e compará-lo com a política externa brasileira do
Governo Lula.
Ademais, pretendemos demonstrar, a partir da teoria da governança multinível, a
forma articulada entre o governo federal, o estadual mineiro e os municipais do Triângulo no
processo de inserção internacional de Uberlândia. Ou seja, nossas duas hipóteses principais

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são: 1) a de que a inserção internacional de Uberlândia está condicionada à sua relação com
os governos estadual e federal, não se podendo levar adiante uma iniciativa paradiplomática
sem internalizar os interesses dos demais níveis de governo; 2) a inserção internacional de
Uberlândia ocorre não somente com a participação dos gestores públicos, mas também por
meio de outros atores não-governamentais, tais como empresas, organizações, universidade,
etc.
É importante destacar a interdependência econômica entre algumas cidades da Região
do Triângulo. Segundo a teoria do “novo regionalismo”, tal interdependência permite que a
inserção internacional de Uberlândia, como polo do Triângulo, conduza todas as demais
cidades da Região no mesmo sentido.
Ao demonstrarmos a real inserção internacional de Uberlândia, tomamos como base os
fatores apontados por Panayotis Soldatos, em sua tese sobre a internacionalização de uma
cidade. No entanto, ao constatarmos que este processo ainda está longe de chegar ao fim, de
acordo com os referentes fatores, seguimos numa comparação com a inserção internacional de
Campinas, demonstrando o paralelismo do desenvolvimento econômico das duas cidades e
seu “gap” temporal. Assim sendo, a partir do método Godet, traçamos um cenário de
Uberlândia, tomando a análise histórico-comparativa para encontrar as chamadas “tendências
de peso”, que permitem uma visão prospectiva da plena inserção internacional de Uberlândia,
tal como ocorreu com a cidade de Campinas.
Ademais, a partir de outras “sementes de futuro” conhecidas pelos futurologistas,
construímos outros dois cenários, a partir de fatos presentes, que colocam Uberlândia no
contexto internacional, podendo trazer consequências de grande importância para a cidade,
sendo eles: o acordo com a cidade de Dublin e a gestão das águas no Triângulo Mineiro.

2. O reescalonamento do Estado

O fim da ideia de que somente os Estados-nação eram atores nas relações


internacionais aconteceu na década de 1970, com a teoria da interdependência complexa,
desenvolvida por Robert Keohane e Joseph Nye (1989). Em um mundo cada vez mais
interligado, e com temas demasiadamente complexos, o militarismo e o equilíbrio de poder
dividem espaço com processos de cooperação, baseados em princípios e normas, onde o
Estado não é o único ator.

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A teoria da interdependência complexa baseia-se em três características principais,
quais sejam: múltiplos canais de negociação, ausência de hierarquia entre os temas da agenda
internacional e menor papel da força militar.
A partir da década de 1980, e com o fim da Guerra Fria, o processo de globalização
ensejou uma grande discussão, carregada de controvérsias, a respeito do papel do Estado
como ator central no sistema internacional e na manutenção da sua estrutura. No plano
internacional, se, para alguns autores, este processo representou o fim do Estado e a
construção de uma “sociedade global”, para outros, o mesmo mostrou o fortalecimento do
Estado, haja vista o crescimento das economias nacionais que acompanhou o aumento da
participação de novos atores nas relações internacionais e a expansão do fluxo de comércio e
de pessoas, em razão de uma evolução nas redes de transporte e nas tecnologias de
comunicação. Além disso, a capacidade de penetração e intercâmbio entre novos atores, a
despeito das fronteiras nacionais, teria aumentado a vulnerabilidade dos Estados, implicando
na necessidade destes de se prepararem para possíveis reações.
Já no plano interno, tanto os adeptos da tese do fim do Estado, quanto aqueles que o
consideram na sua plenitude, viram no processo de liberalização econômica o fim do estado-
centrismo, com uma descentralização política e econômica. Realmente, houve um processo
intenso de privatizações, uma abertura para o capital estrangeiro, uma perda de controle do
Estado sobre o fluxo de capitais, de empresas e de pessoas. Porém, tudo isso não retira do
Estado sua característica principal que é a soberania, atribuindo-lhe a capacidade de decisão,
organização e controle sobre tudo o que está em seu território.
Um exemplo de pensamento econômico localista está na teoria de Kenichi Ohmae. Ao
se fazer uma leitura ingênua e desatenta do livro O Fim do Estado-nação (OHMAE, 1996),
corre-se o risco de, facilmente, chegar à mesma conclusão do autor quanto à tendência de
estarmos caminhando a uma nova era em que o Estado não terá mais importância e perderá
completamente seu poder de decisão e controle dentro das suas próprias fronteiras.
Ao falarmos, mais especificamente, de paradiplomacia e atores subnacionais nas
relações internacionais, um pensamento localista muito conhecido é o de Saskia Sassen, que
desenvolveu o conceito de cidade-global, tais como Nova York, Paris e Londres. Ao se falar
em cidade global, deve-se ter em mente, primeiramente, a ideia de uma cidade pós-industrial.
No entanto, a região que está ao seu redor não é necessariamente pós-industrial, mas depende
de toda essa rede de serviços e comunicação que se concentra na cidade global.
Importante notar que a cidade global se caracteriza como tal na medida em que se
torna a grande concentradora das atividades de serviços que dão suporte aos demais setores
produtivos. Assim, quanto mais uma cidade concentra as atividades especializadas em
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comunicação, informação, ciência e tecnologia, serviços portuários e aeroportuários, comércio
exterior, jurídico, financeiro, mas ela tende a ser uma cidade onde se concentram as unidades
gestoras e administrativas das grandes corporações.
Enfim, de acordo com o economista Carlos Brandão, crítico daqueles adeptos da visão
localista, “a concepção de que a escala local tem poder ilimitado invadiu o debate sobre o
desenvolvimento territorial, no Brasil e no mundo”, dando origem a “essa ‘endogenia
exagerada’ das localidades” que “crê piamente na capacidade das vontades e iniciativas dos
atores de uma comunidade empreendedora e solidária, que tem controle sobre seu destino e
procura promover sua governança virtuosa lugareira” (BRANDÃO, 2007, p. 38).
Ao contrário, para Carlos Brandão, ao se pensar em desenvolvimento, levando-se em
consideração a questão territorial, não se pode colocar o Estado como escala descartável na
ligação entre o local e o global. Ademais, ao se pensar no desenvolvimento de um Estado de
dimensão continental, como é o caso do Brasil, quaisquer outras escalas intermediárias, tais
como os estados federados, também devem fazer a ponte entre o local e o internacional.
(BRANDÃO, 2007)
Portanto, seguindo o pensamento de Brandão (2007), ao levarmos o debate do
desenvolvimento territorial para as relações internacionais, falando em inserção internacional
das cidades e tomando como base a teoria da interdependência complexa, não se pode
concluir que o Estado perdeu sua importância. Ainda que tenhamos a participação de outros
atores nas relações internacionais, o Estado continua sendo o principal ator e qualquer
atividade paradiplomática de uma cidade deve ser pensada em conjunto com o governo
central, tomando como referência sua política externa e os seus interesses conjuntos.
Considerando Neil Brenner como referência, e seu estudo sobre a reterritorialização,
podemos demonstrar que a relação entre os governos central, provincial/estadual e municipal
tem como base a percepção dos gestores públicos da União de que suas unidades federativas
são condutoras da inserção internacional do próprio Estado, e que todo o processo cooperativo
que tem início no âmbito local pode ser de interesse nacional.
Brenner contrapõe-se às teses da globalização – como aquelas chamadas por Brandão
de localistas – que apontam como resultado desta o fim do papel do Estado e de sua
importância no desenvolvimento local. Estas teorias apontam para uma “desterritorialização”.
A corrente de análise seguida por Neil Brenner e Bob Jessop, de inspiração regulacionista,
“vinculou os processos de reestruturação urbana a várias transformações da organização

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espacial do Estado que estão desprivilegiando o nível regulatório nacional e dando nova
importância às formas de governança supranacional e subnacional” (BRENNER, 2009, p. 67).
Dessa forma, Brenner considera, em sua corrente de análise, que existe uma
diminuição da centralização do Estado no processo regulatório nacional, porém essa
distribuição de responsabilidades para as escalas urbanas e regionais não retira, de forma total,
o papel do Estado no seu processo de desenvolvimento. Ademais, esta “reestruturação
multiescalar” traz consigo o conceito de governança, que extrapola a fronteira nacional. Ou
seja, a cidade é o local onde as coisas acontecem em um mundo globalizado, porém o Estado
não deixa de ser o ator central deste sistema internacional, redistribuindo suas funções ao
longo das principais cidades e regiões que compõem seu território, caracterizando uma
governança multinível.
Tomando a obra New State Spaces, de Neil Brenner (2004), sua primeira hipótese está
centrada no fato de que as cidades e regiões se tornaram locais-chave, do ponto de vista
institucional, nos quais se desdobrou um grande reescalonamento do poder estatal. Como
segunda hipótese central de seu trabalho, Brenner sustenta que as instituições públicas
nacionais continuam exercendo um papel primordial na formulação, implementação,
coordenação e supervisão de iniciativas de políticas públicas urbanas, mesmo tendo havido
uma primazia da descentralização político-econômica da esfera nacional para a local.
(BRENNER, 2004)
Ressalta-se aqui o reconhecimento pelo autor da descentralização do poder político-
econômico sem, contudo, retirar o papel da funcionalidade do Estado. Interessante notar que,
ao reconhecer o papel do Estado, Brenner não distingue sua análise política da econômica,
fazendo-a de forma interdisciplinar.
Quanto à consolidação de instituições supranacionais e transfronteiriças, Brenner
segue a mesma linha de pensamento de Keohane e Nye, ao afirmar que o desenvolvimento de
tais instituições “sugere que as economias capitalistas não mais representam unidades
geográficas perfeitamente autônomas e coerentes, mas hoje estão sendo permeadas por novos
tipos de ligações verticais e horizontais entre formas institucionais diversas e multiescalares”
(BRENNER,2004, p. 6).
O reconhecimento de Brenner dessa característica da interdependência complexa
(múltiplos canais de comunicação) reforça o papel do Estado e da sua política externa nas
relações internacionais. No entanto, ao afirmar que os Estados não são unidades perfeitamente
autônomas, Brenner considera a autonomia dos atores subnacionais e não-estatais nas relações
internacionais, paralelamente à soberania do Estado.

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Importante ressaltar que soberania e autonomia são conceitos distintos. Quando se
deixa implícita acima a ideia de que os Estados têm soberania e os atores subnacionais têm
autonomia, reforça-se a ideia central deste trabalho de que soberania é prerrogativa do Estado,
e a ele está condicionada a capacidade de ação de seus governos subnacionais.
Seguindo a linha de raciocínio de Waltz (2002), que define a estrutura política interna
como sendo centralizada e hierárquica, composta por unidades superiores e subordinadas,
entendemos que a soberania do Estado controla a autonomia de suas unidades subnacionais,
principalmente no plano das relações internacionais. No entanto, este controle não é,
necessariamente, um impedimento para a atuação dos atores subnacionais no sistema
internacional.
Neste sentido, ao falarmos em paradiplomacia pública, podemos fazer uma analogia
do gestor público municipal com o diplomata, na medida em que qualquer acordo firmado
entre uma cidade nacional com outra fora do país não pode ferir a soberania do Estado,
estando de acordo com sua política externa e seus princípios Constitucionais, além do fato de
que os interesses da cidade deverão estar em sintonia com os interesses nacionais.

3. Governança multinível e relações internacionais

Segundo a definição de Gary Marks, governança multinível é “um sistema de contínua


negociação entre governos ligados em diversos níveis territoriais”, além de inseridos dentro
de redes políticas que ultrapassam os limites da esfera pública (MARKS apud BACHE &
FLINDERS, 2004, p. 3). Desta forma, segundo Ian Bache e Matthew Flinders, o conceito de
governança multinível contém tanto a dimensão horizontal como a vertical. A palavra
multinível se refere ao “aumento da interdependência de governos operando em diferentes
níveis territoriais”, enquanto governança “assinala o crescimento da interdependência entre
atores governamentais e não-governamentais em vários níveis territoriais” (BACHE &
FLINDERS,2004, p. 3).
A ideia de governança multinível está centrada, principalmente, no fato de que há uma
grande variação de externalidades na provisão dos bens públicos. E tais externalidades não
são internalizadas por uma única escala de governo, requerendo uma negociação entre
diversas escalas para se chegar a uma decisão final. Muitas vezes, esta negociação também
envolve setores da sociedade, como empresas, organizações não-governamentais, entidades de
classe, etc. (MARKS & HOOGHE, 2004).

Afinal, se o Estado-nação não consegue proteger suas unidades subnacionais dos

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efeitos devastadores externos (econômicos, principalmente), não há que se impedir que estas
unidades defendam seus interesses por conta própria, às vezes, contribuindo com o próprio
Estado-nação (KINCAID, 1990). No entanto, esta ação por conta própria nem sempre ocorre
sem a participação, ainda que indireta, de outros níveis de governo ou de outros atores não-
governamentais, conforme já vimos no item anterior, com base nas visões de Neil Brenner e
Carlos Brandão.
De acordo com MARKS & HOOGHE (2004), a governança multinível pode ser
dividida em dois tipos. A primeira (tipo I) está intimamente ligada ao federalismo e consiste
da dispersão de autoridade para jurisdições em um número limitado de níveis, tais como:
internacional, nacional, regional e local. Estas jurisdições têm suas funções baseadas em
diversos temas. Ademais, o tipo I de governança se destaca pelo fato de que não há interseção
entre as suas jurisdições. No Brasil, a Constituição deixa clara esta divisão jurisdicional em
três esferas de governo (federal, estadual e municipal), cada qual com suas competências
delimitadas, porém nem sempre exclusivas.
O segundo tipo de governança (tipo II) consiste de jurisdições especializadas, restritas
à solução de problemas específicos. A grande diferença deste tipo de governança está no fato
de que ela não se restringe a um número específico dentro dos diferentes níveis de jurisdição,
são flexíveis, na medida em que a demanda as requer, e contam com a participação de atores
não-governamentais. Outro ponto que a diferencia é o fato de haver interseção entre seus
membros (MARKS & HOOGHE, 2004).
Importante salientar que a governança metropolitana não se restringe aos atores
nacionais. Trata-se de uma governança que, por estar jogando com os impactos da
globalização, também age no plano internacional, por redes de contatos, acordos
transnacionais, contratos de prestação de serviços, comércio exterior, etc. O próprio processo
de integração regional trouxe para as esferas subnacionais suas repercussões, tornando os
governos subnacionais atores desse processo, por meio de redes de governança, como é o caso
de Mercocidades.
James Rosenau (2004) analisa com mais profundidade esta governança multinível no
plano internacional, apresentando um esquema com seis tipos de governança transnacional:
top-down governance (governos, organizações internacionais), bottom-up governance
(público de massa, ONGs), Market governance (governos, organizações internacionais, elites,
mercados, público de massa), network governance (governos, organizações internacionais,
ONGs), side-by-side governance (ONGs, governos) e mobius-web governance (governos,
elites, público de massa, ONGs, organizações internacionais). Este esquema é derivado da
relação de diferentes atores no cenário internacional, combinando duas variáveis que definem
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tal relação: uma de caráter estrutural (relação formal, informal ou mista) e outra de caráter
processual (relação de direção única, vertical ou horizontal, ou de direção múltipla, vertical e
horizontal) (ROSENAU, 2004).
Segundo o autor, “os atores nacionais e subnacionais podem ser participantes de
algumas ou de todas as seis formas de governança, mas suas participações decorrem de suas
interdependências com as questões que se desdobram para além de suas jurisdições, seja
nacional ou subnacional” (ROSENAU, 2004, p. 43).
Ao analisarmos a governança multinível no plano da Região do Triângulo, um
exemplo claro disso está no acordo assinado entre os governos mineiro e amazonense para a
instalação do Entreposto da Zona Franca de Manaus na cidade de Uberlândia, em 2008, com a
finalidade de facilitar a distribuição de produtos para todo o País. Fica clara a participação de
todos os níveis de governo num projeto que visa ampliar o desenvolvimento nacional, por
meio da vantagem comparativa localizada de uma determinada cidade ou região. No caso
específico do Triângulo Mineiro, estamos falando da logística como um fator de vantagem
comparativa da Região.

4. O perfil de uma cidade internacional

Para Soldatos (1996), há um conjunto de treze características que conformam uma


cidade internacional moderna:

1) sua posição geográfica de abertura para o mundo;

2) o fato de receber fatores de produção estrangeiros (investimento, mão–de-obra,


etc.) e fluxo de comércio (mercadorias e serviços);

3) abrigar instituições estrangeiras e internacionais (empresas, bancos e diversas


outras instituições socioeconômicas, culturais e científicas, organizações
internacionais);

4) exportar fatores de produção e suas instituições econômicas, sociais, culturais e


científicas têm presença no exterior;

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5) multiplicidade de comunicações sociais com o exterior;

6) estar diretamente interligada com o exterior por meios de transportes e de


comunicações;

7) possuir um setor de serviços voltado para o exterior e oferecendo um sistema


de suporte aos atores estrangeiros ou internacionais (hotéis, escolas
internacionais, centros de convenções, etc.);

8) ter uma mídia de repercussão e difusão internacionais;

9) acolher regularmente, encontros e outros tipos de atividades internacionais


(congressos, exposições, festivais, jogos esportivos, etc.);

10) abrigar instituições nacionais, regionais e locais de reputação internacional ou


ativas no âmbito das relações internacionais;

11) exercer uma paradiplomacia urbana, apoiada em serviços especializados de


relações internacionais e em estratégias de internacionalização;

12) manter entendimentos (acordos, protocolos, etc) com atores estrangeiros ou


internacionais e participar de redes internacionais de cidades ou de
instituições de cidades;

13) ter uma população com composição étnica diversificada.

A partir deste perfil, Soldatos (1996) identifica dois tipos de internacionalização das
cidades: a passiva e a ativa. A internacionalização passiva é aquela desempenhada pelas
cidades-espaço, que acolhem atividades e instituições internacionais, mas não acolhem
instituições e serviços de importância estratégica para o desenvolvimento de funções de
influência ou de controle (sedes de grandes organizações internacionais, sedes de grandes
empresas multinacionais, serviços estratégicos, etc); seu papel é de peso regional
(SOLDATOS, 1996). Por sua vez, a internacionalização ativa é aquela desempenhada pelas
cidades-atores, que se distinguem por uma atuação dinâmica. Estas cidades possuem uma
rede de serviços dê suporte para as atividades internacionais (grandes escritórios

9
internacionais de advocacia, grandes escritórios de arbitragem internacional, grandes
instituições bancárias, estrutura sofisticada de transportes e comunicações, etc.).
Essas cidades fazem parte das grandes redes internacionais de alta tecnologia
(aeronáutica, informática, etc.) e de serviços de ponta, além de disporem de uma estratégia de
planificação da sua atividade internacional. São cidades que exportam fatores de produção
(SOLDATOS, 1996).

4.1. Paradiplomacia pública: fator estratégico na inserção internacional

Seguindo da linha de pensamento de Yunkler Philipp Mário Costa, concordamos que


“a factibilidade da inserção internacional de governos subnacionais, especificamente das
municipalidades, nos direciona diretamente à analise de políticas públicas” (COSTA, 2014, p.
31).
Nesse sentido, o debate sobre a inserção internacional de Uberlândia fica muito mais
interessante e complexo, na medida em que a concretização desse processo depende de uma
paradiplomacia que pode ser definida, segundo Noé Cornago Prieto, como

(...) o envolvimento de governos não centrais nas relações internacionais, mediante o


estabelecimento de contatos permanentes e ad hoc, com entidades públicas ou
privadas estrangeiras, com o objetivo de promoção socioeconômica e cultural, bem
como de qualquer outra dimensão exterior nos limites de sua competência
constitucional (PRIETO apud RODRIGUES, 2004, p.443).

Ou seja,trata-se de uma paradiplomacia pública, “segundo a qual os atores


subnacionais se relacionam de forma limitada, dentro de uma autonomia constitucional,
respeitando a soberania do Estado” (YAHN FILHO, 2013, p. 64). Ressalta-se o fato de que,
segundo o conceito de Gilberto Rodrigues, os governos subnacionais também podem
estabelecer relações com entidades privadas estrangeiras, tal como ocorre na paradiplomacia
privada.
Voltando novamente para o tema das políticas públicas, segundo Yunkler Costa
(2013), o exame da paradiplomacia e o exato processo de formulação das mesmas elucida a
necessidade de ponderações que nos permitam enquadrá-la no conceito de Michael Howlett
(2009) como política estrategicamente engajada cujo objetivo último é o desenvolvimento por
meio da criação e consecução de uma agenda.
Segundo Yunkler Costa (2013, p. 31), “ainda que toda política pública possa, a certas
lentes, ser enxergada como uma estratégia, nem toda política pública é estrategicamente
concebida”.
10
Esta distinção pode ser percebida tomando-se dois autores clássicos: Thomas Dye e William
Jenkins.
Segundo Dye, política pública é “tudo o que um governo decide fazer ou deixar de
fazer” (DYEapud HOWLETT, 2009, p.4). Ou seja, “esta sucinta definição revela-nos um
aspecto generalista que eventualmente se mostrará insuficiente, no entanto, ela cumpre o
propósito de precisar o agente primário da construção de uma política pública: o governo”
(COSTA, 2013, p. 31).
Jenkins(apud HOWLETT, 2009, p. 6), por sua vez, apresenta a política pública como
“um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores
políticos, e que dizem respeito à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcançá-
los, dentro de uma situação específica em que o alvo dessas decisões estariam, em princípio,
ao alcance desses atores”. Tomando por estratégia a racionalização de determinada ação
empreendida com os meios disponíveis com vista à consecução de objetivos específicos, ou
mesmo, à otimizada exploração de condições favoráveis com o fim de objetivos específicos,
evidencia-se por esta definição uma distinção essencial. As políticas públicas são, também,
essencialmente distinguíveis pelo seu processo de policy-making.
Sendo a política pública empreendida “por meio de um processo técnico-político que
visa definir e compatibilizar objetivos e meios entre atores sociais sujeitos a restrições”
(HOWLETT, 2009) – e que não se restringe a uma decisão, mas é resultado de um conjunto
dinâmico de decisões inter-relacionadas que contribuem cumulativamente para um efeito ou
impacto (outcome) –, Yunkler Costa entende a existência de um processo por ele denominado
strategical policy-making.
Segundo o autor, essa percepção pode ser extraída da definição de Michael Howlett
(2009, p. 4) de policy-making, que

trata fundamentalmente de atores cercados por restrições que tentam


compatibilizar objetivos políticos (policy goals) com meios políticos
(policy means), num processo que pode ser caracterizado como “resolução
aplicada de problemas”. Identificar os problemas e aplicar (por mais
imperfeitas que sejam) soluções encontradas (…).

A diferenciação feita, à princípio, relativa a políticas públicas que são


estrategicamente concebidas, e que, portanto, são fruto de um strategical policy-
making process, nos auxiliam a entender como a paradiplomacia é assertivamente o
elemento propiciador, enquanto política pública, de uma inserção internacional ativa.
(COSTA, 2014)

11
Desta forma, as políticas públicas desempenhadas por meio de comportamentos
meramente reativos ou ad hoc, sem objetivos definidos e não incluídas em qualquer
estratégia externa mais estruturada, que façam parte de uma atividade planificada,
ainda que estas almejem uma articulação internacional, não configuram uma política
pública estrategicamente concebida – a paradiplomacia –, antes sim são mera policy-
making strategy.

5. A política externa do Governo Lula e a inserção internacional


do Triângulo Mineiro

Ainda que não exista uma paradiplomacia formalizada no âmbito de uma determinada
região ou localidade, é possível avaliar os impactos das relações interestatais no seu
desenvolvimento, ainda mais em um mundo globalizado. O próprio fluxo de entrada e saída
de determinados produtos num país representa uma relação comercial com bases contratuais,
que acabam resultando na composição de uma rede da qual depende o desenvolvimento
nacional e, por consequência, também o regional, e vice-versa.
Ou seja, a paradiplomacia, pública ou privada, não é o único fator determinante da
inserção internacional de uma determinada cidade ou região, conforme se viu no item acima
e, mesmo que haja uma estratégia paradiplomática no âmbito local ou regional, ela não estará
desvinculada dos interesses dos demais níveis de governo e da conjuntura na qual ela está
sendo implementada, conforme a teoria da governança multinível.
Como bem colocado por Eduardo Nunes Guimarães, num estudo de economia
regional sempre “está presente a ideia de que cada parte ou região econômica guarda sua
singularidade, mas não pode ser entendida fora do contexto histórico e espacial mais geral”
(GUIMARÃES,2010, p. 17).
Ademais, conforme o mesmo autor:

(...) a emergência concreta de regiões, seja na escala subnacional ou internacional,


não implica na constituição de ambientes econômicos isolados, homogêneos e
independentes. Pelo contrário, na economia moderna, o surgimento e a diferenciação
das estruturas produtivas regionais ocorrem a partir de uma particular e complexa
combinação entre o todo e as partes, marcando suas identidades e características
comuns. (GUIMARÃES, 2010, p. 17)

(...)

(...) todo estudo regional precisa ser realizado à luz dos grandes eventos nacionais e
internacionais, que delineiam o espaço de fluxos principal, no qual cada área
específica se insere e se singulariza. Ou seja, a análise de uma região não pode ser
realizada tendo como procedimento metodológico um recorte isolado do todo, pelo
contrário, deve ser assumida como uma experiência de desenvolvimento específica e
12
participante de um contexto mais geral, em suas respectivas fases históricas.
(GUIMARÃES, 2010, p. 31)

Numa divisão internacional do trabalho, nenhum país está preparado para atender a
todas as suas demandas, produzindo tudo o que precisa, e nem sempre tem conhecimento
técnico ou capital para investir em obras de infraestrutura necessárias para oseu
desenvolvimento. Neste sentido, esta busca de produtos, conhecimento e/ou capital se faz por
meio de uma cooperação internacional e resulta de um mundo cada vez mais interdependente.
Trazendo o debate mais especificamente para o Triângulo Mineiro, Eduardo
Nunes Guimarães ressalta que esta é uma região que “precisa ser entendida como uma
construção econômica e social histórica, sempre inserida na dinâmica mais geral da economia
nacional e internacional” (GUIMARÃES, 2012, p. 20).
Assim sendo, de acordo com o objetivo deste artigo, pretendemos demonstrar a ligação
da inserção internacional do Triângulo Mineiro, na primeira década do século XXI, com as
linhas de política externa brasileira do Governo Lula, que se estendeu de 2003 a 2010. O
importante é deixar claro como uma região não consegue se desenvolver, e se inserir
internacionalmente, de forma isolada, mesmo num mundo que já é considerado como
globalizado desde o século XIX, segundo Eric Hosbawm (2000). Ademais, é importante
destacar o fato de que a inserção internacional do Estado também está associada ao processo
de inserção das suas ilhas de desenvolvimento, que são regiões que atingem esse status quo
por meio da governança multinível.
Segundo Guimarães (2010, p. 26):

(...) a formação histórica regional não pode ser apreendida por meio de uma simples
articulação de fatores e variáveis ocorridos internamente. Muito pelo contrário,
desde o início, qualquer estudo regional demanda ter por eixo básico o entendimento
de que a análise desta “região” específica só poderia ser inteligível se articulada à
estrutura dos fluxos econômicos e demográficos, estado das artes e interesses
político-sociais nacionais e internacionais.

Ao falarmos justamente de interesses políticos e sociais estamos estendendo o debate


para além de órgãos governamentais, ressaltando o papel de atores sociais no processo de
desenvolvimento. Destarte, isso nos chama a atenção para a linha de análise de política
externa proposta por Robert Putnam (1988), conhecida como “jogo de dois níveis”. Ou seja,
uma política externa que tem total influência de atores internos e externos, tendo que negociar
os interesses de ambos.

13
Segundo Amado Luiz Cervo (2008), o Governo Lula corrigiu os rumos da política
externa do Governo Fernando Henrique Cardoso, a partir de três linhas de frente, que ele
denominou como Estado logístico:

a) tirar a política exterior das ilusões da harmonia kantiana e de divisas e orientá-la


para a conquista da reciprocidade real nas relações internacionais, ou seja a transição
do multilateralismo utópico para o multilateralismo da reciprocidade entre países
centrais e emergentes; b) o enfrentamento das dependências estruturais – financeira,
empresarial e tecnológica – com o fim de atenuá-las; c) a ideia de reforçar a América
do Sul como polo de poder e plataforma política e econômica de realização de
interesses brasileiros. (CERVO, 2008, p. 56)

Interessante notar que o paradigma de Estado logístico adotado pela política externado
Governo Lula, caracterizada pelo multilateralismo da reciprocidade, “diferencia-se do
paradigma desenvolvimentista”, que marcou a política externa brasileira entre 1930 e 1989,
“ao transferir à sociedade as responsabilidades do Estado empresário”, ao mesmo tempo em
que se diferencia do Estado normal, característica do Governo Cardoso, “consignando ao
Estado não apenas a função de prover estabilidade econômica, mas a de secundar a sociedade
na realização de seus interesses” (CERVO,2008, p. 86)
Ao argumentar que “o Estado logístico imita o comportamento das nações avançadas”,
Amado Cervo (2008, p. 86) reforça que

a política exterior volta-se à realização de interesses nacionais diversificados: dos


agricultores, combatendo subsídios e protecionismo, porque convém à
competitividade do agronegócio brasileiro; dos empresários, amparando a
concentração empresarial e o desenvolvimento tecnológico; dos operários,
defendendo seu emprego e seu salário; dos consumidores, ampliando seu acesso à
sociedade do bem-estar.

Portanto, fica clara a sintonia do conceito de Estado logístico com a teoria da


reterritorialização do Estado, de Neil Brenner, e da governança multinível, na medida em que
o Estado continua a ser o ator principal nas relações internacionais, agindo dentro dos
princípios do realismo clássico, mas sem deixar de lado o papel dos atores subnacionais,
públicos e privados, que, num mundo caracterizado pela interdependência complexa, devem
compartilhar com o governo central as ações estratégicas de inserção internacional.

Ao se aproximar da teoria realista das relações internacionais, o Estado logístico


projeta a internacionalização econômica e “põe em marcha dois componentes de conduta
advogados pelos realistas: a construção de meios de poder e sua utilização para fazer valer
vantagens comparativas, não mais naturais, mas intangíveis, como ciência, tecnologia e
capacidade empresarial” (CERVO, 2008, p.87).

14
Nesse sentido, é imprescindível a necessidade do governo federal de identificar as
ilhas de desenvolvimento do País, a fim de repassar aos governos dessas regiões
responsabilidades que estavam centralizadas no nível federal. Ou seja, um Estado logístico
deve encontrar espaços e atores adequados, e vocacionados, para cada atividade voltada para
o desenvolvimento, de modo a fazer valer os investimentos e as ações advindas do governo
central para fins de inserção internacional.
Mais uma vez, de acordo com Amado Cervo (2008, p. 87):

(...) o reforço do núcleo duro nacional supõe, no padrão logístico, o repasse de


responsabilidades do Estado empresário à sociedade. Não repugna aos dirigentes,
contudo, o empreendimento estatal, conquanto eleve seu desempenho ao nível de
competitividade sistêmica global. Mas o foco do paradigma consiste, precisamente,
em dar apoio logístico aos empreendimentos, o público e o privado, de preferência o
privado, com o fim de robustecê-lo em termos comparativos internacionais.

Percebe-se, claramente, que a atenuação da dependência tecnológica e financeira,


restringindo a vulnerabilidade externa, conforme coloca Amado Cervo (2008) como sendo o
desafio do Estado logístico no campo das relações econômicas internacionais, está na
necessidade de ampliar o apoio do governo federal nos campos da ciência, tecnologia e
inovação, levando às localidades que já apresentem essa vocação novos meios para ampliar
seu desenvolvimento.
Na medida em que o Triângulo Mineiro se caracteriza pela interdependência
econômica entre as cidades da região, somando-se o setor agropecuário, em sua grande
maioria, à evolução dos setores industrial e terciário na cidade polo de Uberlândia, no
decorrer da década de 2000, ficou evidente a necessidade de se incorporar a Região na
estratégia de política externa baseada no paradigma do Estado logístico.
Vale destacar que, se a análise da política externa do Governo Lula é base para uma
análise retroativa da inserção internacional de Uberlândia, no início do século XXI, devemos
tomar como base a análise da política externa do Governo Dilma com a finalidade de
traçarmos um cenário prospectivo de médio prazo para a inserção internacional de
Uberlândia. Já pensando a longo prazo (paraalémde5anos), o cenário não envolveria uma
linha específica de política externa de um determinado governo, mas tão somente aqueles
pontos que se consagram como imutáveis nas relações internacionais do Brasil, haja vista não
sabermos quais seriam os futuros governantes.

15
6. Integração regional e paradiplomacia: Uberlândia de volta à
Rede Mercocidades

Uma região não deve ser restrita a questões territoriais ou confinada aos limites dos
Estados. De fato, uma região poderia ser composta por unidades subnacionais, supranacionais
ou transnacionais, com diferentes modelos de organização e colaboração. (FAWCETT, 2004)
Embora estarmos pensando em cooperação regional, nada impede que estas ocorram
com base em problemas compartilhados por territórios afastados um do outro, enfrentando os
mesmos problemas e exigindo as mesmas soluções, que podem ser mais facilmente
alcançadas através da cooperação.
Assim, outra questão importante a ser salientada é o fato de que as regiões não
precisam ser, necessariamente, contíguas (FAWCETT, 2004). Se pensarmos na Rede
Mercocidades, por exemplo, falamos sobre um modelo de organização regional, composta por
unidades subnacionais que não incluem a contiguidade geográfica.
Por sua vez, o regionalismo "implica uma política pela qual Estados e atores não-
estatais cooperam e coordenam estratégias dentro de uma determinada região" com o objetivo
de perseguir e promover "objetivos comuns em uma ou mais áreas temáticas" (FAWCETT,
2004, p. 433). Esta definição nos leva à conclusão de que, dentro do conceito de regionalismo
está implícita a ideia de vontades compartilhadas pelos atores.
Podemos tomar como um exemplo de regionalismo a Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que é baseada em subprojetos unilaterais,
bilaterais e multilaterais para atender aos interesses de todos os Estados envolvidos no grande
projeto. Um exemplo específico é o Aeroporto Internacional de Viracopos, na cidade de
Campinas, que está sendo expandido sob a responsabilidade do Estado brasileiro, mas vai
servir como uma porta de entrada para as exportações de todos os países do Mercosul.
Baseado no neofuncionalismo, reforçamos nossa hipótese principal de que os atores
subnacionais e supranacionais são essenciais para a integração regional:

Os atores principais no processo de integração estão acima e abaixo do estado-


nação. Atores abaixo do estado incluem grupos de interesse e partidos políticos.
Acima do estado estão as instituições regionais supranacionais. Estas promovem a

16
integração, promovem o desenvolvimento de grupos de interesse, cultivam laços
estreitos com eles e com o companheiro-tecnocratas das administrações nacionais e
manipulam ambos, se necessário. (MATTLI, 1999, p. 24)

E, considerando o papel das empresas no processo de integração, bem como as regras


criadas por instituições comuns para servirem aos seus interesses, garantindo o acesso ao
mercado amplo e diminuindo as assimetrias estruturais ou artificiais entre os países membros
(PEÑA, 2006), poderíamos ligar os interesses envolvidos no regionalismo às localidades
apresentadas como ilhas de desenvolvimento nos mesmos países. Neste sentido, reforçamos,
mais uma vez, o papel de localidades na integração regional e o peso de uma governança
multinível para o sucesso de uma instituição supranacional.
Assim, considerando que os grupos de interesses econômicos estão ligados a cidades
específicas, que são consideradas ilhas de desenvolvimento em território nacional, seus
prefeitos podem ser seus representantes no processo de integração. Isto nos leva à discussão
sobre o papel da Rede Mercocidades no processo de integração sul-americana, mais
especificamente do Mercosul, contribuindo com a governança multinível que fortalece a
tomada de decisão no âmbito supranacional.
A Declaração de Assunção (1995), documento de criação da Rede Mercocidades,
deixa explícito que "as cidades constituem espaços de interação humana com importância
crescente e suas organizações administrativas representam entidades ativas de participação
política que não podem estar alheias da globalização". Entende-se, também, como a razão
deste documento, que a representação institucional municipal desempenha um papel essencial
no processo de integração regional, uma vez que muitos dos seus objetivos coincidem com os
do Mercosul.
Assim, voltamos ao nosso argumento de que os interesses das unidades subnacionais,
como os problemas trazidos pela globalização, não falham em coincidir com os do Estado. Ao
menos, se o Mercosul é representante dos seus membros, também o é de todas as unidades
federadas e de outros atores não-estatais que estão dentro destes mesmos países.
Desse modo, é natural que a consolidação do Mercosul depende da lógica
neofuncionalista baseada no spillover e upgrading of common interests (MATTLI, 1999).
Assim, não só há uma repercussão de ações que eram centralizadas em nível estadual no
processo de integração, mas também aquelas trazidas à luz dos interesses de outros atores, por
meio de outras instituições intermediárias, como ocorre com a Mercocidades.
Esta visão neofuncionalista encontra-se no pensar de Maria Del Huerto Romero:

17
(…) a participação das cidades constitui um contrapeso aos déficits democráticos
que caracterizam a maior parte dos processos integrativos. A tomada de decisão na
formação de blocos regionais no mundo tende a ser centralizados nas capitais dos
países membros. (ROMERO, 2004, p. 412)

Desde a sua fundação, a Rede Mercocidades mostrou sua intenção de trazer para o
nível supranacional os interesses comuns das cidades, e de outros grupos não-estatais dentro
delas, ou seja, tudo isso ocorreu na dimensão horizontal entre as cidades. Nos itens 2 e 3 da
Declaração de Assunção (1995), encontra-se os seguintes objetivos:

2. para se criar um conselho da Mercocidades composto por prefeitos, como uma


entidade intermunicipal, a fim de se ter uma participação ativa no Mercosul.

3. para prover um incentivo a esta participação das cidades na estrutura do Mercosul,


buscando o processo de co-decisão nos temas de sua competência.

Ainda que tenha sido criado o Fórum Consultivo de Cidades, Estados Federados,
Províncias e Departamentos2do Mercosul, em 2004, – podendo ser o canal de comunicação
vertical entre as unidades subnacionais e as instituições supranacionais, substituindo os
governos nacionais nesta função, além de reforçar o papel dos atores subnacionais na
integração regional – as relações horizontais estabelecidas pela Rede Mercocidades são
essenciais para a concretização dos interesses comuns antes de se atingir os níveis de tomada
de decisão dentro do bloco.
Neste sentido, o retorno de Uberlândia à Rede Mercocidades parece ser de
fundamental importância para que a cidade leve seus interesses para a pauta de integração
regional, dialogando com muitas outras unidades subnacionais, na busca de um entendimento
comum para diversos temas específicos. Ademais, a participação em redes de cidades é mais
um fator de internacionalização das mesmas, tal como apontado por Panayotis Soldatos.

7. A inserção internacional de Uberlândia e do Triângulo Mineiro:


análise de um processo em evolução

Ao se analisar as características de uma cidade internacional, conforme apontadas por


Soldatos (1996), é possível perceber que Uberlândia está num processo de inserção
internacional,

2
O Fórum Consultivo de Cidades, Estados Federados, Províncias e Departamentos, criado pela
Decisão 41/04 do Conselho do Mercado Comum, durante a cúpula de Ouro Preto (Belo Horizonte, 16/12/2004),
tem como sua própria justificativa "que o desenvolvimento do processo de integração vem aumentando a
dimensão política que requer ações sistemáticas e coordenadas de todos os agentes envolvidos". No artigo 1º, a
Decisão 41/04 (CMC) estabelece que o objetivo do Fórum Consultivo é "incentivar o diálogo e a cooperação
entre as autoridades municipais, estaduais, provinciais e departamentais dos países do Mercosul".
18
porém ainda em meio-termo entre internacionalização passiva e ativa. Ademais, é de se
destacar o fato de que esse processo de inserção internacional se faz acontecer muito mais por
conta da participação dos atores não-governamentais, por conta de ações estratégicas
individuais de diversos atores, mas não por uma política pública estratégica do governo
municipal.
Se havia, até recentemente, algum ator público pensando de forma estratégica a
inserção internacional de Uberlândia, este é o próprio governo federal que observa a cidade, e
a região do Triângulo, como sendo uma ilha de desenvolvimento no território nacional.
Neste sentido, todos os investimentos advindos do governo nacional para ampliar o
desenvolvimento da região se fazem em consonância com a visão de Carlos Brandão (2007) e
Neil Brenner (2004), segundo a qual a escala federal é a ponte de ligação entre o local e o
global. E, portanto, se a política externa do Governo Lula estava pautada pelo
multilateralismo da reciprocidade, na qual se insere o paradigma de Estado logístico, que
objetiva uma inserção maior do Brasil no mercado internacional, então era preciso fortalecer o
elo de ligação entre as ilhas de desenvolvimento nacionais e os atores estrangeiros, ampliando,
a priori, o investimento nacional no exterior ao invés de somente abrir portas para os
investimentos estrangeiros no País.
Mesmo que a Região do Triângulo ainda não constitua uma região metropolitana
legalizada por norma estadual, percebe-se a interdependência econômica entre as cidades da
Região, na medida em que se destaca a cidade-polo de Uberlândia, centralizadora dos setores
industrial e terciário, este último oferecendo serviços a toda Região, cuja economia está
baseada no setor agropecuário. Dessa forma, pode-se perceber a metropolização do Triângulo,
de acordo com a teoria do “novo regionalismo”. Podemos perceber toda essa divisão
econômica do Triângulo Mineiro e suas variações, pelas tabelas das páginas a seguir.

19
TABELA I - Participação Percentual do Valor Agregado Bruto do setor agropecuário
do município no Valor Agregado Bruto do setor agropecuário da Região de
Planejamento
2000 2006 2009 2010
Região do Triângulo Mineiro 100% 100% 100% 100%
Microrregião de Ituiutaba
Cachoeira Dourada 0,51 0,28 0,45 0,41
Capinópolis 2,16 2,36 2,07 1,92
Gurinhatã 1,43 1,27 1,44 1,45
Ipiaçu 0,72 1,61 0,73 0,65
Ituiutaba 2,79 3,76 3,71 3,42
Santa Vitória 2,13 1,94 2,69 3,68
Microrregião de Uberlândia
Araguari 8,21 5,89 6,28 6,57
Araporã 0,80 0,76 0,72 0,66
Canápolis 4,19 4,59 3,44 2,79
Cascalho Rico 0,50 0,55 0,38 0,38
Centralina 1,08 0,99 1,12 1,02
Indianópolis 2,60 2,08 2,26 1,63
Monte Alegre de Minas 6,28 4,66 6,13 4,06
Prata 2,81 2,98 4,21 4,63
Tupaciguara 3,05 2,71 3,21 2,50
Uberlândia 9,65 8,71 10,04 10,04
Microrregião de Frutal
Campina Verde 2,36 2,25 2,07 2,76
Carneirinho 2,13 1,75 1,97 1,94
Comendador Gomes 1,53 1,41 2,04 1,79
Fronteira 2,06 1,04 0,74 0,70
Frutal 7,52 6,07 6,84 6,09
Itapagipe 2,57 1,81 2,53 2,27
Iturama 3,27 3,30 2,32 3,05
Limeira do Oeste 1,42 1,73 1,69 2,15
Pirajuba 3,25 1,69 1,51 1,44
Planura 2,22 1,70 1,18 1,01
São Francisco de Sales 1,03 1,11 1,50 1,85
União de Minas 1,44 1,50 1,68 2,10
Microrregião de Uberaba
Água Comprida 1,16 1,69 1,49 2,17
Campo Florido 2,32 4,09 2,55 2,72
Conceição das Alagoas 3,89 5,49 4,29 5,06
Conquista 1,98 1,91 1,59 2,08
Delta 0,63 0,84 0,28 0,39
Uberaba 9,39 14,53 13,66 13,34
Veríssimo 0,92 0,92 1,17 1,30
Fonte: IBGE, 2015

20
TABELA II - Participação Percentual do Valor Agregado Bruto do setor industrial do
município no Valor Agregado Bruto do setor industrial da Região de Planejamento

2000 2006 2009 2010


Região do Triângulo Mineiro 100% 100% 100% 100%
Microrregião de Ituiutaba
Cachoeira Dourada 0,02 0,04 0,03 0,02
Capinópolis 0,43 0,53 0,40 0,44
Gurinhatã 0,08 0,07 0,04 0,06
Ipiaçu 0,03 0,03 0,03 0,02
Ituiutaba 5,67 2,70 3,35 3,30
Santa Vitória 0,24 0,20 0,33 0,50
Microrregião de Uberlândia
Araguari 6,32 11,21 8,21 7,68
Araporã 8,62 13,50 6,49 6,99
Canápolis 0,60 0,70 0,53 0,59
Cascalho Rico 0,02 0,02 0,03 0,03
Centralina 0,20 0,08 0,07 0,07
Indianópolis 2,67 2,23 1,88 1,59
Monte Alegre de Minas 0,15 0,11 0,18 0,18
Prata 0,52 0,47 0,56 0,58
Tupaciguara 0,34 0,19 0,23 0,26
Uberlândia 36,90 31,36 38,86 40,61
Microrregião de Frutal
Campina Verde 0,63 0,33 0,24 0,63
Carneirinho 0,14 0,09 0,31 0,41
Comendador Gomes 0,02 0,02 0,03 0,02
Fronteira 8,55 8,80 7,00 6,12
Frutal 1,09 0,71 1,28 1,47
Itapagipe 0,39 0,61 0,57 0,59
Iturama 1,63 1,92 1,67 1,44
Limeira do Oeste 0,06 0,28 0,22 0,34
Pirajuba 0,24 0,35 0,52 0,52
Planura 2,44 2,84 2,04 1,73
São Francisco de Sales 0,14 0,07 0,06 0,07
União de Minas 0,08 0,04 0,04 0,05
Microrregião de Uberaba
Água Comprida 0,03 0,02 0,02 0,02
Campo Florido 0,06 0,57 0,79 0,71
Conceição das Alagoas 0,42 1,21 1,39 1,56
Conquista 0,20 0,14 0,13 0,17
Delta 0,45 1,40 1,24 1,32
Uberaba 20,50 17,00 21,12 19,78
Veríssimo 0,13 0,17 0,10 0,12
Fonte: BRASIL, 2015a.

21
Tabela III - Participação Percentual do Valor Agregado Bruto do setor de serviços do
município no Valor Agregado Bruto do setor de serviços da Região de Planejamento

2000 2006 2009 2010


Região do Triângulo Mineiro 100% 100% 100% 100%
Microrregião de Ituiutaba
Cachoeira Dourada 0,13 0,11 0,12 0,12
Capinópolis 0,68 0,66 0,57 0,54
Gurinhatã 0,23 0,20 0,19 0,19
Ipiaçu 0,15 0,18 0,14 0,13
Ituiutaba 5,09 5,71 6,68 7,09
Santa Vitória 0,69 0,66 0,86 0,93
Microrregião de Uberlândia
Araguari 5,94 4,88 4,95 5,21
Araporã 0,55 0,71 0,53 0,63
Canápolis 0,58 0,56 0,47 0,47
Cascalho Rico 0,11 0,10 0,09 0,10
Centralina 0,38 0,34 0,29 0,30
Indianópolis 0,26 0,26 0,26 0,25
Monte Alegre de Minas 0,83 0,68 0,72 0,69
Prata 0,94 1,10 1,19 1,23
Tupaciguara 1,03 1,03 0,88 0,91
Uberlândia 52,41 52,17 52,94 51,14
Microrregião de Frutal
Campina Verde 0,79 0,72 0,66 0,75
Carneirinho 0,37 0,37 0,38 0,41
Comendador Gomes 0,15 0,14 0,15 0,14
Fronteira 0,61 0,66 0,50 0,50
Frutal 2,52 2,58 2,26 2,48
Itapagipe 0,51 0,50 0,48 0,50
Iturama 1,68 1,84 1,66 1,78
Limeira do Oeste 0,21 0,26 0,26 0,31
Pirajuba 0,37 0,28 0,31 0,27
Planura 0,74 0,89 0,70 0,61
São Francisco de Sales 0,21 0,19 0,20 0,22
União de Minas 0,18 0,15 0,15 0,18
Microrregião de Uberaba
Água Comprida 0,15 0,14 0,14 0,17
Campo Florido 0,25 0,40 0,40 0,40
Conceição das Alagoas 0,97 1,11 1,06 1,12
Conquista 0,32 0,30 0,25 0,28
Delta 0,29 0,50 0,43 0,45
Uberaba 19,56 19,47 18,95 19,34
Veríssimo 0,14 0,15 0,14 0,16
Fonte: BRASIL, 2015a.

22
Desenvolvida pelos estudiosos da questão metropolitana nos Estados Unidos, na
década de 1990, a teoria do “novo regionalismo” parte do princípio de que a metropolização
tem como função manter a competitividade econômica em um mundo em processo de
globalização econômica. Destarte, os teóricos demonstram que os municípios inseridos em
uma região metropolitana são economicamente interdependentes, não sendo as fronteiras
políticas barreiras para os fluxos econômicos e que as empresas privadas estão mais
preocupadas com as vantagens competitivas regionais do que com as políticas públicas dos
governos locais (HAMILTON et al., 2004).
Se atentarmos bem, a tese do “novo regionalismo” vai ao encontro da tese do
reescalonamento do Estado, de Neil Brenner, na medida em que este também coloca as
regiões metropolitanas como polos de desenvolvimento, de acordo com as suas vantagens
competitivas, tornando-se espaços estratégicos para as políticas nacionais e estaduais (ou
provinciais) de desenvolvimento, e desconsiderando as fronteiras entre os municípios que as
compõem (BRENNER,2004).
Interessante que o “novo regionalismo” não foca na consolidação do governo
metropolitano, como outras teorias sobre modelos de urbanização, mas sim na estrutura. Ou
seja, o que garante a funcionalidade de uma região metropolitana são os seguintes fatores:
cooperação, redes de contato, parceria entre os governos locais e com setores privados,
direcionando para uma governança regional (HAMILTON et al., 2004).
Destaca-se, no momento, a proposta de diversos políticos, entre eles prefeitos e
deputados federais e estaduais, com o apoio de especialistas, como os Professores do Núcleo
de Estudos em Economia Regional e Urbana (NESUR) do Instituto de Economia da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), na formalização da Região Metropolitana do
Triângulo Mineiro.
Interessante notar que as Agências Metropolitanas são órgãos gestores dessa
governança, fazendo o elo dos atores públicos e privados por meio de suas câmaras temáticas.
Diferentemente do que ocorre nos governos municipais, em que as Secretarias são muitas
vezes uma moeda de troca para obtenção de apoio político na Câmara Municipal, as Agências
Metropolitanas unem todos os governantes, independentemente de partido, além de
empresários, organizações não-governamentais e cidadãos, para um trabalho conjunto visando
ao desenvolvimento da região, de forma a eliminar a competição e as disputas, garantindo que
o espaço físico da região seja visto como uma economia integrada e gerido sem rivalidades
políticas. (YAHN FILHO, 2013)

23
Ao tomarmos a posição geográfica de abertura para o mundo, conforme colocado
por Soldatos como primeira condição para ser uma cidade internacional, é preciso pensar que
todo o desenvolvimento econômico de Uberlândia e, por consequência, do Triângulo, esteve
condicionado à infraestrutura de transporte que facilitou a ligação com o porto de Santos e,
atualmente, com os aeroportos internacionais mais importantes do Brasil, como Guarulhos e
Viracopos. No entanto, não se pode esquecer o fato de que a prospectiva estratégica que
desenvolvemos mais adiante neste trabalho não deixa de lado a possibilidade de construção de
um aeroporto internacional regional, ampliando ainda mais o fluxo de mercadorias exportadas
e evitando a dependência do transporte rodoviário para o despacho de produtos para outros
países.
A princípio, um fato que parecia confirmar essa abertura de Uberlândia e do Triângulo
Mineiro para o mundo foi a consolidação de um projeto que surgiu em 2008, a partir de muito
esforço do setor empresarial de Uberlândia, tendo em vista a visão estratégica da logística
regional. Naquele ano, foi assinado um Protocolo de Intenções (Protocolo nº 175/2008) entre
os Governadores Aécio Neves, de Minas Gerais, e Eduardo Braga, do Amazonas, objetivando
a realização de estudos destinados à criação, no município de Uberlândia, de um polo de
distribuição de mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus, que culminou na
inauguração do chamado Entreposto da Zona Franca, em março de 2010.
Segundo Keila Patrícia Pereira (2013, p. 23), dentre os fatores que contribuíram para
que a cidade de Uberlândia fosse a escolhida para a instalação do Entreposto, destacam-se:

• A facilidade para o escoamento dos produtos visto que o município se liga


aos principais mercados do país, ao MERCOSUL e ao mundo através de uma
excelente infraestrutura logística que engloba transporte rodoviário, aéreo,
hidroviário e ferroviário;

• Uberlândia é um ponto de ligação entre São Paulo, Rio de Janeiro, Belo


Horizonte, Goiânia e Brasília. Os maiores centros econômicos do Brasil
contam com Uberlândia como ponto de ligação. Além disso, estima-se que
num raio de 600 km existam 78 milhões de consumidores, que representam
50% do PIB brasileiro;

• Uberlândia é interceptada por cinco rodovias que conectam a cidade aos


grandes centros, capitais e diferentes regiões do Brasil. Sendo assim, a
instalação do Entreposto em Uberlândia ocorre com vistas à localização
estratégica da Cidade juntamente com toda a infraestrutura que atenda as
demandas do empreendimento.

Ademais, segundo notícia publicada pela Imprensa Oficial de Minas Gerais (2010, p. 1):

24
O entreposto funcionará como armazém para recebimento da produção das empresas
instaladas na Zona Franca e distribuição aos varejistas de todo o país ou mesmo
para exportação. A escolha por Uberlândia por parte do Governo do Amazonas foi
fundamentada na sua localização geográfica estratégica e por sua malha viária que
interliga todas as regiões do país. Além disso, a cidade abriga os maiores
distribuidores atacadistas do país. (grifo nosso)

Ainda que o Entreposto tenha sido visto pelo Governo de Minas Gerais, e por diversos
analistas, como base para o aumento da exportação dos produtos fabricados na Zona Franca
de Manaus, alguns empresários questionam qualquer impacto deste projeto nas taxas de
exportação da Região do Triângulo, por conta das legislações tarifárias dos estados
brasileiros, mas não excluem a possibilidade de que isso venha a acontecer com reformas
tributárias, que tornem menos custosos os fluxos de produção dentro do País.
Nesse sentido, ao considerarmos a possibilidade de que o Entreposto seja uma porta de
saída dos produtos brasileiros para o exterior, vale a pena notar como as teorias da
reterritorialização e da governança multinível estão na base de construção desse projeto, que
pode ser mais uma razão de abertura para o mundo dada a posição geográfica de Uberlândia.
Segundo Keila Patrícia Pereira (2013, p. 26):

Essa reterritorialização é manifestada na medida em que o Entreposto pode ser visto


como uma nova forma de regulamentação estatal frente à crescente circulação de
capital, regulamentação esta que é exercida por órgãos que estão vinculados
diretamente ao Estado (Superintendência da Zona Franca de Manaus e Receita
Federal) e que expressa, cada vez mais, a presença deste dentro do território.

Ainda de acordo com a mesma analista de Relações Internacionais:

Percebe-se que a articulação política entre as diversas escalas de governo


(municipal, estadual e federal), além do setor privado, e a percepção do Triângulo
Mineiro como uma Região estratégica para o desenvolvimento econômico do País,
fez com que fosse Uberlândia a escolhida para receber tal empreendimento,
evidenciando-se, assim, a prática da governança multinível e o papel do Estado na
promoção do desenvolvimento econômico da localidade. (PEREIRA,2013, p. 26)

Outra conclusão que se pode chegar a partir do Entreposto da Zona Franca de Manaus,
e da governança multinível que esteve na sua base construtiva, é a sua sintonia com a política
externa do Governo Lula, tanto na busca por novas formas de inserção internacional do País
quanto na própria tentativa de aprofundar as relações comerciais com os membros do
Mercosul. No primeiro caso, destaca-se o investimento do Governo federal em obras de
infraestrutura que favoreçam o desenvolvimento nacional, bem como o paradigma do Estado
logístico, pelo qual se faz o repasse à sociedade das responsabilidades de Estado empresário.

25
Ao tomarmos a segunda característica de inserção internacional de uma cidade, de
acordo com Soldatos, Uberlândia se distingue nos dois fatores apresentados: os investimentos
estrangeiros e o fluxo de comércio.
Verificamos, no período entre 2000 e 2010, o saldo da balança comercial sempre
favorável, com as variações favoráveis das exportações sempre muito maiores do que quando
desfavoráveis (Tabela IV).

Tabela IV – Balança Comercial do Município de Uberlândia


Exportação Importação Saldo
Ano
US$ FOB (A) Var% US$ FOB (B) Var% US$ FOB (A) - (B)
2000 112.821.090 0,00 45.657.014 0,00 67.164.076
2001 111.612.452 -1,07 31.705.613 -30,56 79.906.839
2002 162.984.788 46,03 38.214.090 20,53 124.770.698
2003 156.062.973 -4,25 48.425.352 26,72 107.637.621
2004 203.151.410 30,17 26.844.160 -44,57 176.307.250
2005 226.633.200 11,56 49.599.054 84,77 177.034.146
2006 115.378.033 -49,09 46.443.283 -6,36 68.934.750
2007 145.329.535 25,96 79.007.864 70,12 66.321.671
2008 331.600.569 128,17 115.671.561 46,41 215.929.008
2009 297.323.741 -10,34 86.526.729 -25,20 210.797.012
2010 272.276.665 -8,42 135.529.720 56,63 136.746.945

Fonte: BRASIL, 2015b.

No que se refere aos investimentos estrangeiros diretos (IED) não temos esses dados
estatísticos focados para a cidade, mas podemos destacar alguns casos que chamaram a
atenção na imprensa local e nacional. Um exemplo é o investimento do Grupo Sonae Sierra
Brasil, com a construção do Uberlândia Shopping. Em julho de 2008, o Grupo português
anunciou o investimento de US$110 milhões nesta nova obra que, atualmente, é um dos seus
nove empreendimentos no Brasil, destacando-se o fato de que o País respondeu, em 2007,
“por quase um terço do total do lucro do grupo no mundo, que foi de €300 milhões”, ficando
o desempenho brasileiro apenas “atrás do de Portugal, onde o grupo tem 20 shoppings em
operação” (CHIARA,2008, p. B15).
Trata-se de um investimento de efeitos sistêmicos, na medida em que dele decorrem
outros três dos maiores investimentos estrangeiros na cidade nos últimos anos: Walmart,
Leroy Merlin e Zara. Afinal, de acordo com a jornalista Márcia de Chiara (2008), “o ritmo
acelerado de expansão do Grupo Sonae reflete a corrida dos empreendedores para

26
investir no setor de shoppings” (CHIARA, 2008, p. B15). Destaca-se o fato de que o
Shopping Parque Dom Pedro, em Campinas, considerado o maior da América Latina, atende à
demanda de toda a Região Metropolitana. Ou seja, Uberlândia também é vista pelos
proprietários do Grupo Sonae como cidade polo de uma região com alto poder de consumo.
No caso da rede Walmart, PETRY (2013) afirma que do valor total do investimento
em Minas Gerais, R$ 50 milhões foram usados na construção do hipermercado de Uberlândia,
o quarto da rede no Estado. Segundo o mesmo autor, “o Walmart afirmou, por meio de uma
nota distribuída à imprensa, que Minas Gerais tem localização estratégica dentro do território
nacional, daí a decisão de ampliar os investimentos no Estado, tanto nas lojas físicas quanto
em logística” (PETRY, 2013, p. 1).

Ressalta-se, no entanto, que os investimentos estrangeiros são totalmente dependentes


dos investimentos nacionais em infraestrutura, o que não tem acontecido de forma suficiente
para atrair mais empresários de outros países, a começar pelo fato de que o investimento
nacional na Região tem se pautado muito mais pela ampliação de rodovias que facilitem a
distribuição de cargas por todo o País, ao invés da ampliação do aeroporto municipal, com sua
internacionalização, ou da construção de um aeroporto internacional de cargas regional, que
possibilite o comércio exterior.
De qualquer forma, não se pode deixar de considerar que esses investimentos, por não
serem tão amplos quanto poderiam ser, segundo diversos empresários e analistas econômicos
do Município, justifica-se pela própria política externa do Governo Lula preocupada muito

27
mais com o investimento de dentro para fora, seguindo o paradigma do multilateralismo de
reciprocidade.
Ao se falar da exportação de fatores de produção e da presença de instituições
cientificas no exterior, a primeira década do século XXI foi muito marcada pela ampliação
dos intercâmbios acadêmicos promovidos pela Universidade Federal de Uberlândia, tanto dos
alunos quando dos docentes, mas ressaltando-se o programa de mobilidade internacional
(tabelas VI e VII), que confirma a nossa hipótese de que a paradiplomacia segue na mesma
linha da política externa do governo federal, que, desde o governo Lula, tem buscado ampliar
o conhecimento científico e tecnológico no Brasil, por meio das suas redes de intercâmbio
com universidades estrangeiras nos países desenvolvidos.
De acordo com a Profa. Dra. Raquel Santini, Diretora de Relações Internacionais e
Institucionais da UFU, considerando o fato de a Universidade ser uma instituição federal,
pode-se dizer que ela faz uma ponte entre os níveis local e federal, pensando em termos de
cooperação científica e tecnológica, por meio de mobilidade internacional:

O Ministério das Relações Exteriores e o MEC têm trabalhado muito em parceria


com as universidades federais. A gente tem recebido muitos estudantes, não só do
continente africano, vindo fazer toda a graduação. (...) E já estão começando a
inverter, mandando para fazer os mestrados e os doutorados. (...) Nós não recebemos
só estudantes vindos da África, mas também da região, como Paraguai, Bolívia,
Venezuela, Equador. Está havendo uma criação de regionalidade com a América
Central também. (ANEXO, Entrevista)

Ressalta-se, também, o fato de que a Universidade buscou se articular mais com os


setores público e privado, participando de delegações municipais nas viagens ao exterior para
a realização de acordos internacionais, como no caso de Heze, na China. No entanto, ainda se
trata de uma relação bem complicada com o setor público municipal, mas que pode melhorar,
conforme se observa nas palavras da Profa. Dra. Raquel Santini:

Nós estamos mais preocupados com a academia, com a inovação, com a tecnologia,
mas em termos de pesquisa. Esta nossa pesquisa pode ser aplicada na prática ou não.
Do lado da Prefeitura, está o lado administrativo, dar uma visibilidade internacional.
Então, eu acho que a gente pode entrar em uma parceria com a Prefeitura em um
mesmo sentido, igual foi a viagem para a China. Nós fomos, teve todo o enfoque das
prefeituras com as prefeituras e, dentro do programa, das universidades com as
universidades. Esse negócio com a China deu resultado. Eu acho que se a Prefeitura
e a Universidade firmarem essa parceria e forem atrás de novos convênios, novas
visitas, nós não precisamos fazer irmandade. Mas, ao visitar as áreas de interesse
juntas, acho que uma complementa a outra, porque a Universidade é um ponto forte
da cidade, ela traz muitos estudantes. E, por outro lado, a gente usa a cidade para ser
um ponto atrativo para trazer estudante. Eu acho que tem que ter um “casamento” da
Prefeitura com a Universidade. Não só com a UFU, tem que ser com todas as
universidades da cidade. Eu acho que uma complementa a outra, uma sozinha não
vai fazer nada. E se você vir no cenário nacional hoje, apesar da UFU estar no
28
interior, é uma das universidades que mais recebem aluno estrangeiro, porque a
gente faz um trabalho de mostrar o que é a cidade de Uberlândia. (ANEXO,
Entrevista)

Ainda que tenhamos um processo muito incipiente, isso já abre possibilidade para
avançarmos em uma estratégia essencial para o desenvolvimento do País. Mais uma vez, um
fator de inserção internacional municipal reflete a política externa, considerando todo o
incentivo dos Governos Lula e Dilma em ciência e tecnologia, haja vista suas percepções de
que a competitividade do País no mercado internacional só ganharia força com
desenvolvimento científico e tecnológico, que tirasse o Brasil da dependência dos países mais
avançados, de acordo com a tradicional divisão internacional do trabalho. A ideia central
desta nova visão estratégica está na possibilidade de se impedir a quantidade de pesquisadores
brasileiros que busquem novas oportunidades em países desenvolvidos sem qualquer retorno,
resultando no aumento, cada vez maior, de importação de tecnologia e conhecimento.
Ao tomarmos a abertura para os atores estrangeiros por meio de hotelaria e
centros de convenções, Uberlândia deixou claro esse avanço a partir do final da década
passada. É interessante notar que o crescimento do setor terciário na cidade se fez de forma
paralela com o crescimento da infraestrutura adequada para a ampliação dos negócios
internacionais, tendo como exemplo o investimento na cidade de redes hoteleiras
internacionais e a construção do Uberlândia Convention Center. Destaca-se, também, a
construção de outros novos centros comerciais na cidade, tais como o World Business Center
e o Gávea Business.

29
Tabela V – Saída de Alunos da UFU para Universidades Estrangeiras

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014


Alemanha 3 2 4 6 5 11 17
Argentina 2 6 3 6
Austrália 2 19 14
Áustria 1 1 1 1 2
Bélgica 2 1
Canadá 11 16 12
Chile 4 2
China 4 1
Coréia do Sul 1 1 1
Dinamarca 1
Espanha 5 15 8 7 29 12 7
Estados Unidos 3 20 51 177
Finlândia 4 1
França 46 38 37 38 92 65 49
Holanda 2 5 6 7 9
Hungria 5 13
Irlanda 14 16
Itália 2 2 6 14 6
México 1 1 5 1
Nova Zelândia 3
Noruega 1
Paraguai 5 3 2
Portugal 4 28 42 66 88 20 16
Reino Unido 4 12 29
Suécia 1
Uruguai 1
TOTAL 62 83 107 129 285 258 383
Fonte: Diretoria de Relações Internacionais e Institucionais (DRII) da UFU, 2015.

30
Tabela VI – Recepção de Alunos Estrangeiros pela UFU

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014


Alemanha 2 2 2
Argentina 3 2 5 7 7
Bolívia 4 1
Chile 1
Colômbia 5 1 1
Espanha 1 2 1 3
Estados Unidos 2 3 1
Finlândia 1
França 6 7 15 15 16 14 14
Holanda 1 2 1 4
Itália 1
Japão 1 2 2 2
México 6 2 6 3 6
Paraguai 2 5 5 1 2
Peru 1
Portugal 1 4 3
Ucrânia 1
Uruguai 2 1
Venezuela 1
TOTAL 16 22 30 30 37 38 39
Fonte: Diretoria de Relações Internacionais e Institucionais (DRII) da UFU, 2015.

Vale notar, também, que não somente a Associação Comercial e Industrial de


Uberlândia (ACIUB) tem uma visão estratégica de inserção internacional, mas a criação do
Uberlândia Convention & Visitors Bureaux (C&VB) é demonstração clara dos interesses de
todos os setores econômicos da cidade na busca de ampliar suas relações para além das
fronteiras nacionais, bem como de abrir as portas para os investimentos estrangeiros na
Região. Pela definição dada pela própria entidade:

Os Convention & Visitors Bureaux (CVBx) são estruturas independentes, não


governamentais, apartidárias, sem fins lucrativos, com a missão de promover o
desenvolvimento econômico e social do destino que representam, através do
incentivo e fomento da indústria do turismo, com o consequente aumento do fluxo
de visitantes. São um Instrumento de planejamento, promoção, apoio, captação e
geração de eventos e incentivo ao turismo de entretenimento e lazer para destinos
em formação e consagrados. (UBERLÂNDIA CONVETION & VISITORS
BUREAUX, 2015, p. 1)

31
Importante notar que, ao se fazer uma análise do turismo em Uberlândia, cabe uma
comparação ao que ocorre com Campinas, cujo foco é o chamado turismo de negócios.
Para não ficarmos presos apenas na exportação de instituições científicas, vale destacar
que instituições culturais uberlandenses também já tiveram presença no exterior e a
cultura pode ser um fator de destaque na paradiplomacia municipal. A Companhia de Dança
Balé de Rua conseguiu, com a ajuda de muitos patrocinadores, sair pela primeira vez do País e
se apresentar na grande mostra francesa de artes cênicas, a Bienal de Lyon, em setembro
de2002.
Enfim, ao analisarmos um fator determinante nesse processo de inserção internacional,
que é o exercício de uma paradiplomacia urbana (pública ou privada), apoiada em
serviços especializados de relações internacionais e em estratégias de
internacionalização, fica claro que ainda prevalece, em Uberlândia, uma paradiplomacia
não-governamental. Diferentemente do que vem ocorrendo há 20 anos na cidade de
Campinas, com a criação da Secretaria Municipal de Cooperação Internacional, não se vê um
planejamento estratégico por parte da Prefeitura, coma criação de órgãos especializados, ainda
que dentro de uma Secretaria, tal como ocorreu recentemente em Campinas, com a
transformação da Secretaria citada em um Departamento de Relações Internacionais da
Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Pode-se perceber que as atuações da ACIUB, do
Uberlândia C&VB e da própria UFU demonstram uma visão estratégica desses setores que
não estão ligados, de forma direta, com a Prefeitura, conforme se pode perceber pelas
entrevistas realizadas com Fábio Pergher (ACIUB) e Raquel Santini (DRII/UFU).

8. Construindo um cenário prospectivo da inserção internacional


de Uberlândia e do Triângulo Mineiro

A prospectiva estratégica surgiu, em meados do século XX, a partir da visão de Gaston


Berger de que para se alcançar os objetivos desejados ou se enfrentar os problemas colocados,
traçando-se estratégias de ação corretas para tais fins, é preciso saber olhar para o futuro,
construindo cenários. Segundo o autor, a rapidez com que o mundo muda não permite que se
pense o futuro a partir de um simples olhar para o passado. Ou seja, é possível entender o que
acontece no presente a partir da história, mas não é possível se pensar que o futuro será uma
simples repetição desta.

32
Assim sendo, nas palavras de Berger (apud GODET, 2011, p. 5 e 6), “na prospectiva
estratégica, não se trata de observar o futuro a partir do presente, mas observar o presente a
partir do futuro”, de modo que “sabendo quais são os futuros possíveis, pode-se tomar
decisões no presente, considerando aquele cenário ao qual se pretende chegar”.
Segundo Michel Godet (2011, p. 9), “a ação sem finalidade não tem sentido e a
antecipação suscita a ação. É por isso que a Prospectiva e a Estratégia são, em geral,
indissociáveis e, daí, a expressão ‘Prospectiva Estratégica’”.
Ainda segundo Michel Godet (apud MARCIAL & GRUMBACH, 2008, p. 47),
“cenário é o conjunto formado pela descrição coerente de uma situação futura e pelo
encaminhamento dos acontecimentos que permitem passar da situação de origem à situação
futura”, complementando sua definição ao afirmar que “o cenário não é a realidade futura,
mas um meio de representá-la, com o objetivo de nortear a ação presente, à luz dos futuros
possíveis e desejáveis”.
Importante notar que os cenários são construídos por meio de variáveis e atores que
conformam um sistema “composto pelo objetivo de cenarização, seu horizonte temporal e
lugar” (MARCIAL & GRUMBACH, 2008, p. 50). Ou seja, ao trabalharmos com um cenário,
devemos fazer um levantamento de todos os atores e variáveis que estão em jogo no sistema
com o qual estamos trabalhando.
Nesta pesquisa, o sistema com o qual estamos trabalhando é “Uberlândia e o Triângulo
Mineiro”, tendo como objetivo da cenarização a sua inserção internacional. O local está no
próprio nome do sistema e o horizonte temporal é de 15 anos, pensando em 2030. As
variáveis que compõem o sistema estão nos fatores de inserção internacional de uma cidade,
estabelecidos por Panayotis Soldatos, e elencados nas páginas 8 e 9. Quanto aos atores,
trabalhamos com todos que sejam motores das referidas variáveis e, portanto, acabam sendo
justamente aqueles que participam da governança multinível que está na base de inserção
internacional da cidade de Uberlândia e da região do Triângulo, ou seja: os três níveis de
governo (municipal, estadual e federal), os atores privados (indústria, comércio, agronegócios,
etc.), instituições públicas e organizações não-governamentais.
Segundo Elaine Marcial (2008, p.58), “o futuro deixa, no presente e no passado,
sementes que podem vira germinar ou não”, de modo que “identificar e analisar estas
sementes pode permitir uma melhor identificação das possibilidades futuras com maior
consistência” (MARCIAL & GRUMBACH, 2008, p. 58). Assim sendo, temos como algumas
sementes de futuro: tendências de peso, fatos predeterminados, fatos portadores de futuro,
incertezas críticas e surpresas inevitáveis.
As tendências de peso foram definidas por Godet e referem-se àqueles eventos cuja
33
perspectiva de direção é suficientemente consolidada e visível para se admitir sua
permanência no período considerado.
Os fatos predeterminados referem-se àqueles eventos já conhecidos e certos, cuja
solução ou controle pelo sistema ainda não se efetivou.
Os fatos portadores de futuro são sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes
no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades. Segundo Peter
Schwartz, as incertezas críticas são variáveis incertas de grande importância para a questão
principal e podem ser entendidos como fatos portadores de futuro considerados mais
importantes e com grau de incerteza maior para a questão principal.
Por fim, as surpresas inevitáveis são forças previsíveis, pois têm suas raízes em forças
que já estão em operação no momento, mas não se sabe quando irão se configurar nem
podemos conhecer previamente suas consequências e como nos afetarão.
Voltando-nos à história da prospectiva estratégica, é interessante notar que, por mais
que ela sempre tenha sido um método muito mais aplicado no setor empresarial, não deixa de
ter a sua aplicação também na gestão pública, o que acaba sendo denominado por Godet como
“prospectiva territorial”. Ela constitui um instrumento privilegiado para ajudar a compreensão
das dinâmicas territoriais, num contexto sempre mais marcado pela descentralização, pela
autonomia de decisão e pela necessidade de cooperar. (GODET, 2011)
A descentralização está no fato de que, assim como o Brasil, a grande maioria dos
países democráticos tem seus governos centrais e locais (sejam eles municipais,
departamentais, provinciais, estaduais, etc.) trabalhando de forma articulada, conforme o
conceito de governança multinível. Os gestores públicos locais têm sua autonomia de decisão,
mas não podem chegar a esta sem a participação de diversos outros atores envolvidos no
sistema em jogo. Diferentemente do que ocorre no caso empresarial, em que os gestores
empresarias têm os seminários prospectivos sem a participação dos diversos acionistas, na
construção de uma política pública estratégica, é preciso trabalhar de forma cooperativa com a
sociedade envolvida na questão.
Ao analisarmos a inserção internacional local, por exemplo, percebe-se que uma
prefeitura só consegue levar adiante suas decisões a partir de uma cooperação com os atores
que podem ser os beneficiários e/ou colaboradores de tal processo. Assim sendo, ao se querer
trabalhar uma paradiplomacia municipal estratégica, é preciso identificar os atores que estarão
em jogo no processo, a fim de que juntos trabalhem a construção dos cenários que servirão de
base para tomadas de decisões presentes do Prefeito, com busca aos cenários desejáveis
dentro de todos os possíveis.
Segundo Michel Godet:
34
A Prospectiva, com efeito, participa no novo modo de governança associando
instituições públicas, atores sociais e organizações privadas na elaboração,
implementação e acompanhamento das escolhas coletivas, em termos de procurar
suscitar uma adesão ativa dos cidadãos. (GODET, 2011, p. 102)

Ainda segundo o autor, a prospectiva territorial está caracterizada por três tipos de
metodologias que a tornam uma prospectiva estratégica: a abordagem prospectiva, uma
elaboração estratégica e um processo participativo. (GODET, 2011)
Ao se ter como base uma abordagem prospectiva, Michel Godet deixa claro que:

A base de toda a reflexão prospectiva territorial compreende a realização de um


diagnóstico retroprospectivo e estratégico inscrito no tempo longo (forças e
fraquezas, ameaças e oportunidades, questões-chave para o futuro), a análise das
tendências pesadas em curso no território, a detecção dos sinais fracos e a
identificação das rupturas temidas ou desejadas para o futuro e as suas
consequências. O conjunto destes elementos prospectivos articula-se através da
elaboração coletiva dos cenários de evolução do território num horizonte dado.
(GODET, 2011, p. 103)

Como veremos no próximo item, uma visão histórica, de mais de um século, do


desenvolvimento econômico de Uberlândia, em comparação com o de Campinas, permite a
identificação das tendências de peso relativas à inserção internacional da cidade mineira.
Ademais, é olhando para o futuro da cidade a partir dos dias atuais, que podemos verificar
qual são os fatores que podem alterar o cenário desejado, a fim de que se prepare para superá-
los, não deixando de se alcançar os objetivos colocados atualmente. No entanto, para se saber
quais são esses objetivos, o governo local deve trabalhar de forma articulada com os atores
que compartilham deles.
No que diz respeito à elaboração estratégica, ao se falar em território é preciso
considerar o fato de que as políticas públicas devem ser pensadas, a princípio, como
estratégias (GODET, 2011). Ou seja, sua construção se faz levando-se em consideração as
possíveis mudanças ao longo do tempo. Assim sendo, ao se planejar políticas públicas de
grande efetividade, deve-se considerar o longo prazo. Ou seja, para que uma paradiplomacia

35
se torne estratégica, ela deve ser trabalhada da mesma forma em que a política externa é uma
política de Estado e não de governo.
No entanto, Godet ressalta que “elaborar uma estratégia, mesmo coletivamente, é uma
coisa; programar, avaliar e implementar ações que daí decorrem é uma outra” (GODET,
2011). Portanto, ao se chamar para a participação na elaboração de uma estratégia os atores da
sociedade envolvidos num determinado tema sem, depois, implementá-las seria apenas um
álibi ou um engano (GODET, 2011).
Enfim, chegando à metodologia do processo participativo:

No âmbito dos projetos de território, a abordagem prospectiva integra os desejos e as


expectativas dos cidadãos, assim como as necessidades da sociedade local; assim,
parece inconcebível não considerar a implementação, durante a realização do
exercício, de um sistema organizado de consulta junto das forças vivas do território.
(GODET, 2011, p. 107)

(...)

A Prospectiva estratégica constitui, assim, uma abordagem privilegiada para todo o


território atento ao seu desenvolvimento futuro, dotando as organizações e
instituições que aí vivem de uma visão ao serviço da ação estratégica e, portanto, de
um projeto partilhado. (GODET, 2011, p. 107)

Conforme poderemos ver nos itens seguintes, a paradiplomacia municipal estratégica


não só atende aos interesses de setores econômicos e sociais de Uberlândia, como também
deles depende para sua elaboração, a partir de um olhar futuro. Assim, depois de elaborado o
cenário prospectivo de inserção internacional da cidade, aos gestores públicos estará entregue
a responsabilidade de implementar a paradiplomacia, no presente, para se chegar aos objetivos
traçados dentro do horizonte temporal estabelecido.

8.1. Análise comparativa entre o desenvolvimento econômico de


Campinas e Uberlândia: base para se encontrar tendências de peso

Fazendo um breve resumo do período 1860/1870 no desenvolvimento da região de


Campinas – ou seja, 20 anos antes da criação do Município de Uberlândia (1888) – é possível
ressaltar as transformações que estavam na base da consolidação do complexo cafeeiro
paulista, que viria a acontecer nas duas décadas seguintes. Segundo Ulysses Semeghini (1991,
p. 37), “no Oeste de São Paulo, que tinha Campinas como seu polo principal, é que aquelas
transformações mais se fazem notar”, destacando-se três iniciativas do final da década de
1860: a fundação em Campinas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (1868); a
instalação da Companhia Lidgerwood, com máquinas importadas dos EUA para o
beneficiamento do café e a formação da Associação Auxiliadora da Colonização
36
(SEMEGHINI, 1991).
Nas palavras de Ulysses Semeghini (1991, p. 37 e 38):

A chegada da ferrovia representou verdadeira revolução na economia do Oeste. No


processo de produção, ela permitiu o aumento das margens de lucro por reduzir o
frete e eliminar perdas. (...) O surto ferroviário alteraria radicalmente as feições da
economia cafeeira, sua estruturação no território. Tendo como vetores as linhas de
estrada de ferro, surgiria a rede urbana do estado, definindo-se em grande parte em
função da ferrovia os municípios que desempenhariam as funções de centros e polos
regionais.

Do mesmo modo, é possível perceber este processo na Região do Triângulo Mineiro.


Carlos Brandão, em sua dissertação de mestrado, contraria “autores como Monbeig, Matos e
Saes que aventam a hipótese de que a extensão da estrada de ferro até o Triângulo Mineiro
teria sido fruto de um ‘prolongamento natural’” (BRANDÃO, 1989, p. 67).
Segundo Brandão, a posição geográfica estratégica do Triângulo está na base de sua
integração ao mercado nacional, de modo que estando situado a meio-caminho das principais
rotas mercantis, a região triangulina “necessitou ‘equiparar’ sua vocação ‘natural’ para que,
depois de criada uma infraestrutura de transportes favorável, desenvolvesse, cada vez mais,
suas aptidões de entreposto comercial” (BRANDÃO, 1989, p. 68).
Um ponto-chave na comparação do desenvolvimento de Uberlândia e Campinas, tendo
como base o transporte ferroviário, pode ser extraído dos seguintes parágrafos da dissertação
de Carlos Brandão:

Na verdade, historicamente, as principais cidades desta região [Triângulo Mineiro]


desempenham o papel de “pontos de passagem”, o que, com a entrada da mesma no
circuito de trocas nacional, concorreu para fácil transformação de seus centros
urbanos em “pontos de intersecção” da circulação das mercadorias agrícolas no
sentido centro-oeste/sul, e da circulação das mercadorias (...). (BRANDÃO, 1989, p.
68)

(...)

Com a chegada dos trilhos da Mogiana ao Triângulo, assegurou-se a acessibilidade


dos produtos agrícolas e pecuários do Brasil Central a São Paulo. Esta vasta área (...)
tornou-se, de alguma forma, tributária do polo aglutinador da comercialização, ou
melhor, dependente o entreposto em que se constituíram os principais centros
urbanos triangulinos (Araguari, Uberaba e Uberlândia), para realizar sua produção.
(BRANDÃO, 1989, p. 70)

Ou seja, fica perceptível que a base de desenvolvimento regional do Triângulo – e,


mais especificamente, de Uberlândia – se deu por conta da passagem obrigatória de linhas

37
ferroviárias em seu território, da mesma forma como ocorreu com Campinas, tal como
defendido por Ulysses Semeghini.
Outro ponto importante trazido por Semeghini está no fato de que o rush do café no
Oeste Paulista, tendo Campinas como seu polo, favoreceu a diversificação da economia, “com
investimentos nas ferrovias, nas empresas de serviços públicos, na indústria e nos bancos” e,
“em paralelo, vão sendo constituídos os demais segmentos componentes do complexo
capitalista” (SEMEGHINI, 1991, p.40).
Segundo Semeghini (1991, p. 41):

O marco inicial dessa diversificação é a incorporação da Companhia Paulista, em


1868. O horizonte de expansão para o café colocado pela recuperação dos preços
externos e pela disponibilidade de terras, e a acumulação anterior estão na raiz dessa
incorporação, e também na da Companhia Mogiana pouco mais tarde (1872). O fato
de terem ambas ocorrido em Campinas marca bem a importância do município no
panorama cafeeiro da época, bem como reflete o elevado porte do excedente gerado
localmente.

Por sua vez, de acordo com Brandão, a diversificação econômica do Triângulo se deve
à sua função de entreposto comercial, bem como à sua inter-relação com os estados vizinhos,
principalmente com São Paulo. (BRANDÃO, 1989)
Ora, num raciocínio lógico simples: se a malha ferroviária da Companhia Mogiana é a
causa do entreposto comercial do Triângulo, e este é causa da sua diversidade econômica,
então a diversidade econômica triangulina é consequência da Companhia Mogiana,
reproduzindo o ocorrido com a Companhia Paulista em Campinas, tal como colocado por
Semeghini.
De forma bem resumida sobre o desenvolvimento de Campinas entre as décadas de
1860 e 1880, Semeghini diz ser preciso “assinalar uma função do município que seria
fundamental no desenvolvimento e nas características do seu núcleo urbano: seu papel de
centro ferroviário” (SEMEGHINI, 1991, p. 51). Da mesma forma, segundo Brandão, em
decorrência da chegada da Companhia Mogiana:

(...) o Triângulo Mineiro capacita-se, cada vez mais, a se tornar um grande


importador de produtos primários goianos; um grande exportador, para São Paulo,
desses produtos; um grande importador de produtos manufaturados paulistas; um
grande exportador desses produtos para Goiás. Em suma, torna-se um grande
entreposto comercial. (BRANDÃO, 1989, p. 85)

Destacando-se a expansão ferroviária como base de desenvolvimento, no final do


século XIX, vale notar que “a penetração mais rápida foi a da Estrada de Ferro Mogiana”

38
(SEMEGHINI, 1991, p. 58), passando por Casa Branca e Ribeirão Preto, até chegar ao
Triângulo Mineiro, mais precisamente em Uberlândia e, finalmente, Araguari, em 1895,
conforme o mapa abaixo.
Fica clara, portanto, a diferença de 20 anos entre o desenvolvimento campineiro e
uberlandense, no que tange ao transporte ferroviário, haja vista os anos de criação da
Companhia Paulista (1868) e da chegada da Mogiana ao Triângulo (1895), porém com ambas
as cidades seguindo no mesmo rumo, qual seja: o papel de centro ferroviário regional,
buscando a inserção no mercado nacional e, até mesmo a saída para o internacional, por meio
do porto de Santos.

Figura1 – Trajeto da Estrada de Ferro Mogiana

Fonte: http://www.sindicatomogiana.com.br/mapamogiana.html

O nascimento da indústria nacional teve como base a produção e comercialização do


café, que, por sua vez, estava concentrada em território paulista. De acordo com Ulysses
Semeghini:

39
Entre 1929 e 1933 consolidava-se uma mudança fundamental na dinâmica da
economia brasileira: o setor agrário/exportador passaria a segundo plano na
determinação do nível e do ritmo da atividade econômica, passando os setores
ligados ao mercado interno, principalmente a indústria, à condição de principais
determinantes do nível de atividade. (SEMEGHINI, 1991, p. 93).

Se, por um lado, “a matriz do capital industrial foi o capital cafeeiro, tanto o
empregado na atividade nuclear (a plantação do café) quanto os que financiaram o segmento
urbano do complexo” (SEMEGHINI, p. 75), por outro, “o ponto de partida para a
configuração do espaço regional [do Triângulo] é dado pelas condições de integração ao
‘complexo econômico cafeeiro paulista’ e seus desdobramentos para a nascente economia
industrial brasileira” (GUIMARÃES, 2010, p. 91)
Portanto, a produção de café está na base da industrialização de ambas as regiões aqui
trabalhadas. No entanto, enquanto Campinas estava no centro desta produção cafeeira,
Uberlândia era o entreposto comercial para distribuição de toda a produção paulista para o
Centro-Oeste, bem como São Paulo era o grande destino da produção agropecuária advinda
do mesmo, incluindo o Triângulo Mineiro.
Assim sendo, Campinas saiu na frente de Uberlândia, em termos de uma
industrialização que acabou sendo o fator determinante para o desenvolvimento do Triângulo
Mineiro, resultando, anos mais tarde, também na própria industrialização desta região. Afinal,
se não houvesse a interligação entre São Paulo e o Centro-Oeste, passando pelo Triângulo
Mineiro por meio da Companhia Mogiana, a região não teria o capital necessário para investir
na indústria, a começar pela infraestrutura necessária, mais especificamente na energia e no
transporte.
A base da economia regional do Triângulo, voltada principalmente para o milho e o
arroz – tendo a produção de cana-de-açúcar, feijão e mandioca em menor escala – é a “mostra
clara da complementaridade e não continuidade desta economia em relação à dinâmica da
economia cafeeira” (GUIMARÃES, 2010, p. 93). Neste sentido, “a produção de toda a região
era voltada exclusivamente para atender às necessidades do mercado interno brasileiro e, daí,
sua dependência dos estímulos da economia de exportação” (GUIMARÃES, 2010, p. 93), os
quais já estavam presentes no Estado de São Paulo, mais especificamente na própria capital
paulista e em Campinas.
Interessante notar que um ponto-chave que reforça o “gap” temporal entre Campinas e
Uberlândia, no que tange ao processo de industrialização, está no fato de que a infraestrutura

40
que atendia aos municípios da Companhia Paulista era mais avançada do que aquela que
servia à Mogiana.

Nos municípios da Paulista o grau de transformação da agricultura no período [entre


1930 e 1938] foi maior, tendo sido ela capaz de responder com mais vigor às
mudanças e aos novos estímulos de mercado. Na Mogiana as mudanças foram muito
mais lentas, não se verificando grandes alterações na base agrícola que continuou
tendo no café seu principal produto. Essa evolução diferenciada da agricultura nas
duas zonas condicionaria em boa medida suas diferentes trajetórias de urbanização.
(SEMEGHINI, 1991, p. 105)

Reforçando os argumentos acima, Eduardo Nunes Guimarães (2010, p. 94) afirma que

Tanto a participação da indústria extrativa, quanto da fabril, da região [do Triângulo]


era muito incipiente e concentrada na rota econômica da ferrovia Mogiana. Uberaba
era destacadamente o principal polo, porém, dada a insuficiência de energia elétrica,
pode-se aferir que não se tratava de indústrias moderna, ou seja, eram indústrias de
processamento de produtos locais e assentadas sobre a força de tração animal. (grifo
nosso)

Ou seja, enquanto a industrialização paulista se expandia, na primeira metade do


século XIX, a partir da década de 1920, a economia do Triângulo Mineiro ainda se pautava
pela produção agrária, pincipalmente pela falta de infraestrutura necessária para o avanço
industrial.

Entre 1933 e 1939, a produção industrial paulista cresceu à elevada taxa de 14% ao
ano. Os setores de maior peso na estrutura industrial paulista, sobretudo o têxtil,
puderam aumentar sua produção sem grande acréscimo de investimentos,
aproveitando a capacidade ociosa acumulada. (SEMEGHINI, 1991, p. 94)

Conforme já havíamos colocado anteriormente, o Prof. Eduardo Nunes Guimarães


defende a ideia de que o desenvolvimento local ou regional deve ser analisado dentro de um
contexto mais amplo, tais como o nacional e o internacional. Assim sendo, ainda segundo o
mesmo autor, o fato de a década de 1950 ter sido uma etapa de grandes mudanças
tecnológicas na economia brasileira – marcada pela industrialização pesada, supremacia
rodoviária e desenvolvimento do capital financeiro –, somado à crescente e urgente demanda
regional por uma nova infraestrutura – mais especificamente no campo da energia e dos
transportes – e à incapacidade do capital privado de responder a tais necessidades, levou o
governo nacional a investir no desenvolvimento regional, haja vista sua percepção estratégica
da importância do Triângulo para a economia brasileira. (GUIMARÃES,2010)

41
Percebe-se, portanto, a partir deste momento, um processo de industrialização no
Triângulo Mineiro – mais precisamente, em Uberlândia, que é o polo centralizador da
economia regional – da mesma forma como já tinha acontecido em Campinas duas décadas
antes.
Importante notar que a diversificação econômica que ocorreria no Triângulo Mineiro a
partir do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek já tinha ocorrido no Estado de São
Paulo, mais especificamente na capital paulista e em Campinas, desde os anos 1920, em razão
de toda a infraestrutura local.
De acordo com Ulysses Semeghini (1991), na sua análise do desenvolvimento
econômico campineiro:

A indústria cresceu à frente, inclusive, do crescimento do mercado paulista. Além de


importante grau de diversificação no setor de produção bens-salário, implantam-se
segmentos que constituem um embrionário setor de bens de produção. O
investimento industrial desses anos [1920 e 30] seria estratégico, tanto para a
integração do mercado nacional quanto para a emergência do novo padrão de
acumulação. Outros setores – comércio, serviços urbanos, bancos, energia elétrica,
transportes ferroviários e rodoviários – acompanham o surto expansivo: a
constituição de importante economia urbana é sumamente reforçada. (SEMEGHINI,
1991, p. 91 e 92, grifo nosso)

Por outro lado, de acordo com Eduardo Nunes Guimarães (2010), na sua análise do
desenvolvimento econômico do Triângulo Mineiro, é a partir da década de 1950 que se
percebe a

(...) formação de uma estrutura regional de apropriação de renda e de multiplicação


das funções na divisão inter-regional do trabalho. Esta estrutura pode ser
representada pela projeção econômica e diversificação produtiva de alguns núcleos
urbano, onde se destaca a cidade de Uberlândia que, paulatinamente, consolidou-se
como a principal referência regional. (GUIMARÃES, 2010, p. 129, grifo nosso)

Voltando-nos à teoria da governança multinível, destacamos o fato deque,


diferentemente do que sempre aconteceu nas relações de Campinas com os governos paulista
e federal, Eduardo Nunes Guimarães (1991, p. 135) ressalta “o distanciamento administrativo
do governo estadual [mineiro] em relação às questões triangulinas concomitantemente à
limitada força política de representação regional”. Neste sentido, somente na década de 1950,
“o Triângulo contou a seu favor com:

a) existência de um programa energético federal; b) a decisão de construir uma grande


hidrelétrica em rio da região; c) a existência de uma estatal estadual (Cemig) em pleno
processo de expansão; d) a Presidência da República ocupada por um mineiro; e) e o
custo relativamente baixo da construção de linhas de transmissão em seu território.
(GUIMARÃES, 2010, p. 135)
42
No entanto, apesar de a construção de Brasília ter dado um grande salto no processo de
interiorização da produção industrial brasileira, tendo colocado o Triângulo Mineiro como
ponto de ligação entre São Paulo e a capital federal, foi somente na década de 1970 que
Uberlândia alcançou o nível de infraestrutura adequado para se consolidar como polo
centralizador da região triangulina e atrair os investimentos extra-regionais, de modo a
descentralizar a indústria nacional, que estava concentrada em São Paulo. (GUIMARÃES,
2010)
Assim sendo, ainda existe uma grande diferença temporal em relação à Campinas,
que, já na segunda metade dos anos 1950, com o Plano de Metas, não só havia se tornado o
principal polo fabril do País depois da região metropolitana de São Paulo, sendo a atividade
industrial a atividade econômica mais importante do município, como também se tornara sede
de grandes empresas estrangeiras. (SEMEGHINI,1991)
Portanto, ao fazermos esta análise comparativa de longo período entre o
desenvolvimento de Campinas e Uberlândia, e constatarmos o “gap” temporal com que a
cidade mineira vem alcançando os mesmos padrões de desenvolvimento da cidade paulista, é
possível considerarmos que tudo o que começa a ser visto nos dias atuais, em Uberlândia, no
que tange à sua inserção internacional, segue na mesma direção do que já vinha acontecendo
em Campinas, desde o final da década de 1980 e começo da década de 1990.
Assim sendo, ao tomarmos o processo de inserção internacional campineiro, entre as
décadas de 1980 e 2000, podemos extrair tendências de peso, conforme veremos nos itens a
seguir, para o cenário de internacionalização da cidade de Uberlândia nos anos 2030. São
tendências que servem como indicadores de como agir no presente, para os tomadores de
decisão da paradiplomacia pública uberlandense.

8.1.1. Ciência e Tecnologia

Neste item, pretendemos demonstrar como a cidade de Uberlândia, considerando o seu


“gap” temporal com a cidade de Campinas, está seguindo na mesma linha de desenvolvimento
científico e tecnológico, com total tendência a chegar, até 2030, ao mesmo nível já alcançado
pela metrópole paulista.
Em julho do ano 2000, a Revista Wired fez um levantamento dos centros tecnológicos
mais promissores do planeta e já incluía Campinas entre os 46 principais, sendo, além de São
Paulo, a única cidade da América do Sul na lista. Importante destacar que os quatro fatores
considerados pela revista para identificar estes centros foram os seguintes: a presença de
43
universidades e centros de pesquisa, a concentração de grandes empresas, a vocação para
fazer surgir novos negócios e a atração de capital de risco para alavancar a economia local.
(YAHN FILHO, 2013)
Apesar de Uberlândia ainda não ter se tornado uma cidade tão industrializada quanto
Campinas, no setor de alta tecnologia, isso não impediu o desenvolvimento da agroindústria
de inovação, que demanda um grande investimento na produção científica. Afinal, ainda que
muito criticado por não mudar seus padrões econômicos de produção, o Brasil é um dos
maiores exportadores de commodities do mundo e, por este motivo, não pode deixar de
evoluir na produção destas, a fim de não perder sua competitividade no mercado
internacional.
Ao olharmos para a base científica e tecnológica que tornou Campinas um dos 5 polos
tecnológicos do Estado de São Paulo, vale destacar, antes de mais nada, a presença de uma
das maiores universidades brasileiras (a UNICAMP), além de diversos outros institutos de
pesquisa, de natureza federal ou estadual, caracterizando uma governança multinível. Ou seja,
o desenvolvimento local está atrelado ao olhar estratégico dos governos federal e estadual,
que perceberam Campinas como uma ilha de desenvolvimento, da mesma forma como ocorre
hoje com Uberlândia. Como exemplo disso, temos nas palavras do Chefe de Assessoria de
Relações Internacionais de Minas Gerais, Rodrigo Perpétuo:

O Triângulo Mineiro é uma região muito importante para Minas Gerais, para a sua
economia e o seu desenvolvimento. Então o governo mineiro percebe o Triângulo
como um ativo estratégico para o Estado. (...) O Triângulo Mineiro tem experiência
na produção do conhecimento científico, tem um trabalho ligado à agricultura, um
setor de serviços com um potencial muito grande. Então, ele dialoga muito com a
proposta do Governo Pimentel de priorizar, manter e aperfeiçoar aqueles setores
econômicos que são tradicionais para a economia mineira, e incrementar a
participação do estado em setores que demandam um maior estímulo. O Triângulo
demonstra ser uma região onde se encontra uma economia de valor agregado
diferente da economia mineira tradicional, tal como o setor aeroespacial, e que
precisa de um diálogo com o internacional, de modo que o Estado se vê na obrigação
de criar essa ligação. (ANEXO, Entrevista)

Conforme já destacamos no item 7, um dos elementos que mais destacam a atual (mas,
parcial) inserção internacional de Uberlândia é a Universidade Federal (UFU), não apenas
pela sua pesquisa científica, mas também pela sua ação paradiplomática, estabelecendo uma
forte relação com diversas outras universidades no mundo e promovendo um intercâmbio
acadêmico que se torna reflexo da própria política externa brasileira.

44
Ainda no que diz respeito ao avanço tecnológico, Uberlândia caminha no mesmo
sentido de Campinas, a partir do seu projeto de Parque Tecnológico. Segundo o ex-Secretário
de Gestão Estratégica, Ciência e Tecnologia, Stoessel Ribeiro, “a intenção é que o parque
tecnológico, a Granja Marileusa e o campus do Glória, que vai nascer da Universidade
Federal, formem um ecossistema de inovação” (NOGUEIRA, 2014). Foi dentro desta
interdependência acadêmica e empresarial que o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
(CPqD), em Campinas, deu origem ao cluster3que caracteriza a Região Metropolitana de
Campinas. Segundo César Cardoso, ex-vice-presidente da instituição, o CPqD sempre foi polo
atrativo das empresas para a região (OLIVEIRA, 2005).
Nas palavras de Michael Porter:

O cluster proporciona um fórum construtivo e eficiente para o diálogo entre as


companhias relacionadas, seus fornecedores, governo e outras instituições. Devido
às externalidades, os investimentos públicos e privados para melhorar as
circunstâncias de um cluster beneficiam muitas empresas. Observando um grupo de
empresas e instituições como um cluster também destaca oportunidades para
coordenação e melhoria mútua em áreas de preocupação comum, com um menor
risco de distorção da competição ou mesmo limitando a intensidade de rivalidades.
(PORTER, 2000, p. 18)

Portanto, se Uberlândia seguir adiante com o Parque Tecnológico será a chance de


ampliar o desenvolvimento científico e tecnológico de toda a Região do Triângulo Mineiro,
atraindo empresas de alta tecnologia e estabelecendo parcerias com as universidades para a
pesquisa aplicada, de modo a fortalecer os fatores de inserção internacional da cidade
estabelecidos por Panayotis Soldatos, tais como: receber fatores de produção estrangeiros e
abrigar instituições estrangeiras.

8.1.2. Infraestrutura

Outro fator determinante para a competitividade, segundo Michael Porter – e que está
na base de diversos fatores de inserção internacional de uma cidade –, é a infraestrutura. De
acordo com o autor:

(...) é o tipo, qualidade e valor de uso da infraestrutura disponível que afeta a


competição, inclusive o sistema de transportes, de comunicação, os correios e a
entrega de encomendas postais, pagamentos ou transferências de fundos, assistência
médica e assim por diante. (PORTER, 2002, p. 92)

3
Clusters são concentrações geográficas de companhias interconectadas, fornecedores especializados,
provedores de serviços, firmas em indústrias relacionadas e instituições associadas (por exemplo, universidades,
agências, associações comerciais) em um campo particular que compete, mas também coopera. (PORTER, 2000,
p. 18)
45
Conforme ocorreu na cidade de Campinas, em Uberlândia a logística também é um
dos aspectos mais importantes para o seu desenvolvimento. Muito antes de se pensar no
Aeroporto Internacional de Viracopos, desde os tempos da produção do café, esta logística já
se destacava pela ligação ferroviária com a Baixada Santista, sendo o entroncamento das
linhas férreas Paulista e Mogiana, além do local de encontro de rodovias como Anhanguera,
D. Pedro e Santos Dumont (YAHN FILHO, 2013), o que não a diferencia da logística de
Uberlândia, que sempre teve esta ligação com o Porto de Santos, por meio da Mogiana e,
depois, pelas rodovias BR-50 e Anhanguera, além de ser um entroncamento de outras
rodovias que interligam a Região do Triângulo a diversas regiões do País.
Conforme já vimos no item 7 deste trabalho, toda esta logística, que se encontra de
forma muito semelhante ao longo dos processos de desenvolvimento de Campinas e
Uberlândia, está na base do que Soldatos chama de “posição geográfica de abertura para o
mundo”, como primeiro fator de inserção internacional de uma cidade ou região.
No entanto, ao se estabelecer a comparação entre Campinas e Uberlândia, nas últimas
décadas, a pergunta que se faz é: qual a diferença entre ambas as cidades, ou mesmo regiões,
no que diz respeito a esta logística estratégica para o desenvolvimento?
Ora, há tempos que o fluxo de comércio internacional não se realiza somente pelos
portos navais. E, se uma das características desta consagrada logística de Uberlândia e do
Triângulo Mineiro está nas suas rodovias, por conta de darem acesso aos aeroportos
internacionais paulistas, e não mais apenas ao Porto de Santos, é possível concluir que a
diferença está na falta de um aeroporto internacional regional, que facilite o fluxo de comércio
de todo o Triângulo Mineiro com o exterior, sem depender do transporte rodoviário de longa
distância.
Segundo Josmar Cappa:

Os diferentes papéis atuais exercidos pelos centros cargueiros aeroportuários


(hub´sairport´s) permitem compreendê-los como infraestrutura de apoio logístico
para as grandes empresas no Brasil e como parte importante de suas estratégias
competitivas, especialmente diante da dinâmica econômica contemporânea
caracterizada por um ambiente de concorrência marcado pelo intenso processo de
inovações tecnológicas, pela financeirização da riqueza mundial, pelo
desenvolvimento de grandes competidores internacionais e pela maior
internacionalização do comércio. (CAPPA, 2008, p. 157)

Fábio Pergher, Presidente da ACIUB, deixa clara importância do aeroporto


internacional de Uberlândia para o desenvolvimento regional:

46
Nós [ACIUB] estamos lutando demais para trazer o aeroporto, para internacionalizar
o aeroporto de Uberlândia, para ele virar um hub do aeroporto de Viracopos e de
Confins. Ou seja, ele vai fazer a triangulação. Se nós conseguirmos fazer isso aqui, a
gente tira Uberlândia do ostracismo que está aí. E transformamos Uberlândia num
polo de tecnologia. Porque nós vamos trazer coisa de valor agregado. Nenhuma
empresa de valor agregado vai para um lugar que não tenha um aeroporto
internacional forte. Por isso que Campinas se desenvolveu. Uberlândia não tem
condições hoje para fazer isso. A não ser que haja uma virada. Mas para isso
acontecer tem que ter vontade política, estadual, municipal e federal. (ANEXO,
Entrevista)

No próximo item, vamos analisar os fatores que levarão Uberlândia a seguir no mesmo
caminho que Campinas, em termos de ganhos de investimento estrangeiro direto, sendo um
deles a internacionalização do aeroporto municipal ou a construção de um novo aeroporto
internacional na região. Neste sentido, assim como ocorreu no final dos 1960, com o
Governador Rondon Pacheco sendo um representante triangulino vinculado ao governo
militar e favorecendo o desenvolvimento de Uberlândia, agora seria o momento de se
aproveitar o fato de termos Prefeito uberlandense, Governador mineiro e Presidente da
República do mesmo partido, com o governo federal tendo lançado um Programa de
Investimento em Logística, a fim de se colocar em prática o projeto aeroportuário
internacional que atenda à Região do Triângulo Mineiro.

8.1.3. Investimento estrangeiro direto

Conforme a teoria de Panayotis Soldatos, um dos fatores a se destacar numa cidade ou


região internacionalizada é o investimento estrangeiro, que se faz, principalmente, por meio
da instalação de empresas multinacionais, criando polos de desenvolvimento e geração de
impostos.
A Região Metropolitana de Campinas destaca-se, como atrativa ao investimento
estrangeiro, pela sua posição estratégica, entroncamento de rodovias com saídas para o
Interior, a Capital e o Porto de Santos, mas, principalmente, por possuir um Aeroporto
Internacional, que é o maior aeroporto de cargas do País, no caminho para se tornar o maior
da América Latina, com sua ampliação. (YAHN FILHO,2013)
Neste sentido, percebe-se claramente que uma das bases de atração do investimento
estrangeiro é a logística, o que não torna Uberlândia diferente de Campinas. Ainda que a
cidade paulista esteja mais avançada no plano aeroportuário, o projeto de ampliação do
aeroporto de Uberlândia ou o de construção de um novo aeroporto internacional, atendendo à

47
região do Triângulo, já são vistos como obras a serem concretizadas, como vimos no item
anterior.
Ao estudar a inserção internacional da Região Metropolitana de Campinas, Armando
Gallo Yahn Filho defende

(...) haver um ciclo fechado de causa e efeito, quando se trata de investimento


estrangeiro de alta tecnologia e investimento em ciência e tecnologia realizado por
atores nacionais. Não somente pelo fato de que as empresas são atraídas pela Região
já por ser ela um polo tecnológico, mas também pelo fato de que as próprias
empresas trazem consigo, muitas vezes, seus laboratórios e pesquisadores,
ampliando a rede de pesquisa e desenvolvimento da Região, tornando isso um
motivador para que mais investimentos sejam feitos no setor científico e gerando
uma atração para que cientistas não saiam do País, tendo seu emprego nas indústrias
que aqui instalam seus laboratórios. (YAHN FILHO, 2013, p. 145)

Neste sentido, o projeto de Parque Tecnológico (visto no item 8.1.1) que se pretende
implantar em Uberlândia reforça a tendência de peso de o Triângulo Mineiro se consolidar
como um dos grandes polos tecnológicos do Brasil, atraindo investimentos estrangeiros por
parte de empresas de alta tecnologia, como vem ocorrendo em Campinas em razão de ser o 5º
polo tecnológico do Estado de São Paulo.
Portanto, somando-se os fatores de infraestrutura, ciência e tecnologia, percebe-se um
efeito sistêmico resultante na ampliação do investimento estrangeiro direito que, por sua vez,
é mais um fator de inserção internacional da cidade. E, por falarmos em sistema cíclico, este
investimento estrangeiro se reverte a um maior incentivo à infraestrutura e ao
desenvolvimento científico e tecnológico locais.
Ou seja, não somente os elementos infraestrutura, ciência e tecnologia são tendências
de peso, ao se trabalhar a comparação entre o desenvolvimento econômico de Campinas e
Uberlândia, como também são fatos portadores de futuro, ao ficar comprovado serem ambos a
razão do investimento estrangeiro local.

8.1.4. Paradiplomacia urbana municipal como política pública estratégica

Conforme já se viu no item 4, a paradiplomacia municipal é apenas um dos fatores de


inserção internacional de uma cidade, de acordo com a teoria de Panayotis Soldatos. E, como
viemos apresentando, Uberlândia vinha caminhando, até 2015, em um processo de
internacionalização por meio de diversas outras variáveis, muitas vezes conduzidas por atores
que não o governo municipal.

48
Rodrigo Pérpétuo, fazendo menção ao objetivo da Assessoria de Relações
Internacionais de Minas Gerais de estimular as regiões do estado na atuação paradiplomática,
observa que:

O Triângulo Mineiro é uma região muito importante para Minas Gerais, para a sua
economia e o seu desenvolvimento. Então o governo mineiro percebe o Triângulo
como um ativo estratégico para o Estado. No caso das relações internacionais, nós
vamos começar o trabalho por aquelas regiões que já têm uma vocação e que já
tenham iniciado estas relações, até para quando chegarmos a outras regiões sem esta
experiência, nós termos referências para os que estão começando. (ANEXO,
Entrevista)

Assim sendo, é impossível descartar que Uberlândia, como polo centralizador do


Triângulo Mineiro, seja uma das cidades (ou, talvez, a única) da região triangulina que já
tenha iniciado estas relações internacionais. Porém, elas devem ser trabalhadas dentro de uma
política pública estratégica, ou seja, da forma a ser considerada a paradiplomacia urbana
municipal para que se alcance sua eficiência.
De fato, ao tomarmos os 13 fatores de inserção internacional, estabelecidos por
Panayotis Soldatos, percebemos que alguns deles são “herdados do próprio território”
(PORTER, 2002), e outros são consequência de uma adaptação da região à geografia do
capital, algo que ocorre por conta de uma vocação regional derivada de um processo histórico.
Assim sendo, a paradiplomacia urbana municipal é exercida pelas condições que a própria
cidade e/ou região oferece(m) para que seus representantes possam negociar no plano
internacional, seja em assuntos políticos, econômicos ou culturais. (YAHN FILHO, 2013)
Portanto, ao analisarmos o processo de desenvolvimento que vem ocorrendo em
Uberlândia, conforme vimos ao longo de todo o trabalho, a cidade já se encontra em
condições de estabelecer, por meio de agentes especializados, uma agenda paradiplomática
que fortaleça o desenvolvimento local e regional, haja vista ser a cidade o polo centralizador
do Triângulo Mineiro.
Assim como já acontecia em Campinas, na década de 1990, quando foi criada a
Secretaria Municipal de Cooperação Internacional, Uberlândia está vocacionada a um
processo de desenvolvimento semelhante, pautado na ciência e tecnologia, na produção com
inovação e numa infraestrutura capaz de integrar a região, atrair investimentos e colocá-la em
conexão com o mundo.
Conforme veremos no item a seguir, os próprios agentes públicos de Dublin
comprovam esta realidade, na medida em que tomaram a inciativa de propor ao governo de
Uberlândia um avanço no acordo assinado entre ambas as cidades, não ficando restritos

49
apenas ao tema das Olimpíadas do Rio, em 2016. Nenhuma cidade de um país desenvolvido
buscaria ampliar acordos paradiplomáticos com cidades que não se demonstrassem tendentes
a um desenvolvimento que atendesse aos seus interesses, mais especificamente no plano
econômico.

8.2. O acordo entre Uberlândia e Dublin: um fato portador de futuro

Àqueles que não são prospectivistas ou analistas de relações internacionais, com


entendimento sobre a importância da paradiplomacia, as assinaturas dos memorandos de
entendimento entre os agentes públicos de Uberlândia e os representantes dos governos da
cidade de Dublin, bem como da própria Irlanda, em 2014 e 2015, – para fins de se criar um
vínculo de cidades-irmãs e acolher os atletas olímpicos e paraolímpicos irlandeses, com um
mês de antecedência aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro – podem parecer simples eventos
protocolares e documentos sem importância, que não trazem nenhum resultado mais
consistente para a cidade, seja do ponto de vista econômico, político, social ou cultural.
No entanto, ao se trabalhar com o método Godet de prospecção, e conciliando toda a
evolução econômica de Uberlândia – somado o futuro que há de vir, a partir da comparação
que fizemos no item anterior – com o conceito de fato portador de futuro (conforme visto na
página 34), é possível concluir que os acordos mencionados são “sinais ínfimos” de algo que
pode ter consequências de grande repercussão para diversos setores da sociedade, a começar
pelo econômico, desde que a Prefeitura trabalhe a paradiplomacia como uma política pública
estratégica.
Considerando o fato de que a cidade de Dublin tem interesse em ampliar o acordo para
além da temática esportiva – conforme nos foi dito em uma conversa direta, realizada ao
longo desta pesquisa, por agentes públicos vinculados à Secretária de Desenvolvimento
Econômico e Turismo de Uberlândia –, é preciso trabalhar com atenção os interesses que
estão em jogo nas duas cidades, ou até mesmo nos dois países, a fim de que haja
convergência, e não divergência, entre eles. Para tanto, é preciso notar que os atores
envolvidos não se resumem aos agentes públicos municipais, mas sim, a diversos outros que
possam extrair benefícios destes, e de outros, acordos que fortaleçam as relações entre ambas
as localidades.
Um exemplo de como um acordo paradiplomático envolve diversos setores
socioeconômicos está no próprio acordo já assinado entre Uberlândia e Dublin. Afinal, se a
cidade está querendo acolher atletas olímpicos e paraolímpicos, é preciso que haja o apoio do

50
setor hoteleiro da cidade. Ademais, se a ideia é trazê-los para o Brasil com a antecedência de
um mês das Olimpíadas, então não bastava hospedá-los sem lhes oferecer as condições
adequadas para o treinamento necessário durante este período. Deste modo, a chance de o
acordo ter dado certo dependia da participação de, ao menos, um clube que oferecesse tais
condições. Percebe-se, portanto, que fazer uma paradiplomacia municipal não é uma questão
de boa vontade da Prefeitura, mas também de um bom conhecimento que os governantes têm
dos seus territórios, a fim de saber quais são as necessidades daqueles que neles vivem, bem
como daqueles com quem estão por negociar um acordo, e as condições para se buscar
atendê-las.
Conforme pesquisa já realizada sobre o atual modelo de cooperação atualmente
praticado pela cidade de Dublin com outras cidades pelo mundo, é possível prospectar áreas
de interesse que podem ser exploradas visando estreitar as relações com a cidade de
Uberlândia, o que deverá proporcionar uma maior amplitude e importância ao recente acordo
de cooperação esportiva, no qual o Comitê dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos irlandês
escolheu a cidade de Uberlândia como seu Centro de Formação para os Jogos Olímpicos do
Rio, em2016.
No plano da gestão pública, é possível perceber que nenhum governo tem total
experiência para atender às demandas de seus habitantes e solucionar todos os problemas de
uma cidade. Nem sempre os problemas que surgem, em um determinado momento, são os
mesmos que já tinham acontecido antes e, então, muitos governantes precisam buscar ajuda
daqueles que já passaram por uma situação semelhante, a fim de chegar a uma boa solução.
Neste sentido, ao se pensar em acordos paradiplomáticos, sugere-se que os governos
municipais das “cidades-irmãs” incentivem a partilha de informações, tecnologia e modelos
de melhores práticas de gestão pública que tratem de processos de gestão, sistemas de
informação (e-Government), desenvolvimento e sustentabilidade, planejamento e arquitetura
urbana, mobilidade, saúde, segurança, educação, cultura, esporte e lazer.
Um tema que há muito deixou de ser abordado apenas por governos nacionais, mas já
se consolidou como um tema que desconhece fronteiras e deve ser trabalhado desde o local é
o meio ambiente. No que diz respeito à questão ambiental, é perceptível o quanto Dublin
investe na área, buscando uma qualidade de vida cada vez melhor para a sua população. Neste
sentido, seria interessante reforçar, por meio da ampliação dos acordos entre as duas cidades,
a partilha de informações, tecnologia e modelos de melhores práticas de gestão do meio
ambiente, mais especificamente no que tange ao controle de poluição, à gestão de resíduos
sólidos, ao tratamento de água e esgoto, à qualidade do ar e à segurança alimentar.

51
Conforme se pode perceber das entrevistas com o presidente da ACIUB, Fábio
Pergher, e do Chefe da Assessoria de Relações Internacionais de Minas Gerais, Rodrigo
Perpétuo (Anexos), existe um grande interesse por parte dos empresários uberlandenses e
governantes mineiros em ampliar suas redes de contato e de abrir as portas para investimentos
estrangeiros. Assim sendo, o contexto é de grande oportunidade para que Uberlândia promova
a cooperação com Dublin em torno da inovação dos negócios e do desenvolvimento
econômico, facilitando os contatos entre as suas grandes empresas, principalmente nas áreas
de tecnologia, logística e agronegócios. Seria interessante o incentivo a quaisquer acordos de
“co-location” (compartilhamento de espaço físico e infraestrutura), que forneçam acesso a um
novo mercado para as empresas de tecnologia das duas cidades.
Ao se falar em negócios, não se pode deixar de pensar, primeiramente, em educação.
Portanto, abrir novas portas para os acordos que poderiam se estender a partir do atual poderia
ser um incentivo às escolas e universidades para a promoção de intercâmbio de professores e
estudantes, reconhecendo e oficializando trabalhos científicos, bem como de créditos de
disciplinas. A vinda de novas empresas pode ser vista como um incentivo à formação de mão-
de-obra especializada, na medida em que as cidades devem incentivar suas empresas a
fomentar programas de apoio à pesquisa e inovação, em troca dos benefícios recebidos para
instalação na cidade.
Ainda que possa parecer um tema de menor importância, quando se pensa em
desenvolvimento econômico, não se pode deixar a cultura de lado ao se falar em
paradiplomacia. Neste sentido, a cidade de Uberlândia poderia realizar uma feira para a
promoção da cultura mineira na cidade de Dublin, com a apresentação das diversas formas de
expressão cultural da cidade: artesanato, culinária mineira, cachaça artesanal, grupos de
congado, orquestra de violeiros, entre outros. Por outro lado, não seria impeditivo que a
cidade de Dublin promovesse em Uberlândia o evento mais popular de sua cultura: o Saint
Patrick's Day, uma festa a fantasia embalada por bandas folclóricas tocando músicas típicas e
degustação das tradicionais cervejas irlandesas. De modo geral, as duas cidades poderiam
facilitar o intercâmbio e a cooperação de organizações culturais e artísticas, como grupos de
teatro, espetáculos de dança, orquestras, shows musicais, mostra de filmes, feiras literárias e
exposição de obras de arte.
Na medida em que a Assessoria de Relações Internacionais de Minas Gerais busca
incentivar as cidades mineiras a se envolverem com a paradiplomacia, com o objetivo de
internacionalização do próprio estado, somado ao fato de que os acordos paradiplomáticos
entre Uberlândia e Dublin estão sendo pensados a partir da reciprocidade, a fim de que ambas
as cidades tenham seus benefícios, é possível concluir que o acordo entre Uberlândia e Dublin
52
é apenas um ponto de partida de uma governança multinível, no plano das relações
internacionais locais, que pode trazer, no médio e longo prazos, a concretização de projetos
que já estão há muito tempo no papel, conforme veremos a seguir.

8.2.1. Investimento estrangeiro direto, infraestrutura, transferência de


tecnologia, desenvolvimento sustentável, formação científica e novas
oportunidades para mão-de-obra qualificada

Interessante notar que ao somarmos as tendências de peso (do item 8.1.1 ao 8.1.4) aos
projetos que estão na pauta do atual governo municipal, visualizamos uma proposta de
cooperação mais detalhada, que pode ser a primeira extensão do recente acordo entre
Uberlândia e Dublin.
Considerando o fato de que um dos maiores interesses da Irlanda é ampliar seus
investimentos em países emergentes, podemos partir da abertura de portas da cidade para a
instalação de empresas irlandesas como uma força motriz para a ampliação dos acordos com
Dublin.
No entanto, ao se pensar em acordos entre cidades de diferentes países, é preciso ter
em mente que

(...) a paradiplomacia é feita dentro da visão teórica de Keohane e Nye


(interdependência complexa), segundo a qual as relações internacionais não
implicam mais em um jogo de soma-zero, mas sim, de ganhos múltiplos. Isso exige,
portanto, uma cooperação e, para tal, é preciso saber demonstrar os ganhos daquele
com quem se negocia. (YAHN FILHO, 2013, p. 156)

Neste sentido, se estamos pensando nos interesses de Dublin como força motriz para a
ampliação do acordo, não devemos deixar de lado os interesses de Uberlândia. Assim sendo,
começamos, primeiramente, pelo fato de que os próprios empresários e comerciantes de
Uberlândia veem esses investimentos como muito bem vindos. Em entrevista realizada com o
presidente da ACIUB, Fábio Pergher (ANEXO), ele nos disse que “a visão da Prefeitura está
muito apegada na municipalidade e ela deveria ter uma visão mais mundial”, sendo preciso
“tentar trazer empresas de fora para empreender aqui dentro”. Ainda na mesma entrevista e,
mais especificamente, em relação ao acordo com Dublin, Fábio Pergher afirma:

Temos total interesse na ampliação do acordo. É muito bem-vindo. A


competitividade faz a gente crescer e, de repente, eu vou aprender com ela algumas
práticas, vou entrar em outros mercados. Então, isto é bom, é saudável, eu vou

53
aprender técnicas novas, coisa nova. O mundo privado só evolui com a competição.
Então, graças a Deus que existe a competição, porque para nós crescermos tem que
ter a competitividade. (grifo nosso)

Assim sendo, a instalação de indústrias irlandeses em Uberlândia pode ser a chance


para que as indústrias da região do Triângulo Mineiro, além dos produtores agropecuários,
ganhem mais espaço no mercado europeu. Além disso, o fato de nós termos o investimento de
indústrias de alta tecnologia será a chance de avançarmos com o projeto do Parque
Tecnológico. A extensão do acordo com Dublin poderá colocar como condição a instalação
das indústrias irlandesas na área de construção do Parque, o que atrairá muitas outras
empresas, nacionais e estrangeiras, para a cidade.
Não se pode deixar de considerar que as empresas irlandesas têm sido um modelo de
desenvolvimento sustentável. Dessa forma, em acordo voltado para o plano empresarial, as
empresas já instaladas em Uberlândia podem aprender com as novas empresas irlandesas
como fazer uma produção que consuma menos água ou tenha o reuso da mesma, polua menos
o ar, emita menos resíduos sólidos ou saiba aproveitá-los, por meio da reciclagem, além de
outras técnicas de sustentabilidade.
Outro ponto importante que pode estar na pauta deste acordo empresarial entre
Uberlândia e Dublin é a educação. Conforme podemos ver na entrevista que realizamos com a
Profa. Dra. Raquel Santini, existe uma demanda por estágios nas grandes empresas de
Uberlândia e da região. Inclusive, ela ressalta o fato de que nem mesmo os alunos estrangeiros
têm abertura das grandes empresas para aprofundar seus conhecimentos:

E os alunos estrangeiros que nós recebemos são de alto nível, têm uma formação
muito além da nossa, na própria graduação. Geralmente, esse pessoal vem com
quase um nível de mestrado. Mas, as empresas não têm muito interesse, elas são
muito fechadas. (ANEXO, Entrevista)

A Profa. Dra. Raquel Santini também destaca, em sua entrevista, a necessidade de se


manter os alunos formados nas universidades locais trabalhando na região, o que não acontece
por falta de oportunidades de emprego para a mão-de-obra qualificada.
Portanto, ao abrir as portas para as grandes empresas irlandesas, o governo municipal
poderia colocar como contrapartida a possibilidade de um acordo destas grandes corporações
com as universidades locais, a fim de que o conhecimento aprendido em sala de aula tivesse
sua extensão prática dentro destas indústrias que viriam se instalar no Parque Tecnológico.
Ademais, pode ser um incentivo ao programa de mobilidade internacional realizado no
Brasil, na medida em que os alunos de Uberlândia poderiam não somente fazer seus estágios

54
aqui na cidade, mas na Irlanda. E, quem sabe, tendo seu retorno com a garantia de um
emprego no Parque Tecnológico local, na mesma empresa em que fizeram o estágio lá fora.
Enfim, conforme já vimos nos itens anteriores, toda essa associação entre os campos
empresarial, educacional, científico e tecnológico é a chance da criação de um cluster que
coloca toda a região no contexto internacional e aumenta o seu desenvolvimento.

8.3. Gestão das bacias do Triângulo Mineiro, crise hídrica e relações


internacionais: fato portador de futuro ou surpresa inevitável?

O problema que se coloca neste item, tomando-se como caso exemplar a Bacia do
Prata – e, portanto, as sub-bacias que se encontram no Triângulo Mineiro – é o efeito
sistêmico das alterações que se fazem em um curso d´água de uma bacia internacional,
causando possíveis impactos transfronteiriços e ameaçando as relações internacionais entre os
países que compartilham da mesma bacia. No entanto, ao se analisar a gestão de uma bacia
hidrográfica internacional, é preciso levar em consideração os diversos atores envolvidos, dos
locais até os internacionais, passando por diversos outros níveis intermediários, como é o caso
dos estados federados, das províncias e dos departamentos, e dos governos nacionais, criando
uma governança multinível que se estende para a esfera internacional.
A Comissão de Direito Internacional da ONU trabalhou vinte e um anos na elaboração
de um Projeto de Artigos sobre o Direito de Utilização dos Cursos d´Água Internacionais
para Fins Distintos da Navegação que, em 1994, foi submetido à consideração da Assembleia
Geral da ONU e, em 1997, aprovado por 103 países, na forma de Convenção. (SOARES,
2001)
Importante ressaltar que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito de
Utilização dos Cursos d´Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação (1997)
adotou, em seu artigo 2º, alíneas “a” e “b”, as seguintes definições:

(a) Curso d´água significa um sistema de águas superficiais e subterrâneas que


constitui, em função de uma relação física, um conjunto unitário que escoa
normalmente para um término comum; (grifo nosso)

(b) Curso d´água internacional significa um curso d´água cujas partes estão situadas
em diferentes Estados;

(c) Estado ribeirinho significa um Estado-membro, para esta Convenção, em cujo


território parte de um curso d´água internacional está situado, ou uma
organização de integração econômica regional, cujo um Estado, pelo menos,
seja banhado por um curso d´água internacional.

55
Segundo Paulo Affonso Leme Machado, “a convenção não inseriu o conceito de
‘bacia hidrográfica’ como o sistema escolhido para a gestão dos cursos de água
internacionais”, porém “a opção pela noção de ‘conjunto unitário’ enseja uma gestão
adequada se houver boa-fé e cooperação dos Estados ribeirinhos de um curso d´água
internacional” (MACHADO, 2009, p. 248).
O ponto crucial deste conceito de conjunto unitário é a real mudança de entendimento
de que rios internacionais não são apenas os rios transfronteiriços e fronteiriços, conforme a
visão do Itamaraty. Ou seja, ao se adotar o conceito da Convenção de 1997, os Rios Paranaíba
e Grande também passariam a ser rios internacionais, na medida em que estão inseridos em
um conjunto unitário que tem como término comum o Estuário do Prata, conforme se vê na
figura2.

56
Figura 2 – Bacia do Prata

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Questão_do_Prata

57
Outro ponto a se salientar é o fato de que, na medida em que as normas vão se
consolidando, a partir de regimes internacionais4 criados numa esfera regional, a pressão vai
sendo criada sobre aqueles Estados que ainda não haviam pensado na solução para seus
problemas de gestão hídrica. Por outro lado, os países que já vinham desenvolvendo suas
legislações sobre o tema colaboram com a criação das normas internacionais.
No caso do Brasil, por exemplo, Ken Conca (2006) entende que a Lei nº 9.433/97 (Lei
Nacional de Águas) teve total influência pelo debate da ONU, que durou mais de 20 anos,
para construção da Convenção Internacional sobre as Águas Doces para Fins Distintos da
Navegação (1997), com adoção de certos princípios para sua gestão em território nacional.
No entanto, vale ressaltar que, na Bacia do Prata, somente o Paraguai foi signatário da
Convenção de 1997 da ONU, mas não o ratificou. Neste sentido, qualquer tentativa de se
levar adiante uma gestão compartilhada por todos os países platinos deve ser pensada a partir
das relações destes em face aos possíveis riscos e oportunidades, ou custos e benefícios, que
se percebem pela presença ou ausência de cooperação.
Outro ponto importante a se considerar quando abordamos o princípio do uso múltiplo
da água são os diversos interesses na disputa pelo seu uso ao longo de uma bacia hidrográfica.
De acordo com Brown et al. (2012), os países não são atores unitários e várias partes
interessadas podem estar envolvidas, de modo que é importante reconhecer nos estudos sobre
águas internacionais que as dinâmicas dentro de cada país influenciam as possibilidades de
cooperação.
Portanto, uma gestão compartilhada e institucionalizada não terá eficácia pela simples
assinatura de acordos ou tratados internacionais, entre os chefes de estado ou de governo, sem
que se leve em conta todos os atores envolvidos e interessados no uso dessas águas.
Ao pensarmos em uma bacia que está sendo compartilhada por diversos níveis de
governo, e por diversos setores não-governamentais em cada nível, é preciso ter a noção de
que um mesmo ator pode ter interesses que não estão numa mesma localidade, mas sim numa
mesma bacia, de modo que as suas atividades localizadas podem estar causando danos muito
além daquela sua localidade e afetando seus próprios interesses. Um exemplo disso seria um
governo municipal que pense em construir uma barragem para garantir a vazão de consumo
na sua cidade e, com isso, afete o potencial hidrelétrico da usina que esteja mais a jusante, na
mesma bacia, e que é a fonte de energia para aquela cidade.

4
Román (1998, p. 65) propõe que os regimes internacionais sejam definidos como “instituições sociais
compostas de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, previamente acordados, que
pretendem governar, ou governam, a interação dos atores em áreas temáticas específicas”.

58
Conforme José Galizia Tundisi:

As diferentes atividades humanas têm impacto econômico sobre os recursos hídricos


superficiais e subterrâneos. Uma análise econômica dos benefícios produzidos pelos
múltiplos usos de águas superficiais, subterrâneas, lagos, rios, represas, tanques e
outros sistemas aquáticos deve avaliar as diversas atividades e também o custo da
poluição e degradação, uma vez que usos múltiplos são comprometidos com a
degradação de águas superficiais e subterrâneas. Danos irreversíveis produzem
perdas econômicas também irreversíveis. Os esforços de recuperação devem
considerar os componentes econômicos que envolvem a infraestrutura
socioeconômica, os custos de tratamento e da recuperação e o valor agregado que
consiste em água de excelente qualidade que proporciona múltiplas atividades.
Também deve-se considerar que a visão econômica do Estado difere da visão
econômica das comunidades locais quanto aos recursos hídricos e os seus usos pelas
populações locais. (TUNDISI, 2009, p. 157)

Ademais, qualquer abalo nas relações diplomáticas de dois ou mais países pode ser
uma ameaça às suas seguranças nacionais. Ao tomarmos o caso da crise hídrica no Brasil, e
considerando que, além da seca no Rio Tietê – que já é motivo para preocupações no Rio
Paraná –, podemos visualizar uma seca nos Rios Paranaíba e Grande, cujas nascentes estão
próximas à nascente do Rio São Francisco (que já enfrenta grave escassez), pode-se imaginar
que as tensões entre os estados federados passarão a ser tensões internacionais, gerando falta
d´água no Paraguai, na Argentina e, talvez, no Uruguai. Ainda que se possa dizer que isso seja
mais difícil de ocorrer por conta de termos a Bacia do Paraguai contribuindo para uma vazão
d´água suficiente, não se pode trabalhar somente com os cenários mais favoráveis.
Numa visão prospectiva, ao se trabalhar com todos os cenários possíveis – dos mais
favoráveis aos mais catastróficos –, têm-se a possibilidade de estratégias pró-ativas5 ou pré-
ativas6, e não reativas7. Dessa forma, para se evitar qualquer tensão internacional que ameace
a segurança nacional, deve-se preparar com antecedência a gestão da Bacia do Prata e, a partir
de uma governança multinível com visão sistêmica.
Conforme podemos perceber pelas normas internacionais, e até mesmo pela legislação
brasileira, a gestão de uma bacia hidrográfica se faz com a participação de diversos atores,
públicos e privados, incluindo a sociedade civil, empresas, organizações internacionais e
gestores públicos. Além disso, conforme ressalta Wagner Ribeiro, “uma bacia hidrográfica
pode englobar diversas unidades territoriais, como a da própria bacia, e outras de caráter
administrativo, como a municipal, a estadual e até a internacional” (RIBEIRO, 2008, p. 31).

5
Estratégia pré-ativa diz respeito ao preparo para mudanças previsíveis.
6
Estratégia pró-ativa diz respeito à ação para provocar mudanças desejadas.
7
Estratégia reativa diz respeito a agir com urgência para a solução do problema.

59
Neste sentido, os atores vinculados a uma gestão hídrica podem ser municipais,
estaduais, federais e, até mesmo, internacionais, como é o caso, por exemplo, das bacias do
Paraná, Paraguai e Uruguai, todas inseridas na Bacia do Prata.
De acordo com aquilo que a Convenção da ONU sobre as Águas Internacionais para
Fins Distintos da Navegação estabeleceu como base conceitual para a gestão dos cursos
internacionais, é preciso se pensar a bacia hidrográfica dentro de uma visão sistêmica, tal
como elucida Aldo Rebouças:

A gestão integrada das águas numa visão sistêmica significa melhorar a


compreensão de que gestão da água que flui pelos rios é muito diferente da gestão de
bacia hidrográfica como unidade básica de planejamento. Neste caso, é preciso
considerar, além do blue waterflow, as condições de uso e ocupação do binômio
solo-água ou água que infiltra e dá suporte ao desenvolvimento da biomassa da
bacia hidrográfica em apreço, green waterflow, as águas subterrâneas ou gray
waterflow e os recursos hídricos não convencionais de reciclagem e o reuso,
principalmente. (REBOUÇAS ,2004, p. 65)

Ao tomarmos o conceito de rios internacionais como um “sistema de águas


superficiais e subterrâneas cujas partes estão situadas em diferentes Estados” (ONU, 1997),
podemos entender, seguindo a linha de raciocínio de Ken Conca (2006), que as alterações que
são feitas ao longo dos cursos d´água de uma bacia internacional – tais como barragem,
drenagem ou transposição – geram efeitos sistêmicos ou cumulativos, que podem ultrapassar
as fronteiras nacionais.
Conca ressalta três efeitos específicos dessas alterações nos cursos d´água: o primeiro
é a intervenção humana no ciclo hidrológico global em uma grande escala; o segundo é o
impacto na biodiversidade das águas doces; e o terceiro é o impacto nas várzeas e nos
pantanais que estão ao entorno, incorporam ou interagem com os ecossistemas hídricos.
(CONCA, 2006)
Ao nos voltarmos para a Bacia do Prata, ainda dentro do território brasileiro, podemos
tomar dados da Agência Nacional de Águas (ANA), que já nos podem deixar preocupados
com esses efeitos, pensando para além das nossas fronteiras. Segundo a Conjuntura dos
Recursos Hídricos no Brasil 2013 (BRASIL, 2014, p. 144), publicada pela ANA:

O balanço ano-base 2010 difere do anterior principalmente na região da Bacia do


Rio Paranaíba, na RH do Paraná, devido em parte à incorporação na base de dados
do Relatório de Conjuntura de informações mais refinadas de demandas consuntivas
e de disponibilidade hídrica provindas dos diagnósticos realizados para a elaboração
do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, com
previsão de conclusão para 2013. Tal incorporação contribuiu para o aumento do
percentual de extensão de rio em situação “muito crítica”, “crítica" e “preocupante”
de 21,9% para 36,3% na RH Paraná (Figura 4.2), porque o plano detectou uma forte
expansão da agricultura irrigada na região.

60
Importante notarmos que o Sistema Cantareira constitui obras de barragens e
transposição de rios, que estão afetando o abastecimento de água da Região Metropolitana de
Campinas e, somado com o problema da crise hídrica no Estado de São Paulo, está chegando
a afetar todo o funcionamento da hidrovia Tietê-Paraná, por falta de uma vazão mínima ao
longo do curso do Rio Tietê.
Assim sendo, se a crise no Estado de São Paulo ainda não afetou o Paraguai e a
Argentina, pode-se traçar um cenário prospectivo no qual a possibilidade de isso acontecer
seja uma surpresa inevitável, até mesmo porque o que está acontecendo em São Paulo, nas
bacias do Alto Tietê, do Paraíba do Sul e do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, já está sendo
previsto, por especialistas em hidrologia, para acontecer nos Rios Paranaíba e Grande, que são
os formadores do Rio Paraná.
Enfim, ao se falar em gestão das águas internacionais, é preciso considerar o fato de
que, em cada território nacional, a bacia internacional está fragmentada em diversas sub-
bacias, cujas gestões podem estar sendo conduzidas de forma diferenciada, por leis nacionais,
além da participação de diversos outros atores subnacionais, públicos e privados.
Portanto, ao se fazer uma análise da Bacia do Prata, percebe-se os efeitos sistêmicos
de alguns problemas que vem ocorrendo, como é o caso do Sistema Cantareira, apontando
para as possíveis tensões internacionais que podem decorrer de futuros problemas em outros
pontos da bacia para além da fronteira, o que nos faz pensar na necessidade de uma gestão
integrada, com base na governança multinível.
No entanto, ao se pensar na participação de diversos atores subnacionais, é preciso
estar ciente de que os interesses são diversos, às vezes contrastando aqueles do governo
federal com os dos governos estaduais e municipais. Conforme apresentamos, no caso
brasileiro, a disputa pela água numa visão estadual diante da crise hídrica pode ter seu
impacto nos interesses nacionais de manter uma relação estável com os países ribeirinhos, de
modo a garantir a segurança nacional e o processo de integração regional.
Ou seja, sem a visão sistêmica de uma bacia hidrográfica internacional, pode haver um
risco local (falta de água no Estado de São Paulo e em Minas Gerais) que resulte na ameaça às
oportunidades e benefícios dos demais países ribeirinhos, causando uma pressão sobre o
governo federal brasileiro para a cooperação internacional.
Portanto, a pressão por uma gestão bem feita pode evitar uma crise e trazer um novo
modelo de gestão integrada de bacias hidrográficas, evitando um conflito internacional na
Bacia do Prata. Neste sentido, ao tomarmos como alerta o que já aconteceu no Estado de São

61
Paulo,o simples início de uma crise hídrica na região do Triângulo pode ser visto como um
fato portador de futuro que não chegará às consequências “catastróficas” de uma tensão
internacional, se a gestão nas Bacias dos Rios Paranaíba e/ou Grande for conduzida de forma
a evitar que o problema atinja as mesmas dimensões do Sistema Cantareira.
Por outro lado, se não chegarmos a um entendimento de como fazer uma gestão bem
feita nas bacias do Triângulo Mineiro, é inevitável uma crise hídrica, que, por sua vez,
ultrapassará as fronteiras nacionais, sem se saber a que ponto de gravidade isso pode chegar
como crise internacional, surpreendendo os países da bacia, mais especificamente, o Brasil.
Ou seja, a falta de uma ação preventiva, conduzida por uma boa gestão das sub-bacias dos
Rios Paranaíba e Grande, deixará a crise internacional como uma surpresa inevitável, na visão
prospectiva que se fizer após a crise hídrica ser reproduzida no Triângulo da mesma forma
como ocorreu no Sistema Cantareira.
Portanto, ainda estamos vivendo um período no qual a semente de futuro que conduz a
um cenário favorável pode ser a escolhida.

9. Conclusão

Este trabalho confirma a hipótese de que a inserção internacional de uma cidade ou


região não ocorre apenas por meio de uma paradiplomacia pública municipal, mas também
pelas atividades de outros atores, públicos e privados, que não estejam, necessariamente,
articulados com o poder público local. Ao pensarmos na participação de atores públicos não
municipais neste processo de inserção internacional, temos como exemplo o papel da
Universidade Federal de Uberlândia, pelo qual fica claro o reescalonamento do Estado, com a
presença de um ator público federal na esfera local, que exerce sua paradiplomacia trazendo
benefícios para a cidade.
O reescalonamento do Estado é a demonstração de que, até mesmo sem ter havido um
foco do governo municipal na realização de uma paradiplomacia estratégica, a inserção
internacional do próprio país depende da reterritorialização da sua política externa, atribuindo
aos atores subnacionais públicos ou privados – incluindo os próprios representantes do
governo federal na esfera local – responsabilidades complementares àquelas que sempre
estiveram muito restritas a alguns órgãos federais centralizadores, tal como o Ministério das
Relações Exteriores.

62
No entanto, ainda que possa haver uma inserção internacional local sem a participação
dos agentes públicos municipais, ela terá um impacto muito maior no desenvolvimento da
cidade se houver, também, uma paradiplomacia trabalhada como política pública estratégica,
que articule a participação de todos os atores envolvidos neste processo de
internacionalização e cujo objetivo seja atender aos interesses da cidade a partir de uma visão
de médio e longo prazo.
Enfim, mesmo que haja interesses locais pré-determinados que motivem os atores
subnacionais públicos a exercer uma paradiplomacia, os resultados só serão possíveis a partir
de uma governança multinível, envolvendo atores privados e públicos de todas as esferas de
governo.

63
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66
ANEXOS

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68
69
Entrevista com Fábio Pergher
Presidente da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia-MG (ACIUB)
Uberlândia, 20 de abril de 2015

1) Quais os interesses da ACIUB ou de seus membros nas relações de Uberlândia com


cidades de outros países?
Hoje nós temos convênios com vários consulados, dentre eles o da Alemanha. Na
semana que vem tem uma outra delegação de Uberlândia-MG indo para a Alemanha na feira
internacional de transportes, onde estarão a Itália, os Estados Unidos, a Argentina. Nós
temos um contato muito grande com as câmaras de comércio internacional, que são
responsáveis por fomentar esse comércio de duas mãos. Mas eu admito que a prefeitura deixa
a desejar, porque na realidade não tem um órgão ligado à paradiplomacia. A Secretaria de
Indústria e Comércio que deveria estar à frente disto não é fomentadora desta operação. As
empresas é que fazem. Por exemplo, amanhã eu estou recebendo uma delegação de Cuba
aqui na nossa empresa e a prefeitura nem sonha que isso está acontecendo. E assim acontece
com várias outras empresas e com vários outros países. Infelizmente, isso é muito ruim. A
associação tenta captar mais, leva os empresários e comerciantes quando vem delegações de
fora, mas a municipalidade tinha que ser mais presente. Mesmo para fomentar negócios, a
universidade mesmo não participa tanto assim. Ela participa quando é troca de conhecimento
mandar gente daqui para estudar lá fora, igual acontece com a mobilidade internacional. Eu
sei que hoje Uberlândia-MG tem já centenas de estudantes fora e recebe gente de fora
também. Mas eu acho que quando se fala na parte mercantil da coisa tinha que ter um
envolvimento maior da Secretaria de Indústria e Comércio de Uberlândia-MG. Então, hoje
eles têm vários outros problemas e se perdem nesses problemas anteriores como por exemplo,
a ausência de terrenos para o desenvolvimento de novas empresas, problemas para
operacionalizar a parte de infraestrutura para as empresas, tipo fornecimento de água,
acessos mais fáceis. Ela está se perdendo no dia a dia e não consegue sobrepor isso.

2) Qual a extensão da ACIUB no Triângulo Mineiro? Há empresas de outras cidades do


Triângulo membros da ACIUB?
Hoje a Associação Comercial e Industrial de Uberlândia-MG é a segunda maior do
estado, perdendo só para a da capital Belo Horizonte. E nós temos ligações também com as
associações comerciais das cidades vizinhas daqui: a ACIA de Araguari, a ACIU de
Uberaba, a do Prata-MG, então todas elas têm muita referência na ACIUB. Então nós temos
uma atuação regional também. Por exemplo, nós estávamos discutindo hoje de manhã com
um deputado federal aqui de Uberlândia a melhoria das estradas que cercam Uberlândia-
MG. E não só as que cercam Uberlândia-MG, o acesso à cidade de Tupaciguara, a
duplicação e a finalização da entrada para cidade de Monte Alegre, a 60 quilômetros daqui.
E é a associação que está puxando o assunto. Então nós estávamos, nessa conversa de hoje
especificamente, beneficiando Tupaciguara, Monte Alegre, Patos de Minas, Patrocínio,
Araxá. Estamos pleiteando para que comece os estudos para a duplicação da rodovia que
liga Uberlândia à Belo Horizonte. Então, isso tudo é coisa que está acontecendo e a atuação
dela é regional.

70
3) Você diria que a ACIUB conduz a região pensando no plano internacional em termos
de fazer parcerias?
No plano internacional, não. Mas, a gente ajuda bastante, porque tem iniciativas
também de várias cidades aqui da região que são louváveis, pois está todo mundo tentando se
virar. E eu acho que parcerias no plano internacional têm uma visão um pouco mais macro
em vez de pensar só no micro.

4) Segundo a tese do Novo Regionalismo, as cidades de uma região não competem entre
elas, mas elas se juntam para competir lá fora. Acontece isso aqui no Triângulo?
Sim, e até demais. Esse regionalismo hoje já está dentro de um grau em que ele
passou a ser o próprio país. Vou te dar um exemplo bastante interessante: o álcool. As usinas
de Minas não competem com as usinas de São Paulo ou de Goiás. Nós estamos tentando
exportar álcool há muito tempo competindo com o álcool do milho dos Estados Unidos,
competindo com o álcool do açúcar de beterraba produzido na Europa.

5) Qual o resultado do encontro de membros da ACIUB com outros empresários em


evento nos Estados Unidos? De onde surgiu essa oportunidade?
Para nós, foi uma experiência que poucos brasileiros um dia vão vivenciar. Nós
ficamos dentro da Casa Branca três dias. O governo americano, há dois anos atrás, tomou a
decisão de que seria o melhor lugar do mundo para se empreender. Como eles são a base do
capitalismo, eles tinham que realmente ser o melhor país para se empreender. E, depois que
tomaram esta decisão, o que que foi feito? Eles estavam fomentando, com 70 mil dólares para
cada emprego gerado dentro dos Estados Unidos, para quem fosse empreender lá. Dinheiro
esse que ia ser abatido em impostos federais. Estão fomentando terreno, contrato com
qualquer universidade. Então, os benefícios para se empreender nos Estados Unidos, hoje,
são infinitamente maiores do que para se empreender aqui na América do Sul. Com essas
ações que os Estados Unidos estão conseguindo sair da crise. Ou seja, fomentando o setor
produtivo. Então, a gente está trazendo essas experiências americanas discutindo com
políticos, mostrando que a única saída para sair de uma crise é dando condições de geração
de emprego, geração de riqueza, fazer o dinheiro circular. Então, essas experiências que nós
tivemos foram fantásticas, abriu muito a visão. Mas, ainda não conseguimos ter frutos reais
semelhantes aos que vimos lá. Infelizmente, aqui no Brasil, o empresário está sendo sufocado
e morto por uma política que não o deixa frutificar. Nós, da ACIUB, fomos a este encontro a
convite do governo do Texas. Ele ocorreu com 200 grandes empresários do mundo inteiro e
dentre eles, os presidentes da Caterpillar, da BMW mundial, da Ericsson, só de grandes
empresas. Eram as grandes empresas que já tinham, num passado não muito distante, tido
fábricas nos Estados Unidos e migraram para Ásia. Então, agora está acontecendo um
movimento contrário, os Estados Unidos trazendo de volta esses empreendedores para seu
território. Estavam, também, todos os governadores dos EUA, fazendo um marketing de seus
estados para os empresários.

71
6) Qual a relação da ACIUB com a Prefeitura Municipal de Uberlândia, na busca por
novos meios de desenvolvimento ou nas relações da cidade com outros atores
internacionais, sejam eles públicos ou privados?
A ACIUB tem uma boa relação com a Prefeitura. Mas, eu acho que a visão da
Prefeitura está muito apegada na municipalidade e ela deveria ter uma visão mais mundial.
Nem regional tem, quem dirá mundial? Então, era preciso tentar trazer empresas de fora
para empreender aqui dentro, nós tínhamos que estar trazendo grandes corporações
estrangeiras.

7) Ao se pensar na ampliação do acordo de cidades-irmãs entre Uberlândia e Dublin, a


ACIUB teria algum interesse nessa ampliação, tal como abertura de portas para
exportação ou possibilidade de investimento estrangeiro? Não há problemas ao se
abrir as portas para o investimento estrangeiro, em termos de competitividade?
Temos total interesse na ampliação do acordo. É muito bem-vindo. A competitividade
faz a gente crescer e, de repente, eu vou aprender com ela algumas práticas, vou entrar em
outros mercados. Então, isto é bom, é saudável, eu vou aprender técnicas novas, coisa nova.
O mundo privado só evolui com a competição. Então, graças a Deus que existe a competição,
porque para nós crescermos tem que ter a competitividade. Agora, não podemos achar que
estamos em berço esplêndido, porque estamos andando para trás.

8) Falta alguma relação da ACIUB com o governo do Estado de Minas Gerais ou com o
governo federal? Essa relação faz alguma ponte com o exterior?
Não falta a relação, mas falta atitude dos órgãos governamentais. Nós queremos,
lutamos pelo desenvolvimento. Então, como é que lutamos pelo desenvolvimento? Lutamos
para que haja as condições propícias para que as empresas frutifiquem, ou seja: não
aumentar impostos demais, dar infraestrutura, ajudar as vias de transporte a serem ágeis,
seguras e rápidas, facilitar o escoamento da produção. Então, isso tudo é o papel da ACIUB,
mas hoje nós temos que estar brigando com muita coisa e parece que as vaidades não deixam
as coisas acontecer. Um exemplo disso é o polo de tecnologia de Uberlândia-MG, que está
há12 anos sem sair do papel. A ACIUB já falou: “dê a área para nós, deixe que nós
administremos”. Então, esse país que nós estamos fazendo hoje nunca vai ser competitivo
mundialmente. Nossos portos sucateados, nossas rodovias, 30% da nossa produção fica na
estrada. Um país de dimensão continental, embasar sua logística em rodoviário? Cadê os
nossos trens?

9) Qual a relação da ACIUB ou de seus membros com o Uberlândia Convention &


Visitors Bureau? Essas relações abrem portas para parcerias que trazem benefícios
para os membros da ACIUB?
A gente está sempre participando e as relações abrem portas. São entidades irmãs e
estão muito ligadas. Inclusive, é sediado dentro da própria ACIUB. O que acontece é que
nem sempre essas ações de parceria têm sucesso. E, às vezes, a falta de atitude das
lideranças políticas vem frustrando e desanimando organizações iguais ao Uberlândia
Convention & Visitors Bureau. A própria ACIUB não se cansa, porque a nossa dinâmica é
muito mais pujante. Na hora que um está cansado, desanimado, outro assume a liderança.
Mas, tem que estar com a clara determinação: quem somos, o que queremos e onde queremos
chegar?

72
10) Se a paradiplomacia pública estivesse funcionando, então todos esses órgãos, como
o Uberlândia Convention &Visitors Bureau, estariam trazendo resultados?
Lógico! Com muito mais força.

11) As empresas da Região sentem falta de um aeroporto internacional ampliado,


como Viracopos?
Isso já é uma pauta da ACIUB há mais de 3 anos. Nós estamos lutando demais para
trazer o aeroporto, para internacionalizar o aeroporto de Uberlândia-MG, para ele virar um
hub do aeroporto de Viracopos e de Confins. Ou seja, ele vai fazer a triangulação. Se nós
conseguirmos fazer isso aqui, a gente tira Uberlândia-MG do ostracismo que está aí. E
transformamos Uberlândia-MG num polo de tecnologia. Porque nós vamos trazer coisa de
valor agregado. Nenhuma empresa de valor agregado vai para um lugar que não tenha um
aeroporto internacional forte. Por isso que Campinas se desenvolveu. Uberlândia-MG não
tem condições hoje para fazer isso. A não ser que haja uma virada. Mas para isso acontecer
tem que ter vontade política, estadual, municipal e federal. E eles não se articulam e a coisa
não acontece, e quem paga o preço é toda uma sociedade, e regional.

73
Entrevista com a Profa. Dra. Raquel Santini Leandro Rade
Diretora de Relações Internacionais e Institucionais da UFU
Uberlândia, 7 de maio de 2015

1) Qual a relação da DRII/UFU com o governo municipal de Uberlândia?


Praticamente inexistente. Inclusive, é até difícil arrumar estágio para estudantes
estrangeiros nos órgãos públicos. Por exemplo, todos esses anos que eu estou trabalhando na
DRII, eu consegui um único estágio no DMAE. Está certo que precisa passar por processo
seletivo, eu não posso mandar aluno. Mas assim mesmo, a gente nunca conseguiu chegar
muito próximo.

2) A ida de alunos e professores brasileiros para outros países tem significado uma
“propaganda” da cidade de Uberlândia e despertado novos interesses de
investimento estrangeiro na cidade?
Em parte. Trazer novas empresas para Uberlândia eu acho que não, porque aí já é
uma parte mais política, de liberação de impostos, etc. Mas, para a cidade como turismo e
interesse de vinda de mais estudantes estrangeiros, sim. Por quê? Pela qualidade de vida que
se tem em Uberlândia, pelo custo de vida, pela relação custo-benefício da cidade de
Uberlândia comparado às capitais. Então, este é um ponto atrativo. Apesar de Uberlândia
estar no cerrado, no meio do Triângulo Mineiro, no centro do país, a gente consegue lá fora,
quando vai divulgar a Universidade, fazer uma publicidade da própria cidade, e com isso
temos atraído muitos estudantes para Uberlândia. Eu até brinco muito: Uberlândia não tem
praia, mas tem o Praia Clube. Aí eu mostro as fotos do Praia, fotos da cidade, mostro a
logística da cidade. E, assim, a gente tem apoio de alguns setores, inclusive aqui, para
arrumar estágio para os estudantes. Porém, muitas empresas, além da Prefeitura, ainda não
são abertas para receber estudantes estrangeiros.

3) Qual o contato da DRII/UFU com as empresas multinacionais instaladas em


Uberlândia ou em outras cidades do Triângulo? Há um interesse destas empresas
pela vinda de novos estudantes estrangeiros?
Nós entramos em contato e a resposta sempre é: tem que passar pelo RH, aluno
estrangeiro não tem jeito. E os alunos estrangeiros que nós recebemos são de alto nível, têm
uma formação muito além da nossa, na própria graduação. Geralmente, esse pessoal vem
com quase um nível de mestrado. Mas, as empresas não têm muito interesse, elas são muito
fechadas. Elas acham que eles têm que passar pelo processo normal, como se fosse um
estudante brasileiro, que deve vir aqui, passar pela entrevista com psicólogo, por toda aquela
fase de seleção. E tem empresas que, por questão de nacionalidade, são fechadas. Por
exemplo, tem país que faz propaganda contra um certo artigo, então a firma deste país não
aceita estudante da mesma nacionalidade do autor daquele artigo.

74
4) Considerando o fato de a UFU ser uma instituição federal, é possível dizer que ela
faz uma ponte entre os níveis local e federal, pensando em termos de
desenvolvimento científico e tecnológico por meio de mobilidade internacional, ou de
integração com países africanos?
Sim. O Ministério das Relações Exteriores e o MEC têm trabalhado muito em
parceria com as universidades federais. A gente tem recebido muitos estudantes, não só do
continente africano, vindo fazer toda a graduação. Inclusive, a gente já observou um
processo que tem 50 anos: os angolanos já estão autossuficientes, já formaram tantos alunos
aqui no Brasil, que eles não precisam mais mandar graduandos. E já estão começando a
inverter, mandando para fazer os mestrados e os doutorados. E esses ex-alunos da África que
passaram pelo Brasil, hoje estão ocupando posições dentro do governo deles. É interessante:
eles estão numa secretaria de educação ou são ministros. Então, a passagem pelo Brasil
enriqueceu. Nós não recebemos só estudantes vindos da África, mas também da região, como
Paraguai, Bolívia, Venezuela, Equador. Está havendo uma criação de regionalidade com a
América Central também.

5) Esta ponte tem alguma ligação com o governo estadual?


Não, totalmente fora. São somente parcerias com o Governo Federal.

6) Como a DRII/UFU analisa a influência dos seus programas de mobilidade


internacional no desenvolvimento da cidade de Uberlândia ou, até mesmo, na
Região do Triângulo Mineiro?
Eu acho que no desenvolvimento local, só haveria influência se o aluno voltasse ou
ficasse aqui na região ou na cidade. São poucos casos de empregos que os alunos conseguem
nesta nossa região, por ser uma região mais agropecuária. Geralmente, eles vão para outros
estados, fazem muito concurso público na Petrobrás, na Embraer, entre outras. Então, os que
aqui têm ficado são os que não fazem tanta mobilidade, que são os da agronomia, e
geralmente já têm aquela tradição de fazendas, da agropecuária. Mas, em outras áreas de
tecnologia, como engenharia, química, eu acho que nós ficamos um pouco a desejar, pelo
perfil da região.

7) Ao se pensar na ampliação do acordo entre Uberlândia e Dublin, a DRII/UFU teria


algum interesse específico nela, tal como a possibilidade de abertura de portas para
que os alunos da UFU estudem em universidades irlandesas?
Para nós seria ideal, até um sonho. Porque as universidades irlandesas são pagas.
Um bom aluno que sai daqui para estudar um ano lá acaba custando mais de cento e vinte
mil reais por ano. Então, é uma realidade quase impossível, a não ser que seja muito rico. E
tem vários alunos que falam inglês, estudam e se especializam em língua inglesa, mas que
não pode fazer mobilidade na Irlanda porque essas universidades são pagas. Se a gente fizer
uma parceria com eles, dentro de uma parceria que eles abrem mão dessas taxas
elevadíssimas que eles cobram, eu acho que a quantidade de alunos que gostariam de estudar
lá e a quantidade de alunos que a gente poderia receber, porque as universidades são de
primeiro mundo e nós temos cursos aqui na Universidade a esse nível, seria um ideal. Até
porque fazer uma reciprocidade seria muito legal. E eu acho que a gente cresceria em termos
depesquisa,cresceriaemtermo,também,deinternacionalização,aproximariaapublicação

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em conjunto. O problema é os alunos deles virem para cá. Sempre no começo vai ser assim:
são mais os nossos alunos indo do que nós, aqui, recebendo. Porque serão os nossos alunos
que serão os “embaixadores”, mostrando o que é a Universidade, a cidade, a região e o país,
e motivando-os a virem para cá. Foi assim com a França e hoje estamos com muitos
franceses.

8) A Prefeitura tem colocado como estratégia uma maior aproximação com a UFU, no
sentido de desenvolver políticas públicas. Como a DRI/UFU poderia ajudar a
Prefeitura no desenvolvimento de uma paradiplomacia pública municipal,
considerando sua experiência em parcerias internacionais?
Uma pergunta bem difícil, pois os focos são diferentes. Nós estamos mais preocupados
com a academia, com a inovação, com a tecnologia, mas em termos de pesquisa. Esta nossa
pesquisa pode ser aplicada na prática ou não. Do lado da Prefeitura, está o lado
administrativo, dar uma visibilidade internacional. Então, eu acho que a gente pode entrar
em uma parceria com a Prefeitura em um mesmo sentido, igual foi a viagem para a China.
Nós fomos, teve todo o enfoque das prefeituras com prefeituras e, dentro do programa, das
universidades com as universidades. Esse negócio com a China deu resultado. Eu acho que se
a Prefeitura e a Universidade firmarem essa parceria e forem atrás de novos convênios,
novas visitas, nós não precisamos fazer irmandade. Mas, ao visitar as áreas de interesse
juntas, acho que uma complementa a outra, porque a Universidade é um ponto forte da
cidade, ela traz muitos estudantes. E, por outro lado, a gente usa a cidade para ser um ponto
atrativo para trazer estudante. Eu acho que tem que ter um “casamento” da Prefeitura com a
Universidade. Não só com a UFU, tem que ser com todas as universidades da cidade. Eu
acho que uma complementa a outra, uma sozinha não vai fazer nada. E se você vir no cenário
nacional hoje, apesar da UFU estar no interior, é uma das universidades que mais recebem
aluno estrangeiro, porque a gente faz um trabalho de mostrar o que é a cidade de
Uberlândia.

9) Então, a cidade é atrativa para os estrangeiros?

Na verdade, eu mostro lá fora a relação custo x benefício, considerando que


Uberlândia tem tudo que uma cidade grande tem, em termos de serviços, além de tudo o que
uma cidade pequena tem, como sossego, ruas sem engarrafamento. Ou seja, tem os pontos
positivos da cidade grande, como uma capital, e de uma cidade pequena do interior. E com
isso, ela acaba recebendo mais estrangeiros. Agora, falando de estágio, geralmente não são
dentro de Uberlândia, os estágios são em outras cidades, porque em Uberlândia ainda existe
a barreira da língua, por parte de quem vai receber o estudante. Há sempre aquele medo de
receber um aluno estrangeiro e não dar certo porque ele vai falar em inglês no início.
Depois, o fato de acolher um o desconhecido gera um certo medo nas pessoas. Mas, eu creio
que, se a Prefeitura, realmente, quiser crescer neste sentido, nós, com experiência de 21 anos
trabalhando com a internacionalização da UFU, podemos colaborar. Tanto é que Uberlândia
jáé uma das cidades que mais recebe alunos estrangeiros no Brasil.

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Entrevista com Rodrigo Perpétuo
Chefe da Assessoria de Relações Internacionais do Governo de Minas Gerais
Belo Horizonte, 3 de junho de 2015

1) Qual é a história da Assessoria de Relações Internacionais do Governo de Minas


Gerais foi criada?
Há uma longa história de relações internacionais no Governo do Estado de Minas,
antes mesmo da criação deste órgão, na década de 1990. Particularmente, a Assessoria é
mais recente e nós tivemos, ainda antes dela, uma Sub-Secretaria de Relações Internacionais,
ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, entre 2003 e 2010, depois ela foi extinta
e virou uma Superintendência, também dentro da Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
até por volta de 2012, e finalmente a Assessoria vinculada totalmente à Governadoria.
Atualmente, nós estamos pensando se vamos manter a estrutura de relações internacionais
como uma Assessoria ou se nós vamos propor ao Governador que se utilize uma estrutura
diferenciada.

2) Qual o maior objetivo específico deste órgão do governo estadual de Minas?


Na lei que a cria, nós encontramos as atribuições diferenciadas e até mesmo
atribuições encontradas em outros órgãos. Mas, na realidade, o objetivo maior está na
internacionalização do Estado de Minas. Nós estamos buscando identificar nas estruturas
jurídicas do Estado, os instrumentos que nós temos para colocar em prática esta
internacionalização.

3) Existe alguma agenda já definida da Assessoria de Relações Internacionais para os


anos do Governo Pimentel? Ela tem sido pensada de acordo com a política externa
do Governo Dilma?
Primeiramente, a agenda de internacionalização deste Estado, que é a maior unidade
federativa alinhada com governo federal, pretende seguir as linhas da política externa do
Governo Dilma e se tornar uma referência para o País neste sentido. Um exemplo claro disso
já são os acordos que estamos assinando com a China e, também, com a Índia, um processo
que não vinha acontecendo. Os governos anteriores assumiram com um certo antagonismo
ao governo federal, ainda mais no campo das relações internacionais, buscando empréstimos
em instituições internacionais. Certamente, o Governo Pimentel vai buscar as alternativas de
financiamentos dentro das instituições nacionais. No caso da agenda, nós vamos trabalhar
em duas direções: a primeira diz respeito ao próprio governo, nós vamos trabalhar a serviço
dele próprio, trabalhando não só na ajuda da formulação de políticas públicas, mas também
na sua execução; a segunda, que talvez seja a inovação do Governo Pimentel, é acompanhar
a estratégia do governo de territorializar as suas ações ao máximo possível. Do ponto de
vista estratégico e da sua governança, o governo divide o Estado de Minas em 17 regiões e
pretende trazer todas elas – sejam por meio dos governos locais, dos empresários, das
instituições acadêmicas – para uma participação conjunta com o governo estadual. Nós
vamos tentar fazer a regionalização das relações internacionais, criando uma cultura de
paradiplomacia nestas 17 regiões, a fim de que, num médio prazo, poderemos ter uma
perspectiva de internacionalização que aconteça com a vocação de cada território, e o
governo do estado poderia atuar na grande linha deste processo, sendo um catalizador deste
movimento descentralizado. Então, nós temos uma agenda de sensibilização, e junto com ela,
77
uma agenda de conhecimento, para que se chegue às ações. Nós pretendemos começar tudo
isso a partir da Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas a região de Uberlândia tem
sua devida importância neste processo. Vale dizer que esta estratégia territorial, no âmbito
das relações internacionais, tem seu diálogo com a multissetorialidade, envolvendo diversos
atores.

4) Existe uma Relação da Assessoria de Relações Internacionais de Minas Gerais com o


governo federal e com o Itamaraty?
Sim. O Itamaraty tem um escritório de representação aqui no Estado de Minas, o
Ereminas, com sede em Belo Horizonte, e nós estamos tentando fortalecer as relações com
este escritório. O Itamaraty tem representação em 9 ou 10 estados brasileiros e, ao que
parece, eles não estavam tendo um contato com os governos estaduais. A nossa intenção é ter
o embaixador que cuida do Ereminas como a porta de entrada para o diálogo do Estado com
o Itamaraty. E isso tem funcionado bem. A partir daí, creio que nós até conseguiremos
sensibilizar o Itamaraty para a importância da estruturação de uma ação mais estratégica
destes escritórios, que ficam muitas vezes fadados a um trabalho mais consular, no que tange
às questões econômicas e aos problemas burocráticos. Nosso esforço é transformar o
escritório em um ativo estratégico da nossa relação com o Itamaraty.

5) Como vem acontecendo as relações da Assessoria de Relações Internacionais do


Governo de Minas Gerais com atores subnacionais de outros países? São relações
com níveis de governo entre o central e os municipais ou há uma diversidade de
relações em todos os níveis?
Há acordos que são históricos de cooperação, ou irmanamento, com províncias de
outros países, tais como Yamanashi, no Japão, e Nord-Pas-de-Calais, na França, além de um
fluxo de empresas internacionais que já investem aqui ou que são interessadas em vir para
cá. Há uma agenda muito intensa no plano dos investimentos estrangeiros, além de uma
agenda que é um desafio no plano dos acordos com níveis de governo semelhantes, haja vista
estes acordos serem assinados como irmanamentos, sem prazo e sem objetos definidos. Nós
estamos, então, tentando levar adiante esta agenda. Há 38 consulados em Minas Gerais,
sendo 33 honorários e 5 diplomáticos, existem 12 Câmaras de Comércio e 4 escritórios de
representação das embaixadas (Holanda, França, Canadá e Estados Unidos). Mas, houve
uma intensificação da atividade diplomática no Estado, nos últimos cinco anos.

6) De acordo com seus objetivos específicos, qual a visão que o governo estadual, junto
com a Assessoria de Relações Internacionais, tem da Região do Triângulo Mineiro?
O Triângulo Mineiro é uma região muito importante para Minas Gerais, para a sua
economia e o seu desenvolvimento. Então o governo mineiro percebe o Triângulo como um
ativo estratégico para o Estado. No caso das relações internacionais, nós vamos começar o
trabalho por aquelas regiões que já tem uma vocação e que já tenham iniciado estas
relações, até para quando chegarmos a outras regiões sem esta experiência, nós termos
referências para os que estão começando. O Triângulo Mineiro tem experiência na produção
do conhecimento científico, tem um trabalho ligado à agricultura, um setor de serviços com
um potencial muito grande. Então, ele dialoga muito com a proposta do Governo Pimentel de
priorizar, manter e aperfeiçoar aqueles setores econômicos que são tradicionais para a
economia mineira, e incrementar a participação do estado em setores que demandam um
maior estímulo. O Triângulo demonstra ser uma região onde se encontra uma economia de
valor agregado diferente da economia mineira tradicional, tal como o setor aeroespacial, e
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que precisa de um diálogo com o internacional, de modo que o Estado se vê na obrigação de
criar essa ligação.

7) O governo municipal de Uberlândia já assinou um acordo com Dublin e pretende


estendê-lo para além deste primeiro tema. Qual o interesse do governo estadual de
Minas e da Assessoria de Relações Internacionais em ver suas cidades exercendo
uma paradiplomacia e buscando abrir suas portas para investimentos estrangeiros
e/ou as portas de outros países para as exportações mineiras?
O Estado vê com bons olhos o investimento estrangeiro, desde que seja feito com
atenção: uma empresa estrangeira que venha realizar um trabalho de longo prazo,
comprometida com o desenvolvimento sustentável, querendo fazer um projeto de
responsabilidade social. Agora, aquela empresa que vem para ter um ganho de curto prazo e
desarticular cadeias produtivas que funcionam muito bem, sem compromisso de
permanência, de geração de emprego e riquezas, ela não terá a mesma receptividade que nós
daremos às primeiras.

8) Voltando-nos para o tema do meio ambiente, como a Assessoria de Relações


Internacionais avalia a Conferência Nacional sobre Segurança Hídrica que vai
acontecer em Uberlândia, no mês de setembro, e pretende ter uma repercussão
internacional?
Sem dúvida há um total interesse para a Assessoria de Relações Internacionais neste
evento. Certamente, as iniciativas que estão sendo tomadas agora, em um período de crise
hídrica, no começo do governo são iniciativas que, em poucos meses, vão ganhar visibilidade
e atenção. Nós estamos com um acordo com a Embaixada do Reino Unido, a fim de receber
recursos financeiros para estudar metodologias inovadoras para o reuso da água. Nós já
temos uma ligação entre a Assessoria de Relações Internacionais e outros órgãos do governo
para trabalhar a questão dos recursos hídricos. Então, se vai haver uma Conferência
Nacional sobre o tema, haverá sim uma repercussão internacional. E nós queremos
repercutir Minas Gerais por dois motivos: em primeiro lugar, por conta da situação que nós
encontramos aqui, que foi terrível, e não era noticiado na imprensa; e, em segundo, para
noticiar as ações que foram tomadas para enfrentar esta crise, que foram ações tomadas num
curtíssimo espaço de tempo e tiveram seus resultados satisfatórios.

9) Como a Assessoria de Relações Internacionais de Minas está envolvida no projeto


de internacionalização da cidade de Belo Horizonte?
Na gestão anterior, havia um tratamento muito cordial, mas, na prática, não havia
uma construção de muita proximidade, para articular projetos e trabalhar conjuntamente.
Até por isso, ao assumir este cargo, nós queremos trabalhar de forma muito articulada com
os municípios. Afinal, nós não podemos pensar na internacionalização do Estado sem um
abraço ao projeto de internacionalização por parte de seus municípios, a começar pela sua
capital. Ter uma capital com o processo de internacionalização consolidado, pujante, com
repercussões importantes, é bom para o Estado e é bom para que os demais municípios vejam

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que é um caminho interessante para o desenvolvimento local. Então, na nossa filosofia, a
internacionalização é um trabalho em parceria com os municípios.

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