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YAHN FILHO, Armando G. Et Al. - A Inserção Internacional de Uberlândia
YAHN FILHO, Armando G. Et Al. - A Inserção Internacional de Uberlândia
INSTITUTO DE ECONOMIA
Uberlândia, 2015
PESQUISADORES
i
Filipe Almeida Mendonça: Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Possui graduação em Relações Internacionais pelo Centro Universitário
Ibero Americano (2006) e mestrado em Relações Internacionais - San Tiago Dantas (UNESP,
UNICAMP e PUC/SP) (2009). Atualmente é pesquisador do Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea e professor da Universidade Federal de Uberlândia. Tem experiência na área
de Ciência Política, com ênfase em Relações Internacionais, atuando principalmente nos
seguintes temas: estados unidos, relações internacionais, OMC, política comercial e rodada
Doha.
ii
AGRADECIMENTOS
iii
RESUMO
iv
Sumário
1. Introdução ................................................................................................................ 1
2. O reescalonamento do Estado.................................................................................. 2
9. Conclusão .............................................................................................................. 62
REFERÊNCIABIBLIOGRÁFICA ............................................................................ 64
ANEXOS .................................................................................................................... 67
v
1. Introdução
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são: 1) a de que a inserção internacional de Uberlândia está condicionada à sua relação com
os governos estadual e federal, não se podendo levar adiante uma iniciativa paradiplomática
sem internalizar os interesses dos demais níveis de governo; 2) a inserção internacional de
Uberlândia ocorre não somente com a participação dos gestores públicos, mas também por
meio de outros atores não-governamentais, tais como empresas, organizações, universidade,
etc.
É importante destacar a interdependência econômica entre algumas cidades da Região
do Triângulo. Segundo a teoria do “novo regionalismo”, tal interdependência permite que a
inserção internacional de Uberlândia, como polo do Triângulo, conduza todas as demais
cidades da Região no mesmo sentido.
Ao demonstrarmos a real inserção internacional de Uberlândia, tomamos como base os
fatores apontados por Panayotis Soldatos, em sua tese sobre a internacionalização de uma
cidade. No entanto, ao constatarmos que este processo ainda está longe de chegar ao fim, de
acordo com os referentes fatores, seguimos numa comparação com a inserção internacional de
Campinas, demonstrando o paralelismo do desenvolvimento econômico das duas cidades e
seu “gap” temporal. Assim sendo, a partir do método Godet, traçamos um cenário de
Uberlândia, tomando a análise histórico-comparativa para encontrar as chamadas “tendências
de peso”, que permitem uma visão prospectiva da plena inserção internacional de Uberlândia,
tal como ocorreu com a cidade de Campinas.
Ademais, a partir de outras “sementes de futuro” conhecidas pelos futurologistas,
construímos outros dois cenários, a partir de fatos presentes, que colocam Uberlândia no
contexto internacional, podendo trazer consequências de grande importância para a cidade,
sendo eles: o acordo com a cidade de Dublin e a gestão das águas no Triângulo Mineiro.
2. O reescalonamento do Estado
2
A teoria da interdependência complexa baseia-se em três características principais,
quais sejam: múltiplos canais de negociação, ausência de hierarquia entre os temas da agenda
internacional e menor papel da força militar.
A partir da década de 1980, e com o fim da Guerra Fria, o processo de globalização
ensejou uma grande discussão, carregada de controvérsias, a respeito do papel do Estado
como ator central no sistema internacional e na manutenção da sua estrutura. No plano
internacional, se, para alguns autores, este processo representou o fim do Estado e a
construção de uma “sociedade global”, para outros, o mesmo mostrou o fortalecimento do
Estado, haja vista o crescimento das economias nacionais que acompanhou o aumento da
participação de novos atores nas relações internacionais e a expansão do fluxo de comércio e
de pessoas, em razão de uma evolução nas redes de transporte e nas tecnologias de
comunicação. Além disso, a capacidade de penetração e intercâmbio entre novos atores, a
despeito das fronteiras nacionais, teria aumentado a vulnerabilidade dos Estados, implicando
na necessidade destes de se prepararem para possíveis reações.
Já no plano interno, tanto os adeptos da tese do fim do Estado, quanto aqueles que o
consideram na sua plenitude, viram no processo de liberalização econômica o fim do estado-
centrismo, com uma descentralização política e econômica. Realmente, houve um processo
intenso de privatizações, uma abertura para o capital estrangeiro, uma perda de controle do
Estado sobre o fluxo de capitais, de empresas e de pessoas. Porém, tudo isso não retira do
Estado sua característica principal que é a soberania, atribuindo-lhe a capacidade de decisão,
organização e controle sobre tudo o que está em seu território.
Um exemplo de pensamento econômico localista está na teoria de Kenichi Ohmae. Ao
se fazer uma leitura ingênua e desatenta do livro O Fim do Estado-nação (OHMAE, 1996),
corre-se o risco de, facilmente, chegar à mesma conclusão do autor quanto à tendência de
estarmos caminhando a uma nova era em que o Estado não terá mais importância e perderá
completamente seu poder de decisão e controle dentro das suas próprias fronteiras.
Ao falarmos, mais especificamente, de paradiplomacia e atores subnacionais nas
relações internacionais, um pensamento localista muito conhecido é o de Saskia Sassen, que
desenvolveu o conceito de cidade-global, tais como Nova York, Paris e Londres. Ao se falar
em cidade global, deve-se ter em mente, primeiramente, a ideia de uma cidade pós-industrial.
No entanto, a região que está ao seu redor não é necessariamente pós-industrial, mas depende
de toda essa rede de serviços e comunicação que se concentra na cidade global.
Importante notar que a cidade global se caracteriza como tal na medida em que se
torna a grande concentradora das atividades de serviços que dão suporte aos demais setores
produtivos. Assim, quanto mais uma cidade concentra as atividades especializadas em
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comunicação, informação, ciência e tecnologia, serviços portuários e aeroportuários, comércio
exterior, jurídico, financeiro, mas ela tende a ser uma cidade onde se concentram as unidades
gestoras e administrativas das grandes corporações.
Enfim, de acordo com o economista Carlos Brandão, crítico daqueles adeptos da visão
localista, “a concepção de que a escala local tem poder ilimitado invadiu o debate sobre o
desenvolvimento territorial, no Brasil e no mundo”, dando origem a “essa ‘endogenia
exagerada’ das localidades” que “crê piamente na capacidade das vontades e iniciativas dos
atores de uma comunidade empreendedora e solidária, que tem controle sobre seu destino e
procura promover sua governança virtuosa lugareira” (BRANDÃO, 2007, p. 38).
Ao contrário, para Carlos Brandão, ao se pensar em desenvolvimento, levando-se em
consideração a questão territorial, não se pode colocar o Estado como escala descartável na
ligação entre o local e o global. Ademais, ao se pensar no desenvolvimento de um Estado de
dimensão continental, como é o caso do Brasil, quaisquer outras escalas intermediárias, tais
como os estados federados, também devem fazer a ponte entre o local e o internacional.
(BRANDÃO, 2007)
Portanto, seguindo o pensamento de Brandão (2007), ao levarmos o debate do
desenvolvimento territorial para as relações internacionais, falando em inserção internacional
das cidades e tomando como base a teoria da interdependência complexa, não se pode
concluir que o Estado perdeu sua importância. Ainda que tenhamos a participação de outros
atores nas relações internacionais, o Estado continua sendo o principal ator e qualquer
atividade paradiplomática de uma cidade deve ser pensada em conjunto com o governo
central, tomando como referência sua política externa e os seus interesses conjuntos.
Considerando Neil Brenner como referência, e seu estudo sobre a reterritorialização,
podemos demonstrar que a relação entre os governos central, provincial/estadual e municipal
tem como base a percepção dos gestores públicos da União de que suas unidades federativas
são condutoras da inserção internacional do próprio Estado, e que todo o processo cooperativo
que tem início no âmbito local pode ser de interesse nacional.
Brenner contrapõe-se às teses da globalização – como aquelas chamadas por Brandão
de localistas – que apontam como resultado desta o fim do papel do Estado e de sua
importância no desenvolvimento local. Estas teorias apontam para uma “desterritorialização”.
A corrente de análise seguida por Neil Brenner e Bob Jessop, de inspiração regulacionista,
“vinculou os processos de reestruturação urbana a várias transformações da organização
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espacial do Estado que estão desprivilegiando o nível regulatório nacional e dando nova
importância às formas de governança supranacional e subnacional” (BRENNER, 2009, p. 67).
Dessa forma, Brenner considera, em sua corrente de análise, que existe uma
diminuição da centralização do Estado no processo regulatório nacional, porém essa
distribuição de responsabilidades para as escalas urbanas e regionais não retira, de forma total,
o papel do Estado no seu processo de desenvolvimento. Ademais, esta “reestruturação
multiescalar” traz consigo o conceito de governança, que extrapola a fronteira nacional. Ou
seja, a cidade é o local onde as coisas acontecem em um mundo globalizado, porém o Estado
não deixa de ser o ator central deste sistema internacional, redistribuindo suas funções ao
longo das principais cidades e regiões que compõem seu território, caracterizando uma
governança multinível.
Tomando a obra New State Spaces, de Neil Brenner (2004), sua primeira hipótese está
centrada no fato de que as cidades e regiões se tornaram locais-chave, do ponto de vista
institucional, nos quais se desdobrou um grande reescalonamento do poder estatal. Como
segunda hipótese central de seu trabalho, Brenner sustenta que as instituições públicas
nacionais continuam exercendo um papel primordial na formulação, implementação,
coordenação e supervisão de iniciativas de políticas públicas urbanas, mesmo tendo havido
uma primazia da descentralização político-econômica da esfera nacional para a local.
(BRENNER, 2004)
Ressalta-se aqui o reconhecimento pelo autor da descentralização do poder político-
econômico sem, contudo, retirar o papel da funcionalidade do Estado. Interessante notar que,
ao reconhecer o papel do Estado, Brenner não distingue sua análise política da econômica,
fazendo-a de forma interdisciplinar.
Quanto à consolidação de instituições supranacionais e transfronteiriças, Brenner
segue a mesma linha de pensamento de Keohane e Nye, ao afirmar que o desenvolvimento de
tais instituições “sugere que as economias capitalistas não mais representam unidades
geográficas perfeitamente autônomas e coerentes, mas hoje estão sendo permeadas por novos
tipos de ligações verticais e horizontais entre formas institucionais diversas e multiescalares”
(BRENNER,2004, p. 6).
O reconhecimento de Brenner dessa característica da interdependência complexa
(múltiplos canais de comunicação) reforça o papel do Estado e da sua política externa nas
relações internacionais. No entanto, ao afirmar que os Estados não são unidades perfeitamente
autônomas, Brenner considera a autonomia dos atores subnacionais e não-estatais nas relações
internacionais, paralelamente à soberania do Estado.
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Importante ressaltar que soberania e autonomia são conceitos distintos. Quando se
deixa implícita acima a ideia de que os Estados têm soberania e os atores subnacionais têm
autonomia, reforça-se a ideia central deste trabalho de que soberania é prerrogativa do Estado,
e a ele está condicionada a capacidade de ação de seus governos subnacionais.
Seguindo a linha de raciocínio de Waltz (2002), que define a estrutura política interna
como sendo centralizada e hierárquica, composta por unidades superiores e subordinadas,
entendemos que a soberania do Estado controla a autonomia de suas unidades subnacionais,
principalmente no plano das relações internacionais. No entanto, este controle não é,
necessariamente, um impedimento para a atuação dos atores subnacionais no sistema
internacional.
Neste sentido, ao falarmos em paradiplomacia pública, podemos fazer uma analogia
do gestor público municipal com o diplomata, na medida em que qualquer acordo firmado
entre uma cidade nacional com outra fora do país não pode ferir a soberania do Estado,
estando de acordo com sua política externa e seus princípios Constitucionais, além do fato de
que os interesses da cidade deverão estar em sintonia com os interesses nacionais.
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efeitos devastadores externos (econômicos, principalmente), não há que se impedir que estas
unidades defendam seus interesses por conta própria, às vezes, contribuindo com o próprio
Estado-nação (KINCAID, 1990). No entanto, esta ação por conta própria nem sempre ocorre
sem a participação, ainda que indireta, de outros níveis de governo ou de outros atores não-
governamentais, conforme já vimos no item anterior, com base nas visões de Neil Brenner e
Carlos Brandão.
De acordo com MARKS & HOOGHE (2004), a governança multinível pode ser
dividida em dois tipos. A primeira (tipo I) está intimamente ligada ao federalismo e consiste
da dispersão de autoridade para jurisdições em um número limitado de níveis, tais como:
internacional, nacional, regional e local. Estas jurisdições têm suas funções baseadas em
diversos temas. Ademais, o tipo I de governança se destaca pelo fato de que não há interseção
entre as suas jurisdições. No Brasil, a Constituição deixa clara esta divisão jurisdicional em
três esferas de governo (federal, estadual e municipal), cada qual com suas competências
delimitadas, porém nem sempre exclusivas.
O segundo tipo de governança (tipo II) consiste de jurisdições especializadas, restritas
à solução de problemas específicos. A grande diferença deste tipo de governança está no fato
de que ela não se restringe a um número específico dentro dos diferentes níveis de jurisdição,
são flexíveis, na medida em que a demanda as requer, e contam com a participação de atores
não-governamentais. Outro ponto que a diferencia é o fato de haver interseção entre seus
membros (MARKS & HOOGHE, 2004).
Importante salientar que a governança metropolitana não se restringe aos atores
nacionais. Trata-se de uma governança que, por estar jogando com os impactos da
globalização, também age no plano internacional, por redes de contatos, acordos
transnacionais, contratos de prestação de serviços, comércio exterior, etc. O próprio processo
de integração regional trouxe para as esferas subnacionais suas repercussões, tornando os
governos subnacionais atores desse processo, por meio de redes de governança, como é o caso
de Mercocidades.
James Rosenau (2004) analisa com mais profundidade esta governança multinível no
plano internacional, apresentando um esquema com seis tipos de governança transnacional:
top-down governance (governos, organizações internacionais), bottom-up governance
(público de massa, ONGs), Market governance (governos, organizações internacionais, elites,
mercados, público de massa), network governance (governos, organizações internacionais,
ONGs), side-by-side governance (ONGs, governos) e mobius-web governance (governos,
elites, público de massa, ONGs, organizações internacionais). Este esquema é derivado da
relação de diferentes atores no cenário internacional, combinando duas variáveis que definem
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tal relação: uma de caráter estrutural (relação formal, informal ou mista) e outra de caráter
processual (relação de direção única, vertical ou horizontal, ou de direção múltipla, vertical e
horizontal) (ROSENAU, 2004).
Segundo o autor, “os atores nacionais e subnacionais podem ser participantes de
algumas ou de todas as seis formas de governança, mas suas participações decorrem de suas
interdependências com as questões que se desdobram para além de suas jurisdições, seja
nacional ou subnacional” (ROSENAU, 2004, p. 43).
Ao analisarmos a governança multinível no plano da Região do Triângulo, um
exemplo claro disso está no acordo assinado entre os governos mineiro e amazonense para a
instalação do Entreposto da Zona Franca de Manaus na cidade de Uberlândia, em 2008, com a
finalidade de facilitar a distribuição de produtos para todo o País. Fica clara a participação de
todos os níveis de governo num projeto que visa ampliar o desenvolvimento nacional, por
meio da vantagem comparativa localizada de uma determinada cidade ou região. No caso
específico do Triângulo Mineiro, estamos falando da logística como um fator de vantagem
comparativa da Região.
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5) multiplicidade de comunicações sociais com o exterior;
A partir deste perfil, Soldatos (1996) identifica dois tipos de internacionalização das
cidades: a passiva e a ativa. A internacionalização passiva é aquela desempenhada pelas
cidades-espaço, que acolhem atividades e instituições internacionais, mas não acolhem
instituições e serviços de importância estratégica para o desenvolvimento de funções de
influência ou de controle (sedes de grandes organizações internacionais, sedes de grandes
empresas multinacionais, serviços estratégicos, etc); seu papel é de peso regional
(SOLDATOS, 1996). Por sua vez, a internacionalização ativa é aquela desempenhada pelas
cidades-atores, que se distinguem por uma atuação dinâmica. Estas cidades possuem uma
rede de serviços dê suporte para as atividades internacionais (grandes escritórios
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internacionais de advocacia, grandes escritórios de arbitragem internacional, grandes
instituições bancárias, estrutura sofisticada de transportes e comunicações, etc.).
Essas cidades fazem parte das grandes redes internacionais de alta tecnologia
(aeronáutica, informática, etc.) e de serviços de ponta, além de disporem de uma estratégia de
planificação da sua atividade internacional. São cidades que exportam fatores de produção
(SOLDATOS, 1996).
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Desta forma, as políticas públicas desempenhadas por meio de comportamentos
meramente reativos ou ad hoc, sem objetivos definidos e não incluídas em qualquer
estratégia externa mais estruturada, que façam parte de uma atividade planificada,
ainda que estas almejem uma articulação internacional, não configuram uma política
pública estrategicamente concebida – a paradiplomacia –, antes sim são mera policy-
making strategy.
Ainda que não exista uma paradiplomacia formalizada no âmbito de uma determinada
região ou localidade, é possível avaliar os impactos das relações interestatais no seu
desenvolvimento, ainda mais em um mundo globalizado. O próprio fluxo de entrada e saída
de determinados produtos num país representa uma relação comercial com bases contratuais,
que acabam resultando na composição de uma rede da qual depende o desenvolvimento
nacional e, por consequência, também o regional, e vice-versa.
Ou seja, a paradiplomacia, pública ou privada, não é o único fator determinante da
inserção internacional de uma determinada cidade ou região, conforme se viu no item acima
e, mesmo que haja uma estratégia paradiplomática no âmbito local ou regional, ela não estará
desvinculada dos interesses dos demais níveis de governo e da conjuntura na qual ela está
sendo implementada, conforme a teoria da governança multinível.
Como bem colocado por Eduardo Nunes Guimarães, num estudo de economia
regional sempre “está presente a ideia de que cada parte ou região econômica guarda sua
singularidade, mas não pode ser entendida fora do contexto histórico e espacial mais geral”
(GUIMARÃES,2010, p. 17).
Ademais, conforme o mesmo autor:
(...)
(...) todo estudo regional precisa ser realizado à luz dos grandes eventos nacionais e
internacionais, que delineiam o espaço de fluxos principal, no qual cada área
específica se insere e se singulariza. Ou seja, a análise de uma região não pode ser
realizada tendo como procedimento metodológico um recorte isolado do todo, pelo
contrário, deve ser assumida como uma experiência de desenvolvimento específica e
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participante de um contexto mais geral, em suas respectivas fases históricas.
(GUIMARÃES, 2010, p. 31)
Numa divisão internacional do trabalho, nenhum país está preparado para atender a
todas as suas demandas, produzindo tudo o que precisa, e nem sempre tem conhecimento
técnico ou capital para investir em obras de infraestrutura necessárias para oseu
desenvolvimento. Neste sentido, esta busca de produtos, conhecimento e/ou capital se faz por
meio de uma cooperação internacional e resulta de um mundo cada vez mais interdependente.
Trazendo o debate mais especificamente para o Triângulo Mineiro, Eduardo
Nunes Guimarães ressalta que esta é uma região que “precisa ser entendida como uma
construção econômica e social histórica, sempre inserida na dinâmica mais geral da economia
nacional e internacional” (GUIMARÃES, 2012, p. 20).
Assim sendo, de acordo com o objetivo deste artigo, pretendemos demonstrar a ligação
da inserção internacional do Triângulo Mineiro, na primeira década do século XXI, com as
linhas de política externa brasileira do Governo Lula, que se estendeu de 2003 a 2010. O
importante é deixar claro como uma região não consegue se desenvolver, e se inserir
internacionalmente, de forma isolada, mesmo num mundo que já é considerado como
globalizado desde o século XIX, segundo Eric Hosbawm (2000). Ademais, é importante
destacar o fato de que a inserção internacional do Estado também está associada ao processo
de inserção das suas ilhas de desenvolvimento, que são regiões que atingem esse status quo
por meio da governança multinível.
Segundo Guimarães (2010, p. 26):
(...) a formação histórica regional não pode ser apreendida por meio de uma simples
articulação de fatores e variáveis ocorridos internamente. Muito pelo contrário,
desde o início, qualquer estudo regional demanda ter por eixo básico o entendimento
de que a análise desta “região” específica só poderia ser inteligível se articulada à
estrutura dos fluxos econômicos e demográficos, estado das artes e interesses
político-sociais nacionais e internacionais.
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Segundo Amado Luiz Cervo (2008), o Governo Lula corrigiu os rumos da política
externa do Governo Fernando Henrique Cardoso, a partir de três linhas de frente, que ele
denominou como Estado logístico:
Interessante notar que o paradigma de Estado logístico adotado pela política externado
Governo Lula, caracterizada pelo multilateralismo da reciprocidade, “diferencia-se do
paradigma desenvolvimentista”, que marcou a política externa brasileira entre 1930 e 1989,
“ao transferir à sociedade as responsabilidades do Estado empresário”, ao mesmo tempo em
que se diferencia do Estado normal, característica do Governo Cardoso, “consignando ao
Estado não apenas a função de prover estabilidade econômica, mas a de secundar a sociedade
na realização de seus interesses” (CERVO,2008, p. 86)
Ao argumentar que “o Estado logístico imita o comportamento das nações avançadas”,
Amado Cervo (2008, p. 86) reforça que
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Nesse sentido, é imprescindível a necessidade do governo federal de identificar as
ilhas de desenvolvimento do País, a fim de repassar aos governos dessas regiões
responsabilidades que estavam centralizadas no nível federal. Ou seja, um Estado logístico
deve encontrar espaços e atores adequados, e vocacionados, para cada atividade voltada para
o desenvolvimento, de modo a fazer valer os investimentos e as ações advindas do governo
central para fins de inserção internacional.
Mais uma vez, de acordo com Amado Cervo (2008, p. 87):
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6. Integração regional e paradiplomacia: Uberlândia de volta à
Rede Mercocidades
Uma região não deve ser restrita a questões territoriais ou confinada aos limites dos
Estados. De fato, uma região poderia ser composta por unidades subnacionais, supranacionais
ou transnacionais, com diferentes modelos de organização e colaboração. (FAWCETT, 2004)
Embora estarmos pensando em cooperação regional, nada impede que estas ocorram
com base em problemas compartilhados por territórios afastados um do outro, enfrentando os
mesmos problemas e exigindo as mesmas soluções, que podem ser mais facilmente
alcançadas através da cooperação.
Assim, outra questão importante a ser salientada é o fato de que as regiões não
precisam ser, necessariamente, contíguas (FAWCETT, 2004). Se pensarmos na Rede
Mercocidades, por exemplo, falamos sobre um modelo de organização regional, composta por
unidades subnacionais que não incluem a contiguidade geográfica.
Por sua vez, o regionalismo "implica uma política pela qual Estados e atores não-
estatais cooperam e coordenam estratégias dentro de uma determinada região" com o objetivo
de perseguir e promover "objetivos comuns em uma ou mais áreas temáticas" (FAWCETT,
2004, p. 433). Esta definição nos leva à conclusão de que, dentro do conceito de regionalismo
está implícita a ideia de vontades compartilhadas pelos atores.
Podemos tomar como um exemplo de regionalismo a Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que é baseada em subprojetos unilaterais,
bilaterais e multilaterais para atender aos interesses de todos os Estados envolvidos no grande
projeto. Um exemplo específico é o Aeroporto Internacional de Viracopos, na cidade de
Campinas, que está sendo expandido sob a responsabilidade do Estado brasileiro, mas vai
servir como uma porta de entrada para as exportações de todos os países do Mercosul.
Baseado no neofuncionalismo, reforçamos nossa hipótese principal de que os atores
subnacionais e supranacionais são essenciais para a integração regional:
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integração, promovem o desenvolvimento de grupos de interesse, cultivam laços
estreitos com eles e com o companheiro-tecnocratas das administrações nacionais e
manipulam ambos, se necessário. (MATTLI, 1999, p. 24)
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(…) a participação das cidades constitui um contrapeso aos déficits democráticos
que caracterizam a maior parte dos processos integrativos. A tomada de decisão na
formação de blocos regionais no mundo tende a ser centralizados nas capitais dos
países membros. (ROMERO, 2004, p. 412)
Desde a sua fundação, a Rede Mercocidades mostrou sua intenção de trazer para o
nível supranacional os interesses comuns das cidades, e de outros grupos não-estatais dentro
delas, ou seja, tudo isso ocorreu na dimensão horizontal entre as cidades. Nos itens 2 e 3 da
Declaração de Assunção (1995), encontra-se os seguintes objetivos:
Ainda que tenha sido criado o Fórum Consultivo de Cidades, Estados Federados,
Províncias e Departamentos2do Mercosul, em 2004, – podendo ser o canal de comunicação
vertical entre as unidades subnacionais e as instituições supranacionais, substituindo os
governos nacionais nesta função, além de reforçar o papel dos atores subnacionais na
integração regional – as relações horizontais estabelecidas pela Rede Mercocidades são
essenciais para a concretização dos interesses comuns antes de se atingir os níveis de tomada
de decisão dentro do bloco.
Neste sentido, o retorno de Uberlândia à Rede Mercocidades parece ser de
fundamental importância para que a cidade leve seus interesses para a pauta de integração
regional, dialogando com muitas outras unidades subnacionais, na busca de um entendimento
comum para diversos temas específicos. Ademais, a participação em redes de cidades é mais
um fator de internacionalização das mesmas, tal como apontado por Panayotis Soldatos.
2
O Fórum Consultivo de Cidades, Estados Federados, Províncias e Departamentos, criado pela
Decisão 41/04 do Conselho do Mercado Comum, durante a cúpula de Ouro Preto (Belo Horizonte, 16/12/2004),
tem como sua própria justificativa "que o desenvolvimento do processo de integração vem aumentando a
dimensão política que requer ações sistemáticas e coordenadas de todos os agentes envolvidos". No artigo 1º, a
Decisão 41/04 (CMC) estabelece que o objetivo do Fórum Consultivo é "incentivar o diálogo e a cooperação
entre as autoridades municipais, estaduais, provinciais e departamentais dos países do Mercosul".
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porém ainda em meio-termo entre internacionalização passiva e ativa. Ademais, é de se
destacar o fato de que esse processo de inserção internacional se faz acontecer muito mais por
conta da participação dos atores não-governamentais, por conta de ações estratégicas
individuais de diversos atores, mas não por uma política pública estratégica do governo
municipal.
Se havia, até recentemente, algum ator público pensando de forma estratégica a
inserção internacional de Uberlândia, este é o próprio governo federal que observa a cidade, e
a região do Triângulo, como sendo uma ilha de desenvolvimento no território nacional.
Neste sentido, todos os investimentos advindos do governo nacional para ampliar o
desenvolvimento da região se fazem em consonância com a visão de Carlos Brandão (2007) e
Neil Brenner (2004), segundo a qual a escala federal é a ponte de ligação entre o local e o
global. E, portanto, se a política externa do Governo Lula estava pautada pelo
multilateralismo da reciprocidade, na qual se insere o paradigma de Estado logístico, que
objetiva uma inserção maior do Brasil no mercado internacional, então era preciso fortalecer o
elo de ligação entre as ilhas de desenvolvimento nacionais e os atores estrangeiros, ampliando,
a priori, o investimento nacional no exterior ao invés de somente abrir portas para os
investimentos estrangeiros no País.
Mesmo que a Região do Triângulo ainda não constitua uma região metropolitana
legalizada por norma estadual, percebe-se a interdependência econômica entre as cidades da
Região, na medida em que se destaca a cidade-polo de Uberlândia, centralizadora dos setores
industrial e terciário, este último oferecendo serviços a toda Região, cuja economia está
baseada no setor agropecuário. Dessa forma, pode-se perceber a metropolização do Triângulo,
de acordo com a teoria do “novo regionalismo”. Podemos perceber toda essa divisão
econômica do Triângulo Mineiro e suas variações, pelas tabelas das páginas a seguir.
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TABELA I - Participação Percentual do Valor Agregado Bruto do setor agropecuário
do município no Valor Agregado Bruto do setor agropecuário da Região de
Planejamento
2000 2006 2009 2010
Região do Triângulo Mineiro 100% 100% 100% 100%
Microrregião de Ituiutaba
Cachoeira Dourada 0,51 0,28 0,45 0,41
Capinópolis 2,16 2,36 2,07 1,92
Gurinhatã 1,43 1,27 1,44 1,45
Ipiaçu 0,72 1,61 0,73 0,65
Ituiutaba 2,79 3,76 3,71 3,42
Santa Vitória 2,13 1,94 2,69 3,68
Microrregião de Uberlândia
Araguari 8,21 5,89 6,28 6,57
Araporã 0,80 0,76 0,72 0,66
Canápolis 4,19 4,59 3,44 2,79
Cascalho Rico 0,50 0,55 0,38 0,38
Centralina 1,08 0,99 1,12 1,02
Indianópolis 2,60 2,08 2,26 1,63
Monte Alegre de Minas 6,28 4,66 6,13 4,06
Prata 2,81 2,98 4,21 4,63
Tupaciguara 3,05 2,71 3,21 2,50
Uberlândia 9,65 8,71 10,04 10,04
Microrregião de Frutal
Campina Verde 2,36 2,25 2,07 2,76
Carneirinho 2,13 1,75 1,97 1,94
Comendador Gomes 1,53 1,41 2,04 1,79
Fronteira 2,06 1,04 0,74 0,70
Frutal 7,52 6,07 6,84 6,09
Itapagipe 2,57 1,81 2,53 2,27
Iturama 3,27 3,30 2,32 3,05
Limeira do Oeste 1,42 1,73 1,69 2,15
Pirajuba 3,25 1,69 1,51 1,44
Planura 2,22 1,70 1,18 1,01
São Francisco de Sales 1,03 1,11 1,50 1,85
União de Minas 1,44 1,50 1,68 2,10
Microrregião de Uberaba
Água Comprida 1,16 1,69 1,49 2,17
Campo Florido 2,32 4,09 2,55 2,72
Conceição das Alagoas 3,89 5,49 4,29 5,06
Conquista 1,98 1,91 1,59 2,08
Delta 0,63 0,84 0,28 0,39
Uberaba 9,39 14,53 13,66 13,34
Veríssimo 0,92 0,92 1,17 1,30
Fonte: IBGE, 2015
20
TABELA II - Participação Percentual do Valor Agregado Bruto do setor industrial do
município no Valor Agregado Bruto do setor industrial da Região de Planejamento
21
Tabela III - Participação Percentual do Valor Agregado Bruto do setor de serviços do
município no Valor Agregado Bruto do setor de serviços da Região de Planejamento
22
Desenvolvida pelos estudiosos da questão metropolitana nos Estados Unidos, na
década de 1990, a teoria do “novo regionalismo” parte do princípio de que a metropolização
tem como função manter a competitividade econômica em um mundo em processo de
globalização econômica. Destarte, os teóricos demonstram que os municípios inseridos em
uma região metropolitana são economicamente interdependentes, não sendo as fronteiras
políticas barreiras para os fluxos econômicos e que as empresas privadas estão mais
preocupadas com as vantagens competitivas regionais do que com as políticas públicas dos
governos locais (HAMILTON et al., 2004).
Se atentarmos bem, a tese do “novo regionalismo” vai ao encontro da tese do
reescalonamento do Estado, de Neil Brenner, na medida em que este também coloca as
regiões metropolitanas como polos de desenvolvimento, de acordo com as suas vantagens
competitivas, tornando-se espaços estratégicos para as políticas nacionais e estaduais (ou
provinciais) de desenvolvimento, e desconsiderando as fronteiras entre os municípios que as
compõem (BRENNER,2004).
Interessante que o “novo regionalismo” não foca na consolidação do governo
metropolitano, como outras teorias sobre modelos de urbanização, mas sim na estrutura. Ou
seja, o que garante a funcionalidade de uma região metropolitana são os seguintes fatores:
cooperação, redes de contato, parceria entre os governos locais e com setores privados,
direcionando para uma governança regional (HAMILTON et al., 2004).
Destaca-se, no momento, a proposta de diversos políticos, entre eles prefeitos e
deputados federais e estaduais, com o apoio de especialistas, como os Professores do Núcleo
de Estudos em Economia Regional e Urbana (NESUR) do Instituto de Economia da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), na formalização da Região Metropolitana do
Triângulo Mineiro.
Interessante notar que as Agências Metropolitanas são órgãos gestores dessa
governança, fazendo o elo dos atores públicos e privados por meio de suas câmaras temáticas.
Diferentemente do que ocorre nos governos municipais, em que as Secretarias são muitas
vezes uma moeda de troca para obtenção de apoio político na Câmara Municipal, as Agências
Metropolitanas unem todos os governantes, independentemente de partido, além de
empresários, organizações não-governamentais e cidadãos, para um trabalho conjunto visando
ao desenvolvimento da região, de forma a eliminar a competição e as disputas, garantindo que
o espaço físico da região seja visto como uma economia integrada e gerido sem rivalidades
políticas. (YAHN FILHO, 2013)
23
Ao tomarmos a posição geográfica de abertura para o mundo, conforme colocado
por Soldatos como primeira condição para ser uma cidade internacional, é preciso pensar que
todo o desenvolvimento econômico de Uberlândia e, por consequência, do Triângulo, esteve
condicionado à infraestrutura de transporte que facilitou a ligação com o porto de Santos e,
atualmente, com os aeroportos internacionais mais importantes do Brasil, como Guarulhos e
Viracopos. No entanto, não se pode esquecer o fato de que a prospectiva estratégica que
desenvolvemos mais adiante neste trabalho não deixa de lado a possibilidade de construção de
um aeroporto internacional regional, ampliando ainda mais o fluxo de mercadorias exportadas
e evitando a dependência do transporte rodoviário para o despacho de produtos para outros
países.
A princípio, um fato que parecia confirmar essa abertura de Uberlândia e do Triângulo
Mineiro para o mundo foi a consolidação de um projeto que surgiu em 2008, a partir de muito
esforço do setor empresarial de Uberlândia, tendo em vista a visão estratégica da logística
regional. Naquele ano, foi assinado um Protocolo de Intenções (Protocolo nº 175/2008) entre
os Governadores Aécio Neves, de Minas Gerais, e Eduardo Braga, do Amazonas, objetivando
a realização de estudos destinados à criação, no município de Uberlândia, de um polo de
distribuição de mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus, que culminou na
inauguração do chamado Entreposto da Zona Franca, em março de 2010.
Segundo Keila Patrícia Pereira (2013, p. 23), dentre os fatores que contribuíram para
que a cidade de Uberlândia fosse a escolhida para a instalação do Entreposto, destacam-se:
Ademais, segundo notícia publicada pela Imprensa Oficial de Minas Gerais (2010, p. 1):
24
O entreposto funcionará como armazém para recebimento da produção das empresas
instaladas na Zona Franca e distribuição aos varejistas de todo o país ou mesmo
para exportação. A escolha por Uberlândia por parte do Governo do Amazonas foi
fundamentada na sua localização geográfica estratégica e por sua malha viária que
interliga todas as regiões do país. Além disso, a cidade abriga os maiores
distribuidores atacadistas do país. (grifo nosso)
Ainda que o Entreposto tenha sido visto pelo Governo de Minas Gerais, e por diversos
analistas, como base para o aumento da exportação dos produtos fabricados na Zona Franca
de Manaus, alguns empresários questionam qualquer impacto deste projeto nas taxas de
exportação da Região do Triângulo, por conta das legislações tarifárias dos estados
brasileiros, mas não excluem a possibilidade de que isso venha a acontecer com reformas
tributárias, que tornem menos custosos os fluxos de produção dentro do País.
Nesse sentido, ao considerarmos a possibilidade de que o Entreposto seja uma porta de
saída dos produtos brasileiros para o exterior, vale a pena notar como as teorias da
reterritorialização e da governança multinível estão na base de construção desse projeto, que
pode ser mais uma razão de abertura para o mundo dada a posição geográfica de Uberlândia.
Segundo Keila Patrícia Pereira (2013, p. 26):
Outra conclusão que se pode chegar a partir do Entreposto da Zona Franca de Manaus,
e da governança multinível que esteve na sua base construtiva, é a sua sintonia com a política
externa do Governo Lula, tanto na busca por novas formas de inserção internacional do País
quanto na própria tentativa de aprofundar as relações comerciais com os membros do
Mercosul. No primeiro caso, destaca-se o investimento do Governo federal em obras de
infraestrutura que favoreçam o desenvolvimento nacional, bem como o paradigma do Estado
logístico, pelo qual se faz o repasse à sociedade das responsabilidades de Estado empresário.
25
Ao tomarmos a segunda característica de inserção internacional de uma cidade, de
acordo com Soldatos, Uberlândia se distingue nos dois fatores apresentados: os investimentos
estrangeiros e o fluxo de comércio.
Verificamos, no período entre 2000 e 2010, o saldo da balança comercial sempre
favorável, com as variações favoráveis das exportações sempre muito maiores do que quando
desfavoráveis (Tabela IV).
No que se refere aos investimentos estrangeiros diretos (IED) não temos esses dados
estatísticos focados para a cidade, mas podemos destacar alguns casos que chamaram a
atenção na imprensa local e nacional. Um exemplo é o investimento do Grupo Sonae Sierra
Brasil, com a construção do Uberlândia Shopping. Em julho de 2008, o Grupo português
anunciou o investimento de US$110 milhões nesta nova obra que, atualmente, é um dos seus
nove empreendimentos no Brasil, destacando-se o fato de que o País respondeu, em 2007,
“por quase um terço do total do lucro do grupo no mundo, que foi de €300 milhões”, ficando
o desempenho brasileiro apenas “atrás do de Portugal, onde o grupo tem 20 shoppings em
operação” (CHIARA,2008, p. B15).
Trata-se de um investimento de efeitos sistêmicos, na medida em que dele decorrem
outros três dos maiores investimentos estrangeiros na cidade nos últimos anos: Walmart,
Leroy Merlin e Zara. Afinal, de acordo com a jornalista Márcia de Chiara (2008), “o ritmo
acelerado de expansão do Grupo Sonae reflete a corrida dos empreendedores para
26
investir no setor de shoppings” (CHIARA, 2008, p. B15). Destaca-se o fato de que o
Shopping Parque Dom Pedro, em Campinas, considerado o maior da América Latina, atende à
demanda de toda a Região Metropolitana. Ou seja, Uberlândia também é vista pelos
proprietários do Grupo Sonae como cidade polo de uma região com alto poder de consumo.
No caso da rede Walmart, PETRY (2013) afirma que do valor total do investimento
em Minas Gerais, R$ 50 milhões foram usados na construção do hipermercado de Uberlândia,
o quarto da rede no Estado. Segundo o mesmo autor, “o Walmart afirmou, por meio de uma
nota distribuída à imprensa, que Minas Gerais tem localização estratégica dentro do território
nacional, daí a decisão de ampliar os investimentos no Estado, tanto nas lojas físicas quanto
em logística” (PETRY, 2013, p. 1).
27
mais com o investimento de dentro para fora, seguindo o paradigma do multilateralismo de
reciprocidade.
Ao se falar da exportação de fatores de produção e da presença de instituições
cientificas no exterior, a primeira década do século XXI foi muito marcada pela ampliação
dos intercâmbios acadêmicos promovidos pela Universidade Federal de Uberlândia, tanto dos
alunos quando dos docentes, mas ressaltando-se o programa de mobilidade internacional
(tabelas VI e VII), que confirma a nossa hipótese de que a paradiplomacia segue na mesma
linha da política externa do governo federal, que, desde o governo Lula, tem buscado ampliar
o conhecimento científico e tecnológico no Brasil, por meio das suas redes de intercâmbio
com universidades estrangeiras nos países desenvolvidos.
De acordo com a Profa. Dra. Raquel Santini, Diretora de Relações Internacionais e
Institucionais da UFU, considerando o fato de a Universidade ser uma instituição federal,
pode-se dizer que ela faz uma ponte entre os níveis local e federal, pensando em termos de
cooperação científica e tecnológica, por meio de mobilidade internacional:
Nós estamos mais preocupados com a academia, com a inovação, com a tecnologia,
mas em termos de pesquisa. Esta nossa pesquisa pode ser aplicada na prática ou não.
Do lado da Prefeitura, está o lado administrativo, dar uma visibilidade internacional.
Então, eu acho que a gente pode entrar em uma parceria com a Prefeitura em um
mesmo sentido, igual foi a viagem para a China. Nós fomos, teve todo o enfoque das
prefeituras com as prefeituras e, dentro do programa, das universidades com as
universidades. Esse negócio com a China deu resultado. Eu acho que se a Prefeitura
e a Universidade firmarem essa parceria e forem atrás de novos convênios, novas
visitas, nós não precisamos fazer irmandade. Mas, ao visitar as áreas de interesse
juntas, acho que uma complementa a outra, porque a Universidade é um ponto forte
da cidade, ela traz muitos estudantes. E, por outro lado, a gente usa a cidade para ser
um ponto atrativo para trazer estudante. Eu acho que tem que ter um “casamento” da
Prefeitura com a Universidade. Não só com a UFU, tem que ser com todas as
universidades da cidade. Eu acho que uma complementa a outra, uma sozinha não
vai fazer nada. E se você vir no cenário nacional hoje, apesar da UFU estar no
28
interior, é uma das universidades que mais recebem aluno estrangeiro, porque a
gente faz um trabalho de mostrar o que é a cidade de Uberlândia. (ANEXO,
Entrevista)
Ainda que tenhamos um processo muito incipiente, isso já abre possibilidade para
avançarmos em uma estratégia essencial para o desenvolvimento do País. Mais uma vez, um
fator de inserção internacional municipal reflete a política externa, considerando todo o
incentivo dos Governos Lula e Dilma em ciência e tecnologia, haja vista suas percepções de
que a competitividade do País no mercado internacional só ganharia força com
desenvolvimento científico e tecnológico, que tirasse o Brasil da dependência dos países mais
avançados, de acordo com a tradicional divisão internacional do trabalho. A ideia central
desta nova visão estratégica está na possibilidade de se impedir a quantidade de pesquisadores
brasileiros que busquem novas oportunidades em países desenvolvidos sem qualquer retorno,
resultando no aumento, cada vez maior, de importação de tecnologia e conhecimento.
Ao tomarmos a abertura para os atores estrangeiros por meio de hotelaria e
centros de convenções, Uberlândia deixou claro esse avanço a partir do final da década
passada. É interessante notar que o crescimento do setor terciário na cidade se fez de forma
paralela com o crescimento da infraestrutura adequada para a ampliação dos negócios
internacionais, tendo como exemplo o investimento na cidade de redes hoteleiras
internacionais e a construção do Uberlândia Convention Center. Destaca-se, também, a
construção de outros novos centros comerciais na cidade, tais como o World Business Center
e o Gávea Business.
29
Tabela V – Saída de Alunos da UFU para Universidades Estrangeiras
30
Tabela VI – Recepção de Alunos Estrangeiros pela UFU
31
Importante notar que, ao se fazer uma análise do turismo em Uberlândia, cabe uma
comparação ao que ocorre com Campinas, cujo foco é o chamado turismo de negócios.
Para não ficarmos presos apenas na exportação de instituições científicas, vale destacar
que instituições culturais uberlandenses também já tiveram presença no exterior e a
cultura pode ser um fator de destaque na paradiplomacia municipal. A Companhia de Dança
Balé de Rua conseguiu, com a ajuda de muitos patrocinadores, sair pela primeira vez do País e
se apresentar na grande mostra francesa de artes cênicas, a Bienal de Lyon, em setembro
de2002.
Enfim, ao analisarmos um fator determinante nesse processo de inserção internacional,
que é o exercício de uma paradiplomacia urbana (pública ou privada), apoiada em
serviços especializados de relações internacionais e em estratégias de
internacionalização, fica claro que ainda prevalece, em Uberlândia, uma paradiplomacia
não-governamental. Diferentemente do que vem ocorrendo há 20 anos na cidade de
Campinas, com a criação da Secretaria Municipal de Cooperação Internacional, não se vê um
planejamento estratégico por parte da Prefeitura, coma criação de órgãos especializados, ainda
que dentro de uma Secretaria, tal como ocorreu recentemente em Campinas, com a
transformação da Secretaria citada em um Departamento de Relações Internacionais da
Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Pode-se perceber que as atuações da ACIUB, do
Uberlândia C&VB e da própria UFU demonstram uma visão estratégica desses setores que
não estão ligados, de forma direta, com a Prefeitura, conforme se pode perceber pelas
entrevistas realizadas com Fábio Pergher (ACIUB) e Raquel Santini (DRII/UFU).
32
Assim sendo, nas palavras de Berger (apud GODET, 2011, p. 5 e 6), “na prospectiva
estratégica, não se trata de observar o futuro a partir do presente, mas observar o presente a
partir do futuro”, de modo que “sabendo quais são os futuros possíveis, pode-se tomar
decisões no presente, considerando aquele cenário ao qual se pretende chegar”.
Segundo Michel Godet (2011, p. 9), “a ação sem finalidade não tem sentido e a
antecipação suscita a ação. É por isso que a Prospectiva e a Estratégia são, em geral,
indissociáveis e, daí, a expressão ‘Prospectiva Estratégica’”.
Ainda segundo Michel Godet (apud MARCIAL & GRUMBACH, 2008, p. 47),
“cenário é o conjunto formado pela descrição coerente de uma situação futura e pelo
encaminhamento dos acontecimentos que permitem passar da situação de origem à situação
futura”, complementando sua definição ao afirmar que “o cenário não é a realidade futura,
mas um meio de representá-la, com o objetivo de nortear a ação presente, à luz dos futuros
possíveis e desejáveis”.
Importante notar que os cenários são construídos por meio de variáveis e atores que
conformam um sistema “composto pelo objetivo de cenarização, seu horizonte temporal e
lugar” (MARCIAL & GRUMBACH, 2008, p. 50). Ou seja, ao trabalharmos com um cenário,
devemos fazer um levantamento de todos os atores e variáveis que estão em jogo no sistema
com o qual estamos trabalhando.
Nesta pesquisa, o sistema com o qual estamos trabalhando é “Uberlândia e o Triângulo
Mineiro”, tendo como objetivo da cenarização a sua inserção internacional. O local está no
próprio nome do sistema e o horizonte temporal é de 15 anos, pensando em 2030. As
variáveis que compõem o sistema estão nos fatores de inserção internacional de uma cidade,
estabelecidos por Panayotis Soldatos, e elencados nas páginas 8 e 9. Quanto aos atores,
trabalhamos com todos que sejam motores das referidas variáveis e, portanto, acabam sendo
justamente aqueles que participam da governança multinível que está na base de inserção
internacional da cidade de Uberlândia e da região do Triângulo, ou seja: os três níveis de
governo (municipal, estadual e federal), os atores privados (indústria, comércio, agronegócios,
etc.), instituições públicas e organizações não-governamentais.
Segundo Elaine Marcial (2008, p.58), “o futuro deixa, no presente e no passado,
sementes que podem vira germinar ou não”, de modo que “identificar e analisar estas
sementes pode permitir uma melhor identificação das possibilidades futuras com maior
consistência” (MARCIAL & GRUMBACH, 2008, p. 58). Assim sendo, temos como algumas
sementes de futuro: tendências de peso, fatos predeterminados, fatos portadores de futuro,
incertezas críticas e surpresas inevitáveis.
As tendências de peso foram definidas por Godet e referem-se àqueles eventos cuja
33
perspectiva de direção é suficientemente consolidada e visível para se admitir sua
permanência no período considerado.
Os fatos predeterminados referem-se àqueles eventos já conhecidos e certos, cuja
solução ou controle pelo sistema ainda não se efetivou.
Os fatos portadores de futuro são sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes
no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades. Segundo Peter
Schwartz, as incertezas críticas são variáveis incertas de grande importância para a questão
principal e podem ser entendidos como fatos portadores de futuro considerados mais
importantes e com grau de incerteza maior para a questão principal.
Por fim, as surpresas inevitáveis são forças previsíveis, pois têm suas raízes em forças
que já estão em operação no momento, mas não se sabe quando irão se configurar nem
podemos conhecer previamente suas consequências e como nos afetarão.
Voltando-nos à história da prospectiva estratégica, é interessante notar que, por mais
que ela sempre tenha sido um método muito mais aplicado no setor empresarial, não deixa de
ter a sua aplicação também na gestão pública, o que acaba sendo denominado por Godet como
“prospectiva territorial”. Ela constitui um instrumento privilegiado para ajudar a compreensão
das dinâmicas territoriais, num contexto sempre mais marcado pela descentralização, pela
autonomia de decisão e pela necessidade de cooperar. (GODET, 2011)
A descentralização está no fato de que, assim como o Brasil, a grande maioria dos
países democráticos tem seus governos centrais e locais (sejam eles municipais,
departamentais, provinciais, estaduais, etc.) trabalhando de forma articulada, conforme o
conceito de governança multinível. Os gestores públicos locais têm sua autonomia de decisão,
mas não podem chegar a esta sem a participação de diversos outros atores envolvidos no
sistema em jogo. Diferentemente do que ocorre no caso empresarial, em que os gestores
empresarias têm os seminários prospectivos sem a participação dos diversos acionistas, na
construção de uma política pública estratégica, é preciso trabalhar de forma cooperativa com a
sociedade envolvida na questão.
Ao analisarmos a inserção internacional local, por exemplo, percebe-se que uma
prefeitura só consegue levar adiante suas decisões a partir de uma cooperação com os atores
que podem ser os beneficiários e/ou colaboradores de tal processo. Assim sendo, ao se querer
trabalhar uma paradiplomacia municipal estratégica, é preciso identificar os atores que estarão
em jogo no processo, a fim de que juntos trabalhem a construção dos cenários que servirão de
base para tomadas de decisões presentes do Prefeito, com busca aos cenários desejáveis
dentro de todos os possíveis.
Segundo Michel Godet:
34
A Prospectiva, com efeito, participa no novo modo de governança associando
instituições públicas, atores sociais e organizações privadas na elaboração,
implementação e acompanhamento das escolhas coletivas, em termos de procurar
suscitar uma adesão ativa dos cidadãos. (GODET, 2011, p. 102)
Ainda segundo o autor, a prospectiva territorial está caracterizada por três tipos de
metodologias que a tornam uma prospectiva estratégica: a abordagem prospectiva, uma
elaboração estratégica e um processo participativo. (GODET, 2011)
Ao se ter como base uma abordagem prospectiva, Michel Godet deixa claro que:
35
se torne estratégica, ela deve ser trabalhada da mesma forma em que a política externa é uma
política de Estado e não de governo.
No entanto, Godet ressalta que “elaborar uma estratégia, mesmo coletivamente, é uma
coisa; programar, avaliar e implementar ações que daí decorrem é uma outra” (GODET,
2011). Portanto, ao se chamar para a participação na elaboração de uma estratégia os atores da
sociedade envolvidos num determinado tema sem, depois, implementá-las seria apenas um
álibi ou um engano (GODET, 2011).
Enfim, chegando à metodologia do processo participativo:
(...)
(...)
37
ferroviárias em seu território, da mesma forma como ocorreu com Campinas, tal como
defendido por Ulysses Semeghini.
Outro ponto importante trazido por Semeghini está no fato de que o rush do café no
Oeste Paulista, tendo Campinas como seu polo, favoreceu a diversificação da economia, “com
investimentos nas ferrovias, nas empresas de serviços públicos, na indústria e nos bancos” e,
“em paralelo, vão sendo constituídos os demais segmentos componentes do complexo
capitalista” (SEMEGHINI, 1991, p.40).
Segundo Semeghini (1991, p. 41):
Por sua vez, de acordo com Brandão, a diversificação econômica do Triângulo se deve
à sua função de entreposto comercial, bem como à sua inter-relação com os estados vizinhos,
principalmente com São Paulo. (BRANDÃO, 1989)
Ora, num raciocínio lógico simples: se a malha ferroviária da Companhia Mogiana é a
causa do entreposto comercial do Triângulo, e este é causa da sua diversidade econômica,
então a diversidade econômica triangulina é consequência da Companhia Mogiana,
reproduzindo o ocorrido com a Companhia Paulista em Campinas, tal como colocado por
Semeghini.
De forma bem resumida sobre o desenvolvimento de Campinas entre as décadas de
1860 e 1880, Semeghini diz ser preciso “assinalar uma função do município que seria
fundamental no desenvolvimento e nas características do seu núcleo urbano: seu papel de
centro ferroviário” (SEMEGHINI, 1991, p. 51). Da mesma forma, segundo Brandão, em
decorrência da chegada da Companhia Mogiana:
38
(SEMEGHINI, 1991, p. 58), passando por Casa Branca e Ribeirão Preto, até chegar ao
Triângulo Mineiro, mais precisamente em Uberlândia e, finalmente, Araguari, em 1895,
conforme o mapa abaixo.
Fica clara, portanto, a diferença de 20 anos entre o desenvolvimento campineiro e
uberlandense, no que tange ao transporte ferroviário, haja vista os anos de criação da
Companhia Paulista (1868) e da chegada da Mogiana ao Triângulo (1895), porém com ambas
as cidades seguindo no mesmo rumo, qual seja: o papel de centro ferroviário regional,
buscando a inserção no mercado nacional e, até mesmo a saída para o internacional, por meio
do porto de Santos.
Fonte: http://www.sindicatomogiana.com.br/mapamogiana.html
39
Entre 1929 e 1933 consolidava-se uma mudança fundamental na dinâmica da
economia brasileira: o setor agrário/exportador passaria a segundo plano na
determinação do nível e do ritmo da atividade econômica, passando os setores
ligados ao mercado interno, principalmente a indústria, à condição de principais
determinantes do nível de atividade. (SEMEGHINI, 1991, p. 93).
Se, por um lado, “a matriz do capital industrial foi o capital cafeeiro, tanto o
empregado na atividade nuclear (a plantação do café) quanto os que financiaram o segmento
urbano do complexo” (SEMEGHINI, p. 75), por outro, “o ponto de partida para a
configuração do espaço regional [do Triângulo] é dado pelas condições de integração ao
‘complexo econômico cafeeiro paulista’ e seus desdobramentos para a nascente economia
industrial brasileira” (GUIMARÃES, 2010, p. 91)
Portanto, a produção de café está na base da industrialização de ambas as regiões aqui
trabalhadas. No entanto, enquanto Campinas estava no centro desta produção cafeeira,
Uberlândia era o entreposto comercial para distribuição de toda a produção paulista para o
Centro-Oeste, bem como São Paulo era o grande destino da produção agropecuária advinda
do mesmo, incluindo o Triângulo Mineiro.
Assim sendo, Campinas saiu na frente de Uberlândia, em termos de uma
industrialização que acabou sendo o fator determinante para o desenvolvimento do Triângulo
Mineiro, resultando, anos mais tarde, também na própria industrialização desta região. Afinal,
se não houvesse a interligação entre São Paulo e o Centro-Oeste, passando pelo Triângulo
Mineiro por meio da Companhia Mogiana, a região não teria o capital necessário para investir
na indústria, a começar pela infraestrutura necessária, mais especificamente na energia e no
transporte.
A base da economia regional do Triângulo, voltada principalmente para o milho e o
arroz – tendo a produção de cana-de-açúcar, feijão e mandioca em menor escala – é a “mostra
clara da complementaridade e não continuidade desta economia em relação à dinâmica da
economia cafeeira” (GUIMARÃES, 2010, p. 93). Neste sentido, “a produção de toda a região
era voltada exclusivamente para atender às necessidades do mercado interno brasileiro e, daí,
sua dependência dos estímulos da economia de exportação” (GUIMARÃES, 2010, p. 93), os
quais já estavam presentes no Estado de São Paulo, mais especificamente na própria capital
paulista e em Campinas.
Interessante notar que um ponto-chave que reforça o “gap” temporal entre Campinas e
Uberlândia, no que tange ao processo de industrialização, está no fato de que a infraestrutura
40
que atendia aos municípios da Companhia Paulista era mais avançada do que aquela que
servia à Mogiana.
Reforçando os argumentos acima, Eduardo Nunes Guimarães (2010, p. 94) afirma que
Entre 1933 e 1939, a produção industrial paulista cresceu à elevada taxa de 14% ao
ano. Os setores de maior peso na estrutura industrial paulista, sobretudo o têxtil,
puderam aumentar sua produção sem grande acréscimo de investimentos,
aproveitando a capacidade ociosa acumulada. (SEMEGHINI, 1991, p. 94)
41
Percebe-se, portanto, a partir deste momento, um processo de industrialização no
Triângulo Mineiro – mais precisamente, em Uberlândia, que é o polo centralizador da
economia regional – da mesma forma como já tinha acontecido em Campinas duas décadas
antes.
Importante notar que a diversificação econômica que ocorreria no Triângulo Mineiro a
partir do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek já tinha ocorrido no Estado de São
Paulo, mais especificamente na capital paulista e em Campinas, desde os anos 1920, em razão
de toda a infraestrutura local.
De acordo com Ulysses Semeghini (1991), na sua análise do desenvolvimento
econômico campineiro:
Por outro lado, de acordo com Eduardo Nunes Guimarães (2010), na sua análise do
desenvolvimento econômico do Triângulo Mineiro, é a partir da década de 1950 que se
percebe a
O Triângulo Mineiro é uma região muito importante para Minas Gerais, para a sua
economia e o seu desenvolvimento. Então o governo mineiro percebe o Triângulo
como um ativo estratégico para o Estado. (...) O Triângulo Mineiro tem experiência
na produção do conhecimento científico, tem um trabalho ligado à agricultura, um
setor de serviços com um potencial muito grande. Então, ele dialoga muito com a
proposta do Governo Pimentel de priorizar, manter e aperfeiçoar aqueles setores
econômicos que são tradicionais para a economia mineira, e incrementar a
participação do estado em setores que demandam um maior estímulo. O Triângulo
demonstra ser uma região onde se encontra uma economia de valor agregado
diferente da economia mineira tradicional, tal como o setor aeroespacial, e que
precisa de um diálogo com o internacional, de modo que o Estado se vê na obrigação
de criar essa ligação. (ANEXO, Entrevista)
Conforme já destacamos no item 7, um dos elementos que mais destacam a atual (mas,
parcial) inserção internacional de Uberlândia é a Universidade Federal (UFU), não apenas
pela sua pesquisa científica, mas também pela sua ação paradiplomática, estabelecendo uma
forte relação com diversas outras universidades no mundo e promovendo um intercâmbio
acadêmico que se torna reflexo da própria política externa brasileira.
44
Ainda no que diz respeito ao avanço tecnológico, Uberlândia caminha no mesmo
sentido de Campinas, a partir do seu projeto de Parque Tecnológico. Segundo o ex-Secretário
de Gestão Estratégica, Ciência e Tecnologia, Stoessel Ribeiro, “a intenção é que o parque
tecnológico, a Granja Marileusa e o campus do Glória, que vai nascer da Universidade
Federal, formem um ecossistema de inovação” (NOGUEIRA, 2014). Foi dentro desta
interdependência acadêmica e empresarial que o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
(CPqD), em Campinas, deu origem ao cluster3que caracteriza a Região Metropolitana de
Campinas. Segundo César Cardoso, ex-vice-presidente da instituição, o CPqD sempre foi polo
atrativo das empresas para a região (OLIVEIRA, 2005).
Nas palavras de Michael Porter:
8.1.2. Infraestrutura
Outro fator determinante para a competitividade, segundo Michael Porter – e que está
na base de diversos fatores de inserção internacional de uma cidade –, é a infraestrutura. De
acordo com o autor:
3
Clusters são concentrações geográficas de companhias interconectadas, fornecedores especializados,
provedores de serviços, firmas em indústrias relacionadas e instituições associadas (por exemplo, universidades,
agências, associações comerciais) em um campo particular que compete, mas também coopera. (PORTER, 2000,
p. 18)
45
Conforme ocorreu na cidade de Campinas, em Uberlândia a logística também é um
dos aspectos mais importantes para o seu desenvolvimento. Muito antes de se pensar no
Aeroporto Internacional de Viracopos, desde os tempos da produção do café, esta logística já
se destacava pela ligação ferroviária com a Baixada Santista, sendo o entroncamento das
linhas férreas Paulista e Mogiana, além do local de encontro de rodovias como Anhanguera,
D. Pedro e Santos Dumont (YAHN FILHO, 2013), o que não a diferencia da logística de
Uberlândia, que sempre teve esta ligação com o Porto de Santos, por meio da Mogiana e,
depois, pelas rodovias BR-50 e Anhanguera, além de ser um entroncamento de outras
rodovias que interligam a Região do Triângulo a diversas regiões do País.
Conforme já vimos no item 7 deste trabalho, toda esta logística, que se encontra de
forma muito semelhante ao longo dos processos de desenvolvimento de Campinas e
Uberlândia, está na base do que Soldatos chama de “posição geográfica de abertura para o
mundo”, como primeiro fator de inserção internacional de uma cidade ou região.
No entanto, ao se estabelecer a comparação entre Campinas e Uberlândia, nas últimas
décadas, a pergunta que se faz é: qual a diferença entre ambas as cidades, ou mesmo regiões,
no que diz respeito a esta logística estratégica para o desenvolvimento?
Ora, há tempos que o fluxo de comércio internacional não se realiza somente pelos
portos navais. E, se uma das características desta consagrada logística de Uberlândia e do
Triângulo Mineiro está nas suas rodovias, por conta de darem acesso aos aeroportos
internacionais paulistas, e não mais apenas ao Porto de Santos, é possível concluir que a
diferença está na falta de um aeroporto internacional regional, que facilite o fluxo de comércio
de todo o Triângulo Mineiro com o exterior, sem depender do transporte rodoviário de longa
distância.
Segundo Josmar Cappa:
46
Nós [ACIUB] estamos lutando demais para trazer o aeroporto, para internacionalizar
o aeroporto de Uberlândia, para ele virar um hub do aeroporto de Viracopos e de
Confins. Ou seja, ele vai fazer a triangulação. Se nós conseguirmos fazer isso aqui, a
gente tira Uberlândia do ostracismo que está aí. E transformamos Uberlândia num
polo de tecnologia. Porque nós vamos trazer coisa de valor agregado. Nenhuma
empresa de valor agregado vai para um lugar que não tenha um aeroporto
internacional forte. Por isso que Campinas se desenvolveu. Uberlândia não tem
condições hoje para fazer isso. A não ser que haja uma virada. Mas para isso
acontecer tem que ter vontade política, estadual, municipal e federal. (ANEXO,
Entrevista)
No próximo item, vamos analisar os fatores que levarão Uberlândia a seguir no mesmo
caminho que Campinas, em termos de ganhos de investimento estrangeiro direto, sendo um
deles a internacionalização do aeroporto municipal ou a construção de um novo aeroporto
internacional na região. Neste sentido, assim como ocorreu no final dos 1960, com o
Governador Rondon Pacheco sendo um representante triangulino vinculado ao governo
militar e favorecendo o desenvolvimento de Uberlândia, agora seria o momento de se
aproveitar o fato de termos Prefeito uberlandense, Governador mineiro e Presidente da
República do mesmo partido, com o governo federal tendo lançado um Programa de
Investimento em Logística, a fim de se colocar em prática o projeto aeroportuário
internacional que atenda à Região do Triângulo Mineiro.
47
região do Triângulo, já são vistos como obras a serem concretizadas, como vimos no item
anterior.
Ao estudar a inserção internacional da Região Metropolitana de Campinas, Armando
Gallo Yahn Filho defende
Neste sentido, o projeto de Parque Tecnológico (visto no item 8.1.1) que se pretende
implantar em Uberlândia reforça a tendência de peso de o Triângulo Mineiro se consolidar
como um dos grandes polos tecnológicos do Brasil, atraindo investimentos estrangeiros por
parte de empresas de alta tecnologia, como vem ocorrendo em Campinas em razão de ser o 5º
polo tecnológico do Estado de São Paulo.
Portanto, somando-se os fatores de infraestrutura, ciência e tecnologia, percebe-se um
efeito sistêmico resultante na ampliação do investimento estrangeiro direito que, por sua vez,
é mais um fator de inserção internacional da cidade. E, por falarmos em sistema cíclico, este
investimento estrangeiro se reverte a um maior incentivo à infraestrutura e ao
desenvolvimento científico e tecnológico locais.
Ou seja, não somente os elementos infraestrutura, ciência e tecnologia são tendências
de peso, ao se trabalhar a comparação entre o desenvolvimento econômico de Campinas e
Uberlândia, como também são fatos portadores de futuro, ao ficar comprovado serem ambos a
razão do investimento estrangeiro local.
48
Rodrigo Pérpétuo, fazendo menção ao objetivo da Assessoria de Relações
Internacionais de Minas Gerais de estimular as regiões do estado na atuação paradiplomática,
observa que:
O Triângulo Mineiro é uma região muito importante para Minas Gerais, para a sua
economia e o seu desenvolvimento. Então o governo mineiro percebe o Triângulo
como um ativo estratégico para o Estado. No caso das relações internacionais, nós
vamos começar o trabalho por aquelas regiões que já têm uma vocação e que já
tenham iniciado estas relações, até para quando chegarmos a outras regiões sem esta
experiência, nós termos referências para os que estão começando. (ANEXO,
Entrevista)
49
apenas ao tema das Olimpíadas do Rio, em 2016. Nenhuma cidade de um país desenvolvido
buscaria ampliar acordos paradiplomáticos com cidades que não se demonstrassem tendentes
a um desenvolvimento que atendesse aos seus interesses, mais especificamente no plano
econômico.
50
setor hoteleiro da cidade. Ademais, se a ideia é trazê-los para o Brasil com a antecedência de
um mês das Olimpíadas, então não bastava hospedá-los sem lhes oferecer as condições
adequadas para o treinamento necessário durante este período. Deste modo, a chance de o
acordo ter dado certo dependia da participação de, ao menos, um clube que oferecesse tais
condições. Percebe-se, portanto, que fazer uma paradiplomacia municipal não é uma questão
de boa vontade da Prefeitura, mas também de um bom conhecimento que os governantes têm
dos seus territórios, a fim de saber quais são as necessidades daqueles que neles vivem, bem
como daqueles com quem estão por negociar um acordo, e as condições para se buscar
atendê-las.
Conforme pesquisa já realizada sobre o atual modelo de cooperação atualmente
praticado pela cidade de Dublin com outras cidades pelo mundo, é possível prospectar áreas
de interesse que podem ser exploradas visando estreitar as relações com a cidade de
Uberlândia, o que deverá proporcionar uma maior amplitude e importância ao recente acordo
de cooperação esportiva, no qual o Comitê dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos irlandês
escolheu a cidade de Uberlândia como seu Centro de Formação para os Jogos Olímpicos do
Rio, em2016.
No plano da gestão pública, é possível perceber que nenhum governo tem total
experiência para atender às demandas de seus habitantes e solucionar todos os problemas de
uma cidade. Nem sempre os problemas que surgem, em um determinado momento, são os
mesmos que já tinham acontecido antes e, então, muitos governantes precisam buscar ajuda
daqueles que já passaram por uma situação semelhante, a fim de chegar a uma boa solução.
Neste sentido, ao se pensar em acordos paradiplomáticos, sugere-se que os governos
municipais das “cidades-irmãs” incentivem a partilha de informações, tecnologia e modelos
de melhores práticas de gestão pública que tratem de processos de gestão, sistemas de
informação (e-Government), desenvolvimento e sustentabilidade, planejamento e arquitetura
urbana, mobilidade, saúde, segurança, educação, cultura, esporte e lazer.
Um tema que há muito deixou de ser abordado apenas por governos nacionais, mas já
se consolidou como um tema que desconhece fronteiras e deve ser trabalhado desde o local é
o meio ambiente. No que diz respeito à questão ambiental, é perceptível o quanto Dublin
investe na área, buscando uma qualidade de vida cada vez melhor para a sua população. Neste
sentido, seria interessante reforçar, por meio da ampliação dos acordos entre as duas cidades,
a partilha de informações, tecnologia e modelos de melhores práticas de gestão do meio
ambiente, mais especificamente no que tange ao controle de poluição, à gestão de resíduos
sólidos, ao tratamento de água e esgoto, à qualidade do ar e à segurança alimentar.
51
Conforme se pode perceber das entrevistas com o presidente da ACIUB, Fábio
Pergher, e do Chefe da Assessoria de Relações Internacionais de Minas Gerais, Rodrigo
Perpétuo (Anexos), existe um grande interesse por parte dos empresários uberlandenses e
governantes mineiros em ampliar suas redes de contato e de abrir as portas para investimentos
estrangeiros. Assim sendo, o contexto é de grande oportunidade para que Uberlândia promova
a cooperação com Dublin em torno da inovação dos negócios e do desenvolvimento
econômico, facilitando os contatos entre as suas grandes empresas, principalmente nas áreas
de tecnologia, logística e agronegócios. Seria interessante o incentivo a quaisquer acordos de
“co-location” (compartilhamento de espaço físico e infraestrutura), que forneçam acesso a um
novo mercado para as empresas de tecnologia das duas cidades.
Ao se falar em negócios, não se pode deixar de pensar, primeiramente, em educação.
Portanto, abrir novas portas para os acordos que poderiam se estender a partir do atual poderia
ser um incentivo às escolas e universidades para a promoção de intercâmbio de professores e
estudantes, reconhecendo e oficializando trabalhos científicos, bem como de créditos de
disciplinas. A vinda de novas empresas pode ser vista como um incentivo à formação de mão-
de-obra especializada, na medida em que as cidades devem incentivar suas empresas a
fomentar programas de apoio à pesquisa e inovação, em troca dos benefícios recebidos para
instalação na cidade.
Ainda que possa parecer um tema de menor importância, quando se pensa em
desenvolvimento econômico, não se pode deixar a cultura de lado ao se falar em
paradiplomacia. Neste sentido, a cidade de Uberlândia poderia realizar uma feira para a
promoção da cultura mineira na cidade de Dublin, com a apresentação das diversas formas de
expressão cultural da cidade: artesanato, culinária mineira, cachaça artesanal, grupos de
congado, orquestra de violeiros, entre outros. Por outro lado, não seria impeditivo que a
cidade de Dublin promovesse em Uberlândia o evento mais popular de sua cultura: o Saint
Patrick's Day, uma festa a fantasia embalada por bandas folclóricas tocando músicas típicas e
degustação das tradicionais cervejas irlandesas. De modo geral, as duas cidades poderiam
facilitar o intercâmbio e a cooperação de organizações culturais e artísticas, como grupos de
teatro, espetáculos de dança, orquestras, shows musicais, mostra de filmes, feiras literárias e
exposição de obras de arte.
Na medida em que a Assessoria de Relações Internacionais de Minas Gerais busca
incentivar as cidades mineiras a se envolverem com a paradiplomacia, com o objetivo de
internacionalização do próprio estado, somado ao fato de que os acordos paradiplomáticos
entre Uberlândia e Dublin estão sendo pensados a partir da reciprocidade, a fim de que ambas
as cidades tenham seus benefícios, é possível concluir que o acordo entre Uberlândia e Dublin
52
é apenas um ponto de partida de uma governança multinível, no plano das relações
internacionais locais, que pode trazer, no médio e longo prazos, a concretização de projetos
que já estão há muito tempo no papel, conforme veremos a seguir.
Interessante notar que ao somarmos as tendências de peso (do item 8.1.1 ao 8.1.4) aos
projetos que estão na pauta do atual governo municipal, visualizamos uma proposta de
cooperação mais detalhada, que pode ser a primeira extensão do recente acordo entre
Uberlândia e Dublin.
Considerando o fato de que um dos maiores interesses da Irlanda é ampliar seus
investimentos em países emergentes, podemos partir da abertura de portas da cidade para a
instalação de empresas irlandesas como uma força motriz para a ampliação dos acordos com
Dublin.
No entanto, ao se pensar em acordos entre cidades de diferentes países, é preciso ter
em mente que
Neste sentido, se estamos pensando nos interesses de Dublin como força motriz para a
ampliação do acordo, não devemos deixar de lado os interesses de Uberlândia. Assim sendo,
começamos, primeiramente, pelo fato de que os próprios empresários e comerciantes de
Uberlândia veem esses investimentos como muito bem vindos. Em entrevista realizada com o
presidente da ACIUB, Fábio Pergher (ANEXO), ele nos disse que “a visão da Prefeitura está
muito apegada na municipalidade e ela deveria ter uma visão mais mundial”, sendo preciso
“tentar trazer empresas de fora para empreender aqui dentro”. Ainda na mesma entrevista e,
mais especificamente, em relação ao acordo com Dublin, Fábio Pergher afirma:
53
aprender técnicas novas, coisa nova. O mundo privado só evolui com a competição.
Então, graças a Deus que existe a competição, porque para nós crescermos tem que
ter a competitividade. (grifo nosso)
E os alunos estrangeiros que nós recebemos são de alto nível, têm uma formação
muito além da nossa, na própria graduação. Geralmente, esse pessoal vem com
quase um nível de mestrado. Mas, as empresas não têm muito interesse, elas são
muito fechadas. (ANEXO, Entrevista)
54
aqui na cidade, mas na Irlanda. E, quem sabe, tendo seu retorno com a garantia de um
emprego no Parque Tecnológico local, na mesma empresa em que fizeram o estágio lá fora.
Enfim, conforme já vimos nos itens anteriores, toda essa associação entre os campos
empresarial, educacional, científico e tecnológico é a chance da criação de um cluster que
coloca toda a região no contexto internacional e aumenta o seu desenvolvimento.
O problema que se coloca neste item, tomando-se como caso exemplar a Bacia do
Prata – e, portanto, as sub-bacias que se encontram no Triângulo Mineiro – é o efeito
sistêmico das alterações que se fazem em um curso d´água de uma bacia internacional,
causando possíveis impactos transfronteiriços e ameaçando as relações internacionais entre os
países que compartilham da mesma bacia. No entanto, ao se analisar a gestão de uma bacia
hidrográfica internacional, é preciso levar em consideração os diversos atores envolvidos, dos
locais até os internacionais, passando por diversos outros níveis intermediários, como é o caso
dos estados federados, das províncias e dos departamentos, e dos governos nacionais, criando
uma governança multinível que se estende para a esfera internacional.
A Comissão de Direito Internacional da ONU trabalhou vinte e um anos na elaboração
de um Projeto de Artigos sobre o Direito de Utilização dos Cursos d´Água Internacionais
para Fins Distintos da Navegação que, em 1994, foi submetido à consideração da Assembleia
Geral da ONU e, em 1997, aprovado por 103 países, na forma de Convenção. (SOARES,
2001)
Importante ressaltar que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito de
Utilização dos Cursos d´Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação (1997)
adotou, em seu artigo 2º, alíneas “a” e “b”, as seguintes definições:
(b) Curso d´água internacional significa um curso d´água cujas partes estão situadas
em diferentes Estados;
55
Segundo Paulo Affonso Leme Machado, “a convenção não inseriu o conceito de
‘bacia hidrográfica’ como o sistema escolhido para a gestão dos cursos de água
internacionais”, porém “a opção pela noção de ‘conjunto unitário’ enseja uma gestão
adequada se houver boa-fé e cooperação dos Estados ribeirinhos de um curso d´água
internacional” (MACHADO, 2009, p. 248).
O ponto crucial deste conceito de conjunto unitário é a real mudança de entendimento
de que rios internacionais não são apenas os rios transfronteiriços e fronteiriços, conforme a
visão do Itamaraty. Ou seja, ao se adotar o conceito da Convenção de 1997, os Rios Paranaíba
e Grande também passariam a ser rios internacionais, na medida em que estão inseridos em
um conjunto unitário que tem como término comum o Estuário do Prata, conforme se vê na
figura2.
56
Figura 2 – Bacia do Prata
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Questão_do_Prata
57
Outro ponto a se salientar é o fato de que, na medida em que as normas vão se
consolidando, a partir de regimes internacionais4 criados numa esfera regional, a pressão vai
sendo criada sobre aqueles Estados que ainda não haviam pensado na solução para seus
problemas de gestão hídrica. Por outro lado, os países que já vinham desenvolvendo suas
legislações sobre o tema colaboram com a criação das normas internacionais.
No caso do Brasil, por exemplo, Ken Conca (2006) entende que a Lei nº 9.433/97 (Lei
Nacional de Águas) teve total influência pelo debate da ONU, que durou mais de 20 anos,
para construção da Convenção Internacional sobre as Águas Doces para Fins Distintos da
Navegação (1997), com adoção de certos princípios para sua gestão em território nacional.
No entanto, vale ressaltar que, na Bacia do Prata, somente o Paraguai foi signatário da
Convenção de 1997 da ONU, mas não o ratificou. Neste sentido, qualquer tentativa de se
levar adiante uma gestão compartilhada por todos os países platinos deve ser pensada a partir
das relações destes em face aos possíveis riscos e oportunidades, ou custos e benefícios, que
se percebem pela presença ou ausência de cooperação.
Outro ponto importante a se considerar quando abordamos o princípio do uso múltiplo
da água são os diversos interesses na disputa pelo seu uso ao longo de uma bacia hidrográfica.
De acordo com Brown et al. (2012), os países não são atores unitários e várias partes
interessadas podem estar envolvidas, de modo que é importante reconhecer nos estudos sobre
águas internacionais que as dinâmicas dentro de cada país influenciam as possibilidades de
cooperação.
Portanto, uma gestão compartilhada e institucionalizada não terá eficácia pela simples
assinatura de acordos ou tratados internacionais, entre os chefes de estado ou de governo, sem
que se leve em conta todos os atores envolvidos e interessados no uso dessas águas.
Ao pensarmos em uma bacia que está sendo compartilhada por diversos níveis de
governo, e por diversos setores não-governamentais em cada nível, é preciso ter a noção de
que um mesmo ator pode ter interesses que não estão numa mesma localidade, mas sim numa
mesma bacia, de modo que as suas atividades localizadas podem estar causando danos muito
além daquela sua localidade e afetando seus próprios interesses. Um exemplo disso seria um
governo municipal que pense em construir uma barragem para garantir a vazão de consumo
na sua cidade e, com isso, afete o potencial hidrelétrico da usina que esteja mais a jusante, na
mesma bacia, e que é a fonte de energia para aquela cidade.
4
Román (1998, p. 65) propõe que os regimes internacionais sejam definidos como “instituições sociais
compostas de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, previamente acordados, que
pretendem governar, ou governam, a interação dos atores em áreas temáticas específicas”.
58
Conforme José Galizia Tundisi:
Ademais, qualquer abalo nas relações diplomáticas de dois ou mais países pode ser
uma ameaça às suas seguranças nacionais. Ao tomarmos o caso da crise hídrica no Brasil, e
considerando que, além da seca no Rio Tietê – que já é motivo para preocupações no Rio
Paraná –, podemos visualizar uma seca nos Rios Paranaíba e Grande, cujas nascentes estão
próximas à nascente do Rio São Francisco (que já enfrenta grave escassez), pode-se imaginar
que as tensões entre os estados federados passarão a ser tensões internacionais, gerando falta
d´água no Paraguai, na Argentina e, talvez, no Uruguai. Ainda que se possa dizer que isso seja
mais difícil de ocorrer por conta de termos a Bacia do Paraguai contribuindo para uma vazão
d´água suficiente, não se pode trabalhar somente com os cenários mais favoráveis.
Numa visão prospectiva, ao se trabalhar com todos os cenários possíveis – dos mais
favoráveis aos mais catastróficos –, têm-se a possibilidade de estratégias pró-ativas5 ou pré-
ativas6, e não reativas7. Dessa forma, para se evitar qualquer tensão internacional que ameace
a segurança nacional, deve-se preparar com antecedência a gestão da Bacia do Prata e, a partir
de uma governança multinível com visão sistêmica.
Conforme podemos perceber pelas normas internacionais, e até mesmo pela legislação
brasileira, a gestão de uma bacia hidrográfica se faz com a participação de diversos atores,
públicos e privados, incluindo a sociedade civil, empresas, organizações internacionais e
gestores públicos. Além disso, conforme ressalta Wagner Ribeiro, “uma bacia hidrográfica
pode englobar diversas unidades territoriais, como a da própria bacia, e outras de caráter
administrativo, como a municipal, a estadual e até a internacional” (RIBEIRO, 2008, p. 31).
5
Estratégia pré-ativa diz respeito ao preparo para mudanças previsíveis.
6
Estratégia pró-ativa diz respeito à ação para provocar mudanças desejadas.
7
Estratégia reativa diz respeito a agir com urgência para a solução do problema.
59
Neste sentido, os atores vinculados a uma gestão hídrica podem ser municipais,
estaduais, federais e, até mesmo, internacionais, como é o caso, por exemplo, das bacias do
Paraná, Paraguai e Uruguai, todas inseridas na Bacia do Prata.
De acordo com aquilo que a Convenção da ONU sobre as Águas Internacionais para
Fins Distintos da Navegação estabeleceu como base conceitual para a gestão dos cursos
internacionais, é preciso se pensar a bacia hidrográfica dentro de uma visão sistêmica, tal
como elucida Aldo Rebouças:
60
Importante notarmos que o Sistema Cantareira constitui obras de barragens e
transposição de rios, que estão afetando o abastecimento de água da Região Metropolitana de
Campinas e, somado com o problema da crise hídrica no Estado de São Paulo, está chegando
a afetar todo o funcionamento da hidrovia Tietê-Paraná, por falta de uma vazão mínima ao
longo do curso do Rio Tietê.
Assim sendo, se a crise no Estado de São Paulo ainda não afetou o Paraguai e a
Argentina, pode-se traçar um cenário prospectivo no qual a possibilidade de isso acontecer
seja uma surpresa inevitável, até mesmo porque o que está acontecendo em São Paulo, nas
bacias do Alto Tietê, do Paraíba do Sul e do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, já está sendo
previsto, por especialistas em hidrologia, para acontecer nos Rios Paranaíba e Grande, que são
os formadores do Rio Paraná.
Enfim, ao se falar em gestão das águas internacionais, é preciso considerar o fato de
que, em cada território nacional, a bacia internacional está fragmentada em diversas sub-
bacias, cujas gestões podem estar sendo conduzidas de forma diferenciada, por leis nacionais,
além da participação de diversos outros atores subnacionais, públicos e privados.
Portanto, ao se fazer uma análise da Bacia do Prata, percebe-se os efeitos sistêmicos
de alguns problemas que vem ocorrendo, como é o caso do Sistema Cantareira, apontando
para as possíveis tensões internacionais que podem decorrer de futuros problemas em outros
pontos da bacia para além da fronteira, o que nos faz pensar na necessidade de uma gestão
integrada, com base na governança multinível.
No entanto, ao se pensar na participação de diversos atores subnacionais, é preciso
estar ciente de que os interesses são diversos, às vezes contrastando aqueles do governo
federal com os dos governos estaduais e municipais. Conforme apresentamos, no caso
brasileiro, a disputa pela água numa visão estadual diante da crise hídrica pode ter seu
impacto nos interesses nacionais de manter uma relação estável com os países ribeirinhos, de
modo a garantir a segurança nacional e o processo de integração regional.
Ou seja, sem a visão sistêmica de uma bacia hidrográfica internacional, pode haver um
risco local (falta de água no Estado de São Paulo e em Minas Gerais) que resulte na ameaça às
oportunidades e benefícios dos demais países ribeirinhos, causando uma pressão sobre o
governo federal brasileiro para a cooperação internacional.
Portanto, a pressão por uma gestão bem feita pode evitar uma crise e trazer um novo
modelo de gestão integrada de bacias hidrográficas, evitando um conflito internacional na
Bacia do Prata. Neste sentido, ao tomarmos como alerta o que já aconteceu no Estado de São
61
Paulo,o simples início de uma crise hídrica na região do Triângulo pode ser visto como um
fato portador de futuro que não chegará às consequências “catastróficas” de uma tensão
internacional, se a gestão nas Bacias dos Rios Paranaíba e/ou Grande for conduzida de forma
a evitar que o problema atinja as mesmas dimensões do Sistema Cantareira.
Por outro lado, se não chegarmos a um entendimento de como fazer uma gestão bem
feita nas bacias do Triângulo Mineiro, é inevitável uma crise hídrica, que, por sua vez,
ultrapassará as fronteiras nacionais, sem se saber a que ponto de gravidade isso pode chegar
como crise internacional, surpreendendo os países da bacia, mais especificamente, o Brasil.
Ou seja, a falta de uma ação preventiva, conduzida por uma boa gestão das sub-bacias dos
Rios Paranaíba e Grande, deixará a crise internacional como uma surpresa inevitável, na visão
prospectiva que se fizer após a crise hídrica ser reproduzida no Triângulo da mesma forma
como ocorreu no Sistema Cantareira.
Portanto, ainda estamos vivendo um período no qual a semente de futuro que conduz a
um cenário favorável pode ser a escolhida.
9. Conclusão
62
No entanto, ainda que possa haver uma inserção internacional local sem a participação
dos agentes públicos municipais, ela terá um impacto muito maior no desenvolvimento da
cidade se houver, também, uma paradiplomacia trabalhada como política pública estratégica,
que articule a participação de todos os atores envolvidos neste processo de
internacionalização e cujo objetivo seja atender aos interesses da cidade a partir de uma visão
de médio e longo prazo.
Enfim, mesmo que haja interesses locais pré-determinados que motivem os atores
subnacionais públicos a exercer uma paradiplomacia, os resultados só serão possíveis a partir
de uma governança multinível, envolvendo atores privados e públicos de todas as esferas de
governo.
63
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66
ANEXOS
67
68
69
Entrevista com Fábio Pergher
Presidente da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia-MG (ACIUB)
Uberlândia, 20 de abril de 2015
70
3) Você diria que a ACIUB conduz a região pensando no plano internacional em termos
de fazer parcerias?
No plano internacional, não. Mas, a gente ajuda bastante, porque tem iniciativas
também de várias cidades aqui da região que são louváveis, pois está todo mundo tentando se
virar. E eu acho que parcerias no plano internacional têm uma visão um pouco mais macro
em vez de pensar só no micro.
4) Segundo a tese do Novo Regionalismo, as cidades de uma região não competem entre
elas, mas elas se juntam para competir lá fora. Acontece isso aqui no Triângulo?
Sim, e até demais. Esse regionalismo hoje já está dentro de um grau em que ele
passou a ser o próprio país. Vou te dar um exemplo bastante interessante: o álcool. As usinas
de Minas não competem com as usinas de São Paulo ou de Goiás. Nós estamos tentando
exportar álcool há muito tempo competindo com o álcool do milho dos Estados Unidos,
competindo com o álcool do açúcar de beterraba produzido na Europa.
71
6) Qual a relação da ACIUB com a Prefeitura Municipal de Uberlândia, na busca por
novos meios de desenvolvimento ou nas relações da cidade com outros atores
internacionais, sejam eles públicos ou privados?
A ACIUB tem uma boa relação com a Prefeitura. Mas, eu acho que a visão da
Prefeitura está muito apegada na municipalidade e ela deveria ter uma visão mais mundial.
Nem regional tem, quem dirá mundial? Então, era preciso tentar trazer empresas de fora
para empreender aqui dentro, nós tínhamos que estar trazendo grandes corporações
estrangeiras.
8) Falta alguma relação da ACIUB com o governo do Estado de Minas Gerais ou com o
governo federal? Essa relação faz alguma ponte com o exterior?
Não falta a relação, mas falta atitude dos órgãos governamentais. Nós queremos,
lutamos pelo desenvolvimento. Então, como é que lutamos pelo desenvolvimento? Lutamos
para que haja as condições propícias para que as empresas frutifiquem, ou seja: não
aumentar impostos demais, dar infraestrutura, ajudar as vias de transporte a serem ágeis,
seguras e rápidas, facilitar o escoamento da produção. Então, isso tudo é o papel da ACIUB,
mas hoje nós temos que estar brigando com muita coisa e parece que as vaidades não deixam
as coisas acontecer. Um exemplo disso é o polo de tecnologia de Uberlândia-MG, que está
há12 anos sem sair do papel. A ACIUB já falou: “dê a área para nós, deixe que nós
administremos”. Então, esse país que nós estamos fazendo hoje nunca vai ser competitivo
mundialmente. Nossos portos sucateados, nossas rodovias, 30% da nossa produção fica na
estrada. Um país de dimensão continental, embasar sua logística em rodoviário? Cadê os
nossos trens?
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10) Se a paradiplomacia pública estivesse funcionando, então todos esses órgãos, como
o Uberlândia Convention &Visitors Bureau, estariam trazendo resultados?
Lógico! Com muito mais força.
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Entrevista com a Profa. Dra. Raquel Santini Leandro Rade
Diretora de Relações Internacionais e Institucionais da UFU
Uberlândia, 7 de maio de 2015
2) A ida de alunos e professores brasileiros para outros países tem significado uma
“propaganda” da cidade de Uberlândia e despertado novos interesses de
investimento estrangeiro na cidade?
Em parte. Trazer novas empresas para Uberlândia eu acho que não, porque aí já é
uma parte mais política, de liberação de impostos, etc. Mas, para a cidade como turismo e
interesse de vinda de mais estudantes estrangeiros, sim. Por quê? Pela qualidade de vida que
se tem em Uberlândia, pelo custo de vida, pela relação custo-benefício da cidade de
Uberlândia comparado às capitais. Então, este é um ponto atrativo. Apesar de Uberlândia
estar no cerrado, no meio do Triângulo Mineiro, no centro do país, a gente consegue lá fora,
quando vai divulgar a Universidade, fazer uma publicidade da própria cidade, e com isso
temos atraído muitos estudantes para Uberlândia. Eu até brinco muito: Uberlândia não tem
praia, mas tem o Praia Clube. Aí eu mostro as fotos do Praia, fotos da cidade, mostro a
logística da cidade. E, assim, a gente tem apoio de alguns setores, inclusive aqui, para
arrumar estágio para os estudantes. Porém, muitas empresas, além da Prefeitura, ainda não
são abertas para receber estudantes estrangeiros.
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4) Considerando o fato de a UFU ser uma instituição federal, é possível dizer que ela
faz uma ponte entre os níveis local e federal, pensando em termos de
desenvolvimento científico e tecnológico por meio de mobilidade internacional, ou de
integração com países africanos?
Sim. O Ministério das Relações Exteriores e o MEC têm trabalhado muito em
parceria com as universidades federais. A gente tem recebido muitos estudantes, não só do
continente africano, vindo fazer toda a graduação. Inclusive, a gente já observou um
processo que tem 50 anos: os angolanos já estão autossuficientes, já formaram tantos alunos
aqui no Brasil, que eles não precisam mais mandar graduandos. E já estão começando a
inverter, mandando para fazer os mestrados e os doutorados. E esses ex-alunos da África que
passaram pelo Brasil, hoje estão ocupando posições dentro do governo deles. É interessante:
eles estão numa secretaria de educação ou são ministros. Então, a passagem pelo Brasil
enriqueceu. Nós não recebemos só estudantes vindos da África, mas também da região, como
Paraguai, Bolívia, Venezuela, Equador. Está havendo uma criação de regionalidade com a
América Central também.
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em conjunto. O problema é os alunos deles virem para cá. Sempre no começo vai ser assim:
são mais os nossos alunos indo do que nós, aqui, recebendo. Porque serão os nossos alunos
que serão os “embaixadores”, mostrando o que é a Universidade, a cidade, a região e o país,
e motivando-os a virem para cá. Foi assim com a França e hoje estamos com muitos
franceses.
8) A Prefeitura tem colocado como estratégia uma maior aproximação com a UFU, no
sentido de desenvolver políticas públicas. Como a DRI/UFU poderia ajudar a
Prefeitura no desenvolvimento de uma paradiplomacia pública municipal,
considerando sua experiência em parcerias internacionais?
Uma pergunta bem difícil, pois os focos são diferentes. Nós estamos mais preocupados
com a academia, com a inovação, com a tecnologia, mas em termos de pesquisa. Esta nossa
pesquisa pode ser aplicada na prática ou não. Do lado da Prefeitura, está o lado
administrativo, dar uma visibilidade internacional. Então, eu acho que a gente pode entrar
em uma parceria com a Prefeitura em um mesmo sentido, igual foi a viagem para a China.
Nós fomos, teve todo o enfoque das prefeituras com prefeituras e, dentro do programa, das
universidades com as universidades. Esse negócio com a China deu resultado. Eu acho que se
a Prefeitura e a Universidade firmarem essa parceria e forem atrás de novos convênios,
novas visitas, nós não precisamos fazer irmandade. Mas, ao visitar as áreas de interesse
juntas, acho que uma complementa a outra, porque a Universidade é um ponto forte da
cidade, ela traz muitos estudantes. E, por outro lado, a gente usa a cidade para ser um ponto
atrativo para trazer estudante. Eu acho que tem que ter um “casamento” da Prefeitura com a
Universidade. Não só com a UFU, tem que ser com todas as universidades da cidade. Eu
acho que uma complementa a outra, uma sozinha não vai fazer nada. E se você vir no cenário
nacional hoje, apesar da UFU estar no interior, é uma das universidades que mais recebem
aluno estrangeiro, porque a gente faz um trabalho de mostrar o que é a cidade de
Uberlândia.
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Entrevista com Rodrigo Perpétuo
Chefe da Assessoria de Relações Internacionais do Governo de Minas Gerais
Belo Horizonte, 3 de junho de 2015
6) De acordo com seus objetivos específicos, qual a visão que o governo estadual, junto
com a Assessoria de Relações Internacionais, tem da Região do Triângulo Mineiro?
O Triângulo Mineiro é uma região muito importante para Minas Gerais, para a sua
economia e o seu desenvolvimento. Então o governo mineiro percebe o Triângulo como um
ativo estratégico para o Estado. No caso das relações internacionais, nós vamos começar o
trabalho por aquelas regiões que já tem uma vocação e que já tenham iniciado estas
relações, até para quando chegarmos a outras regiões sem esta experiência, nós termos
referências para os que estão começando. O Triângulo Mineiro tem experiência na produção
do conhecimento científico, tem um trabalho ligado à agricultura, um setor de serviços com
um potencial muito grande. Então, ele dialoga muito com a proposta do Governo Pimentel de
priorizar, manter e aperfeiçoar aqueles setores econômicos que são tradicionais para a
economia mineira, e incrementar a participação do estado em setores que demandam um
maior estímulo. O Triângulo demonstra ser uma região onde se encontra uma economia de
valor agregado diferente da economia mineira tradicional, tal como o setor aeroespacial, e
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que precisa de um diálogo com o internacional, de modo que o Estado se vê na obrigação de
criar essa ligação.
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que é um caminho interessante para o desenvolvimento local. Então, na nossa filosofia, a
internacionalização é um trabalho em parceria com os municípios.
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