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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO

MESTRADO EM ENSINO DE HUMANIDADES E LINGUAGENS

MAGDALE MACHADO CATELAN

A INFLUÊNCIA DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA

NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Santa Maria, RS

2018
MAGDALE MACHADO CATELAN

A INFLUÊNCIA DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO ENSINO


DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Mestrado


Acadêmico em Ensino de Humanidades e
Linguagens da Universidade Franciscana de
Santa Maria, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Ensino de
Humanidades e Linguagens.

Orientador Prof. Dr.: LEONARDO GUEDES HENN


Co-orientadora Profª. Drª. FERNANDA FIGUEIRA MARQUEZAN

Santa Maria, RS

2018
C358i Catelan, Magdale Machado
A influência das políticas neoliberais no ensino de
história nos anos finais do ensino fundamental / Magdale
Machado Catelan ; orientação Leonardo Guedes Henn ;
coorientação Fernanda Figueira Marquezan – Santa Maria :
Universidade Franciscana – UFN, 2018.
91 f.

Dissertação (Mestre em Ensino de Humanidades e


Linguagens) – Mestrado em Ensino de Humanidades
e Linguagens – Universidade Franciscana - UFN

1. Políticas Neoliberais 2. Escola 3. Ensino 4. BNCC


5. PCNs I. Henn, Leonardo Guedes II. Marquezan,
Fernanda Figueira III. Título.

CDU 37
Elaborada pela Bibliotecária Eunice de Olivera CRB/10 - 1491
4
5

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente а Deus, pоr ser essencial еm minha vida, autor do
mеu destino, mеu guia, socorro presente nа hora dа angústia; ао mеu pai João Batista Catelan,
à minha mãе Maria Luisa Catelan е ао meu irmão e cunhada.
Aos meus filhos Karine e João Pedro, aos enteados, e não menos importantes,
Dianiséli, Dianerson, Dianelise, Dyalisson. E ao meu grande companheiro, Deonir Trindade
Maurer.
AGRADECIMENTOS

Quando olhamos para o lado e vemos alguém que está sempre presente, uma pessoa
que nunca nos deixa desanimar, só podemos estar gratos. Amigos que nos dão palavras de
coragem e que lutam para nos ver felizes são raros hoje em dia. E eu tive a sorte de encontrar
vocês, luz para meu caminho e tesouro para meus dias.
Torço para que o futuro permita a vocês alcançarem todos os seus sonhos. Muita paz e
amor é o meu sincero desejo para suas vidas. Jamais esquecerei tudo o que fizeram por mim.
Nossa amizade é um verdadeiro privilégio que eu quero continuar a estimar.

Alice, Cristiano, Glaucia, Isis, Joseane, Rodrigo, colegas bolsistas.


Roselaine Casanova Correa, Elsbeth Léia Spode Becker, Leonardo Guedes Henn,
Fernanda Figueira Marquezan professores que estiveram sempre ao meu lado.
Muito obrigada a todos.
RESUMO

Os processos neoliberais sofreram modificações e novas idealizações no decorrer da História,


de modo que influenciaram diretamente os processos socioeducativos, assim como os
políticos e estatais. Pensando nessa consideração, esta pesquisa investiga as influências
neoliberais nas políticas curriculares públicas do Brasil, com foco no ensino de História.
Desta forma, tem-se como objetivos estudar os currículos Nacionais Brasileiros; verificar as
mudanças no ensino de História a partir da Base Nacional Comum Curricular (2016);
identificar as semelhanças entre os documentos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e a
Base Nacional Comum Curricular (2016), e por fim, estabelecer se há relação entre as
políticas neoliberais e o currículo comum proposto às escolas. O tipo de pesquisa é de cunho
bibliográfico, pois permite aos pesquisadores conhecer o que foi publicado sobre o objeto de
estudo, uma vez que se dá a partir do levantamento de referenciais teóricos, como livros,
artigos científicos. Aliada à pesquisa bibliográfica, empregou-se a pesquisa documental,
recorrendo a fontes mais diversificadas, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas,
relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, relatórios de empresas. A
conclusão, portanto, é que as políticas públicas, tendo em vista a busca pela melhoria da
qualidade de ensino, devem se voltar inicialmente para a redução das assimetrias sociais,
enquanto as políticas educacionais precisam considerar que um ensino de qualidade se faz em
condições materiais adequadas, e com um professor preparado para enfrentar os desafios da
educação.

Palavras-chave: Políticas Neoliberais. Escola. Ensino. BNCC. PCNs.


8

ABSTRACT
The neoliberal processes underwent changes and new idealizations throughout history, so that
they directly influenced socio-educational processes, as well as political and state processes.
Thinking of this consideration, this research investigates the neoliberal influences in the
public curricular policies of Brazil, focusing on the teaching of History. In this way, the
objectives are to study Brazilian National curricula; to verify the changes in the teaching of
History from the National Curricular Common Base (2016); to identify the similarities
between the National Curricular Parameters (1997) and the National Curricular Common
Base (2016), and finally, to establish if there is a relation between neoliberal policies and the
common curriculum proposed to schools. The type of research is of a bibliographic nature,
since it allows the researchers to know what was published about the object of study, since it
is based on the survey of theoretical references, such as books, scientific articles. Allied to the
bibliographical research, documentary research was used, using more diversified sources,
such as: statistical tables, newspapers, magazines, reports, official documents, letters, films,
photographs, paintings, company reports. The conclusion, therefore, is that public policies, in
view of the quest for the improvement of the quality of education, should initially focus on
reducing social asymmetries, while educational policies need to consider that quality
education is done under material conditions appropriate, and with a teacher prepared to meet
the challenges of education.

Keywords: Neoliberal Policies. School. Teaching. BNCC. PCNs.


9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 10
2 NEOLIBERALISMO E ENSINO..................................................................................... 15
3 NEOLIBERALISMO NO BRASIL.................................................................................. 27
4 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO..................... 34
5 O CURRÍCULO NO ENSINO DE HISTÓRIA E AS POLÍTICAS
CURRICULARES.................................................................................................................. 42
6 METODOLOGIA............................................................................................................... 45
6.1 CARACTERIZAÇÕES DA PESQUISA........................................................................... 45
6.2 TIPO DE PESQUISA E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS............................................... 45
6.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE.................................................................................. 46
7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS......................................................................... 48
7.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) PARA O ENSINO
FUNDAMENTAL.................................................................................................................... 48
7.2 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC).................................................. 50
7.3 RECORRÊNCIA E INTENCIONALIDADE DOS VERBOS REFERENTES AO
ENSINO DE HISTÓRIA, NOS PCNS E NA BNCC DO 6º AO 9º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL............................................................................................................... 53
7.4 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS A SER DESENVOLVIDAS NOS PCNS E NA
BNCC PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL.................................................................................................................... 61
7.5 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA NOS PCNS E NA BNCC.......................... 65
8 RESULTADO DAS ANÁLISES DOS PCNs E DA BNCC............................................. 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 82
10

1 - INTRODUÇÃO

Os processos neoliberais sofreram modificações e novas idealizações no decorrer da


História, de modo que influenciaram diretamente os processos socioeducativos, bem como as
políticas estatais. Diante disso, esta pesquisa tem como intuito investigar as influências
neoliberais nas políticas curriculares públicas no Brasil, com foco no ensino de História.

Desta forma, os objetivos são: pesquisar os currículos Nacionais Brasileiros; verificar


se o ensino de História foi prejudicado pela implantação da Base Nacional Comum Curricular
(2016); identificar se há alguma semelhança entre os documentos “Parâmetros Curriculares
Nacionais” (BRASIL, 1997) e a “Base Nacional Comum Curricular” (BRASIL, 2016), e, por
fim, estabelecer se há relação entre as políticas neoliberais e o currículo comum proposto às
escolas.
O tipo de pesquisa é de cunho bibliográfico, o qual permite aos pesquisadores
conhecerem o que já foi estudado e publicado sobre o objeto de estudo, uma vez que se dá a
partir do levantamento de referenciais teóricos já analisados e referenciados por meios
escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, entre outros (FONESCA, 2003).

Aliada à pesquisa bibliográfica, empregou-se a pesquisa documental, pois seguem os


mesmos caminhos e esta recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento
analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais,
cartas, filmes, fotografias, pinturas, relatórios de empresas (FONSECA, 2003).

Desse modo, por ser uma pesquisa bibliográfica e documental, o corpus constitui-se
dos seguintes documentos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394\96
(BRASIL, 1996), Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – História
(BRASIL, 1997) e Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016). Como subsídio
teórico, apoiou-se nos seguintes autores: Apple (2006; 2008), Santomé (2003; 2013), Gramsci
(2001), Akkari (2011), Freire (1982), Andreoli (2002), Gadotti (1983) e Sanders (2011).

Como procedimentos de análise, empregou-se a Análise Textual Discursiva (ATD),


pois se caracteriza como uma abordagem de análise de dados “[...] que transita entre duas
formas de análise de pesquisa qualitativa, que são a análise de conteúdo e análise de discurso”
11

(MORAES; GALIAZZI, 2006, p. 118). Pensa-se, também, na necessidade de estudar o texto


com o contexto, conhecendo os elementos internos e a valorização externa do discurso.

A necessidade de investigar sobre uma possível influência do sistema econômico


vigente, no currículo escolar das escolas públicas brasileiras, justifica-se a partir da percepção
dos conteúdos trabalhados nas escolas, que foram observados durante os estágios curriculares
realizados na graduação em História, e também pelas leituras realizadas a respeito de
currículo, tais como Apple (2003, 2008), Santomé (2006) e Freire (1982).

Nessa perspectiva, estudar se há possíveis influências neoliberais, nas políticas


curriculares brasileiras, pode contribuir para a formação de pensamentos mais críticos e
identificar de que maneira o educador pode exercer sua função pedagógica, de modo que
realmente venha formar um educando crítico e consciente de seus direitos e deveres de
cidadão. Penso que não podemos ficar omissos em relação ao futuro dos educandos e da
educação brasileira. Deste modo, concorda-se com a visão de Paulo Freire (1982) (1986)
(1987) (1996), ainda mais quando ele propõe formarmos alunos conscientes de seu papel
social.

O neoliberalismo pensa uma sociedade com pouca participação do Estado na


sociedade, atingindo, inclusive, a educação. Pressupor uma educação com características
neoliberais, com ênfase mercadológica, na competitividade e no mais novo elemento, o
empreendedorismo, faz com que os conceitos se direcionem para a descentralização do Estado
(AKKARI, 2011). Esse modelo de ensino deixa, em segundo plano, temas importantes, como
gênero, etnia, cultura, política, economia, entre outros, colocando-os apenas como temas
transversais, provindos com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que
começaram a ser elaborados em 1995 e foram concluídos em 1997.

Os PCNs são elaborados como orientação curricular para os sistemas de ensino, e as


escolas precisam elaborar seus currículos, nas diferentes áreas do conhecimento, bem como
buscar nortear diferentes temas, por exemplo: ética, pluralidade cultural, orientação sexual e
meio ambiente, de maneira transversal às áreas e aos conteúdos escolares. Todavia, essas
temáticas acabam sendo trabalhadas em datas específicas ou de forma ineficiente e não
conscientizadora, além de se tornarem práticas desconectadas do currículo oficial, que tem
ênfase nos conteúdos das disciplinas.
12

Do mesmo modo, serão examinadas as questões que envolvem o currículo, sabendo


que no Brasil, o currículo oficial da escola pública é criado por órgãos governamentais. O
responsável por esta ação é o Ministério da Educação (MEC). O MEC sofre interferência das
políticas dos governos vigentes no país. Por ser um Ministério, com responsáveis sendo
nomeados pelo governo, é lógico pensar que a ideologia hegemônica modifique as políticas
educacionais públicas. Assim, pensa-se sobre o o momento em que são criadas as políticas
públicas curriculares, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e a Base Nacional
Comum Curricular (2016), fontes e objetos desta pesquisa.

Entende-se como políticas públicas a efetivação e regulamentação dos documentos


norteadores da educação pública. Elas agem disponibilizando financiamento, controlando a
execução das orientações dadas, através da gestão das instituições de ensino e, por fim,
articulando relações entre a economia e a sociedade. Nesta lógica, a educação depende do
pensamento econômico vigente no país, que se caracteriza pelo tipo de governo que está no
poder, para avançar ou retroceder enquanto organização do currículo (AKKARI, 2011).

Diante disso, buscou-se teóricos que embasam essas questões, como Althusser (2003),
que descreve a escola como um dos principais aparelhos ideológicos do Estado. Por outro
lado, Gramsci (2001) não considera que a escola reflita a esfera econômica de um Estado,
conceituado pelo autor como uma predominância ideológica de valores e normas burguesas
sobre as classes subordinadas, e, sim, tem a possibilidade de mudar com consciência por meio
de incentivo utilizado pelos professores durante suas aulas.

Nesse contexto, somando as reflexões teóricas, há Apple (2006), que vai ao encontro
das mesmas ideias de Althusser, apresentando as instituições de ensino como um dos maiores
mecanismos pelos quais o poder se mantém, ou, então, é enfrentado. O autor converge com as
ideias de Gramsci (2001), e ainda afirma que existem conflitos, dentro da escola, entre os
grupos dominantes e os subalternos. Segundo o autor, os grupos dominantes tentam se
associar aos elementos que formam o bom senso das pessoas, e, assim, colocá-las sob sua
liderança (APPLE, 2008).

Sobre o sistema Neoliberal, pode-se defini-lo como um conjunto de ideias políticas e


econômicas capitalistas, que defende a não participação do estado na economia, “e que advém
do Liberalismo Econômico, uma doutrina política que, utilizando ensinamentos da ciência
13

econômica, procura enunciar quais os meios a serem adotados para que a humanidade, de uma
maneira geral, possa elevar o seu padrão de vida” (STEWART JR, 1995, p. 6).

No Brasil, o Neoliberalismo foi adotado abertamente a partir do governo do Presidente


Fernando Henrique Cardoso, em 1995, quando houve várias privatizações e a criação da nova
moeda brasileira, o Real, que teria valor equivalente ao Dólar. Com essa nova visão
econômica aconteceu a internacionalização das Políticas Públicas, que pode ser observada nos
seguintes aspectos: descentralização, privatização, redução de gastos no ensino público, e com
isso os professores passaram a prestar conta de suas ações de forma a apresentar resultados,
como se a escola fosse uma grande empresa.

Portanto, esta investigação se faz pertinente e necessária a partir do cenário de ensino


apresentado nos dias atuais, o qual se relaciona com a comunidade escolar, como se os
envolvidos fossem todos seus clientes, dando menor ênfase para uma educação voltada à
cidadania e ao desenvolvimento humano do indivíduo. Discutir a educação do país significa
reagir a esse processo de criação e recrutamento de mão de obra específica, que tenta se
programar na escola desde sua criação.

Assim, a pesquisa para o campo da História possui extrema relevância no sentido de


contribuir para a reflexão do processo de construção do currículo escolar no Brasil. É
importante ressaltar que, desde a graduação em História, essa temática é foco de pesquisa.

Na área das Ciências Humanas se faz necessário refletir sobre as forças políticas que
exercem pressões sobre a sociedade. Nesse entendimento, Apple (2006) considera que a as
forças dominantes agem diretamente na escola pública, objetivando uma escola sem relação
de contato entre pais e comunidade escolar. No entanto, percebe-se como primordial discutir
sobre as necessidades de criar maneiras de relacionamento entre a escola e a comunidade que
sejam democráticas. Entende-se, também, ser necessário compreender a trajetória da educação
brasileira e as influências que ela recebe, por meio das políticas públicas, na criação do
currículo. Além disso, pontua-se ser substancial este tipo de discussão durante a trajetória
docente e da formação da sociedade. Para entender essa dinâmica, os temas sobre políticas
públicas e currículo serão detalhados no decorrer desta pesquisa.

Dessa forma, esta pesquisa está estruturada assim: o primeiro capítulo disserta sobre
os processos neoliberais, demonstrando como essa ideologia foi inserido no ensino. No
segundo capítulo, é abordada a maneira como o neoliberalismo chegou ao Brasil, por qual
14

porta e como rapidamente se instalou no Brasil. No terceiro capítulo, há reflexões sobre o


currículo, como ele surge, a quem ele serve, como foi e é utilizado para introduzir modelos,
estereótipos e opiniões. Cabe avaliar que as interferências dessa ideologia não se limitam ao
ambiente escolar, ela “ganha” as famílias, os bairros, as cidades, os estados, enquanto se
mantém vivos e enraizados pensamentos elitizados que teimam em renascer de várias formas
e novas fontes.

O quarto capítulo, por sua vez, apresenta o currículo no ensino de história no Brasil,
refletindo-o de acordo com a dinâmica social e política que marcou o país ao longo do tempo.
O quinto capítulo seis refere-se à metodologia da pesquisa aplicada neste estudo, o qual é
qualitativo, de cunho bibliográfico e realizou-se por meio da análise textual discursiva. Já o
sexto e sétimo capítulos se preocupam com as análises das fontes desta pesquisa. Cabe, então,
ao sétimo capítulo apresentar os resultados. No sexto capítulo, especificamente, encontram-se
informações sobre a Base Nacional Comum Curricular, dados de quando se iniciou essa
discussão, os procedimentos para sua criação até sua fase de aprovação.
2 - NEOLIBERALISMO E ENSINO

Percebe-se que, nos dias atuais, os recursos para a educação são mínimos, e isso limita
a ação dos professores e o aperfeiçoamento das camadas sociais que mais utilizam desse
serviço. Apesar da grande necessidade de recursos para uma educação de qualidade,
valorização do ensino, os investimentos passam a ser reduzidos em vista de outras demandas
da sociedade, porque a política do governo convém valorizar mais uma área do que outra.

Neste sentido, o ambiente escolar está intimamente relacionado e comprometido com


estes investimentos. Pensando assim, estes influenciadores externos pautam, limitam e
delimitam o fazer educacional. Outro problema da relação do neoliberalismo com a educação
pública é o tipo e o nível de aperfeiçoamento do profissional da educação. As demandas
mercadológicas exigem pessoas que produzam muito, com baixo custo, obviamente. Na
educação esta lógica cria educadores que custam pouco, ou seja, com salários baixos.

Essa relação compromete o rendimento e a qualidade nas escolas. Assim, se faz


necessário retomar a caminhada da educação para entender que todo esse contexto influencia
diretamente o trabalho, dentro da sala de aula, na prática do professor. É interessante perceber
que a cada mudança ocorrida na estrutura política, econômica e social, a escola se reestrutura,
atendendo aos interesses da minoria dominante, o que afeta o currículo pensado para escola.

Passamos por vários modelos econômicos, como o agrário exportador, por volta de
1550; depois na década de 1860, quando o Brasil passou a ser um modelo comercial
exportador. No campo educacional, havia pouco investimento público, pois a perspectiva de
Portugal, até a independência, pelo menos, era o de extrair e lucrar com as riquezas do
território brasileiro. Mas, mais especificamente sobre a história da educação neste período, há
o estudo de Diana Vidal e Luciano de Faria Filho (2003, p. 40), que pontuou:

O primeiro livro voltado exclusivamente a narrar a história da educação


brasileira, L'Instruction publique au Brésil: histoire et legislation (1500-1889), de
José Ricardo Pires de Almeida, composto como elogio ao Império e publicado já no
fim do regime (em 1889), movia-se, da mesma forma, no âmbito das estatísticas e
continha objetivo semelhante: afirmar a liderança brasileira em termos educacionais.

Como é perceptível, as publicações a respeito da educação possuem valor ideológico.


No caso da publicação referida pelos autores, o objetivo era o de apontar o Brasil como uma
liderança regional no quesito educação. Entre o final do século XIX e início do XX, a
16

economia brasileira conheceu os primeiros incentivos à industrialização e mão de obra


tipicamente urbana, porém, retornando a um modelo agrário comercial, por volta do início do
século XX. Nesse momento, teve início a experiência de um modelo nacional de
desenvolvimento, por volta de 1955. Na época da ditadura civil-militar, iniciada em 1964,
essa atingiu diretamente a educação, chegando aos dias atuais em um modelo que se
contradiz, tentando ser independente, em alguns momentos, e, em outros, se afirmando como
uma estrutura excludente e conservadora. Em suma, como concluiu Ribeiro (1993, p. 28)

A história mostra que a educação escolar no Brasil nunca foi considerada como
prioridade nacional: ela serviu apenas a uma determinada camada social, em
detrimento das outras camadas da sociedade que permanecem iletradas e sem acesso
à escola. Mesmo com a evolução histórico-econômica do país (...); mesmo tendo, ao
longo de cinco séculos de história, passado de uma economia agrária-comercial-
exportadora para uma economia baseada na industrialização e no desenvolvimento
tecnológico; mesmo com as oscilações políticas e revoluções por que passou, o
Brasil não priorizou a educação em seus investimentos político-sociais e a estrutura
educacional permaneceu substancialmente inalterada até nossos dias, continuando a
agir como transmissora da ideologia das elites e atendendo de forma mais ou menos
satisfatória apenas a uma pequena parcela da sociedade.

Diante desse cenário, surge o difícil papel do professor, o qual tem que compreender o
momento em que se vive para poder refletir uma visão crítica e sensata. Relaciona-se esta
concepção de realidade com as ideias de Brito e Vasconcelos (2014), quando ele pensa na
tarefa de um educador:

tarefa de um educador: será o verdadeiro educador aquele que, a partir do mundo


que lê, do mundo no qual interage com visão crítica e reflexiva, passe a gerar
sementes para sua evolução por meio de suas ações como indivíduo e como agente
de transformação social. Deste modo, a tarefa do educador será aproximar-se,
criticamente, da sociedade que o cerca, buscando caminhos, não admitindo ideias
sem analisar ou ponderar, numa ampla visão que permita distinguir o certo do
errado, o verdadeiro do falso, considerando o discernimento e o equilíbrio, deixando
de lado aspectos secundários e selecionando o que é realmente pertinente e útil
(VASCONCELOS; BRITO, 2014, p. 181).

De acordo com Freire (1982), o educador deve ser crítico e reflexivo. A partir dessa
afirmativa, surgem algumas indagações: como ser um profissional reflexivo e crítico dentro
de um contexto dominador? De que forma aliar sessenta horas trabalhadas a uma reflexão
sobre a didática? Essas indagações fazem parte do contexto desta pesquisa, que discute as
possíveis influências recebidas pela escola, por meio da construção do currículo, e os
elementos contraditórios que se estabelecem a partir do modelo econômico e social vigente.
17

Na atualidade, o sistema neoliberal afeta diretamente a educação brasileira. Segundo a


Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96 (BRASIL, 1996), no Título
IV, denominado “Da Organização da Educação Nacional”, está destacado que, na distribuição
das competências entre as diversas instâncias de governo, a LDB (Lei de diretrizes e bases)
incumbe aos municípios à manutenção da educação infantil, garantindo, com prioridade, o
ensino fundamental. Aos Estados, por sua vez, cabe colaborar com os municípios na oferta de
ensino fundamental e manter com prioridade o ensino médio. À União, no exercício da
coordenação nacional da política da educação, compete prestar assistência técnica e financeira
aos Estados, Distrito Federal e munícipios, bem como, em colaboração com esses, elaborar o
Plano Nacional de Educação, entre outras atribuições.

Deste modo, a educação pública, no Brasil, é feita a partir do poder federal, estadual e
municipal. A escola sofre influência e interferência da ideologia política e econômica dessas
três esferas do poder. É justamente nesse item que se pode observar certa desunião desses
poderes, em detrimento de seus próprios objetivos, quando, na verdade, o único objetivo que
deveria importar a todos eles seriam a educação nacional.

Quando a União deixa de repassar verbas importantes para o Estado, em função de


acordos governamentais desfeitos ou algum atrito político, a educação é duramente afetada,
deixando de receber incentivos que tornaria, por exemplo, a categoria dos professores mais
valorizada, com melhores condições de trabalho e comprometida com o ensino. Nessa
perspectiva, discute-se acerca das possíveis questões que causam mazelas à educação e ao
ensino brasileiro, dentro dos pressupostos dos educadores como Freire (1982), Apple (2003;
2006; 2008), Santomé (2013), entre outros, que assumem uma postura crítica diante dos
modelos mercadológicos que se impõem. Uma das principais críticas é o distanciamento entre
as reais necessidades da educação, para o que realmente é praticado. Esse distanciamento
pode ser observado, segundo Michael Apple (2006), desde o currículo que, quando elaborado,
tende a refletir e perpetuar valores e cultura de quem tem maior poder econômico.

Na área da História, pode-se observar esse currículo quando são estudadas as grandes
revoluções, ou os conflitos de classe. Em tais ocasiões, geralmente, se dá mais ênfase àqueles
em que a classe burguesa está envolvida. Esse seria um tema para outra pesquisa, mas, ao se
observar melhor os textos didáticos, encontram-se pensamentos tendenciosos, nos quais se
afirma a burguesia como conquistadora de seu espaço, e os demais meros reprodutores sem
nenhum papel efetivo na sociedade. De acordo com isso, Apple (2006) evidencia que
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as escolas não apenas controlam as pessoas; elas também ajudam a controlar o


significado. Pelo fato de preservarem e distribuírem o que se percebe como
“conhecimento legítimo” – o conhecimento que “todos devemos ter” –, as escolas
conferem legitimidade cultural ao conhecimento de determinados grupos. Toda a via
isso não é tudo, pois a capacidade de um grupo tornar seu conhecimento o
“conhecimento de todos” se relaciona ao poder desse grupo em uma arena política e
econômica mais ampla (APPLE, 2006, p. 103-104. Grifos do autor).

Observando as ideias de Apple (2006), consegue-se pelo menos começar a entender o


porquê de as coisas acontecerem como acontecem; A realidade escolar enfrenta muitos
desafios e preocupações no contexto atual (AQUINO, 2007). Da série de problemas, cabe
salientar que muitas vezes os contextos familiares influenciam na evasão e no “sucesso”
escolar (MARTURANO, ELIAS, 2016). Em relação a violência e escola no Brasil, há o
estudo de Marilia Sposito (2001), que se preocupa em estudar as ações contra o patrimônio,
depredações, pichações e agressões. A autora conclui que faltam estudos neste sentido, apesar
desta série de problemas ser enfrentado em todo o Brasil.

A respeito desse tema, a escola possui dois tipos de pessoas internamente: uns são
educadores e outros são professores. Segundo Rubem Alves (1989), há uma distinção
importante dessas duas figuras intrínsecas ao cotidiano escolar.

Eu diria que os educadores são como velhas árvores. Possuem uma face, um nome,
uma história a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os
liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma entidade sui generis, portador de um
nome também de uma história sofrendo tristezas e alimentando esperança. E a
Educação é algo para acontecer neste espaço invisível e denso que se estabelece a
dois. Espaço artesanal. Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde
o educador pouco importa, pois o que interessa é um crédito cultural que o aluno
adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que para fins
institucionais, nenhuma diferença faz aquele que a ministra (ALVES, 1989, p.13.
Grifos do autor).

Rubem Alves (1989) ajuda a compreender esse universo dividido por crenças,
ideologias, políticas: a escola. Segundo Althusser (2003), ela é um aparelho ideológico do
Estado, onde não há brecha para um pensamento contrário ao imposto pela engrenagem que é
a escola. Os que apoiam essa ideia devem ser, para Rubem Alves (1983), os professores. Do
outro lado, estão os educadores e todos os que pensam ser possível, sim, reverter o
pensamento capitalista, elitista dentro da escola.
19

O educador sente seus alunos, os percebes como pessoas com dificuldades e


facilidades, mas é muito importante a conscientização política do educador. Freire (1996)
deixa claro que a educação é um ato político, que sempre é praticado a favor de alguém, de
um grupo, de algumas ideias, e consequentemente contra outro alguém ou grupo, bem como
contra outras ideias. O educador é alguém que deixa sua marca na educação. Com essa
afirmação, fica clara a possibilidade de os educadores construírem pensamentos de igualdade,
criticidade e consciências, que façam a diferença na vida de seus alunos.

Ao parar para refletir sobre a educação brasileira, pode-se constatar que ela vem,
desde muito tempo, sendo manipulada por modelos norte-americanos. Em 1920, nos EUA,
surgiu uma nova estrutura educacional, a Liberal Progressista ou Escola Nova, que chegou ao
Brasil em 1932, mas só foi efetivada a partir de 1960, com a chegada das grandes indústrias,
como a automobilística. Todas as áreas tiveram que se adaptar à tecnologia, inclusive a
escola, ficando explícita a influência do trabalho fabril no processo educacional. Foi o
momento em que surgiram novas profissões na área escolar, como o administrador, o
orientador e o supervisor, este último, semelhante como ocorre na indústria, supervisionando
o trabalho.

Com base nisso, pensa-se então acerca da ideologia na educação, se há um histórico de


subserviência às necessidades fabris; se hoje não se está fazendo a mesma coisa, deixando que
as escolas sirvam de laboratório para a criação de mão de obra barata e alienada! Sendo assim,
a escola se caracteriza como uma instituição social criada pela sociedade, como um
instrumento de transmissão de cultura enquanto bem de consumo. Nesse caso, fica explícita a
contradição existente, no ambiente escolar, ou seja, a contradição social, conservação versus
transformação, de forma que, mesmo tendo a função de promover desenvolvimento no
indivíduo e expandir suas oportunidades, contrai-se com certa resistência às novas ideias,
demonstrando apoiar um pensamento conservador.

Faz-se necessário ainda pensar que a escola é uma estrutura composta por “gente”, ou
seja, é importante perceber que a contradição não existe somente na sociedade enquanto
estrutura, mas também em cada elemento que a compõem, e isso significa que fatores
psicológicos da mesma forma influenciam na organização das ideias existentes na escola.
Assim, nesse caso, uma contradição é atender uma grande e variada “clientela”, que, por sua
vez, dificulta a qualidade desse atendimento. Para isso, é necessário se fazer uma série de
20

indagações sobre o tipo de trabalho a ser realizado, como, por exemplo: a quem e como a
escola deve atender? Como acolher esta “clientela” e ampará-la bem?

Nesta última questão, pode estar a resposta para muitos dos problemas existentes na
escola. É a partir desta indagação que se pode encontrar as raízes da má qualidade do
atendimento escolar. Contudo, não se deve generalizar todos os sistemas, pois alguns, por sua
vez, são muito eficientes. Para alcançar essa eficiência, precisa-se levar em conta o contexto
social em que a escola está inserida.

A sociedade brasileira, desde sua origem, é fortemente vinculada ao sistema


econômico, político e social capitalista mundial. Assim, apresenta-se como uma sociedade
dependente, não tendo superado ainda a dominação externa e deixado os interesses da
população brasileira submissos aos de determinados grupos sociais.

Nesse sentido, a escola está estruturada para receber a um tipo determinado de


educando, sem levar em conta que tem, na verdade, uma comunidade escolar mista. Quando
adota um modelo fechado, um método único de ensino, acaba por excluir uma parcela
considerável de educandos, quase sempre a que mais precisava de transformação social. Mas,
as contradições começam a ser percebidas dentro do contexto escolar, quando as medidas
tomadas com o objetivo de manter a maioria em estado de submissão, mesmo de forma
velada, vão sendo, pouco a pouco, descobertas e geram uma tomada de consciência, da
dominação existente.

Andreoli (2002) refletiu sobre a ideologia na educação, que é uma das portas para
facilitar a aceitação da dominação. Nesse sentido, o marxismo entende a ideologia como “um
instrumento de dominação de classe, como tal sua origem é a existência da divisão da
sociedade em classes contraditórias em luta”, conforme Marilena Chauí (1994, p. 102 apud
ANDREOLI, 2002, p. 1). Para Andreoli (2002), a compreensão da ideologia como expressão
de interesses é “falsificação da realidade”, com vistas ao controle social, permite a conclusão,
do ponto de vista marxista, de que a estrutura social dominante constitui “aparelhos
ideológicos”, em forma de superestruturas, mantendo a opressão.

Tal afirmação corrobora com Althusser (2003), o qual afirma que a escola é o
principal aparelho ideológico do Estado. Esse autor não é totalmente aceito entre os
educadores críticos, por pensar que não se pode conter essa superestrutura, que não pode
haver modificação social por meio da escola. Ao contrário, acredita que somente há a
21

perpetuação de um sistema já vigente. O pedagogo brasileiro Moacir Gadotti é um dos que


contrapõe Althusser, porque, para ele, as ideias deste estão equivocadas do ponto de vista da
emancipação humana, pois gera uma situação de passividade e impotência.

Para Gadotti (1983, p. 34), “se aceitarmos a análise de Althusser, certamente a


educação enquanto sistema ou subsistema é um aparelho ideológico em qualquer sistema
político”. Em contrapartida, Andreoli (2002) revela uma conjuntura política, quando trata de
investimentos do Banco Mundial feitos na América Latina. Nesse sentido, investe-se na
educação, apostando nela para gerar mercado consumidor, trabalho e cidadania, estabilidade
no país com subordinação dos processos educativos aos interesses da reprodução das relações
sociais capitalistas.

Em função disso, há muito tempo, se está sofrendo consequências na educação sem se


perceber. Algumas são visíveis, como receber cada vez menos recursos; dar prioridade ao
Ensino Fundamental como responsabilidade dos estados e municípios; incentivar o rápido e
barato, apresentando, como critério de eficiência, uma formação menos abrangente e mais
profissionalizante.

A maior marca e, com certeza, a que se assemelha mais a década de 1960, quando
aconteceram as primeiras intervenções, é o ensino profissionalizante, pois proporciona mão de
obra técnica, barata e rápida. Pensando contra este sistema, reflete-se com o conceito de
pedagogia do oprimido, de Paulo Freire (1987, p. 58):

Pedagogia do oprimido: Definida como a pedagogia da não acomodação, é o


caminho pedagógico que tem por princípio o indivíduo, seja este uma pessoa ou uma
coletividade. Trata-se de uma pedagogia que tem por fim a recuperação do indivíduo
como um ser humano consciente de si, de sua força de transformação da realidade.
Ao partir do indivíduo, esta pedagogia traz para o foro da discussão as problemáticas
por ele vividas em seu cotidiano resultando em efetivo envolvimento deste indivíduo
com temas trazidos à discussão, o que gradativamente o levará a refletir sobre o seu
mundo, sobre o contexto da comunidade em que se insere e finalmente ao contexto
universal. Evidentemente esta sistemática irá conduzir a reflexões tanto sobre a
própria opressão sofrida por este indivíduo, quanto sobre suas causas. Refletir acerca
disto resulta no engajamento do indivíduo na luta cotidiana por sua libertação.

Segundo Freire (1987), com a pedagogia do oprimido, definida como pedagogia da


não acomodação, poderia se fazer a tentativa de desacomodar as pessoas envolvidas no
cotidiano escolar. Talvez essas não sofram o mesmo tipo de opressão a que se refere o autor,
22

mas seria interessante que a sala de aula se tornasse um foro de discussão de todos os assuntos
do nosso dia a dia.

Assim, tornar-se-ia possível conduzir uma tomada de consciência coletiva na escola e


conseguir reverter o processo de dominação para o processo de transformação. Neste contexto
é interessante refletir sobre os ensinamentos de Antônio Gramsci (2001), com a proposição da
escola unitária, quando ele pensa em um local que ensine a escrever, ler e fazer conta, como
também ensine direitos e deveres, as primeiras noções de Estado e Sociedade. Mas, o que se
tem para os estudantes hoje são conteúdos desconectados do seu dia a dia; não lhes é dado o
direito de questionamento; interessa apenas que o currículo deva ser cumprido até o final do
ano letivo, e o aluno, por sua vez, nesse processo de educação brasileira, é uma figura
meramente ilustrativa.

Também nesse contexto neoliberal, e por ser uma nação exportadora de “exemplos”
para países em desenvolvimento, os Estados Unidos aparece como um modelo recorrente para
o Brasil. Nas questões escolares não é diferente. Como forma de ilustração de padrão de
ensino, é pertinente descrever um dos programas norte americanos que desperta semelhança
com os programas instituídos no Brasil. Nesse sentido, como Trabalho Final de Graduação,
Catelan (2016) pesquisou o Programa Not Child Left Behind (Nenhuma Criança Deixada para
Trás), buscando identificar semelhanças com programas brasileiros. Mesmo não sendo o foco
desta pesquisa, cabe esboçar como discussão parte desse estudo.

Em linhas gerais, a Lei Not Child Left Behind (NCLB) é uma lei federal que
supostamente apoia e assegura a educação pública nos Estados Unidos da América. Desde sua
implantação em 2002, a Lei é a maior fonte de fundo financeiro que as escolas primárias e
secundárias recebem. De acordo com o site Massachusetts PIRC1, tem como propósito
assegurar que todas as crianças no país recebam uma educação de qualidade e, além disso,
corrigir as diferenças de desempenho dos estudantes.

Essas diferenças de desempenho, segundo a Lei, existem por causa de grupos étnicos
minoritários que vivem na pobreza, ou porque possuem algum tipo de deficiência ou porque
sua língua materna não é o inglês. Além de diminuir as diferenças de desempenho, a Lei
NCLB visa melhorar o letramento, ao colocar a leitura em primeiro lugar; aumentar a

1
Disponível em: <http://pplace.org/portuguese/nclb/title1.php>. Acesso em: 04/06/2016.
23

flexibilidade, diminuindo a burocracia; premiar o sucesso e punir o fracasso; implantar a


escolha orientada dos pais e melhorar a qualidade dos professores.

Para manter esse programa, existem alguns princípios que o regulam, ou seja, a Lei
NCLB exige que as escolas sejam responsáveis pelos resultados, utilizem métodos de
instrução aprovados por pesquisas e, possivelmente, o mais importante item, que o programa
envolva os pais nessa responsabilidade. Estes se tornam personagens importantes, nesse
processo, rumo à garantia de um ensino de qualidade.

O segundo objetivo do programa tem o foco na leitura. Consta no documento que os


estados que criarem bons projetos de leitura, para estudantes da Educação Infantil até a
segunda série, baseados em pesquisas científicas, poderão concorrer a recursos do novo
programa: “Leitura em primeiro lugar” (Reading First). Os estados participantes deste terão
ainda a opção de receber recursos de um terceiro programa: “Leitura em primeiro lugar e o
quanto antes”.

Para a discussão em torno dessas questões, Apple (2002) referencia situações ainda
mais preocupantes sobre o ensino norte-americano, que acabam por influenciar a educação e o
ensino no Brasil. De acordo com o autor, nos Estados Unidos da América, são quatro grupos
de direita responsáveis pela “modernização conservadora” na educação: os neoliberais,
profundamente comprometidos com o mercado, a liberdade e escolha individual; os
neoconservadores, grupos “saudosistas” que desejam o retorno da disciplina e do
conhecimento tradicional, nas escolas; os chamados populistas autoritários, fundamentalistas
religiosos e cristãos conservadores que querem o retorno de Deus, em todas as instituições de
ensino; e finalmente a “nova classe média profissional e gerencial”, ou seja, os especialistas,
as pessoas que têm um papel importante na implantação da reforma conservadora do estado,
da educação e da formação docente.

Os neoliberais, segundo Apple (2001), em seu livro “Endireitar” a Educação


(Educating the Right way), representam o elemento mais poderoso na chamada modernização
conservadora na reforma da educação dos EUA. Como se sabe, no neoliberalismo, a ideia de
democracia tem uma forte conotação econômica e não política. Dentro dessa concepção, a
democracia é trazida como prática de consumo, e o mundo é visto essencialmente como um
grande supermercado. O princípio de liberdade de escolha passa a ser o garantidor dessa
24

democracia, e, nessa ideologia, o ideal do cidadão é aquele de consumidor, ou melhor, o


cidadão é concebido como o próprio consumidor.

Além disso, sabe-se que o liberalismo prevê um Estado que interfere o mínimo
possível na sociedade, dando liberdade para o mercado interferir nos segmentos desta, o que
cria a ideia de que o privado é melhor porque é pago, e o público é pior porque é de “graça”.
Para Apple (2001), a principal consequência dessa ideologia é que a educação norte-
americana é tratada como mais um produto a ser consumido no mercado.

Como já foi mencionado, a educação norte-americana não sofre interferência somente


dos neoliberais; tem também dos neoconservadores, que constituem o segundo grupo mais
forte. De acordo com Apple (2002), nessa hegemonia conservadora, deve se basear em um
conteúdo tipicamente tradicional.

Apesar de neoliberais e neoconservadores divergirem no fato da intervenção do estado


na sociedade, quando diz respeito à educação, caminham lado a lado, pois têm a visão de pais
e alunos como clientela consumidora. De modo geral, os dois grupos trabalham com a lógica
de que o currículo a ser desenvolvido nas escolas deve se basear no desejo e nas escolhas de
seus clientes.

Outros dois grupos ativos, na reforma conservadora, são os populistas autoritários e a


nova classe média profissional e gerencial (APPLE, 2002). Os primeiros defendem o
conhecimento legítimo, juntamente com os neoconservadores, ou seja, apoiam a autoridade, a
moral, a família e o ensino religioso, no currículo escolar. E o último grupo, não menos
importante, prevê o conhecimento técnico; os especialistas são os requisitados, tanto por
políticos neoliberais como por neoconservadores de controle centralizado do currículo.

Apple (2001) ataca veementemente a forma como a educação norte-americana é vista.


Em uma entrevista à Universidade do México, quando questionado sobre quais aspectos
políticos e sociológicos afetam atualmente a educação, o autor respondeu:
25

A título de exemplo transforma-se a educação numa mercadoria a ser adquirida.


Atualmente o verdadeiro significado de democracia é um conjunto de práticas de
consumo. O que outrora foi um conceito e uma prática política apoiadas numa
negociação e diálogo coletivo é, hoje em dia, um conceito econômico. Atualmente
debaixo da influência do neoliberalismo o verdadeiro significado de cidadania foi
radicalmente transformado. Nos dias de hoje, em muitos países, o cidadão é
simplesmente um consumidor. O mundo é visto como um vasto supermercado 2
(APPLE, 2001, p. 17).

Levando isso em consideração, Apple (2006) ainda destaca que

qualquer tentativa séria de entender a quem pertence o conhecimento que chega à


escola deve ser por sua própria natureza, histórica. Deve começar por considerar os
argumentos atuais sobre currículo, pedagogia e controle institucional como
consequência de determinadas condições históricas, como argumentos que eram e
são gerados pelo papel que as escolas desempenham em nossa ordem social
(APPLE, 2006, p.105).

Esse autor evidencia que a escola, ou melhor, o currículo, atende a um propósito


maior, que seria ligado a sociedade e sua organização. Para exemplificar isso, em seu livro
Ideologia e Currículo (2006), Apple afirma que

o Putnam’s Monthly usou a mesma metáfora da poluição e indicou a mesma solução


para o problema: Nossos leitores concordarão conosco que, para a efetiva evacuação
dos fluidos da vida em uma grande cidade, só há um agente retificador – um filtro
infalível – a escola [...]. A maior parte dos professores e administradores escolares
não era provavelmente contrária ao sucesso de um número limitado de pobres, desde
que alcançado por meio da educação, mas a missão da escola e a maior parte dos
incentivadores era bastante franca a esse respeito, era inculcar atitudes corporativas
entre crianças da cidade, sejam quais fossem as vicissitudes da vida urbana.
“Aculturação” é assim um termo mais preciso para a intenção da escola do que
assimilação, embora ambos os termos sejam frequentemente usados como
sinônimos. As escolas refletiam a atitude do público em geral, que desejava
americanizar os hábitos, mas não os status, do imigrante (APPLE, 2006, p. 106).

Deste modo, observam-se claramente os objetivos da educação norte-americana e a


influência externa recebida no currículo escolar. Portanto, conclui-se, genericamente, os
professores podem formar cidadãos voltados para a competitividade e que naturalizam a
exclusão social. Tudo depende da forma como os fatos são apresentados e as informações
recebidas são discutidas.

2
Entrevista conduzida por Michael f. Shaughnessy, Kathy Peca e Janna Segel, New México University.
Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/vol1iss1articles/apple.pdf>. Acesso em: 12/08/2017.
26

Quando os pais mandam seus filhos para a escola, esperam que aprendam algo como
escrever, ler, calcular, mas junto desses objetivos básicos, esperam que eles “sejam alguém na
vida”. É neste momento que começam a surgir as influências externas: no caso dos Estados
Unidos da América, essas foram para valorizar a história e os valores da classe dominante
daquele país, esquecendo os imigrantes, os negros e índios que fizeram parte da construção
histórica do país. Porém, os grupos conservadores e os que prezam a moral e os bons
costumes têm uma aliada muito forte: a mídia. Ela nos informa e nos deixa a par de tudo o
que acontece a nossa volta, principalmente, em questões de consumo, como a última moda,
último modelo de carro esportivo e assim sucessivamente, colaborando “positivamente” para
desenvolver a sociedade do consumo sem limites.

Voltando o olhar para o Brasil, tem-se os programas “Mais Educação”, “Pacto pela
Alfabetização na Idade Certa”, entre outros, os quais, mesmo em um olhar sem muita perícia,
pode-se dizer que se assemelham aos programas norte-americanos. Um ensino de qualidade e
que garanta a alfabetização de todos é estandarte de luta permanente, prevista pelas diferentes
entidades sociais e políticas, como questões de extrema importância para o desenvolvimento
do país.

Porém, será que realmente se está lutando para garantir um ensino de qualidade ou
apenas atendendo demandas, como aponta Libâneo (2012), ao mencionar o dualismo da
escola, no qual um tipo de educação visa o conhecimento, e outro abraça missões sociais, bem
como define qual a origem epistemológica e política das perspectivas que fundamentam esses
discursos. Diante de diferentes estudos, dentre eles os de Dourado (2007), Libâneo (2012),
Sander (2011) e Apple (2006), pode-se afirmar que o final do século XX e início do século
XXI são marcados por grandes mudanças no campo do ensino, até mesmo diferenciação entre
ensino e educação. Isso aconteceu, em especial, pela entrada da perspectiva de educação
voltada aos interesses do neoliberalismo e um forte discurso de educação como viés de
desenvolvimento para os países. As mudanças mencionadas estão alinhadas por uma agenda
internacional, que iniciou com a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada
em Jomtien, na Tailândia, no ano de 1990.

Essa conferência, como outras mais3, foram financiadas pelo Banco Mundial. A
abertura desta corporação para financiamentos na educação refletiu na imposição de

3
Pode-se citar, neste caso, a Cúpula Mundial de Educação, realizada em Dakar, no ano de 2000, e a Conferência
Mundial sobre Educação para Todos, realizada na Coréia do Sul, em 2015.
27

regulamentos que passaram a fazer parte das políticas educacionais dos países em
desenvolvimento; houve uma redefinição do papel do Estado; controle das ações da escola
sob os princípios da competência, verificáveis pelos indicadores de qualidade controlados
pelas provas em larga escala.

Foi necessário fazer essa retomada para expor porque, nesta pesquisa, destacam-se
semelhanças dos programas brasileiros e norte-americanos. Não serão raras as vezes que
referenciar-se-á a semelhança de políticas educacionais, de modelo de currículo e de
programas para desenvolvimento.

Nesse contexto, alfabetizar todas as crianças brasileiras até o fim do terceiro ano, dos
anos iniciais, é um dos objetivos do Plano Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC). Esse pacto surge como um desdobramento do Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação, o qual, em seu Art. 2, inciso II, destaca que é preciso “alfabetizar as crianças
até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os resultados por exame periódico específico”
(BRASIL, 2007).

Se os leitores brasileiros se reportarem ao parágrafo anterior e compararem com a lei


já mencionada, nesta pesquisa, sobre o incentivo à leitura, definida pelos Estados Unidos, não
se sentirão perdidos: as duas propostas se assemelham, talvez não nos métodos, mas nos
objetivos a serem alcançados.

Ao longo deste capítulo, evidenciou-se alguns aspectos, relacionados às reformas da


educação e ensino. Percebe-se, também, que a última década do século XX foi marcada pela
entrada do neoliberalismo no sistema de ensino, principalmente por meio de políticas de
financiamento advindas de organismos internacionais, como o Banco Mundial. As reformas
objetivadas trazem um discurso de equiparação social, desenvolvimento econômico,
eficiência, entre outros. Com isso, percebe-se que a existência dos interesses do mercado que
passam a fazer parte da educação e do ensino.
3 - NEOLIBERALISMO NO BRASIL

Inicialmente, fazem-se necessárias algumas diferenciações entre Liberalismo,


Neoliberalismo; Projeto Neoliberal e Modelo Econômico Neoliberal Periférico. O liberalismo,
resumidamente, consiste em uma doutrina política que defende a diminuição da intervenção
do Estado na economia. Assim, com o fracasso dos Planos Econômicos, que ocorreu na
década de 1990, o projeto Neoliberal foi se desenhando e fortalecendo, passando do campo
meramente doutrinário para constituir-se em um programa político.

Neoliberalismo diz respeito à doutrina político-econômica mais geral – formulada logo


após a Segunda Guerra Mundial, por Hayek e Friedman, entre outros, a partir da crítica do
Estado de Bem-Estar Social – e ao Socialismo, através de atualização regressiva do
Liberalismo (PERRY, 1995). Para Sanders (2011), o neoliberalismo é uma doutrina geral,
mas o projeto neoliberal e o modelo econômico a ele associado são mais ou menos
diferenciados, de país para país, de acordo com as suas respectivas formações econômico-
sociais anteriores. O Projeto Neoliberal, segundo Perry (1995), refere-se à maneira como o
neoliberalismo se expressa num programa político-econômico específico. Pensando no Brasil,
ele é resultado das disputas entre as distintas frações de classes da burguesia e a classe
trabalhadora.

O modelo econômico neoliberal periférico, é resultado da forma como o projeto


neoliberal se ajustou, a partir da organização econômica anterior do país, diferentemente dos
demais países da América Latina, ainda que todos eles tenham em comum o caráter periférico
e, assim, sejam subordinados ao império dos países desenvolvidos.

Essas diferenciações influenciam diretamente a vida da sociedade e também o


currículo escolar, que rapidamente é reorganizado para acompanhar o modelo econômico que
recruta, nas escolas, mão de obra intelectualizada, ou não. Nesse cenário, a economia
internacional é um sistema articulado de economias nacionais, intercambiando bens, serviços,
capitais e tecnologias, em um contexto dinâmico de assimetrias estruturais. Essas economias
passaram por diversas fases ao longo do século XX: saltos tecnológicos, mudanças de padrões
monetários, crises financeiras, anos de crescimento sustentado, seguidos de crises e
estagnação, incorporação de novos atores econômicos, surgimento de movimentos sociais que
lutavam pela igualdade, cada vez mais distante com a chegada da globalização e do
neoliberalismo, que preservam velhas desigualdades estruturais.
29

O neoliberalismo se assemelha ao liberalismo no que diz respeito à questão de


mercado e de defesa de um estado que não seja o único pagador de despesas. Mesmo que
tenha essa base parecida, influencia a economia de forma diferente, favorecendo a grande
aplicação de novas tecnologias e, principalmente, a abertura de mercado.

Marilena Chauí (2000) relata que os princípios norteadores do liberalismo se


consolidaram primeiro na Inglaterra, em 1668 (com a Revolução Gloriosa); em seguida, nos
Estados Unidos da América, em 1776 (com a Independência dos Estados Unidos da América),
e, por fim, na Europa Ocidental, após 1789 (com a Revolução Francesa). Mas esse sistema foi
sendo questionado, principalmente após a Primeira Guerra Mundial, momento em que os
regimes totalitários ganharam força e aceitação entre as massas populares, e houve uma
disseminação das ideias socialistas pelo mundo.

O abandono da ideia liberal, no mundo ocidental, aumentou com as ideias de Keynes,


que defendia a intervenção do Estado na economia. Em 1944, na Conferência de Bretton
Woods, Keynes foi um dos maiores responsáveis pelas criações do Banco Mundial e do
Fundo Monetário Internacional. Assim, Stewart (1995) destaca que:

O sucesso do socialismo e do intervencionismo ofuscou inteiramente o liberalismo.


No período entre as duas guerras, as ideias liberais estavam inteiramente esquecidas.
Quase nada era publicado sobre o assunto e do pouco que se escrevia o mundo não
tomava conhecimento. As ideias socialistas-intervencionistas, por outro lado,
floresciam. Livros eram editados; todos os artistas e intelectuais manifestavam-se
em favor do socialismo e do intervencionismo (STEWART, 1995, p. 25).

No pós-guerra, com a necessidade de acabar com o totalitarismo, surgiu um novo


momento, conhecido como o neoliberalismo. Assim, Jackson Cerqueira (2008) apontou a
obra A caminhos da Servidão (1944), de Friedrich Hayek, como base teórica que sustentou
esse novo período. A prosperidade do capitalismo, nas décadas de 1950-60, fez com que os
pressupostos neoliberais ficassem ocultos. Já na década de 1970, com a recessão capitalista,
as ideias neoliberais ganharam espaço novamente (PERRY, 1995).

Na década de 1990, economistas ligados ao Banco Mundial e à Organização Mundial


do Comércio intensificaram a pressão para que, globalmente, diminuíssem a intervenção do
Estado na economia, o que acentuou ainda mais as características neoliberais na economia
mundial.
30

No contexto dos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, o


termo neoliberal foi associado à política das privatizações pelos críticos de posição
de esquerda, que qualificavam tais medidas como “entreguismo”, ou seja, a
“entrega” das riquezas da nação a potências estrangeiras, enquanto os mais
alinhados ao pensamento liberal clássico não viam nessas medidas nada de
propriamente liberal, mas apenas uma forma menos ostensiva de controle estatal
sobre a economia (FERNANDES, Grifos do autor).

A afirmação do projeto político neoliberal e a construção de um novo modelo


econômico redefiniram as relações políticas entre as classes e frações de classes que
constituem a sociedade brasileira (FILGUEIRAS, 2000). No Brasil, o neoliberalismo foi
difundido em 1990, com o presidente eleito Fernando Collor de Mello, que lançou o plano
Collor, objetivando o controle da inflação. No período, houve o início das privatizações, e
várias empresas do Brasil foram negociadas4.

As explicações para entender a ascensão do neoliberalismo no Brasil, é necessário


pensar que o mercado de trabalho é voltado para a qualidade do lucro e infraestrutura para o
empresariado, como também os controles e conflitos da distribuição da produção e da riqueza
social produzida a partir deste mercado. Lucas Massimo (2013) reflete sobre a crise do Estado
e a crise de governabilidade, as quais geram a sensação de ineficiência estatal. Este
sentimento justifica muitas mudanças nas regras institucionais, conforme, obviamente, as
estratégias dos atores em ação.

As reformas neoliberais estão atreladas ao desmanche do Estado. Elas teorizam a


diminuição do Estado, apresentando como alternativa a via privada. No Brasil, segundo
Monica Almeida (2010, p. 350), muitas destas ações levaram o país a “um quadro de
profundo desequilíbrio macroeconômico, caracterizado por um elevado endividamento
externo, pela desestruturação do setor público, por elevados índices inflacionários e pela
perda do dinamismo econômico”.

Segundo Filgueiras (2003), embora já estivesse no Governo Collor de Mello, o Brasil


foi o último país da América Latina a aderir e programar o projeto político-econômico
neoliberal. Esse novo regime continuou de forma menos significativa, no governo de Itamar
Franco; por sua vez, Fernando Henrique Cardoso, então nomeado ministro da fazenda,
colocou em prática uma reforma no Estado brasileiro, que buscava estabilização econômica.

4
Para saber mais sobre as reformas neoliberais no Brasil, ver: MASSIMO, Lucas. Como se explica o
neoliberalismo no Brasil? Uma análise crítica dos artigos publicados na revista Dados. Revista de Sociologia e
Política. V. 21, nº 47, p. 133-153, 2013.
31

Contudo, o neoliberalismo ganhou força realmente quando Fernando Henrique


Cardoso foi eleito presidente. Filgueiras (2003) afirma que Fernando Henrique Cardoso5
utilizou força para executar os planos de privatizações, fortalecendo o neoliberalismo da
década de 1990. Como Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso seguiu o
processo de privatizações e fez outros ajustes na economia do país, tornando visível sua
característica neoliberal de governar.

Os princípios que sustentam a ideologia neoliberal, a qual pode ser interpretada como
globalizante, geram uma coesão no contexto econômico mundial, justamente por trazer aos
mercados abertura de negociações, incentivando investimentos externos diretos. Essa ação de
conexão mundial não é só no âmbito econômico, mas também uma dimensão política, social e
cultural.

Nesse contexto, o processo de globalização torna-se essencial, pois a integração


econômica internacional oferece muitas oportunidades. Essa característica da economia
mundial proporciona entrada mais fácil e rápida a novos mercados em expansão, acontecendo,
então, o que se conhece por internacionalização das políticas públicas. Mas, além da
influência no âmbito econômico, alguns autores como Gramsci (2001), Apple (2006),
Santomé (2013) e Mclaren (1986), entre outros, identificam essa influência capitalista
também no currículo escola Louis Althusser, autor e filósofo francês de grande influência,
também, em seus estudos, voltou-se para o Estado e a Educação. Em Ideologia e aparelhos
ideológicos de Estado, a partir de pressupostos marxistas, desenvolveu uma reflexão acerca
do “papel da escola como um aparelho do Estado, como uma das instâncias da sociedade que
veicula a sua ideologia dominante, para reproduzi-la” (LUCKESI, 1994, p. 42), ou seja, a
escola é um aparelho ideológico do Estado, que serve para naturalizar o pensamento burguês
na sociedade.

Sobre isso, Luckesi (1994), em seu livro Filosofia da Educação, dissertou, no segundo
capítulo, sobre essa temática, evidenciando que, para compreender a educação, existem três
correntes filosóficas-políticas: educação redenção, reprodução ou transformação. Nesse
contexto, Althusser é um dos autores que assume a concepção de que a educação é a
reprodução da sociedade. Além disso, para essa corrente, ela é “determinada por seus

5
Governou o executivo do Brasil entre 1995 e 2002.
32

condicionantes econômicos, sociais e políticos – portanto, a serviço dessa mesma sociedade e


de seus condicionantes” (LUCKESI, 1994, p. 41. Grifo do autor).

Os educadores críticos são todos aqueles que acreditam que há, sim, uma possibilidade
de reverter esse pensamento ideológico dominante capitalista, existente nas escolas. Segundo
Apple, Au e Gandin (2011), esses educadores, ao atuarem junto aos movimentos sociais,
desempenharam o papel de intelectuais a serviço dos trabalhadores, combatendo a produção
do consenso, fundamental para a manutenção da hegemonia cultural interessante à burguesia.

Os autores citados até o momento são de visão internacional, embora o brasileiro


Paulo Freire, considerado um educador crítico, é uma referência em educação no Brasil. Ele
também é citado no livro Educação Crítica Análise Internacional (APPLE, AU, GANDIN,
2011), principal referência para este trabalho. Freire é um autor bastante conhecido pelos
brasileiros, pois defende uma educação crítica e que contenha significado para o aluno, mas
que não seja bancária como normalmente se tem nas escolas brasileiras. Uma de suas obras
constantemente citada é a Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa
(FREIRE, 1996), que se refere justamente a uma educação emancipadora.

Abordar criticamente as práticas e as experiências de outros é compreender a


importância dos fatores sociais, políticos, históricos, culturais e econômicos
relacionados com a prática e a experiência a ser reinventada. Em outras palavras, a
reinvenção exige a compreensão histórica, cultural, política, social e econômica da
prática e das propostas a serem reinventadas (FREIRE, 1996, p. 81).

Observando essa citação, e conhecendo um pouco do cotidiano escolar, pode-se


perceber que não é exatamente dessa forma que acontecem as intervenções nas escolas. Uma
das principais críticas dos educadores críticos é o distanciamento entre as reais necessidades
da educação e o que realmente é praticado. Esse distanciamento pode ser observado, segundo
o educador Michael Apple (2006), desde o currículo que, quando elaborado, tende a refletir e
perpetuar valores e a cultura de quem tem maior poder econômico. Na área da História, pode-
se observar esse currículo ao serem estudadas as grandes revoluções ou os conflitos de classe.
Em tais ocasiões se dá mais ênfase àqueles em que a classe burguesa está envolvida.

Esse autor ainda aponta outras formas existentes de controle social, existente no
mundo escolar:
33

O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente sob a forma das
disciplinas ou dos comportamentos que ensinam, as regras e rotinas para manter a
ordem, o controle, o currículo oculto que reforça as normas de trabalho, obediência,
pontualidade, etc. O controle é também exercido por meio das formas de significado
que a escola distribui: o “corpus formal do conhecimento escolar” pode tornar-se
uma forma de controle social e econômico (APPLE, 2006, p. 103. Grifo do autor).

Seguindo o pensamento do autor, as escolas controlam as pessoas, e estas dão


significados para essas instituições quando legitimam o conhecimento de determinado grupo
em detrimento do outro, mas a legitimidade do conhecimento que se deve receber, no
ambiente escolar, depende da posição de poder que o grupo ocupa no campo político e
econômico.

Apple, em seu livro Ideologia e currículo (2006), indica dois pontos fundamentais
para a abordagem sobre a escola. O primeiro é a necessidade de percebê-la como parte de um
conjunto de relações de outras instituições, políticas, econômicas e culturais, e todas
basicamente desiguais. A escola existe por meio de suas relações com outras instituições de
maior poder, estas que são combinadas de maneira a gerar desigualdades estruturais de poder
e acesso a recursos.

O outro ponto são essas desigualdades reforçadas e reproduzidas pela escola, por meio
de suas atividades curriculares, pedagógicas e avaliativas, no dia a dia da sala de aula. Ela
desempenha um papel significativo na preservação, ou então, na geração dessas
desigualdades.

Santomé (2013), corroborando com as ideias de Apple (2006), afirma que:

Os sistemas educativos a serviço de governos apostam em modelos econômicos


neoliberais também são contemplados de modo simplista como o conjunto de
possibilidades oferecidas a cada pessoa para que ela se capacite e tenha melhor
empregabilidade no mercado de trabalho; ou seja, uma educação para poder
participar do mercado de trabalho e dele obter os maiores benefícios econômicos
possível (SANTOMÉ, 2013, p. 95).

De maneira diferente, mas com mesmo foco, os dois autores discorrem sobre os
objetivos de um ensino que segue os princípios neoliberais, prima por um ensino rápido,
profissionalizante e competitivo. Neste sentido, Santomé (2013) relata que é necessário levar
em conta os três principais motores da nova economia: as finanças, o conhecimento e o
capital humano. Para o autor, esses são realmente inovadores, entre outros motivos, porque já
não são mais bens materiais tangíveis, como eram as máquinas e as terras, até há pouco
34

tempo. Por essa razão, as mudanças no ensino começaram a acontecer, e a preocupação dos
governos e dos monopólios empresariais era formar capital humano, e o local escolhido para
essa formação foi a escola. Nesse contexto, o ensino para a geração de capital humano pensa
o indivíduo como mercadoria ou meio de produção, que se desloca conforme o mercado
neoliberal.

Entre as suas grandes metas, a educação e o ensino também devem contemplar a


melhoria da produtividade e o crescimento econômico do país, mas sem que tais objetivos
obriguem a deixar, em segundo plano, a contribuição para um ótimo desenvolvimento integral
da pessoa; o avanço da solidariedade, de uma integração social cada vez maior; e de um
compromisso com a sustentabilidade do planeta. Consequentemente, é preciso um projeto
educativo a serviço de uma sociedade democrática, que deve ter como marco de referência e
vigilância os Direitos Humanos. Pensando neste sentido, é um gerador de injustiças sociais
transformar a educação em uma mercadoria (SANTOMÉ, 2007).

Diante disso, esta pesquisa comunga com as ideias de Gramsci, que considera o
espaço da escola como um local de lutas pela hegemonia, pois, conforme a discussão do autor
Benno Sander (2009, p. 76)6, “este relato sobre os processos de construção e reconstrução de
concepções e práticas de gestão educacional revela que o campo educacional brasileiro
continua sendo hoje, como foi no passado, uma arena de disputas em que diferentes atores
tratam de impor suas opções político-pedagógicas e suas categorias de percepção e
interpretação”.

Essas disputas se observam tanto nos processos de formulação política como nas
práticas de intervenção, no cotidiano da gestão educacional, refletindo posições políticas
diferenciadas sobre a condição humana, a cultura e a educação. Muitas vezes, estratégias
administrativas, como descentralização, autonomia, colegialidade e participação, são
apregoadas pelos protagonistas das várias concepções educacionais em disputa. Os seus
significados, no entanto, são diferentes, quando não opostos. Para os pensadores neoliberais, o
sentido desses termos é prioritariamente técnico racional, enquanto que, para os críticos, é
sociológico, antropológico e político.

6
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em:
<http//www.esforce.org.br>. Acesso em: 15/07/2017.
35

Nesse mesmo contexto, mas refletindo sobre o modo de administração que se pretende
para escola com o modelo neoliberal, apresenta-se Dourado (s/d), o qual propõe a gestão
educacional com natureza e características próprias, ou seja, tem escopo mais amplo do que a
mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da administração empresarial, devido a sua
especificidade e aos fins a serem alcançados. Ou seja, a escola, entendida como instituição
social, tem sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos fins político-
pedagógicos, que extrapolam o horizonte custo-benefício stricto sensu.

Isto tem impacto direto no que se entende por planejamento e desenvolvimento da


educação e da escola. Nessa perspectiva, implica aprofundamento sobre a natureza das
instituições educativas e suas finalidades, bem como as prioridades institucionais, os
processos de participação e decisão, em âmbito nacional, nos sistemas de ensino e nas escolas.
Nesse caso deve-se pensar uma gestão escolar comprometida com o projeto pedagógico da
escola, a implementação de projetos de participação, baseados pelo princípio do direito social
à educação e à escola. Espera-se, portanto, pela criação de processos autônomos, nesses
espaços, pela articulação com o projeto do Ministério da Educação, das secretarias, e com o
amplo envolvimento da sociedade.

No próximo capítulo, apresenta-se como o currículo escolar incorpora todas as


questões burocráticas externas à escola, transformando-as em conteúdo no currículo.
4 - POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO

Este capítulo refere-se às políticas educacionais e suas implicações na construção de


currículo. Para definir Políticas Educacionais, utiliza-se os estudos de Akkari (2011, p. 11),
para o qual tal noção pode ser definida como: “[...] uma decisão única ou um conjunto de
decisões explícitas ou implícitas que podem incluir orientações para criar as decisões futuras,
projetar ou atrasar ações ou orientar a execução de decisões anteriores”.

As Políticas Públicas efetivam a regulamentação escolar, por meio da legislação,


disponibilizando financiamento, controlando a execução das orientações dadas através da
gestão das instituições de ensino e, por fim, articulando relações entre a economia e a
sociedade, ou seja, a educação depende do pensamento econômico vigente no país (AKKARI,
2011). Desse modo, ao longo da história da educação no país podem ser observadas variações
de currículos nacionais brasileiros.

O currículo oficial da escola é criado por órgãos governamentais, no caso brasileiro,


pelo Ministério da Educação. A partir daí os sistemas de ensino recebem as diretrizes,
elaboram planos de trabalho de acordo com as indicações recebidas e repassam às escolas de
sua rede municipal ou estadual para serem realizados.

O ensino brasileiro passou por momentos, em sua história, em que foi atraído por
modelos prontos, recebidos de instituições privadas que vendem “receitas” de como trabalhar
e organizar os conteúdos no currículo da escola. Sentindo-se pressionados por atingir as metas
esperadas, professores e gestores cumprem à risca o que diz a cartilha (HELFER, 2002).
Porém, não se observa que esse modelo é pensado e desenvolvido em um contexto diferente
ao da escola pública (CORSETTI, 2002). Com isso, é importante que se revise a trajetória da
educação brasileira, para assim, perceber as influências que ela recebeu dos fatores externos,
como a economia, os acordos internacionais, entre outros.

Para entender a dinâmica da sociedade, nos dias atuais, e o cotidiano dos grupos que a
compõem, é indispensável se voltar ao passado e perceber que o que se vive atualmente é
resultado de mudanças constantes na tentativa sempre da preservação do status quo de um
grupo como dominante (SHIGUNOV NETO, 2015, p. 9).

Em primeiro lugar, há uma educação aos moldes da Igreja, parte de um processo da


contrarreforma, que ocorreu por volta de 1517. O ensino era organizado pela Igreja, com o
37

objetivo de catequizar e povoar uma terra que “precisava” de um dono, como se não o tivesse.
Logo depois, vai-se para as aulas régias, com a chegada do Marquês de Pombal, já no século
XVIII, que expulsou os jesuítas e instituiu, pela primeira vez, o ensino público no Brasil
(SHIGUNOV NETO, 2015).

Consequentemente, em 1808, com as transformações de Colônia para Império, a


educação passou a ser propedêutica e preservava ainda mais sua característica elitista. Com a
proclamação da República Brasileira e a outorga da Primeira Constituição, o ensino passou a
ser gratuito e leigo nas escolas públicas. Segundo Shigunov Neto (2015, p. 267), foi somente
a partir deste período “que a educação começou a tomar contornos diferenciados e a se
constituir num problema de ordem social”.

Em 1934, já passando pela Terceira Constituição Brasileira, a educação foi colocada


como direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos. Logo
após, com o Estado Novo, o ensino passou por algumas reformas, no ensino secundário e
técnico. Outra característica da educação pública do período é a função de construtor da
ordem ou da desordem na sociedade (ALMEIDA, 1998). Com o fim desse período, o então
presidente Eurico Gaspar Dutra, na elaboração de uma nova Carta Magna do país, promoveu
a educação primária gratuita e obrigatória para todos.

Ainda durante esse período dos anos 50, iniciaram-se as discussões sobre a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, além da criação do Ministério da Educação e Cultura.
Posteriormente, com a guinada industrial e desenvolvimentista do Governo de Juscelino
Kubitschek, apresentaram-se no Brasil novas teorias e discussões sobre o ensino público e
privado. Embora esse período tenha sido marcado por grandes inovações, a educação para
todos não foi priorizada, mas o que se estabeleceu foi novamente um ensino técnico para
suprir as necessidades que o mercado de trabalho exigia no momento.

Mais tarde, em 1964, o país passou pelo governo militar, embora de maneira rígida e
repressiva, os militares previram a modernização do ensino superior, bem como ampliaram o
tempo da educação básica no país, sugerindo que as mudanças que buscavam para o país
passavam pela educação. Nesse período, foi assinado o primeiro acordo entre o Ministério da
Educação e a Agência Americana para o Desenvolvimento, o chamado MEC-USAID, que
consistia em encontros dos professores brasileiros com os norte-americanos; o resultado disso
foi o Relatório Meira Matos, nome do Coronel que o redigiu.
38

No período de abertura democrática, um dos princípios era a reação do crescimento


econômico e o desenvolvimento social. Deste então, até os dias atuais, teve-se uma
preocupação de elevação e preservação econômica que passa pela escola, e, assim, iniciaram-
se os programas para garantir a universalização do ensino para todos.

Sobretudo, nas últimas décadas, observou-se uma internacionalização das Políticas


Públicas para a garantia de cooperação do desenvolvimento econômico, em que as
agências internacionais orientam termos de políticas educacionais. Akkari (2011) afirma que a
profundidade desse processo de internacionalização varia conforme os países e regiões do
mundo, gerando novas formas de regulação das políticas educacionais nacionais.

A influência das discussões em nível internacional no âmbito das políticas nacionais


de Educação nos incita a questionar se ainda existiram políticas nacionais de
Educação. A mesma reflexão pode ser colocada em matéria de política financeira,
econômica ou de saúde em um determinado país. De modo geral, podemos afirmar
que os conceitos, as reformas, as inovações e empréstimos circulam entre os países
(AKKARI, 2011, p. 14).

Como pode se observar, em nenhum momento, até os dias de hoje, o Brasil teve uma
política própria para a educação e o ensino. Desde o início, a escola serviu para dinamizar
outras funções, as quais não foram a de ensinar para vida, ou para a cidadania, como é
proposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, no Título II, Art. 2º:
“a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996).

As escolas brasileiras têm sido reguladas por políticas curriculares que visam atingir
números, e para isso são utilizados artifícios como promoções, premiações e incentivos aos
professores e às escolas que atingirem as metas esperadas. Esse tipo de conduta adotada pelo
governo gera um ranking de disputa entre as escolas, o que atinge o trabalho do professor de
tal forma que passa a treinar os educandos para a disputa. Esta pode ser observada no
currículo, no modo como as avaliações são elaboradas, em como os conteúdos são
trabalhados, tal qual o professor ensinou e que, no final, gerará um número (nota) alto ou
baixo. Nesse contexto, para o educando e para o professor gera-se sucesso ou fracasso.
39

O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente sob a forma das
disciplinas ou dos comportamentos que ensinam – as regras e rotinas para manter a
ordem, o currículo oculto que reforça as normas de trabalho, obediência,
pontualidade, etc. O controle é também exercido por meio das formas de significado
que a escola distribui: o “corpus formal do conhecimento escolar” pode tornar-se
uma forma de controle social e econômico (APPLE, 2006, p. 103. Grifo nosso)

Da maneira como a escola foi e está estruturada acaba por garantir que a sociedade se
mantenha da forma como ela. As escolas controlam as pessoas; ajudam a controlar o
significado. Pelo fato de preservarem e distribuírem, o que se percebe como “conhecimento
legítimo” – o conhecimento que “todos devemos ter” –, as escolas conferem legitimidade
cultural ao conhecimento de determinados grupos (APPLE, 2006). O meio para conseguir
esse controle é elaborar um currículo que desenvolva e avalie esse aprendizado. Nesse
currículo são escolhidos os conteúdos e as atividades que elevam todos os grupos ao mesmo
espaço social. Acresce que, para o conhecimento de um grupo tornar-se conhecimento de
todos, só depende do poder político-econômico deste. Como a escola está com sua estrutura
pensada a servir a elite, com certeza esse conhecimento será o deste grupo.

Em tempos de neoliberalismo, da lei mercadológica imperativa de oferta e procura, de


incertezas políticas, apresentam-se novas relações de exclusão. Embora se exerça uma
dominação com ares de liberdade, o currículo mais uma vez cede espaço a interesses externos.
Para Apple (2006, p. 108), “[...] a teoria do desenvolvimento do currículo está fortemente
ligada às necessidades e mudanças econômicas, e influenciados por elas”. Desse modo, fica
clara a função social que o currículo desempenha na escola e para a sociedade (ABADE,
2002).

Nessa direção, de acordo com Gramsci (2001), a escola não reflete a esfera econômica
de um Estado, conceituado pelo autor como uma predominância ideológica de valores e
normas burguesas sobre as classes subordinadas, mas, segundo este autor, a escola tem a
possibilidade de mudar essa esfera com consciência, por meio de incentivos pedagógicos
utilizados pelos professores, durante suas aulas.

Uma das principais críticas de Gramsci (2001) sobre a escola é em relação ao seu
método tradicional, que segrega parte da população através do ensino, pois ela forma mão de
obra especializada entre os integrantes da elite e delega o ensino voltado ao trabalho braçal e
fabril para os pobres. Em contrapartida, Gramsci defende uma escola única, crítica e criativa,
que desenvolva tanto competências intelectuais quanto as profissionais, possibilitando a
autonomia do sujeito.
40

Corroborando com esse pensamento de Gramsci (2001), tem-se o de Apple (2006) ao


afirmar que o currículo por disciplina dá um exemplo interessante desses pontos sobre poder e
cultura. A opção por determinado conhecimento deixa evidente que há uma escolha de
conteúdo, julgando e orientando o que é pertinente ensinar aos educandos. Com essa atitude,
garante-se a preservação do status quo.

Ao estudar os currículos escolares nos deparamos com vários modelos pedagógicos.


Hoje em dia, por exemplo, pela carga horária destinado ao estudo da Matemática e Português,
percebe-se que há um currículo voltado ao ensino tecnicista. Em contrapartida, há pouca carga
horária para a área das Ciências Humanas, tais como História, Geografia e Filosofia, as quais
tem por natureza a reflexão do ser social.

A partir da história da educação é possível visualizar as mudanças ocorridas na


estrutura escolar, e a cada mudança ocorrida nas estruturas política, econômica e social, a
escola se reestrutura atendendo aos interesses da minoria dominante. Ao pensar a educação
brasileira, percebe-se alguma semelhança, mesmo que pequena, na forma como os governos
norte-americano e brasileiro estão tratando a educação e o ensino, em seus respectivos países.
Para o catedrático Jurjo Santomé (2003), muito dos problemas se devem à forma como é
organizado o currículo nesses locais.

Santomé, na sua passagem pelo Brasil, lançando um livro, concedeu uma entrevista ao
Portal Aprendiz, da Uol, e fez o seguinte questionamento, reportando-se a si mesmo:
“Quantos problemas do mundo não partem da forma como estruturamos nossas escolas e o
conhecimento?” (NOGUEIRA, 2013, p. 1). Em seu livro Sentidos Ocultos da Educação
(2013), afirma que a escola é uma das responsáveis por gerar conhecimento, mesmo com esse
“poder”, muitas vezes, ela alimenta preconceitos, competições e modelos de comportamento
como sendo únicos. O autor também suspeita do material didático que é utilizado, o qual
frequentemente é de uso obrigatório e, segundo ele, seu conteúdo é conservador, classista,
nacionalista, entre outras classificações.

O autor acredita que a escola ensina além do conteúdo, contendo também, conforme
ele denomina, o currículo oculto, o qual não está previsto nos programas e metas do ano
letivo, mas se origina como consequência das trocas de experiência que acontecem na escola
entre professor e aluno, aluno e aluno, aluno e funcionário. Cada indivíduo segue um
princípio, e, ao juntarem-se uns com os outros, há uma troca, na qual já acontece um tipo de
41

aprendizado, que não é programado. Percebe-se isso a cada troca de diretor, por exemplo, pois
cada um tem uma forma de organizar a escola. Durante o tempo que esse diretor estiver à
frente da escola, as coisas serão do jeito dele. Mesmo depois que outro assumir, sempre ficará
um resquício do que passou, em alguma norma, rotina, ou costume, que será levado para vida
do aluno. Este que vivenciou e aprendeu com aquele diretor seguirá o que aprendeu,
resistindo ao novo. Essa atitude, para Santomé (2003), é o currículo oculto.

Outro autor que estuda currículo é Peter McLaren, canadense radicado nos EUA, PHD
em Educação e um dos principais teóricos da Educação Crítica. No Brasil, uma corrente
próxima é representada pelas ideias de Paulo Freire. Ao se deparar com a Pedagogia Crítica,
percebeu o que estava acontecendo em seu mundo profissional, e escreveu seu primeiro livro,
no qual conta o seu cotidiano. Após a sua escrita, ele teve contato com os escritos de Paulo
Freire, ficando decepcionado com a realidade de muitos educadores.

No cotidiano do educador é comum sentir estes fatos, perceber as diferenças e até


conhecer a subjetividade das normas que regem o seu trabalho, mas não é fácil reagir a essa
situação. Foi o que aconteceu com Peter McLaren (1986) ao apenas descrever o que acontecia
na realidade escolar. Essa ação “deixou” uma “brecha” para que as pessoas pensassem “o que
quisessem” sobre o dia a dia da escola. Porém, o autor logo entendeu que essa atitude era
perigosa, porque esse pensamento livre pode ser manipulado e conduzido por “falácias” de
alguém mais experiente, nesse mundo de oferta típico do neoliberalismo.

McLaren foi vítima de má interpretação, sendo mencionado até por integrantes da Ku


Klux Klan. Sobre tal episódio, escreveu:

Uma noite cheguei a escutar no rádio um líder da Ku-Klux-Klan (organização


racista norte-americana) recomendar o meu livro! O radialista perguntou como é que
ele estava recomendando um autor progressista e ele respondeu: ah, mas se vocês
lerem o mau comportamento daquelas crianças, terão vontade de mudar as leis de
imigração. Terão vontade de manter as pessoas de pele escura fora do país. Sem
querer, acabei personificando a ideologia dominante do europeu de pele branca, bem
educado. Reforcei toda a ideologia pedagógica cultural. Atualmente meus livros são
menos populares, não estão entre os dez mais vendidos, são mais teóricos, mais
reflexivos. Mas são mais honestos (MCLAREN)7

7
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/.
42

Como deve ser, a escola não está afastada da realidade social. Obviamente que essa
lógica inclui os problemas. Desta maneira, McLaren (1986) refere-se aos preconceitos e
racismos que acontecem nos Estados Unidos da América. Por isso é importante pensar e
relacionar as suas reflexões com os casos brasileiros. Por exemplo, quando um grupo de
adolescentes, na escola, avista outro, ou até mesmo pessoas que veem na rua, as quais, de
certo modo, “fogem” aos padrões pré-determinados por eles ou por outro grupo que seguem,
esses adolescentes logo fazem uma breve análise sobre cabelos, cor, roupas, entre outros.
Essas atitudes, na opinião da autora desta pesquisa, como estudante e observadora dessas
questões, são consideradas como um preconceito, algo bastante problemático e que deve ser
evitado. Assim, a educação é o maior destruidor destes pensamentos preconceituosos.

Retornando a entrevista de McLaren, em relação aos jovens estarem sendo treinados


para o trabalho, e ele respondeu como isso acontece:

McLaren - Nos Estados Unidos há também essa atitude resignada frente à


mistificação de que como a economia está florescendo, como nunca se vendeu tanto
e o nível de emprego ainda está bom - embora sejam, na sua maioria, empregos
temporários. As pessoas acham que, a fim de se manter no topo, têm de se resignar.
E isso acontece como? Diminuindo as demandas nos sindicatos, pensando que
devem se resignar pelo fato de a força de trabalho estar perdendo poder. Apenas nas
universidades está havendo uma certa reação, e isso é otimista. Mas, fora isso, vejo o
que vocês vêem aqui: resignação (MCLAREN).

O autor ainda explica:

Os ativos, detidos por 358 bilionários no mundo, excederam as rendas agregadas de


países com 45% da população do mundo, exacerbando a divisão rica e pobre da
forma mais grotesca imaginável. Os norte-americanos reclamam da pornografia, mas
para mim isso é uma grande pornografia. Eu me deprimo muito quando olho para
esses números, porque fico pensando que esses ricos odeiam os pobres. Essa
burguesia não suporta nem a visão desses pobres e se irrita quando os vê. Eles não
enxergam a própria responsabilidade e não se sentem responsáveis pela pobreza que
eles estão gerando (MCLAREN).

Essa concentração extrema de renda afeta a vida de bilhões de pessoas. Sendo


positivo, a educação tem o poder de transformar esta realidade. A transformação social não
precisa ser radical ou revolucionária, mas carece ser promotora de pessoas conscientes de sua
condição social. Elas, detentoras do conhecimento e conscientes dos seus poderes na
democracia, podem exigir mudanças. Aqui entra a educação como início, meio e fim do
processo de redistribuição do conhecimento e das riquezas sociais.
43

Percebe-se, ainda, de maneira geral, no discurso dos ministros, nas reformas que estão
previstas e pelas avaliações que a escola passa todos os anos, que o intuito, quando se refere à
educação, é mostrar números, somente índices. Números e dados que são apresentados sem
contextualização acabam sendo tidas como negativas. Esses elementos acabam apresentando
uma falsa verdade, no caso, diz que a educação pública brasileira é inviável e ineficiente. Em
outras palavras, estes avaliadores geram a perspectiva que só importa a aptidão com provas,
ou ainda, com resultados nestas avaliações, rejeitando os ensinamentos sobre sociabilidade,
integração, respeito, reflexão sobre o seu papel na sociedade.

A opinião desta autora é que a educação precisa ser pensada para educando, professor
e gestor escolar. “É um processo que necessita de tempo. Um tempo para fazer identidades,
para acomodar inovações, para assimilar mudanças” (NÓVOA, 1992, p. 16). O professor
precisa revisitar teorias, encontrar-se com novas práticas, explorar melhor a sala de aula. O
educando, por sua vez, quer aprender, mas também compreender o sentido daquilo que faz
dentro da escola. Infelizmente, essa perspectiva está desconectada do mundo dele, está na
parte “chata” da vida, tal qual como o trabalho. Em relação aos deveres e obrigações destes
indivíduos, é necessário manter a reflexão de que todos devem cumprir com os seus deveres
enquanto cidadãos, tendo o direito de cobrar os representantes legais. Se for mudado junto
esse pensamento, a Educação e o Ensino têm condições de desempenhar o seu papel de
ensinar, e não mais o de resolver problemas que são de ordem socioeconômica, porém, que
delegam à escola resolver.

Para tanto, é necessário que a escola cumpra com o papel de questionadora, e que as
disciplinas que tenham, em sua matriz própria, o cunho reflexivo e questionador sejam
incorporadas com maior carga horária ou equivalente às demais, como é o caso da História.
5 - O CURRÍCULO NO ENSINO DE HISTÓRIA E AS POLÍTICAS CURRICULARES

No Brasil, o ensino de história passou a ser difundido a partir de 1838, com a


Fundação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB). Então, há uma sistematização
da história nacional de responsabilidade do Instituto. O IHGB, neste período, organiza a
documentação a ser utilizada, o que proporcionou o alargamento do campo de estudos dessa
disciplina. As reflexões pautaram-se nas orientações teórico-metodológicas presentes na
escola positivista, em voga na Europa e amplamente difundida durante os séculos XIX e XX
no Brasil (CERTEAU, 1982) (MARQUES, 2002).

Evidentemente, o ensino de História no Brasil proporciona mudanças em propostas


pedagógicas, no seu processo de independência. Na reforma curricular de 1878, são
privilegiadas as ciências humanas e naturais, em que História e Geografia estavam
conectadas, ligadas em uma única disciplina, correspondendo aproximadamente a (ou pouco
mais de) 10% do conteúdo de ciências humanas. Contudo, o ensino de História permanecia
tradicional, narrando heróis que conduziram a nação a grandes feitos, especialmente membros
da elite e do alto clero. Mesmo com o fim do império, a república não abandonou a tradição
positivista de uma história factual.

O Ensino de História e a concepção de estudos sobre a História se entrecruzaram. O


estilo de estudo sobre a História tornou o ensino baseado apenas em documentos, com a
ausência de análises dos contextos. Essa abordagem metodológica implicou em uma
compreensão dos documentos como os detentores das verdadeiras respostas a todas as
indagações acerca das origens do Brasil (FONSECA, 2003).

Entretanto, no início do século XX, o modelo europeu de civilização começou a


receber críticas. A partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a História assume outros
objetivos: se antes era o de estabelecer um padrão europeu para a sociedade que surgia, agora,
com a Europa a favor da guerra, esse padrão já não era mais o ideal. Percebeu-se, assim, o
surgimento de novos programas para consolidação de uma identidade nacional (LINS, 1967).

Nesse período, destacaram-se projetos nacionalistas, com discurso a favor dos


costumes brasileiros e da vida social e econômica com essas características. O ensino de
História, então, sofreu uma mudança baseada nas novas ideias elaboradas pela escola dos
Annales, apresentadas pelos historiadores franceses Marc Bloch (1886-1944) e Lucien
LeFebvre (1878-1956).
45

Em seguida, a concepção de tempo histórico passou a ser questionada. O tempo já


seria mais linear, progressivo na organização social. Tradições antes vistas como sem
importância pela História positivista foram identificadas e compreendidas por meio de uma
possível simultaneidade de tempos históricos, de maneira que o desigual não era mais tido
como selvagem. Instaurou-se uma profunda crítica à produção da História. Percebeu-se ainda
uma modificação e ampliação do conceito de documento. Admitiu-se a construção histórica
não só com documentos oficiais, mas também por meio de utensílios utilizados pelo ser
humano, ou até mesmo pelo ambiente onde esse vive. Assim, a História passa a ser estudada,
conforme LeFebvre (1978, p. 109), da seguinte maneira:

Pouco conhecidas são as massas. Épocas inteiras não nos deixaram sobre elas
qualquer testemunho direto detalhado. Aristocrática, por sua origem, a História
durante séculos, e ainda hoje, só tem tido olhos, na grande maioria das vezes, para
Reis, os Príncipes, os condutores de povos e exércitos. [...]. As massas anônimas?
Essas serão justiçadas com uma psicologia coletiva fundada sobre o estudo das
massas atualmente apreensíveis, e que sem esforço estenderá (segundo se supõe)
suas conclusões às massas de outrora, às massas históricas. Os indivíduos distintos,
os ‘personagens históricos’ entrarão naturalmente na psicologia individual. Os
documentos comportam uma interpretação psicológica de sua atividade e de seu
caráter (FEBVRE, 1978, p. 109. Grifos nossos.

O debate acerca da História tornou-se proveitoso diante das novas metodologias. As


ações propostas pela Escola Nova, nos anos de 1930, tornariam ainda mais acirradas as
discussões. Refutando o ensino tradicional, cujas bases eram marcadas por um discurso de
obediência e memorização, a Escola Nova se propôs a reorganizar a escola e adequá-la às
necessidades dos novos tempos.

Na era Vargas, o pensamento nacional desenvolvimentista foi a fundamentação do


discurso dos governos posteriores. A constituição de 1934, sob influência da Escola Nova,
permitiu maior criticidade, e a de 1937 trouxe um retrocesso, fazendo com que, durante o
Estado Novo, a História torna-se o grande instrumento ideológico, reproduzindo valores
dominantes e alienantes.

Após 1945, a História foi, para movimentos políticos e populares, instrumento


fundamental para que o indivíduo assumisse uma postura crítica em relação à sua própria vida
e contexto social. Perceberam-se essas influências, particularmente, nos anos de 1950-1961,
tendo seu auge com Juscelino Kubitschek (JK). Se com Getúlio Vargas o
desenvolvimentismo era fomentado pelo capital nacional, no período de JK, o capital
46

estrangeiro tomaria singular importância no desenvolvimento industrial brasileiro. Porém,


mesmo recorrendo a empréstimos internacionais, JK se negava a pagar os juros e também não
aceitava intervenções do Fundo Monetário Internacional. JK possui uma orientação
nacionalista liberal, diferentemente dos dias atuais, em que o país segue à risca o pacote de
orientações neoliberais (SAVIANI, 1981).

O formato da História passa a ser considerado um elemento fundamental e parte da


cultura ocidental. Mas cabe salientar, este não é um processo estanque, muito pelo contrário,
sofre variações ao longo do tempo. O governo militar, por exemplo, tentou estabelecer novos
parâmetros para a educação e o ensino dessa disciplina (FONSECA, 2003).

O governo militar centralizador e de características repressivas, que em 1968 se tornou


ainda mais emblemáticos, com o Ato Institucional AI 5, foi marcado pela perseguição dos
segmentos sociais não aliados aos ideais militares. No entanto, a década de 1960 terminou
com o clamor dos segmentos sociais pela redemocratização das ações políticas no Brasil; a
educação e, consequentemente, o ensino de História, novamente tomaram outro rumo. Assim,
o ensino de História passou por medidas restritivas tanto no ensino quanto na formação de
professores, e os programas foram reorganizados no sentido de exercer controle ideológico e
eliminar qualquer tentativa de resistência. Durante o regime militar, o ensino dessa disciplina
foi novamente unido ao de Geografia, e, em 1989, com a redemocratização, tornou-se crítico.
O aluno, por sua vez, nos anos 1990, deixou de ser folha branca que deveria ser preenchida e
tornou-se protagonista na construção do conhecimento. Esse avanço teve a origem nos PCNs,
estabelecendo eixos temáticos que permitiram romper com a história cronológica e linear.

No pensamento dos militares, sem o aparato didático da escola e as informações


necessárias para se elaborar um questionamento sobre a organização do país, a capacidade de
indagação se limitaria. Então, houve uma reordenação no ensino de História de forma que os
conteúdos estudados não comprometiam o programa político do governo. Apesar das
determinações deste, observa-se que o período das lutas pelo ensino voltado à compreensão
do processo histórico e o papel dos anônimos no desenvolvimento social se mantiveram, ou
seja, uma realidade que posteriormente foi debatida, na década de 1970, pelo movimento de
professores de História.

Portanto, pode-se verificar que o ensino de História, no Brasil, se confunde com a


própria História do país e da educação. Embora a educação pública, que surgiu com a
47

promessa de uma instrumentalização dos indivíduos para o exercício da liberdade e do


desenvolvimento social, ter se mostrado comprometida por fatores econômicos e políticos
desfavoráveis, não impediu a reflexão e a busca por um ensino de melhor qualidade.
6 - METODOLOGIA

Este capítulo está dividido em três subseções, nas quais são apresentadas,
respectivamente, as caracterizações da pesquisa; o tipo de pesquisa e constituição do corpus e
os procedimentos de análise, a fim de se compreender como este estudo foi organizado.

6.1 CARACTERIZAÇÕES DA PESQUISA

Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, uma vez que o pesquisador pauta suas
análises na interpretação do mundo real, preocupando-se com o caráter hermenêutico da tarefa
de pesquisar a experiência vivida dos seres humanos (LUDKE, ANDRÉ, 1986) (ANDRÉ,
2007). Desse modo, os fatos decorrentes da ação humana não são quantificáveis, mas
interpretados a partir da particularidade do contexto. Esse tipo de pesquisa é comumente
usado nas áreas de ensino e educação, devido as modificações constantes no cenário dos
estudos em educação.

Com base nesses conceitos, entende-se que a característica qualitativa foi importante
para o manuseio dos documentos e à interpretação dos dados, uma vez que, nessa abordagem,
pode-se analisar a fundo os conceitos presentes nos documentos verificados, tornando o
aprendizado mais significativo, tanto para a pesquisadora, quanto para a relevância científica
do estudo (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

6.2 TIPO DE PESQUISA E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

O tipo de pesquisa é o de cunho bibliográfico, o qual permite aos pesquisadores


conhecer o que já foi estudado e publicado sobre o objeto de análise. Há, inicialmente, o
levantamento de referenciais teóricos veiculados por meios escritos e eletrônicos, como livros,
artigos científicos (FONESCA, 2003).

Aliada à pesquisa bibliográfica, empregou-se a pesquisa documental, com crítica ao


documento. Entende-se que as fontes são essenciais para compreender as influências das
49

políticas neoliberais no ensino brasileiro. A partir delas é possível comparar e confrontar o


contexto real com aquele idealizado.

Desse modo, por ser uma pesquisa bibliográfica e documental, o corpus constitui-se
pelos seguintes documentos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei nº 9394\96
(BRASIL, 1996), Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – História
(BRASIL, 1997) e Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016). Como subsídio
teórico, apoiou-se nos seguintes autores: Apple (2006; 2008), Santomé (2003; 2013), Gramsci
(2001), Akkari (2011), Freire (1982), Andreoli (2002), Gadotti (1983) e Sander (2011).

6.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Para os procedimentos de análise, empregou-se a Análise Textual Discursiva (ATD), a


qual se caracteriza como uma abordagem de análise de dados “[...] que transita entre duas
formas de análise de pesquisa qualitativa, que são a análise de conteúdo e análise de discurso”
(MORAES; GALIAZZI, 2006 p. 118). Para Moraes (2003, p. 192), essa análise

[...] pode ser compreendida como um processo auto-organizado de construção de


compreensão em que novos entendimentos emergem de uma sequência recursiva de
três componentes: desconstrução do corpus, a unitarização, o estabelecimento de
relações entre os elementos unitários, a categorização, e o captar do novo emergente
em que nova compreensão é comunicada e validada.

A ATD possui quatro ciclos que conduzem a interpretação dos dados. São todos
importantes, porém, um tanto desconcertantes para o pesquisador, mas que com o andamento
da pesquisa vão se encaixando e tornando-se um novo texto conclusivo. Para que seja possível
a análise, descrevem-se, a seguir, os elementos dos quatro ciclos da ATD:

1º) Desmontagem dos textos: também denominado de processo de unitarização,


implica examinar o corpus da pesquisa em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de
atingir unidades constituintes, enunciados referentes aos fenômenos estudados. Então, a
desmontagem dos textos, nesta investigação, constitui-se no contato inicial com o corpus – os
documentos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei nº 9394\96 (BRASIL,
1996), Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – História (BRASIL,
50

1997) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016).

2º) Estabelecimento de relações: processo denominado de categorização, implicando


construir relações entre as unidades de base, combinando e classificando-as no sentido de
compreender como esses elementos unitários podem ser reunidos na formação de conjuntos
mais complexos, as categorias. Neste sentido, a pesquisadora, ao ler atentamente os
documentos, observou o que mais chamava a atenção no texto, na tentativa de reconhecer as
unidades de sentido, ou seja, quais pontos eram relevantes de serem estudados mais
profundamente. Após, separou-os do restante do texto e, desse modo, identificou as categorias
de análise.

3º) Captando o novo emergente: a intensa impregnação, nos materiais da análise,


desencadeada pelos dois estágios anteriores, possibilita a emergência de uma compreensão
renovada do todo. O investimento na comunicação dessa nova compreensão, assim como de
sua crítica e validação, constitui o último elemento do ciclo de análise proposto (MORAES,
2006).

Nesse processo, surgem muitas incertezas para o pesquisador, ao separar o corpus para
a análise, fazendo com que ele sinta um pouco de desequilíbrio emocional (tendo em vista o
carácter de responsabilidade e dificuldade nas escolhas), embora esse momento seja
necessário para formar o terceiro elemento de pesquisa: o metatexto. Este consiste na
produção do texto, em que o pesquisador expressa seu aprendizado, a partir da interpretação
dos dados, os quais foram coletados pela procura do que é mais relevante ou mais saltou aos
olhos do pesquisador, no momento da leitura. Na opinião da pesquisadora deste trabalho, essa
experiência foi bem difícil, uma vez que teve muitas incertezas, mas considerou uma
experiência realmente única, pois teve a sensação de dever cumprido, ao começar a entender
realmente o processo e o metatexto, e a pesquisa começar a criar forma; bem como quando as
informações foram se tornando mais claras, até perceber que esse método de análise é
realmente um processo autoreflexivo.

4º) Processo auto-organizado: o resultado deste processo representa um esforço em


explicitar a compreensão que se apresenta como produto de uma nova combinação dos
elementos construídos ao longo dos passos anteriores. Isto significa dizer que o quarto e
último elemento do ciclo de análise emerge da desconstrução dos materiais do corpus
(unitarização), para posteriormente surgir o processo de reconstrução das novas
51

compreensões (categorização) e da explicitação do fenômeno investigado (metatextos).


7 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Neste capítulo do trabalho, há a análise dos dados levantados, a discussão sobre as


possíveis influências neoliberais nas políticas curriculares públicas, no Brasil, tendo como
foco o ensino de História, cuja discussão foi iniciada nos capítulos anteriores. Neste sentido,
considera-se importante contextualizar as principais políticas curriculares brasileiras:
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum Curricular e LDB
(1996).

7.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) PARA O ENSINO


FUNDAMENTAL

Para compreender melhor o processo de elaboração do documento organizado pelo


Ministério da Educação, intitulado “Parâmetro Curricular Nacional” (PCN), é necessário fazer
uma leitura histórica. Para tanto, é preciso se reportar à década de 80, a fim de entender os
fatores determinantes ao seu surgimento, além de identificar as relações sociais existentes
nessa época.

Pode-se enfatizar que, nas décadas de 1970 e 80, se estabeleceram as influências


citadas anteriormente, além das mudanças que aconteceram no sistema produtivo, as quais
exigiam novas formas de organização social, a democratização do ensino, que propiciou
oportunidades de acesso à escola às pessoas desfavorecidas economicamente, como
consequência, ocorreu um repensar das políticas educacionais.

Desta forma, os organismos internacionais visavam o crescimento da economia em


crise. Com esta nova realidade econômica, os organismos internacionais propuseram, então,
seus financiamentos aos setores sociais, “com a intenção de diminuir a pobreza nos países
subdesenvolvidos e garantir a participação das camadas mais pobres nos benefícios do
desenvolvimento” (FONSECA, 1995, p.169).

No período de 1990, o Brasil participou da Conferência Nacional de Educação para


Todos, realizada na Tailândia e organizada pelo Banco Mundial, juntamente com outros
órgãos internacionais, com o objetivo de elaborar novas diretrizes para a educação, por
exemplo, eliminarem o analfabetismo até o final do século. Foram também definidas políticas,
53

a fim de serem aplicadas nos anos seguintes. Desse modo, o primeiro passo da Conferência
foi pressionar os países dependentes financeiramente quanto ao seu atraso em relação ao
desempenho educacional, o que era e continua sendo o caso brasileiro. Considerando o
compromisso assinado frente à proposta de “Educação para Todos”, o Brasil lentamente se
apropriou e obedeceu à regra do Banco Mundial e do FMI, incorporando a política do capital
financeiro, passando a organizar-se segundo as propostas dos organismos financiadores e
buscando a elaboração das suas propostas curriculares.

Estes foram evidentemente os primeiros passos a definirem o surgimento do


documento PCN, sendo de fundamental importância analisar o porquê e como isso aconteceu.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a legislação declarou a


necessidade de se organizar um currículo para o ensino fundamental em que contemplasse
uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e
locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996, Art. 26). Desse
modo, a partir do texto legal, o Ministério da Educação e Desporto pensou ser primordial
elaborar um documento que orientasse a prática pedagógica tendo em vista a amplitude do
território nacional, as diferenças de formação do professorado e suas dificuldades de acesso a
conteúdos pedagógicos atualizados. Surgiram, assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), que começaram a ser elaborados em 1995, e, ao final desse ano, já se conhecia uma
versão preliminar apresentada a diferentes instituições e especialistas. Em resposta, o MEC
recebeu cerca de 700 pareceres, que foram catalogados por áreas temáticas e embasaram a
revisão do texto. Delegacias do MEC promoveram reuniões com suas equipes técnicas, o
Conselho Federal de Educação organizou debates regionais, e algumas universidades se
mobilizaram. Essas ações subsidiaram a produção da versão final dos PCNs para 1ª a 4ª
séries, que foi aprovada pelo Conselho Federal de Educação, em 1997. Em seguida, os PCNs
foram transformados no conjunto de dez livros e lançados em 15 de outubro de 1997, Dia do
Professor, em Brasília. Nesse momento, professores de todo o país receberam seus
exemplares em casa, e o MEC iniciou a elaboração dos PCNs para 5ª a 8ª séries.

Assim, os PCNs constituem uma coleção de documentos que, além de uma introdução
geral, abordam a tradição pedagógica brasileira, dados estatísticos sobre população, alunos e
professores (dados de 1990), orientações metodológicas (o socioconstrutivista, a postura
crítico-social de conteúdo, as teorias psicogenéticas) e conteúdos técnicos sobre planejamento
54

e avaliação. Neles, encontram-se listadas as exigências educacionais previstas pela LDB, a


Base Nacional Comum (o currículo disciplinar) e a utilização da transversalidade (Temas
Transversais), como instrumento de trabalho para contextualização dos temas de aula. Há
também, nos documentos, os objetivos gerais e específicos, além das características das áreas
do conhecimento componentes da Base Nacional Comum, a listagem dos Temas Transversais
e exemplos de como trabalhá-los.

Os Parâmetros abordam todas as modalidades da Educação Básica no Brasil, inclusive


Educação Especial, modalidade educativa que perpassa de modo transversal todos os níveis
de ensino, inclusive o nível superior. ElesColaboram para a melhoria do ensino em todas as
áreas do conhecimento, tornando-se um suporte de pesquisa para os professores que sentirem
necessidade.

7.2 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)

Em 2014, a necessidade de se rever as bases e as diretrizes que orientam o ensino, nas


escolas de educação básica brasileiras, pois, de acordo com pontos de vista de especialistas do
MEC, dos estados e de cidades do país, era necessário haver uma unidade em termos de
conteúdo a serem estudados. Então, deu-se início à construção da nova Base Nacional
Comum Curricular (BNCC).

Segundo o texto oficial da BNCC, um documento normativo define o “[...] conjunto


orgânico progressivo de aprendizagens essenciais e indispensáveis que todos os alunos
devem desenvolver ao longo da Educação Básica” (BNCC, p. 8 grifos nossos e do autor).
Desse modo, a BNCC torna-se obrigatória para todas as escolas tanto públicas quanto
privadas, obrigando que as escolas trabalhem com a base de habilidades contidas no
documento e que elas trabalhem com outros conteúdos que nela não estão contidos. Isso
acontece em função de uma política de Estado, e não de governo, ou seja, é uma política que
abrange todo o país e deverá ser seguida independentemente da plataforma política que estiver
à frente da nação. Na realidade, sabe-se que a intenção é padronizar o ensino e voltar a ensinar
habilidades para o trabalho.
55

A BNCC apresenta, em seu texto, a luta por equidade no ensino, em todas as regiões
do país, mas há uma questão é: considerando que existe dificuldade de criar um Referencial
Curricular Comum no âmbito municipal, será isso possível nacionalmente? Esta indagação
cria algumas reflexões: temos um documento bem escrito, estará ele bem intencionado? O seu
valor teórico injetará ânimo para a efetivação prática da sua proposta? Ou a educação
brasileira se limitará aos índices.

Independentemente do tempo que o estudante permaneça na escola, deverá receber


uma educação integral. A discussão atual de uma base comum de ensino básico, a nível
nacional, mobiliza toda a história da educação no Brasil e levanta questões igualmente como
em outros períodos históricos, para produzir argumentos em defesa da centralização
curricular, ou, conforme se lê, no próprio documento, o que é necessário o estudante saber em
cada ano?

Por outro lado, cabe lembrar que o mundo globalizado é marcado por todas as formas
de controle internacional. Desde os anos 1990, já existem os primeiros sinais de abertura à
intervenção externa aos mecanismos de avaliação. Eles exercem o controle dos currículos,
justificando-o por baixos níveis da educação e formação deficiente dos professores. Outra
implicação criada e justificada a partir destes mecanismos é a necessidade de ter um
documento que norteie o ensino e regule uma base igual para todos. Ainda que no Brasil se
tenham produzidas, nos últimos anos, inúmeras intervenções na interiorização das
universidades e na melhoria da qualificação dos professores, o discurso da falta de qualidade
segue justificando as políticas públicas em relação à educação.

Esse "discurso da falta de qualidade" não condiz. Pesquisas mostram muitos avanços
na escola pública. Embora com pouca visibilidade junto à sociedade de maneira geral, e não
aparecendo nos jornais das grandes emissoras, as escolas desenvolvem uma série de
experiências formativas significativas de aprendizagens com os estudantes. Será que a Base
Nacional Comum dará conta dessas experiências? Em seu texto, a BNCC deixa um espaço
para que as escolas acrescentem conteúdo a serem trabalhados, ou seja, há uma parte
diversificada que, segundo a legislação, contempla as características regionais e locais da
realidade dos educandos. No entanto, diante de tantas avaliações internas e externas, é bem
provável que os professores se preocupem em preparar seus alunos para responder a questões
e não a interpretá-las, tanto as de provas quanto as da vida pessoal. Assim, acabam não
56

trabalhando nenhum conteúdo diversificado, o que caracteriza um ensino preparatório, e não


uma formação globalizada ou integrada, como a legislação prevê.

No livro Concepção Dialética da História (1978), Antonio Gramsci faz uma diferença
entre individualidade e personalidade, onde esta se constrói pela consciência e pelo agir do
homem a partir das circunstâncias, através da tomada de consciência das relações do que o
limita ou o liberta. Assim, a ética, em Gramsci, diz respeito à compreensão da relação da
formação do indivíduo no percurso da própria ética na política, ou seja, os princípios são
postos a partir do envolvimento do sujeito, no contexto social, num compromisso constante
com a sociedade.

Então, nesse contexto, tem-se outra ideia de educação, entendendo que ela se faz no
foco de duas leituras: a da sociedade política e a da sociedade civil. Para Gramsci, ambas são
um conjunto de dois espaços do Estado. No ponto de vista liberal, as sociedades política e
civil são separadas, mas para Gramsci, não há essa divisão, pois ele entende que o Estado é o
principal educador. Sendo assim, a educação, no âmbito da sociedade política, se faz pela
coerção, e, no âmbito da sociedade civil, pelas culturas, escolas, famílias, universidades, entre
outros. Diante disso, Gramsci defende uma escola do trabalho e não uma escola burguesa. A
educação, portanto, tem que ter o vínculo com a prática, se fazer a partir da ação e
compreensão mais abrangente de mundo com a ajuda do processo histórico.

Dado este enfoque, faz-se necessário afirmar que, num processo de organização
política de estrutura do Estado, o conhecimento é poder, porque modifica, e a hegemonia
intelectual é a luta por uma nova ordem social, possuindo, assim, como núcleos de discussão,
a análise das sociedades política e civil, onde a Escola se faz presente em ação e decisão para
a formação humana.

Desse modo, o que difere os objetivos da BNCC do pensamento de Gramsci é que, na


escola do trabalho de Gramsci, o individuo é único, aprende e desenvolve o que realmente
tem interesse. Já a BNCC propõe uma padronização do saber fazer, ou seja, em todos os
lugares que houver uma escola, os alunos serão iguais e saberão fazer as mesmas atividades. E
as questões que não me deixam sossegar, enquanto pesquisadora, é se a proposta de igualdade
e equiparação curricular acabará com os analfabetos funcionais e com a alienação do
indivíduo; entre tantas e outras questões que surgem em minha mente enquanto escrevo as
constatações após as leituras.
57

7.3 RECORRÊNCIA E INTENCIONALIDADE DOS VERBOS REFERENTES AO


ENSINO DE HISTÓRIA, NOS PCNS E NA BNCC DO 6º AO 9º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL

Iniciam-se, a partir de agora, a análise e discussão dos dados da pesquisa, extraídos


dos referidos documentos. Desse modo, o estudo dos documentos permitiu identificar três
categorias de análise, a saber: 1) Recorrência e Intencionalidade dos verbos referentes ao
ensino de História nos PCNs e na BNCC, do 6º ao 9º anos, do ensino fundamental; 2)
Habilidades e Competências a serem desenvolvidas nos PCNs e na BNCC para o ensino de
História, nos anos finais do ensino fundamental, e 3) Conteúdos de ensino de História na
BNCC e nos PCNs.

O quadro 1 apresenta a recorrência dos verbos utilizados no texto referente ao ensino


de História, nos PCNs do 6º ao 9º ano do ensino fundamental

Quadro 1 – Recorrência dos verbos nos PCNs do 6º ao 9º ano do ensino fundamental

VERBOS RECORRÊNCIAS
Identificar 1 Vez
Situar 1 Vez
Reconhecer 1 Vez
Compreender 1 Vez
Conhecer 1 Vez
Respeitar 1 Vez
Questionar 1 Vez
Valorizar 2 Vezes
Dominar 1 Vez

Fonte: a autora

O velho e trágico conceito althusseriano da escola como Aparelho Ideológico do


Estado, do início da década de 70, é ressuscitado, pois os

Parâmetros Curriculares Nacionais são orientações do governo, através do


Ministério da Educação, a respeito da DIREÇÃO DO PROCESSO DE
FORMAÇÃO HUMANA nos Projetos de Escolarização do Sistema Nacional de
Educação, especificamente para o ensino fundamental. Ou seja, representam a
direção e a centralização da orientação curricular sob o prenúncio do Estado
(TAFFAREL, 1997, p. 29).
58

A construção dos PCNs no Brasil representa a ingerência e o controle ideológico do


Estado e das elites dirigentes, articuladas ao projeto neoliberal, que tem, em seus agentes
financeiros, como o Banco Mundial, amparo do capitalismo. Nesse contexto, os PCNs
definem a função social da escola como a inserção dos jovens no mundo do trabalho, através
da apropriação e reconstrução crítica e construtiva dos conhecimentos socialmente
produzidos. A crítica a essa função é por não questionar o mundo do trabalho capitalista, nem
contribuir para formar um novo homem, mesmo contendo, em seus objetivos, verbos
significativos que abririam espaço para tal formação. Um país capitalista como o Brasil,
subserviente ao capital internacional, só poderia conduzir a sua política educacional neste
sentido, do modo capitalista de pensar e fazer pensar.

O quadro 2, por sua vez, apresenta a recorrência dos verbos utilizados no texto
referente ao ensino de História na BNCC do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.

Quadro 2 – Recorrência dos verbos na BNCC do 6º ao 9º ano do ensino fundamental

VERBOS RECORRÊNCIAS
Identificar 9 vezes
Conhecer 1 vez
Descrever 5 vezes
Discutir 1 vez
Explicar 1 vez
Caracterizar 2 vezes
Associar 1 vez
Conceituar 1 vez
Analisar 7 vezes
Comparar 2 vezes
Diferenciar 1 vez
Avaliar 1 vez

Fonte: a autora

Esses dados apontam para importantes concepções sobre o ensino de História, no


currículo na BNCC, sabendo que este surge a partir de uma seleção do que se julga necessário
conhecer. É fundamental questionar o conteúdo que se deve ou não ensinar aos alunos, além
de pensar na questão de uma base igual em História, em que o lugar de cada povo, etnia e
regionalismo podem ficar subjugados ao espaço comum dos grandes centros. A atenção à
parte diversificada, que leva em conta as diferenças regionais de cada povo corre o risco de
ficar sufocada, em meio a testes e conteúdos obrigatórios a todos e distantes de tantas regiões
59

desse país imenso e diverso. Analisar a escola apenas pelo ponto de vista sociológico,
histórico, político e econômico indica uma lacuna enorme sobre os mais variados temas.

[...] Ressaltamos que a valorização da localidade, das negociações e diversidades de


sentidos, em suas manifestações autônomas em cada escola, em cada rede, é não
apenas como entendemos ser necessário pensar qualquer construção de “currículo”,
mas um dos primordiais frutos da luta política pela democracia no Brasil e pelo
reconhecimento do direito à diversidade que foi garantido pela LDB e deu origem a
uma sequência de políticas e ações do MEC ao longo dos últimos 20 anos (ANPED,
2015, p. 01. Grifo nosso).

Nesse contexto, perde-se mais ainda quando se separa o ensino de conteúdo das
práticas educativas; educação de emancipação e educação crítica que vinham sendo
construídas gradual e lentamente. Assim, se propõe um currículo com abordagens de
transversalidade previamente determinada, que se dará em tempos e espaços diferentes.

A Associação Nacional de História, originalmente Associação Nacional dos


Professores Universitários de História (ANPUH), fundada em 19 de outubro de 1961, na
cidade de Marília (SP), uma entidade científica organizada com o propósito de congregar os
profissionais de História que atuam no Brasil. A ANPUH não apoia uma Base prescritiva e
subordinada a metas relacionadas ao fluxo escolar, ao controle vertical do trabalho docente e à
obtenção de resultados em testes, como o Exame Nacional do Ensino Médio.

Nesse cenário, com tantos aspectos a serem refletidos, é inevitável a dúvida se


realmente é necessária uma Base Nacional Comum Curricular, mesmo com o excesso de
diretrizes, parâmetros e textos legais que normatizam a educação brasileira. Pensando em
regulação, percebe-se o fato de que, no Brasil, além dos PCNs, em 1997, foram construídos
padrões de referência para o sistema de ensino avaliativo e padronizado que teve início no
começo da década. Ou seja, não há como discutir as questões relativas à BNCC fora da sua
relação com a proposta de avaliação externa: quanto mais específicas forem as definições,
maior será a padronização e mais eficientes serão os instrumentos para aferir resultados. As
consequências da avaliação externa nacional não se limitam à padronização, mas abrangem
mudanças estruturais de todo o processo de ensino, especialmente pelo retorno à meritocracia.

No Brasil, o discurso da falta de qualidade é atenuado por pesquisas, as quais são


transmitidas nas grandes empresas de comunicação, omitindo os avanços educacionais
existentes, o que comprova que a mídia é uma aliada do processo de mercadologia do ensino.
60

As escolas desenvolvem uma série de experiências de formação muito produtivas, e, nesse


trabalho, se referem a escolas públicas. Diferentemente acontece com projetos de empresas
privadas, os quais passaram a ser propagandeados como a solução para as escolas. Nesse
contexto, essas empresas estão somente pensando nos lucros dos donos, pois é sabido que, se
uma empresa tiver algum tipo de projeto social, os impostos que deveriam ser pagos na
integra são negociados e pagos com um menor valor ou nem são pagos.

Desse modo, quando se questiona se essas experiências são compatíveis com uma
Base Nacional Comum para o currículo, a resposta tem sido a afirmação de que há uma parte
diversificada, e que o professor continuará a ser o responsável pela sua aula e manterá a sua
autonomia, a fim de propor boas experiências. Grande parte da argumentação que defende a
base está fundamentada na falta de qualidade do professor. Logo, o que preocupa é a ideia de
que a base do currículo é um conjunto de conhecimentos (objetivos) a serem ensinados a
todos, assim, corre-se o risco de o professor perder a autonomia e passar a ser ensinado a
ensinar?

Pesquisas na área de educação também salientam que as intervenções via centralização


curricular não dão bons resultados. Há muitos outros fatores dominantes para a melhoria da
educação. O próprio ranqueamento, produzido pelo MEC, de escolas com melhores
desempenhos, nas testagens de alunos, indica que sabemos a resposta política ao problema da
qualidade. Ter professores bem-formados com dedicação à instituição é o diferencial das
escolas no topo da listagem do MEC. Melhores salários, mostram as pesquisas, atraem
melhores profissionais, favorecem a sua atualização e permitem que eles passem mais tempo
nas escolas. Como se verifica na experiência da Finlândia, a número um do ranqueamento
internacional, a aposta é em professores bem-formados. Por outro lado, alguns países não
conseguiram segurar o ímpeto dos currículos nacionais, nos anos de 1990, como foi o caso do
Brasil, em que os PCNs não se impuseram como guia curricular obrigatório graças aos
movimentos sociais e à atuação do Conselho Nacional de Educação (CNE). Então, percebe-se
também a comprovada influência da política econômica prevalecendo nas escolhas para a
educação brasileira.

Acerca das concepções a respeito do currículo, encontram-se ainda as opiniões do


autor Santomé, pedagogo, catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade da
Coruña (Espanha). No livro Currículo Escolar e Justiça Social: Cavalo de Troia, vários
argumentos que já se discutiam antes da construção da base, estão agora, com o advento da
61

BNCC, piorando em matéria de currículo escolar. Em seu livro publicado em 2013, Santomé
faz uma análise das implicações curriculares, na educação escolar, dando enfoque a aspectos
que inviabilizam a prática pedagógica, emancipe o indivíduo como a justiça social, na qual
muitos saberes e práticas acabam configurando-se como obstáculos.

Diante disso, surgem estas perguntas: de que adianta uma base curricular comum, se
os alunos não terão acesso igual comum, e, mais atualmente, se o currículo apresentado nas
escolas não contribui para o desenvolvimento pleno, porque está desconectado do cotidiano
dos estudantes? Agora que todos “irão aprender o mesmo conteúdo, da mesma maneira”, será
que vai dar certo? Os verbos utilizados nos objetivos da BNCC não representam, em sua
grande maioria, ações para um ensino comprometido com a sociedade e que permitam às
crianças, aos jovens e adultos um processo de escolarização, de possibilidades de
transformação da realidade. Esses verbos identificam o que cercam esses públicos, mas sem
conhecer – agora como eu faço, para modificar a minha realidade –, como foi que as coisas
chegaram a esse ponto. Esses questionamentos não parecerem ser do interesse de nenhum
currículo.

É preciso aceitar a pretensão de que o século XXI deve ser o século da justiça social,
da paz, da compreensão e da solidariedade global e trabalhar com isso. Nosso século
deve se caracterizar pela empatia e compaixão, mas no sentido etimológico da
palavra: sofrer juntos, compreender o estado afetivo e emocional do outro; seguir
uma via que facilite aprender a valorização dos demais como iguais e o respeito a
eles. Portanto, é preciso dar maior ênfase à educação das emoções, à compaixão
como meio de fomentar a ajuda e à compreensão do outro (SANTOMÉ, 2013, p.
163).

É com essa concepção e clareza que se deve ter a consciência de não aceitar a
mercantilização do ensino, mas, acima de tudo, compreender a razão pela qual o autor
apresenta como um desafio que deve ser superado, para se ter um ensino mais sólido e uma
sociedade mais inclusiva, justa e democrática. É necessário acreditar no que é ensinado, mas
no momento, isso não está acontecendo: se ensina o padrão, e o aluno se encaixa ou não. Em
linhas gerais, é preciso mais humanismo no ensino. E o currículo escolar, é, pois, uma
alternativa para trabalhar o que tem ficado em segundo plano, durante o processo de ensino e
aprendizagem, como as emoções, a valorização das diferenças, o respeito, a compreensão, a
humanização em toda a sua complexidade, conforme sugerem os PCNs, que, por sinal, nunca
62

tiveram peso de lei. E por quê? A resposta é simples: não é interessante para alguns
segmentos sociais que todos, de forma igual, saibam a sua história social, ao longo do tempo.

Diante disso, no quadro 3, apresentam-se as semânticas dos verbos presentes nos


PCNs do ensino fundamental para a disciplina de História.

Quadro 3 - Semântica dos verbos nos objetivos dos PCNs do ensino fundamental – História

SEMÂNTICA DE VERBOS NOS PCNS


IDENTIFICAR v. t. Tornar idêntico. Reconhecer como idêntico: identificar um cadáver. V. p.
Confundir o que e seu com o alheio. Compenetrar-se do que outrem sente ou pensa;
conformar-se. (De idêntico + lat. facere).
SITUAR v. t. Colocar ou estabelecer. Edificar em lugar próprio ou escolhido. Assinar lugar a.
* V. i. Bras. Fundar ou estabelecer pequena quinta para criação de (animais) (Do lat.
situs).
RECONHECER v. t. Conhecer novamente (o que se tinha conhecido noutro tempo). Entender que
alguém ou alguma coisa é o mesmo que era. Compreender. Verificar. Ponderar.
Observar. Estar certo de: reconhecer a força de um argumento.
COMPREENDER v. t. Conter em si; abranger: este livro compreende dez capítulos. Incluir. Perceber;
entender: inda não compreendi o que desejas. Conhecer as intenções de: bem te
compreendo. (Lat. compreender)
CONHECER v. t. Ter noção de; saber. Ter relações com. Ter ouvido. Distinguir. Julgar, avaliar.
Reconhecer. Ter experimentado: conhecer desgostos. Sentir a ação de. Admitir. *
Euph. Ter cópula carnal com. V. i. Tomar conhecimento. (Lat. cognoscível).
RESPEITAR v. t. Voltar-se para. Tratar com acatamento ou reverência; honrar. Recear. Ter em
conta. Observar. Atender. Aguentar, suportar. V. i. Dizer respeito. Tomar certa
direção. Pertencer. V. p. Fazer-se respeitado, tornar-se digno de respeito. (Do lat.
respeitar).
QUESTIONAR v. t. Fazer questão sobre. Discutir; contestar. V. i. Altercar. (Lat. quaestionare).
DOMINAR v. t. Exercer domínio sobre. Ser senhor de. Conter. Reprimir: dominar impulsos
ruins. Vencer. Elevar-se acima de; ser sobranceiro a: aquele monte domina o rio. Ter
influência sobre. Preponderar sobre. Abranger, ocupar. V. i. Exercer domínio.
Preponderar. (Lat. dominari).
VALORIZAR 2x v. t. Dar valor a. Aumentar o valor ou o préstimo de.

Fonte: Dicionário Houaiss

Com base nos dados anteriores, pode-se observar que, na história da legislação da
educação brasileira, há a necessidade de equidade e qualidade no ensino para todo o país, o
que já era previsto na Constituição Federal do Brasil com a criação de um currículo de base
comum que atenda as exigências da população. Desse modo, constata-se que as políticas
curriculares – no que se refere aos PCNs, em 1998, e, atualmente, a BNCC, em 2017 –,
apresentam características muito semelhantes no que diz respeito à consulta pública aos
sistemas de ensino (municipal e estadual). Em ambos os momentos, foram colocadas à
consulta pública, visando maior democratização da escolha dos conteúdos.
63

Outro destaque a se fazer sobre a história é que os currículos de base comum vieram
para atender, além da Constituição Federal, os interesses internacionais sobre a qualidade e a
universalização da educação. Assim, com a análise dos currículos e das experiências
internacionais, demonstra-se haver intervenção norte-americana e dos países integrantes da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na educação
brasileira.

A BNCC, por sua vez, veio para lançar reformulações sobre os conteúdos das bases
comuns, além de seguir a tendência internacional, como é o caso dos Estados Unidos,
Portugal, Finlândia, entre outros. Em relação ao conteúdo de História, percebe-se que há
diferenças entre os objetivos/competências das aprendizagens dos currículos de base comum,
ao que se refere ao que ensinar, como fazê-lo, no sentido de uma História mais factual e
cronológica.

Destaca-se também que os objetivos/competências gerais dessa disciplina, para o


ensino fundamental, apresentam-se semelhantes aos de outros países. Evidenciou-se que a
formulação e a efetivação de um currículo com base comum não são suficientes para efetivar
a verdadeira qualidade da educação básica, muito pelo contrário, esse servirá para validar
avaliações e estatísticas obtidas por meio de provas objetivas e padronizadas. Isso fica
evidente nos dados apresentados no quadro 1, ao perceber porque os estudantes brasileiros
têm dificuldade em discutir assuntos, comparar, avaliar, diferenciar, explicar. Muitas vezes,
tudo o que se solicita no ensino superior, e tudo o que seria necessário para esse estudante
tornar-se um cidadão crítico e consciente, ele não sabe fazer, porque, na educação básica, não
foi desenvolvida essa habilidade.

Nesse sentido, apresentam-se, no quadro 4, as conceituações dos verbos presentes na


BNCC do ensino fundamental para a disciplina de História.
64

Quadro 4 – Conceituação dos verbos nos objetivos da BNCC para o ensino fundamental – História

CONCEITUAÇÃO DOS VERBOS DA BNCC


Identificar Verbo transitivo direto e pronominal: Conseguir comprovar ou definir a identidade de;
saber quem é: o cartão identificava o indigente; no aeroporto, identificou-se.
Conhecer Verbo transitivo direto: Fazer com que alguma coisa seja inserida no conhecimento
(memória) de alguém; passar a saber: conhecer as culturas indígenas; conhecer novas
sociedades. Passar a ter consciência de: ela conhece bem as suas próprias limitações.
Descrever Verbo transitivo direto e pronominal: Fazer a descrição oral ou escrita de (algo, alguém ou
si próprio): o professor descrevia o livro; descrevia-se com presunção.
Discutir Verbo transitivo direto: Apresentar questões acerca de alguma coisa; analisar apresentando
questionamentos; examinar: discutiam o novo projeto de lei. Colocar em questão;
questionar ou contestar: eles discutiam o prêmio atribuído ao cantor. Entrar em acordo
sobre alguma coisa: nós discutimos sobre o colégio das crianças.
Explicar Verbo transitivo direto: Fazer com que fique claro e compreensível; descomplicar uma
ambiguidade: explicar um mistério. Ser a causa de: a desgraça explica sua amargura.
Conseguir interpretar o significado de: explicar um texto irônico.
Caracterizar Verbo transitivo direto e pronominal: Destacar as características de algo, de alguém ou de
si próprio; colocar em relevo: a inteligência o caracterizava; caracterizava-se como
inteligente.
Associar Verbo transitivo direto e pronominal: Unir, juntar, reunir. Relacionar: associar ideias.
Conceituar Verbo transitivo direto: Compor, idealizar, desenvolver e/ou expor um conceito sobre
(alguma coisa); definir. Atribuir juízo de valor ou nota a: conceituar o desempenho dos
funcionários.
Analisar Verbo transitivo direto: Preparar ou realizar a análise de alguma coisa ou de alguém:
analisar o sangue; analisar o comportamento. Retirar os componentes presentes num todo:
analisar uma frase. Averiguar, estudar ou explorar alguma coisa de maneira minuciosa,
com riqueza de detalhes: só aceitará a proposta depois de analisar as possibilidades.
Comparar Verbo transitivo direto e pronominal: Examinar em conjunto; estabelecer paralelo entre:
comparar ideias, textos. (Sin.: confrontar, cotejar.).
Diferenciar Verbo transitivo direto e pronominal: Distinguir, diferençar, discriminar.
Avaliar Verbo transitivo direto: Determinar o valor, o preço, a importância de alguma coisa:
avaliar um quadro. Reconhecer a grandeza, a intensidade, a força de: não avaliava a aflição
que a compungia.

Fonte: Dicionário Houaiss

Ao serem analisados os verbos utilizados nos objetivos previstos na BNCC, sobre o


currículo e a qualidade da educação, chama-se a atenção à característica ambígua do
documento. Ao mesmo tempo em que afirma que a Base não é o currículo, mas sim, uma
diretriz para a elaboração deste, o texto entra em minúcias acerca das finalidades e objetivos
do ensino. Observa-se aí uma inversão. Existe uma consolidada crítica à visão tradicional dos
currículos organizados por objetivos. E a BNCC insiste em consolidar essa visão de
desenvolvimento curricular, ignorando que acontecem, na dinâmica da cultura, as realizações
das seleções de modo que sejam socialmente válidas para os estudantes e educadores,
conferindo sentidos ao processo educativo.
Ainda, pode-se observar a que tipo de qualidade de ensino a BNCC se refere. Ao
vincular a qualidade às avaliações sistêmicas, o documento coloca, em segundo plano, a
expressividade do processo de escolarização, e a ideia em questão tira a conferência da
65

aprendizagem do encontro pedagógico, algo que pode modificar qualitativamente a vida das
pessoas e o coloca sobre o resultado. Isso produz uma estandardização da educação, baseada
em uma visão também padronizada de qualidade.

7.4 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS A SER DESENVOLVIDAS NOS PCNs E NA


BNCC PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

Entende-se como necessário analisar as habilidades e competências propostas, tanto


nos PCNs quanto na BNCC, ao que se refere ao ensino de História nos anos finais do Ensino
Fundamental. Após tal análise, é possível perceber que, no texto dos PCNs, os temas a serem
discutidos estão descritos de forma mais geral, enquanto que, na BNCC, estão desmembrados
em cada objetivo. Nesse sentido, quando se lê a proposta da BNCC, constata-se que é muito
parecida com a dos PCNs, porém, está mais detalhada. Isso ocorre ao se fazer uma análise
superficial, porque, quando é feita uma leitura atenta, verifica-se que a BNCC apresenta uma
proposta reducionista de tudo o que se lutou até o momento para conquistar em termos de
educação e ensino.

O desenvolvimento pleno que se espera da Educação Integral só será efetivo se a


proposta pedagógica for composta por diferentes linguagens, numa perspectiva
integrada, visando o aprofundamento de saberes e o aprimoramento de habilidades e
competências. Para isso, é imprescindível promover a reconstrução do Projeto
Político Pedagógico (PPP), de forma coletiva e compartilhada, potencializando os
conhecimentos e saberes que os estudantes, as famílias e a comunidade trazem para
a escola. Nesse diálogo entre os diferentes saberes, deixam-se claras as
intencionalidades e expectativas de aprendizagem, acolhendo os interesses dos
estudantes e da comunidade e ampliando os repertórios (MEC, 2015, p. 4).

Nessa perspectiva, quando se escolhem e priorizam somente alguns conteúdos, ficando


fora dessa escolha justamente o que nos faz pensar e interagir com situações, se apresenta
uma proposta “aprende e repete”, volta-se ao sistema mecanicista de ensino, em que a base é
clara, pois traz, em seu texto, os conteúdos que toda a criança precisa e deve saber no ensino
básico do país. Diante desse contexto, não é preciso muito esforço para se perceber que os
fundamentos pedagógicos das BNCC são guiados por um modelo utilitário, de fundo liberal,
e, ainda mais, com evidente intenção de formar contingentes de mão de obra para o mercado
de trabalho, de preferência sem qualquer aparato crítico.
66

A conduta avaliativa entre um indivíduo e outro mostra, sem qualquer


constrangimento, na exposição – tanto na primeira, quanto na sexta ou nona competência
geral da BNCC, nas quais são mais fáceis de identificar –, o individualismo e olhar na
competência para o mercado de trabalho, ao declarar que

valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de


conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do
mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal,
profissional e social, com liberdade, autonomia, consciência crítica e
responsabilidade (BRASIL, 2017, p. 09).

[...] como na nona, que prega o exercício da empatia para a resolução de conflitos e
cooperação, e, principalmente na décima, que diz: “Agir pessoal e coletivamente
com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando
decisões, com base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios
éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2017, p. 10.
Grifos do autor).

Entende-se que saber interpretar também permite compreender o significado histórico


dos acontecimentos, assim como realizar o exercício de comparação das ações tomadas em
diversas situações. Dentre essas ações, merecem atenção e destacam-se, por exemplo, as
diferenças entre Ocidente e Oriente, e os modelos de sociedade de cada continente baseados
na sequência temporal de surgimento, auge e declínio. Ambos pretendem dar conta de
explicações para questões históricas complexas. De um lado, a longa existência de tensões
(sociais, culturais, religiosas, políticas e econômicas) entre sociedades ocidentais e orientais;
de outro, a busca pela compreensão dos modos de organização das várias sociedades que se
sucederam ao longo da história.

Desse modo, quando se propõe um ensino de História com ênfase em conhecimento


dos fatos, e, assim, não se propõe uma discussão a respeito desses fatos com os estudantes,
valoriza-se muito a questão do evento histórico, e esta concepção de história vai ficar na vida
do estudante é: “um dia em tal data aconteceu tal fato. Mas, fulano, por qual motivo aconteceu
tal fato? Não sei, só sei que foi nesse dia que aconteceu”. Ou seja, a contextualização, as
causas, as consequências, o que acarretou para a sociedade futura e, até mesmo, na vida desse
estudante, tudo isso ele nunca vai saber. Dessa maneira, forma-se uma sociedade alienada do
contexto onde vive, que não sabe “da onde veio”, “nem para onde vai”; uma sociedade fácil
de ser guiada pelo lado mais forte.
67

Na parte do documento que faz menção ao 6º ano, percebe-se que se contempla uma
reflexão sobre a História e suas formas de registro, sendo recuperados aspectos da
aprendizagem do ensino fundamental – anos iniciais e discutidos procedimentos próprios da
História, o registro das primeiras sociedades e a construção da Antiguidade Clássica, com a
necessária contraposição com outras sociedades e concepções de mundo. No mesmo ano,
avança-se ao período medieval na Europa e às formas de organização social e cultural em
partes da África.

Já a parte que trata o 7º ano, constata-se que o tema é as conexões entre Europa,
América e África que foram ampliadas, ou seja, é evidenciada a proposição do debate de
aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais, ocorridos a partir do final do século XV
até o final do século XVIII. Nos do 8º ano, o tema é o Século XIX e a conformação histórica
do mundo contemporâneo. Destacam-se os múltiplos processos que desencadearam as
independências nas Américas, com ênfase no processo brasileiro e seus desdobramentos.
África, Ásia e Europa são objetos de conhecimento, com destaque para o nacionalismo,
imperialismo e as resistências a esses discursos e práticas.

Por fim, o 9º ano, destacam-se a história republicana do Brasil até a Constituição de


1988 e o protagonismo de diferentes grupos e sujeitos históricos. A abordagem é relacionada
aos processos europeus, africanos, asiáticos e latino-americanos, dos séculos XX e XXI,
reconhecendo-se especificidades e aproximações entre diversos eventos, incluindo a história
recente.

O processo de ensino e aprendizagem da História, nos anos finais do ensino


fundamental, na BNCC, está pautado por três passos básicos: 1) pela identificação dos
eventos considerados importantes na história do Ocidente (África, Europa e América,
especialmente o Brasil), 2) ordenando-os de forma cronológica e 3) localizando-os no espaço
geográfico. A justificativa para se trabalhar com esse foco é que, quando se lê, analisa o
documento, verifica-se que tudo acontece por conta da evolução natural das coisas. Pode-se
dizer que, nessa versão da BNCC, encontra-se uma visão bem darwinista. Fica clara a visão
histórica somente cronológica dos acontecimentos, baseada em heróis e bandidos, algo que há
muito tempo já foi superado com o método da História dos Annales.

Uma questão pertinente a ser observada na BNCC, é a sugestão da utilização das


fontes como recursos do estudo em História. A dinâmica de transformar um objeto em
68

documento é direito de quem o observa e o manipula para desvendar sobre a sociedade que o
produziu. O documento, para o historiador, é o principal elemento componente da produção
do conhecimento histórico. Portanto, é esta a atividade mais importante a ser desenvolvida
com os alunos. São inúmeras as polêmicas envolvendo o texto da Base, desde o início de sua
construção, em especial, as dos professores de Ciências Humanas que veem tentando
argumentar incansavelmente sobre uma possível volta do tecnicismo. Além de algumas
associações científicas também manifestarem receio do que pode se tornar o ensino pós
BNCC, como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
que, em parceria com a Associação Brasileira de Currículo (ABdC), publicou, em seu site,
uma carta expondo nove motivos contra a BNCC. Começando pela falta de clareza na
divulgação e nos critérios de seleção dos membros da comissão de elaboração do texto
preliminar da base, a carta afirma que o documento da SEB/MEC define 60% do currículo,
sendo que os demais 40% ficam a critério dos estados e municípios. No entanto, a BNCC não
esclarece como será definida essa parte regionalizada do currículo. A Associação critica o
pouco tempo destinado às contribuições, discussões e envios das contribuições da
comunidade. A carta da ANPED se posiciona contra a existência de qualquer base, pois um
currículo comum nacional sempre irá homogeneizar e retirar a autonomia da escola, do
professor e do aluno. O documento ainda destaca:

essa base representa um dos pilares de uma tendência de mercantilização e


privatização da educação assentada na tríade: uniformização/centralização curricular
(a BNCC) + avaliações de larga escala (provas nacionais e estaduais) +
responsabilização de professores e gestores (políticas de valorização meritocráticas).
A carta da ANPEC/ABdC pergunta: “De que modo a fixação dos objetivos de
aprendizagem e a hierarquização dos resultados favorecem ao apostilamento,
privatização e homogeneização do ensino?”8.

Autores como Sacristán (2000), Aplle (2006) e Santomé (2003) trabalham com as
teorias de currículo como forma de seleção, mas também exclusão, por isso currículo é
considerado poder, pois, para algum conteúdo ser incluído, outros precisam ficar de fora.
Currículo também é visto como expressão e ferramenta de uma determinada concepção de
educação, escola e sociedade. É isso que se estabelece, na discussão sobre a BNCC,
especialmente no componente curricular de História, que mexeu nos alicerces de conteúdos

8
Disponível em: http://www.coletiva.org/.
69

que estavam se formando, substituindo por conteúdos tradicionais associados a datas e


acontecimentos cronológicos.

A terceira versão da BNCC, publicada em abril de 2017, é bastante sucinta e


descritiva, e apresenta de maneira direta seus propósitos e princípios pedagógicos. A
introdução enfatiza a base legal que justifica a criação da BNCC, citando documentos e
resoluções curriculares em vigor. Deixa claro os motivos por trás dos seus objetivos, o
enfoque adotado pelas avaliações internacionais, que, por sua vez, seguem os princípios da
OCDE, que coordena o Programme for International Student Assessment (Pisa) e a United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). No seu texto, refere-
se ao documento recentemente publicado pela OCDE, denominado Global Competency for an
Inclusive World (OCDE, 2016), que, em português, significa Competência global para um
mundo inclusivo. É um documento onde é encontrado uma fundamentação teórica para as
competências globais, referindo-se à dinâmica social que se vive nos dias atuais.

Nesse documento, encontra-se descrita a necessidade de se trabalhar com diversidade


cultural, além de seu alinhamento com os propósitos das avaliações internacionais mediados
pelo PISA, que não apenas definem critérios, mas também indicam as diretrizes globais a
serem seguidas por todos, de acordo com o estabelecido como meta para 2030. No texto, o
alinhamento com as proposições da OCDE e da UNESCO é perfeito, e isso pode ser notado
sem muito esforço, pois fica nítido, no capítulo a respeito da estrutura da base, no qual se
encontram descritas as competências. Nessa parte, são definidas dez competências globais,
com base no documento da UNESCO (2016), e, a partir dessas, são elaboradas as
competências específicas de cada área. Destas derivam as unidades temáticas das áreas, seus
objetos de conhecimento e as habilidades.

Em relação aos PCNs que se referem às competências como princípio organizador do


currículo, pode-se afirmar que há muita semelhança em relação aos conteúdos curriculares
propostos, que são denominados como objetos de conhecimento.

7.5 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA NOS PCNS E NA BNCC

Após a análise dos conteúdos de história para o 6º ano, do ensino fundamental, a


70

BNCC propõe um currículo já bem conhecido pelos professores contemplando: o saber


histórico, noção de tempo e periodização, origem do homem, Antiguidade e Idade Média.
Porém, percebe-se uma lacuna nos temas priorizados, na articulação entre eles e nas
habilidades exigidas. Há ausência de temas como a Pré-História, o Mundo Helenístico, o Islã
e o Império Bizantino, os quais são importantes para entender a origem de muitos assuntos
atuais, inclusive de guerras sem fim, que, a grosso modo, para quem não conhece a história,
parecem descabidas e sem motivos reais aparentes.

No entanto, os conteúdos listados anteriormente não estão sugeridos na BNCC. Pensa-


se que os professores trabalharão na parte diversificada, mas ainda fica a pergunta: será que
eles irão realmente trabalhar esses conteúdos ou vão só dar uma “pincelada”?. Ainda mais
preocupantes são os longos períodos de tempo histórico deixado entre um conteúdo e outro,
que pode causar dificuldades para o aluno aprender e entender, bem como para o professor
explicar, ou seja, falta uma ponte, um elo entre um conteúdo e outro. É o que se examina a
seguir, no quadro 5, uma vez que apresenta uma unidade temática, os objetos e as habilidades
desenvolvidas para o 6º ano.

Quadro 5 – Objetos e habilidades da unidade temática “Tempo, espaço e formas de registro”

UNIDADE OBJETOS DE HABILIDADES


TEMÁTICA CONHECIMENTO
(6º ano)
História: Tempo; As origens da humanidade, (EF06HI03): identificar as hipóteses científicas sobre o
espaço e formas seus deslocamentos e os surgimento da espécie humana e sua historicidade e
de registro. processos de sedentariza- analisar os significados dos mitos de fundação.
ção.
(EF06HI04): descrever modificações da natureza e da
paisagem realizadas por diferentes tipos de sociedade,
com destaque para os povos indígenas e quilombolas, e
discutir a natureza e a lógica das transformações
ocorridas.

Fonte: A autora.

Falar sobre as origens da humanidade, povos indígenas e quilombolas (EF06HI04) é


importante, porém, somente conhecer e não perceber, nem entender o processo de
transformação e o legado de luta desses povos, bem como o que eles representam para a
sociedade. Deste modo, este é um fato lamentável, o qual reafirma que a BNCC é um
documento tradicional e elitista.
71

No quadro 6, por sua vez, apresentam-se os objetos e habilidades para o tema “A


invenção do mundo clássico e o contraponto com outras humanidades”, trabalhado também
com o 6º ano.

Quadro 6 – Objetos e habilidades da unidade temática “A invenção do mundo clássico e o contraponto com
outras humanidades”

UNIDADE OBJETOS DE HABILIDADES


TEMÁTICA CONHECIMENTO
(6º ano)
A invenção do Povos da Antiguidade na (EF06HI05): identificar aspectos e formas de
mundo clássico e o África (egípcios), no Oriente registro das sociedades antigas na África, no Oriente
contraponto com Médio (mesopotâmicos) e e nas Américas, distinguindo alguns significados
outras humanidades. nas Américas (pré- presentes na cultura material e na tradição oral
colombianos); dessas sociedades.
O Ocidente Clássico: (EF06HI06): discutir o conceito de Antiguidade
aspectos da cultura na Grécia Clássica, seu alcance e limite na tradição ocidental,
e em Roma. assim como os impactos sobre outras sociedades e
culturas.

Fonte: autora.

Diante do exposto, surgem algumas indagações: Por onde “recortar” o conteúdo para
apresentar aos estudantes uma história global não eurocêntrica? Do neolítico à internet, como
escolher o que estudar? A entrada pela história do Brasil, espaço de inserção política do
estudante, faz todo sentido no contexto de uma base curricular mínima nacional, e pode ser
amplamente cosmopolita, se conseguir articular de forma consistente o local, o global e o
nacional.

A ênfase nas representações do passado, no tempo presente, também são chaves


interessantes para propor recortes em sala de aula, capazes de ajudar a problematizar as
noções de tempo e historicidade, matérias primas da disciplina de História. Os usos do
passado no presente são ferramentas eficazes para elencar conteúdos programáticos anteriores
à colonização portuguesa no Brasil, problematizando legados filosóficos, artísticos ou
religiosos fortemente presentes na contemporaneidade. No conjunto, porém, parece necessário
definir melhor quais contextos, em cada uma das fases do aprendizado, permitirão refletir
sobre a dimensão temporal da história humana, bem como sobre a alteridade entre épocas e
culturas, que são os objetivos que deveriam estar sendo propostos, mas não estão.

A seguir, no quadro 7, são apresentados os objetos e as habilidades definidos para o


72

tema “Lógicas de organização política”, ainda para o 6º ano do ensino fundamental.

Quadro 7 – Objetos e habilidades da unidade temática “Lógicas de organização política”

UNIDADE OBJETOS DE HABILIDADES


TEMÁTICA CONHECIMENTO
(6º ano)
Lógicas de orga- As noções de cidadania e política na (EF06HI07): explicar a formação da Grécia
nização política. Grécia e em Roma; Antiga;
- Domínios e expansões das culturas (EF06HI08): caracterizar o processo de forma-
grega e romana; ção da Roma Antiga;
- Significado do conceito de império; (EF06HI09): associar o conceito de cidadania
- As diferentes formas de organização na Grécia e Roma Antiga;
política na África: Reinos, Impérios, (EF06HI10): conceituar império no mundo
Cidades-estados, e Sociedade de antigo.
linhagens ou aldeias.
Fonte: A autora

As habilidades para essa unidade temática (EF06HI07, 08, 09 e 10) referem-se à


Grécia e Roma.

No quadro 8, por sua vez, apresentam-se os objetos e habilidades para o tema “O


mundo moderno e a conexão entre sociedades africanas, americanas e europeias”, aplicados
no 7º ano do ensino fundamental.

Quadro 8 – Objetos e habilidades da unidade temática “O mundo moderno e a conexão entre sociedades
africanas, americanas e europeias”

UNIDADE OBJETOS DE HABILIDADES


TEMÁTICA CONHECIMENTO
(7ºano)
O mundo moderno A construção da ideia de (EF07HI01): explicar o significado de
e a conexão entre modernidade e seus impactos na modernidade e suas lógicas de inclusão, com base
sociedades africa- concepção de História. em uma concepção europeia;
nas, americanas e A ideia de Novo Mundo, frente (EF07HI02): identificar conexões e interações
europeias. ao Mundo Antigo; entre as sociedades do Novo Mundo, da Europa, da
Permanências e rupturas de África e da Ásia, no contexto das navegações e
saberes e práticas na emergência indicar a complexidade e as interações que ocorrem
do mundo moderno. nos Oceanos Atlântico, Índico e Pacífico.

Fonte: a autora.

Os objetos de conhecimento priorizam as ideias de Modernidade e de Novo Mundo –


dois conceitos que deverão ser trabalhados antes que o aluno aprenda o que é Idade Moderna
e como a América se encaixa nesse período. Como já aconteceu no 6º ano, espera-se que o
aluno explique e compreenda conceitos mesmo sem qualquer conhecimento prévio dos
73

processos históricos e da historiografia que os construíram. Nesse sentido, a habilidade


EF07HI02 é desanimadora: carregada de termos genéricos, repete o que já está no título da
unidade temática e não esclarece que conexões e interações devem ser identificadas. Se a
habilidade não é clara e objetiva, deixa de ser uma habilidade para se tornar uma retórica
vazia.

A unidade temática “Organização do poder e as dinâmicas do mundo colonial


americano” abrange a formação das monarquias europeias, a conquista e a colonização da
América. No quadro 9, encontram-se os seus objetos e respectivas habilidades:

Quadro 9 – Objetos e habilidades no tema “Organização do poder e as dinâmicas do mundo colonial americano”

UNIDADE OBJETOS DE HABILIDADES


TEMÁTICA CONHECIMENTO
(7º ano)
Organização do Resistências, invasões e (EF07HI11): analisar a formação histórico-geográfica do
poder e as expansão na América território da América portuguesa, por meio de mapas
dinâmicas do portuguesa. históricos;
mundo colonial (EF07HI12): identificar a distribuição territorial da
americano. população brasileira, em diferentes épocas, considerando a
diversidade étnico-cultural (indígena, africana, europeia e
asiática).

Fonte: a autora

O objeto “Resistências, invasões e expansão na América portuguesa”, além de


bastante genérico, é o único que se refere especificamente ao período colonial brasileiro
(outro objeto contempla os temas escravidão e tráfico de escravizados). Talvez o título do
objeto deixe subentendido as rebeliões e resistências coloniais (Mascates, Emboabas,
Confederação dos Tamoios, Quilombo dos Palmares etc.), as invasões holandesa e francesa,
as missões jesuíticas e a do sertão. Contudo, as habilidades EF07HI11 e EF07HI12 limitam-se
à ocupação do território – questões extremamente pontuais que não dão conta do processo de
colonização do território. Não há uma linha sequer, na Base do 7º ano, sobre economia
canavieira, mineradora, tropismo, organização administrativa da colônia, sociedade, arte e
cultura colonial etc.

Para o 8º ano do ensino fundamental, destacam-se, no quadro 10, os objetos e as


habilidades para o tema “Os processos de independência nas Américas”.
74

Quadro 10 – Objetos e habilidades da unidade temática “Os processos de independência nas Américas”

UNIDADE OBJETOS DE HABILIDADES


TEMÁTICA CONHECIMENTO
(8ºano)
Os processos de A tutela da população (EF08HI11): Discutir a noção da tutela dos grupos
independência nas indígena, a escravidão dos indígenas e a participação dos negros, na sociedade brasi-
Américas. negros e a tutela dos leira do final do período colonial, identificando
agressos da escravidão. permanências na forma de preconceitos e estereótipos
sobre as populações indígenas e negras, no Brasil, e nas
Américas.
Fonte: a autora

A Base estabelece, para o 8º ano, um conteúdo mais extenso, que se estende do final
do século XVIII ao final do século XIX, englobando Iluminismo, revoluções inglesas,
Revolução Industrial, Revolução Francesa, Conjurações Mineira e Baiana, Independência dos
Estados Unidos, Revolução de São Domingo, Independência do Brasil, Primeiro Reinado,
Período Regencial, Segundo Reinado, Nacionalismo europeu, imperialismo, partilha da África
e Ásia, darwinismo e racismo. A abordagem desses conteúdos enfatiza a ocupação do
território e a expansão das fronteiras, aspectos populacionais e conformações territoriais,
resistências, conflitos e disputas políticas. Assim, estão mencionadas, entre outros aspectos, a
organização política e social no Brasil de 1808 a 1822, as rebeliões regenciais, as questões de
fronteira e a Guerra do Paraguai, revoltas de escravizados, políticas de extermínio indígena.
Algumas habilidades são bem pontuais, como a EF08HI06, que destaca os conceitos de
Estado, nação, território, governo e país, ao tratar a Independência dos Estados Unidos da
América.

Para trabalhar a “Nova ordem econômica e as demandas do capitalismo industrial”, a


habilidade é tão somente: “Reconhecer os principais produtos utilizados pelos europeus
procedentes da África do Sul, do Golfo da Guiné e de Senegâmbia” (EF08HI21) – um assunto
facilmente ilustrado por uma tabela. Nesse sentido, verifica-se que o 8º ano apresenta uma
forte ênfase sobre temáticas envolvendo os indígenas e os escravizados, bem como as
resistências das populações locais ao imperialismo na África e Ásia, e as relações entre as
ideologias raciais e o determinismo.

Para o 9º ano, apresentam-se os objetos e as habilidades para o tema “A história


recente” no quadro 11:
75

Quadro 11 – Objetos e habilidades da unidade temática “A história recente”

UNIDADE OBJETOS DE HABILIDADES


TEMÁTICA CONHECIMENTO
(9º ano)
A história recen- Os conflitos do século XXI (EF09HI27): avaliar as dinâmicas populacionais e as
te e a questão do terrorismo. construções de identidade étnico-raciais e de gênero na
história recente;
Pluralidade e diversidade (EF09HI28): identificar e discutir as diversidades identitárias
identitária na atualidade. e seus significados históricos no início do século XXI.

Fonte: a autora

O conteúdo de História para o 9º ano abrange todo século XX e quase nada do século
XXI. Os temas referentes à História do Brasil e aos da História Geral são abordados em
unidades separadas, o que difere dos anos anteriores e até mesmo dos conteúdos
tradicionalmente apresentados nos livros didáticos que integram História do Brasil e Geral.
Assim, têm-se as seguintes unidades temáticas: O nascimento da República no Brasil e os
processos históricos até metade do século XX (da Proclamação da República à Era Vargas);
Totalitarismos e conflitos mundiais (da I Guerra Mundial à formação da ONU);
Modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946 (do governo JK à
Constituição de 1988); A história recente (Guerra Fria, Revoluções Chinesa e Cubana,
descolonização na África e Ásia, processo de globalização).

A História do Brasil e a História Geral organizadas em blocos separados exigirão mais


trabalho do professor que quiser contextualizar os eventos nacionais no cenário internacional.
Talvez, a Base não esteja interessada em uma história integrada, uma vez que as habilidades
listadas são, em grande parte, específicas e pontuais. Assim, por exemplo, para a Era Vargas,
a única habilidade exigida é “identificar e discutir o papel do trabalhismo como força política,
social e cultural no Brasil” (EF09HI05). A ditadura civil-militar, por exemplo, limita-se à
resistência e violação dos direitos humanos, incluindo a questão indígena (EF09HI18,
EF09HI19 e EF09HI20), sem qualquer conexão com a Guerra Fria e as ditaduras latino-
americanas.

A História do Brasil chega ao processo de democratização com a mobilização da


sociedade e termina na promulgação da Constituição de 1988. Os trinta anos seguintes,
marcados por tensões políticas, inflação galopante e transformações sociais, foram
suprimidos. Um período riquíssimo, do ponto de vista pedagógico, a partir do qual o aluno
poderia estabelecer conexões entre sua história familiar e a do país, por exemplo,
76

simplesmente não existe na base curricular. O ano em que o aluno nasceu está fora da história.
A História Geral avança no século XXI, porém, com temas e habilidades tão genéricos e
abrangentes que não referenciam o que o professor deve destacar em sala de aula.

Diante do exposto, apresentam-se, no capítulo 8, os resultados das análises dos PCNs e


da BNCC.
8 - RESULTADO DAS ANÁLISES DOS PCNs E DA BNCC

Com base na análise dos conteúdos de História previstos nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), os dados indicam que o ensino dessa disciplina tem como objetivo
proporcionar, ao professor da Educação Básica, uma visão clara sobre o seu processo de
execução, bem como seus principais objetivos. Desse modo, é possível verificar, nesse
documento, a abordagem de três conceitos que estarão presentes em todos os anos de
escolaridade: o fato histórico, o sujeito histórico e o tempo histórico.

A partir disso, julga-se importante ressaltar que, na busca por esses conhecimentos, o
professor estará escolhendo uma concepção de História, para transmitir aos alunos, o estudo
produzido por pesquisadores, adaptando a seus objetivos. No que se refere à questão do tempo
histórico, pode-se observar a presença dos conceitos de diferentes temporalidades, conforme
fora explicitado pelo renomado historiador Fernand Braudel (1995), em seu clássico livro O
mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II, em que afirma haver três
temporalidades: curta, média e de longa duração.

Os PCNs distinguem maneiras distintas de serem trabalhados os conceitos históricos,


dependendo das escolhas didáticas, ou seja, podem-se propiciar situações pedagógicas
privilegiadas, como o desenvolvimento de capacidades intelectuais autônomas, que definirá a
constituição da identidade social do aluno. Na leitura do documento, evidencia-se a
preocupação com um ensino de História que desenvolva a consciência humana, algo que seria
alcançado estabelecendo-se relações entre identidades individuais, sociais e coletivas;
relacionando o particular e o geral; construindo noções de diferenças e semelhanças, bem
como de continuidade e permanência.

Assim, no ensino de História, encontra-se a necessidade do uso de metodologias


específicas à faixa etária e às particularidades sociais e culturais do corpo discente. Considera-
se necessário que o trabalho pedagógico requeira estudos de novos materiais, e que a escolha
metodológica represente possibilidades de orientação, a qual relacione os acontecimentos
passados com a realidade presente. Pode-se, então, perceber que a proposta dos PCNs é
trabalhar com eixos temáticos, de acordo com as séries adotadas, propondo-se a propiciar ao
aluno o que considera uma visão crítica e realista entre o passado e o presente.

No tópico “Aprender e Ensinar História no Ensino Fundamental”, o texto inicia


afirmando que o ensino e a aprendizagem de História envolvem uma “distinção básica entre o
78

saber histórico, como um campo de pesquisa e produção de conhecimento do domínio de


especialistas, e o saber escolar, como conhecimento produzido no espaço escolar” (BRASIL,
1996, p. 29). Os PCNs afirmam que o saber histórico escolar reelabora o conhecimento
produzido na Universidade, pelas pesquisas dos historiadores e especialistas do campo das
Ciências Humanas, selecionando e se apropriando de partes dos resultados acadêmicos,
articulando-os de acordo com seus objetivos.

Ambos estão produzindo, pensando e fazendo história, e torna-se tarefa de ordem do


dia reduzir “esses espaços de silêncio e desconfiança mútua entre escola e a universidade”
(GUIMARÃES, 2009, p. 39). Os PCNs indicam que o saber histórico escolar, na sua relação
com o saber histórico acadêmico, compreende, de modo amplo, a delimitação de três
conceitos fundamentais: o de fato histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico. Estes
diferentes conceitos, conforme dito nos Parâmetros (1997, p. 38), “refletem distintas
concepções de História e de como ela é estruturada e constituída”.

Na análise dos PCNS de História para o ensino fundamental, entende-se que cultura é
todo o modo como uma sociedade interpreta, transmite e transforma a realidade. Agregando
ao conceito de “cultura” o termo “histórica”, tem-se um conceito heurístico (“cultura
histórica”), que origina o entendimento do modo concreto e peculiar de que uma sociedade se
relaciona com seu passado.

Os PCNs também apresentam precauções, quando aborda a importância dessa


construção de identidades associada às formas de “agir no mundo” (experiências históricas,
interpretações, orientações etc.). Os conteúdos a serem ensinados apresentam uma forte
preocupação aos docentes em função de seus impactos na vida prática, o que irá depender, na
grande maioria das vezes, da forma como eles irão articular tais conteúdos com as vivências
de seus alunos.

Assim, o documento dos parâmetros sobre a disciplina de História pode ser entendido
como a carta de intenções governamentais sobre a disciplina, para o nível fundamental de
ensino, configurando um discurso que, como todo discurso oficial, projeta identidades
pedagógicas e orienta a produção do conhecimento oficial – o conhecimento educacional
construído e distribuído às instituições educacionais pelo Estado, em sua atuação como campo
recontextualizador pedagógico oficial.
79

Na introdução dos PCNs (1998a), já na primeira parte, intitulada como “Educação e


cidadania – uma questão mundial”, o documento aponta a importância da adequação da
educação no quadro das discussões internacionais, ou seja, constrói-se a defesa do
desenvolvimento de uma política educacional que se oriente pelos desafios existentes na
sociedade capitalista. Esta constatação demonstra uma acentuada sujeição do currículo aos
ditames econômicos, no qual, em nome do “[...] processo de modernização da sociedade,
entendida como efeitos do desenvolvimento econômico sobre estruturas sociais e valores
tradicionais [...], se procura alçar a escola e o currículo nacional a condição de catalisadores
desse processo” (MOREIRA, 1996, p. 13). No entanto, para os PCNs (1998a), o processo de
construção das políticas educacionais, com base nestes desafios, levaria a educação a refletir
sobre as tensões existentes na sociedade.

Cabe observar que as tensões elencadas nos PCNs são uma cópia das presentes no
Relatório, produzido por Jacques Delors, para a UNESCO, descritas no livro Educação um
tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação
para o século XXI (2010). A tensão entre o global e o local, ou seja, entre tornar-se, pouco a
pouco, cidadão do mundo sem perder as suas raízes, participando ativamente da vida de sua
nação e da sua comunidade. Num mundo marcado por um processo de mundialização cultural
e globalização econômica, os fóruns políticos internacionais assumem crescente importância.

No entanto, as transformações em curso não parecem apontar para o esvaziamento


dos Estados/Nação. Pelo contrário, a busca de uma sociedade integrada no ambiente em que
se encontra o “outro” mais imediato, na comunidade mais próxima e na própria nação surge
como necessidade para chegar à integração da humanidade como um todo. É cada vez mais
forte o reconhecimento de que as diversidades étnica, regional e cultural continuam a exercer
um papel crucial, e que, no âmbito do Estado/Nação, a cidadania pode ser exercida. A tensão
entre o universal e o singular, isto é, ao mesmo tempo em que é preciso considerar que a
mundialização da cultura se realiza progressivamente, é necessário não esquecer as
características que são únicas de cada pessoa: o direito de escolher seu caminho na vida e
realizar suas potencialidades, na medida das possibilidades que lhes são oferecidas, na riqueza
de sua própria cultura.

Outra tensão existente é entre a cultura local e a modernização dos processos


produtivos: apropriar-se desta, fruto da evolução científica e tecnológica, assumindo papel
80

tanto de usuário como de produtor de novas tecnologias, sem renegar os valores e o cultivo de
bens culturais locais.

Jacques Delors fala sobre a tensão entre o instantâneo/efêmero e o durável, e


considera: “num contexto em que uma imensa quantidade de informações e emoções atuam,
sem cessar, faltam espaços para maior reflexão sobre os problemas e suas soluções;
privilegiam-se opiniões, respostas e soluções rápidas, muito embora, para diversos problemas,
sejam necessárias estratégias pacientes e negociadas” (BRASIL, 1998, p. 16). Tal é o caso
das políticas para a educação.

A tensão entre o espiritual e o material: frequentemente, as sociedades, mesmo


envolvidas cotidianamente com as questões materiais, desejam alcançar valores que podem
ser chamados de morais/espirituais. Suscitar, em cada um, tais valores, segundo suas tradições
e convicções, é uma das tarefas para a educação. Segundo Sacristán (2011), as novas questões
ou desafios impostos à educação demonstram a complexidade que vem tomando a
aprendizagem escolar e o currículo, quando a escola assume a responsabilidade por uma
formação totalizadora, ao apropriar-se de funções que antes eram imbuídas a outros setores da
sociedade, tais como: família, igreja, grupos sociais, entre outros segmentos.

Desta forma, a escola e o processo de escolarização tomaram um caráter de


capacitação, no qual “[...] compreender e integrar-se na vida social na saída da instituição
escolar faz do currículo dessa escolarização, nos níveis obrigatórios, uma introdução
preparatória para compreender a vida real e a cultura exterior em geral” (SACRISTÁN, 2000,
p. 56). Nessa concepção de currículo direcionado para a totalidade, os PCNs (BRASIL, 1998)
trazem recomendações para uma educação voltada aos desafios históricos da sociedade
capitalista, tais como:

- aprender a conhecer, que pressupõe saber selecionar, acessar e integrar os


elementos de uma cultura geral, suficientemente extensa e básica, com o trabalho em
profundidade de alguns assuntos, com espírito investigativo e visão crítica; em
resumo, significa ser capaz de aprender a aprender ao longo de toda a vida;
- aprender a fazer, que pressupõe desenvolver a competência do saber se relacionar
em grupo, saber resolver problemas e adquirir uma qualificação profissional;
- aprender a viver com os outros, que consiste em desenvolver a compreensão do
outro e a percepção das interdependências, na realização de projetos comuns,
81

preparando-se para gerir conflitos, fortalecendo sua identidade e respeitando a dos


outros, respeitando valores de pluralismo, de compreensão mútua e de busca da paz;
- aprender a ser, para melhor desenvolver sua personalidade e poder agir com
autonomia, expressando opiniões e assumindo as responsabilidades pessoais.

Nas recomendações presentes nos PCNs, fica patente a defesa de competências


mínimas para o desenvolvimento do (a) aluno (a) para a sociedade atual, competências essas
que se guiam pelas seguintes ideias: formação integral, espírito de convivência,
desenvolvimento da personalidade, princípios democráticos, respeito aos direitos e liberdades,
respeito à pluralidade linguística e cultural, entre outros. Contudo, com base em Sacristán
(2000, p. 57), é possível observar que as ideias que perpassam os PCNs não se dão ao mero
acaso, mas num processo de construção de “[...] uma educação cada vez mais globalizadora
[...] como ideologia dominante pelas leis e regulações administrativas básicas que ordenam
todo o sistema educativo, instalando desde o plano da legalidade essa mentalidade de ‘atenção
total’ ao aluno nos próprios mecanismos da regulação do sistema por parte da administração
educativa”.

A escola, em qualquer momento da vida do indivíduo, deve prepará-lo para a


aquisição de competências básicas, como as que foram citadas. “O Tema Transversal
‘Trabalho e Consumo’ proposto pelos PCNs, ao discutir o universo da relação capital e
trabalho, contribui com essa visão, além de ‘orientar’ o indivíduo para que este faça valer os
seus direitos enquanto consumidor. Bem ao gosto da sociedade de consumo” (JACOMELI,
2004, p. 51). Contudo, cabe destacar que a definição de determinados componentes culturais,
como ocorre nos PCNs, pode contribuir para o detrimento de outros, levando, assim, ao
estabelecimento de privilégios para determinados grupos sociais, étnicos, entre outros, ao se
pensar que o mesmo currículo servirá de orientação para um sistema educacional amplo e
diverso como é o brasileiro. Em contra partida, é apresentada – nos dias atuais, onde se lê,
“debate e busca um ensino que forme o indivíduo plenamente” – a Base Nacional Comum
Curricular derruba por terra a fala sobre singularidade, pois sua proposta torna-as iguais, no
momento em que traz o objetivo do ensino ser o mesmo para todos, sem fazer menções em
relação as trocas culturais contemporâneas. Então, questiona-se, e as diferenças, que nos
tornam ÚNICOS? Vejamos a Base.

A terceira versão da BNCC apresentou melhorias em relação às versões anteriores,


mas ainda existem equívocos, inadequações, lacunas, generalizações e questões pontuais
82

discutíveis que precisam ser revistas. Há descompassos entre os objetos de conhecimento e as


habilidades, ou em outras considerações, elas não correspondem aos objetos ou estão
genéricas demais. Outras são tão pontuais que pouco favorecem reflexões e análises
significativas. Há ainda muitos objetos “soltos”, para os quais não há habilidades específicas.
A terceira versão suprimiu temas e conteúdos, comprometendo a compreensão de processos
históricos. Por exemplo, a história do Brasil encerra-se na década de 1980, sendo eliminada
toda a parte contemporânea. Perde-se, assim, a possibilidade de o aluno estabelecer conexões
de sua história familiar com a história brasileira mais recente. A Base também não esclarece
que temas priorizar na história mundial pós-Guerra Fria.

Finalmente, percebe-se que o currículo de História, nessa versão da Base, apresenta


um forte viés político. Os objetos e habilidades dão destaque à história de migração
populacional, formação de fronteiras, legislação, ocupação territorial, organização política,
conflitos e resistências. Nessa fase, tenta-se mostrar uma História política não tradicional, isto
é, factual.

O currículo é orientado na linha teórica da Nova história política, que entende o poder
como um tipo de relação social concebido como de natureza plural – os poderes – que
abrange os saberes (enquanto poderes), as instituições (supostamente) não políticas, as
práticas discursivas, os imaginários sociais, a memória coletiva. Assim, os conceitos exigidos
nessa versão são: Estado, cidadania, império, nação, país, território, governo, escravidão,
servidão, trabalho livre, Antiguidade Clássica, Mundo Novo, Modernidade.

Porém, ainda ficaram fora da abordagem conceitos como monarquia(s), República,


poder, imperialismo, colônia, entre outros que não estão destacados nas habilidades. A
terceira versão não trouxe, também, qualquer alusão à interdisciplinaridade, perdendo-se uma
oportunidade ímpar de apontar, no currículo, temas de diversas disciplinas que poderiam
facilitar conexões e aproximações interdisciplinares. Tampouco os temas transversais foram
contemplados nessa versão da BNCC. Apenas questões de gênero e protagonismo feminino,
por exemplo, são mencionadas timidamente e uma única vez, no 9º ano. Por esse motivo,
depois de diversas leituras, é possível afirmar a tentativa de manobrar os reais interesses
pedagógicos da Base, dando ao povo e aos professores o que “eles” querem que seja estudado.

Todavia, ao se apurar o olhar nos tópicos do texto da BNCC intitulados como


“enfoques predominantes”, verifica-se que foram distribuídos os objetivos de aprendizagem a
83

partir de quatro eixos que se repetem, do início do Ensino Fundamental ao último ano do
Ensino Médio, os quais são: 1) procedimentos de pesquisa; 2) representações do tempo; 3)
categorias, noções e conceitos, e 4) dimensões político cidadãs. Não há, na introdução, um
detalhamento desses eixos.

Conforme será visto adiante, os autores da Base utilizaram conteúdos substantivos,


que dão a impressão de uma distribuição aleatória. De fato, na proposição dos objetivos-
direitos de aprendizagem, a enunciação, construída pela BNCC, tentou unir, na mesma frase,
conhecimentos, conceitos, princípios, acontecimentos, apresentando-os por meio substantivos,
e as capacidades/habilidades, por sua vez, por meio de verbos. A intenção, provavelmente,
não se sabe se foi por decisão da equipe de História ou diretiva do projeto maior da Base.

Portanto, no primeiro contato e nas repercussões imediatas, juntaram-se à


incompreensão de alguns interlocutores sobre os problemas mais profundos que envolvem a
aprendizagem da História, dificuldades da redação e clareza na proposta preliminar da BNCC,
evidenciando problemas advindos do pouco tempo de discussão e da adequação a um
esquema, previamente pensado, de descritores de direitos de aprendizagem que têm por
objetivo ser referência para o acompanhamento e avaliação externa.

Para entender a proposta de História e suas repercussões, é preciso ir além e perceber


que o texto da BNCC dialoga com uma realidade curricular estabelecida pela tradição, em um
formato que adquiriu estabilidade, no início dos anos 1990, e, mesmo com revisões
curriculares estaduais ou nacionais, permanece hegemônico. Refere-se a um currículo
organizado de maneira cronológica, baseado num princípio conhecido como “história
integrada”, no qual se repetem diversos níveis de ensino. Nessa organização, uma história da
“civilização” ocupa maior espaço no ambiente escolar, em detrimento da História do Brasil e
da América, por exemplo.

Portanto, escreveu-se esta dissertação na tentativa de compreender e auxiliar outras


pessoas a entenderem a dinâmica da BNCC. Espera-se que o ensino, no Brasil, tome rumos
positivos para educação, pois ela é social, dinâmica e conflitiva, e que se ofereça também
alguma estabilidade, no meio da tempestade do mundo contemporâneo, quando se incorporam
as transformações não apenas como contingência, mas como fruto de decisões humanas.
9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o objetivo geral desta pesquisa – investigar a influência das políticas


neoliberais no ensino brasileiro, com o principal foco no de História, no ensino fundamental –
, pode-se concluir, com o auxílio das análises, que há essa influência, porém, acontece em
todos os campos escolares, não só nessa disciplina.

Levando-se em consideração alguns aspectos verificados, obteve-se, como resposta


aos objetivos específicos deste estudo, no quesito semelhança entre os PCNs e a BNCC, que o
formato geral de ambos os documentos se parecem muito, mas quando são estudados os
objetivos desses textos, nota-se que os verbos utilizados pelos PCNs têm significados muito
mais intencionais, no sentido de fazer refletir e conhecer a História, a cultura e tudo o que
envolve a sociedade em geral. Enquanto que, na BNCC, são expostos os conteúdos, as
habilidades e competências a serem desenvolvidas em um texto considerado moderno e
libertador.

Outro objetivo específico foi delimitado a fim de verificar se havia alguma relação
entre as políticas neoliberais e o currículo proposto. Afirma-se que sim, uma vez que,
conforme já foi mencionado sobre a elaboração cuidadosa do texto da BNCC, a ponto de ser
visto como moderno e libertador. Porém, a partir do momento em que um documento
normativo afirma que todos os educandos, de todas as regiões do país, devem saber uma parte
do conteúdo igual, desenvolver as mesmas habilidades e competências, está se fazendo o que?
Voltando a tradicional cartilha, que nos torna iguais, mas e os que não conseguem ou não
querem conseguir, mesmo que por instinto, seguir a fileira. Serão tidos como incapazes de
acompanhar o andamento escolar e, com certeza, serão jogados a margem da escola. E se
houver mais evasões escolares, então, irá se bater palmas, porque, como os norte-americanos,
consegue-se provar que a rede pública de ensino não funciona e, assim, privatiza-se o ensino,
por culpa dos professores, é claro!

Anterior à BNCC, a proposta mais próxima de um currículo nacional era a dos PCNs,
o qual foi um projeto elaborado pelo governo do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, no ano de 1996. Esses surgiram como uma proposta para uma base comum
curricular, mas o documento não obteve uma receptividade satisfatória pela comunidade
acadêmica, passando a ser um direcionador curricular.

Posterior aos PCNs, foram criadas, em 2013, as Diretrizes Curriculares Nacionais


85

(DCNs), que são normas obrigatórias para a Educação Básica, que orientam o planejamento
curricular das escolas e dos sistemas de ensino. Seguindo esse processo, em 2014, foi lançado
o Plano Nacional da Educação (PNE), com o objetivo de apresentar metas para a melhoria da
educação no Brasil.

Considerando as questões levantadas em torno da BNCC, percebe-se que se


mobilizam posições divergentes, principalmente, por se tratar de uma política que tem como
objetivo padronizar o ensino básico em todas as modalidades de ensino, o que vem sendo
defendido de forma contrária pelas fontes utilizadas para análises. Outro ponto a se pensar é o
que está posto, desde o nome do documento, “Base Nacional Comum Curricular”, fornecendo
conteúdos mínimos para todas as áreas de conhecimento, mas será que o mínimo é o
suficiente para formar pessoas que atuarão na sociedade, de forma a buscar transformá-la e
desenvolvê-la? Ou será que a sua criação só aumentará os índices de avaliações da educação,
caso os conteúdos cobrados nestas sejam os mesmos obrigatórios por meio da base? E, ainda,
não se retornará aos tempos de cartilha.

Estas são questões sugeridas para serem pensadas e respondidas em outra pesquisa,
pois as propostas deste estudo era o de estudar os currículos nacionais brasileiros; verificar se
o ensino de História foi prejudicado pela implantação da Base Nacional Curricular Comum
(2016); identificar se há alguma semelhança entre os documentos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997) e Base Nacional Curricular Comum (2016); e por fim, estabelecer
se há relação entre as políticas neoliberais e o currículo comum proposto às escolas.

Assim, com base na pesquisa realizada, chega-se a um posicionamento crítico, que


apoia os argumentos contrários à proposta de um currículo básico mínimo. Acredita-se que,
para formar indivíduos capazes de atuar como sujeitos na nossa sociedade, precisa-se muito
mais do que somente o básico. É preciso ter acesso a conteúdos básicos sobre as áreas de
ensino, mas também é necessário se reconhecer, saber de “onde veio” e “para onde vai”, na
sociedade, enquanto grupo social. É essencial ter uma proposta com características fortes
neoliberais, no sentido de preparar para o mercado de trabalho, e não no sentido liberal de se
preparar para trilhar sua vida com sucesso.

Desse modo, separar a experiência escolar da sua totalidade constitutiva é um pouco


limitado demais. O estudo da relação entre ideologia e conhecimento escolar é muito
importante para compreensão da coletividade social, da qual todos fazem parte. Se o que se
86

busca é a melhoria da qualidade de ensino, as políticas públicas devem se voltar, inicialmente,


para a redução das assimetrias sociais, enquanto as políticas educacionais precisam considerar
que um ensino de qualidade se faz em condições materiais adequadas e com um professor
preparado para enfrentar os desafios da educação.

Padronizar o currículo é reduzir as oportunidades educacionais dos estudantes e a


autonomia do docente; é negar o direito à diferença e desrespeitar as diversidades culturais,
mesmo que, no texto oficial, se deixe reservado o espaço diversificado para cada Estado; é
buscar um caminho fácil, para um processo complexo e que não se resolve com mais políticas
que volvam somente o currículo e não toda a reformulação do pensamento escolar no Brasil.
O currículo é uma solução barata para substituir a soma de investimentos que a educação
necessita. Padronizar o currículo é, pois, mais uma solução ineficiente para os graves
problemas que desafiam o campo educacional, mas muito eficiente para controlar a população
e separar a elite do subúrbio. Se até hoje, sem uma Base Curricular Comum, se equiparou a
sociedade, tanto em termos escolares quanto econômicos, se conseguirá agora? Fica a
pergunta para ser respondida em um próximo trabalho.
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