Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Santa Maria, RS
2018
MAGDALE MACHADO CATELAN
Santa Maria, RS
2018
C358i Catelan, Magdale Machado
A influência das políticas neoliberais no ensino de
história nos anos finais do ensino fundamental / Magdale
Machado Catelan ; orientação Leonardo Guedes Henn ;
coorientação Fernanda Figueira Marquezan – Santa Maria :
Universidade Franciscana – UFN, 2018.
91 f.
CDU 37
Elaborada pela Bibliotecária Eunice de Olivera CRB/10 - 1491
4
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho primeiramente а Deus, pоr ser essencial еm minha vida, autor do
mеu destino, mеu guia, socorro presente nа hora dа angústia; ао mеu pai João Batista Catelan,
à minha mãе Maria Luisa Catelan е ао meu irmão e cunhada.
Aos meus filhos Karine e João Pedro, aos enteados, e não menos importantes,
Dianiséli, Dianerson, Dianelise, Dyalisson. E ao meu grande companheiro, Deonir Trindade
Maurer.
AGRADECIMENTOS
Quando olhamos para o lado e vemos alguém que está sempre presente, uma pessoa
que nunca nos deixa desanimar, só podemos estar gratos. Amigos que nos dão palavras de
coragem e que lutam para nos ver felizes são raros hoje em dia. E eu tive a sorte de encontrar
vocês, luz para meu caminho e tesouro para meus dias.
Torço para que o futuro permita a vocês alcançarem todos os seus sonhos. Muita paz e
amor é o meu sincero desejo para suas vidas. Jamais esquecerei tudo o que fizeram por mim.
Nossa amizade é um verdadeiro privilégio que eu quero continuar a estimar.
ABSTRACT
The neoliberal processes underwent changes and new idealizations throughout history, so that
they directly influenced socio-educational processes, as well as political and state processes.
Thinking of this consideration, this research investigates the neoliberal influences in the
public curricular policies of Brazil, focusing on the teaching of History. In this way, the
objectives are to study Brazilian National curricula; to verify the changes in the teaching of
History from the National Curricular Common Base (2016); to identify the similarities
between the National Curricular Parameters (1997) and the National Curricular Common
Base (2016), and finally, to establish if there is a relation between neoliberal policies and the
common curriculum proposed to schools. The type of research is of a bibliographic nature,
since it allows the researchers to know what was published about the object of study, since it
is based on the survey of theoretical references, such as books, scientific articles. Allied to the
bibliographical research, documentary research was used, using more diversified sources,
such as: statistical tables, newspapers, magazines, reports, official documents, letters, films,
photographs, paintings, company reports. The conclusion, therefore, is that public policies, in
view of the quest for the improvement of the quality of education, should initially focus on
reducing social asymmetries, while educational policies need to consider that quality
education is done under material conditions appropriate, and with a teacher prepared to meet
the challenges of education.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 10
2 NEOLIBERALISMO E ENSINO..................................................................................... 15
3 NEOLIBERALISMO NO BRASIL.................................................................................. 27
4 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO..................... 34
5 O CURRÍCULO NO ENSINO DE HISTÓRIA E AS POLÍTICAS
CURRICULARES.................................................................................................................. 42
6 METODOLOGIA............................................................................................................... 45
6.1 CARACTERIZAÇÕES DA PESQUISA........................................................................... 45
6.2 TIPO DE PESQUISA E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS............................................... 45
6.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE.................................................................................. 46
7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS......................................................................... 48
7.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) PARA O ENSINO
FUNDAMENTAL.................................................................................................................... 48
7.2 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC).................................................. 50
7.3 RECORRÊNCIA E INTENCIONALIDADE DOS VERBOS REFERENTES AO
ENSINO DE HISTÓRIA, NOS PCNS E NA BNCC DO 6º AO 9º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL............................................................................................................... 53
7.4 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS A SER DESENVOLVIDAS NOS PCNS E NA
BNCC PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL.................................................................................................................... 61
7.5 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA NOS PCNS E NA BNCC.......................... 65
8 RESULTADO DAS ANÁLISES DOS PCNs E DA BNCC............................................. 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 82
10
1 - INTRODUÇÃO
Desse modo, por ser uma pesquisa bibliográfica e documental, o corpus constitui-se
dos seguintes documentos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394\96
(BRASIL, 1996), Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – História
(BRASIL, 1997) e Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016). Como subsídio
teórico, apoiou-se nos seguintes autores: Apple (2006; 2008), Santomé (2003; 2013), Gramsci
(2001), Akkari (2011), Freire (1982), Andreoli (2002), Gadotti (1983) e Sanders (2011).
Diante disso, buscou-se teóricos que embasam essas questões, como Althusser (2003),
que descreve a escola como um dos principais aparelhos ideológicos do Estado. Por outro
lado, Gramsci (2001) não considera que a escola reflita a esfera econômica de um Estado,
conceituado pelo autor como uma predominância ideológica de valores e normas burguesas
sobre as classes subordinadas, e, sim, tem a possibilidade de mudar com consciência por meio
de incentivo utilizado pelos professores durante suas aulas.
Nesse contexto, somando as reflexões teóricas, há Apple (2006), que vai ao encontro
das mesmas ideias de Althusser, apresentando as instituições de ensino como um dos maiores
mecanismos pelos quais o poder se mantém, ou, então, é enfrentado. O autor converge com as
ideias de Gramsci (2001), e ainda afirma que existem conflitos, dentro da escola, entre os
grupos dominantes e os subalternos. Segundo o autor, os grupos dominantes tentam se
associar aos elementos que formam o bom senso das pessoas, e, assim, colocá-las sob sua
liderança (APPLE, 2008).
econômica, procura enunciar quais os meios a serem adotados para que a humanidade, de uma
maneira geral, possa elevar o seu padrão de vida” (STEWART JR, 1995, p. 6).
Na área das Ciências Humanas se faz necessário refletir sobre as forças políticas que
exercem pressões sobre a sociedade. Nesse entendimento, Apple (2006) considera que a as
forças dominantes agem diretamente na escola pública, objetivando uma escola sem relação
de contato entre pais e comunidade escolar. No entanto, percebe-se como primordial discutir
sobre as necessidades de criar maneiras de relacionamento entre a escola e a comunidade que
sejam democráticas. Entende-se, também, ser necessário compreender a trajetória da educação
brasileira e as influências que ela recebe, por meio das políticas públicas, na criação do
currículo. Além disso, pontua-se ser substancial este tipo de discussão durante a trajetória
docente e da formação da sociedade. Para entender essa dinâmica, os temas sobre políticas
públicas e currículo serão detalhados no decorrer desta pesquisa.
Dessa forma, esta pesquisa está estruturada assim: o primeiro capítulo disserta sobre
os processos neoliberais, demonstrando como essa ideologia foi inserido no ensino. No
segundo capítulo, é abordada a maneira como o neoliberalismo chegou ao Brasil, por qual
14
O quarto capítulo, por sua vez, apresenta o currículo no ensino de história no Brasil,
refletindo-o de acordo com a dinâmica social e política que marcou o país ao longo do tempo.
O quinto capítulo seis refere-se à metodologia da pesquisa aplicada neste estudo, o qual é
qualitativo, de cunho bibliográfico e realizou-se por meio da análise textual discursiva. Já o
sexto e sétimo capítulos se preocupam com as análises das fontes desta pesquisa. Cabe, então,
ao sétimo capítulo apresentar os resultados. No sexto capítulo, especificamente, encontram-se
informações sobre a Base Nacional Comum Curricular, dados de quando se iniciou essa
discussão, os procedimentos para sua criação até sua fase de aprovação.
2 - NEOLIBERALISMO E ENSINO
Percebe-se que, nos dias atuais, os recursos para a educação são mínimos, e isso limita
a ação dos professores e o aperfeiçoamento das camadas sociais que mais utilizam desse
serviço. Apesar da grande necessidade de recursos para uma educação de qualidade,
valorização do ensino, os investimentos passam a ser reduzidos em vista de outras demandas
da sociedade, porque a política do governo convém valorizar mais uma área do que outra.
Passamos por vários modelos econômicos, como o agrário exportador, por volta de
1550; depois na década de 1860, quando o Brasil passou a ser um modelo comercial
exportador. No campo educacional, havia pouco investimento público, pois a perspectiva de
Portugal, até a independência, pelo menos, era o de extrair e lucrar com as riquezas do
território brasileiro. Mas, mais especificamente sobre a história da educação neste período, há
o estudo de Diana Vidal e Luciano de Faria Filho (2003, p. 40), que pontuou:
A história mostra que a educação escolar no Brasil nunca foi considerada como
prioridade nacional: ela serviu apenas a uma determinada camada social, em
detrimento das outras camadas da sociedade que permanecem iletradas e sem acesso
à escola. Mesmo com a evolução histórico-econômica do país (...); mesmo tendo, ao
longo de cinco séculos de história, passado de uma economia agrária-comercial-
exportadora para uma economia baseada na industrialização e no desenvolvimento
tecnológico; mesmo com as oscilações políticas e revoluções por que passou, o
Brasil não priorizou a educação em seus investimentos político-sociais e a estrutura
educacional permaneceu substancialmente inalterada até nossos dias, continuando a
agir como transmissora da ideologia das elites e atendendo de forma mais ou menos
satisfatória apenas a uma pequena parcela da sociedade.
Diante desse cenário, surge o difícil papel do professor, o qual tem que compreender o
momento em que se vive para poder refletir uma visão crítica e sensata. Relaciona-se esta
concepção de realidade com as ideias de Brito e Vasconcelos (2014), quando ele pensa na
tarefa de um educador:
De acordo com Freire (1982), o educador deve ser crítico e reflexivo. A partir dessa
afirmativa, surgem algumas indagações: como ser um profissional reflexivo e crítico dentro
de um contexto dominador? De que forma aliar sessenta horas trabalhadas a uma reflexão
sobre a didática? Essas indagações fazem parte do contexto desta pesquisa, que discute as
possíveis influências recebidas pela escola, por meio da construção do currículo, e os
elementos contraditórios que se estabelecem a partir do modelo econômico e social vigente.
17
Deste modo, a educação pública, no Brasil, é feita a partir do poder federal, estadual e
municipal. A escola sofre influência e interferência da ideologia política e econômica dessas
três esferas do poder. É justamente nesse item que se pode observar certa desunião desses
poderes, em detrimento de seus próprios objetivos, quando, na verdade, o único objetivo que
deveria importar a todos eles seriam a educação nacional.
Na área da História, pode-se observar esse currículo quando são estudadas as grandes
revoluções, ou os conflitos de classe. Em tais ocasiões, geralmente, se dá mais ênfase àqueles
em que a classe burguesa está envolvida. Esse seria um tema para outra pesquisa, mas, ao se
observar melhor os textos didáticos, encontram-se pensamentos tendenciosos, nos quais se
afirma a burguesia como conquistadora de seu espaço, e os demais meros reprodutores sem
nenhum papel efetivo na sociedade. De acordo com isso, Apple (2006) evidencia que
18
A respeito desse tema, a escola possui dois tipos de pessoas internamente: uns são
educadores e outros são professores. Segundo Rubem Alves (1989), há uma distinção
importante dessas duas figuras intrínsecas ao cotidiano escolar.
Eu diria que os educadores são como velhas árvores. Possuem uma face, um nome,
uma história a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os
liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma entidade sui generis, portador de um
nome também de uma história sofrendo tristezas e alimentando esperança. E a
Educação é algo para acontecer neste espaço invisível e denso que se estabelece a
dois. Espaço artesanal. Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde
o educador pouco importa, pois o que interessa é um crédito cultural que o aluno
adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que para fins
institucionais, nenhuma diferença faz aquele que a ministra (ALVES, 1989, p.13.
Grifos do autor).
Rubem Alves (1989) ajuda a compreender esse universo dividido por crenças,
ideologias, políticas: a escola. Segundo Althusser (2003), ela é um aparelho ideológico do
Estado, onde não há brecha para um pensamento contrário ao imposto pela engrenagem que é
a escola. Os que apoiam essa ideia devem ser, para Rubem Alves (1983), os professores. Do
outro lado, estão os educadores e todos os que pensam ser possível, sim, reverter o
pensamento capitalista, elitista dentro da escola.
19
Ao parar para refletir sobre a educação brasileira, pode-se constatar que ela vem,
desde muito tempo, sendo manipulada por modelos norte-americanos. Em 1920, nos EUA,
surgiu uma nova estrutura educacional, a Liberal Progressista ou Escola Nova, que chegou ao
Brasil em 1932, mas só foi efetivada a partir de 1960, com a chegada das grandes indústrias,
como a automobilística. Todas as áreas tiveram que se adaptar à tecnologia, inclusive a
escola, ficando explícita a influência do trabalho fabril no processo educacional. Foi o
momento em que surgiram novas profissões na área escolar, como o administrador, o
orientador e o supervisor, este último, semelhante como ocorre na indústria, supervisionando
o trabalho.
Faz-se necessário ainda pensar que a escola é uma estrutura composta por “gente”, ou
seja, é importante perceber que a contradição não existe somente na sociedade enquanto
estrutura, mas também em cada elemento que a compõem, e isso significa que fatores
psicológicos da mesma forma influenciam na organização das ideias existentes na escola.
Assim, nesse caso, uma contradição é atender uma grande e variada “clientela”, que, por sua
vez, dificulta a qualidade desse atendimento. Para isso, é necessário se fazer uma série de
20
indagações sobre o tipo de trabalho a ser realizado, como, por exemplo: a quem e como a
escola deve atender? Como acolher esta “clientela” e ampará-la bem?
Nesta última questão, pode estar a resposta para muitos dos problemas existentes na
escola. É a partir desta indagação que se pode encontrar as raízes da má qualidade do
atendimento escolar. Contudo, não se deve generalizar todos os sistemas, pois alguns, por sua
vez, são muito eficientes. Para alcançar essa eficiência, precisa-se levar em conta o contexto
social em que a escola está inserida.
Andreoli (2002) refletiu sobre a ideologia na educação, que é uma das portas para
facilitar a aceitação da dominação. Nesse sentido, o marxismo entende a ideologia como “um
instrumento de dominação de classe, como tal sua origem é a existência da divisão da
sociedade em classes contraditórias em luta”, conforme Marilena Chauí (1994, p. 102 apud
ANDREOLI, 2002, p. 1). Para Andreoli (2002), a compreensão da ideologia como expressão
de interesses é “falsificação da realidade”, com vistas ao controle social, permite a conclusão,
do ponto de vista marxista, de que a estrutura social dominante constitui “aparelhos
ideológicos”, em forma de superestruturas, mantendo a opressão.
Tal afirmação corrobora com Althusser (2003), o qual afirma que a escola é o
principal aparelho ideológico do Estado. Esse autor não é totalmente aceito entre os
educadores críticos, por pensar que não se pode conter essa superestrutura, que não pode
haver modificação social por meio da escola. Ao contrário, acredita que somente há a
21
A maior marca e, com certeza, a que se assemelha mais a década de 1960, quando
aconteceram as primeiras intervenções, é o ensino profissionalizante, pois proporciona mão de
obra técnica, barata e rápida. Pensando contra este sistema, reflete-se com o conceito de
pedagogia do oprimido, de Paulo Freire (1987, p. 58):
mas seria interessante que a sala de aula se tornasse um foro de discussão de todos os assuntos
do nosso dia a dia.
Também nesse contexto neoliberal, e por ser uma nação exportadora de “exemplos”
para países em desenvolvimento, os Estados Unidos aparece como um modelo recorrente para
o Brasil. Nas questões escolares não é diferente. Como forma de ilustração de padrão de
ensino, é pertinente descrever um dos programas norte americanos que desperta semelhança
com os programas instituídos no Brasil. Nesse sentido, como Trabalho Final de Graduação,
Catelan (2016) pesquisou o Programa Not Child Left Behind (Nenhuma Criança Deixada para
Trás), buscando identificar semelhanças com programas brasileiros. Mesmo não sendo o foco
desta pesquisa, cabe esboçar como discussão parte desse estudo.
Em linhas gerais, a Lei Not Child Left Behind (NCLB) é uma lei federal que
supostamente apoia e assegura a educação pública nos Estados Unidos da América. Desde sua
implantação em 2002, a Lei é a maior fonte de fundo financeiro que as escolas primárias e
secundárias recebem. De acordo com o site Massachusetts PIRC1, tem como propósito
assegurar que todas as crianças no país recebam uma educação de qualidade e, além disso,
corrigir as diferenças de desempenho dos estudantes.
Essas diferenças de desempenho, segundo a Lei, existem por causa de grupos étnicos
minoritários que vivem na pobreza, ou porque possuem algum tipo de deficiência ou porque
sua língua materna não é o inglês. Além de diminuir as diferenças de desempenho, a Lei
NCLB visa melhorar o letramento, ao colocar a leitura em primeiro lugar; aumentar a
1
Disponível em: <http://pplace.org/portuguese/nclb/title1.php>. Acesso em: 04/06/2016.
23
Para manter esse programa, existem alguns princípios que o regulam, ou seja, a Lei
NCLB exige que as escolas sejam responsáveis pelos resultados, utilizem métodos de
instrução aprovados por pesquisas e, possivelmente, o mais importante item, que o programa
envolva os pais nessa responsabilidade. Estes se tornam personagens importantes, nesse
processo, rumo à garantia de um ensino de qualidade.
Para a discussão em torno dessas questões, Apple (2002) referencia situações ainda
mais preocupantes sobre o ensino norte-americano, que acabam por influenciar a educação e o
ensino no Brasil. De acordo com o autor, nos Estados Unidos da América, são quatro grupos
de direita responsáveis pela “modernização conservadora” na educação: os neoliberais,
profundamente comprometidos com o mercado, a liberdade e escolha individual; os
neoconservadores, grupos “saudosistas” que desejam o retorno da disciplina e do
conhecimento tradicional, nas escolas; os chamados populistas autoritários, fundamentalistas
religiosos e cristãos conservadores que querem o retorno de Deus, em todas as instituições de
ensino; e finalmente a “nova classe média profissional e gerencial”, ou seja, os especialistas,
as pessoas que têm um papel importante na implantação da reforma conservadora do estado,
da educação e da formação docente.
Além disso, sabe-se que o liberalismo prevê um Estado que interfere o mínimo
possível na sociedade, dando liberdade para o mercado interferir nos segmentos desta, o que
cria a ideia de que o privado é melhor porque é pago, e o público é pior porque é de “graça”.
Para Apple (2001), a principal consequência dessa ideologia é que a educação norte-
americana é tratada como mais um produto a ser consumido no mercado.
2
Entrevista conduzida por Michael f. Shaughnessy, Kathy Peca e Janna Segel, New México University.
Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/vol1iss1articles/apple.pdf>. Acesso em: 12/08/2017.
26
Quando os pais mandam seus filhos para a escola, esperam que aprendam algo como
escrever, ler, calcular, mas junto desses objetivos básicos, esperam que eles “sejam alguém na
vida”. É neste momento que começam a surgir as influências externas: no caso dos Estados
Unidos da América, essas foram para valorizar a história e os valores da classe dominante
daquele país, esquecendo os imigrantes, os negros e índios que fizeram parte da construção
histórica do país. Porém, os grupos conservadores e os que prezam a moral e os bons
costumes têm uma aliada muito forte: a mídia. Ela nos informa e nos deixa a par de tudo o
que acontece a nossa volta, principalmente, em questões de consumo, como a última moda,
último modelo de carro esportivo e assim sucessivamente, colaborando “positivamente” para
desenvolver a sociedade do consumo sem limites.
Voltando o olhar para o Brasil, tem-se os programas “Mais Educação”, “Pacto pela
Alfabetização na Idade Certa”, entre outros, os quais, mesmo em um olhar sem muita perícia,
pode-se dizer que se assemelham aos programas norte-americanos. Um ensino de qualidade e
que garanta a alfabetização de todos é estandarte de luta permanente, prevista pelas diferentes
entidades sociais e políticas, como questões de extrema importância para o desenvolvimento
do país.
Porém, será que realmente se está lutando para garantir um ensino de qualidade ou
apenas atendendo demandas, como aponta Libâneo (2012), ao mencionar o dualismo da
escola, no qual um tipo de educação visa o conhecimento, e outro abraça missões sociais, bem
como define qual a origem epistemológica e política das perspectivas que fundamentam esses
discursos. Diante de diferentes estudos, dentre eles os de Dourado (2007), Libâneo (2012),
Sander (2011) e Apple (2006), pode-se afirmar que o final do século XX e início do século
XXI são marcados por grandes mudanças no campo do ensino, até mesmo diferenciação entre
ensino e educação. Isso aconteceu, em especial, pela entrada da perspectiva de educação
voltada aos interesses do neoliberalismo e um forte discurso de educação como viés de
desenvolvimento para os países. As mudanças mencionadas estão alinhadas por uma agenda
internacional, que iniciou com a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada
em Jomtien, na Tailândia, no ano de 1990.
Essa conferência, como outras mais3, foram financiadas pelo Banco Mundial. A
abertura desta corporação para financiamentos na educação refletiu na imposição de
3
Pode-se citar, neste caso, a Cúpula Mundial de Educação, realizada em Dakar, no ano de 2000, e a Conferência
Mundial sobre Educação para Todos, realizada na Coréia do Sul, em 2015.
27
regulamentos que passaram a fazer parte das políticas educacionais dos países em
desenvolvimento; houve uma redefinição do papel do Estado; controle das ações da escola
sob os princípios da competência, verificáveis pelos indicadores de qualidade controlados
pelas provas em larga escala.
Foi necessário fazer essa retomada para expor porque, nesta pesquisa, destacam-se
semelhanças dos programas brasileiros e norte-americanos. Não serão raras as vezes que
referenciar-se-á a semelhança de políticas educacionais, de modelo de currículo e de
programas para desenvolvimento.
Nesse contexto, alfabetizar todas as crianças brasileiras até o fim do terceiro ano, dos
anos iniciais, é um dos objetivos do Plano Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC). Esse pacto surge como um desdobramento do Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação, o qual, em seu Art. 2, inciso II, destaca que é preciso “alfabetizar as crianças
até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os resultados por exame periódico específico”
(BRASIL, 2007).
4
Para saber mais sobre as reformas neoliberais no Brasil, ver: MASSIMO, Lucas. Como se explica o
neoliberalismo no Brasil? Uma análise crítica dos artigos publicados na revista Dados. Revista de Sociologia e
Política. V. 21, nº 47, p. 133-153, 2013.
31
Os princípios que sustentam a ideologia neoliberal, a qual pode ser interpretada como
globalizante, geram uma coesão no contexto econômico mundial, justamente por trazer aos
mercados abertura de negociações, incentivando investimentos externos diretos. Essa ação de
conexão mundial não é só no âmbito econômico, mas também uma dimensão política, social e
cultural.
Sobre isso, Luckesi (1994), em seu livro Filosofia da Educação, dissertou, no segundo
capítulo, sobre essa temática, evidenciando que, para compreender a educação, existem três
correntes filosóficas-políticas: educação redenção, reprodução ou transformação. Nesse
contexto, Althusser é um dos autores que assume a concepção de que a educação é a
reprodução da sociedade. Além disso, para essa corrente, ela é “determinada por seus
5
Governou o executivo do Brasil entre 1995 e 2002.
32
Os educadores críticos são todos aqueles que acreditam que há, sim, uma possibilidade
de reverter esse pensamento ideológico dominante capitalista, existente nas escolas. Segundo
Apple, Au e Gandin (2011), esses educadores, ao atuarem junto aos movimentos sociais,
desempenharam o papel de intelectuais a serviço dos trabalhadores, combatendo a produção
do consenso, fundamental para a manutenção da hegemonia cultural interessante à burguesia.
Esse autor ainda aponta outras formas existentes de controle social, existente no
mundo escolar:
33
O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente sob a forma das
disciplinas ou dos comportamentos que ensinam, as regras e rotinas para manter a
ordem, o controle, o currículo oculto que reforça as normas de trabalho, obediência,
pontualidade, etc. O controle é também exercido por meio das formas de significado
que a escola distribui: o “corpus formal do conhecimento escolar” pode tornar-se
uma forma de controle social e econômico (APPLE, 2006, p. 103. Grifo do autor).
Apple, em seu livro Ideologia e currículo (2006), indica dois pontos fundamentais
para a abordagem sobre a escola. O primeiro é a necessidade de percebê-la como parte de um
conjunto de relações de outras instituições, políticas, econômicas e culturais, e todas
basicamente desiguais. A escola existe por meio de suas relações com outras instituições de
maior poder, estas que são combinadas de maneira a gerar desigualdades estruturais de poder
e acesso a recursos.
O outro ponto são essas desigualdades reforçadas e reproduzidas pela escola, por meio
de suas atividades curriculares, pedagógicas e avaliativas, no dia a dia da sala de aula. Ela
desempenha um papel significativo na preservação, ou então, na geração dessas
desigualdades.
De maneira diferente, mas com mesmo foco, os dois autores discorrem sobre os
objetivos de um ensino que segue os princípios neoliberais, prima por um ensino rápido,
profissionalizante e competitivo. Neste sentido, Santomé (2013) relata que é necessário levar
em conta os três principais motores da nova economia: as finanças, o conhecimento e o
capital humano. Para o autor, esses são realmente inovadores, entre outros motivos, porque já
não são mais bens materiais tangíveis, como eram as máquinas e as terras, até há pouco
34
tempo. Por essa razão, as mudanças no ensino começaram a acontecer, e a preocupação dos
governos e dos monopólios empresariais era formar capital humano, e o local escolhido para
essa formação foi a escola. Nesse contexto, o ensino para a geração de capital humano pensa
o indivíduo como mercadoria ou meio de produção, que se desloca conforme o mercado
neoliberal.
Diante disso, esta pesquisa comunga com as ideias de Gramsci, que considera o
espaço da escola como um local de lutas pela hegemonia, pois, conforme a discussão do autor
Benno Sander (2009, p. 76)6, “este relato sobre os processos de construção e reconstrução de
concepções e práticas de gestão educacional revela que o campo educacional brasileiro
continua sendo hoje, como foi no passado, uma arena de disputas em que diferentes atores
tratam de impor suas opções político-pedagógicas e suas categorias de percepção e
interpretação”.
Essas disputas se observam tanto nos processos de formulação política como nas
práticas de intervenção, no cotidiano da gestão educacional, refletindo posições políticas
diferenciadas sobre a condição humana, a cultura e a educação. Muitas vezes, estratégias
administrativas, como descentralização, autonomia, colegialidade e participação, são
apregoadas pelos protagonistas das várias concepções educacionais em disputa. Os seus
significados, no entanto, são diferentes, quando não opostos. Para os pensadores neoliberais, o
sentido desses termos é prioritariamente técnico racional, enquanto que, para os críticos, é
sociológico, antropológico e político.
6
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em:
<http//www.esforce.org.br>. Acesso em: 15/07/2017.
35
Nesse mesmo contexto, mas refletindo sobre o modo de administração que se pretende
para escola com o modelo neoliberal, apresenta-se Dourado (s/d), o qual propõe a gestão
educacional com natureza e características próprias, ou seja, tem escopo mais amplo do que a
mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da administração empresarial, devido a sua
especificidade e aos fins a serem alcançados. Ou seja, a escola, entendida como instituição
social, tem sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos fins político-
pedagógicos, que extrapolam o horizonte custo-benefício stricto sensu.
O ensino brasileiro passou por momentos, em sua história, em que foi atraído por
modelos prontos, recebidos de instituições privadas que vendem “receitas” de como trabalhar
e organizar os conteúdos no currículo da escola. Sentindo-se pressionados por atingir as metas
esperadas, professores e gestores cumprem à risca o que diz a cartilha (HELFER, 2002).
Porém, não se observa que esse modelo é pensado e desenvolvido em um contexto diferente
ao da escola pública (CORSETTI, 2002). Com isso, é importante que se revise a trajetória da
educação brasileira, para assim, perceber as influências que ela recebeu dos fatores externos,
como a economia, os acordos internacionais, entre outros.
Para entender a dinâmica da sociedade, nos dias atuais, e o cotidiano dos grupos que a
compõem, é indispensável se voltar ao passado e perceber que o que se vive atualmente é
resultado de mudanças constantes na tentativa sempre da preservação do status quo de um
grupo como dominante (SHIGUNOV NETO, 2015, p. 9).
objetivo de catequizar e povoar uma terra que “precisava” de um dono, como se não o tivesse.
Logo depois, vai-se para as aulas régias, com a chegada do Marquês de Pombal, já no século
XVIII, que expulsou os jesuítas e instituiu, pela primeira vez, o ensino público no Brasil
(SHIGUNOV NETO, 2015).
Ainda durante esse período dos anos 50, iniciaram-se as discussões sobre a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, além da criação do Ministério da Educação e Cultura.
Posteriormente, com a guinada industrial e desenvolvimentista do Governo de Juscelino
Kubitschek, apresentaram-se no Brasil novas teorias e discussões sobre o ensino público e
privado. Embora esse período tenha sido marcado por grandes inovações, a educação para
todos não foi priorizada, mas o que se estabeleceu foi novamente um ensino técnico para
suprir as necessidades que o mercado de trabalho exigia no momento.
Mais tarde, em 1964, o país passou pelo governo militar, embora de maneira rígida e
repressiva, os militares previram a modernização do ensino superior, bem como ampliaram o
tempo da educação básica no país, sugerindo que as mudanças que buscavam para o país
passavam pela educação. Nesse período, foi assinado o primeiro acordo entre o Ministério da
Educação e a Agência Americana para o Desenvolvimento, o chamado MEC-USAID, que
consistia em encontros dos professores brasileiros com os norte-americanos; o resultado disso
foi o Relatório Meira Matos, nome do Coronel que o redigiu.
38
Como pode se observar, em nenhum momento, até os dias de hoje, o Brasil teve uma
política própria para a educação e o ensino. Desde o início, a escola serviu para dinamizar
outras funções, as quais não foram a de ensinar para vida, ou para a cidadania, como é
proposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, no Título II, Art. 2º:
“a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996).
As escolas brasileiras têm sido reguladas por políticas curriculares que visam atingir
números, e para isso são utilizados artifícios como promoções, premiações e incentivos aos
professores e às escolas que atingirem as metas esperadas. Esse tipo de conduta adotada pelo
governo gera um ranking de disputa entre as escolas, o que atinge o trabalho do professor de
tal forma que passa a treinar os educandos para a disputa. Esta pode ser observada no
currículo, no modo como as avaliações são elaboradas, em como os conteúdos são
trabalhados, tal qual o professor ensinou e que, no final, gerará um número (nota) alto ou
baixo. Nesse contexto, para o educando e para o professor gera-se sucesso ou fracasso.
39
O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente sob a forma das
disciplinas ou dos comportamentos que ensinam – as regras e rotinas para manter a
ordem, o currículo oculto que reforça as normas de trabalho, obediência,
pontualidade, etc. O controle é também exercido por meio das formas de significado
que a escola distribui: o “corpus formal do conhecimento escolar” pode tornar-se
uma forma de controle social e econômico (APPLE, 2006, p. 103. Grifo nosso)
Da maneira como a escola foi e está estruturada acaba por garantir que a sociedade se
mantenha da forma como ela. As escolas controlam as pessoas; ajudam a controlar o
significado. Pelo fato de preservarem e distribuírem, o que se percebe como “conhecimento
legítimo” – o conhecimento que “todos devemos ter” –, as escolas conferem legitimidade
cultural ao conhecimento de determinados grupos (APPLE, 2006). O meio para conseguir
esse controle é elaborar um currículo que desenvolva e avalie esse aprendizado. Nesse
currículo são escolhidos os conteúdos e as atividades que elevam todos os grupos ao mesmo
espaço social. Acresce que, para o conhecimento de um grupo tornar-se conhecimento de
todos, só depende do poder político-econômico deste. Como a escola está com sua estrutura
pensada a servir a elite, com certeza esse conhecimento será o deste grupo.
Nessa direção, de acordo com Gramsci (2001), a escola não reflete a esfera econômica
de um Estado, conceituado pelo autor como uma predominância ideológica de valores e
normas burguesas sobre as classes subordinadas, mas, segundo este autor, a escola tem a
possibilidade de mudar essa esfera com consciência, por meio de incentivos pedagógicos
utilizados pelos professores, durante suas aulas.
Uma das principais críticas de Gramsci (2001) sobre a escola é em relação ao seu
método tradicional, que segrega parte da população através do ensino, pois ela forma mão de
obra especializada entre os integrantes da elite e delega o ensino voltado ao trabalho braçal e
fabril para os pobres. Em contrapartida, Gramsci defende uma escola única, crítica e criativa,
que desenvolva tanto competências intelectuais quanto as profissionais, possibilitando a
autonomia do sujeito.
40
Santomé, na sua passagem pelo Brasil, lançando um livro, concedeu uma entrevista ao
Portal Aprendiz, da Uol, e fez o seguinte questionamento, reportando-se a si mesmo:
“Quantos problemas do mundo não partem da forma como estruturamos nossas escolas e o
conhecimento?” (NOGUEIRA, 2013, p. 1). Em seu livro Sentidos Ocultos da Educação
(2013), afirma que a escola é uma das responsáveis por gerar conhecimento, mesmo com esse
“poder”, muitas vezes, ela alimenta preconceitos, competições e modelos de comportamento
como sendo únicos. O autor também suspeita do material didático que é utilizado, o qual
frequentemente é de uso obrigatório e, segundo ele, seu conteúdo é conservador, classista,
nacionalista, entre outras classificações.
O autor acredita que a escola ensina além do conteúdo, contendo também, conforme
ele denomina, o currículo oculto, o qual não está previsto nos programas e metas do ano
letivo, mas se origina como consequência das trocas de experiência que acontecem na escola
entre professor e aluno, aluno e aluno, aluno e funcionário. Cada indivíduo segue um
princípio, e, ao juntarem-se uns com os outros, há uma troca, na qual já acontece um tipo de
41
aprendizado, que não é programado. Percebe-se isso a cada troca de diretor, por exemplo, pois
cada um tem uma forma de organizar a escola. Durante o tempo que esse diretor estiver à
frente da escola, as coisas serão do jeito dele. Mesmo depois que outro assumir, sempre ficará
um resquício do que passou, em alguma norma, rotina, ou costume, que será levado para vida
do aluno. Este que vivenciou e aprendeu com aquele diretor seguirá o que aprendeu,
resistindo ao novo. Essa atitude, para Santomé (2003), é o currículo oculto.
Outro autor que estuda currículo é Peter McLaren, canadense radicado nos EUA, PHD
em Educação e um dos principais teóricos da Educação Crítica. No Brasil, uma corrente
próxima é representada pelas ideias de Paulo Freire. Ao se deparar com a Pedagogia Crítica,
percebeu o que estava acontecendo em seu mundo profissional, e escreveu seu primeiro livro,
no qual conta o seu cotidiano. Após a sua escrita, ele teve contato com os escritos de Paulo
Freire, ficando decepcionado com a realidade de muitos educadores.
7
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/.
42
Como deve ser, a escola não está afastada da realidade social. Obviamente que essa
lógica inclui os problemas. Desta maneira, McLaren (1986) refere-se aos preconceitos e
racismos que acontecem nos Estados Unidos da América. Por isso é importante pensar e
relacionar as suas reflexões com os casos brasileiros. Por exemplo, quando um grupo de
adolescentes, na escola, avista outro, ou até mesmo pessoas que veem na rua, as quais, de
certo modo, “fogem” aos padrões pré-determinados por eles ou por outro grupo que seguem,
esses adolescentes logo fazem uma breve análise sobre cabelos, cor, roupas, entre outros.
Essas atitudes, na opinião da autora desta pesquisa, como estudante e observadora dessas
questões, são consideradas como um preconceito, algo bastante problemático e que deve ser
evitado. Assim, a educação é o maior destruidor destes pensamentos preconceituosos.
Percebe-se, ainda, de maneira geral, no discurso dos ministros, nas reformas que estão
previstas e pelas avaliações que a escola passa todos os anos, que o intuito, quando se refere à
educação, é mostrar números, somente índices. Números e dados que são apresentados sem
contextualização acabam sendo tidas como negativas. Esses elementos acabam apresentando
uma falsa verdade, no caso, diz que a educação pública brasileira é inviável e ineficiente. Em
outras palavras, estes avaliadores geram a perspectiva que só importa a aptidão com provas,
ou ainda, com resultados nestas avaliações, rejeitando os ensinamentos sobre sociabilidade,
integração, respeito, reflexão sobre o seu papel na sociedade.
A opinião desta autora é que a educação precisa ser pensada para educando, professor
e gestor escolar. “É um processo que necessita de tempo. Um tempo para fazer identidades,
para acomodar inovações, para assimilar mudanças” (NÓVOA, 1992, p. 16). O professor
precisa revisitar teorias, encontrar-se com novas práticas, explorar melhor a sala de aula. O
educando, por sua vez, quer aprender, mas também compreender o sentido daquilo que faz
dentro da escola. Infelizmente, essa perspectiva está desconectada do mundo dele, está na
parte “chata” da vida, tal qual como o trabalho. Em relação aos deveres e obrigações destes
indivíduos, é necessário manter a reflexão de que todos devem cumprir com os seus deveres
enquanto cidadãos, tendo o direito de cobrar os representantes legais. Se for mudado junto
esse pensamento, a Educação e o Ensino têm condições de desempenhar o seu papel de
ensinar, e não mais o de resolver problemas que são de ordem socioeconômica, porém, que
delegam à escola resolver.
Para tanto, é necessário que a escola cumpra com o papel de questionadora, e que as
disciplinas que tenham, em sua matriz própria, o cunho reflexivo e questionador sejam
incorporadas com maior carga horária ou equivalente às demais, como é o caso da História.
5 - O CURRÍCULO NO ENSINO DE HISTÓRIA E AS POLÍTICAS CURRICULARES
Pouco conhecidas são as massas. Épocas inteiras não nos deixaram sobre elas
qualquer testemunho direto detalhado. Aristocrática, por sua origem, a História
durante séculos, e ainda hoje, só tem tido olhos, na grande maioria das vezes, para
Reis, os Príncipes, os condutores de povos e exércitos. [...]. As massas anônimas?
Essas serão justiçadas com uma psicologia coletiva fundada sobre o estudo das
massas atualmente apreensíveis, e que sem esforço estenderá (segundo se supõe)
suas conclusões às massas de outrora, às massas históricas. Os indivíduos distintos,
os ‘personagens históricos’ entrarão naturalmente na psicologia individual. Os
documentos comportam uma interpretação psicológica de sua atividade e de seu
caráter (FEBVRE, 1978, p. 109. Grifos nossos.
Este capítulo está dividido em três subseções, nas quais são apresentadas,
respectivamente, as caracterizações da pesquisa; o tipo de pesquisa e constituição do corpus e
os procedimentos de análise, a fim de se compreender como este estudo foi organizado.
Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, uma vez que o pesquisador pauta suas
análises na interpretação do mundo real, preocupando-se com o caráter hermenêutico da tarefa
de pesquisar a experiência vivida dos seres humanos (LUDKE, ANDRÉ, 1986) (ANDRÉ,
2007). Desse modo, os fatos decorrentes da ação humana não são quantificáveis, mas
interpretados a partir da particularidade do contexto. Esse tipo de pesquisa é comumente
usado nas áreas de ensino e educação, devido as modificações constantes no cenário dos
estudos em educação.
Com base nesses conceitos, entende-se que a característica qualitativa foi importante
para o manuseio dos documentos e à interpretação dos dados, uma vez que, nessa abordagem,
pode-se analisar a fundo os conceitos presentes nos documentos verificados, tornando o
aprendizado mais significativo, tanto para a pesquisadora, quanto para a relevância científica
do estudo (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Desse modo, por ser uma pesquisa bibliográfica e documental, o corpus constitui-se
pelos seguintes documentos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei nº 9394\96
(BRASIL, 1996), Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – História
(BRASIL, 1997) e Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016). Como subsídio
teórico, apoiou-se nos seguintes autores: Apple (2006; 2008), Santomé (2003; 2013), Gramsci
(2001), Akkari (2011), Freire (1982), Andreoli (2002), Gadotti (1983) e Sander (2011).
A ATD possui quatro ciclos que conduzem a interpretação dos dados. São todos
importantes, porém, um tanto desconcertantes para o pesquisador, mas que com o andamento
da pesquisa vão se encaixando e tornando-se um novo texto conclusivo. Para que seja possível
a análise, descrevem-se, a seguir, os elementos dos quatro ciclos da ATD:
Nesse processo, surgem muitas incertezas para o pesquisador, ao separar o corpus para
a análise, fazendo com que ele sinta um pouco de desequilíbrio emocional (tendo em vista o
carácter de responsabilidade e dificuldade nas escolhas), embora esse momento seja
necessário para formar o terceiro elemento de pesquisa: o metatexto. Este consiste na
produção do texto, em que o pesquisador expressa seu aprendizado, a partir da interpretação
dos dados, os quais foram coletados pela procura do que é mais relevante ou mais saltou aos
olhos do pesquisador, no momento da leitura. Na opinião da pesquisadora deste trabalho, essa
experiência foi bem difícil, uma vez que teve muitas incertezas, mas considerou uma
experiência realmente única, pois teve a sensação de dever cumprido, ao começar a entender
realmente o processo e o metatexto, e a pesquisa começar a criar forma; bem como quando as
informações foram se tornando mais claras, até perceber que esse método de análise é
realmente um processo autoreflexivo.
a fim de serem aplicadas nos anos seguintes. Desse modo, o primeiro passo da Conferência
foi pressionar os países dependentes financeiramente quanto ao seu atraso em relação ao
desempenho educacional, o que era e continua sendo o caso brasileiro. Considerando o
compromisso assinado frente à proposta de “Educação para Todos”, o Brasil lentamente se
apropriou e obedeceu à regra do Banco Mundial e do FMI, incorporando a política do capital
financeiro, passando a organizar-se segundo as propostas dos organismos financiadores e
buscando a elaboração das suas propostas curriculares.
Assim, os PCNs constituem uma coleção de documentos que, além de uma introdução
geral, abordam a tradição pedagógica brasileira, dados estatísticos sobre população, alunos e
professores (dados de 1990), orientações metodológicas (o socioconstrutivista, a postura
crítico-social de conteúdo, as teorias psicogenéticas) e conteúdos técnicos sobre planejamento
54
A BNCC apresenta, em seu texto, a luta por equidade no ensino, em todas as regiões
do país, mas há uma questão é: considerando que existe dificuldade de criar um Referencial
Curricular Comum no âmbito municipal, será isso possível nacionalmente? Esta indagação
cria algumas reflexões: temos um documento bem escrito, estará ele bem intencionado? O seu
valor teórico injetará ânimo para a efetivação prática da sua proposta? Ou a educação
brasileira se limitará aos índices.
Por outro lado, cabe lembrar que o mundo globalizado é marcado por todas as formas
de controle internacional. Desde os anos 1990, já existem os primeiros sinais de abertura à
intervenção externa aos mecanismos de avaliação. Eles exercem o controle dos currículos,
justificando-o por baixos níveis da educação e formação deficiente dos professores. Outra
implicação criada e justificada a partir destes mecanismos é a necessidade de ter um
documento que norteie o ensino e regule uma base igual para todos. Ainda que no Brasil se
tenham produzidas, nos últimos anos, inúmeras intervenções na interiorização das
universidades e na melhoria da qualificação dos professores, o discurso da falta de qualidade
segue justificando as políticas públicas em relação à educação.
Esse "discurso da falta de qualidade" não condiz. Pesquisas mostram muitos avanços
na escola pública. Embora com pouca visibilidade junto à sociedade de maneira geral, e não
aparecendo nos jornais das grandes emissoras, as escolas desenvolvem uma série de
experiências formativas significativas de aprendizagens com os estudantes. Será que a Base
Nacional Comum dará conta dessas experiências? Em seu texto, a BNCC deixa um espaço
para que as escolas acrescentem conteúdo a serem trabalhados, ou seja, há uma parte
diversificada que, segundo a legislação, contempla as características regionais e locais da
realidade dos educandos. No entanto, diante de tantas avaliações internas e externas, é bem
provável que os professores se preocupem em preparar seus alunos para responder a questões
e não a interpretá-las, tanto as de provas quanto as da vida pessoal. Assim, acabam não
56
No livro Concepção Dialética da História (1978), Antonio Gramsci faz uma diferença
entre individualidade e personalidade, onde esta se constrói pela consciência e pelo agir do
homem a partir das circunstâncias, através da tomada de consciência das relações do que o
limita ou o liberta. Assim, a ética, em Gramsci, diz respeito à compreensão da relação da
formação do indivíduo no percurso da própria ética na política, ou seja, os princípios são
postos a partir do envolvimento do sujeito, no contexto social, num compromisso constante
com a sociedade.
Então, nesse contexto, tem-se outra ideia de educação, entendendo que ela se faz no
foco de duas leituras: a da sociedade política e a da sociedade civil. Para Gramsci, ambas são
um conjunto de dois espaços do Estado. No ponto de vista liberal, as sociedades política e
civil são separadas, mas para Gramsci, não há essa divisão, pois ele entende que o Estado é o
principal educador. Sendo assim, a educação, no âmbito da sociedade política, se faz pela
coerção, e, no âmbito da sociedade civil, pelas culturas, escolas, famílias, universidades, entre
outros. Diante disso, Gramsci defende uma escola do trabalho e não uma escola burguesa. A
educação, portanto, tem que ter o vínculo com a prática, se fazer a partir da ação e
compreensão mais abrangente de mundo com a ajuda do processo histórico.
Dado este enfoque, faz-se necessário afirmar que, num processo de organização
política de estrutura do Estado, o conhecimento é poder, porque modifica, e a hegemonia
intelectual é a luta por uma nova ordem social, possuindo, assim, como núcleos de discussão,
a análise das sociedades política e civil, onde a Escola se faz presente em ação e decisão para
a formação humana.
VERBOS RECORRÊNCIAS
Identificar 1 Vez
Situar 1 Vez
Reconhecer 1 Vez
Compreender 1 Vez
Conhecer 1 Vez
Respeitar 1 Vez
Questionar 1 Vez
Valorizar 2 Vezes
Dominar 1 Vez
Fonte: a autora
O quadro 2, por sua vez, apresenta a recorrência dos verbos utilizados no texto
referente ao ensino de História na BNCC do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.
VERBOS RECORRÊNCIAS
Identificar 9 vezes
Conhecer 1 vez
Descrever 5 vezes
Discutir 1 vez
Explicar 1 vez
Caracterizar 2 vezes
Associar 1 vez
Conceituar 1 vez
Analisar 7 vezes
Comparar 2 vezes
Diferenciar 1 vez
Avaliar 1 vez
Fonte: a autora
desse país imenso e diverso. Analisar a escola apenas pelo ponto de vista sociológico,
histórico, político e econômico indica uma lacuna enorme sobre os mais variados temas.
Nesse contexto, perde-se mais ainda quando se separa o ensino de conteúdo das
práticas educativas; educação de emancipação e educação crítica que vinham sendo
construídas gradual e lentamente. Assim, se propõe um currículo com abordagens de
transversalidade previamente determinada, que se dará em tempos e espaços diferentes.
Desse modo, quando se questiona se essas experiências são compatíveis com uma
Base Nacional Comum para o currículo, a resposta tem sido a afirmação de que há uma parte
diversificada, e que o professor continuará a ser o responsável pela sua aula e manterá a sua
autonomia, a fim de propor boas experiências. Grande parte da argumentação que defende a
base está fundamentada na falta de qualidade do professor. Logo, o que preocupa é a ideia de
que a base do currículo é um conjunto de conhecimentos (objetivos) a serem ensinados a
todos, assim, corre-se o risco de o professor perder a autonomia e passar a ser ensinado a
ensinar?
BNCC, piorando em matéria de currículo escolar. Em seu livro publicado em 2013, Santomé
faz uma análise das implicações curriculares, na educação escolar, dando enfoque a aspectos
que inviabilizam a prática pedagógica, emancipe o indivíduo como a justiça social, na qual
muitos saberes e práticas acabam configurando-se como obstáculos.
Diante disso, surgem estas perguntas: de que adianta uma base curricular comum, se
os alunos não terão acesso igual comum, e, mais atualmente, se o currículo apresentado nas
escolas não contribui para o desenvolvimento pleno, porque está desconectado do cotidiano
dos estudantes? Agora que todos “irão aprender o mesmo conteúdo, da mesma maneira”, será
que vai dar certo? Os verbos utilizados nos objetivos da BNCC não representam, em sua
grande maioria, ações para um ensino comprometido com a sociedade e que permitam às
crianças, aos jovens e adultos um processo de escolarização, de possibilidades de
transformação da realidade. Esses verbos identificam o que cercam esses públicos, mas sem
conhecer – agora como eu faço, para modificar a minha realidade –, como foi que as coisas
chegaram a esse ponto. Esses questionamentos não parecerem ser do interesse de nenhum
currículo.
É preciso aceitar a pretensão de que o século XXI deve ser o século da justiça social,
da paz, da compreensão e da solidariedade global e trabalhar com isso. Nosso século
deve se caracterizar pela empatia e compaixão, mas no sentido etimológico da
palavra: sofrer juntos, compreender o estado afetivo e emocional do outro; seguir
uma via que facilite aprender a valorização dos demais como iguais e o respeito a
eles. Portanto, é preciso dar maior ênfase à educação das emoções, à compaixão
como meio de fomentar a ajuda e à compreensão do outro (SANTOMÉ, 2013, p.
163).
É com essa concepção e clareza que se deve ter a consciência de não aceitar a
mercantilização do ensino, mas, acima de tudo, compreender a razão pela qual o autor
apresenta como um desafio que deve ser superado, para se ter um ensino mais sólido e uma
sociedade mais inclusiva, justa e democrática. É necessário acreditar no que é ensinado, mas
no momento, isso não está acontecendo: se ensina o padrão, e o aluno se encaixa ou não. Em
linhas gerais, é preciso mais humanismo no ensino. E o currículo escolar, é, pois, uma
alternativa para trabalhar o que tem ficado em segundo plano, durante o processo de ensino e
aprendizagem, como as emoções, a valorização das diferenças, o respeito, a compreensão, a
humanização em toda a sua complexidade, conforme sugerem os PCNs, que, por sinal, nunca
62
tiveram peso de lei. E por quê? A resposta é simples: não é interessante para alguns
segmentos sociais que todos, de forma igual, saibam a sua história social, ao longo do tempo.
Quadro 3 - Semântica dos verbos nos objetivos dos PCNs do ensino fundamental – História
Com base nos dados anteriores, pode-se observar que, na história da legislação da
educação brasileira, há a necessidade de equidade e qualidade no ensino para todo o país, o
que já era previsto na Constituição Federal do Brasil com a criação de um currículo de base
comum que atenda as exigências da população. Desse modo, constata-se que as políticas
curriculares – no que se refere aos PCNs, em 1998, e, atualmente, a BNCC, em 2017 –,
apresentam características muito semelhantes no que diz respeito à consulta pública aos
sistemas de ensino (municipal e estadual). Em ambos os momentos, foram colocadas à
consulta pública, visando maior democratização da escolha dos conteúdos.
63
Outro destaque a se fazer sobre a história é que os currículos de base comum vieram
para atender, além da Constituição Federal, os interesses internacionais sobre a qualidade e a
universalização da educação. Assim, com a análise dos currículos e das experiências
internacionais, demonstra-se haver intervenção norte-americana e dos países integrantes da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na educação
brasileira.
A BNCC, por sua vez, veio para lançar reformulações sobre os conteúdos das bases
comuns, além de seguir a tendência internacional, como é o caso dos Estados Unidos,
Portugal, Finlândia, entre outros. Em relação ao conteúdo de História, percebe-se que há
diferenças entre os objetivos/competências das aprendizagens dos currículos de base comum,
ao que se refere ao que ensinar, como fazê-lo, no sentido de uma História mais factual e
cronológica.
Quadro 4 – Conceituação dos verbos nos objetivos da BNCC para o ensino fundamental – História
aprendizagem do encontro pedagógico, algo que pode modificar qualitativamente a vida das
pessoas e o coloca sobre o resultado. Isso produz uma estandardização da educação, baseada
em uma visão também padronizada de qualidade.
[...] como na nona, que prega o exercício da empatia para a resolução de conflitos e
cooperação, e, principalmente na décima, que diz: “Agir pessoal e coletivamente
com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando
decisões, com base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios
éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2017, p. 10.
Grifos do autor).
Na parte do documento que faz menção ao 6º ano, percebe-se que se contempla uma
reflexão sobre a História e suas formas de registro, sendo recuperados aspectos da
aprendizagem do ensino fundamental – anos iniciais e discutidos procedimentos próprios da
História, o registro das primeiras sociedades e a construção da Antiguidade Clássica, com a
necessária contraposição com outras sociedades e concepções de mundo. No mesmo ano,
avança-se ao período medieval na Europa e às formas de organização social e cultural em
partes da África.
Já a parte que trata o 7º ano, constata-se que o tema é as conexões entre Europa,
América e África que foram ampliadas, ou seja, é evidenciada a proposição do debate de
aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais, ocorridos a partir do final do século XV
até o final do século XVIII. Nos do 8º ano, o tema é o Século XIX e a conformação histórica
do mundo contemporâneo. Destacam-se os múltiplos processos que desencadearam as
independências nas Américas, com ênfase no processo brasileiro e seus desdobramentos.
África, Ásia e Europa são objetos de conhecimento, com destaque para o nacionalismo,
imperialismo e as resistências a esses discursos e práticas.
documento é direito de quem o observa e o manipula para desvendar sobre a sociedade que o
produziu. O documento, para o historiador, é o principal elemento componente da produção
do conhecimento histórico. Portanto, é esta a atividade mais importante a ser desenvolvida
com os alunos. São inúmeras as polêmicas envolvendo o texto da Base, desde o início de sua
construção, em especial, as dos professores de Ciências Humanas que veem tentando
argumentar incansavelmente sobre uma possível volta do tecnicismo. Além de algumas
associações científicas também manifestarem receio do que pode se tornar o ensino pós
BNCC, como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
que, em parceria com a Associação Brasileira de Currículo (ABdC), publicou, em seu site,
uma carta expondo nove motivos contra a BNCC. Começando pela falta de clareza na
divulgação e nos critérios de seleção dos membros da comissão de elaboração do texto
preliminar da base, a carta afirma que o documento da SEB/MEC define 60% do currículo,
sendo que os demais 40% ficam a critério dos estados e municípios. No entanto, a BNCC não
esclarece como será definida essa parte regionalizada do currículo. A Associação critica o
pouco tempo destinado às contribuições, discussões e envios das contribuições da
comunidade. A carta da ANPED se posiciona contra a existência de qualquer base, pois um
currículo comum nacional sempre irá homogeneizar e retirar a autonomia da escola, do
professor e do aluno. O documento ainda destaca:
Autores como Sacristán (2000), Aplle (2006) e Santomé (2003) trabalham com as
teorias de currículo como forma de seleção, mas também exclusão, por isso currículo é
considerado poder, pois, para algum conteúdo ser incluído, outros precisam ficar de fora.
Currículo também é visto como expressão e ferramenta de uma determinada concepção de
educação, escola e sociedade. É isso que se estabelece, na discussão sobre a BNCC,
especialmente no componente curricular de História, que mexeu nos alicerces de conteúdos
8
Disponível em: http://www.coletiva.org/.
69
Fonte: A autora.
Quadro 6 – Objetos e habilidades da unidade temática “A invenção do mundo clássico e o contraponto com
outras humanidades”
Fonte: autora.
Diante do exposto, surgem algumas indagações: Por onde “recortar” o conteúdo para
apresentar aos estudantes uma história global não eurocêntrica? Do neolítico à internet, como
escolher o que estudar? A entrada pela história do Brasil, espaço de inserção política do
estudante, faz todo sentido no contexto de uma base curricular mínima nacional, e pode ser
amplamente cosmopolita, se conseguir articular de forma consistente o local, o global e o
nacional.
Quadro 8 – Objetos e habilidades da unidade temática “O mundo moderno e a conexão entre sociedades
africanas, americanas e europeias”
Fonte: a autora.
Quadro 9 – Objetos e habilidades no tema “Organização do poder e as dinâmicas do mundo colonial americano”
Fonte: a autora
Quadro 10 – Objetos e habilidades da unidade temática “Os processos de independência nas Américas”
A Base estabelece, para o 8º ano, um conteúdo mais extenso, que se estende do final
do século XVIII ao final do século XIX, englobando Iluminismo, revoluções inglesas,
Revolução Industrial, Revolução Francesa, Conjurações Mineira e Baiana, Independência dos
Estados Unidos, Revolução de São Domingo, Independência do Brasil, Primeiro Reinado,
Período Regencial, Segundo Reinado, Nacionalismo europeu, imperialismo, partilha da África
e Ásia, darwinismo e racismo. A abordagem desses conteúdos enfatiza a ocupação do
território e a expansão das fronteiras, aspectos populacionais e conformações territoriais,
resistências, conflitos e disputas políticas. Assim, estão mencionadas, entre outros aspectos, a
organização política e social no Brasil de 1808 a 1822, as rebeliões regenciais, as questões de
fronteira e a Guerra do Paraguai, revoltas de escravizados, políticas de extermínio indígena.
Algumas habilidades são bem pontuais, como a EF08HI06, que destaca os conceitos de
Estado, nação, território, governo e país, ao tratar a Independência dos Estados Unidos da
América.
Fonte: a autora
O conteúdo de História para o 9º ano abrange todo século XX e quase nada do século
XXI. Os temas referentes à História do Brasil e aos da História Geral são abordados em
unidades separadas, o que difere dos anos anteriores e até mesmo dos conteúdos
tradicionalmente apresentados nos livros didáticos que integram História do Brasil e Geral.
Assim, têm-se as seguintes unidades temáticas: O nascimento da República no Brasil e os
processos históricos até metade do século XX (da Proclamação da República à Era Vargas);
Totalitarismos e conflitos mundiais (da I Guerra Mundial à formação da ONU);
Modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946 (do governo JK à
Constituição de 1988); A história recente (Guerra Fria, Revoluções Chinesa e Cubana,
descolonização na África e Ásia, processo de globalização).
simplesmente não existe na base curricular. O ano em que o aluno nasceu está fora da história.
A História Geral avança no século XXI, porém, com temas e habilidades tão genéricos e
abrangentes que não referenciam o que o professor deve destacar em sala de aula.
Com base na análise dos conteúdos de História previstos nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), os dados indicam que o ensino dessa disciplina tem como objetivo
proporcionar, ao professor da Educação Básica, uma visão clara sobre o seu processo de
execução, bem como seus principais objetivos. Desse modo, é possível verificar, nesse
documento, a abordagem de três conceitos que estarão presentes em todos os anos de
escolaridade: o fato histórico, o sujeito histórico e o tempo histórico.
A partir disso, julga-se importante ressaltar que, na busca por esses conhecimentos, o
professor estará escolhendo uma concepção de História, para transmitir aos alunos, o estudo
produzido por pesquisadores, adaptando a seus objetivos. No que se refere à questão do tempo
histórico, pode-se observar a presença dos conceitos de diferentes temporalidades, conforme
fora explicitado pelo renomado historiador Fernand Braudel (1995), em seu clássico livro O
mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II, em que afirma haver três
temporalidades: curta, média e de longa duração.
Na análise dos PCNS de História para o ensino fundamental, entende-se que cultura é
todo o modo como uma sociedade interpreta, transmite e transforma a realidade. Agregando
ao conceito de “cultura” o termo “histórica”, tem-se um conceito heurístico (“cultura
histórica”), que origina o entendimento do modo concreto e peculiar de que uma sociedade se
relaciona com seu passado.
Assim, o documento dos parâmetros sobre a disciplina de História pode ser entendido
como a carta de intenções governamentais sobre a disciplina, para o nível fundamental de
ensino, configurando um discurso que, como todo discurso oficial, projeta identidades
pedagógicas e orienta a produção do conhecimento oficial – o conhecimento educacional
construído e distribuído às instituições educacionais pelo Estado, em sua atuação como campo
recontextualizador pedagógico oficial.
79
Cabe observar que as tensões elencadas nos PCNs são uma cópia das presentes no
Relatório, produzido por Jacques Delors, para a UNESCO, descritas no livro Educação um
tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação
para o século XXI (2010). A tensão entre o global e o local, ou seja, entre tornar-se, pouco a
pouco, cidadão do mundo sem perder as suas raízes, participando ativamente da vida de sua
nação e da sua comunidade. Num mundo marcado por um processo de mundialização cultural
e globalização econômica, os fóruns políticos internacionais assumem crescente importância.
tanto de usuário como de produtor de novas tecnologias, sem renegar os valores e o cultivo de
bens culturais locais.
O currículo é orientado na linha teórica da Nova história política, que entende o poder
como um tipo de relação social concebido como de natureza plural – os poderes – que
abrange os saberes (enquanto poderes), as instituições (supostamente) não políticas, as
práticas discursivas, os imaginários sociais, a memória coletiva. Assim, os conceitos exigidos
nessa versão são: Estado, cidadania, império, nação, país, território, governo, escravidão,
servidão, trabalho livre, Antiguidade Clássica, Mundo Novo, Modernidade.
partir de quatro eixos que se repetem, do início do Ensino Fundamental ao último ano do
Ensino Médio, os quais são: 1) procedimentos de pesquisa; 2) representações do tempo; 3)
categorias, noções e conceitos, e 4) dimensões político cidadãs. Não há, na introdução, um
detalhamento desses eixos.
Outro objetivo específico foi delimitado a fim de verificar se havia alguma relação
entre as políticas neoliberais e o currículo proposto. Afirma-se que sim, uma vez que,
conforme já foi mencionado sobre a elaboração cuidadosa do texto da BNCC, a ponto de ser
visto como moderno e libertador. Porém, a partir do momento em que um documento
normativo afirma que todos os educandos, de todas as regiões do país, devem saber uma parte
do conteúdo igual, desenvolver as mesmas habilidades e competências, está se fazendo o que?
Voltando a tradicional cartilha, que nos torna iguais, mas e os que não conseguem ou não
querem conseguir, mesmo que por instinto, seguir a fileira. Serão tidos como incapazes de
acompanhar o andamento escolar e, com certeza, serão jogados a margem da escola. E se
houver mais evasões escolares, então, irá se bater palmas, porque, como os norte-americanos,
consegue-se provar que a rede pública de ensino não funciona e, assim, privatiza-se o ensino,
por culpa dos professores, é claro!
Anterior à BNCC, a proposta mais próxima de um currículo nacional era a dos PCNs,
o qual foi um projeto elaborado pelo governo do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, no ano de 1996. Esses surgiram como uma proposta para uma base comum
curricular, mas o documento não obteve uma receptividade satisfatória pela comunidade
acadêmica, passando a ser um direcionador curricular.
(DCNs), que são normas obrigatórias para a Educação Básica, que orientam o planejamento
curricular das escolas e dos sistemas de ensino. Seguindo esse processo, em 2014, foi lançado
o Plano Nacional da Educação (PNE), com o objetivo de apresentar metas para a melhoria da
educação no Brasil.
Estas são questões sugeridas para serem pensadas e respondidas em outra pesquisa,
pois as propostas deste estudo era o de estudar os currículos nacionais brasileiros; verificar se
o ensino de História foi prejudicado pela implantação da Base Nacional Curricular Comum
(2016); identificar se há alguma semelhança entre os documentos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997) e Base Nacional Curricular Comum (2016); e por fim, estabelecer
se há relação entre as políticas neoliberais e o currículo comum proposto às escolas.
ABADE, Marcelo. Ensino de história e contra hegemonia na educação de jovens e adultos. In:
PADRÓS, Enrique Serra (et al.) Ensino de História: formação de professores e cotidiano
escolar. Porto Alegre: EST, 2002, p. 152-161.
ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataíde de. Estado Novo: projeto político pedagógico
e a construção do saber. Revista brasileira de História. V. 18, n. 36, São Paulo, 1998.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01881998000200008 Acesso: 29/03/2017.
ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1989.
ANDRÉ, Marli. Questões sobre os fins e sobre os métodos de pesquisa em Educação. Revista
Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v. 1, n. 1, p. 119-131, 2007. Disponível em:
http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc Acesso: 30/08/2017.
_______. Currículo, poder e luta: com a palavra os subalternos. Porto Alegre: ArtMed,
2008.
88
_______. ; AU, Wayne; GANDIN, Luís Armando. Educação crítica: análise internacional.
Trad. Vinícius Ferreira. Revisão técnica de Luís Armando Gandin. Porto Alegre: Artmed,
2011.
_____. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (Lei nº.
9.394/96), Diário Oficial da União, Brasília, p. 27.941-27.841, de 23/12. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L9394.htm Acesso: 18 jan. 2016.
CORSETTI, Berenice. História e Educação: reflexões sobre a formação dos educadores. In:
PADRÓS, Enrique Serra (et al.) Ensino de História: formação de professores e cotidiano
escolar. Porto Alegre: EST, 2002, p. 27-36.
JACOMELI, Mara Regina Martins. Dos estudos sociais aos temas transversais: uma
abordagem histórica dos fundamentos teóricos das políticas educacionais brasileiras (1971-
2000). Tese (Doutorado em Educação), Campinas/ SP, 2004.
_______. FILGUEIRAS, Luiz. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo Editorial,
2003.
FONSECA, Marília. O Banco Mundial e a Educação: Reflexões sobre o caso brasileiro. IN:
Gentili, Pablo. (Org.). Pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública.
(crítica ao neoliberalismo na educação) Petrópolis. RJ: Vozes, 1995. p. 77-108.
FONSECA, Thaís Nívea de Lima. História & Ensino de História. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.
FREIRE, Paulo. Sobre Educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio Guimarães). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982.
_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
HELFER, Nadir. A prática de ensino nos cursos de formação de professores. In: PADRÓS,
Enrique Serra (et al.) Ensino de História: formação de professores e cotidiano escolar. Porto
Alegre: EST, 2002, p. 73-80.
LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1967.
MARQUES, Sônia. Professor de história: concepções e práticas. In: PADRÓS, Enrique Serra
(et al.) Ensino de História: formação de professores e cotidiano escolar. Porto Alegre: EST,
2002.
MASSIMO, Lucas. Como se explica o neoliberalismo no Brasil? uma análise crítica dos
artigos publicados na Revista Dados. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2013, v.21, n.47, p.133-153.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
44782013000300010&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso: 12/06/2018.
MARTURANO, Edna Maria. ELIAS, Luciana Carla dos Santos. Família, dificuldades no
aprendizado e problemas de comportamento em escolares. Educ. rev. [online]. 2016, n.59,
p.123-139. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
40602016000100123&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso: 12/06/2018.
91
MASSIMO, Lucas. Como se explica o neoliberalismo no Brasil? Uma análise crítica dos
artigos publicados na revista Dados. Revista de Sociologia e Política. V. 21, n. 47, p. 133-
153, 2013.
RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. História da educação escolar no Brasil: notas para uma
reflexão. Paidéia, FFCLRP – USP, Ribeirão Preto, p. 15-30, 1993.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
SACRISTÁN, J. [et. Al]. Educar por competências: O que há de novo? Porto Alegre:
ArtMed, 2011.
______. Currículo escolar e justiça social: o Cavalo de Troia da educação. Porto Alegre:
Penso, 2013.
SAVIANI, D. Análise critica da organização escolar brasileira através das leis 5540/68 e
5692/71. In: GARCIA, W. E. (Org.). Educação brasileira contemporânea: organização e
funcionamento. 3. Ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill do Brasil, 1981.
SPOSITO, Marilia Pontes. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.1, p. 87-103, 2001.
STEWART JR., Donald. O que é o Liberalismo. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995.
UNESCO. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Educação: um
tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação
para o século XXI. UNESCO do Brasil, 2010.
_______. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Repenser
l´éducation: vers un bien commun mondial? Paris, UNESCO, 2015.
_______. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Glossário de
Terminologia Curricular. Paris, Bureau Internacional de Educação da UNESCO, 2016a.
_______. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Educação para
Cidadania Global: tópicos e objetivos de aprendizagem. Paris, UNESCO, 2016b.
VIDAL, Diana Gonçalves. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. História da educação no
Brasil: a constituição histórica do campo (1880-1970). Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 23, n. 45, p. 37-70, 2003.