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Pensadoria - Passando o Pensamento a Limpo

A mania de pensarmos no que pensamos


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CERTEZAS E SEGURANÇAS – A FÉ CRIADA EM GAIOLAS


Por Jânsen Leiros Jr.

“Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é


preciso amar o vazio. Porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço
da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio.
Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o voo por gaiolas. As gaiolas são o
lugar onde as certezas moram.
Os homens preferem as gaiolas ao voo. São eles mesmos que constroem as
gaiolas onde passarão as suas vidas”
Rubem Alves em Religião e Repressão

Até hoje, em todos os grupos sociais que frequentei, não encontrei


ninguém que dissesse preferir prisão à liberdade. Ser livre é preferência universal. É
verdade. A liberdade, que já foi cantada em verso, prosa e samba enredo, sempre
esteve entre as mais pretendidos e legítimos anseios do ser humano. Já foi musa de
guerras, e também por ela legiões intermináveis de pessoas já se sacrificaram. A
liberdade é um desejo natural de todo o individuo.

Há, porém, armadilhas que volta e meia armamos contra nós mesmos. Elas
nos prendem em gaiolas construídas com as sutilezas do conforto, num ambiente de
certezas e seguranças que acreditamos ter alcançado, a bem de nossa interminável
busca por liberdade. Então o que era para ser um grito de liberdade, tornou-se o arfar
por um cantinho seguro no fundo da gaiola. A incoerência é mesmo um traço latente
em toda a humanidade. Ora, se o que cremos é o que vemos, como esperaremos?

Essas certezas e seguranças se manifestam no conjunto de verdades em que


passamos a acreditar como absolutas e inegociáveis, sem que aceitemos qualquer
possibilidade de argumentação em contrário. São molduras que enquadram nossos
pensamentos, e que não nos permitem, sair de seus limites de forma alguma, sob
pena de cometermos sacrilégios intelectuais, desvios filosóficos ou pecados mortais.
É por isso que pensadores e filósofos, durante tanto tempo, foram demonizados pelo
senso comum em igrejas e grupos religiosos os mais variados, pelo perigo que
representavam. Afinal, pensar fora das gaiolas incentivarias seus pássaros a voarem
ou ansiarem por liberdade.

Fazendo e pensando o que tradicionalmente fizeram e pensaram nossos


antecessores, os riscos são sempre menores e os desconfortos são também reduzidos.
Construímos com zelo e cuidado a rotina de nossas almas, com o sossego de nossas
mediocridades previsíveis e seguras. Preferimos as gaiolas aos voos. E não falo

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hipoteticamente. Esbarro com isso todos os dias em todos os grupos, quer sejam
religiosos, políticos, econômicos e sociais. Sim, todos caminham suas trilhas marcadas
pelos viajantes da frente. Qualquer caminho pensado, e falo pensado e não tomado, é
combatido, morto e enterrado ainda no nascedouro. Não foi mesmo sem motivos a
guerra pela reforma.

Ora, segurança e certeza não rimam com fé, nem tampouco a expressam.
Mas sim esperança e convicção. Todos os exemplos bíblicos de fé, apresentam
indivíduos que saíram de suas confortáveis condições existenciais. De suas rotinas
seguras e de suas certezas convenientemente arraigadas. Abriram mão de suas
garantias. Todos se lançaram no vazio das incertezas, tendo apenas a convicção e a
esperança de que as gaiolas não eram e nem poderiam ser seus destinos últimos. A
única segurança e garantia que possuíam, era a esperança de crer contra a esperança.
Lançavam-se ao improvável, tendo como garantia a fidelidade daquele que os
impulsionava e que criam conduzi-los.

Antes que alguém me acuse de dizer que ter fé é uma crença vazia,
explico. Ao dizer "vazio", expresso aquilo que não é visível, aquilo que não detenho,
que não me garante. O vazio do voo se sente e se percebe. Os olhos não comprovam
mas o corpo que nele se lança o reconhece e sabe que está ali. A convicção o faz
alçar o voo. Aliás, voo só pode ser feito no vazio. Não há como voar através de
espaços ocupados por qualquer coisa que possa ser vista. A fé não pode ser um espaço
ocupado por qualquer coisa que, em lugar de esperança, antes nos seja uma garantia.
Mas alguém ainda argumentaria; mas o Espírito não é o penhor, não é a garantia de
nossa esperança. Certamente, mas alguém vê o Espírito? Ele então é o nosso vazio em
que nada vemos, mas onde somos plenos de convicção.

A vida cristã não pode ser um emaranhado de certezas e de seguranças


concebidas para nos criarem uma sensação de confortável letargia. Estamos o tempo
todo sendo sacudidos para fora dessas gaiolas. Enxotados. Para aprendermos a viver
no vazio da fé, que se fundamenta inegociável e incondicionalmente, apenas e tão
somente, naquilo que eu não vejo, mas que convictamente espero.

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