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XX Hydro • Julho 2012

Conexão

O impacto da conservação
de água nos sistemas
prediais de esgotos
Lucia Helena de Oliveira
é professora do Depto. de
Engenharia de Construção
sanitários
Civil da Epusp – Escola
Politécnica da Universidade
de São Paulo e pesquisadora O artigo a seguir trata das crescentes ações de conservação
da área de sistemas prediais
de água em edifícios e a necessidade de avaliar como
a redução de vazões pode comprometer o transporte de
sólidos e, consequentemente, a autolimpeza das tubulações
horizontais de sistemas de esgoto sanitário.

A instalação de torneiras e chuvei- limpeza das tubulações horizontais de Dimensionamento


ros de baixa vazão e de bacias sistemas de esgoto sanitário. de ramais e coletores
sanitárias com volumes menores de É possível afirmar que três fatores
descarga é tendência em novos edi- principais influenciam o dimensiona-
fícios, para a conservação de água. O
O escoamento no sistema mento do sistema predial de esgoto
menor impacto desses equipamentos
de esgoto sanitário sanitário: a simultaneidade de utiliza-
aliados aos procedimentos mais come- O sistema de esgoto sanitário ção dos aparelhos sanitários; o regime
didos dos usuários resulta na redução apresenta um escoamento mais com- de escoamento; e a ventilação para o
dos valores de vazão e de consumo plexo que o de distribuição de água, controle das pressões pneumáticas no
nos sistemas prediais hidráulicos. Com pois envolve água e ar com pressões interior do sistema. O estabelecimen-
isso, é possível instalar tubulações com variadas. Enquanto no tubo de queda to das vazões de descarga está intima-
diâmetros menores e reservatórios o escoamento é anular, com água no mente relacionado ao primeiro fator.
para pequenos volumes de água em perímetro da tubulação e ar no nú- Atualmente, a determinação das
diferentes tipologias de edifício. cleo central, nos ramais coletores ele vazões no sistema predial de esgoto
São enviadas às redes de esgoto se faz em forma de setor circular. Para sanitário é feita em função das vazões
vazões reduzidas de água, implicando manter o equilíbrio das pressões no de descarga de cada aparelho sani-
pequenas alturas de lâmina d’água, interior das tubulações é necessário tário e da quantidade de aparelhos
quando se mantêm os mesmos diâ- ventilar o sistema. em utilização simultânea com base
metros das tubulações horizontais – O regime de escoamento nas tu- na distribuição binomial proposta por
ramais e coletores. bulações horizontais não é perma- Hunter [1]. O autor introduziu a ideia
O artigo a seguir trata das crescen- nente. A variável tempo depende da de “pesos” para os aparelhos sanitá-
tes ações de conservação de água nos aleatoriedade de utilização dos apare- rios por meio do conceito de “unidade
edifícios e como é importante avaliar lhos sanitários, dos perfis de descarga de contribuição”, que denominamos
de que modo a redução de vazões e da atenuação de onda de qualquer UHC – Unidade de Contribuição de
pode comprometer o transporte de descarga ao longo de uma tubulação Hunter e estabeleceu, por meio desse
sólidos e, consequentemente, a auto- horizontal. fator, a importância hidráulica do apa-
Hydro • Julho 2012 XX

100 mm TQ
1
~
50 mm
CS (Lv e Ch) to sanitário, considera- esgoto sanitário de um edifício de 12
75 mm 75 mm
12º 100 mm 100 mm BS -se atualmente o regime andares, considerando escoamento
CS (Ch) permanente. No entanto, não permanente e número provável
280

50 mm
75 mm
100 mm
ele se caracteriza pelo de aparelhos sanitários em uso simul-
11º
CS (Ch) movimento de ondas, tâneo por meio da equação 1:
50 mm
280

75 mm provocado por descargas


100 mm
10º
aleatórias dos diversos m1 ≥ n1 + fc n1 p1 (1 – p1)
CS (Bd)
50 mm
aparelhos sanitários, bem onde:
280

75 mm
9º 100 mm
como do perfil de descar- · m1 = número de aparelhos sanitá-
CS (Ch)
50 mm ga de cada um, eminen- rios do tipo 1 que devem ser conside-
280

75 mm
8º 100 mm
temente não permanen- rados em uso simultâneo.
CS (Ch)
50 mm te, e à superfície livre. · n1 = número de aparelhos sanitá-
280

75 mm
7º 100 mm De um modo geral, rios do tipo 1.
CS (Lv e Ch) o dimensionamento de · p1 = probabilidade de que um apa-
280

50 mm
75 mm 75 mm
6º 100 mm 100 mm BS ramais e coletores com relho sanitário do tipo 1 esteja em
CS (Bd)
o emprego das UHCs e funcionamento.
280

50 mm
75 mm escoamento em regime · fc = fator de confiablidade.
5º 100 mm
permanente conduz a A simulação foi realizada com o
CS (Ch)
50 mm um superdimensiona- programa NB86 e, atualmente, de-
280

75 mm
100 mm
4º mento que, em alguns nominado Drainet, desenvolvido na
CS (Ch) casos, prejudica as velo- Universidade de Heriot-Watt, Escócia,
280

50 mm
75 mm
3º 100 mm cidades de autolimpeza por John Swaffield. Os resultados da
CS (Ch)
devido às pequenas va- simulação são vazões e alturas de lâ-
280

50 mm
75 mm zões e alturas de lâmina mina d’água em seis seções.
2º 100 mm
d’água. A consequência O edifício estudado possui dois
CS (Ch e Ch)
50 mm é o aumento do número apartamentos por andar e dois ba-
280

75 mm
1º 100 mm de obstruções no siste- nheiros back to back por apartamen-
ma, causando o desem- to, cujos efluentes escoam para um
280

Térreo 100 mm – 2% penho inadequado do único tubo de queda. Assim, são dois
sistema. tubos de queda por andar, cada um
Fig. 1 – Esquema simplificado para tubos de queda 1 As reduções de volu- recebendo o esgoto de 24 banheiros.
me de descarga provoca- Cada cômodo dispõe de uma ba-
relho, expressando a vazão de descar- das pelo aumento das ações de con- cia sanitária, um lavatório, um chuvei-
ga e a probabilidade de utilização. servação de água nos edifícios con- ro e um bidê. Os diâmetros dos ra-
O método de determinação das duzirão inevitavelmente ao aumento mais de esgoto foram simulados com
vazões de esgoto sanitário é limitado dos custos de manutenção, a menos 100 e 50 mm e, posteriormente, com
no que diz respeito ao padrão de uti- que sejam consideradas as reduções 75 e 50 mm, conforme ilustrado nas
lização e à dependência dos diversos de diâmetros de ramais e coletores figuras 1 e 2. A declividade considera-
modelos de um mesmo tipo de apa- (tubulações horizontais dos sistemas da para os ramais de esgoto e subco-
relho sanitário. Desse modo, a abor- prediais de esgotos sanitários). letores é de 2%.
dagem falha nos limites admitidos Na primeira etapa, foram simula-
no desenvolvimento do método, pois dos escoamentos nos subcoletores
Redução do diâmetro de cada tubo de queda e, portanto,
os aparelhos sanitários e os edifícios
do sistema predial recebendo os efluentes de 24 ba-
utilizados para o estabelecimento do
de esgoto sanitário nheiros. As figuras 1 e 2 ilustram os
método foram os mesmos durante as
observações. Para avaliar a possibilidade de redu- aparelhos sanitários de cada andar,
Quanto ao regime de escoamento ção dos diâmetros em subcoletores cujas descargas foram acionadas em
no interior de um sistema de esgo- e coletores foi simulado o sistema de cada tubo de queda.
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Conexão 100 mm TQ
2
~
Em uma segunda etapa, foi simu- suas posições relaciona- CS (Lv e Ch)
50 mm
75 mm
lado o escoamento em todo o siste- das a seguir: 12º 100 mm
ma, ou seja, o coletor recebendo os · seção 1 – a 1,0 m do CS (Ch)

280
50 mm
efluentes de dois subcoletores e, por- nó A. 75 mm
100 mm
11º
tanto dos 48 banheiros. · seção 2 – a 0,2 m do CS (Ch)
50 mm

280
Inicialmente, foi determinado o nó C. 75 mm 75 mm
100 mm BS
10º 100 mm
número provável de aparelhos em · seção 3 – a 1,0 m do CS (Ch)
utilização simultânea para um fator nó B. 50 mm

280
75 mm
9º 100 mm
de falha de 1% e com a utilização da · seção 4 – a 1,0 m do
equação 1. Ressalta-se que, em esgo- nó C.

280
Nenhum aparelho sanitário acionado
to sanitário, a seção crítica no subco- · seção 5 – a 1,0 m do 8º

CS (Ch)
letor é aquela em que as vazões de nó C. 50 mm

280
75 mm
pico se sobrepõem e, para isso, há · seção 6 – a 1,0 m do 7º 100 mm

que se considerar a defasagem de nó D. CS (Ch)

280
50 mm
75 mm
descargas dos aparelhos sanitários Foram considerados 6º 100 mm
nos diferentes andares. Assim, após para a análise do conjun- CS (Ch)

280
50 mm
várias simulações, estabeleceu-se que to o coletor (trecho CD) e 75 mm
5º 100 mm
as descargas seriam iniciadas no tem- os subcoletores (trechos
CS (Ch)
po 0,0 segundo, do 12º andar ao 6º AC e BC), ilustrados na 50 mm
280

75 mm
andar; e no tempo 5 segundos, do 5º figura 3. Foram simula- 4º 100 mm

andar ao 1º andar. dos 16 casos variando CS (Bd)


280

50 mm
75 mm
Para as simulações foram utiliza- para os subcoletores os 3º 100 mm
das curvas de descarga com 12 L, comprimentos (3, 5, 10 CS (Ch)
280

50 mm
situação mais desfavorável; de uma e 15 m) e declividades 75 mm
2º 100 mm
caixa sifonada, recebendo o efluente (1, 2, 4 e 6%); e para os
CS (Ch)
de um lavatório com capacidade de coletores, diâmetro (100 50 mm
280

75 mm
5,8 L e cuba cheia; e vazão de pico e 150mm), comprimento 1º 100 mm

de 0,6 L/s, condição também muito (10 e 15 m) e declivida-


280

severa, tendo em vista que a maio- de (2, 4 e 6%). A simula- Térreo 100 mm – 2%

ria dos usuários brasileiros ultilizam o ção dos ramais de esgoto


lavatório com água corrente, de uma nos andares foi realizada Fig. 2 – Esquema simplificado para tubos de queda 2
caixa sifonada recebendo descargas com diâmetros de 100 e
simultâneas de um chuveiro, com 50 mm e de 75 e 50 mm, conforme gundos do exercício. Esse resultado
vazão constante de 0,20 L/s, e de mostrado nas figuras 1 e 2, e na ta- não possibilita avaliação criteriosa da
um lavatório também de cuba cheia, bela I. seção, no entanto, será avaliada na
descrito anteriormente, e de um bidê Neste artigo, serão apresentados próxima etapa da pesquisa.
com vazão de pico de 0,5 L/s. Para somente os casos em condições mais Com relação a esse fato, Swaffield
a caixa sifonada foram considerados severas (tabela I). O detalhamento de [3] afirma que as condições de esco-
ramais de descarga de 40 mm e de todas as configurações e casos estu- amento são favoráveis se a seção ple-
esgoto de 50 mm. As figuras 1 e 2 dados podem ser vistos em [2]. na não tiver duração superior a 90 se-
indicam os aparelhos sanitários acio- Os resultados das simulações de- gundos. Em nenhum dos casos ocor-
nados. monstram que, somente para o caso re seção plena, porém valores muito
Desse modo, o valor da vazão de 2-G, as condições de escoamento próximos podem ser alcançados.
descarga calculado para o coletor é de mostram-se críticas para a seção 2, É possível notar que a profundida-
11,3 L/s. Os valores de vazão e de al- onde a profundidade do escoamento de se mantém constante até ao final
tura de lâmina d’água foram avaliados atinge cerca de 95 mm a partir dos do tempo de simulação, não infor-
em seis seções nos subcoletores e no 35 segundos, permanecendo com o mando exatamente a duração dessa
coletor, conforme ilustra a figura 2 e mesmo valor até o final dos 50 se- condição.
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TQ
2

B
3
D2 - i
L2 relação ao subcoletor os ramais de esgoto são reduzidos de
com diâmetro de 100 100 para 75 mm. Isso é observado
4
mm. pela redução das vazões máximas de
TQ

1
1
2 5 6
Outro resultado im- descarga e pela diminuição dos inter-
D1 - i D3 - i
A L1 C L3 D portante nas curvas de valos de tempo para a profundidade
Fig. 3 – Esquema dos subcoletores e coletor com a indição vazão de descarga é a máxima. Além disso, a profundidade
das seções analisadas presença de remanso máxima sempre ocorre em uma se-
(proximidades de uma ção nas proximidades de uma junção.
Tab. I – Casos simulados para o dimensionamento do coletor que recebe
efluentes de dois subcoletores em um edifício residencial de 12 andares junção simples) na se- Isso mostra como o traçado geomé-
D1 D2 D3 ção 2, representado trico reflete no desempenho do sis-
Ramais Caso L1 (m) L2 (m) L3 (m) i (%)
(mm) (mm) (mm) pelas vazões negativas, tema.
100 e 2-E 15 15 15 100 100 100 2 revelando uma seção
50 mm 2-F 5 5 10 100 100 150 2
crítica.
75 e 2-G 3 3 10 100 100 100 6
Com base em to-
Considerações finais
50 mm 2-O 10 10 10 100 100 100 2
das as configurações É importante ressaltar que os re-
É importante ressaltar que se o co- estudadas, apesar de a profundidade sultados das configurações simuladas
letor fosse dimensionado pelo méto- do escoamento atingir 95 mm, esse são específicos para os casos estuda-
do UHC, com o escoamento em regi- evento ocorre em um curto intervalo dos e não devem ser generalizados.
me permanente, o diâmetro seria de de tempo, exceto no caso 2-G, não É necessário verificar cada caso com
150 mm. Mesmo em regime não per- afetando o desempenho do sistema. relação aos fenômenos inerentes ao
manente, as condições de escoamen- Verifica-se que as condições de esco- sistema de ventilação, tais como a au-
to praticamente não são alteradas em amento são ainda melhores quando tossifonagem e sifonagem induzida.
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As simulações realizadas em dife- no subcoletor é bem mais favorável aparelhos em uso simultâneo. Essa
rentes configurações com a variação que a verificada quando se utiliza ra- ferramenta permitirá aos projetistas
de diâmetros, declividades e compri- mais de esgoto de 100 mm. Assim, ajustar as declividades e diâmetros
mentos de ramais de esgoto, subcole- observou-se a influência do dimensio- assegurando velocidades de autolim-
tores e coletor, permitem afirmar que: namento dos ramais de esgoto dos peza do sistema e, assim, a melhora
· Conhecer o fenômeno da atenua- andares-tipo no dimensionamento do desempenho e redução dos cus-
ção de ondas é fundamental quando dos subcoletores e coletores. tos de sistemas prediais de esgotos
se trata do superdimensionamento de · Para garantir o desempenho do sis- sanitários.
coletores ou da readaptação de siste- tema de esgoto sanitário é necessá-
mas, como a substituição de bacias rio compreender os mecanismos de Referências
sanitárias convencionais por outras transporte de sólidos e o design da
[1] Hunter, R. B.: Methods of estimating loads in
com volume de descarga reduzido, bacia sanitária para evitar a deposição plumbing systems. National Bureau of Stan-
mantendo o método de dimensiona- de sólidos e a consequente obstrução dards, Buildinng Materials and Structures.
mento atual e, portanto, os mesmos da tubulação. Report BMS 65, 1940.
[2] Oliveira, L.H.: Estudo do escoamento em
diâmetros desses componentes. Um modelo de simulação está
condutores horizontais de coleta de esgotos
· Os resultados obtidos utilizando sendo desenvolvido para avaliar di- sanitários de edifícios residenciais. Disserta-
ramais de esgoto de 75 mm foram ferentes situações do sistema de es- ção (Mestrado em Engenharia Civil) - Escola
bastante satisfatórios, pois, apesar de goto, ponderando as especificidades Politécnica, Universidade de São Paulo, São
retardar o escoamento, o desempe- dos aparelhos sanitários brasileiros e Paulo, 1991.
[3] Swaffield, J.A.: Computer aided analysis of
nho do sistema não foi afetado, tendo o escoamento não permanente, além
unsteady partially filled pipe flow in multis-
em vista o curto intervalo de tempo. da consideração de modelo probabi- tory building drainage networks. Final report
Nesse caso, a altura da lâmina d’água lístico para determinar o número de under NBS. Sept., 1986.

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