Você está na página 1de 35

ESTM017-17

Materiais Cerâmicos

Prof. Dr. Humberto N. Yoshimura


humberto.yoshimura@ufabc.edu.br
Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas
Mai - Ago 2023
4A – Microestrutura de materiais cerâmicos:
Principais tipos de estruturas cristalinas 1
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Microestrutura de materiais cerâmicos - Sumário

A. Principais tipos de estruturas cristalinas


 Introdução
 Fatores que determinam a estrutura cristalina
 Exemplos de estruturas cristalinas
 Estruturas dos silicatos

B. Principais tipos de defeitos cristalinos

2
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Principais tipos de estruturas cristalinas


Introdução
Exemplos de tipos de estruturas cristalinas cerâmicas

Cloreto de sódio Cloreto de césio Blenda de zinco (ZnS) Wurtzita (ZnS)

Fluoreto de cálcio Rutilo (TiO2) Perovskita


3
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Efeitos da estrutura cristalina
Muitas propriedades (mecânica, térmica, elétrica, dielétrica, óptica, magnética)
são sensíveis à estrutura cristalina
Estrutura cristalina afeta também:
Difusão: geralmente depende do tamanho e do número dos sítios intersticiais,
ambos função da estrutura
Deformação por escorregamento (slip) ou maclação (twinning): o sistema de
escorregamento é usualmente definido pela direção e pelo plano mais
densamente empacotados, desde que não haja superposição de íons com cargas
de mesmo sinal (restrição eletrostática)
Piezeletricidade: cristais não devem ser centrossimétricos
Condutividade térmica: a condutividade por fônons é mais eficiente em
estruturas cristalinas simples formadas por átomos pequenos
Clivagem: a fratura por clivagem tende a ocorrer em planos cristalográficos com
maior densidade atômica
Ferrimagnetismo: em ímãs ferrimagnéticos, o número de coordenação do cátion
magnético (usualmente um íon de Fe) determina o seu comportamento em um
campo magnético aplicado
4
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Cristais com superfícies facetadas indicando a estrutura


cristalina e simetria macroscópica

MgO (cúbico) Quartzo (hexagonal)


crescido em laboratório

5
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Conceitos básicos de cristalografia

Rede cristalina ou reticulado cristalino


Célula unitária
Parâmetros de rede: vetores a, b, c, e ângulos α, β, γ
Sistema cristalino: cúbico, romboédrico, hexagonal, tetragonal, ortorrômbico,
monoclínico, triclínico
Redes de Bravais: 14 tipos
Número de coordenação (NC)
Elementos de simetria: eixo de rotação, plano e centro de simetria
Direção cristalina [h k l]
Plano cristalino (h k l)
Espaçamento interplanar dhkl

6
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Redes com empacotamento fechado (denso)


Estruturas cristalinas monoatômicas (metal)

CFC (FCC) HC (HCP)


Cúbico de Hexagonal
face centrada compacto
7
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Sítios intersticiais (interstícios)
A B
CFC

HC Em cada célula unitária CFC:


4 átomos + 8 sítios tetraédricos + 4 sítios
octaédricos
Em cada célula unitária HC:
2 átomos + 4 sítios tetraédricos + 2 sítios
octaédricos
Tanto em CFC como em HC:
Relação sítios tetraédricos/átomos = 2:1
Relação sítios octaédricos/átomos = 1:1

8
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Fatores que determinam a estrutura cristalina

1) Estequiometria do cristal
 Fórmula química do composto, que reflete a neutralidade elétrica das
cargas dos íons [ex., Al2O3, 2.(+3)=3.(-2)] , impõe severas limitações no tipo
de estrutura que os íons podem assumir (MX, MX2, M2X, M2X3, ABX3, AB2X4)
 Ex.: Compostos MX2 (CaF2, ZrO2, UO2) não podem cristalizar na estrutura do
tipo NaCl, cujos compostos têm estequiometria MX (LiF, MgO, BaO), e vice-
versa

2) Razão entre raios (cátion/ânion)


 Para minimização da energia do composto, cada cátion tende a atrair o
maior número de ânions ao seu redor, até o limite (geométrico) em que as
camadas eletrônicas dos ânions começam a sobrepor (repulsão)
 Determina o número de coordenação, número de ânions (cátions) ao redor
do cátion (ânion)

3) Propensão para caráter covalente e coordenação tetraédrica

9
Parâmetros geométricos:

Número de coordenação
(NC) do cátion: número de
ânions ao redor do cátion

Razão entre raios do cátion


e ânion

Estrutura mais estável:


usualmente aquela com
máximo número de
coordenação permitida pela
razão entre raios

10
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Previsão da estrutura a partir da razão entre raios

Previsão funciona para muitas estruturas: importância dos raios iônicos

11
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Raios iônicos

Usualmente os ânions (circundados em vermelho) são maiores do que os


cátions
12
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Raios iônicos (nm)

Em geral, o raio iônico dos cátions diminui com o aumento da valência
(conforme mais elétrons são retirados) e aumenta com o aumento do número de
coordenação
13
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
3) Propensão para caráter covalente e coordenação tetraédrica
 Muitos compostos apresentam coordenação tetraédrica apesar da razão entre
raios prever empacotamento superior, devido ao caráter covalente da ligação
 Ex. 1: Muitos compostos com razão de raios maior do que 0,414 cristalizam com
arranjos tetraédricos do tipo blenda de zinco e wurtzita. Ocorre em compostos
com cátions com alta força de polarização (potencial iônico dado pela razão
entre carga e raio), i.e., com alta carga e pequeno raio (Cu2+, Al3+, Zn2+, Hg2+), e
ânions facilmente polarizáveis (I-, S2-, Se2-)
 Ex. 2: Átomos que favorecem hibridização sp3, como Si, C e Ge

Efeito da polarização Efeito da hibridização sp3

Sem polarização

Par iônico polarizado Estado básico - átomo Si

Polarização
suficiente para formar Configuração eletrônica Forma dos orbitais sp3 do Si
ligação covalente após hibridização
14
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Exemplos de estruturas cristalinas

Características gerais
Na cristalização, usualmente há preferência pela formação das estruturas mais
simples em detrimento de arranjos mais complexos:
Quando diversos cátions de tamanhos similares e valência idêntica são
incorporados na rede, eles frequentemente ocupam o mesmo tipo de sítio, mas
distribuídos aleatoriamente, formando uma solução sólida ou “liga”
Quando os cátions tornam-se cada vez mais dissimilares (e conforme a
temperatura é diminuída), pode ocorrer tendência de formação de um arranjo
ordenado ou “super-rede”
Quando os cátions são suficientemente diferentes, eles podem assumir
coordenações totalmente diferentes, aumentando a complexidade da estrutura
A maioria das estruturas cerâmicas é caracterizada por um
empacotamento de ânions com uma fração dos sítios intersticiais (ex.,
tetraédricos e/ou octaédricos) ocupada pelos cátions

15
CFC

CFC

CFC

CFC

HC

HC

HC

HC

CS
CS

16
CFC

CFC

CFC

HC

HC

17
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Estrutura tipo NaCl
Rede de ânions CFC com todos os interstícios octaédricos ocupados por cátions
Compostos MX, razão entre raios rc/ra entre 0,414 e 0,732, NC=6 para cátion e
ânion
Estrutura relativamente simples observada em sulfetos (PbS), haletos (NaCl, KCl,
LiF), carbetos (TiC, TaC, NbC), nitretos (TiN, ZrN), óxidos (MgO, CaO, SrO, BaO,
CdO, FeO, NiO)

Octaedro do Cl
(interstício de Na)

Estrutura cristalina do NaCl


18
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Estrutura tipo blenda de zinco (ZnS)
Rede de ânions CFC com metade dos interstícios tetraédricos ocupados por cátions
Compostos MX, NC=4 para cátion e ânion
Óxidos e sulfetos (ZnS, ZnO, BeO) com cátions que preferem coordenação tetraédrica
e compostos covalentes (β-SiC, BN), incluindo semicondutores (GaAs, CdS, GaP, InSb)
Estrutura relativamente aberta (compostos com forte caráter covalente)

Estrutura do diamante
(similar à da blenda de
Estrutura do BeO Tetraedros compartilhados zinco)
(tipo blenda de zinco) pelos vértices

19
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Estrutura tipo wurtzita (ZnS)
Rede de ânions HC com metade dos interstícios tetraédricos ocupados por cátions
Compostos MX, NC=4 para cátion e ânion
Ex. ZnS, ZnO, BeO, AlN, GaN, α-SiC
Similar à estrutura tipo blenda de zinco: compostos com uma das estruturas
geralmente tem um politipo da outra (mudança na sequência de empilhamento)

Estrutura da wurtzita observada ao longo da direção [1120]

Posição dos íons Dois arranjos interpenetrados


mostrando sequência AαBβ de tetraedros compartilhados
Célula unitária do ZnO (AB – S, αβ – Zn) pelos vértices
(estrutura tipo wurtzita)
20
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Estrutura tipo perovskita (CaTiO3)


Rede CFC formada conjuntamente por cátion maior A e ânion (oxigênio); o cátion
menor B ocupa 25% dos sítios octaédricos deste arranjo CFC
Muitos compostos ABO3 (AO.BO2) com cátions A2+ e B4+ com tamanhos
consideravelmente diferentes cristalizam na estrutura perovskita
Ex. Titanatos usados em aplicações eletrocerâmicas (BaTiO3, CaTiO3, SrTiO3,
PbTiO3), zirconatos (PbZrO3, BaZrO3), outros compostos (LaGaO3, LaAlO3, KNbO3)

(a) (b)

Estrutura perovskita do
BaTiO3 centrada em:
(a) íon de Ti
(b) íon de Ba

21
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Estrutura tipo espinélio (MgAl2O4)

Rede CFC de íons de oxigênio com cátions ocupando 1/8 dos sítios
tetraédricos e ½ dos sítios octaédricos

Compostos com estequiometria AB2O4 (AO.B2O3), onde cátions A e B têm


estados de oxidação de +2 e +3, respectivamente, geralmente se formam
como espinélio

Espinélio normal: quando íons A2+ ocupam os sítios tetraédricos e os íons B3+
ocupam os sítios octaédricos (exs. MgAl2O4, FeAl2O4, ZnAl2O4, ZnFe2O4,
MnFe2O4, LiTi2O4)

Espinélio inverso: quando íons A2+ e metade dos íons B3+ ocupam os sítios
octaédricos e a outra metade dos íons B3+ ocupam os sítios tetraédricos (exs.
Fe3O4, CoFe2O4, NiFe2O4, MgFe2O4)

22
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Espinélio normal

1/2 dos interstícios


octaetraédricos com
cátions B3+

1/8 dos interstícios


tetraédricos com
AB2O4 (A2+B3+2O2-4): cátions A2+
MgAl2O4, ZnFe2O4

Célula unitária contém oito subcélulas de oxigênio CFC


em um arranjo cúbico 23
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Estruturas dos silicatos
Tetraedro de SiO4: unidade básica de construção
Ligação Si-O é parcialmente covalente (caráter iônico de 51%) e o tetraedro
satisfaz tanto requisitos de direcionalidade da ligação covalente como razão
entre raios
Geralmente as unidades tetraédricas são unidas pelos vértices, sendo que
apenas dois tetraedros compartilham um vértice (isto impede o empacotamento
denso das camadas de ânions, em arranjos tipos CFC e HC, o que resulta em
estruturas abertas nos silicatos cristalinos)

24
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Parâmetro que determina a estrutura de um silicato
Oxigênio ponteante (BO, bridging oxygen): átomo de oxigênio ligado a dois
átomos de Si
Oxigênio não ponteante (NBO – nonbridging oxygen): átomo de oxigênio ligado a
um átomo de Si e a um átomo de elemento de metal alcalino ou alcalino terroso (os
NBOs têm carga negativa e a neutralidade é mantida pela presença de cátions)

NBOs: geralmente formados pela


adição de óxidos de metal alcalino
ou alcalino terroso à sílica

O número de NBOs é proporcional ao número de mols de óxido de metal alcalino


(Li, Na, K: valência +1) ou alcalino terroso (Mg, Ca, Sr: valência +2)
A adição de óxidos de metal alcalino ou alcalino terroso à sílica aumenta a razão
molar O/Si do silicato
O aumento do número de NBOs, que é determinado pela razão molar O/Si, resulta
em quebra progressiva da estrutura do silicato em unidades menores
 Razão molar O/Si ou número de NBOs: parâmetro crítico que determina a
estrutura de um silicato
25
Nota: Um
modo
simples para
determinar o
número de
NBOs por Si
é dividir a
carga da
unidade de
repetição
Talco, mica, argilas pelo número
montmoriloníticas, de átomos
vermiculita de Si nesta
unidade

Forsterita, zircão
26
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Considerações sobre as estruturas dos silicatos

Estruturas tridimensionais (O/Si=2; NBO=0):


Fases polimórficas da sílica: quartzo, tridimita, cristobalita

Estruturas em camadas (lamelas) (O/Si=2,5; NBO=1):


Em argilas, as ligações secundárias fracas entre as camadas possibilitam fácil
absorção de água;
Em micas e talcos, a fraca ligação iônica entre as camadas define o plano de
clivagem (fratura), embora seja suficientemente forte para dificultar a absorção
de água

Estruturas em cadeias lineares (fibras) (O/Si≈3 ; NBO≈2):


Silicatos fibrosos, como os asbestos (anfibólios), apresentam forças
eletrostáticas fracas ligando as cadeias (desfibrilam facilmente)

Estruturas em “ilhas” (isoladas) (O/Si=4; NBO=4):


Tetraedros independentes, que não compartilham oxigênio, e são ligados
ionicamente por cátions, como granadas (garnets)
(Mg,Fe2+,Mn,Ca)3(Cr,Al,Fe3+)2(SiO4)3 e olivinas (Mg,Fe2+)2(SiO4)
27
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Considerações sobre as estruturas dos aluminossilicatos


Substituição de Si4+ coordenado tetraedricamente por outros cátions:
Al3+ pode adotar coordenação tetraédrica ou octaédrica

Neutralidade elétrica (de cargas) quando Al3+ substitui Si4+ alcançada com:
substituição de um O2- por um OH- ou pela adição de cátions alcalinos ou
alcalinos terrosos nos sítios intersticiais
Substituições por compensação de carga possibilitam dissolver altos teores de
íons aditivos

Estrutura é determinada pela razão molar (Al+Si)/O

Com exceção da sílica e de alguns aluminossilicatos, a maioria dos silicatos


apresenta mistura de ligações, com ligação forte dentro da rede de silicato
(ligações Si-O-Si) diferente daquela que une as unidades (camadas, cadeias,
ilhas) que pode ser iônica ou secundária fraca, dependendo do material

28
Caulinita - Al2(Si2O5)(OH)4

Ligação
secundária
fraca entre as
camadas
possibilita
fácil absorção
de molécula
de água

Representação mostrando estrutura


em camadas da caulinita antes e
depois da hidratação
29
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Estrutura da caulinita

https://doi.org/10.1080/24749508.2017.1361128 https://doi.org/10.3390/ma15031156
30
Montmorilonita - (Al1,67Mg0,33)(Si4O10)(OH)2

Ligação secundária fraca


entre os O2- de duas
camadas adjacentes
possibilita penetração
espontânea de moléculas de
água, causando inchamento

Representação mostrando
estrutura em camadas da
montmorilonita hidratada

31
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Estrutura da montmorilonita

https://doi.org/10.1016/j.ijhydene.2018.01.012
32
Mica (muscovita) – KAl2(AlSi3O10)(OH)2

Representação mostrando
estrutura em camadas da
muscovita

Camada de K+ - ligação
iônica fraca define plano
de clivagem (fratura)

33
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos
Estrutura da mica

https://doi.org/10.1016/j.jmat.2019.12.004 https://stringfixer.com/pt/Mica 34
UFABC ESTM017-17 - Materiais Cerâmicos

Forsterita – Mg2SiO4

Estrutura cristalina da
olivina (ortossilicato)
Vista ao longo (O/Si=4; NBO=4):
de [001]
Tetraedros de (SiO4)4-
(T) independentes, que
não compartilham
oxigênio e são ligados
entre si por íons de Mg
Estrutura pseudobinária
de cátion Mg2+ e ânion
Vista ao longo
de [100]
(SiO4)4-
Íon Mg2+ posicionado
no centro de octaedro de
íon oxigênio (Oc)

35

Você também pode gostar