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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

VIVIANE COELHO MARTINS

A IDEALIZAÇÃO VISUAL DA HISTÓRIA: Análise da obra “Fundação da Cidade de São


Luís” do artista maranhense Floriano Teixeira

São Luis
2011
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VIVIANE COELHO MARTINS

A IDEALIZAÇÃO VISUAL DA HISTÓRIA: Análise da obra “Fundação da Cidade de São


Luís” do artista maranhense Floriano Teixeira

Monografia apresentada aos Cursos de Licenciatura em


Educação Artística e Artes Visuais da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em Artes.

Orientador: Prof. Esp. Gersino dos Santos Martins

Co-Orientador: Prof. Ms. José Marcelo do Espírito Santo

São Luís
2011
0

VIVIANE COELHO MARTINS

A IDEALIZAÇÃO VISUAL DA HISTÓRIA: Análise da obra “Fundação da Cidade de São


Luís” do artista maranhense Floriano Teixeira

Monografia apresentada aos Cursos de Licenciatura em


Educação Artística e Artes Visuais da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em Artes.

Aprovada em ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Prof. Esp. Gersino dos Santos Martins
(Orientador)

______________________________________________
Prof. Ms. José Marcelo do Espírito Santo

______________________________________________
Prof. Ms. Isabel Mota Costa
1

Ao meu Deus todo poderoso, fonte


de vida.
Aos meus pais pelo apoio e amor
constante
À toda minha família.
2

AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus do céu, por tudo nessa vida.


Não posso deixar de agradecer aos meus pais Benedito Heleno Martins e Maria de
Nazaré Coelho, pela fonte de amor infinito e sem os quais não estaria aqui, e por terem me
fornecido condições para me tornar a pessoa que sou.
À minha irmã Heliane, companheira pra toda vida.
Ao meu namorado Noleto, pelo companheirismo, amor, paciência, pelas palavras
de otimismo e por sempre acreditar em meu potencial.
Ao meu padrinho João e à madrinha Joana por todo apoio e amor, serei grata por
toda minha vida.
À todos meus familiares, que são minha alegria e inspiração contínua nessa vida.
Aos professores Gersino e Marcelo, pela força, carinho e orientação segura.
Várias pessoas me auxiliaram neste trabalho, em especial os amigos Marcella
Abreu, Anderson Boaes, João Carlos e Tatiane Marques pela amizade sincera e apoio
constante. A todos só posso dizer: Muito Obrigado!
3

“O que conta não são as teorias que se têm na


mente, mas o amor que se tem no coração.”

(L. Evely)
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RESUMO

Destaca-se nesse trabalho uma analise sobre a vida e obra do artista maranhense Floriano do
Amaral Teixeira, sua importante contribuição para a arte Nacional, e ainda um estudo sobre a
sua tela A Fundação da Cidade de São Luís, mais especificamente sobre a temática dessa
obra, que versa sobre a fundação francesa da cidade, fato esse, de grande importância para a
sociedade maranhense. Para elaboração desta pesquisa tornou-se de grande valor fazer uma
breve abordagem sobre fatores que de certa forma foram percorridos pelo artista como a
história da fundação da cidade que foi inspiração para a obra e ainda um pouco sobre o
contexto histórico cultural das artes plásticas no Maranhão. Este trabalho tem como objetivo
instigar discussões e aguçar o senso crítico, conhecendo vida e obra do artista Floriano
Teixeira.

Palavras-chave: Floriano Teixeira. Fundação de São Luís. Arte maranhense. São Luís.
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RÉSUMÉ

Se détache en ce travail une analyse sur la vie et l’oeuvre d’un artiste maranhense Floriano do
Amaral Teixeira, sa plus important contribuition pour l’art nationale, et encore un étude sur
son tableau A Fundação da cidade de São Luis, plus clairement sur la thématique de cette
oeuvre, qui verse sur la fondation française de la ville, cette événement , de très grand
importance pour la société maranhense. Pour l’ élaboration de cette recherche a été de grand
valeur, faire une brève abordage sur l’événements que l’artiste a parcouru avec la histoire de
la fondation de la ville qui a été sa inspiration pour sa oeuvre et enconre un peu sur le contexte
historique et culturel de l’arts plástique au Maranhão. Ce travail a comme objecif de instiguer
des discussions et améliorer le sens critique, a connu la vie et le travail du artiste Floriano
Teixeira.

Mots-clef: Floriano Teixeira. Fondation de São Luis. Art Maranhense. São Luis.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

P.
Figura 1 Busto de Daniel de La Touche ............................................................... 14
Figura 2 Retrato de Luís XIII ............................................................................... 15
Figura 3 Palácio dos Leões ................................................................................... 16
Figura 4 Ilustração levantamento da cruz na colônia francesa.............................. 17
Figura 5 Diversidade Cultural Brasileira............................................................... 20
Figura 6 Bumba meu boi, xilogravura................................................................... 21
Figura 7 Capa do catálogo de Artes Plásticas da Semana de Arte Moderna ........ 24
Figura 8 Cacau, óleo sobre tela, Floriano Teixeira ............................................... 28
Figura 9 Floriano Teixeira .................................................................................... 30
Figura 10 Floriano Teixeira, em seu atelier no Rio Vermelho, Salvador – BA ..... 31
Figura 11 Floriano Teixeira e Jorge Amado ........................................................... 33
Figura 12 Ilustração do livro Dona Flor e Seus dois maridos, Floriano Teixeira 35
Figura 13 Ferramentas de Pescador, Floriano Teixeira .......................................... 36
Figura 14 Festa do Divino, Floriano Teixeira ........................................................ 37
Figura 15 Laranjas roubadas, Floriano Teixeira ..................................................... 38
Figura 16 Fundação da Cidade de São Luís (tríptico) ............................................ 39
Figura 17 Detalhe, Fundação da Cidade de São Luís ............................................. 40
Figura 18 A Morte de Marat, Jacques – Louis David ............................................. 42
Figura 19 Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís (tríptico1) ............. 44
Figura 20 Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís (Detalhe tríptico1) 45
Figura 21 Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís (Tríptico 2) ........... 46
Figura 22 Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís (Tríptico 3) ........... 47
9

SUMÁRIO

P.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 10
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 10
2 A FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS ...................................... 13
3 PANORAMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO MARANHÃO: Breve
contexto histórico cultural ......................................................................... 20
4 FLORIANO TEIXEIRA: O percurso ..................................................... 29
4.1 CARACTERÍSTICAS DA PRODUÇÃO ............................................. 36
5 A TELA- FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS: Aspectos
plásticos da composição ............................................................................ 39
5.1 A TEMÁTICA ......................................................................................... 40
6 CONCLUSÃO ......................................................................................... 49
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 52
APÊNDICES ............................................................................................. 54
ANEXOS ................................................................................................... 57
10

1 INTRODUÇÃO

O Maranhão possui uma vasta produção artística, da qual fazem parte artistas que
buscaram retratar em suas obras momentos importantes vividos pelo estado, principalmente a
cultura e ainda fatos históricos e sociais. Alguns desses artistas são pouco reconhecidos, pois
a preferência, na maioria dos trabalhos acadêmicos, são os artistas mais conhecidos dentro e
fora do país, que acabam sendo repetidamente trabalhados, e a população muitas vezes
desconhece seus artistas regionais. Para um melhor entendimento da produção pictórica do
nosso estado é preciso primeiramente entender a nossa formação cultural, social e também
política. Ao propormos um estudo sobre uma produção artística em especial, temos que
posicioná-la e compreendê-la a partir de sua perspectiva histórica, para assim obter uma
melhor compreensão de seu conteúdo, suas influências, tendências e a sua proposta.
Com o intuito de colaborar com os estudos e a apreciação das artes plásticas
maranhenses, o seguinte tema foi escolhido: A idealização visual da história: análise da obra
“Fundação da cidade de São Luis” do artista maranhense Floriano Teixeira, mais
especificamente com enfoque sobre a temática da tela de 1972, que recepciona os visitantes
do Salão de Música do Palácio dos Leões, edifício-sede do Governo do Estado. Tal tema
despertou interesse por ser de grande importância pensar sobre a produção artística local.
A intenção principal deste trabalho é de submeter à referida obra a uma análise
temática tendo como base referências históricas. Neste caso esta pesquisa irá colaborar com o
fortalecimento da cultura local, e tem ainda como objetivo conhecer a atuação, a trajetória da
vida e obra do artista plástico maranhense Floriano Teixeira, suas obras estão presentes em
acervos importantes, públicos e particulares.
Como forma de situar melhor o tema do trabalho foi feita uma abordagem sobre
fatores que de certa forma fizeram parte do caminho percorrido pelo artista, fatos que fazem
parte do contexto histórico e cultural das artes plásticas do Maranhão, como a evolução
artística do estado desde meados da colonização, que certamente influenciou a cultura
maranhense, até a chegada do modernismo, onde as ideias da Semana de Arte Moderna
percorreram um longo caminho até chegarem ao estado.
Floriano Teixeira tentou incorporar as novas tendências no nosso estado, onde a
arte era essencialmente acadêmica, para inovar as artes plásticas maranhenses ao lado de
outros artistas que também tinham o intuito de mudar um pouco o panorama da arte, e foram
alvo de criticas do publico e da mídia.
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Para que seja possível uma melhor reflexão sobre o assunto abordado na pesquisa,
foi feita uma breve descrição sobre a fundação da cidade de São Luís, momento histórico
importante para o nosso estado, tornando-se relevante colocar em evidência esse fato já que
foi inspiração para a produção do painel tríptico criado por Floriano Teixeira sobre a fundação
francesa da cidade e para que assim possamos ter uma melhor compreensão sobre o tema em
questão.
A breve abordagem discorre sobre os fatos ocorridos no Maranhão na estadia dos
franceses entre 1612 e 1615, como a construção do forte e os atos celebrados no dia 8 de
setembro de 1612 data marcada como a fundação de São Luís. Foi feito ainda um breve
comentário sobre o ensaio da professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, um estudo que
surgiu mais recentemente sobre a fundação da cidade e que afirma que a fundação francesa
seria uma construção mítica do nosso passado, perpetuado pelas gerações posteriores e
conservado com orgulho pela elite ludovicence.
Como o objetivo principal deste trabalho é produzir um conhecimento sobre a
temática da tela e ainda sobre o artista, inicialmente foi feito um estudo onde se procurou
destacar alguns aspectos mais importantes e significativos sobre o artista, tendo como
propósito também obter um registro que possa servir de fonte de pesquisa para outras pessoas
interessadas na arte maranhense. Foi possível encontrar informações desde o inicio da carreira
do artista, percorrendo sua trajetória, descrevendo momentos importantes, como sua
participação na fundação do Núcleo Eliseu Visconti que tinha como objetivo renovar a
produção artística local.
Nascido em Cajapió (MA) no ano de 1923, Floriano Teixeira foi pintor, escultor,
gravador, cenógrafo, desenhista e ainda ilustrador de livros de grandes nomes da literatura
nacional como Graciliano Ramos, Rubem Braga e Jorge Amado.
Foi um artista de grande importância, não só para a arte maranhense, mas ganhou
espaço e prestígio nacional e internacional. Depois de alguns anos de carreira e ganhou
notório reconhecimento pela sua produção, fazendo muitas exposições. Viveu em Fortaleza
(CE) contribuindo com o surgimento de vários movimentos artísticos locais e foi convidado
pelo reitor Antônio Martins Filho, para fazer parte de sua equipe na Universidade Federal do
Ceará fazendo um importante trabalho nesta instituição.
Alguns anos depois Floriano foi “emprestado” à Universidade Federal da Bahia,
mas acabou permanecendo no estado com a ajuda de amigos como Jorge Amado.
Viveu em Salvador com sua família contribuindo com a arte até o seu
falecimento.
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Este estudo se propõe a abordar um aspecto específico das artes plásticas


maranhenses. Portanto foi feita uma profunda e reflexiva análise bibliográfica para
entendimento da arte e história do Maranhão, sobre a vida e obra do artista e ainda sobre as
influências ocorridas no Brasil pelas idéias surgidas durante e após a Semana de Arte
Moderna de 22, com enfoque sobre o Maranhão e sua repercussão no estado e ainda uma
pesquisa de campo, onde foram encontradas informações a partir de visita a museus e
bibliotecas, principalmente ao Palácio dos Leões onde se encontra a tela.
A intenção principal é de submeter à obra Fundação da cidade de São Luís a uma
análise temática com referências históricas e ainda fazendo um breve panorama sobre a
atuação do artista.
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2 A FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS

Desde o descobrimento do Brasil pelos portugueses em 1500, o Norte do país


permaneceu praticamente inexplorado, pois os interesses e a atenção da Coroa Portuguesa se
deslocavam para bem longe desta região. O que importava para o rei D. Manuel era apenas o
lucro sem fazer qualquer investimento em suas colônias.
Com a ausência dos portugueses, desde o século XVI, piratas e corsários franceses
frequentavam o litoral maranhense. Após a expedição dirigida pelo almirante francês
Villegaignon, em 1555, que tinha como pretensão fundar no Brasil a França Antártica, uma
segunda tentativa foi feita ao Norte, em 1594, precisamente no estado do Maranhão.
A ideia surgiu do corsário Jacques Riffault, que no fim do século XVI traficava,
com três navios, na costa norte do Brasil Desses navios dois acabaram se perdendo e uma
parte da tripulação foi largada em terras maranhenses. Entre os que ficaram estava Charles des
Vaux, um nobre francês.
Charles des Vaux permaneceu cerca de dois anos na região, fez amizade com os
indígenas e ao regressar a França fez propaganda da região a qual conheceu. Falou das
riquezas e principalmente das vantagens dessa terra ser colonizada pelos franceses. Como
explica AMARAL (2003, p.29): “Tais foram as informações que, dos recursos e riquezas
naturais da nova terra, levou ao rei, que este determinou mandar explorá-la à custa da Coroa”.
Primeiramente, o rei Henrique IV preferiu, por precaução, enviar Charles des Vaux
acompanhado por Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, que desempenhava as
funções de comissário régio, e ao qual foi dado, pelo rei, o comando da expedição, para fazer
um estudo mais profundo sobre o projeto de criação da colônia, a França Equinocial, nas
terras da coroa portuguesa.
Quando La Ravardière cumpriu sua missão e regressou a França, o rei Henrique
IV havia sido assassinado. Mesmo assim conseguiu obter autorização da Rainha Regente
Maria de Médicis para organizar uma expedição colonizadora. Incorporaram-se à companhia
Nicolau de Harlay e François de Razilly. Na comitiva que acompanhou La Ravardiére vieram
também quatro capuchinhos, como missionários, a pedido da rainha.
A expedição foi composta por três navios: La Régente, Charlotte e Sante- Anne,
que zarparam do porto de Cancale a 19 de março de 1612, chegando ao Maranhão em 26 de
julho, na ilha conhecida como Upaon- Mirim, atual ilha de Santana. O desembarque foi
precedido por um reconhecimento feito por Charles des Vaux, acolhido com manifestações de
14

amizade pelos Tupinambás que habitavam a ilha. Ao ser confirmada a receptividade indígena,
os franceses foram para a Ilha Grande, a Upaon- Açu dos Tupinambás.

Figura 1: Busto de Daniel de La Touche, em frente ao Palácio La Ravardière, Prefeitura de São Luís
Fonte: http://www.flickr.com/photos/lyssuelcalvet/3701751046/

Na ilha, nativos e franceses construíram palhoças para acomodar os integrantes da


esquadra, criaram um armazém, e ainda começaram os preparativos necessários para a
realização da cerimônia religiosa, que era costume ao se chegar a terras desabitadas.
A organização da França Equinocial teve inicio com a construção de um forte que
pudesse dar a segurança da posse e conservação do território que acabavam de ocupar, como é
possível observar na descrição que fez o padre Claude D’Abeville:
15

Escolheram para esse fim uma bonita praça muito própria por ser numa alta
montanha e na ponta de um rochedo inacessível [...] cercada de dois rios profundos e
largos que desembocam no mar ao pé do dito rochedo, onde é o único porto da Ilha
do Maranhão [...] Reconhecendo os índios à necessidade desse forte, por seu e nosso
interesse, principiaram a trabalhar logo nele com muita alegria e sinceridade,
construindo muitas casas para os franceses [...] Em pouco tempo edificaram muitas
casas dessas, de um e dois andares com um grande armazém, onde arrumaram todos
os gêneros que trouxemos, e que eles próprios foram buscar a bordo. Com auxilio
dos franceses, montaram no dito forte, embora muito alto, vinte canhões grandes
para sua defesa. (D’ABEVILLE, 1975, págs. 57 e 58).

O lugar escolhido pelos franceses para se instalarem corresponde hoje à praça D.


Pedro II e adjacências, localidade dos atuais poderes do Estado como o Palácio dos Leões, a
Prefeitura e o Tribunal de Justiça. O forte que foi colocado em uma elevação que permitia o
comando, e a vista de todas as direções, foi batizado com o nome de São Luís, uma
homenagem ao Rei Luís XIII. Esse nome passou a identificar-se com o nome da cidade, que
continua assim, até os dias de hoje, como a capital do Maranhão. Como afirma D’Abeville
(1975, pág. 73): “O sr. De Rasilly deu ao forte o nome de Forte São Luís, em memória eterna
de Luís XIII, rei de França e de Navarra.”

Figura 2: Retrato de Luís XIII, Peter Paul Rubens, 1625, Óleo sobre tela, 118.1 × 96.5 cm.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Louis_XIII.jpg
16

Figura 3: Palácio dos Leões, sede do Governo do Estado do Maranhão


Fonte: http://beirouth.wordpress.com/2011/01/20/dica-de-passeio-em-slz-palacio-dos-leoes/

Os franceses, então, trataram de marcar o dia para o ato que marcaria a posse
oficial da terra ocupada, tendo escolhido o dia 8 de setembro, como afirma Amaral (2003,
p.42):
[...] trataram os da expedição francesa de marcar dia para a instituição solene da
pequena cidade, ou antes, a posse oficial da terra ocupada em nome de El-Rei
Cristianíssimo, sendo acordado, entre franceses e indígenas, que tal solenidade se
realizaria a 8 de setembro, dia da Natividade da Virgem Santíssima. No dia aprazado
estavam todos, logo bem cedo, com os franceses, e depois de haverem celebrado o
santo sacrifício da missa na capela de São Luís, encaminharam-se todos
processionalmente até o forte.

A partir da procissão, aconteceu o ato importante que até hoje é lembrado pelos
maranhenses como a fundação da cidade de São Luís. Franceses, religiosos e indígenas,
participaram de uma cerimônia memorável, descrita por Claude D’Abbeville em sua “História
da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão” onde os religiosos plantaram e
adoraram uma cruz, benzeram a Ilha ao som de cantos religiosos e tiros de artilharia, “em
sinal de regozijo”, mesma ocasião em que Rasilly deu o nome de Forte de São Luís à fortaleza
improvisada e Porto de Santa Maria ao ancoradouro natural.
A cruz que marcaria aquele momento foi plantada perto do forte. Hoje não se sabe
ao certo o lugar preciso em que foi erguido este monumento histórico. Pela descrição que fez
o padre Claude d’Abeville, é provável que a cruz tenha sido plantada na área em que hoje fica
a Capitania dos Portos, de modo que, pudesse ser vista pelos que chegassem ao porto. Aliás, a
descrição que nos deixou o padre, é extremamente rica em detalhes, apesar de ter
17

permanecido no Maranhão apenas quatro meses, tempo que foi suficiente para que ele
adquirisse uma notável soma de conhecimentos sobre a região maranhense.

Figura 4: Ilustração da obra de Claude d'Abbeville, “História da Missão...” (Paris, 1614): levantamento da cruz
na colônia francesa
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a_Equinocial

Entretanto, apesar de todos esses acontecimentos, os franceses ainda estavam


sujeitos às ameaças dos portugueses, como havia ocorrido em outras expedições.
A Corte de Madri, já haviam chegado rumores sobre a ocupação francesa, que
decidiu então reaver a conquista do Maranhão, e não demoraram a tomar providências para a
expulsão dos franceses do Maranhão.
Os rumores chegaram à corte de Madri por conta da União Ibérica: o rei
português D. Sebastião tinha desaparecido na guerra contra os mouros, e não havia deixado
nenhum sucessor. O rei Felipe II da Espanha, por relação de parentesco, pleiteou e acumulou
a vaga do trono português. Com isso, houve o estabelecimento da União Ibérica, que marca a
centralização do governo português e espanhol sob um mesmo governo.
A partir daí, a reação portuguesa foi preparada, para uma luta que seria travada em
1614, conhecida como a batalha de Guaxenduba, nome das terras em frente à ilha, entre os
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rios Munim e Anajatuba. A expedição teve como comandante Jerônimo de Albuquerque, que
desembarcou em Guaxenduba, na Baía de São José e construiu o Forte de Santa Maria.
Da expedição também fazia parte Diogo de Campos Moreno, Sargento-Mor do
Brasil. Na batalha acontecida em 19 de novembro de 1614, os franceses estavam em maior
número e mais bem equipados que Jerônimo de Albuquerque, sem falar dos índios
tupinambás que os apoiavam. Mas, os franceses foram derrotados, “[...] apesar de seus sete
navios, quarenta e seis canoas, mais de trezentos franceses e cerca de dois mil selvagens sob o
comando do próprio La Ravardière”, segundo Lacroix ( 2000, p. 28) . Para explicar o
acontecido, a sabedoria popular recorreu para religião, mais precisamente à Virgem Maria, a
dita expedição foi chamada de milagrosa, pois, segundo diz a lenda “a areia foi transformada
em pólvora” pela Santa, para ajudar os portugueses na batalha.
Depois da batalha aconteceu um entendimento entre os comandantes, uma trégua
negociada entre La Ravardière e Diogo de Campos, que esperaram uma decisão de suas
respectivas cortes quanto à posse definitiva do Maranhão. Então foram enviados emissários à
Europa, mas Felipe III não concordou com a discussão do problema.

Em Portugal, a comitiva destacada para os entendimentos junto à Coroa lusitana foi


mal recebida pelo Vice-Rei, que não reconheceu as credenciais de Maillart,
desaprovou o armistício e, de acordo com as instruções da Corte de Madri,
determinou o regresso de Diogo de Campos para a expulsão definitiva dos piratas
franceses. Jerônimo de Albuquerque, cumprindo as ordens do Governador Geral
Gaspar de Sousa, mandou um ultimatum a La Ravardiére para abandonar a Ilha no
prazo de cinco meses [...]. Com isto, o forte de Saint Louis, assim como toda a
região, foram reintegrados aos lusitanos, no dia 31 de julho de 1615. (LACROIX,
2000, p. 29)

Dessa forma, a guerra terminou, depois do cerco e da rendição do Comando


Francês, quando este aceitou o ultimato, pois não restava alternativa aos franceses. O
Comando português declarou que não faria nenhuma concessão e estava disposto a ir até o
fim. A partir daí, a Coroa não deixou o Norte à míngua, garantindo sua defesa contra piratas
estrangeiros com edificação de fortalezas. Mesmo com todo esse aparato a ilha de São Luís
não ficou imune aos invasores, sofrendo o ataque de holandeses, em 25 de novembro de 1641.
Com a derrota e o regresso de La Ravardière e a ocupação pelos portugueses da
antiga França Equinocial, a presença francesa no Brasil não foi interrompida e nem as
expedições comerciais que continuaram a frequentar o litoral brasileiro.
O nome dado ao forte pelos franceses estendeu-se à cidade e depois por toda a
ilha, que era chamada pelos indígenas de Upaon-Açu (Ilha Grande); pelos europeus de Ilha
dos Tupinambás, pois estes ocupavam toda a costa, e de acordo com Amaral (2003, p.46):
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Os portugueses denominaram-na Ilha das Vacas, e os sobreviventes da expedição de


João de Barros – Ilha da Trindade. Os franceses que andavam a corso pelas costas
do Brasil, deram-lhe o nome de Maranhão; alguns cosmógrafos o de Ilha de Ferro,
pela suposição da existência de minas deste metal; os chefes da Missão Francesa o
de Ilha de São Luís, e finalmente, Alexandre de Moura, após a capitulação assinada
pelos franceses no Forte do Sardinha (São Francisco) o de Ilha de Todos os Santos.
Foram todos estes nomes esquecidos, ficando somente o de São Luís [...].

Mais recentemente, surgiram discussões acerca da Fundação francesa de São


Luís, debates que sugerem que essa fundação tenha sido uma idealização mítica, cultivada
pelas elites ludovicenses do século XIX, com certo tipo de orgulho, e conservada pelas
gerações posteriores. A professora Maria de Lourdes Luande Lacroix produziu um ensaio
acerca desse assunto, que é considerado uma das mais fortes construções míticas sobre o
passado da nossa cidade. A curta estadia francesa e o fato de eles terem, para a autora, apenas
construído um forte, traz discussões sobre a fundação da cidade, se tal feito deve ser atribuído aos
franceses ou portugueses. No livro A fundação francesa de São Luis e seus mitos, a professora
Lacroix, instiga reflexões sobre a verdadeira história da fundação de São Luís. De acordo com
LACROIX (2000, p.32):

A fundação de uma cidade não se resuma à celebração de uma Missa, procissão, Te


Deum Laudamus, sermão e bênção da Cruz. A nosso ver, a Missa e demais rituais
religiosos celebrados no dia 8 de Setembro de 1612 simbolizaram a expansão do
Cristianismo, com a implantação das missões capuchinhas nas terras daqueles infiéis
tupinambás. [...] Essa cerimônia antes deve ser considerada como de fundação da
Colônia e não da cidade de São Luís.

Reflexões sobre a história são sempre necessárias, principalmente para sua


renovação, mas a finalidade deste trabalho não é discutir sobre a veracidade histórica da
fundação francesa de São Luís, mito ou não, os franceses aqui estiveram, o que fizerem não
foi esquecido, até hoje existem marcas da estadia francesa no Maranhão, um momento que se
tornou de suma importância para a história maranhense e até os dias de hoje, a fundação ainda
é lembrada, propagada culturalmente e comemorada no mesmo dia dos atos solenes que aqui
fizeram os franceses.
Torna-se de profunda importância tomar conhecimento destes fatos históricos
para o desenvolvimento desta pesquisa que se desenvolve a partir da temática escolhida para a
produção da tela A Fundação da cidade de São Luís do artista Floriano Teixeira, e que tem
como base a história da fundação francesa da cidade.
20

3 PANORAMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO MARANHÃO: Breve contexto histórico


cultural

Para um melhor entendimento da produção pictórica do nosso estado é preciso


primeiramente entender a nossa formação cultural, social e também política. Ao propormos
um estudo sobre uma produção artística em especial, temos que posicioná-la e compreendê-la
a partir de sua perspectiva histórica, para assim obter uma melhor compreensão de seu
conteúdo, suas influências, tendências e a sua proposta.
A herança cultural deixada pelos índios, escravos e pelos colonizadores, ajudou
em boa parte na construção da nossa identidade cultural. A cultura brasileira reflete os vários
povos que constituem a demografia do país: indígenas, europeus, africanos, asiáticos, árabes
etc. Como resultado da intensa miscigenação de povos, surgiu uma realidade cultural peculiar,
que sintetiza as várias culturas.

Figura 5: Diversidade Cultural Brasileira


Fonte: http://www.infojovem.org.br/2009/11/11/

A partir de conflitos culturais que surgem entre colonizadores e colonizados


surgiram as subculturas, que estão ligadas ao desenvolvimento da identidade regional
maranhense e deram forma a nossa cultura popular. Como explica Assunção (1999, p.30): “a
identidade regional do Maranhão está ligada ao desenvolvimento de uma peculiar subcultura
[...], também deve ser relacionada às peculiaridades do processo histórico que se iniciou no
21

período colonial”. Por isso, a estrutura social maranhense, até meados do século XVIII, era a
expressão de um conjunto de várias culturas.

Figura 6: Bumba meu boi, xilogravura, Severino Borges.


Fonte: http://nossomaranhao.wordpress.com/2010/06/08/4%C2%BA-forum-regional-de-cultura

O auge econômico do Maranhão aconteceu a partir do século XVIII até o final do


século XIX: com os ciclos do algodão e do açúcar. Nessa época houve um crescimento
urbano, e uma mudança no estilo de vida da população, principalmente dos grupos políticos e
econômicos dominantes.
Aconteceu então uma transformação cultural, pois a sociedade maranhense passou
a adotar alguns hábitos europeus. A sociedade maranhense daquela época importava de tudo,
até mesmo cultura e educação, então as famílias maranhenses mandavam seus filhos a países
estrangeiros para estudarem.
Dessa forma repassavam a sociedade costumes parecidos com os da sociedade
européia. Como afirma Corrêa (1993, p. 54):

Foram os Maranhenses portadores de educação universitária em Coimbra os agentes


sociais da importação cultural, pois, retornando da migração, multiplicaram os
vetores da difusão de valores, costumes, atitudes, modismos e comportamentos
tipicamente europeus, em especial, lusitanos [...].
22

Nesse período o Maranhão vivenciou um momento de enriquecimento econômico


e também cultural. Formam-se grupos de artistas e intelectuais, acontecendo um
desenvolvimento artístico e intelectual e ainda debates políticos. A literatura floresceu com
uma enorme quantidade de intelectuais e escritores.
Nomes como os de Gonçalves Dias, João Lisboa, Cândido Mendes, Odorico
Mendes, Sousândrade, Humberto de Campos e outros, fizeram parte daquilo que fez do
Maranhão um grande cenário da poesia, da prosa e da produção jornalística no século XIX. A
riqueza da tradição literária maranhense não se limitou apenas a este período. Na transição
para o século XX, outro grupo de intelectuais maranhenses destacou-se. Entre eles nomes
como os de Aluízio de Azevedo, Artur Azevedo, Coelho Neto, Graça Aranha, Teixeira
Mendes, Nina Rodrigues.
Surgiram também grandes músicos e compositores e ainda algumas realizações
são dessa época, como a fundação da Biblioteca Benedito Leite, do Colégio Liceu
Maranhense e o teatro Artur Azevedo. Toda esta riqueza e variedade intelectual e artística, fez
com que São Luís ganhasse o título de “Atenas Brasileira”.
Na transição do século XIX para o século XX, o Maranhão entra em um processo
de decadência econômica, pois ocorreram no Brasil várias transformações políticas,
econômicas e sociais. Os problemas relacionados à agricultura e a indústria ocasionaram uma
estagnada no processo de desenvolvimento do Estado. A abolição da escravatura e a
proclamação da república também mexeram com a sociedade maranhense.

A liberdade dos escravos e o advento da República, um desorganizando o trabalho


agrícola e outro criando novas obrigações para o Estado, determinaram no Maranhão
uma tremenda crise econômica, que se prolongou por um lapso de tempo de cerca de
um quarto de século. (VIVEIROS, 1954, p 181).

Nessa época ocorreu um período longo de atraso no Maranhão, a economia e a


cultura ficaram sem crescimento. O estado passou por um momento frágil no período da
Primeira Guerra Mundial, as atividades intelectuais desse momento ficaram relacionadas com
as atividades econômicas.
A cultura seguiu sem mudança, nada do que representava modernidade estava
sendo aceito naquele momento. Como afirma Fortes (2001, p.30) : “A partir dessa época,
instalou-se no Maranhão um longo período de atraso econômico e cultural principalmente
pela inexperiência da sociedade para o Momento de transição que o país vivenciava.”
23

No século XX, no Brasil e no mundo estavam ocorrendo novos fatos que


provocavam novas transformações artísticas. As Vanguardas europeias e a Semana de Arte
Moderna, acontecida em São Paulo no ano de 1922, trouxeram propostas e atitudes que se
refletiram de diversas formas por todo o Brasil. Entretanto, no mesmo ano em São Luís, foi
fundada a Escola de Belas-Artes Maranhense.
A renovação intelectual que propunha o modernismo nacional ainda não tinha
cruzado o caminho da conservada tradição maranhense, “O Maranhão passou a trilhar,
portanto, um caminho avesso aos novos acontecimentos e desenvolvimento do país, sendo
que as forças produtoras apresentavam-se em declínio quase que completo”. FORTES (2001,
p. 31).
Dessa forma, o Maranhão encontrava-se distante das ideias e aspirações do grupo
modernista. O movimento não foi bem aceito por alguns intelectuais de todo o país, houve
resistência por parte de muitos, os primeiros manifestos foram alvos de muitas criticas.
Apesar de só ter contato com a arte moderna anos depois de ter acontecido a Semana de 22,
no Maranhão existiu uma grande dificuldade de inserção das novas propostas estéticas que o
modernismo defendia e tentava propagar, e também os reflexos e ideais da semana chegaram
aqui diferentes, algumas idéias deturpadas, muito do entendimento de suas propostas
acabaram perdendo-se, por causa do atraso, que com aqui chegaram.

Constata-se, portanto, que na sociedade maranhense, assim como na grande maioria


dos estados brasileiros, a intelectualidade ainda não se encontrava preparada para as
ideias de modernidade, as quais só viriam à tona duas décadas depois dos
acontecimentos de 22. (FORTES, 2001, p.33)

O ambiente no Maranhão naquela época, não estava tão disposto à mudança. Os


jornais da década de 30 e inicio dos anos 40, mostram que houveram algumas tentativas
isoladas, não só nas artes plásticas, mas nas diversas linguagens artísticas, de ao menos passar
para os maranhenses as novas tendências que estavam despontando mundo afora, tentavam
informar sobre as ideias modernistas, porém alguns casos eram alvos de muita critica.

Telésforo Rego, com aquela formação acadêmica, era o sinônimo da pintura.


Depois, ainda muito novos, surgiram Cadmo Silva e Floriano Teixeira imitando
Portinari, coisa que provocou muita polêmica aqui no Maranhão. O velho Telésforo
viu que aquilo o ameaçava e começou a crítica à arte moderna nos bares e cafés da
cidade [...] (ROSSINI, 1989, p.112).
24

O Modernismo deu uma grande atualizada na linguagem brasileira, levou nossa


criação artística para o mundo contemporâneo, tendo como consequência uma nova
consciência criadora para o artista, que começou a perceber e valorizar mais a expressão
nacional. Por outro lado, na analise de Rossini Corrêa, no Maranhão não aconteceu essa
consciência criadora, não houve essa sintonia na década de 20 e 30.

Figura 7: Capa do catálogo de Artes Plásticas da Semana de Arte Moderna, Di Cavalcanti, 1922.
Fonte:http://www.passeiweb.com/saiba_mais/fatos_historicos/brasil_america/semana_de_arte

Os maranhenses da década de 20 tiveram conhecimento das ideias modernistas e


aconteceram, inclusive, como afirma Corrêa (1989, p. 75), “debates jornalísticos sobre a
verdade ou a mentira do futurismo literário, no período em que a vigente frouxidão conceitual
tomava o futurismo como sinônimo do Modernismo”. Demonstrando assim, que no começo
as ideias modernistas não chegavam aqui totalmente compreensíveis para os intelectuais e
artistas da época. De acordo com Fortes (2001, p.31): “A intelectualidade maranhense
encontrava-se, portanto, em estado de completa estranheza aos debates estéticos de
redescoberta do país e de crítica da cultura propostos pelos modernistas”. É possível perceber
que os mais remotos rumores do modernismo chegaram a São Luís, mas o inicio foi de
maneira confusa e desencontrada.
25

Entretanto, com relação aos artistas maranhenses, afirma GULLAR apud


FORTES (2000, p.38):

Visitei uma exposição de pintura maranhense e já aí me deparei com uma nova


linguagem pictórica: as figuras eram deformadas ou estilizadas, e os quadros não
buscavam imitar a natureza. Isso é pintura moderna, me disseram, e eu não me
escandalizara. Pelo contrário, gostara, e voltei várias vezes para rever a mostra.
Eram telas de Floriano Teixeira, Cadmo Silva e J. Figueiredo.

Na tentativa de desvendar as novas descobertas estéticas do Modernismo e


também de preservar as tradições culturais do Maranhão, na primeira metade do século XX,
surgiram alguns grupos e centros de cultura, onde participavam intelectuais experientes da
época, como Bacelar Portela.
Os intelectuais maranhenses discutiam questões artísticas, filosóficas, econômicas
e sociais em lugares como a Movelaria Guanabara, que surgiu no fim da década de 40
fundada pelo pintor Pedro Paiva e que agia separadamente aos centros culturais.

Esse local, entre fins da década de 40 e os primeiros anos da década de 50,


transformou-se no ponto de encontro diário da jovem intelectualidade maranhense
que, sem a intenção de se formalizar ou constituir em movimento, terminou se
caracterizando como força de renovação e conceitos artísticos e literários do estado.
(BEM, Op.cit, p.229)

A Movelaria tratava-se de uma loja de móveis e brinquedos, e que se tornou um


ponto de encontro de uma parte elite econômica maranhense, intelectuais da década que ali se
reuniam, e lá aconteciam discussões sobre os mais diversos assuntos, como também novas
ideias, no que se referia à arte e à cultura de São Luís.
O grupo de intelectuais modernos maranhenses era formado por jornalistas,
poetas, pintores e escritores, que tentavam suprir à estagnação da cultura local, tentando
reverter à realidade do ambiente cultural ludovicense, que estava totalmente ligado as ideias
acadêmicas e às perpetuava como tradição. A Movelaria constitui-se em um espaço cultural
importante para onde se concentravam vários jovens intelectuais que se interessavam nos
debates sobre a modernização da estética Maranhense.

Da movelaria saíram todas as boas iniciativas artísticas e culturais de São Luís.


Exposições pictóricas, congressos de poesia, publicação de revistas de cultura,
lançamento de livros, excursões interestaduais. Tudo aquilo de cuja falta se ressentia
26

a província melancólica, abatida pela inércia e pela indolência de seus muitos anos
de atraso mental. (CORRÊA. Op. Cit., p 112).

Faziam parte da Movelaria Guanabara escritores, poetas e jornalistas, como


Ferreira Gullar, José Sarney, Bandeira Tribuzi, Domingos Vieira Filho entre outros, e ainda
vários artistas plásticos como Cadmo Silva, Pedro Paiva, Yedo Saldanha e Antônio Almeida.
Nesse espaço essas personalidades, e ainda alguns convidados de importância nacional, se
reuniam para discutir e fazer planejamentos para descobrir alternativas que ajudassem a
reverter e renovar a realidade do ambiente cultural de São Luís. Como afirma Fortes (2001, p.
40): “Até o surgimento da Movelaria Guanabara a produção maranhense, afora alguns casos
isolados, seria exclusivamente acadêmica e distante dos debates estéticos propostos pelo
Modernismo”.
Nesse período tivemos algumas produções importantes como às de Floriano
Teixeira, Pedro Paiva, e ainda, Newton Pavão e Telésforo Morais Rêgo que não faziam parte
do grupo da Movelaria Guanabara, mas foram os grandes formadores de alguns artistas
plásticos maranhenses.
Ubiratan Teixeira, crítico de arte, jornalista e diretor teatral, considera o ano de
1940, como crucial na virada das artes plásticas Maranhense, com a exposição de desenhos e
aquarelas que o artista Floriano Teixeira fez no Salão Nobre do Teatro Arthur Azevedo. Para
ele foi o marco de transição entre a tradição e um novo momento para as artes plásticas do
Maranhão, visto que, até aquela exposição à arte no Maranhão ainda era ligada aos modelos
clássicos.

Até ali, apesar de muitas tendências e linguagens modernizantes já estarem sendo


consideradas superadas em outras partes do Brasil e do mundo [...] O clássico e o
neoclássico ainda eram vistos com bons olhos por uma considerável fatia dos
pintores locais, apesar do esforço de J. “Figueiredo, Cadmo Silva e Yedo Saldanha
para instaurar uma nova estética.” (TEIXEIRA, 1993, p.25).

Segundo Ubiratan Teixeira, os desenhos mostrados por Floriano Teixeira (1993,


p25 e 26: “[...] não tinha nada em comum com o que faziam Newton Pavão, Telésforo de
Moraes Rêgo e cônego Osmar Palhano de Jesus, assim como também estava numa direção
diametralmente oposta às tentativas cubistas e concretistas da cerimoniosa vanguarda local.”.
De acordo com Ubiratan, o trabalho de Floriano naquele momento tinha mais
haver com crítica social, a exposição causou bastante polêmica, acabou ultrapassando dos
cafés e das discussões populares, e ainda estimulou debates nos jornais, em especial por uma
27

obra chamada Ascenção de Cristo, que causou grande comoção na sociedade que não estava
acostumada com aquele tipo de trabalho, pois neste quadro o artista retrata o momento em que
Jesus sobe aos céus, visto de baixo para cima, a perspectiva revelava Jesus desnudo, alguns
militantes fascistas tentaram, inclusive, acabar com a obra. Mas as inovações de Floriano não
foram restritas apenas ao campo temático, pois o seu traço, já começava a apresentar uma
maneira inovadora, diferente dos rigores acadêmicos, e isso não agradou o público e a crítica
da época. Depois de Floriano outros artistas, como Antônio Almeida, mantiveram o caminho
de mudanças nas artes plásticas. Na década de 70, segundo Teixeira (1994, p. 29):

Uma nova safra de artistas estimulados por [...] nova perspectiva econômica começa
a surgir, todos saídos dos mais inesperados propósitos e das fontes menos prováveis,
inclusive do acaso. Não há diagnóstico exato para identificar suas origens, e quase
todos eclodiram no mesmo instante e fazendo um barulhão dos diabos. Não só pela
verborragia do que discutiam como teoria, questões de contracultura e outros
aspectos da contemporaneidade, quanto pelo que mostravam como produto de seu
talento.

Estas novas perspectivas deram um novo estimulo a arte maranhense, houve, por
exemplo, a criação do Centro de Artes e Comunicações Visuais do Estado – CENARTE,
dirigido inicialmente pelo artista plástico Jesus Santos depois foi transformado no Centro de
Criatividade Odylo Costa Filho.
A partir desse breve panorama é possível perceber um pouco da evolução da arte
maranhense até meados dos anos 70, desde a mistura de várias culturas que influenciaram a
produção artística local, que se manteve por muitos anos tradicional, se guiando nos
princípios do academicismo, até a chegada das ideias modernistas que propagavam uma
renovação cultural e artística, mas sua chegada no Maranhão foi um pouco atrasada e aqueles
que tentavam inserir no contexto artístico maranhense as novas ideias sofreram criticas e
tiveram que enfrentar a resistência daqueles que não queriam, e talvez não entendiam, que era
preciso atualizar os aspectos de nossa arte, sem deixar de lado também a tradição cultural.
Floriano Teixeira foi um dos artistas maranhenses que buscou por introduzir uma
nova estética local, contribuindo muito com a produção artística do nosso estado.
28

Figura 8 – Cacau, óleo sobre tela, Floriano Teixeira, 1968, Salvador, 140 x 200.
Fonte:www.bolsadearte.com/realizados/abril04/067.htm
29

4 FLORIANO TEIXEIRA: O percurso

Floriano de Araújo Teixeira foi um pintor maranhense, nascido no município de


Cajapió, Baixada maranhense, no ano de 1923. Foi ainda desenhista, gravador, cenógrafo e
ilustrador. Morou parte da infância e adolescência em São Luís, onde frequentou o Grupo
Escolar Sotero dos Reis, e depois o Liceu Maranhense. Foi nesse período que surgiram seus
primeiros desenhos, executados, segundo ele próprio, com lápis preto e depois, coloridos a
lápis de cor. Provocador, ele costumava satirizar alguns professores, em caricaturas que lhe
renderam suspensões da sala de aula. Iniciou seus estudos de desenho, em São Luís, com o
professor Rubens Damasceno, em 1935, e de pintura com João Lázaro de Figueiredo, em
1940. De acordo com Teixeira (1993, p.26):

Floriano havia aprendido a desenhar com o professor Rubens Damasceno; bom de


perspectiva e pontos de fuga [...] valeu-lhe, por conseguinte, o conhecimento livre
adquirido nas bibliotecas dos amigos, a leitura de revistas importadas, a intuição
estética e o trabalho diuturno sobre prancha.

Dessa época é que datam suas primeiras aquarelas, e também precisamente nesse
mesmo período iniciou sua participação nos movimentos artísticos locais. Engajou-se na
imprensa, no jornal “O Democrata”, onde participavam grandes nomes do jornalismo como,
Anníbal Bonavides, Odalves Lima, Aloíso Medeiros, e muitos outros, desenvolvendo
desenhos para histórias em quadrinhos e caricaturas que documentavam festas folclóricas e
religiosas do Maranhão, Floriano era o fiel retrato do jornal, sempre firme suas posições.
Em uma de suas últimas entrevistas, ele declarou que os primeiros passos a
caminho da arte foram dados sem ajuda de ninguém. Os mestres, segundo ele, eram os
próprios olhos e “uma tremenda lembrança da vida no interior, entre carnaubeiras, vacas,
garrotes e cavalos pastando”, como definiu, segundo Santos (O Estado do Maranhão, 2002).
Apesar de ter um contato difícil com outros centros de cultura do país e do
mundo, Floriano sempre esteve ligado ao que acontecia no Rio de Janeiro e em São Paulo,
lugares aonde as novidades sempre chegavam primeiro e ditavam o “figurino” em vários
setores da época, inclusive na arte. Mas havia também uma grande interação entre São Luís e
outros centros de arte no Norte e do Nordeste, principalmente com Fortaleza, onde existiu
uma troca de informações e experiências bastante conveniente.
30

Figura 9: Floriano Teixeira (Cajapió, 8 de março de 1923 — Salvador, 21 de julho de 2000)


Fonte: //s294.photobucket.com/albums/FLORIANO-TEIXEIRA-

O artista conheceu alguns movimentos e artistas famosos da arte através de


amigos pintores da época, sempre participando ativamente da vida cultural da cidade; mas sua
formação artística foi essencialmente autodidata.

Incrível miniaturista, colorista castigado e terno, desenhista de raríssima força,


escultor quando cisma nisso, gravador bissexto, contador de causos e acontecidos,
retratista imaginativo, sua obra se define em trabalho, pois tanto na largueza dum
mural como na delicadeza do grafismo mais sutil, cada leitura leva os sete selos da
sua identidade. Até parece que foi escrita para ele à frase de Giono: ‘ Por qualquer
lado que se veja, é sempre o retrato do artista que aparece. Cézanne é uma maçã de
Cézanne’. E um pássaro de Floriano sempre será um Floriano [...]. (CELESTINO,
1991, Catálogo da exposição de Floriano Teixeira).

Em 1940, participou de um grupo de pintores liderados por J. Figueiredo, desde


então começou a pintar com o cavalete, e também estudou e documentou tipos populares e
cenas das docas de São Luís. No ano seguinte, Floriano fez sua primeira exposição, no Salão
de Dezembro, onde recebeu o primeiro prêmio com o quadro intitulado “Bêbados”. Conheceu
o trabalho de El Greco, através de livros e revistas de arte, que o impressionou especialmente
pela deformação alongada das figuras. Como afirma Fraga (1987, pág. 13): “Andarilho
costumaz na vida e na obra, passeou por várias escolas, percorreu caminhos que foram do
cubismo aos quadrinhos”.
Tornou-se amigo do escritor Erasmo Dias, talentoso escritor maranhense, que
acabou lhe franqueando sua biblioteca, onde Floriano descobriu o trabalho dos
31

impressionistas e expressionistas, que acabaram por influenciar alguns de seus trabalhos,


como explica SARNEY (Transcrito do jornal O Imparcial, 1952, p. 5): “Floriano divagou de
escola em escola, realizando ora um quadro expressionista, depois um impressionista, mais
adiante agarrou o cubismo, sempre o trabalho persistindo e insistindo”.

Figura 10 – Floriano Teixeira, em seu atelier no Rio Vermelho, Salvador – BA


Fonte: continhosparacaodormir.blogspot.com/2008/10/aldemir-e-floriano-para-bernardo.html

Já com seu talento reconhecido trabalhou como funcionário público, Sebastião


Archer da Silva, governador do Maranhão, incumbiu Floriano, em 1948, para fazer o
levantamento e catalogar as gravuras, desenhos e pinturas que faziam parte da coleção Artur
Azevedo, quando fez esse trabalho o artista tomou conhecimento e estudou obras de artistas
conhecidos como Goya e Rubens, Velasquez. Descobriu Candido Portinari, tomou contato e
fez alguns trabalhos com as técnicas de monotipia e xilogravura.
Em 1949, participa da fundação do Núcleo Eliseu Visconti, ateliê coletivo que
tinha por objetivo a renovação do ambiente cultural da capital maranhense, era frequentado
por artistas e intelectuais como J. Figueiredo, Cadmo Silva, Lucy Teixeira, Bandeira Tribuzi,
Ferreira Gullar e outros. O núcleo atuou até o início da década de 1950.

Vieram, então, no alto de um velho sobradão, da Rua 28 de julho, sede do Núcleo


Eliseu Visconti, as discussões sobre arte, as controvérsias, a crítica e autocrítica e,
enfim, veio um tratamento honesto, uma coragem de enfrentar a arte e seus
verdadeiros problemas, saindo do pintar pelo pintor sem saber como pintar, para
uma consciência artística universitária, isenta de auto experiência, ávida de lançar,
mão de novos processos, de passar do transitório para o definitivo, procurando
32

superar o existente, despertar este estado de espírito bem próprio do artista


verdadeiro, que é a inconformação [...] (SARNEY, 1952, p.5).

Floriano mudou-se para Ceará, em 1950, e lá teve uma presença importante em


vários movimentos da cidade de Fortaleza. Para o escritor maranhense Ubiratan Teixeira,
sobrinho de Floriano, a ida do artista para Fortaleza foi o primeiro passo para que sua obra
ganhasse reconhecimento e prestigio nacional. “São Luís era muito conservadora e ele era um
artista cuja obra era pautada em críticas sociais”, define Ubiratan sobre o tio, de talento raro,
que sobreviveu do próprio trabalho com dedicação diária à arte.
Vários escritores convidaram-no para elaborar e ilustrar os projetos de suas obras
de contos, poesias, crônicas, romances e ensaios. Aliado a Antônio Bandeira, Zenon Barreto e
outros artistas, fundou o grupo dos “Independentes”. Três anos após sua chegada pintou um
mural, para a Companhia de Seguros Sul-América, representando a vida nordestina. Ainda
trabalhou desenhando estampas para a fábrica de tecidos São José e também percorrendo o
sertão como funcionário da Defesa Sanitária Animal. Em 1951 executou o seu primeiro
mural, na residência do poeta Cláudio Martins. Segue então fazendo uma série de murais em
residências e edifícios públicos.
No ano de 1962, foi convidado pelo reitor Antônio Martins Filho, para fazer parte
de sua equipe da Universidade Federal do Ceará, como desenhista, exercendo também a
função de pesquisador. Nessa qualidade visitou diferentes pontos do País, notadamente
Pernambuco, Rio Grande do Norte, o interior da Bahia, Cariri e Canindé. Após coletar
material suficiente para a instalação de um museu – concluiu essa tarefa em 17 dias - Floriano
organizou e dirigiu o Museu de Arte da Universidade. “Depois de certo tempo como diretor,
ele sentiu a necessidade de mudar sua carreira, porque nesta função acadêmica ele não tinha
tempo para se dedicar à pintura”, contou Alice Maria Vasconcelos, viúva de Floriano, em uma
entrevista concedida por telefone ao jornal O Estado do Maranhão, de Salvador, no bairro do
Rio Vermelho. (SANTOS, 2002)
Floriano continuou seus trabalhos artísticos com aprimoramento e ganhou espaço
e prestígio nacional e internacional. No ano de 1965, o artista fez uma exposição no Museu de
Arte da Bahia-MAB, tendo uma grande aceitação da crítica e dos artistas e depois foi
“emprestado” à Universidade Federal da Bahia por determinado período, mas com a ajuda de
Jorge Amado e outros amigos, acabou concluindo sua transferência para Bahia. Foi durante
uma visita de Jorge Amado a Fortaleza que o artista maranhense se tornou amigo do baiano, o
contato mudou o rumo da vida de Floriano Teixeira. “Jorge tinha um olho danado, quando ele
33

viu pela primeira vez o trabalho de Floriano, quis trazer ele para a Bahia”, relembra a
escritora e imortal da Academia Brasileira de Letras, Zélia Gattai, esposa do escritor baiano,
em entrevista concedida ao jornal O Estado do Maranhão (SANTOS, 2002). Ao desembarcar
em Salvador, a convite de Jorge Amado o artista chegou a residir na casa do casal de
escritores, até se mudar para o bairro Rio Vermelho, para onde se transferiu, posteriormente,
com a mulher Alice e os filhos.

Figura 11: Floriano Teixeira e Jorge Amado


Fonte: http://www.jorgeamado.dreamhosters.com

O carinho que Floriano Teixeira passou a sentir por Salvador deve-se muito à
amizade que ele selou com os principais artistas da época na cidade, a exemplo de Carybé, e o
reconhecimento que o governo dedicou aos artistas que apresentavam trabalhos de grande
qualidade. O artista residiu na Bahia até o dia de seu falecimento e depois de sua morte a
família do artista lançou um álbum composto por 11 gravuras de destaque na obra do pintor.

(…) É desenho rico, com algo herdado de floresta, de renda de almofada ou da


complicada simplicidade das asas de mosquito e cigarras. (…) Algo de monge
34

medieval, ou de persa, anda por dentro de Floriano, nos óleos, em geral de grandes
planos e pinceladas largas; de repente, numa janela, numa porta ou num portaló vê-
se uma cena detalhadíssima, verdadeira miniatura, contando vida de povo, sempre
com uma carga de poesia, uma alegria de cores e outra alegria, a de inventar meios
de expressão, de dar mais e sempre mais, o que leva a pesquisar constantemente.
(…) Decididamente Floriano não é torturado, é um pintor que gosta de seu ofício e
pinta. Pinta rodeado de seus sete filhos e Alice. Num mundo que é seu mundo, cheio
de arraias, de bolas de gude, de risos e broncas dos meninos. E dele.
(Carybé, Catálogo da exposição de Floriano Teixeira na Época – galeria de arte,
Salvador, BA, 1984).

Boa parte do acervo pictórico do artista, entre óleos e desenhos, encontra-se


espalhada, nas mãos de colecionadores particulares e também em alguns acervos públicos. Os
desenhos de Floriano ainda foram utilizados em capas de disco, vídeo e cartazes sobre o filme
Gabriela, do romance de Jorge Amado e alguns estão reunidos em uma série intitulada
Floriano Teixeira - Desenhos (Editora Copene) e Gente do Mar (Editora Artes Gráficas),
neste último, os traços do artista recriam um universo habitado por gente muito simples, como
pescadores e lavradores, retratados em seu próprio ambiente, e marginalizados pela sociedade,
personagens como prostitutas e os vagabundos que beiram o cais do porto têm seu lado
humano exposto a partir dos traços do artista, que parece emoldurar a alma dessa gente.

Tem a sutileza do índio, o sangue indígena nas veias e na face, no sorriso entre
tímido e irônico, no humor fino e agudo, na inteligência voltada para a natureza e os
bichos, nos pés andejos. (…) Enriqueceu a humanidade baiana, engrandeceu nossa
arte, deu-lhe a dimensão, o gosto do detalhe — certos quadros seus são trabalhos de
um miniaturista. Esse índio do Maranhão, esse baiano do Rio Vermelho, é um ser
extremamente civilizado, veio da floresta, mas por vezes dá a impressão de ter
chegado da Renascença. (Jorge Amado).

Floriano ilustrou vários livros e foi a partir dos desenhos que ele conquistou seu
espaço no cenário das artes no país, exibindo seus traços simples e marcantes em livros de
grandes escritores nacionais destacando-se entre eles: Dona Flor e seus Dois Maridos, A
Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água, O Menino Grapiúna - todos de Jorge Amado
(1912 - 2001), Obras Completas e A Terra dos Meninos Pelados, de Graciliano Ramos (1892
– 1953), Um pé de milho, de Rubem Braga (1913- 1990), entre outros.
35

Figura 12: Ilustração do livro Dona Flor e Seus dois maridos, Floriano Teixeira,
Fonte: http://www.jorgeamado.dreamhosters.com/

Em 1980, Floriano deixa de trabalhar com tinta óleo e passa a trabalhar só com
acrílico. "Óleo intoxica, acrílica tem melhor estilo e mais durabilidade". Em Dezembro de
1999, a convite da MCR Galeria de Arte, fez uma exposição que reuniu pinturas de 1967 a
1999. Fez ainda mais de dez exposições individuais e mais de quarente coletivas em vários
estados em vários brasileiros e também no exterior, além de possuir exposições individuais
permanentes, como na Casa José de Alencar em Fortaleza onde existe a Sala Floriano
Teixeira, e seu nome batiza uma galeria de arte instalada nos jardins do Museu Histórico e
Artístico do Maranhão.
Um dos seus trabalhos mais representativos é o painel tríptico intitulado Fundação
da cidade de São Luís – de 1972, pertencente ao acervo do Palácio dos Leões de São Luís,
sede o Governo do Estado do Maranhão - a temática versa sobre a Fundação francesa da
cidade, onde o artista revela o encontro dos índios maranhenses com os conquistadores
europeus.
36

4.1 Características da produção artística de Floriano Teixeira

No trabalho de Floriano Teixeira percebe-se em sua pintura tons vibrantes e


figuras representadas em poses dinâmicas e sinuosas, executadas com uma sutil linearidade.
Nos murais o artista utilizou bastante o Neocubismo, que constitui um dos traços mais
característicos dele em sua primeira dimensão. Na temática de suas obras é visível à
predominância de cenas da vida cotidiana do povo simples, como trabalhadores e pessoas
comuns das classes mais marginalizadas pela sociedade, como um meio de tentar captar a
essência da alma dessa gente a qual retratava, seus temas são, portanto, bastante regionais,
muitas vezes de cunho questionador e como forma de denúncia social.

Figura 13: Ferramentas de Pescador, Floriano Teixeira, 1982, Nanquim, 25 x 36 cm.


Fonte: http://www.mcrgaleria.com.br/mcr/displayimage.php?album=31&pos=0

Como foi possível observar, no inicio de sua carreira, Floriano Teixeira conheceu
o trabalho de artistas como El Greco, com a deformação de suas figuras alongadas, descobriu
Portinari o qual ficou vivamente encantado com suas obras, e ainda os trabalhos dos artistas
Daumier, Gavarni e Millet. Essas influências iniciais tiveram bastante repercussão em seu
trabalho. Apesar das influências, Floriano foi um artista com formação essencialmente
autodidata, trabalhou muitas vezes com a representação dos valores sociais de maneira
simples, mas com seu traço marcante e pessoal.
37

Floriano, esse desenhista extraordinário, dono de uma força interna que se afirma em
cada traço e inconformado com as cores que quer, sempre, cheias de sol, claras,
iguais àquelas que hoje sabemos que Boticelli usava. (SARNEY, 1952, p.5)

Suas experiências no campo das artes plásticas primeiramente foram em desenhos


de caricaturas e histórias em quadrinhos, documentando festas folclóricas e religiosas do
Maranhão. Suas pinturas de um modo geral refletem as vivências regionais, a partir do uso
peculiar do pintor de tratar os seus temas, os desenhos são bastante elaborados, onde o traço
na cena tem uma intenção ora dramática ora poética. Aliás, isso é destaque na maioria de suas
obras, pois parecem ter uma carga de poesia, com seu estilo peculiar de desenho, ou seja, com
um tom meio lírico, pois usa seu subjetivismo no seu modo particular de exprimir, ou
representar, o sentir e o viver.
O artista executou aquarelas, guaches e óleos, como já foi afirmado, as temáticas
tinham cunho bastante social, pois retratava a realidade das classes menos favorecidas,
escolhendo como preferência mendigos, pescadores e operários. Floriano utilizou por bastante
tempo a tinta óleo, mas nos anos 80 mudou para tinta acrílica, pois achava que esta tinha um
estilo melhor e era mais durável.
Nas obras de Floriano há o predomínio das figuras femininas, as naturezas-mortas
estão em segundo lugar, e em terceiro parecem às meninas, que estão sempre presentes na
pintura do artista, as meninas são estilizadas, quase bonecas.

Figura 14: Festa do Divino, Floriano Teixeira, Óleo sobre tela, 1982, 100 x 100 cm.
Fonte: http://www.desenbahia.ba.gov.br/institucional/acervo.asp
38

Floriano possuía características próprias. Com um traço inconfundível, seguro, o


que é marcante em toda sua arte, sobretudo na pintura. Além da pintura e do desenho o artista
trabalhou com as técnicas de monotipia e xilogravura, em algumas de suas telas os filhos do
artista são tema principal. Algumas obras são divididas em planos, onde o primeiro plano é
sempre mais claro.

Um emaranhado de linhas doces, violentas, amargas ou suaves, que obrigam os


olhos a seguir o caminho por ele desejado para parar no ponto, no acento, digamos
no nó da composição. Em outros brinca de esconder, desorienta o espectador, oculta
a cena com texturas insólitas, com invenções e falsos caminhos de se perder e voltar
ao ponto de partida. ( CARYBÉ, 1969, Catalogo da exposição no M.A.M Bahia.)

Os temas na sua variação são idealizados com sinceridade na concepção artística


sem fugir da realidade da vida contada em suas obras. Também as coisas misteriosas do
universo compõem alguns expressivos quadros de Floriano. O seu poder de criatividade
facilita a realização de suas obras na sua importância contextual.
Floriano foi sabedor, como bem poucos, do essencial de cada movimento, de cada
expressão, sendo que, ao analisar suas obras é possível perceber que o artista parece ter certa
sensibilidade à intimidade das coisas e das pessoas representadas. E, sobretudo, foi um lírico,
no tratamento mais poético de certos temas: as aves, as flores, as crianças e as mulheres.

Figura 15: Laranjas roubadas, Floriano Teixeira, Óleo sobre tela, 1960, 30 x 30 cm.
Fonte:http://www.catalogodasartes.com.br/Avaliacoes2.asp?Pesquisar=1&cboArtista=Floriano
39

5 A TELA- FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS: Aspectos plásticos da composição

O painel tríptico: Fundação da Cidade de São Luís, pertencente à Pinacoteca do


Palácio dos Leões, foi feito sob encomenda para fazer parte do acervo pictórico do Palácio.
Essa é a obra mais conhecida do artista em São Luís.
Casa tríptico mede 2.18 x 2.18 m, a tela foi feita no ano de 1972, com a técnica de
óleo sobre tela. O tema abordado segue indicações da descrição feita pelo padre capuchinho
Claude D’Abeville, citadas no livro História da missão dos padres capuchinhos no
Maranhão, retratando a chegada dos franceses em São Luís e os atos solenes que aqui
fizeram.
As três partes do painel retratam a chegada dos franceses e a recepção dos
indígenas, o erguimento da cruz com celebração da missa e por último o desenvolvimento e
estabelecimento dos franceses na ilha.

Figura 16: Fundação da Cidade de São Luís, (tríptico), 1972, Óleo sobre tela, 218 x 218 cm.
Fonte: Autora do Estudo.

Um dos traços mais fortes de Floriano é o Neocubismo, estilo que teve como
influência os movimentos Cubismo e Expressionismo. A característica principal desse estilo
resume-se sempre em linhas geometrizadas e controladas, formando traços cuja excelência
das linhas curvas e retas parecem ter uma exatidão matemática, na composição e no
equilíbrio, para a construção dos elementos visuais compositivos da obra, sejam eles
figurativos ou abstratos, tudo percebido a partir de uma avaliação visual.
O artista representou no painel Fundação da cidade de São Luís todos os objetos,
e figuras, com as três cenas possuindo planos diferentes nas suas composições. A ideia de
perspectiva é retratada a partir dos elementos em ordem decrescente, a partir do primeiro
40

plano, findando com a linha do horizonte representada entre o céu e o mar ao fundo e também
percebida pela mudança de cores, que dão a idéia de que se trata de superposição de planos.
Na obra há uma gama de cores variadas que são usadas de forma emotiva, o uso
da matiz, do tom e da intensidade dada pelo artista, criou vibrações, passa um pouco de
tranquilidade, e deu um tom lírico, facilmente percebido pelo observador. Não há uso
excessivo do claro-escuro, apenas um degradé das cores utilizado de forma sutil. Como é
possível observar há predominância de cores frias, como azul, verde, marrom e branco, o tom
amarelo é apenas pontual.
Além dos fatos importantes representados, como o contato dos franceses com os
indígenas, o artista deixou também, por toda extensão da obra, um belo registro da fauna e
flora do país, representando vários animais e plantas tipicamente brasileiros num recorte da
ilha do Maranhão.

Figura 17: Detalhe, Fundação da Cidade de São Luís, Floriano Teixeira, 1972, Óleo sobre tela, 218 x 218 cm.
Fonte: Autora do Estudo.

5.1 A Temática

O quadro Fundação da Cidade de São Luís, trata de uma cena história. A pintura
histórica como o próprio nome já especifica se refere àquela que representa fatos históricos,
cenas mitológicas, literárias e ainda da história religiosa. De acordo com Itaú Cultural (2005),
41

a pintura histórica: “Em acepção mais estrita, refere-se ao registro pictórico de eventos da
história política. Batalhas, cenas de guerra, personagens célebres, fatos e feitos de homens
notáveis são descritos em telas de grandes dimensões”.
As pinturas com temática histórica são realizadas, em sua maioria, sob
encomenda, e confirmam um tipo de produção envolvida com a tematização da nação e da
política. Enquanto os acontecimentos domésticos, o cotidiano e os personagens anônimos são
registrados pela pintura de gênero - termo que faz referência às representações da vida
cotidiana, do mundo do trabalho e dos espaços domésticos, que tomaram a pintura holandesa
do século XVII - os grandes atos e seus heróis são contados em grande estilo pela pintura
histórica.
No século XVII, com a criação da Real Academia de Pintura Escultura em Paris,
foi que a pintura histórica conseguiu prestigio nas academias de arte, elevada ao primeiro
nível na classe acadêmica. A partir daí houve uma aproximação da relação da arte com o
poder político. O encanto pela antiguidade e pelo clássico, que são revelados nos temas
mitológicos e históricos e que estão associados à clareza da expressão das figuras e também
ao uso das regras acadêmicas.
O Neoclassicismo que tem como núcleo a França do século XVIII usa
abundantemente os temas históricos. Com a Revolução Francesa, o modelo clássico toma um
sentido ético e moral. A busca de um ideal estético da Antiguidade, acompanha ideias cívicas
e de justiça, como é possível observar nas telas do pintor neoclássico Jacques –Louis David
(1748 – 1825), com uma pintura engajada, representou retratos de mártires da revolução, e
também foi pintor oficial de Napoleão.
42

Figura 18: A Morte de Marat, Jacques – Louis David, 1793, óleo sobre tela, 128 x 165 cm.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marat_assassinado

Na Espanha, as pinturas históricas foram realizadas a partir do século XVI, com


cenas de batalhas executadas pelos pintores da corte de Felipe IV, representando a força do
exercito espanhol e glorificando as vitórias do reinado de Felipe. O pintor Francisco José de
Goya e Lucientes (1746 – 1828) retratou por meio de suas telas dramáticas, cenas da
ocupação francesa da Espanha, dando ênfase à revolta dos cidadãos. Com os trabalhos de
Goya a pintura histórica, que retrata heróis e celebrações vitoriosas, encontra sua primeira
contestação, pois o pintor pode revelar que a pintura histórica de certa forma poderia estar
fazendo apologia ao poder.
O Romantismo é marcado pela preocupação com o passado, com as origens e com
o presente. A força da Revolução Francesa e o mito napoleônico são extremamente vistos nos
temas históricos, usados pelos pintores. Na pintura brasileira, é possível verificar marcas do
neoclassicismo e do romantismo na pintura histórica feita pelos pintores acadêmicos do
Brasil. A produção feita na Academia Imperial de Belas Artes, tinha uma forte ligação com o
governo imperial de Dom Pedro II, onde os artistas criaram uma iconografia nacional. Artistas
como Pedro Américo e Victor Meirelles, estão vinculados diretamente com a pintura histórica
do país.
43

A pintura histórica é uma forma de arte que registra acontecimentos históricos de


um país ou uma região, algumas vezes exagerando as glórias e os massacres. Muitas obras
com tema histórico se tornam símbolos de uma geração. Esse gênero artístico é também
responsável pela formação de uma memória nacional. A pintura histórica é essencial na
construção de uma identidade nacional, porque por meio dela é possível forjar um passado
épico e monumental.
A cena histórica não está ligada apenas as pinturas acadêmicas. Obras modernas,
que trazem uma proposta inovadora de composição na pintura, também usam esse gênero da
pintura. A idealização está presente nas telas com esse tipo de tema, já que o artista se baseia
em relatos da história, para construir a obra.
Floriano Teixeira trabalhou a pintura histórica na produção do seu painel tríptico
Fundação da cidade de São Luís. O artista dividiu a tela em três momentos importantes,
retratando as figuras e os objetos, seguindo a história da fundação francesa da cidade e se
baseando na descrição feita pelo padre capuchinho Claude D’Abeville. Com seu estilo próprio
e inovador, seguindo uma tendência diferente, sem utilizar regras clássicas. Apesar de o tema
histórico ser marcado pelo estilo acadêmico.
Na primeira cena do tríptico, Floriano representa o momento do encontro dos
franceses com os índios tupinambás. Pela história contada pelo padre Claude D’Abeville,
primeiramente os francesas chegaram à Ilha Pequena, chama de Upaon – mirim pelos índios.
Os superiores mandaram então o senhor Charles des Vaux, à Ilha Grande, para falar com os
índios sobre a chegada dos franceses. Des Vaux voltou a Ilha Pequena lavando noticias sobre
a boa disposição dos índios em receber os franceses. Então seguiram na frente para a Ilha
Grande, o senhor De Rasilly, levando consigo alguns franceses. De acordo com
D’ABEVILLE (1975, p. 54): “Na Ilha Grande foi ele muito bem recebido pelos índios que lhe
fizeram mil agrados, testemunhando por todos os modos a alegria que sentiam pela sua
chegada. Por todas as aldeias por onde passava, comunicava-lhes, por intermédio do senhor
des Vaux”.
Segundo D’Abeville, os senhores De Rasilly e Des Vaux, foram a Ilha Grande
para verificar como seria a recepção dos índios, depois disso o sr. De Rasilly enviou uma
carta para os franceses que ficaram na ilha pequena, contando sobre o acolhimento dos índios
e acordando uma data para ida dos outros para a ilha grande. O padre Claude D’Abeville
estava entre os que foram depois para ilha grande, e houve outra recepção dos índios.
Floriano representou na primeira cena, uma junção das duas chegadas, colocando
em cena todos os franceses principais, como La Ravardière, De Rasilly, Des Vaux e o
44

capuchinho Claude D’Abeville, e ainda a recepção amigável dos indígenas, colocando em


cena Japi-açu, o cacique da tribo.

Figura 19: Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís, 1972, ( tríptico 1), óleo sobre tela, 218x218 cm.
Fonte: Autora do Estudo.

No primeiro plano foi representada a recepção indígena. No plano intermediário


há uma série de quadros mostrando alguns momentos, como a admiração dos franceses com
as belezas da ilha, os índios com seus acessórios e armas, as ocas, e a fauna e flora são
representadas por toda extensão da cena. No ultimo plano o mar sendo possível observar as
três naus francesas Regente, Charlotte e Saint´Anne.
Fica clara a idealização na construção da cena. O artista colocou em foco
elementos que servem para identificar o momento, levando em conta a descrição feita pelo
Claude D’Abeville. Como, caracteriza D’ABEVILLE (1975, p. 55): “Para desembarcar
mudamos os nossos hábitos de pano grosso e vestimos os de sarja parda, que trouxéramos de
França na previsão do grande calor da zona tórrida.”.
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Figura 20: Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís, (Detalhe tríptico 1), 1972, óleo sobre tela, 218 x
218 cm.
Fonte: Autora do Estudo.

A segunda cena representada no tríptico retrata as solenidades marcadas como a


fundação da cidade. Como nos conta Claude D’Abeville, os franceses trataram de marcar a
data para a fundação da cidade, sendo que foi acordado entre eles e os indígenas o dia 8 de
setembro, daquele ano, 1612. No dia marcado estavam todos, logo bem cedo, com os
franceses, e depois de celebrarem a missa na capela de São Luís, saíram todos em procissão
até o forte, já construído.

Nós quatro religiosos, revestidos de sobrepelizes brancas, acompanhamos a cruz


com ordens. Seguia-se depois o Sr. De Rasilly,(...). Feito isto, de acordo com o
cerimonial usado pela Igreja em ocasiões tais, procedeu-se à benção da cruz, que em
seguida foi exposta à adoração de todos, a começar pelos sacerdotes, e depois por de
Rasilly, pelos fidalgos e afinal por todos os franceses, uns após outros. (...) Estavam
vestidos com bonitos sobretudos de cor azul-celeste, tendo por cima deles cruzes
brancas adiante e atrás(...).( D’ABEVILLE, 1975, p. 72)

No painel esse segundo momento foi representado a partir do erguimento da cruz,


depois de todo esse cerimonial relatado. O artista colocou na cena, o momento em que os
índios levantavam e adoravam a cruz, estão no centro o francês La Ravardière, o cacique Japi-
açu e o padre D’Abeville. Tudo sendo observado pelos índios e franceses. Floriano seguiu
com perfeição a descrição feita por D’Abeville, sendo possível perceber isso nas vestimentas
descritas pelo padre, e que o artista seguiu como modelo para produção desse momento. Por
46

fim, na cena está também retratado o cenário com um pouco da fauna e flora, as moradias e ao
fundo a ilha pequena.

Figura 21: Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís, ( Tríptico 2), 1972, óleo sobre tela, 218 x 218 cm.
Fonte: Autora do Estudo.

Depois do erguimento da cruz, a ilha também foi benzida e o senhor de Rasilly


deu o nome de São Luís ao forte. Claude D’Abeville descreve em seu livro as outras ações
que se sucederam com os franceses fazendo o reconhecimento da ilha, se espalhando e se
desenvolvendo pela região. O padre fez um grande registro sobre a ilha, sobre coisas da
natureza e também sobre os índios do Maranhão: os aspectos, os usos e os costumes.
Na terceira parte do painel, Floriano Teixeira retratou o estabelecimento dos
franceses na ilha, sendo possível identificar vários momentos dos franceses. Nessa cena
aparecem os franceses fazendo o reconhecimento da região, acompanhados pelos
capuchinhos, um soldado segurando um estandarte francês e um belo registro da fauna e da
flora.
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(...) o sr. De Rasilly julgou necessário visitar a ilha em companhia de dois de nós e
percorrer todas as aldeias, não só para nos tornar conhecidos dos índios, como para
que lhes fossemos simpáticos e também para que conhecêssemos seus costumes e
modos de viver, a fim de com maior proveito lhes fazermos compreender o objetivo
de nossa vinda. ( D’ABEVILLE, 1975, p.77)

Nesse momento não há presença dos indígenas e aparecem mais dois navios
franceses ao fundo, provavelmente reforços.

Figura 22: Floriano Teixeira, Fundação da cidade de São Luís, (Tríptico 3), 1972, óleo sobre tela, 218 x 218 m.
Fonte: Autora do Estudo.

A pintura de Floriano Teixeira não é apenas uma mera tradução visual do fato
histórico, mas torna-se a verdade visual dos momentos descritos pelo padre capuchinho e
historiador Claude D’Abeville. Diante da tela, o espectador pode, ao observá-la, fazer a
junção do relato histórico sobre a fundação francesa de São Luis, com a obra de arte.
À versão do pintor leva em consideração as características da sua produção
pictórica, respeitando sempre o fato histórico que se propôs a representar. A narrativa de
Floriano estimula uma reflexão, não só pela interpretação que ele fez da fundação, mas
48

também pela capacidade que teve de aprisionar o olhar e a sensibilidade do espectador. E


ainda instigar o imaginário de quem observa a tela, levando a uma viagem ao passado.
Floriano Teixeira apresenta o lugar do seu objeto de arte, no caso a fundação
francesa, a partir do livro História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão, o
que se pode destacar na tela A Fundação da cidade de São Luís, é que há uma importante
relação entre imagem e palavra. A imagem não se revela independente, pois tem uma base
intertextual, tomando como base os relatos do livro de Claude D’Abeville. As informações
que se apresentam nos registros documentais foram bastante importantes, não só para
construção da obra, mas também para contextualizar a imagem histórica, pois só assim é
possível compreende-la.
Dessa forma, como pintura histórica, o quadro incorpora o que esta de acordo com
o discurso seguido na obra, e descarta aquilo que compromete o conteúdo pretendido.
Assim, Floriano Teixeira deixou uma grande contribuição não só para a arte
maranhense, mas também para o povo e para a história do estado e do Brasil.
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6 CONCLUSÃO

Desde os primórdios da história humana o homem se utiliza de formas simbólicas


para representar a realidade, e por isso a maioria das produções artísticas e o viver estão
intimamente interligados.
Neste estudo procuramos abordar a produção artística de Floriano Teixeira, com
enfoque especifico em seu painel tríptico “Fundação da cidade de São Luís”, a pesquisa ainda
aborda questões relevantes para a produção do trabalho, como a história da fundação francesa
de São Luís que é tema da obra estudada, o trabalho perpassa também por um breve panorama
sobre as artes plásticas no Maranhão falando um pouco de sua evolução desde a influência
dos colonizadores até um pouco sobre a década de 70, e ainda sobre a vida e a produção do
artista Floriano Teixeira, que contribuiu com a renovação artística de São Luís.
O objetivo principal da nossa abordagem foi, porém a temática da tela Fundação
da cidade de São Luís, concluída em 1972 pelo artista e que faz parte do acervo do Palácio
dos Leões, a pintura expressa uma realização particular do estado e ainda comunica a beleza e
importância do fato representado para a população maranhense.
A fundação de São Luís pelos franceses é um fato histórico marcado no
imaginário, lembrado e propagado por todas as gerações. A história da fundação e os atos
solenes que os franceses aqui fizeram fazem parte da identidade cultural dos maranhenses. O
padre capuchinho Claude D’Abeville, fez parte da missão que veio ao Maranhão
acompanhando a expedição de La Ravardière. E quando retornou a França escreveu o livro
História da missão dos padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão, onde registrou importantes
descrições, que serviram de base para a construção deste trabalho.
A arte maranhense influenciada pela arte acadêmica e valorizando bastante os
temas folclóricos e regionais, teve certa resistência para aceitar as novas ideias da arte
moderna que despontavam pelo Brasil, com os acontecimentos da Semana de arte moderna.
Alguns artistas já tentavam colocar em prática algumas ideias renovadoras, e grupos de
intelectuais se formavam para tentar renovar a arte do Maranhão.
Na realização do trabalho foi possível perceber características associadas ao que é
particular na produção do pintor, sua própria forma de comunicação artística, e os fatores
culturais que de modo inevitável influenciaram e direcionaram sua produção. A pintura de
Floriano expressa aspectos muito interessantes, como na época em que fez suas primeiras
exposições em São Luís, à cidade estava acostumada com a arte acadêmica e tradicional, ele
50

sofreu algumas críticas, já que sua pintura e seu desenho traziam propostas totalmente
diferentes ao que a sociedade mais valorizava. Suas obras já apresentavam características do
modernismo e também comunicavam valores sociais, como forma de denúncia social, e
culturais, expressando o regionalismo, a cultura do estado, em algumas obras.
Floriano teve grande reconhecimento no mundo artístico, tendo sua obra
valorizada e sendo considerado um dos melhores artistas de sua época, tendo grande
importância no cenário em que atuava. Além de pintor, gravador, desenhista e cenógrafo
Floriano também ilustrou vários livros de grandes escritores nacionais.
Maranhão, Ceará e Bahia, por onde passou o artista deixou marcas, com seu estilo
peculiar, renovador e lírico de fazer arte, fez sua história e deixou grandes obras, contribuindo
com a arte do país. Floriano rompeu as fronteiras estaduais numa época em que fazer arte aqui
era uma temeridade.
Para a produção do painel tríptico Fundação da cidade de São Luís, Floriano
utilizou seu estilo e técnica, seguindo o tema histórico, tomou como inspiração os relatos do
padre Claude D’Abeville.
A pintura histórica é marcada por representar fatos históricos, cenas mitológicas,
literárias e ainda caracterizada pela idealização. O tríptico dividido em três momentos
importantes, retrata na primeira cena, a chegada dos franceses e a recepção dos índios
tupinambás, a partir dos relatos do padre D’Abeville, Floriano construiu a cena , que idealiza
esse fato. No segundo momento do tríptico, foram retratados os momentos que se seguiram
após os atos solenes que os franceses fizeram. Nessa parte do painel Floriano expôs, com
fidelidade à descrição do capuchinho, o momento do levantamento da cruz. Na terceira parte
do tríptico, o artista colocou em cena momentos que retratam oque se seguiu após os atos
solenes da fundação. Nessa cena fica marcado o estabelecimento e desenvolvimento dos
franceses na região.
Contudo, o artista maranhense Floriano Teixeira com seus aspectos particulares,
conseguiu ganhar grande prestigio no mundo artístico. Seu Painel tríptico, Fundação da
cidade de São Luís, tratando de um tema histórico, é um registro importante de um momento
vivido pela cidade, fato lembrado por todos e que faz parte da identidade cultural dos
maranhenses.
Descobrir as relações entre imagem e palavra permite abordar, conhecer e
entender a complexidade e a importância da imagem artística.
51

Por isso, para analisar as imagens de determinada obra, não se pode apenas
discorrer os acontecimentos da imagem. É necessário também captar as informações que se
apresentam nos registros documentais.
Os quadros históricos, ainda hoje, são referenciais importantes da história. Então,
é necessário o exercício da sensibilidade, construindo a partir destas imagens relações que
possuam significados para além de sua visualização direta, criando possibilidades de novos
questionamentos sobre o objeto de estudo.
52

REFERÊNCIAS

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século XIX. Revista de Políticas Públicas – UFMA – Mestrado em Políticas Públicas. São
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BANCO DO ESTADO DO MARANHÃO –BEM. 50 anos de arte maranhense. Guia de


Pesquisa. São Luís:1995.

BANCO DO ESTADO DO MARANHÃO S. A – BEM. Arte do Maranhão de 1940 – 1990.


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2000.

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53

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Unigraf, 2000.

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WOLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais de história da arte. São Paulo: Martins


Fontes, 2001. 3ª ed.

ZANINI, Walter. História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira
Salles, vol. I, 1983.
54

APÊNDICES
55

APÊNDICE A- Detalhes da tela “Fundação da cidade de São Luís”

Figura 1: Detalhe ( tríptico 1), Fundação da cidade Figura 2: Detalhe (tríptico 1).
de São Luis, Floriano Teixeira, 1972, 218x218 cm. Fonte: Foto da Autora
Fonte: Foto da autora.

Figura 3: Detalhe ( tríptico 1) Figura 4: Detalhe ( tríptico 1)


Fonte: Foto da autora. Fonte: Foto da autora.
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APÊNDICE B- Detalhes da tela “Fundação da cidade de São Luís”

Figura 5: Detalhe ( tríptico 2) Figura 6: Detalhe ( tríptico 2)


Fonte: Foto da autora. Fonte: Foto da autora.

Figura 7: Detalhe ( tríptico 3) Figura 8: Detalhe ( tríptico 3)


Fonte : Foto da autora. Fonte : Foto da autora.
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ANEXOS
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ANEXO A - Desenhos de Floriano Teixeira.

Figura 9 : Ilustração Dona Flor e seus dois Figura 10: Ilustração do livro O milagre dos passáros,
maridos, Floriano Teixeira, 1966, aquarela Floriano Teixeira, 1997, Nanquim sobre papel.
e nanquim sobre papel. Fonte: http://www.flickr.com/photos/
Fonte: http://www.flickr.com/photos/

Figura 11 – Ilustração do livro A morte e Figura 12 – Capa do livro vidas secas, Floriano
A morte de Quincas Berro D’água, Teixeira , 1938.
Floriano Teixeira 1967, Nanquim sobre papel. Fonte: www.ufscar.br/rua/site/?p=414
Fonte: http://www.flickr.com/photos/
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ANEXO B - Pinturas de Floriano Teixeira.

Figura 13: Amor proibido, Floriano Teixeira, 55 x 55 cm, óleo sobre tela.
Fonte: http://www.centurysarteeleiloes.com.br/destaques.asp?Num=095&Tipo=6

Figura 14 : Da serie d. flor do romance d. flor e seus dois maridos, Floriano Teixeira, oleo sobre cartão, 1967, 48
x 33.
Fonte: //www.catalogodasartes.com.br/Avaliacoes2.asp?Pesquisar=1&cboArtista=Floriano%20Teixeira%20-
%20Floriano%20de%20Ara%FAjo%20Teixeira%20&sPasta=@Obras&rdTipoObra=
60

ANEXO C –A obra: Fundação da Cidade de São Luís do artista maranhense Floriano Teixeira

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