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EVOLUÇÃO BIOLÓGICA

Rodrigo de Mello

Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de


Maringá (UEM-PR), mestre em Ciências Ambientais/Ecologia de Am-
bientes Aquáticos pela mesma instituição. Atualmente é aluno de doutora-
do no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Universida-
de Federal de Goiás, desenvolvendo sua tese no Laboratório de Genética e
Biodiversidade (LGBio). Tem experiência em estudos evolutivos e biogeo-
gráficos em peixes, marsupiais e répteis neotropicais.

Iuli Pessanha Zviejkovski

Bióloga graduada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM


-PR) e mestre em Ciências Ambientais/Ecologia de Ambientes Aquáticos
pela mesma instituição, com enfoque na área de restauração florestal. Atu-
almente é aluna de doutorado no mesmo programa e desenvolve sua tese
sobre os aspectos da dinâmica de ciclagem de nutrientes envolvendo a serra-
pilheira e a recuperação da fauna de solo em florestas tropicais secundárias
do rio Paraná.

Suelen Gonçalves Rabelo

Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Católica de


Brasília, mestre em Genética e Melhoramento de Plantas pela Universidade
Federal de Goiás, com enfoque em filogeografia de plantas do cerrado.

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IMPORTANTE : Lista de abreviações do latim

Ao longo de todo este módulo de Evolução, nós, os autores, usaremos algumas


abreviações comumente utilizadas no meio científico, que são derivadas do
latim. Muitas delas usamos no dia a dia sem perceber ou mesmo saber que
são abreviações latinizadas. Por exemplo, a palavra “etc” é uma abreviação de
et cetera, que é uma frase latina que significa ‘e outras coisas’. Algumas vezes
também usamos a sigla “P.S.” no final de algum e-mail, carta ou recado, que é
uma abreviação de post scriptum. Mas a principal orientação que pedimos aos
alunos é para manter em mente o significado das três siglas abaixo, que serão
invocadas ao longo de todos os capítulos e sempre aparecerão em itálico:

i.e. - abreviação de ‘id est’, que é um termo latino que significa ‘isto é’ ou ‘em outras
palavras’. Exemplo: Os peixes da classe Osteichthyes, i.e., peixes que possuem es-
queleto formado de ossos, possuem nadadeiras do tipo raiada ou carnosa (lobada).

e.g. - abreviação para ‘exempli gratia’, que é uma frase latina que significa ‘por
exemplo’ ou ‘exemplo dado’. Exemplo: Muitos autores (e.g., Avise, 2009;
Ricklefs, 2011) concordam que técnicas de biologia molecular devem ser apli-
cadas em estudos evolutivos e ecológicos.

et al. - abreviação para ‘et alii’, frase latina que significa ‘e outros’. Comumen-
te essa sigla é usada para substituir as palavras ‘e colaboradores’, quando
mais de duas pessoas são autoras de um artigo ou de um livro. Suponhamos
que citemos um livro, ou artigo científico, escrito em 2005 por três autores
de sobrenomes: Fulano, Ciclano e Beltrano. No corpo do texto, citamos ape-
nas como Fulano et al., (2005); os detalhes da obra citada serão apresenta-
dos apenas no final dos capítulos, nas Referências

1. HISTÓRIA E PRINCÍPIOS GERAIS


DO PENSAMENTO EVOLUTIVO

Apresentação

Neste primeiro capítulo sobre o estudo da evolução biológica iremos


abordar como o pensamento evolucionista foi se modificando ao longo do
tempo histórico e como essa ciência, em especial, sempre foi cercada por

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aspectos religiosos e culturais. Veremos como a publicação de A Origem das
Espécies por Charles Darwin, em 1859, influenciou o estudo evolucionista e
os pesquisadores a partir de então. Ele foi muito apropriadamente descrito
como o “Newton da Biologia”, por ter feito mais do que qualquer outro in-
divíduo, antes ou depois dele, para modificar a atitude e a visão do homem
em relação ao fenômeno da vida. Darwin forneceu à biologia um arcabouço
científico coerente de ideias, em vez de uma abordagem composta, na sua
maior parte, de “ouvi dizer”, mitos e superstições. Ele tornou a evolução um
fato inegável, compreensível como processo e abrangente como conceito.
Por último, iremos abordar como avanços na área da genética possibilita-
ram o desenvolvimento de novas teorias evolucionistas.

1.1 Uma Advertência sobre Evolução e Religião

Evolução, sem dúvida, é um assunto delicado e polêmico. Por isso,


antes de iniciarmos o nosso relato histórico sobre os conceitos e ideias en-
volvidas no desenvolvimento do raciocínio evolucionista, faz-se necessário
esclarecer alguns pontos fundamentais para se evitar potenciais preconceitos.

Primeiramente, muito dessa polêmica se dá pela aparente controvérsia en-


tre ciência e religião. Muitas pessoas pensam que devemos optar por uma ou ou-
tra; que tomando partido por uma, exclui-se automaticamente a crença na outra.

Para cristãos e judeus, especialmente, a evolução se opõe a suas inter-


pretações literais da Bíblia, especialmente os primeiros capítulos de Gênesis,
que retratam a criação do paraíso, da Terra, dos animais, plantas e humanos
em seis dias. Entretanto, há muitas linhas de pensamento que caminham em
harmonia entre esses dois campos do saber humano, tendo consciência que
eles podem, inclusive, se completar – ou invés de repelirem-se. Cientistas
proeminentes e divulgadores talentosos do pensamento evolutivo, como
Julian Huxley e Stephen Jay Gould (sobre o qual falaremos mais adiante),
por exemplo, não viam conflitos entre fé e evolução. Partilhamos aqui dessa
visão; acreditamos que ciência e religião não estão em conflito, apenas per-
tencem a domínios distintos do saber.

O primeiro passo, entretanto, para essa comunhão de crenças é acei-


tar que a Bíblia (ou qualquer outro livro religioso) é, em sua essência, um
livro de caráter espiritual, com inúmeras metáforas literárias, que visa guiar
seus leitores pelas veredas do aprimoramento moral e da fé; mas não é um

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livro de ciência. Não podemos extrair dela postulados e hipóteses testáveis
que sirvam para embasar conceitos nos moldes científicos formais. Muitos
religiosos, de fato, entendem certas descrições da Bíblia como verdades
simbólicas, e não verdades literais ou científicas – como o mundo e toda
sua biodiversidade terem sido criados em apenas seis dias, com incoerên-
cias e lógicas antinaturais como, por exemplo, os vegetais (fotossintetizantes
obrigatórios) surgindo antes da luz do sol e tendo a Terra somente cerca de
6.000 anos de idade. Por outro lado, a explicação da diversidade das formas de
vida sob um prisma evolutivo baseia-se em robustas pesquisas, formalizadas e
comprovadas por avaliações científicas rigorosas desde que foi proposta.

Um exemplo de que religião e evolução podem coexistir em concordân-


cia é que até mesmo a Igreja Católica já considerou, em outubro de 1996, a vali-
dação da teoria evolutiva (Quadro Cristianismo e Evolucionismo em Harmonia).

Cristianismo e Evolucionismo em Harmonia

Em uma carta formal endereçada à Pontifícia Academia de Ciências, o então Papa


João Paulo II declarou que “...de fato é notável que esta teoria tenha sido progres-
sivamente aceita por pesquisadores, após uma série de descobertas em vários
campos de conhecimento. A convergência de resultados de trabalhos que foram
conduzidos independentemente são, em si mesmo, argumentos significativos em
favor desta teoria. É uma hipótese séria, válida de ser investigada a fundo (...) e
compatível com a fé cristã” (João Paulo II, 1996; Scott, 1997). É possível, pois, fazer
um exercício mental para vislumbrar congruências potenciais entre algumas
alegorias bíblicas que podem convergir com conhecimentos científicos muito
bem estabelecidos: O que seria um dia para um Deus criador onipresente e onis-
ciente? Se pusermos de lado o egocentrismo humano e refletirmos um pouco
em nossa limitada noção sobre o tempo, seria demais pensar que isso pode ser
uma poética analogia a uma Era Geológica – ou Glacial - que perdurou milhares
ou milhões de anos? Ainda nesse raciocínio integrativo, a curta passagem “do pó
vieste e ao pó voltará” não abarcaria, quase em sua totalidade, conceitos ecológi-
cos como os da cadeia trófica e ciclagem de nutrientes?

Mesmo com maior parte da população crendo em um Deus único


(que deveria, em teoria, abarcar todos esses conceitos politeístas), parado-
xalmente seguimos cada vez mais em desarmonia com o que antigamente
era tomado como sagrado por tribos ou civilizações pretéritas, através de
seus mitos. Independentemente de sermos crentes, ateus ou agnósticos, de-

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veríamos ter respeito não só para com uns aos outros – que é a sugestão
unânime de todas as religiões -, mas a todos os nossos antepassados bio-
lógicos. O ideal seria continuarmos com esse respeito sagrado dos antigos
por nossos biomas, corpos d’água, florestas e demais variedades bióticas,
unindo informações científicas para sua preservação.

Figura 1.

O culto sagrado aos antepassados, aliás, é o cerne de muitas religiões


e filosofias orientais. A quebra de paradigma filosófico que veio com Da-
rwin, como veremos ao longo deste estudo que se inicia, é a compreensão
que os nossos antepassados ultrapassam os limites familiares ou humanos.
Compartilhamos ancestrais em comum com toda e qualquer forma de vida,
seja ela viva ou extinta nos dias de hoje. Somos, afinal, biologicamente falan-
do, apenas mais uma das milhões de ramificações na árvore da vida.

Assim, a postura adotada por nós, autores, é de respeito tanto pela re-
ligião quanto pela ciência. Acreditamos que a concepção evolutiva vem para
engrandecer nossa maneira de ver e entender a vida, e não para disputar prefe-
rências com doutrina alguma. Embora a controvérsia acerca da evolução das
espécies a partir de um ancestral em comum tenha sempre sido palco para am-
plas discussões - e por vezes ainda carrega um estigma de heresia, talvez pela
difusão equivocada de seus conceitos! -, esta nunca foi a intenção de Darwin.
Nos parágrafos finais de sua principal obra ele deixa claro que sua vontade era
partilhar com o mundo um novo vislumbre ao olharmos a natureza:

“H á grandeza nessa visão da vida. É interessante contemplar


uma ribeira luxuriante, atapetada com numerosas plantas per-
tencentes a numerosas espécies, abrigando aves que cantam
nos ramos, insetos variados voando aqui e ali, e pensar que es-
tas formas tão admiravelmente construídas, tão diferentemente
conformadas, e dependentes umas das outras de uma maneira
tão complexa, têm sido todas produzidas por leis que atuam em

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volta de nós e em nós mesmos. Enquanto que o nosso planeta,
obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbi-
ta, uma quantidade infinita de belas e admiráveis formas, saídas
de um começo tão simples, não têm cessado de se desenvolver e
ainda se desenvolvem” (DARWIN, 1859).

1.2 A Evolução Antes de Darwin

A inquietação em relação aos mistérios da diversidade biológica deve


ter se mostrado bem cedo na história do pensamento humano. Ainda que
os registros sejam dispersos e escassos, a forma do pensamento sobre a evo-
lução e o caminho da humanidade até as civilizações conhecidas se mostra
presente desde a vanguarda da filosofia. Desde Tales de Mileto, filósofo gre-
go que viveu há cerca de 2.500 atrás, busca-se no ambiente aquático a ori-
gem da vida. Muitas décadas depois, Platão postula que os objetos possuem
uma essência que reflete suas propriedades básicas, e que suas variações na
natureza seriam apenas distorções dessa realidade. Ele propunha que todas
as espécies que vemos atualmente são apenas ‘imperfeições’ de seres vivos
ideais; um cavalo, por exemplo, seria apenas um representante mundano,
uma imitação imperfeita de um unicórnio de um mundo imutável e perfeito.

Mesmo Carl Linnaeus (1707-1778), principal historiador natural


da ciência que criou o sistema hierárquico de classificação dos organismos,
jamais cogitou a ideia de evolução. Sua principal obra Systema Naturae, de
1735, ainda que profundamente influente sobre a classificação dos organis-
mos vivos, não tocava no assunto das espécies mudarem ao longo do tempo.
Ele seguiu o sistema que imperava nas ciências naturais da época: catalogar
os elos da Grande Escala dos Seres e descobrir sua ordenação, tal como foi
proposta pela Teologia Natural que atribuía as adaptações dos organismos
como evidências da benevolência do Criador.

No final do século XVIII, o conceito de um mundo mutável foi apli-


cado à astronomia por Kant e Laplace, que desenvolveram noções sobre
evolução estelar; e à geologia, quando vieram à luz evidências de mudan-
ças na crosta terrestre e da extinção de espécies. Os geólogos reconheceram
que as rochas sedimentares tinham sido depositadas em épocas diferentes
e começaram a perceber que a Terra poderia ser muito mais velha do que a
idade proposta até então. Antes, pela interpretação literal da Bíblia, a Terra
era tida com menos de 5.000 anos; somente em 1779 é que sugeriram que
ela pudesse ter até mais de 160.000 anos (FUTUYMA, 1992).

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O rompimento dessa visão estática das espécies, desde seus surgi-
mentos, só foi primeiramente trazida à discussão pelo naturalista francês
Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) no seu trabalho Philosophie Zoologique,
publicada primeiramente no ano de 1809. Embora Lamarck seja mais lem-
brado hoje em dia pelo seu erro em explicar a evolução pela regra do uso e
desuso – onde uma espécie poderia passar às gerações posteriores as modi-
ficações morfológicas adquiridas ao longo da vida – não foi ele que inventou
tal ideia. Essa visão já havia sido discutida na Grécia Antiga. Entretanto, o
pensamento mais moderno sobre o papel desse processo na evolução foi
inspirado por Lamarck e, por isso, a herança de caracteres adquiridos é ago-
ra chamada, mais por convenção do que por motivos históricos, de herança
lamarckiana (RIDLEY, 2006). Apesar disso, ele foi o primeiro defensor de
que as espécies mudam ao longo do tempo, que elas não estão fixas desde
sua criação. Foi ele que também primeiramente afirmou que elas mudam
influenciadas pelos seus respectivos ambientes.

Provavelmente, para o próprio Lamarck, o mecanismo do uso e de-


suso invocado para explicar como as espécies mudam ao longo do tempo
devia ter menos importância do que esses outros dois mecanismos entrela-
çados: a influência do meio ambiente proporcionando mudanças nas espécies
ao longo do tempo. Talvez por isso é que Futuyma (1992) afirma que “La-
marck é injusta e infelizmente lembrado mais como alguém que estava er-
rado”. De fato a evolução foi, em parte devido a ele, um tópico de discussão
em meados do século XIX (LOVEJOY, 1959) e o livro Vestígios da História
Natural da Criação, publicado anonimamente por Robert Chambers em
1844, por exemplo, foi um trabalho sobre evolução que empregava as ideias
de Lamarck e que foi amplamente lido na época. Entretanto, as evidências
favoráveis à evolução ainda não haviam sido completamente agrupadas e
ordenadas e, uma vez que Lamarck tinha sido desacreditado, nenhum meca-
nismo evolutivo satisfatório era conhecido (FUTUYMA, 1992).

Em meados do século XIX, a maioria dos biólogos e geólogos acei-


tava a visão opositora de George Cuvier (1769-1832) sobre a evolução.
Como fundador da anatomia comparada e um dos biólogos e paleontólo-
gos mais respeitados do século XIX, ele criticou duramente Lamarck que, a
essa altura, já possuía outros interesses além da biologia, como a química e a
meteorologia. Cada espécie, portanto, ainda era vista, até meados do século
XIX, como tendo uma única origem e depois permanecendo constante em
sua forma até sua extinção (VALVA & DINIZ-FILHO, 1998).

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1.3 A Origem das Espécies por Seleção Natural

Segundo Ernst Mayr (1991), aquela que hoje é considerada como a


teoria de Charles Darwin (sobre sua biografia, ver o Quadro Saiba Mais So-
bre Darwin) é constituída por cinco teorias diferentes, cada uma das quais
seria suficiente para torna-lo merecedor da fama que tem. Na ordem crono-
lógica da sua formulação, as teorias são: existência da evolução, o processo
gradual de tal processo, ancestral comum, multiplicação das espécies e se-
leção natural. Outros, como Lamarck e Chambers, tinham se posicionado
a favor da existência da evolução, mas Darwin foi o primeiro a prová-la de
uma maneira científica apoiando-se num grande número de evidências. Ele
também foi o primeiro a afirmar que todos os organismos descendem de um
ancestral em comum por um contínuo de ramificação. Ele adotou o gradua-
lismo com base nas suas observações na natureza e percebeu que uma certa
descontinuidade é consequência da extinção de tipos intermediários. Mas o
conceito mais revolucionário da teoria de Darwin é representado pela sele-
ção natural, que forneceu uma explicação materialista para a evolução, der-
rubando assim a teologia natural (VALVA & DINIZ-FILHO, 1998).

Saiba Mais

Figura 2. Retrato do jovem Darwin pintado por George Richmond em 1830 (es-
querda) e uma fotografia nos seus últimos anos de vida (direita). Fotografia de J.
Cameron. Imagens de domínio público.

Há um dito que diz que a sorte favorece mentes preparadas. Sem dúvida alguma
deve ser contado que o naturalista inglês Charles Darwin era uma pessoa
muito inteligente, mas quando ele divulgou a teoria da evolução ele já havia
estudado aquela questão há mais de duas décadas. Quando se conta a história
apenas salientando sua brilhante teoria sobre a origem das espécies, quais

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são as conclusões que se tira? Que ele era um gênio, ou se nasce desse jeito
ou não. Mas isso não é verdade. Darwin foi um homem de um tempo com
um espírito investigativo – brilhante, aliás! - que foi favorecido pela estrutura
intelectual que o cercou da infância à vida adulta.

Charles Robert Darwin (1809-1882) foi o quinto dos seis filhos do médico
Robert Darwin e sua esposa Susannah Darwin. Seu avô materno, o famoso
ceramista Josiah Wedgwood, era de uma proeminente e abastada família e
parte da elite intelectual da época. Seu avô paterno foi Erasmus Darwin que,
apesar de exercer a medicina e ter como hobby escrever poesia, também
possuía um espírito inventivo e investigativo. Para nosso interesse aqui des-
tacamos que uma obra de seu avó, DarwinZoonomia, de 1792, já abordava
aspectos acerca da evolução - a transmutação das espécies, como dito na
época - tendo antecipado os mecanismos de seleção, sendo grandemente
admirada mais tarde por seus netos, Charles Darwin e Francis Galton.

A mãe de Charles Darwin morreu quando ele tinha apenas oito anos. No ano
seguinte, em 1818, Darwin foi enviado para uma escola em Shrewsbury, no
interior da Inglaterra, onde se interessou em colecionar minerais e insetos.
Em 1825, depois de passar o verão como médico aprendiz ajudando seu pai
no tratamento dos pobres da cidade, Darwin foi estudar medicina na Univer-
sidade de Edimburgo. Contudo, sua aversão à brutalidade da cirurgia da época
(a anestesia não estava tão desenvolvida como hoje) levou-o a negligenciar os
seus estudos médicos. Entretanto, durante esse período na universidade, ele
aprendeu algo sobre a história natural dos organismos e se iniciou na taxider-
mia - a técnica de preservar animais como vemos nos museus.

Em 1827, seu pai, decepcionado com a falta de interesse de Darwin pela me-
dicina, matriculou-o em um curso de bacharelado em Artes na Universidade
de Cambridge para que ele se tornasse um membro da classe eclesiástica (i.e.,
arcebispos, padres, páracos, vigários). Em Cambridge, Darwin passava muito
do seu tempo coletando besouros com o seu primo William Darwin Fox, que
o apresentou ao reverendo John Stevens Henslow, professor de botânica e
especialista em besouros que, mais tarde, viria a se tornar o seu tutor. Da-
rwin ingressou, então, no curso de história natural de Henslow. Seguindo os
conselhos do reverendo, ele entrou em um curso de Geologia e viajou como
assistente no mapeamento estratigráfico no País de Gales. Só depois disso
Darwin foi recomendado a ser acompanhante de Robert FitzRoy, capitão do
barco inglês H.M.S. Beagle, que deveria mapear a costa da América do Sul. Isto
lhe deu a oportunidade de desenvolver sua carreira como naturalista.

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A viagem do Beagle, que estava programada para durar apenas dois anos, se
estendeu por quatro anos e nove meses, dois terços dos quais Darwin esteve
em terra firme. Ele estudou uma rica variedade de características geológicas,
fósseis, organismos vivos e conheceu muitas pessoas, entre nativos e colonos
nos países que visitou. Após passar por Cabo Verde, a embarcação que veio
para Fernando de Noronha aportou em Salvador e depois no Rio de Janeiro.
Sim, Darwin esteve no Brasil durante sua viagem!

Durante a viagem, Darwin leu o livro “Princípios da Geologia”, de Charles


Lyell, que descrevia características geológicas como o resultado de processos
graduais ocorrendo ao longo de grandes períodos de tempo. Ele, então, pas-
sou a ver as formações naturais na Patagônia como se através dos olhos de
Lyell: degraus planos de pedras com o aspecto característico de erosão por
água e conchas; no Chile, ele observou pilhas de mexilhões encalhadas acima
da maré alta, o que mostrava que toda a área havia sido elevada; e mesmo
no alto dos Andes ele foi capaz de coletar conchas. Darwin também foi pro-
fundamente influenciado ao ler Essay on Population (Ensaio sobre Populações),
do economista Thomas Malthus. Essa obra foi essencial para desenvolver seu
raciocínio sobre o crescimento exponencial das espécies e suas lutas pela
sobrevivência em meio às competições, predações e doenças que regulavam
sua taxa de sobrevivência.

Ao retornar de sua viagem com o Beagle, ele se dedicou a trabalhar com sua
coleção de pássaros das ilhas Galápagos, no Equador; ele se deu conta de que
devia ter registrado de qual ilha vinha cada espécime, pois variavam de ilha
para ilha. Ele havia inicialmente suposto que os tentilhões das Galápagos per-
tenciam todos a uma única espécie; depois, com a ajuda de um especialista em
aves (i.e., ornitólogo), ficou claro que cada ilha possuía a sua própria e distinta
espécie. A partir daí, imaginou que todos os tentilhões tinham evoluído de um
ancestral comum. É provável que essas observações de variação geográfica
tenham levado Darwin a aceitar, inicialmente, que as espécies podiam mudar.

Os cadernos de notas de Darwin ainda existem e eles revelam como ele


considerou várias ideias, inclusive o lamarckismo, mas rejeitou-as porque todas
elas falhavam em explicar um fato crucial – a adaptação. A sua teoria teria que
explicar não somente porque as espécies mudam, mas também porque elas são
bem-adaptadas à vida em dada região geográfica. Conforme o ambiente muda ao
longo do tempo (por exemplo, de úmido para árido), diferentes formas de uma
espécies estarão mais bem-adaptadas a ele. As formas mais bem-adaptadas, assim,

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terão sua frequência aumentada, enquanto as formas mal-adaptadas terão sua fre-
quência diminuída. À medida que o processo continua, ela acaba (nas palavras de
Darwin) “por resultar na formação de uma nova espécie”. Esse raciocínio foi esbo-
çado por Darwin na única figura do livro A Origem das Espécies (Figura 3).

Figura 3. A única figura de A Origem das Espécies (1859) que mostra a visão de Darwin para
os processos micro e macroevolutivos. O eixo y (vertical) representa o tempo e o eixo x (hori-
zontal), variáveis ecológicas. As letras A e L são espécies de gêneros hipotéticas, sendo que cada
número romano – I a XIV – nas linhas orientais representa intervalos de tempo (milhares de
gerações). Note que as espécies A e I se diversificam ao longo do tempo, enquanto as outras
(B, C, D, E G, H, K e L) tornam-se extintas. A espécie F não se diversifica, mas tem descendentes
que sobrevivem, e representa o que Darwin descreveu de ‘fósseis vivos’. A cada intercessão
entre as linhagens que se diversificam e as divisões no tempo, a linhagem é representada por
linhas tracejadas, que são variedades que diferem umas das outras em características e uso
de habitat.

Por cerca de vinte anos, Darwin seguiu adequando experimentos e


fatos a seu esquema teórico, quando recebeu uma carta de um naturalista
britânico, Alfred Russel Wallace (1823-1913). Independentemente, Walla-
ce havia chegado a uma ideia bastante similar à da seleção natural; após uma
jornada de pesquisas na Indonésia e arquipélagos malaios, ele coletou es-
pécimes para venda e estudo. Suas observações das marcantes diferenças
zoológicas entre as regiões visitadas levaram-no a propor a fronteira biogeo-
gráfica atualmente conhecida como a Linha de Wallace, que foi um conceito
precursor no desenvolvimento da disciplina de Biogeografia atual. Darwin e
Wallace apresentaram uma comunicação conjunta num artigo para a Socie-
dade Lineana de Londres, em 1858. Um ano depois, após organizar todas as
suas evidências e arcabouço teórico, Darwin publica A Origem das Espécies
por Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida.
Portanto, a propriedade real da ideia de evolução por seleção natural per-

Evolução Biológica  105


tence à Darwin, que sobre ela trabalhou previamente durantes muitos anos,
e as opiniões ulteriores de Wallace foram antes de natureza de um brilhante
esboço, do que uma teoria totalmente desenvolvida (HUXLEY, 1940).

Apesar da vitalidade e elegância das ideias de Darwin, sua argumenta-


ção tinha uma falha capital, que era não saber explicar os mecanismos de he-
rança que dirigiam a seleção natural – e, por conseguinte, a própria evolução.
Dessa forma, o Darwinismo original já havia perdido muito de sua força no
final do século XIX, uma vez que não soube explicar os processos envolvidos
na principal força motriz que governava a complexidade adaptativa encontra-
da nos sistemas orgânicos. Isso só seria esclarecido algumas décadas depois.

1.4 A Fusão de Outras Disciplinas com a Evolução: o


Pensamento Vivo e Darwin

Concomitantemente às épocas de discussões acirradas em Londres


sobre evolução, o trabalho sobre as leis de herança de Gregor Mendel (1822-
1884) não teve nenhum impacto em seu tempo. O monge austríaco, conside-
rado o patrono da Genética, leu seu artigo “Experimentos na Hibridização de
Plantas” em dois encontros da Sociedade de História Natural de Brünn (Ale-
manha) em 1865 - apenas sete anos depois da publicação de A Origem das Es-
pécies; e quando o texto foi publicado, em 1866, o impacto foi quase nulo. Só
depois de 34 anos, em 1900, é que três botânicos - Hugo de Vries (Holanda),
Karl Correns (Alemanha), e Erich von Tschermak (Áustria) - redescobriram
Mendel e reportaram experimentos que colocavam o seu trabalho à prova.
Em 1908, o biólogo W. Weinberg e o matemático G. H. Hardy, trabalhando
de forma independente, generalizaram o Mendelismo para o nível das popu-
lações, e o corpo matemático da seleção natural foi então estruturado por Ro-
nald A. Fisher (1890-1962) e John B. S. Haldane (1892-1964) na Inglaterra,
e Sewall Wright (1889-1988) nos Estados Unidos. Embora o conteúdo e o
poder dessas teorias não fossem completamente evidentes para a maioria dos
biólogos na época, suas principais conclusões tiveram impacto.

Em um dos mais influentes livros desse período de amadurecimento e


fusão, o geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1975) articu-
lou a natureza da variação geográfica e da especiação, incorporando princípios
genéticos em Genética e a Origem das Espécies (1942). George Gaylord Simp-
son (1902-1984), em Tempo e Modo em Evolução (1944), baseou-se igual-

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mente em Dobzhansky e Wright para mostrar que os dados paleontólogos
eram completamente consistentes com a teoria neo-darwinista. Finalmente,
na obra Evolução: a Síntese Moderna (1942), Julian Huxley (1887-1975) re-
sume a síntese mais abrangente da genética e da sistemática feita até aquele
tempo, estabelecendo em definitivo o neo-darwinismo na Inglaterra.

Desde a Síntese Moderna, o estudo dos mecanismos evolutivos expan-


diu-se para incorporar novas informações, novas questões e novas contro-
vérsias. A elucidação da base molecular da hereditariedade, a partir de 1953,
quando Watson e Crick propuseram a estrutura do DNA, forneceu uma com-
preensão mais profunda da natureza da mutação e da variação genética. Da-
dos moleculares, assim como a expansão de teorias matemáticas e métodos
estatísticos, aprimoraram os próprios conceitos de seleção natural e deriva
genética – que foram desenvolvidos de modo a incluir não somente a sobrevi-
vência e reprodução diferenciais dos organismos individuais, mas também ge-
nes, grupos de parentes, populações e espécies. O zoólogo Richard Dawkins,
por exemplo, em seu famoso livro O Gene Egoísta (1976), fornece uma visão
que ainda funciona como principal referência para a discussão sobre os ní-
veis de seleção e o genecentrismo do processo evolutivo. Stephen Jay Gould
(1942-2002) e Niles Eldredge, também na década de 1970, impulsionam a
paleontologia com a teoria do Equilíbrio Pontuado, onde descrevem e expli-
cam padrões de estabilidade e saltos evolutivos dos registros fósseis.

Setenta anos depois da publicação de Evolução: a Síntese Moderna,


avanços experimentais espetaculares têm sido acompanhados de significante
desenvolvimento teórico na Biologia Evolutiva. Novos conhecimentos emer-
giram desde a publicação de Julian Huxley, e áreas inteiras do conhecimento
vêm incorporando a biologia evolutiva em seus contextos. Evidências da bio-
logia molecular, da biologia do desenvolvimento, da geografia e genética dos
processos de especiação, do papel da história sobre a ecologia, comportamento
e classificação dos organismos acrescentam ainda mais robustez às evidências
do processo evolutivo na natureza. Por fim, cabe ressaltar que em 2010 um
proeminente grupo de biólogos evolutivos e filósofos da ciência publicaram
um livro que é uma expansão conceitual que incorpora as descobertas e desen-
volvimentos da biologia e de áreas correlatas desde a última metade do século
XX. Evolution – The Extended Synthesis (Evolução – A Síntese Estendida) acei-
ta muitos dos princípios clássicos das décadas de 1930 e 1940, mas estende
discussões tanto em termos filosóficos quanto observacionais, incorporando
temas como epigenética, plasticidade fenotípica, integração e estruturação do
genoma, auto-organização, conservação de nicho, simbiogênese, entre outros.

Evolução Biológica  107


No nosso século XXI, portanto, uma nova e mais abrangente pers-
pectiva para o estudo da evolução e da organização biológica pode ser capaz
de oferecer uma visão cada vez mais completa da diversificação da vida. À
luz da evolução, seguimos dissipando sombras e nevoeiros conceituais, me-
todológicos e filosóficos para continuarmos a descrever, da forma mais pre-
cisa possível, padrões e processos históricos que deram origem à diversidade
biológica existente no nosso planeta. Estamos continuamente aprimorando
o que o naturalista inglês propôs em tom quase profético e ainda atual. No
fim das contas, seguimos tão instigados quanto Darwin para entender me-
lhor o que ele mesmo designou, há mais de 150 anos atrás, como a Grande
Árvore da Vida - que preenche com seus ramos mortos e quebrados as crostas da
Terra, e cobre a superfície com suas ramificações novas sempre tão belas.

1.5 Seleção Natural e Variabilidade

Evolução significa mudança, mudança na forma e no comportamento


dos organismos ao longo das gerações. A forma dos organismos, em todos
os níveis, desde sequências de DNA até o comportamento social, podem ser
modificadas a partir dos seus ancestrais durante a evolução (RIDLEY, 2006).
Como os seres vivos modificam-se ao longo das gerações, e parte dessas mo-
dificações é herdável, o meio ambiente atua como um filtro – ele seleciona so-
mente os mais adaptados às suas condições atuais. Portanto, abandonemos
o pensamento de que evolução tende a um progresso; tenhamos sempre em
mente que a seleção natural opera na variabilidade que já está disponível no
ambiente. É baseado nesse princípio que muitos grupos de animais e plantas
se extinguiram e outros prosperaram durante os últimos milhões de anos.

Darwin terminou a introdução da primeira edição de A Origem das Espé-


cies com uma afirmativa que ainda representa a visão de consenso dos biólogos
evolutivos: “A seleção natural foi o principal meio de modificação, não o único” (DA-
RWIN, 1859, p. 490). A visão darwiniana da vida, como uma competição entre
os indivíduos mais capacitados variáveis para sobreviver e reproduzir, compro-
vou estar correta, em quase todos os relatos (FREEMAN & HERRON, 2009).

A evolução por seleção natural é, assim, um dos dois pilares es-


senciais da obra de Darwin; apesar dela agir sobre os indivíduos, as con-
sequências são vistas nas populações. Isso equivale a dizer que, embora a
seleção ocorra sobre os fenótipos dos organismos, a evolução consiste em
mudanças na frequência de genótipos presentes em uma população. É impor-

108  Licenciatura em Biologia


tante relembrar, a essa altura, que, tal como a população humana, qualquer
outra população de seres vivos é composta de membros com características
diferentes (ver Figura 4). Em um pequeno grupo de pessoas brasileiras, por
exemplo, vemos alguns mais altos que outros, tonalidades de pele, formatos
de olhos, composições óssea e muscular distintas, meninos que desenvolvem
mais ou menos pelos, etc. A variabilidade genética, portanto, está presente –
naturalmente – em qualquer grupo de organismos; ainda mais em um país
tão diverso de etnias em relação à sua colonização (Para mais detalhes, ver
Quadro: A Diversidade do Povo Brasileiro). Isso pode ser extrapolado para
todas as populações de seres vivos do planeta. Nós, seres humanos, e qualquer
outra população de qualquer outra espécie, possuímos polimorfismos – uma
variação de características dentro de uma mesma espécie.

Figura 4. Germoplasma de feijão: amostra da variabilidade genética para tipo de grão dispo-
nível para o programa de melhoramento do feijoeiro

A Diversidade do Povo Brasileiro

É o camaleão diante do arco-íris / Lambuzando de cores os olhos da multidão


É como um caldeirão misturando ritos e raças / É a missa da miscigenação
(...)
Um mameluco maluco / Um mulato muito louco
Moreno com cafuzo / Sarará com caboclo
(...)
Galego com crioulo / Nissei com pixaim
Curiboca com louro / Caburé com curumim

O trecho da música Etnia Caduca, do cantor e compositor brasileiro Lenine,


expressa muito bem a diversidade genética e cultural do povo brasileiro; ela
sublinha o resultado das misturas étnicas que compõem nossa nação. O can-
tor, portanto, foi feliz em usar as analogias para expressar, de forma poética,

Evolução Biológica  109


as variabilidades fenotípicas (e, portanto, genotípicas) vistas ao longo do ter-
ritório nacional brasileiro. Nossa variabilidade genética é muito mais diversa
do que, por exemplo, povos europeus que mantiveram seus fluxos gênicos
mais restritos. Nosso povo, por outro lado, teve influência de genes vindos
de imigrantes e colonizadores das mais diversas partes do mundo. Além da
cultura, arquitetura e alimentação típica que absorvemos de povos vindos
da África, Japão, Europa e outras regiões do mundo, também detemos parte
da variabilidade genética de seus ancestrais em nossos cromossomos - que
se reflete nos variados tons de pele, cor de olhos, tipos de cabelo e outras
características notadamente diversas que compõem a população brasileira.

Purves et al. (2006) ressaltam que os fatos utilizados por Darwin no


desenvolvimento de sua teoria da evolução por seleção natural eram conhe-
cidos da maioria dos biólogos de sua época; o que diferenciou o naturalista
dos demais foi sua percepção de que populações de todas as espécies pos-
suem capacidade de aumentar o número de indivíduos de forma exponen-
cial. Para ilustrar essa situação, ele usou o seguinte exemplo:

“Suponhamos que existam oito casais de pássaros e apenas quatro desses


reproduzem anualmente, produzindo apenas quatro filhotes cada, e que esses,
por sua vez, irão procriar seguindo essa mesma taxa. Assim, ao final de sete anos
(um período de vida bastante curto se desconsiderarmos a possibilidade de morte
violenta de qualquer um dos pássaros), dos 16 indivíduos originais teremos uma
população constituída por 2.048 pássaros.”

Essa concepção populacional do naturalista foi fruto da leitura dos


Ensaios sobre os Princípios da População. Nessa obra, o economista Thomas
R. Malthus observou que o crescimento populacional, entre 1650 e 1850,
dobrou decorrente do aumento da produção de alimentos, das melhorias
das condições de vida nas cidades, do aperfeiçoamento do combate às do-
enças, das melhorias no saneamento básico e os benefícios obtidos com a
Revolução Industrial. Isso tudo havia feito com que a taxa de mortalidade
declinasse, ampliando, assim, o crescimento natural da população humana.

Uma taxa de aumento populacional tão alta, no entanto, raramente


é observada na natureza. Assim, Darwin, pôde perceber que a taxa de mor-
talidade nessas mesmas populações deveria ser alta. Sem a ocorrência de
altas taxas de mortalidade, mesmo populações de espécies com baixíssimos
índices de reprodução rapidamente chegariam a tamanhos enormes.

110  Licenciatura em Biologia


Também observou que, apesar dos filhotes assemelharem-se a seus
pais, a prole da maioria dos organismos não é idêntica a nenhum dos genito-
res. Sugeriu que pequenas diferenças existentes entre os indivíduos poderiam
afetar significativamente a sobrevivência de um dado indivíduo e o número
de filhotes que ele produziria. Chamando esse sucesso reprodutivo diferencial
dos indivíduos de seleção natural – que é o resultado tanto da sobrevivência
quanto da capacidade reprodutiva diferencial dos indivíduos. Ridley (2006)
aprofunda essa discussão acerca das variações ressaltando que elas são am-
plamente difundidas em populações naturais – tanto em níveis morfológico,
celular, bioquímico ou de DNA -, e que as variações existentes em uma popu-
lação são os recursos sobre os quais a seleção natural opera. A seleção natural,
portanto, age sempre sobre esse polimorfismo preexistente.

1.5.1 A Seleção Natural pode Produzir


Resultados Variáveis

Para continuarmos a falar da seleção natural, é preciso, a essa altura,


salientar e reforçar alguns pontos-chave acerca de seus efeitos. Freeman &
Herron (2009) listam alguns muito relevantes para o nosso estudo:

(i) A seleção natural age sobre os indivíduos, mas suas consequên-


cias ocorrem nas populações;

(ii) A seleção natural age sobre os fenótipos, mas a evolução consiste


em modificações nas frequências dos alelos;

(iii) A seleção natural não prevê o futuro. Uma vez que cada geração des-
cende dos sobreviventes à seleção exercida pelas condições ambientais
que predominavam na geração anterior, há uma concepção errada bem
comum de que os organismos podem ser adaptados a condições futu-
ras, ou que a seleção pode adiantar-se no sentido de prever mudanças
ambientais que poderão ocorrer durante as gerações futuras. A seleção
natural adapta as populações a condições que predominavam no passa-
do, não a condições que possam ocorrer no futuro. A evolução está, por-
tanto, sempre uma geração atrás de qualquer mudança ambiental;

(iv) Novas características podem evoluir, embora a seleção natural


atue sobre características preexistentes;

Evolução Biológica  111


(v)A seleção natural não leva à perfeição; ela não otimiza simultane-
amente todas as características. Ela leva à adaptação, não à perfeição;

(vi) A seleção natural atua sobre os indivíduos, não pelo bem da espé-
cie. Descobriu-se que todo comportamento altruísta que tenha sido
estudado em detalhe aumenta a aptidão do altruísta, seja porque os
beneficiários desse comportamento são parentes geneticamente próxi-
mos, seja porque os beneficiários o retribuem, ou por ambas as razões.

Os indivíduos, portanto, são diferentes no que diz respeito às carac-


terísticas hereditárias que determinam o sucesso de seus esforços reprodu-
tivos (ver Figura 6). Nem todos os indivíduos sobrevivem e se reproduzem
de forma igual em um ambiente específico e, por conseguinte, alguns indiví-
duos contribuem com uma prole mais numerosa do que outros para a com-
posição da próxima geração (PURVES et al., 2006). Dependendo de quais
características são favorecidas na população, a seleção natural pode resultar
em qualquer um de uma série de resultados substancialmente diferente.

Condições ára qie a seleção natural opere

Reprodução Hereditariedade Variação Variação


entre caracteres de aptidão

As entidades A progênie lembra os Se a seleção for sobre Essa condição significa


devem se reproduzir para seus progenitores o tamanho corporal, que um indivíduo
formarem uma (semelhante produz então diferentes da população com
nova geração. semelhante) indivíduos na população alguns caracteres
deve ter diferentes deve ter uma maior
tamanhos corporais. probabilidade de
reproduzir-se ( i.e.m
ter uma aptidão) do
que outros.

Figura 5. Esquema dos mecanismos e a lógica dos processos subjacentes à seleção natural

Muitos caracteres, entretanto, não existem como tipos distintos na


maioria das espécies. Ao invés disso, apresentam uma variação contínua. O
tamanho corporal humano, por exemplo, não vem na forma de dois tipos
distintos, “grande” e/ou “pequeno”. Uma amostra de seres humanos apre-
sentará uma gama de tamanhos, distribuídos em uma “curva em forma de
sino” (comumente chamada de distribuição normal). Em biologia evoluti-
va, é muitas vezes útil pensar-se na evolução de caracteres contínuos, como
tamanho corporal, em termos um pouco diferentes daqueles utilizados na

112  Licenciatura em Biologia


consideração da evolução de caracteres discretos (i.e., resistência e a susceti-
bilidade a drogas, presença ou ausência de alguma característica, etc).

Até agora estivemos considerando características influenciadas por


alelos de um único locus (ver Glossário). Entretanto, a maioria das caracte-
rísticas é influenciada por mais de um locus. O tamanho de um organismo,
por exemplo, parece ser controlado por vários loci diferentes. Se vários loci
influenciam o tamanho e não existe seleção, então, a distribuição de diferen-
tes tamanhos em uma população pode se aproximar da curva em forma de
sino (ou curva de distribuição normal).

Glossário

Locus: latim de lugar (plural loci), que em genética designa a localização espe-
cífica de um gene no respectivo cromossomo.

Alelos: formas alternativas de um gene. Para polimorfismos de sequência, os


alelos referem-se ao nucleotídeo específico (A, T, G, C) encontrado em uma
determinada posição no cromossomo.

Pool genético ou pool de genes: conjunto completo de alelos que podem ser
encontrados em uma determinada população. A fração de genes que perten-
ce a um dado alelo é denominado frequência alélica.

Com isso, podemos então apresentar as três formas de atuação da se-


leção natural (Figura 6). Ela pode, no primeiro caso (Figura 6a), preservar as
características da população favorecendo os indivíduos que apresentam fenó-
tipos intermediários. A seleção pode também modificar as características da
população favorecendo indivíduos cujas características encontram-se em ape-
nas um dos extremos da distribuição (Figura 6b). Por último, a seleção pode
modificar as características da população favorecendo indivíduos cujas carac-
terísticas encontram-se em ambos os extremos da distribuição (Figura 6c).

1.6 Adaptação E Diversidade Genética

“Como podem ser questionados os esforços que cada indivíduo deve des-
pender para alcançar sua subsistência, em que qualquer modificação ínfima de
estrutura, hábito ou instinto, deixa-o mais adaptado às novas condições, dando-

Evolução Biológica  113


-lhe mais vigor e saúde? Na adversidade ele terá uma melhor chance de sobre-
vivência e assim ocorrerá com os descendentes que herdarem essa modificação;
mesmo sendo o menor detalhe, ele lhe dará uma maior chance.”
População original
População evoluída
de indivíduos
Frequência

A Seleção estabilizadora

Fenótipo
(cor da pelagem e tamanho do bico)

B Seleção direcional

C Seleção disruptiva (ou diversificadora)

Figura 6. Tipos de seleção natural atuando, nesse caso, sob a cor da pelagem em coelhos e tamanho de bico em
aves. As setas em branco representam as pressões seletivas em cada uma das situações. Na figura apresentamos
esses dois padrões clássicos pelo seu fácil entendimento, mas a partir deles podemos extrapolar a ideia para
quaisquer outros exemplos na natureza.

Nesta declaração de Darwin, escrita há mais de cem anos, perma-


nece uma excelente expressão da ideia de evolução por seleção natural em
ação. O termo adaptação possui dois significados em biologia evolutiva.
O primeiro refere-se a características que aumentam a sobrevivência e o su-
cesso reprodutivo dos indivíduos que as possuem. Por exemplo, acredita-se
que as asas são adaptações para o voo, a teia de uma aranha é uma adaptação
para a captura de insetos voadores, e assim por diante. O segundo significa-
do refere-se ao processo pelo qual essas características são adquiridas – ou
seja, os mecanismos evolutivos que as produzem (PURVES et al., 2006).

Para que uma dada população possa evoluir é necessário que seus
membros apresentem diversidade, que será a matéria-prima sobre a qual atua-
rão os agentes evolutivos. A composição genética dos organismos ou popula-

114  Licenciatura em Biologia


ções não é diretamente observada por nós no dia a dia. O que vemos na natu-
reza é aquilo que chamamos de fenótipo, ou seja, a expressão física dos genes
dos organismos. Uma característica herdável é, ao menos em parte, influencia-
da pela constituição genética que governa essa característica – o seu genótipo.

O que Significa Ser mais Bem Adaptado?

Os biólogos consideram um organismo bem adaptado a um determinado am-


biente quando ele sobrevive com mais eficiência do que outros indivíduos de
sua espécie. Para medir isso, os biólogos costumam comparar a performance
(do inglês, fitness) e indivíduos da mesma espécie ou de espécies distintas que
diferem entre si em determinadas características. Por exemplo, para investi-
gar a natureza adaptativa de teias de aranha, podemos tentar determinar a
eficiência de captura de insetos comparando teias feitas por indivíduos de
uma mesma espécie, mas que possuam pequenas diferenças em suas con-
formações. Podemos também medir modificações existentes nas teias dessa
espécie em diferentes situações. A partir desses dados, será possível compre-
ender como alterações na estrutura da teia podem influenciar a sobrevivên-
cia e o sucesso reprodutivo dos indivíduos que a teceram.

Nesse sentido, ao contrário de muitas concepções errôneas, a nossa espécie


não está no topo da evolução. Não existe ser vivo mais evoluído que outro; exis-
tem seres vivos mais adaptados a seus ambientes! Para o meio vulcânico no qual
muitas espécies de bactérias vivem há milhões de anos, nós – seres huma-
nos – não somos nada adaptados; muito menos a suportar topos de colinas
geladas sem algum tipo de proteção ao frio – como um tigre siberiano, por
exemplo, o faz sem maiores problemas. Cada ser vivo do planeta é a ponta de
um galho de uma árvore frondosa com milhares e milhares de galhos. Quanto
maior o parentesco entre as espécies, mais próximas elas estão de um an-
cestral comum e, por conseguinte, compartilham entre si características mais
parecidas. A diversidade e as características adaptativas dos organismos são
consequências, portanto, da história evolutiva e só podem ser plenamente
compreendidas sob essa perspectiva.

Uma população evolui quando indivíduos com diferentes genótipos


sobrevivem ou se reproduzem em taxas distintas. É importante lembrar que
diferentes formas de um gene, denominadas alelos, podem existir em um
determinado locus. Um dado indivíduo possui apenas alguns dos possíveis
alelos encontrados na população à qual ele pertence. A soma de todos os

Evolução Biológica  115


alelos encontrados na população constitui o pool genético. O pool genético
contém a variabilidade que produz os diferentes fenótipos sobre os quais a
evolução atua (ver Figura 4).

Quando discutimos evolução, falamos sobre sobrevivência e suces-


so reprodutivo, pois esses são os fatores que determinam quantos indiví-
duos diferentes contribuem geneticamente para as gerações subsequentes.
Assim, para passarem seus genes à geração seguinte, os indivíduos devem
sobreviver tempo suficiente para atingir a idade reprodutiva e procriar. A
contribuição relativa dos indivíduos se reflete na adaptabilidade de um ge-
nótipo que, por sua vez, é determinada pela taxa média de sobrevivência e
reprodução dos indivíduos da população que os possui (Detalhes matemá-
ticos sobre o processo estão apresentados no Quadro: Como medir a diver-
sidade genética).

Como medir a diversidade genética?

Para medir minuciosamente o pool genético de uma população é necessário


contar cada alelo de cada locus de todos os organismos dessa população.
Com a medida de todos os indivíduos será possível determinar as propor-
ções relativas, ou frequências, de todos os alelos na população. Os biólogos
podem estimar, de forma considerável, as frequências alélicas de um dado
locus por meio da medida do número de alelos em uma amostra de indiví-
duos da população. As medidas de frequências alélicas de um determinado
locus e as frequências genotípicas em uma população mendeliana descrevem
a estrutura genética dessa população. A frequência de um alelo (p) é calculada
usando-se a seguinte fórmula:

Se apenas dois alelos (por exemplo, A e a) de um determinado locus estão


presentes entre os indivíduos de uma população diplóide (2N), eles poderão
combinar-se formando três diferentes genótipos: AA, Aa e aa. Usando-se a
fórmula apresentada, será possível calcular as frequências relativas dos alelos
A e a em uma população composta de N indivíduos da seguinte forma:

(i) Considere NAA como o número de indivíduos que são homozigotos para
o alelo A (AA);

116  Licenciatura em Biologia


(ii) Considere NAa como o número de indivíduos heterozigotos (Aa);

(iii) Considere Naa como o numero de indivíduos homozigotos para o alelo a (aa).

Observe que NAA + NAa + Naa = N, ou seja, o número total de indivíduos da


população, e que o número total de alelos presentes na população é igual a
2N, pois cada indivíduo é diplóide – um braço de cada cromossomo é her-
dado da mãe, e o outro, do pai. Cada indivíduo AA possui dois alelos A e cada
indivíduo Aa possui um alelo A. Sendo assim, o número total de alelos A nessa
população é 2NAA + NAA e, do mesmo modo, o número total de alelos a nessa
população é 2Naa + NAa. Se p representa a frequência de A e q representa a
frequência de a, então:

2NAA + NAa 2Naa + NAa


p= e q=
2N 2N

Equilíbrio de Hardy-Weinberg e mudanças na estrutura genética


das populações

O equilíbrio de Hardy-Weinberg (ou princípio de Hardy-Weinberg, ou lei de


Hardy-Weinberg), que é a base da genética de populações, foi demonstrado
independentemente pelo matemático inglês Godfrey Harold Hardy e pelo
físico alemão Wilhelm Weinberg, em 1908. Esse equilíbrio afirma que, em uma
população mendeliana, dentro de determinadas condições, as frequências alé-
licas permanecerão constantes ao passar das gerações. Se um gene ser raro
ou comum, sua frequência permanecerá a mesma com relação aos outros,
desde que essas condições sejam mantidas. Por pura intuição, poder-se-ia
supor que alelos raros se tornariam cada vez mais raros e que alelos frequen-
tes aumentariam cada vez mais sua frequência, simplesmente por já serem
raros ou comuns, mas o princípio de Hardy-Weinberg demonstra matema-
ticamente que isso não ocorre. Essas condições estabelecidas pelo modelo
de equilíbrio de Hardy-Weinberg possibilitam aos cientistas verificarem, em
uma população natural, se está ocorrendo algum processo evolutivo e em
que sentido está atuando os fatores evolutivos; se há variação da frequência
gênica em uma população, há evolução.

Evolução Biológica  117


1.7 Evidências da Evolução

Em uma escala de tempo maior, as evidências para a transformação


de espécies a partir de ancestrais em comum pode ser vista, principalmente,
na ordenação dos principais grupos nos registros fósseis e no padrão da clas-
sificação biológica dos organismos atuais. A sucessão geológica dos princi-
pais grupos e a maioria das homologias morfológicas e moleculares clássicas
sugere fortemente que os grandes grupos biológicos têm um ancestral em
comum. Um dos aspectos mais interessantes de tal teoria é que cada um de
seus postulados - e suas consequências lógicas - podem ser verificados inde-
pendentemente; ou seja, a teoria é testável. Não há preposições ocultas, nem
algo que tenha de ser aceito com transigência (RIDLEY, 2006).

Futuyma (1997), ao defender a Evolução como uma teoria factual,


nos faz relembrar que muitas vezes, na linguagem do dia a dia, ‘teoria’ soa
como uma mera especulação. A teoria da Evolução é, pois, um conjunto de
afirmações interligadas sobre seleção natural e outros processos que, con-
forme se pensa, causam a evolução. O autor salienta que ao afirmarmos que
os organismos descenderam, com modificações, a partir de ancestrais co-
muns não é apenas uma teoria, é um fato – tanto quanto as revoluções da
Terra ao redor do Sol. Nenhum biólogo, hoje, pensaria em propor alguma
publicação intitulada “Novas Evidências para a Evolução” – há um século
que, simplesmente, isto não é questionável.

Em pequena escala, a evolução pode ser observada em ação. Pessoas


com AIDS (do inglês, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) são porta-
doras de um vírus (HIV – do inglês vírus da imunodecifiência humana) que
interfere no funcionamento de seus sistemas imunológicos, deixando-as
muito mais suscetíveis a variados tipos de infecção. A evolução da resistên-
cia a substâncias tem sido acompanhada em nível molecular (i.e. processos
reprodutivos e metabólicos de DNA e RNA) por técnicas hoje rotineiras em
laboratórios nas diversas áreas da biologia médica. Com o desenvolvimento
e barateamento de técnicas para análises de evolução a nível molecular, hoje
é sabido que nas populações humanas alguns indivíduos são mais ou menos
resistentes à infecção pelo HIV (FREEMAN & HERRON, 2009).

O uso de DDT no combate ao mosquito transmissor da malária é


outro exemplo de que a evolução ocorre em escalas de tempo relativamente
pequenas (Figura 7 ). Ao usarmos um inseticida numa plantação, por exem-
plo, estamos fazendo uma pressão seletiva, uma vez que alteramos o meio

118  Licenciatura em Biologia


ambiente desses organismos. Dentre as variedades genéticas que existem
em uma dada população pulverizada, algumas serão mais resistentes do que
outras em relação a esse ambiente modificado. Portanto, para os variados
tipos de seres vivos do planeta, o meio ambiente para cada um deles é relati-
vo. Assim, a evolução realmente abarca todos os aspectos biológicos; não só
aqueles relacionados à origem e diversificação de espécies, mas também a
toda gama de fenômenos que nos rodeiam.

Mosquito do gênero
Anopheles, principal
DDT
agente transmissor (Dicloro-Difenil-Tricloroetano)
da malária.
Cl Cl

Cl Cl
Indivíduos normais Cl Força seletiva em
(suscetíveis ao DDT). favor de resistentes.

Indivíduos resistentes
ao DDT.

Figura 7. Seleção natural atuando em escala de tempo pequena. O uso do DDT foi larga-
mente usado após a Segunda Guerra Mundial para o combate aos mosquitos vetores da
malária. A aplicação do pesticida com o intuito de matar os mosquitos Anopheles causa
uma pressão seletiva em seus indivíduos, deixando somente os mais resistentes, que ten-
dem a aumentar sua frequência se não forem eliminados. Esse mesmo raciocínio também
se aplica ao uso de antibióticos para combate às bactérias que causam a inflamação da
garganta. Se pararmos de tomar o remédio antes dela sarar totalmente, as poucas bactérias
que sobreviveram às primeiras doses - por serem mais resistentes - tendem a se proliferar,
dando continuidade à inflamação.

Para refletir: Seleção Natural e Seleção Artificial

A seleção artificial em animais e plantas domésticas - vacas leiteiras, gado


e aves criados para o corte, animais de estimação, frutas maiores ou sem
sementes, árvores mais densas para maior produção de papel, etc. – é um
processo de manipulação humana da variedade genética dessas espécies: nós
selecionamos características nesses seres que nos interessam: sejam vacas
que dão mais leites, cavalos mais velozes para corrida, tomates maiores ou
bananas e caquis sem sementes. Para entender o mecanismo da evolução na
natureza, Darwin também estudou o método que os criadores de plantas e
animais usam para modificar suas colheitas e criações. O organismo preferido
do naturalista era o pombo doméstico, tendo-se tornado ele próprio um

Evolução Biológica  119


criador para aprender as técnicas dos especialistas. (FREEMAN & HERRON,
2009). Para entender o que depois foi cunhado por Darwin mais de tarde
como Seleção Natural, era preciso também compreender como se escolhia
características em plantas e animais domésticos de nosso interesse; ou seja,
como selecionar artificialmente características herdáveis. Darwin deve ter
utilizado o termo “seleção natural” porque estava familiarizado com a sele-
ção artificial praticada por criadores de animais e melhoristas de plantas. A
observação de plantas cultivadas e animais domésticos foi de extrema valia
para seus estudos sobre a natureza das variações. Ele estava ciente, portanto,
da extraordinária diversidade de cores, tamanhos, formas e comportamentos
dos pombos que criou – reconhecendo e estabelecendo paralelos, aproxi-
mando o processo usado na seleção de plantas cultivadas e animais domésti-
cos e a seleção que ocorria na natureza (PURVES, 2005).

1.8 Os Limites da Seleção Natural

1.8.1 O Neutralismo Molecular de Kimura

A teoria neutra da evolução molecular foi primeiramente proposta


em um artigo da prestigiada revista científica Nature, em fevereiro de 1968,
pelo geneticista japonês Motoo Kimura. Posteriormente, vários outros tra-
balhos vieram confirmando, duvidando ou incorporando atualizações à
ideia do pesquisador. O próprio Kimura, inclusive, faz atualizações e revi-
sões baseadas nos postulados que formulou (e.g. Kimura, 1983, 1991). No
entanto, para a nossa discussão, vamos nos limitar à essência dos conceitos
de neutralidade e à quebra de alguns paradigmas que vieram com eles.

Há muito tempo é sabido que os aminoácidos são formados por trin-


cas de nucleotídeos, ou seja, cada combinação de três bases nitrogenadas
da fita de DNA (A, C, T, G) produz um aminoácido. No entanto, pode ha-
ver mais de uma combinação para o mesmo aminoácido. A Figura 8 nos dá
alguns exemplos dessas possíveis combinações. Assim, mesmo se o DNA
sofrer mutações, ele pode continuar produzindo os mesmos aminoácidos.
Esse tipo de mutação é chamado de mutação sinônima ou neutra – aquela
que não causa mudança no respectivo aminoácido a ser formado.

120  Licenciatura em Biologia


2ª BASE
U C A G
UUU Fenilalanina UCU UAU Tirosina UGU Cisteína U
UUC (Fen) UCC Serina UAC (Tir) UGC (Cis) C
U UUA Leucina UCA (Ser) UAA Codão de finalização UGA Codão de finalização A
UUG (Leu) UCG UAG Codão de finalização UGG Triptofano (Trp) G
C UU C CU CAU Histidina CGU U
C UC Leucina C CC Prolina CAC (His) CGC Arginina C
C C UA (Leu) C CA (Pro) CAA Glutamina CGA (Arg) A

3ª BASE
1ª BASE

C UG C CG CAG (Glu) CGG G


AUU ACU AAU Asparagina AGU Serina U
Isoleucina
AUC (Ile) ACC Treonina AAC (Asn) AGC (Ser) C
A AUA ACA (Tre) AAA Lisina AGA Arginina A
AUG
Metionina(Met)
codão de iniciação ACG AAG (Lis) AGG (Arg) G
GUU GCU GAU Ácido aspártico GGU U
GUC GCC Alanina GAC (Asp) GGC Glicina C
G GUA
Valina (Val)
GCA (Ala) GAA GGA (Gli) A
Ácido glutâmico
GUG GCG GAG (Glu) GGG G

Figura 8. O código genético é degenerado ou redundante por existirem vários códons que codificam o mesmo
aminoácido. Por exemplo, os códons UCU, UCC,UCA e UCG codificam todos os aminoácidos Serina (Ser). No RNA,
que produz proteínas, encontra-se a base U ao invés da base T, presente na fita de DNA.

O geneticista japonês analisou os dados publicados sobre sequên-


cias de aminoácidos em diversas espécies e notou que a maioria da variação
genética em nível molecular não tinha qualquer valor adaptativo – as muta-
ções de DNA e proteínas, tanto dentro como entre diferentes espécies, eram
neutras com relação à seleção. Isto equivale a dizer que boa parte dos dife-
rentes alelos para um mesmo loco possui o mesmo valor adaptativo. Com
o devido rigor matemático e estatístico, Kimura calculou que, na história
evolutiva dos mamíferos, as substituições nucleotídicas têm sido tão rápidas
que, em média, um par de nucleotídeos tem sido substituído na população a
cada dois anos. Tal informação contrastava diretamente com a bem conhe-
cida estimativa de Haldane (1957), que sugeria que um novo alelo pode ser
substituído em uma população a cada 300 gerações.

Saiba Mais:Taxas de Mutação em Humanos

Taxas de mutação da ordem de um por locus para cada mil zigotos/geração


são extremamente altas e dificilmente encontradas na natureza; o normal
consiste de taxas de mutação da ordem de uma em um milhão. Mesmo assim
essas taxas são suficientes para gerar uma diversidade genética considerável,
pois cada um de um grande número de genes pode sofrer os efeitos da muta-
ção, e convém lembrar que as populações geralmente são compostas por um
grande número de indivíduos. Por exemplo, se a probabilidade de mutação é

Evolução Biológica  121


de 10-9 por par de nucleotídeo por geração, então, em cada gameta humano
(considerando que o DNA existente no gameta é composto por 3 x 109 pa-
res de nucleotídeos) existirá, em média, uma nova mutação em cada geração.
Assim, cada óvulo fecundado carregará, em média, duas novas mutações, ou
seja, a população humana atual de aproximadamente 6 bilhões de pessoas
deve abrigar aproximadamente 12 bilhões de mutações que eram inexisten-
tes nas gerações anteriores. Além disso, as mutações podem reintroduzir nas
populações alelos que tenham sido removidos pela ação de outros fatores
evolutivos. Desse modo, mutações podem tanto gerar diversidade como au-
xiliar a manter essa diversidade nas populações (PURVES et al., 2006).

Cópia correta

Cópia mutante

Figura 9.

Kimura, em uma atualização de 1991, salienta que “seletivamente


neutro” quer dizer seletivamente equivalente: formas mutantes podem fa-
zer o trabalho igualmente bem em termos de sobrevivência e reprodução
nos indivíduos que os possui. Portanto, uma grande fração das substituições
evolutivas de nucleotídeos ocorrendo em partes funcionalmente importan-
tes do genoma também seriam seletivamente neutras (Figura 10); mesmo
que a probabilidade de uma nova mutação ocorrer naquelas partes seletiva-
mente neutras for menor quando comparada com partes funcionalmente
menos importantes.

Assim, evolução neutra assevera que a maioria da variabilidade intra-


específica ao nível molecular, como revelado por polimorfismos de proteína
e DNA, é seletivamente neutra, e é mantida nas espécies por um balanço
entre adição mutacional e extinção ao acaso. Em outros termos, polimorfis-
mos de proteína e DNA representam uma fase transitória de evolução mo-
lecular (KIMURA & OHTA, 1971).

122  Licenciatura em Biologia


Mutações sinônimas
10
Mutações não-sinônimas
por 1.000.000.000 anos
Substituição por sítio
8

0
Histona 3 Insulina Mioglobina Albumina Interleucina 1

Teoria selecionista DELETÉRIA


Vantajosa
Teoria neutralista DELETÉRIA NEUTRA

Figura 10. Gráfico e esquema demonstrando que a maioria das mutações não altera a
aptidão dos organismos, enfatizando que grande parte das substituições no DNA é neutra.

Por fim, outro ponto importante que é trazido à tona pela lógica do
neutralismo molecular é que as moléculas (sejam aminoácidos, proteínas
ou DNA) evoluem de forma mais ou menos constante ao longo do tempo.
Essa percepção fez com que pudéssemos estabelecer um relógio molecu-
lar (Figura 11), hoje comumente usado para inferir as datas de divergência
entre os táxons biológicos. O uso do relógio molecular e impacto no neutra-
lismo nas filogenias moleculares será discutido melhor no Capítulo 3.
Fibrinopeptídeos
14
Hemoglobina
12 Citocromo
Número de mudanças de
aminoácidos / 100 sítios

10

0
200 400 600 800 1000 1200 1400
Milhões de anos desde a divergência
Figura 11. Gráfico com tempos de divergência e número de mudanças nucleotídicas. Perceba que
apesar das taxas de evolução serem diferentes, as três moléculas têm taxas de divergências cons-
tantes. Fazendo-se uma analogia com um relógio analógico, o ponteiro que ‘andaria mais rápido’
seria a molécula que tem o maior número de mutações em um tempo menor. Por outro lado, o
‘ponteiro mais lento’ seria a molécula que tem menos mutações ao longo desse mesmo tempo.

Evolução Biológica  123


Saiba Mais

As mutações são modificações no material genético: A origem da


variabilidade genética está na ocorrência de mutações na linhagem germinal.
Essas mutações parecem ser aleatórias no que diz respeito às necessidades
adaptativas dos organismos. A maioria das mutações é neutra (não afeta) ou
deletéria para os organismos nos quais elas ocorrem. No entanto, se o am-
biente sofre modificação, alelos anteriormente considerados como neutros
ou deletérios podem tornar-se vantajosos.

Mutação cria variação;

Mutações desfavoráveis
x são selecionadas contra;
Ocorre reprodução e mutação;

Mutações favoráveis são


x x mais prováveis de sobreviver;
e se reproduzir.

Figura 12. Mutações como mudanças do material genético

A migração a o fluxo gênico


Considerando que poucas populações encontram-se completamente isola-
das de outras da mesma espécie, pode-se dizer que a existência de um certo
nível de migração entre populações naturais é normal. O fluxo gênico ocor-
re quando indivíduos migrantes cruzam na nova localidade. Os imigrantes
podem acrescentar novos alelos ao pool genético da população ou modificar
as frequências de alelos já presentes caso venham de populações com fre-
quências alélicas diferentes. Para que uma população esteja em equilíbrio de
Herdy-Weinberg, não deve existir imigração de outra população com frequ-
ências alélicas diferentes.

1.8.2 Deriva Genética e seus Efeitos


em Pequenas Populações

Eventos ao acaso que alteram as frequências alélicas provocam a de-


riva genética. Esse processo ocorre em todos os loci de todas as populações,

124  Licenciatura em Biologia


mas o seu efeito é maior em pequenas populações. Se apenas um pequeno
grupo de indivíduos contribui com seus genes para a próxima geração, os
alelos que eles possuem provavelmente não representarão as frequências
alélicas da população total a que eles pertencem e a nova geração terá uma
estrutura genética diferente da anterior.

Em populações muito pequenas, a deriva genética pode ser forte


o suficiente para influir na direção da mudança das frequências alélicas
mesmo na presença de algum outro fator evolutivo que apresente força
contrária. Alelos deletérios, por exemplo, podem ter frequências alélicas
aumentadas devido à ação da deriva genética e, do mesmo modo, alelos
vantajosos que se encontram em frequências muito baixas poderão ser
perdidos (Figura 13). Como veremos adiante, mesmo em populações
grandes, a deriva genética pode influir na frequência de características que
não influenciam na sobrevivência ou nas taxas reprodutivas dos indivídu-
os que as possuem.

Tamanho populacional = 5 Tamanho populacional = 50 Tamanho populacional = 500


Frequência
do alelo A

N° de gerações N° de gerações N° de gerações

Figura 13. A importância do tamanho populacional no papel da deriva genética. Notar que quanto menor o número
de indivíduos em uma população, mais rápido é o tempo de um alelo se fixar ou se extinguir na população. Em
populações grandes, o efeito da deriva é mais suavizado.

Mesmo organismos que normalmente compõem populações de


grande tamanho podem, ocasionalmente, passar por períodos nos quais
apenas um número pequeno de indivíduos sobreviva. Durante esses garga-
los-de-garrafa populacionais, a diversidade genética poderá sofrer redução
devido à deriva genética. O modo de ação desse processo está ilustrado na
Figura 14, na qual as frequências alélicas estão representadas pelas diferen-
tes cores de lagartos. A pequena amostra retirada a partir da população ori-
ginal está composta, em sua maioria, por lagartos vermelhos que “sobrevi-
veram” ao acaso para germinar a próxima geração. Assim, a nova população
terá uma frequência muito maior de indivíduos vermelhos quando compa-
rada com a geração anterior.

Evolução Biológica  125


N - baixo
D - alta
Deriva N - baixo Expansão
genética D - mediana populacional

N - baixo
N - alto D - baixa N - grande
D - alta D - baixa

Figura 14. Esquema da ação da deriva genética onde cada cor representa uma combinação
de alelos. Ao amostrar aleatoriamente os alelos em uma população, seja por colonização
(efeito fundador) ou por eventos que dizimam parte da população ancestral (bottleneck –
efeito gargalo de garrafa), a deriva captura apenas parte da diversidade alélica ancestral.
Por isso, se um grupo de indivíduos sobreviventes contiver apenas uma pequena parte
da diversidade original, ele tenderá a possuir baixa variabilidade genética, mesmo que se
expanda e aumente o número de indivíduos ao longo do tempo. Se imaginarmos que cada
círculo represente um indivíduo em uma população natural, depois de um evento pronun-
ciado de bottleneck, a expansão dessa população abrigaria somente uma ínfima parte da
riqueza alélica da população ancestral.

Conclusão

Ao longo deste capítulo, vimos como as teorias evolucionistas pas-


sam por aprimoramentos conforme novas tecnologias e descobertas, prin-
cipalmente na área de genética, geologia e paleontologia, contribuem para
esclarecer processos ainda não compreendidos. Quando nós, biólogos,
passamos em revista nosso material de hoje, descobrimos, de imediato, a
grandeza da contribuição de Darwin; vemos o quanto do seu pensamen-
to incorporou-se ao arcabouço permanente da nossa ciência, quantas das
suas ideias ainda estão vivas e dando frutos. O raciocínio por trás do pro-
cesso da Seleção Natural foi um divisor de águas no estudo da evolução
biológica, e como esta foi importante no direcionamento dos estudos até
os dias atuais. A emergência do darwinismo e o avanço tecnológico, prin-
cipalmente na genética, permitiram o desenvolvimento de novas teorias
e o aprimoramento de antigas. Contudo, em evolução, muitas respostas
poderão nunca ser respondidas, ficando apenas em discussão nos campos
religiosos e filosóficos.

126  Licenciatura em Biologia


2. MECANISMOS EVOLUTIVOS: O PAPEL DO
TEMPO E DA HISTÓRIA COMO MOLDADORES
DA BIODIVERSIDADE ATUAL

Apresentação

O capítulo anterior estabeleceu uma base firme do fato da evolução e


sua compreensão científica, revelando mecanismos como seleção, mutação,
migração e deriva genética. Vimos que a seleção natural é o único processo
evolutivo que resulta em adaptação - que é uma característica que permite
um indivíduo deixar mais prole do que deixaria, se lhe faltasse essa caracte-
rística. Agora, detalharemos esses processos à luz dos mecanismos de isola-
mento reprodutivo que atuam nas populações naturais, impulsionando-as a
divergências evolutivas que contribuíram ao longo do tempo para a diver-
sificação e estabelecimento da majestosa biodiversidade de nosso planeta.

2.1 Adaptação e Ambiente: O Contexto Ecológico


da Mudança Evolutiva

A demonstração de que as características dos organismos são, na verda-


de, adaptações tem sido uma das principais atividades da biologia evolutiva des-
de a época de Darwin (MAYR, 1983). O significado adaptativo de traços (i.e.,
características, atributos) é óbvio: os olhos evidentemente são dispositivos para
detectar objetos a distância, mediante concentração e análise da luz; em muitas
espécies de animais, os indivíduos de boa visão terão melhor capacidade para
encontrar alimento e evitar predadores do que os que têm má visão.

Imagine, por exemplo, que em uma população de peixes em um lago


existam alguns indivíduos com nadadeiras levemente maiores do que o res-
tante dos representantes daquela espécie naquele local. Se esse maior tama-
nho proporcionar uma maior velocidade ou mobilidade em sua natação, esses
indivíduos com nadadeiras maiores podem ter maior sucesso em fugir de pre-
dadores ou aumentar sua taxa de captura de presa. O maior sucesso reprodu-
tivo desse grupo, que aumentaria a frequência de seus alelos naquele lago, é
uma consequência evolutiva do processo de seleção natural; uma característi-
ca, ou um conjunto integrado de características, que aumenta a aptidão de seu
possuidor é denominada adaptação, e se diz que é adaptativa. No entanto, as

Evolução Biológica  127


explicações óbvias, especificamente, podem ser perigosamente sedutoras. Ne-
nhuma explicação para o valor adaptativo de uma característica deve ser aceita
meramente por ser plausível e fascinante (GOULD & LEWONTIN, 1979).

Futuyma (1992) salienta que o ambiente ecológico inclui tanto fatores


bióticos quanto abióticos. Ou seja, além das espécies – incluindo presas, preda-
dores, agentes patogênicos, competidores e mutualistas – e suas interações, o
ambiente é parte importante para o mecanismo evolutivo. O ambiente, pode-se
dizer, é o palco onde a seleção natural contracena com as dinâmicas populacio-
nais das diversas espécies na natureza (ver Quadro Interação espécie-ambiente).

Figura 15. Larva e indivíduo adulto de um gênero (Harmonia) de joaninha. Na primeira foto,
a larva está se alimentando de um afídeo – também conhecido como pulgão ou piolhos-das
-plantas – que, por sua vez, se alimenta da seiva de plantas.

Interação espécie-ambiente

As características do ambiente que mais importam variam de espécie para


espécie devido às suas histórias evolutivas diferentes. Não é exagero dizer que,
em virtude de sua evolução passada, as espécies criam seus próprios ambientes
(LEWONTIN, 1983). Para um besouro predador, a composição química das
plantas entre as quais forrageia é, em grande parte, irrelevante; mas se um
besouro desenvolve o hábito da herbivoria, os compostos químicos vegetais
que agem como toxinas, repelentes ou estimulantes alimentares tornam-se ex-
tremamente importantes. Espécies de besouros cujas larvas se alimentam nas
superfícies superiores das folhas enfrentam um ambiente muito mais quente e
seco que aqueles que se alimentam nas superfícies inferiores; as larvas de be-
souros que perfuram os ramos das plantas habitam um ambiente inteiramente
diferente. Não somente a evolução passada de uma espécie determinada o
seu ambiente; assim também o faz suas atividades atuais, uma vez que espécies
escasseiam recursos, liberam metabólitos tóxicos e alteram suas vizinhanças de
numerosas outras maneiras. Assim, espécies e ambiente alteram um ao outro

128  Licenciatura em Biologia


de maneira recíproca. É errôneo pensar em espécies como simples recipientes
passivos de um rigoroso destino externo; elas são participantes ativas numa
troca dialética entre organismos e ambiente Fonte: Futuyma, D. J. 1992.

Ricklefs (2006) afirma que a principal falha da ecologia em integrar


totalmente o assunto da diversidade jaz na derivação inapropriada de con-
ceitos de comunidades e a rejeição da história evolutiva como contextos for-
mativos para sistemas ecológicos. O autor diz que os ecólogos têm sustenta-
do as relações entre a riqueza de espécies e condições físicas dos ambientes
na habilidade das populações coexistirem localmente. No entanto, muitos
ecólogos agora reconhecem que esta relação pode ter se desenvolvido his-
toricamente, ou seja, que a diversificação evolutiva de linhagens pode ter
ocorrida dentro e entre zonas ecológicas (Figura 16).

Diversidade contemporânea Recursos e meio Recursos e meio


em três zonas ecológicas ambiente 1 ambiente 2

sp. 1 sp. 2 sp. 3 sp. 4 sp. 5 sp. 6

*
Tempo

Zona ecológica de origem

Figura 16. Diversificação evolutiva de um clado dentro de sua zona ecológica de origem, com mudanças adaptati-
vas ocasionais (*) para diferentes zonas ecológicas. Esta figura são adaptações das figuras em Ricklefs (2006) e
Wiens et al. (2010).

Para verificar os papéis relativos de restrições ecológicas locais versus


desdobramento regional e histórico de relações diversidade-meio ambiente,
devemos abandonar conceitos locais de comunidade e adotar métodos que
levam em conta a história (particularmente filogenéticos) e a geografia para
avaliarmos a evolução dentro de grandes regiões e como isso influencia a
diversidade em escala local (RICKLEFS, 2006). Esta perspectiva integrada
abre novas direções para a pesquisa para que os ecólogos explorem a for-
mação de espécies, a diversificação adaptativa e os ajustes de distribuições
ecológicas de espécies em escala regional.

Evolução Biológica  129


2.2 Nicho Ecológico: Integrando Evolução, Ecologia e
Biologia da Conservação

Cada espécie pode sobreviver apenas sob certo conjunto de condi-


ções ambientais, as quais definem seu nicho ecológico. Se não existissem
competidores, predadores ou organismos patogênicos em seu ambiente,
uma espécie seria capaz de sobreviver sob uma amplitude mais longa de
condições ambientais (seu nicho fundamental) do que faria na presença de
outras espécies que a afetam negativamente (seu nicho realizado). Por outro
lado, a presença de espécies benéficas pode aumentar a gama de condições
físicas nas quais uma espécie pode sobreviver.

Segundo Hutchinson (1957), nós podemos desenhar um gráfico


bi-dimensional no qual o único ponto represente um ambiente com uma
temperatura e tamanho de presa particulares. Parte desse espaço represen-
ta, então, a gama de possibilidades da qual uma espécie pode persistir. Po-
demos adicionar um terceiro eixo, correspondendo, digamos, à salinidade,
definindo deste modo um espaço tridimensional que contém a região que
representa combinações toleráveis de temperatura, tamanho de presa e sali-
nidade (Figura 17). Assim, em relação a determinadas variáveis ambientais,
uma população pode ter um nicho amplo ou estreito; em outras palavras, ela
pode ser relativamente especializada ou generalizada.

Competição devido à limitação


recíproca de nichos realizados

Nicho fundamental de A Nicho fundamental de B


e
ad
id
lin

Nicho efetivo Nicho efetivo


Sa

realizado de A realizado de B

Tamanho de presa

Figura 17. Modelo de sobreposição de nichos, baseado em Hutchinson, 1957.

Dessa forma, é fácil perceber que ao se tomar qualquer ação conser-


vacionista é necessário levar em conta toda a complexidade de interações

130  Licenciatura em Biologia


biológicas e abióticas de um dado local. Ou seja, os ambientes também de-
vem ser pensados como possuidores de características únicas que evoluíram
ao longo de milhares de anos. Ao estabelecermos Parques Nacionais para
preservar locais estratégicos e de importância ecológica, evolutiva e até mes-
mo cultural, estamos agindo de forma a resguardar toda a complexidade e
unicidade biológica ali presentes (ver Quadro Serra da Capivara).

Um Exemplo da Importância da Criação de Parques para


Preservar Histórias Evolutivas e Ecológicas Únicas

O Parque Nacional Serra da Capivara está localizado no sudeste do Estado


do Piauí. Sua criação teve múltiplas motivações ligadas à preservação de um
meio ambiente específico e de um dos mais importantes patrimônios cul-
turais pré-históricos. Na unidade acha-se uma densa concentração de sítios
arqueológicos, a maioria com pinturas e gravuras rupestres, onde se encon-
tram vestígios extremamente antigos da presença do homem (100.000 anos
antes do presente).

Como o parque situa-se numa área semiárida, fronteiriça entre duas gran-
des formações geológicas - a bacia sedimentar Maranhão-Piauí e a depressão
periférica do rio São Francisco - com paisagens variadas nas serras, vales e
planície, com vegetação de caatinga, é o único Parque Nacional situado no
domínio morfoclimático das caatingas. A unidade abriga fauna e flora espe-
cíficas e pouco estudadas. Trata-se, pois, de uma das últimas áreas do semiá-
rido possuidoras de importante diversidade biológica. Na região, os refúgios
são representados pelos enclaves de mata semidecídua dos boqueirões, que
assumem assim óbvia importância para a fauna durante a seca. Sua conser-
vação e eventual restauração no caso de degradação violenta são tópicos
importantes para a proteção da fauna visando conservar populações, princi-
palmente de mamíferos e aves maiores e outros animais mais vulneráveis à
ação humana. A fauna da caatinga, quando comparada à de outros ambientes
como a Floresta Amazônica e mesmo o Cerrado, possui um número reduzido
de espécies. Isto se deve às características do clima, que excluem espécies
animais incapazes de resistir às secas e à própria estrutura do ambiente, pro-
porcionando ocorrências endêmicas (que só ocorrem naquele local).

O Parque Nacional Serra da Capivara, encravado na caatinga, é, portanto,


fruto de uma história geológica, climática e biológica complexa. A diversidade
da vida presente hoje ali só foi possível graças à variabilidade dos relevos e
aos múltiplos habitats escavados em milhares de anos pela força das águas.

Evolução Biológica  131


Figura 18. Imagens que compõem a paisagem do Parque Nacional Serra da Capi-
vara. Além da fauna e flora características e formações geológicas ecologicamente
importantes, há pinturas rupestres deixadas pelas populações pré-históricas que
viveram na área do Parque Nacional em épocas muito remotas.

2.3 Modelos de Especiação e Mecanismos


de Isolamento Reprodutivo

Quantas espécies existem no mundo? Ninguém sabe ao certo res-


ponder essa pergunta com precisão, mas a literatura hoje disponibiliza
dados que ultrapassam um milhão de espécies catalogadas. Mora et al.
(2011) fizeram uma estimativa de todos os domínios da vida e sugerem
que pode haver cerca de 8,7 milhões de espécies eucarióticas em nosso
planeta, sendo que cerca de 2,2 milhões seriam marinhas. Os autores ainda
enfatizam que, apesar dos 250 anos de classificação taxonômica e mais de
1,2 milhões de espécies catalogadas, cerca de 85% das espécies existentes
na Terra e 90% das espécies marinhas ainda esperam para serem descritas.
Ou seja, a maioria das espécies existentes no planeta ainda é desconhecida
por nós! (Figura 19).

Quando se entra nessa discussão, surgem outros questionamen-


tos importantes: o que é uma espécie? Como elas se formam? Existe
mais de uma possibilidade para o processo de especiação? Ao longo des-
ta seção apresentaremos modelos e mecanismos que tentam responder
essas perguntas.

132  Licenciatura em Biologia


Cordados
Plantas
Moluscos
Crustáceos
Protozoários
Insetos
Algas
Aracnídeos
Nematoides
Fungos
Vírus
Bactérias
Outros

Figura 19. Riqueza de espécies nos maiores grupos de organismos. A proporção conhecida
de espécies em cada ‘fatia’ é representada pela parte mais central. Notar que a maioria das
espécies da maioria dos grupos não são conhecidas Figura modificada do artigo de Purvis, A.
& Hector A. 2000. Getting the measure of biodiversity. Nature 405: 212-219.

2.3.1 Os Conceitos de Espécies

Todas as culturas humanas reconhecem diferentes tipos de orga-


nismos na natureza e os denominam. Esses sistemas taxonômicos, ou de
nomeação, baseiam-se em julgamentos sobre o grau de similaridade entre
organismos. Intuitivamente, as pessoas agrupam os semelhantes. O desafio
dos biólogos tem sido trocar esses julgamentos informais por uma definição
de espécie que seja mecanicista e testável e para um sistema de nomeação
e classificação da diversidade da vida que reflita, com precisão, a história
evolutiva dos organismos.

No entanto, esses objetivos têm sido difíceis de alcançar, ainda que a


maioria dos biólogos concorde quanto ao que seja uma espécie: é a menor
unidade evolutiva independente. Embora essa definição pareça simples, fre-
quentemente é difícil pô-la em prática. O desafio é estabelecer critérios prá-
ticos para identificar quando é que as populações realmente estão evoluindo
independentemente. Para dar andamento a esse ponto, consideraremos três
conceitos de espécies mais importantes atualmente em uso. Todos eles são
concordantes em que as espécies são unidades evolutivas independentes,

Evolução Biológica  133


que estão isoladas por falta de fluxo gênico, mas cada um utiliza critérios
diferentes para determinar que a independência esteja efetivamente ocor-
rendo (FREEMAN & HERRON, 2009).

No conceito de morfoespécie, as espécies são denominadas com base


em semelhanças e diferenças morfológicas. Em biologia, a análise cuidadosa
de diferenças fenotípicas é a base da identificação de morfoespécie. A gran-
de vantagem desse conceito é sua ampla aplicação. Morfoespécies podem
ser identificadas em espécies extintas ou atuais e de reprodução sexuada ou
assexuada. O maior empecilho a este conceito é que, quando não aplicado
com cautela, as definições podem se tornar arbitrárias e idiossincráticas, ou
seja, elas podem mudar de acordo com a pessoa que analisa a espécie. Além
disso, o conceito pode ser difícil de aplicar a grupos como o das bactérias e
muitos tipos de fungos, que são pequenos e têm poucas características mor-
fológicas mensuráveis para avaliar.

Os paleontólogos têm outras restrições a contornar para identificar


espécies. As espécies fósseis que diferiam quanto à cor ou à anatomia dos teci-
dos moles não podem ser distinguidas. Também não o podem as populações
que são morfologicamente semelhantes, mas eram muito divergentes em ca-
racterísticas como o canto, temperatura ou tolerância à seca, ao uso do hábitat
ou a comportamentos de cortejo. Sejam atuais ou fósseis, populações desse
tipo são chamadas espécies crípticas. O adjetivo críptico é apropriado por-
que grupos que foram, ou efetivamente são, independentes entre si parecem
ser membros da mesma espécie, com base na semelhança morfológica.

1
ver mais detalhes Já o conceito biológico de espécie (CBE) tem o isolamento repro-
no Capítulo 3, dutivo como principal critério de identificação da independência evolutiva.
na seção 3.2,
sobre filogenias. Especificamente, se populações de organismos não hibridizam regularmente
na natureza ou se, quando o fazem, são incapazes de produzir prole fértil, elas
estão isoladas reprodutivamente e são consideradas boas espécies. O concei-
to biológico de espécie tem sido amplamente aceito desde que Ernst Mayr o
propôs em 1942. Ele é utilizado na prática por muitos zoólogos e constitui a
definição legal utilizada no Endangered Species Act (Lei das Espécies Ameaça-
das), que é a legislação emblemática da biodiversidade nos Estados Unidos. O
grande trunfo do CBE é que o isolamento reprodutivo é um critério significa-
tivo de identificação de espécies porque confirma a ausência de fluxo gênico.

Por último, o conceito filogenético de espécie (CFE) é aquele que


os sistematas (i.e., os biólogos responsáveis pela classificação da diversida-

134  Licenciatura em Biologia


de da vida) e biólogos evolutivos usam como uma alternativa ao conceito
biológico de espécie. Essa abordagem enfoca um critério de identificação
de espécies chamado monofilia1. A lógica que está por trás do CFE é que as
características somente podem distinguir populações em uma filogenia se as
populações estiverem isoladas em termos de fluxo gênico e tenham divergi-
do genética e, possivelmente, morfologicamente. Dito de outro modo, para
serem chamadas de espécies filogeneticamente separadas, as populações de-
vem ter ficado evolutivamente separadas durante um tempo suficiente para
permitir a evolução das características diagnósticas. As populações de uma
mesma espécie compartilharam as características derivadas que as distin-
guem das populações de outras espécies.

Essa abordagem tem como atrativo o fato de ser aplicada a qualquer


tipo de organismo – de reprodução sexuada ou assexuada, fóssil – e de ser
testável: as espécies são denominadas com base nas diferenças estatistica-
mente significativas quanto às características usadas para estimar a filogenia.
A dificuldade é pôr esse critério em prática. Estimar as relações evolutivas
entre as espécies exige quantidades significativas de tempo, dinheiro e análi-
ses cuidadosas. Como consequência, até aqui só um número relativamente
pequeno de grupos dispõe de filogenias construídas com cuidado e boa sus-
tentação. Além disso, é amplamente reconhecido que a instituição do CFE
poderia facilmente duplicar o número das espécies já denominadas e criar
uma grande confusão se houvesse uma mudança dos nomes e identidades
tradicionais das espécies.

Entretanto, os proponentes desse conceito não estão preocupados


com a perspectiva do reconhecimento de muitas espécies adicionais. Eles
argumentam que, se ocorrer um aumento marcante no número de espécies
denominadas, isto é necessário para expressar a realidade biológica da diver-
sidade. Análises recentes constataram que, concordando com essa previsão,
frequentemente o CFE distingue uma série de espécies crípticas em popula-
ções que antes eram consideradas como espécie única (e.g., DETTMAN et al.,
2003; GAINES et al., 2005; HERBERT et al., 2003; PRINGLE et al., 2005).

2.3.2 As Espécies e sua Formação

A etapa crítica na formação de uma nova espécie é a separação do


conjunto genético da espécie ancestral em dois conjuntos separados. Sub-
sequentemente, cada conjunto gênico isolado, as frequências dos genes e

Evolução Biológica  135


alelos podem mudar como resultado da ação das forças evolutivas. Durante
esse período de isolamento, se diferenças significativas forem acumuladas,
as duas populações podem não mais trocar genes se voltarem a ocupar o
mesmo espaço (Figura 20). O fluxo gênico, portanto, entre as populações
pode ser interrompido de diversas formas, cada uma das quais caracteriza
um modo de especiação. A seguir, apresentamos os três tipos mais clássicos
de especiação disponíveis na literatura.

Diferenciação genética

População 1 População 2

Ausência
de fluxogenico
entre as populações
Tempo

µ1 µ2

População ancestral

Figura 20. Esquema de divergência evolutiva provocada por isolamento reprodutivo de popu-
lações ao longo do tempo. Quanto maior o tempo e menor o fluxo gênico entre populações,
maior é a diferenciação genética devido a taxas de mutação (µ1 e µ2) independentes em
cada população.

2.3.3 Mecanismos de Isolamento Reprodutivo

O isolamento geográfico pode ocorrer por meio de dispersão e colo-


nização de novos habitats ou por meio de eventos de vicariância – quando
uma amplitude geográfica existente é fragmentada pelo surgimento de uma
nova barreira física (Figura 21). Os eventos de vicariância fragmentam a
distribuição de uma espécie em duas ou mais distribuições isoladas e desen-
corajam ou impedem o fluxo gênico entre elas. Há muitos eventos possíveis
de vicariância, variando desde processos lentos como o surgimento de um
ambiente de montanha ou uma tendência a uma seca prolongada, que frag-
menta uma floresta, até eventos rápidos como um derrame de lava com a
lagarta de quilômetros que divide uma população de caracóis.

136  Licenciatura em Biologia


VICARIÂNCIA DISPERSÃO
Área ancestral Área ancestral

Espécie Área Espécie Área


ancestral
A ancestral B

Surgimento de barreira Grupos de indivíduos


geográfica ou ecológica se dispersam(i.e., migram)
ao fluxo gênico para diferentes hábitats

Área Área
Espécie
A B ancestral

Diferenciação subsequente Diferenciação subsequente


das populações em das populações em
novas espécies novas espécies

Espécie Espécie Espécie Espécie Espécie


A B A ancestral B

Figura 21. Esquemas ilustrativos dos processos de vicariância e dispersão.

Knowlton & Weigt (1998) estudaram um evento clássico de vi-


cariância: a recente separação dos organismos marinhos em cada lado da
América Central. As evidências geológicas estabeleceram que o Istmo do
Panamá fechou-se há cerca de 3 milhões de anos. Quando o istmo surgiu
e criou uma ponte de terra entre as Américas do Norte e Sul, as populações
de organismos marinhos ficaram separadas do lado atlântico e no pacífico.
Quando os oceanos foram assim separados, teriam as populações que aca-
baram ficando de cada lado sofrido especiação?

Os autores analisaram uma série de populações de camarão pistola


(Alpheus) de cada lado do istmo. Com base no conceito de morfoespécie, as
populações que eles amostraram pareciam representar sete pares de espécies
estreitamente relacionadas (i.e., espécies irmãs) com um membro de cada par
encontrado em cada lado da ponte terrestre. A partir dos dados de sequências de
DNA, a filogenia desses camarões confirma essa hipótese. Os pares de espécies
de cada lado do istmo, inferidas como irmão com base na morfologia, são, sem
dúvida, os mais proximamente aparentados entre si. Esse resultado é concor-
dante com a previsão feita segundo a hipótese de vicariância (Figura 22).

Evolução Biológica  137


Oceano Pacífico Mar do Caribe
P C

Istmo do Panamá
P C

P C

P C

Figura 22. Esquema demonstrando que as espécies de camarão pistola mais semelhantes
entre si estão em lados diferentes do Istmo do Panamá. As cores iguais em cada lado da
barreira especifica a similaridade genética entre as espécies/populações.

2.3.3.1 A Especiação Alopátrica exige Isolamento


Reprodutivo Completo

A especiação resultante quando uma população é dividida por uma


barreira geográfica é chamada de especiação alopátrica (allo, diferente;
patris, lugar de origem – ou seja, pátrias diferentes’), ou especiação geo-
gráfica. Pensa-se que a especiação alopátrica seja a forma predominante de
especiação para a maioria dos grupos de organismos. A área de vida de uma
espécie pode ser dividida por uma barreira, como um curso d´água para or-
ganismos terrestres, ou terra seca para indivíduos aquáticos, ou uma cadeia
de montanhas. As barreiras podem se formar pela deriva dos continentes, de
transgressões marinhas ou de mudanças no clima. As populações separadas
dessa forma costumam ser grandes inicialmente. As diferenças entre elas
evoluem porque os locais onde permanecem são, ou se tornam, diferentes
(Figura 23).

De maneira alternativa, a especiação alopátrica pode ocorrer quando


alguns membros de determinada população cruzam uma barreira e formam
nova população. Nesse caso, as populações recém-formadas diferenciam-se
geneticamente das populações parentais porque o pequeno grupo de indi-
víduos fundadores é uma representação incompleta dos genes encontrados
na população-fonte.

138  Licenciatura em Biologia


População 1 População 2

Duas populações
têm fluxo gênico
fluxo gênico

Surgem variantes independentes Fluxo gênico é interrompido


por uma barreira geográfica e
tipos variáveis surgem em cada
população
barreira
geográfica
Deriva e pressões seletivas causam
divergência entre os pools genéticos
que estão isolados

Muitas gerações depois sem fluxo gênico

Isolamento reprodutivo entre as


populações, sem contato
barreira secundátiopor muito tempo pode
Espécie 1 geográfica
Espécie 2
causar especiação

Figura 23. Mecanismos subjacentes ao processo de especiação alopátrica.

Os tentilhões do arquipélago de Galápagos, a 1.000 km da costa do


Equador, demostram a importância do isolamento geográfico na especia-
ção. Os tentilhões-de-Darwin (como são normalmente chamados, pois Da-
rwin foi o primeiro cientista a estudá-los, e eles foram fundamentais para o
desenvolvimento de suas ideias sobre evolução por seleção natural) surgi-
ram em Galápagos pela especiação de uma única espécie sul-americana que
colonizou as ilhas. Hoje, existem 14 espécies de tentilhões em Galápagos,
e todas diferem de maneira marcante do tiziu (um tentilhão granívoro da
América do Sul), seu mais provável ancestral (PURVES et al., 2006).

As ilhas de Galápagos são isoladas o bastante umas das outras, de


modo que os tentilhões raramente migram entre elas. Além disso, as condi-
ções ambientais também diferem entre as ilhas. Algumas são relativamente
planas e áridas; outras possuem escarpas cobertas por floresta. As populações
de tentilhões nas diferentes ilhas diferenciam-se o suficiente umas das outras
de tal forma que quando migrantes ocasionais chegam de outras ilhas, eles
ou não cruzam com as espécies residentes ou, se o fazem, a prole resultante
não sobrevive tão bem quanto aquela de pares residentes. Assim, as diferenças
genéticas entre as diversas populações, bem como sua unidade, são mantidas.

Evolução Biológica  139


2.3.3.2 A Especiação Simpátrica ocorre
sem Separação Física

A subdivisão de um conjunto gênico quando os membros da espécie-


-filha não estão separados geograficamente da espécie-mãe é chamada de espe-
ciação simpátrica (sym, com; patris, mesmo lugar de origem; ou seja, ‘mesmo
lugar’). O modo mais comum de especiação simpátrica (Figura 24) é por poli-
ploidia em plantas, um aumento no número de cromossomos. A poliploidia sur-
ge de duas formas. Uma delas é a produção acidental, durante a divisão celular,
de células contendo quatro (tetraploide) em vez de dois (diploide) conjuntos
de cromossomos. Esse processo produz um indivíduo que possui mais de dois
conjuntos de cromossomos derivados de uma única espécie. Tal indivíduo é in-
capaz de produzir prole fértil caso se cruze com diplóides, mas pode produzi-la
se fertilizar-se ou cruzar-se com outros indivíduos tetraplóides.

Entre os animais, a especiação simpátrica é aparentemente rara, mas


pode resultar de uma seleção específica sobre lugares de vida e de reprodu-
ção pelos indivíduos (VIA, 2001).

Figura 24. Exemplo de especiação simpátrica, onde o processo de divergência evolutiva ocor-
re sem necessidade de isolamento geográfico. Nesse caso, a especiação pode ser causada
por poliploidia.

2.3.3.3 A Especiação Parapátrica separa


Populações Adjacentes

Algumas vezes o isolamento reprodutivo desenvolve-se em popula-


ções adjacentes (i.e., vizinhas, próximas) na ausência de uma barreira geo-
gráfica. Esse tipo de especiação, conhecido como especiação parapátrica

140  Licenciatura em Biologia


(para, ao lado), é na verdade uma espécie alopátrica na qual o limite que
separa as populações não é uma barreira física, mas uma diferença de condi-
ção. Para que a especiação parapátrica ocorra, a seleção natural deve ser mui-
to mais forte do que o fluxo gênico; de outra forma, o fluxo gênico evitaria
a diferenciação entre as duas populações. Desta forma, qualquer fator que
reduza o fluxo gênico ou aumente o gradiente de pressões seletivas, entre
pequenas distâncias, pode gerar condições favoráveis à especiação parapá-
trica (Figura 25).

População ancestral Início do processo de


especiação por uso de
nichos diferentes

Isolamento reprodutivo das Processo de especiação


populações, que agora ocupam completo
nichos adjacentes

Figura 25. Esquema do processo de especiação parapátrica. O uso de recursos distintos


entre as populações, como o tipo de solo, alimento e nutrientes de uma mesma região ge-
ográfica pode fazer com que populações da mesma espécie utilizem nichos diferentes em
uma mesma região geográfica.

Alguns desses fatores são gerados por mudanças abruptas nas condi-
ções do solo como as criadas pela atividade mineradora, que deixa os restos
de cascalho com altas concentrações de metais pesados, como o chumbo e o
zinco. Os solos formados com tais refugos contém concentrações de metais
pesados que são danosos ao crescimento da maioria das plantas. Há uma
forte seleção favorecendo a tolerância a metais pesados nas plantas que cres-
cem nesses locais. Nos últimos séculos, as plantas capazes de crescimento
nesse tipo de solo evoluíram em várias espécies de gramíneas. Uma delas é
a Anthoxanthum odoratum.

Um isolamento reprodutivo quase completo existe entre populações


de A. odoratum que crescem em solos originados de refugos e outras popu-

Evolução Biológica  141


lações que crescem em solo normal, pois seu florescimento se dá em épocas
diferentes. Além disso, as plantas tolerantes a metal pesado se autopolini-
zam mais frequentemente do que as plantas de solos normais, reduzindo
ainda mais o fluxo gênico. O isolamento reprodutivo entre as plantas tole-
rantes e intolerantes a metais pesados é quase completo, demonstrando que
o fluxo gênico pode diminuir ou crescer mesmo na ausência de uma barreira
física distinta (PURVES et al., 2006).

2.4 Biogeografia Evolutiva e Padrões Macroecológicos

A Biogeografia é a ciência que procura explicar a distribuição das es-


pécies e de táxons mais elevados na superfície da Terra. Com ela, podemos
perceber que as espécies têm distribuições geográficas distintas. Quando os
biogeógrafos do século XIX examinaram as distribuições de grande número
de espécies no globo, verificaram que, frequentemente, diferentes espécies
viviam nas mesmas áreas amplas. O primeiro mapa dessas regiões faunísti-
cas foi elaborado para aves pelo ornitólogo britânico Philip Lutley Sclater
(1829-1913), e logo Alfred Russel Wallace generalizou as regiões de Sclater
para outros grupos animais. Assim, a Terra foi dividida em seis regiões bio-
geográficas principais (Figura 26). Elas são definidas principalmente pela
distribuição de aves e mamíferos e poderiam não ter sido reconhecidas se
outros grupos tivessem sido analisados (RIDLEY, 2006).

Paleártico Etiópica Oriental


Neártico Neotropical Australiana

Figura 26. Regiões biogeográficas do mundo.

142  Licenciatura em Biologia


Padrões globais de riqueza de espécies, contudo, têm resistido a
explicações desde que chamaram a atenção dos ecólogos nos anos 1960.
A principal falha da ecologia em integrar totalmente o assunto da diver-
sidade jaz na derivação inapropriada de conceitos de comunidades e na
rejeição da história como contextos formativos para sistemas ecológicos.
Tradicionalmente, os ecólogos têm sustentado as relações entre a riqueza
de espécies e condições físicas dos ambientes na habilidade das populações
coexistirem localmente.

Julian Huxley, em um de seus ensaios (1977), ressalta que o estudo


do curso da evolução, seguindo as ideias de Darwin sobre divergências e
a formação de grupos dominantes, revelou que o avanço evolutivo ocorre
numa série de etapas, por uma sucessão de tipos dominantes. Mais cedo
ou mais tarde, cada grupo alcança todas as suas possibilidades inerentes e
se estabiliza, incapaz de um avanço maior, exceto por um acontecimento
raro que envolva organização com vantagens adicionais, permitindo, desta
forma, a abertura para uma nova etapa de progresso. Parece que isso jamais
ocorre duas vezes, pois a competição com o tipo já estabelecido impedirá,
automaticamente, uma segunda invasão do mesmo território evolutivo, ou
zona adaptativa, como o chamam modernos evolucionistas, como Gaylord
G. Simpson. Este foi um esclarecimento importante no cenário biológico.

2.4.1 Limites para a Distribuição Geográfica:


Atributos Ecológicos e Clima

Os limites da distribuição de uma espécie são estabelecidos por seus


atributos ecológicos. Uma maneira de entender como os fatores ecológicos
limitam essa distribuição é em termos da distinção entre nicho fundamental e
nicho efetivo (ou realizado), que foi feita pela primeira vez na década de 1950
por Hutchinson & MacArthur. Uma espécie é capaz de tolerar certa varieda-
de de fatores físicos – temperatura, umidade e assim por diante – e, teorica-
mente, poderia vivem em qualquer lugar em que esses limites de tolerância
fossem satisfeitos. Esse é o nicho fundamental dela. Entretanto, espécies que
estão competindo, em geral, só ocupam parte desse âmbito, e a competição
pode ser intensa demais para permitir que duas espécies existam (Ver Figura
18 – seção 2.2 - e Figura 27). Desse modo, o nicho efetivo de cada espécie
será menor do que o fisiologicamente possível: cada uma ocupará um âmbito
menor do que poderia ocupar se não houvesse competição.

Evolução Biológica  143


Exponencial
Logístico

Tamanho populacional

Tempo

Figura 27. Padrões de crescimentos populacionais: quando os recursos são ilimitados e não
há competição intraespecífica, o crescimento é exponencial (em verde claro), e quando os
recursos são limitados, há competição. (em verde escuro).

As distribuições geográficas também podem ser influenciadas pela


dispersão. Um bom exemplo do poder da dispersão foi o processo de co-
lonização de organismos depois de uma erupção vulcânica que cobriu de
cinzas a pequena ilha indonésia de Krakatca, em 1883, matando todos os
animais e plantas ali existentes. Os biólogos, então, registraram a recoloni-
zação da ilha, especialmente quanto a aves e plantas. Ela foi estonteante-
mente rápida. Cinquenta anos depois, a ilha já estava recoberta por uma
floresta tropical que continha 271 espécies de plantas e 31 espécies de pás-
saros. Também vieram animais invertebrados, como insetos, embora seus
números não fossem tão bem monitorados. A maior parte dos migrantes
veio das ilhas vizinhas de Java (a 40 km) e Sumatra (a 80 km); as aves teriam
se dispersado por voo ativo e as plantas teriam vindo carregadas na forma
de sementes. Portanto, em circunstâncias corretas, a dispersão pode ter um
claro efeito sobre o âmbito das espécies (RIDLEY, 2006).

Drosophila

Uma das radiações adaptativas mais espetaculares entre insetos é um exem-


plo soberbo de isolamento geográfico por meio de dispersão. As moscas
do gênero Drosophila na região do Havaí, parentes próximos das moscas-
-das-frutas, compreendem umas 1.000 espécies estimadas e são famosas por
sua excepcional diversidade ecológica – elas podem ser encontradas desde

144  Licenciatura em Biologia


o nível do mar até habitats de montanhas, de arbustos secos até florestas
úmidas (PURVES et al., 2006).

Kaua’i Ilhas mais novas


Espécies mais recentes
Ni’ihau
O’ahu

Moloka’i

Maui
Lana’i

Kano’olawe

Hawai’i

Figura 28. Esquema mostrando que as espécies mais recentes de Drosophila cor-
respondem às ilhas mais novas, fato que evidencia fortemente que a atual distri-
buição desses insetos se deu por colonização (i.e., dispersão das ilhas mais antigas
para as mais recentes).

As distribuições geográficas também são influenciadas pelo clima.


A era geológica atual é chamada quaternária e começou há 2,5 milhões de
anos. O clima tem sido mais frio durante o quaternário em geral do que
na era terciária precedente e a temperatura tem oscilado para mais e para
menos. Muitos períodos dos tempos mais frios foram glaciais e os períodos
mais quentes foram interglaciais. Essas mudanças climáticas aconteceram
com recentidade suficiente para que, em alguns casos, o documento fóssil
fosse completamente revelador.

No hemisfério Norte, quando o clima se torna mais frio, a distribui-


ção das espécies animais e vegetais tendem a se contrair e se deslocar para o
sul. Em qualquer lugar, a ecologia local pode mudar por causa da alteração
do clima. Por exemplo, a mudança de um ecossistema temperado para outro
do tipo tundra foi bem documentada por meio de dados sobre pólen nas
zonas temperadas do norte, durante as glaciações mais recentes (RIDLEY,
2006). Assim, os movimentos (i.e., dispersão e migração) das espécies devi-
do às glaciações tiveram consequências evolutivas.

Evolução Biológica  145


Irradiação adaptativa dos lagartos Anolis

Irradiação adaptativa significa que uma espécie ancestral evolui em várias es-
pécies descendentes com adaptações ecológicas distintas. Geralmente, quando
duas espécies com adaptações ecológicas diferentes evoluem de uma só espé-
cie ancestral, ocorre um único evento de especiação. Uma irradiação adaptativa
local acontece quando vários de tais eventos de especiação ocorrem em uma
mesma área. A conhecida Explosão do Cambriano é um ótimo exemplo de
irradiação adaptativa. Aqui, porém, examinaremos irradiações adaptativas em
pequena escala – que são uma ligeira extensão do processo de especiação.

Os lagartos do gênero Anolis nas ilhas do Caribe são um exemplo de como as es-
pécies evoluem para ocupar vários nichos ecológicos e têm adaptações adequadas
aos seus modos de vida.Algumas espécies de Anolis vivem nas ramagens, outras nos
dosséis e outras no capim. As que vivem nas ramagens têm caudas longas e patas
curtas; as que vivem no capim têm caudas curtas; as que vivem nos troncos de
árvores baixas têm patas longas. Os Anolis são encontrados em todas as principais
ilhas das Grandes Antilhas e ocupam distribuições de habitats parecidos em cada
ilha.Todas as espécies que vivem em ramagens, por exemplo, assemelham-se – têm
caudas longas e patas curtas, sejam elas de Cuba, Haiti, Jamaica ou Porto Rico. Os
outros tipos ecológicos também apresentam semelhanças nas várias ilhas.

Capim
Ramagem

Capim

Troncos
Capim

Troncos
Ramagem

Capim

Troncos
Ramagem Hispaniola
Troncos Porto Rico

Capim Jamaica
Ramagem Cuba

Figura 29. Relações filogenéticas das espécies de Anolis de diferentes tipos ecológicos
em quatro ilhas caribenhas. Notar que cada tipo ecológico tende a evoluir indepen-
dentemente nas diversas ilhas; a especiação dos grupos ocorreu mais por ilhas do
que por tipo ecológico. Figura modificada de Ricklefs (2006) e Losos et al. (1998).

146  Licenciatura em Biologia


Podemos perguntar se uma espécie que vive nas ramagens de outras ilhas
compartilha um ancestral comum mais recente com as espécies de ramagens
de outras ilhas ou com os Anolis ecologicamente diferentes dela, de sua pró-
pria ilha? Losos et al. (1998) responderam a essa questão construindo uma
filogenia molecular das espécies. Eles verificaram que, na maioria das vezes,
cada tipo ecológico de lagarto evoluiu independentemente em cada ilha. (Figu-
ra 29). Desse modo, cada ilha tendia a ser colonizada por uma população de
lagartos que, então, irradiava o conjunto usual de tipos ecológicos nesse local.
Há algumas exceções, mas a maior parte das espécies está agrupada por ilha, e
não por tipo ecológico. Provavelmente, a força que dirige a irradiação é a com-
petição ecológica. A irradiação adaptativa dos lagartos Anolis caribenhos seria,
portanto, um exemplo em miniatura do “princípio da divergência” de Darwin.

2.4.2 A Relação entre Diversidade e


Meio Ambiente: Padrões e Processos Ecológicos
e Evolutivos em Escala Regional

Ecólogos e biogeógrafos têm se empenhado na tentativa de entender


os processos envolvidos na geração e manutenção do padrão atual de distri-
buição da biodiversidade. Padrões de diversidade em grandes escalas, notada-
mente os chamados “gradientes latitudinais” de riqueza de espécies (i.e., maior
riqueza nos trópicos do que nas regiões temperadas), têm sido discutidos na
literatura ecológica e biogeográfica principalmente a partir do início do sécu-
lo XIX. Ao longo desses 200 anos, muitos pesquisadores de várias áreas das
ciências (e.g., DOBZHANSKY, 1950; HUTCHINSON, 1959; PIANKA,
1966; MACARTHUR, 1972; CURRIE, 1991; ROHDE, 1992) dedicaram-
-se em estudos para desvendar os padrões de diversidade em grande escala.
Essa busca tem passado por uma série de fases distintas, mas, de um modo ge-
ral, a carência de dados e a existência de problemas teóricos e metodológicos
dificultavam o estabelecimento de predições gerais para o grande número de
hipóteses alternativas desenvolvidas para explicar esses padrões.

O surgimento da Macroecologia no início dos anos 90 reascendeu o in-


teresse dos ecólogos pelos padrões em grandes escalas (BROWN & MAUER,
1989; BROWN, 1995; GASTON & BLACKBURN, 2000), apoiados princi-
palmente por dois aspectos: (i) maior disponibilidade de dados ecológicos
(mapas de distribuição geográfica das espécies), evolutivos (estabelecimento
de filogenias mais robustas e completas) e ambientais (principalmente pro-

Evolução Biológica  147


venientes de sensoriamento remoto e modelos climáticos gerais) em grandes
escalas geográficas, e; (ii) crescente ênfase em modelos teóricos que permi-
tissem diferenciar os mecanismos propostos para explicar esses padrões, de-
senvolvimento este associado a um aumento da capacidade computacional de
processar e analisar dados (HAWKINS, 2004).

Os modelos ecológicos, em um sentido estrito, partem do pressu-


posto que os padrões observados são consequência direta (ou indireta) da
influência do clima sobre as distribuições geográficas das espécies, indepen-
dente de processos de longa duração como especiação e extinção em escala
regional, e desse modo resultaria em um acúmulo de espécies em climas
mais propícios, que seriam, por sua vez, ambientes mais quentes e úmidos
(Figura 30). Essas distribuições estariam, portanto, em ‘equilíbrio’ com o
clima (ARAÚJO & PEARSON, 2005).
Riqueza

Taxa de
Diversificação

Energia

Regiões Regiões
TROPICAIS TEMPERADAS

Figura 30. Gradiente de riqueza com taxas de diversificação nas regiões tropicais e tempe-
radas. A maior riqueza tropical sugere que as regiões tropicais mais favoráveis em termos de
disponibilidade de energia, com maior velocidade de especiação como consequência de um
aumento nas taxas de mutação (devido à maior irradiação), ou que maior especialização
ecológica, que aumentaria a necessidade de adaptação a condições ecológicas locais e ge-
rando assim maior isolamento reprodutivo. O número de ramos nas ilustrações filogenéticas
é proporcional ao número de espécies; quanto mais ramos, mais espécies. Figura modificada
de Diniz-Filho et al., 2009.

Em regiões mais produtivas ou com maior disponibilidade de ener-


gia, o processo de diversificação seria mais rápido e geraria acúmulo de es-

148  Licenciatura em Biologia


pécies. Entretanto, como as taxas de diversificação podem ser decompostas
em dois componentes (especiação e extinção), os vários mecanismos pre-
viamente propostos para explicar os fatores históricos nos gradientes de di-
versidade podem ser facilmente incorporados a esse modelo geral (DINIZ-
-FILHO et al., 2009).

Taxas de especiação elevadas nas regiões tropicais poderiam aparecer


sob diferentes combinações de especiação e extinção. Pode-se pensar, por
exemplo, que a extinção seria constante ao longo do gradiente, mas que nas
regiões tropicais haveria uma maior velocidade de especiação como conse-
quência de um aumento nas taxas de mutação (devido à maior irradiação),
ou que haveria maior especialização ecológica (aumentando a necessidade
de adaptação a condições ecológicas locais e gerando, assim, maior isola-
mento reprodutivo). Por outro lado, é possível pensar que a especiação se
mantém constante, mas que a extinção é maior nas regiões temperadas em
função da maior instabilidade climática dessas regiões.

Atividade

É possível fazer alguma associação ou analogia entre o conteúdo visto nesta


seção com a parte desta canção, Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de
Esmeralda, do compositor carioca Jorge Ben?

“O que está embaixo é como o que está no alto,


e o que está no alto é como o que está embaixo.
E por essas coisas fazem-se os milagres de uma coisa só.
E como todas essas coisas são e provêm de um
pela mediação do um,
assim todas as coisas são nascidas desta única coisa por adaptação.
É a força de toda força, pois ela vencerá qualquer coisa sutil
e penetrará qualquer coisa sólida.
Assim, o mundo foi criado.
Disso sairão admiráveis adaptações, das quais aqui o meio é dado”.

Pense e reflita sobre qual mecanismo já visto que poderia ser a “força, de
toda força...que penetra qualquer coisa sólida”, bem como as “admiráveis
adaptações que o meio (ambiente)” proporcionou para que o mundo fosse
criado, tal como canta Jorge Ben.

Evolução Biológica  149


Conclusão

O estudo do curso da evolução, seguindo as ideias de Darwin sobre di-


vergências e a formação de grupos dominantes, revelou que o avanço evolutivo
ocorre numa série de etapas e de uma sucessão de tipos dominantes conforme
o ambiente muda. O resultado de uma seleção a prazo muito longo acaba, por-
tanto, tornando-se uma seleção entre tipos ou grupos em vez de indivíduos - o
grupo mais adaptado automaticamente tenderá a espalhar-se e diferenciar-se à
custa do menos eficiente. Assim, o tipo mais eficiente se desenvolve em um gru-
po maior e mais bem sucedido, enquanto os grupos primitivos, com os quais
compete, se reduzem. Os conceitos ecológicos, logo, podem ser aplicados em
níveis taxonômicos (i.e., espécies, gêneros, famílias...) e as questões mais inte-
ressantes na tentativa de entender a biodiversidade devem, obrigatoriamente,
investigar como e porque a variação biológica na natureza está arranjada em
aglomerados biológicos que evoluíram ao longo do tempo.

3. A CLASSIFICAÇÃO POR DESCENDÊNCIA


E A ORIGEM DAS ESPÉCIES

Apresentação

Este capítulo aborda como a evolução pode ser usada para compreender
a diversidade da vida. Para isso, devemos examinar a classificação do que deno-
minamos como espécies, as variações (i.e., plasticidades) que ocorrem dentro
delas, a forma como os organismos se desenvolvem, bem como descrever as re-
lações evolutivas entre elas. Como a história das espécies não pode ser simples-
mente observada, as relações filogenéticas precisam ser reconstruídas a partir
de indícios nas moléculas, cromossomos e morfologia das espécies atuais (e na
morfologia dos fósseis) para entendermos como e quando elas surgiram.

3.1 Classificação Biológica

Os sistemas de classificação biológica buscam expressar a relação que


há entre os seres vivos. No entanto, o tipo de relacionamento que desejamos
expressar influencia quais características utilizamos para classificar os orga-
nismos. Se, por exemplo, estivermos interessados em um sistema que ajuda
a decidir quais plantas e animais são desejáveis como comida, podemos pla-

150  Licenciatura em Biologia


nejar um sistema de classificação baseado no sabor, na facilidade de captura
e no tipo de partes comestíveis que cada organismo possui. A classificação
hindu antiga das plantas foi desenvolvida de acordo com esse critério. Os
biólogos não utilizam tais sistemas hoje, mas eles serviram às necessidades
das pessoas que os desenvolveram (PURVES et al., 2006).

Os sistemas de classificação devem ser julgados somente nos termos da


sua utilidade e consistência com seus objetivos explícitos. Para avaliar qualquer
sistema de classificação devemos primeiro perguntar: Qual tipo de relaciona-
mento ele está tentando expressar? Com que qualidade ele está expressando
aquele tipo de relacionamento? Desde a sua origem, aproximadamente 4 bi-
lhões de anos atrás, a vida tem evoluído sob a influência dos agentes evoluti-
vos já discutidos anteriormente. A majestosa riqueza do mundo biológico atual
resulta de milhões de eventos de especiação e os biólogos têm desenvolvido
métodos para traçar a história desses processos e entender os seus resultados.

As classificações biológicas são hierárquicas porque a evolução pro-


duziu um padrão hierárquico arboriforme, divergente, de semelhanças entre
os seres vivos; sem dúvida, a natureza hierárquica das classificações biológi-
cas tem feito parte das evidências da evolução. A evolução da descendência
produz, nas palavras de Darwin, um padrão de “grupos dentro de grupos”.
Em sua autobiografia, ele relembrou que na versão inicial de sua teoria:

“Desconsiderei um problema de grande importância, e hoje me


surpreendo de como pude desconsiderá-lo e a sua solução. Esse
problema é a tendência de os seres orgânicos que descendem do
mesmo tronco divergirem em suas características à medida que se
tornam modificados. Que eles divergiram grandemente, é óbvio
pelo modo como as espécies, de todos os tipos, podem ser reu-
nidas em gêneros, os gêneros em famílias, as famílias em ordens,
e assim por diante... A solução me ocorreu longo tempo depois
.... Creio que a solução é que, na economia da natureza, as proles
modificadas de todas as espécies dominantes e das formas em ex-
pansão tendem a se tornar adaptadas a muitos locais diversos ”

Darwin, portanto, sugeriu que a hierarquia resulta principalmente


das forças relativas da competição por recursos dos indivíduos mais estrei-
tamente relacionados de um lado e dos relacionados mais distantemente do
outro. Um indivíduo de uma espécie competirá muito contra outros mem-
bros de sua espécie, menos contra membros de outras espécies de seu gê-

Evolução Biológica  151


nero e pouco contra membros de grupos mais distantemente relacionados.
Assim, a competição mais forte é a intraespecífica, ou seja, dentro da mesma
espécie. Como os membros de uma mesma espécie são mais parecidos entre
si, eles exploram recursos mais semelhantes. Um modo de evitar a competi-
ção, então, é tornar-se diferente dos competidores (RIDLEY, 2006).

A competição entre indivíduos semelhantes levará à evolução de no-


vas adaptações, que tendem a reduzir a intensidade da competição. Essa é,
em essência, a tal “luta pela sobrevivência” (do inglês struggle for existence)
de Darwin. A mudança de características ou comportamentos proporciona-
dos pela competição pode causar divergências entre espécies estreitamente
relacionadas. Seguindo esse raciocínio em seu nível mais básico, a lógica de
avaliar as relações evolutivas é simples: os táxons mais proximamente rela-
cionados devem ter a maioria das características em comum.

Assim sendo, quaisquer características que tenham uma base genética


e que variem entre os táxons envolvidos podem ser avaliadas pela similaridade
e nos ajudam a reconstruir quem evoluiu de quem. Muitos tipos de caracteres
poderiam qualificar-se: sequências de nucleotídeos em um determinado gene, a
presença ou ausência de elementos esqueléticos específicos ou partes florais ou
o modo de desenvolvimento embrionário ou larvário. O agrupamento de espé-
cies de acordo com suas semelhanças e a distinção de grupos por suas diferen-
ças pareceria ser um meio razoavelmente fácil de inferir suas relações evolutivas.
Lamentavelmente, a inferência de filogenias é tudo, menos simples, na prática.

3.2 Reconstrução de Filogenias

Além da seleção natural, outro grande pilar que sustenta a evolução da-
rwiniana é que os seres vivos descendem de um ancestral comum. Essa visão,
aparentemente simples, tem um impacto gigantesco na forma de se ver a própria
vida – quaisquer espécies pegas ao acaso possuem, em algum tempo do passado,
ancestrais em comum. É por isso que a simbologia para representar atualmente
a história da vida é dada por ramificações, tais como os galhos de uma árvore.

O livro A Origem das Espécies, dependendo de sua edição, tem cerca


de 500 páginas; no entanto, ele tem apenas uma figura! A única imagem que
Darwin utilizou em sua obra foi justamente uma representação de linhagens
evolutivas divergentes ao longo do tempo (Figura 3, Cap.1; mas veja o famoso
esboço de Darwin em seu diário de anotações, Figura 31). Quando o natura-

152  Licenciatura em Biologia


lista inglês descreveu a evolução como descendência com modificação, ele reco-
nheceu que espécies estreitamente relacionadas – isto é, espécies que compar-
tilham um ancestral comum recente – são provavelmente muito similares. Em
outras palavras, elas devem compartilhar muitas características herdadas de
um ancestral comum, uma vez que divergiram dele mais recentemente.

Figura 31. Esboço de Darwin em seu diário pessoal. O cientista desenha seu insight do pro-
cesso evolutivo como ramificações de linhagens que descendem de ancestrais em comum,
mas que divergem ao longo do tempo, tal como os galhos de uma árvore. Entre as anotações
em volta da árvore, lê-se “I think”, que significa: Eu acho.

Uma filogenia é a história evolutiva da descendência de um grupo de


organismos do seu ancestral comum. Nosso entendimento do processo de es-
peciação nos diz que linhagens de organismos podem ser representadas com
“árvores” ramificadas. Essas árvores filogenéticas mostram a ordem em que
as espécies se separam. Uma árvore pode retratar a evolução de toda a vida,
de todas as grandes linhagens evolutivas, de somente um pequeno grupo de
organismos ou mesmo das diversas populações de uma mesma espécie.

O método de reconstrução de relações de parentesco entre grupos


foi iniciado pelo entomólogo alemão Willi Hennig, que acabou dando ori-
gem à chamada Sistemática Filogenética. Segundo essa proposta, os organis-
mos que compartilhassem condições derivadas (i.e., apomórficas) de carac-
teres poderiam ser provindos de descendentes da espécie ancestral, na qual
a condição primitiva (i.e., plesiomórfica) passou à condição derivada. Desta
forma, passou-se a reivindicar que a classificação dos organismos refletisse,
de modo inequívoco, as relações de parentesco dos grupos classificados.

Evolução Biológica  153


Desde o estabelecimento das ideias de Hennig, muitas adições foram
feitas à forma original de inferência filogenética, gerando um grande aperfeiço-
amento do método. Em vista disto, o papel da Sistemática Filogenética é, além
de realizar o trabalho tradicional da taxonomia, organizar o conhecimento sobre
a diversidade biológica a partir das relações de parentesco entre os grupos e do
conhecimento da evolução das características morfológicas, comportamentais,
ecológicas, fisiológicas, citogenéticas e moleculares dos grupos de organismos.
Sistemática e seus métodos de inferência passaram a estar associados a várias
outras disciplinas, como Zoologia, Botânica, Ecologia e Genética, analisando
e interpretando os padrões e processos evolutivos. Os resultados dos estudos
sistemáticos são representados graficamente na forma de filogenias ou árvores
filogenéticas, que buscam mostrar a genealogia da vida.

Investigando, deste modo, o critério de parentesco e não o da seme-


lhança como prioritário na classificação biológica, as classificações deixa-
ram ser só para nomear organismos e passaram a tentar refletir as relações
de parentesco (evolutiva) entre eles. Árvores filogenéticas, portanto, tentam
agrupar relações genealógicas entre os táxons de acordo com os atributos
compartilhados, ou seja, suas homologias (Figura 32, mas ver também o
Quadro Diferenciando Homologia de Homoplasia).

Classe:
Mammalia
Ordem:
Carnívora
Família:
Felidae

X A B C D Tartaruga Cavalo Lobo Leopardo Gato doméstico


5
4 Habilidade de ronronar.
3
2 Garras retráteis
1
Carnívoros
(dentes comedores de carne)
Pelo

Figura 32. A lógica para se construir as relações evolutivas (i.e., de parentesco) entre as espécies pelos seus carac-
teres homólogos e compartilhados (ou não). Os números da árvore à esquerda representam caracteres comparti-
lhados. Por exemplo, o caractere 1 é compartilhado pelas espécies A, B, C e D. Já o caractere 5 está presente somen-
te na espécie D. Na árvore à direita estão especificados alguns caracteres compartilhados entre alguns mamíferos.

154  Licenciatura em Biologia


Diferenciando Homologia de Homoplasia

O meio mais eficiente de distinguir homologia de homoplasia é analisar muitas


características na reconstrução das relações evolutivas, em vez de analisar apenas
uma ou algumas. Por exemplo, os peixes de nadadeiras raiadas e outros vertebra-
dos têm um esqueleto ósseo e um amplo conjunto de outras características que os
distinguem dos polvos e outros moluscos. O agrupamento das espécies com base
apenas na estrutura ocular sugeriria que os polvos e os vertebrados são muito rela-
cionados, mas essa hipótese imediatamente torna-se problemática quando um con-
junto mais amplo de características é examinado. Os organismos abaixo, apesar de
terem modificado a função de suas adaptações, compartilham as mesmas origens
estruturais de seus ancestrais – elas são homólogas. Por outro lado, órgãos análo-
gos são aqueles que têm a mesma função, mas não compartilham a mesma origem.
Fonte: Freeman & Herron, J. C. 2009.

Estruturas Homólogas, mesma origem.


Braço do homem Pata dianteira do cavalo Asa de morcego
Rádio Carpo Metacarpo

Úmero Úmero
Úmero Ulna

Ulna Falanges
Rádio Rádio

Ulna Nadadeira de baleia


Carpo
Rádio Carpo Falanges
Carpo Osso estilóide
(metacarpo dos dedos II e IV)
Metacarpo
Osso da canela
(metacarpo do dedo III)
Falanges
Falange
única
Úmero Ulna Metacarpo

Origens diferentes, mesma função.

Asa de inseto Asa de ave


Nervuras
Ossos
Quitina Penas

Figura 33. Diferenças entre homologias e homoplasias.

Evolução Biológica  155


3.2.1 Como Reconstruir as Relações
Evolutivas das Espécies?

Para se reconstruir uma filogenia, devemos cumprir os seguin-


tes pressupostos: (i) que os caracteres sejam homólogos, i.e., que tenham
a mesma origem, (ii) que sejam independentes e (iii) que não constituam
homoplasias, ou seja, que a similaridade de caracteres compartilhados por
duas ou mais espécies seja derivada de um ancestral comum. Para essas in-
vestigações, existem vários métodos que buscam dar robustez para essas
hipóteses históricas, mas não é nossa intenção detalhá-los (para mais deta-
lhes, ver MATIOLI, 2001). Para nosso propósito, basta sabermos que uma
reconstrução filogenética consiste em estimar as relações de ancestralidade
para um determinado número de táxons com a maior acurácia possível.

Uma árvore filogenética representa graficamente a história evolutiva


(i.e., as relações de ancestralidade) dos organismos presentes nela (Figura
34). Os táxons podem ser famílias, gêneros, espécies ou populações; ou
seja, é qualquer nível taxonômico sobre os quais se deseje inferir a história
evolutiva. Com frequência, são chamados também de unidades taxonômi-
cas operacionais ou simplesmente OTUs (do inglês, operational taxonomic
units). Árvores filogenéticas têm dois tipos de nós, os internos e os termi-
nais. Os nós terminais representam as OTUs estudadas, unidas por ramos,
cujo nó interno representa o ancestral comum mais recente desses táxons
(MATIOLI, 2001). Em outras palavras, a tipologia de uma árvore filogené-
tica pode ser estritamente dicotômica – onde em cada nó interno chega um
ramo (que vem da espécie ancestral) e parte dois ramos (que vão para os
descendentes); ou politômicas – onde, além do ramo que liga o nó interno
ao ancestral, há três ou mais ramos descendentes.

156  Licenciatura em Biologia



Táxon A
Táxon B
Táxons irmãos
Linhagem Táxon C
ancestral Táxon D
Táxon E
Táxon F
Ancestral comum Politomia
dos táxons A-F

Táxon E
Táxon F
Táxon C
Táxon A
Táxon B
Táxon D
Táxon G
Grupo irmão

Figura 34. Exemplos de árvores filogenéticas com as nomenclaturas normalmente usadas


para representar e interpretar cada uma de suas partes.

Outro conceito que a escola filogenética introduziu na sistemática é


o de grupos externos (MADDISON et al., 1984). Como visto há pouco, ple-
siomorfia e apomorfia são conceitos que indicam a idade relativa de caracteres
que são homólogos (de mesma origem) em uma determinada série de trans-
formação. Assim, para afirmar qual das condições encontradas em um grupo é
mais apomórfica (i.e.,derivada) é necessário saber qual é a mais antiga, a mais
primitiva (i.e., plesiomórfica). Assim, os grupos externos devem apresentar
essa condição ou outra ainda mais plesiomórfica. Ou seja, os grupos externos
são capazes de dar o sentido do tempo na análise de um grupo, o que acaba
provendo a raiz da árvore filogenética, que corresponde ao ancestral comum
mais recente de todos os membros do grupo interno (GRAUR & LI, 2000).

Evolução Biológica  157


A maioria dos taxonomistas hoje acredita que os sistemas de classi-
ficação devem refletir o relacionamento evolutivo dos organismos – isto é,
que os grupos taxonômicos devem ser monofiléticos. Um grupo monofi-
lético (que pode ser chamado de um clado) contém todos os descendentes
de um ancestral comum e nenhum outro organismo. Em outras palavras,
um grupo monofilético é um grupo que pode ser removido de uma árvore
evolutiva por um simples “corte” na árvore. Um táxon constituído de mem-
bros que não compartilham o mesmo ancestral é polifilético. Um grupo
que contém pelo menos alguns descendentes de um ancestral particular é
dito parafilético (ver ‘Um quadro sobre clados).

Um quadro sobre clados: aves são répteis?

Como visto, nomes taxonômicos são dados somente para grupos monofiléti-
cos nos sistemas de classificação filogenéticos. Mas isso não significa que todo
grupo monofilético deve ter um nome. Os sistemas em geral só dão nome a
grupos associados devido a muitas características derivadas ou à presença de
caracteres importantes, que podem ser utilizados para identificar membros
desse grupo. Embora a maioria dos sistemas seja a favor de classificações
filogenéticas, alguns acreditam que os sistemas de classificação devem refletir
também o grau de diferenciação entre os organismos, não somente a sua
genealogia evolutiva. De acordo com essa visão, devemos manter os nomes
de grupos parafiléticos que tenham sofrido diversificação e mudanças evolu-
tivas rápidas. A perspectiva desses taxonomistas pode ser ilustrada pelas aves,
crocodilos e seus parentes.

Sabemos agora, tanto devido aos fósseis quanto às evidências anatômicas,


que aves, tartarugas e crocodilianos (um grupo que inclui crocodilos e jaca-
rés) compartilham um ancestral mais recente que crocodilianos e tartarugas
compartilham com cobras e lagartos. Tradicionalmente crocodilianos eram
agrupados com cobras, lagartos e tartarugas na classe Reptilia. Aves eram
colocadas em uma classe separada. Essa classificação surgiu porque, desde o
tempo em que essas duas linhagens se separaram, os crocodilianos evoluíram
mais lentamente do que as aves.

Como resultado, os crocodilianos são mais semelhantes, em muitas caracte-


rísticas, a cobras e lagartos do que eles são semelhantes às aves. Eles pare-
cem grandes lagartos. A Figura 35 mostra que a tradicional classe Reptilia é

158  Licenciatura em Biologia


parafilética porque não inclui todos os descendentes do ancestral comum,
isto é, as aves não estão incluídas. Se somente táxons monifiléticos são permi-
tidos, as aves deveriam ser incluídas com os crocodilianos, tartarugas e seus
ancestrais em um táxon único separado das cobras e lagartos. Manter as aves
como uma classe separada (isto é, manter os répteis como um grupo para-
filético) enfatiza que as aves sofreram uma evolução rápida desde que se se-
pararam dos répteis e adquiriram grandes e únicas características derivadas.

Mamíferos Tartarugas Tuataras Cobras-cegas Lagartos Crocodilos Passáros


e cobras

Figura 35.

A mesma lógica e conceitos vistos até agora podem ser aplicados no ní-
vel molecular. A evolução nesse nível acarreta mudanças na sequência nucle-
otídica, devido a mutações. As novas sequências nucleotídicas são herdadas
pelas linhagens descendentes como características derivadas compartilhadas
(Figura 36). Essa é a base da Sistemática Molecular, que, aliada à taxonomia
clássica (i.e., morfológica) tem contribuído muito para esclarecer as relações
evolutivas entre diversos táxons. Com o aprimoramento de técnicas da Biolo-
gia Molecular (e.g., sequenciamento de genes, relógio molecular) aliado ao ar-
cabouço teórico relacionado à evolução molecular, podemos hoje aprimorar
as análises das relações evolutivas entre populações, espécies, gêneros, famí-
lias e quaisquer outros níveis hierárquicos de classificação biológica.

Evolução Biológica  159


AGCTTAATTAG
AGCTTAATTTG
AGCTTAATTAG
AGTTTAATTAG
AGCTTAATTAG
AGCTTAATTAG
CGCTCAATTAG
CGCTCAATTAG
CGCTCAATTAG
AGCGCATTTAG
Figura 36. Lógica da construção de árvores filogenéticas a partir de sequências de DNA e
suas mutações.

Evolução convergente: Nem todas as


características semelhantes são homólogas

Entre os vertebrados, tanto os crocodilos quanto os hipopótamos tem


olhos localizados na parte superior de seus crânios, não nas laterais. Toda-
via, os crocodilos possuem um conjunto de sinapomorfias que os identifica
como répteis, enquanto os hipopótamos compartilham a pelagem, a lacta-
ção e outros traços/atributos derivados com os mamíferos.

Diferenças morfológicas, como olhos e crânios evoluem independentemen-


te em diferentes linhagens, devido à evolução convergente, que ocorre
quando a seleção natural favorece estruturas similares como soluções a
problemas criados por ambientes similares. Tanto os hipopótamos quanto
os crocodilos passam grande parte do dia submersos na água, portanto
propõe-se a hipótese de que a localização de seus olhos na parte superior
do crânio tenha sido uma vantagem adaptativa fornecida pela seleção na-
tural ao longo da evolução, pois ajuda-os a ficar alertas aos alimentos ou
aos predadores, enquanto mantém as cabeças refrescadas e ocultas. Outros
exemplos da evolução convergente incluem as asas dos morcegos e das
aves, as formas aerodinâmicas dos tubarões e baleias, as semelhanças mor-
fológicas entre mamíferos placentários da América do Sul e os mamíferos
marsupiais da Austrália. Devido ao habitat ou a hábitos de vida semelhantes
à evolução acaba por gerar características e adaptações similares em gru-
pos biológicos de linhagens distintas.

Fonte: Freeman, S. & Herron, J. C. Análise Evolutiva, 4ª ed. Artmed, 2009.

160  Licenciatura em Biologia


Figura 37.

Atividade / Para Refletir

Você acredita que podemos fazer uma analogia com a evolução biológica a
partir da evolução dos idiomas? O Latim, por exemplo, poderia ser conside-
rado com o ‘ancestral comum’ dos idiomas como o Português, o Espanhol, o
Italiano e o Francês? As línguas faladas na Alemanha, Inglaterra e Estados Uni-
dos poderiam ser consideradas como tendo outra origem, no caso do idioma
falado pelos antigos povos anglo-saxônicos? Ainda, se pudéssemos agrupar
os diferentes idiomas falados no mundo, levando-se em conta o alfabeto e
a escrita como caracteres a serem avaliados, como seriam agrupados esses
idiomas acima citados, juntos ou separados de idiomas como os falados no
Japão, China, Coréia e Arábia Saudita? Pensando em clados e em grupos mo-
nofiléticos como seria uma possível árvore de relações entre esses idiomas?

3.3 Ontogenia – Biologia Evolutiva do Desenvolvimento

Com a divulgação de A origem das espécies por Darwin, em 1859, uma


nova abordagem em evolução foi concebida. Além de propor a seleção natural
como mecanismo regedor dos processos evolutivos, Darwin também propôs
que os organismos evoluiriam de um ancestral comum, porém sem ser de uma
maneira sequencial, mas em um processo aberto, modelado pela seleção natural.

Esta nova visão de Darwin mudou o pensamento sobre a evolução dos


organismos. Antes achavam que os organismos unicelulares em uma cadeia
evolutiva deram origem a todos os organismos, até chegar ao homem. Com a
nova visão darwiniana, a evolução não teria sido sequencial, e sim ramificada.

Evolução Biológica  161


Desta forma, todas as espécies seriam descendentes de um ancestral
comum. Com o passar do tempo, sob a ação da seleção natural, diferentes
linhagens foram surgindo, como resposta a adaptação ao ambiente. Portan-
to, a evolução é mais bem vista como uma árvore ou arbusto ramificando-se,
com as pontas de cada ramo representando alguma espécie viva atual. Neste
sentido, todas as espécies vivas que atualmente conhecemos são, neste mo-
mento, o final da história evolutiva, não sendo ancestrais das espécies atuais.
Os que são ancestrais, hoje já não vivem mais.

Um erro comum acerca deste pensamento refere-se à evolução do


ser humano, considerando que os humanos evoluíram de alguma espécie
viva de macaco. Humanos e macacos compartilham um ancestral comum,
que hoje já não existe mais. Tanto os humanos quanto os macacos atuais
são espécies totalmente modernas, o ancestral do qual evoluímos era uma
espécie de macaco, que atualmente se encontra extinto e não é nenhum dos
macacos que vivem nos dias atuais. Estudos genômicos revelaram que dos
macacos existentes os parentes mais próximos do homem seriam o chim-
panzé e o bonobo e, posteriormente, o gorila (Figura 38).

Figura 38. Da esquerda para a direita: chimpanzé, bonobo e gorila, nesta ordem, são os primatas mais
próximos do ser humano.

Contudo, podemos nos perguntar: em que momento da evolução


surge um novo indivíduo? Como ocorre a formação de novas características
morfológicas que distinguirão esses novos indivíduos? Essas são perguntas
que a Biologia Evolutiva do Desenvolvimento (em inglês, ‘evo-devo’ - Evo-
lutionary Developmental Biology) se predispôs a responder. Esta área se
dedica a estudar como se originam novas formas nos diferentes grupos de
organismos a partir de alterações no seu desenvolvimento embrionário.
Para isto, além de estudos na área de anatomia e embriologia comparada,

162  Licenciatura em Biologia


a Evo-Devo aborda o campo da biologia do desenvolvimento, que estuda
como os organismos se desenvolvem desde a fecundação até a forma adulta,
a genética, que pesquisa sobre genes e moléculas, e a evolução, que estuda
como as espécies evoluem ao longo da escala temporal, desde a sua origem
a partir de um ancestral comum.

Em suma, a Evo-Devo examina como ocorre a evolução através do


aparecimento de novas estruturas morfológicas em decorrência da expres-
são de genes durante o desenvolvimento do embrião.

3.3.1 Desenvolvimento Morfológico

Todos os animais cordados, desde o embrião até o nascimento, pas-


sam por um complexo processo de diferenciação e desenvolvimento de
todas as suas características morfológicas e fisiológicas. Cada indivíduo
origina-se a partir de uma só célula formada no momento da fecundação
(Figura 39). Essa célula irá passar por um processo de inúmeras divisões,
gerando grupos de células que se diferenciam ao longo do desenvolvimento
e formam os vários tecidos, membros e órgãos dos embriões, presentes no
animal ao seu nascimento. Os genes do desenvolvimento são responsáveis
pelo molde deste novo embrião. Todo este processo de desenvolvimento
de um organismo é estudado pela ontogenia. Mudanças evolucionárias e
genéticas no desenvolvimento são os mecanismos de quase todas as mu-
danças na morfologia.

Figura 39. Imagens de células embrionárias em diferentes estágios de divisões celulares.

Evolução Biológica  163


A forma ou presença de estruturas específicas no corpo de um ani-
mal têm clara associação com a informação contida em seu material gené-
tico e que alterações nestes genes podem modificar o desenvolvimento e a
evolução morfológica. Resultados de pesquisas nesta área fornecem suporte
para entender as relações filogenéticas entre os organismos. As relações de
parentesco entre os organismos, assim como a determinação de seus ances-
trais extintos são temas abordados em filogenia.

3.3.2 Teoria da Recapitulação

Em sua obra “A origem das Espécies”, Darwin observou que nas fases
iniciais de desenvolvimento embrionário de vertebrados existia uma gran-
de semelhança entre estes embriões, que posteriormente no transcorrer do
desenvolvimento cada um se modificaria tomando as características perten-
centes à espécie. O estágio em que os organismos apresentam um mesmo
padrão de desenvolvimento foi chamado de estágio filotípico (Figura 40).
Esta semelhança demonstraria a ancestralidade de cada espécie. Para Da-
rwin, esta observação seria uma grande evidência de sua teoria evolutiva.

Figura 40. Estágios filotípicos (ao centro) de quatro espécies de vertebrados: humano, porco,
lagarto e galinha.

Inspirado por este pensamento, em 1868 um zoólogo alemão, cha-


mado Ernst Haeckel, propôs a “Lei Biogenética” ou “Lei da Recapitula-
ção”. Pela Lei Biogenética um organismo passa por estágios que repetem
a estrutura da fase adulta dos ancestrais da espécie durante o desenvolvi-
mento, ou seja, este desenvolvimento embrionário mostraria as etapas da
evolução ocorrida na espécie da qual pertencia o embrião.

164  Licenciatura em Biologia


A Lei Biogenética ficou conhecida pela expressão “a ontogenia recapitula
a filogenia”, na qual a ontogênese recapitularia as formas adultas dos ancestrais,
nesse sentido, a história do desenvolvimento de um organismo (ontogenia) re-
pete o desenvolvimento evolucionário de sua espécie (filogenia). Por exemplo,
tanto os embriões da galinha quanto os dos humanos passam por um estágio
onde têm fendas e arcos nos seus pescoços que são idênticos às fendas e arcos
branquiais dos peixes. Dessa maneira, de acordo com a Lei Biogenética, galinhas
e humanos compartilham um ancestral comum com o peixe. Portanto, essas ca-
racterísticas ontogênicas poderiam ser usadas para a construção de filogenias.

A fraude de Haeckel?

Foi em seu livro, A história natural da Criação (“Natürliche Schöpfungs-geschi-


chte”, publicado em alemão, em 1868), que Haeckel representou por meio
de ilustrações o desenvolvimento embrionário de uma série de organismos.
Nessas ilustrações, Haeckel enfatizou a semelhança entre as etapas iniciais
do desenvolvimento embrionário destes organismos vertebrados (Figura 43).

Dentre as várias ilustrações, uma em especial colocou o pesquisador em con-


tradição. Ao comparar o embrião de cachorro de quatro semanas com um
embrião humano de mesma idade, Haeckel adulterou os desenhos originais
para que as semelhanças ficassem mais acentuadas e as diferenças atenuadas,
reforçando assim a sua teoria. Alguns pesquisadores da época descobriram
as adulterações e denunciaram Haeckel, que posteriormente confirmou a
fraude alegando que estaria somente preenchendo e reconstruindo os elos
evolucionários frente à falta de evidências.

Um embriologista chamado de Karl Ernst von Baer também contestou a teo-


ria de Haeckel. Ele concordava que a ontogenia guardaria traços semelhantes
entre os organismos relacionados nos primeiros estágios do crescimento
embrionário. Contudo, para von Baer, o que se assemelham são traços do
desenvolvimento embrionário e não as formas adultas dos ancestrais.

Apesar de ter confessado a fraude relativa às ilustrações, a teoria de Haeckel


permaneceu inabalada e se popularizou, pois era muito atraente para os evo-
lucionistas. Ainda hoje, é ensinada como evidência da evolução em escolas e
universidades, possuindo alguns defensores.

Em 1997, um embriologista britânico chamado Michael Richardson e seus colegas


publicaram fotografias comparando embriões reais com desenhos de Haeckel no

Evolução Biológica  165


jornal Anatomy and Embryology. No mesmo ano, esta comparação foi noticiada
pelo jornal Science sob o título de: “Os embriões de Haeckel: Fraude redesco-
berta” (Pennisi, 1997). A Figura 42 mostra diagramas com base em fotografias
de Richardson (caixa central) comparados aos diagramas de Haeckel (41). As
similaridades vistas por Haeckel não são as mesmas mostradas na figura anterior.

Informações retiradas de:Truth in Science. Inglaterra, nov. de 2005. Disponível


em:< http://www.truthinscience.org.uk/tis2/index.php/component/content/
article/49.html>. Acessado em: 02 ago. 2012.

Peixe Salamandra Tartaruga Galinha Porco Boi Coelho Humano

Figura 41. Desenho feito no final do século 19 por Ernst Haeckel (1874), que com-
para as semelhanças entre embriões e adultos de várias espécies de vertebrados.
Contudo, há mais de um século os cientistas atestam a fraude cometida por Haeckel,
alegando que os embriões de vertebrados não são tão parecidos como foi ilustrado.

Figura 42. Ilustrações de Haeckel’s (acima) comparado com as de Richardson (cai-


xa central), de grupos diferentes de vertebrados.

166  Licenciatura em Biologia


Stephen Jay Gould, em 1977, com seu livro “Ontogeny and phylo-
geny”, fez um estudo acadêmico sobre a teoria da recapitulação proposta
por Haeckel. Neste estudo, Gould escreveu sobre a evolução por adição ter-
minal. A evolução por adição terminal sugere que durante o desenvolvimen-
to embrionário o indivíduo passará em alguma etapa de seu desenvolvimen-
to pela forma adulta de seu ancestral. Assim, a evolução seria precedida pela
sucessiva adição de novos estágios ao final do desenvolvimento, como mais
um passo na diferenciação do indivíduo. O desenvolvimento de um orga-
nismo primitivo avança e para no estágio A. Então a evolução ocorre e este
indivíduo por adição terminal evolui para o segundo estágio A—▶B, e assim
por diante.

Tomemos como exemplo a ontogenia de uma galinha (Figura 43).


Se observarmos o seu desenvolvimento, veremos que o embrião da galinha
nos estágios iniciais se assemelha aos embriões de répteis e peixes em algum
ponto de seu desenvolvimento, mas ele não recapitula as formas de seus an-
cestrais adultos.

Figura 43. Ilustração representando as principais etapas no desenvolvimento embrionário de uma


galinha. Em nenhum estágio é possível observar semelhanças com um réptil ou peixe adulto,
como propõe a teoria da recapitulação. Ainda de acordo com a adição terminal, na última etapa
de desenvolvimento, é que seriam adicionadas as características pertencentes à galinha.

Saiba mais

Ernst Heinrich Philipp August Haeckel (1834-1919) foi um zoólogo alemão


que difundiu o pensamento de Charles Darwin na Alemanha. O seu interesse
pela teoria evolutiva levou-o a enriquecê-la com conceitos novos. Além da
famosa “lei biogenética” e da frase “a ontogenia recapitula a filogenia”, Hae-
ckel propôs muitos termos que são até hoje usados nas Ciências Biológicas
como “ontogenia” e “filogenia”, “filo” – grupo taxonômico de animais, e o
termo para nomear uma nova especialização da Biologia, a “ecologia” - do
grego, oikos, casa e logos, estudo. Além de cientista, Haeckel também foi um
talentoso artista; procure imagens de suas ilustrações no Google para ver sua
habilidade em desenhar os organismos com os quais trabalhou.

Evolução Biológica  167


Figura 44.

Informações retiradas de: ERNST HAECKEL. In: WIKIPÉDIA, a enciclo-


pédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ernst_Haeckel&oldid=30890611>. Aces-
so em: 2 ago. 2012.

3.3.3 Evo-devo: Os Genes Entram em Ação

Apesar das controvérsias que cercam a Lei da Recapitulação, não


podemos deixar de concordar que, sobretudo nos estágios iniciais, os em-
briões de vertebrados têm muita coisa em comum. A resposta para essa si-
milaridade parece ter uma base molecular, ou seja, está ‘inscrito’ no DNA
dessas espécies.

Com os avanços na área de sequenciamento genético nas últimas dé-


cadas, muito se tem descoberto sobre o funcionamento e as bases nitroge-
nadas que compõem os genes. A expressão dos genes é condicionada prin-
cipalmente por duas classes de genes: os genes estruturais e os reguladores. Os
primeiros codificam as moléculas dos organismos como proteínas, lipídeos,
enzimas, entre outras. Por outro lado, os genes reguladores codificam mo-
léculas que regulam a expressão de outros genes, tanto os estruturais como
os próprios reguladores.

Com base nos conhecimentos sobre sequenciamento, a biologia evo-


lutiva do desenvolvimento (evo-devo), realiza uma abordagem comparada

168  Licenciatura em Biologia


dos mecanismos e sequências do desenvolvimento embrionário, de modo a
iluminar como os genes poderiam gerar novas formas, funções e comporta-
mentos no curso temporal da evolução.

Um estudo realizado por King & Wilson (1975), exemplifica como o


sequenciamento genético pode ajudar nas questões evolutivas. Neste estu-
do, eles compararam o DNA de humanos e chimpanzé. Apesar de aos nos-
sos olhos existir uma grande diferença visual entre humanos e chimpanzés,
com este estudo eles concluíram que apenas 1,5% do DNA diferem entre
eles. Esta pequena porcentagem seria responsável por essas diferenças mor-
fológicas e fisiológicas que observamos entre as duas espécies, como por
exemplo, o caminhar ereto humano e o tamanho do cérebro (Figura 45).
Sendo assim, em humanos, ao que tudo indica grandes alterações fenotí-
picas seriam produzidas por uma pequena parcela dos genes, e estes genes
seriam genes reguladores. Mudanças no funcionamento dos genes regula-
dores poderiam gerar efeitos na expressão dos genes estruturais, levando a
mudanças nas características fenotípicas.

Figura 45. Comparação de um cérebro humano com o de um chimpanzé. Embora a diferen-


ça entre o genoma das duas espécies seja muito pequena, apenas 1,5 %, esta diferença foi
suficientemente importante para produzir um cérebro muito maior, e com uma capacidade
cognitiva incontestavelmente superior.

Gene não codificador de proteínas

Em um estudo publicado em 2006 por Katherine Pollard e colaboradores, os


pesquisadores acabaram por encontrar um gene batizado de HAR1F, gene
este exclusivo da espécie humana e responsável pelo desenvolvimento do
cérebro humano em volume e do córtex cerebral. Este gene está localizado
fora da região codificadora do DNA, e também não sintetiza proteínas e sim

Evolução Biológica  169


RNA. O fato de o gene HAR1F não produzir uma proteína sugere que as
principais diferenças genéticas entre humanos e chimpanzés estão fora da
área codificadora de proteínas. Isso explicaria porque, mesmo com 99% de
semelhança nos genes, humanos e símios são tão diferentes.

Informações retiradas de: FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 17 ago. 2006.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u15039.
shtml>. Acessado em: 01 ago. 2012.

3.3.4 Genes Hox: Controlando o


Desenvolvimento Embrionário

Durante o desenvolvimento embrionário existe uma longa lista de


genes que operam regulando aspectos essenciais da embriogênese, morfo-
gênese e diferenciação celular desde os organismos mais simples aos mais
complexos neste processo. Estes genes definem um padrão para a formação
do eixo corporal, controlando as partes do embrião que se desenvolverão ou
não em órgãos e tecidos específicos para cada espécie.

Ao estudar os genes Hox de 12 grupos de animais diferentes, foi de-


monstrado que o gene Hox se expandiu em dois momentos na trajetória
filogenética. O primeiro momento se refere à origem dos animais triblás-
ticos e bilaterais (Figura 46). Os cnidários possuem simetria radial e duas
camadas celulares, neste filo somente dois genes Hox foram encontrados. A
partir dos animais triblásticos e com simetria bilateral, como os platelmin-
tes, aumentaram o número de genes Hox para pelo menos cinco. O segundo
momento de expansão ocorreu na origem dos vertebrados. Os animais in-
vertebrados possuem um único conjunto de 13 genes Hox, por outro lado,
os vertebrados possuem quatro vezes esse mesmo conjunto. Este aumento
no número de genes deve ter contribuído para a evolução dos vertebrados.

A disposição dos genes Hox ao longo do cromossomo, possui


uma correlação às partes do embrião que os mesmos irão regular. Por
exemplo, a presença de um gene Hox na porção superior de um cromos-
somo representaria a regulação de determinado caractere encontrado na
porção superior do animal. A codificação dessa posição é filogenetica-
mente conservada.

170  Licenciatura em Biologia


Simetria radial Simetria bilateral

Lab pb Dfd Scr Antp Ubx Abd-A Abd-B

Figura 46. A expansão dos genes Hox, ocorreu em dois momentos da evolução. Primeira-
mente, na mudança dos cnidários com simetria radial e duas camadas celulares, para orga-
nismos como os platelmintes com simetria bilateral e triblásticos (A). O segundo momento
de expansão ocorreu na origem dos vertebrados. Ilustração representando os genes Hox de
Drosophila melanogaster. Os genes Hox são mestres na organização segmentar do corpo.
Note que cada gene está representado por uma cor que corresponde à expressão de um
gene em diferente região do corpo da mosca (B).

Durante o processo evolucionário, os animais passaram por mo-


mentos de perda e ganho de características morfológicas nos diferentes
filos animais. Para que este processo viesse a ocorrer, seria necessário
que os genes Hox sofressem mutações, passando a produzir diferentes
proteínas. Estas novas proteínas passariam então a regular o funciona-
mento dos genes de forma diferente, possibilitando mudanças no fenó-
tipo dos organismos.

Saiba Mais

A espinha bífida, é uma malformação congênita rara que acomete recém-nasci-


dos em que a parte final da coluna vertebral fica aberta e se subdivide, em vez
de se fechar. De acordo com um trabalho realizado por Young et al, (2009), uma
das funções dos genes Hox envolve o processo de formação das vértebras de
forma sequencial (vérrtebras cervicais, toráxicas, lombares, sacrais e coccígeas)
assim como a determinação do número de vértebras em cada animal. Um pro-

Evolução Biológica  171


blema na expressão desses genes pode deixar o esqueleto mais curto e com
problema na formação das últimas vértebras, levando a espinha bífida.

Informações retiradas de: DIÁRIO DIGITAL. Lisboa, 27 out. 2010. Disponível em: <
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=417834>.Acessado em: 02 ago. 2012.

Medula espinhal
exteriorizada

Sisto
espinha Medula espinhal
bífida

Figura 47.

Atividade

De acordo com as novas ideias propostas por Darwin, a evolução não teria
sido sequencial, e sim ramificada. Na prática, o que significa esta afirmação? O
que propõe a Lei da Recapitulação Ontogenética de Haeckel? Com base em
que elementos Haeckel propôs esta teoria? Foi por observações ou pressu-
posições teóricas? Qual o papel dos Genes Hox no controle do desenvolvi-
mento embrionário?

3.3.5 Diversidade de Espécies no Registro Fóssil: O


Gradualismo e o Equilíbrio Pontuado

O estudo da paleontologia por meio dos fósseis nos permite saber quais
organismos habitaram a Terra e hoje já não existem mais. Além de sabermos as
formas de vida extintas, através do registro fóssil podemos observar as mudan-
ças evolutivas através da história da Terra, estudando uma espécie desde o seu
aparecimento até a sua extinção. Um exemplo de evolução bem estudada é a do
cavalo (Equus caballus), desde o Eoceno até a atualidade (Figura 48).

172  Licenciatura em Biologia


Animal completo Pata dianteira

Holoceno 2 4

3
Pleistoceno Cavalo moderno
(há 1 milhão de anos) (equus) - 1,6 m

2 4
Mioceno
final
(há 8 milhões de anos)
3
Pliohippus - 1,25 m

Mioceno
médio
(há 15 milhões de anos) 2 4
3
Merychippus - 1,0 m

5
Eoceno
final
(há 36 milhões de anos) 2 4
Mesohippus - 0,6 m 3

Eoceno
inicial 5
2
Hyracotherium - 0,4 m 4
3

Figura 48. Reconstrução da evolução do cavalo por meio de registros fósseis, desde o Eoceno
até os dias atuais.

Por meio dos estudos paleontológicos, sabemos que muitos organismos


passaram por mudanças e que atualmente assumiram formas diferentes dos an-
cestrais. O que intriga muitos pesquisadores é a forma como ocorre este processo.
Seria de forma lenta e gradual, ou de uma forma repentina surgiriam novas linha-
gens? Por que o homem por meio de escavações não consegue encontrar todas as
formas intermediárias entre um ancestral e um organismo atual? Existiriam essas
formas intermediárias? Durante anos, todas essas questões influenciaram os cien-
tistas a proporem correntes de pensamentos divergentes, propondo teorias para
explicar a formação e a perpetuação de novas espécies, através dos mecanismos de

Evolução Biológica  173


especiação. O saltacionismo, o gradualismo e o equilíbrio pontuado, são três diferen-
tes teorias propostas na tentativa de explicarem o surgimento de novas espécies.

3.3.5.1 Gradualismo: Surgimento Lento e


Gradual de Novas Linhagens

Com a publicação de A origem das espécies, em 1859, Darwin argumenta-


va que a evolução procedia por pequenas mudanças sucessivas (gradualismo) ao
invés de grandes saltos (saltacionismo). A evolução teria sido lenta e gradual, pelo
acúmulo de mutações. Este acúmulo mutacional, resultaria na existência de vá-
rias formas intermediárias desde o ancestral até a forma atual. A este processo de
especiação Darwin chamou de gradualismo. Ao observar diferentes fenótipos
dentro de uma espécie animal, como cães e bovídeos, Darwin supunha que essas
diferenças na forma e tamanho representariam uma continuidade evolucionária,
e esta continuidade deveria estar representada nos registros fósseis (Figura 49).

Figura 49. Darwin ao observar diferentes raças de animais, como os bovinos, supôs que essas
diferenças morfológicas eram originadas pelo gradualismo, que em um ponto da evolução
formaria uma nova espécie.

Entretanto, os achados fósseis atuais revelaram uma grande desconti-


nuidade de fenótipos em alguns grupos de animais. Um exemplo é a falta de
intermediários entre as baleias e os demais mamíferos, assim como entre as
briófitas e as plantas vasculares. A falta de registros fósseis acabou se tornan-

174  Licenciatura em Biologia


do um ponto contra a teoria de Darwin, pois não confirmaria o gradualismo
entre as novas linhagens. Para Darwin, esta falta de uma sequência longa
e contínua de formas intermediárias ligando o ancestral e o descendente
ocorreria porque o registro fóssil é muito incompleto, estes intermediários
ainda não foram ou nunca serão descobertos.

3.3.5.2 Novas Espécies Podem Surgir por Saltos?

Antes da publicação de Darwin, muitos cientistas acreditavam que as


espécies poderiam surgir de forma abrupta, por “saltos”. Cientistas como Hugo
de Vries achavam que os pássaros se originaram dos dinossauros por saltos, e o
embriologista Karl Ernst Von Baer, foi um entusiasta do saltacionismo.

Os que defendiam o saltacionismo, como o geneticista Richard Gol-


dschmidt e o paleontólogo Otto Schindewolf, postulavam que o saltacio-
nismo consistia no principal meio de surgimento de novas linhagens. Ele
resultaria da fixação de uma simples mutação de grande efeito, ou seja, uma
súbita mudança de uma geração para a seguinte, em comparação com a va-
riação normal de um organismo, resultando em novas espécies.

A hipótese do saltacionismo se apoiava principalmente na falta de


fósseis intermediários. Com isto eles supunham que esta falta de fósseis
indicariam os episódios de “salto” nas linhagens evolutivas. Ao contrário
do gradualismo, o saltacionismo assegurava que os estágios intermediá-
rios nunca existiram e que os descendentes mutantes diferem drastica-
mente de seus pais.

Saiba mais

Muitos livros didáticos confundem o saltacionismo com o equilíbrio pontu-


ado. Apesar de certa forma os dois ocorrerem por saltos, o que muda é o
tamanho deste salto e a escala geológica. No equilíbrio pontuado o apareci-
mento de novas linhagens, além de levar um tempo menor, envolve mutações
graduais diferentemente do saltacionismo, e, desta forma, o salto para novas
espécies seria mais transicional, com a presença de intermediários.

Evolução Biológica  175


3.3.5.3 Equilíbrio Pontuado: Saltacionismo Gradual

Para esta falta de intermediários, em 1972, surgiu uma teoria cientí-


fica formulada pelos paleontólogos evolucionistas Stephen Jay Gould e Ni-
les Eldredge, denominada de equilíbrio pontuado (pontualismo ou teoria
dos equilíbrios intermitentes). Segundo essa teoria, a evolução de uma es-
pécie não ocorre de forma constante, mas alternada em períodos de poucas
mudanças ao longo do tempo geológico, e quando estas mudanças ocorrem,
elas se dão com súbitos saltos, de forma rara e localizada, diferentemente do
gradualismo (Figura 50). Para eles, a evolução acontece em saltos relativa-
mente rápidos, de cerca de 10.000 anos. Uma vez desenvolvidas, as espécies
tendem a se manter constantes por até milhões de anos, um período deno-
minado estase (FUTUYMA, 1992; RIDLEY, 2006).

Fenótipos Fenótipos
Tempo
(a) Gradualismo (b) Equilíbrio pontuado

Figura 50. Diferença entre gradualismo e equilíbrio pontuado ao longo do tempo. Note que
no gradualismo as mutações vão ocorrendo de forma lenta e gradual de forma que o apa-
recimento de novas espécies ocorre de forma sutil. Por sua vez, no equilíbrio pontuado, as
taxas de mutações são mais rápidas e quando surge uma nova espécie, este evento ocorre
por pequenos saltos.

Este entendimento, para compreensão da especiação, fundamentou-


-se em questionamentos acerca da descontinuidade do registro fóssil, conse-
quência da não constatação de indícios com relação às mudanças graduais.
Este tipo de mudança brusca pode ocorrer quando há mutações em genes
reguladores do desenvolvimento embrionário, gerando uma mudança re-
pentina na prole. Em geral, este tipo de mudança gera mudanças adaptativas
com defeito, mas se uma destas mutações é adaptativa, como poderia ser
o surgimento de uma pluma em vez de uma escama, como foi o apareci-
mento dos primeiros pássaros a partir de uma linhagem de dinossauros, esta

176  Licenciatura em Biologia


mudança na população seria definida para transmitir aos descendentes. Um
exemplo citado por Gould é o sexto dedo do panda.

Na verdade, não existe um sexto dedo no panda, o que aconteceu foi


uma mutação vantajosa no desenvolvimento do gene regulador do pulso
que lhe permitiu ter um osso longo e preênsil, que funciona como um po-
legar, possibilitando ao panda obter alimento e apreendê-lo com as mãos, o
que o resto dos ursos plantígrados não conseguem (GOULD, 1989).

3.3.5.4 Saltacionismo x Gradualismo x


Equilíbrio Pontuado

A falta de intermediários serviu tanto para apoiar quanto para refutar


ambas as teorias, sendo que cada uma utilizou-se deste fato ao seu favor. A
teoria de Darwin original se enquadra no gradualismo, em princípio tam-
bém não é totalmente contrária ao saltacionismo, e nem tão pouco ao equi-
líbrio pontuado. Sendo a principal divergência quanto às taxas de evolução,
ou seja, a velocidade com que ocorre a diversificação de espécies.

Para tentar solucionar o impasse entre as diferentes teorias, em 1995,


Erwin & Anstey fizeram uma revisão de 58 artigos para testar a teoria do
equilíbrio pontuado. Com esta revisão os pesquisadores chegaram às se-
guintes conclusões:

1 – As evidências paleontológicas esmagadoramente sustentam a vi-


são de que a especiação é algumas vezes gradual e algumas vezes pontuada.

2 - Um quarto dos estudos informou um terceiro padrão: gradualis-


mo e estase.

Esses resultados sugerem novos caminhos para a pesquisa. Por exem-


plo, é possível que diferentes tipos de organismos exibam diferentes padrões
de mudança?

3 - O padrão dominante na história da vida é que a formação de novas


espécies é decorrente de rápidas mudanças morfológicas. Mudanças rápidas são
seguidas por longos períodos de não mudanças (estase). Como resultado, a vas-
ta maioria das mudanças evolucionária ocorre durante os eventos de especiação.

Evolução Biológica  177


Em suma, os trabalhos de Erwin e Anstey, verificaram que a especia-
ção, às vezes, é gradual e, às vezes, é pontual e que não há um modo único
que seja típico. Além de verificarem um terceiro padrão: o do gradualismo e
da estase. Muitos outros pesquisadores também creditam à especiação a am-
bos os processos. Exemplos reais de especiação em fósseis mostram que as
taxas de evolução apresentam alterações, do abrupto ao suave, dependendo
da espécie. Entretanto, o equilíbrio pontuado tem se mostrado mais comum
que o gradualismo. Os defensores do gradualismo darwiniano atribuiram o
súbito aparecimento de novos táxons à incompletude do documentário fós-
sil e acreditam que, a medida que as coleções de espécimes crescessem, as
lacunas aparentes entre formas fósseis, causados por estase e pontuados por
saltos súbitos, seriam preenchidos por formas que mostrassem as transições
graduais entre as espécies.

Para os defensores do saltacionismo esses fósseis intermediários


nunca serão encontrados, pois simplesmente não existem. A saltação resul-
taria da fixação de uma única mutação de grande efeito e esta mutação se-
ria transmitida aos descendentes que seriam muito diferentes de seus pais.
Sendo assim, a especiação ocorreria no nível de indivíduos e não de popu-
lações. Enfim, o gradualismo e o saltacionismo se contradizem, mas não
são ideias opostas e sim dois extremos de dimensões contínuas, podendo
algumas espécies terem o padrão gradualista de evolução, outras o padrão
saltacionista e outras padrões pontualistas, que seria uma mescla entre o
saltacionismo e o gradualismo.

Atividade

Uma das controvérsias mais duradouras na biologia evolutiva tem sido se tais
lacunas fenotípicas representam simplesmente um registro fóssil inadequado
- ou seja, a evolução foi gradual, mas nós simplesmente não temos dados para
provar isso - ou se a evolução realmente passou por saltação. Algumas linhas
evolutivas acreditam que os dinossauros foram os ancestrais evolutivos das
aves, contudo faltava encontrar o elo perdido entre as dois grupos distintos.
Na China foi encontrado o que supostamente seria o elo perdido entre rép-
teis e aves, se trata do Archaeopteryx sp. Este achado fóssil possui características
de répteis, como os dentes, e de aves, como as asas.

Em sua opinião, você acha possível as aves descenderem dos dinossauros? Em


qual teoria de especiação este exemplo se enquadraria?

178  Licenciatura em Biologia


Figura 51. Registro fóssil de Archaeopteryx sp

3.4 Plasticidade Fenotípica

Em um ambiente natural, dia e noite, tanto plantas quanto animais,


vivem em uma intensa e constante adequação ao ambiente em que vivem.
Alguns podem viver em regiões de alta variabilidade ambiental ou de inten-
sa predação. Em ambos os casos, a habilidade fisiológica desses organismos
em responder a mudanças ambientais é de extrema necessidade a sua so-
brevivência. Mas como os indivíduos conseguem se adaptar a diferentes
estímulos ambientais? Como o ambiente externo pode influenciar caracte-
rísticas morfológicas e fisiológicas dos organismos? Parte destes questiona-
mentos pode ser compreendida pela forma como os genes dos organismos
se expressam frente a diferentes fatores ambientais.

Sabemos que cada ser vivo é composto por um conjunto de genes


herdado de seus progenitores. Este conjunto dos genes único, contido no
genoma de cada indivíduo, é chamado de genótipo. A expressão destes ge-
nes influenciada por fatores ambientais resultam no fenótipo. Desta forma,
o fenótipo são as características observáveis de um dado organismo tanto
morfológicas como fisiológicas e comportamentais.

Evolução Biológica  179


Espécies que possuem uma maior resposta fenotípica frente a mu-
danças ambientais podem assegurar um maior sucesso evolutivo. Esta ha-
bilidade de um organismo alterar sua fisiologia e/ou morfologia em decor-
rência de sua interação com o ambiente é chamada de plasticidade fenotípica
(Bradshaw, 1965; Schlichting, 1986). A plasticidade é um fenômeno pre-
sente em quase todos os seres vivos, como por exemplo, a diminuição do
crescimento em condições de escassez de recursos.

3.4.1 Revisão Histórica

Umas das primeiras observações sobre a plasticidade fenotípica foram


feitas por Richard Woltereck, em 1909. Neste estudo, ele observou que a altu-
ra da cabeça de pequenos crustáceos do gênero Daphnia variava conforme a
disponibilidade de nutrientes supridas pelas algas (Figura 53). Neste trabalho,
Woltereck cunhou o termo reaction norm (norma de reação), conhecido tam-
bém como curva fenotípica. Este termo se refere à capacidade de um genótipo
de produzir diferentes fenótipos em resposta ao ambiente, ou seja, um mesmo
genótipo pode produzir diferentes fenótipos em diferentes ambientes.

Em 1912, Woltereck trabalhando com o mesmo grupo de organismos,


verificou que as dáfnias quando expostas à presença de um predador respon-
diam alterando a forma de sua cabeça de uma geração para outra, de arredon-
dada para uma “capacete” pontudo – dificultando assim a sua predação por
outros organismos. Hoje este fenômeno é conhecido como ciclomorfose, e
além da predação, está associado também a mudanças na temperatura.

Figura 52. Figura extraída do trabalho de Woltereck (1909, p.114), em que ele retrata a
diferença no tamanho das cabeças de duas espécies de dáfnias (Hyalodaphnia cucullata e
Daphnia longispina). As diferenças fenotípicas no tamanho das cabeças são resultados de
diferentes concentrações de nutrientes disponíveis na água.

180  Licenciatura em Biologia


Saiba mais

Também conhecidos como pulgas d’água ou dáfnias, o gênero Daphnia, são


microcrustáceos pertencentes à ordem Cladocera. Vivem em ambientes
aquáticos e fazem parte do zooplâncton. Alimentam-se principalmente de
algas e pequenos microorganismos. Servem de alimento para uma gama de
peixes. O nome pulga d’água se deve ao fato de se locomoverem na água aos
pulos impulsionados por suas antenas.

Informações retiradas de: DÁFNIA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre.


Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.
org/w/index.php?title=D%C3%A1fnia&oldid=29796537>. Acesso em: 2
ago. 2012.

Figura 53. Indivíduo do gênero Daphnia.

Woltereck, em seus trabalhos, apoiou a visão darwiniana de que a


evolução ocorreu por meio de seleção natural atuando sobre pequenas va-
riações contínuas. Um suporte experimental para as ideias de Woltereck
veio com os estudos de Ivan Schmalhausen (1949).

Schmalhausen ilustrou a natureza adaptativa da planta aquática Sa-


gittaria sagittifolia (arrowleaf plant – nome dado devido ao formato de flecha
de suas folhas). Esta planta assume três formas completamente diferentes
para suas folhas, dependendo se seu crescimento for em terra firme ou se
parcialmente ou totalmente aquática (Figura 54). Estas três diferentes mor-
fologias foliares resultariam da interação entre o genótipo da planta com seu
ambiente durante o desenvolvimento. Um mesmo genótipo produziria dife-
rentes fenótipos com a alteração do ambiente (norma de reação).

Apesar de alguns cientistas se dedicarem aos experimentos e obser-


vações nesta linha de pesquisa, os termos norma de reação e plasticidade

Evolução Biológica  181


fenotípica não desempenharam um importante papel na formulação de
outras teorias evolucionistas. Somente com a publicação de uma influente
revisão por Anthony D. Bradshaw, em 1965, intitulada de Significado evolu-
tivo da plasticidade fenotípica em plantas, é que a plasticidade fenotípica foi
alçada novamente aos olhos das teorias evolucionárias.

Figura 54. Sagittaria sagittifolia (arrowleaf plant), ilustrando a plasticidade fenotipica de


suas folhas em resposta a três diferentes ambientes: terrestre, semi-aquático e totalmente
submerso. Fonte: Schmalhausen (1949).

Bradshaw foi o primeiro cientista a decifrar claramente dois concei-


tos fundamentais da plasticidade:

1. A plasticidade é controlada geneticamente e, portanto, pode evo-


luir independentemente de outros aspectos do fenótipo;

2. A plasticidade não é uma propriedade de um genótipo completo. Um


dado genótipo pode ser plástico para uma característica em resposta a um con-
junto de condições ambientais, mas não a outro conjunto. Em suma, a plastici-
dade é variável entre os organismos frente a diferentes condições ambientais.

3.4.2 Implicações Evolutivas da Plasticidade Fenotípica

Qual seria a significância evolucionária de processos ambientais so-


bre os organismos? A plasticidade fenotípica seria capaz de oferecer mudan-
ças comportamentais, fisiológicas, morfológicas, de crescimento e história
de vida como resposta a influências ambientais?

Indivíduos não diferem somente em seus atributos fenotípicos, mas


na maneira que estes atributos são alterados por mudanças ambientais. Os

182  Licenciatura em Biologia


organismos mais adaptados, ou plásticos, a novas situações, estariam aptos
a deixarem mais descendentes. Desta forma, a seleção natural privilegiaria
os organismos mais plásticos. Entretanto, por muito tempo, acreditou-se
que a plasticidade fenotípica poderia limitar o potencial para mudanças evo-
lutivas, por reduzir o impacto da seleção natural na estrutura genética de
populações. Esta linha de pensamento supunha que teoricamente, todos os
indivíduos seriam capazes de expressar diferentes fenótipos para cada mu-
dança ambiental, desta forma não seriam atingidos pela seleção natural.

A plasticidade fenotípica, porém, pode ser considerada um mecanis-


mo gerador de variabilidade fenotípica, uma vez que a seleção natural age
na expressão dos fenótipos, criando oportunidades para que mudanças ge-
néticas ocorram (CARDOSO & LOMÔNACO, 2003). O ambiente pode
alterar a força e direção da seleção, afetando a transmissão da frequência
de genes por mudanças na variação de fenótipos expressos, e, desse modo,
submetido à seleção e modificações (genéticas) evolucionárias (WEST
-EBERHAND, 1989).

Ao afetar uma variedade de fenótipos atualmente expressos, o am-


biente influenciaria quais fenótipos estariam expostos a seleção e seriam
modificados durante a evolução. Assim, através de seu papel no desenvol-
vimento, o ambiente pode afetar a direção da evolução, somente expres-
sando fenótipos que podem ser geneticamente modificado pela seleção.
Dado a complexidade da interação gene-ambiente no desenvolvimento,
a plasticidade fenotípica pode ser considerada uma qualidade universal
da vida. Espécies com grande potencial para plasticidade em caracteres
ligados à sobrevivência apresentam vantagens adaptativas em ambientes
instáveis, heterogêneos ou de transição, visto que as mudanças produzidas
podem facilitar a exploração de novos nichos, resultando no aumento da
tolerância ambiental.

Importância da plasticidade na preservação das espécies

A plasticidade fenotípica de uma dada espécie está intimamente ligada à sua


capacidade de se adaptar a situações de estresses ambientais, principalmente
em tempos de alterações climáticas globais e aumento na poluição ambiental.
Os organismos que melhor se adaptam a essas variações bruscas, certamente
terão um maior sucesso evolutivo.

Evolução Biológica  183


Para espécies sésseis a plasticidade assume um papel especialmente im-
portante na estabilidade populacional. Mexilhões são organismos aquáticos
sésseis, muito utilizados como bioindicadores de poluição aquática. Com a
imobilidade destes organismos se faz necessário um maior gradiente de to-
lerância a variações ambientais, que resultariam em adaptações fisiológicas.

A plasticidade pode ser considerada como o mecanismo de adaptação mais


importante para espécies vegetais em ambientes heterogêneos, uma vez que são
organismos de grande longevidade e incapazes de se locomoverem para regiões
de clima mais favoráveis. Em plantas, a plasticidade fenotípica pode ser expressa
no crescimento em altura, na anatomia e morfologia das estruturas vegetativas e
reprodutivas, na taxa fotossintética e sua fenologia (SULTAN, 1987).

Desta forma, medidas conservacionistas visando manter a biodiversidade e


o fluxo gênico entre os organismos é de extrema valia, pois asseguram uma
maior variabilidade genômica e capacidade adaptativa.

Plasticidade e o homem

A plasticidade fenotípica em humanos pode ser ilustrada por variações nos


níveis de hormônios em resposta a restrições energéticas, no papel do desen-
volvimento fetal como um fator de risco para doenças cardiovasculares e ainda
na influência da dieta e estilo de vida na etiologia de doenças degenerativas.

A Síndrome Metabólica (SM) é um distúrbio metabólico que consiste em


alterações no metabolismo dos glicídios, carboidratos, lipídeos e proteínas
provenientes da dieta.

A SM leva a um conjunto de fatores de risco cardiovascular, hipertensão


arte rial, dislipidemia e obesidade abdominal, aumentando a mortalidade geral.
Contudo, pouco se conhece a respeito da origem da SM. A predisposição ge-
nética, a alimentação inadequada e o sedentarismo estão entre os principais
fatores de risco que contribuem para o seu desencadeamento.

Uma das hipóteses para a origem da SM seria a de carência nutricional no pe-


ríodo fetal. Como visto, um determinado genótipo pode resultar em diferen-
tes fenótipos sob determinada condição ambiental. A existência de períodos
críticos, nos quais a nutrição tem grande influência, pode ter consequências
para o crescimento e o metabolismo do embrião ou feto.

184  Licenciatura em Biologia


Em 1992, Hales e Barker propuseram a teoria do “fenótipo econômico”. Esta
teoria sugere que o desenvolvimento fetal seja sensível ao ambiente nutri-
cional. Quando a gestação ocorre com deficiência nutricional, surge no feto
uma resposta adaptativa que promove o crescimento de órgãos vitais, como
o cérebro, em detrimento de outros, como as vísceras. Essa “resposta feno-
típica fetal” teria como objetivo aumentar as chances de sobrevivência do
feto e resultaria num metabolismo pós-natal alterado, levando a problemas
metabólicos e até morte prematura em adultos jovens.

Nesse sentido, é importante salientar que a ação ambiental sobre um genó-


tipo resulta em plasticidade fenotípica; ou seja, retrata a capacidade de um
indivíduo em adequar sua fisiologia/metabolismo e morfologia em decor-
rência da ação de fatores ambientais, gerando variabilidade genética. Essa
plasticidade é essencial para processos biológicos e para a sobrevivência de
uma espécie, uma vez que pode criar vantagens adaptativas em condições am-
bientais diferentes, instáveis ou adversas, como no caso de fetos submetidos
a um aporte nutricional escasso.

Informações retiradas de:VALLE GOTTLIEB, M.G.; CRUZ, I.B.M. & BODANE-


SE, L.C. Origem da síndrome metabólica: aspectos genético-evolutivos e
nutricionais. Scientia Medica, Porto Alegre, 2008. v. 18, n. 1, p. 31-38.

Atividade

Em uma comunidade ecológica, plantas e animais devem interagir um com o


outro e com o ambiente abiótico em torno deles. A limitação de recursos é
um fator limitante ao desenvolvimento de plantas e animais.

A plasticidade fenotípica difere entre as espécies. Alguns organismos possuem


pouca plasticidade e não toleram qualquer alteração que fuja de suas condições
ideais. Outro grupo de espécies têm plasticidade significativa, assim podem adap-
tar-se a uma variedade de condições. Por exemplo, algumas plantas respondem
à seca, com o crescimento rápido de suas raízes para aumentar as chances de
captação de água pelo solo, enquanto outras plantas formam uma cutícula de cera
protetora nas folhas, diminuindo assim a perda de água pela transpiração.

Com base no conhecimento adquirido neste capítulo, modele um tipo de


experimento que seria capaz de demonstrar a plasticidade fenotipica de uma
planta ou animal.

Evolução Biológica  185


4. ORIGEM DA VIDA E EVOLUÇÃO HUMANA

Apresentação

Depois de todos os conteúdos vistos nos capítulos anteriores, ago-


ra daremos continuidade ao raciocínio evolutivo a partir do surgimento da
vida na Terra. A partir dos conceitos de seleção natural, de registros fós-
seis, das mudanças que influenciam o surgimento e afloramento de espécies
e da relação de parentesco entre os grupos de seres vivos, veremos como
tudo isso se aplica na história da vida em nosso planeta. A partir dessa vi-
são, abordaremos a evolução de nossa própria espécie. Preferimos encaixar
a evolução da espécie humana logo depois do surgimento da vida na Terra
justamente para enfatizar o quão recente aparecemos na história da vida no
planeta; assim, acreditamos que as reflexões feitas e sugeridas de nosso pa-
pel e impacto no meio ambiente serão mais frutíferas. Os outros temas ao
longo deste capítulo envolvem assuntos de cunho comportamental e, apesar
de não terem sido explicitamente relacionadas ao ser humano, podem e são
também aplicáveis a nós.

4.1 A História da Vida na Terrae as Origens da Ordem


Biológica:Teorias Clássicas Sobre a Origem a Vida

O homem sempre se questionou a respeito da origem da vida na


Terra. Quais seriam os primeiros seres vivos? Como foram originados?
Como se deu o processo de origem e transformação de todos os orga-
nismos que hoje conhecemos? Ao longo do tempo, todas essas questões
sempre nortearam o pensamento do ser humano, seja ele cientista ou não.
No transcorrer da história muitas teorias foram propostas e depois refu-
tadas. Outras permaneceram apoiadas pelo acúmulo de conhecimento
adquirido. Enfim, no que se diz respeito à origem da vida na Terra, o que
temos são apenas teorias. Este campo da ciência, assim como aqueles que
tratam da origem do universo e do sistema solar, são temas que continua-
mente serão objetos de discussões filosóficas e metafísicas. Sempre haverá
lacunas no que diz respeito à trajetória evolutiva do planeta e do homem,
e para muitas dessas lacunas não temos esperança de respostas no campo
do conhecimento científico.

186  Licenciatura em Biologia


Para pensar

Antes de ler sobre o tema, em sua opinião, como teriam surgido os primeiros
seres vivos?

4.1.1 As Primeiras Teorias: Biogênese versus Abiogênese

Em meados do século XIX, os cientistas acreditavam que os se-


res vivos poderiam surgir espontaneamente da matéria inanimada. Pen-
samento este, nomeado de hipótese da geração espontânea, ou abiogênese.
Este pensamento nos dias atuais pode parecer inconcebível, mas, em de-
terminado momento da história da ciência, era totalmente aceitável. Na-
quela época, os cientistas ao observarem musgos e cogumelos achavam
que estes surgiam espontaneamente de pedras e troncos, assim como ver-
mes intestinais e insetos.

Hoje, é de sabedoria comum que um ser vivo somente pode se origi-


nar por reprodução de outro ser vivo, conhecida como teoria da biogênese.
Mas, como veremos, até a chegada desta afirmação muito foi pesquisado e
debatido e, como seria de se esperar, discussões como estas traziam conse-
quências não apenas científicas, mas também de âmbito filosófico, religioso
e até mesmo político. O desenvolvimento do conhecimento nesta área se
deu por um período de quase dois mil anos, e muitos foram os cientistas que
colaboraram com a ciência:

• Aristóteles: ainda no século IV a.C., o grande filósofo grego Aris-


tóteles apesar de conhecer o processo de reprodução sexual em muitos
animais, ele creditava à geração espontânea o surgimento de pequenos
organismos, os quais, ele não conhecia o processo reprodutivo. Para
Aristóteles, este processo ocorreria de forma natural e os organismos
nunca surgiriam de compostos inorgânicos e sim a partir da matéria de
outro ser vivo.

• Jean Baptista van Helmont (1577-1644): Helmont ficou conhe-


cido com suas famosas “receitas” para produzir ratos e escorpiões, publi-
cada no livro “Obras de Medicina e de Física”, de 1648 (Quadro Receita
de Ratos).

Evolução Biológica  187


Receita de Ratos

Tempo de Preparo: 21 dias

Ingredientes:
- 1 camisa suja (preferencialmente de mulher)
- Um punhado de grãos de trigo

Modo de Preparo:
“coloque a camisa suja em um canto sossegado e pouco iluminado. Sobre ela
espalhe os grãos de trigo. Aguarde 21 dias para o surgimento de novos ratos”.

Apesar de conhecer o processo de reprodução sexuada dos animais supe-


riores, Helmont e muitos outros pesquisadores da época, acreditam que nem
todos os organismos se reproduziriam da mesma forma, e que, além da repro-
dução sexuada, alguns animais poderiam também se reproduzir por geração
espontânea, quando as condições ambientais fossem favoráveis a este processo.

• Francesco Redi (1626-1691): ao estudar vermes que apareciam em


animais mortos, conseguiu descobrir que os vermes ali presentes origina-
riam moscas que, posteriormente, depositariam seus ovos em carcaças de
animais, reiniciando o ciclo. Suas observações o estimularam a desenvolver
um experimento para confirmar suas observações. Em dois potes distintos,
Redi colocou pedaços de carne. Um dos potes foi coberto impedindo o con-
tato com as moscas e o outro permaneceu exposto. Após um tempo, somen-
te o pote descoberto apresentava vermes em sua carne (Figura 55).

Frasco aberto Frasco selado Frasco coberto


com gaze

Figura 55. Impedindo o contato das moscas com a carne e, consequentemente, o depósito
de ovos que se originariam as larvas, Francesco Redi conseguiu provar que as larvas não
surgiam espontaneamente da carne em decomposição.

188  Licenciatura em Biologia


Com este experimento, Redi conseguiu provar que as larvas presen-
tes na carne em putrefação eram oriundas de ovos colocados por moscas e
não surgiam pela modificação da carne, como pregava a abiogênese. Contu-
do, para algumas situações, Redi continuou favorável à geração espontânea,
como no surgimento de insetos em galhas de plantas e de vermes intestinais.

As galhas ocorrem por geração espontânea?

As galhas são estruturas que ocorrem nas plantas semelhantes a tumores, por
ocorrer hiperplasia e hipertrofia dos tecidos vegetais na região atingida. Estas
estruturas são uma tentativa de impedir a invasão das plantas por ovos de in-
setos, nematóides, ácaros, fungos e bactérias. Estas infecções podem ocorrer
nos ramos, folhas, gemas e órgãos subterrâneos das plantas. As galhas de for-
mato arredondado (Figura 56) são chamadas de bugalho e são consequência
do depósito, num dos seus ramos, de um ovo de vespa. Esta desenvolve-se e
alimenta-se no interior do bugalho, onde passará por todas as fases das suas
metamorfose. Desta forma, as galhas não se originam por abiogênese e sim
pela deposição de ovos.

Figura 56. Galha denominada de bugalho devido ao seu formato arredondado, em


um ramo de carvalho.

• Louis Joblot (1645-1723): com a invenção do microscópio pelo ho-


landês Antonie van Leeuwenhoek, no século XVII, deu-se a descoberta dos
organismos microscópicos, até então invisíveis a olho nu. Esta descoberta
deu apoio à teoria da abiogênese, visto que, alguns cientistas acreditavam
que esses micróbios não seriam capazes de se reproduzirem, eles surgiriam
por geração espontânea. Com o advento do microscópio, em 1711, Joblot
realizou o seguinte experimento: ele ferveu um caldo de carne e os colocou
em dois frascos limpos, contudo, um estava tampado e o outro não. Após

Evolução Biológica  189


um período, o frasco destampado estava cheio de micróbios e o tampado
não havia sido alterado (Figura 57). Desta forma, o cientista conseguiu con-
cluir, com este experimento, que os micróbios surgem a partir de “sementes”
que estão no ar e não por geração espontânea.

Figura 57. Após ferver dois frascos distintos com caldo de carne e deixar um tampado e o
outro exposto, Joblot verificou que neste frasco tampado não havia se desenvolvido microor-
ganismos, desta forma, as “sementes” deste organismos estariam no ar e nào surgiriam do
caldo espontaneamente.

• John Needham (1713-1781): realizou um experimento semelhante


ao de Joblot. Contudo, após ferver o caldo de carne ele colocou rolhas em
todos os frascos que após certo período estavam todos cheios de microor-
ganismos. Com isso, Needham concluiu que mesmo após ter matado todos
os micróbios pela fervura, eles continuaram a surgir por geração espontânea
nos frascos mesmos tampados.

• Lazzaro Spallanzani (1729-1799): também veio a realizar um ex-


perimento semelhante ao de Needham, contudo, obtendo resultados dife-
rentes. O mesmo caldo de carne fervido e arrolhado ficou livre de microor-
ganismos mesmo depois de muitos dias. Sendo assim, Spallanzani concluiu
que Needham não teria fervido suficientemente o caldo a ponto de este
ter sido esterilizado, e que as rolhas não cumpriram a função de impedir
a entrada de novos micróbios presentes no ar. Needham, como resposta a
Spallanzani, disse que a fervura por um tempo prolongado destruiria a for-
ça vital, impedindo desta forma a geração espontânea. O interessante dessa
discussão entre os dois pesquisadores se remete ao fato de que nem Nee-
dham e nem Spallanzani, com seus experimentos, obtiveram resultados cla-
ros contra ou a favor da geração espontânea de microorganismos.

190  Licenciatura em Biologia


Origem dos vermes intestinais

Durante o século XVII, muitos acreditavam que os vermes intestinais eram


gerados espontaneamente no interior dos organismos. Em 1780, Marcus
Bloch e Johann Goeze receberam um prêmio da Academia de Ciências de
Kopenhagen por seus estudos a respeito da origem dos vermes intestinais
(Figura 58). Eles apresentaram uma série de fatos que apoiava a ideia de
que os vermes eram gerados espontaneamente. O primeiro fato era de que
os vermes apenas conseguem viver dentro de animais e nunca são encon-
trados fora do corpo. Outro argumento seria que, às vezes, os vermes são
encontrados em animais recém-nascidos que ainda não tiveram contato
com o ambiente externo; e são encontrados em partes do corpo que não
têm comunicação com o exterior. Além disso, os vermes intestinais são
totalmente adaptados à vida no interior de outros seres vivos, possuindo
ganchos para fixação.

Com essas ideias, a teoria da abiogênese ganhou grande reforço. Contudo,


o que interessava não era a realização de experimentos sobre a abiogênese
(surgimento de seres vivos a partir da matéria inorgânica), e sim sobre a
heterogenia (surgimento de um ser vivo a partir de matéria de outro ser
vivo diferente). Assim, imaginava-se que a partir de matéria orgânica de seres
mortos podiam surgir espontaneamente fungos e cogumelos, e que a partir
de matéria orgânica viva podiam surgir parasitas, como as tênias.

Figura 58. Ascaris lumbricoides, popularmente conhecida como lombriga é um


verme intestinal.

Informações retiradas de: Pasteur e a geração espontânea: uma his-


tória equivocada. MARTINS, L.A.P. 2009. Filosofia e História da Biologia,
4: 65-100.

Evolução Biológica  191


Saiba Mais

Em meio à guerra entre defensores das duas teorias sobre a origem da vida,
um confeiteiro de Paris, François Appert, observando os resultados dos expe-
rimentos de Spallanzani acabou inventando os produtos enlatados, que após
fervura e vedação não estragariam.

• Félix Archimède Pouchet (1800-1876): em 1856, Pouchet realizou


vários experimentos favoráveis à geração espontânea de organismos micros-
cópicos. Em seu experimento ele procurou destruir todos os microorganis-
mos presentes no material. Para isto, ele ferveu a água a ser utilizada, vedou
hermeticamente os potes para evitar contaminação pelo ar, utilizou oxigê-
nio produzido quimicamente e aqueceu feno em um forno por uma hora
a 100ºC. Mesmo com todos esses cuidados, após alguns dias, seu material
estava repleto de microorganismos, concluindo que houve geração espontâ-
nea. Seu trabalho surtiu grande efeito no meio cientifico.

• Louis Pasteur (1822-1895): críticos da geração espontânea afir-


mavam que em experimentos, como o realizado por Pouchet, deveriam ter
permanecido alguns microorganismos no material aquecido, ou então, eles
teriam entrado pelo ar, reproduzindo-se na infusão e produzindo todos os
seres microscópicos.

Utilizando-se de frascos de vidro com gargalos em formato de pesco-


ço de cisnes, Pasteur ferveu um caldo de levedo de cerveja até que o vapor
da fervura saísse pelo gargalo. Conforme ocorria o esfriamento do líquido o
ar exterior penetrava no frasco, no entanto, o longo pescoço do frasco fun-
cionava como um filtro para as partículas suspensas no ar. Desta forma, não
houve a contaminação do levedo de cerveja por microorganismos prove-
nientes do ar e nenhum dos frascos preparados por Pasteur se contamina-
ram. Com isso, Pasteur conseguiu afirmar que não era a falta de ar fresco que
impedia a proliferação de microorganismos e sim a falta de “sementes” de
microorganismos presentes no ar (Figura 59).

Na época, este era um tema muito debatido na ciência, tanto que em


1860, a Academia Francesa de Ciência ofereceu um prêmio para quem apre-
sentasse um experimento que acabasse definitivamente com essa discussão.
Pouchet e Pasteur se inscreveram. Ambos os experimentos pareciam bem

192  Licenciatura em Biologia


concebidos, mas com resultados opostos. No entanto, quando as evidências
não são tão claras, costumam-se os cientistas tomarem as suas próprias de-
cisões e estas decisões estão influenciadas por as crenças políticas, religiosas
e filosóficas das pessoas envolvidas. Sendo assim, Pasteur foi o vitorioso do
concurso e a teoria da biogênese ficou postulada como aceita frente à teoria
da abiogênese (MARTINS, 2009).

Caldo nutritivo é O gargalo do frasco O caldo nutritivo é


despejado em um é esticado e curvado fervido e esterializado
frasco de vidro ao fogo

Se o gargalo do frasco O caldo nutritivo do


é quebrado surgem frasco com “pescoço
microrganismo no de cisne” manteve-se
caldo livre de microrganismos

Figura 59. Pasteur usou frascos com gargalo pescoço de cisne que retém os microrganismos
presentes no ar não contaminando o caldo de carne, demonstrando que os microorganismos
estão presentes no ar e não no caldo de carne.

4.2 Os Primeiros Seres Vivos

Se os seres vivos não se originam da matéria bruta, como se origina-


ram os primeiros organismos? Após a refutação da hipótese da geração es-
pontânea, este questionamento direcionou o rumo das novas pesquisas. Os
primeiros cientistas a tentarem responder a esse questionamento foram o
biólogo inglês John Burdon Sanderson Haldane e o bioquímico russo Alek-
sandr Ivanovich Oparin. Ambos, trabalhando paralelamente, creditavam o
início da vida na Terra a um processo de evolução química dos compostos
presentes na Terra primitiva.

Evolução Biológica  193


4.2.1 A Terra Primitiva

Estima-se em 4,5 a 5 bilhões de anos a idade do nosso sistema solar e,


consequentemente, do planeta Terra. Em 1975, o filósofo alemão Immanuel
Kant sugeriu que a origem do sistema solar poderia ser explicada pela rota-
ção de uma nuvem de gás e poeira fina, que anos mais tarde ficou conhecida
como a Hipótese da Nebulosa. (Figura 60).

Figura 60. De acordo com a Hipótese da nebulosa, o sistema solar teria surgido pela rotação
de uma nuvem de gás e poeira, que durante esse processo as pequenas partículas foram se
agregando até muito tempo depois ocorrer a formação do sol e dos planetas.

Durante os primeiros 500 milhões de anos o planeta sofreu um intenso


bombardeio de corpos celestes que acresceu o seu tamanho e passou por um
processo de diferenciação - fusão de materiais e formação de camadas concên-
tricas diferenciadas. Devido ao impacto dos corpos celestes e do aumento na
velocidade de rotação do planeta ocorreu uma liberação de energia cinética que
era liberada na forma de calor, responsável pela fusão dos materiais da Terra. Por
isso, acredita-se que durante os primeiros 700 milhões de anos todos os mate-
riais da Terra estavam fundidos, decorrente das altíssimas temperaturas.

A intensa atividade interna dos planetas liberava gases que ficaram


retidos na superfície pela força gravitacional, formando uma primeira at-
mosfera primitiva. Esta atmosfera era formada principalmente por amônia
(NH3), hidrogênio (H2), metano (CH4) e vapor de água (H2O). Com a
liberação desses gases, iniciou-se um resfriamento gradativo da superfície
do planeta, e há cerca de 2,5 bilhões de anos se formaram as primeiras mas-
sas continentais e os primeiros registros fósseis da vida primitiva na Terra.

194  Licenciatura em Biologia


Apesar da liberação de vapor de água, a superfície terrestre ainda era
muito quente para termos água em estado líquido, por isso, assim que a chu-
va atingia a crosta terrestre ela retornava para a atmosfera. Este ciclo ocor-
reu por milhares de anos, até que a Terra se resfriou permitindo a presença
de água no estado líquido.

4.2.2 Experimento de Miller e a Teoria de Oparin

Acredita-se que durante esses ciclos de chuvas ocorreram tempesta-


des acompanhadas de descargas elétricas de extrema violência, juntamente
com uma intensa radiação ultravioleta. Esses fatores físicos reagiram com
os gases da atmosfera primitiva, originando substâncias precursoras dos se-
res vivos, como os aminoácidos. Esta teoria foi desenvolvida por Alexander
Oparin, em 1936. Baseado nessa teoria, em 1953, um cientista norte-ameri-
cano Stanley L. Miller, desenvolveu um experimento para testar a hipótese
de Oparin sobre a formação de moléculas orgânicas nos lagos primitivos.

Utilizando-se de um aparato de vidro contendo gases metano, amô-


nia e hidrogênio, Miller tentou reproduzir a atmosfera primitiva e expôs esta
mistura de gases a um dispositivo que emitia faíscas elétricas. O bombarde-
amento por estas faíscas tentaram simular os raios das tempestades. Passado
alguns dias, aderido às paredes do vidro contendo a mistura de gases, Miller
notou a presença de uma substância viscosa e avermelhada. Ao ser analisada,
demonstrou ser rica em aminoácidos, molécula esta essencial na formação
de proteínas, presentes na constituição de todos os seres vivos (Figura 61).

Eletrodos

Compartimento
“atmosfera”

Vapor de água
Condensador

Compartimento
“oceano”
Calor Recolha de amostras

Figura 61. Aparelho criado para testar a hipótese de Oparin sobre a origem das primeiras
moléculas orgânicas. Neste aparelho, Miller teria recriado as condições primitivas da atmos-
fera terrestre, propiciando o aparecimento das primeiras moléculas orgânicas nos oceanos.

Evolução Biológica  195


A realização deste experimento foi um importante passo no su-
porte desta teoria. Mas após a formação das proteínas como teria sido a
passagem de moléculas orgânicas para ser vivo com capacidade de cresci-
mento e reprodução? Oparin propôs que as águas acumuladas na superfí-
cie terrestre contendo as moléculas formadas na atmosfera, as proteínas,
ficaram depositas nesses lagos primitivos. Esta deposição haveria favoreci-
do a formação de pequenos aglomerados de proteínas e outras moléculas
orgânicas, então denominados de coacervados, os primeiros seres vivos.
Estes coacervados no decorrer de sua evolução química, de alguma forma
ainda incerta, teriam adquirido a capacidade reprodutiva, essencial nos
seres vivos. (Figura 62).

Figura 62. Imagem microscópica, ilustrando um coacervado produzido em laboratório. Os


coacervados, de acordo com Oparin, teriam sido os precursores da vida na Terra.

Contudo, o que garante que a constituição e condições da atmos-


fera primitiva eram da forma que supunha Oparin e Miller? Com outra
constituição atmosférica os resultados seriam os mesmos? Como esses
coacervados iniciaram o processo de reprodução? Estes foram alguns
dos argumentos a respeito destas hipóteses, e outras teorias foram pro-
postas também.

Outra teoria proposta para o surgimento da vida na Terra seria de


que a origem da vida seria externa ao planeta. A hipótese da panspermia
sugere que os primeiros compostos orgânicos teriam chegado a Terra por
meio de meteoritos vindos do espaço. Todos esses experimentos tentam
indicar um possível caminho para a origem dos primeiros organismos na
Terra. Nenhuma hipótese é atestada como certa e definitiva, haja vista a
dificuldade em atestar e comprovar teorias a respeito de um assunto aberto
a tantos questionamentos.

196  Licenciatura em Biologia


4.2.3 Fotossíntese: O Grande Salto da Evolução

Outro ponto central no entendimento da evolução dos organismos


se refere a forma de obtenção de alimento. Seriam os primeiros organis-
mos autótrofos ou heterótrofos? Alguns pesquisadores acreditam que os
primeiros organismos seriam heterotróficos e se alimentariam de molécu-
las orgânicas presentes na água. Estes organismos realizariam fermentação
para obtenção de energia, pois viveriam em uma atmosfera desprovida de
oxigênio. Outros pesquisadores acreditam que a hipótese mais aceita seria
de que os primeiros organismos eram semelhantes a bactérias autotrófi-
cas. Contudo, elas também não utilizariam a energia solar, e sim a energia
química – quimiossíntese.

A descoberta de uma bactéria que produz matéria orgânica utilizan-


do a energia de reações que ocorrem entre substâncias minerais da crosta
terrestre, foi de importante ajuda no apoio à hipótese autotrófica. Esta bac-
téria vive em rochas basálticas profundas armazenadoras de água, e foi de-
nominada de litoautotróficas. A existência de bactérias quimiossintetizantes
próximo a fontes termais submarinas ajudam também os cientistas a apoia-
rem esta hipótese. Próximo a estas fontes termais a temperatura da água é
muito elevada e rica em sulfetos originados das rochas. Estas bactérias são
capazes de retirar a energia do sulfeto pela sua oxidação, utilizando-a para
a formação de compostos orgânicos a partir das moléculas de CO2, como
fonte de carbono.

Até então os organismos autotróficos se basearam em mecanismos


quimiotróficos. Mas quando teriam surgido os primeiros organismos fotos-
sintetizantes e produtores de oxigênio? Supõe-se que há cerca de 2,5 mi-
lhões de anos atrás surgiram os primeiros organismos fotossintetizantes.
Geólogos encontraram rochas de ferro com esta idade aproximada, que
foram oxidadas ou enferrujadas, indicando que havia uma quantidade razo-
ável de oxigênio na atmosfera daquela época.

Com uma maior quantidade de moléculas de oxigênio presente na


atmosfera, estas foram modificadas pela radiação solar em ozônio (03) for-
mando o que conhecemos hoje por camada de ozônio. Com a presença des-
ta camada e o aumento na concentração de moléculas de oxigênio, o planeta
Terra acabara de criar melhores condições para o desenvolvimento de várias
formas de organismos vivos.

Evolução Biológica  197


As primeiras plantas terrestre

As primeiras plantas, digam-se algas, se formaram no período pré-cambria-


no, datados com idade entre 3200 e 3100 milhões de anos. A partir deste
momento, elas se diversificaram e migraram para a terra firme. Durante o
final do período Siluriano houve grandes períodos de seca que favoreceu as
plantas mais adaptadas a tornarem-se terrestres (como presença de cutícu-
la impermeabilizante e capacidade de absorver água do solo). Os primeiros
fósseis de plantas vasculares encontrados pelo homem datam de 400 milhões
de anos, e foram chamadas de psilófitas (Divisão Psilophyta). No devoniano
surgiram os primeiros bosques com musgos e samambaias e as primeiras gi-
mnospermas no carbonífero. As primeiras plantas com flores (angiospermas)
foram surgir apenas no cretáceo há 65 milhões de anos, para depois domina-
rem o ambiente terrestre.

Informações retiradas de: Diversidade Reprodutiva de Plantas: uma


Perspectiva Evolutiva e Bases Genética. KARASAWA, M.M.G. 2009. Ri-
beirão Preto, SP: Sociedade Brasileira de GenéticA, SBG, 2009.113p.

4.2.4 O Início da Biodiversidade

Pequenos organismos unicelulares eram os únicos seres que viviam


flutuando nos oceanos primitivos. Entre 1 e 2 bilhões de anos atrás, a vida
tomou-se multicelular, quando algas marinhas foram originadas. Então,
após o desenvolvimento dos organismos autotróficos, os primeiros animais
entraram em cena há cerca de 600 milhões de anos.

Em um primeiro momento, no período pré-cambriano, tem se o rela-


to por fósseis dos primeiros organismos a utilizarem calcita na formação de
uma concha, como os fósseis de Namacalathus, animais semelhantes a uma
taça de vinho, que rapidamente foram extintos.

O período Cambriano foi o de maior explosão na formação de no-


vos organismos. Iniciado há 543 milhões de anos, neste período surgiram
os ancestrais de praticamente todos os filos animais conhecidos hoje, cerca

198  Licenciatura em Biologia


de oito filos totalmente novos. Exemplos mais familiares incluem vermes
terrestres, estrelas-do-mar e bolachas-da-praia, além de moluscos, insetos,
crustáceos e os cordados que, posteriormente, evoluíram para os animais
superiores até chegarem ao homem (Figura 63). Nesta mesma época, sur-
giram os trilobitas, ancestral dos artrópodes e de conhecimento pelo seu
amplo testemunho fóssil. Foi no Cambriano que os organismos começaram
a deixar significativos registros fósseis.

Éon Era Período Época


Presente Civilização humana
Cenozóico

Neógeno
Neogênico
Holoceno
10.000 anos Homo sapiens

Pleistoceno Primeiros hominídeos


Paleógeno 1,6
66
Plioceno 5
Cretáceo
Extinção dinossauros Mioceno Diversificação dos mamíferos
Mesozóico

144 24
Jurássico Surgimento dos primatas
Oligoceno
Grandes dinossauros
Paleogênico

37
FANEROZÓICO

e aves
208
Triásico Eoceno Expansão das ave
Dinossauros e mamíferos
245
58
Permiano
Répteis
286 Paleoceno Irradiação dos mamíferos
Carbonífero 66 M.a.
Florestas e pântanos
(depósitos de carvão) 360
Paleozóico

Devoniano
Idade dos peixes
408
Siluriano Plantas e artrópodes terrestres
Primeiro crinóides
438
Ordoviciano
Primeiros corais Surgimento peixes sem mandíbulas, corais
Peixes primitivos
505
Cambriano Primeiros peixes, esponjas, corais e moluscos
Idade dos trilobites
570
CRIPTOZÓICO

Proterozóico Primeiras criaturas multicelulares

2500

Arqueano Primeiros seres unicelulares no oceano


4000
Hadeano Ausência de qualquer registro geológico terreste
Formação da Terra
4500 M.a.

Figura 63. Linha do tempo da evolução dos organismos, com seus principais eventos em
cada era geológica.

Evolução Biológica  199


Analogia da história dos vertebrados com o tempo de um ano
Se o tempo geológico pudesse ser representados em apenas um ano a origem da terra seria no dia 1 de janeiro...

Escala de um ano Tempo real Evento


1 Janeiro 4,6 bilhões de anos Origem da terra
4 Abril 3,8 bilhões de anos Vida aparece na terra (estromatolitos)
9 Novembro 650 milhões de anos Invertebrados marinhos aparecem
20 Novembro 520 milhões de anos Vertebrados
29 Novembro 415 milhões de anos Ostracoderms (peixes sem mandíbulas)
30 Novembro 410 milhões de anos Peixes com mandíbulas Actinopterygii
2 Dezembro 380 milhões de anos Chondrichthyes (tubarões e raias)
3 Dezembro 360 milhões de anos Tetrapoda
7 Dezembro 310 milhões de anos Amniota (ovo adaptado a ambiente terreste)
16 Dezembro 190 milhões de anos Mammalia
20 Dezembro 150 milhões de anos Aves
26 Dezembro 65 milhões de anos Primatas
29 Dezembro 30 milhões de anos Anthropoidea (hominídeos)
23:45, 31 Dezembro 125-250 mil anos Homo sapiens

Figura 64. Analogia da história dos vertebrados com o tempo de um ano.

Para Pensar: Estaria a geração espontânea totalmente errada?

Considerando que o primeiro organismo vivo surgiu da matéria inanimada


presente em lagos primitivos, podemos creditar este acontecimento à gera-
ção espontânea até certo ponto. Contudo, essa não era a linha de pensamen-
to da abiogênese. Diferentemente, os defensores da teoria acreditavam que
alguns organismos se originariam constantemente da matéria bruta e não
através de processos reprodutivos. Sendo assim, para o primeiro organismo
vivo, que segundo os cientistas, surgiu de um aglomerado protéico, podemos
admitir que houve geração espontânea neste caso.

Em sua opinião, seria possível outros organismos ao longo do processo evo-


lutivo terem surgido também por geração espontânea?

Atividade/Pesquise

O interesse em tentar responder as questões acerca da origem da vida le-


vou diversos cientistas a desenvolverem uma série de experimentos sobre

200  Licenciatura em Biologia


o tema. Atualmente, a pasteurização, um processo muito conhecido por
nós, originou-se pelos experimentos realizados por Pasteur, daí a origem do
nome. Pesquise o significado deste processo e sua relação com a pesquisa
feita por Pasteur.

Até hoje não temos uma resposta definitiva para a questão da origem
e desenvolvimento da vida na Terra. E, infelizmente, não temos a perspec-
tiva de cientificamente comprovarmos como aconteceu todo o processo.
Sendo assim, nos restam especulações e inferências sobre o surgimento dos
primeiros animais e plantas, e, neste campo da ciência especificamente, a
possibilidade de cada um imaginar uma possível origem para a vida, seja ela
baseada em dados científicos ou crenças religiosas.

4.3 Evolução Humana

Quando Charles Darwin escreveu A Origem das Espécies, ele abordou


a evolução de organismos que variam de orquídeas a baleias, mas, notada-
mente, deixou de fora de sua obra-prima um debate consistente sobre a ori-
gem dos humanos, limitando-se a comentar: “Luz será lançada em relação
à origem do homem e sua história”. Estudiosos atribuem o referido silêncio
de Darwin sobre o assunto à sua relutância em alfinetar ainda mais a igre-
ja vitoriana, e sua mulher devota, para quem a origem de todas as coisas –
principalmente os humanos – era obra divina.

Thomas Henry Huxley, o biólogo anatomista conhecido como o


“buldogue de Darwin”, por outro lado, não guardava nenhuma restrição. Em
1863, escreveu a obra Evidências do lugar do homem na natureza, onde apli-
cou abertamente a teoria da evolução de Darwin aos humanos, defendendo
que certamente descendíamos de um ancestral comum aos macacos. Doze anos
mais tarde, o próprio Darwin, possivelmente encorajado pela iniciativa de
Huxley, escreveu A descendência do homem, onde declarava o chimpanzé e
o gorila como nossos parentes vivos mais próximos, com base nas seme-
lhanças anatômicas; e ainda previa que nosso ancestral mais remoto poderia
ser encontrado na África, habitat atual dos primatas vivos (ditos, do Velho
Mundo). Ao mesmo tempo, tinha-se notícia de apenas um punhado de
fósseis humanos, todos eles de Neandertais de sítios na Europa Ocidental
(SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, 2009).

Evolução Biológica  201


Desde então, diversas evidências com fósseis e análises genéticas
validaram as alegações de Darwin. Hoje sabemos que nosso parente mais
próximo é mesmo o chimpanzé e que os humanos surgiram na África entre
cinco e sete milhões de anos atrás, depois que nos diversificamos da linha-
gem do chimpanzé. Descobriu-se também que durante boa parte da pré
-história nossos antecessores dividiram o planeta com uma ou mais espécies
de hominídeos. Mas, longe de ser uma sucessão linear de criaturas pouco a
pouco mais ereta, a árvore genealógica humana exibe diversos galhos secos.

Um consenso atual é que ainda falta muito para completar total-


mente a história de nossa origem. Paleontólogos estão ansiosos para encon-
trar fósseis do último ancestral comum entre chimpanzés e humanos, por
exemplo. Os pesquisadores querem saber como exatamente o Homo sapiens
conseguiu superar os Neandertais e outros humanos arcaicos. Pairam ain-
da muitos mistérios sobre o nosso passado coletivo. E as considerações de
Darwin sem dúvida continuarão a iluminar o caminho até resolvê-los. Suas
preocupações iniciais eram bem fundadas, já que implicações humanas na
biologia evolutiva foram, e continuam sendo, causa de aquecida controvér-
sia tanto dentro da comunidade científica quanto entre o público leigo.

4.3.1 As Relações entre os Humanos e os


Macacos Antropoides Atuais

Os humanos (Homo sapiens) são pertencem ao táxon dos primatas Ca-


tarrhini (Goodman et al., 1998), que inclui os macacos do Velho Mundo, como
os babuínos e os macacos, e os antropoides. Os antropoides compreendem os
gibões (Hylobates), do sudeste asiático, e os grandes antropoides – orangotango
(Pongo pygmaeus), também do sudeste da Ásia, e três espécies afrinas: o gorila
(Gorilla gorila), o chimpanzé comum (Pan troglodytes) e o bonobo ou chimpan-
zé pigmeu (Pan paniscus). Existe concordância universal entre os cientistas de
que os humanos evoluíram dentro dos antropoides. Os humanos compartilham
inúmeras características derivadas (sinapomorfias) com os antropoides. Essas
inovações evolutivas distinguem os antropoides dos demais Catarrhini e indicam
que eles descendem de um ancestral comum (FREEMAN & HERRON, 2009).

As características derivadas compartilhadas com os antropoides


compreendem cérebros relativamente grandes e alongados, ausência de
cauda, uma postura mais ereta, maior flexibilidade dos quadris e tornozelos,

202  Licenciatura em Biologia


aumento da flexibilidade do pulso e do polegar, mudanças na estrutura e no
uso do braço e do ombro, cristas superciliares aumentadas, dentes caninos
encurtados, embora robustos, com mudanças na parte frontal da maxila su-
perior (pré-maxilar), fusão de determinados ossos do pulso, ovários e glân-
dulas mamárias aumentadas, mudanças na anatomia muscular e a rarefação
de pelagem (ANDREWS, 1992; WARD & KIMBEL, 1983; GROVES,
1986; ANDREWS & MARTIN, 1987; BEGUN et al., 1997).

Além dessas evidências morfológicas, as análises moleculares tam-


bém demostram, inequivocadamente, que estamos agrupados no mesmo
clado que os grandes macacos antropoides africanos. Desde o início da mo-
derna sistemática molecular, elas têm indicado um parentesco próximo en-
tre os humanos e os grandes macacos antropoides africanos.

Depois de décadas, os pesquisadores chegaram ao consenso de que


as relações evolutivas entre os humanos e os grandes macacos antropoides
africanos se caracterizam melhor pela árvore da Figura 65. Os humanos e os
chimpanzés são mais estreitamente relacionados entre si do que cada um é
com os gorilas. A análise combinada de vários conjuntos de dados molecu-
lares também dá uma forte sustentação de que os humanos e os chimpanzés
são os parentes mais próximos (e.g., RUVOLO et al. 1994; HORAI et al.,
1992; GOODMAN et al., 1994; KIM & TAKENAKA, 1996).
Hylobatidae Pongidae Hominidae

Gibão Orangotango Gorila Chimpanzé Humano

Figura 65. Relações evolutivas entre os humanos e primatas antropoides.

Evolução Biológica  203


Semelhanças das albuminas entre humanos e macacos antropoides

Usando uma técnica iniciada por George H. F. Nuttall (1904) e por Morris
Goodman (1962), Vincent Sarich e Allan Wilson (1967) injetaram albumina
sérica humana purificada, uma proteína do sangue, em coelhos. Após aguardar
que esses coelhos fizessem anticorpos contra a proteína da albumina humana,
Sarich & Wilson obtiveram soro sanguíneo deles. Esse soro continha anticor-
pos anti-humanos de coelho. Os pesquisadores misturaram o soro de coelho
com albumina sérica purificada de diferentes macacos antropóides do Velho
Mundo. Os autores usaram a intensidade da reação imune entre os anticor-
pos anti-humanos de coelhos e as albuminas dos primatas como uma medida
da semelhança entre as albuminas testadas e presumiram que a semelhança
entre as albuminas do soro de duas espécies refletia o parentesco evolutivo
entre elas. A filogenia resultante mostra que os humanos são estreitamente
relacionados com os gorilas e com dois chimpanzés (Figura 66).

Fonte: Goodman (1962), Nuttall (1904) e Sarich & Wilson (1967).

Gibões

Orangotangos

Humanos

Ancestral Chimpanzés
comum e Bonobos

Gorilas

Macacos do
Velho Mundo
30 20 10 0
Tempo (em milhões de anos atrás)

Figura 66. A filogenia de antropoides de Sarich & Wilson (1967). A linha do tempo embaixo é dada em milhões de
anos antes do presente.

204  Licenciatura em Biologia


4.3.2 A Ancestralidade Recente dos Humanos

De acordo com as evidências, a última vez que os humanos e os dois


chimpanzés compartilharam um ancestral foi há cerca de 5,4 milhões de
anos (SATAUFFER et al., 2001). Com os devidos cuidados, podemos usar
o que se sabe a respeito dos humanos, dos chimpanzés e dos bonobos para
inferir algo sobre a natureza desse último ancestral comum. É provável que
tenham herdado dele ao menos alguns dos comportamentos que são com-
partilhados por seus três descendentes atuais. Além andar sobre as falanges
médias dos dedos, ter tido uma dieta variada, à base de frutas, e viver em
habitat e ter usado instrumentos para obter e processar alimentos e ter sido
caçador, como os bonobos, chimpanzés e humanos atuais (FREEMAN &
HERRON, 2009). Esse último ancestral pode ter tido uma cultura – com-
portamento que é ensinado e aprendido e que varia entre populações. As-
sim como os humanos, os chimpanzés atuais apresentam variações culturais
(DE WAAL, 1998; WHITEN et al., 1999; WHITEN, 2005). Na verdade,
essa cultura pode ter surgido em nossa linhagem muito antes do nosso últi-
mo ancestral em comum com os chimpanzés e bonobos, pois também está
presente no orangotango (VAN SHAIK et al., 2003).

Depois de se separar da dos chimpanzés, nossa linhagem deu origem


a várias espécies de hominídeos africanos bípedes. Seus fósseis propor-
cionam fortes evidências da coexistência de pelo menos duas e, talvez, até
cinco dessas espécies. Nós somos os únicos sobreviventes dessa irradiação
evolutiva. Os primeiros membros do gênero Homo deixaram a África há
cerca de 2 milhões de anos. Saber se essas populações, afinal, contribuíram
com genes para as atuais populações humanas, ou não, é um assunto em
debate. Não foram realizados testes definitivos, mas um balanço das evidên-
cias sugere que todas as populações atuais, não-africanas, descendem de um
onda mais recente de emigrantes que deixaram a África nos últimos 200.000
anos. Isso implica que a variação geográfica atual entre populações humanas
tem uma origem relativamente recente (Figura 67).

Dentre as características derivadas que são exclusiva de nossa espécie


estão a manufatura e o uso de instrumentos complexos e a capacidade para
a linguagem. Como o comportamento não fossiliza, os pesquisadores de-
pendem de evidências circunstanciais para reconstituir a história dessas ca-
racterísticas. O uso de utensílios surgiu há pelo menos 2,5 milhões de anos.
É mais provável que tenha surgido em uma espécie primitiva de Homo, em-
bora seja possível que os autralopitecíneos robustos também tenham usado

Evolução Biológica  205


instrumentos de pedra. As evidências quanto à linguagem são ainda mais
tênues, mas sugerem que ela pode ter surgido quase tão cedo quanto o uso
de ferramentas (FREEMAN & HERRON, 2009).

Humanos

Chimpanzés

Gorilas

Orangotangos

Gibões

Macacos do
Velho Mundo
30 20 10 0
Em milhões de anos

Figura 67. Tempos de divergência de antropoides. Nessa filogenia, Stauffer et al. (2001)
estimaram as datas dos ancestrais comuns por meio da combinação de dados de dezenas
de proteínas usadas como relógios moleculares. As barras mais espessas correspondem aos
erros-padrões envolvidos nas estimativas.

4.3.4 As Evidências Fósseis dos Primeiros Hominídeos

O documentário fóssil sobre os humanos primitivos e seus paren-


tes é frustrantemente escasso, mas vem melhorando de forma constante
(ver TATTERSHALLl, 1995; JOHANSON et al., 1996; TATTERSHALL,
1997). Os paleontólogos discordam acerca dos nomes mais apropriados
para muitos dos espécimes já encontrados. Com algumas exceções, usare-

206  Licenciatura em Biologia


mos os nomes utilizados por Johanson et al. (1996), por acreditarmos que
sejam os nomes mais familiares aos leitores. Os paleontólogos também
discordam a respeito do número de espécies; por exemplo, os espécimes
de Homo habilis e de Homo rodolfensis, são ambos de Koobi Fora, no Quê-
nia, e ambos têm 1,9 milhões de anos de idade. Alguns pesquisadores con-
sideram-no variantes da mesma espécie, enquanto outros os consideram
espécies diferentes. A seguir descreveremos resumida e cronologicamente
os principais registros de fósseis hominídeos já encontrados, e a Figura 69
ilustra os impactos mais importantes feitos por cada um no conhecimento
sobre nossa história evolutiva.

O fóssil hominídeo mais antigo já descoberto – da espécie Sahelan-


thropus tchadensis – foi encontrado no Deserto de Djurab, no Chade, em
julho de 2001, pela equipe liderada por Michel Brunet, esse crânio quase
inteiro aturdiu os paleontólogos (BRUNET et al., 2002; GIBBON, 2002;
BRUNET et al., 2005). Por um lado, ele tem 6 a 7 milhões de idade. Isso o
coloca no extremo mais antigo do período estimado pelos biólogos mole-
culares como aquele em que os humanos teriam divergido dos chimpan-
zés. Por outro lado, ele apresenta uma curiosa mistura de características.
Como Bernard Wood (2002) o descreveu, visto de trás, sua caixa craniana
pequena (320 a 380cm3) o faz parecer com um chimpanzé. De frente, po-
rém, sua face relativamente plana o faz parecer com um Australopitecus, um
Kenyanthropus ou um Homo tão recentes como 1,75 milhão de anos. Em
outras palavras, ele parece ter um parentesco muito mais próximo com os
humanos do que se poderia esperar de um fóssil tão antigo. O Sahelanthro-
pus tchadensis poderia ser um parente próximo do último ancestral comum
– ou mesmo, em princípio, ser o próprio ancestral comum (FREEMAN &
HERRON, 2009).

Um candidato rival ao título de fóssil mais antigo é o Orronin tuge-


nensis, que viveu há cerca de 6 milhões de anos onde hoje é o Quênia. Ba-
sicamente, sabe-se dele somente a partir de três fêmures (e.g., AIELLO &
COLLARD, 2001). Exemplos de outros hominídeos antigos indiscutíveis
são os Australopitecíneos gráceis (Australopithecus gari, A. africanus e A. afe-
rensis), o Kenyanthropus e o Ardipithecus. As espécies de Australopithecus ti-
nham crânios com caixas cranianas pequenas (de 400 até pouco mais de 500

Evolução Biológica  207


cm3) e faces relativamente grandes e projetadas ( JOHANSON et al., 1996;
ASFAW et al., 1999). As fêmeas de A. africanus e A. aferensis atingiam até
cerca de 1,1 metro enquanto os machos tinham em torno de 1,4 a 1,5 metro
de altura (ver RENO et al., 2003). As duas espécies andavam sobre duas
pernas. As evidências de sua postura ereta provêm de muitos ossos do es-
queleto, compreendendo quadris, joelhos, pés, as proporções dos membros
e a coluna vertebral, todos anatomicamente modificados para permitir a
postura vertical e a sustentação da massa corporal sobre dois pés, em vez de
sobre quatro. Outra evidência da locomoção bípede aparece em impressões
fossilizadas dos pés de uma dupla de A. aferensis que caminhou lado a lado
sobre as cinzas do vulcão Sadiman, em Laetoli, na Tanzânia, há cerca de 3,5
milhões de anos (STERN & SUSMAN, 1983; WHITE & SUWA, 1987).

O Kenyanthropus platyops, com 3,5 milhões de anos de idade, foi des-


coberto em agosto de 1999 (LEAKEY et al., 2001). Ele tem o cérebro do
tamanho igual ao do Australopithecus aferensis, que viveu na mesma época, e
tem várias outras características cranianas ancestrais. Ao mesmo tempo, K.
platyops tem dentes menores e uma face mais achatada e mais humanizada
do que o A. aferensis ou qualquer outra espécie tradicionalmente classificada
como Australopithecus. Tim White (2003), ao contrário, alega que a apa-
rência mais humanizada do K. platyops é uma ilusão resultante do fato de
o crânio ter sido fragmentado e deformado pelas rochas que o preservaram.
White acredita que, se não tivesse sido deformado, ele estaria dentro dos
limites da variação já reconhecida para os fósseis de idade similar, que são
alocados no gênero Australopithecus.

208  Licenciatura em Biologia


Sahelanthropus
tchadensis
7 MILHÕES DE ANOS

Australopithecus Kenyantropus
3 MILHÕES afarensis platyops

Australopithecus Australopithecus Australopithecus


A t l ith
afarensis africanus garhi

2 MILHÕES

Homo HomoKenyanthropus
habilis rudolfenses
H. robustus
H b
H. ergaster
1 MILHÃO H. boisei
H

H. antecessor

500 MIL

H. neanderthalensis
100 MIL

H. erectus
H

50 MIL
H. neanderthalensis

20 MIL
H. floresiensis

ATUALIDADE H. sapiens
H i
Figura 68. Quadro esquemático com os principais fósseis hominídeos já encontrados

Evolução Biológica  209


4.3.5 A Aurora da Humanidade: A Origem
da Espécie Homo Sapiens

Freeman & Herron (2009) salientam que existem cinco espécimes


fósseis que são indiscutivelmente humanos e utilizam para eles os seguintes
nomes: Homo ergaster, H. erectus, H. heidelbergensis, H. neanderthalensis e H.
sapiens. Entretanto, há consideráveis incertezas e discussões sobre quantas
espécies elas efetivamente representam e sobre como foi que os humanos
modernos, os Homo sapiens, emergiram dentre os demais.

Dentre as muitas controvérsias sobre a origem dos humanos modernos,


os paleontólogos ficam divididos em relação à situação do H. ergaster e do H. erec-
tus. Alguns pesquisadores consideram essas duas formas como variantes regionais
de uma mesma espécie (H. erectus), enquanto outros consideram o H. erectus
como uma espécie distinta, uma descendente asiática da espécie africana H. er-
gaster. Recentemente, foi sugerido que uma nova espécie, Homo antecessor, era
ancestral comum aos neandertais e aos humanos modernos (BERMÚDEZ DE
CASTRO et al., 1997; ARSUAGA et al., 1999). Entretanto, os paleontólogos con-
cordam que os humanos modernos são descendentes de alguma das populações,
ou de todas, do grupo H. ergaster/erectus. Entretanto, o modo e o local de ocorrên-
cia da transição de H. ergaster/erectus para H. sapiens ainda é objeto de discussão.

Saiba Mais – O Homo erectus nos quadrinhos

Piteco é um personagem de histórias em quadrinhos (Turma da Mônica), pro-


tagonista de um universo ambientado na idade da pedra. Tem muitos amigos
na Aldeia de Lem, onde caça e pesca para seu povo. Criado em 1964 por Mau-
ricio de Sousa, seu nome é uma alusão ao Homem de Java (Pithecanthropus
erectus, nome hoje reclassificado como Homo erectus). O paleoantropólogo
holandês Eugene Dubois ganhou fama internacional ao descobrir o fóssil em
1891, nos bancos do rio Solo, próximo a Trinil, em Java, Indonésia.

Todos os hominídeos anteriores a H. ergaster/erectus confinaram-se


à África. Entretanto, os exemplos mais antigos de H. ergaster/erectus apa-
recem, quase simultaneamente, no documentário fóssil, em Koobi Fora,
África; em Dmanisi, na região do Cáucaso, Europa ocidental na Caverna de
Longgupo, China, e em Sangiran e Mojokerto, Java – todos entre 1,6 e 1,9
milhão de anos (e.g., WOOD & TURNER, 1995; GABUNIA et al., 2000).

210  Licenciatura em Biologia


Como os ancestrais imediatos e os parentes mais próximos do H. erec-
tus pareciam restritos à África, a maioria dos paleontólogos pressupôs que H.
erectus evoluiu na África e dali mudou-se para a Ásia. Entretanto, os fósseis da
Caverna de Longgupo, na China, são suficientemente semelhantes ao H. habi-
lis e ao H. ergaster africanos para sugerir que o H. erectus pode ter evoluído na
Ásia, a partir de migrantes mais antigos (HUANG et al., 1995). Seja como for,
é quase certo que, até antes de 2 milhões de anos atrás, os ancestrais de nossa
espécie pertencentes ao gênero Homo viviam na África.

O Homo sapiens anatomicamente moderno aparece pela primeira


vez no registro fóssil há cerca de 100.000 mil anos, na África e em Israel, e,
algo mais tarde, na Europa e na Ásia (STRINGER, 1988; VALLADAS et al.,
1988; AIELLO, 1993; WHITE et al., 2003; MCDOUGALLl et al., 2005). A
variedade de hipóteses relacionadas com a transição evolutiva de H. ergas-
ter/erectus para H. sapiens é ilustrada na Figura 69 .

Europa África Leste asiático


Anos antes
do presente Homo sapiens

12.000
35.000
Homo floresiensis (?)
Homo neanderthalensis

40.000
Homo erectus

100.000
200.00
Homo erectus
Homo heidelbergensis

600.000
Homo erectus

1.000.000

Homo ergaster

1.800.000

Figura 69. Linhagens que provavelmente deram origem à espécie Homo sapiens, mostrando
potenciais rotas de migração. Author Martin0815 (Wikimedia -http://commons.wikimedia.org )

Evolução Biológica  211


4.3.6 A Variação Genética Dentro
das Populações Humanas

Na maioria dos aspectos, Homo sapiens não é uma espécie excepcional-


mente do ponto de vista da genética de populações; seus padrões de variação
genética não diferem dos da maioria das espécies. Entretanto, o meio cultural
criado por nós tem afetado alguns aspectos da variação genética. Como somos
uma espécie cosmopolita e biologicamente única, não existem mecanismos
biológicos de isolamento entre as populações humanas, embora ocorram fre-
quentemente barreiras culturais ao acasalamento. Por exemplo, na Austrália
ocorrem cruzamentos preferenciais entre pessoas de origem escocesa e entre
pessoas de origem irlandesa. São muito comuns os cruzamentos preferenciais
baseados em características físicas “raciais” ou culturais.

Características físicas tais como a cor da pele, textura dos cabelos,


forma dos dentes incisivos, forma da cabeça e estatura variam nos huma-
nos de acordo com a distribuição geográfica; da mesma maneira, também
ocorrem variações de algumas características em qualquer espécie com am-
pla distribuição. Essas características têm sido usadas para definir “raças”, o
equivalente de subespécies em outros organismos. Da mesma forma que
para outras espécies, o número reconhecido de raças da espécie humana é
arbitrário, dependendo somente do número de características estudadas e
do grau de diferenças usado para fazer as distinções. Três grandes grupos
raciais são reconhecidos há muito tempo: os caucasóides (da Europa e Ásia
Ocidental), os negróides (África ao Sul do Saara) e os mongolóides (Ásia
Oriental e populações americanas nativas). Muitos antropólogos reconhe-
cem como raças distintas os indígenas americanos, os povos da Austrália e
Polinésia; ainda, cada um desses grupos raciais pode ser subdividido em um
número indefinido de populações diferentes (FUTUYMA, 1992).

4.3.7 Estrutura Populacional Humana

Até o advento da agricultura, os humanos sobreviveram por meio da


caça e da coleta, assim como ainda fazem algumas populações tribais. Estu-
dando essas populações de caçadores-coletores contemporâneos, pode-se
deduzir que é muito provável que aquelas populações tivessem densidade
populacional baixa e que a maioria delas fosse constituída de bandos peque-
nos de nômades, cujos trajetos podem ser razoavelmente determinados. A

212  Licenciatura em Biologia


população mundial em 10.000 a. C. foi estimada como sendo algo na faixa
dos dez milhões – não mais do que a população atual de Nova York (AM-
MERMAN & CAVALLI-SFORZA, 1984).

Uma estruturada população caracterizada por pequenos grupos dis-


persos e confinados por barreiras topográficas (que hoje em dia poderiam
ser ultrapassadas em algumas horas) favorece intensamente a divergência
por derivação genética; esse, sem dúvida, é o mecanismo responsável por
grande parte da variação geográfica da espécie humana. É evidente que uma
parte da variação geográfica é consequência da seleção. Por exemplo, o com-
primento de membros superiores e inferiores em relação ao tamanho do
corpo é menor em populações de grandes latitudes do que nas populações
tropicais, como é esperado por uma seleção que favoreça a redução da perda
de calor. A variação geográfica da cor da pele provavelmente é adaptativa,
mas sua vantagem ainda não foi determinada com segurança.

As populações de agriculturalistas são maiores do que as de caçado-


res-coletores, devido muito mais à taxa de natalidade maior do que à taxa de
mortalidade menor. Entretanto, elas são muito mais sedentárias, de forma que
o fluxo gênico entre essas populações geralmente é prevenido por normas
matrimoniais, que frequentemente estimulam certo grau de troca entre clãs
vizinhos, embora a estrutura dos acasalamentos das populações humanas tem
sido de divisão em demes (i.e., grupos de indivíduos com maior similaridade
genética entre si do que com outros indivíduos) muito bem localizados, na
maior parte da história da humanidade. Por exemplo, foram relatadas diferen-
ças em frequências gênicas mesmo entre vilas indígenas ao longo das praias do
lago Atitlán, na Guatemala (CAVALLI-SFORZA & BODMER, 1971).

Ao longo da história, entretanto, esse padrão de diferenciação local vem


sendo alterado por migrações e lutas. A estrutura genética das populações dos
indígenas norte-americanos foi alterada para sempre quando eles foram mas-
sacrados pelos brancos e confinados às reservas; as vilas de Atitlán, estudadas
na década de 60, foram, desde então, deslocadas e chacinadas em uma série
de regimes governamentais marcados pela violência. De 8.000 a 5.500 a. C.,
as populações agriculturalistas do Oriente Médio começaram a migrar para
a Europa na direção noroeste numa taxa de aproximadamente 1km por ano,
intercruzando-se com pelo menos algumas das tribos locais de caçadores-
-coletores, a medida que avançavam. Este movimento deixou suas marcas nas
frequências gênicas, as quais variam de maneira clinal em vários locos, num
padrão que reflete a história da disseminação da agricultura. Nas sociedades

Evolução Biológica  213


industriais do mundo moderno, a taxa de fluxo gênico entre os centros popu-
lacionais é provavelmente a maior de toda a história da humanidade, embora
muitas populações do mundo ainda vivam em comunidades tradicionais, en-
tre as quais ocorre troca bastante limitada (FREEMAN & HERRON, 2009).

Mutação e Seleção em humanos

Inúmeros alelos deletérios já foram identificados por estudiosos da genética


humana, alguns dos quais muito bem caracterizados bioquimicamente. A taxa
média de mutação por loco é aproximadamente 10-5 por gameta, como nos
outros organismos. De cada 1.000 recém-nascidos vivos, aproximadamente 12
a 13 representam distúrbios genéticos atribuídos a locos conhecidos (CROW
& DENNISTON, 1985). Para muitas dessas doenças é possível determinar se
um dos genitores é heterozigoto e, assim, estimar a probabilidade de um pai em
potencial vir a ter uma criança afetada. O Aconselhamento Genético de futuros
pais para fornecer-lhes essa informação é uma das aplicações mais importantes
da genética humana (ver CAVALLI-SFORZA & BODMER, 1971). A frequência
dos alelos deletérios, dominantes ou recessivos, muitos dos quais impedem a
reprodução ou levam à morte antes da idade reprodutiva, é bastante reduzi-
da pela seleção natural. Nas populações humanas poucos locos levam a uma
vantagem do heterozigoto. O mais conhecido deles é o polimorfismo da he-
moglobina S, que, da mesma forma como a talassemia e várias outras variantes
de hemoglobina, confere certa resistência à malária no estado heterozigoto. Os
homozigotos, entretanto, são anêmicos e raras vezes alcançam a idade repro-
dutiva. Nas populações que são portadoras desses alelos, mas que não são mais
expostas à malária, é esperado um declínio na frequência desses alelos, embora
isso seja à custa funesta da morte das crianças homozigotas afetadas.

A intensidade da seleção numa determinada característica fenotípica depende


da idade na qual ela se manifesta. Por exemplo, o polimorfismo do grupo san-
guíneo ABO está associado com vários distúrbios orgânicos: pessoas do grupo
O têm mais tendência a úlceras estomacais do que pessoas de outros grupos
sanguíneos e as do tipo A têm tendência a câncer de estomago. Mas, devido ao
fato dessas doenças geralmente ocorrerem após o período reprodutivo, elas
atuam como forças seletivas muito fracas, não devendo ser importantes para
o entendimento do polimorfismo dos grupos sanguíneos, cujas causas são des-
conhecidas. Conhece-se muito pouco sobre a atuação da seleção natural em
características físicas, com exceção dos defeitos congênitos raros e altamente
deletérios. Provavelmente, o melhor exemplo da seleção sobre uma caracte-
rística métrica humana seja a seleção estabilizadora sobre o peso ao nascer.

214  Licenciatura em Biologia


Com o desenvolvimento da tecnologia moderna e da educação, a taxa de
mortalidade pré-reprodutiva caiu muito nos países industrializados em con-
sequência, principalmente, da melhoria nas condições sanitárias e, num grau
menor, na medicina. Além disso, muitos defeitos genéticos, que em socieda-
des menos desenvolvidas tecnologicamente diminuíram (ou ainda diminui) o
valor adaptativo, atualmente não são importantes. A miopia numa tribo de
caçadores pode ser considerada um desastre, embora, na sociedade moderna
ela seja facilmente “curada” pelo uso de óculos.

À medida que a taxa de mortalidade diminuiu nas sociedades industrializadas,


também foi diminuindo a taxa de nascimento. As explicações para esse fato
são complexas e ainda não são totalmente compreendidas; aparentemente,
na medida em que as pessoas foram se sentindo economicamente mais se-
guras, sem a necessidade de ter numerosos filhos para o trabalho braçal ou
para ajudá-las na velhice, elas optaram por ter poucas crianças. Entretanto,
levando-se em conta a população mundial, a taxa de nascimento ainda é mui-
to alta e o crescimento rápido das populações talvez seja a grande crise que
a nossa espécie tenha que enfrentar.

O relaxamento da seleção contra mutações deletéricas deveria nos preocu-


par? Devemos notar, em primeiro lugar, que as taxas de aumento são mui-
to baixas. E, mais importante ainda, esses alelos não são mais deletérios no
nosso ambiente atual. Defeitos de visão que não podem receber assistência
médica constituem uma adaptação ambiental absolutamente desconhecida
nos dias de hoje; a miopia e o astigmatismo não são mais danosos. O mesmo
é válido para doenças genéticas curáveis. Existe um custo social quando há
um aumento da incidência de doenças que requerem cuidados médicos ou
outros cuidados; ficamos com duas alternativas: por um lado, o custo do sofri-
mento de seres humanos individuais e, por outro lado, a política socialmente
intolerável de regulamentar quem pode ou não se reproduzir, com base nos
genes que possuem (FUTUYMA, 1992).

4.4 Altruísmo versus Egoísmo

A palavra altruísmo vem do francês altruisme que significa ausência


de egoísmo, que deriva do latim alter, outro. O termo altruísmo foi cunhado
pelo filósofo francês Auguste Comte para designar o comportamento hu-
mano de dedicar-se ao outro sem esperar nada em troca, que é o contrário

Evolução Biológica  215


de egoísmo. Apesar de ter sido primeiramente mencionado por um filosofo
e muito usado para designar comportamentos humanos, o altruísmo pode,
também, ser encontrado na natureza principalmente em organismos que vi-
vem em comunidade.

Em biologia evolutiva, um organismo comporta-se altruisticamen-


te quando seu comportamento beneficia a outros organismos, e causa um
custo para si. O custo e o benefício são mensurados em termos de sucesso
reprodutivo, ou número esperado de juvenis. Espera-se que, por comportar-
-se altruisticamente, um organismo reduz a capacidade de reproduzir-se e
favorece a reprodução dos organismos beneficiados.

O comportamento altruístico é comum entre o reino animal, par-


ticularmente em espécies com estrutura social complexa. Alguns dos mais
interessantes exemplos de altruísmo biológico são encontrados entre cria-
turas que não são capazes (presumidamente) de ter consciência em suas
ações, por exemplo, insetos. Outro exemplo de comportamento altruísta é
dos morcegos vampiros, que regurgitam o sangue e o passam para outros
morcegos que não conseguiram se alimentar. Em muitas espécies de pás-
saros, onde os pais recebem ajuda de juvenis ou de jovens, maduros sexu-
almente, no cuidado com a prole. Em macacos vervet ou macacos verde,
alguns indivíduos dão sinal sonoro aos seus companheiros advertindo para
a presença de predadores, mesmo que isso chame atenção para si próprio.
Em insetos sociais, as operárias dedicam sua vida em cuidar e alimentar a
rainha e suas larvas. Esse comportamento é extremamente altruísta, pois as
operárias não deixarão descendência, no entanto, o sucesso reprodutivo da
rainha será favorecido (OKASHA, 2003).

Do ponto de vista Darwiniano o altruísmo é, a primeira vista, enig-


mático, pois pela seleção natural espera-se que o indivíduo tenha comporta-
mento que favoreça sua sobrevivência e reprodução e não o contrário. Nos
macacos verdes os indivíduos que dão o alarme quando um predador se
aproxima, alguns indivíduos veem, mas não fazem sinal algum. Esses ma-
cacos que não sinalizam reduzem a chance de serem predados, além de ser
beneficiados pelo alarme dado pelos outros macacos. Assim, espera-se que a
seleção natural favoreça os macacos que não sinalizam. Então, se os macacos
que não sinalizam são favorecidos, e os que sinalizam prejudicados, como
esse comportamento evoluiu na população?

216  Licenciatura em Biologia


O comportamento altruístico não é favorável individualmente, no en-
tanto, os grupos que têm indivíduos com comportamento altruísta tem uma
vantagem de sobrevivência maior que grupos com indivíduos egoístas. No en-
tanto, em todo comportamento altruísta estudado detalhadamente percebe-se
que há um benefício para o indivíduo altruísta, seja porque ele é geneticamente
próximo ou porque os beneficiários o retribuirá, ou ambas as hipóteses.

O altruísmo contradiz as teorias de seleção natural postuladas por


Darwin em seu livro A origem das espécies. Segundo Darwin, seria impossível
que a seleção natural favorecesse um alelo que seja responsável por um com-
portamento que favoreça outro indivíduo e não o seu portador. O exemplo
mais clássico desse paradoxo é o comportamento de um seleto grupo de
aves onde alguns indivíduos abdicam da sua reprodução para cuidar de fi-
lhotes que não são seus. Fazendo isso, esses indivíduos deixam de produzir
sua própria prole para cuidar, seja da alimentação, na defesa de território,
construção do ninho, incubação dos ovos até a proteção contra predadores.
Isso se tornou o paradoxo da seleção natural (FREEMAN et al., 2004).

Paradoxo da seleção natural: Helpers (ajudantes)

O exemplo mais corriqueiro que se conhece de comportamento de repro-


dução cooperativa é de algumas aves que cuidam de filhotes que não são
seus. As primeiras descobertas desse tipo de comportamento foram feitas
pelo naturalista Alexandre Skutch, em meados dos anos 30, quando observa-
va aves que nidificavam em seu jardim na Costa Rica. Embora esse cuidado
parental seja relacionado, na maioria das vezes, ao período de alimentação
dos filhotes, pode também envolver outros tipos de ajuda, como defesa do
território, construção do ninho, incubação dos ovos, e proteção contra pre-
dadores. O sistema social envolvendo a reprodução cooperativa é conhecido
em apenas 3,2% das aves, ou seja, 308 espécies cooperativas entre as 9.672
aves conhecidos pela ciência. Esses ajudantes parecem ter sua capacidade de
produzir descendentes prejudicada por abdicar de sua própria reprodução
para criar recém-nascidos que não são seus. Um exemplo de uma ave que
possui membros do grupo com comportamento de ajudantes (helpers) são
os João-de-pau ou João-graveto (Phacellodomus rufifrons), ave comum do
cerrado mineiro, vive em pequenos grupos familiares de até 10 membros,
dentre esses, os ajudantes do casal reprodutor.

Evolução Biológica  217


Em 1964, em seu artigo The Genetical Evolution of Social Behaviour,
o biólogo William D. Hamilton esclareceu essa questão sugerindo um con-
ceito de seleção de parentesco. Os pássaros que passavam a vida cuidando
dos filhotes de outros indivíduos, pois esses provavelmente são seus paren-
tes. Assim, se você cuida de seus primos, você está na verdade, cuidando
de 12,5% de seus genes, mesmo que em frequência menor. Hamilton ainda
sugeriu outro conceito; aptidão abrangente, que seria o sucesso reprodutivo
do indivíduo altruísta medido pelo número de sobrinhos ou primos - e não
de filhotes. Os genes desses indivíduos serão favorecidos pela seleção de pa-
rentesco, ou seja, se a prole dos pais ajudados for maior que a prole que ele
produziria sozinho, então seus genes serão favorecidos. Resumindo, a sele-
ção poderia favorecer características que resultassem em um decréscimo da
aptidão individual se elas favorecessem o sucesso reprodutivo dos parentes
próximos (HAMILTON, 1964) (Figura 70).

Egoísmo Altruísmo

Figura 70. Egoísmo: Louva-Deus (Mantis religiosa) se tiver oportunidade devora a cabeça
do macho após a cópula. Dessa forma ela terá mais nutrientes para a gestação que está se
iniciando. No entanto, para o macho não é assim tão prejudicial, pois seus genes vão conti-
nuar “vivo” no seu filhote que irá nascer. Fonte: http://binarme.blogspot.com.br. Altruísmo:
As abelhas operárias nesse exemplo da espécie Apis mellifera protegendo a colmeia, pica
os predadores de mel, ao picar parte de seus órgãos vitais saem com o ferrão, que fica
aderido à pele do predador, o que leva o bicho à morte. Morrendo ela não irá usufruir do
bem que ela defendeu.

Com base nas informações acima citadas, podemos, agora, começar


uma discussão sobre o livro O Gene Egoísta, de Richard Dawkins, onde, entre
outras teorias, ele defende que não há altruísmos na natureza, que nossos ge-
nes são egoístas e nos leva a comportamentos egoísta por natureza. Que o ob-
jeto da seleção natural e da evolução não é a espécie, a população ou o grupo
e, sim, o gene. Isso falando tanto de animais selvagem como de nós, humanos.

A seleção de grupo defendida por alguns evolucionistas, que poderia


explicar o altruísmo, nesse livro é fortemente criticada, por que qual o foco
da seleção de grupo? A seleção se dá entre grupos de uma espécie e entre es-

218  Licenciatura em Biologia


pécie, por que não deveria ela se dar também entre agrupamentos maiores?
As espécies são agrupadas em gênero, os gêneros em famílias, as famílias em
ordens, as ordens em classes, as classes em filos, os filos em reinos e os rei-
nos em domínios. Os leões são pertencem à mesma classe que os antílopes,
assim, pensando pela teoria de seleção de grupo, os leões deveriam poupar
os antílopes pelo bem dos mamíferos. Eles deveriam cassar aves, anfíbio e
repteis, para preservar nossa classe, mas se for pensar em filo, o que os leões
deveriam abdicar e o que poderiam predar de forma a não extinguir o filo
dos vertebrados, e pensando em reinos, e em dominós? Qual a abrangência
de grupo quando se diz em seleção de grupo? Essas indagações de Dawkins
são para explicar que a seleção se dá, não em nível de grupo, espécie ou indi-
viduo e, sim, de gene (DAWKINS, 2001).

A teoria de sobrevivência do mais apto, descrita por Darwin, seria


na verdade um caso especial da lei de sobrevivência do mais estável. Tudo
ao nosso redor é composto por átomos que juntos compõem moléculas,
que formam substâncias que vão dar origem ao que vemos. Formas, corpos,
rios, árvores. Essas formas nada mais são que o modo de agrupamento mais
estável dos átomos que constituem tal matéria. Assim, a simplicidade de um
átomo ou de uma molécula, pode se transformar numa estrutura comple-
xa. Essa é a teoria da criação, em uma sopa de moléculas e átomos, onde o
calor e a energia estavam presentes, essas moléculas se movimentando se
encontraram e formaram a molécula primordial da vida. Essa não era ne-
cessariamente a maior ou a mais complexa, mas, sim, a única capaz de fazer
uma cópia de si mesma e mais estável naquelas condições. Essa molécula
estável, e que é possível de se replicar de forma fiel, foi o molde para o que
chamamos de DNA.

Como, então, não encontramos ainda átomos se unindo e formando


moléculas e moléculas formando estrutura? Com a complexidade de organis-
mos são encontrados atualmente, não há tempo para que esses átomos for-
mem molécula ou qualquer outra coisa, pois essas são incorporadas rapida-
mente por moléculas maiores, bactérias, ou mesmo uma planta que necessita
de nitrogênio para suas funções fisiológicas. Mais uma questão surge agora. Se
essa é a teoria do criacionismo, então quanto tempo seria necessário para que
o homem tenha sido criado? Mesmo com o dobro de tempo desde a formação
da molécula primordial até hoje, ainda assim não seria tempo suficiente para
que, da forma descrita acima, surgisse um organismo com a complexidade do
homem. Então como surgiu o homem? É nessa hora que a teoria de Darwin
entra em cena e a história da molécula primordial acaba.

Evolução Biológica  219


O DNA é formado por quatro bases nitrogenadas (A, T, C e G) que
combinam de formas diferentes. A forma como são combinadas e a quanti-
dade de cada uma, ou seja, o tamanho do DNA, é que dá a diferença entre
cada organismo. Um rato possui a mesma guanina (G) que um humano, no
entanto combinada de forma diferente com as outras bases. As diferentes
combinações dessas bases formam os diferentes genes de um organismo.
Então, o que podemos concluir com essa afirmação, que irá corroborar as
afirmações acima citada, de que a seleção age sobre os genes, é a seguinte: os
nossos genes vêm se mantendo a cada geração desde a criação da primeira
base nitrogenada, “vencendo” a luta contra outras moléculas e sendo as res-
ponsáveis pela existência da vida desde uma ameba (Entamoeba histolytica)
até um mamute (Mammuthus sp) e desde uma briófita até uma sequóia (Se-
quoia sempervirens). Mas onde as teorias de Darwin entram nessa história?

Como os genes mantiveram até aqui, até a forma de vida que vemos
hoje? A resposta está sob nossos olhos, como visto no capítulo X (de seleção
sexual), na seleção sexual a fêmea escolhe o macho maior, ou mais “bonito”,
ou, ainda, o que vence a luta por ela. Por trás dessa escolha da fêmea estão
seus genes guiando–a para escolher o macho que possui os melhores genes.
Pois esse macho irá melhor defender o território, conseguirá mais comida e
de melhor qualidade, e, se for caso, cuidará dos filhotes de forma mais eficaz.
Dessa forma, seus filhotes terão o sucesso reprodutivo maior e, assim, seus
genes continuarão sempre no ciclo da vida. Mas, cuidado, aqui não estamos
levando em consideração a deriva gênica.

O homem (ser humano de ambos os sexos), assim como os animais


selvagens, selecionam sempre os indivíduos mais “bonitos”, mais inteligen-
tes, com o melhor emprego, mais adaptados ao seu meio social. Pois assim,
seus filhos estudarão nas melhores escolas, sua casa terá mais segurança e
você irá morar em um bairro bom e seguro. Tudo isso implica que seu suces-
so reprodutivo estará garantido e você estará compensando os 50% de gasto
que a reprodução sexuada custa.

4.5 Estratégias Evolutivamente Estáveis (EEE)

Segundo Richard Dawkins, em seu livro O Gene Egoísta, nós somos


nada mais que máquinas egoístas criadas por nossos genes para explorar, de
forma cada vez melhor, o ambiente em que estamos inseridos e, assim, favo-
recê-los. As melhores “máquinas de sobrevivência” são aqueles que sabem

220  Licenciatura em Biologia


explorar bem, não somente o ambiente em que estão inseridas, mas também
as outras máquinas sejam elas da mesma espécie ou de espécies diferentes.

As máquinas de sobrevivência mencionadas aqui são os indivíduos de


uma espécie, de um grupo ou de uma população. Esses indivíduos se exploram
mutuamente, seja qual for a maneira. Pode ser predando um indivíduo menor,
seja tomando para si um território já habitado ou um harém de esposas. Um
exemplo claro dessa exploração mútua é o da flor que usa a abelha, enquanto
se alimenta, para espalhar o seu pólen. O sucesso dos seus genes dependerá
da estratégia que o indivíduo escolher para obter vantagem (vantagem está
sempre relacionado ao sucesso reprodutivo). Dessa forma, durante uma luta
cada decisão tática referente à sua escalada ou ao seu refreamento tem custo e
benefício os quais poderiam, em princípio, ser analisados.

J. Maynard Smith usou a teoria dos jogos para explicar de forma mais
clara o comportamento de agir de forma a se favorecer, mas não perder tanta
energia (Figura 71). E, em 1973, conceituou a Estratégia Evolutivamente
Estável (EEE) como: o comportamento (ou estratégia) que será estável sob
a pressão da seleção natural. Que vá persistir ao passar do tempo e suportar
pequenas oscilações do ambiente.

Surge, então, na biologia, o conceito de jogo evolutivo, que seria um tipo


do modelo onde os indivíduos têm uma série de estratégias possíveis e têm que
escolher entre elas, de modo a aumentar a seu desempenho, deixando mais des-
cendentes. Essa escolha, na maioria das vezes, não é consciente, depende da evo-
lução, visto que, dentre as estratégias possíveis, serão selecionadas aquelas que
tiverem o maior sucesso reprodutivo; e o próprio leque de estratégias possíveis
foi formado ao longo da evolução. Então, as EEE são selecionadas via seleção
natural. A teoria de jogos na biologia se tornou uma importante ferramenta para
entender o comportamento animal, incluindo o homem.

É possível comparar a EEE com conceito chamado equilíbrio de


Nash (Quadro Equilíbrio de Nash), onde cada estratégia de um indivíduo é
friamente analisada, como em um jogo. Os ganhos e perdas devem ser avalia-
dos antes que se tome uma decisão. Porém, para o ambiente evolutivo, onde
a estabilidade é controlada pela seleção natural e pelo surgimento de novas
estratégias, as EEE têm uma propriedade que foi importante para que esse
comportamento tenha evoluído. Todos os genes dos membros de um grupo
em que a EEE está fixada, são codificados geneticamente para usar essa estra-
tégia, assim, não seria fácil que uma nova estratégia fosse implementada.

Evolução Biológica  221


Figura 71. Em populações onde o macho tem várias esposas (harém), para que outro macho
tome o seu harém, é preciso uma análise criteriosa de como o fazer. Quanto vou gastar de
energia nessa luta? Se ele é o dono do harém então ele forte. Se eu ganhar os meus feri-
mentos permitirão que eu desfrute do bem conquistado? E se outro macho tiver a mesma
atitude que eu e brigar pelo harém eu irei vencer depois de ter gasto tanta energia com a
primeira briga? Ou é melhor eu esperar, obter mais energia e ficar mais forte? Esquerda –
harém de Leões-marinhos (Otaria byronia) Fonte: mundoanimalmaceio.blogspot.com; direita
– harém de gorilas (Gorilla gorilla).

Equilíbrio de Nash

Aplicado na teoria dos jogos, o Equilíbrio de Nash (ou Equilíbrio Coope-


rativo) representa uma situação em que nenhum jogador pode melhorar a
sua situação dada a estratégia seguida pelo jogador adversário. Um par de
estratégias EA e EB, em que EA é a estratégia seguida pelo jogador A e EB
é a estratégia seguida pelo jogador B, diz-se um Equilíbrio de Nash se não
for possível a nenhum dos jogadores melhorarem a sua situação dada a es-
tratégia do outro jogador. De forma geral, isso significa que a combinação
de recompensas do equilíbrio de um agente seja “melhor” do que todas as
outras estratégias que esse agente possa adotar. Esse conceito de equilíbrio
engloba o conceito de estratégias dominantes e dominadas, mas vai além,
pois o equilíbrio de Nash diz que o agente irá escolher a melhor estratégia
para si, dado que os outros agentes também realizaram a escolha da melhor
estratégia. (ALMEIDA et al., 2012).

É importante separar uma EEE de uma Situação Evolutivamente Está-


vel. Uma EEE deve ser adotada pela maioria da população e pode ser uma estra-
tégia mista, desde que cada indivíduo adote essa estratégia. Já quando uma popu-
lação é polimórfica, na qual diferentes indivíduos adotam diferentes estratégias, é
possível que o Equilíbrio de Nash ocorra levando a uma situação evolutivamente
estável, embora, rigorosamente, nenhum indivíduo esteja adotando uma EEE.

222  Licenciatura em Biologia


Para exemplificar o que é uma EEE, tomamos duas populações hi-
potéticas uma de gaviões e outra de pombos. Sabe-se que os gaviões são
lutadores incansáveis, assim, somente acaba uma disputa quando um dos
oponentes morre ou está gravemente ferido. Os pombos de nossa popu-
lação hipotética não são bichos violentos, e disputam território fazendo
com que o adversário se convença de que ele é melhor, ao final de um
período longo de exibição, o que se cansar, ou se convencer que não é tão
bom, perde, aqui ninguém se fere.

Para ficar mais fácil de exemplificar esse comportamento, daremos


pontos para cada estratégia. Por exemplo, 50 pontos para a vitória, zero para
derrota, -100 por ter sido seriamente ferido e -10 por ter perdido tempo
com um combate longo. Esses pontos podem ser extrapolados para sucesso
reprodutivo dos genes de cada indivíduo e os pontos negativos o custo gasto
para ganhar os pontos positivos. A ideia não é saber quem ganhará a disputa
e sim qual é a EEE o ser pombo ou gavião?

Em uma população toda constituída de pombos ninguém fica ferido


em combate, pois a disputa é feita através de olhares, no máximo exibições
de plumagem e porte corporal. O vencedor aqui ganhará 50 pontos, mas
ganha multa de -10 pontos pelo tempo perdido com o confronto. Seu saldo
será de 40 pontos. O perdedor ganha multa de -10 pontos, mas não ganha
multa por ter perdido. Qualquer pombo pode esperar ganhar a metade das
lutas de sua vida e perder a outra metade, o resultado médio por disputa será
então a média entre +40 e -10 que é +15. Um pombo tem em sua vida um
saldo de +15 pontos por combate. É um saldo bom.

Se um gavião mutante aparece na população de pombos, ele sem-


pre ganhará, pois os combates serão sempre com pombos. Assim, o saldo
dos gaviões será de +50 pontos em cada luta. O gavião terá sucesso maior
que os pombos, cujo saldo é de +15 pontos por disputa. Com o passar
das gerações, os gaviões irão aumentar na população de forma a eliminar
os pombos e constituir somente de gaviões. E, assim, eles irão começar a
lutar entre si.

Quando dois gaviões entram em combate, um deles é seriamente fe-


rido tendo multa de -100 pontos, o vencedor terá saldo de +50 pontos, cada
gavião em uma população, assim como os pombos, pode esperar vencer me-
tade de suas lutas e perder a outra metade. O resultado médio esperado, por
luta, será a média entre +50 e -100, ou seja, -25 pontos.

Evolução Biológica  223


Sabendo do saldo que cada comportamento tem, podemos verificar
qual é EEE. Um pombo, em uma população de gaviões, perde todas as lutas,
mas, nunca fica ferido. Seu resultado médio é zero, em contrapartida, o resultado
médio de um gavião da mesma população será -25. Sem resultado negativo, os
genes dos pombos tenderão a se espalhar pela população. Da forma colocada, há
uma oscilação entre pombos e gaviões, mas se as proporções de cada indivíduo
forem estáveis, o resultado médio para pombos e para gaviões será igual. E se,
por algum motivo, o número de gaviões aumentarem os pombos voltarão a se
favorecer e a estabilidade da população será retomada (DAWKINS, 2001).

4.6 Evolução e Sociedade

A evolução, um dos conceitos e descobertas fundamentais no pensamen-


to moderno, é ponto central para a biologia moderna e para o uso da biologia na
sociedade moderna. Sem a evolução, tanto a genética como a fisiologia, perde-
riam a coerência; numerosas aplicações práticas da biologia seriam puramente
empíricas e teriam uma fundamentação teórica fraca, se é que teriam alguma.
De um ponto de vista filosófico, certamente nada pode trazer mais satisfação do
que conseguir um entendimento sobre a nossa origem e a dos outros seres vivos
e podemos muito bem concordar com Darwin que “existe grandeza nesta visão
de vida”, na qual “de um começo tão simples, incontáveis formas muito bonitas e
maravilhosas, têm se desenvolvido e estão se desenvolvendo”.

Diz-se que o conhecimento é poder e o poder pode ser usado para o


bem ou para o mal da sociedade. Sem dúvida, seria excelente, por exemplo,
identificar genes que tornam pessoas suscetíveis a toxinas industriais, de for-
ma que elas poderiam tomar conhecimento prévio dos riscos de determina-
das profissões. Esse conhecimento, entretanto, carrega com ele o perigo da
discriminação se os empregadores começarem a usar a classificação gené-
tica para não empregar membros dos grupos de alto risco. O conhecimen-
to científico traz, então, implicações para uma política social. Os cientistas
não estabelecem a política social, mas eles podem e, talvez, até devessem ser
responsáveis por alertar a população para os abusos que suas descobertas
podem acarretar. Parece muito mais lógico ainda que seria até obrigação dos
cientistas protestar contra conclusão não autorizadas que outras pessoas pu-
dessem tirar de suas ideias e dados científicos (FUTUYMA, 1992).

Nos seus primórdios, a evolução foi usada de maneira desonesta pelos


darwinistas sociais para justificar o racismo e a dominação imperialista, para

224  Licenciatura em Biologia


excluir as mulheres do poder político e econômico, com base nas suas supostas
inferioridades genéticas; também para imputar a pobreza, analfabetismo e cri-
minalidade à inferioridade genética nas qualidades intelectuais e morais e não
às condições sociais que excluem grande parte da sociedade do acesso à riqueza
e à educação. Nunca houve evidência de uma base genética para as qualidades
que supostamente justificariam a discriminação (HOFSTADTER, 1955). Tal
como hoje, alguns poucos sempre visam à exploração por meio de deturpações
conceituais que visam apenas o benefício próprio ou à autoafirmação.

Apesar da evolução não favorecer base filosófica para a estética ou


a ética, de não conter em si nem moralidade nem imoralidade, de não car-
regar força ou obrigação moral, ela não deveria ser usada para racionalizar
violações dos códigos de ética, sobre os quais nós mesmos decidimos, como
seres conscientes e empáticos, que podem atuar como se tivessem livre ar-
bítrio. A biologia evolutiva não deveria limitar nossa ética, guiar a visão dos
nossos poetas, filósofos e líderes espirituais e nem controlar-nos em relação
aos ideais a que aspiramos. Ao contrário, a biologia evolutiva, da mesma for-
ma que outro conhecimento, deve servir às causas da liberdade e dignidade
humanas. Juntamente com a genética e a ecologia, suas aplicações na medi-
cina, produção de alimentos e manejo do ambiente podem ajudar a nos li-
vrar da doença, da fome e de outras mazelas humanas (FUTUYMA, 2002).

À medida que aprendemos mais sobre a genética humana, passamos a


avaliar melhor a uniformidade da espécie humana. À medida que estendemos
as explicações científicas dentro dos domínios da biologia humana, nós ganha-
mos confiança – ou ficamos aterrorizados – pela conscientização de que nosso
destino como espécie muitas vezes depende do nosso próprio discernimento
e compaixão de uns para com os outros; e não dos caprichos de uma entidade
sobrenatural. À medida que pensamos com humildade sobre o nosso lugar na
história biológica e à medida que refletimos sobre nossa origem comum com
outros seres vivos, poderemos passar a perceber e a nos preocupar com aquelas
incontáveis formas muito mais bonitas e maravilhosas (FUTUYMA, 1992).

4.7 Reflexões sobre o Futuro das Espécies:


Os Humanos como Gerenciadores da Biodiversidade

Durante a história de nosso planeta, grandes áreas de terra foram


inundadas por oceanos colossais, o surgimento de imensas cadeias de mon-

Evolução Biológica  225


tanhas interrompeu a passagem de ventos modificando os climas locais,
além de separar terrenos antes unidos. Essas e outras mudanças causaram
um tipo de filtro ambiental, onde só permaneceram os organismos já pro-
pensos aquele novo tipo de ambiente. Na América do Sul, por exemplo,
após o soerguimento final da Cordilheira dos Andes (20-25 milhões de
anos atrás), o clima, que até então era úmido, se tornou mais seco e frio,
especialmente nas regiões mais ao sul. Os biomas brasileiros, assim como o
resto do planeta, mudaram muito durante esses últimos milhões, milhares
e centenas de anos. Essas alterações foram regadas de mudanças climáticas,
de surgimentos de vulcões, de erupções, de extinções, de surgimento ou
reconfiguração de rios e muitos outros processos que influenciaram direta-
mente o número de espécies em uma região (e.g., SALGADO-LABORIAU,
1998. SALGADO-LABORIAU et al., 1997; 1998; BEHLING, 1998, 2001,
2003). A extinção ou florescimento de espécies dependia se elas estavam ou
não adaptadas a viver nesses novos cenários. Aqueles que têm as melhores
características para dado ambiente se reproduzem e deixam mais descen-
dentes do que aqueles que estão menos adaptados. Essa, como vimos, é a
essência da boa e velha Seleção Natural, proposta por Darwin, em meados
do século XIX, e que nunca será desatualizada.

E o Homo sapiens, nossa espécie, onde se encaixa nisso tudo? Vi-


mos que as evidências sugerem que os primeiros hominídeos aparecem há
cerca de 2 milhões de anos atrás, no continente africano, mas só chegaram
à América do Sul dentro dos últimos 200 mil anos. Começamos, então, a
predar animais, modificar a paisagem, cultivar plantas, construir moradas
e, por fim, nos tornamos sedentários. Hoje em dia, com o crescimento e
expansão da população humana, resta pouco de todo patrimônio biológico
original que tínhamos há alguns séculos. Mesmo tendo consciência de que
cada ambiente é detentor de linhagens evolutivas e de histórias biogeográ-
ficas únicas, fragmentos de vegetação natural perdem cada vez mais espaço
para atividades antrópicas (agricultura, pecuária, cidades, poluição).

Os brasileiros são detentores da fauna e da flora mais ricas de toda a


América do Sul, com uma das mais majestosas biodiversidades do mundo e,
mesmo assim, como estamos agindo em relação a isso? Precisamos de ações
e estratégias estudadas e sérias, de cada vez mais investimento em pesquisas,
precisamos do trabalho e das opiniões de biólogos, de engenheiros florestais e
ambientais competentes e com experiência - e não hipocrisia política ou ações
que só visam o lucro. Somente uma sociedade consciente da megadiversidade

226  Licenciatura em Biologia


de seu país é capaz de identificar um discurso progressista meramente mer-
cantilista, imbuído em uma prática negadora da vida - poluidora do mar, dos
rios, dos campos, devastadora de biomas e variedades genéticas únicas.

No mínimo, é respeito que devemos aos moradores mais antigos de


nosso planeta e de nosso País, já que chegamos tão recentemente e os modi-
ficamos drasticamente, como se não compartilhássemos nossa morada com
milhares de outras espécies. Conservarmos o que resta, é nossa obrigação
(ver Quadro A lição das formigas aos seres humanos). Estamos aprendendo
que não há como pensar em desenvolver um país sem pensar na sua riqueza
biológica e elaborar planos para sustentá-la. Depende de nós vermos ou não
um futuro que ainda espelhe essa grandeza de formas de vida. Que entre
outras mil, que ainda seja o Brasil a nossa pátria amada e idolatrada. Mas que
seja, sobretudo, diversificada e conservada! Para isso, temos que saber valer
o sapiens do nome que nós próprios nos damos, e ter a sabedoria das boas
escolhas para o futuro da maior riqueza de nosso País, a biológica.

Para Refletir – A Lição da Formiga ao ser Humano

A Bíblia, e um dos seus provérbios diz o seguinte a respeito das formigas: “Vai
ter com a formiga, ó preguiçoso; olhai para os seus caminhos e sê sábio. Pois ela,
não tendo chefe, nem guarda, nem dominador, prepara no verão o seu pão; na sega
ajunta o seu mantimento...” (Provérbios, 6:6). Quando se fala em Ecologia (ou
qualquer outra ciência que derivou dela, como a Biologia da Conservação e
a Educação Ambiental), seguindo seus reais princípios, estamos lidando com
toda interação que ocorre entre os seres vivos, bem como a dinâmica dos
mesmos com seus respectivos ambientes. No entanto, hoje em dia a mídia
tem propagado e estabelecido algumas distorções sobre isso. O que é ser, por
exemplo, ecologicamente correto?

Sob a perspectiva de biodiversidade e equilíbrio da natureza, a espécie hu-


mana é um desastre. A explosão demográfica ocorrida pelo sedentarismo e
melhoras na medicina, que proporcionaram melhorias na qualidade de vida
dos seres humanos fez com que nossa população crescesse acentuadamente
rápido. Um exemplo didático para o caso é o hino da copa do mundo de
futebol de 1970, que dizia “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil do meu
coração....”. Segundo os últimos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística), o Brasil comportava mais de 190 milhões de pessoas no
ano de 2010. Em 40 anos, mais do que dobramos nossa população! Uma con-

Evolução Biológica  227


sequência lógica disso é a necessidade de nos expandir geograficamente; ao
fazermos isso, derrubamos florestas, inundamos rios, poluímos e extinguimos
cada vez mais espécies para que seus antigos habitat virem ruas, rodovias,
hidrelétricas, pastos ou plantações para nosso conforto e sustento.

O nosso papel ecológico no mundo, portanto, é muito negativo. Por outro lado,
a “lição” trazida pelas formigas é retratada brilhantemente pelo famoso ento-
mólogo (biólogo que estuda formigas) Edward O. Wilson. O professor e pes-
quisador da prestigiada Universidade de Harvard, em um trecho do seu livro
autobiográfico Naturalista (1994), nos dá informações muito relevantes sobre o
papel ecológico desses insetos aparentemente insignificantes, ao mesmo tempo
em que enfatiza a nossa condição egocêntrica de pensar o mundo:

“Manchinhas avermelhadas e escuras que ziguezagueiam pelo chão para se enfiar


em buracos, elas estão em toda parte; com o peso expresso em miligramas, são
habitantes de uma estranha civilização que oculta de nossos olhos sua rotina diária.
Por mais de cinquenta milhões de anos e onde quer que haja terra, com exceção
das camadas de gelo das regiões polares e alpinas, as formigas têm sido insetos
esmagadoramente dominantes. Pelos meus cálculos, há de um a dez quatrilhões de
formigas vivas, todas pesando juntas, pela ordem mais próxima de magnitude, tanto
quanto a totalidade dos seres humanos. Mas uma diferença, uma diferença vital
se oculta nessa equivalência. Enquanto as formigas existem na quantidade mais
correta possível em relação ao restante do mundo vivo, os humanos se tornaram
numerosos demais. Se estivéssemos fadados a desaparecer hoje, o ambiente ter-
restre retornaria ao fértil equilíbrio que prevalecia antes da explosão populacional
humana. Apenas cerca de uma dezena de espécies (entre as quais os piolhos, cães
e gatos domésticos e um ácaro que vive nas glândulas sebáceas de nossa testa)
dependem de nós. Mas, se as formigas desaparecessem, dezenas de milhares de
outras espécies de plantas e animais pereceriam também, simplificando e enfra-
quecendo por quase toda parte os ecossistemas terrestres.”

Se insetos que, aparentemente não tem importância alguma para nós, têm um
papel ecológico tão grande, o que pensar do conjunto de toda a biota oculta
aos nossos olhos ou da televisão? O que desempenha em seu ecossistema
aquela árvore torta ou aquele animal que simplesmente achamos feio ou
asqueroso para nosso padrão de beleza? À medida que estendemos as ex-
plicações científicas dentro dos domínios da biologia humana, nós ganhamos

228  Licenciatura em Biologia


confiança – ou ficamos aterrorizados – pela conscientização de que nosso
destino como espécie muitas vezes depende do nosso próprio discernimento
e compaixão – tanto de uns para com os outros, quanto para com os outros
seres vivos! À medida que pensamos com humildade sobre o nosso lugar
na história biológica e à medida que refletimos sobre nossa origem comum
com outros seres vivos, poderemos passar a perceber e a nos preocupar
mais com as outras incontáveis e maravilhosas formas de vida com as quais
compartilhamos nosso planeta.

Figura 72. Formigas cortadeiras, que levam parte de folhas para o cultivo de fungos
específicos para sua alimentação.

O mesmo Edward Wilson, que nos ajudou com a ‘lição das formigas’,
em seus livros Consiliência: a unidade do conhecimento (1994) e Sobre a Na-
tureza Humana (1979), deixa uma reflexão a ser feita por todos nós, seres
humanos. Ele assegura que temos que tomar consciência de nosso papel no
gerenciamento da biodiversidade e com o meio ambiente – afinal, fazemos
parte dele e também somos seus dependentes. Wilson sugere que o Homo sa-
piens, a primeira espécie verdadeiramente livre, pode estar prestes a encerrar a
seleção natural, a força que nos fez. Devemos, portanto, olhar profundamente
para dentro de nós mesmos e decidir o que queremos ser ou fazer. O autor
conclui que os seres humanos deveriam tomar mais consciência da sublime
e épica forma que o mundo foi criado e como a humanidade se tornou parte
dele. Essa visão pode confirmar que somos parte de algo maior do que nós
mesmos; ela une a nossa espiritualidade, ao invés de enfrentá-la, com o conhe-
cimento empírico que a ciência e que a história podem oferecer.

Evolução Biológica  229


Conclusão:

A janela que Darwin abriu para a vida do mundo permitiu uma pers-
pectiva nova e evolutiva de outros assuntos. Começamos a estudar a evolu-
ção das nebulosas e das estrelas, da linguagem e das ferramentas, dos ele-
mentos químicos, de organizações sociais. A aquisição feita pelo Homem de
um tipo de mecanismo evolutivo muito acima do de cromossomos e genes
para assegurar a continuidade de mudanças ao longo do tempo, possibilita-
-nos transpor a barreira estabelecida pelas limitações biológicas e penetrar
no campo virgem da existência psicossocial, devido a nossa capacidade de
pensamento conceitual e linguagem simbólica. A organização da consciên-
cia alcançou um nível no qual a experiência podia não apenar ser armazena-
da em um indivíduo, mas também ser transmitida cumulativamente a novas
gerações. Isso é um ponto crítico que iniciou a fase humana ou psicosso-
cial da evolução. Em nosso planeta, isto está ainda no começo de seu curso,
tendo-se iniciado há menos de um milhão de anos. Entretanto, o ritmo da
evolução humana não apenas é mais rápido que o da evolução biológica;
a racionalização e aumento no volume de informações atuais fizeram com
que nos tornássemos o último tipo dominante de vida, fechando a porta à
possibilidade de qualquer outro animal fazer o mesmo avanço e disputar
nossa posição única na Terra. No entanto, a consequência lógica e biológica
de tal processo faz com que exploremos, muitas vezes inconsequentemen-
te, os espaços e recursos naturais compartilhados por outros seres vivos.
Assim, à luz desses fatos e ideias, o verdadeiro desígnio do Homem deverá
ser fundamental para o futuro da evolução no planeta. Qualquer progresso
maior somente será alcançado com uma nova visão do destino humano; e
isto se deve, sem dúvida, em grande parte, ao trabalho iniciado por Darwin
sobre a evolução biológica por seleção natural.

230  Licenciatura em Biologia


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238  Licenciatura em Biologia

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