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Saúde ambiental e impactos da


mineração em Barcarena, Pará, Brasil:
o caso da Comunidade Bom Futuro

Paulo Altemar Melo do Nascimento


6º CRS Barcarena/SESPA

Hilton P. Silva
PPGSAS

10.37885/210504445
RESUMO

Objetivo: Este capítulo analisa os impactos na saúde decorrentes da poluição ambiental


provocada pelo extravasamento de resíduos industriais da barragem de uma mineradora,
que atingiu diretamente a comunidade rural Bom Futuro, em Barcarena, Pará. Método:
Utilizou-se as técnicas de entrevista semiestruturada e observação participante, análise
dos relatórios da vigilância ambiental, de laudos oficiais e o tratamento dos dados cole-
tados seguiu as etapas de descrição, análise e interpretação qualitativa, sendo utilizada
a abordagem da análise de conteúdo. Resultados: No período do desastre as pessoas
apresentaram vários sinais e sintomas como dores abdominais, cefaleia, alterações de
pele, diarreia, náuseas e vômitos, dentre outros possivelmente resultantes de contamina-
ção ambiental. Conclusão: As ações emergenciais de assistência à saúde e preventivas
de saúde ambiental realizadas na área contribuíram para que a situação não se agra-
vasse. Porém, a comunidade ainda aguarda resultados de exames e encaminhamentos
especializados para investigação mais aprofundada e garantia do atendimento integral
de saúde. Os impactos ambientais ainda não foram mensurados.

Palavras-chave: Amazônia, Poluição Ambiental, Saúde Ambiental, População Rural.

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Pesquisa em Saúde & Ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região
INTRODUÇÃO

Nos últimos anos o município de Barcarena, Estado do Pará, tem se tornado conhecido
pelos problemas socioambientais em decorrência dos inúmeros acidentes ocorridos na área
industrial e portuária, e da acumulação de conflitos que iniciaram com a implantação dos
Grandes Projetos de desenvolvimento no final da década de 1970 (NASCIMENTO, 2019;
COELHO et al., 2017; CASTRO; CARMO, 2020).
O local tem como característica marcante o crescimento populacional acelerado e
desorganizado, motivado pela implantação sem o adequado planejamento de projetos in-
dustriais e da área portuária que serve à exportação. Nas três últimas décadas a população
se expandiu mais de sete vezes, saltando de 17.498 habitantes em 1970, para 127.027 de
população estimada no ano de 2020 (IBGE, 2021).
Em outubro de 1985 foi inaugurada em Barcarena a fábrica da empresa Alumínio
Brasileiro S/A – ALBRAS, para produção de alumínio primário. Em 1995 começou a funcionar
a fábrica da Alumina do Norte do Brasil S/A – ALUNORTE, que produz alumina, matéria-prima
do alumínio. O Complexo ALBRAS/ALUNORTE resultou da associação da Companhia Vale
do Rio Doce – CVRD com a Nippon Amazon Aluminiun Company LTDA – NAAC, consórcio
estabelecido por empresas e pelo governo japonês. Do ponto de vista da história socioeco-
nômica da Amazônia a empresa destaca-se por ser considerada como um empreendimento
de grande relevância no planejamento do desenvolvimento da região, mas também geradora
de grandes impactos sociais e ambientais, pois a geração de empregos é mínima nesse tipo
de indústria e os custos ambientais são altos (CARMO, 2000; FEARNSIDE, 2019).
A lógica seguida pelas empresas parte da apropriação dos imensos recursos naturais
da região, os quais são transformados, via grande capital, em divisas para o país. A Alumina
do Norte do Brasil S/A (HYDRO ALUNORTE) é atualmente a maior usina de beneficiamen-
to de bauxita do mundo. Estão instaladas também no distrito industrial de Barcarena duas
fábricas de beneficiamento de caulim da Imerys Rio Capim Caulim (IRCC), que contribuem
para o aumento da poluição ambiental na área e nos últimos anos tem crescido as opera-
ções portuárias voltadas para o mercado externo (AGUIAR et al., 2016; SAAVEDRA, 2019).
Diante do crescimento populacional, muitas áreas urbanas foram ocupadas em locais
inadequados, ocasionando situações de exposição à poluição ambiental e o aumento de
agravos relacionados a esses fatores, principalmente na ocorrência de acidentes industriais
com danos ambientais, bem como, ao processo cumulativo de poluição atmosférica, hídrica
e do solo (SILVA, 2012; COELHO et al., 2017).
Couto (2020) ressalta que a Amazônia é submetida à exploração predatória de seus re-
cursos naturais, o que implica em problemas ambientais e impactos na saúde decorrentes dos
projetos de desenvolvimento como hidrelétricas, mineração, ferrovias, portos e infraestrutura.
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Este capítulo analisa os impactos na saúde decorrentes da poluição ambiental na área
da barragem de rejeitos de uma mineradora instalada no polo industrial de Barcarena, a
partir do levantamento dos principais agravos à saúde na comunidade rural do Bom Futuro
ocorridos após acidente industrial, enfatizando os fatores de risco relacionados com a vei-
culação hídrica na ocorrência do extravasamento de resíduos em 2018.

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto
de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará, recebendo o Parecer
Consubstanciado Nº 3.040.640, em 27 de novembro de 2018.
Trata-se de um estudo de caso, conforme Gil (1999) que caracteriza como o estudo
profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir seu conhecimento
amplo e detalhado. Quanto à abordagem metodológica do problema foi de cunho qualitativo,
utilizando o método observacional, entrevistas semi-estruturadas, observação participante
e análise documental.
Foram entrevistados 6 (seis) informantes-chave selecionados entre os gestores e traba-
lhadores de saúde do município. O critério de escolha dos informantes baseou-se na atuação
que os mesmos tiveram nas ações de saúde na época do extravasamento em análise e a
relevância das informações que os mesmos poderiam fornecer. A análise e discussão dos
dados das entrevistas se deu por meio da técnica de análise de conteúdo. Esta técnica segue
as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e
interpretação dos dados coletados (BARDIN, 2006).
Outra etapa do percurso metodológico foi o levantamento sobre os principais agravos
sofridos pela população quando ocorrem os acidentes ambientais, a partir da investigação
junto às unidades de saúde que prestaram assistência à comunidade. Também foram anali-
sados os relatórios da Vigilância em Saúde estadual e municipal e dos institutos de pesquisa
que atuaram após os desastres. Finalmente, houve participação em audiências públicas e
reuniões técnicas que aconteceram durante o processo de investigação dos danos ambien-
tais para coletar informações, a partir da técnica da observação participante (WHYTE, 2005;
FERNANDES, 2015).

Desafios da Saúde Ambiental

As preocupações com a problemática ambiental estão inseridas na Saúde Pública


desde seus primórdios, apesar de só na segunda metade do século XX ter se estrutura-
do uma área específica para tratar dessas questões. Essa área que trata da inter-relação
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entre saúde e meio ambiente foi denominada de Saúde Ambiental ou Medicina Ambiental
(RIBEIRO, 2004; TARCHER, 1992).
O Ministério da Saúde brasileiro considera que a saúde ambiental é o campo de atua-
ção da saúde pública que se ocupa das formas de vida, das substâncias e das condições
em torno do ser humano, que podem exercer alguma influência sobre a sua saúde e o seu
bem-estar (BRASIL, 1999).
A saúde ambiental figura como um dos grandes desafios do Brasil, necessitando da
adoção de medidas de redução ao mínimo dos efeitos desfavoráveis nesse campo, pro-
pondo-se o fortalecimento da ideia de justiça ambiental, entendida como um conjunto de
princípios e práticas que asseguram que nenhum grupo social, étnico, racial, de classe ou
gênero suporte uma carga desproporcional das consequências ambientais negativas, me-
diante operações econômicas, decisões políticas e de programas federais, estatais ou locais,
e também da ausência ou omissão dessas políticas (GALVÃO et al., 2011).
Frente às crescentes demandas socioambientais o Ministério da Saúde implementou
um Sistema de Vigilância em Saúde Ambiental no país para aprimorar um modelo de atuação
no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo competências e ações na relação
entre saúde humana, degradação e contaminação ambiental (BRASIL, 2007).
Um importante dispositivo legal para a saúde ambiental no Brasil diz respeito à formu-
lação do projeto VigiSUS, em 1997, que teve o objetivo de estruturar o Sistema Nacional de
Vigilância em Saúde Ambiental, sendo que, a institucionalização desse Sistema foi assegu-
rada pelo Decreto nº 3.450/2000, o qual proporcionou sua implantação em todo o território
nacional. A Lei nº 10.683/2003 atribuiu como competência do Ministério da Saúde ações de
saúde ambiental e de promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva. Já o
Decreto nº 4.726/2003, tratou da competência da Secretaria de Vigilância em Saúde de coor-
denar a gestão do Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde, incluindo o ambiente
do trabalho. Coube à Instrução Normativa SVS/MS nº 1/2005 estabelecer o Subsistema
Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental (SINVSA) e definir os níveis de competência dos
entes federados na área de vigilância em saúde ambiental. Quanto à Portaria nº 777/2004
definiu os agravos relacionados à saúde do trabalhador como de notificação compulsória
pelos serviços de saúde (GALVÃO et al., 2011).
O SINVSA compreende a prestação de serviços e ações desenvolvidas por instituições
públicas e privadas que objetivem o conhecimento de fatores determinantes e condicionan-
tes do meio ambiente que tenham relação com a saúde humana, sendo constituído por oito
subsistemas: 1) VIGIÁGUA (relacionado à qualidade da água para consumo humano); 2)
VIGIAR (relacionado ao ar contaminado); 3) VIGISOLO (relacionado ao solo contamina-
do); 4) VIGIQUIM (relacionado aos contaminantes ambientais e substâncias químicas); 5)
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VIGIDESASTRES (relacionado aos desastres naturais); 6) VIGIFISI (relacionado aos efei-
tos dos fatores físicos); 7) VIGIAMBT (relacionado ao ambiente de trabalho); 8) VIGIAPP
(relacionado aos acidentes com produtos perigosos) (CAVALCANTE; NOGUEIRA, 2012).
Apesar de todo esse movimento para a implementação da saúde ambiental no Brasil, até
o momento não foi promulgada uma lei para instituir a Política Nacional de Saúde Ambiental,
e a percepção atual é de que ocorrem grandes retrocessos nas conquistas alcançadas pelo
SUS nas últimas décadas.
Neste capítulo se utiliza de um estudo de caso no Polo Industrial de Barcarena, no
Pará, para abordar os desafios enfrentados pelas populações amazônicas vulneráveis em
relação à saúde ambiental.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A comunidade Bom Futuro localiza-se na Bacia Hidrográfica do Rio Murucupi, às pro-


ximidades da barragem de rejeitos industriais de uma grande mineradora. O Rio Murucupi
tem nascentes na área de mata que circunda a planta industrial da refinaria de alumina,
assim como vários de seus tributários têm nascentes nessa área de mata (NASCIMENTO,
2019; SILVA; BORDALO, 2010; PEREIRA, 2019).
Esta comunidade existe há aproximadamente 20 anos e surgiu a partir da ocupação
espontânea da área do entorno de um lixão, que foi deslocado da sede municipal para a Vila
dos Cabanos, atraindo a população que se instalou no local, além de famílias tradicionais
que permaneceram na área depois do processo de implantação dos projetos industriais.
Atualmente vivem na área cerca de 450 famílias, em habitações bastante precárias, com
o abastecimento de água interrompido desde a época do extravasamento, em fevereiro de
2018, sem estruturas de saúde, educação e segurança pública. O acesso ao local é bastante
difícil, pois as vias encontram-se em precárias condições de trafegabilidade. A característica
que chama mais a atenção sobre a vulnerabilidade ambiental da população é a proximidade
com duas fontes poluidoras: o lixão e a barragem de rejeitos industriais da mineradora.
Conforme o Instituto Evandro Chagas (BRASIL, 2018a), a comunidade Bom Futuro está
localizada no Distrito de Vila do Conde e se caracteriza por sua proximidade e de seus corpos
hídricos com a área de influência das bacias de rejeito da empresa mineradora. Destaca-se
que a comunidade Bom Futuro está muito próxima aos limites da área de servidão das ins-
talações do depósito de resíduos industriais DRS1, conforme a ilustração a seguir (Figura 1):

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Figura 1. Localização da comunidade Bom Futuro às proximidades da barragem de rejeitos.

Fonte: Elaborado por Nascimento (2019).

A cada acidente ambiental ocorrido na região de Barcarena as populações expostas


passam por situações de adoecimento ou aumento de risco de morbidade relacionada às
condições de desequilíbrio ecológico. São aproximadamente 24 desastres sócio-étnico-
ambientais ocorridos na área industrial, com grandes efeitos de poluição ambiental, que
têm sido denunciados pelas comunidades desde o início dos anos 2000 (BRASIL, 2018b;
NASCIMENTO, 2019; PEREIRA et al., 2007; CASTRO; CARMO, 2020).
O Instituto Evandro Chagas vem acompanhando as ocorrências dos principais aciden-
tes ambientais com impactos no meio ambiente e nas comunidades da área industrial de
Barcarena como mostra o quadro a seguir:

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Quadro 1. Cronologia dos acidentes ambientais em Barcarena de 2001 a 2018.
ANO OCORRÊNCIA
Carreamento de efluentes da produção de alumina para o Rio Murucupi.
Mortandade de peixes na praia de Itupanema.
2003
Carreamento de efluentes da produção de alumínio.
Nuvem de fuligem sobre Vila do Conde.
2004 Lançamento de efluentes da produção de caulim nos igarapés Curuperé e Dendê.
Floração de algas no igarapé Mucuruçá e Praia do Caripi.
2006 Contaminação de poços no Bairro Industrial com efluentes da produção de caulim.
Lançamento excessivo de fuligem das indústrias sobre o Bairro Industrial.
Carreamento de efluente ácido para os igarapés Curuperé, Dendê Rio Pará.
2007
Mortandade de peixes no Rio Arienga.
2008 Vazamento de óleo combustível no Rio Pará após naufrágio de rebocador da balsa Miss Rondônia.
2009 Carreamento de efluentes da produção de alumina para o Rio Murucupi.
2010 Nuvem de fuligem sobre o Bairro Industrial.
2011 Rompimento de duto com efluentes de caulim atingindo os igarapés Curuperé e Dendê.
2012 Fissura no mineroduto de caulim atingiu igarapés da região.
2014 Rompimento de duto de efluentes de caulim atingiu os igarapés Curuperé e Dendê.
2015 Naufrágio do Navio Haidar com vazamento de combustível, ração com base em feno e carga viva, no Porto de Vila do Conde.
2016 Lançamento de caulim no Rio Pará.
Carreamento de efluente da produção de alumina na Praia de Conde.
2017
Possível deposição de poeira vermelha sobre população no Trevo do Peteca.
Mortandade de peixes no igarapé Maricá, próximo à fábrica de fertilizantes.
Carreamento de efluentes de caulim para o Rio Murucupi.
2018
Carreamento de efluentes do processamento de alumina para o Rio Pará.
Carreamento de efluentes de caulim para os igarapés Curuperé e Dendê.
Fonte: Adaptado de Instituto Evandro Chagas (BRASIL, 2018c).

A comunidade Bom Futuro é a primeira a ser impactada com a poluição ambiental da


área da barragem devido à proximidade das instalações industriais e também sofre quanto
à carga de contaminação do lixão localizado dentro do aglomerado. As rotas de exposição
tanto da barragem quanto do lixão se constituem em fatores de risco à saúde dessa co-
munidade e determinantes socioambientais, principalmente no que se refere à veiculação
hídrica. Para Silva (2012, p. 105):

A contaminação do solo por substâncias químicas integra situações altamente


complexas em função dos múltiplos fatores causais que por vezes, podem estar
associados a fatores como pré-disposição genética, susceptibilidade pessoal,
exposição ocupacional, uso de produtos domésticos, dentre outras infinidades
de produtos e tecnologias que são inseridas no mercado a cada ano.

No dia 17/02/2018, após fortes chuvas, ocorreu suspeita de extravazamento da barra-


gem de rejeitos da empresa Hydro Alunorte. Após denúncias das comunidades do entorno,
os órgãos ambientais e o Instituto Evandro Chagas (IEC) realizaram um levantamento da
situação. A empresa e as secretarias de meio ambiente negaram inicialmente que tivesse
ocorrido vazamento de resíduos industriais em diversas ocasiões. Entretanto, os resultados
das análises de água realizadas pelo IEC apresentaram elevado nível de contaminação

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tóxica, conforme explicado na Nota Técnica SAMAM-IEC 002/2018, apontando indícios de
extravasamentos para o ambiente externo à área da empresa (BRASIL, 2018a).
No levantamento de informações sobre a situação de saúde da comunidade foi identifi-
cado, a partir dos atendimentos realizados na época do extravasamento, que muitas pessoas
procuraram os serviços de saúde queixando-se de sintomas atribuídos à poluição ambien-
tal. Tais informações foram obtidas na análise dos relatórios de atendimentos realizados
nas unidades de saúde, consolidados pelo Departamento de Atenção Básica e Centro de
Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Barcarena - SEMUSB.
O levantamento demonstrou o quantitativo consolidado dos atendimentos segundo os
sinais e sintomas prevalentes relatados aos profissionais de saúde no período de fevereiro
a abril de 2018, durante as ações emergenciais realizadas na área (BARCARENA, 2019).
As dores abdominais foram as principais queixas verificadas nos atendimentos (669),
que representaram 25% das queixas, seguidas por cefaleia (523), que corresponderam a
19,5% dos atendimentos; as alterações de pele (446) que representaram 17% das queixas;
diarreia (392), com 15% das aferições e vômito/náusea (360), com 13%, também foram sinais
e sintomas prevalentes nos atendimentos, bem como, outras dermatoses (244), representan-
do 9% dos atendimentos; outros sinais e sintomas como dermatite (10), irritação ocular (08),
vertigem (03) e alterações respiratórias (21) representaram 1,5% dos atendimentos. No caso
da Comunidade Bom Futuro foram realizados 223 atendimentos em moradores da área que
procuraram tanto a Unidade Móvel, oferecida pela Secretaria Estadual de Saúde quanto as
demais unidades de saúde, o que significa 8% dos atendimentos registrados no período
emergencial (BARCARENA, 2019).
Nos dias iniciais dos atendimentos a Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA)
identificou que “duas comunidades foram potencialmente atingidas, denominadas de Bom
Futuro e Vila Nova, ambas localizadas nas imediações das bacias de resíduos e por onde
escoam igarapés usados para lazer, pescas de subsistência e possivelmente consumo”
(PARÁ, 2018, p. 2).
É importante destacar que a contaminação da água após o extravasamento é oriunda
de rejeitos da barragem, mais conhecidos como “lama vermelha”. O principal insumo utili-
zado no processo industrial é a soda cáustica, cuja principal característica é a alcalinidade,
que faz com que a lama seja corrosiva e tóxica. Na empresa são produzidas anualmente
cerca de 6 milhões de toneladas de rejeitos que contem cloreto de sódio (BRASIL, 2018b).
Na análise de conteúdo das entrevistas realizadas com os profissionais de saúde en-
volvidos nas ações e serviços após o extravasamento foi possível inferir quatro categorias:

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I - Situação da saúde após o extravasamento

Compreendeu-se que a situação da saúde na comunidade Bom Futuro sofreu grandes


impactos no contexto do extravasamento de resíduos da barragem, considerado um acidente
ambiental de grandes proporções e de repercussão internacional (NERDAL, 2018). O aci-
dente ambiental é aquele ocorrido durante a manipulação, armazenamento ou transporte de
produtos químicos, provocando alterações ambientais, degradação da qualidade ambiental
e prejudicando a saúde, a segurança e o bem-estar da população, além de criar condições
adversas às atividades econômicas e sociais. Os acidentes que ocorrem dentro das indús-
trias e nas zonas portuárias também podem ser incluídos nessa categoria se promoverem
danos à população e ao meio ambiente (ALMEIDA, 2006).
Freitas e colaboradores (1995) destacam que os acidentes envolvendo substâncias
perigosas nas atividades de transporte, armazenamento e produção industrial de produtos
químicos constituem um sério risco à saúde e ao meio ambiente. Principalmente, no caso
de acidentes químicos ampliados decorrentes do crescimento das atividades de produção,
armazenamento e transporte de substâncias químicas em nível global, os quais provocam
aumento no número de seres humanos expostos aos seus riscos, tanto trabalhadores quan-
to as comunidades.
Esta situação é bastante evidente nos excertos a seguir quando os profissionais foram
indagados sobre que problemas de saúde foram verificados nas pessoas que procuraram
as unidades de saúde:

Ainda não temos um perfil desses impactos na saúde humana devido a Vigi-
lância em Saúde Ambiental ainda ser uma Vigilância relativamente nova, por
exemplo, em casos de intoxicação exógena por metais pesados e/ou agrotóxi-
cos observamos: dor de cabeça, irritação na pele, coceiras, vômitos, diarreias,
cólicas abdominais; estes sintomas citados foram após notificações realizadas
no ano de 2018 quando houve o acidente ambiental da Hydro em Barcarena;
pela literatura sabe-se do potencial risco de possíveis efeitos carcinogênicos e
mutagênicos pela exposição e/ou intoxicação por metais pesados, porém não
temos esse perfil ainda de estudo da população de Barcarena. (E3).

Na época a gente presenciou algumas águas com alterações na cor, mas em


relação à água foi mais a questão da dermatite, muita coceira, e também na
parte ocular, irritação das mucosas, teve alterações gastrointestinais também.
(E5).

Dessa forma, os processos produtivos e os padrões de consumo são geradores de


pressão sobre o ambiente e geram desigualdades e iniquidades, tanto relacionadas ao aces-
so aos serviços de saúde como à distribuição de riscos. Além disso, a poluição é um risco
ambiental que tem causado impactos à saúde das comunidades, tornando-se um problema
central da saúde ambiental (AYACH et al., 2012).
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Corroborando este pensamento Freitas (2005) destaca a importância para a reflexão
e orientação das inter-relações entre os problemas ambientais e de saúde em uma área do
conhecimento como a saúde coletiva. O autor destaca a importância de pesquisas na área
ambiental voltadas também para a saúde coletiva, devido à existência de poucos estudos
que incorporam o tema ambiente nessa área, a fim de “conformar uma ciência orientada
para o desenvolvimento sustentável do ambiente e da saúde coletiva, à qual deve não só
se restringir para busca de soluções para o controle e prevenção de doenças, mas também,
e principalmente, para a promoção da saúde” (FREITAS, 2005, p. 680).

II - Medidas emergenciais nas comunidades

Para dar uma resposta imediata ao problema instalado após o extravasamento foi
constituída uma Sala de Situação envolvendo a Secretaria de Estado de Saúde Pública
(SESPA), Secretaria Municipal de Saúde de Barcarena (SEMUSB), Secretaria Municipal
de Assistência Social de Barcarena (SEMAS), Secretaria Municipal de Meio Ambiente e
Desenvolvimento (SEMADE), Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade
(SEMAS/PA), a empresa Hydro Alunorte, Defesa Civil, dentre outras instituições que se re-
uniam diariamente pela manhã e à tarde para atualizar as informações e planejar as ações
emergenciais necessárias na comunidade.
Conforme recomendação do Instituto Evandro Chagas (IEC) ao emitir a Nota Técnica
SAMAM-IEC 002/2018, apontando indícios de extravasamentos para o ambiente ex-
terno à área da empresa Hydro Alunorte e no Relatório Técnico 02-2018/IEC-SAMAM
foi informado que:

Os resultados físico-químicos e níveis de metais nas amostras mostraram que


no dia 17/02/2018 ocorreram alterações nas aguas superficiais que compro-
meteram a qualidade das mesmas, segundo a Resolução CONAMA 357/2011
e impactaram diretamente na comunidade Bom Futuro. Destacando que neste
momento as águas apresentaram níveis elevados de Alumínio e outras variá-
veis associadas aos efluentes gerados pela Hydro Alunorte (BRASIL, 2018b,
p. 16).

Imediatamente foi recomendado que as comunidades do entorno da barragem de re-


jeitos (Bom Futuro e Vila Nova) não utilizassem água de igarapés e poços para o consumo
humano e recebessem água potável e atendimentos de saúde para evitar contaminação,
conforme o Relatório Técnico 03/2018 – IEC-SAMAM e as Recomendações Nº 8/2018/
PRPA, Nº 001/2018/MP/PA-1ªPJB e Nº 002/2018/MP/PA-8ªPJC (BRASIL, 2018c).
No Relatório Situacional de Saúde Hydro Alunorte (Barcarena/PA) elaborado pela
Diretoria de Vigilância em Saúde/SESPA foram informadas as atividades realizadas pela
Secretaria de Estado de Saúde, a partir das estratégias e medidas de prevenção adotadas
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após o extravasamento da barragem de rejeitos, com destaque para os atendimentos emer-
genciais de saúde e coleta de água para análise laboratorial (PARÁ, 2018).
Quanto às ações de saúde que foram realizadas nas comunidades atingidas após o
extravasamento, os profissionais de saúde entrevistados indicaram grande intensidade de
ações e serviços desenvolvidos na área, conforme o que segue:

As principais ações foram: evitar que as pessoas bebessem água dos poços
através de distribuição de água mineral e caixas d’águas abastecidas com
água de carros pipas (foram realizadas analises de água que evidenciaram
contaminação em alguns locais), consultas médicas e realização de exames
laboratoriais de rotina, se necessário, exames especializados como endos-
copia. (E3).

A gente começou nosso trabalho nessa situação, a gente padronizou ques-


tionário, com algumas perguntas sociais, ingestão de alimentos, se estava
apresentando sinais e sintomas, a gente foi aplicar nas áreas pra tentar fazer
um levantamento. Quando a gente viu começaram a surgir as queixas, eu acho
que na mesma semana a gente começou a fazer os atendimentos específicos
pra essas pessoas que estavam se queixando de alterações, principais sinto-
mas: dermatites, gastrointestinais, e aí quando foi na época também o Estado
veio, a Defesa Civil e começou a montar grupos de trabalho pra tá analisando
essas situações. (E5).

As ações emergenciais de assistência à saúde e preventivas de saúde ambiental efe-


tivadas na área contribuíram para o não agravamento da situação. Porém, a comunidade
ainda aguarda respostas quanto aos exames e encaminhamentos especializados, pois foi
identificado durante a pesquisa que ocorreram dificuldades no manejo clínico dos pacien-
tes que apresentaram problemas de saúde possivelmente relacionados à contaminação
ambiental. Tais fatos foram apurados nos relatórios da Vigilância em Saúde Estadual e da
Comissão da Casa Civil da Presidência da República, bem como, nas recomendações do
Ministério Público, que atuou a partir do Termo de Ajustamento de Conduta para a empresa
(PARÁ, 2018; BRASIL, 2018d).

III - Dificuldades no manejo clínico dos pacientes

Com o desdobramento das ações emergenciais de saúde foi necessário realizar tria-
gem de pacientes que relataram sinais e sintomas possivelmente relacionados à exposição
de contaminantes ambientais para que os mesmos fossem encaminhados a especialistas e
realizassem exames de cabelo e sangue, para detecção de metais pesados. Os excertos a
seguir mostram as dificuldades do manejo clínico dos pacientes que tiveram alterações nos
resultados dos exames realizados:

E fizemos uma parceria também com o Estado, que ele veio e mandou uma
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equipe pra cá do Lacen pra fazer essa coleta também. Então quer dizer foi uma
equipe que veio dar um suporte pra gente, que era a coleta dos exames de
sangue, então duas vezes na semana tinha coleta de sangue aqui, justamente
desse pessoal acometido. (E2).

Quando foi no final do ano passado, quase no início deste ano a gente começou
a receber o resultado dos exames e aí a gente saiu numa busca incessante
atrás de toxicologista. Porque tinha que dar o segmento e o médico que tinha
que dar um parecer daqueles resultados que não eram laudos eram resultados
com algumas alterações que precisavam ser analisadas por um especialista.
A gente procurou, foi no Barros Barreto, foi no CRM, no Sindicato dos Médi-
cos, onde falavam que poderia ter, IML, a gente não conseguiu encontrar, foi
quando a gente decidiu contratar um médico do trabalho seguindo orientação
do Estado. (E5).

Ressalta-se que até o momento do final da coleta de informações em campo (12/2019)


não havia sido solucionada a dificuldade de garantir a assistência especializada às pessoas
que apresentaram alterações nos resultados dos exames, pois nem o município nem o Estado
conseguiram dar as respostas adequadas para cada caso. Ultimamente foi formada uma
comissão interfederativa para elaborar um plano específico visando superar tal situação e
garantir a assistência integral dessas pessoas, pois de fato o que aconteceu foi que elas
receberam o resultado dos exames apontando níveis elevados de metais pesados no orga-
nismo, sem garantia de tratamentos especializados, aumentando inclusive os sofrimentos
psicológicos em muitas pessoas.

IV- Ações preventivas de saúde ambiental

Outra questão levantada junto aos profissionais de saúde diz respeito às medidas
adotadas para a prevenção de problemas de saúde na comunidade principalmente quanto
aos cuidados com a água. Foi identificada a possibilidade de vários fatores de risco à saúde
humana relacionados à veiculação hídrica, principalmente no período chuvoso, no qual au-
mentam as inundações nas áreas mais próximas ao Rio Murucupi. Os excertos abaixo de-
monstram algumas ações preventivas de saúde ambiental efetivadas após o extravasamento:

Fornecer água potável para esta população para não correr o risco de tomar
água possivelmente contaminada; fornecer atendimento de saúde e monitorar
através de exames específicos (detecção de metais pesados no sangue) se
estas pessoas estão ou não intoxicadas e não esperá-las simplesmente adoe-
cerem; fazer que as empresas adotem sistemas de Vigilância para evitar e/ou
minimizar transbordamentos e/ou acidentes dos seus rejeitos para rios. (E3).

A parte da água quem fez o cadastramento todo e a liberação quem tá fazendo


é a Hydro, não é a Prefeitura. É direto da empresa, nossa parte é a da saúde,
ela ficou responsável pela entrega da água. O que a gente não pode parar lá
são as análises, eles não estão fazendo uso da água que sai da encanação
deles pra nada, eles estão fazendo uso da água que é fornecida pela empre-
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Pesquisa em Saúde & Ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região
sa nos carros pipa. Em relação as nossas análises, também no plano que a
gente está elaborando, também vai dar continuidade pra ver se os níveis estão
diminuindo, se estão aumentando, como é que tá se comportando. (E5).

Conforme dados do Instituto Evandro Chagas nas análises de água os parâmetros


deram resultados muito acima dos níveis aceitáveis, por exemplo: os níveis de chumbo es-
tavam 5 vezes acima do recomendado, níveis de alumínio 25 vezes acima, níveis de cromo
5 vezes acima e os níveis de condutividade aumentaram 25 vezes. “No ambiente, os teores
totais de arsênio, mercúrio, chumbo e os teores de alumínio, ferro e cobre dissolvido se
mostraram alterados e acima dos limites preconizados pela resolução CONAMA 357/2005”
(BRASIL, 2018c, p. 46).
Provavelmente, a poluição ambiental na área da pesquisa vem ocorrendo de forma
cumulativa ao longo dos anos, se agravando em momentos de acidentes como o extravasa-
mento ocorrido no ano de 2018. Além disso, é fato que o lixão a céu aberto também insere
a comunidade Bom Futuro na rota de exposição, aumentando os fatores de risco à saúde
da população local, conforme observado pela Comissão da Casa Civil da República:

Da visita de campo à comunidade pode-se perceber que há outras possíveis


fontes de contaminação, tais como, o uso e ocupação do solo de forma de-
sordenada e irregular, complexo industrial e problemas na estrutura de sane-
amento com destaque para a questão dos resíduos sólidos urbanos onde a
existência de um lixão também pode configurar uma fonte de contaminação
(BRASIL, 2018e, p. 4).

Silva (2012, p. 106) entende Rota de Exposição como “um processo que permite o
contato dos indivíduos com as substâncias químicas originadas de uma fonte de contami-
nação.” A Rota de Exposição é composta por cinco elementos que são: fonte de contami-
nação, compartimento ambiental e mecanismos de transporte, ponto de exposição, via de
exposição e população receptora. Uma população é considerada exposta se existiu, existe
ou existirá uma Rota de Exposição completa que ligue o contaminante químico com a po-
pulação receptora.
Em pesquisa sobre populações expostas a substâncias químicas provenientes de lixões,
Silva (2012) identificou que na Rota de Exposição podem ocorrer contaminações da água
para consumo humano, contaminação das águas subterrâneas, contaminação do solo, além
de alimentos contaminados por bioacumulação, embora nem sempre seja uma tarefa fácil
estabelecer uma conexão direta entre contaminação ambiental e efeitos na saúde.
No caso de Barcarena, os sinais e sintomas relatados pelos pacientes atendidos du-
rante as ações emergenciais de saúde podem ser relacionados à exposição química de-
vido à veiculação hídrica causada pelo extravasamento, bem como, à situação crônica do
lixão a céu aberto nas imediações da comunidade. Embora não seja possível assegurar
109
Pesquisa em Saúde & Ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região
que os agravos identificados no levantamento da situação de saúde da Comunidade Bom
Futuro tenham sido causados direta ou imediatamente pela recorrente poluição ambiental
existente na área, já demonstrada pelas análises de água realizadas pelos órgãos oficiais,
deve-se levar em conta os níveis consideráveis de exposição a metais pesados apontados
nos resultados dos exames de sangue e cabelo de moradores locais. Este fato pode ser um
indicador de alteração nos fatores de riscos ambientais e na saúde dessa população que
precisa ser melhor investigado em estudos mais profundos sobre a situação, haja vista que
existe pouca informação sobre a contaminação por elementos químicos tóxicos nos rios da
região (PEREIRA, 2019).

CONCLUSÕES

A região de Barcarena é considerada simultaneamente uma área de risco ambiental e


de acumulação capitalista, pois o modelo de desenvolvimento implantado privilegiou o gran-
de capital em detrimento das populações locais, que passaram a sofrer com os problemas
socioambientais, caracterizados pelos crescentes episódios de poluição ambiental causados
pelas indústrias instaladas no município (EGLER, 2004; COELHO et al., 2017).
No ano de 2018 ocorreu extravasamento de resíduo industrial na área de depósito
de resíduos sólidos de uma mineradora, causando a poluição do ambiente no entorno do
empreendimento e atingindo diretamente as comunidades, entre elas a do Bom Futuro, que
sofreu impactos diretos no âmbito da saúde ambiental devido à inutilização imediata da água
para consumo humano, de suas fontes de abastecimento, passando a depender de água
mineral e de caminhões pipa, sendo também fornecidas caixas d’água para o armazena-
mento pela empresa (BRASIL, 2018a; PARÁ, 2018).
No levantamento da situação de saúde foi identificado que muitos moradores procura-
ram os serviços de saúde relatando sinais e sintomas relacionados ao possível consumo ou
contato com água contaminada, sendo os mais prevalentes as dores abdominais, seguidas
por cefaleia e alterações de pele, diarreia e vômito/náusea, bem como, outras dermatoses,
que podem estar associadas a poluentes ambientais (BARCARENA, 2019). Adicionalmente,
deve-se levar em conta o processo cumulativo de exposição a que essa população histo-
ricamente vem sendo submetida, pois desde o ano de 2003 vários acidentes ambientais
ocorreram na área, caracterizando o que pode ser considerado um caso de racismo ambiental
(BULLARD, 2002).
Considera-se que as ações emergenciais de assistência e preventivas de saúde am-
biental efetivadas na área no período imediato ao extravasamento contribuíram para que
a situação não se tornasse mais grave, porém, a comunidade ainda aguarda respostas de

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Pesquisa em Saúde & Ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região
exames e encaminhamentos especializados, pois foram constatados indícios de exposição
química nos exames toxicológicos de sangue e cabelo.
Gouveia e Prado (2010) consideram que aterros sanitários são potenciais fontes de
exposição humana a substâncias tóxicas através do solo e ar contaminados, percolação e
lixiviação de chorume. Estudos indicam níveis elevados de compostos orgânicos e metais
pesados no sangue de indivíduos que residem perto de aterros e apontam risco aumentado
de câncer de fígado, estômago, pulmão, rim, próstata, pâncreas e linfoma nesses indiví-
duos, além de possível associação com a ocorrência de anomalias congênitas, baixo peso
ao nascer, abortos e mortes neonatais. No entanto, as evidências dessa associação ainda
são controversas e insuficientes para confirmar o risco aumentado de câncer associado
a essa exposição.
Beltrami e colaboradores (2012) apontam que os acidentes com produtos perigosos no
Brasil têm apresentado importante potencial de causar impactos ao meio ambiente e riscos
na saúde como traumas, doenças e óbitos. Sendo que, “os efeitos dessas exposições ma-
nifestam-se desde a forma subclínica até os mais intensos, como as intoxicações agudas;
ou ainda, tomam a forma de doenças crônicas ou mesmo carcinogênese, mutagênese e
teratogênese” (p. 440).
Pesquisas realizadas pelo Instituto Evandro Chagas apontaram a alteração de nove
vezes nos níveis de chumbo no sangue de moradores de uma das comunidades localizadas
na área industrial de Barcarena, indicando a contaminação das pessoas submetidas a um
longo processo de exposição ambiental, sendo estes considerados os primeiros estudos
que evidenciam a exposição industrial a poluentes ambientais na Amazônia e demonstrando
os impactos ambientais e humanos dos grandes projetos minerários (QUEIROZ et al, 2019;
BRASIL, 2009; PEREIRA, 2019).
Sobre isto Castro e Carmo (2020, p. 11) enfatizam que: “A dor, o medo, a insegurança,
a mudança no quadro de saúde dos moradores, com doenças que se manifestam (respira-
tórias, de pele, gastrointestinais, além de outras mais graves que os moradores associam à
contaminação)” são consequências do processo histórico de desastres e crimes da mineração
na área industrial de Barcarena.
Desastres ambientais continuam a ocorrer com frequência em diversos polos industriais
brasileiros. A maioria desses eventos pode ser prevenida com medidas técnicas adequadas
(FONSECA, 2019, BARCELOS; CHAIN; MOTA; CAMARGO, 2021). Porém, como ocorrem
em áreas rurais, onde residem pequenos grupos populacionais, em sua maioria pretos e
pardos, socioeconomicamente vulnerabilizados, com pouco poder de pressão sobre as
empresas, as autoridades legais e sem visibilidade na mídia, as vidas das pessoas conti-
nuam a ser colocadas em risco impunemente e interesses privados suplantam interesses
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Pesquisa em Saúde & Ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região
coletivos. Assim como ocorreu em Mariana e Brumadinho, no estado de Minas Gerais,
também em Barcarena os casos das comunidades da área industrial têm sido exemplos
similares de grandes impactos na saúde e da dificuldade da implementação adequada de
políticas de saúde ambiental, uma vez que a vigilância ambiental ainda é deficiente em mui-
tas regiões, se tratando de uma ecologia política da tragédia (MILANEZ, 2019; FABRÍCIO;
FERREIRA; BORBA, 2021).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Saúde,


Ambiente e Sociedade na Amazônia – PPGSAS; aos profissionais de saúde entrevistados;
aos moradores da comunidade Bom Futuro e aos professores Rosa Carmina de Sena Couto
e Antônio Marcos Mota Miranda pelas importantes contribuições e comentários na prepa-
ração deste texto.

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