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REVISTA FAMECOS
mídia, cultura e tecnologia
https://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2022.1.41420
MÍDIA E CULTURA
Raul Ramalho1 Resumo: Este artigo analisa estratégias discursivas da Mídia Ninja e dos Jor-
0000-0002-8814-4791 nalistas Livres, coletivos midiáticos com ampla capilaridade nas redes sociais
raulramalhojornalistacg@gmail. online, para caracterizar a participação dos grupos no processo eleitoral brasileiro
com de 2018 e delinear, indutivamente, a relação entre midiativismo e participação
política. Enunciados postados no Facebook são interpretados com base num
entrelaçamento entre as Análises do Discurso Textualmente Orientada e Crítica
do Discurso, considerando oito categorias (formatos, ethos, gêneros textuais,
intertextualidade e interdiscursividade, caracterização dos candidatos, temati-
Recebido em: 30 jul. 2021. zação, participação e midiativismo). Os resultados indicam que a relação entre
Aprovado em: 3 maio 2022. midiativismo e participação é profícua e positiva para a democracia, quando
Publicado em: 5 set. 2022. busca justiça social e defesa dos direitos humanos. Assuntos, movimentos e
grupos marginalizados nos debates públicos encontram representatividade no
midiativismo, multiplicando possibilidades de participação.
Palavras-chave: Midiativismo. Participação política. Mídia Ninja. Jornalistas
Livres. Análise de Discurso.
Abstract: This article analyzes discursive strategies of Mídia Ninja and Jorna-
listas Livres, media collectives with broad capillarity in online social networks,
to characterize the participation of groups in the Brazilian electoral process of
2018 and to inductively outline the relationship between media activism and
political participation. Utterances posted on Facebook are interpreted based
on an intertwining between Textually Oriented and Critical Discourse Analysis,
considering eight categories (formats, ethos, textual genres, intertextuality and
interdiscursivity, characterization of candidates, theme, participation and media
activism). Results indicate that the relationship between media activism and
participation is fruitful and positive for democracy, when it seeks social justice
and defense of human rights. Marginalized subjects, movements and groups in
public debates find representation in media activism, multiplying possibilities
of participation.
Keywords: Media activism. Political participation. Mídia Ninja. Jornalistas Livres.
Discourse Analysis.
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, RN, Brasil.
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influenciar outras pessoas (CARPENTIER, 2017; tornem relevantes na esfera pública conectada
DAHLGREEN, 2014), implicando à comunicação (BENKLER, 2006).
uma maior importância neste contexto. Se por um lado há um maior protagonismo, não
A popularização da internet e, mais recente- determinismo, das mídias digitais nos processos
mente, os sites de redes sociais ou mídias sociais sociais da atualidade, entre eles os de ativismo
digitais (ELLISON; BOYD, 2013) renovam, não (TRERÉ, 2019), o sujeito midiativista, enquanto
sem críticas, as possiblidades de participação corpo presente fisicamente, evidencia-se dentro
(MARGETTS, 2019; SUZINA, 2019b; PERUZZO, da rede sociotécnica (LATOUR, 2012) na qual cos-
2018). É que o fenômeno da midiatização (quando tura suas ações de contestação social de forma
o conjunto das mídias – digitais –, dispositivos solidária, amplificando conhecimento, espraiando
técnicos que permitem comunicação para além informação, marcando presença, empreendendo
do aqui e agora, em um processo de articulação resistência e estabelecendo estruturas de defesa
institucional) reorganiza as práticas sociais quan- (BRAIGHI; CÂMARA, 2021).
titativamente (há o aumento do uso das mídias Assim, sem esgotar o debate, apontamos o
por parte das pessoas) e qualitativamente (acon- midiativismo como a utilização de dispositivos
tecem transformações nas relações dentro de e midiáticos diversos, em sua maioria digitais, por
entre instituições, a partir do uso generalizado parte de seres humanos, para realizar ativismo,
de dispositivos midiáticos e de um aumento da ou seja, tentar, de forma solidária e transgressiva,
influência da lógica midiática nas maneiras de mudar ou manter uma realidade estabelecida
indivíduos, grupos e instituições legitimarem (JORDAN, 2002). Há de ser realizado o registro
suas existências) (HEPP, 2020; MARTINO, 2019). midiático, numa retroalimentação contínua entre
Além disso, devido a uma certa horizontalidade o online e offline, para divulgar (em emissões ao
da comunicação em rede (CASTELLS, 2017), os vivo em diversos formatos ou de maneira assín-
conteúdos produzidos por mídias alternativas têm crona em sites e mídias sociais na web), por meio
sempre uma potência de se tornarem relevantes, de uma comunicação não hegemônica, causas
devido às possibilidades de compartilhamento sociais, políticas e culturais diversas, e mobilizar
e interação oferecidas pelas mídias sociais (VAN mais apoiadores para estas lutas, configurando
DIJCK, 2013). uma maneira de participação política.
Neste sentido, o midiativismo está dentro do No contexto brasileiro, dois coletivos midiáticos
escopo teórico e empírico das mídias alternativas, têm bastante relevância na prática midiativista,
mas o primeiro conceito apresenta características a Mídia Ninja (MN) e os Jornalistas Livres (JLs)
particulares, sendo conformado com mais ênfase (RAMALHO, 2018a, 2019; BITTENCOURT, 2016;
pelas TICs, num cenário de digitalização midiá- FOLETTO, 2017). A primeira tem raízes em 2011,
tica, midiatização e reticularização sociotécnica mas consolidou-se em 2013, na época das ma-
(RAMALHO, 2021). Apesar de ações midiativistas nifestações ocorridas em junho em todo o Brasil
acontecerem também em ambientes offline, (FOLETTO, 2017). Já o segundo surgiu em 2015,
é com a internet que elas ganham força e se quando aconteciam protestos contra e a favor do
revigoram (BRAIGHI; CÂMARA, 2021; CARDON; impeachment da ex-presidenta do Brasil, Dilma
GRANJON, 2010; CASTELLS, 2017). A web 2.0 e Rousseff (TREVISAN, 2015).
as mídias sociais possibilitam que indivíduos e Com ampla capilaridade nas mídias sociais
coletivos se apropriem de ambiências digitais (o número de seguidores chega aos milhões),
hegemônicas (páginas no Facebook, por exemplo) ambos os grupos têm posicionamento político
para se tornarem canais de contracomunicação claro (à esquerda) e se propõem a integrar e
(TRERÉ, 2019). Simplesmente, agora é mais fácil divulgar lutas por causas progressistas e por
e menos custoso financeiramente empreender justiça social, acrescentando efervescência à
ações ativistas e fazer com que as mesmas se guerra discursiva presente nas redes sociais onli-
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ne, ambiências que moldam a paisagem política dução enunciativa da MN e dos JLs nas mídias
na atualidade (MARGETTS, 2019). Nas eleições sociais digitais. Escolhemos o Facebook como
brasileiras de 2018, como hubs (nós centrais em ambiência a ser observada, devido à facilidade (à
determinada rede) (BARABÁSI, 2009), os coletivos espoca) para coleta das postagens. Além disso,
foram canais de reverberação de conteúdos an- o discurso não muda a depender do site de rede
tagônicos ao do presidente eleito (Jair Bolsonaro, social observado, apenas o conteúdo se adequa
de extrema-direita) e abriram espaço para que à arquitetura de cada ambiência, tornando não
grupos marginalizados tivessem suas demandas essencial, numa análise discursiva, transitar em
visibilizadas. vários sites de redes sociais.
Desta maneira, a materialidade discursiva A investigação foi dividida em três fases. Na
da MN e dos JLs, bem como a relevância dos primeira, colhemos 3206 postagens, sendo 1554
grupos, apresenta atributos para delinearmos a da MN e 1652 dos JLs. Para realizar as coletas,
relação entre midiativismo e participação política utilizamos os aplicativos Netvizz e CrowndTangle
no contexto brasileiro. e realizamos buscas manuais nas páginas dos
grupos. As coletas foram feitas semanalmente
Metodologia durante o período citado.
Na 2ª fase, fizemos a delimitação do corpus
Tendo definido este como um estudo quali-
a 30 postagens com maior engajamento (com
tativo e a Análise de Discurso como ferramenta
temática relativa às eleições) de cada coletivo
principal, caso nos debruçássemos sobre uma
(60 ao todo), consolidando uma amostra não
quantidade abundante de enunciados oriun-
probabilística (COUTINHO, 2015). Embora o termo
dos de objetos variados, poderíamos perder a
engajamento tenha sido operacionalizado de
natureza profunda deste tipo de observação
maneira numérica (número de reações, compar-
(FAIRCLOUGH, 2001). Os discursos da MN e dos
tilhamentos, comentários) (SOARES; MONTEIRO,
JLs, considerando suas naturezas laborais e orga-
2015) para que pudéssemos delimitar o corpus
nizacionais bastante parecidas, foram, então, uti-
a partir de um critério específico e claro, este
lizados como exemplos para que, num processo
elemento também diz respeito a aspectos mais
indutivo e interpretativo (MACHADO; PALÁCIOS,
subjetivos nos relacionamentos mediados pelos
2010), pudéssemos fazer apontamentos mais
sites de redes sociais (VAN DIJCK, 2013), princi-
amplos a respeito da relação entre midiativismo e
palmente no aspecto político (MARGETTS, 2019),
participação política. Não se pretende generalizar
não se prendendo a uma perspectiva puramente
as considerações a que chegamos, pois o midia-
comercial de aferição para fins de marketing.
tivismo é efêmero e altamente fluído (RAMALHO,
Já a 3ª etapa da pesquisa diz respeito às
2021; BRAIGHI; CÂMARA, 2021), variando de acor-
análises das postagens. Procedemos com as
do com o contexto geográfico, histórico, social e
observações relacionando a Análise de Discur-
político em que se encontra o ator midiativista. No
so Textualmente Orientada com a Análise de
entanto, tais apontamentos são pertinentes para
Crítica do Discurso (RAMALHO, 2018b, 2019,
contribuir para a compreensão do denominado
2020; FAIRCLOUGH, 2001, 2013), considerando
campo da Comunicação para Mudança Social
objetivamente a concepção tridimensional do
(CpMS) (RODRÍGUEZ; FERRON; SHAMAS, 2014).
discurso de Fairclough (2001), a partir da re-
O lapso temporal da pesquisa foi o período
lação dialógica e não hierárquica entre texto
eleitoral brasileiro de 2018, de 16 de agosto (início
(entendido de maneira ampla: imagens, sons,
da campanha eleitoral de acordo com o calendá-
artes gráficas são também apontados como tal),
rio do Tribunal Superior Eleitoral) a 29 de outubro
prática discursiva e prática social. A partir desta
(dia seguinte ao segundo turno das eleições), por
base, realizamos uma análise indo do micro ao
entendermos que seria um intervalo de tempo
macrossocial, valorizando a relação entre empiria
marcado por debates acirrados e ampla pro-
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Ethos
Com relação ao ethos discursivo, a MN e os JLs grau, aspectos que ajudaram a formular o ethos
trabalharam suas enunciações de modo a apre- dos coletivos no contexto em estudo.
sentar imagens públicas (MAINGUENEAU, 2008)
de grupos que capitaneiam a luta por causas Intertextualidade e interdiscursividade
progressistas no espectro político à esquerda e Outra categoria que se dilui nas demais é a
por justiça social, tentando emprestar esse capital relativa à intertextualidade manifesta, quando
social aos candidatos apoiados por eles. Os cole- o discurso é atravessado por outras vozes de
tivos firmaram forte oposição ao então candidato maneira explícita (citações, prints – a Figura 1
de extrema-direita, Jair Bolsonaro, candidato é um exemplo –, compartilhamentos de links
que acabou sendo eleito para a presidência da etc.), e à intertextualidade constitutiva (interdis-
República, os filhos dele (que também foram cursividade), quando é preciso fazer relações
eleitos) e os apoiadores dos citados, atacando e contextuais e históricas para compreender o
desqualificando estes candidatos. Por outro lado, discurso (FAIRCLOUGH, 2001).
a MN e os JLs defenderam intransigentemente Como exemplo, apontamos uma emissão ao
que Fernando Haddad (candidato à presidência vivo feita pelos JLs, em 29 de setembro de 2018
pelo Partido dos Trabalhadores (PT), derrotado (Figura 2), relativa ao movimento #EleNão que
no segundo turno, e com mais representatividade alertou para as posições misóginas do então
no corpus estabelecido) e os outros postulantes candidato Bolsonaro. O movimento atingiu ampla
apoiados pelos coletivos estavam no lado diame- repercussão nas ruas e nas redes sociais online,
tralmente oposto e que representavam o melhor no Brasil e no mundo (BARONAS; COSTA; PON-
para o Brasil. Esta perspectiva está diluída em SONI, 2019), e terminou por abarcar outras pautas
todas as outras categorias. Os exemplos elen- progressistas, como a luta LGBT, o antirracismo,
cados adiante apresentam, em maior ou menor a defesa da democracia, da paz etc.
2
Disponível em: https://www.facebook.com/MidiaNINJA/posts/1313599598798182. Acesso em: 23 mar. 2021.
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A citada emissão ao vivo transmitiu a mani- que fazia a transmissão se identificou e fez uma
festação na Praça Luís de Camões, em Lisboa, fala, cujo trecho está transcrito abaixo:
Portugal. Com cerca de três horas de duração,
[...] meu nome é Bruno Falci, sou dos Jornalistas
nessa transmissão não houve entrevistas, apenas Livres, mas também sou dos Filhos e Netos
foram exibidas as falas de quem se manifesta- por Memória, Verdade e Justiça. Os meus pais
foram presos e torturados na ditadura. O meu
va nos microfones ou megafones, os gritos de pai, por exemplo, era um jornalista que apenas
guerra, as músicas cantadas pelos participantes, procurava falar a verdade e, portanto, tenho
uma memória profunda sobre o nosso passa-
cartazes, danças etc. do. Sou um historiador por formação e estou
Quando a emissão já durava duas horas e aqui em repúdio à candidatura do Bolsonaro
e ao período que o fascismo e a volta dele
quarenta e três minutos, o membro do coletivo representam para o Brasil [...] (FALCI, [2018]).
O enunciador se introduz como, além de ser cursiva (fascismo – ditadura – tortura – perigo
dos JLs, integrante do Filhos e Netos – por Me- para o Brasil).
mória, Verdade e Justiça, movimento que luta em
defesa dos direitos humanos (FILHOS E NETOS Gêneros textuais
MVJ, 2020). Há uma relação interdiscursiva entre
No que diz respeito à categoria gêneros tex-
os dois grupos que indica uma convergência na
tuais, utilizamos a base linguística (FAIRCLOUGH,
luta contra o autoritarismo por parte do Estado.
2001; MAINGUENEAU, 2015) para defini-los como
É estabelecida uma correlação entre fascismo,4
classes de textos institucionalizados pelas práti-
ditadura brasileira (1964-1985) e Bolsonaro, apon-
cas sociais de determinada sociedade:
tando o perigo que esta situação representa,
pois o então candidato é notório apoiador do [...] um conjunto de convenções relativamente
estável que é associado com, e parcialmente
regime militar no Brasil (ALMADA, 2021). Assim, representa, um tipo de atividade socialmente
o objetivo do depoimento foi ligar Bolsonaro ao aprovado, como conversa informal, comprar
produtos em uma loja, uma entrevista de em-
autoritarismo através de uma cadeia interdis
3
Disponível em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/315943665900579. Acesso em: 22 mar. 2021.
4
De maneira geral, fascismo é uma forma de organização política, econômica e de governo “que exclui determinados grupos dos es-
paços de ação política” (ARENDT, 2007 apud SILVEIRA, 2019, p. 161), por meio de ações autoritárias do Estado, eliminando as diversidades
sociais e culturais (minorias) e valorizando o nacionalismo.
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Os enunciados propagandísticos com caráter policial tenta persuadir um taxista de que a flexi-
argumentativo-persuasivo (RIBEIRO; POZOBON, bilização do porte e da posse de armas, bandeira
2019) foram preponderantes: a maioria escanca- levantada por Bolsonaro e seus aliados, não é
rava a opção dos coletivos pelos candidatos de positiva para a segurança pública.
esquerda e tentava convencer os interlocutores Utilizando atores, cenário, legenda para as fa-
de que estes valorizavam as demandas progres- las, roteiro, troca de planos de imagem, o material
sistas. Como exemplo, citamos a postagem com apresenta técnicas cinematográficas para expor
maior engajamento da MN (dentro do material um ponto de vista a partir de um lugar de fala
que conseguimos colher): um vídeo que mostra estabelecido. Partindo da estratégia da polidez
uma encenação de uma conversa em que um (FAIRCLOUGH, 2001), para persuadir sem ser
5
Disponível em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/photos/a.292143087576242/887758131348065/?type=3&theater. Aces-
so em: 23 mar. 2021.
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agressivo (um sinal para pessoas que estavam ção entre armas de fogo e combate à violência
indecisas com relação ao voto, ou que tinham é equivocado. O objetivo do vídeo é declarar
opinião semelhante à do taxista quanto ao acesso implicitamente que Bolsonaro não tem conheci-
às armas de fogo), o policial demonstra, através mento de causa e nem considera dados oficiais
de um ethos de autoridade (de quem conhece o relativos à segurança pública para defender um
assunto na teoria – citando dados – e na prática), maior acesso da população às armas de fogo.
que o que o senso comum institui sobre a rela-
Figura 4 – Print de postagem da MN com vídeo argumentativo-persuasivo
caracterizados da seguinte forma: Haddad como MN e dos JLs funcionaram como extensões da
o mais preparado para gerir o Brasil, que não foge campanha do petista, sobrepondo emotividade
do debate, uma pessoa educada, defensora das a qualquer argumentação racional. Assim, os
minorias e dos direitos sociais. No polo oposto grupos integraram a forte polarização política
foram estendidos aos candidatos que apoiavam de forma indireta e interdiscursiva (é preciso fazer
6
Disponível em: https://www.facebook.com/MidiaNINJA/posts/308884913266459. Acesso em: 23 mar. 2021.
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uma série de relações históricas e políticas para O assunto principal do post é a fala do ex-lí-
compreender o sentido do texto) é uma postagem der da Ku Klux Klan (KKK),8 David Durke, sobre
dos JLs (Figura 5), com um meme (FECHINE, Bolsonaro indicando que o candidato “soa como
2018), gênero textual popular nas mídias sociais nós”. Essa afirmação foi feita durante o período
e bastante utilizado pelos grupos, chamado de eleitoral brasileiro em um programa de rádio
“Barbie ativista” ou “Barbie militante”, no qual a comandado por Durke (SENRA, [2018]). O post
boneca Barbie (simbolizando a classe social mais não cita onde nem em que contexto foi feita
abastada, predominantemente branca, que tem a afirmação e silencia quanto à recusa de Bol-
acesso a bens de consumo e serviços aos quais a sonaro, feita no Twitter, em receber tal apoio
grande maioria da população brasileira não tem) (SENRA, [2018]). Nesta postagem, para atacar
discorre sobre os fatos políticos e sociais, relati- Bolsonaro e seus eleitores, os JLs usaram ironia
vizando desigualdades7 e, no caso das eleições, (FAIRCLOUGH, 2001), em que se diz uma coisa
o perigo da vitória de Bolsonaro. para significar outra.
7
Pode-se entender melhor o meme da Barbie ativista no link: https://veja.abril.com.br/blog/virou-viral/barbie-militante-entenda-o-
-meme-sobre-politica-que-viralizou/ Acesso: 23 mar. 2021.
8
“Os KKK [...] começaram a atuar em 1865 nos Estados Unidos. Frequentemente usavam capuzes brancos para proteger sua identidade
e parecerem ainda mais assustadores para suas vítimas. O grupo defende a supremacia branca sobre os negros e judeus e foi responsá-
vel por muitas torturas e linchamentos de negros no país” (SENRA, [2018]).
9
Disponível em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/photos/a.292153227575228/918681778255700/?type=3&theater. Acesso
em: 23 mar. 2021.
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(ex-presidente do Brasil) em ser candidato e trecho gravado, postado pela MN, do discurso da
seu apoio a Haddad; defesa do Sistema Único atriz Marieta Severo,10 apoiadora de Haddad, em
de Saúde (SUS). ato político intitulado “Ato da Virada”, realizado
Vamos exemplificar com o tópico “democra- na cidade do Rio de Janeiro. A narração do vídeo,
cia, autoritarismo, ditadura, fascismo e discurso postado a poucos dias do segundo turno, em 24
de ódio”, aspectos contextualizados para expor de outubro de 2018, está transcrita abaixo:
posições autoritárias de Bolsonaro. Por outro
Eu queria dizer pros jovens, talvez não os que
lado, a defesa da democracia foi um dos motes estão aqui, que talvez já tenham muita certeza
da campanha de Haddad, o que se refletiu nas disso. Mas a minha juventude foi passada na
ditadura. E é terrível você ter todo teu impulso
postagens dos coletivos. Depoimentos de artistas, de mudar o mundo, por que quando você é
políticos de esquerda e outras figuras públicas jovem você quer mudar o mundo, e você não
poder, e você ser censurado e você ser per-
enfatizando o caráter opressor de Bolsonaro e seguido e saber que pessoas são mortas. Não
seus apoiadores foram bastante utilizados. há nada pior do que isso. Prestem atenção, não
vocês que estão aqui, mas vocês que ainda
Para ilustrar, indicamos um vídeo (Figura 6) com não sabem onde estarão, ok? (SEVERO, [2018]).
A atriz direciona a reflexão para os jovens que sonaro (mesmo que seu nome não tenha sido
não estavam no evento, pois, presencialmente, citado). No trecho, a atriz com tom emocionado
encontravam-se os já apoiadores de Haddad. Ela (mobilizando um ethos de conhecimento de
deveria tentar falar com uma plateia heterogênea, causa, de quem sabe do que fala por que viveu
dispersa nas redes sociais digitais, que poderia o que diz), organiza a argumentação a partir de
não concordar com ela (como mostram alguns escolhas de palavras que são dispostas hierar-
comentários no print da postagem). quicamente de acordo com a gravidade como
A partir da situação intertextual ali estabele- forma de escalonar a emoção: “não poder”, “ser
cida, sabe-se que o discurso é contrário a Bol censurado”, “perseguido”, “pessoas sendo mortas”.
10
Marieta Severo é uma atriz brasileira com mais de 50 anos de carreira, reconhecida pelos seus trabalhos em novelas, teatro, minis-
séries e cinema (MARIETA..., 2021).
11
Disponível em:https://www.facebook.com/MidiaNINJA/videos/2161451517505425/?v=2161451517505425. Acesso em: 23 mar. 2021.
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12
Disponíveis em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/346696129418741/ (JLs) e https://www.facebook.com/Midia-
NINJA/videos/480114375843675/. (MN). Acesso em: 6 mar. 2021.
13
Disponível em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/756929941323928/?v=756929941323928. Acesso em: 29 jul.
2021.
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A MN e os JLs marcaram presença em vários MN e dos JLs para que posicionamentos contrá-
atos políticos e, fazendo o registro midiático (em rios a discursos de ódio e a favor da diversidade,
emissão ao vivo - prática que mais representou por exemplo, tivessem visibilidade e relevância
o viés midiativista dos coletivos – ou para gravar é algo que também deve ser considerado para
e ser exibido depois), expuseram temas e movi- relacionar os discursos dos coletivos à prática
14
Disponível em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/1067041756796492. Acesso em: 21 mar. 2021.
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heterogênea):
Vale ressaltar que a participação dos coletivos humanos nos debates públicos em ambientes
foi substantiva, defendendo os direitos humanos, digitais não exclui a potência emancipadora da
a diversidade e a justiça social (CARPENTIER; participação como elemento que fortalece a
MELO; RIBEIRO, 2019). O fato de os grupos terem democracia (CARPENTIER; MELO; RIBEIRO, 2019).
apoiado determinados candidatos não tira a le- O midiativismo, como o estudado neste traba-
gitimidade dessa participação, pois em nenhum lho, simbolizando a alteridade e a diversidade,
momento os coletivos esconderam os apoios e é importante agente na busca por cidadania e
fingiram imparcialidade. sociedades menos desiguais.
Percebe-se então que a relação entre midia-
tivismo e participação política pode ser bastante Referências
profícua e positiva para a democracia quando
ALMADA, P. O negacionismo na oposição de Jair Bol-
busca uma sociedade mais justa e a inclusão de sonaro à Comissão Nacional da Verdade. Revista Bra-
atores excluídos nos processos de discussões sileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 36, n. 106, p.
1-21, 2021.
públicas sobre os temas pertinentes ao funciona-
mento de uma sociedade (a eleição é um deles), ATTON, C. Alternative Media. London: Sage Publica-
tions, 2002.
não restringindo os debates às esferas públicas
institucionalizadas. Mesmo com contingências BARABÁSI, A.-L. Linked: a nova ciência dos networks.
São Paulo: Leopardo Editora, 2009.
(a falta de aprofundamento nos conteúdos e a
BARONAS, R.; COSTA, J.; PONSONI, S. Os tecnografis-
tendência de integrar e inflar processos de pola- mos a partir da hashtag #EleNão. Discurso e sociedade,
rização política que podem minar a credibilidade Barcelona, v. 13, n. 3, p. 515-533, 2019.
dos coletivos fora das bolhas ideológicas), não BENKLER, Y. The wealth of networks: how social pro-
se pode subestimar o incremento nas formas duction transforms markets and freedom. New Haven:
Yale University Press, 2006.
de participação que o midiativismo possibilita.
Vale salientar que a forte participação de BENTES, I. Mídia-multidão: estéticas da comunicação
e biopolíticas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015.
defensores do conservadorismo e de discur-
sos excludentes que desconsideram os direitos
Raul Ramalho1
Midiativismo e participação política: a discursividade de coletivos midiáticos brasileiros nas redes sociais digitais 15/16
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