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Autoafirmação identitária e ativismo digital no perfil do Instagram de

Influenciadores Digitais Indígenas da Amazônia Brasileira1

Isabela Bastos PIO2


Rafael Sbeghen HOFF3
Vângela Maria Isidoro de MORAIS4
Universidade Federal de Roraima - UFRR, Boa Vista, RR.

RESUMO
O presente artigo científico investiga o papel dos influenciadores digitais indígenas no
Instagram como uma forma de manifestação identitária e ativista para os povos
indígenas da Amazônia brasileira. A pesquisa analisa como esses influenciadores
utilizam a plataforma para reforçar o processo autoidentitário e de pertencimento
indígena, além de promover a conscientização sobre questões indígenas, preservação
ambiental e lutas por direitos (HALL, 2006; BOURDIEU, 1997; DESLANDES, 2018).
O estudo baseia-se na Análise de Conteúdo de postagens de cinco influenciadores
indígenas (BARDIN, 2011). Os resultados revelam a importância do Instagram como
uma ferramenta para fortalecer a identidade indígena, empoderar as comunidades e
ampliar o alcance de suas vozes. Este resultado leva-nos a concluir que as redes sociais
têm sido utilizadas como meio para manifestação de uma minoria étnica e como espaço
de inclusão e discussão sobre a situação dessas comunidades, antes com pouca
visibilidade e representatividade na mídia tradicional.

PALAVRAS-CHAVE: Indígenas, Influenciadores digitais, Ativismo digital,


Instagram.

ABSTRACT
This scientific article investigates the role of indigenous digital influencers on Instagram
as a form of identity and activist manifestation for indigenous peoples in the Brazilian
Amazon. The research analyzes how these influencers use the platform to reinforce the
self-identity and indigenous belonging process, in addition to promoting awareness of
indigenous issues, environmental preservation and struggles for rights (HALL, 2006;
BOURDIEU, 1997; DESLANDES, 2018). The study is based on Content Analysis of
posts by five indigenous influencers (BARDIN, 2011). The results reveal the
importance of Instagram as a tool to strengthen indigenous identity, empower
communities and broaden the reach of their voices. This result leads us to conclude that
social networks have been used as a means for the manifestation of an ethnic minority
and as a space for inclusion and discussion about the situation of these communities,
previously with little visibility and representation in traditional media.

KEYWORDS: Indigenous, Digital influencers, Digital activism, Instagram.

1
Trabalho apresentado para obtenção de nota final na disciplina Teorias da Cultura, Territórios e Saberes
Amazônicos
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação PPGCOM-UFRR, email:
isabelabastospio6@gmail.com.
3
Orientador do trabalho. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PPGCOM-UFRR, email:
rafael.hoff@yahoo.com.br.
4
Orientadora do trabalho. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PPGCOM-UFRR, email:
vangela.morais7@gmail.com.

1
1. Introdução
A presença dos povos indígenas no Brasil e principalmente na região Amazônica
vem de muito antes da chegada dos colonizadores (Ribeiro, 2005). Ainda assim, a
violência com que foram tratados causou danos irreparáveis. Tão grave quanto o
genocídio geral praticado em toda a América Latina contra esses povos, foi o processo
de imposição violenta de uma mentalidade eurocêntrica que eliminou diversas formas
de pensamento, e condenou ao esquecimento conhecimentos tradicionais de muitos
povos indígenas. Mesmo após séculos dessas agressões culturais, ainda persiste uma
imagem pautada nessa colonialidade do pensamento (QUIJANO, 2007;
MALDONADO-TORRES, 2007), que enxerga essas populações de forma estática,
romantizada; e entende que apenas vivendo isolados da vida urbana e das tecnologias
esses povos podem continuar a preservar as características culturais e o modo de vida
tradicional para serem considerados indígenas.

No entanto, com o avanço tecnológico e a “disseminação” da internet em áreas


consideradas remotas, possibilitando a inclusão digital a diversos povos, a internet surge
como uma oportunidade de mudança dessa realidade, na medida em que possibilita aos
indígenas tornarem-se protagonistas e sujeitos ativos de suas histórias por meio das
redes sociais (GUIMARÃES, 2011). Há décadas vem se estudando a força que as redes
sociais possuem para obter amplos resultados em diferentes pautas sociais que não são
apreciadas pelos interesses políticos como uma forma de acertar, ou pelo menos
diminuir, a invisibilidade por meio do ativismo digital (DESLANDES, 2018).

Em um contexto brasileiro de marginalização da pauta indígena, a gestão de Jair


Bolsonaro (2019/2022) é reconhecida internacionalmente 5 pelo desmonte das políticas
ambientais e o atraso na concessão de políticas e avanços aos povos originários. Os anos
de gestão desse governo trouxeram prejuízos significativos a essas populações,
sobretudo com o avanço da mineração nas terras indígenas e as tentativas de diminuir os
territórios desses povos, garantidos por lei6.

Assim sendo, a presente pesquisa se destaca não apenas por sua atualidade, mas
também por sua relevância. Ela aborda a valorização e o reconhecimento das lutas dos

5
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/03/23/onu-denuncia-ataques-de-
bolsonaro-aos-indigenas-e-cita-violacao-de-tratados.htm. Acesso em 05 jul. 2023.
6
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/nenhum-centimetro-de-terra-indigena-como-o-
governo-bolsonaro-agiu-para-cumprir-promessa/. Acesso em 05 jul. 2023

2
povos originários, a importância de se discutir políticas públicas adequadas para essa
população, além de explorar o papel da internet como um canal que transcende
fronteiras territoriais, possibilitando debates e ativismo. Ademais, analisa-se o papel dos
influenciadores digitais indígenas como atores emergentes no cenário midiático das
novas mídias sociais. O corpus de análise é constituído por cinco perfis de jovens
indígenas influenciadores na rede social Instagram. Todos os perfis escolhidos
pertencem a indígenas de etnias oriundas da Amazônia brasileira que se dividem tanto
no contexto aldeado quanto no urbano e compartilham parte de seu dia a dia, pautas
sociais e outros temas sensíveis à causa indígena. A principal motivação deste estudo é
entender como ocorre o processo de autoafirmação identitária desses influenciadores
indígenas em meio a essa rede social e de que forma essa plataforma digital é utilizada
por esse grupo para fomentar o ativismo digital em relação às pautas sociais indígenas.

Para abordar a questão, a metodologia da pesquisa tem enfoque exploratório,


com abordagens qualitativa e quantitativa. Para percorrer o caminho metodológico,
acionamos a abordagem de Bardin (2011) de análise de conteúdo. Foram selecionados
cinco perfis de influenciadores digitais indígenas da Amazônia brasileira na rede social
Instagram durante o período de 15 de maio a 15 de junho de 2023.

Por fim, esta pesquisa elabora um panorama dos principais temas abordados por
influenciadores digitais indígenas para entender como esses influenciadores estão se
tornando protagonistas de suas próprias reivindicações no ciberespaço. Entendemos que
essa ocupação promove maior visibilidade sobre a questão indígena e aumenta o
protagonismo dessas pessoas nas relevantes pautas sociais defendidas em prol dos
direitos dos indígenas.

2. Internet e sociedades digitais

O avanço da tecnologia e o surgimento da internet abriram caminho para novas


formas de comunicação e interação, que se estabeleceram através de estruturas
midiáticas digitais. Internacionalmente, foi na década de 1990 que a internet se
transformou em um meio de comunicação com acesso público. Essa acessibilidade
ocorreu principalmente após o desenvolvimento dos navegadores virtuais (browsers)
que permitiam aos usuários navegar por endereços na World Wide Web. Desde o início,
as pessoas usam a internet porque entendem que ela é o meio mais ágil e eficaz de
acesso à informação (CASTELLS, 1999).

3
O sociólogo Simon Lindgren (2017) aponta que a sociedade atual é digital no
sentido de que “estamos em uma era em que nossas vidas, nossos relacionamentos,
nossa cultura e nossa sociabilidade são digitalizados e afetados por processos digitais.”
(LINDGREN, 2017, p. 16). Da mesma forma, André Lemos (2005) afirma que essas
interações via dispositivos online entre diferentes pessoas e espaços urbanos, vêm
criando novas formas de mobilidade que modificam as relações intersociais e as
manifestações da indústria cultural.

Esses potenciais interativos e colaborativos da internet foram amplificados com


o desenvolvimento da web 2.07. Isso inclui recursos como blogs, redes sociais, fóruns,
marcação (tags) e compartilhamento. A criação de comunidades virtuais com propósitos
específicos é fundamental para a compreensão da web 2.0, para o surgimento das redes
sociais e também para o entendimento de como a internet se configura como esse
ambiente em que manifestações identitárias e ativistas têm espaço para se desenvolver.
(LINDGREN, 2017; DESLANDES, 2018).

Com a popularização desses ambientes, qualquer usuário pode ser um criador de


conteúdo. Segundo Castells (2003), essas interações em redes são formadas por um
padrão social fundamentado no individualismo, no qual os indivíduos constroem suas
conexões, tanto online quanto offline, com base em afinidades, valores e outros pontos
de interesse.

Apesar do avanço no acesso à internet e às mídias digitais, é necessário ressaltar


que ainda existem grandes desafios no que diz respeito à inclusão e democratização
digital. É importante ressaltar que os nove estados da Amazônia brasileira (Amazonas,
Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso), que
compreendem cerca de 58,9% do território nacional (IBGE, 2022) e têm uma população
estimada de 29,8 milhões (IBGE, 2022), possuem apenas 3 milhões de acessos à
internet banda larga e 27,3 milhões de acessos à telefonia móvel. Historicamente essa
região sempre foi de difícil acesso, o mesmo vale para as limitações de acesso à
internet.

Castells (2003) aponta que a exclusão é um dos maiores desafios a serem


superados pela tecnologia não apenas para garantir igualdade de oportunidades, mas
7
Estudiosos apontam que a internet vive atualmente a era da web 4.0. Nessa era do mundo digital, a presença da
inteligência artificial e as interações entre máquinas que compõem essa rede integrada pela internet é ainda maior. A
principal diferença desta nova fase para as anteriores diz respeito à proteção de dados que são compartilhados nesse
ambiente virtual, atendimento às necessidades dos usuários e aumento da interação entre indivíduos em plataformas
digitais (Curvelo, 2022).

4
também para promover dignidade social. “Numa economia global, e numa sociedade de
rede em que a maioria das coisas que importam depende dessas redes baseadas na
Internet, ser excluído é ser condenado à marginalidade” (Castells, 2003, p. 280).

3. Redes Sociais e Influenciadores Digitais

Segundo dados do site Data Reportal (2023), existem 4,95 bilhões de usuários
de internet em todo o globo, o que corresponde a 63% da população mundial e, deste
total, 4,62 bilhões (93,3%) são utilizadores de redes sociais, 10% a mais que em 2021.
Mundialmente, o Instagram - rede social escolhida para coleta de dados nesta pesquisa -
é a quarta plataforma com maior atividade entre seus 1,62 bilhões de usuários. O Brasil
possui pelo menos 132,6 milhões de usuários ativos na rede social e é o quarto país no
ranking de horas gastas no app pelo smartphone por mês, com média de 15,6 horas.
(DATA REPORTAL, 2023).

O termo redes sociais no sentido de reunião de pessoas em um mesmo local para


compartilhar pensamentos, ideias e informações sobre si próprios existe desde os
tempos pré-históricos (SAFKO e BRAKE, 2010). Porém, é com a popularização da
internet que esse conceito toma um novo significado. Na atualidade e dentro do
contexto que estudamos, podemos entender redes sociais da forma como propôs Raquel
Recuero:
Um conjunto de dois elementos: atores(pessoas, instituições ou grupos; os
nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais). Uma rede, assim, é
uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a
partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores. (Wasserman e
Faus, 1994; Degenne e Forse, 1999 apud Recuero, 2009, p. 24)

No mesmo sentido, Guimarães (2011) afirma que as redes sociais são


plataformas projetadas de interação social a partir da criação, compartilhamento e
descentralização de informações por meio de diversos formatos eletrônicos. O objetivo
principal é compartilhar conteúdo, e as relações pessoais ficam em segundo plano. “A
descentralização de conteúdo promovido pelas mídias sociais possibilita uma circulação
maior de informação na rede.” (GUIMARÃES, 2011, p. 32). Portanto, as redes sociais
proporcionam um vasto campo de interação em que qualquer pessoa com acesso à
internet pode começar a produzir conteúdo, trocar experiências com outros usuários e
tornar-se influenciador/influenciadora digital. Karhawi (2017) aponta que apesar do
termo influenciador digital - ou digital influencer - ter se popularizado no país a partir
de 2015, a função exercida por essas personalidades já ocorria anteriormente no mundo

5
digital. Segundo a autora, os influenciadores digitais integram um espaço marcado pelas
disputas de legitimidade social, conquistadas com uma série de esforços e interações
entre seus grupos, “Assim, ‘ser influente’, poder dizer algo, ter legitimidade em um
campo não é fato dado, mas construído” (KARHAWI, 2017, p. 55).

Ainda de acordo com Karhawi (2017) para ser capaz de influenciar, em alguma
medida, um grupo de pessoas, pressupõe-se um destaque, prestígio; algum tipo de
distinção em meio ao grupo. Essa compreensão nos é dada com base nas noções de
capital social de Bourdieu. “O volume do capital social possuído por um determinado
agente depende do tamanho da rede de conexões que ele pode efetivamente mobilizar.”
(Bourdieu, 1997, p. 247). Recuero (2009) aponta que o capital social “está diretamente
relacionado com os interesses individuais, no sentido de que provém de relações sociais
que dão a determinado ator determinadas vantagens. Trata-se de um recurso
fundamental para a conquista de interesses individuais.” (Recuero, 2009, p. 47). Logo, a
quantidade de capital social que um sujeito consegue acumular está diretamente ligada
ao tamanho das redes de conexão que ele consegue mobilizar.

Karhawi (2017) também recorre à noção de crédito de Charaudeau (2013) para


pensar sobre a influência. O crédito atribuído a uma informação, de acordo com o
filósofo, está relacionado tanto à posição social do informador (ou seja, ao papel que ele
desempenha na situação de troca e sua representatividade dentro do grupo que ele
representa) quanto ao grau de engajamento demonstrado em relação à informação
transmitida. Podemos afirmar que as relações entre influenciadores e seu público são
construídas com base tanto em capitais quanto em crédito por meio das interações nas
plataformas em que ocorrem. Nesse contexto, ser um influenciador digital exige muito
mais do que apenas acumular seguidores. Segundo Karhawi (2017) esse é um processo
de escalada que envolve a produção consistente de conteúdo, tanto em termos de temas
quanto de frequência; a manutenção de relações com a audiência; a conquista de
destaque dentro de uma comunidade para então chegar a influência desejada.

4. Identidade Digital e Decolonialidade

Por muito tempo a única imagem que se tinha do indígena foi perpetuada por
uma perspectiva colonizadora que entendia os membros dos povos originários como
seres romantizados e inferiores. O sociólogo peruano Aníbal Quijano (2010), argumenta
que a realidade da América, mais especificamente da América Latina, foi mundialmente
“imposta”. Ao desenvolver o conceito de “colonialidade do poder”, o teórico aponta que

6
a população de todo o mundo foi classificada por identidades “raciais” e dividida entre
os dominantes/superiores, que seriam os europeus, e os dominados/inferiores, os não
europeus. Portanto, todo e qualquer conhecimento não eurocêntrico passou a ser
excluído e invalidado. Segundo o autor, essa concepção é o que será denominado como
“a modernidade” (Quijano, 2010, p. 73-74). Os resquícios contemporâneos da dinâmica
de poder entre colonizador e colonizado ainda influenciam nossa compreensão das
estruturas sociais relacionadas à autoridade, economia, gênero, sexualidade,
conhecimento e subjetividade. Essa herança molda a maneira como percebemos e
lidamos com tais questões em nossa sociedade (Quijano, 2010; Maldonado-Torres,
2007).

Dessa forma, Mohamed et al. (2020) apontam para a necessidade de adotar uma
mentalidade decolonial para mudar a estrutura desses pensamentos, buscando “desfazer
os mecanismos coloniais de poder, economia e linguagem. No exercício da
decolonização estrutural, é pertinente refletir sobre a identidade dos povos indígenas na
atualidade. De acordo com Domingues (2017), o uso das mídias digitais por parte dos
indígenas tem gerado debates em relação ao distanciamento das formas tradicionais de
representação, o que poderia ser interpretado como uma perda de identidade étnica. Essa
percepção baseia-se na ideia de que os indígenas devem permanecer estáticos para
preservar sua cultura.

Apesar da tentativa de engessar a identidade do indígena a uma imagem


estereotipada, diversos estudos teóricos apontam que o entendimento de identidade não
é imutável. De acordo com Hall (2006), a ideia de uma identidade unificada, completa,
segura e coerente é irreal. O autor argumenta que à medida que os sistemas de
significação e representação cultural se multiplicam, nos deparamos com uma variedade
de identidades possíveis, com as quais podemos nos identificar temporariamente ou
não.“O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que
não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (Hall, 2006, p. 13).

Da mesma forma, Bauman (2001) discute a liquidez das identidades,


principalmente em um contexto de modernidade em que as relações são cada vez mais
líquidas. Ele argumenta que as identidades não são mais fixas, duradouras ou
sustentadas por estruturas sociais sólidas. Em vez disso, elas se tornaram fluidas,
flexíveis e suscetíveis a mudanças rápidas.

7
Assim, Almeida (2010) aponta a adaptação dos povos indígenas, sobretudo dos
movimentos indígenas, aos constantes fluxos de mudança. Desde o aprendizado do
português, passando pela participação nas discussões políticas e reivindicação de
direitos. Segundo a autora, ao participar da sociedade dos brancos e agir conforme as
diretrizes impostas pelas regras de convívio social dos não indígenas, esses povos não
perdem sua identidade, mas sim conseguem ter a ampla compreensão de como agir e
defender seus interesses. “São os próprios índios hoje que não nos permitem mais
pensar em distinções rígidas entre índios aculturados e índios puros.” (Almeida, 2010,
p. 20).

Nessa mesma ótica, o cacique Pina Tembé (2019) apud Miranda e Corradi
(2021) também aponta que a cultura indígena é dinâmica, logo, é impensável que os
indígenas vivessem à parte das mudanças que ocorreram no país desde a invasão e
colonização dos portugueses. Para o cacique, o preconceito ainda é o maior entrave para
a quebra do pensamento colonial acerca da utilização de tecnologias por indígenas.
“Nós não somos tutelados da sociedade brasileira, nós temos o direito de viver aquilo
que nós achamos que temos que viver” (Piná Tembé, informação verbal, 2019 apud
Miranda e Corradi, 2021).

Cada vez mais, populações de lugares remotos conseguem se comunicar com


grandes centros urbanos e pessoas de outros lugares por meio da internet. A facilidade
de acesso a esse conteúdo on-line, aliada às trocas de experiência que essa rede
conectada propõe tornar possível a desvinculação de uma imagem estática do que deve
ser a identidade. “Quanto mais a vida social se torna mediada pelos sistemas de
comunicação interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas de tempos,
lugares e tradições” (GUIMARÃES, 2011, p. 47). Nesse contexto, os indígenas usam
esse espaço para se tornar protagonistas de sua própria história, tomando para si
narrativas que por muito tempo estiveram nas mãos de outros e buscando reverter um
imaginário coletivo ainda pautado no pensamento colonial.

5. Ciberativismo

Os espaços online apresentam uma característica predominantemente pessoal e


particular, permitindo que cada usuário manifeste suas próprias opiniões e as
compartilhe, abrindo caminho para o ativismo digital. Nesse contexto, os indivíduos
têm a possibilidade de receber respostas de apoio ou discordância. Dessa forma, a
internet se consolida como uma fonte inesgotável de diferentes perspectivas e

8
engajamento social. Castells (2007, p. 439), salienta que “[...] os consumidores da
Internet também são produtores, pois fornecem conteúdo e dão forma à teia”.

Outra questão determinante no ativismo digital, é a possibilidade de se


manifestar de qualquer lugar. Isso significa que qualquer um que possua acesso à
internet, pode se posicionar contra ou a favor de qualquer movimento. Esse
comportamento demonstra que a criação de redes formadas por opiniões se espalham
nesse universo online. Castells (2013, p. 10) explica que “os movimentos espalharam-se
por contágio num mundo ligado pela internet sem fio, caracterizado pela difusão rápida,
viral, de imagens e ideias”.

No contexto da realidade indígena, a internet também é usada como ferramenta


em prol do ativismo e luta social. Segundo Terena (2019), o momento em que vivemos
“(...) de maior ocupação indígena nos campos das artes e comunicação”, em conjunto
com o avanço das tecnologias de informação, pode ser entendido como o “quarto
momento” da luta indígena. A internet é um dos palco de lutas sociais para os povos
originários desde sua inserção no cotidiano das aldeias e comunidades indígenas e
principalmente durante a pandemia da Covid-19.

Sobre o potencial difusor da internet, Rigitano (2003) ressalta que ela torna-se
uma ferramenta imprescindível nas lutas sociais contemporâneas, uma vez que
possibilita ao usuário comum ser o provedor das informações, rompendo, assim, com o
monopólio de informação das mídias tradicionais, além do poder de mobilização sem
limitações geográficas em prol de uma causa local ou até mundial.

Por possibilitar uma interação mais horizontal, as redes sociais formam um


ambiente propício para exercer o ciberativismo, onde a atuação de grupos utiliza as
redes sociais como canais de comunicação para divulgação de suas culturas e até
coordenação de ações e protestos no mundo físico. De acordo com Moraes (2004, p.34),
“as frentes de ação compartilhada promovem o diálogo, a cooperação descentralizada e
uma sociabilidade política baseada em aspirações convergentes”. Assim, a comunicação
em rede elimina barreiras entre os participantes, o que contribui para a defesa e
afirmação das identidades culturais.

Segundo Vegh (2003), o ativismo digital pode ser classificado em três áreas:
conscientização/advocacia, envia ou recebe informações a partir de fontes alternativas
de informação; organização/mobilização, pede ação ou é chamado a partir da internet

9
para ações, que podem ser on-line ou presenciais (ou mesmo as duas); e ação/reação,
quando inicia diretamente uma ação ou reage a uma, podendo ser enquadrado aqui o
ativismo hacker.

Deslandes (2018) afirma que o ativismo digital imprime uma nova dimensão ao
se organizar nas redes sociais. Ainda de acordo com a autora, a suspensão de fronteiras
geográficas, a materialização das realidades não presenciais, além da ampla e célere
disseminação de toda sorte de informações e ideologias, possibilitam uma agremiação
em torno de vivências e/ou ideias comuns, experiências essas que podem ser efêmeras
ou duradouras.

Deslandes (2018) também aponta que apesar do avanço no diálogo de diferentes


pautas por meio da internet, é necessário apontar entraves que ocorrem nessa relação
estabelecida na internet. A crítica começa por um assunto já explorado anteriormente
neste trabalho, a respeito da parca inclusão digital no país, principalmente em áreas
mais afastadas ou de difícil acesso, mas também aponta a própria configuração das
redes sociais que, em sua pretensa ideia de liberdade de expressão também possui
divisões entre perfis com maior e menor prestígio, fontes oficiais e não oficiais. Outro
ponto abordado por Deslandes (2018) é a respeito das ilhas de interesse e a
possibilidade do internauta de silenciar pautas que não lhe agradem, o que segundo a
autora deixa de promover um debate vigoroso entre pessoas com opiniões diferentes:
Nesse exercício pobre de diálogo com os diferentes (e oponentes em ideias),
mesmo quando postagens “indesejadas” eventualmente aparecem, temos
ainda os diversos recursos de “bloquear”, “deixar de seguir”, “silenciar” seu
emissor. Assim, cada vez menos exercitamos o diálogo, a enunciação de
argumentos para o convencimento (fundamental à ação política!) e a escuta
respeitosa com nossos oponentes políticos ou dos que de nós discordam.
(DESLANDES, 2018, p. 3134).

Porém, Deslandes (2018) aponta que apesar desses entraves, é inegável que a
internet possibilitou o acesso a informações que antes não tinham qualquer
possibilidade de circular nas mídias dominantes, o que permite elevar e qualificar o
debate político. Essas interações no ambiente virtual aumentam as chances do controle
social sobre o uso de verbas públicas e sobre decisões políticas e de gestão quanto à
implementação de soluções para os problemas encontrados. “Sem contar que possibilita
a circulação de expressões identitárias, modos de sexualidade, corporalidade e
moralidades diversos dos ‘estabelecidos’, sugerindo outras agendas micro e
macropolíticas em saúde, outras governanças”(DESLANDES, 2018, p. 3135).

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Por meio de redes sociais como o Instagram, o ativismo digital ganhou uma
nova vertente e teve seu uso potencializado por meio do advento de smartphones e a
tecnologia que disponibiliza pacote de dados para uso móvel, que conecta o usuário
onde quer que este esteja, sem a necessidade de uma zona wi-fi. O ingresso do indígena
nas redes sociais teria, potencialmente, como principal desdobramento o combate a
representações hegemonicamente impostas, que desvalorizam sua cultura desde a
colonização.

6. Método

A base teórica utilizada para realizar a Análise de Conteúdo (AC) neste estudo é
de autoria de Laurence Bardin. Essa metodologia compreende um conjunto de técnicas
de análise das comunicações que tem ganhado relevância como metodologia para
estudar discursos no ambiente digital (LINDGREN, 2017). A ferramenta abarca
diversas abordagens sistemáticas que permitem a investigação de conteúdos publicados
nas plataformas digitais, incluindo indicadores (quantitativos ou qualitativos) que
facilitam a inferência de informações relacionadas às condições de produção e recepção
de mensagens (BARDIN, 2011). Para seguimento nesse formato de análise, é necessário
realizar quatro etapas fundamentais: organização da análise, codificação dos dados,
categorização e inferência.

6.1 Contextualização

O recorte da análise dos perfis dos cinco influenciadores digitais no Instagram


vai do dia 15 de maio a 15 de junho de 2023. O período foi escolhido pelos fatos
ocorridos no Brasil em relação aos povos indígenas, principalmente as movimentações
em relação à votação do Projeto de Lei (PL) 490 que defende a tese do Marco
Temporal. Segundo essa tese, a demarcação de Terras Indígenas ocorreria apenas às
etnias que comprovasse a ocupação ou a disputa judicial destes territórios na data em
que a Constituição Brasileira entrou em vigor, em 5 de outubro de 1988. O PL foi
aprovado com regime de urgência pela maioria dos deputados da Câmara Federal em
maio de 20238.

Organizações, ativistas, tuxauas e representantes dos povos originários de todo o


Brasil se uniram contra o que é considerado a maior ameaça aos direitos dos povos

8
A aprovação ocorreu no dia 24 de maio, por 324 votos a favor e 131 contra. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/noticias/965416-camara-aprova-urgencia-para-marco-temporal-na-
demarcacao-de-terras-indigenas. Acesso em 25 jun. 2023.

11
indígenas. Durante o mês de maio e principalmente após a aprovação na Câmara, a
pauta foi amplamente discutida nacional e internacionalmente. Jornais como CNN e The
Guardian trouxeram matérias explicando a pauta e como a aprovação do PL é nociva à
luta e aos direitos dos indígenas. Nesse mesmo período, lideranças indígenas e ativistas
começaram a ocupar a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, como forma de protesto
contra o andamento da pauta.

Em junho a pauta avançou para votação no Supremo Tribunal Federal (STF) e


foi alvo mais uma vez de manifestações em várias partes do país (OLIVEIRA, 2023).
As ocupações começaram no dia 4 de junho, conduzidas principalmente por ativistas e
caciques de diversas etnias, o foco era permanecer no local até o dia da votação da pauta
pelo STF, no dia 7 de junho de 2023 (PORTELA e ALCÂNTARA, 2023).

Importante salientar que para o indígena o território não representa apenas um


espaço físico com noção de propriedade privada, ideia perpetuada por John Locke.
Ailton Krenak (1994) aponta que o território faz parte da construção identitária e
manutenção da ancestralidade indígena, pois em cada espaço, há marcas da ocupação
dos povos.
Nesse lugar, que hoje o cientista, talvez o ecologista, já chama de habitat, não
está um sítio, não está uma cidade nem um país. É um lugar onde a alma de
cada povo, o espírito de um povo encontra sua resposta, resposta verdadeira
de onde sai e volta, atualizando tudo, o sentido da tradição, o suporte da vida
mesma. (KRENAK, 1994, p. 201-202).

Portanto, com base nos tópicos levantados é possível entender melhor tanto o
cenário político-social em que foram publicados os conteúdos analisados nesta pesquisa,
como ampliar a visão sobre a importância dessas pautas para os influenciadores
indígenas selecionados para este trabalho.

6. 2 Corpus da pesquisa

Os perfis analisados foram selecionados a partir de buscas no Instagram por


pessoas que tivessem no nome de usuário, foto de perfil ou bio - texto de apresentação
do perfil - a sinalização de pertencimento a alguma etnia indígena da região Amazônica.
A delimitação da escolha de indígenas oriundos da Amazônia brasileira se dá pelo fato
da região concentrar a maior quantidade de terras indígenas demarcadas e variedade de
etnias conhecidas. Atualmente, tem-se conhecimento da existência de povos indígenas
em todas as unidades da federação. São 235 povos que falam 180 línguas.

12
Aproximadamente 180 povos indígenas (ou 77% deles) vivem na Amazônia legal (Heck
et al. 2005).

Embora não haja garantias de que o dono do perfil analisado realmente reside na
Amazônia, ao optar por etnias da região a probabilidade é expandida. Também foram
considerados perfis públicos – que dispensam a necessidade de autorização para análise
– e que se identificam na rede social como “criador(a) de conteúdo digital”,
“blogueiro(a)”, “figura pública” ou “artista”. Por fim, foram selecionados perfis com
mais de 10 mil seguidores, que são considerados micro influenciadores digitais
(INFLUENCYME, 2022), delimitados em cinco perfis. Os perfis (Figura 1) estão
listados na ordem decrescente de número de seguidores, com a imagem das informações
do perfil do Instagram.
Figura 1 – Painel de imagens do perfil da amostra no Instagram

Fonte: Instagram

13
6.3 Etapas da Análise

Segundo Bardin (2011), a primeira etapa da análise de conteúdo é a escolha dos


documentos objetivos, formulação de hipóteses e elaboração de indicadores que
fundamentam a interpretação final da pesquisa. Portanto, como já falado anteriormente
na pesquisa, o corpus a ser analisado compreende as publicações feitas no feed de
notícias de cada perfil no período de 15 de maio a 15 de junho de 2023. Como todos são
perfis públicos, não é necessária autorização para análise do conteúdo. O propósito
deste estudo consiste em identificar as manifestações dos influenciadores digitais
indígenas acerca do ativismo digital e da identidade cultural. Como hipótese, considera-
se que as publicações com teor ativista extrapolam os temas abordados nos noticiários
online. Os indicadores desenvolvidos para essa análise são denominados "manifestações
identitárias" e "ativismo digital".

A etapa de codificação explica o motivo pelo qual se analisam os dados e como


é feita essa análise. “ A codificação corresponde a uma transformação - efetuada
segundo regras precisas - dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte,
agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua
expressão” (BARDIN, 2011, p. 133). A autora afirma que a partir da codificação é
criado um sistema de categorias que tem como primeiro objetivo (da mesma maneira
que a análise documental) “fornecer, por condensação, uma representação simplificada
dos dados brutos.” (BARDIN, 2011, p. 148- 149). Para esta pesquisa, as categorias
analisadas foram: número de publicações, tipo de publicação (vídeo ou imagem e texto);
conteúdo da publicação (se tem caráter pessoal, identitário, ativista, outros); e
identificação de parcerias no conteúdo divulgado.

Para fins de separação das categorias, entendemos nesta pesquisa como caráter
identitário todos as publicações que fazem menção à ancestralidade indígena, aos
saberes tradicionais perpassados pelos povos originários e às marcas identitárias que
identificam alguém como indígena: grafismos, linguagem e adornos, por exemplo.
Logo, a categoria ativista faz relação, especificamente nesta pesquisa, às menções ao
Projeto de Lei 490 (PL 490) e a tese do Marco Temporal que é debatida e descartada
pelos indígenas. Neste ponto entendemos o ativismo digital da forma como apontam
Vegh, 2003 e Deslandes, 2018 e analisamos as postagens que façam referência ao
assunto abordado.

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Por último, foram realizadas as inferências, caracterizadas por Bardin (2011,
p.41) como a “operação lógica, pela qual se admite uma proposição em virtude da sua
ligação com outras proposições já aceitas como verdadeiras". A autora aponta que na
etapa das inferências podemos extrair proposições de um enunciado para deduzir de que
se trata seu conteúdo. Portanto, nessa etapa foram gerados dados qualitativos a respeito
do conteúdo publicado em cada perfil, traçando um paralelo entre os conteúdos
publicados e as categorias elencadas anteriormente neste trabalho.

7. Resultados e discussões

Os cinco perfis analisados somaram 93 posts no período selecionado, sendo 64


conteúdos de imagens e texto e 29 conteúdos de vídeo e texto. Para fins quantitativos
foram identificados 35 posts com características ativistas, 12 posts de caráter identitário,
27 posts de cunho pessoal e 16 posts foram classificados como “outros”, porque não se
encaixam em nenhuma das três categorias anteriores. Em relação a parcerias, foram
identificados 3 posts em dois dos cinco perfis analisados, o que corresponde a 3,22% do
total de posts analisados. Todos os perfis publicaram algum tipo de post de caráter
identitário e, embora o número de posts ativistas seja o maior entre as categorias, eles
foram identificados em quatro dos cinco perfis analisados.

7.1 Análise qualitativa

Partindo para uma análise qualitativa, vejamos perfil a perfil que tipo de
conteúdo predominou para entender melhor o engajamento de cada um dos
influenciadores frente às categorias já apontadas na pesquisa. As considerações serão
feitas seguindo a ordem decrescente de seguidores de cada um dos influenciadores.

O primeiro perfil é da jovem Maira Gomez, da comunidade Tatuyo, no


Amazonas. Durante o período de tempo estabelecido para análise nesta pesquisa, o
perfil teve 14 publicações, entre elas nove foram publicações de foto com texto e cinco
publicações de vídeo. Maira vive em uma comunidade indígena na região do Rio Negro
de onde compartilha o dia a dia e curiosidades sobre a cultura indígena de seu povo.

Na apresentação de seu perfil a jovem se intitula como figura pública. Entre as


publicações analisadas, 50% tinham caráter identitário e reforçaram a ligação ancestral
com as tradições indígenas do povo. O principal post que reforça o conhecimento e
identidade indígena analisado nesse período mostra uma foto (Figura 2) com grafismos

15
indígenas feito com Jenipapo, na legenda da publicação, a influenciadora explica o
contexto e a forma como são feitos os desenhos.
Figura 2: Publicação falando sobre grafismos indígenas

Fonte: Instagram
Para essa pesquisa não são analisadas as interações e comentários com os
seguidores, o propósito é a análise dos conteúdos elaborados pelos proprietários dos
perfis. Ainda analisando o primeiro perfil, não foram encontradas publicações com
caráter ativista.

O segundo perfil selecionado pertence a Mari Wapichana. A jovem


compartilhou 13 publicações durante o período de tempo recortado para análise, dessas
publicações, 76,92% foram fotos com legendas e 23,07% publicações de vídeo com
legendas. Na apresentação de seu perfil a jovem se identifica como a Primeira Miss
Indígena de Roraima, além de se apresentar como criadora de conteúdo digital. Na sua
página na rede social predominam publicações do tipo pessoal em que ela reforça a
ligação com a ancestralidade indígena e valoriza as origens ancestrais.

Na análise das publicações feitas durante o período selecionado, a maior parte


(46,15%) dos posts tinha caráter pessoal e mostrava acontecimentos do dia a dia e da
rotina da influenciadora. Na maior parte das publicações, Mari aparece com adereços e
outros itens que reforçam sua identidade, além disso, na legenda das publicações ela
reforça esse processo auto-identitário.
Figura 3: Publicação reforçando identidade indígena

16
Fonte: Instagram

O terceiro perfil analisado pertence à Samela Awiá, indígena da etnia Sateré e


ativista pelos direitos dos povos indígenas. Fortemente engajada nas lutas sociais,
durante o período analisado foram contabilizadas 47 publicações em sua conta na rede
social. Na apresentação de seu perfil a jovem se identifica como criadora de conteúdo
digital e mostra ligação com diversos outros perfis ativistas e de lutas pelos direitos dos
povos originários. Das publicações analisadas durante o período proposto, 68,08%
tinham caráter ativista. Todas estavam relacionadas às manifestações contra a votação
do PL 490 em Brasília e também em alerta aos malefícios da tese do Marco Temporal e
a ameaça que ela representa à manutenção dos direitos e modo de vida dos povos
indígenas.

Sâmela esteve presente nas manifestações que ocorreram em Brasília durante o


período de votação da pauta política pela Câmara Federal e pelo Supremo Tribunal
Federal. Em sua conta do Instagram, além de compartilhar a agenda das manifestações,
a jovem compartilhou continuamente conteúdo informativo a respeito do assunto. Logo
em seguida, a categoria identitária é a segunda mais publicada pela jovem no perfil. Em
várias publicações Samela reafirma sua identidade indígena com fotos usando adereços
indígenas e legendas no idioma originário.
Figura 4: Ativismo digital e manifestações identitárias

17
Fonte: Instagram
O quarto perfil pertence a Dickson, também da etnia Tatuyo. Na apresentação de
seu perfil no Instagram, ele se coloca como figura pública. O perfil, assim como os
outros já apresentados anteriormente, conta com contatos para realização de parcerias
pagas, o que mais uma vez reforça a ideia de crédito social proposta por Charaudeau
(2013). Em suas publicações, o indígena mostra o dia a dia na comunidade em que vive
com a família e também o local onde trabalha na venda de artesanato e recepção de
turistas.

Durante o período analisado o perfil fez quatro publicações, dessas, metade tinha
cunho pessoal e mostrava trechos da rotina do proprietário da página. Uma dessas
publicações feitas no período foi fixada e colocada em destaque no perfil, trata-se de
uma foto com a cantora Lana Del Rey durante uma passagem da artista pelo Brasil 9. Por
se tratar de uma artista mundialmente conhecida, a foto colabora para aumentar o capital
social do influenciador (Figura 5). Nenhuma das publicações compartilhadas durante o
período tinha caráter identitário, ativista ou fazia relação à parcerias pagas com
empresas.
Figura 5: Foto com a cantora Lana Del Rey

9
Lana Del Rey visitou uma comunidade indígena em junho deste ano: Disponível em:
https://gshow.globo.com/tudo-mais/tv-e-famosos/noticia/lana-del-rey-visita-comunidade-indigena-em-
manaus.ghtml . Acesso em 20 jul. 2023.

18
Fonte: Instagram
O quinto perfil analisado pertence à Ira Maragua, indígena da etnia Baré, que
reside em uma comunidade ribeirinha no interior do Amazonas. Em sua apresentação
ela se identifica como blogueira e, assim como os outros perfis analisados, disponibiliza
contatos para parcerias pagas a também coloca no perfil as marcas com quem
atualmente faz parceria comercial.

Ao longo do período selecionado para análise foram feitas 15 publicações no


perfil da influenciadora, dessas, oito eram fotografias com legendas e sete eram vídeos
com legendas. Dentre todas as publicações feitas, 40% eram de caráter pessoal e
mostravam o dia a dia da influenciadora na comunidade em que vive, além de mostrar
curiosidades e costumes relacionados à cultura indígena.

Uma publicação em vídeo faz relação ao ativismo digital. O post feito no dia 30
de maio de 2023 traz uma mensagem de conscientização a respeito dos malefícios do
Projeto de Lei 490. Além disso, foram feitas três publicações nesse período que são
fruto de parcerias pagas com marcas comerciais, o que mais uma vez reforça a ideia de
crédito proposta por Charaudeau (2013).
Figura 6: Parceria paga com marcas comerciais no Instagram

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Fonte: Instagram
Considerações

Com base nas análises realizadas, observa-se que os perfis apresentaram um


conteúdo que reforça o entendimento da fluidez da identidade (HALL, 2006). Ao
compartilhar seu dia a dia nessa rede social, os influenciadores indígenas mostram que a
identidade indígena pode estar associada à ancestralidade cultural e toda a história desse
povo ao mesmo tempo em que pode acompanhar a evolução tecnológica e o uso de
ferramentas como as redes sociais e a internet.

Além disso, é possível verificar que o Instagram tem sido utilizado pelos povos
indígenas também como um espaço no qual encontram suporte para ampliar a
comunicação dirigida às etnias brasileiras. Ao compartilhar histórias, imagens e
experiências culturais autênticas, os usuários podem desafiar as estruturas de poder e
promover uma diversidade de perspectivas. Além disso, a internet permite a formação
de comunidades virtuais em torno de interesses étnicos compartilhados, fornecendo um
espaço seguro para a expressão dessas identidades que ainda hoje sofrem com a
marginalização (DESLANDES, 2018).

Por meio do uso consciente e crítico dessa plataforma, é possível ampliar o


alcance das vozes subalternas e decolonizar os espaços comunicacionais, promovendo
uma comunicação mais inclusiva e justa. Além disso, ela diversifica a forma como a
sociedade enxerga o indígena e colabora para a quebra da visão romantizada e arcaica
dos povos tradicionais. Por fim, essa ocupação e utilização do Instagram como

20
ferramenta etnomidiática colaboram para o equilíbrio da prática jornalística enquanto
espaço de diversidade e respeito às diferenças.

Essa ocupação e utilização do Instagram como ferramenta para o ativismo digital


mostram a importância da mobilização indígena, reforçam a importância de mostrar a
luta dos povos originários pelo seu território, locais onde habita a ancestralidade desses
povos. Por fim, fica ainda mais evidente a necessidade de decolonizar o entendimento
sobre identidade indígena e como as redes sociais podem ajudar no processo de
mudança de visão social a respeito da forma como o indígena se mostra na internet e da
utilização dessas ferramentas.

Por fim, o estudo abre brechas para o aprofundamento desta pesquisa com os
influenciadores indígenas nesta rede social. Novas análises podem ser feitas
considerando fatores como uso de tags, publicações nos stories ou realização de
entrevistas com os proprietários dos perfis para entender melhor seus objetivos na rede
social. Portanto, a pesquisa não se encerra aqui, mas tem potencial para se desdobrar no
futuro.

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