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CATEGORIA EM ANDAMENTO

1. RESUMO
A ocupação de espaços públicos e o direito à cidade são temas recorrentes no campo
de estudos urbanos e, no Brasil, a arquitetura hostil tem chamado atenção de
estudiosos do setor. Conhecida também como design desagradável, design
excludente/urbano defensivo, ou arquitetura antimendigo, essa abordagem utiliza
estratégias de planejamento urbano que excluem grupos sociais específicos de
determinados espaços através de dispositivos físicos. Além de classificar essas
intervenções, estudos apontam variadas causas para sua utilização, sendo importante
não apenas lidar com os sintomas visíveis, mas entender sua origem. Este artigo
analisa os aspectos socioespaciais, políticos e culturais relacionados à presença do
design desagradável no Brasil. Logo, faz-se uso da metodologia qualitativa
exploratória, através de pesquisa bibliográfica e documental. Em primeiro momento,
serão analisados acontecimentos históricos, políticas públicas e outros fatores que
influenciam na decisão de implementar dispositivos de arquitetura hostil no espaço
público. Assim, a pesquisa visa desenvolver senso crítico e promover convívio
harmonioso, buscando a democratização das cidades.

2. INTRODUÇÃO
O termo “arquitetura hostil” foi evidenciado, no Brasil, a partir da década de 1990, e é
um tema que causa diversos debates por ser uma estratégia que visa excluir
determinados grupos sociais do espaço público. Assim, é foco de estudos e possui
várias nomenclaturas, como foi classificado pela pesquisadora Faria (2020). Define-
se o fenômeno como sendo a instalação de dispositivos no cenário urbano, como
pinos de ferro em fachadas de edifícios, bancos projetados para impossibilitar que
indivíduos descansem no local, ou implementação de gradis abaixo de marquises.
Porém, quando examinado com mais profundidade, compreendemos que os
dispositivos citados são ferramentas de uma ideologia higienista, que não busca uma
solução para a questão da falta de moradia e nem objetiva punir as pessoas em
situação de rua, mas deseja tirá-los de vista, como uma tentativa de esconder o
problema (PETTY, 2016. p. 73). Essas medidas, contudo, têm como alvo principal a
população de baixa renda. Desta forma, foi-se criando uma política de prevenção ao
crime através do design urbano, que traz ao inconsciente coletivo a ideia de que
pessoas em situação de rua são agressivas, trazem doenças e devem ser removidas
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do contexto social. Ideais defendidos pelo memorial escravocrata e “aporofóbico” 1 na


sociedade, torna essa população em vítima de inúmeras operações com propósitos
higienistas, uma vez que os maiores líderes os tratam como “objetos degradados que
ocupam espaços urbanos” (KOHARA, 2018, p, 10). Conforme organizado por Gaio
(DINIZ e GAIO, 2021. p.83), “trata-se de uma perspectiva que não só criminaliza a
pobreza, como também culpabiliza os pobres pela situação de precariedade em que
se encontram”. A criação de espaços hostis fortalece uma visão que associa lazer ao
consumo, desconsiderando a importância do espaço público como local de encontro,
interação e expressão cultural.

3. OBJETIVOS
Diante do que foi exposto, esta pesquisa tem o objetivo de investigar aspectos
urbanos, socioespaciais e culturais que podem estar diretamente ligados aos motivos
do uso da arquitetura hostil nas cidades brasileiras. Visando, por meio de pesquisa
bibliográfica, compreender quando e como surgiu o uso desses dispositivos no
território nacional, este artigo busca encontrar referências que sejam capazes de
facilitar a compreensão das relações humanas com a utilização da arquitetura hostil.

4. METODOLOGIA
Utiliza-se a metodologia qualitativa exploratória, que consiste em abranger diversas
modalidades de interação humana e até mesmo padrões de comportamento,
elementos culturais e simbólicos (GIBBS, 2009). Vem-se utilizando a pesquisa
bibliográfica e documental buscando fundamento em diversas produções acadêmicas
multidisciplinares, que encontram correlação na mesma temática, com a finalidade de
correlacionar os fatos encontrados com a proposta apresentada.

5. DESENVOLVIMENTO
A manifestação da arquitetura hostil pode ser interpretada como uma reação aos
desafios urbanos e sociais, ao mesmo tempo que reflete ideologias advindas de
diversos cenários políticos. Este segmento, trará as possíveis origens dessa dinâmica
no Brasil baseando-se em fatos históricos e suas consequências.

1
Termo popularizado por Cortina (2020), que significa aversão ou medo ao pobre ou desamparado.
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Origens Históricas e Sociais - A arquitetura hostil no Brasil encontra suas raízes nas
dinâmicas históricas e sociais da desigualdade e exclusão de grupos marginalizados.
A segregação racial e social é historicamente perpetuada no país desde o início da
colonização e período escravagista, época na qual já existia a prática da arquitetura
do medo, com a exposição de objetos de tortura (como o pelourinho e troncos) a
própria forma de construção dos grandes casarões dos senhores, (BATISTA, 2003)
que levava os mais pobres a, “mais do que compreender a nível da razão, serem
levados a ver e a sentir seu lugar na estrutura social” (NEDER, 1994). Mesmo após a
abolição da escravatura em 1888, pessoas pretas continuaram trabalhando em
subempregos e foram obrigadas a habitar espaços “invisíveis" aos olhos da burguesia
que dominava o país (IPEA, 2011), originando os cortiços. Ao final do século XIX,
buscando uma compensação pelo fim da escravidão, os grandes cafeeiros buscaram
subsídios para importar mão de obra. Sendo assim, aumentava ainda mais a
quantidade de pessoas buscando moradia, mesmo sem ter condições financeiras para
encontrá-la de forma digna. Com a modernização das cidades e das indústrias durante
o século XX, o governo começou a construção de grandes cidades, como São Paulo.
Entretanto, políticas higienistas já eram aplicadas nessa época, como a construção
das vilas de operários, que deixavam os trabalhadores nos entornos da cidade como
forma de prevenir sua estadia nos grandes centros (CURI e SAES, 2014). Assim,
criou-se um ambiente propício para a concepção de espaços que buscam excluir
certos grupos sociais. A exploração das camadas mais pobres da população, bem
como a ausência de políticas públicas efetivas para abordar a habitação e a inclusão
social, criaram um terreno fértil para a implementação da arquitetura hostil como
resposta a questões urbanas complexas.
Política do Medo e Influências Urbanísticas - O sentimento generalizado de medo
que surgiu com a origem do país, serviu como base para adoção de medidas de
“limpeza urbana”. Colocando os negros e os pobres como percursores da desordem,
o poder administrativo consegue o aval para criar políticas urbanas que, na verdade,
são medidas de “controle social, muitas vezes mascaradas por questões de
saneamento e de infraestrutura” (FARIA, 2020). A partir do início do século XX, com
o crescimento dos ideais higienistas no Brasil, popularizou-se o pensamento do
determinismo-racial (JUNIOR, 2014), que espalhava ainda mais a ideia de
inferioridade de etnias não-brancas. Criando argumentos com a pós-verdade científica
eugenista - linha de raciocínio que mostra como os brancos se utilizam da ciência para
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negar conhecimento aos não-brancos e embasar teorias racistas - (ROSA, BRITO e


PINHEIRO, 2020), o medo contra pessoas em situações de vulnerabilidade na
sociedade brasileira surgia da justificativa de que esses grupos espalham doenças,
trazendo grandes riscos à saúde pública (JUNIOR, 2014). Porém, essas pessoas são
frequentemente alvo de violência e raramente agentes causadores dela, pois, de
acordo o Ministério da Saúde, entre os anos de 2015 e 2017, foram registrados cerca
de 17.386 casos de manifestação de ódio a pessoas em situação de rua
(FIGUEIREDO, 2019).
Transformação dos Espaços Públicos - A transformação dos espaços públicos
pode ser vista como uma expressão de interesses políticos e econômicos. A busca
por uma cidade mais "limpa" e "segura" muitas vezes está alinhada aos objetivos de
revitalização urbana, que buscam atrair investimentos e turismo. Nesse processo, os
interesses de grupos políticos podem influenciar a adoção de estratégias de
arquitetura hostil para moldar a imagem e a função dos espaços públicos. Embora os
desabrigados sejam o principal alvo da arquitetura hostil, mais camadas da sociedade
também são afetadas por essa prática. Jovens que utilizam praças como espaços de
lazer e pessoas que não têm condições de frequentar estabelecimentos comerciais
para se divertir, também são prejudicados (PETTY, 2016. p. 68).

6. RESULTADOS PRELIMINARES
Conforme a pesquisa realizada, observa-se como a consolidação das cidades
brasileiras foi construída através de perspectivas racistas, elitistas e higienistas. É
notável a ausência de políticas públicas para combater a desigualdade social e a falta
de moradia, e, em contrapartida, também é evidente o quanto a habitação está
inserida em um fenômeno de “financeirização” onde a apropriação e controle da
produção de cidade é definida pelas finanças globais com a crescente participação do
setor financeiro no mercado imobiliário (ROLNIK, 2015). Por consequência, essa
parcela da população que se encontra em condições mais vulneráveis não possui
direito à moradia e nem à cidade, o que gera mais segregação socioespacial e
políticas públicas com viés “aporofóbico”.

7. FONTES CONSULTADAS
BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
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CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. Adela Cortina;
tradução de Daniel Fabre – São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.
CURI, Luiz; SAES, Alexandre. Roberto Simonsen e a modernização do Brasil na primeira república.
História Econômica e História de Empresas. São Paulo, vol. 17, n. 2, p. 313-352. - 17 mar. 2015.
Disponível em: <https://www.hehe.org.br/index.php/rabphe/article/view/324>. Acesso em: 15 ago.
2023.
DINIZ, Ana Paula Santos; GAIO, Daniel .A população em situação de rua e a questão da moradia.
Imprensa Universitária da UFMG, Belo Horizonte, 2021.
FARIA, Débora Raquel. Sem descanso: arquitetura hostil e controle do espaço público no centro de
Curitiba / Débora Raquel Faria. - Curitiba, 2020.
FIGUEIREDO, Patrícia. Brasil registra mais de 17 mil casos de Violência contra moradores de rua
em 3 anos. G1, São Paulo, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2019/06/17/brasil-registra-mais-de-17-mil-casos-de-violencia-contra-moradores-de-rua-
em-3-anos.ghtml>
GIBBS, Graham. Análise de dados qualitativos: coleção pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman
Editora, 2009.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. História - o Destino dos negros após a Abolição.
Desafios do Desenvolvimento, 29 dez. 2011. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28>. Acesso
em: 18 ago. 2023.
JÚNIOR, Edivaldo. Alberto Torres e os higienistas: intervenção do Estado na educação do corpo
(1910-1930). Saúde e Sociedade, v. 233, p.1445-1457. São Paulo, 2014
KOHARA, Luiz Tokuzi. A moradia é a base estruturante para a vida e a inclusão social da
população em situação de rua. Relatório técnico final do projeto de pesquisa pós-doutorado sênior
(Processo nº 114656/2016-9). Fundação Universidade Federal do ABC (UFABC). São Paulo, 2018.
PETTY, James. The London spikes controversy: Homelessness, urban securitisation and the question
of ‘hostile architecture’. International Journal for Crime, Justice and Social Democracy, v. 5, n. 1,
p. 67, 2016. Disponível em: <https://www.crimejusticejournal.com/article/view/792/550>. 18 ago. 2023.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças.
Edição: 2. São Paulo: Boitempo Editorial, 2019.
ROSA, Katemari; BRITO, Alan; PINHEIRO, Bárbara. Pós-verdade para quem? Fatos produzidos
por uma ciência racista. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 37, n. 3, p. 1440-1468, dez. 2020.
SAVICIC, Gordan; SAVIC, Selena. Unpleasant Design. Designing Out Unwanted Behaviour. 5th STS
Italia Conference. A Matter of Design: Making Society through Science and Technology. Milan, 14 p,
2014. Disponível em:
<https://www.academia.edu/7475506/Unpleasant_Design._Designing_Out_Unwanted_Behaviour>.
Acesso em: 18 ago. 2023.

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