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1. Introdução
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de diferentes fóruns e arenas que procuravam influenciar o poder instituído
diretamente, por fora daqueles canais instituídos em democracias representativas
liberais, sem com isto necessariamente desrespeitar, em última instância, os
mecanismos de votação e eleição de representantes legislativos.
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2. O Estado Hegeliano: Agenda Governamental para a Formulação de uma
Política de Desenvolvimento Regional
É neste sentido que esse Estado – de uma forma, expressão de uma razão
hegeliana – toma a tarefa por si a propor uma agenda de debates e, assim, a
organizar essa forma de envolvimento da “sociedade civil” (bem no espírito de
Hegel; conforme a agenda que serviu como orientação do processo) para o “bem
comum”. Em princípio, não há nenhuma conotação negativa nessa interpretação
da iniciativa do MI e do IPEA. Não há como não reconhecer que a “sociedade
brasileira” não foi capaz de lidar com o problema das desigualdades regionais. Até
onde o Estado vai ser melhor sucedido precisa ser aguardado.
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desenvolvimento (regional) de seu estado de sugestões para uma política nacional
de desenvolvimento que contemple as especificidades dos estados brasileiros e as
suas diversidades e diferenças.
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– que não goza de uma compreensão e aceitação elevada por amplos segmentos
sociais. O nível regional – com raras exceções – nem interessa tanto as elites e nem a
população em geral cujas preocupações estão mais voltadas para assuntos do seu
dia-a-dia.
Ninguém, pode se dizer, vive no seu dia-a-dia numa “região”, mas num local que lhe é
familiar (Randolph 2002). Eis o problema para mobilizara sociedade em torno da
problemática das desigualdades regionais existentes do país.
Não é por acaso que a política regional ganhou importância apenas na agenda
governamental no novo milênio. Durante o período das privatizações e de uma
orientação neo-liberal das políticas governamentais dos anos 90, a questão
regional desapareceu quase que integralmente do debate público nacional. A
preparação da I. PNDR já era o sinal que as desigualdades regionais tinham
voltaradas à agenda dos novos governos.
Mas, mesmo desde o início da década de1990, havia uma preocupação, a nível
estadual no Rio Grande do Sul, a respeito de formulação e implementação de
iniciativas voltadas ao desenvolvimento regional por parte de sociedades e
governos locais e regionais. Sua finalidade era criar mecanismos de fóruns de
debate e arenas de mobilização social que permitissem a participação de
comunidades organizadas. A origem da articulação dos agentes envolvidos em
forma de Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul
(COREDEs) data de 1991, sendo legalmente instituídos pela Lei Estadual No
10.283, de 17/10/94.
Como lembra Sergio Boisier (1995, p. 47-48), tratando do planejamento regional: “Sem
a participação da região como um verdadeiro ente social, o planejamento regional
consiste apenas — como mostra a experiência histórica — em um procedimento de
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Para a apresentação dessa experiência lançamos mão de um texto de Bandeira, 2013, que
ajustou, corrigiu e ampliou substancialmente um breve documento elaborado para servir de
orientação aos membros dos Conselhos Regionais em sua participação na Conferência
Estadual de Desenvolvimento Regional, realizada em Porto Alegre em 25 e 26 de Setembro de
2012, como etapa estadual da Primeira Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional,
promovida pelo Ministério da Integração Nacional.
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cima para baixo para distribuir recursos, financeiros ou não, entre espaços
erroneamente chamados de regiões”.
Sem entrar numa análise mais detalhada dos COREDEs, as afirmações aqui
apresentadas mostram uma compreensão diferentes dos processos políticos em
relação aquela que originou a proposta acima brevemente introduzida do Governo
Federal em 2012. Acredita-se que essas diferenças podem ser melhor
compreendidas a partir da perspectiva das arenas políticas somo apresentada por
Offe (1981). Para este autor, a intenção a influenciar em decisões nos âmbitos da
política requer um esforço para conquistar influências e (determinadas) formas de
hegemonias (Randolph 2004). E, estes processos poderão "ser melhor
compreendidos, se os imaginamos compostos de três níveis ou três arenas de
conflitos, dispostas uma sobre a outra" (Offe, 1981, p. 128).
1. "A primeira e mais fácil de reconhecer é a arena dos processos políticos das
decisões no interior do aparato estatal. Os seus protagonistas são as elites
políticas que concorrem entre si pelas vitórias eleitorais e pelos escassos
recursos. Elas decidem sobre programas político-sociais, legislação e
orçamentos. Este é o nível superficial e visível da política, aquele que chega às
massas, e que sempre está em jogo, quando os cidadãos são instados a agir
em seu papel político, como, por exemplo, no de eleitor" (Offe, 1981, p. 128 s).
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classes sociais, atores coletivos e outras categorias sociais têm chance maior
do que outros para formar e mudar a realidade política e assim cunhar a
agenda e o espaço das decisões das elites políticas." (Offe, 1981, p. 129). A
distribuição desigual dentro da estrutura social do acesso aos meios de
produção, organização e comunicação e seu controle será aplicada, com
diferentes graus de eficácia, para formar aquilo que os políticos visualizam
como seu campo de decisão;
3. por baixo deste segundo nível da política, existe um terceiro no qual ocorrem as
mudanças no interior da própria matriz social; são transformações que alteram
os "pesos" relativos que os atores coletivos possuem na formação do campo de
decisão (dos temas políticos); trata-se aqui das posições de poder social que
são questionadas, objeto de mudanças e redistribuição. "O que ocorre no
terceiro e mais importante nível da política, é a luta pela redistribuição do poder
social. O poder do mercado, a legitimidade política ou a força de organização
que um grupo ou uma classe usufrui, durante certo tempo, podem, por exemplo
ser reduzidos (...), ou outro grupo pode abrir para si novos canais de influência,
formar novas alianças ou conquistar posição hegemônica mediante referência a
valores, ideais e visões novos" (Offe, 1981, p. 130).
Finaliza o autor sua reflexão com o alerta de que as interrelações entre os três
níveis não são estritamente hierárquicas, mas circulares: "embora o espaço de
ação do primeiro nível ('política formal') seja em grande parte, determinado pela
matriz do poder social ('segundo nível'), é ele próprio, capaz de facilitar e
promover uma revisão das bases normativas e das interpretações da distribuição
do poder social ('terceiro nível'). E, por isso, o palco da política democrática
deveria ser concomitantemente considerado como determinado pelo poder social
e como determinante dele" (Offe, 1981, p. 131).
Pretende-se mostrar, aqui, que a partir desse arcabouço conceitual, será possível
compreender as características da experiência dos COREDEs e sua proposta de
uma Política Regional de Desenvolvimento através de uma articulação e
negociação entre diferentes arenas político-sociais que envolvem os três níveis
introduzidos por Offe como já se expressa na seguinte citação: “Os COREDEs/RS
apoiam enfaticamente a proposta contida no documento-base no sentido de ´estimular
os estados a construírem instâncias intermediárias entre o governo estadual e as
prefeituras´, fazendo a ressalva de que essas instâncias não devem ser controladas
por atores governamentais, mas devem incluir predominantemente representantes de
segmentos da economia e da sociedade civil das regiões”. (Bandeira, 2013, destaques
nossos)
“... Além disso, é importante que os Fóruns ou Conselhos instituídos nas escalas micro
e/ou mesorregional estejam representados, por meio de delegados, nas instâncias de
planejamento e fiscalização dos órgãos responsáveis pela gestão dos instrumentos da
política regional, como as Superintendências Regionais. Tal representação é
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importante para evitar a captura dos instrumentos da política por interesses que
desvirtuem a sua aplicação, direcionando-os para investimentos em regiões menos
necessitadas” (Bandeira, 2013, destaques nossos).
É neste sentido que a proposta dos COREDEs está em plena sintonia com a
compreensão do processo político de Offe (1981): o processo decisório se
desenrola entre diferentes arenas entre as quais a arena de segundo nível é
aquela que parece estar em jogo quando se pensa e fala em Foruns e Conselhos.
Parece que o documento aqui tomado como referencia, entende os Conselhos
Regionais de Desenvolvimento Regional (COREDEs) exatamente nessa posição
intermediária como arena na sua articulação com as demais duas.
Apesar de que foi dito, anteriormente, que não interessa “sucesso” ou “fracasso”
das experiências aqui discutidas, o caso dos COREDEs parece interessante não
apenas pela complexidade e aparente completude da articulação entre arenas,
mas também porque parece uma das poucas “best practices” em relação a uma
atuação em âmbito regional contemporâneo no Brasil.
Por está razão, para poder compreender melhor a atual situação, é instrutivo observar
o “pêndulo histórico” que vai de formas até extremas de concentração e centralização
até situações de autonomia de partes da federação que, concebida como solução, se
revelava “problemático”. O atual período pós-constituinte de 1988 parece um momento
onde o movimento do pêndulo em direção a uma significativa autonomia do local
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começa dificultar o tratamento de assuntos que, de alguma maneira, são comuns para
além do estrito patamar municipal.
Ou seja, a autonomia dos municípios no Brasil parece ter alcançado um certo grau
satisfatório na Constituição de 1988. Mas nisto não há uma absoluta novidade porque
ela já estava presente na Constituição de 1891, onde são encontrados indícios de
estímulo à descentralização (vide o Art. 68 da Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil - de 24 de fevereiro de 1891).
A federação brasileira foi constituída de início pelo pacto político que sustentava as
relações entre o governo federal e as oligarquias regionais. Este pacto, contudo, se
rompe na Revolução de 1930, que culmina na forte centralização estabelecida pela
Constituição de 1937, outorgada pelo golpe que instituiu o autoritário “Estado Novo”.
Entre 1946 e 1964, novo regime democrático é instalado e a nova Constituição
elaborada pela Assembleia de 1945 retoma o aspecto politicamente descentralizador.
De 1964 até 1985, uma nova fase centralizadora se estabelece com o regime militar,
amparada na Constituição de 1967 (vide Santos, 2008).
Nos últimos anos do governo militar, quase todos os temas nacionais entraram em
crise. Na ausência de recursos do Estado para lidar com os problemas gerados pelas
manifestações adversas da população, cresceram as dificuldades para manutenção
da política de centralização. Emergem movimentos descentralizadores, com destaque
para o movimento municipalista, que traz também a questão das emancipações, um
outro problema para a administração municipal.
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problemas e demandas que transcenderam os âmbitos locais dos municípios.
Como apontado por Santos (2012), “num primeiro momento (1989-1995), a autonomia
municipal foi experimentada por meio da elevação das receitas, especialmente as
oriundas das transferências intergovernamentais, o que contribuiu para fortalecer a
autonomia política frente aos estados e à União. O novo desenho institucional, no
entanto, suscitou reações que colocaram em xeque aquela autonomia, em particular a
financeira”.
É neste contexto que os consórcios aparecem como modalidade de uma possível re-
centralização, apesar de já terem existidos desde a década de 1960 e 1970. Mas é a
partir da Constituição de 1988 e aquele “excesso de autonomia” que se começa a
configurar um quadro que exige alguma reflexão da estruturação das bases jurídico-
institucionais que versem sobre os consórcios públicos e demais formas de
associativismo.
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elaborada para atender à norma constitucional do Art. 241, da Constituição Federal do
Brasil, contida na Emenda Constitucional no 19, de 4 de junho de 1998, onde está
prevista a realização de consórcios e convênios de cooperação entre os entes
federativos. O Decreto no 6.017, de 17 de janeiro de 2007, regulamentou a Lei no
11.107. Por Consórcios Públicos entende-se: “As instituições formadas por dois ou
mais entes da Federação para realizar ações de interesse comum. Importante
instrumento de cooperação técnica e financeira entre municípios de uma determinada
região, governos dos Estados, Distrito Federal e a União, os Consórcios podem servir
à articulação de ativos, viabilizar cooperação em projetos de abrangência regional,
obras e outras ações destinadas a promover o desenvolvimento de determinada
região” (Caixa Econômica Federal, 2011)
O que é de particular interesse para o presente debate é a instituição, por lei, de duas
modalidades de consórcios: (i) como pessoa jurídica de direito público (associação
pública) e (ii) como pessoa jurídica de direito privado (atinente à legislação civil) (Lei
11.107/05 - art. 1, § 1o e art. 6). Ou seja, o consórcio público adquirirá personalidade
jurídica de (i) direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a
vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções e integra a administração
indireta de todos os entes da Federação consorciados; ou de (ii) direito privado,
mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil que observará as normas de
direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos,
prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das
Leis do Trabalho - CLT (BRASIL, Lei 11.107/05)..
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(ii) Quanto à composição da Assembleia Geral e o poder de voto de cada membro, é
importante que o protocolo de intenções elimine qualquer possibilidade de
manutenção de estruturas clientelistas ou qualquer outra forma de assimetria entre os
participantes. O problema tende a tornar-se mais visível nos casos em que a
composição dos entes federativos partícipes é discrepante em relação às condições
sociais e econômicas.
(vi) Poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente
consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as
dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de
rateio. A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato formal
de seu representante na assembleia geral, na forma previamente disciplinada por lei,
bem como a alteração ou a extinção de contrato de consórcio público.
Até o momento, o último avanço na estrutura institucional dos Consórcios Públicos foi
a publicação na data de 01 de fevereiro de 2012 da Portaria da Secretaria do Tesouro
Nacional (STN) no. 72, que estabelece as “normas gerais de consolidação das contas
dos consórcios públicos a serem observadas na gestão orçamentária, financeira e
contábil, em conformidade com os pressupostos da responsabilidade fiscal”. Aspecto
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fundamental desta portaria é a adequação da legislação dos Consórcios à Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Mesmo com uma apreciação apenas superficial, já se pode imaginar que este formato
legal dos consórcios está mais próximo à figura dos arranjos territoriais, que foram
introduzidas no inicio da atual discussão, do que de qualquer um dos outros dois: de
arenas político-sociais ou expressão de agendas institucionais. É isto o que as
experiências concretas com a implantação de consórcios também sugere, à primeira
vista: que sua atuação é limitada porque não conseguem nem mobilizar um apoio
político-social por parte de segmentos sociais dos seus consorciados (falta de arenas),
nem ser sustentado por projetos comuns dos consorciados (agenda articulados e
objetivos e interesses compartilhados). Pode se levantar a hipótese, que um mero
arranjo territorial na base de instrumentos formais-legais permanece frágil (ou mesmo
ineficaz) sem a presença de forças políticas e sociais sejam de agenda política, sejam
de arenas político-sociais que dão sustento ao formato legal.
Com isto já se pode afirmar, provisoriamente, que a lei é importante, mas não parece
suficiente para estimular formas de associativismos ou agendas comuns entre entes
federativos para a implantação de consórcios. Como foi apresentado nos primeiros
itens deste ensaio, outros fóruns, arenas e arranjos territoriais de articulação de
políticas regionais são possíveis e foram experimentados. E parece necessário
apreender com suas experimentações também para os consórcios.
A importância da lei jaz no fato de que formaliza um instituto que vem sendo, inclusive,
pensado como uma das formas de combate a situações de crise, os pactos entre
diferentes territórios. A União Europeia, por exemplo, tem estimulado o poder local a
se pactuar no sentido de superar problemas comuns, sobretudo em tempos atuais de
crise econômica para os países do bloco.
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como um instrumento que permite ganhos de escala nas políticas públicas, além de
ser um novo modelo gerencial que pode viabilizar a gestão microrregional. Possibilita
a discussão de um planejamento regional; a ampliação da oferta de serviços por parte
dos municípios; a racionalização de equipamentos; a ampliação de cooperação
regional, a flexibilização dos mecanismos de aquisição de equipamentos e de
contratação de pessoal; entre outras” (Cruz 2001, p. 4).
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O senso comum douto de muitos analistas a respeito dos Consórcios Públicos
descarta qualquer potencial deles a servir para gerar uma escala de formulação de um
política regional. Mesmo assim, esse instrumento – não isoladamente, mas articulado
com outras formas de arranjos territoriais e fóruns políticos - deve ser avaliado para
identificar suas potencialidades que não foram verificadas empiricamente.
Bibliografia
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