Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ESTRUTURA E
PROPRIEDADES
DE POLÍMEROS
2ªEDIÇÃO
MARCELO SILVEIRA RABELLO
Marcelo Silveira Rabello
Engenheiro de Materiais, Mestre em Engenharia Química, Doutor em Engenharia de Materiais
2ª edição
Prefaciar o livro Estrutura e Propriedades de Polímeros do Prof. Marcelo Rabello é uma enorme honra.
Primeiramente, pela grande experiência e competência comprovadas do autor e, ainda, pela inovadora
metodologia que esta obra representa.
Esse livro, pelo que percebi, traz também os temas trabalhados de forma prática e vai se aprofundando
à medida que se avança na leitura dos capítulos. Esse aprofundamento provavelmente se dá pois o Prof.
Marcelo usa, em alguns momentos, artigos originais que são clássicos da literatura. Além disso, temos
em cada capítulo quadros que nos provocam sobre o entendimento que tivemos acerca dos temas
apresentados, além de nos propor experimentos simples, práticos e seguros. Adorei verificar o cuidado
na diagramação dos rodapés - coloridos – um verdadeiro convite a verificar as informações ali contidas,
sempre relevantes e não apenas genéricas.
Desde a capa, o livro conta com um design gráfico sofisticado, cujos elementos, como figuras e gráficos,
contemplam um planejamento visual que facilita nosso entendimento sobre os temas abordados. O fato
de ser digital, nos permite ampliá-los para ver detalhes do que está sendo apresentado.
No capítulo 1 você verá, de forma resumida, mas servindo de motivação para os próximos capítulos, os
fatores que afetam o comportamento de um material; os temas são abordados em diferentes níveis,
para que possamos entender desde as transições físicas e químicas até o desempenho dos produtos
acabados.
O Capítulo 6 inicia apresentando um gráfico de propriedades mecânicas, evidenciando sua relação com
a morfologia dos materiais. Além disso, apresenta os mecanismos de deformação e discorre sobre os
principais conceitos associados às propriedades mecânicas. São evidenciadas, ainda, as formas pelas
quais fraturas podem ocorrer nos polímeros, em função de suas características estruturais.
No último capítulo do livro você vai encontrar discussões acerca dos demais fatores que definem as
propriedades dos polímeros. Tópicos não abordados anteriormente como, por exemplo, a degradação
química, são apresentados. O ensaio de stress cracking, para a previsão e prevenção das falhas
inesperadas em polímeros termoplásticos, é discutido por um dos maiores especialistas do país.
É claro que em um prefácio não posso falar muitos detalhes do livro, mas posso garantir que você ficará
animado em utilizar essa importante contribuição para a área de materiais poliméricos e, quando
perceber, já leu ele todo.
Parabenizo ao Prof. Marcelo Rabello também pelo desprendimento de nos brindar com uma excelente
obra - e quando falo presentear me refiro ao tremendo altruísmo na gratuidade da distribuição desse
livro. Isso mostra a nobreza e sensibilidade do Professor de Campina Grande, que doa uma experiência
de mais de 30 anos, para um país que precisa tanto de uma educação para todos.
Prof. Marcelo Rabello, seu pioneirismo no novo modelo de livro didático, sua coragem e inovação, serão
sempre lembrados.
Esse livro é o resultado do trabalho de muitos anos... Como estudante, como Engenheiro de Materiais,
como pós-graduando, como pesquisador e como docente vivi (e vivo) o mundo dos polímeros,
procurando entender todas as suas facetas. É fascinante compreender como o resultado final na forma
de um produto acabado é dependente de uma simples (ou complexa) combinação de fatores que se
interconectam (ou se “emaranham”) em um conjunto de influências. A partir dessa compreensão, tudo
faz sentido, como se fossemos desfiando, linha a linha, uma rede de conceitos que compõem o
entendimento dos materiais poliméricos.
Como docente, procuro transmitir esses ensinamentos de modo prático, que faça sentido para os alunos
e, assim, contribua para a formação dos mesmos. Ministro a disciplina “Estrutura e Propriedades de
Polímeros” na Universidade Federal de Campina Grande e, ao longo dos anos, fui amadurecendo esse
assunto na perspectiva de ensino-aprendizagem. Não “inventei” o conteúdo, mas dei uma versão ao
mesmo e que, acredito, atinge os objetivos propostos para a disciplina. Com a evolução dessa
abordagem, chegou o momento disponibilizar essa perspectiva na forma de um livro didático.
Essa é a ideia central de Estrutura e Propriedades de Polímeros, que lhes apresento. Um livro
essencialmente didático – escrito para o aluno. Para o aluno aprender o conteúdo proposto e ir além,
com estímulos para adquirir mais conhecimento e ampliar os seus horizontes. Acredito ser útil também
para professores, igualmente envolvidos no desafio e nobreza de formar pessoas preparadas para os
desafios da vida. Profissionais atuantes no vasto mercado de materiais poliméricos poderão fazer uso
das considerações e exemplos aqui contidos para entender melhor essa classe de materiais e, assim,
solucionar problemas e desenvolver produtos ainda melhores.
O livro não tem, absolutamente, a pretensão fazer uma revisão do estado da arte, muito menos de dar
a última palavra. Sendo repetitivo, é um livro concebido para o aluno aprender mais. Muitos dos
assuntos aqui presentes, como cinética de cristalização e mecânica da fratura, apenas para citar dois
exemplos, são tão importantes e tem conteúdo tão vasto que até poderiam ser tema de livros
independentes. Estão aqui como partes de um todo – nessa teia de conhecimentos – em nível de
profundidade compatível com a proposta geral do livro.
Há alguns anos, ministrando curso para profissionais de indústria, um dos participantes (que tinha 40
anos de experiência em polímeros) me falou que, durante as aulas, sempre refletia “como posso utilizar
isso que estou aprendendo agora?” Essa reflexão “catalisou” o meu propósito de tornar o ensino mais
direcionado à realidade prática, explicitando a importância de cada conceito, cada equação, cada gráfico,
cada representação esquemática... Esse livro tem muito dessa filosofia! Evitei abordar teorias muito
complexas e equações sem propósito prático, concentrando todos os meus esforços na aplicabilidade
de cada tópico aqui abordado. Espero ter conseguido.
Estrutura e Propriedades de Polímeros não é apenas um livro didático. É também um guia eletrônico
para outras fontes de informação, como sites e vídeos, em que o leitor poderá dinamizar o seu estudo
com informações complementares, casos correlatos e tecnologias envolvidas. Dessa forma, mesmo
preferindo estudar pela versão impressa, recomenda-se que mantenha a versão digital para fazer uso
dos inúmeros links disponibilizados.
Por ser eletrônico, o livro pretende ser dinâmico, com atualizações frequentes, e posso até considerar
sugestões de conteúdo para edições futuras. Preciso da sua ajuda também na identificação de
incorreções e imprecisões, links inválidos, etc., o que pode ser feito neste site.
Por fim, gostaria de dizer que oferecer esse trabalho no formato digital, totalmente gratuito, foi uma
forma de agradecimento por muito que a vida me deu, tanto no âmbito pessoal quanto profissional.
Mais ou menos próximo do tempo de aposentadoria e refletindo sobre tudo que me ocorreu ao longo
da minha trajetória, posso dizer que sou muito feliz profissionalmente e compartilho com você esse
momento através desse livro. Espera que lhe seja útil.
A primeira edição deste livro foi muito bem aceita pela comunidade de polímeros do Brasil, com milhares
de downloads registrados pelo site oficial (sem contar, evidentemente, compartilhamentos informais e
os downloads através de sites alternativos). Espero que tenha sido de valia para profissionais, docentes
e, principalmente, estudantes que desejam se aprofundar na área. A partir da minha própria prática
utilizando o livro como ferramenta pedagógica, além de sugestões de alunos e colegas professores, achei
importante lançar uma segunda edição, cujas principais novidades são:
1. Introdução ............................................................................................................ 13
Referências .................................................................................................................................. 54
Referências .................................................................................................................................. 82
7.7. Sumário dos fatores que afetam as propriedades dos polímeros ............................. 297
Capítulo 1
Introdução
Um panorama geral da importância dos materiais poliméricos no mundo atual e como os diversos aspectos
estruturais podem influenciar as suas propriedades de engenharia.
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello
Os materiais poliméricos adquiriram, ao longo dos anos, uma importância tão significativa
para a sociedade que seria praticamente impossível imaginar a nossa vida sem a existência dessa classe
de materiais. Dos plásticos de uso geral aos de alto desempenho, dos polímeros biodegradáveis aos
condutores de eletricidade, das fibras especiais aos plásticos de engenharia, das embalagens
corriqueiras aos sensores poliméricos, das espumas aos revestimentos e adesivos, os polímeros estão
presentes em todos os aspectos da atividade humana. O processo de substituição dos materiais
tradicionais pelos polímeros foi acontecendo progressivamente com crescimento vertiginoso de
consumo dos polímeros (Figura 1.1), dado às inúmeras vantagens que esses materiais apresentam, tais
como:
o facilidade de fabricação;
o baixa densidade;
o amplas possibilidades de aditivação, atingindo propriedades sob medida;
o bom balanço de propriedades mecânicas;
o disponibilidade de tipos (grades) sintetizados pelas indústrias
petroquímicas, incluindo os copolímeros;
o facilidade de reciclagem;
o durabilidade;
o custo compatível com o tipo de aplicação;
o isolamento térmico e acústico;
o características de amortecimento.
14
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Evidentemente, como ocorre com todo tipo de material, os polímeros apresentam as suas
deficiências, especialmente no que se refere ao comportamento mecânico quando comparado com os
metais ou a estabilidade ao calor em comparação com os materiais cerâmicos. Entretanto, um dos
princípios mais importantes da ciência dos materiais é que não existe material perfeito – e sim aquele
mais apropriado para uma aplicação específica. Nesse contexto, os polímeros vêm desempenhando o
seu papel na história, oferecendo uma diversidade de produtos para atender às necessidades da
indústria e, consequentemente, da sociedade. Já imaginou como seria a nossa vida sem os
polímeros? Veja nesta matéria algumas das nossas dificuldades diárias caso os plásticos
não existissem.
Por ser uma classe mais recente de materiais, os polímeros ainda carecem de um
entendimento pleno do seu comportamento. As suas estruturas macromoleculares têm inúmeras
implicações para o comportamento físico e mecânico dos produtos que, aliado aos aspectos
estruturais, irão definir o sucesso (ou não) de suas aplicações. Entender os diversos fatores que
governam as propriedades dos polímeros e como esses podem ser utilizados para potencializar o
desempenho é essencial para a seleção, produção e aplicação desses
Conceito de materiais. O desempenho de um produto deve ser encarado como algo
“produto” versus
dependente de uma variedade de fatores e isso difere do que,
“material”
academicamente, se refere ao desempenho do material. Um produto
apresenta um nível de complexidade muito mais elevado do que seria a sua matéria-prima ou mesmo
um corpo de prova, utilizado nos laboratórios para análise e caracterização. Um produto acabado,
15
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello
como utilizado pelo consumidor, tem o seu desempenho dependente de um conjunto de fatores,
descritos a seguir e resumidos na Figura 1.2.
Polímero
(incluindo o grade )
Aditivos
Temperatura Dimensional
Umidade Cantos vivos
Agentes químicos Insertos
Radiações Orifícios
Processamento Linhas de solda
Técnica Condições
Cristalinidade
Morfologia
Sistema cristalográfico
Orientação molecular
Figura 1.2. Resumo dos fatores que afetam o comportamento de um produto acabado (elaborado pelo
autor).
16
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
1
Rabello MS, de Paoli MA. Aditivação de Termoplásticos. São Paulo: Artliber; 2013.
17
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello
Figura 1.3. Ilustrações de corpo de prova e de um produto final em imagens CAD. Observe-se que o
produto final é muito mais completo geometricamente. Clique na imagem para hiperlink.
18
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Eixo 1: tipo de polímero. Esse é o aspecto estrutural mais básico e mais importante, que é definido
pela estrutura química da unidade repetitiva – o “DNA” do polímero, o que mais caracteriza a sua
identidade. Por que um polietileno é tão diferente de um PVC ou de um PET? Em primeira análise, por
sua estrutura química!
Eixo 2: polimerização. A polimerização define a estrutura molecular do polímero, como a massa molar
e sua distribuição, configuração, presença e arranjo de co-monômeros, ocorrência de defeitos
(incluindo ramificações). São essas características que irão definir os grades que as petroquímicas
fabricam para atender às necessidades das indústrias de transformação e os requisitos das aplicações.
Por exemplo, grades para injeção de paredes finas possuem massa molar mais baixa e distribuição de
massa molar mais estreita do que grades para a fabricação de filmes por extrusão. Grades de
polipropileno para uso em baixas temperaturas contém o etileno como co-monômero, o que reduz a
sua temperatura de fragilização.
19
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello
Esses fatores estruturais impactam em todas as propriedades dos materiais poliméricos: físicas,
mecânicas, químicas, transições térmicas, etc. Ao longo dos próximos capítulos essas relações serão
abordadas detalhadamente.
De um modo geral, as propriedades dos polímeros podem ser divididas em duas classes: as que
dependem da natureza orgânica e as que têm implicações da natureza macromolecular.
20
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
posicionado tanto no lado dos amorfos como nos semicristalinos, uma vez que esse material pode ser
produzido industrialmente das duas formas. De custo mais alto, os
plásticos avançados são, em geral, materiais estruturais,
resistentes ao desgaste e com excelente estabilidade química e ao Lembre-se: não existe
material “melhor”. Existe
calor, mas, por outro lado, possuem maior dificuldade de sim o mais adequado
processamento do que os das classes anteriores. Componentes para determinada
aplicação.
críticos, em que o desempenho é muito mais importante do que o
custo, como componentes médicos e partes de equipamentos da
indústria aeroespacial, utilizam esses tipos de materiais. Em caso extremo tem-se os polímeros de alta
performance, com altíssima resistência mecânica e até ao fogo. Por terem estruturas químicas
aromáticas e polares tem no processamento a grande barreira de utilização em larga escala.
Figura 1.4. Principais termoplásticos industriais, classificados de acordo com o desempenho mecânico e
térmico. Imagem adaptado deste site.
21
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello
de grades com módulo elástico superior a 3000MPa e HDT superior a 220°C. A busca resultou em 1251
grades que atendeu aos dois critérios, dos mais diversos fabricantes, muitos contendo aditivos como
fibras de reforço. O uso de mais filtros ou uma definição mais estreita de limites das propriedades
resultaria em um menor número de grades adequados. O acesso à ficha técnica do material é feita
diretamente no site.
PARA DISCUSSÃO
22
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Os próximos capítulos...
A partir dos próximos capítulos deste livro, os temas serão apresentados de modo coerente
com o nível de entendimento requerido, iniciando-se com uma revisão sobre as estruturas básicas,
seguido da importância dos estados físicos e transições. A estruturação dos polímeros semi-cristalinos
e as influências cinéticas serão descritos nos capítulos 4 e 5. No capítulo 6 as propriedades mecânicas e
de fratura serão abordados com base na influência das características estruturais. O capítulo final
resume os fatores que definem as propriedades e inclui alguns outros conceitos não abordados
anteriormente, como a degradação química e o stress cracking.
O leitor pode aprofundar os temas tratados aqui através da literatura clássica sobre física e
propriedades de polímeros, recomendada ao final de cada capítulo. Os sites da internet também são
importantes fontes de consulta e serão citados oportunamente.
Uma questão simples: quando você está diante de um “plástico”, como você sabe que se trata de um
polímero e não de uma substância de baixa massa molar?
Você pode determinar a massa molar da substância e, se for maior do que, digamos, 10.000g/mol... Como
nem sempre fazer esse tipo de determinação é possível, eis dois experimentos simples.
1. Amoleça o material e, com uma pinça ou alicate, faça um esforço de estiramento na região
amolecida. Se formar fibra, é um polímero!
2. Dissolva o material e entorne a solução em uma superfície plana. Ao evaporar o solvente, se formar
um filme (e não partículas), trata-se de um polímero.
Esses testes valem para polímeros termoplásticos. Os termofixos devem inchar no contato com solventes.
23
Em algumas aplicações críticas, o desempenho mecânico confiável é absolutamente fundamental. Na imagem
acima a escalada seria um esporte de (ainda mais) alto risco se os materiais de sustentação rompessem durante
o uso. As fibras das cordas são produzidas por um processo de extrusão seguido de estiramento. Durante o
estiramento. ocorre grande alinhamento das macromoléculas do polímero, o que confere altíssima resistência na
direção do esforço aplicado. Trata-se de um exemplo de como a manipulação da estrutura física pode controlar
as propriedades e possibilitar a produção de artigos de alta qualidade.
Capítulo 2
• plásticos • adesivos
• resinas • tintas
• borrachas • vernizes
• espumas • fibras sintéticas
• produtos naturais como amido, celulose, proteína, madeira, couro, cabelo, DNA, unha, chifre...
O que todos esses produtos têm em comum é que são constituídos por grandes moléculas,
com massa molar que podem variar de, digamos, 10.000 a 10.000.000g/mol. Os polímeros são
formados por unidades repetitivas (“polímero” vem do grego: poli=muitos; mero= repetição), unidas
por ligações químicas covalentes. A alta massa molar, portanto, é a principal característica dos
polímeros, que afeta direta ou indiretamente a maioria de suas propriedades físicas e químicas. A
grande importância da massa molar para o comportamento mecânico e as aplicações dos polímeros
pode ser exemplificado para o caso do polietileno. Esse polímero é comercializado em uma ampla faixa
de massas molares, que definem as características dos grades produzidos pelas petroquímicas. Veja
abaixo algumas aplicações:
25
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
Por serem uma classe de materiais bastante abrangente, a tarefa de classificar os polímeros
pode ser complexa e não definitiva. A literatura adota várias formas de classificação, como nos
exemplos a seguir:
Devido à relação mais direta com o conteúdo deste livro, serão descritos a seguir os tipos de
polímeros quanto à arquitetura molecular e quanto ao tipo de arranjo e algumas de suas
consequências.
26
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 2.1. Representação esquemática de estruturas moleculares linear (a), ramificada (b) e reticulada
(c) (Bower 2002)
27
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
que, aliados, permitem grande elasticidade. Os polímeros reticulados têm algumas limitações para a
reciclagem, em virtude das ligações intermoleculares covalentes. Isso difere dos termoplásticos, que
possuem as cadeias moleculares conectadas entre si por ligações químicas secundárias. Sobre essas
forças de ligação existentes nos polímeros, as forças coesivas, vale aqui uma rápida revisão.
As ligações químicas existentes nos polímeros podem ser de dois tipos: ligações covalentes
(primárias) e ligações secundárias, cujas energias de dissociação estão mostradas na Tabela 2.1. Nos
termoplásticos as ligações primárias estão presentes apenas na cadeia principal, enquanto que estas
cadeias permanecem unidas umas às outras por ligações secundárias, com nível de interação muito
menor do que nas ligações covalentes. Nos termofixos, incluindo os
elastômeros, existem ligações primárias também entre as cadeias adjacentes
(Figura 2.1c), o que os tornam mais estáveis dimensional e termicamente. Nos
Ligações
termoplásticos, a fusão (ou amolecimento) ocorre quando a energia do sistema químicas
primárias e
supera a energia de dissociação das ligações secundárias, isto é, quando a secundárias
temperatura atinge certos níveis. Como a diferença de energia de dissociação
das ligações primárias e secundárias é muito alta, esse amolecimento ocorre, a
princípio, sem afetar as ligações primárias, daí o termoplástico poder ser reprocessado repetidas vezes.
Nos termofixos não ocorre o amolecimento após o material estar reticulado, pois a energia das
ligações intermoleculares (covalentes) é da mesma ordem de magnitude das ligações intramoleculares
(também covalentes). Assim, caso a temperatura seja muito elevada, ocorrerá a decomposição do
material sem o amolecimento, resultado da ruptura das ligações covalentes – tanto entre as cadeias
quanto ao longo da cadeia principal. Embora existam procedimentos químicos especiais para romper
seletivamente apenas as reticulações (La Rosa et al. 2018), os termofixos não são reprocessáveis com
as mesma facilidade dos termoplásticos.
Tabela 2.1. Energia de dissociação e comprimento da ligação de diferentes tipos de ligação química.
Fonte: (Gedde 1995).
Secundária
28
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
As ligações intramoleculares
As ligações covalentes ao longo das cadeias (intramoleculares) têm importância menor do que
se possa aparentar. Com exceção dos casos em que se tem alta orientação molecular, a influência das
ligações covalentes nas propriedades mecânicas é relativamente pequena uma vez que os processos
de fratura ocorrem principalmente por mecanismos de formação e propagação de trincas e não por
cisão das cadeias poliméricas (ver seção 6.2). Essas ligações, por outro lado, irão definir a estabilidade
térmica do material – a sua temperatura de decomposição. A degradação de um polímero ocorre
através de processos auto catalíticos que são iniciados a partir da cisão de ligações covalentes e são
29
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
acelerados na presença de oxigênio. Nesse contexto, vale o princípio de que a estabilidade térmica é
dependente do seu elo mais fraco. A intensidade das ligações covalentes, dessa forma, irá definir a
temperatura de início da decomposição de um material polimérico – aspecto extremamente
importante a ser considerado na definição das condições de processamento e, em alguns casos, na
temperatura máxima de uso. Quando a cisão molecular ocorre na cadeia principal o efeito negativo nas
propriedades é muito maior pois a redução na massa molar é muito mais drástica. Isso ocorre, por
exemplo, quando existem heteroátomos na cadeia principal e as energias de dissociação são menores
do que as de carbono-carbono. No caso das poliamidas, a ligação C-N é mais instável do que a ligação
C-C (292 e 347kJ/mol, respectivamente), sendo o local mais provável de início das reações de
degradação. Esse problema se torna mais crítico quando as ligações são hidrolisáveis, como nas
poliamidas e poliésteres, em que a presença de umidade leva às reações de cisão por hidrólise, que
ocorrem em temperaturas mais baixas do que as de decomposição térmica. Esse último caso tem
grande influência prática e será tratado posteriormente neste livro (seção 7.5.2).
As ligações intermoleculares
Forças de dispersão (van der Waals). Presente entre moléculas de baixa polaridade, como polietileno,
poliestireno e polipropileno, é formada pelos momentos de dipolo, que oscilam de positivo para
negativo ao longo do tempo, como resultado de configurações
instantâneas diferentes dos elétrons e núcleos. Isso gera uma
polarização temporária e, consequentemente, uma atração entre
grupos de átomos adjacentes. Quando existem mais de um tipo de ligação secundária em
um polímero (por exemplo, força de dispersão e ponte de hidrogênio), esse tipo de atração
torna-se desprezível. Neste vídeo, observa-se que a ligação do tipo van der Waals é
30
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
responsável pela grande habilidade do lagarto Gecko aderir em superfícies diversas e isso tem
inspirado a criação de robôs e outros produtos baseados no mesmo princípio.
Pontes de hidrogênio. Esse tipo de ligação secundária é mais forte do que as demais, estando presente
H3C N CH3 um grupo básico, como (i) oxigênio em carbonila, éter ou hidroxila ou (ii)
H
nitrogênio em aminas ou amidas. Assim, o hidrogênio serve de ponte entre dois
grupos diferentes, o que é facilitado pelo seu pequeno tamanho, que possibilita o seu posicionamento
em pequenas distâncias, viabilizando a transferência de prótons. O maior exemplo desse tipo de
ligação é a água – por ter uma massa molar muito baixa, a água não deveria ser líquida na temperatura
ambiente se não fosse pela existência das pontes de hidrogênio.
A medida das forças intermoleculares é dada pela densidade de energia coesiva (CED), que
significa a energia necessária para remover uma molécula de um líquido ou sólido para uma posição
longe dos seus vizinhos, ou seja, para separar os grupos químicos que estão sendo atraídos entre si.
Exemplos de CED para alguns polímeros estão mostrados na Tabela 2.2, onde se
observa que a CED aumenta com a polaridade dos grupos substituintes. Casos
extremos ocorrem em que essas forças são tão fortes que o polímero não Densidade de
energia coesiva
funde/amolece durante o aquecimento, apresentando um comportamento é uma medida
das forças
térmico semelhante ao de um termofixo (decomposição sem amolecimento) –
intermoleculares
mesmo sem possuir reticulações. É o que ocorre, por exemplo, com celulose,
poliimidas e poliamidas aromáticas (aramida), que possuem também cadeias
poliméricas extremamente rígidas (Figura 2.2), dificultando a movimentação e, assim, o afastamento
dos grupos polares para ocorrer a fusão/amolecimento.
31
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
O O
H H
O N N C C N N
O O
O O
Figura 2.2. Estruturas químicas da celulose (a), poliimida (b) e aramida (c).
Tabela 2.2. Densidade de energia coesiva (CED) de alguns polímeros comerciais (Billmeyer 1984).
Poliestireno 310
O O
Poliamida 66 NH (CH2)6 NH C (CH2)4 C 774
CH2 CH
Poliacrilonitila 992
C N
Os polímeros apolares, como polietileno e polipropileno, necessitam alta massa molar para
que apresentem um bom comportamento mecânico, como mencionado anteriormente. A razão para
isso é que a coesão mecânica do material é muito dependente dos emaranhados moleculares nas
regiões amorfas e das cadeias atadoras, que unem os cristalinos às regiões desordenadas. A densidade
de energia coesiva desses materiais, sendo baixa, não é suficiente para a obtenção de propriedades
mecânicas adequadas. Por outro lado, os polímeros polares, como poliamidas e poliésteres, por
possuírem cadeias mais fortemente unidas entre si, são menos dependentes de alta massa molar para
desenvolverem boas propriedades. Não que para esses materiais os emaranhados não sejam
importantes, absolutamente, mas as altas forças de atração auxiliam na coesão macromolecular,
tornando-os menos dependentes dos grandes tamanhos moleculares. Além disso, quanto maior a
massa molar, maior o número de pontos de contato (conexões polares) por cadeia e isso dificulta os
processos de fusão/amolecimento pois a quantidade total de energia para superar essa maior
32
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
densidade de energia coesiva pode, eventualmente, ser suficiente para iniciar a ruptura das ligações
covalentes intramoleculares, provocando a decomposição antes ou durante a fusão/amolecimento.
Vale observar que, do ponto de vista de processamento, a janela de operação
(isto é, a diferença entre as temperaturas de decomposição e de
Nem sempre fusão/amolecimento) deve ser larga o suficiente para permitir um
massa molar
muito alta é processamento seguro. Em geral os polímeros polares possuem alta
ideal! temperatura de fusão e, por possuírem heteroátomos na cadeia principal,
apresentam temperatura de decomposição relativamente baixa. Se a massa
molar for muito alta, é necessário realizar o processamento em altas
temperaturas para que a viscosidade seja compatível, o que aumenta consideravelmente os riscos de
decomposição térmica. Assim, enquanto os polímeros comerciais de baixa polaridade possuem massa
molar acima de 100.000 g/mol, para os polares esses valores dificilmente são superiores a 50.000
g/mol.
33
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
Figura 2.4. Efeito do estiramento a frio na resistência à tração do polietileno linear de baixa densidade,
medida na direção do estiramento e na direção ortogonal (Razavi-Nouri and Hay 2004). Razão de
estiramento é razão entre o comprimento final e comprimento inicial do produto deformado.
34
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 2.5. Módulo elástico do PE em diferentes condições: (A) não orientado; (B) orientação
intermediária; (C) ultraorientado (Birley, Haworth, and Batchelor 1992).
35
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
Orientação tenha pouca ou nenhuma orientação molecular quando esses são sujeitos
molecular pode ser a esforços de impacto. Para que isso seja alcançado, o projeto do molde de
indesejável
injeção, por exemplo, é extremamente importante pois os fluxos de melt
existentes nas cavidades do molde dependem principalmente do projeto
da ferramenta. As condições de processamento também exercem
influência neste aspecto. Um outro exemplo em que a alta orientação molecular resulta em situação
desfavorável é o caso de tubos produzidos por extrusão, já mencionado no Capítulo 1, em que a
pressão hidrostática, de natureza multiaxial, induz a geração e propagação de trincas ao longo do eixo
longitudinal.
Figura 2.6. Energia de fratura do poliestireno produzido com diferentes níveis de orientação molecular,
medida pela birrefringência (Curtis 1970). Birrefringência é a diferença do índice de refração de um
corpo de prova, medido em duas direções ortogonais. Trata-se de uma medida indireta da orientação
molecular. A propósito, a despeito da grande importância que a orientação molecular tem para as
propriedades dos polímeros, não se trata de um parâmetro facilmente avaliado experimentalmente.
Além de medidas de birrefringência, pode-se também utilizar determinações especiais por
espectroscopia de infravermelho e a orientação cristalina pode ser determinada por difração de raios-X.
37
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
CH3 CH3
Figura 2.7. Formas de taticidade do polipropileno. (a) Isotático e (b) sindiotático. Na configuração
atática não existe ordem no posicionamento dos grupos substituintes.
A posição de adição da unidade monomérica durante a síntese também pode gerar um outro
tipo de arranjo configuracional. A Figura 2.8 mostra que a posição relativa do grupo substituinte pode
levar à estruturas diferentes, dependendo de qual carbono do monômero é adicionado à cadeia em
38
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
crescimento. O tipo cabeça-cauda é mais favorável tanto por razões espaciais quanto energéticas.
Pode haver também adição aleatória, não existindo ordem pré-definida de posicionamento.
H H H
CH2 CH2
CH2 CH2
CH2 CH2
(a)
CH3 CH3 CH3
39
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
que a sua forma atática é amorfa e apresenta um balanço de propriedades mais favorável, sendo o tipo
utilizado comercialmente. Um outro exemplo é o poli(isopreno), que na sua forma trans é um plástico
semicristalino muito rígido enquanto que a configuração cis é um elastômero com excelentes
propriedades elásticas.
Apesar de todos os avanços que as tecnologias de síntese têm alcançado, são raros os casos
em que a estrutura molecular possui apenas um tipo de configuração (por exemplo, totalmente
isotático). A perfeição configuracional dificilmente é atingida, dado ao elevado número de reações que
ocorre entre monômeros para formar uma molécula de alta massa molar. Assim, a depender do
controle durante a polimerização e também da estrutura química do monômero, se obtém polímeros
com um percentual de estereoregularidade. Por exemplo, 97% isotático, 90% trans ou 99% cabeça-
cauda.
Devido à natureza das ligações covalentes, aliado à energia térmica existente, as cadeias
poliméricas podem assumir diferentes conformações, que são arranjos moleculares espaciais que
podem ser alterados por rotações em ligações covalentes simples. Em outras palavras, o arranjo
espacial não é fixo, podendo ser modificado inúmeras vezes em frações de segundo. Isso ocorre pois
há uma certa liberdade de movimentação dos grupos da cadeia, que depende do caráter da ligação
química na cadeia principal e dos substituintes laterais. Nos polímeros, os principais tipos de
conformações são as trans-gauche e as helicoidais.
40
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
a probabilidade desta molécula possuir apenas conformações trans (com a consequente cadeia
completamente estendida) é extremamente baixa1.
O fato de uma molécula polimérica apresentar a tendência a formar novelos e, além disso,
possuírem grandes comprimentos e, por fim, coexistirem com inúmeras outras macromoléculas, existe
a forte tendência dessas moléculas se enroscarem entre si, formando os
chamados emaranhados moleculares. Esses emaranhados criam uma
interdependência física entre as macromoléculas, com inúmeras
consequências práticas, tais como: alta viscosidade do estado fundido e
em solução, tenacidade e resistência tênsil dos polímeros, grande
extensibilidade dos elastômeros, resistência ao stress cracking e
limitação nos processos de cristalização. A densidade de emaranhados
moleculares, portanto, é fator decisivo para o comportamento mecânico e reológico dos polímeros,
sendo dependente essencialmente dos tamanhos moleculares, conforme os dados mostrados na
Figura 2.10. A tendência dos polímeros de alta massa molar apresentarem comportamento mecânico
superior é atribuído, em grande parte, aos emaranhados moleculares. O outro fator, a ser abordado
posteriormente, é a formação de moléculas atadoras, unindo os cristais com as regiões amorfas, que
também são fortemente dependentes do tamanho das cadeias.
1
Foi calculado que uma molécula de polietileno com massa molar 280.000g/mol teria 10 9542 possíveis
conformações. Um número absurdo de 10, seguido por 9542 zeros. Todo o universo não possui tantas moléculas
quanto uma simples cadeia de polietileno pode ter em possibilidades de arranjos espaciais! (Elias 1987)
41
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
Figura 2.10. Relação entre a massa molar (Mw) do poli-isopreno e o número de emaranhados por
molécula. Baseado nos dados apresentados por (Auhl et al. 2008).
Um outro tipo de conformação é a do tipo helicoidal, que ocorre quando o polímero tem
grupos laterais volumosos. As cadeias assumem um perfil de hélice, com as ligações
alternando nas formas trans e gauche, permitindo a acomodação das moléculas em
distâncias mais próximas sem distorção das ligações da cadeia, isto é, mantendo os
ângulos de equilíbrio. Esse tipo de conformação ocorre com estruturas moleculares
regulares como os polímeros isotáticos e sindiotáticos e se mantém no estado cristalino.
O passo da hélice depende do tamanho do substituinte lateral. Por exemplo, no
polipropileno tem-se 3 unidades repetitivas por volta, enquanto no PMMA tem-se 5
unidades em 3 voltas. O perfil da hélice pode ser alterado com a temperatura, como
ocorre no PTFE.
Tome-se como exemplo a Figura 2.11, em que uma molécula possui os níveis mais baixos de
energia nos ângulos 60, 180 e 300°. Para que haja rotação molecular e o ângulo seja alterado de 60
para 180°, por exemplo, é preciso vencer a barreira de energia, indicada na figura. Essa barreira de
energia pode ser fornecida pelo movimento térmico da molécula, caso a temperatura seja
42
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
suficientemente elevada para isso. Agora imagine que essa molécula possua um grupo substituinte
volumoso em que, para haver a rotação molecular, seria preciso
vencer uma barreira de energia mais elevada para conseguir
“arrastar” esse grupo. A cadeia, dessa forma, se torna menos flexível
Grupos polares e do que no caso anterior, com menos rotações moleculares. De modo
volumosos aumentam a semelhante, quando existem grupos mais polares será preciso
barreira de energia para superar a energia de interação intermolecular do grupo polar para
rotação, resultando em haver rotação. Novamente, a cadeia se torna menos flexível. Assim,
cadeias mais rígidas. polímeros com grupos volumosos, como poliestireno e
poli(metacrilato de metila), possuem cadeias mais rígidas as do o
polietileno e as do polibutadieno, por exemplo. PVC, poliamidas e
poliésteres, devido à presença dos seus respectivos grupos polares,
têm cadeias mais rígidas do que os apolares como polietileno, polipropileno e poli-isopreno.
12
10
Energia (kJ/mol)
6 barreira de energia
4
0
0 60 120 180 240 300 360
Ângulo (°)
Figura 2.11. Exemplo de dependência da energia com o ângulo de ligação em uma molécula orgânica.
Os níveis de energia correspondem a cada ângulo variam muito com o tipo de molécula, seguindo os
princípios básicos da química orgânica.
Grupos volumosos (na cadeia principal ou lateral) e polares, como é de se esperar, têm
efeitos aditivos, tornando a cadeia com rigidez extrema, como no caso das
O
poliamidas aromáticas e poliimidas (Figura 2.2). Por outro lado, caso esses NH C (CH2)5
menor. Por exemplo, a poliamida 11, que tem 10 grupos CH2 entre os grupos O
NH C (CH2)10
polares de amida, é mais flexível do que a poliamida 6, que possui apenas 5 PA11
43
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
grupos CH2 entre os amida. Em outro exemplo, a flexibilidade da cadeia do copolímero estireno-
butadieno (estrutura química abaixo), aumenta com o aumento no percentual de butadieno no
copolímero, e o copolímero resultante terá propriedades de
plástico ou de borracha conforme a predominância de um
ou do outro mero. Outros fatores que afetam a barreira de
energia para rotação são a presença de reticulações e de
solventes ou plastificantes. No primeiro caso, as ligações cruzadas ancoram as cadeias entre si,
reduzindo a capacidade de movimentação e, assim, elevam a barreira de energia necessária para a
rotação molecular. No caso da presença solventes e plastificantes tem-se um aumento no
espaçamento molecular e maior volume livre, resultando em cadeias muito mais flexíveis.
2
O “g” da Tg vem do inglês “glass”, que significa vidro.
44
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
que a transição ocorre), enquanto que se o produto for utilizado como uma borracha ou, caso seja
semicristalino, um plástico dúctil, Tg deverá ser a temperatura mínima de uso.
Importante: A transição vítrea não é uma temperatura isolada, mas ocorre em uma faixa de
temperaturas que pode ser muito larga, de até 50°C. Por essa razão, T g deve ser encarada como uma
temperatura de referência, nunca como um limite estreitamente bem definido.
Embora o tema seja tratado no próximo capítulo, cabe aqui uma rápida diferenciação entre a
temperatura de transição vítrea (Tg) e a temperatura de fusão cristalina (T m). Enquanto Tg é uma
transição das fases amorfas, relacionada com o início do movimento segmental das macromoléculas,
Tm é uma transição das fases cristalinas, relacionada com a fusão dos cristais presentes. Um polímero
completamente amorfo não possui Tm (pois não possui cristais), enquanto um polímero semi-cristalino
possui as duas transições.
A limitação do PVC
Um dos principais usos do PVC é na fabricação de tubos para água e esgoto. A sua tecnologia
amplamente desenvolvida, aliada às suas características reológicas, torna o PVC especialmente
atrativo para esse tipo de processamento e aplicação. No entanto, quando a tubulação é utilizada
em temperaturas acima da ambiente, existem restrições quanto a esse material. Isso ocorre, por
exemplo, em instalações industriais e em equipamentos domésticos como lavadoras de roupas e
de louças que possuem um estágio de aquecimento. Como a T g do PVC situa-se em torno de 80°C,
o amolecimento do tubo pode ocorrer já a partir de 55-60°C, podendo comprometer a sua
funcionalidade nessas aplicações. Uma das alternativas para isso é a utilização do PVC clorado
(CPVC), também de grande importância comercial, em que parte dos átomos de hidrogênio dos
carbonos secundários são substituídos por cloro, aumentando a polaridade geral da molécula e,
assim, elevando a Tg para ~105-115°C.
45
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
Como a transição vítrea está intimamente associada à barreira de energia para a rotação
molecular, é dependente dos mesmos fatores discutidos anteriormente – volume dos grupos
presentes, polaridade, reticulações, comonômeros, etc. Tg é, portanto, uma propriedade intrínseca dos
polímeros e, com efeito, uma das mais importantes e com grande apelo prático. A seguir, serão feitas
algumas análises comparativas.
O PE possui estrutura linear, com apenas átomos de hidrogênio na cadeia lateral e baixa polaridade. Os
átomos de hidrogênio são pequenos e as forças intermoleculares de van der Waals são fracas,
resultando em Tg~-150°C – uma das mais baixas existentes. O PP, por outro lado, possui um grupo
pendente metil que, por ser relativamente volumoso dificulta a movimentação molecular,
necessitando mais energia para o movimento segmental, com Tg~-10°C. Em uma situação mais extrema
tem-se o poliestireno, com grupo pendente aromático, representando uma dificuldade ainda maior
para rotação e, consequentemente, maior Tg em comparação com o PP, ~100°C. As diferenças entre
esses polímeros se refletem nas aplicações. O PS, sendo amorfo e com elevada T g, tem uso como
plástico rígido e transparente, com limite de temperatura de até 70-75°C. O PE e o PP, semicristalinos,
são utilizados como plásticos dúcteis, respeitando os limites inferiores para manterem a ductilidade, o
que requer atenção especial no caso do PP uma vez que abaixo de ~10°C já apresenta tendência à
fragilidade.
Cl Cl
Comparando-se com o PE, o PVC possui um átomo de cloro como grupo substituinte. Em termos
espaciais, o cloro não é significativamente diferente do hidrogênio, mas, por ser muito eletronegativo,
resulta em grande aumento na densidade de energia coesiva devido às ligações dipolo. Para superar
esse efeito, é necessário fornecer mais energia para o movimento segmental, o que eleva a Tg do PVC
46
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
para ~80°C. O poli(cloreto de vinilideno) (PVDC), por outro lado, possui uma simetria dos grupos
polares, gerando efeitos repulsivos e, assim, Tg mais baixa (~-15°C).
Tratam-se de dois poliésteres com estruturas químicas “semelhantes”, tendo o PET grupos aromáticos
e alifáticos na cadeia principal enquanto o PEA possui apenas grupos alifáticos. A estrutura mais rígida
do PET dificulta a movimentação, elevando a Tg: ~70°C vs. ~-50°C.
CH2 CH O
CH3
O PPO possui o grupo aromático na cadeia principal, ao contrário do PS em que esse grupo encontra-se
na cadeia lateral. Isso torna a cadeia do PPO muito mais rígida, dificultando as mudanças
conformacionais, refletindo-se em Tg mais elevada (~100°C para o PS e ~210°C para o PPO). A
propósito, o PPO possui, dentre os polímeros comerciais, um dos mais elevados valores de Tg que,
juntamente com a sua Tm também alta (260°C), torna esse material especialmente adequado para
aplicações que requer alta estabilidade ao calor, como em disjuntores e outros dispositivos para a
indústria elétrica.
O grupo substituinte metil no mesmo carbono do grupo metacrilato elevada a rigidez da cadeia,
tornando a Tg do PMMA bem mais alta do que a do PMA (~100°C vs ~6°C). Isso faz do PMMA um
plástico muito mais utilizado comercialmente do que o PMA, dado a sua grande rigidez e
transparência. Os metacrilatos são uma família de polímeros com mesma estrutura química básica,
variando-se o número de carbonos do grupo R da estrutura ao lado. Se R=1 tem-se o grupo metil (–
47
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
CH3), sendo, portanto, o PMMA. Se R=2, tem-se o grupo etil, com dois carbonos (–CH2-CH3). A Figura
2.12 mostra que o tamanho do grupo R tem influência marcante na T g do polímero. Na medida em que
CH3
o grupo lateral se torna mais longo, aumenta-se a mobilidade geral desse grupo
CH2 C substituinte, reduzindo assim a influência do grupo polar metacrilato. Em
C O
relação ao tamanho dos grupos substituintes, vale a regra geral de que a
O
R presença de grupos flexíveis em cadeia rígida (como no caso da Figura 2.12)
reduz Tg, enquanto que grupos laterais (mesmo flexíveis) em cadeia flexível aumentam a Tg. Esse
último é o caso do polietileno ramificado, que tem uma T g mais elevado do que a do PE linear.
CH3
CH2 C
C O
O
R
Figura 2.12. Valores de Tg em função do número de carbonos do grupo R do metacrilato (Gedde 1995).
onde a Tg final (em K) está relacionada com as frações mássicas dos componentes a e b (Wa e Wb) e
com as suas temperaturas vítreas individuais (Tga e Tgb), em K.
48
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Efeito da massa molar. Comparando-se o mesmo polímero com diferentes massas molares (diferentes
grades) a estrutura química da unidade repetitiva permanece a mesma e, assim, não se tem alterações
na barreira de energia para a rotação molecular. Esse fato excluiria a influência da massa molar na T g
dos polímeros. Por outro lado, a reação de polimerização utiliza os iniciantes, que têm estrutura
química diferente da unidade repetitiva e, sendo presentes nas extremidades da cadeia, resulta em um
aumento no volume livre total. O maior volume livre confere mais liberdade de movimentação dos
segmentos moleculares e, assim, resulta em menor Tg. Para tamanhos maiores de cadeia, reduz-se
proporcionalmente essa influência. O resultado é uma dependência da T g com a massa molar conforme
ilustrado na Figura 2.13. Em baixas massas molares, Tg aumenta progressivamente até atingir um nível
onde aumentos posteriores de tamanho de cadeia não mais interferem. Esse limiar de massa molar,
em geral, encontra-se abaixo das massas molares usuais em que os polímeros são comercializados.
Assim, pode-se considerar que, na prática, salvo casos especiais, a massa molar não tem interferência
na Tg dos polímeros.
3
A temperatura de transição pode ser determinada por métodos térmicos, como DSC e DMA, sendo este último
o mais preciso para o caso de polímeros com elevado grau de cristalinidade. Esse assunto será tratado nas
secções 4.3.2 e 6.1.6.
49
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
Figura 2.13. Representação esquemática da influência da massa molar na T g dos polímeros. A linha
vertical indica a massa molar mínima em que os polímeros são produzidos industrialmente. Na grande
maioria das situações dos polímeros comerciais, não se observa efeito da massa molar na T g.
Presença de aditivos. Quando aditivos estão presentes, vale a regra geral de que tudo aquilo que
favorece a movimentação das cadeias reduz Tg e tudo o que dificulta a mobilidade causa elevação na
temperatura de transição vítrea. No primeiro caso tem-se os plastificantes, que atuam separando
(“solvatando”) as cadeias pela redução da intensidade das forças intermoleculares, com as moléculas
de plastificantes se posicionando entre os grupos polares do polímero. Como consequência, reduz-se a
barreira de energia para a rotação molecular. Um exemplo desse efeito está mostrado na Figura 2.14,
com redução progressiva e significativa da T g do PVC quando da adição de plastificantes. A adição de
plastificantes torna o PVC extremamente versátil em propriedades e aplicações, podendo ser utilizado
como um plástico rígido (Tg~80°C) ou até como um produto extremamente flexível.
50
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 2.14. Efeito do plastificante dioctil ftalato (DOP) na Tg do PVC. Dados baseados em (Martin and
Young 2003). Existem vários tipos de plastificantes comerciais par ao PVC e o DOP é um dos principais.
3.9𝑥104
𝑇𝑔 − 𝑇𝑔𝑜 = (2.2)
𝑀𝑐
Onde Tg e Tgo são as temperaturas de transição vítrea do polímero reticulado e não reticulado,
respectivamente, e Mc a massa molar entre as reticulações, que é inversamente proporcional ao grau
de reticulação. O efeito da reticulação na rigidez pode ser exemplificado com os produtos à base de
elastômeros:
51
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
PARA DISCUSSÃO
52
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Efeito da massa molar. Selecione diversos grades de uma petroquímica, correspondentes a uma série
de produtos sintetizados do mesmo polímero. Como as petroquímicas, em geral, não informam as
massas molares dos seus produtos, isso geralmente é refletido por diferenças no índice de fluidez4.
Prepare corpos de prova e avalie as diferenças nas curvas tensão-deformação ou na resistência ao
impacto. Atente que, como os grades também podem variar em termos de distribuição de massas
molares e composição, a diferença de comportamento pode não ter uma única explicação. Claro, o
ideal seria medir a massa molar das amostras para correlacionar com as propriedades mecânicas.
Anisotropia pelo aquecimento. Um produto com orientação molecular tende a sofrer retração após
atingir a temperatura vítrea ou de fusão. Ao aquecer um copinho descartável de PS até acima de
100°C, observe a direção de retração predominante. Isso é resultado de uma orientação molecular
preferencial gerada durante a fabricação. Caso o copinho senha de PP (aquele tipo mais transparente)
esse fenômeno só vai ocorrer acima de 160°C – a Tm do PP.
Anisotropia por propriedades. Existem diversas maneiras de observar esse efeito. Por exemplo,
comparando as propriedades mecânicas do PP ou PE na forma de fibras e na forma moldada. Observe-
se uma diferença significativa nas curvas tensão-deformação e nas propriedades finais, como
resistência tênsil, alongamento máximo e módulo elástico. O copinho descartável também pode
ilustrar esse comportamento, onde o rasgamento do copinho é mais fácil em uma das direções.
Emaranhados moleculares. Uma analogia simples para se verificar a influência do tamanho da cadeia
nos emaranhados moleculares e, por consequência, na coesão mecânica do material, seria desenovelar
completamente um carretel de linha – ou vários carreteis, com cores diferentes. Observe que
facilmente as linhas se entrelaçam, comportando-se como uma grande massa interconectada
4
O índice de fluidez (melt flow index, MFI) é um parâmetro amplamente adotado pela indústria petroquímica
para diferenciar os vários grades produzidos. Expresso em g/10min, o MFI é uma medida do escoamento do
polímero fundido através de um capilar em temperatura e pressão pré-estabelecidos. Quanto maior a massa
molar, menor o índice de fluidez. Um exemplo de procedimento pode ser visualizado nesse link.
53
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello
mecanicamente. Compare essa situação com o mesmo tipo de linha, mas com os fios cortados em
pequenos comprimentos, digamos 10cm. Nessa última situação o nível de inter-dependência é muito
menor, resultando em menos coesão mecânica – assim como ocorre com as moléculas poliméricas.
Transição vítrea. Os exemplos comparativos citados na seção 2.5 podem ser observados pelas técnicas
de DSC, TMA ou DMA. Uma maneira mais simples, e sem o rigor científico, pode ser realizado pelo
aquecimento de uma amostra em uma placa, observando-se, com a ajuda de um termômetro
infravermelho, a faixa de temperatura em que o material deixa de ser vítreo/rígido e passa a
borrachaso/flexível. Esse último procedimento é mais recomendado para polímeros totalmente
amorfos, onde essa transição térmica é mais evidente.
Canevarolo Jr., S.V. 2010. Ciência dos Polímeros (Artliber: São Paulo).
Referências
Ahmed, D.; Hongpeng, Z.; Haijuan, K.; Liu Jing; Yu, M. 2014. 'Microstructural developments of poly (p-
phenylene terephthalamide) fibers during heat treatment process: a review', Mat.Res., 17.
Auhl, D., J. Ramirez, A. E. Likhtman, P. Chambon, and C. Fernyhough. 2008. 'Linear and nonlinear shear
flow behavior of monodisperse polyisoprene melts with a large range of molecular
weights', Journal of Rheology, 52: 801-35.
Birley, A. W., B. Haworth, and J. Batchelor. 1992. Physics of Plastics (Hanser: Munich).
54
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Bower, D. I. 2002. An Introduction to Polymer Physics (Cambridge University Press: New York).
Curtis, J. W. 1970. 'The effect of pre-orientation on the fracture properties of glassy polymers', Journal
of Physics D: Applied Physics, 3: 1413-22.
Gursel, Ali, Enes Akca, and Nuri Sen. 2018. 'A Review on Devulcanization of Waste Tire Rubber',
Periodicals of Engineering and Natural Sciences, 6: 154-60.
La Rosa, A. D., I. Blanco, D. R. Banatao, S. J. Pastine, A. Bjorklund, and G. Cicala. 2018. 'Innovative
Chemical Process for Recycling Thermosets Cured with Recyclamines (R) by Converting
Bio-Epoxy Composites in Reusable Thermoplastic-An LCA Study', Materials, 11.
Martin, T. A., and D. M. Young. 2003. 'Correlation of the glass transition temperature of plasticized PVC
using a lattice fluid model', Polymer, 44: 4747-54.
Razavi-Nouri, M., and J. N. Hay. 2004. 'Effect of orientation on mechanical properties of metallocene
polyethylenes', Iranian Polymer Journal, 13: 521-30.
Sabzekar, Malihe, Mahdi Pourafshari Chenar, Seyed Mohammadmahdi Mortazavi, Majid Kariminejad,
Said Asadi, and Gholamhossein Zohuri. 2015. 'Influence of process variables on chemical
devulcanization of sulfur-cured natural rubber', Polymer Degradation and Stability, 118:
88-95.
55
Os elastômeros têm as suas aplicações viabilizadas pela formação de reticulações químicas entre as cadeias, o
que confere elasticidade. Isso ocorre durante a etapa de conformação e torna o produto de difícil reciclagem. No
entanto, existe um outro tipo de elastômero que não possui ligações químicas cruzadas – a chamada borracha
termoplástica (TR), cujo principal exemplo é o copolímero em blocos SBS – à base de estireno e butadieno. No
SBS os blocos de PS formam domínios que atuam como “reticulações físicas” e a sua temperatura limite de uso é
a própria Tg do PS. Além de um processamento muito mais rápido do que o da borracha tradicional, a TR também
pode ser facilmente reciclada. Possui inúmeras aplicações, incluindo solados e demais componentes de tênis e
calçados, como na foto acima.
Capítulo 3
Dos conceitos básicos de química, é sabido que são três os estados físicos da matéria: sólido,
líquido e gasoso, que diferem, essencialmente, no estado de agregação dos átomos e moléculas. Em
polímeros, devido às especificidades de sua estrutura macromolecular e comportamento geral, esse
conceito será ampliado e subdivido em transições que ocorrem em polímeros amorfos e nas fases
cristalinas.
O estado vítreo é caracterizado pelo movimento vibracional dos átomos sem movimento dos
segmentos ou da cadeia como um todo. Nessa situação, as regiões amorfas não possuem mobilidade
suficiente para superar a barreira de energia para rotações moleculares (ver
seção 2.4), permanecendo em um estado “congelado”. Como consequência,
o produto é rígido e frágil1, sendo semelhante ao vidro (vítreo). Ao aquecer
um polímero no estado vítreo, os átomos adquirem movimentação Tg é a
progressiva até atingir o nível de energia em que é possível haver rotações propriedade
isolada mais
nas ligações covalentes da cadeia principal. Isso ocorre na faixa de importante de
temperatura denominada transição vítrea, sendo a temperatura de transição um polímero.
1
Existe uma situação especial em que o polímero, mesmo no estado vítreo, apresenta alta ductilidade. Isso é
devido às transições vítreas secundárias e será abordado no capítulo 6.
57
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
Figura 3.1. Dependência do volume específico com a temperatura em um polímero amorfo. Como
ocorre com todo tipo de material, o aquecimento provoca dilatação mas, nos polímeros, ocorre uma
descontinuidade de comportamento na faixa da transição vítrea. A propósito, esse é um dos métodos
para determinação a Tg.
58
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
molar, maior a densidade dos emaranhados e, como consequência, maior deverá ser o volume livre
para que os emaranhados reduzam a sua influência e permitam o escoamento do material. Como um
elevado volume livre requer maiores temperaturas (Figura 3.1), a temperatura de fluxo é sempre maior
para massas molares mais elevadas2. Uma representação esquemática das estruturas
macromoleculares em diferentes faixas de temperatura está mostrada na Figura 3.2. Note que em
temperaturas mais elevadas o espaçamento entre as cadeias é maior, reduzindo a densidade de
emaranhados moleculares e, assim, permitindo o fluxo viscoso.
2
Na verdade, as questões que envolvem as deformações e fluxos dos polímeros no estado fundido são muito
mais complexas do que simplesmente uma definição de Tf e fogem do escopo deste livro. Isso é tratado em uma
ciência chamada de reologia, assunto extremamente importante para o projeto de roscas, moldes e matrizes,
detalhes construtivos de maquinário e até mesmo para a otimização do processamento.
59
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
~40.000g/mol (Tager 1978). Ressaltamos que os grades comerciais, em geral, são produzidos em faixas
de massas molares que a dependência da T g com a massa molar não é muito perceptível (conforme
mostrado na Figura 2.13).
Figura 3.3. Curvas termomecânicas de uma séria homóloga de polímeros com massas molares
crescentes – M1<M2<M3<M4<M5 (Tager 1978). A partir de uma certa massa molar observa-se um
platô borrachaso, que se torna mais amplo para tamanhos moleculares maiores.
A decomposição térmica
Enquanto a Tg tem uma importância crucial nas temperaturas limites de uso dos polímeros
amorfos, o valor da Tf é de grande importância para a produção industrial uma vez que, em geral, é a
temperatura mínima de processamento. Isso é verdade para a grande maioria das técnicas, que
envolvem escoamento da massa fundida, como extrusão, injeção, sopro, etc. Temperaturas elevadas
de processamento têm influência em diversos aspectos relevantes, incluindo a possibilidade de
decomposição do polímero e/ou de seus aditivos, consumo de energia, desgaste do maquinário, etc.
Desses aspectos mencionados, o principal a ser considerado é a decomposição do polímero. A
temperatura de decomposição (Tdec), portanto, assume uma importância crítica pois é a temperatura
limite superior para o processamento. Essa temperatura depende fundamentalmente da intensidade
das ligações químicas primárias na cadeia principal e grupos laterais, mas pouco influenciada pela
massa molar. Não é objetivo deste livro detalhar esse tópico, que se refere à química de degradação
térmica dos polímeros, mas, a título de ilustração, pode-se exemplificar os casos a seguir3:
3
Esses dados referem-se às temperaturas de decomposição na ausência de oxigênio. Quando o oxigênio estiver
presente, tem-se reações oxidativas, que reduzem consideravelmente as temperaturas de início de
60
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Os estados físicos e transições térmicas dos polímeros amorfos podem ser visualizados pelo
esquema da Figura 3.4. Em temperaturas abaixo da Tg, o material é vítreo, com características como
alta rigidez e fragilidade. Acima da Tg (e abaixo da Tf), as moléculas adquirem mobilidade, o que
caracteriza o estado borrachoso, com elevada flexibilidade, grandes deformações reversíveis, maciez e
baixa dureza. Acima da Tf existe condição propícia para grandes deformações permanentes e
escoamento molecular, sendo a temperatura mínima para o processamento. A partir da temperatura
de decomposição, o material deixa de ser polimérico devido à intensa degradação, gerando
substâncias de baixa massa molar e gases como produtos da degradação térmica. A figura abaixo,
assim como as subsequentes, é apenas esquemática, no sentido em que as transições ocorrem em
faixas de temperaturas e não em temperaturas discretas.
decomposição dos polímeros. Além disso, a degradação térmica também é fortemente influenciada por outros
fatores, como impurezas químicas na cadeia do polímero, aditivos e contaminações diversas.
61
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
Tg Tf Tdec
Temperatura
Figura 3.4. Representação esquemática dos estados físicos dos polímeros amorfos e suas temperaturas
de transição características. As áreas hachuradas ilustram as regiões em que as transições ocorrem,
mas a magnitude dessas regiões depende do tipo de polímero, grade e outros fatores.
Um dos casos mais trágicos na história da tecnologia foi a explosão do ônibus espacial Challenger,
ocorrido em 28/01/1986. 76 segundos após a decolagem, a nave explodiu, levando 7 tripulantes a
óbito, incluindo uma professora, não astronauta. A causa mais provável para essa explosão está
relacionada com um anel de vedação de borracha (o-ring), que faz parte da junção dos módulos dos
foguetes propulsores. Na baixa temperatura ambiente no momento do lançamento, os ventos
sopravam em uma determinada direção que atingiam o tanque externo refrigerado (ver setas
ilustrativas em uma das imagens acima) e levaram ao resfriamento acentuado do anel de vedação. Em
baixa temperatura (relativamente próxima a Tg), a expansão da borracha foi insuficiente para a
vedação apropriada (ver Figura 3.1) e, como consequência, houve vazamento dos gases combustíveis
em um dos foguetes propulsores, provocando ignição e consequente explosão do sistema. Uma
reportagem completa sobre esse acidente pode ser assistida aqui.
consequente enrijecimento de anéis de vedação de borracha, foi considerada a origem da falha que
levou à explosão da nave espacial Challenger em 1986. Por outro lado, se a utilização do produto for
como um plástico rígido, a temperatura máxima de uso será a T g, uma vez que, acima dela, haverá
grande redução na dureza e rigidez. Esse é o caso, por exemplo,
de polímeros comerciais como o poliestireno, PMMA, PVC não
plastificado, policarbonato, copolímero SAN, etc. A imagem ao
lado mostra uma estrutura de coberta utilizando placas de
policarbonato, em substituição a placas de vidro. A rigidez,
tenacidade e alta transparência são propriedades relevantes
para essa aplicação. Como a Tg do PC é elevada (~145°C), não
existe risco de amolecimento ou distorção do produto devido à temperatura ambiental.
As temperaturas em que ocorrem as mudanças de estado físico podem ser influenciadas por
diversos fatores, como a massa molar (Figura 3.5) e presença de reticulações (Figura 3.6), além da
própria estrutura química da unidade repetitiva, claro. Na representação esquemática da Figura 3.5
observa-se que quanto mais elevada for a massa molar, maiores serão as temperaturas de fluxo,
enquanto as temperaturas de transição vítrea e de decomposição têm pouca alteração. O efeito da
massa molar na Tg foi comentado no capítulo 2, ocorrendo uma certa independência entre massa
molar e Tg a partir de valores relativamente baixos de tamanhos moleculares (Figura 2.13). A
temperatura de decomposição, conforme comentado anteriormente, é dependente das energias de
ligação intramoleculares, sendo, portanto, pouco influenciada pelo tamanho da cadeia.
Tg ,Tf Tdec
Maior massa molar
Tg Tf Tdec
Tg Tf Tdec
Tg Tf Tdec
Tg Tf Tdec
Temperatura
Figura 3.5. Influência da massa molar nas transições térmicas de um polímero amorfo. As temperaturas
de transição vítrea e de decomposição são pouco afetadas pela massa molar, enquanto que a
temperatura de fluxo apresenta forte dependência, pelo efeito dos emaranhados moleculares.
63
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
A maior influência na Figura 3.5 é para a temperatura de fluxo, que é fortemente dependente
do tamanho das cadeias e dos consequentes emaranhados moleculares. Nota-se na ilustração que a
faixa de comportamento borrachoso (Tf–Tg) é ampliada com o aumento da massa molar, mas a
diferença entre a temperatura de decomposição e de fluxo é reduzida. Embora o primeiro efeito possa,
a princípio, ser importante na aplicação do polímero amorfo como elastômero, na prática não é tão
relevante pois os elastômeros, em geral, são reticulados 4, o que elimina a temperatura de fluxo (Figura
3.6). O segundo efeito, redução na diferença Tdec—Tf, tem uma grande
importância prática pois é nessa faixa de temperaturas que o
processamento deve ser realizado – abaixo de Tf o fluxo viscoso é restrito e
acima de Tdec a degradação térmica é intensa. Essa faixa de temperaturas
está relacionada com a chamada “janela de processamento” e, sendo Muita atenção com
a “janela de
muito estreita, reduz bastante a processabilidade do material. Nesse
processamento”!
aspecto, é preciso buscar uma relação de compromisso, uma vez que
massas molares mais elevadas resultam em produtos com melhores
propriedades mecânicas, mas com processamento menos favorável –
tanto pela maior viscosidade no estado fundido quanto pela janela de
processamento mais estreita.
Existem alguns processos em que a conformação ocorre com o polímero no estado borrachoso,
como é o caso da termoformagem, em que uma chapa é aquecida entre a Tg e a Tf do polímero e é
aplicado ar comprimido ou vácuo contra um molde. Essa chapa pode ser produzida por extrusão ou
por polimerização in situ (também chamado casting). No primeiro caso, utilizado para diversos tipos de
polímeros como poliestireno, ABS, policarbonato e PET, o processo de extrusão também requer uma
larga janela de processamento e, assim, a alta massa molar poderá ser um fator limitador. No caso de
chapas produzidas por polimerização in situ, como ocorre com o PMMA, não se requer fluxo viscoso
em nenhuma fase do processo e, como consequência, uma alta temperatura de fluxo é
benéfica para que a chapa aquecida mantenha a sua consistência durante a conformação.
O processo de termoformagem pode ser visualizado neste link.
4
Uma exceção importante é a “borracha termoplástica”, à base de copolímeros em blocos, que será abordada
posteriormente, neste capítulo.
64
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Como já mencionado, os polímeros amorfos podem ser utilizados como plásticos rígidos ou
como borrachas. No último caso, é quase sempre
necessário a incorporação de reticulações químicas
(“ligações cruzadas”) para conferir as propriedades
elastoméricas. No esporte (radical!) bungee jumping
da imagem ao lado, a resistência e elasticidade da
borracha são exigidas ao extremo e são alcançáveis
pela presença das reticulações, possibilitando
deformações controladas de 350-400% durante o
esforço mecânico do salto. Caso esse esporte fosse
praticado em locais com temperaturas muito baixas (tipo, 40°C negativos), o polímero poderia estar
muito próximo da Tg e, assim, seu comportamento elastomérico ser comprometido, com sérios riscos
para o praticante.
65
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
vidro (PS) +
vidro (PB) + vidro (PS) borracha (PB + PS) fluidoviscoso
borracha (PB) (decomposição)
66
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
É fato comum que o polietileno é um dos principais polímeros utilizados pela indústria, nos mais
variados campos de aplicação. Além do baixo custo e bom balanço de propriedades, o PE tem
vantagens competitivas como excelente processabilidade, boas propriedades dielétricas e elevada
resistência química. No entanto, um fator limitante, principalmente nas aplicações críticas das
indústrias elétrica e química, é a sua baixa resistência ao calor. Tanques de armazenagem de
produtos químicos, tubos para transporte de fluidos quentes e isolamento de cabos de alta tensão
são exemplos de aplicações em que a baixa estabilidade ao calor limita o seu uso. A opção adotada
pela indústria foi o da reticulação do polietileno. Mesmo de natureza termoplástica, esse material
pode ser reticulado com radiação de alta energia ou com agentes químicos como peróxidos
orgânicos e silanos. No uso de agentes químicos, a reação ocorre durante (e logo após) o
processamento, envolvendo a abstração de hidrogênio da cadeia principal e consequente
acoplamento dos radicais livres (ver esquema acima). Detalhes desse tipo de aditivo podem ser
obtidos no livro Aditivação de Termoplásticos (Rabello and de Paoli 2013). Este vídeo mostra que a
produção de tubos de PE reticulado segue o mesmo princípio da extrusão convencional, mas existe
a necessidade de unidades térmicas pós extrusão para que as reações de reticulação se consolidem.
67
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
apresenta arranjo espacial definido e regular5. Os polímeros, devido às grandes dimensões de suas
moléculas e os consequentes emaranhados moleculares, têm dificuldade em cristalizar, não atingindo,
em condições normais, a cristalização total. Nessa classe de materiais, portanto, pode-se considerar
que podem existir apenas no estado amorfo ou semicristalino.
Como consequência da estrutura macromolecular, uma mesma molécula faz parte de fases
amorfas e cristalinas e, portanto, as duas fases não se dissociam fisicamente, mas podem ser,
didaticamente, consideradas como fases de comportamentos independentes. A fase amorfa possui a
temperatura de transição vítrea como temperatura característica de
transformação do estado vítreo para borrachoso – da mesma forma que
ocorre com os polímeros amorfos. A fase cristalina tem como temperatura
de transição relevante a temperatura de fusão (Tm), que corresponde à
Polímeros
destruição dos cristais existentes. Sendo a temperatura de fusão uma totalmente
amorfos não
transição relacionada com a fase cristalina, um polímero amorfo não possuem Tm.
possui Tm, assim como um (eventual) polímero 100% cristalino, não possui
Tg (por ser uma transição das fases amorfas). Como nos cristais o
empacotamento molecular é maior, os segmentos moleculares estão mais
próximos entre si, o que eleva a intensidade das forças intermoleculares
(interação é inversamente proporcional à distância, como em um imã) e, consequentemente, Tm é
sempre maior do que Tg.
5
A definição de um material amorfo como aquele que não possui ordem estrutural a longas distâncias é a mais
clássica e simplista. Investigações realizadas por técnicas como difração de elétrons, aliadas a teorias diversas,
têm encontrado elementos suficientes para considerar a existência de ordem a curtas distâncias em materiais,
incluindo os polímeros, tido como amorfos (Arrighi et al. 2004; Mills, Jenkins, and Kukureka 1994). Embora essas
teorias possam ter importância do ponto de vista científico, aparentemente, apresentam pouca influência prática
nas propriedades finais dos polímeros. Por essa razão, essa abordagem não será adotada no presente livro.
6
Uma exceção importante a essa tendência é o caso comparativo do polietileno de baixa densidade (PEBD) com
o polietileno de alta densidade (PEAD). Apesar de possuir maior Tg, o PEBD possui Tm menor do que a do PEAD.
Esse caso será discutido em detalhes na seção 4.2.1.
68
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
maior flexibilidade na cadeia principal ou lateral. A Tabela 3.1 e a Figura 3.8 exemplificam alguns casos
de polímeros usuais.
PP CH2 CH
-10 165
CH3
CH2 CH
69
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
Tg Tm Tf Tdec
Temperatura
Figura 3.9. Estados físicos e transições térmicas em um polímero semicristalino.
7
Além da Tm, outros parâmetros foram adotados pela indústria como referência para o limite superior de uso de
um material plástico. São as temperaturas de amolecimento Vicat e a temperatura de deflexão térmica, que
serão tratadas na seção 5.3.3.
70
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
garantindo uma alta resistência ao impacto. Trata-se de um material nobre, usado em aplicações
importantes de engenharia.
Assim como a Tg, a temperatura de fusão tem pouca influência da massa molar (o
comportamento é semelhante ao mostrado na Figura 2.13) pois é muito mais dependente de fatores
como polaridade e rigidez dos grupos químicos presentes. O efeito da massa molar nos estados físicos
e transições dos polímeros semicristalinos está mostrado esquematicamente na Figura 3.10. As
temperaturas de transição vítrea, de fusão e de decomposição sofrem pouca influência, enquanto que
a temperatura de fluxo é mais afetada. Novamente, massas molares mais elevadas resultam em
maiores valores de temperatura de fluxo, se aproximando da temperatura de decomposição. Por outro
lado, caso a massa molar seja suficientemente baixa o material pode apresentar comportamento
fluidoviscoso logo acima da fusão. Isso, de fato, ocorre em alguns grades comerciais de polímeros
semicristalinos e polares como o PET, PBT e poliamidas.
Tg Tm,Tf Tdec
Maior massa molar
Tg Tm Tf Tdec
Tg Tm Tf Tdec
Tg Tm Tf Tdec
Temperatura
Figura 3.10. Representação esquemática do efeito da massa molar nos estados físicos e transições
térmicas de um polímero semicristalino.
Uma outra ilustração do efeito da massa molar em polímeros está mostrada na Figura 3.11 em
que se observa que para baixos tamanhos de cadeia o material pode cristalizar completamente e
adquire condição fluida de um líquido convencional. Para cadeias maiores, como nos polímeros, a
cristalização já não é completa e a fusão ocorre em uma faixa de temperaturas (isso será tratado com
mais detalhes na seção 5.6.1). Nessas situações, acima da Tm, o material pode estar no estado
fluidoviscoso ou borrachoso, a depender da massa molar.
71
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
Figura 3.11. Ilustração do efeito da massa molar na temperatura de fusão e no estado viscoso. Fonte:
adaptado de (McCrum, Buckley, and Bucknall 1997).
Alguns polímeros serão sempre amorfos enquanto outros podem cristalizar a depender das
condições. Isso está relacionado com uma importante propriedade dos materiais poliméricos, a
cristalizabilidade e será abordado em detalhes no Capítulo 4. Por hora, cabe ilustrar algumas condições
em que os polímeros apresentam diferentes estados físicos e transições. A Figura 3.12(a) mostra
exemplos do que pode ocorrer durante o resfriamento de um polímero a partir do melt. Se um
polímero não cristalizável, como PS e PMMA, for resfriado até abaixo de sua T g (linha MG), obtém-se
um plástico vítreo – rígido e transparente. Por outro lado, se o material for cristalizável, duas situações
distintas podem ocorrer: (i) poliamidas e poliésteres, como o náilon 6 e o PET, são resfriados
rapidamente durante o processamento até abaixo de suas Tg´s, (que são relativamente elevadas) e,
como consequência, cristalizarão pouco (linha MC) ou não cristalizarão (linha MG); (ii) polímeros
muitos cristalizáveis e com baixo T g, como o polietileno, apresentam um comportamento seguindo a
linha MD. As diferentes composições possíveis estão ilustradas na Figura 3.12(b). A transição vítrea
(aresta MG) ocorre reversivelmente com o aquecimento/resfriamento. Pode existir uma situação
(ponto E) em que a fase vítrea coexiste com uma fase borrachosa, que seria o caso dos copolímeros em
blocos (como o SBS, já citado no capítulo anterior e na Figura 3.7). A aresta MX refere-se à transição
melt-cristal, que é reversível, mas envolve fenômenos diferentes – fusão no aquecimento e
cristalização no resfriamento. O ponto D representa um material semicristalino normal, enquanto E’
seria o caso dos polímeros líquidos cristalinos (LCP) 8, em que domínios cristalinos existem no melt
polimérico. Na aresta GX pode ainda haver uma transição relevante chamada de cristalização a frio,
em que um polímero vítreo pode cristalizar mediante aquecimento a partir do estado sólido, tema que
será apresentado na seção 5.4.
8
Ver o quadro explicativo sobre esses materiais na secção 4.4.5.
72
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 3.12. Estados físicos e transições em polímeros. (a) Relação com temperatura; (b) Diagrama de
composição. Ver explicações no texto. Fonte: adaptado de (Rodriguez 1984).
Uma das grandes vantagens na utilização de matérias primas à base de polímeros é a sua
ampla possibilidade de modificação para atingir propriedades específicas e, assim, atender aos
requisitos de projeto. De fato, a modificação de polímeros é atualmente um caminho muito mais viável
mercadologicamente do que a introdução de novos polímeros, a partir de novos monômeros.
Centenas, ou milhares, de novos polímeros são sintetizados e patenteados a cada ano, mas
pouquíssimos se tornam realidade comercial. É fácil entender porque isso ocorre:
73
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
4 consumidor final com relação ao novo material. O “novo” sempre desperta reações
diversas; pode ser encarado como evolução/avanço, mas também como incerteza;
Por fim, mas talvez o mais importante, para um novo polímero conquistar mercado é
preciso “deslocar” polímeros já existentes, com seus conhecimentos consolidados e,
5 principalmente, com o mercado amadurecido. Um novo polímero, muito provavelmente,
irá ser sintetizado (a nível de petroquímica) em pequena escala e, como resultado, o
custo de produção tenderá a ser consideravelmente mais elevado do que aqueles produzidos em larga
escala. Nesse aspecto, tome-se o exemplo do PET: quando passou a ser utilizado em embalagens de
refrigerantes e águas, a produção industrial desse material aumentou exponencialmente e, mesmo
sendo um polímero de engenharia, possui atualmente preço competitivo com os commodities, como
polietileno e polipropileno. Do ponto de vista comercial, a tendência de preço bem mais elevado para
um novo polímero é muito forte, o que pode inviabilizar a sua inserção no mercado – a não ser que a
petroquímica subsidie parte do custo para facilitar a comercialização. Um outro entrave mercadológico
também relevante é a (provável) síntese desse novo polímero por uma única petroquímica, o que as
indústrias de processamento tendem a rejeitar pois, dessa forma, se reduz as possibilidades de
negociação e a própria disponibilidade de matéria-prima.
9
Relação pressão, volume e temperatura, em que as dimensões da ferramenta são projetadas (em geral com
software CAD) considerando as variações dimensionais do material em função das condições de processo para
atingir a dimensão final de um componente injetado.
74
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Copolímeros são materiais poliméricos formados por mais de um tipo de monômero como, por
exemplo, na combinação do propileno com o etileno. O objetivo é a obtenção de um outro material
com propriedades diferenciadas – não atingidas pelos homopolímeros individuais. O copolímero
resultante pode ter diferentes arquiteturas: ao acaso, em blocos, alternados e enxertia, conforme
mostra ilustração da Figura 3.13. Esses tipos são definidos na copolimerização e depende de fatores
como a seletividade reativa, sistema catalítico e condições de síntese. Ao contrário da aditivação, que
possui grande versatilidade, a copolimerização é um procedimento da petroquímica e, portanto, não é
tão versátil. Caso seja necessário alterar a concentração ou o tipo de comonômero, é preciso realizar
uma nova polimerização, com todas as exigências do procedimento. Para se ter uma ideia
da complexidade de uma planta petroquímica, veja este vídeo.
AAAAAAAAAA
ABABABABAB AAAAAAABBBBBB ABBAABAABABB BB
BB
alternado em blocos aleatório BB
enxerto B
Uma vez que a inserção de um comonômero altera a estrutura química do material, espera-se
que tenha grandes consequências para os estados físicos e transições. Para ilustrar esse tipo de efeito,
será utilizada a família de polímeros e copolímeros de estireno, butadieno e acrilonitrila (ver Figura
3.14).
75
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
CH2 CH
C N
Poliacrilonitrila
NB
R
N
SA
ABS
Figura 3.14. Polímeros e copolímeros baseados em estireno, butadieno e acrilonitrila (ver descrição
completa no texto). Esquema elaborado pelo autor.
76
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
copolímeros de acrilonitrila com metil acrilato (ou outros comonômeros) e são amplamente utilizadas
em têxteis.
77
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
possui cadeias de poliestireno ligadas quimicamente às moléculas de polibutadieno. As duas fases são
imiscíveis e, assim, são segregadas durante o processamento, obtendo-se uma estrutura principal de
poliestireno com partículas dispersas (mas quimicamente unidas) de borracha. As partículas de
borracha induzem um mecanismo de tenacificação chamado crazing, resultando em maior resistência
ao impacto, daí ser chamado de poliestireno de alto impacto (HIPS,
na sua abreviatura em inglês). A matriz de poliestireno mantém a
elevada rigidez do produto, tendo-se assim um bom balanço entre
módulo elástico e tenacidade. Por formarem fases separadas, o
copolímero resultante possui duas Tg´s, correspondentes às Tg´s do
PS e do PB. As aplicações principais do HIPS são aquelas em que se
requer uma boa resistência ao impacto e que a transparência não seja necessária, incluindo
componentes da indústria eletroeletrônica, produtos descartáveis e utensílios. A imagem ao lado
mostra uma microscopia eletrônica do HIPS com fases separadas (borracha é a fase mais escura) e
crazes formadas a partir das partículas do elastômero (Correa 1996).
78
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
termoplásticos10. O copolímero SBS é do tipo “em blocos”, com domínios vítreos de PS embebidos na
matriz borrachosa de PB. Os domínios, com concentração mássica de 20-40%, impedem o livre
movimento das cadeias elastoméricas, fazendo a função das ligações cruzadas e, por isso, são
considerados como “reticulações físicas”. No entanto, como a fase
PS amolece acima da sua Tg, as reticulações físicas são reversíveis e
o SBS, para todos os efeitos, é um material termoplástico e, assim,
também chamado de “borracha termoplástica”, ou TR (de
thermoplastic rubber)11. O SBS, portanto, não apresenta as
desvantagens da borracha convencional citadas acima, mas, por
outro lado, possui a grande limitação de uma baixa temperatura
limite de uso, que é a própria Tg do PS. Como forma fases segregadas, o SBS possui duas T g´s,
correspondentes às do PS e do PB. As aplicações são basicamente as de elastômeros, incluindo
calçados, componentes automotivos, vedações, etc., com a ressalva da limitação da temperatura
máxima de uso.
10
Ver quadro no capítulo 2 sobre esse tema.
11
Diversos outros materiais são enquadrados na terminologia de borracha termoplástica, tais como alguns tipos
de poliuretanos, copoliésteres, copolímeros de olefinas e outros copolímeros a base de butadieno.
79
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
PARA DISCUSSÃO
80
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Transformações térmicas. Com peças de poliestireno (ou acrílico), polietileno e borracha, diferencie os
estados físicos e transições através de aquecimento em placa ou resfriamento ao ar ou mesmo no
nitrogênio líquido. O PS e o PMMA são rígidos na temperatura ambiente e amolecem por volta de
100°C. Um pouco acima desta temperatura, tracione manualmente a peça e observe a reversibilidade
da deformação. No resfriamento ao ar as peças voltam a adquirir rigidez, sendo a Tg o limite entre da
diferença de comportamento. Ao aquecer continuamente acima da Tg, esses polímeros adquirem
comportamento fluidoviscoso e, posteriormente, iniciam a decomposição12. No caso do polietileno, a
peça (“leitosa” ou translúcida, conforme o tipo de polietileno) se torna transparente ao ultrapassar a
sua temperatura de fusão. No resfriamento ao ar, a opacidade é readquirida durante a cristalização.
No resfriamento em nitrogênio líquido o PE adquire fragilidade por estar abaixo da sua T g. No caso da
borracha, esta é flexível na temperatura ambiente por estar acima da sua Tg. No resfriamento em
nitrogênio líquido a borracha se torna rígida e quebradiça. Ao aquecer a borracha, caso esteja
reticulada, ela não irá adquirir fluidez mas haverá decomposição se o aquecimento prosseguir.
Determinação de Tg e Tm de forma mais precisa pode ser feita com equipamentos apropriados, como o
DSC.
Fusão vs. decomposição. Com uma placa de aquecimento e um termômetro infravermelho, observe
que no polietileno de alta densidade a temperatura de fusão (medindo aproximadamente através da
perda de opacidade) é muito menor do que a temperatura de decomposição (medida
aproximadamente pela eliminação de vapores do material aquecido) 12. Por outro lado, uma peça de
poliamida ou PET apresenta temperatura de decomposição bem mais próxima da sua fusão. Observe
que a temperatura de fusão da poliamida (ou PET) é mais elevada do que a do PEAD, enquanto que
este último se decompõe em temperaturas mais elevadas. Esse experimento também pode ser
conduzido por DSC.
12
Ao realizar o experimento de decomposição, faça-o em capela ou em ambiente ventilado, já que os vapores
emitidos na decomposição do polímero podem apresentar toxicidade. Use EPI!
81
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello
Comportamento mecânico. Prepare corpos de prova de tração do poliestireno, SAN e HIPS (ou ABS).
Observe as diferenças de comportamento, especialmente a deformação na ruptura e o padrão das
curvas tensão-deformação. Relacione os resultados com a estrutura química desses materiais e os seus
estados físicos e transições. Analise semelhante também pode ser feita com o polibutadieno e o SBR,
desde que se assegure terem o mesmo grau de reticulação.
Canevarolo Jr., S.V. 2010. Ciência dos Polímeros (Artliber: São Paulo).
Pearson, R.A., and L. H. Sperling. 2019. Introduction to Physical Polymer Science (Wiley: New York).
Referências
Arrighi, V., P. F. Holmes, I. J. McEwen, H. Qian, and N. J. Terrill. 2004. 'Order in amorphous di-n-alkyl
itaconate polymers, copolymers, and blends', Journal of Polymer Science Part B-Polymer
Physics, 42: 4000-16.
Buckley, J.D., and D.D. Edie. 1993. Carbon-carbon materials and composites (Noyes: New Jersey).
Correa, C. A. 1996. "Estudos de Mecanismos de Tenacifica‡ao em Polimeros por Microscopia Eletr“nica
de Transmissao." In, 1338-41. Aguas de Lindoia: 12ø Cbecimat.
McCrum, N. G., C. P. Buckley, and C. B. Bucknall. 1997. Principles of Polymer Engineering (Oxford
University Press: New York).
Mills, N. J., M. Jenkins, and S. Kukureka. 1994. Plastics: Microstructure, Properties and Applications
(Butterworth-Heinemann: London).
Rabello, M. S., and M. A. de Paoli. 2013. Aditivação de Termoplásticos (Artliber: São Paulo).
Rodriguez, F. 1984. Principios de Sistemas de Polimeros (Manual Moderno: Mexico).
Tager, A. 1978. Physical Chemistry of Polymers (Mir Publishers: Moscow).
82
O polipropileno é um dos polímeros mais versáteis que existem, aliando rigidez, resistência à tração, resistência
química e estabilidade ao calor. Entretanto, a sua Tg relativamente elevada (~-10°C) limita algumas aplicações,
especialmente quando se requer tenacidade elevada em temperaturas um pouco abaixo da ambiente. Uma
alternativa que viabiliza aplicações como em tanques de armazenagem de produtos químicos da foto acima é o
uso o PP copolímero, em que a utilização de comonômero de etileno reduz a temperatura vítrea e a cristalinidade,
aumentando a resistência ao impacto do material. Na produção do copolímero, um balanço adequado entre rigidez
e tenacidade deve ser alcançado em função das exigências da aplicação. Tanques de PP são particularmente
atrativos para aliar resistência química, leveza, isolamento térmico e facilidade de fabricação/montagem.
Capítulo 4
Esses e outros tópicos de grande interesse prático serão abordados neste capítulo.
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Neste capítulo alguns aspectos estruturais serão apresentados, como a habilidade dos
polímeros em cristalizar e como medir o grau de cristalinidade, a importância prática da cristalização e
a forma física (morfologia) dessas estruturas cristalinas. No próximo capítulo a cristalização sob o ponto
de vista cinético será abordada em maiores detalhes.
84
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
(Figura 4.1), em que um material cristalino possui picos de difração bem definidos correspondentes à
difração dos planos cristalográficos e uma linha base plana, enquanto que um material amorfo possui
apenas uma ou mais bandas difusas1. Por outro lado, um material semi-cristalinoapresenta
características dos dois primeiros casos, em que os picos de difração são perfeitamente visíveis mas não
retornam à linha base, sendo uma combinação das duas fases presentes. Isso está ilustrado na Figura
4.1(c) para o caso do polipropileno.
10 20 30 40
2q (o)
Um material mais cristalino possui maior empacotamento molecular, o que resulta em maiores
valores de densidade, módulo de elasticidade, resistência à tração, resistência química e ao calor. Por
outro lado, as regiões amorfas contribuem para a deformação, maciez e tenacidade do produto. Essa
diferença de comportamento entre as fases amorfas e cristalinas é muito dependente da temperatura:
1
Para maiores detalhes sobre esse assunto, sugere-se a literatura básica de ciência dos materiais ou de
cristalografia. Por exemplo, (Calister and Rethwisch 2016)
85
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
abaixo da Tg as fases amorfas são vítreas e, com baixa mobilidade, apresentam comportamento mais
próximo das fases cristalinas. Acima da Tg, as regiões amorfas estão em um estado borrachoso, com
comportamento muito diferente das empacotadas regiões cristalinas. Nos cristais as moléculas estão
fortemente unidas entre si, garantindo a coesão do material. Com isso, são necessários maiores esforços
mecânicos para a deformação e ruptura por tração, dificultando também a difusão de líquidos ou gases
para a permeabilidade e solubilização. Um exemplo da influência da temperatura na resistência ao
impacto de poliamidas está mostrado na Figura 4.2. Note que a tenacidade apresenta uma elevação
significativa após a transição vítrea da PA 6, que se situa em torno de 45-60°C. No caso da amostra de
PA 66, que possui maior cristalinidade, o aumento na resistência ao impacto ao ultrapassar a T g é
proporcionalmente menor.
Figura 4.2. Efeito da temperatura na resistência ao impacto de dois tipos de poliamidas comerciais,
conforme dados do fabricante. O aumento da tenacidade de um polímero em temperaturas acima da T g é
fortemente dependente do grau de cristalinidade.
86
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 4.3. Efeito esquemático (elaborado pelo autor) do aumento da cristalinidade na tenacidade de
polímeros abaixo e acima da temperatura vítrea. Na medida em que o grau de cristalinidade é muito
alto, o efeito da Tg no comportamento mecânico é proporcionalmente reduzido.
Figura 4.4. Representação esquemática (elaborada pelo autor) do efeito da cristalinidade na resistência
tênsil (e módulo elástico) e na resistência ao impacto (e alongamento). Muito frequentemente é preciso
alcançar um equilíbrio entre essas influências para a produção de artigos com propriedades balanceadas.
87
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Os fatores que definem a cristalizabilidade de um polímero serão descritos abaixo e a Figura 4.5
resume esquematicamente as principais influências.
Regularidade molecular. Esse é, de longe, o fator mais importante que afeta a cristalizabilidade. Um
cristal possui ordem a longas distâncias, o que só é possível quando os seus elementos constituintes –
os segmentos moleculares – também possuem ordem. Assim, polímeros atáticos e copolímeros
aleatórios são, a princípio, não cristalizáveis. O poli(metacrilato de metila) atático, por exemplo, não
forma cristais mesmo quando submetido às mais favoráveis condições de resfriamento. A presença de
um comonômero disposto aleatoriamente reduz a cristalizabilidade da molécula, podendo inibir a
cristalização, a depender da concentração desse comonômero. Outras fontes de irregularidades
moleculares são: ramificações, extremidades das cadeias, configurações aleatórias do tipo cabeça-
cauda, impurezas químicas provenientes de desvios da polimerização e contaminações diversas. Alguns
exemplos que ilustram esses efeitos são mostrados na Tabela 4.1. Vale destacar que o efeito da
irregularidade na cristalizabilidade é relativo, no sentido em que moléculas menos regulares cristalizam
2
Embora, por definição, a cristalizabilidade seja uma expressão quantitativa, normalmente utiliza-se esse conceito
apenas para fins qualitativos como, por exemplo, na comparação de tendências que determinados polímeros têm
em cristalizar.
88
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
menos, mas ainda podem formar cristais dependendo das condições. Assim, irregularidades ocasionais,
como um pequeno percentual de comonômero ou ramificações, reduzem a cristalinidade, mas não a
impedem totalmente.
Volume dos grupos químicos. Como será abordado no Capítulo 5, o processo de cristalização é,
essencialmente, de natureza cinética e, como tal, a mobilidade dos segmentos que comporão o cristal
em crescimento tem grande influência. Se a cadeia polimérica é flexível, a sua alta mobilidade facilita a
inserção dos segmentos no cristal, favorecendo o crescimento do mesmo. Por outro lado, grupos
volumosos presentes na cadeia principal ou lateral enrijecem a molécula e, com isso, dificulta o
crescimento cristalino. Assim, o PET, com um grupo aromático na cadeia principal, é menos cristalizável
do que o poli(etileno adipato)3, que possui estrutura semelhante mas apenas com grupos alifáticos. Da
mesma forma, o polipropileno isotático é mais cristalizável do que o poliestireno isotático, por ter uma
estrutura química mais flexível. O PP atinge de 45 a 65% de cristalinidade, a depender das condições e
do grau de estereoregularidade, enquanto que o PS, mesmo isotático, raramente chega a 40% de
cristalinidade.
Polaridade. A cristalização resulta em maior empacotamento molecular, com maior aproximação entre
os segmentos moleculares. Moléculas regulares e polares, como as do poli(tetrafluoretileno), do
poliacetal e de algumas poliamidas, são altamente cristalizáveis. Por outro lado, quando estruturas
irregulares são combinadas com elevada polaridade, pode haver alguma cristalização. É o caso do
3
Ver estruturas químicas do PET e do PEA na Tabela 3.1.
89
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
poli(álcool vinílico) e do PVC que, mesmo atáticos, podem atingir ainda 10-15% de cristalinidade, uma
vez que a alta polaridade favorece o ordenamento cristalino e, ao mesmo tempo, os grupos presentes
não são volumosos. Nesses casos, os cristais formados tendem a possuir um elevado grau de
imperfeições.
Estrutura molecular
é regular?
sim não
grupos alta
volumosos polaridade
não sim não sim
resfriamento
semicristalino resfriamento
amorfo
lento brusco lento brusco
Figura 4.5. Principais efeitos moleculares na cristalizabilidade dos polímeros, elaborado pelo autor. Esse
esquema sumariza as diversas influências, conforme texto desta secção.
Massa molar. As moléculas poliméricas, por suas grandes dimensões, têm bem mais dificuldade em
cristalizar do que as de menor tamanho, como consequência da formação dos emaranhados
moleculares. Na escala de tempo em que a cristalização ocorre, o desentrelaçamento das cadeias
dificilmente ocorre e, assim, a capacidade de cristalização do material é
reduzida pois os emaranhados são focos de imperfeição, dada a aleatoriedade
na disposição dos segmentos. A Figura 4.6 ilustra essa influência para os casos
Emaranhados
moleculares do poli(trimetileno tereftalato) (PTT) e do polietileno. Observa-se que, nos
dificultam a
cristalização. dois casos, a cristalinidade é reduzida para massas molares mais elevadas, mas
a magnitude do efeito é maior para o polietileno, com uma variação de quase
30 pontos percentuais entre os extremos, enquanto que no PTT a variação é
de apenas 8 pontos percentuais. Comparando-se a magnitude de valores de
massa molar, observa-se que para o polietileno tem-se valores de até 150.000 g/mol, enquanto no PTT
o máximo é de 28.0000g/mol. Com cadeias mais longas, se tem uma maior densidade de emaranhados
e, assim, uma menor capacidade de cristalização.
90
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 4.6. Relação entre massa molar e cristalinidade para o poli(trimetileno tereftalato) e polietileno.
Dados adaptados de (Chen et al. 2007) e (Tränkner, Hedenqvist, and Gedde 1994).
Como a polimerização, em geral, produz uma diversidade de tipos moleculares, com uma
distribuição de tamanhos de cadeia, presença de defeitos químicos, taticidade variável, ramificações,
etc., as moléculas poliméricas possuem uma distribuição de cristalizabilidades. Isso resulta em um
processo de cristalização heterogêneo, com os segmentos mais regulares cristalizando primeiro e de
forma mais perfeita, enquanto que regiões menos cristalizáveis tenderão a segregar para cristalizaram
posteriormente. Além de consequências para a cinética de cristalização e morfologia, essa
heterogeneidade também afeta a fusão do material, que ocorre em uma faixa larga de temperaturas.
Essas consequências serão abordadas posteriormente, neste e no próximo capítulo.
Uma vez que a cristalinidade tem relação direta com as propriedades do polímero, a sua
manipulação é uma das rotas mais importantes para a obtenção de produtos com propriedades
controladas. Nesta seção iremos exemplificar dois casos importantes mercadologicamente: (i) o
polietileno e os seus tipos e (ii) os copolímeros ao acaso de propileno.
91
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Os dois principais tipos de polietileno são o de alta densidade (PEAD) e o de baixa densidade
(PEBD), cujas propriedades características estão exemplificadas na Tabela 4.2. É sempre bom lembrar
que as propriedades dos materiais poliméricos devem ser consideradas com certa reserva uma vez que
variam significativamente conforme o grade, formulação, processamento, etc. Os valores reportados na
Tabela 4.2, portanto, devem ser entendidos apenas como exemplificação. O PEAD, com sua estrutura
molecular essencialmente linear é mais cristalizável do que o PEBD, que tem cadeias ramificadas. As
consequências nas propriedades dos dois tipos basicamente refletem as diferenças na cristalinidade
obtida. Quanto mais cristalino, maior o empacotamento molecular, resultando em produtos mais
rígidos, com maior resistência à tração e mais resistente quimicamente. Por outro lado, as regiões
amorfas conferem maior capacidade de deformação e, assim, contribuem para uma maior resistência
ao impacto.
Com relação às temperaturas de transição vítrea e de fusão, também mostradas na Tabela 4.2,
observa-se que os valores são bastante diferentes, apesar de a unidade repetitiva ser a mesma para os
4
A Tg do PEBD pode variar consideravelmente, a depender do tamanho e número de ramificações por molécula.
5
HDT é heat deflection temperature, ou temperatura de deflexão ao calor. Na prática, significa a temperatura
máxima que um produto pode suportar, com pouca deformação, sob efeito de uma tensão. Trata-se uma
propriedade considerada arbitrada, cujo procedimento para determinação pode ser obtido aqui. O HDT é um
parâmetro muito utilizado pela indústria no desenvolvimento de grades, formulações e em situações de projeto,
mas pouco aceito no meio científico. Esse parâmetro será descrito com maiores detalhes na seção 5.6.3.
92
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
dois materiais. No caso da Tg, a presença de ramificações no PEBD causa um ancoramento nos pontos
de conexão com a cadeia principal, elevando a rigidez da cadeia de modo semelhante a um grupo lateral.
Note que a maior rigidez das cadeias de PEBD em relação ao PEAD não se reflete em maior rigidez do
produto (maior módulo de elasticidade) pois este depende também do grau de cristalinidade. Essa maior
rigidez molecular do PEBD, que eleva a sua T g em relação à do PEAD, também não causa um efeito
semelhante na temperatura de fusão – e esta é uma importante exceção aos fatores que afetam T g e
Tm, discutidos no capítulo 3. A menor Tm do PEBD em relação ao PEAD é atribuída à formação de cristais
mais imperfeitos pois as ramificações distorcem o empacotamento cristalino. Cristais imperfeitos são
instáveis e fundem mais facilmente.
Comparando os dados mostrados na Tabela 4.2 nota-se claramente que os dois tipos de
polietileno possuem propriedades extremas: o PEAD muito mais rígido e com menor tenacidade,
enquanto o oposto é observado para o PEBD. A questão que se coloca é: e se quisermos propriedades
intermediárias, ou seja, um balanço entre tenacidade e rigidez? Considerando que as propriedades são
uma consequência da cristalinidade, o caminho seria a utilização de um polietileno que cristalize em
nível intermediário. Como nesse exemplo, o fator “controlador” da cristalização é a presença de
ramificações, o caminho para obter um polímero com cristalizabilidade intermediária seria a síntese de
um polietileno com ramificações menos intensas, mas presentes. O problema para atingir esse objetivo
é que a polimerização do eteno para obter o PEBD é feita em alta pressão e temperatura, o que torna a
síntese pouco seletiva, ou seja, não se tem muito controle sobre as
ramificações formadas. Para o PEAD, a síntese é em baixa pressão e
temperatura, com catalizadores estereo-específicos (tipo Ziegler-Natta ou Co-monômeros
metalocenos), que é bastante seletiva, mas o crescimento da cadeia é podem regular a
cristalinidade do
essencialmente linear. A alternativa encontrada para se alcançar esse PE.
objetivo foi a adição de comonômeros na síntese do PEAD. Por exemplo, se
o 1-hexeno for adicionado ao reator de polimerização, a estrutura do
copolímero se assemelha à do polietileno com “ramificações” curtas:
Note que o copolímero possui grupos laterais com 4 carbonos, que, sendo aleatoriamente distribuídos,
irão reduzir a cristalizabilidade do material. Quanto maior o teor de 1-hexeno adicionado, maior o
93
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
6
Isso gera uma certa confusão na terminologia pois o verdadeiro polietileno linear é o PEAD, que possui, de fato,
cadeias lineares. O chamado polietileno linear é um copolímero, mas, como o grupo lateral provém do monômero,
também pode ser considerado como de estrutura linear.
94
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Imagine um material dúctil, mas tão dúctil que no teste de impacto ele não quebra... Tão dúctil que um
novo teste foi desenvolvido especialmente para ele, em que se faz um entalhe duplo e, mesmo assim,
muitas vezes ele não quebra durante o teste. Esse material existe e a composição química dele é a
mesma do mais elementar dos plásticos – o polietileno. A diferença é que ele é sintetizado com uma
massa molar altíssima – acima de 1.000.000g/mol, podendo chegar a 10.000.000g/mol. Com tamanhos
moleculares tão elevados, a densidade de emaranhados moleculares é muito elevada – e isso justifica as
suas propriedades mecânicas. Outras características de alto interesse são o baixo coeficiente de fricção,
alta resistência ao desgaste e estabilidade química. A grande limitação desse material é a dificuldade de
processamento, como consequência da altíssima massa molar, o que torna a sua temperatura de fluxo
muito alta, acima da temperatura de decomposição. Assim, o PEUAMM (ou UHMWPE), como é
denominado, não é processado pelos métodos convencionais como extrusão, injeção e sopro. A
conformação dele só possível por técnicas como gel spinning (para fibras), compressão (placas) e
extrusão por impacto (tarugos). Nos dois últimos casos, as peças moldadas são posteriormente
usinadas para obtenção do produto final (veja um exemplo aqui).
Além de fibras de altíssima resistência (o principal produto comercial é o Spectra®), o PEUAMM é
utilizado em biomateriais (em juntas e copo acetabular, por exemplo), engrenagens e outras peças
técnicas, revestimentos de silos, etc. O principal competidor do PEUAMM é o poli(tetrafluoretileno) – Teflon®.
O polipropileno é um dos mais versáteis polímeros do mercado, uma vez que possui excelente
balanço de propriedades, boa processabilidade e custo de commodity. A sua configuração comercial é
isotática e atinge um grau de cristalinidade de até 60-65%, o que lhe confere boa rigidez, resistência à
tração e estabilidade ao calor (HDT). Com um percentual relativamente elevado de frações amorfas e
95
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
uma temperatura vítrea abaixo da ambiente (~–10°C), o PP deveria ser um material de alta ductilidade.
De fato, o PP é um material dúctil, no entanto, a sua Tg é relativamente próxima da temperatura
ambiente, considerando que a transição vítrea ocorre em faixa de temperaturas. Isso implica em uma
certa fragilidade de produtos de polipropileno quando a temperatura ambiente está um pouco mais
baixa – digamos, 10-15°C. O efeito da temperatura no comportamento
mecânico está exemplificado com as curvas tensão-deformação da Figura
4.8. A 30°C o PP é um típico polímero altamente dúctil, com grandes
deformações permanentes. Em temperaturas um pouco mais baixas, deixa O PP é dúctil,
mas...
de existir a estricção durante o ensaio e a ruptura ocorre com deformações
bastante inferiores, caracterizando uma maior fragilidade. Um outro efeito
importante que interfere fortemente nesse comportamento e que será
abordado na seção 6.1.6, é o da viscoelasticidade, em que as moléculas de polímero podem não ter
tempo suficiente para se deformar durante esforços de curta duração, como os de impacto. Em algumas
aplicações, como na indústria automobilística, por exemplo, essa possibilidade de fragilização de
produtos de PP é uma séria limitação. Para superar essa deficiência, dois procedimentos podem ser
adotados: (i) adição de um modificador de impacto (que será tratado no capitulo 6) ou (ii) uso de
copolímeros de PP, que será discutido a seguir.
Figura 4.8. Exemplos de curvas tensão deformação do polipropileno, ensaiados em várias temperaturas.
Com a redução da temperatura de uso, tem-se uma maior rigidez do material, maior resistência à tração
e grande redução na deformação máxima. Dados do autor, não publicados.
96
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
reatividade com a cadeia crescente do polipropileno. O monômero mais adequado para atingir esses
objetivos é o etileno e o copolímero resultante é do tipo
CH2 CH2 CH2 CH
aleatório7. A redução na Tg do PP copolímero é proporcional
CH3
a fração de etileno presente, conforme mostra a Figura
4.9(a). Teores muito elevados de etileno, entretanto, não são sempre desejáveis uma vez que, sendo um
copolímero aleatório, haverá uma redução na cristalizabilidade do polímero, o que causa grandes
implicações nas propriedades mecânicas e térmicas dos produtos. Em geral, se utiliza 3-6% de etileno
para se ter um bom balanço de propriedades que, aliado a uma redução na Tg, alcança-se os objetivos
desse desenvolvimento. A dependência do teor de etileno com a cristalinidade do copolímero está
mostrada de forma ilustrativa na Figura 4.9(b). Note que teores intermediários de etileno resultam em
um copolímero amorfo, que é conhecido como EPR (ethyelene-propylene rubber) – um material
borrachoso mas que adquire propriedades elastoméricas após a reticulação com peróxidos orgânicos. A
cristalinidade volta a aumentar quando se tem a predominância de etileno, mas, nesse caso, não existe
interesse comercial pois os comonômeros do “polietileno linear” já atendem bem a esse tipo de
necessidade.
Figura 4.9. Representação ilustrativa (isto é, não baseada em dados experimentais), elaborada pelo
autor, para o efeito do teor de etileno na Tg (a) e cristalinidade (b) do polipropileno.
A Tabela 4.3 exemplifica algumas propriedades obtidas com a inserção do etileno na estrutura
molecular do polipropileno. A menor cristalinidade causa um aumento na resistência ao impacto e
redução no módulo elástico, enquanto que a presença de unidades flexíveis reduz tanto a temperatura
de fusão quanto a de transição vítrea. As principais aplicações do PP copolímero incluem, além de
7
A indústria petroquímica também produz o copolímero em blocos propileno-etileno, chamado de “heterofásico”,
que tem adquirido importância crescente. Sendo constituído por duas fases, esse copolímero possui duas
transições vítreas.
97
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Pelo que foi discutido nas secções anteriores, não restam dúvidas sobre a importância do grau
de cristalinidade para as propriedades dos materiais poliméricos. Como a cristalinidade obtida depende
da cristalizabilidade das moléculas e das condições de processamento, esse parâmetro pode variar
consideravelmente de grade para grade e de produto para produto. Conhecer essa relação entre a
cristalinidade e as propriedades finais é fundamental para o desenvolvimento de produtos, controle de
qualidade, procedimentos de formulação e até mesmo para as análises de falha em serviço. O grau de
cristalinidade pode ser determinado pela aferição de uma determinada propriedade que varie de forma
sensível com a presença de cristais. Das diversas técnicas desenvolvidas, as principais utilizadas são:
densidade, difração de raios-X e DSC. Espectroscopia de infravermelho, RMN e métodos indiretos como
permeabilidade e resistividade elétrica também são empregados, mas em menor proporção. Todos eles
utilizam suposições simplificatórias, geralmente com relação ao grau com que defeitos e regiões
desordenadas são levadas em conta na determinação da região amorfa. Os resultados obtidos por
diferentes métodos, em termos absolutos, em geral, não apresentam uma boa concordância quando
comparados quantitativamente. Por outro lado, em termos de tendência sobre uma determinada
influência, as diferentes técnicas apresentam resultados consistentes. Por exemplo, em um estudo sobre
o efeito do índice de isotaticidade sobre a cristalinidade de um polímero vinílico, os diferentes métodos
diferem nos valores absolutos obtidos, mas todos eles indicam a tendência de que quanto mais isotático
for o polímero, maior a sua cristalinidade.
98
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A fase cristalina é mais densa do que as regiões amorfas devido ao empacotamento molecular,
consequência da ordenação. Quanto maior a densidade do material polimérico, maior o seu grau de
cristalinidade, e isso pode ser quantificado pela regra das misturas – considerando que um polímero
semi-cristalino é uma mistura de duas fases:
𝜌 = 𝜌𝑐 . 𝑋𝑐 + 𝜌𝑎𝑚. (1 − 𝑋𝑐 ) (4.1)
onde , c e am são as densidades da amostra, das fases cristalinas e amorfas respectivamente.
Rearranjando a Equação 4.1, tem-se:
𝜌−𝜌𝑎𝑚
𝑋𝑐 = 𝜌 (4.2)
𝑐 −𝜌𝑎𝑚
As densidades dos cristais e das regiões amorfas são valores fixos e são encontrados na literatura para
os polímeros comerciais (Brandrup et al. 2005) e alguns exemplos são exemplificados na Tabela 4.4.
Evidentemente, quanto maior for a diferença de densidade entre as duas fases, maior a precisão do
método. De acordo com a Equação 4.2, conhecendo-se as densidades das duas fases, a cristalinidade
passa a depender apenas da densidade determinada experimentalmente, o que pode ser feito por 3
principais técnicas:
99
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Coluna gradiente (ASTM D-1505). É o mais trabalhoso dos métodos citados, requerendo um longo
tempo para estabilização térmica e de vibração. Consiste basicamente
em uma coluna de vidro contendo uma mistura de líquidos com
diferentes densidades. No interior da coluna são colocadas amostras
(padrões) de densidades conhecidas que flutuam até estabilizarem em
uma determina altura. O material a ser medido, geralmente granulado
ou uma pequena amostra retirada de uma peça moldada, é colocado na
coluna e a sua altura relativa aos padrões é utilizada na determinação da
densidade. O equipamento tem custo elevado e, em geral, é utilizado
pelas indústrias petroquímicas para controle de qualidade, pesquisa e
desenvolvimento. Veja aqui e aqui exemplos do procedimento.
Tabela 4.4. Valores padrão de densidade das fases cristalinas e amorfas de alguns polímeros. (Ehrenstein
and Theriault 2001)
Apesar de ser um procedimento simples e de baixo custo (com exceção da coluna gradiente), a
determinação da cristalinidade por densidade é bastante precisa, sendo a técnica mais recomendada na
maioria dos casos. No entanto, possui existem importantes restrições: (i) quando a amostra possui
bolhas ou porosidades internas, pois isso reduz a densidade medida, dando a falsa informação de menor
cristalinidade; (ii) quando a amostra contém uma grande quantidade de aditivos, como cargas ou
retardantes de chama. Se forem mais densos do que o polímero, os aditivos irão aumentar a densidade
da amostra, mascarando o valor da cristalinidade correta. Em baixos teores de aditivos isso também
ocorre, evidentemente, mas pode ser de pouca influência e o efeito é proporcional à diferença de
densidades entre os componentes. Um alerta deve ser dado para a escolha do líquido, que deve ser
100
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
sempre inerte ao polímero e sem interações físico-químicas. Por exemplo, para polímeros solúveis em
água ou higroscópicos não se pode utilizar soluções aquosas nessa determinação. O método de
densidade se torna ineficiente quando as densidades das duas fases são numericamente muito
semelhantes, como no caso do poli(4-metil-1-penteno) que, inclusive possui a densidade dos cristais
menor do que a da fase amorfa8 – 0,812g/cm3 vs. 0,838g/cm3 (Elias 2008).
8
A explicação para isso é que esse polímero possui grupos laterais volumosos e cristaliza na forma de hélices
bastantes espaçadas, dificultando o empacotamento, mas mantendo a ordem a longas distâncias.
101
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Figura 4.10. Exemplo de DSC de um PET semi-cristalino, com as indicações de transição vítrea e de fusão.
Na figura, a seta no lado superior esquerdo indica a direção das transformações endotérmicas. Assim,
nesta convenção, picos para baixo são endotérmicos e picos para cima são exotérmicos. A direção dos
picos é invertida se a endotermia for indicada pela forma inversa. Como ambas convenções são muito
utilizadas, é preciso indicar a direção da endotermia (ou exotermia). Termograma obtido pelo autor.
Observe no termograma da Figura 4.10 que a transição vítrea mostra-se como uma região de
inflexão, ou seja, apresenta uma alteração na linha base, devido a uma mudança gradual na entalpia, e
não uma mudança brusca na forma de pico, como ocorre na fusão. Assim, enquanto a fusão é uma
transição térmica de primeira ordem, a transição vítrea é de segunda ordem. Ambas são transformações
endotérmicas, isto é, necessitam de energia para ocorrer, já que envolvem a mudança de um estado de
energia mais baixa (menor mobilidade molecular) para um
Tg1
estado com mais alta energia (alta mobilidade molecular). Na
imagem ao lado tem-se um recorte da região de transição Tg
vítrea. Por exemplo, suponha que seja feita uma análise por DSC com 6mg de um polímero 60%
cristalino. Nessa amostra, 40% da massa (apenas 2,4mg) irá contribuir para a transição vítrea, o que é
uma massa muito pequena e, como consequência, a inflexão se confunde com a oscilação da curva (o
chamado “ruído”), dificultando ou impossibilitando a determinação da Tg. De fato, a técnica mais precisa
para terminar Tg é por análise dinâmico-mecânica (DMA), assunto que será abortado na seção 6.1.6
deste livro.
O pico de fusão da Figura 4.10 envolve uma quantidade de energia absorvida pela amostra para
causar a destruição dos cristais, que é relacionada com o grau de cristalinidade pela equação 4.3:
∆𝐻𝑚
𝑋𝑐 = 4.3
∆𝐻𝜇
onde Hm é a entalpia de fusão da amostra, medida a partir do termograma9, e H é a entalpia de fusão
dos cristais do polímero em questão, um valor encontrado na literatura. Por exemplo, para o polietileno
H é 290J/g, para o PP é 209J/g e para o PET é 140J/g 10.
Nem sempre o pico de fusão é bem definido como o mostrado na Figura 4.10, em que a linha
base antes e após a fusão praticamente coincidem. Em muitos casos, o termograma na região de fusão
tem as suas linhas de referência não coincidentes, como exemplificado na Figura 4.11, sendo preciso
adotar um procedimento padrão para sistematizar a medida do grau de cristalinidade. O método mais
comum, é traçar duas tangentes – uma antes e outra após a transição. Nos pontos aonde as tangentes
desviam do termograma, marca-se como o início e o final da fusão, como ilustrado, determinando-se a
entalpia nesse intervalo. Por esse procedimento, pequenas diferenças entre a marcação do início e o
final da transição podem resultar em diferença significativa da medida da entalpia de fusão, sendo esta
uma das principais fontes de erro da técnica para determinação da cristalinidade de materiais
poliméricos.
9
Isso é feito com o próprio software do equipamento, devidamente calibrado para essa determinação quantitativa.
O procedimento de calibração geralmente envolve um teste com o metal índio, com propriedades térmicas bem
definidas.
10
Os valores de entalpia de fusão dos cristais podem variar bastante conforme a fonte. Por exemplo, para o PP,
valores de 209, 195, 165J/g e outros são reportados na literatura (Varga 1995). A escolha do valor de referência,
evidentemente, tem influência direta no grau de cristalinidade determinado experimentalmente.
103
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Figura 4.11. Termograma de fusão (obtido pelo autor) de uma amostra de polietileno. O termograma
não registra a transição vítrea, que ocorre em temperaturas muito baixo da ambiente.
A técnica de DSC tem ganho crescente popularidade, não apenas no meio acadêmico, mas
também nas indústrias – mesmo naquelas de porte médio. Isso tem sido facilitado pela redução do custo
de aquisição do equipamento, dado à produção em maior escala nas últimas décadas. Para a
determinação da cristalinidade por DSC, esta técnica tem a vantagem de se obter outras propriedades
do material durante a análise, como as temperaturas de transição vítrea, fusão, cristalização, etc. Na
presença de aditivos e vazios, não apresenta as limitações observadas na técnica por densidade, a não
ser nos casos em que o aditivo sofra transformações térmicas na faixa de temperatura de fusão do
material. Por outro lado, o DSC tem a desvantagem de a determinação da cristalinidade ocorrer
mediante o aquecimento do material, o que pode causar transformações (como cristalização ou
mudança de fase) durante o aquecimento, alterando a estrutura cristalina e o grau de cristalinidade
originais. As fontes de imprecisão nessas medidas recaem nos erros de pesagem 11, na arbitragem do
início e final da fusão e nos casos em que a decomposição ocorre durante ou imediatamente após a
fusão12. O procedimento experimental, incluindo a preparação de amostras, pode ser visualizado aqui e
um treinamento online sobre a técnica está disponível neste link.
11
Como se trata de massas muito pequenas, é necessário se utilizar uma balança com precisão de, pelo menos,
0,00001g.
12
As análises por DSC devem ser feitas sempre em atmosfera inerte, com purga de gás nitrogênio ou argônio,
evitando-se a oxidação do polímero durante a análise. A exceção, claro, é quando se deseja obter informações
sobre a decomposição do material em ambiente oxidante. É preciso alertar, no entanto, que o equipamento, em
geral, não possui uma resistência elevada ao contato com vapores e outras substâncias oxidantes oriundas da
decomposição de polímeros. Assim, estudos de decomposição por DSC devem ser evitados para prolongar a vida
útil do equipamento. Análise termogravimétrica (TGA) é uma técnica mais recomendada para esses casos.
104
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A inflexão na linha base mostrada na Figura 4.10 é a forma mais usual de manifestação da
transição vítrea durante uma análise térmica por DSC. Entretanto, em alguns casos, pode ocorrer um
pico associado a esse ponto de inflexão, conforme ilustrado na Figura 4.12 para o PET. Embora esse
comportamento não seja muito reportado nos livros didáticos, trata-se de um fenômeno muito comum
quando o material possui orientação molecular causada pelo processamento. No exemplo da Figura
4.12, a chapa de PET foi produzido por extrusão plana seguido de um resfriamento em cilindro
refrigerado (veja o processo aqui). O resfriamento brusco causa o congelamento das moléculas
com orientação preferencial (frozen-in orientation) e, como o PET possui uma baixa velocidade
de cristalização devido aos grupos aromáticos, a estrutura resultante é amorfa e orientada. Durante o
ensaio por DSC, ao atingir a região da transição vítrea, os segmentos
moleculares passam a ter maior mobilidade e, como consequência, tendem a
Relaxação
molecular vs. relaxar sua orientação, adquirindo uma forma enovelada, que é mais estável
transição vítrea
termodinamicamente. Isso está associado a uma mudança endotérmica, que
é registrada no termograma. Efeito semelhante foi observado pelo autor em
outros polímeros processados com orientação molecular e que possuem T g
elevada, como o poli(metacrilato de metila), o poliestireno e o policarbonato. Polímeros com Tg abaixo
da ambiente não apresenta esse efeito pois a relaxação molecular ocorre logo após o processamento
devido à mobilidade das regiões amorfas. A Figura 4.12 também mostra um pico exotérmico entre a
transição vítrea e a fusão que corresponde à chamada cristalização a frio, que será apresentada na seção
5.4. Na seção 5.3 o uso do DSC será novamente abordado, dessa vez como uma técnica de grande
importância para os estudos de cristalização durante o resfriamento.
Figura 4.12, DSC de uma amostra de uma chapa de PET obtida por extrusão. Termograma obtido pelo
autor. Duas características do termograma não foram observadas nos anteriores: os picos referentes à
relaxação molecular e à cristalização a frio.
105
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
A difração de raios-X é a principal técnica para caracterizar o estado cristalino dos materiais,
sendo utilizada para determinar os planos cristalográficos,
orientação dos cristais, tamanho dos cristais, tipo de retículo
cristalográfico, etc. Um exemplo de um difratômetro comercial
está mostrado na imagem ao lado, enquanto que um vídeo
mostrando o experimento em laboratório pode ser conferido
aqui.
Onde Ac e Aam são as áreas correspondentes às duas fases, conforme ilustrado na Figura 4.13. O método
baseia-se na separação entre as duas contribuições e, assim, a linha divisória entre elas é de fundamental
importância para a precisão das medidas. Existem alguns procedimentos para isso, incluindo: (i)
realização de um experimento com o polímero isento de cristais para obter o difratograma da curva
amorfa. Com esse formato, faz-se a escala correspondente até atingir a base dos picos cristalinos. Esse
procedimento só é viável quando for possível obter um material totalmente amorfo e, ao mesmo,
tempo, ele se mantiver assim durante a fase pós-moldagem e experimentos – o que nem sempre é
possível. (ii) Através da deconvolução das curvas correspondentes aos picos e determinação de suas
áreas, procedimento realizado através de softwares adequados, como o Mathematica® ou mesmo os
softwares de fabricantes de difratômetros. (iii) Através de um traçado subjetivo, compreendendo as
regiões de vale dos picos, em linhas suavizadas. Isso pode ser feito manualmente ou através de softwares
como o Origin®, como neste exemplo. (iv) Para alguns polímeros, existem procedimentos
predefinidos, com marcações indicando algumas posições no traçado da linha de separação,
como para o caso do polipropileno (Weidinger and Hermans 1961).
106
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 4.13. Exemplo de um difratograma do polipropileno, mostrando as respostas das duas fases
presentes – cristalina e amorfa. Difratograma obtido pelo autor.
107
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Simplicidade
Baixo custo de equipamento (exceto
Imprecisão quando existirem bolhas ou
coluna gradiente)
porosidades
Densidade Alta precisão
Pode ser inviável em grandes
Rapidez (exceto coluna gradiante)
concentrações de aditivos
Adequado para todos os formatos de
amostras
Grande versatilidade do experimento, O aquecimento da amostra pode
com vários parâmetros alterar a estrutura cristalina do
DSC determinados material
Pode ser utilizado com aditivos, desde Certa imprecisão na determinação dos
que sejam inertes termicamente limites de fusão
Outros parâmetros estruturais podem
Altos custos de aquisição e de
ser determinados
manutenção do equipamento
Pode ser de boa precisão se linha de
Difração de Certa imprecisão na separação entre
separação entre as fases for traçada
raios-X frações amorfas e cristalinas
de modo sistemático
Determinação pode ser dificultada com
Ensaio realizado sem aquecer a
altos teores de aditivos
amostra
108
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
formas morfológicas, além das lamelas, fibrilas e esferulitos, por terem menor importância prática, não
serão abordadas neste livro.
50m
(a) (b)
Figura 4.14. Exemplo de esferulitos de poli(etileno sucinato) (Wu et al. 2014) e representação
esquemática de um esferulito polimérico com a coexistência de regiões cristalinas e amorfas (McCrum,
Buckley, and Bucknall 1997). Note, pela barra de escala da figura (a), que o tamanho do esferulito pode
ser bastante elevado – em alguns casos, chega a alguns milímetros de diâmetro.
Existem basicamente duas teorias para explicar a disposição das cadeias macromoleculares nos
cristais poliméricos: a teoria da micela franjada e a teoria dos cristais de cadeia enrolada. Em ambas, a
dimensão do cristalito (pequeno cristal que representa as regiões ordenadas) na direção da cadeia é
muito pequena em comparação com o comprimento total da molécula estendida, de modo que a
continuidade da estrutura ocorre pela participação de uma mesma molécula em muitos cristalitos. Essas
são as chamadas moléculas atadoras (tie chains), que mantém os cristais presos entre si e são de
extrema importância para o desempenho mecânico dos polímeros semicristalinos.
Herman (em 1930) para explicar as estruturas da gelatina e da borracha natural, foi Bryant (em 1947)
quem associou esse modelo com a estrutura dos polímeros semicristalinos, em que os pequenos
cristalitos são embebidos em uma matriz amorfa. No modelo da micela franjada, as franjas representam
o material de transição entre as fases amorfas e cristalinas e uma cadeia polimérica passa
sucessivamente por diversas regiões desordenadas e por regiões organizadas (“micelas”).
(a) (b)
Figura 4.15. Imagens de difração de raios-X obtidas pelo método do pó. (a) poliestireno atático (amorfo);
(b) polietileno (semicristalino) (Bower 2002). O método do pó é um procedimento mais antigo para
análises por difração de raios-X, mas ainda hoje é utilizado em algumas situações, especialmente para
deduções de orientação cristalina.
Estimou-se, a partir da largura dos anéis do padrão de difração de raios-X, que o tamanho dos
cristalitos não excederia algumas centenas de angstrons. Assim, uma molécula que teria um
comprimento totalmente estendida de até 50.000 Å, por exemplo, poderia participar de até 100
cristalitos de acordo com o modelo da micela franjada. Por esse modelo, um polímero não seria jamais
totalmente cristalino uma vez que, a medida em que a cristalização progredisse, as porções das
macromoléculas nas regiões amorfas se tornariam sob tensão, impedindo a continuidade da
cristalização. O modelo explica bem o comportamento mecânico dos polímeros como dependente de
uma estrutura com percentuais de regiões amorfas e cristalinas. Explica também a formação das fibras
como um processo de alinhamento molecular e o fato de a fusão ocorrer em uma faixa de temperaturas,
devido à existência de cristais de diferentes tamanhos. Sendo um conceito coerente, simples e de grande
facilidade de entendimento, esse modelo teve aceitação absoluta na comunidade científica da época.
Até que chegou o ano de 1957...
110
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
13
Muito embora as publicações de A. Keller tenham se tornado as maiores referências nesse tema, estudos
anteriores por Storks (1938) foram realizados com a gutta-percha, chegando-se, essencialmente, nas mesmas
deduções de Keller. No mesmo ano de 1957, estudos independentes por Fischer & Naturforschg e Till também
indicaram a existência de cristais lamelares em polímeros (Elias 2008).
111
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Esse modelo se contrapôs ao da micela franjada – até então absoluto – e mostrou ser
estericamente (isto é, espacialmente) possível. No polietileno, por exemplo, apenas cinco átomos de
carbono participam da dobra, possibilitando a “volta” da cadeia em um empacotamento muito estreito.
Embora as discussões iniciais sobre a teoria mais adequada para explicar a disposição das
macromoléculas em um polímero cristalino tenham sido muito acirradas, atualmente (e já há um bom
tempo!) existe um consenso de que a teoria da cadeia enrolada é muito mais coerente e compatível com
as evidências experimentais. Esse modelo tem sido aplicado em quase todas as morfologias dos
112
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
polímeros, inclusive em casos complexos como os esferulitos. Talvez as únicas exceções sejam os
polímeros de cristalinidade muito baixa, como o PVC, e os cristais de cadeia estendida, em que o modelo
da micela franjada parece ser mais adequado.
(a) A. Keller, A note on single crystals in polymers: evidence for a folded chain configuration. Phil. Mag. 2, 1171-1175 (1957).
113
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Deduzidas a partir de análises por difração de raios-X e com base nos ângulos e comprimentos
das ligações químicas da cadeia principal, as células unitárias dos polímeros não diferem, em princípio,
das existentes nos compostos usuais, de baixa massa molar. As células unitárias representam a estrutura
cristalográfica de um material que possui ordem a longas distâncias, se constituindo na menor
representação do cristal. Assim, qualquer forma estrutural pode ser descrita como um conjunto de
células unitárias, que são formadas por vários átomos e possuem dimensões estritamente definidas, que
são os parâmetros da célula. Caso o leitor não tenha familiaridade com essa área, sugere-se uma consulta
aos livros de ciência de materiais como, por exemplo, (Calister and Rethwisch 2016).
Células cristalinas de qualquer polímero semi-cristalino podem ser descritas de forma similar ao
polietileno, citado acima. Entretanto, cadeias lineares com substituintes laterais (como o polipropileno
e o poliestireno) não cristalizam na conformação zig-zig, especialmente quando os substituintes são
volumosos, mas sim na conformação helicoidal (ver seção 2.4) pois, assim, possibilita uma melhor
acomodação dos átomos no cristal. O passo da hélice nesses materiais pode conter um diferente número
de unidades monoméricas, dependendo da natureza do polímero. Uma outra situação favorável para a
formação de cristais com moléculas em conformação helicoidal é o de polímeros com alta polaridade,
como o PTFE, em que ocorre repulsão estérica na conformação trans.
114
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Assim como ocorre em alguns compostos de baixa massa molar, os polímeros são caracterizados
por polimorfismo, ou seja, podem formar cristais em sistemas cristalográficos diferentes conforme as
condições ou composição, e alguns exemplos estão mostrados na Tabela 4.6. Por exemplo, a forma
cristalina mais comum para o polipropileno é a monoclínica, mas quando cristalizado sob cisalhamento
e em determinada faixa de temperaturas, a fase hexagonal predomina. Na presença de determinados
aditivos, que atuam como agentes nucleantes heterogêneos, o PP pode formar cristais monoclínicos ou
hexagonais. Por outro lado, moléculas de PP menos regulares e com
baixa massa molar formam também a fase triclínica. Transições entre as
várias formas polimórficas podem ocorrer, tanto por ação de uma força
Mudanças
externa ou por mudança de temperatura. Por exemplo, o estiramento a cristalográficas
frio do polietileno altera as dimensões da célula unitária, para a=8,09Å e podem ocorrer
Tabela 4.6. Exemplos de sistemas cristalográficos em que alguns polímeros comerciais cristalizam (Elias
2008; Pearson and Sperling 2019).
Unidades
Sistema Conformação Densidade do
Polímero repetitivas por
cristalográfico molecular cristal (g/cm3)
célula unitária
Ortorrômbico 2 1,000
Polietileno Monoclínico 2 Zig-zag 0,998
Monoclínico 12 0,936
PP isotático Hexagonal 18 Helicoidal 0,922
Triclínico 12 0,939
115
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
0
Monoclinico Hexagonal
Tipo de célula unitária
Figura 4.17. Efeito da estrutura cristalográfica na resistência ao impacto do polipropileno (Tjong, Shen,
and Li 1996). A diferença de comportamento mecânico pode estar relacionada com o fator de
empacotamento, mais elevado na forma monoclínica – restringindo a deformação.
Apesar das células unitárias serem a constituição básica de qualquer cristal e, portanto, das
morfologias ocorrentes, na maioria das vezes os estudos da relação entre a estrutura e propriedades dos
polímeros, cinética de cristalização, recozimento, etc., são realizados considerando formações
superiores, como as morfologias lamelares e esferulíticas.
Os cristais únicos lamelares são unidades monocristalinas, ou seja, são compostos apenas por
células unitárias coincidentes umas com as outras e que mantém um paralelismo periódico nas direções
apropriadas. Fisicamente, se apresentam como o mostrado na Figura 4.16, que representou o marco da
teoria da cadeia enrolada, e são obtidos em condições muito especiais, como soluções diluídas
(concentração de polímero menor do que 1%) e em temperaturas elevadas (próximo da própria
temperatura de fusão do material). Os cristais lamelares, que são elementos estruturais primários,
podem ser arranjados entre si para formar uma grande
diversidade de formas morfológicas mais complexas dos
polímeros semi-cristalinos. Isso ocorre em situações menos
propícias para a formação de cristais únicos, como em soluções
mais concentradas ou em temperaturas de cristalização mais
baixas. Exemplos dessas formações são os cristais piramidais,
“shish-kebab” (ver imagem ao lado), axialitos, dendritos, etc.
(Woodward 1989). Na imagem mostrada do shish-kebab se
observa um tronco central, que é formado por cristais de
cadeia estendida e cristais lamelares que crescem em direção perpendicular ao núcleo central.
116
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Um caso especial são os cristais únicos fibrilares, com a aparência de fitas ou fios, formados em
condições que impedem a formação de lamelas, quais sejam: altas taxas de evaporação do solvente em
soluções de concentração moderada ou pelo resfriamento a partir do melt. Nesses cristais o crescimento
cristalino ocorre predominantemente em uma direção cristalográfica e as cadeias são perpendiculares a
eixo maior do cristal, semelhante aos cristais lamelares, mas com comprimento maior do que a largura
e espessura. As estruturas fibrilares são a base principal de constituição dos esferulitos, que serão
descritos a seguir.
4.4.4. Esferulitos
Embora do ponto de vista científico os cristalitos sejam as unidades estruturais mais importantes
pois são a base de formações mais complexas, a entidades morfológicas chamadas esferulitos (o termo
significa “pequenas esferas”) são de muito maior interesse prático pois são obtidos a partir de condições
mais usuais, inclusive por técnicas de processamento industriais. Além disso, a morfologia esferulítica
tem uma influência muito mais direta nas propriedades mecânicas e óticas dos polímeros semi-
cristalinos.
Os esferulitos são estruturas compostas por lamelas cristalinas que crescem radialmente em 3
dimensões a partir de um núcleo comum e são conectados entre si por segmentos moleculares – as
cadeias atadoras. Assim, representam um conjunto de unidades cristalinas
e não um só cristal. As dimensões finais alcançadas dependem fortemente
São estruturas das condições de cristalização, podendo variar de poucos micrômetros até
complexas, alguns centímetros. Na maioria dos polímeros, entretanto, os esferulitos
formadas por
elementos básicos e não excedem 100m de diâmetro nas condições normais de
intermediários
processamento. Conceitualmente, as estruturas complexas dos esferulitos
são formadas por elementos básicos (como células unitárias e cristalitos)
e intermediários (como os cristais lamelares), caracterizando uma
hierarquia estrutural conforme a representação esquemática da Figura 4.18.
117
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Os esferulitos são facilmente observados através da microscopia ótica de luz polarizada (ver
secção 4.4.6), exibindo o padrão característico de cruz de malta (Figura 4.14), com áreas birrefringentes
circulares. São formados sob condições de alta viscosidade ou de grande saturação do meio, ou seja,
quando o polímero cristaliza a partir do estado fundido (melt) ou a partir de soluções concentradas. A
formação da estrutura ocorre a partir de 3 estágios:
1. nucleação;
2. crescimento, ou cristalização primária;
3. cristalização secundária.
118
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
meio líquido (melt) que funciona como sítio para posterior incorporação de novos segmentos e, assim,
consolidar o núcleo e iniciar o crescimento cristalino. Na maioria das situações, entretanto, o núcleo é
heterogêneo, se formando a partir de superfícies sólidas presentes no melt, como impurezas, pigmentos,
cargas e outros aditivos, resíduos de catalisador ou mesmo através de substâncias adicionadas
propositadamente para acelerar a etapa de nucleação – os chamados “agentes nucleantes”. Quando a
nucleação ocorre de forma heterogênea tem-se, como consequência, um maior número de núcleos, o
que reduz o tamanho médio dos esferulitos e isso tem grande influência nas propriedades mecânicas e
até nas propriedades óticas. Mesmo semi-cristalino, os polímeros com esferulitos pequenos podem ser
translúcidos ou até transparentes, o que pode ser altamente atrativo em determinadas aplicações, como
em embalagens alimentícias, por exemplo. O uso de agentes nucleantes será abordado com maiores
detalhes na seção 5.2.
Após a nucleação, com o núcleo consolidado, e, assim, menos imune a ser destruído pelo
movimento térmico, tem-se início à cristalização primária, que é o crescimento radial do esferulito na
forma de estruturas lamelares ou fibrilares,
conforme a representação esquemática ao
lado (Chan and Li 2005). A estrutura interna
do esferulito, portanto, é composta por
elementos lamelares ou fibrilares, que podem também ser denominados “cristalitos”, e por regiões
desordenadas entre os cristalitos (ver a representação esquemática da Figura 4.14). Considerando que
as cadeias poliméricas são muito grandes e, como consequência, partes dessas cadeias (que
chamaremos de “segmentos moleculares”) podem participar simultaneamente de várias formações
cristalinas, os cristalitos são mantidos unidos por moléculas que fazem parte de vários cristais – as
cadeias atadoras (tie-chains). Quando o esferulito atinge o tamanho suficiente para se encontrar (como
já mencionado, o tamanho depende do número de núcleos formados), as lamelas de esferulitos
adjacentes que se encontram atravessam os contornos dos esferulitos, preenchendo algumas regiões
no interior deles que ainda não tinham sido cristalizadas. Assim, os contornos dos esferulitos ficam
distorcidos e a estrutura assume a forma de um poliedro e não de uma esfera (Figura 4.14). A Figura 4.19
mostra esferulitos em estágios variados de crescimento, com alguns ainda na forma esférica e outros
com o formato poliédrico consolidado. As regiões de cor lilás na
imagem, não preenchidas com esferulitos, são frações ainda
completamente amorfas, no estado de melt. Um vídeo mostrando
o crescimento esferulítico com detalhes pode ser visto aqui.
Observe, a partir da posição 2min25seg no vídeo, que se visualiza
claramente o crescimento na forma fibrilar na periferia dos
esferulitos. No final do crescimento, todo o corpo do material
119
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
estará preenchido com esferulitos. Observa-se também na Figura 4.19 que existem esferulitos de
diferentes tamanhos, uma vez que tiveram os núcleos consolidados em diferentes tempos e, além disso,
alguns tiveram o crescimento restringido pelo contato com esferulitos adjacentes. Um outro vídeo,
produzido com aumento menor e, portanto, uma visão mais ampla dos diferentes momentos em que os
esferulitos são nucleados está mostrado aqui.
Ainda não
cristalizado
(melt)
Figura 4.19. Microscopia ótica de luz polarizada do polipropileno, obtido em estágio intermediário de
cristalização (Rabello 1996). Esse tipo de captação é realizado através de um microscópio ótico de luz
polarizada acoplado a um estágio de aquecimento, em que que se pode controlar as condições de
cristalização.
Com o encontro dos esferulitos tem-se o fim da cristalização primária e o início da chamada
cristalização secundária, demonstrada ocorrer durante algum tempo após o esferulito estar formado.
Essa etapa ocorre principalmente no interior do esferulito, na região inter-lamelar, através da
cristalização de segmentos moleculares menos cristalizáveis como, por exemplo, mais imperfeitos ou
que se encontram em regiões com maior nível de emaranhados moleculares. Esta etapa só é possível
ocorrer se o material estiver acima de sua temperatura de transição vítrea, uma vez que a cristalização
envolve a mobilidade das cadeias poliméricas.
120
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A cristalização secundária pode ser completada alguns minutos após a cristalização primária
ou pode transcorrer durante horas ou dias. Essa escala de tempo está relacionada com a taxa de
cristalização do material, que depende de fatores como flexibilidade molecular, temperatura,
regularidade, etc. Uma vez que a cristalização secundária aumenta o grau de perfeição do material, isto
é, o seu grau de cristalinidade, as propriedades mecânicas podem ser alteradas durante esse processo.
Esse fato tem grande implicação prática, como, por exemplo, no controle de qualidade industrial em que
o tempo transcorrido entre o processamento e os testes mecânicos de qualidade causa alteração nas
propriedades do produto. Outra consequência relevante é na relação entre produtor e cliente. Se por
exemplo, a indústria de processamento realiza os testes mecânicos logo após o processamento e a
empresa contratante faz a sua inspeção de qualidade após dias ou semanas da produção, os resultados
podem ser diferentes caso a cristalização secundária seja significativa e ocorra lentamente durante a
armazenagem.
A cristalização secundária também tem influência nas dimensões dos produtos, uma vez que a
sua ocorrência implica em contração adicional, o que pode comprometer a precisão dimensional no caso
de peças técnicas que serão montadas em dispositivos contento vários componentes de encaixe (como
na imagem ao lado). Se isso ocorre, o projeto do
componente deve contemplar a contração adicional e/ou
o processamento deve ser ajustado para que o máximo de
cristalização ocorra durante a moldagem como, por
exemplo, pelo uso de agentes nucleantes ou por um ciclo
de resfriamento mais prolongado. No caso de polímeros
que possuam uma temperatura de transição vítrea acima da ambiente, como muitas poliamidas e
poliésteres, a cristalização secundária pode ocorrer durante o uso do artefato. Por exemplo, um
componente interno de um produto eletrônico produzido em PA6 (T g~50°C) pode completar a sua
cristalização durante o uso nesse ambiente aquecido, resultando em
contração adicional da PA6. Por essa razão, algumas indústrias adotam um
procedimento de recozimento, que consiste em aquecer o produto em
Recozimento para
estufa por tempo e temperaturas pré-determinados, acelerando a acelerar a
cristalização
cristalização secundária e, assim, evitando alterações durante o uso do
secundária
componente. Alguns dados estão mostrados na Figura 4.20, indicando que
aumento na resistência do material está intimamente associado com o
incremento no grau de cristalinidade. O procedimento de recozimento
pós-moldagem também pode ser realizado com o objetivo de aliviar as tensões internas causadas pelo
processamento, e um exemplo de equipamento industrial está mostrado aqui.
121
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Figura 4.20. Efeito do tempo de recozimento a 60°C na resistência à tração do polipropileno. O gráfico
interno mostra a evolução na cristalinidade (Rabello 1989).
Na secção anterior ficou claro que os esferulitos são morfologias complexas, formadas por
elementos intermediários, e não são completamente cristalinos. A menos que o grau de cristalinidade
seja muito baixo, o volume de um material é completamente preenchido com os esferulitos e, assim, o
grau de cristalinidade do esferulito é, em média, igual ao do polímero. Como a cristalinidade dos
polímeros é sempre menor do que 100%, conclui-se que há um volume de material amorfo no interior
14
De fato, a cristalização é um dos processos mais utilizados para a purificação de substâncias químicas. Por
exemplo, o açúcar “cristal” é resultado de um procedimento de purificação industrial por cristalização.
122
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
do esferulito, que pode ser na forma de: (i) falha de entrada das cadeias de volta às lamelas para formar
as dobras, gerando “loops”; (ii) moléculas atadoras entre os cristais; (iii) material amorfo nas regiões
interlamelares e (iv) defeitos no interior dos cristais.
A representação da estrutura esferulítica mostrada na Figura 4.14(b) indica que as regiões entre
os cristais lamelares são regiões amorfas e que existem conexões entre os cristais, que são compostas
por moléculas atadoras. As conexões interlamelares (ou intraesferulíticas) foram demonstradas em
muitos experimentos, que geralmente envolvem a extração de um segundo componente, co-cristalizado
com o polímero, e um exemplo está mostrado na Figura 4.21(a). Essas conexões visualmente observadas
na imagem são, provavelmente, cristais de cadeia estendida em forma fibrilar, com alguns micrômetros
de comprimento e cerca de 10nm de largura. Há também a possibilidade de haver moléculas atadoras
sem a ordenação na forma de cristal fibrilar.
(a) (b)
Figura 4.21. (a) Conexões interlamelares (intraesferulíticas), observadas por microscopia eletrônica de
transmissão (Tager 1978). (b) Conexões interesferulíticas, observadas por microscopia eletrônica de
varredura (Gedde 1995).
Os esferulitos também são conectados entre si por cristais fibrilares e moléculas atadoras (Figura
4.21(b). A formação dessas conexões deve seguir os mesmos princípios apresentados acima para o caso
das ligações interlamelares, baseando-se no próprio mecanismo em que ocorre o encontro dos
esferulitos (ver Figura 4.19). Existe um procedimento de dissolução e extração seletiva chamado de
“etching” (Bassett and Patel 1994) que pode ser aplicado para a remoção parcial das frações amorfas,
deixando os esferulitos mais visíveis em uma análise por microscopia eletrônica. Esse tipo de
procedimento deixa os contornos dos esferulitos mais bem definidos, como na Figura 4.21(b),
mostrando a intersecção dos esferulitos e como eles se conectam entre si.
123
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Figura 4.22. Esferulitos de polietileno de diferentes massas molares vistos por microscopia eletrônica de
varredura após etching (Greco and Ragosta 1988). Em polímeros semicristalinos, as conexões
interesferulíticas são determinantes para o comportamento mecânicos dos produtos.
124
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Existe uma classe especial de termoplásticos que exibem propriedades intermediárias entre os sólidos
ordenados e os líquidos comuns – são os polímeros líquidos cristalinos (LCP). São materiais que, por
sua anisotropia, se assemelham aos cristais e, por sua mobilidade, aos líquidos. Podem ser do tipo
termotrópico, caso o estado líquido cristalino ocorra em uma faixa de temperaturas, ou liotrópico,
caso ocorra em solução.
Os polímeros que formam cristais líquidos são os que possuem forma plana alongada com grupos
aromáticos e polares. Exemplos comuns são as poliamidas e poliésteres aromáticos e copolímeros
desses. Durante a fusão (ou dissolução) parte das cadeias poliméricas permanecem ordenadas em
forma fibrilar, que atuam como reforço à sua própria estrutura, isto é, são auto-reforçantes. Isso
ocorre devido à combinação de rigidez molecular com polaridade. O ordenamento no estado líquido
pode ocorrer em vários arranjos, como esmético, nemático, colestérico, etc.
As principais propriedades dos LCP´s combinam elevada resistência mecânica com resistência ao
calor, sendo também considerados como “super plásticos”. Nomes comerciais importantes são o
Vetra® (estrutura química acima) e o Kevlar®, utilizados respectivamente como componentes para as
indústrias eletrônica e automotiva e como fibras de alto desempenho.
125
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
muito menor na periferia dos esferulitos. Como a área superficial de uma partícula é inversamente
proporcional ao seu diâmetro, esferulitos menores possuem maior área superficial, com maior área de
contato com outros esferulitos e, assim, uma maior concentração de cadeias atadoras. Isso tem
consequência direta nas suas propriedades, conforme mostram os dados da Figura 4.23. Observa-se
também que a resistência ao impacto foi menor em amostras mais cristalinas, já que são as regiões
amorfas as maiores responsáveis pela absorção da energia aplicada no esforço de impacto.
Amostras menos
cristalinas são
mais resistentes
ao impacto
Embora os esferulitos possam ser visualizados por microscopia eletrônica de varredura (Figura
4.21(b)) e por microscopia de força atômica – como na imagem ao lado
para esferulitos de EVA (Chan and Li 2005), o procedimento mais comum
e mais prático de observação é por microscopia ótica de luz polarizada
(Figura 4.14 e Figura 4.19), utilizando polarizadores transversos. Os
polarizadores são acessórios de um microscópio ótico de transmissão,
que permitem a vibração de luz em apenas uma direção. No caso do uso
de polarizadores transversos, os feixes de luz são emitidos em duas
direções ortogonais, possibilitando a observação do efeito ótico. A visualização de esferulitos por esse
tipo de equipamento ocorre em virtude da simetria radial de sua estrutura, em que os índices de refração
126
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
nas direções radial e tangencial são diferentes, caracterizando a natureza birrefringente. Isso é
consequência da orientação dos eixos cristalográficos das lamelas, que mudam continuamente ao longo
da coordenada angular. Assim, várias regiões de um esferulito transmitem diferentemente a luz
polarizada e o resultado é uma aparência de cruz de malta, cujos braços são paralelos às direções da luz
incidente.
(a) (b)
15
As imagens originais obtidas pelo microscópio ótico de luz polarizada são em preto e branco, resultado do
fenômeno ótico de extinção. No entanto, é comum o registro de esferulitos coloridos (como nas Figura 4.14 e
Figura 4.19), o que ocorre devido a inserção de filtros de cor (tint plate) no equipamento.
127
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
(a) (b)
(a) (b)
Figura 4.26. Imagens de esferulitos de polietileno em crescimento (a) e de esferulitos de PS do tipo anel
(b). (Mirau 2002). (c) Representação esquemática de uma lamela em esferulito do tipo anel.
Além do formato radial, o esferulito também pode cristalizar com uma textura em anel (Figura
4.26(b)). Esse tipo de morfologia também é constituído por cristais lamelares, mas a cruz de malta não
é visualizada como na morfologia convencional e sim como anéis alternados escuros e claros. Acredita-
se que esse efeito seja consequência da mudança de orientação de dois dos três eixos cristalográficos
em cada direção radial. Conforme a Figura 4.26(c), o eixo b do cristal é orientado ao longo do raio,
enquanto que a orientação dos eixos a e c variam helicoidalmente com o raio. O mesmo polímero pode
formar esferulitos dos dois tipos, radial e anel, dependendo das condições de cristalização. Esferulitos
do tipo anel são formados, em geral, em temperaturas mais elevadas, enquanto os esferulitos com
textura radial são formados em temperaturas mais baixas, conforme o exemplo da Figura 4.27.
128
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
(a) (b)
Figura 4.27. Esferulitos de tri(metileno tereftlato) cristalizados a 190°C (a) e 210°C (b) (Chen et al. 2007).
PARA DISCUSSÃO
Estrutura e propriedades do PEAD e do PEBD. Prepare corpos de prova por injeção ou compressão do
PEAD e do PEBD, utilizando as mesmas condições de moldagem. Faça determinações de cristalinidade
pelos métodos disponíveis (densidade, DSC e/ou DRX) e realize ensaios mecânicos de tração e de
impacto. Compare os resultados obtidos com aqueles mostrados na Tabela 4.2.
Fusão e cristalização do polipropileno. Realize o ensaio de DSC em uma amostra de PP, determinando
o grau de cristalinidade pela entalpia de fusão. Após a fusão, programe o equipamento para resfriar a
uma taxa de 10°C/min e determine o grau de cristalinidade pela entalpia de cristalização. Repita o
procedimento de cristalização a duas outras taxas: 1°C/min e 30°C/min.
129
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Efeito da temperatura do molde na injeção do PET. Realize a injeção de corpos de prova do PET
utilizando duas temperaturas de molde: 10°C e 40°C. Observe a transparência/opacidade obtida em cada
situação. Realize a difração de raios-X, DSC e ensaios mecânicos de tração, relacionando as propriedades
obtidas com o tipo de estrutura.
Esferulitos de polipropileno. Por compressão, produza filmes finos de PP sob diferentes condições de
resfriamento: (i) choque térmico em água gelada; (ii) resfriamento ao ar; (iii) resfriamento na própria
prensa, apenas desligando o aquecimento. Compare as diferentes morfologias por microscopia ótica de
luz polarizada. Determine a cristalinidade de cada filme por densidade ou DSC.
Cristalização secundária. Produza corpos de prova de PP e PEAD por injeção, utilizando uma
temperatura de molde de 20-25°C. Imediatamente após a injeção, faça a determinação da cristalinidade
por densidade e repita o procedimento (com as mesmas amostras) após 1h, 2h, 3h e 24h. Compare a
evolução da cristalinidade nos dois tipos de polímeros.
Bower, D. I. 2002. An Introduction to Polymer Physics (Cambridge University Press: New York).
Elias, Hans-Georg. 2008. Macomolecules. Volume 3. Physical Structures and Properties (Wiley-VCH:
Weinheim).
Mandelkern, Leo. 2004. Crystallization of Polymers: Volume 2: Kinetics and Mechanisms (Cambridge
University Press: Cambridge).
Pearson, R.A., and L. H. Sperling. 2019. Introduction to Physical Polymer Science (Wiley: New York).
Young, R. J., and P.A. Lovell. 2011. Introduction to Polymers (CRC Press: London).
Referências
Agasti, Nityananda, and Narender Kaushik. 2014. 'One Pot Synthesis of Crystalline Silver Nanoparticles',
American Journal of Nanomaterials, 2: 4-7.
Bassett, D. C. 1981. Principles of Polymer Morphology (Cambridge University Press: Cambridge).
Bassett, D. C., and D. Patel. 1994. 'Isothermal Lamellar Thickening and the Distribution of Thermal
Stability in Spherulitic Isotactic Poly(4-methylpentene-1)', Polymer, 35: 1855-62.
130
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
131
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello
Wu, Fang, Cai-Li Huang, Jian-Bing Zeng, Shao-Long Li, and Yu-Zhong Wang. 2014. 'Composition
dependence of physical properties of biodegradable poly(ethylene succinate) urethane ionenes',
RSC Advances, 4: 54175-86.
Wunderlich, B. 1976. Macromolecular Physics. Vol. 1: Crystal Structure, Morphology, Defects (Academic
Press: New York).
Xu, Tao, Jie Yu, and Zhihao Jin. 2001. 'Effects of crystalline morphology on the impact behavior of
polypropylene', Materials & Design, 22: 27-31.
Young, R. J., and P.A. Lovell. 2011. Introduction to Polymers (CRC Press: London).
132
Em uma planta industrial de produção de materiais plásticos, como na imagem acima, pode-se ter dezenas (ou
centenas) de máquinas injetoras – uma das principais tecnologias empregadas. O processo de injeção possui várias
etapas, sendo a fase de resfriamento/solidificação a mais longa e a que limita a produtividade industrial. No caso
dos polímeros semicristalinos, é na etapa de resfriamento que ocorre a cristalização do material, um fenômeno
fortemente dependente do tempo. A cinética de cristalização de polímeros, portanto, influi diretamente na
produtividade industrial, além de determinar também a morfologia, cristalinidade e, como consequência, as
propriedades físicas e mecânicas desses materiais.
Capítulo 5
Cinética de cristalização e fusão cristalina
Este capítulo trata da descrição da cristalização de polímeros sob a perspectiva cinética, e implicações para a
morfologia e propriedades dos produtos. O fenômeno também será abordado como dependente do
processamento, com suas dependências com a temperatura, pressão e fluxo. A fusão cristalina será descrita como
uma transformação abrangente e dependente da história de cristalização.
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
• cinética de cristalização;
• agentes nucleantes;
• acompanhamento experimental da cristalização;
• cristalização a frio e recozimento;
• relação do processamento com a cristalização dos polímeros;
• a fusão cristalina e a temperatura de fusão de equilíbrio.
1
Como o objetivo deste livro está bem mais voltado para o interesse prático na aplicação dos produtos poliméricos
do que propriamente na descrição de teorias e modelos matemáticos, os tópicos aqui envolvidos serão
apresentados de forma objetiva, cobrindo os aspectos mais essenciais. Para necessidades específicas de
aprofundamento, recomenda-se a busca da literatura mais clássica neste assunto como, por exemplo, (Bassett
1981; Wunderlich 1976; Mandelkern 2004).
134
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
núcleos. Assim, os máximos desses dois processos são deslocados para os “lados” da Tg e da Tm,
respectivamente. A cristalização global, que depende dos dois processos, ocorre com máximo entre os
máximos anteriores.
Figura 5.1. Velocidades de nucleação (A), crescimento (B) e cristalização geral (C) em função da
temperatura. Abaixa da Tg não ocorre cristalização devido ao baixo movimento molecular, enquanto
acima da Tm ocorria destruição de cristais.
135
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
pelo movimento térmico. A partir daí, inicia-se o crescimento do cristal. A consolidação do núcleo é mais
favorável em temperaturas de cristalização mais baixas pois se tem menos energia para a destruição
desses embriões. No entanto, algum movimento molecular precisa existir para a junção dos segmentos
moleculares, daí a forma de sino (bell-shape) da Figura 5.1(A).
A Figura 5.2 representa, do ponto de vista termodinâmico, a relação entre a energia livre do
núcleo e o seu tamanho (ou do número de segmentos presentes no núcleo). Se o tamanho do embrião
for menor do que um valor crítico, que é fortemente dependente da temperatura de cristalização, o
processo é termodinamicamente desfavorável, com uma variação de energia livre positiva. A partir desse
tamanho crítico, a incorporação de novos segmentos moleculares resulta em redução na energia livre, e
assim, o embrião torna-se estável e não mais destruído pelo movimento térmico, passando a ser um
núcleo de cristalização consolidado que cresce espontaneamente.
Figura 5.2. Energia livre em função do tamanho do núcleo (Gedde 1995). A partir do tamanho crítico, o
processo se torna termodinamicamente favorável.
136
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Uma vez consolidado o núcleo, tem-se início ao crescimento cristalino, com a adição de novos
segmentos moleculares ao cristal crescente. O crescimento pode ser uni- bi- ou tri-dimensional,
formando-se respectivamente cilindros (fibras), discos ou esferas. No conceito desenvolvido por
Lauritzen-Hoffman (Lauritzen and Hoffman 1960)3, o crescimento cristalino se dá pela deposição de
curtos segmentos moleculares (“steams”) na face frontal do
cristal em crescimento, em um processo semelhante à
nucleações sucessivas sobre as lamelas existentes, conforme
imagem ao lado. No final do processo de crescimento, os
elementos formados colidem e o crescimento é interrompido
nos locais de contato, como já descrito com os esferulitos (seção
4.4.4). Se a cristalização for realizada em uma temperatura
constante, o crescimento ocorre, em geral, de forma linear, ou seja, com uma mesma velocidade. No
crescimento esferulítico, por exemplo, o raio do esferulito aumenta linearmente com o tempo, conforme
os dados mostrados na Figura 5.3, onde a velocidade de crescimento é simplesmente a variação do
diâmetro do esferulito em um dado intervalo de tempo.
2
A temperatura de fusão de equilíbrio representa o limite superior da fusão, quando os últimos traços de cristais
são destruídos. Esse conceito será descrito na seção 5.5.1.
3
Existem várias teorias para descrever o crescimento de cristais poliméricos do ponto de vista cinético, com
diferentes regimes de crescimento em função da temperatura, mas esse tema está além dos objetivos deste livro.
137
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.3. Evolução do raio de esferulito durante a cristalização isotérmica do polipropileno a 125°C
(Rabello and White 1997b). Até que ocorre o contato entre as bordas dos esferulitos, o crescimento tende
a ser linear.
138
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
tem grande importância prática para o processamento, uma vez que nos polímeros semi-cristalinos a
etapa da produção correspondente à solidificação do produto é a mais lenta e mais limitante para a
produtividade industrial. Evidentemente, nem sempre se pode realizar um procedimento baseando-se
apenas em um aspecto envolvido. Por exemplo, ao se conduzir a cristalização em temperatura mais baixa
para acelerar a sua ocorrência, pode-se resultar em um material com menor grau de cristalinidade,
levando à redução em determinadas propriedades físicas e mecânicas. Além disso, uma baixa
temperatura de molde também dificulta o preenchimento durante a injeção. Um compromisso de
efeitos precisa ser definido para obter um melhor balanço possível entre propriedades e produtividade.
Felizmente, existe um caminho interessante para se ter o benefício de ambos esses fatores – que é pelo
uso de agentes nucleantes, que será tratado a seguir.
139
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
140
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
peça não completamente cristalizada do molde, poderá haver empenamento do produto. Ao acelerar a
nucleação e, consequentemente, a cristalização do polímero, os agentes nucleantes viabilizam a
abertura do molde e extração da peça em uma temperatura mais elevada, mas com a cristalização
concluída. Isso resulta em uma redução no ciclo de injeção (ou de outros processos, como a
rotomoldagem), economizando alguns segundos no tempo de molde fechado e, assim,
aumentando a produtividade industrial. Por exemplo, ao reduzir o tempo de ciclo de injeção,
de 27 para 22 segundos, haverá uma produção adicional (em potencial) de aproximadamente 260.000
peças ao ano em cada injetora (considerando um regime de produção de 24h/dia, 360dias/ano).
Transforme esses números em lucro industrial e constate a importância econômica desse efeito...
Uma questão importante com relação à produção e aplicação dos produtos plásticos é a estabilidade
dimensional. Produtos com baixa estabilidade dimensional têm alterações dimensionais e, mais
frequentemente, empenamento. A mudança dimensional refere-se à contração pós moldagem que o
produto apresenta, que é resultado de sua cristalização
secundária. A distorção, por outro lado, pode ser devido à vários
fatores4, mas quando ocorre durante o uso e não logo após o
processamento, está relacionada com as relaxações
moleculares que o material apresenta caso seja submetido à temperatura elevada em serviço. Nesse
caso, o uso de agentes nucleantes aumenta a estabilidade dimensional do produto uma vez que (i) a
cristalização estaria mais completa durante o processamento, reduzindo a fração de material ainda apto
a cristalizar durante o uso; (ii) uma estrutura com esferulitos menores e, assim, com maior número de
cadeias atadoras é mais interconectada, reduzindo os efeitos negativos das relaxações moleculares e,
além disso, (iii) os polímeros com nucleantes possuem, frequentemente, maiores grau de cristalinidade,
o que já aumenta a estabilidade dimensional.
4
O empenamento durante (ou logo após) o processamento é um dos mais frequentes problemas industriais, sendo
relacionado com uma grande variedade de fatores, que incluem características de projeto do produto, projeto do
molde, condições de processamento e tipo de material. Isso pode ser previsto pelos softwares de simulação de
processamento e, assim, ser minimizado durante a produção. Veja este vídeo explicativo do fenômeno e das
possibilidades de solução.
141
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Como apresentado anteriormente (Capitulo 4), as propriedades mecânicas dos polímeros semicristalinos
são muito dependentes do número de cadeias atadoras inter-esferulíticas. Um maior número dessas
cadeias é conseguido utilizando grades de alta massa molar ou cristalizando o polímero em uma
condição em que se obtenha esferulitos de pequeno tamanho. A primeira alternativa recai no
inconveniente de resultar em uma viscosidade muito elevada no estado fluidoviscoso, o que pode
dificultar o processamento, especialmente nos casos em que se necessita altas velocidades, como na
injeção de paredes finas e longas. A segunda alternativa pode também não ser a ideal pois as condições
de cristalização nas quais se obtém esferulitos pequenos, como altas taxas de resfriamento, restringe o
desenvolvimento da cristalinidade, o que pode ser indesejável quando se requer elevada rigidez,
resistência tênsil ou HDT. O uso de agentes nucleantes força a ocorrência da nucleação heterogênea,
com um maior número de pontos de
nucleação. Assim, esferulitos menores são
formados e, frequentemente, se tem também
um maior grau de cristalinidade. Na imagem
ao lado, a figura da esquerda é o polipropileno
normal (sem agentes nucleantes) e a da direita
é o mesmo grade, cristalizado sob as mesmas
condições, mas contendo agentes de
nucleação. Observe a grande diferença no tamanho dos esferulitos – com nucleante, os esferulitos são
tão pequenos que são pouco perceptíveis no aumento utilizado. A alternativa de se incorporar agentes
nucleantes em polímeros cristalizáveis para controlar suas propriedades mecânicas e HDT é considerada
ideal uma vez que não tem as desvantagens mencionadas acima. Com um maior número de cadeias
atadoras se tem um produto mais resistente – tanto na tração quanto no impacto – e, sendo ele mais
cristalino, apresentará maiores valores de módulo elástico, HDT e Tvicat.
Os principais agentes nucleantes comerciais são compostos orgânicos à base de sais de ácidos
carboxílicos e os inorgânicos, como cargas minerais. Certos pigmentos e cargas também podem ter esse
tipo de atuação. O efeito nucleante obtido depende da combinação polímero-aditivo uma vez que o melt
polimérico necessita “molhar” a superfície sólida do nucleante para este funcionar como ponto de
ancoragem dos segmentos moleculares e, assim, iniciar a cristalização. Como é preciso haver uma
afinidade química entre o polímero e o agente nucleante, um determinado aditivo pode ser um
142
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
excelente nucleante heterogêneo para um determinado polímero, mas não ser efetivo em outro. Em
geral são utilizados em baixas concentrações (0,05 a 0,5%) e são incorporados durante o processamento
através de master batches5. Maiores detalhes sobre esse tipo de aditivo pode ser encontrado na
literatura específica sobre o tema (Rabello and de Paoli 2013; Zweifel 2001).
Os principais polímeros que recebem o agente nucleante são aqueles que, além de cristalizáveis,
apresentam uma velocidade de cristalização intermediária e, em virtude disso, o aumento na velocidade
implica em efeitos significativos. Por exemplo, o polipropileno e poliamidas têm as suas estruturas
cristalinas fortemente dependentes das condições de cristalização, que ocorre em velocidade
relativamente baixa, o que limita a produtividade industrial. Esses são os polímeros que mais recebem
aditivos nucleantes. Como o PET também possui as mesmas características, também é aditivado com
nucleantes caso de deseje produzi-lo no estado semicristalino. Por outro lado, polímeros que cristalizam
muito rapidamente, como o polietileno de alta densidade, não apresentam grandes vantagens no uso
de nucleantes pois o ganho em velocidade de cristalização não é significativo. De forma análoga,
polímeros que, embora cristalizáveis, possuam uma baixíssima velocidade de cristalização, como o
policarbonato, também não necessitam nucleantes pois a presença destes não o tornaria um produto
semicristalino na escala de tempo do processamento industrial. Na prática o policarbonato é utilizado
no estado amorfo ou com baixíssimo grau de cristalinidade.
Não é incomum o agente nucleante induzir uma determinada fase cristalográfica no polímero.
Por exemplo, o polipropileno, na maioria das situações, cristaliza no sistema monoclínico mas, na
presença de certos aditivos nucleantes, forma também a fase hexagonal.
A Figura 5.6 exemplifica esse efeito, observado por difratogramas de raios-
X. Note que a fase está pouco presente no polímero original mas é
Nucleante pode
induzir fase predominante no PP com nucleante. Esse tipo de efeito tem algumas
cristalográfica
consequências práticas. Para o caso do PP, por exemplo, a fase hexagonal
possui menor temperatura de fusão e gera produtos com maior
tenacidade e menor resistência à tração em relação a situações em que a
fase monoclínica é predominante. Os dados na Figura 5.7 mostram que, mesmo em pequenas
concentrações, o teor da fase hexagonal é significativo, o que altera consideravelmente a resistência ao
impacto do polímero. Observe que, para esse exemplo, a concentração desta fase não aumenta
proporcionalmente com o teor do nucleante e que existe uma forte correlação entre o teor da fase e
5
Master batch, ou simplesmente master, é um concentrado de determinado(s) aditivo(s) em um polímero-veículo
e são adicionados diretamente no processamento. Em geral são utilizados quando se requer uma concentração
final relativamente baixa de aditivos e, como são previamente dispersos no polímero-veículo, não requerem uma
etapa adicional de mistura dispersiva.
143
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
a tenacidade do material. O teor de fase (B)é calculada através dos difratogramas como uma simples
relação entre as intensidades dos picos correspondentes (Turner-Jones, Aizlewood, and Beckett 1964):
h
B= (5.1)
h1 + h2 + h3 + h
onde h é a altura, acima da linha do background amorfo, do pico correspondente ao plano (300) e h1,
h2 e h3 são as alturas correspondentes às reflexões monoclínicas (110), (040) e (130), respectivamente.
Figura 5.6. Difratogramas de raios-X do polipropileno puro e contendo 0,05% de BCHE30, um composto
dicarboxilato, que induz a fase hexagonal () (Zhao, Cai, and Xin 2008). Note que o PP sem nucleante
possui apenas uma pequena resposta da fase , como observado pelo pico (300), sendo
predominantemente monoclínico ().
Figura 5.7. Efeito da concentração do agente nucleante BCHE30, um composto dicarboxilato, no teor de
fase hexagonal e na resistência ao impacto do polipropileno (Zhao, Cai, and Xin 2008).
144
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Caso uma carga fibrosa tenha ação nucleante, haverá o chamado crescimento epitaxial,
conforme a imagem ao lado (Abdou et al.
2016). Nesse caso, os pontos de nucleação
ocorrem ao longo do comprimento da fibra
e, devido a isso, os cristais não crescem nas
3 direções e sim na direção ortogonal às
fibras (ver imagem menor) pois eles se
tocam lateralmente. Note na imagem que o
polímero adquire dois tipos de morfologia:
(i) a de crescimento epitaxial, próximo à
fibra e (ii) morfologia esferulítica convencional em posições mais distantes da fibra. Existe, portanto,
uma diferença na orientação dos eixos cristalográficos e pode haver também, a depender da ação
nucleante da fibra, uma diferença no tipo de fase cristalográfica. Observe ainda na imagem acima que a
região de crescimento transcristalino está completa, enquanto as regiões distantes da fibra ainda não
completaram a sua cristalização no instante em que a imagem foi capturada.
Pelo reportado nesta seção, é inegável a grande importância dos agentes nucleantes para
determinados polímeros cristalizáveis – tanto do ponto de vista tecnológico quanto no alcance de
determinadas propriedades estratégicas. Para a aplicação coerente do tipo e teor desse aditivo é
necessário desenvolver uma formulação adequada e, para isso, testar a eficiência do nucleante. Na
prática pode haver grandes diferenças nos efeitos obtidos conforme a natureza do polímero e do aditivo
adicionado. Os principais procedimentos para avaliação do efeito de nucleantes recaem nas seguintes
possibilidades:
• Avaliação da textura morfológica, principalmente por microscopia ótica de luz polarizada. Pode-se
comparar o tamanho médio dos esferulitos das várias composições em estudo.
• Avaliação da transparência. Como uma das principais consequências da redução no tamanho dos
cristais é o aumento na transparência, esta propriedade pode ser utilizada como critério de
eficiência do agente nucleante. Além dos métodos tradicionais usando espectroscopia no visível,
existem aparelhos mais simples e baratos para medir a transparência de filmes e produtos
moldados com o uso de medidores portáteis. Esse é o método mais utilizado quando o nucleante é
utilizado com o objetivo de reduzir a opacidade dos produtos.
145
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
• Calorimetria exploratória diferencial (DSC). De todas as opções, esse é método mais prático, rápido
e quantitativo. O procedimento mais direto é pela determinação da temperatura de cristalização
durante o resfriamento, conforme o exemplo da Figura 5.8. Nesse caso, a amostra é aquecida até
acima da temperatura de fusão e, em seguida, resfriada a uma
velocidade constante. O deslocamento do pico de cristalização para
temperaturas maiores é consequência da ação do agente nucleante,
Método mais
que viabiliza um maior número de núcleos estáveis em temperaturas recomendado para
mais altas, situação em que a taxa de crescimento é mais significativa avaliar a eficiência
de nucleantes
(Figura 5.1). A consequência final é uma velocidade maior de
cristalização, que se completa em temperaturas mais elevadas. Com
a crescente utilização do DSC como ferramenta usual de
caracterização de polímeros, tanto em ambientes acadêmicos como em indústrias, essa técnica é a
mais difundida para o desenvolvimento de formulações contendo agentes nucleantes.
Figura 5.8. Termogramas de DSC obtidos durante o resfriamento do polipropileno puro e com talco
(Rabello 1996). O talco atua como nucleante para o PP, deslocando a temperatura de cristalização para
valores mais altos.
Um exemplo comparativo da importância do DSC para diferenciar o efeito obtido com vários
tipos e concentrações de aditivos está mostrado na Figura 5.9. Nota-se uma grande diferença nos
146
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
resultados comparando-se os três tipos de nucleantes, em que um deles confere valores mais elevados
de temperatura de cristalização com a adição de quantidades bem reduzidas – apenas uma fração do
que seria necessário adicionar do aditivo menos eficiente. Nesse aspecto, vale também o princípio geral
da aditivação de polímeros, em que o mais desejável é se obter o máximo de efeito com a mínima
concentração adicionada; dessa forma, se reduz os eventuais problemas de efeitos negativos em outras
propriedades, de interações antagônicas entre aditivos e, por último, mas não menos importante, com
maior tendência de a formulação ser mais econômica (mesmo que o aditivo tenha um custo mais
elevado por Kg). Além da temperatura de cristalização, a técnica de DSC também permite outras
determinações, como grau de cristalinidade, transição vítrea, faixa de fusão, temperatura de
decomposição, etc. O DSC também pode ser utilizado para medições cinéticas mais complexas, tema
que será abordado na próxima seção.
Figura 5.9. Efeito do tipo e concentração de agente nucleante na temperatura de cristalização do PP.
PVCH: poli(vinil ciclo hexano); M 3988: derivado de sorbitol; NA 21E é um produto comercial com
composição química não revelada (Menyhárd et al. 2009).
147
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
formação e crescimento dos cristais em um microscópio ótico de luz polarizada com estágio de
aquecimento. No primeiro caso, usa-se a relação:
(a) medidas de volume específico. A densidade é o método mais preciso para aferir o grau de
cristalinidade de polímeros (seção 4.3.1) mas a sua determinação instantânea não é fácil. O volume
específico, que é o inverso da densidade e tem um outro princípio para a determinação experimental,
pode ser acompanhado com relativa facilidade por métodos dilatométricos, utilizando dilatômetro ou
por análise termo-mecânica. Exemplos de curvas obtidas por este procedimento estão mostrados na
Figura 5.10(a) que, pelo formato característico, são chamadas de curvas em “S”. Nesse tipo de ensaio
observa-se que, a partir de certo tempo, o volume estabiliza, o que caracteriza o final da cristalização
para uma dada temperatura. A partir desses dados se pode realizar estudos de cinética de cristalização,
utilizando modelos cinéticos, como o de Avrami (ver adiante, na seção 5.3.2). De modo mais simplificado,
se pode também determinar a taxa de cristalização em uma dada temperatura como o inverso do tempo
para se atingir metade da cristalinidade nesta temperatura (Figura 5.10(b)). Nesse exemplo, em
particular, a cristalização ocorre de modo bastante lento (escala de horas) devido à baixa
cristalizabilidade da borracha natural. Mesmo assim, como a borracha cristaliza, a temperatura de
148
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
armazenagem deve ser considerada, pois uma borracha cristalizada tem o processamento dificultado.
No exemplo dado, não se recomenda armazenar a borracha bruta em temperaturas de -40 a -10 °C.
Figura 5.10. (a) Redução do volume em função do tempo de cristalização da borracha natural em várias
temperaturas, determinados por dilatometria. As setas indicam os tempos em que a cristalização está
completa pela metade (t1/2). (b) Taxa de cristalização, determinada como o inverso de t1/2. (Billmeyer
1984). Note a semelhança da curva em (b) com a representação esquemática mostrada na Figura 5.1.
(c) Medidas óticas. Durante a cristalização ocorrem alterações nas propriedades óticas do material, que
dependem do percentual cristalizado. Esse acompanhamento pode ser feito por medidas de
transparência/opacidade ou por medidas de birrefringência.
(d) DSC. Sem dúvidas, esse é o procedimento mais amplamente utilizado e que será descrito com
maiores detalhes nas subseções 5.3.2 e 5.3.3.
149
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
150
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Podem ocorrer situações em que o crescimento não progride de forma linear durante toda a
cristalização, conforme mostra o exemplo da Figura 5.13. Neste caso, existe linearidade no crescimento
esferulítico até um determinado tempo e, a partir deste, um desvio é claramente observado antes que
ocorra o encontro dos contornos dos esferulitos. Esse tipo de desvio não é raro acontecer, tendo sido
registrado como resultado da presença de um segundo polímero, não
cristalizável (Canevarolo and Candia 1994) ou outras impurezas que são
151
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
degradação do polímero exposto à radiação ultravioleta. Quando a segregação de impurezas não ocorrer
em grandes proporções, não provoca modificações significativas na textura dos esferulitos nem na taxa
de crescimento. A localização dessas impurezas, entretanto, irá depender das condições de cristalização.
Caso a taxa de crescimento seja elevada e a taxa de migração das impurezas seja baixa, estas ficarão
concentradas no interior dos esferulitos. Caso ocorra o inverso, elas tenderão a serem expurgadas pelos
esferulitos em crescimento e, assim, se concentrarem nos contornos.
.
Figura 5.13. Crescimento esferulítico em uma amostra de PP previamente degradada por radiação
ultravioleta e a textura esferulítica correspondente ao final do processo de cristalização (Rabello and
White 1997b). A seta indica o tempo em que ocorre o desvio da linearidade, o que corresponde ao início
da formação de textura “serrilhada” mostrada na microscopia.
O acompanhamento da cristalização pode ser feito de forma (i) isotérmica, em que o melt
polimérico é resfriado rapidamente até uma determinada temperatura (constante) e as transformações
são acompanhadas ao longo do tempo; ou (ii) não isotérmica, em que o melt é resfriado com uma taxa
constante e as transformações são monitoradas em função da temperatura. Em ambas as situações, o
método mais utilizado para esse tipo de estudo é o DSC, por ser um procedimento relativamente simples,
de custo acessível e, caso o equipamento e os seus acessórios sejam apropriados, por possibilitar um
bom controle do processo de cristalização.
152
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Xc(t ) Area(t )
Xct = = (5.3)
Xc Areatotal
A partir desses dados, a curva de cristalinidade relativa em função do tempo pode ser construída e, daí,
determina-se a velocidade de cristalização isotérmica como o inverso do tempo necessário para atingir
50% da cristalinidade relativa (ver imagem ao
lado). Observe que a cristalinidade relativa
máxima possui o valor 1, mas isso não significa
que o polímero tenha atingido 100% de grau de
cristalinidade, uma vez que a cristalinidade
relativa é medida como uma proporção ao valor
máximo atingido naquela temperatura
(Equação 5.3).
153
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Tabela 5.1. Valores de expoente de Avrami para vários tipos de processos de cristalização. (Wunderlich
1976).
1 Heterogêneo Fibrilar
2 Homogêneo Fibrilar
3 Heterogêneo Discoide-esferulítico
4 Homogêneo Discoide-esferulítico
5 Heterogêneo Esferulítico
6 Homogêneo Esferulítico
Assim, plotando-se log t versus log[-ln(1-Xct)] deve se obter uma linha reta com inclinação n e que atinge
as ordenadas no valor log K, como mostra a Figura 5.15(a). A constante de velocidade K é muito sensível
à temperatura de cristalização, como se observa na Figura 5.15(b):
154
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.15. Exemplo de uma curva de Avrami (a) e da dependência da constante de velocidade K com a
temperatura de cristalização (b) (Rabello 1996). Nesse caso, apenas um lado da curva de velocidade
versus temperatura (Figura 5.1) foi observado. Isso pode ocorrer se o escopo experimental for limitado a
poucas temperaturas de cristalização e/ou dificuldade de estabilização da temperatura desejada antes
do início da cristalização.
É bastante frequente a observação de curvas de Avrami não completamente lineares, como nos
exemplos da Figura 5.16(b). Esse tipo de comportamento é atribuído a um processo de cristalização que
ocorre em dois estágios – a cristalização primária e a secundária. A cristalização primária é responsável
pela primeira parte da curva de Avrami, ocorrendo até o encontro dos
esferulitos. Após essa etapa, a cristalização continua ocorrendo, mas
em velocidade mais baixa – no interior dos esferulitos. Nessas regiões
os segmentos moleculares menos cristalizáveis são os principais A cristalização pode
ocorrer em dois
responsáveis por esse estágio da cristalização (Bassett 1981). De
estágios
acordo com esse princípio, o segundo estágio não afeta o tamanho dos
esferulitos e, assim, difere substancialmente do efeito de segregação
que altera a velocidade de crescimento, mostrado na Figura 5.13,
embora também seja influenciado pela segregação de impurezas e material menos cristalizável. Uma
observação importante é que as transformações que ocorrem no interior dos esferulitos não são
detectadas por microscopia ótica de luz polarizada, representando uma grande vantagem de
determinações cinéticas por DSC.
155
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.16. Cristalinidade relativa em função do tempo para várias temperaturas de cristalização e as
correspondentes curvas de Avrami (Rabello and White 1997b). Quando a curva de Avrami apresenta dois
estágios, os parâmetros n e K podem ser determinados para as duas etapas.
156
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
torna mais cristalino, mas os esferulitos podem ficar muito grandes, o que reduz o número de cadeias
atadoras nas regiões interesferulíticas, limitando o aumento na resistência tênsil.
40 50,4 32,9 67 96
Já foi comentado que a etapa de crescimento é iniciada quando o núcleo cristalino atinge um
tamanho crítico e se consolida, e que esse tamanho crítico é menor quando a temperatura for mais
baixa. Esse raciocínio vale também para a cristalização não isotérmica. Se o resfriamento for rápido, em
determinadas temperaturas muitos núcleos subitamente atingem o tamanho crítico e a cristalização
prossegue rapidamente com muitos cristalitos formados simultaneamente. Se o resfriamento for lento,
poucos núcleos se consolidam e, assim, os esferulitos formados têm amplo espaço para o crescimento,
se tornando maiores do que no resfriamento rápido.
Uma observação importante é que, caso se queira fazer uma cristalização isotérmica
submetendo o material no estado fundido até uma certa temperatura, e este material cristalize em
temperatura maior – antes de atingir o equilíbrio térmico na temperatura desejada – o mecanismo foi
essencialmente o de cristalização não isotérmica. De fato, a tendência à cristalização durante o
resfriamento varia significativamente de acordo com a natureza do polímero, definida por sua
cristalizabilidade. A Figura 5.17 faz esse comparativo entre vários polímeros usuais. Nesse ranking, o
157
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
poli(tetrafluoretileno), com sua estrutura altamente regular, simétrica e polar, possui maior habilidade
em cristalizar não isotermicamente, enquanto o PET, com um grupo volumoso na cadeia principal é o
menos propenso desse grupo.
Figura 5.17. Facilidade de cristalização, avaliado por CRC, para alguns polímeros comerciais. CRC significa
“crystallization rate coeficiente”, medido como a inclinação da curva taxa de resfriamento vs.
temperatura de cristalização não isotérmica (Di Lorenzo and Silvestre 1999).
altura (W) está relacionado com a distribuição de tamanho dos cristais formados; (d) a inclinação da
reta tangente ao termograma no início da cristalização (Si) está relacionada com a taxa de nucleação.
Figura 5.18. Exemplo de um pico exotérmico de cristalização obtido por DSC, seccionado para várias
temperaturas, e as curvas correspondentes em S, para várias taxas de resfriamento (Wellen 2002).
O modelo de Osawa considerou que a cristalização não isotérmica é controlada pelos mesmos
mecanismos da cristalização isotérmica e descritos por Avrami, sendo a equação de Osawa definida
como:
= exp −
K'
1− X (5.6)
rel dT/dt
m
Onde Xrel é a cristalinidade relativa parcial (medida em cada temperatura durante o resfriamento (Figura
5.18), dT/dt é a taxa de resfriamento, K´ é a constante cinética e m o coeficiente de Osawa que, similar
ao coeficiente n, de Avrami, define o tipo de nucleação e crescimento. Linearizando a Equação 5.6, tem-
se:
(
ln − ln 1 − X
rel
)= lnK' + m.ln dT/dt
1
(5.7)
Assim, o gráfico de ln[-ln(1-Xrel)] versus ln [1/(dT/dt)] deve ser uma reta (Figura 5.19), tendo inclinação
m e K´ como interseção no eixo das ordenadas. Cada curva de Osawa da Figura 5.19 representa uma
159
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
temperatura específica de cristalização e os pontos de cada reta correspondem aos dados obtidos com
as diferentes taxas de resfriamento, de modo que, quanto maior o número de experimentos realizados
em diferentes velocidades de resfriamento, mais representativa será a abordagem.
Figura 5.19. Curvas de Osawa, construídas a partir de termogramas obtidos em diferentes taxas de
resfriamento (Wellen and Rabello 2005).
Como já mencionado, para que ocorra a cristalização de polímeros, duas condições devem ser
atendidas: (i) o polímero deve ser cristalizável e (ii) as condições oferecidas para a cristalização devem
ser apropriadas. Assim, mesmo polímeros cristalizáveis podem não produzir cristais se, por exemplo, a
taxa de resfriamento durante a moldagem for muito elevada. Nesses casos, o produto obtido poderá ser
essencialmente amorfo. Alguns polímeros são mais propensos a
manifestarem esse tipo de efeito, como o PET, o PEEK e, em menor
intensidade, o PBT, as poliamidas e poliésteres lineares como o
Produtos amorfos a
poli(ácido lático) e o poli(hidroxibutirato). São polímeros que contém partir de polímeros
cristalizáveis
grupos aromáticos na cadeia principal, o que limita a mobilidade
molecular durante a cristalização, ou que possuam grupos polares. Em
todos eles, têm-se temperaturas de transição vítrea acima da
temperatura ambiente. Durante o processamento por injeção, por exemplo, pode-se utilizar moldes
gelados para obter produtos amorfos ou moldes quentes para produzir artigos semicristalinos. No
primeiro caso, a produtividade industrial é muito elevada, enquanto no uso de moldes quentes a
cristalização deve ocorrer durante o processamento que, sendo um fenômeno de natureza cinética,
160
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
requer um tempo maior para completar. Além da questão da produtividade, a escolha da temperatura
do molde deve considerar outros aspectos, como as propriedades requeridas na aplicação do produto
final. Sendo amorfo, o artefato poderá ser transparente, mais dúctil, menos resistente à tração e com
menor temperatura limite de uso, enquanto um produto semicristalino teria as tendências opostas.
Trata-se, portanto, de uma escolha que vai além das questões de produtividade e, na prática, as duas
opções são utilizadas.
Considere agora que um polímero cristalizável, como o PET ou o PEEK, foi produzido no estado
amorfo através do resfriamento brusco. Se esse material (amorfo) for aquecido lentamente acima de
sua temperatura de transição
vítrea, as moléculas adquirem
progressiva mobilidade e podem
iniciar um processo de cristalização,
envolvendo nucleação e
crescimento. Esse fenômeno é
chamado de cristalização a frio (ver
representação ao lado) e é
facilmente observado visualmente
ao aquecer uma chapa amorfa e
transparente de PET, que se torna
maleável acima de 70°C (a sua Tg) e,
posteriormente, adquire um aspecto “leitoso” e rígido, devido à cristalização. Por DSC, a cristalização a
frio é observada como um pico exotérmico acima da Tg (Figura 5.20). Nesse exemplo, o material possui
a transição vítrea, a cristalização a frio e a posterior fusão. A entalpia de cristalização a frio pode ser
determinada por DSC, sendo uma medida do percentual de cristalinidade atingida durante o
aquecimento6. Caso a entalpia de fusão seja superior à entalpia de cristalização a frio, isso indica que o
material original não era completamente amorfo e, assim, a entalpia de fusão seria um somatório da
cristalinidade original do material com a cristalinidade desenvolvida pela cristalização a frio. A estrutura
cristalina após o tratamento térmico que causa a cristalização a frio também é detectada por difração
de raios-X, conforme a Figura 5.21 para o caso do PET.
6
Utiliza-se o mesmo procedimento para determinação a cristalinidade a partir da entalpia de fusão – é só dividir a
entalpia medida experimentalmente pela entalpia de fusão dos cristais (equação 4.3), um valor padrão para cada
tipo de material.
161
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.20. Termograma de DSC durante o aquecimento do PET amorfo, com indicação das transições
térmicas e entalpias (dados do autor).
Figura 5.21. Difratogramas de raios-X para amostras de PET amorfo e após tratamento térmico na
condição indicada (Wellen and Rabello 2005). Nessa condição, o material atingiu um grau de
cristalinidade de cerca de 27%.
162
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.22. Efeito do tempo de cristalização a frio a 80°C no grau de cristalinidade e propriedades
mecânicas do PET (Wellen and Rabello 2005). As mudanças nas propriedades mecânicas são
consequência direta do aumento na cristalinidade do material.
O fenômeno de cristalização a frio também pode ser estudado pelos procedimentos usuais de
cinética de cristalização isotérmica ou não isotérmica, utilizando os modelos tradicionais como os de
Avrami ou Osawa (Wellen and Rabello 2005; Wellen, Canedo, and Rabello 2011). A estrutura cristalina
formada nesse tipo de condição tende a ter maior imperfeição quando comparada com a estrutura
produzida pela cristalização a partir do melt, mas, nos dois casos, características como grau de
cristalinidade, espessura lamelar, tamanho dos cristais e perfeição cristalina, irão depender das
condições empregadas na cristalização.
163
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
A cristalização a frio é um fenômeno importante para alguns tipos de polímeros e pode ser
desejável ou altamente indesejável. Desejável se o material for cristalizado posteriormente ao
processamento para adquirir determinadas propriedades. Nesse caso, os agentes nucleantes podem ser
de grande valia, já que aceleram o processo de cristalização a frio de forma semelhante à cristalização
convencional (Alvaredo et al. 2019). Por outro lado, se o objetivo for obter produtos amorfos e esses
produtos sofrerem conformações posteriores mediante novo aquecimento acima da T g, a cristalização a
frio inviabiliza o processo (ver quadro nesta seção). Esse seria o caso das garrafas de PET, em que, para
reduzir a tendência a cristalização a frio, se utiliza grades de PET chamados de “grau garrafa”, que são
copolímeros – menos cristalizáveis do que os homopolímeros. Algumas características do PET utilizados
na fabricação de garrafas foram compiladas aqui.
Por outro lado, existem situações em que o envase é realizado em temperaturas altas e a
cristalinidade do PET na região do suporte e rosca da garrafa
são desejáveis para que não ocorra amolecimento durante o
envase. Veja o resultado da imagem ao lado, em que apenas
o gargalo da pré-forma está esbranquiçada pela cristalização.
Isso é conseguido por um procedimento de aquecimento
seletivo e um vídeo do processo pode ser conferido aqui.
7
Fenômeno em que ocorrem fissuramentos superficiais quando o produto polimérico estiver em contato
simultaneamente com um agente químico agressivo e tensões mecânicas. Esse tipo de efeito é de grande
importância prática e será abordado posteriormente, no Capítulo 7.
164
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A produção das garrafas de PET ocorre em duas etapas: (1) injeção da pré-forma em molde gelado,
obtendo-se um material amorfo (ver processo aqui); (2) aquecimento da pré-forma entre a Tg e o início
da cristalização a frio ver termograma acima), seguido de estiramento e sopro (ver processo aqui). O
controle da temperatura de aquecimento das pré-formas antes do sopro é parte crucial no processo; se
for muito baixa, a deformação pode ser insuficiente para a formação da garrafa, mas, se for muito alta,
a cristalização a frio ocorre durante esse aquecimento, o que inviabiliza o sopro. Uma das imagens acima
mostra uma pré-forma esbranquiçada, que sofreu a cristalização a frio durante o aquecimento. De fato,
esse é o maior problema em uma fábrica desse tipo, representando a maior parte do refugo industrial.
Em estudos desenvolvidos com participação deste autor (Wellen, Canedo, and Rabello 2012; Wellen and
Rabello 2009), através de análises de cinética de cristalização isotérmica e não isotérmica, observou-se
que a adição de pequenas quantidades de impurezas reduz a tendência à cristalização a frio do PET, o
que confere uma maior janela de processamento e, assim, reduz os defeitos de fabricação. Essas
impurezas, na forma de moléculas de poliestireno e copolímero SAN, foram chamadas de “anti-
nucleantes”, uma vez que provocam o efeito oposto dos agentes nucleantes em polímeros.
Vale observar que, nos casos de polímeros com Tg acima da ambiente, o procedimento de
recozimento pode resultar também em cristalização a frio, já que os dois fenômenos são resultado da
mobilidade molecular induzida pelo aumento da temperatura.
Convenhamos, é até difícil diferenciar os limites da cristalização a frio
propriamente dita (formação de novos cristais a partir de um material
Recozimento amorfo) e o aperfeiçoamento da estrutura com a cristalização
versus
cristalização a frio secundária, mesmo considerando que esta última representa um
aumento pequeno no grau de cristalinidade do material. No exemplo da
Figura 5.23 tem-se a evolução da cristalinidade do PLA com o tempo de
tratamento térmico em diferentes temperaturas. A 65°C, mais próximo
da Tg, a mudança estrutural é muito mais lenta, resultado da pouca mobilidade dos segmentos
moleculares. Embora os autores do trabalho utilizem o termo “annealing” para descrever o estudo, os
efeitos são, claramente, também relacionados com a cristalização a frio pelo grande incremento na
cristalinidade com o procedimento– o que é evidenciado também com picos de exotérmicos durante
ensaios por DSC reportados pelos autores (Srithep, Nealey, and Turng 2013).
Figura 5.23. Efeito do tempo de tratamento térmico no grau de cristalinidade do poli(ácido lático)
submetido a diferentes temperaturas de recozimento (Srithep, Nealey, and Turng 2013).
166
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Por fim, se o recozimento for realizado próximo da temperatura de fusão do polímero, poderá
haver a destruição da ordem cristalina existente e subsequente recristalização em lamelas mais
espessas. Esse procedimento é algumas vezes utilizado em estudos mais aprofundados sobre a
cristalinidade e morfologia de polímeros (Bassett and Patel 1994), mas não possui muito interesse
prático.
Entretanto, o processamento não confere apenas a forma física, mas também uma estrutura
interna e, sendo assim, terá uma influência direta nas propriedades do produto. Técnicas como injeção,
extrusão, sopro, rotomoldagem, termoformagem, compressão, etc, são amplamente utilizadas pela
indústria na produção dos artefatos plásticos, mas não é objetivo deste livro descrever esses processos.
Existem inúmeras (boas) publicações, mesmo em português, sobre as tecnologias de processamento de
polímeros, por exemplo: (Manrich 2013; Harada and Ueki 2012; Machado and Harada 2015; Harada
2022).
167
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
O princípio básico do processamento de polímeros consiste em: (1) aquecimento até uma
temperatura, em geral, acima da temperatura de fluxo; (2) conformar o melt em uma forma pré-
determinada; e (3) resfriar até a sua solidificação:
168
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Como mostra a Figura 5.24, quando uma amostra de polímero for submetida a um gradiente
térmico a sua taxa de resfriamento efetiva varia instantaneamente durante o resfriamento que,
portanto, terá a sua cinética de cristalização não isotérmica variável durante a solidificação. No exemplo
mostrado, a taxa de resfriamento é de aproximadamente 210°C/s quando o material está à 180°C, mas
de apenas 90°C/s quando está à 80°C. Esse princípio é descrito pela Lei de Fourier, tópico importante da
disciplina de Fenômeno de Transportes. Essa é a primeira grande influência do processamento na
cristalização, de natureza meramente térmica. Em função das temperaturas envolvidas no
processamento, a taxa de cristalização terá efeito no grau de cristalinidade, morfologia e na própria
cinética de cristalização. A Tabela 5.2 mostrou um exemplo dessa influência.
Figura 5.24. Exemplo da variação da taxa de resfriamento durante o resfriamento da poliamida 6 (Cavallo
et al. 2011). A seta indica o sentido da variação da temperatura.
A Figura 5.25, dos mesmos autores dos dados mostrados na Figura 5.24, indica que a perfeição
da estrutura cristalográfica do material, deduzida a partir de difratogramas de raios-X, apresenta
variação durante o resfriamento, que é consequência das condições pontuais de cristalização. Nas fases
iniciais do resfriamento, i.e., com choque térmico elevado, o material pode não cristalizar ou formar uma
estrutura hexagonal altamente imperfeita (mesofase). No decorrer do resfriamento a condição se torna
mais favorável para a formação cristalina e, assim, cristais monoclínicos mais perfeitos são obtidos. Essas
transições de comportamento, entretanto, podem ser mais complexas se houver mudanças nos
mecanismos de nucleação e crescimento em diferentes fases do resfriamento. São esperadas também
mudanças na cristalinidade e na morfologia do material.
169
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.25. Formações cristalinas durante o resfriamento da poliamida 6, com indicação da variação da
temperatura de cristalização em função da velocidade pontual de resfriamento. Dados baseados em
(Cavallo et al. 2011). Cristais referem-se a fase cristalográfica do tipo monoclínica, enquanto a
mesofase são cristais hexagonais altamente imperfeitos. As transições entre os tipos de fase
cristalográfica não são bem definidas, tendo-se observado combinações de cristais em várias condições
experimentais.
170
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
171
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
8
Existe uma certa complexidade na análise das tensões e fluxos que ocorrem durante o processamento de
polímeros, que corresponde a um tema chamado reologia, de grande interesse para projetistas de moldes e demais
equipamentos de processamento (Bretas and D´Avila 2000; Navarro 1997).
172
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A ocorrência de cristalização induzida por fluxo pode ser observada indiretamente por métodos
reométricos, em que se mede, por exemplo, como o torque varia durante o processo de cristalização.
Em uma condição isotérmica, o aumento de torque (ou de tensão de cisalhamento) pode significar que
o material cristaliza durante o cisalhamento. Em estudos com o polipropileno verificou-se que a
cristalização induzida por fluxo ocorre e é determinante e fortemente dependente dos parâmetros de
processo, como temperatura e taxa de deformação (Farah and Bretas 2004). Os autores verificaram que
existe um padrão de comportamento, representado esquematicamente na Figura 5.28. Na região 1 a
tensão de cisalhamento diminui com o tempo e é meramente um efeito reológico chamado de
pseudoplasticidade, causado pela tendência ao desemaranhamento das moléculas, reduzindo a
viscosidade. Na região 2 tem-se um pequeno aumento na tensão de cisalhamento devido ao início da
cristalização (nucleação induzida pelo fluxo). Na medida em que a cristalização prossegue, tem-se dois
efeitos opostos: (i) a exotermia de cristalização, que reduz a viscosidade devido ao aumento da
temperatura localmente (região 3) e (ii) crescimento cristalino, o que eleva a proporção de material
sólido (região 4).
Tensão de cisalhamento
1 2 3 4
Tempo de cisalhamento
Figura 5.28. Representação esquemática da variação da tensão de cisalhamento com o tempo para o
polipropileno. Figura baseada em (Farah and Bretas 2004). Ver texto para o significado da numeração.
A orientação molecular obtida não é uniforme em todo o produto. Em primeiro lugar, existe uma
forte variação com a profundidade. Próximo à superfície, a orientação tende a ser elevada devido ao
congelamento da orientação provocada pelo fluxo cisalhante que atinge o molde refrigerado. Um pouco
173
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
abaixo da superfície a orientação é ainda mais alta pois a nova camada de material é submetida um fluxo
elongacional, de maior intensidade do que o fluxo cisalhante. Camadas posteriores tendem a ser menos
orientadas devido ao tempo disponível entre o preenchimento do molde e a solidificação do produto, e
nesse intervalo, ocorre a relaxação molecular – pelo menos parcialmente. Se o produto for
suficientemente espesso, as camadas mais ao centro poderão estar com suas moléculas não orientadas.
A Figura 5.29 exemplifica essa influência para o caso do polietileno, mostrando a variação da orientação
molecular com a profundidade.
174
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
cisalhamento com determinada faixa de temperaturas (Norton and Keller 1985), mas também podem
ser formados a partir da presença de certos agentes nucleantes (Zhao, Cai, and Xin 2008). O teor da fase
hexagonal, determinado por difração de raios-X (equação 5.1) em função da profundidade (também
mostrado na Figura 5.30), indica uma grande heterogeneidade, com ausência desse tipo de estrutura
em profundidades abaixo de 600m. Observe a simetria do gráfico, consequência de similaridade
estrutural nas duas faces da amostra.
Figura 5.30. Microscopia ótica de luz polarizada da seção transversal de uma amostra de PP injetado
com 3,1mm de espessura e variações teor fase hexagonal (índice B) ao longo da profundidade (Rabello
1996). A imagem mostrada na microscopia corresponde a uma profundidade de ~2,1mm
Vale fazer a observação de que a estrutura skin-core com suas diversas camadas de
estratificação, depende de diversos fatores, como condições
de processo, tipo de material, massa molar e espessura do
produto, etc., não existindo um padrão válido para todos os
casos. Em algumas situações, morfologias do tipo “shish-
kebab” são observadas em determinadas camadas, como
resultado da combinação de esforços de cisalhamento com a
temperatura de cristalização. Isso é relativamente comum
com o polietileno, exemplificado na imagem ao lado (Liu et al. 2018).
175
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
inibir a relaxação das cadeias, mantendo uma orientação mais elevada. O autor sugere que,
extrapolando a temperatura de processamento para valores baixos – que seria a própria temperatura
de fusão do polímero – se teria um percentual de material orientado próximo de 100%.
Figura 5.31. Efeito da temperatura do cilindro de injeção e da pressão de injeção na proporção da camada
orientada no polipropileno. As linhas tracejadas representam extrapolações para a temperatura de fusão
do polímero (Kantz, Newman, and Stigale 1972).
Um exemplo bastante didático está mostrado na Figura 5.32. Em chapas injetadas, corpos de
prova foram removidos por usinagem em diferentes posições e ensaiados por resistência ao impacto.
Os dados mostram que a tenacidade foi 3 vezes menor em regiões próximas ao ponto de injeção em
comparação com regiões mais extremas. Isso é uma consequência direta dos efeitos de processamento,
especialmente a orientação molecular. As consequências disso são várias. Em primeiro lugar, o produto
176
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
não possui propriedades uniformes, podendo ocorrer fratura em regiões mais vulneráveis. Além disso,
esse fato tem influência também em procedimentos de controle de
qualidade industrial e de interação entre fornecedor e cliente. Ciente
deste tipo de comportamento, é preciso uniformizar o local da peça que
Produto injetado não será submetido ao teste mecânico para que a aferição de qualidade
é uniforme!
possa ser consistente. Isso também afeta diretamente projetos de
pesquisa e desenvolvimento, em que as variações experimentais
poderão ser muito altas se não padronizar a localização e a direção de
retirada dos corpos de prova de uma peça injetada. Por fim, essas variações levam ao questionamento
da validade na utilização propriedades aferidas em corpos de prova simplificados para fins de projeto de
componentes mais complexos.
Figura 5.32. Resistência ao impacto do PP em corpos de prova retirados de diferentes posições. Baseado
nos dados de (Murphy, Thomas, and Bevis 1988). A orientação molecular é mais elevada próximo ao
ponto de injeção, tornando o produto anisotrópico. Essa diferença de comportamento depende da
direção em que os corpos de prova são removidos da chapa injetada.
A orientação dos cristais também é afetada pelo processamento. A Figura 5.33 mostra uma
grande diferença na orientação dos planos cristalográficos do PP de acordo com a técnica de moldagem.
Em peças produzidas por compressão, observa-se uma camada superficial transcristalina (causada pela
ação nucleante da superfície do molde) e uma grande intensidade do plano (110), enquanto no produto
injetado o plano (040) é mais intenso. Também é possível quantificar a orientação cristalina através de
índices apropriados. Por exemplo, para o PP, o índice A110 quantifica a orientação dos plano (110) através
177
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
da relação entre a intensidade deste plano e os demais planos (Zipper, Janosi, and Wrentschur 1993). A
Figura 5.34 mostra que esse índice é reduzido progressivamente com a distância do ponto de injeção –
exatamente o que seria esperado para a orientação molecular (que é muito menos simples de ser
medida).
Figura 5.33. Efeito do tipo de processamento no padrão na morfologia (ao longo da seção transversal) e
no padrão de difração de raios-X (obtido na face principal dos corpos de prova) do polipropileno. Superior:
amostra produzida por injeção; inferior: amostra por compressão (Rabello 1996).
Figura 5.34. Fator de orientação cristalina dos planos (110) do PP em várias distâncias a partir do ponto
de injeção (Rabello 1996).
178
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A depender do design e do tamanho do produto, muitas vezes se projeta um molde com mais de um ponto
de injeção, para facilitar o preenchimento da cavidade. As linhas de fluxo seguem um determinado padrão,
do tipo “fountain”, conforme imagem acima. Nesse exemplo, as duas frentes de fluxo, ao se encontrarem,
formam uma região de solda com reduzida interdifusão entre as frentes, resultado da alta viscosidade da
massa polimérica. No final do preenchimento forma-se também um vértice, chamado de entalhe “V”. O
entalhe V, juntamente com a região de baixa interdifusão e uma orientação molecular desfavorável
(ortogonal ao fluxo) são responsáveis pela redução na resistência mecânica de polímeros contendo linhas de
solda. Existem procedimentos que podem minimizar esse tipo de efeito, que incluem as variáveis de
processamento e o posicionamento dos pontos de injeção para gerar linhas de solda em locais menos críticos.
Em estudos sobre a degradação de polímeros contendo linhas de solda, este autor observou que o padrão de
fissuramento resultante da degradação tem grande semelhança com o fluxo “fountain”, conforme imagem
acima. Postulou-se que a orientação molecular durante o processamento determina a localização e o formato
das trincas geradas durante a exposição, podendo este padrão ser um tipo de impressão digital do que ocorre
durante o processamento (Rabello et al. 2000; Rabello and White 1996). O fissuramento causado pela
exposição é devido à cristalização superficial do material, um fenômeno chamado de “quemi-cristalização”
(Rabello and White 1997a).
Figura 5.35. Termogramas de DSC do PEAD e do PEBD. Dados obtidos por J.E. Silva Neto, PPGCEMAT,
UFCG.
Do ponto de vista termodinâmico, a energia livre de fusão Gm é dada pela expressão
180
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Dessa forma, quanto o polímero apresenta pouca mudança de entropia durante a fusão e os seus cristais
precisam de uma maior quantidade de energia para fundir, a temperatura de fusão é maior. Por
exemplo, estruturas muito aromáticas tendem a apresentar relativamente pouca mudança de entropia
durante a fusão e, como consequência, têm elevados valores de
temperatura de fusão. É o caso do PEEK (estrutura química ao lado),
com Tm próximo de 340°C.
Nos materiais usuais, a fusão acontece em uma faixa de temperaturas relativamente estreita,
como, por exemplo, o metal índio, que ocorre em um intervalo de 4-6°C. Nos polímeros a faixa de fusão
(diferença entre as temperaturas de início e fim da fusão) é, geralmente, muito larga, podendo chegar
até a 100°C em alguns casos. A
sequência de imagens ao lado foi
registrada durante o aquecimento
de uma amostra de PP (Rabello
1996), observando-se um
desaparecimento gradual dos
esferulitos presentes. Mesmo na
última imagem ainda se observa
alguma birrefringência, indicando
traços de material cristalino. Em um
termograma de DSC (Figura 5.36), o
pico de fusão é visualizado como uma transformação endotérmica, em que os cristais menores e menos
perfeitos fundem em temperaturas mais baixas e os cristais maiores e mais perfeitos em temperaturas
mais elevadas. Os cristais defeituosos requerem menos energia para fundir, pois os defeitos atuam como
redutores de empacotamento, diminuindo a intensidade das forças intermoleculares nos cristais. Os
cristais pequenos têm alta energia superficial em virtude da maior área específica, necessitando menos
energia por volume para fundir pois a troca de calor é mais eficiente9. Assim, apesar da fusão ocorrer
em uma faixa de temperaturas, convencionou-se indicar a Tm no termograma de DSC como o ponto de
9
Fazendo uma analogia simplista, considere 1Kg de gelo na forma de um bloco único, compacto. Se você moer um
bloco idêntico e comparar o tempo para o gelo derreter nos dois casos, é óbvio que o gelo moído irá derreter muito
mais rápido do que o bloco compacto – consequência de uma maior área superficial.
181
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
máxima transformação (ver Figura 5.36), e isso correspondente a uma determinada população,
predominante, de cristais.
Figura 5.36. Termograma de DSC de uma amostra de PET, mostrando o pico endotérmico de fusão e a
indicação dos tipos de cristais que fundem em cada faixa de temperatura (elaborado pelo autor). Note
ocorre fusão abaixo e acima da Tm, sendo este um parâmetro convencional para reportar a estabilidade
térmica dos cristais.
for a cristalização, menor será a faixa de fusão observada. No termograma da Figura 5.36 tem-se a
indicação da Tm como o sendo o ponto de máxima transformação, mas que, na verdade, a fusão iniciou
antes da Tm e continua ocorrendo em temperaturas acima da Tm. Assim, surge o questionamento:
A resposta é: não!
(a) Baseando-se na equação 5.10 abaixo, plota-se o inverso da espessura lamelar 1/L vs. Tm e extrapola-
se a reta obtida para 1/L=0 (ou L→∞). A temperatura de fusão de equilíbrio é obtida como a
interseção da reta com o eixo das ordenadas (Figura 5.37).
2𝜎
𝑇𝑚 = 𝑇𝑚𝑜 (1 − 𝐿.∆𝐻𝑒 ) (5.10)
𝜇
onde e é a energia livre superficial e H a entalpia de fusão dos cristais, ambos característica do
polímero, e L é a espessura das lamelas. A energia livre superficial pode ser determinada, na mesma
curva, como a inclinação da reta, que é igual a 2.e. 𝑇𝑚𝑜 /H.
Note que para ambos os métodos é preciso cristalizar isotermicamente o material em diferentes
temperaturas e medir a Tm (convencional) por DSC. Os resultados pelos dois métodos, em geral,
coincidem, mas o segundo procedimento é muito mais prático e rápido pois depende apenas do
equipamento de DSC, enquanto medidas de espessura lamelar requerem o uso de espalhamento de
raios-X em pequeno ângulo (SAXS), muito menos disponível nos laboratórios de polímeros. A princípio,
também se poderia determinar 𝑇𝑚𝑜 por microscopia ótica de luz polarizada com o acessório de estágio
183
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.37. Métodos para determinação da temperatura de fusão de equilíbrio de polímeros (ver texto).
Nos gráficos, a temperatura de fusão seria a Tm convencional, medida por DSC, por exemplo.
Nota importante: apesar da temperatura de fusão de equilíbrio ser o parâmetro mais correto para aferir
a estabilidade térmica dos cristais poliméricos e, assim, servir de base para seleção de materiais,
desenvolvimento de produtos, etc., na prática a Tm convencional é mais utilizada para esses fins. A razão
para isso é a simplicidade de medida, através de um único termograma de DSC, aliada ao fato de ser
mais tradicionalmente utilizado por autores em livros, artigos, handbooks, boletins técnicos, etc. De toda
forma, sendo Tm ou 𝑇𝑚𝑜 , é preciso estar ciente de que a fusão ocorre em uma faixa (larga) de
temperaturas.
184
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
(a) Durante a cristalização formam-se duas fases cristalográficas, com faixas de fusão distintas. Isso
pode ocorrer, por exemplo, no caso de blendas imiscíveis entre dois polímeros cristalizáveis, ou no
caso de um polímero que cristalize em dois sistemas cristalográficos que possuam diferentes
temperaturas de fusão. Dessa forma, cada fase cristalina terá a sua faixa de fusão característica,
que será detectada por DSC. De acordo com este mesmo princípio, moléculas muito defeituosas
podem segregar durante a cristalização, formando, na cristalização secundária, uma fase muito
instável, com menor Tm em relação aos cristais formados na cristalização primária. A depender da
proporção entre os componentes, o pico duplo pode estar bem definido, como na Figura 5.38, ou
se apresentar apenas como um ombro adjacente ao pico principal.
(b) Pode haver reorganização cristalina durante o aquecimento. Por exemplo, se a fase cristalina do
material for instável, ela funde ou recristaliza durante o aquecimento, formando uma fase mais
estável ou com maior espessura lamelar. Finalmente, essa nova fase funde em temperaturas mais
elevadas. Como essa transformação tem uma dependência cinética, o aquecimento realizado
durante o ensaio em diferentes velocidades pode confirmar (ou não) essa hipótese. Por exemplo,
se a intensidade relativa dos picos forem alteradas ao se aplicar uma diferente taxa de aquecimento,
trata-se, provavelmente, de uma transformação cristalina durante o teste (Varga 1995). Caso a
intensidade relativa do primeiro pico não seja alterada, é provável que duas fases cristalinas
coexistam na amostra.
Figura 5.38. Exemplo de picos duplos de fusão durante o aquecimento do poli(hidroxibutirato) (Wellen et
al. 2015).
185
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Um exemplo do primeiro caso é dado na Figura 5.39, em que uma camada transcristalina de
cristais hexagonais de PP, que crescem epitaxialmente em uma fibra, fundem em temperatura mais
baixa do que os cristais que estão mais distantes da fibra. A temperatura de fusão do PP hexagonal é de
~145°C, enquanto a do PP monoclínico (o mais comum) é de ~165°C. Note também na Figura 5.39 que
os demais esferulitos têm a sua textura alterada pelo aquecimento, possivelmente com uma mudança
sinal de birrefringência. 10
Figura 5.39. Exemplo de fusão parcial de uma camada transcristalina de PP (Li et al. 2004).
10
A birrefringência de um esferulito é definida como a diferença dos índices de refração ao longo das direções
radial e tangencial. Esferulitos de birrefringência positiva tem uma maior concentração de lamelas tangenciais,
enquanto que nos esferulitos negativos as lamelas radiais predominam (Norton and Keller 1985). Durante o
aquecimento o sinal do esferulito pode ser alterado pela fusão das lamelas tangenciais que são menos espessas do
que as radiais, alterando a textura da morfologia.
186
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 5.40. Mudanças morfológicas durante o aquecimento de uma amostra de PP, com fusão quase
total em (c) e reaparecimento dos cristais em (d) (Rabello and White 1997b).
O HDT (ASTM D-648) mede a temperatura em que um corpo de prova com dimensões padrão
(12,7cm x 1,3cm x 3cm) deflete 0,25mm quando submetido a uma
tensão de 0,45MPa ou de 1,8MPa em um banho termostatizado sob
aquecimento a uma taxa constante. Ver procedimento
aqui. Conceitualmente, o HDT avalia a temperatura em que
o material perde sua capacidade de suportar tensões sem
defletir significativamente, e as duas opções de tensão contemplam
situações em que o produto pode estar sujeito a esforços mecânicos
menores ou maiores. O ensaio tornou-se amplamente utilizado em
todas as partes do mundo, sendo um dos principais critérios de seleção de materiais poliméricos. Tanto
187
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
o HDT quanto a temperatura de amolecimento Vicat são testes arbitrados, com condições determinadas
que, a princípio, poderiam ter sido criados com valores diferentes.
A temperatura de amolecimento Vicat (ASTM D-1525) tem semelhanças com o HDT, medindo a
temperatura em que uma agulha de 1mm2 de seção circular sob carga
de 1Kg ou de 5Kg penetra 1mm em um corpo de prova aquecido em
banho termostatizado a uma taxa constante. O corpo de prova não
precisa ter o rigor dimensional do HDT, apenas a espessura deve ser
superior a 2mm. A aparelhagem, assim como a execução do
teste, é bastante simples, como se pode observar neste vídeo.
A Tvicat avalia a temperatura em que o material perde sua
estabilidade de forma.
A Tabela 5.3 mostra valores típicos de HDT e Tvicat de alguns polímeros comerciais, em
comparação com as suas transições térmicas. Algumas observações são relevantes, considerando não
apenas os dados da tabela, mas também as informações técnicas sobre o tema:
Tabela 5.3. Valores típicos de temperaturas de transição, HDT e Tvicat para alguns polímeros comerciais,
em comparação com Tg e Tm. Dados obtidos de fontes diversas.
Poliestireno 100 - 80 90
A degradação oxidativa causa grandes transformações químicas nos polímeros, como cisões moleculares
e formação de determinados grupos químicos. Existem diversas técnicas para quantificar esses efeitos,
como medidas de massa molar e espectroscopia de infravermelho.
Quando um polímero semicristalino e degradado funde e é recristalizado, os cristais formados tendem
a ser muito mais defeituosos em comparação com o material original. Isso porque ele incorpora os
defeitos gerados na oxidação, como grupos carbonila e hidroperóxidos, a depender da química da
degradação. Dessa forma, a temperatura de fusão desse polímero tende a ser depreciada, em proporção
ao teor de impurezas químicas presentes nessas moléculas degradadas.
Os trabalhos deste autor envolvendo a fotodegradação do polipropileno (Rabello and White 1997c)
mostraram que a temperatura de fusão pode ser uma medida indireta da extensão da degradação
química de polímeros semicristalinos. Ensaios de DSC mostraram que a Tm no segundo aquecimento está
proximamente relacionada com outras técnicas utilizadas para aferir a degradação do polímero, como
mostram os gráficos acima. Nesse caso, foram feitas medidas de massa molar e de T m em diferentes
profundidades no corpo de prova degradado.
189
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
PARA DISCUSSÃO
Agentes nucleantes. Realize mistura do talco industrial com alguns polímeros cristalizáveis – PP, PE,
poliamidas, poliésters, etc. Avalie a ação nucleante do talco por DSC para as várias misturas, observando
as diferenças de eficiência do nucleante conforme a natureza do polímero.
Tempo de ciclo de injeção. Prepare misturas de PP ou de poliamida com agente nucleante e realize ciclos
de injeção. Determine o tempo mínimo de resfriamento em que o molde pode ser aberto sem que ocorra
empenamento. Relacione os resultados com a composição do material.
Cristalização epitaxial. Em uma lâmina de microscópio, funda uma película de polipropileno e, sobre ela,
deposite uma fibra de vidro ou de Kevlar®. Aqueça novamente essa lâmina e observe por microscopia
ótica o crescimento esferulítico próximo e longe da fibra. Repita o procedimento realizando
manualmente um deslocamento axial da fibra.
190
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
cristalização, a amostra pode ser aquecida novamente até a fusão, determinando-se a Tm. Com as várias
medidas de Tm para cada temperatura de cristalização, determine a temperatura de fusão de equilíbrio
dos dois tipos de polietileno.
Cristalização a frio do PET. Muitos produtos de informática, como mouses e pen drives, são
comercializados em embalagens de PET, do tipo blisters (ver imagem ao lado).
Aqueça uma amostra dessa embalagem em placa de aquecimento ou em uma
chama e observe a mudança gradual na transparência durante o aquecimento,
com o embranquecimento, seguido da fusão em temperaturas mais elevadas.
Realize um ensaio por DSC, observando a inflexão da transição vítrea, o pico de cristalização a frio e a
fusão. Determine o grau de cristalinidade da embalagem original com base na diferença entre a entalpia
de fusão e a entalpia de cristalização a frio. Nota: essas embalagens também podem ser feitas com PET
copolímero e pode não ser cristalizável – a depender da composição. Nesse caso, a cristalização a frio
não será observada
191
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Mandelkern, Leo. 2004. Crystallization of Polymers: Volume 2: Kinetics and Mechanisms (Cambridge
University Press: Cambridge).
Wunderlich, B. 1976. Macromolecular Physics. Vol. 2: Crystal Nucleation, Growth, Annealing (Academic
Press: New York).
Wunderlich, B. 1980. Macromolecular Physics. Vol. 3. Crystal Melting (Academic Press: New York).
Referências
Abdou, John P., Karina J. Reynolds, Michaela R. Pfau, Justin van Staden, Gregory A. Braggin, Navid
Tajaddod, Marilyn Minus, Víctor Reguero, Juan J. Vilatela, and Shanju Zhang. 2016. 'Interfacial
crystallization of isotactic polypropylene surrounding macroscopic carbon nanotube and
graphene fibers', Polymer, 91: 136-45.
Alamo, R. G., and L. Mandelkern. 1986. 'Origins of Endothermic Peaks in Differential Scanning
Calorimetry', Journal of Polymer Science, Polymer Physics Edition, 24: 2087-105.
Alvaredo, Ángel, María Isabel Martín, Pere Castell, Roberto Guzmán de Villoria, and Juan P. Fernández-
Blázquez. 2019. 'Non-Isothermal Crystallization Behavior of PEEK/Graphene Nanoplatelets
Composites from Melt and Glass States', Polymers, 11: 124.
Avrami, M. 1939. 'Kinetics of Phase Change. I. General Theory', J.Chem.Phys., 7: 1103.
Bassett, D. C. 1981. Principles of Polymer Morphology (Cambridge University Press: Cambridge).
Bassett, D. C., and D. Patel. 1994. 'Isothermal Lamellar Thickening and the Distribution of Thermal
Stability in Spherulitic Isotactic Poly(4-methylpentene-1)', Polymer, 35: 1855-62.
Billmeyer, F.W. 1984. Textbook of Polymer Science (Wiley: New York).
Bretas, R. E. S., and M.A. D´Avila. 2000. Reologia de Polímeros Fundidos (Editora da UFSCar: São Carlos).
Calvert, P. D., and T. G. Ryan. 1984. 'Reversible Secondary Crystallization during Cooling of
Polypropylene', Polymer, 25: 921-26.
Campbell, D., and M. M. Qayyum. 1980. 'Melt Crystallization of Polypropylene: Effect of Contact with
Fiber Substrates', Journal of Polymer Science, Polymer Physics Edition, 18: 83-93.
Canevarolo, S., and F. Candia. 1994. 'Stereoblock Polypropylene/Isotactic Polypropylene Blends. I. Phase
Organization', Journal of Applied Polymer Science, 54: 2013-21.
Cavallo, Dario, Lorenza Gardella, Giovanni C. Alfonso, Giuseppe Portale, Luigi Balzano, and René
Androsch. 2011. 'Effect of cooling rate on the crystal/mesophase polymorphism of polyamide 6',
Colloid and Polymer Science, 289: 1073-79.
d'Ávila, Marcos A, Carlos H Ahrens, and Rosario E. S Bretas. 1997. 'Simulação do processo de injeção de
polipropileno isotático (iPP) utilizando um modelo de cinética de cristalização quiescente',
Polímeros, 7: 62-72.
Di Lorenzo, M. L., and C. Silvestre. 1999. 'Non-isothermal crystallization of polymers', Prog.Polym.Sci.,
24: 917-50.
Farah, Marcelo, and Rosario E. S. Bretas. 2004. 'Characterization of i-PP shear-induced crystallization
layers developed in a slit die', Journal of Applied Polymer Science, 91: 3528-41.
Fitchmun, D. R., and Z. Mencik. 1973. 'Morphology of Injection-Molded Polypropylene', Journal of
Polymer Science, Polymer Physics Edition, 11: 951-51.
Fujiyama, M. 1995. 'Higher Order Structure of Injection-Molded Polypropylene.' in J. Karger-Kocsis (ed.),
Polypropylene: Structure, Blends and Composites (Chapman & Hall: London).
Gedde, U. W. 1995. Polymer Physics (Chapman & Hall: London).
Harada, J. 2022. Extrusão de Plásticos: Tecnologias e Processamentos (Artliber: São Paulo).
Harada, J., and M.M. Ueki. 2012. Injeção para Termoplásticos: produtividade com qualidade (Artliber
Editora: São Paulo).
192
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Hsiao, BenjaminS, Zhi-gang Wang, Fengji Yeh, Yan Gao, and KapilC Sheth. 1999. 'Time-resolved X-ray
studies of structure development in poly(butylene terephthalate) during isothermal
crystallization', Polymer, 40: 3515-23.
Kantz, M., H. Newman, and F. H. Stigale. 1972. 'The Skin-Core Morphology and Structure-Property
Relationships in Injection-Moulded Polypropylene', Journal of Applied Polymer Science, 16:
1249-60.
Keith, H. D., and F. J. Padden. 1964. 'Spherulitic Crystallization from the Melt. II. Influence of
Fractionation and Impurity Segregation on the Kinetics of Crystallization', Journal of Applied
Physics, 35: 1286-96.
Lauritzen, J. I., and J. D. Hoffman. 1960. 'Theory of Formation of Polymer Crystals with Folded Chains in
Dilute Solution', J.Res.Nat.Bur.Std., 64A: 73.
Li, H., X. Zhang, Y. Duan, D. Wang, L. Li, and S. Yan. 2004. 'Influence of crystallization temperature on the
morphologies of isotactic polypropylene single-polymer composite', Polymer, 45: 8059-65.
Liu, Xianhu, Meng Lian, Yamin Pan, Xin Wang, Guoqiang Zheng, Chuntai Liu, Dirk W. Schubert, and
Changyu Shen. 2018. 'An Alternating Skin–Core Structure in Melt Multi-Injection-Molded
Polyethylene', Macromolecular Materials and Engineering, 303: 1700465.
Machado, J.F.A., and J. Harada. 2015. Tecnologia de Moldagem por Sopro (Artliber Editora: São Paulo).
Mandelkern, Leo. 2004. Crystallization of Polymers: Volume 2: Kinetics and Mechanisms (Cambridge
University Press: Cambridge).
Manrich, S. 2013. Processamento de Termopl sticos (Artliber: SÆo Paulo).
Mendoza, R., G. Régnier, W. Seiler, and J. L. Lebrun. 2003. 'Spatial distribution of molecular orientation
in injection molded iPP: influence of processing conditions', Polymer, 44: 3363-73.
Menyhárd, Alfréd, Markus Gahleitner, József Varga, Klaus Bernreitner, Pirjo Jääskeläinen, Harry Øysæd,
and Béla Pukánszky. 2009. 'The influence of nucleus density on optical properties in nucleated
isotactic polypropylene', European Polymer Journal, 45: 3138-48.
Murphy, M. W., K. Thomas, and M. J. Bevis. 1988. 'Relationships between Injection Moulding Conditions,
Micromorphology and Impact Properties of Polypropylene: I. A Typical Commercial Grade',
Plastics and Rubber Processing and Applications, 9: 3-16.
Navarro, R. F. 1997. Fundamentos de Reologia de Polimeros (Educs).
Norton, D. R., and A. Keller. 1985. 'The Spherulitic and Lamellar Morphology of Melt-Crystallized Isotactic
Polypropylene', Polymer, 26: 704-16.
Pearson, R.A., and L. H. Sperling. 2019. Introduction to Physical Polymer Science (Wiley: New York).
Rabello, M. S. 1989. 'Comportamento F¡sico de Comp¢sitos Polipropileno-Atapulgita. Um Estudo
Comparativo', MSc, Universidade Federal da Para¡ba.
Rabello, M. S. 1996. 'The Properties and Crystallization Behaviour of Photodegraded Polypropylene',
PhD, University of Newcastle upon Tyne.
Rabello, M. S., L. A. Barros, R. S. Tocchetto, J. R. M. d'Almeida, and J. R. White. 2000. 'Weathering of
Polypropylene Composites Containing Weld Lines', Plast.Rubb.Compos., 30: 132-40.
Rabello, M. S., and M. A. de Paoli. 2013. Aditivação de Termoplásticos (Artliber: São Paulo).
Rabello, M. S., and J. R. White. 1996. 'Photodegradation of Polypropylene Mouldings Containing Weld
Lines: Mechanical Properties and Surface Cracking', Plastics, Rubber and Composites Processing
and Applications, 25: 237-48.
Rabello, M. S., and J. R. White. 1997a. 'Crystallization and Melting Behaviour of Photodegraded
Polypropylene. 1. Chemi-Crystallization', Polymer, 38: 6379-87.
Rabello, M. S., and J. R. White. 1997b. 'Crystallization and Melting Behaviour of Photodegraded
Polypropylene. 2. Re-Crystallization of Degraded Molecules', Polymer, 38: 6389-99.
Rabello, M. S., and J. R. White. 1997c. 'Fotodegrada‡ao do Polipropileno. Um Processo Essencialmente
Heterogˆneo', Polimeros: Ciencia e Tecnologia, 7: 47-57.
Srithep, Yottha, Paul Nealey, and Lih-Sheng Turng. 2013. 'Effects of annealing time and temperature on
the crystallinity and heat resistance behavior of injection-molded poly(lactic acid)', Polymer
Engineering & Science, 53: 580-88.
193
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello
Tagashira, Katsuharu, Masanori Maruyama, Yoko Mizutani, Hiroshi Kajioka, Kazuhiko Sakai, Kiyoka N.
Okada, and Masamichi Hikosaka. 2019. 'Melting behavior and structural and morphological
changes of isotactic polypropylene from heat treatment', Polymer Journal, 51: 227-35.
Trotignon, J. P., and J. Verdu. 1987. 'Skin-Core Structure-Fatigue Behavior Relationships for Injection-
Molded Parts of Polypropylene. I. Influence of Molecular Weight and Injection Conditions on the
Morphology', Journal of Applied Polymer Science, 34: 1-18.
Turner-Jones, A., J. M. Aizlewood, and D. R. Beckett. 1964. 'Crystalline Forms of Isotactic Polypropylene',
Makromol.Chem., 75: 134-58.
Varga, J. 1995. 'Crystallization, Melting and Supermolecular Structure of Isotactic Polypropylene.' in J.
Karger-Kocsis (ed.), Polypropylene: Structure, Blends and Composites (Chapman & Hall: London).
Watanabe, Kaori, Toshihiko Suzuki, Yuichi Masubuchi, Takashi Taniguchi, Jun-ichi Takimoto, and Kiyohito
Koyama. 2003. 'Crystallization kinetics of polypropylene under high pressure and steady shear
flow', Polymer, 44: 5843-49.
Wellen, R. M. R. 2002. 'Cin‚tica de Crystallization a Frio do PET', Dissertation, UFPB (Brazil).
Wellen, R. M. R., E. L. Canedo, and M. S. Rabello. 2011. 'Nonisothermal cold crystallization of
poly(ethylene terephthalate)', J.Mater.Res., 26: 1107-15.
Wellen, R. M. R., E. L. Canedo, and M. S. Rabello. 2012. 'Effect of Styrene-co-Acrylonitrile on Cold
Crystallization and Mechanical Properties of Poly(ethylene terephthalate)', Journal of Applied
Polymer Science, 125: 2701.
Wellen, R. M. R., and M. S. Rabello. 2005. 'The kinetics of isothermal cold crystallization and tensile
properties of poly(ethylene terephthalate)', Journal of Materials Science, 40: 6099-104.
Wellen, R. M. R., and M. S. Rabello. 2009. 'Antinucleating Action of Polystyrene on the Isothermal Cold
Crystallization of Poly(ethylene terephthalate)', Journal of Applied Polymer Science, 114: 1884-
95.
Wellen, Renate Maria Ramos, Marcelo Silveira Rabello, Inaldo Cesar Araujo Júnior, Guilhermino José
Macedo Fechine, and Eduardo Luis Canedo. 2015. 'Melting and crystallization of poly(3-
hydroxybutyrate): effect of heating/cooling rates on phase transformation', Polímeros, 25: 296-
304.
Wunderlich, B. 1976. Macromolecular Physics. Vol. 2: Crystal Nucleation, Growth, Annealing (Academic
Press: New York).
Zhao, S., Z. Cai, and Z. Xin. 2008. 'A highly active novel á-nucleating agent for isotactic polypropylene',
Polymer, 49: 2745-54.
Zipper, P., A. Janosi, and E. Wrentschur. 1993. 'Scanning X-Ray Scattering of Mouldings from
Semicrystalline Polymers', J.Phys.IV, 3: 33-36.
Zweifel, H. 2001. Plastics Additives Handbook (Hanser: Munich).
194
Um produto industrial, como uma motocicleta, pode apresentar uma grande variedade de componentes
poliméricos, cujas propriedades mecânicas requeridas dependem da funcionalidade. Pneus, carenagem,
paralamas, painéis, lanternas, assento, protetores diversos e tanque de combustível são apenas alguns
exemplos desses componentes no exemplo acima. O comportamento mecânico requerido para cada
uma dessas peças é bastante específico, podendo incluir características tão diversas como: (i) maciez e
amortecimento, (ii) alta rigidez e tenacidade; (iii) resistência ao desgaste; (iv) baixa vibração e resistência
à fadiga. Além do comportamento mecânico, outras propriedades são incluídas no rol de especificações,
como estabilidade ao calor, propriedades elétricas e resistência química.
Capítulo 6
Comportamento mecânico
Os polímeros, com sua diversidade de estruturas físicas e químicas têm comportamento mecânico bastante
diversificado. Este capítulo visa descrever os vários mecanismos de deformação dos materiais polímeros,
enfatizando as peculiaridades físicas e moleculares, e apresentar os princípios gerais da fratura e análise de falha
dessa classe de materiais.
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
O comportamento mecânico dos materiais poliméricos, assim como dos demais tipos de
materiais, possui uma grande importância prática uma vez que as suas propriedades limites definem,
em grande percentual, os critérios de seleção e aplicação em diversos campos de utilização. Polímeros
que apresentam baixos valores de propriedades mecânicas são, geralmente, preteridos em aplicações
críticas em que a elevada performance mecânica é exigência fundamental. Em linha com esse tipo de
abordagem, muitos dos novos desenvolvimentos dos materiais poliméricos visam a melhoria das
propriedades mecânicas sem prejuízo das outras propriedades. Esse objetivo também ocorre na
modificação de polímeros existentes, como em compósitos, blendas e copolimerização.
As propriedades mecânicas dos materiais poliméricos dependem de muitos fatores, como massa
molar, cristalinidade, orientação, etc. Vários exemplos foram mostrados ao longo dos capítulos
anteriores e no Capítulo 7 as diversas influências serão novamente abordadas. No presente capítulo o
tema será tratado sob uma outra perspectiva, e com dois tópicos principais:
• ensaio de tração;
• ensaio de resistência ao impacto;
• ensaio de dureza.
196
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Outros ensaios, como fadiga, flexão, compressão, fluência e relaxação de tensão, possuem
menor importância em relação aos anteriores, mas podem ser determinantes, a depender do tipo de
aplicação.
Figura 6.1. Curva tensão-deformação de um polímero dúctil, com a indicação de alguns parâmetros que
podem ser obtidos. Na verdade, o padrão do diagrama tensão-deformação é uma consequência direta
dos mecanismos de deformação existentes no polímero – tema principal deste capítulo.
1
Existe, entretanto, uma questão importante neste tipo de comparação que é o efeito do tempo de aplicação do
esforço. Em testes de impacto, a taxa de deformação é muito mais elevada do que em ensaio tensão-deformação
convencional e isso leva à discrepâncias que podem ser relevantes em alguns casos. Esse fenômeno está
relacionado com os efeitos viscoelásticos, tema que será abordado na seção 6.1.6.
197
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
De forma análoga, o módulo de elasticidade está relacionado com a dureza, no sentido em que
os mesmos fatores que levam a um aumento na dureza, como cristalinidade, adição de cargas, rigidez
da cadeia, etc., também elevam o módulo elástico. Similarmente, a presença de plastificantes e o
aumento da temperatura reduzem a dureza e o módulo elástico. As medidas de dureza são
especialmente importantes em dois tipos de materiais: os
elastômeros e os polímeros plastificados, como o PVC. Como
os testes são rápidos, os equipamentos de custo
relativamente baixo e necessita-se amostras de pequeno
tamanho (ver imagem ao lado), o ensaio de dureza tornou-
se um procedimento muito utilizado no controle de
qualidade desses materiais. Em uma indústria de borrachas,
por exemplo, a dureza está diretamente relacionada com o grau de reticulação, mas também com os
tipos e concentrações de aditivos utilizados. Veja neste link algumas características dos teste
de dureza e os efeitos do tipo de processamento.
De acordo com os conceitos clássicos da ciência dos materiais, a deformação pode ser de dois
tipos: elástica (ou reversível) ou plástica (ou permanente). Em polímeros, entretanto, esse princípio
precisa ser expandido e os seguintes tipos de deformação serão considerados para os polímeros sólidos:
• elástica, ou hookeniana;
• borrachosa, ou altamente elástica;
• microfibrilamento, ou crazing;
• elástico-forçada, ou pseudo-dúctil;
• escoamento plástico;
• viscoelástica.
198
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.2 Diagramas tensão-deformação típicas para vários tipos de polímeros. Fonte: notas de aula
MSE 470 / MAE 455, MIT (EUA). As curvas são apenas esquemáticas, representando os vários tipos de
materiais poliméricos.
𝜎
𝐸= (6.1)
𝜀
199
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
’
Como o princípio da deformação é a alteração dos ângulos de equilíbrio, essa é a primeira deformação
que os polímeros apresentam quando solicitados mecanicamente (por tração), que corresponde a
valores de 1-3%. Trata-se do início da curva tensão-deformação, na porção linear do diagrama (ver Figura
6.1). De acordo com a Lei de Hooke, quanto maior o módulo elástico, menor a deformação observada
para uma mesma tensão aplicada. Dessa forma, todos os fatores que dificultam a alteração dos ângulos
de equilíbrio, ou seja, que levam a uma maior rigidez molecular, resultam em maiores valores de módulo
de elasticidade, conforme a ilustração da Figura 6.3. As principais influências na deformação hookeniana
e, por consequência, no módulo elástico dos polímeros estão listadas a seguir e alguns exemplos
mostrados na Tabela 6.1.
200
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.3. Representação dos efeitos que afetam a inclinação (i.e., módulo de elasticidade) da curva
tensão-deformação em sua região elástica. Como o objetivo aqui é o de apenas ilustrar as influências no
módulo elástico, apenas esta região foi representada na figura.
201
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Tabela 6.1. Exemplos típicos das diversas influências no módulo elástico de polímeros. Dados coletados
de fontes diversas.
PEAD 800
Polaridade
PVC 3000
PET amorfo 1400
Cristalinidade
PET 40% cristalino 2000
PEAD injetado 800
Orientação
PEAD fibra (ultraorientado) 90000
PVC 3000
PVC com plastificante (20% DOP) 120 Aditivos
PVC com carga (30% mica) 4200
Região I. Deformação hookeniana, como nos demais tipos de materiais poliméricos, com pequena
deformação reversível e que se determina o módulo de Young.
Região II. Deformação borrachosa, que predomina na maior parte da curva tensão-deformação. Note
que nesta região a tensão e a deformação não são diretamente proporcionais, ou seja, a curva não
representa uma reta e, assim, o “módulo elástico” não é constante.
202
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Região III. Observa-se um maior aumento na tensão para que o corpo de prova continue a se deformar.
Isso ocorre devido a uma elevada orientação molecular causada pela deformação, necessitando de
tensões proporcionalmente maiores para a continuidade do ensaio. Nessa região pode haver
cristalização induzida pela tensão aplicada. A região III também pode ser chamada de “strain hardening”
e pode-se obter um tipo de módulo, o “módulo hardening”, mas trata-se de um parâmetro pouco
utilizado na prática.
Esse alinhamento altera o estado de equilíbrio da macromolécula que, devido à força entrópica, exerce
uma tendência de retorno à sua conformação original. Se a força for removida, a forma enovelada é
readquirida e, assim, o corpo de prova retorna às suas dimensões iniciais. Entretanto, algum
escorregamento molecular pode existir se as cadeias não estiverem conectadas entre si. As conexões
entre as cadeias podem ser de duas formas (i) pelos emaranhados moleculares e/ou (ii) pelas
203
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
reticulações químicas. Na ausência de reticulações, borrachas com altas massas molares podem
apresentar comportamento borrachoso com reversibilidade dimensional, mas apenas com deformações
baixas ou moderadas. Ou seja, borrachas sem ligações cruzadas não têm força entrópica suficiente para
atenderem às necessidades reais, onde, em geral, se requer deformações de 300 a 1000%. Assim, um
elastômero precisa ter reticulações químicas (ou físicas para o caso dos copolímeros em blocos – ver
seção 2.5) para restringir o escorregamento molecular em grandes deformações e, assim, apresentar o
desejável comportamento altamente elástico para essa classe de materiais.
Nesse tipo de deformação a temperatura tem uma influência diferente pois o maior movimento
térmico aumenta também a força entrópica, o que poderia resultar em um aumento no módulo com o
aumento da temperatura – e não o oposto, que ocorre normalmente. Essa relação é descrita pela
equação 6.2:
3𝑅𝑇𝜌
𝐸= (6.2)
𝑀𝑐
onde R é a constante universal dos gases, T a temperatura absoluta, a densidade e Mc a massa molar
média entre as reticulações. A elasticidade da borracha e seus aspectos termodinâmicos são, na verdade,
uma ciência de elevada complexidade, podendo o leitor consultar a literatura mais especializada (Ward
and Sweeney 2004; Tager 1978), caso desejável.
204
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.5. Curvas tensão-deformação de um copolímero a base de isopreno com vários teores de dicumil
peróxido, usado como agente de vulcanização (Lei et al. 2015). “pcr” significa “partes por cem de resina”
e é uma maneira usual que a indústria utiliza para dosar os aditivos.
205
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
(a) (b)
Figura 6.6. (a) Curva tensão-deformação do poliestireno. (b) Indicação do início da deformação por
crazing. Dados do autor.
Figura 6.7. Aspecto geral de um corpo de prova de um polímero frágil após ensaio de tração e imagem
por microscopia eletrônica do interior de uma fissura, indicando uma estrutura composta por fibrilas
intercaladas por vazios (Mills, Jenkins, and Kukureka 1994).
Essa morfologia peculiar é composta aproximadamente por 50% de polímero orientado e 50%
de vazios, sendo comumente conhecida por crazing, cuja tradução mais apropriada para o português é
“microfibrilamento”. Os “riscos” verticais da Figura 6.6 representam o aspecto macroscópico das crazes
e são observadas visualmente pois os vazios internos espalham a luz
visível, conferindo esse aspecto esbranquiçado. São as regiões orientadas
que intercalam os vazios as responsáveis por prolongar o processo
Fibrilas intercaladas
deformação, adiando a falha catastrófica do material. Trata-se, portanto, com vazios
de um mecanismo próprio de deformação que, evidentemente, absorve
a energia aplicada, contribuindo para um aumento na tenacidade do
polímero (o aumento é pequeno, mas... veja adiante). Os polímeros que se deformam por esse
mecanismo são os amorfos abaixo da Tg e os semicristalinos em temperaturas abaixo ou próximas da Tg,
como o PP na temperatura ambiente. Nesse último caso, a deformação por crazing ocorre em conjunto
com outros tipos de deformação (ver adiante).
206
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Pela curva da Figura 6.6, percebe-se que o aumento na tenacidade proporcionado pelo crazing
é pouco significativo, uma vez que o polímero vítreo tem reduzida capacidade de deformação por sua
baixa mobilidade molecular. Depois da formação dos crazes, as microfibrilas podem sofrer ruptura,
gerando uma estrutura mais aberta, similar a uma
trinca, que concentra a tensão mecânica, causando
a fratura. A imagem ao lado ilustra a diferença entre
a craze e a trinca (Calister and Rethwisch 2020).
Observa-se na Figura 6.8 parte da superfície de
fratura de um corpo de prova de poliestireno, onde
resta evidente a estrutura contendo vazios, material fibrilar e o rompimento das fibrilas, no centro da
imagem. Essa transformação de microfibrila em trinca também está ilustrada na Figura 6.9, mostrando
a imagem geral na ponta de um entalhe com ruptura de fibrilas e uma estrutura contendo vazios no seu
interior. Observe que a representação esquemática é bastante fiel ao que foi observado na peça real.
Figura 6.8. Corpos de prova de poliestireno após ensaio mecânico de tração em presença de etanol e
imagem por microscopia eletrônica de varredura da superfície de fratura (Sousa et al. 2006). Observa-se
o rompimento das fibras, dando origem à trinca e, em seguida, falha catastrófica.
Figura 6.9. Microscopia eletrônica na região de uma trinca, mostrando estrutura fibrilar no seu interior
e o modelo ilustrativo (Damasceno 2010; Lagarón et al. 2000; Wright 1996)
207
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Nesse caso, o material tenderia a se deformar mais, resultando em maior tenacidade. É baseado nesse
princípio que se utiliza os chamados modificadores de impacto, que são aditivos que atuam como
“defeitos”, concentrando tensões e, assim, gerando muitos locais de microfibrilamento. Em geral são
elastômeros, adicionados em concentração de 5 a 15% e são utilizados em diversos polímeros
comerciais, como poliestireno, SAN, polipropileno, PMMA, PVC, etc.
208
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.10. Curvas tensão-deformação do PS puro e do PS contendo elastômero (HIPS) (Rabello and de
Paoli 2013). Observa-se que, no HIPS, o módulo elástico é reduzido (como visto pela inclinação da curva
no início da deformação), assim como a resistência à tração. Por outro lado, a deformação na ruptura e
a tenacidade (proporcional à área sob a curva), são muito maiores – consequência do mecanismo de
crazing.
209
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Vale reforçar o conceito de que as partículas de borracha tenacificam o polímero não porque
elas absorvam a energia aplicada e sim porque elas
induzem os mecanismos de deformação por
crazing. Isso ocorre a partir da concentração de
tensão na periferia da partícula. A imagem ao lado
mostra microfibrilas formadas a partir de partículas
de borracha em uma matriz de poliestireno (Correa
1996), em diferentes estágios de desenvolvimento
uma vez que dependem do tamanho da partícula de
borracha. Maiores detalhes sobre esse assunto
podem ser obtidos em literatura mais específica sobre aditivos (Rabello and de Paoli 2013; Zweifel 2001)
ou sobre blendas poliméricas (Utracki and Wilkie 2014).
2
Não é raro polímeros cristalizáveis, como o polipropileno, apresentarem embranquecimento quanto
tensionados mecanicamente (veja exemplo aqui). Muitas vezes esse efeito é associado a uma cristalização
induzida por tensão. Embora isso possa ocorrer, a opacidade causada pelo crazing ou formação de
porosidades diversas são as explicações mais prováveis.
210
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Esse é o tipo de deformação que ocorre, com grandes extensões, em polímeros semicristalinos
acima da temperatura de transição vítrea. Uma curva tensão-deformação típica está mostrada na Figura
6.12, juntamente com as transformações que ocorrem no corpo de prova durante o ensaio mecânico.
As etapas indicadas na curva compreendem os seguintes mecanismos/fenômenos:
211
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
212
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Veja neste vídeo um ensaio mecânico em uma amostra de PEAD em que o ponto de escoamento
é claramente observado pela redução brusca da área de seção transversal. É
visível também a alteração na tonalidade de cor, com o aumento do
embranquecimento durante o ensaio. Esse embranquecimento é causado por
crazing e/ou por trincas e porosidades formadas no processo de deformação.
213
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Estágio III
Estágio I Estágio II
Figura 6.13. Representação esquemática das transformações que ocorrem durante o escoamento
plástico de um polímero semi-cristalino (Calister and Rethwisch 2020). Ver texto no parágrafo anterior
para explicação dos vários estágios.
Um dos modelos mais clássicos para representar tanto a estrutura de um polímero estirado a
frio quanto a de fibras à base de polímeros semicristalinos foi desenvolvido por Peterlin (1965) e está
mostrado na Figura 6.15. As principais características desse modelo são:
214
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
(b) Alteração transversal dos cristalitos com manutenção da conformação das cadeias dobradas e
separadas por camadas defeituosas;
(c) Presença de um grande número de moléculas atadoras intrafibrilares e um número bem menor no
posicionamento interfibrilar. Essa é uma das principais características desse modelo, tornando o
material (após o estiramento a frio) altamente resistente no sentido axial e com baixa resistência
no sentido transversal.
(d) Orientação preferencial das moléculas ao longo do eixo das fibrilas.
Figura 6.14. Modelo de Peterlin para as transformações cristalinas durante o estiramento (Peterlin 1965).
215
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.15. Efeito do grau de cristalinidade na tensão de escoamento do polietileno (Mills, Jenkins, and
Kukureka 1994).
A temperatura de transição vítrea do PET é de ~70°C. Isso implica que, na temperatura ambiente,
as regiões amorfas desse polímero estão no estado vítreo, com baixa mobilidade dos segmentos
216
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
moleculares e, como consequência, o material seria frágil. No entanto, todos sabemos que isso não é
verdade. As garrafas de refrigerante, por exemplo, são altamente dúcteis e, nesse aspecto, substituíram
as frágeis embalagens de vidro com grande sucesso. O teste de qualidade de garrafas de PET
baseia-se na queda livre da garrafa envasada de uma altura de 2m (veja aqui). A ductilidade
do PET – e de inúmeros outros polímeros, como PBT, policarbonato, PEEK, poliamidas, etc. –
advém de um mecanismo especial de deformação denominado pseudo-dúctil, ou elástica forçada.
Ao reduzir a temperatura do PET, eventualmente esses grupos flexíveis também perderão a capacidade
de rotação molecular. Isso ocorre em uma temperatura, que é considerada uma segunda transição vítrea
– a transição vítrea secundária, Tg que, para o PET é de ~–60°C. Fazendo
um outro recorte no grupo flexível, observe que ele pode ser dividido em
dois – um polar, com o grupo éster, e outro apolar. Abaixo da T g o grupo
Transições vítreas
secundárias perde a mobilidade, mas ainda existirá movimentação do grupo metil; esta
movimentação cessará em temperatura ainda mais baixa, que seria a T g.
Assim como a Tg principal, as transições vítreas secundárias são
propriedades intrínsecas do polímero e são afetadas pelos mesmos
fatores que definem a Tg. Trataremos esse tema um pouco mais adiante.
217
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.16. Relação entre a posição de um grupo químico e a energia interna. (a) Sem força externa, (b)
na presença de força externa (Young and Lovell 2011). A redução da barreira de energia é facilitada pela
movimentação dos grupos flexíveis abaixo da T g, viabilizando a deformação pseudo-dúctil.
218
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.17. Curva tensão-deformação de uma amostra de PET realizada na temperatura ambiente, que
não rompeu durante o ensaio. Dados baseados em (Teofilo and Rabello 2015).
∆𝑈
3
O tempo de relaxação (𝜏) é dado pela relação 𝜏 = 𝜏𝑜 𝑒 𝑅𝑇 , onde 𝜏𝑜 é o período de vibração dos átomos e U é a
energia de ativação, i.e., a diferença entre as energias dos estados ativo (intermediário) e inicial das moléculas
(Tager 1978). Assim, para temperaturas baixas, o tempo de relaxação pode ser muito alto, especialmente para
macromoléculas abaixo da Tg. Por exemplo, o tempo de relaxação para líquidos de baixa massa molar na
temperatura ambiente é de cerca de 10-10 segundos, para polímeros no estado borrachoso esse valor pode ser de
10-4-10-6 segundos, enquanto que polímeros abaixo da Tg têm tempos de relaxação que podem chegar a 1020
segundos (Tager 1978; Ngai et al. 2014).
219
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
A deformação pseudo-dúctil, que ocorre nas regiões amorfas abaixo da T g, está intimamente
associada com a existência de transições vítreas secundárias. Como explicado acima, entre a Tg e a Tg o
polímero pode exibir ductilidade e, assim, a temperatura de referência para a transição de um
comportamento dúctil para frágil (i.e., a temperatura de fragilização) pode ser adotada como a T g e não
a Tg, como é usual se considerar. A Tabela 6.2 mostra valores da temperatura vítrea secundária de alguns
polímeros comerciais, juntamente com os da Tg principal. Alguns desses materiais, como o PET e o
policarbonato, têm destacada ductilidade que, juntamente com elevada rigidez, tornam-se
especialmente atrativos para as aplicações de engenharia.
Nota-se que até o poliestireno, um material conhecido por sua
elevada fragilidade, possui a transição vítrea secundária.
Em algumas situações,
Tg pode ser mais Entretanto, a pequena diferença entre a Tg e a Tg para o
importante poliestireno reduz a sua importância prática para conferir
do que Tg
ductilidade aos produtos, uma vez que apenas acima de 80°C e
abaixo de 100°C haveria esse mecanismo de deformação.
Considerando que ambas as transições ocorrem em uma faixa
de temperaturas e não em temperaturas discretas, a importância dessa transição para o poliestireno
praticamente inexiste. A magnitude da transição vítrea secundária – e não apenas a temperatura em
que ocorre – também exerce forte influência no aumento da ductilidade. O PP, por exemplo, possui um
baixo valor de Tg mas a magnitude do fenômeno é relativamente modesta e, juntamente com sua
elevada cristalinidade, apresenta pouco efeito prático na tenacidade do produto. A técnica experimental
mais utilizada para determinar esta propriedade é a análise dinâmico mecânica (DMA), que será
abordada na seção 6.1.6.
220
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Tabela 6.2. Valores de Tg e Tg para alguns polímeros comerciais. Dados obtidos de fontes diversas.
PET 70 -60
PBT 55 -100
PVC 80 -20
PMMA 105 10
PA 6 50 -20
Poliestireno 100 80
Caso o polímero seja semicristalino, como as poliamidas e poliésteres, a fase cristalina não tem
influência nesse tipo de transição (da mesma forma que ocorre com a T g) e a diferença de
comportamento acima e abaixo da Tg irá depender do grau de cristalinidade do material. Quanto mais
cristalino, menor a tenacidade do produto nessa faixa de temperaturas e, portanto, menor a influência
da deformação pseudo-dúctil. Na presença de cristais, o mecanismo de deformação será um pouco mais
complexo, podendo haver fragmentação de lamelas, mudança cristalográfica no estado sólido
reorientação cristalina, etc.
A Figura 6.18 mostra uma curva tensão-deformação de uma amostra de PBT com cristalinidade
de ~35%. Observa-se a região de estricção bastante larga e com dois estágios, possivelmente devido às
alterações cristalográficas que ocorrem durante a deformação. Ainda assim, o material apresenta
elevada ductilidade, mas que tende a diminuir para amostras com maior grau de cristalinidade. Outro
exemplo está mostrado na Figura 6.19, em um comparativo entre o PET amorfo e semicristalino (este
último com 38% de cristalinidade). Nesse caso, a região de estricção também é bastante larga, mas o
comportamento pseudo-dúctil não chega a ser plenamente desenvolvido.
221
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.18. Curva tensão-deformação do poli(butileno tereftalato) – PBT semicristalino (Braz and
Rabello 2021).
Figura 6.19. Diferença de comportamento mecânico do PET amorfo e semicristalino (Chabert et al. 2001).
6.1.6. Viscoelasticidade4
Uma particularidade muito interessante dos materiais poliméricos é que eles possuem, ao
mesmo tempo, características de sólido elástico e de fluido viscoso. Por possuir, em maior ou menor
grau, propriedades de fluido, o comportamento mecânico dos polímeros é influenciado pelo tempo em
que o esforço é aplicado. Algumas consequências práticas dessa característica são:
4
Os fenômenos viscoelásticos são manifestados tanto no estado sólido quanto durante o processamento.
Trataremos aqui apenas da viscoelasticidade no estado sólido.
222
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
• Em testes de tração, flexão ou compressão, a velocidade de deformação tem grande efeito nos
parâmetros obtidos (exceto o módulo elástico). Muitas vezes, polímeros que se mostram dúcteis
nesses ensaios apresentam fragilidade em esforços de impacto (que são realizados em alas
velocidades);
• Em testes de dureza, o tempo de aplicação da carga para a medida final é um parâmetro importante,
influenciando nos resultados;
• Polímeros sofrem considerável fluência (deformação sob carga constante), mesmo na temperatura
ambiente;
• Em esforços cíclicos, existe uma diferença de fase entre a tensão aplicada e a deformação;
• A relaxação de tensão ocorre em peças plásticas tensionadas, como parafusos, porcas, gaxetas, etc.
Isso impede, por exemplo, que brinquedos contenham parafusos plásticos, apesar do risco de
segurança ao utilizar parafusos metálicos para esse tipo de aplicação;
• Fenômeno de histerese em borrachas, em que parte da energia aplicada em esforço mecânico é
convertido em calor. Em esforços cíclicos, como em pneus de automóveis, pode haver energia
acumulada, aumentando a pressão interna dos pneus – com risco de estouro;
• Produtos poliméricos apresentam características de amortecimento.
Por exemplo, o copo plástico não “estala” como o de vidro,
engrenagens e outras peças mecânicas trabalham silenciosamente,
borrachas aplicadas em calçados reduzem os danos na estrutura
óssea e muscular do usuário.
Esses dois modelos podem ser combinados em série ou em paralelo para representar um material
viscoelástico. O primeiro foi proposto por Maxwell e explica, por exemplo, a relaxação de tensão,
enquanto o segundo foi apresentado por Kelvin-Voight e explica, por exemplo, o fenômeno de fluência
elevada:
223
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Na proposta de Maxwell, a tensão aplicada é a mesma nos dois elementos e gera uma deformação
constante. Ao longo do tempo, o elemento viscoso alivia a tensão pela movimentação local do pistão,
reduzindo a tensão do conjunto, que se manifesta pela relaxação de tensão, representado na Figura
6.20(a). No modelo de Kelvin-Voight, se uma tensão constante for aplicada, ocorre a deformação inicial,
mas o elemento viscoso continua a se deformar com o tempo, causando um aumento de deformação
do conjunto, o que caracteriza a fluência (Figura 6.20(b)). Modelos mais elaborados foram
posteriormente desenvolvidos para representar ambos os fenômenos, combinando os elementos
descritos acima (Ward and Sweeney 2004; Navarro 1997).
Figura 6.20. (a) Fenômeno de relaxação de tensão, em que a tensão é reduzida sob deformação
constante. No caso da fluência (b), a deformação aumenta progressivamente sob uma tensão constante.
Ambos têm grande importância prática no projeto e aplicação de componentes poliméricos.
5
Uma analogia simples para esse fenômeno de relaxação de tensão seria uma corda com um nó bem apertado.
Para soltar esse nó uma técnica usual é “movimentá-lo” várias vezes, provocando uma certa mobilidade da corda
no interior do nó. Após vários movimentos nesse sentido, o nó vai, naturalmente, sendo afrouxado. Algo
semelhante ocorre com as macromoléculas sob ação de uma força externa e a movimentação interna dos grupos
de átomos reduz localmente o tensionamento, provocando a relaxação da tensão aplicada.
224
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Em uma situação de tensão constante (fluência) ou em testes de tração com baixa velocidade
de deformação, a mobilidade molecular favorece os rearranjos segmentais, levando a um processo de
escorregamento das cadeias semelhante ao fluxo viscoso, mas, a depender do material e da
temperatura, em uma escala de tempo muito maior.
• Temperatura. Quanto maior a temperatura, maior a mobilidade dos grupos de átomos, segmentos
moleculares e cadeia como um todo. Grandes variações de comportamento ocorrem nas
temperaturas de transição vítrea principal e secundária. Entretanto, mesmo abaixo da T g e da Tg,
os polímeros apresentam comportamento viscoelástico, embora em proporção menor do que
acima dessas temperaturas;
• Grau de cristalinidade. Uma vez que a origem do comportamento viscoelástico está nos efeitos
viscosos da fração amorfa, o fenômeno é reduzido para produtos mais cristalinos. Na fase cristalina
o empacotamento molecular impede maiores movimentações dos grupos de átomos e segmentos
moleculares;
• Estrutura química. Todos os fatores que causam menor mobilidade molecular, como grupos
volumosos, polaridade, comonômeros rígidos, etc., reduzem os efeitos viscoelásticos;
• Reticulações. Segue o mesmo raciocínio do item anterior. O ancoramento das cadeias pelas ligações
cruzadas reduz a movimentação das mesmas. Em casos extremos, como nos termofixos
densamente reticulados, os efeitos viscoelásticos são pouco observados.
• Massa molar. Grades de alta massa molar possuem uma maior densidade de emaranhados
moleculares e cadeias atadoras, causando um maior número de interconexões entre as cadeias.
Isso limita a movimentação de longos segmentos moleculares e, assim, a viscoelasticidade tem
6
A relaxação molecular não pode ser confundida com um fenômeno bastante comum em elastômeros, que é a
perda das propriedades elásticas com o tempo. Uma banda de borracha, por exemplo, pode deixar de ser “elástica”
após alguns anos tensionada. Isso é consequência de cisões nas ligações cruzadas, em um processo de
desvulcanização, que pode também causar pegajosidade na borracha.
225
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
menor manifestação dos seus efeitos. No caso dos polímeros semicristalinos, a massa molar tem
um efeito indireto uma vez que afeta também a cristalinidade do material;
• Aditivos. Componentes que restringem a movimentação molecular – como cargas e retardantes de
chama – reduzem os efeitos viscoelásticos. O oposto ocorre com os que facilitam a mobilidade,
como os plastificantes, modificadores de impacto e, em menor escala, os lubrificantes e
antiestáticos. Os agentes nucleantes, que alteram a morfologia e o grau de cristalinidade, têm efeito
indireto.
Figura 6.21. Efeito da velocidade de deformação nas curvas tensão-deformação da poliamida 12 (Şerban
et al. 2013). Observe que a variação na tensão máxima pode ser bastante significativa, com
consequências diretas para o projeto e aplicação dos componentes, relação entre fornecedor e cliente,
etc.
226
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Em materiais que possuem pouca resposta viscoelástica, como os polímeros vítreos abaixo da
Tg, a diferença de comportamento com a velocidade de aplicação do esforço tende a ser mais baixa,
como nos casos do poliestireno (Sousa et al. 2006) e do poli(hidroxibutirato) (Farias et al. 2015). No
polipropileno, por outro lado, que possui cristalinidade intermediária e T g abaixo da ambiente, o efeito
viscoelástico é significativo – a ponto do material poder apresentar um comportamento dúctil em testes
de tração (com velocidade de, digamos, 10mm/min) mas mostrar-se frágil em testes de impacto (que
envolve grandes taxas de deformação). Para o PP, que também tem sua tenacidade reduzida em
temperatura pouco abaixo da ambiente, é comum se utilizar grades de copolímero quando a resistência
ao impacto for uma propriedade crítica, conforme discutido na seção 4.2.2.
Figura 6.22. (a) Efeito da temperatura na relaxação de tensão do poliestireno (Trindade and Rabello
2021). (b) Relaxação de tensão do PBT com diferentes cristalinidades (Braz and Rabello 2021).
Um produto que apresenta forte comportamento viscoelástico é o chamado Silly Putty®, um tipo
de “geleca” à base de polidimetilsiloxano que se deforma quase como um líquido viscoso mas
que, quando arremessado, quica como uma borracha. Veja nesse vídeo o seu comportamento.
227
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Observe que, se deformado lentamente, ocorre grande escoamento, mas em uma deformação mais
rápida a fratura é mais frágil.
Na aplicação de esforços cíclicos senoidais com amplitudes máximas o e o, a deformação e a tensão
instantâneas variam em função do tempo:
=o.sen wt (6.3)
𝜎𝑜 .sen 𝛿
𝐸2 = (6.7)
𝜀𝑜
228
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A tangente de perda, ou, simplesmente, “tan delta”, avalia a magnitude da dissipação viscosa durante
os esforços cíclicos e, portanto, está intimamente associada com o fenômeno viscoelástico dos
polímeros.
A resposta do material aos esforços cíclicos pode ser aferida durante uma fase de aquecimento
(ou resfriamento) e isso é normalmente realizado por análise
dinâmico-mecânica (DMA, ou DMTA), um tipo de análise térmica
em que se aplica deformações cíclicas, que podem ser de tração,
flexão, cisalhamento ou torção, e mede-se a tensão necessária
para exercer esses esforços7. O equipamento faz essas medições
em frequência pré-definida e fornece os dados, por exemplo, do
módulo de armazenagem (E1) e a tangente de perda (tan ) em
função da temperatura, como mostra o exemplo da Figura 6.23
para um polímero amorfo, que apresenta os estados vítreo, borrachoso e fluidoviscoso. Em geral o
módulo é reportado em escala logarítmica e, devido a isso, pouca variação na propriedade (como em
temperaturas abaixo da Tg) não é muito perceptível visualmente. Uma visão geral do equipamento e
procedimentos podem ser vistos neste vídeo.
7
Maiores detalhes sobre esse tipo de experimento, recomenda-se consultar a literatura mais especializada (Lucas,
Soares, and Monteiro 2001; Canevarolo 2004).
229
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.23. Análise dinâmico-mecânica de polímero, indicando as transições de fase durante o ensaio.
Dados baseados em (Reddy and Reddy 2014). Em geral, o módulo de armazenagem é reportado em
escala logarítmica e, devido a isso, pode as variações podem ser pouco perceptíveis visualmente em
determinadas faixas de temperaturas. Por exemplo, abaixo da Tg, o módulo aumenta com a redução da
temperatura, mas, visualmente, isso não é muito percebido no termograma.
Figura 6.24. Curvas de tan para o poli(ácido láctico), PLA, de diferentes cristalinidades. Essas amostras
foram produzidas por tratamento térmico (cristalização a frio) a 80°C por tempos variados (Srithep,
Nealey, and Turng 2013).
230
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Como o módulo de armazenagem é equivalente ao módulo de Young, esse tipo de teste tem
grande importância caso se deseje conhecer essa propriedade em várias temperaturas (para fins de
projeto de componentes, por exemplo). Pelo ensaio mecânico convencional, seria preciso utilizar
câmaras de aquecimento/resfriamento e conduzir muitos testes, com uma quantidade imensa de corpos
de prova para levantar um comportamento como o reportado em uma análise por DMA. Isso poderia
levar dias, ou semanas, de trabalho experimental, em contraste com o tempo necessário para conduzir
um ensaio de DMA que, dependendo da taxa de aquecimento e da variação da temperatura, leva,
digamos, de 30 a 180 minutos.
A Figura 6.23 mostra claramente a região de transição vítrea e o valor da Tg, o que é determinado
de modo muito mais preciso do que pelas outras técnicas, como DSC ou TMA. Caso o polímero possua
transições vítreas secundárias, estas também podem ser determinadas caso as respostas de
amortecimento sejam grandes o suficiente para serem detectadas. A Figura 6.25 ilustra
esquematicamente a diferença de magnitude entre a transição vítrea principal e as transições vítreas
secundárias. Evidentemente, a intensidade dos picos observados será dependente da resposta
viscoelástica que o polímero possui nessas faixas de temperaturas e, portanto, nem sempre são
detectados com precisão.
Figura 6.25. Curva dinâmico mecânica, mostrada esquematicamente, de um polímero amorfo com sua
transição vítrea e transições secundárias.
As curvas de DMA, especialmente E1 versus temperatura, também são bastante úteis para o
entendimento dos estados físicos e transições dos polímeros e os fatores que afetam. Por exemplo, a
Figura 6.26 mostra, de forma esquemática, o efeito da massa molar no módulo de armazenagem. Note
que a temperatura vítrea é pouco alterada, mas a temperatura de fluxo aumenta progressivamente para
tamanhos de cadeia maiores, sendo esse o principal efeito observado. O módulo no estado borrachoso,
entre as temperaturas vítreas e de fluxo tenderia também a aumentar, devido ao maior número de
231
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
No caso de polímeros contendo reticulações (Figura 6.27), ocorrem grandes mudanças na região
de platô borrachoso, com o módulo aumentando significativamente com o número de ligações cruzadas.
Observe também que, com a presença de muitas reticulações, o polímero
deixa de apresentar o estado fluidoviscoso, sendo essa uma das
principais características desse tipo de material. Abaixo da T g, o aumento
232
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.27. Efeito esquemático do grau de reticulação no módulo de armazenagem. Com mais
reticulações, o material deixa de apresentar o estado fluidoviscoso e a diferença de comportamento
abaixo e acima da Tg é reduzida.
No caso de polímeros semicristalinos, as transições Tg e Tm, além da Tf, são facilmente percebidas
na curva de E1 versus temperatura (Figura 6.28). O material amorfo possui apenas a temperatura vítrea
e a temperatura de fluxo, enquanto o semicristalino apresenta também uma mudança de
comportamento na temperatura de fusão. Em temperaturas abaixo da Tg, o grau de cristalinidade exerce
relativamente pouca influência e, novamente, é pouco perceptível na curva devido à plotagem em escala
logarítmica. Acima da Tm, evidentemente, a cristalinidade não exerce nenhuma influência pois os cristais
já estão todos destruídos. A grande diferença de comportamento ocorre entre a Tg e a Tm, com o módulo
elástico aumentando progressivamente com o aumento na cristalinidade do material. Observe também
que para cristalinidades muito altas, a diferença de comportamento acima da T g deixa de ser tão elevada,
consequência desta transição envolver apenas as regiões amorfas do polímero.
233
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
6.2. Fratura
A fratura de produtos plásticos é um dos aspectos mais importantes na aplicação desse tipo de
material, que ocorre quando se ultrapassa as propriedades limites do produto, como a sua resistência à
tração ou ao impacto. Algumas vezes, entretanto, a fratura ocorre em situação prematura, ou seja, com
valores de tensão abaixo do que seria esperado para o produto. O entendimento dessa situação é grande
relevância para projetistas, desenvolvedores e produtores de artigos poliméricos. Nesta seção
abordaremos, de forma bastante resumida, os princípios gerais da fratura e a análise topográfica. A
literatura mais específica deverá ser consultada para aprofundamento no tema (Kausch 1987; Williams
1984).
na vizinhança da trinca, e esta se torna instável e com alta velocidade de crescimento. Nessa condição,
a trinca propaga mesmo se a tensão aplicada for mantida
constante. Finalmente a falha catastrófica ocorre com a
separação física de partes do produto, cuja característica
principal é resultado da etapa de propagação. Por exemplo,
na imagem ao lado (Birley, Haworth, and Batchelor 1992)
tem-se um vaso de pressão de polipropileno que fraturou
em serviço devido à aplicação de pressão excessiva, que
causou escoamento plástico antes da fratura final. Nesse
caso, ocorreu propagação dúctil com a pressurização do vaso. A análise da superfície fraturada tem
grande importância pois a sua topografia reflete as etapas da falha, com importantes indicativos sobre
a sua ocorrência, local de iniciação, presença de defeitos, tipo de propagação, etc. Os mecanismos de
falha são intimamente relacionados com a natureza do polímero, suas transições térmicas, massa molar,
presença de aditivos, temperatura, etc.
A resistência mecânica de um material (e isso vale para todos os materiais, não apenas para os
poliméricos) é muito menor do que o valor teórico de resistência,
calculado a partir das energias de ligação entre os átomos. Em 1921,
o engenheiro inglês Alan Arnold Griffith desenvolveu uma teoria, que
é a base da mecânica da fratura até hoje, propondo que a resistência
Concentração de
tensão em defeitos mecânica muito mais baixa observada seria devido à defeitos
presentes
presentes, que amplificam localmente a tensão aplicada (Griffith and
Taylor 1921). Esse é o princípio da concentração de tensão,
mostrado esquematicamente na Figura 6.29 para um tipo de
geomtria. Os defeitos podem ser de vários tipos, incluindo
porosidades, inclusões, aglomeração de aditivos ou defeitos de superfície, conforme alguns exemplos
mostrados na Figura 6.30.
235
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.30. Exemplos de defeitos presentes em polímeros com consequências para a fratura de
componentes (Rabello and White 1997a; Rabello 1996; Timoteo, Fechine, and Rabello 2008; Ezrin 2013).
A origem desses defeitos podem ser as mais variadas, como falhas de processamento, mistura ineficiente
ou degradação ambiental.
Observe na Figura 6.29 que a tensão aplicada no produto (o) é amplificada na proximidade do
defeito, atingindo um valor máximo m, que pode ser muitas vezes maior do que o valor original. Para o
caso de um defeito elíptico, como o mostrado na Figura 6.29, essa relação é dada por:
a
m = 2 0 (6.9)
t
236
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
onde a é o tamanho do defeito e t o seu raio de curvatura. Por essa relação, o valor da concentração
de tensão pode ser maior em defeitos menores, mas que tenham menor raio de curvatura. Por exemplo,
um pequeno entalhe pode concentrar mais tensão do que uma porosidade grande e esférica. A
magnitude da concentração de tensão em relação à tensão de trabalho é dada pelo fator de
concentração de tensão K:
𝜎𝑚
𝐾= (6.10)
𝜎𝑜
É razoável se esperar que um produto contenha defeitos diversos, com diferentes tamanhos e
formas e, em consequência, o fator de concentração de tensão varie de defeito para defeito. A
propagação da trinca deve ocorrer a partir do defeito com maior valor de K.
Alguns exemplos de KIc (KIc é o Kc específico para esforços de tração uniaxial) estão mostrados
na Tabela 6.3. Note que a tendência de variação deste parâmetro é a mesma da resistência ao impacto.
Por exemplo, o polipropileno é mais dúctil do que o poliestireno; a poliamida seca é mais frágil do que a
úmica – a mesma tendência do KIc.
Tabela 6.3. Exemplos de KIc (a 20°C) para alguns polímeros usuais. Dados obtidos de fontes diversas. Esta
propriedade é fortemente dependente da temperatura e também depende do grade específico, já que é
função da massa molar e composição.
238
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Sim, isso é possível e já existe comercialmente (veja aqui) – são os p olímeros auto-reparantes
(self healing), uma classe dos chamados materiais inteligentes (smart materials). Existem
diversas tecnologias para isso, incluindo sistemas que precisam de estímulo externo (como luz
ultravioleta e temperatura) e sistemas que se regeneram sozinhos. Esse último caso tem um potencial
maior pela praticidade e consiste basicamente na inserção de pequenas cápsulas contendo uma resina
polimerizável ou curável que são rompidas
durante o processo de fratura e, assim,
preenchem o espaço deixado pelo dano. Veja
nesse link uma revisão geral sobre
o tema. Além do uso desses sistemas
em revestimentos e dispositivos eletrônicos,
existe potencial de aplicação em estações
espaciais, conforme estudos desenvolvidos pela
NASA (ver vídeo aqui).
(a) energia elástica deformacional, que representa a energia armazenada e que é liberada na
propagação da trinca;
(b) trabalho para a formação de novas superfícies durante a propagação da trinca.
239
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Figura 6.31. Representação das energias envolvidas em função do tamanho do defeito presente
(McCrum, Buckley, and Bucknall 1997).
Como dependente do tamanho do defeito na Figura 6.31, a energia resultante pode ser positiva
ou negativa; sendo positiva, ocorre efeito tenacificante durante o processo de falha. Assim, a presença
de defeitos pode contribuir para uma maior ductilidade do material (que é o mesmo princípio da ação
dos modificadores de impacto descritos na seção 6.1.3 mas que também ocorre quando defeitos como
vazios estão presentes em materiais frágeis) até um certo tamanho am, que é dado por:
𝐸.𝐺
𝑎𝑚 = 𝜋.𝜎𝑐2 (6.10)
𝑜
onde E é o módulo elástico, Gc representa a energia necessária para criar novas superfícies durante a
deformação e o é a tensão aplicada. Dependendo da importância da aplicação, pode-se monitorar por
ensaios não destrutivos a distribuição de tamanhos dos defeitos presentes e, assim, programar ações de
reparo ou substituição do componente antes que o tamanho crítico seja atingido.
A dissipação de energia causada por processos de deformação e fratura pode ser utilizada na
proteção do usuário como, por exemplo, na indústria automobilística, em que as partes de segurança de
um automóvel são projetadas para sofrerem deformações e até fratura, consumido a energia de impacto
e, como consequência, protegendo os ocupantes do carro. Uma situação extrema ocorre na Fórmula 1,
em que os carros são completamente destruídos sob impacto elevado (veja vídeo aqui).
O desprendimento de energia por processos de deformação também pode ser observado por
um aumento local na temperatura do material, conforme os dados de termografia da Figura 6.32. Nesse
caso, um corpo de prova foi entalhado nas duas extremidades, gerando uma alta concentração de tensão
240
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
na parte central. O alto nível de deformação permanente nesta região elevou localmente a temperatura
em mais de 2°C.
entalhes
região de
deformação
Figura 6.32. Variação local da temperatura realizada por termografia de infravermelho em um corpo de
prova de PP com fibra de madeira (Santos 2012).
241
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Um processo de fratura, com iniciação e propagação de trincas e falha final, é acompanhado por efeitos
sonoros, com emissão de ondas acústicas de intensidades e frequências variadas durante essas etapas.
Quando um produto de vidro é fraturado, esses efeitos são extremos, como todos nós já presenciamos
inúmeras vezes. Existe um tipo de ensaio não destrutivo em que é possível quantificar as ondas sonoras
geradas durante o tensionamento de um produto – o ensaio por emissão acústica. Nesse tipo de
procedimento, colocam-se sensores em locais
estratégicos do produto e monitora-se os sinais
emitidos ao longo do tempo pelas trincas que se
propagam internamente ou na superfície,
conforme esquema ao lado. É uma técnica muito
utilizada em peças metálicas como vasos de pressão, reatores, tubulações, asas de aeronaves, etc. Veja um
caso de teste em campo aqui. A partir das informações obtidas avalia-se o estado geral e pode-se
decidir por reparo ou mesmo substituição da estrutura.
Em polímeros a técnica de emissão acústica é pouco difundida, mas alguns estudos foram realizados na
análise da interface em compósitos. Este autor utilizou a
técnica na análise de falha de materiais poliméricos por stress
cracking e por degradação química, além do efeito da presença
de aditivos. Na imagem ao lado tem-se uma análise do PET
(Teofilo and Rabello 2015), mostrando a sobreposição da curva
tensão-deformação (convertida para tensão-tempo) e os
efeitos acústicos (chamados hits, indicados pelos pontos
discretos na curva). Observa-se que a maior parte dos efeitos ocorreu na região de pre-estrição e um hit de
intensidade muito elevada no momento da fratura. No caso do
polipropileno contendo modificadores de impacto, a fase dispersa
induz mecanismos de deformação e, consequentemente, um
elevado número de hits (ver imagem ao lado) é observado ao
longo de todo o processo de tensionamento (da Silva, Cavalcanti,
and Rabello 2020). Com a técnica também se pode medir a
energia dos hits, a taxa de sua formação, localização dos eventos
mais críticos, etc.
242
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
A redução da vida útil de um produto plástico é um dos grandes problemas que projetistas,
desenvolvedores e a própria indústria enfrentam, causando prejuízos financeiros, ações judiciais, danos
físicos, etc., e pode denegrir terrivelmente a reputação da empresa. Além da fratura catastrófica, outros
aspectos da aplicação podem ser considerados como determinantes no encurtamento da vida útil de um
produto, incluindo: alteração nos aspectos visuais (como cor, brilho e transparência), alteração nas
propriedades elétricas, empenamento, delaminação, desgaste, etc. O tema é de alta importância para
profissionais com atuação em polímeros, compreendendo praticamente todos os envolvidos com os
materiais poliméricos. Alguns livros foram publicados com o objetivo de analisar causas da falha e propor
soluções preventivas, por exemplo: (Scheirs 2000; Ezrin 2013; Moalli 2001). Uma publicação
nacional sobre o tema está disponível gratuitamente neste link.
De modo simplificado, os fatores que levam à falha prematura de produtos poliméricos podem
ser resumidos nos seguintes:
(a) Causas relacionadas com a matéria-prima. Neste campo tem-se, por exemplo, a seleção inadequada
do material em vista das necessidades exigidas pela aplicação, a escolha do grade, efeitos
degradativos que podem ocorrer durante a mistura e processamento do material, excesso de
material reciclado e efeitos negativos na adição de
determinadas combinações de aditivos. Alguns
exemplos: (1) o uso de pigmentos para conferir cor ao
produto pode reduzir consideravelmente a resistência
ao impacto do policarbonato, conforme a imagem ao
lado (dados baseados em (Saron et al. 2008); (2) em
moldagem por injeção de paredes finas, a alta viscosidade dos grades de alta massa molar dificulta
bastante o processamento, sendo inevitável se optar por grades de massa molar mais baixa e,
portanto, menos resistentes mecanicamente; (3) a imagem ao
lado (Chávez 2005) mostra uma peça utilizada para regular o
fluxo em uma mangueira de aplicação de soro em pacientes.
Originalmente produzido com ABS, a presilha apresentou fissuras
nas regiões de tensionamento e, em seguida, fratura catastrófica.
Isso é resultado do tipo de mecanismo de deformação desse
polímero, que é predominantemente por crazing. A substituição por polipropileno resolveu o
problema.
243
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
(b) Efeitos do processamento. Como mencionado anteriormente (seção 5.5) o processamento confere
uma forma final ao material, mas também define a sua estrutura interna, sendo, assim, é fator
determinante para as propriedades. Problemas surgem quando o foco do processamento está
voltado apenas para a produtividade industrial, em detrimento de uma garantia de qualidade técnica.
As principais causas de falha relacionadas com a transformação são: vazios internos por recalque
inadequado, reticulação imprópria (excessiva ou insuficiente), excesso de tensionamento no produto,
orientação molecular durante a etapa de pós-
extrusão, cristalização insuficiente ou excessiva, fusão
incompleta, degradação química durante o
processamento, etc. Na imagem ao lado tem-se uma
tubulação de PEAD que falhou em serviço
(Schouwenaars et al. 2007). Observe que a fratura
ocorreu ao longo da direção longitudinal do tubo, o que sugere que tenha sido causada por excesso
de orientação molecular durante a fabricação.
(d) Causas ambientais. O ambiente de utilização dos produtos, sem dúvidas, é dos fatores complicadores
na utilização de produtos plásticos e uma das principais causas da falha prematura. Em geral, testes
em ambientes reais ou simulados para prever a vida útil são realizados de modo muito simplificado
ou, simplesmente, não são realizados. A consequência é que o projeto/desenvolvimento de um
produto deixa, frequentemente (mas não sempre) de contemplar as inúmeras interferências do
244
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
ambiente de uso. As principais causas ambientais são relacionadas com (i) temperatura (muito baixa
causa fragilização e outros efeitos8; muito alta causa empenamento, amolecimento e degradação
térmica), (ii) radiação ultravioleta e outros constituintes naturais (como ozônio, poluentes e névoa
salina), que podem causar degradação química, (iii) agentes químicos, que causam ataque químico,
solubilização ou stress cracking; (iv) umidade, que, em alguns polímeros, tem efeito plastificante,
causa hidrólise e, no caso de compósitos, provoca alteração na adesão entre a carga e a matriz. Esse
último caso está exemplificado na Figura 6.33, em que um compósito com fibra de vidro apresenta
uma boa adesão interfacial logo após a produção, mas, após algum tempo de exposição em
temperatura elevada e na presença de umidade, ocorre uma mudança radical na adesão entre os
componentes, o que leva a uma grande perda de
propriedades mecânicas. Considerando que, muitas vezes,
os compósitos são utilizados em ambientes desse tipo,
trata-se de um problema grave de falha prematura e que é
de difícil solução. Na imagem ao lado (Ratner, 1996 ) tem-
se o caso de um isolamento elétrico de um marca-passo
implantado no paciente que apresentou intensas rachaduras após algum tempo de uso. Análises
detalhadas sugeriram que o dano foi causado por oxidação do polímero, acelerada por íons metálicos
presentes no fio do aparelho. Algumas dessas causas ambientais serão descritas com maiores
detalhes na seção 7.5 deste livro.
Figura 6.33. Efeito da exposição em ambiente saturado com umidade e temperatura de 100°C na adesão
interfacial entre o PBT e a fibra de vidro, inspecionados por microscopia eletrônica de varredura (Ishak,
Ariffin, and Senawi 2001). Em compósitos, a adesão interfacial é visualizada por MEV como o
recobrimento da fibra pelo polímero após a fratura. Note na imagem da direita, as fibras bem lisas, o
que caracteriza uma baixa adesão entre os componentes.
8
Reveja o caso da explosão da nave espacial Challanger, descrito na seção 3.1, que foi relacionada com a baixa
temperatura do ambiente no momento do lançamento.
245
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
A análise da topografia da fratura pode oferecer respostas à diversas questões, tais como:
9
Pode-se fazer um paralelo com a análise topográfica de um terreno, que é necessário para o projeto arquitetônico
e melhor aproveitamento dos espaços. O topógrafo faz o levantamento do relevo do terreno, indicando as alturas
do solo em relação a um ponto de referência em toda a área analisada e posiciona outros detalhes existentes
(como árvores, calçadas, muros, elementos construtivos, etc.).
246
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Embora cada processo de fratura seja único com relação ao histórico de carregamento, tipo de
material, etc., existem algumas características típicas de uma superfície de fratura, que estão mostradas
esquematicamente na Figura 6.34. Por serem regiões “típicas”, não implica que todas as fraturas irão
apresentar essas características e da forma como estão representadas. Na análise topográfica se busca
elementos gerais que auxiliam nas respostas acima, mas jamais se consegue interpretar cada detalhe de
uma superfície fraturada. As características principais dessas regiões são (Wolock and Newman 1964):
Zona espelho. A zona espelho, ou “mirror zone” é uma região lisa e plana caracterizada por uma
propagação frágil de crescimento em baixa velocidade. Na análise por MEV, faz-se uma varredura inicial
de toda a superfície de fratura (em pequeno aumento) e se busca a localização da(s) zona(s) espelho,
uma vez que é nessa região em que se localiza o ponto de iniciação da
fratura, que pode ser no interior ou na superfície do produto. Quanto
maior a proporção da zona espelho em relação ao total da superfície, Primeira região a se
maior a natureza frágil da fratura. Quanto mais plana, menor o desvio localizar na análise
topográfica
das trincas em diferentes trajetórias e, como consequência, menor o
consumo de energia durante a falha, caracterizando a fragilidade do
material. Em algumas situações, essa região pode ser visível com uma
pequena lente de aumento ou mesmo a olho nu. Por MEV, aumentos maiores na zona espelho revelam
marcas de fraturas, como estrias e corrugações.
Zona de transição. A fratura propaga na zona espelho com baixa velocidade, mas, eventualmente, a
frente de propagação é desviada para diferentes planos. Isso ocorre porque as trincas perderam a força
para propagação, são aprisionadas e reiniciam em diferentes frentes, ou porque encontram, ao longo
do caminho, material com maior Kc e, portanto, menos propenso à propagação frágil. Essa é a região de
transição, que se mostra com maior rugosidade em comparação com a região espelho. Nessa zona, a
tensão aplicada e a velocidade de propagação são provavelmente maiores do que na zona espelho,
ocorrendo também a nucleação de outras frentes de propagação. As marcas de fratura são mais
numerosas e mais visíveis, mesmo em pequenos aumentos.
Zona áspera. Com o aumento da tensão e velocidade de propagação, as trincas crescem de forma mais
aleatórias, gerando muitas frentes de propagação, em diferentes planos topográficos, formando a
chamada zona áspera. As marcas geométricas de fratura se tornam intensas, produzidas pela interseção
de diferentes caminhos de propagação. Assim, as marcas de fratura são predominantes, com formações
como estrias, corrugações, zonas de rasgamento, parábolas, hipérboles, fibrilas, etc. Algumas dessas
marcas, como fibrilas e zonas de rasgamento, representam significativos processos de deformação
durante a fratura. Os caminhos percorridos pelas trincas são muitos maiores do que nas zonas
247
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
anteriores, sendo responsável pela maior parte da absorção de energia durante a falha catastrófica. A
zona áspera, portanto, é caracterizada por rápida velocidade de propagação e grandes desvios dos
caminhos das trincas, resultando em grande absorção de energia e ductilidade. A habilidade que um
material tem em apresentar esse tipo de comportamento depende de suas características moleculares
e estruturais, da temperatura, do nível e tipo de tensão aplicada, etc. Devido às diversas
heterogeneidades internas que os polímeros possuem (ver seção 5.5.3) as suas características de fratura
e, como consequência, a topografia da falha podem sofrer alterações localizadas, por exemplo, quando
a frente de propagação alcança uma região com diferente K c (menos cristalina ou mais orientada, por
exemplo). Isso também contribui para formações das diferentes marcas de fratura nessa região.
Zona de fibrilação. Embora não seja propriamente uma zona típica de fratura constante na ilustração da
Figura 6.34, a formação intensa de fibrilas causada pelo processo
de deformação altera radicalmente a natureza da fratura,
impedindo a formação das zonas anteriores. Fratura
completamente fibrilar ocorre em polímeros com grandes
deformações por escoamento plástico ou pseudo-dúctil, como na
imagem ao lado, obtida com o polipropileno (Rabello 1996).
Regiões com zonas de fibrilação também podem ser observadas em conjunto com outras zonas de
fratura.
248
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
da aplicação; (ii) na análise de produtos que apresentaram falha em serviço, visando identificar as
possíveis causas da fratura e adotar medidas de prevenção. É essencial preservar corretamente a
superfície de fratura, uma vez que a dureza dos polímeros é baixa, podendo suas características
topográficas serem alteradas pela manipulação.
Mostraremos a seguir alguns exemplos de micrografias feitas por MEV com comentários sobre
suas principais características. Ressaltamos que nesse tipo de análise é impossível explicar todo e
qualquer elemento presente na imagem, fazendo-se uma interpretação mais abrangente da natureza da
fratura.
249
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
250
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
PARA DISCUSSÃO
251
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Caçadores de Mitos. Uma questão colocada nesse capítulo é se os capacetes de segurança precisam ser
descartados quando sofrem impacto. Essa pode ser uma questão que Os Caçadores de Mitos
poderiam resolver e você foi contratado para auxiliar no procedimento. Solte um peso
determinado (por exemplo, uma garrafa PET cheia de areia) de uma altura fixa sobre um capacete de
ABS. Se ele não fraturar, repita o procedimento várias vezes até a ruptura ou até você se convencer que
a peça não irá fraturar nessa condição. Refaça com um peso maior ou de uma altura maior.
Efeitos do crazing. Em amostras de HIPS ou ABS, faça um teste tensão-deformação até a ruptura. Em
novas amostras, tracione até 50, 60, 70, 80 e 90% da tensão máxima. Após cada um tensionamento,
realize novo ensaio mecânico até a ruptura. Compare os resultados com a amostra que foi ensaiada até
a falha final sem tensões intermediárias. Se possível, analise a superfície de fratura por MEV em cada
situação. Registre por fotografia o eventual embranquecimento após cada tensionamento. Para melhor
revelar as fissuras, você pode passar um marcador de quadro branco sobre a superfície, removendo o
excesso logo em seguida. Repita o procedimento para polímeros que se deformam por outros
mecanismos, como o PEAD e o PC.
Viscoelasticidade do queijo (baseado em (Pearson and Sperling 2019)). Um queijo tipo “prato” pode ser
utilizado para demonstrar o comportamento viscoelástico de fluência sob compressão. O queijo é
constituído por gordura, carboidratos, proteínas, água, etc. As proteínas, que são poliméricas, são
responsáveis pela resposta viscoelástica, auxiliadas pela água, que atua como plastificante. Coloque um
252
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
peso sobre meia peça de queijo prato e meça com um paquímetro a deformação instantânea. A cada
minuto meça novamente, aumentando o tempo de medida após ~20 minutos. Construa a curva de
deformação versus tempo. É possível calcular parâmetros viscoelásticos como viscosidade, tempo de
relaxação, etc. (Pearson and Sperling 2019).
Relaxação de tensão por dureza. Corte amostras de diversos materiais (PS, PP, PVC, PVC plastificado,
termofixo, compósitos) e faça ensaios de dureza, anotando os valores observados em função do tempo
de aplicação do penetrador sobre a amostra. Plote os dados obtidos para cada material, mostrando o
decaimento nos valores com o tempo. Compare os dados dos vários materiais correlacionando com as
suas tendências ao comportamento viscoelástico.
253
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Birley, A. W., B. Haworth, and J. Batchelor. 1992. Physics of Plastics (Hanser: Munich)
Elias, H.-G. 2008. Macomolecules. Volume 3. Physical Structures and Properties (Wiley-VCH: Weinheim).
McCrum, N. G., C. P. Buckley, and C. B. Bucknall. 1997. Principles of Polymer Engineering (Oxford
University Press: New York).
Osswald, T.A.; Menges, G. 2012. Materials Science of Polymers for Engineers (Hanser: Munich).
Strobl, G. 2013. The Physics of Polymers: Concepts for Understanding Their Structures and Behavior
(Springer: Berlim).
Ward, I. M., and J. Sweeney. 2004. An Introduction to the Mechanical Properties of Solid Polymers
(Wiley: Chichester).
Referências
Bárány, T., T. Czigány, and J. Karger-Kocsis. 2010. 'Application of the essential work of fracture (EWF)
concept for polymers, related blends and composites: A review', Progress in Polymer Science,
35: 1257-87.
Birley, A. W., B. Haworth, and J. Batchelor. 1992. Physics of Plastics (Hanser: Munich).
Braz, C.J.F., and M. S. Rabello. 2021. 'The investigation of the stress cracking behavior of PBT by acoustic
emission', Polym.Adv.Technol., 32: 4787-804.
Brostow, W., and H. Corneliussen. 1986. Failure of Plastics (Hanser: Munich).
Calister, W. D., and D.G. Rethwisch. 2020. Ciência e Engenharia de Materiais - Uma Introdução (LTC: São
Paulo).
Canevarolo, S.V. 2004. Técnicas de caracterização de polímeros (Artliber).
Chabert, E., A. Ershad Langroudi, C. Gauthier, and J. Perez. 2001. 'Mechanical response of amorphous
and semicrystalline poly(ethylene terephthalate) and modelling in frame of quasi point defect
theory', Plastics, Rubber and Composites, 30: 56-67.
Chávez, M.A. 2005. "Análise de falha de reguladores de fluxo." In, edited by Universidade Federal de
Campina Grande. Salvador (BA).
254
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
255
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello
Rabello, M. S., and J. R. White. 1997b. 'The Role of Physical Structure and Morphology on the
Photodegradation Behaviour of Polypropylene', Polymer Degradation and Stability, 56: 55-73.
Reddy, M.I., and V.S. Reddy. 2014. 'Dynamic Mechanical Analysis of Hemp Fiber Reforced Polymer Matrix
Composites', IJERT, 3: 410-15.
Santos, Z. I. G. 2012. 'Estudo do comportamento de fratura em compósitos polímero/madeira (WPC´s)
através do método EWF', Universide Federal de Campina Grande.
Saron, C., M. I. Felisberti, F. Zulli, and M. Giordano. 2008. 'Influence of diazo pigment on polycarbonate
photodegradation', Journal of Applied Polymer Science, 107: 1071-79.
Scheirs, J. 2000. Compositional and Failure Analysis of Polymers (Wiley: Chicester).
Schouwenaars, R., V. H. Jacobo, E. Ramos, and A. Ortiz. 2007. 'Slow crack growth and failure induced by
manufacturing defects in HDPE-tubes', Eng.Failure Analysis, 14: 1124-34.
Şerban, Dan Andrei, Glenn Weber, Liviu Marşavina, Vadim V. Silberschmidt, and Werner Hufenbach.
2013. 'Tensile properties of semi-crystalline thermoplastic polymers: Effects of temperature and
strain rates', Polymer Testing, 32: 413-25.
Sousa, A. R. 2008. 'Estudo do efeito combinado da degrada‡Æo por radia‡Æo gama e fratura sob tensÆo
ambiental (ESC) nas propriedades de pol¡meros v¡treos', Tese de Doutorado, UFPE.
Sousa, A. R., K. L. Amorim, E. S. Medeiros, T. J. A. Melo, and M. S. Rabello. 2006. 'The combined effect of
photodegradation and stress cracking in polystyrene', Polymer Degradation and Stability, 91:
1504-12.
Srithep, Yottha, Paul Nealey, and Lih-Sheng Turng. 2013. 'Effects of annealing time and temperature on
the crystallinity and heat resistance behavior of injection-molded poly(lactic acid)', Polymer
Engineering & Science, 53: 580-88.
Tager, A. 1978. Physical Chemistry of Polymers (Mir Publishers: Moscow).
Teofilo, E. T., and M. S. Rabello. 2015. 'The use of acoustic emission technique in the failure analysis of
PET by stress cracking', Polymer Testing, 45: 68-75.
Timoteo, G. A. V., G. J. M. Fechine, and M. S. Rabello. 2008. 'Stress cracking and photodegradation
behaviour of polycarbonate. The combination of two major causes of polymer failure', Polymer
Engineering and Science, 48: 2003-10.
Trindade, L. C., and M. S. Rabello. 2021. 'Monitoring by acoustic emission the mechanical behavior of
polystyrene submitted to stress cracking at different temperatures', Polymer Engineering &
Science, 61: 2200–12.
Utracki, L.A., and C. A. Wilkie. 2014. Polymer Blends Handbook (Springer).
Ward, I. M., and J. Sweeney. 2004. An Introduction to the Mechanical Properties of Solid Polymers (Wiley:
Chichester).
Weihermann, Wanessa R. K., Marcia M. Meier, and Sergio H. Pezzin. 2019. 'Microencapsulated amino-
functional polydimethylsiloxane as autonomous external self-healing agent for epoxy systems',
Journal of Applied Polymer Science, 136: 47627.
Williams, L.G. 1984. Fracture Mechanics of Polymers (Horwood: Chichester).
Wolock, I., and S. B. Newman. 1964. 'Fracture Topography.' in B. Rosen (ed.), Fracture Processes in
Polymeric Solids (Wiley-Interscience: New York).
Wright, D. C. 1996. Environmental Stress Cracking of Plastics (Rapra: Shawbury).
Young, R. J., and P.A. Lovell. 2011. Introduction to Polymers (CRC Press: London).
Zweifel, H. 2001. Plastics Additives Handbook (Hanser: Munich).
256
A performance dos materiais utilizados em produtos industriais depende de uma combinação de fatores,
como o tipo de polímero, grade, estrutura interna, aditivos, aspectos de projeto e... ambiente de
utilização. Seria virtualmente impossível projetar componentes poliméricos apropriados sem levar em
consideração o ambiente de utilização. Influências importantes são a radiação solar, temperatura,
umidade e presença de determinados agentes químicos. O grande desafio é garantir desempenho
adequado de produtos que estarão expostos à vários ambientes diferentes, como componentes
automotivos da imagem acima.
Capítulo 7
Fatores que controlam as
propriedades
Ao longo dos capítulos anteriores o conteúdo foi sendo apresentado e, concomitantemente, muitas
exemplificações feitas sobre as diversas influências nas propriedades dos materiais poliméricos. Este capítulo tem
dois objetivos: (i) resumir e sistematizar os diversos fatores (já mostrados anteriormente) que governam as
propriedades dos polímeros; (ii) apresentar a influência de dois outros fatores, de grande importância prática: os
efeitos ambientais e a presença de aditivos.
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
A natureza química do polímero, ou seja, os tipos de átomos e grupos presentes nas moléculas
é a base fundamental para o entendimento das propriedades dos produtos, e um resumo esquemático
das diversas influências relacionadas a esse aspecto está mostrado na Figura 7.1.
Figura 7.1. Resumo das influências da natureza química do polímero em suas principais propriedades
(elaborado pelo autor).
grupos polares estão presentes, como no caso das poliamidas. Se os dois efeitos – grupos volumosos e
polares – são combinados, e um exemplo são as poliamidas
aromáticas como o Kevlar® da estrutura química ao lado, o
material resultante é excepcionalmente resistente
mecanicamente e ao calor.
As forças intramoleculares, por outro lado, têm uma influência maior na estabilidade térmica
dos polímeros, e uma influência muito menor nas propriedades mecânicas. Isso porque os processos de
fratura são muito dependentes da presença de defeitos e outros elementos concentradores de tensão
(ver seção 6.2) do que propriamente da energia que une os átomos da cadeia principal. Uma exceção a
essa regra seria o caso das fibras, em que a altíssima orientação molecular alcançada durante o
processamento faz com que as ligações principais sejam solicitadas diretamente pelos esforços
mecânicos. A estrutura química também define características como absorção seletiva de luz
(propriedades óticas), movimentação de elétrons (propriedades elétricas) e capacidade de interação
com agentes químicos (propriedades químicas).
podem incluir comonômeros, visando atingir um balanço adequado de propriedades como rigidez e
tenacidade, além de melhorar a processabilidade. A Tabela 7.1 mostra um exemplo de copolímero de
poliamida 6 com poliamida 66 onde, em comparação com o homopolímero, a tenacidade do copolímero
foi substancialmente elevada às custas de pequena redução nas propriedades tênseis, mas uma redução
maior na temperatura de distorção (HDT). Esses resultados são uma consequência da menor
cristalinidade do copolímero.
Tabela 7.1. Comparação entre as propriedades de uma poliamida 6 com copolímeros PA 6/66. Fonte:
www.technyl.com.
260
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
É fato comum que a massa molar tem grandes consequências para o comportamento dos
produtos plásticos. Afinal, o grande tamanho das moléculas é a principal característica dessa classe de
materiais que, em geral, em maior ou menor grau, transcende todas as demais influências. Quanto maior
a massa molar, maior o número de emaranhados moleculares, que são responsáveis pela coesão
mecânica do material, mas também exerce forte influência no comportamento reológico. Como
discutido no Capítulo 2, a indústria petroquímica produz diversos grades para cada tipo de polímero,
visando atender determinados requisitos de aplicação e de processamento 1. Os grades de massa molar
mais baixa tendem a ser mais facilmente processáveis por técnicas como injeção ou rotomoldagem, mas
possuem comportamento mecânico inferior quando comparados com os grades de alta massa molar.
Por outro lado, no processamento por extrusão grades de alta massa molar são geralmente utilizados
devido à necessária alta resistência do melt para esse tipo de processo.
Para o caso de polímeros cristalizáveis, o tamanho das cadeias exerce duas influências
relevantes: (i) por um lado, os emaranhados moleculares reduzem a cristalizabilidade do material e, com
menor grau de cristalinidade, tem-se as consequências nas propriedades mecânicas e físicas; (ii) por
outro lado, tamanhos maiores de cadeia geram um maior número de cadeias atadoras, que unem os
cristais e os esferulitos entre si e, assim, são responsáveis pelo bom balanço de propriedades mecânicas
dos polímeros semicristalinos (ver seção 4.4.4). Um caso extremo da influência da alta massa molar é o
polietileno de ultra-alta massa molar (na faixa de 1.000.000 a 10.000.000g/mol), que possui
propriedades extraordinárias e aplicações diferenciadas (ver quadro na seção 4.2.1), mas tem na sua
dificuldade de processamento a grande desvantagem prática.
Um exemplo comparativo de grades de poliacetal está mostrado na Tabela 7.2. Observe que a
temperatura de fusão não variou com a massa molar, conforme já discutido na seção 5.6. As demais
propriedades apresentadas dependem da influência relativa do grau de cristalinidade (que, infelizmente,
o fabricante não informou nas fichas técnicas consultadas) e do tamanho das cadeias. Quanto maior o
índice de fluidez, menor a massa molar, o que facilita a cristalização e, como consequência, influencia
positivamente propriedades como HDT e módulo de Young. Por outro lado, massas molares mais
elevadas dificultam a cristalização e, além disso, formam mais emaranhados moleculares. A combinação
desses dois efeitos resultou em grande aumento na tenacidade, como se observa para os grades de
menor índice de fluidez. Por outro lado, essas duas influências têm efeitos opostos na resistência tênsil
e, devido a isso, essa propriedade mostrou ser pouco variante com o índice de fluidez.
1
Lembrando que a indústria petroquímica, em geral, não especifica as massas molares dos seus grades, e sim o
índice de fluidez, que uma medida inversa da massa molar.
261
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Tabela 7.2. Propriedades de alguns grades de poliacetal, com diferentes índices de fluidez. Fonte aqui.
Grades com diferentes índices de fluidez (em g/10min)
16,0 11,0 6,6 1,0
Tm (°C) 177 177 177 177
HDT (1,8MPa; °C) 125 122 124 123
Resist. Impacto Izod (J/m) 59 69 75 107
Módulo elástico (MPa) 3500 3500 3200 2900
Resist. tração (MPa) 70 69 68 68
262
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 7.2. Representação dos aspectos estruturais e suas principais influências, elaborada pelo autor.
No caso dos polímeros amorfos, a estrutura física é determinada apenas pela orientação molecular.
A estrutura física também é influenciada pela estrutura química e molecular do polímero, como
já revisado nas duas seções anteriores. Por exemplo, copolímeros aleatórios possuem estrutura
molecular irregular e, como consequência, têm maior dificuldade em cristalizar do que os
homopolímeros regulares. O polietileno, com suas moléculas flexíveis, cristaliza muito mais rapidamente
263
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
do que o polipropileno que, por sua vez, tem cristalização mais rápida do que o poliestireno isotático,
que possui grande rigidez molecular. A velocidade de cristalização
afeta não apenas o grau de cristalinidade alcançado durante o
processamento, mas também influencia no tamanho das cristalitos
e estruturas morfológicas (ver seção 5.1). No caso da morfologia
esferulítica, o tamanho desses elementos exerce grande influência
sobre as propriedades mecânicas uma vez que define, junto com a
massa molar, a concentração de cadeias atadoras. Na imagem ao
lado, observa-se a junção de dois esferulitos durante a cristalização,
com a consequente região de conexões interesferulíticas.
Muitas vezes é difícil se separar os efeitos da cristalinidade e do tamanho dos cristais nas
propriedades dos polímeros semicristalinos. Esferulitos muito grandes têm
baixa superfície específica e, por consequência, um número relativamente
Efeitos combinados pequeno de cadeias atadoras. Assim, para um mesmo grau de
da cristalinidade e
do tamanho dos cristalinidade, amostras com cristais maiores resultam em menores
cristais resistência à tração, ao impacto e, também, menor elongação. Polímeros
com cristais muito grandes geralmente falham por fratura frágil nos
contornos dos esferulitos (ver seção 6.2.4), onde existem poucas moléculas
atadoras, alta concentração de impurezas e cadeias com baixa massa molar – resultado dos efeitos de
segregação durante a cristalização.
Uma compilação dos principais efeitos do grau de cristalinidade nas propriedades dos polímeros
está mostrada na
Tabela 7.3. Quanto mais cristalino for o material, maior o empacotamento molecular, resultando em
maior rigidez, resistência tênsil e ao calor, enquanto as regiões amorfas conferem maciez, tenacidade e
transparência. Na maioria dos casos se busca um equilíbrio de propriedades e, sendo assim, graus de
cristalinidade muito elevados podem não ser desejáveis para determinadas aplicações. Exemplos mais
diretos da cristalinidade foram mostrados nas Figuras 4.4, 4.23, 5.22, 6.19 e o efeito nas curvas dinâmico
mecânicas na Figura 6.27. Lembre-se que o grau de cristalinidade alcançado em um produto depende
de dois fatores essenciais: (i) cristalizabilidade de suas moléculas e (ii) condições utilizadas durante a
cristalização.
264
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Transparência Diminui
Tg e Tm Não afetam
Permeabilidade Diminui
Por fim, a orientação molecular, que também é definida pelo processamento, é igualmente
relevante e determinante para as propriedades de todos os
polímeros – sejam amorfos ou semicristalinos. Isso tem sido
abordado praticamente ao longo de todo este livro – veja, por
exemplo, Figuras 2.4, 2.5, 2.7 e 5.30. O material orientado se torna
anisotrópico, com alta resistência no sentido da orientação e baixa
resistência no sentido ortogonal à orientação. Mais um exemplo
está mostrado na Figura 7.3 para o caso do poliestireno (amorfo), em que a resistência à tração é muito
superior quando o esforço é aplicado na direção do alinhamento molecular. Isso é resultado da diferença
de energia das ligações químicas primárias (no sentido da orientação) e secundárias (no sentido
transversal). Salvo nos casos em que se sabe o sentido da solicitação mecânica (por exemplo, em fibras),
a orientação molecular é indesejável pois torna o produto mais vulnerável em determinadas direções de
aplicação da força, especialmente quando solicitado por esforços de impacto, que são multidirecionais
(ver Figuras 2.6 e 2.7).
265
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
266
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
distribuição de tensões quando uma força específica é aplicada em determinada posição no produto, ou
as tensões internas geradas pelo processamento. As indústrias e empresas que lidam com esse tipo de
desenvolvimento, geralmente denominam o setor responsável como “Engenharia de Produto”. Diversos
guias de projeto podem ser encontrados na internet, com diretrizes gerais ou específicas para
determinados polímeros. Veja exemplos aqui e aqui.
267
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
• temperatura;
• umidade;
• radiação ultravioleta e outras causas de degradação;
• agentes químicos agressivos.
268
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 7.5. Representação esquemática (elaborada pelo autor) do efeito combinado da temperatura e
da cristalinidade na resistência ao impacto de polímeros. Variações similares ocorrem com outras
propriedades mecânicas, embora possam ser em sentido inverso (por exemplo, o módulo elástico diminui
com o aumento da temperatura e aumenta para maiores cristalinidades).
269
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Como reportado acima e em várias outras seções deste livro, o comportamento mecânico dos
polímeros é extremamente dependente da temperatura – em maior ou menor grau, e é preciso
considerar também situações limite (ou seja, em temperaturas muito baixas ou muito elevadas).
Enquanto que a redução da temperatura implica em menor tenacidade e, eventualmente, fragilização
do produto, a utilização em temperaturas elevadas tem várias consequências:
A umidade ambiental pode ser inócua para alguns tipos de materiais poliméricos, mas, para
outros, pode causar três tipos de efeitos:
(i) nos materiais higroscópicos, afeta as propriedades mecânicas e estabilidade dimensional, além de
causar problemas no processamento;
(ii) provoca delaminação entre a fibra e a matriz nos compósitos;
(iii) nos polímeros hidrolisáveis, causa a degradação química por hidrólise.
A origem da higroscopicidade está no tipo de ligação química secundária. A água, que forma
pontes de hidrogênio, pode interagir com grupos polares presentes em poliamidas, poliéteres,
poliésteres e poliuretanos, se posicionando entre esses grupos e, assim, reduzindo localmente a
densidade de energia coesiva e aumentando (um pouco) o espaçamento molecular. Com isso, o material
270
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
higroscópico tem as suas dimensões alteradas – com expansão em ambientes úmidos e contração em
ambientes secos. Essa instabilidade pode ser indesejável em aplicações como peças técnicas, em que se
requer grande precisão dimensional. Como a umidade ambiental é cíclica, as dimensões de um produto
higroscópico flutuam com essa variação, mas a experiência mostra que o total de variação dimensional
raramente ultrapassa 0,5% em uma dada direção (Campo 2008) – um valor aparentemente baixo, mas
pode ser inaceitável em produtos de alta precisão. No caso das poliamidas, por exemplo, que é a classe
de polímeros comerciais mais afetada por esse tipo de fenômeno, o teor de umidade absorvida depende
da concentração dos grupos amida (que varia conforme o tipo de poliamida), da cristalinidade, do tempo
de exposição e da umidade ambiental.
A Figura 7.6(a) mostra que o teor de umidade absorvido depende da umidade atmosférica, mas
também do tipo de unidade repetitiva. O ambiente de exposição também exerce uma forte influência
(Figura 7.6(b)) na cinética de absorção. Vale lembrar que o processo de absorção (e posterior
desidratação) de umidade é, geralmente, bastante lento, podendo levar meses para atingir a sua
saturação, a depender da temperatura de exposição e da espessura do produto. A presença de cargas,
fibrosas ou particuladas, tem o efeito de reduzir a umidade absorvida pois funcionam como barreiras
para a difusão. Todos os detalhes dos efeitos de umidade nas poliamidas, além de muitas outras
informações de importância prática e industrial foram muito bem descritos em um publicação nacional
recente (Ferro et al. 2022).
(a) (b)
Figura 7.6. (a) Efeito da umidade relativa do ar no teor máximo absorvido para vários tipos de poliamidas
e (b) efeito da condição de exposição no teor absorvido de umidade pela PA 66 (Brydson 1999). Como se
trata de um processo difusional, a umidade absorvida progride com o tempo e pode atingir um valor de
saturação que depende dos grupos higroscópicos presentes no material.
271
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
O PTFE, cujo principal nome comercial é o Teflon® possui propriedades bastante especiais, como uma
temperatura de fusão elevada (327°C), características hidrofóbicas e baixo coeficiente fricção. A alta
Tm é resultado da eletronegatividade conferida pelos 4 átomos de flúor na unidade repetitiva. A sua
Tg, entretanto, é assunto controverso – alguns reportam ~115°C, outros ~-110°C mas a sua alta
cristalinidade (que pode alcançar mais de 90% devido às cadeias muito regulares e sem ramificações) dificulta
determinações muito precisas. Foi proposto (Calleja et al. 2013) que esse polímero possui duas Tg´s – uma mais
elevada, devido às regiões desordenadas próximas aos cristais e a outra correspondente às regiões longe dos
cristais. As propriedades gerais do material e a forma como variam com a temperatura sugerem que a T g “real” é
a mais baixa.
O PTFE comercial é sintetizado com alta massa molar (superior a 1.000.000 g/mol) que, de forma similar
ao polietileno de ultra alta massa molar, resulta em grande dificuldade de processamento. A produção de tarugos
para posterior usinagem e de fitas para estiramento são as formas mais
comuns. Além de peças técnicas com baixo coeficiente de fricção e fitas veda-
rosca, o PTFE é muito utilizado em revestimentos diversos, como partes
internas de funis de alimentação, silos, componentes de bombas e motores,
dispositivos médicos e... panelas. O comportamento antiaderente do PFTE
advém da estrutura balanceada e altamente eletronegativa dos átomos de
flúor, que repelem os outros átomos que se aproximam da sua superfície. O seu coeficiente de fricção é 0,04, muito
mais baixo do que o do alumínio (1,9) e o do polietileno (0,2). No mercado internacional, o PFTE custa cerca de
US20,00/Kg e não é produzido no Brasil.
A grande polêmica desse material é no seu uso como revestimento de panelas (ver aqui o processo
completo de fabricação), evitando a adesão de gorduras e, claro, facilitando a limpeza. Na polimerização por
emulsão do tetrafluoretileno utiliza-se um surfactante chamado ácido perfluorooctanóico (PFOA ou C8) que não é
completamente eliminado após a polimerização, com possibilidade de migrar e contaminar os alimentos. Além
disso, a manipulação dos insumos e o descarte dos resíduos de polimerização podem ter severos impactos aos
trabalhadores e ao ambiente. O documentário “The devil we know” aborda toda a problemática envolvida no tema.
As indústrias produtoras do PTFE, por outro lado, afirmam que a espessura da camada do polimero nas panelas é
muito baixa e o desprendimento de C8 é desprezível para causar qualquer dano à saúde das pessoas. A polêmica
permanece...
272
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Polímeros higroscópicos requerem uma atenção especial no processamento, uma vez que a
umidade presente na matéria-prima provoca uma série de problemas, como manchas, porosidade,
perda de brilho e até degradação química (no caso daqueles polímeros que são hidrolisáveis). Materiais
que apresentam esse tipo de problema devem ser comercializados em embalagens especiais e serem
submetidos a secagem antes do processamento, assegurando baixo nível de umidade. Veja na Tabela
7.4 exemplos de condições de secagem para alguns tipos de
polímeros. As máquinas de processamento podem também conter
periféricos como desumidificadores e secadores (ver imagens ao
lado) para garantir a entrada da matéria prima no equipamento
com percentual muito baixo de umidade.
Tabela 7.4. Condições típicas de secagem para alguns polímeros comerciais e teor máximo de umidade
aceitável (Simielli and Santos 2010). Na prática, os processadores consideram que, mesmo com risco de
hidrólise, a umidade não pode ser muito baixa pois a massa polimérica ficaria com pouca plasticidade
durante o processamento.
273
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
deformação foi bastante significativa, mas a resistência tênsil apresentou valor bem mais baixo em
comparação com o material seco. A importância prática desse tipo de
comportamento é muito grande, uma vez que os produtos plásticos podem
A grande
ser aplicados nos mais diversos ambientes. Por exemplo, imagine uma peça importância em
de motocicleta produzida na Zona Franca de Manaus, onde a umidade conhecer como as
propriedades
relativa média é próxima de 100%, e o produto utilizado em Brasília, com variam com a
umidade
umidade atmosférica que pode ser inferior a 15% em algumas épocas do ambiental
ano. O controle de qualidade após a produção e os testes de campo podem
aprovar o componente, mas este apresentar falha em serviço por baixa
ductilidade em ambientes secos. Como lidar com essa questão na realidade industrial? Esse tema foi
escolhido para discussão, no final deste capítulo.
Figura 7.7. Comparativo das curvas tensão-deformação da PA 66 seca e condicionada em dois ambientes,
com diferentes umidades relativas do ar (Campo 2008). Note que a resistência à tração no ambiente com
elevada umidade foi menor da metade quando comparado com o ambiente seco.
274
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 7.8. Superfícies de fratura de compósitos de PP com fibra de vidro, mostrando a consequência da
exposição ambiental na adesão interfacial entre a matriz e o reforço (Rabello et al. 2000). No produto
exposto, a interface entre a fibra e a matriz mostra-se descolada, o que favorece a formação e
propagação de trincas nesta região.
275
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Finalmente, um último – mas não menos importante – efeito da umidade/água são as reações
de hidrólise, que ocorrem com alguns tipos de polímeros. Determinados grupos químicos, como éster,
éter e amida, podem reagir quimicamente com as moléculas de água, causando cisões moleculares, em
um processo denominado de degradação por hidrólise. Por exemplo, um poliéster é polimerizado pelas
reações de diácidos carboxílicos com um diálcoois, com liberação de moléculas de água:
polimerização
HOOC R COOH HO R' OH C R C O R' O H2O
hidrólise O O
Durante a síntese, a água tem que ser removida ou neutralizada para forçar a reação ocorrer para o
“lado direito”. Caso a água esteja presente, irá haver competição com reações no sentido inverso,
reduzindo o rendimento da polimerização e limitando o tamanho das cadeias obtidas. No entanto, se,
posteriormente, esse polímero for utilizado em ambiente contendo umidade/água, poderá haver reação
química dos grupos éster com as moléculas de água, provocando cisão das cadeias e até reversão ao
estado monomérico.
276
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
assim, a massa molar) e as consequências nas propriedades mecânicas. Assim, para os polímeros
hidrolisáveis, a correta secagem antes e durante o processamento é fator crucial para a qualidade dos
produtos – muito mais do que para aqueles que são apenas higroscópicos.
Figura 7.10. Efeito do teor de umidade durante o processamento na retenção da viscosidade inicial do
PET (a) e nas propriedades de compósitos PET-fibra de vidro (b) (Simielli and Santos 2010).
Na esterilização de produtos, a hidrólise pode ocorrer e causar grandes efeitos. O caso mais
clássico é o das mamadeiras de policarbonato (PC). Esse material
substituiu o vidro com grande
sucesso a partir dos anos 70,
dada a sua combinação de propriedades – alta tenacidade,
transparência e alta temperatura de amolecimento. Entretanto,
a hidrólise do PC libera moléculas de bisfenol-A, uma substância
altamente tóxica, com inúmeros riscos à saúde humana (veja
matéria aqui). As mamadeiras são esterilizadas e,
frequentemente, submetidas a choque térmico por imersão em água gelada após a esterilização,
o que causa fissuras no produto, aumentando a chance do bisfenol-A migrar para o alimento e
contaminar o bebê. Por esse motivo, o policarbonato foi banido nessa e nas demais aplicações em
contato com alimentos e brinquedos, embora o risco e a metodologia de avaliação possam ser
contestados. Nas aplicações como biomateriais, os polímeros hidrolisáveis apresentam
problemas adicionais pois as reações de hidrólise são aceleradas em meio ácido e na presença
de enzimas e eletrólitos. Diversos casos de falha foram reportados nessas aplicações, como na fratura
de tubos de poliuretano durante a retirada em ambiente gástrico (Ezrin 2013).
277
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Os polímeros biodegradáveis
Os polímeros sintéticos são tidos como materiais não biodegradáveis e que, diz a grande imprensa, podem
levar “centenas” de anos para serem absorvidos pela natureza. Essas estimativas são por demais alarmistas
e, em geral, sem nenhum amparo científico, mas não iremos entrar no mérito dessa discussão. Uma classe
muito especial de polímeros podem ser rapidamente biodegradados e se constitui em importante opção para
atender aos apelos “ambientalistas”, mas, principalmente, para conferir funcionalidades especiais em
determinadas aplicações.
Algumas polímeros naturais, como celulose, amido e quitosana, e outros sintéticos como poli(ácido láctico),
poli(hidroxibutirato) e poli(caprolactona) são intrinsicamente biodegradáveis, podendo se decompor pela
ação enzimática de micro-organismos em meio adequado de temperatura, pH, umidade e oxigênio. Todos
esses polímeros são hidrofílicos e hidrolisáveis, pois é através de reações de hidrólise em condições
adequadas que a ação degradativa acontece2. A biodegradação pode ocorrer em duas etapas: (i)
despolimerização, em que as enzimas dos micro-organismos rompem as ligações hidrolisáveis, gerando
cadeias menores e (ii) mineralização, em que as cadeias suficientemente pequenas são transportadas para o
interior dos organismos, transformados em biomassa e geram produtos como CO2, N2, CH4, água e sais
minerais. Descrições detalhadas desses processos e dessa classe de materiais estão disponíveis em bons livros
nacionais, (Fechine 2010; Rosa and Pantano Filho 2003)
A questão que se coloca no uso dos plásticos biodegradáveis é a expectativa de vida útil. Em produtos duráveis
e de alto valor agregado, não tem sentido utilizar materiais que podem sofrer deterioração ambiental em
pouco tempo, comprometendo a performance dos produtos. No setor de
embalagens e descartáveis, com a proibição do uso de plásticos tradicionais em
algumas cidades, os polímeros biodegradáveis têm encontrado um nicho
promissor de aplicação, mas o custo elevado desses materiais representa uma
dificuldade mercadológica. Existem também os polímeros tradicionais com
aditivos oxi-bio-degradáveis, mas são opções bastante polêmicas (veja aqui) – seja pelos resultados práticos
alcançados seja por potenciais riscos toxicológicos que podem apresentar.
As aplicações mais importantes dos polímeros biodegradáveis são aquelas em que essa característica resulta
em funcionalidade especial ao produto, como no caso de biomateriais usados como veículo para liberação
controlada de fármacos, como fios de sutura bioabsorvíveis ou em implantes, em que a biodegradação do
polímero no organismo ocorre concomitantemente com a regeneração dos tecidos ósseos, por exemplo.
2
Não confundir os polímeros biodegradáveis com aqueles que se originam de fontes renováveis. Por exemplo, o
polietileno é sintetizado a partir do monômero etileno. Esse monômero é, tradicionalmente, obtido de derivados
do petróleo, mas também pode ser sintetizado a partir de fontes renováveis como a cana de açúcar. Nesse último
caso, o polietileno obtido é denominado de “polietileno verde”, mas isso não resulta em capacidade de
biodegradação pois a molécula final (polietileno) é a mesma da obtida pelo petróleo. Casos similares ocorrem com
poliuretanos e resinas epoxídicas.
278
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Iniciação RH
R [1]
+ O2 ROO [2]
Propagação R
RO + RH ROH + R [6]
HO + RH R + H2O [7]
Terminação R + R R R [8]
ROO + R R O O R [9]
ROO + ROO R O O R + O2 [10]
Figura 7.11. Mecanismo geral da degradação oxidativa. As reações específicas que cada tipo de polímero
sofre depende da natureza química do material, com seus grupos químicos característicos, além das
condições reacionais.
A iniciação ocorre quando a energia fornecida externamente (por temperatura, radiação, etc.)
supera a energia de dissociação das ligações químicas presentes na
molécula polimérica, seja na cadeia principal ou na cadeia lateral, gerando
os chamados radicais livres. Quando o oxigênio estiver presente, o que
Radicais livres são
os principais normalmente ocorre, este reage rapidamente com os radicais livres
elementos
degradativos (reação 2) pois ambos os componentes são altamente reativos. Formam-se
279
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
chamados hidroperóxidos. Estes são compostos não radicalares mas contém ligações peróxido (O–O),
que são extremamente instáveis e, certamente, se decompõem nas condições de exposição em que a
degradação foi iniciada (reações 4-5). Radicais peróxi e alcoxi (ROO• e RO•) são formados, gerando
outros ataques degradativos (reações 6-7). Finalmente, quando radicais livres se encontram, tem-se as
reações de terminação (8-10) que, conceitualmente, significa a eliminação do centro ativo. No entanto,
observa-se que as reações de terminação 9 e 10 formaram grupos peróxido, que são pouco estáveis e,
certamente, darão início a novas reações de iniciação. Algumas observações abaixo sobre o mecanismo
descrito são relevantes:
(a) a iniciação ocorre preferencialmente em pontos mais fracos da cadeia, que podem ser nas ligações
químicas normais (das unidades repetitivas) ou em qualquer outro tipo de ligação, incluindo
defeitos de polimerização, extremidades da cadeia ou mesmo em impurezas e aditivos presentes.
Um resíduo de polimerização, um contaminante de processamento ou moléculas de pigmento, por
exemplo, podem ser o local de iniciação. Uma vez iniciada, os radicais livres gerados atacam as
moléculas poliméricas, mesmo que a iniciação não tenha ocorrido nelas;
(b) pode haver reações de reacoplamento dos radicais livres, um fenômeno chamado de “efeito
gaiola”. Na ausência de oxigênio, esse efeito é mais significativo;
(c) em produtos sólidos, ocorre uma grande diferença na extensão da degradação química na
superfície em comparação com o interior. Isso é resultado de uma concentração muito maior de
oxigênio nas camadas superficiais. Assim, uma região altamente degradada pode ser formada na
superfície, e o interior do produto degradas menos ou até permanecer intacto. A imagem abaixo
(elaborada pelo autor) ilustra esquematicamente essa diferença;
280
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
(d) a presença de íons metálicos, provenientes de cargas e outros aditivos, resíduos de polimerização
ou o próprio substrato (como fios de cobre), catalisam as reações degradativas, sendo um problema
adicional que deve ser considerado;
(e) o mecanismo descrito nas reações da Figura 7.11 é uma versão simplificada para o entendimento
geral do processo degradativo, mas cada tipo de polímero possui suas reações específicas que
ocorrem durante uma exposição térmica ou fotoquímica. Por exemplo, o polietileno forma grupos
vinil e carbonil, enquanto o PET forma ácidos carboxílicos. As reações que levam à cisão da cadeia
principal também são específicas para cada tipo de polímero e tudo isso está fartamente
documentado na literatura científica.
Com relação às suas influências principais, a degradação química oxidativa depende de uma série
de fatores, tais como:
(a) condições de exposição, como temperatura, intensidade de radiação ultravioleta, presença de íons
metálicos, umidade, poluentes, etc. Um produto exposto em ambiente tropical como no Brasil terá
uma degradação muito mais intensa quando comparado com uma exposição realizada em clima
temperado, como no Canadá;
(b) estrutura química do polímero. As maiores influências são a energia das ligações químicas na cadeia
polimérica, presença de pontos “frágeis” como ramificações, defeitos químicos e comonômeros. Por
exemplo, o polipropileno é muito mais degradável do que o polietileno de alta densidade pois a
presença de carbonos terciários no PP reduz a intensidade das ligações C-H, ao contrário da simetria
energética que existe no PEAD. O PEBD, com suas ramificações, possui um certo número de carbonos
281
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
terciários e, como consequência, apresenta estabilidade intermediária entre o PEAD e o PP. A Figura
7.12 mostra a diferença de comportamento do PEAD e do PP, expostos ao intemperismo natural,
observando-se que, enquanto o PEAD manteve sua resistência mecânica por todo o período de
exposição, o PP, embora mais resistente inicialmente, apresentou redução significativa nessa
propriedade após algumas semanas;
(c) Estrutura física do polímero. A oxidação ocorre basicamente na fase amorfa e na superfície dos
cristalitos, uma vez que a difusão do oxigênio para o interior dos cristais é dificultada pelo elevado
empacotamento das moléculas. Assim, produtos mais cristalinos e mais orientados tendem a
apresentar menor extensão da degradação química. No entanto, o processo degradativo nos
polímeros semicristalinos apresentam grandes heterogeneidades, com inúmeras consequências para
as propriedades (Rabello and White 1997a) e, assim, essa relação não é tão direta quanto possa
parecer. A morfologia do material tem também uma grande influência no comportamento mecânico
dos polímeros semicristalinos degradados. A Figura 7.13(a) mostra que o polipropileno com
esferulitos grandes teve suas propriedades mecânicas deterioradas muito mais rapidamente do que
o mesmo material produzido com esferulitos menores, apesar dos primeiros terem apresentado
menor quantidade de degradação química Figura 7.13(b). A explicação para isso é que as cisões
moleculares que ocorrem nos contornos dos esferulitos são especialmente prejudiciais para o
comportamento mecânico devido à ruptura das cadeias atadoras. Como nos esferulitos maiores o
número de cadeias atadoras é bem menor do que nos esferulitos menores, o efeito de cisão dessas
cadeias é proporcionalmente mais significativo;
(d) Presença de aditivos e impurezas. Como comentado anteriormente, impurezas podem atuar como
promotores da degradação, assim
como determinados aditivos. As
imagens ao lado (fotos do autor)
mostram compósitos de PP com fibra
de madeira, antes e após exposição ao
intemperismo em laboratório. Note a
intensa deterioração superficial dos compósitos após a exposição, em que os inúmeros componentes
dessas cargas, como lignina, celulose e ceras naturais, podem atuar como iniciadores e promotores
da degradação da matriz. Por outro lado, existem os aditivos que atuam como retardantes da
degradação como determinados tipos de pigmentos e, principalmente os estabilizantes. Estes
últimos estão presentes na grande maioria das composições poliméricas e podem atuar por diversos
mecanimos: (i) reagindo com os radicais livres (antioxidantes primários), (ii) desativando os
hidroperóxidos (antioxidantes secundários) ou ainda (iii) neutralizando os íons metálicos presentes
(desativadores de metais) ou (iv) absorvendo radiação ultravioleta. Dada a instabilidade química das
282
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 7.12. Efeito da exposição natural da resistência à tração do PP e do PEAD (Fechine, Santos, and
Rabello 2006). Os dois tipos de materiais foram expostos simultaneamente e com o mesmo padrão de
corpo de prova, permitindo uma comparação mais coerente dos efeitos ambientais.
283
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Figura 7.13. (a) Variação da resistência à tração em função do tempo de exposição à radiação ultravioleta
para o PP com dois diferentes tamanhos de esferulitos. (b) Para esses mesmos materiais, extensão da
degradação química, medida por espectroscopia de infravermelho. As amostras com os esferulitos
maiores são também as mais cristalinas (Rabello and White 1997b).
A presença de agentes químicos em contato com um produto polimérico durante a sua aplicação
também pode alterar o comportamento do mesmo. Os casos da hidrólise e da degradação oxidativa
mostram as grandes consequências que essas reações químicas que podem causar, a depender do
material e das condições de exposição. Quando substâncias líquidas (simplificando aqui para
“solventes”) entram em contato com produtos plásticos as várias possibilidades de interação estão
resumidas na imagem a seguir:
285
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Partindo do questionamento mais clássico – dissolve ou não dissolve? – vale o princípio da físico-
química, em que a dissolução ocorre quando existe uma boa interação entre os componentes, com certa
similaridade de forças intermoleculares. Um solvente polar não dissolve um polímero apolar, por
exemplo, e o resultado é a inércia química. Caso haja boa interação entre os componentes, poderá haver
a solubilização (ou plastificação, que é um caso especial de solubilização), com uma etapa intermediária
de inchamento. Conhecer os agentes químicos que provocam solubilização (e outros efeitos) é um dos
requisitos importantes na seleção do material.
286
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 7.14. Efeito da concentração de ácido clorídrico na resistência à fadiga do poliacetal, testado em
ciclos com tensão máxima de 35MPa (Scheirs 2000). Neste tipo de teste, o corpo de prova é submetido
a ensaios cíclicos de tensão e determina-se o número de ciclos até a falha catastrófica. O ensaio é,
geralmente, de longa duração e de grande importância prática pois muitos produtos são submetidos a
esse tipo de situação como, por exemplo, engrenagens, eixos de motores, etc. Nos dados acima, note
que a resistência à fadiga do poliacetal foi reduzida de ~1.000.000 ciclos para menos de 1.000 ciclos em
presença de HCl.
O efeito ambiental mais frequente, que corresponde a cerca de 25% de todas as falhas dos
materiais poliméricos em serviço, é o stress cracking. Esse tipo de fenômeno é de natureza apenas física,
i.e., não envolve reações químicas, e ocorre quando se tem a combinação de um agente químico
agressivo simultaneamente com a aplicação de tensão mecânica, conforme as etapas mostradas na
Figura 7.15.
Figura 7.15. Estágios de desenvolvimento de fissuras e trincas por stress cracking (Jansen 2004).
287
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
A tensão pode ser exercida externamente ou mesmo na forma de tensões de moldagem – o que
torna o problema ainda mais difícil de ser contornado. Não é todo agente químico que é causador do
ESC, sendo preciso possuir alguma afinidade com a estrutura molecular do polímero, com interação
intermediária entre a inércia total e a solubilização. O agente químico consegue atuar pontualmente,
nos locais em que existe alta concentração de tensão, provocando um tipo de plastificação localizada,
que resulta no desenvolvimento de crazes e, eventualmente, trincas. A Tabela 7.5 mostra alguns
exemplos de combinação polímero-fluido que resulta em ESC. Como se trata de um fenômeno que é
consequência da interação entre moléculas, um agente de stress cracking para um determinado
polímero pode ser totalmente inerte, ou ser solvente, para outro tipo de polímero. Observe nesta tabela
que muitos agentes causadores de stress cracking, são fluidos corriqueiros, como etanol e até alimentos.
Esse tipo de informação é essencial na escolha do material para, por exemplo, embalagens diversas e
peças em contato com agentes lubrificantes ou fluidos de refrigeração.
Tabela 7.5. Exemplos de combinações que causam stress cracking em alguns polímeros. Dados de fontes
diversas. Todos esses agentes exemplificados são fluidos comuns que podem perfeitamente manter
contato com produtos fabricados com esses polímeros. Caso o produto esteja sob tensão (inclusive tensão
de moldagem), a falha por stress cracking pode ocorrer.
288
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 7.16. Fissuramento superficial do poliestireno em contato com o butanol durante ensaio mecânico,
cujas curvas tensão-deformação estão mostradas ao lado (Sousa et al. 2006).
Um outro exemplo é mostrado ao lado (Braz, Wellen, and Rabello 2017), em que corpos de prova
de policarbonato foram submetidos a 3 diferentes forças
sob contato com o etanol: 600N (amostra a), 1200N
(amostra b) e 1800N (amostra c). A diferença de efeitos
observados com o valor da força aplicada é notória,
indicando a forte dependência do stress cracking com a
condição de tensionamento.
289
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
É possível que o stress cracking ocorra simultaneamente com ataque químico, como se verificou
em estudos do PET com soluções aquosas de hidróxido de sódio (Figura
7.17). Além do intenso fissuramento superficial, a massa molar foi
significativamente reduzida, mesmo após o curto tempo de contato
Stress cracking
+ durante os experimentos. Evidentemente, esse tipo de ocorrência
ataque químico
potencializa os efeitos pois, além da presença das trincas
concentradoras de tensão, causadas pelo ESC, a redução da massa
molar, devido ao ataque químico, contribui ainda mais para a
depreciação nas propriedades mecânicas desse material.
45000
40000
35000
Mw (g/mol)
30000
25000
20000
15000
10000
PET puro NaOH 1M NaOH 3M
Figura 7.17. Efeito da presença de soluções aquosas de hidróxido de sódio e tensão mecânica no
fissuramento superficial e massa molar do PET (Teofilo et al. 2009).
290
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
• minimizar as tensões de moldagem, pelo projeto adequado de produto e de molde, pelas condições
de processamento ou por procedimentos de recozimento pós-moldagem;
• evitar elementos concentradores de tensão no produto, como cantos vivos, variações bruscas de
espessura, insertos, etc.
O uso de aditivos para o ajuste das propriedades dos polímeros é considerado como a alternativa
mais rápida, fácil, versátil e econômica quando comparado com a síntese de novos polímeros ou mesmo
com a copolimerização. Pode-se considerar que praticamente nenhum produto polimérico seja
comercializado sem a presença de aditivos e, assim, esse tema é de grande importância técnica,
mercadológica e econômica para a área. Os aditivos são adicionados com três objetivos principais: (i)
proteger o material, seja durante o processamento ou ao longo de sua vida útil; (ii) melhorar o
processamento e/ou (iii) modificar as suas propriedades.
A escolha do tipo e da concentração do aditivo a ser adicionado deve ser feita de forma bastante
criteriosa e com estudos experimentais de desenvolvimento de formulações, uma vez que não existem
receitas prontas que sejam apropriadas para todos os casos. Além disso, podem ocorrer efeitos
antagônicos e sinérgicos entre aditivos diferentes. Por exemplo, a ação de um foto estabilizante pode
ser inibida pela presença de determinados pigmentos ou cargas minerais; um plastificante pode
interferir quimicamente na ação de um retardante de chama.
Quem utiliza aditivos deve ter sempre em mente o gráfico esquemático da Figura 7.18. Seja qual
a for a propriedade de interesse, a tendência geral é que haja um ganho até um certo limite onde, a
partir dele, o benefício seja desprezível ou, pior, haja um decréscimo no desempenho. Utilizar um teor
de aditivo acima do limiar indicado não faz sentido pois representaria um custo desnecessário e, além
disso, aumenta-se as chances de interferência em outras propriedades ou em outros tipos de aditivos.
Na verdade, o objetivo talvez nem seja o que atingir o teor limiar e sim de
alcançar a propriedade desejada – que pode ser de um valor menor do que o
máximo. Apenas testando as composições pode-se conhecer o real
comportamento do material aditivado, fazendo-se as escolhas mais racionais,
técnicas e econômicas. Existem empresas especializadas em preparar
composições já prontas, contendo pacotes de aditivos, recomendadas para
determinados campos de aplicação.
291
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Teor limiar
Teor de aditivo
Figura 7.18. Representação esquemática das possibilidades de efeitos de aditivos nas propriedades de
um polímero (Rabello and de Paoli 2013). A não ser nos casos em que se adiciona aditivos para reduzir
custos (como cargas minerais), a tendência é que a adição do aditivo resulta em melhoria das
propriedades de controle. Existe uma tendência de o comportamento geral ser como indicado no gráfico
acima. Conhecer esse tipo de comportamento para combinações específicas é a essência da aditivação
otimizada e racional.
Faremos a seguir uma breve descrição dos principais tipos de aditivos utilizados em polímeros e
suas funções. Como o assunto é bastante vasto e transcende os objetivos deste livro., recomenda-se aos
leitores a busca pela literatura mais especializada (Rabello and de Paoli 2013; Zweifel 2001).
Recomendamos também este site, que possui um vasto acervo de informações técnicas e
detalhes de produtos comerciais.
Estabilizantes. São aditivos considerados obrigatórios, que atuam na proteção das moléculas, evitando
(ou retardando) os efeitos degradativos (ver seção 7.5.3). Os principais são os antioxidantes primários e
secundários, que, respectivamente reagem com os radicais livres e desativam os hidroperóxidos.
Estabilizantes como os desativadores de metais, os foto-estabilizantes e os estabilizantes térmicos para
o PVC também são muito importantes mercadologicamente. A maioria dos grades de polímeros são
comercializados pelas petroquímicas já contendo antioxidantes primários e secundários, que visam dar
estabilidade durante a armazenagem da matéria-prima e durante o processamento. Caso o produto seja
utilizado por longos períodos em temperaturas elevadas ou em ambientes externos, dosagem adicional
de antioxidantes e adição de foto-estabilizantes poderá ser necessária. O PVC, que possui uma química
de degradação completamente diferente dos outros tipos de polímeros, requer uma classe especial de
estabilizantes térmicos.
292
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Plastificantes. São utilizados para aumentar a flexibilidade do material, em uma atuação semelhante a
de um solvente comum, com a incorporação em temperaturas elevadas, durante o processamento. As
moléculas de plastificante neutralizam as forças intermoleculares do polímero, aumentando o
espaçamento entre as cadeias, com consequente redução na temperatura de transição vítrea. São
utilizados principalmente para o PVC, mas alguns outros polímeros, como poliamidas e poli(ácido lático),
também podem receber esse tipo de aditivo. As propriedades mecânicas do material plastificado são
radicalmente modificadas, com redução no módulo elástico, na resistência
à tração e na dureza, e aumento no alongamento. O uso de plastificantes
requer uma condição especial de mistura, envolvendo equipamentos como
o dry-blend. O PVC plastificado tem uma ampla gama de aplicações,
incluindo calçados, mangueiras, recobrimento de fios e cabos, filmes,
bolsas para uso hospitalar, etc.
Lubrificantes. Uma das grandes questões relacionadas com a seleção dos grades de polímeros é o dilema
de opção entre a facilidade de processamento e o bom balanço de propriedades mecânicas. No caso da
injeção, um alto índice de fluidez (baixa massa molar) é muitas vezes necessário para o correto
preenchimento das cavidades na escala de tempo para uma produção adequada. Ao selecionar um tipo
de baixa fluidez e aumentar a temperatura de injeção para reduzir a viscosidade, tem-se o risco de
provocar degradação das cadeias. O uso de lubrificantes é uma alternativa viável pois é possível, dentro
de certos limites, reduzir a viscosidade sem sacrificar a alta massa molar e sem a necessidade de
aumentar a temperatura de processamento. Por outro lado, o excesso de dosagem deste tipo de aditivo
pode causar outros problemas, como a redução da taxa de cisalhamento (que é necessário para a correta
ação de mistura) e a obtenção de superfícies oleosas. A ação dos lubrificantes ocorre basicamente de
duas formas: (i) reduzindo a fricção entre as cadeias do polímero, o que se denomina “lubrificação
interna” ou (ii) reduzindo o atrito entre a massa
polimérica e a máquina de processamento,
denominada “lubrificação externa”. A figura ao
lado ilustra essas duas possibilidades. Como os
dois efeitos são importantes, é comum se
utilizar uma mistura de dois tipos de
lubrificantes. Em geral, as petroquímicas fornecem os grades previamente aditivados com lubrificantes,
mas uma dosagem adicional pode ser necessária para atender necessidades mais específicas.
293
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Antiestáticos. O fato de os materiais plásticos serem isolantes elétricos resulta em alguns problemas de
eletricidade estática, o que pode causar acúmulo de poeira em componentes, danos eletrostáticos,
aderência em filmes e geração de faísca com risco de explosão. Os antiestáticos são aditivos, com seus
elementos hidrofílicos e hidrofóbicos, que migram para a superfície e absorvem a umidade do ambiente,
criando uma fina camada de água
que dissipa a carga elétrica estática,
conforme imagem ao lado. Eles
podem também interferir no
processamento de modo
semelhante a um lubrificante
externo e, portanto, devem ser utilizados com concentração bastante controlada. Cargas condutoras,
como o negro de fumo e pós metálicos, também têm ação antiestática, mas por um mecanismo
diferente, que seria a geração de caminhos internos de condução.
3
O PVC, as resinas fenólicas e o poli(tetrafluoretileno) são exemplos de materiais intrinsicamente retardantes de
chama e podem atender às normas de segurança sem o uso dos aditivos anti-chama.
294
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Pigmentos. Os pigmentos são, certamente, um dos aditivos mais desafiadores para a indústria plástica.
A tonalidade de cor é uma questão estética por demais importante
e o nível de exigência por parte do controle de qualidade pode ser
bastante elevado, a depender do tipo de indústria e do valor
agregado do produto. O princípio básico da coloração é a absorção
(e reflexão) seletiva da luz visível pelos grupos químicos presentes
no material. Em função da estrutura química da molécula do
pigmento uma determinada tonalidade de cor será conferida ao produto. Os fabricantes de pigmentos
comercializam diversos grades, com coloração pré definida, mas a indústria de transformação ou de
desenvolvimento pode combinar pigmentos para alcançar tonalidades não oferecidas pelos fabricantes.
Para isso se faz uso de softwares especiais e colorímetros, além da valiosa colaboração de coloristas –
os especialistas em cor. Dependendo da interação entre esse aditivo e o polímero, os pigmentos podem
ser solúveis ou insolúveis, gerando produtos translúcidos ou opacos, respectivamente. Problemas
surgem na indústria quando os pigmentos têm suas estruturas químicas ligeiramente alteradas pelo
processamento, provocando um deslocamento na tonalidade da cor. Essa alteração também pode ser
causada pelas intempéries, especialmente a radiação ultravioleta. Os pigmentos também podem ter
outras funções quando adicionados aos polímeros, tais como: ação nucleante, foto estabilizante, conferir
textura, funcionar como sensor térmico ou fotoquímico, etc.
295
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Agentes de expansão. São aditivos que alteram radicalmente as características dos materiais plásticos,
com a geração de uma estrutura celular. Isso é conseguido basicamente com dois tipos de aditivos: (i) o
agente físico de expansão, que é adicionado durante o processamento e volatiliza em alguma fase do
processo ou (ii) o agente químico de expansão, que se decompõe durante o processamento gerando
produtos voláteis que expandem a massa polimérica. A estrutura resultante pode ser de célula aberta
ou fechada e apresentam vantagens como
leveza, isolamento térmico e acústico, além de
economia de material. As imagens ao lado
mostram espumas de EVA obtidas por
compressão (Alpire et al. 2013). Praticamente
qualquer tipo de material – termoplástico,
termofixo ou elastômero – pode ser obtido na
forma expandida e tecnologias específicas foram desenvolvidas para potencializar esse tipo de
produção, como injeção a gás, extrusão de filmes expandidos, aplicação de espuma de
poliuretano, produção do poliestireno expandido, etc. Em alguns casos, como no uso de
baixas concentrações de agentes químicos de expansão, os equipamentos convencionais
de processamento podem ser utilizados.
Cargas de enchimento e fibras de reforço. As pás eólicas da imagem ao lado são fabricadas com
materiais compósitos, aliando vantagens como facilidade de
fabricação, leveza e elevado desempenho mecânico. Essa classe
de materiais denominada de “compósito” refere-se a uma
estrutura interna heterofásica, formado por uma fase contínua
(matriz polimérica) e partículas dispersas na forma de cargas
particuladas ou fibras, sendo um dos mais importantes
procedimentos de aditivação de polímeros. Basicamente são três os tipos de cargas, classificadas
conforme os objetivos: (i) cargas de enchimento, com redução no custo final do produto, mas melhoria
em algumas propriedades, como módulo elástico e temperatura de distorção (HDT); (ii) cargas de
reforço, principalmente na forma de fibras, em que a resistência tênsil é melhorada, além do aumento
no módulo e HDT; (iii) cargas funcionais, que alteram determinadas propriedades muito específicas,
como a condutividade térmica e elétrica, conferem textura, etc. Os compósitos podem ser materiais
bastantes nobres, de alto valor agregado e com propriedades que competem com materiais metálicos
em aplicações críticas como em componentes aeroespaciais, automotivos, elétricos, etc. Aspectos
importantes para o alcance de excelentes propriedades são a razão de aspecto (relação entre a maior e
296
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
a menor dimensão) da carga, sua orientação e, fator crucial, a adesão com a matriz polimérica. Na
imagem ao lado (Sawyer and Grubb 1996) tem-se a
superfície de fratura de um compósito com baixa adesão
interfacial (sem silano) e de um outro em que, após a
aplicação do agente de acoplamento silano, a adesão
entre as fases aumentou significativamente. As principais
cargas utilizadas comercialmente em polímeros são:
carbonato de cálcio, talco e microesferas de vidro, como
cargas particuladas, e fibras de vidro, de carbono e de
aramida. Mais recentemente, tem-se utilizado cargas que conferem texturas
especiais, resultando em plásticos que se assemelham a madeira, a pedra, o
mármore, etc., um tipo de desenvolvimento com grande apelo estético e, em
alguns casos, de importância ambiental e social.
Embora seja muito difícil sumarizar em poucas palavras todos esses fatores aqui discutidos que
definem as propriedades dos polímeros, pode-se indicar algumas tendências mais frequentes na Tabela
7.6. Deve-se considerar que se trata apenas de um indicativo geral e que exceções podem ocorrer.
Considere, por exemplo, que exista a necessidade de se desenvolver um material com maior resistência
à tração através da modificação de um polímero já existente. Isso pode ser alcançado por uma maior
massa molar, maior cristalinidade ou pela adição de fibras de reforço. Esse benefício pode ocorrer às
custas da redução de algumas outras propriedades, como a tenacidade, por exemplo, ou por uma maior
dificuldade no processamento. Compete ao desenvolvedor encontrar um equilíbrio entre as várias
propriedades requeridas ao material final, considerando também as aplicações em potencial, custo e
aspectos mercadológicos, ambientais, etc. O mercado de materiais poliméricos oferece inúmeros
grades, dos mais diversos tipos de polímeros e copolímeros, alguns já previamente aditivados com fibras
de reforço, retardantes de chama ou modificadores de impacto. Para a seleção de um tipo “ideal”,
existem sistemas que facilitam a busca, como neste site, em que se pode filtrar por diversos
critérios, como propriedades mecânicas, reológicas, térmicas, elétricas, etc.
297
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Tabela 7.6. Tendência geral de alteração nas propriedades dos polímeros para as diversas influências
(elaborado pelo autor). O significado dos símbolos é autoexplicativo.
Reticulações**
Grupos
polares
Grupos
volumosos
Maior
cristalinidade
Orientação
molecular //
Orientação
molecular
Maior temp.
Não aplicável Não aplicável
de uso
Umidade***
Degradação
química
Stress cracking
Agentes
nucleantes
Modificadores
Variável
de impacto
Plastificantes
Cargas de
enchimento
Fibras de
reforço
(*) para o caso de polímero semicristalinos.
(**) para o caso de elastômeros.
(***) para o caso de polímeros higroscópicos.
298
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
PARA DISCUSSÃO
Teste simplificado de impacto e efeito da temperatura. Desenvolva um teste simplificado para aferir se
um determinado produto apresenta resistência ao impacto adequada. Esse teste pode ser do tipo
“aprovado” ou “não aprovado”, ou seja, se ele suportar um determinado esforço de impacto sem fratura
catastrófica ou sem trincas visíveis, está aprovado pelo controle de qualidade. Utilizando esse teste
desenvolvido, compare os resultados obtidos com um mesmo tipo de peça (ou corpo de prova) exposta
a três condições: (i) temperatura de um freezer (~-20°C), temperatura ambiente e temperatura de uma
estufa regulada em 60°C. Lembre-se de condicionar o material por algumas horas na temperatura
escolhida antes do teste de impacto, que deve ser realizado de modo bastante rápido para que a
temperatura da peça não mude significativamente. Avalie os resultados obtidos com diferentes tipos de
polímeros.
Efeito da umidade. Submeta peças ou corpos de prova de poliamida à imersão em água por alguns dias.
Após rápida secagem com papel toalha, realize teste mecânico e compare os resultados com o mesmo
tipo de amostra previamente seca em estufa por algumas horas a 60°C. Repita o procedimento com
amostras de PET e de polietileno e observe as diferenças.
299
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
Degradação química. Utilize uma estufa elétrica, preferencialmente com circulação forçada de ar, para
expor corpos de prova ou peças de PP utilizando uma temperatura de 100-120°C. Em intervalos de
exposição predeterminados, registre por fotografia as mudanças observadas, como formação de
fissuras, perda de brilho, alteração na cor, etc. A depender do nível de tensões de moldagem, pode haver
também empenamento da peça.
Stress cracking. Em peças de poliestireno (uma régua escolar, por exemplo) aplique um esforço de flexão
e, sob tensão, goteje etanol na superfície tensionada, observando o aparecimento de fissuras após
alguns segundos devido ao fenômeno de stress cracking. Repita o procedimento para alguns outros tipos
de fluidos, como água, detergente, etc. Se fizer esse experimento em corpos de prova, avalie o
comportamento mecânico do material antes e após o contato com os agentes agressivos.
Campo, E.A. 2008. Selection of polymeric materials (William Andrew Inc.: Norwich).
Ehrenstein, G.W., and S. Pongratz. 2013. Resistance and Stability of Polymers (Hanser: Munich).
Osswald, T.A., E. Baur, S. Brinkmann, K. Oberbach, and I.E. Schmachtenberg. 2006. International Plastics
Hanbook (Hanser: Munich).
Rabello, M. S., and M. A. de Paoli. 2013. Aditivação de Termoplásticos (Artliber: São Paulo).
Referências
Alpire, M. C., J. B. Azevedo, R. F. S. Freitas, and M. S. Rabello. 2013. 'Heterogeneities and physical
properties of ethylene-vinyl acetate foams containing calcium carbonates', Journal of Cellular
Plastics, 50: 163.
Bergeret, A., I. Pires, M. P. Foulc, B. Abadie, and A. Crespy. 2001. 'The hygrothermal behaviour of glass-
fibre-reinforced thermoplastic composites: a prediction of the composite lifetime', Polymer
Testing, 20: 753-63.
Braz, C.J.F., R. M. R. Wellen, and M. S. Rabello. 2017. 'Stress Cracking do Policarbonato na Presença de
Etanol', Revista Eletrônica de Materiais e Processos, 12: 115-23.
Brydson, J. 1999. Plastic Materials (Butterworths: London).
Calleja, Gérard, Alex Jourdan, Bruno Ameduri, and Jean-Pierre Habas. 2013. 'Where is the glass transition
temperature of poly(tetrafluoroethylene)? A new approach by dynamic rheometry and
mechanical tests', European Polymer Journal, 49: 2214-22.
Campo, E.A. 2008. Selection of polymeric materials (William Andrew Inc.: Norwich).
Espi, E., A. Salmeron, A. Fontecha, Y. Garcia, and A. I. Real. 2007. 'The effect of different variables on the
accelerated and natural weathering of agricultural films', Polymer Degradation and Stability, 92:
2150-54.
Ezrin, M. 2013. Plastics Failure Guide (Hanser: Munich).
Fechine, G. J. M. 2010. 'A Era dos Pol¡meros Biodegrad veis', Revista Plastico Moderno, 423: 28.
Fechine, G. J. M., J. A. B. Santos, and M. S. Rabello. 2006. 'Avalia‡Æo da fotodegrada‡Æo de poliolefinas
atrav‚s de exposi‡Æo natural e artificial', Qu¡mica Nova, 29: 674-80.
Ferro, W.F., M.S. Araujo, H. Wiebeck, H.A. Zen, and G. Pioltini. 2022. Pequeno Manual do Náilon (Artliber:
São Paulo).
Jansen, J. A. 2004. 'Environmental Stress Cracking - The Plastic Killer', Advanced Materials & Processing,
June: 50-53.
Nielsen, L. E. 1974. Mechanical Properties of Polymer and Composites (Marcel Dekker: New York).
Parrington, R. J. 2002. 'Fractography of Metals and Plastics', Practical Failure Analysis, 2: 16-19.
Rabello, M. S., L. A. Barros, R. S. Tocchetto, J. R. M. d'Almeida, and J. R. White. 2000. 'Weathering of
Polypropylene Composites Containing Weld Lines', Plast.Rubb.Compos., 30: 132-40.
Rabello, M. S., and M. A. de Paoli. 2013. Aditivação de Termoplásticos (Artliber: São Paulo).
Rabello, M. S., and J. R. White. 1997a. 'Fotodegrada‡ao do Polipropileno. Um Processo Essencialmente
Heterogˆneo', Polimeros: Ciencia e Tecnologia, 7: 47-57.
Rabello, M. S., and J. R. White. 1997b. 'The Role of Physical Structure and Morphology on the
Photodegradation Behaviour of Polypropylene', Polymer Degradation and Stability, 56: 55-73.
Rosa, D. S., and R. Pantano Filho. 2003. Biodegradação um ensaio com polímeros (Moara Editora).
Sawyer, L.C., and D. T. Grubb. 1996. Polymer Microscopy (Wiley: New York).
Scheirs, J. 2000. Compositional and Failure Analysis of Polymers (Wiley: Chicester).
Simielli, E.R., and P.A. Santos. 2010. Plásticos de Engenharia. Principais tipos e sua moldagem por injeção
(Artliber: São Paulo).
Sousa, A. R., K. L. Amorim, E. S. Medeiros, T. J. A. Melo, and M. S. Rabello. 2006. 'The combined effect of
photodegradation and stress cracking in polystyrene', Polymer Degradation and Stability, 91:
1504-12.
Teofilo, E. T., R. N. Melo, S. M. L. Silva, and M. S. Rabello. 2009. 'Stress cracking e ataque qu¡mico do pet
em diferentes agentes qu¡micos', Polimeros-Ciencia e Tecnologia, 19: 202-11.
Tikuisis, T., and V. Dang. 1998. 'Antioxidants: their analysis in plastics.' in G. Pritchard (ed.), Plastics
Additives: an Z-Z Reference (Chapman & Hall: London).
White, J. R., and A. Turnbull. 1994. 'Weathering of Polymers: Mechanisms of Degradation and
Stabilization, Testing Strategies and Modelling', Journal of Materials Science, 29: 584-613.
301
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello
302
Capítulo 8
Estudos de casos
Os conceitos e discussões desenvolvidas ao longo desse livro podem, e devem, ser utilizados
para entender com maior profundidade o comportamento de produtos à base de polímeros, propor
soluções e resolver problemas industriais. O conhecimento envolvendo o tema “estrutura e
propriedades de polímeros” é bastante amplo e possui diversas facetas, podendo ser de grande utilidade
prática para um profissional envolvido com materiais poliméricos.
O objetivo deste capítulo é apresentar alguns estudos de casos – situações práticas em que
soluções foram encontradas com base na teoria da ciência dos polímeros. Sim! O entendimento teórico
é essencial para prática! Os seguintes casos serão apresentados, com os respectivos autores:
- Como o polipropileno se tornou viável na fabricação de copos descartáveis, por Marcelo Rabello
• Rigidez, para suportar o peso do seu conteúdo e do empilhamento sem deformação apreciável;
• Resistência mecânica, especialmente ao rasgamento;
• Resistência química ao conteúdo, incluindo resistência ao stress cracking;
• Boa performance tanto em baixas temperaturas (conteúdo gelado) quanto em temperaturas
elevadas (conteúdo quente, como café);
• Natureza não tóxica, já que o conteúdo é um produto alimentício;
• Baixo custo de matéria prima;
• Facilidade de fabricação, inclusive com parede fina;
• Reciclabilidade. Importante não apenas para os copos descartados, mas também para
reprocessamento das aparas oriundas do processo de fabricação.
303
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
PEAD. Trata-se de um commodity de baixo custo, não tóxico e amplamente disponível. No entanto, o
módulo elástico é mais baixo do que o do HIPS e, como consequência, iria necessitar maior espessura de
parede para manter a “firmeza” do produto, com maior custo de matéria prima e menor produtividade.
PVC. O material poderia atender bem a maioria os requisitos, mas está envolvido em algumas polêmicas
no que se refere à toxicidade e impacto ambiental. Dificilmente seria um consenso para esse tipo de
aplicação.
PET. Com o amplo uso em garrafas, o PET tornou-se um material de custo mais baixo do que era no
passado, tornando-se competitivo com os commodities, apesar de ser
considerado um plástico de engenharia. Poderia atender bem para o
caso de descartáveis, mas, para maximizar a produtividade, precisaria
ser produzido no estado amorfo, podendo cristalizar durante o uso
(cristalização a frio) com conteúdos quentes. Apesar disso, o PET é
utilizado em alguns países na fabricação de descartáveis diversos. No
Brasil é mais empregado em copos diferenciados, moldados por injeção com parede mais espessa, e para
ocasiões especiais, como na imagem acima.
304
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Poli(ácido lático) – PLA. Por se tratar de um polímero biodegradável, possui um grande apelo ambiental
e, devido a isso, é utilizado por algumas marcas de fast food e cafeterias diferenciadas, em que o produto
vendido ao consumidor possui elevado valor agregado. Se for produzido com estrutura semicristalina,
suporta temperaturas elevadas do conteúdo (veja matéria aqui). Devido ao elevado custo da
matéria prima, não compete com o poliestireno e tem pouco uso no Brasil.
Considerando o uso com produtos gelados, o PP copolímero seria mais apropriado do que o
homopolímero por ter uma temperatura vítrea mais baixa (ver seção 4.2.2 deste livro), garantindo uma
maior ductilidade e resistência ao rasgamento durante o uso.
O esquema a seguir mostra o resumo dos fatores envolvidos nessa substituição, com a
desvantagem inicial do PP e a solução alcançada com o agente nucleante. Segundo este estudo,
o uso de agentes nucleantes corretos pode aumentar a produtividade no processo de
termoformagem em até 25%
305
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Tabela 8.1. Dados experimentais de potes plásticos utilizados em iogurte (Aggarwal and Langowski 2020).
HIPSa PP
Força de compressão (N)b 131 174
Permeabilidade a oxigênio (cm3/(m2.d.bar) 13,95 3,55
Massa do polímero na embalagem (g) 3,28 3,48
Densidade do polímero (g/cm3) 1,05 0,91
(a) Os autores não explicitam se utilizaram o HIPS ou o PS homopolímero. Como nesse segmento apenas o HIPS é empregado,
assumimos se tratar deste material.
(b) Avaliada pela norma DIN 55440-1, representando a força máxima que uma embalagem pode suportar sem sofrer colapso.
A substituição pura e simples de um material por outro em uma fábrica já operando com o HIPS
pode não ser um procedimento trivial, por vários motivos:
(a) A indústria produtora possui capacidade instalada para o HIPS, com equipamentos que, em geral,
são otimizados para determinados tipos de polímeros. A substituição iria implicar em substituição
do maquinário ou, no mínimo, a sua adaptação para processar o PP;
(b) O uso do PP como matéria prima básica pode requerer da petroquímica fornecedora o
desenvolvimento de um grade específico para a aplicação, inclusive com a adição otimizada do
agente nucleante. Além do tempo de desenvolvimento, pode haver certo problema de
disponibilidade enquanto muitas indústrias não utilizam esse grade;
(c) A indústria produtora possui um domínio de conhecimentos com o material utilizado. Otimização
de processo, resolução de problemas de produção e controle de qualidade fazem parte desse
conhecimento. A substituição do material precisa envolver novos treinamentos para a equipe de
colaboradores e tempo para adquirir experiência consolidada com o material substituto;
306
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
(d) No aspecto mercadológico, a indústria (produtora e/ou petroquímica) precisa interagir com
representantes comerciais e lojistas para discutir a substituição do material de fabricação.
Invariavelmente, contratam consultorias e pesquisas de mercado para avaliar a receptividade por
parte do consumidor final.
Concluindo...
Por fim, note que esse estudo de caso aplica diversos conhecimentos adquiridos ao longo deste
livro, especialmente envolvendo cristalização, estrutura física e propriedades finais do produto.
Referência
Aggarwal, Ankit, and Horst-Christian Langowski. 2020. 'Packaging Functions and Their Role in Technical
Development of Food Packaging Systems: Functional Equivalence in Yoghurt Packaging',
Procedia CIRP, 90: 405-10.
307
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
ricardocuzziol@me.com
Introdução
A investigação de peças falhadas (sejam elas plásticas ou não) é um dos desafios mais complexos
que um profissional pode enfrentar, pois pode envolver muitos aspectos da fabricação e uso do produto
e requerer uma equipe robusta e multidisciplinar para avaliar todos os ângulos possíveis do problema.
Apesar dessa complexidade, é muito comum os investigadores adotarem soluções “padrão” ou
solicitarem uma lista considerável de análises laboratoriais. Ainda que, em certos casos, a solução possa
sim ser bastante direta e até simples e que em outros, análises laboratoriais sejam fundamentais, sem
uma investigação apropriada e sistemática corre-se o risco de implementar ações:
2 – Que sejam apenas paliativos e que incorram na geração de outros problemas, custos adicionais
desnecessários e perda de produtividade.
Ao longo dos meus 30 anos de experiência na indústria do plástico, muitos dos quais investigando
falhas em peças, identifiquei alguns aspectos que podem ajudar a minimizar a ocorrência desses dois
problemas. Com base nessa experiência, consolidei um protocolo de análise de falhas de peças plásticas
que serve como um roteiro para profissionais envolvidos nesse tipo de problema. Não se trata de algo
definitivo, mas, acredito, pode ajudar a garantir robustez ao processo de investigação e implementação
de ações corretivas.
O protocolo
As etapas apresentadas neste protocolo não necessariamente seguem uma ordem cronológica.
De fato, muitas delas podem ser realizadas em paralelo de forma a ganhar tempo na investigação.
308
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
1. Definição da criticidade do problema e custos envolvidos: algumas falhas de peças são mais críticas
que outras. Por exemplo, um vazamento em uma garrafa de água mineral pode não ser algo muito sério,
mas um vazamento de combustível em um automóvel pode ser muito grave. Esta diferenciação ajuda a
definir quanto esforço precisa ser aplicado na investigação, o tamanho e diversidade da equipe envolvida
e recursos alocados tanto na investigação quanto na implementação de soluções. Finalmente, esta
definição também ajuda na determinação do prazo para conclusão das investigações.
2. Definição da equipe de investigação: em função da criticidade definida no ponto 1, a equipe pode ser
maior ou menor. Quanto maior a criticidade e complexidade do problema, mais indicada a utilização de
equipes multidisciplinares. Nos casos em que altos investimentos sejam necessários, executivos com
poder de aprovação podem ser envolvidos desde o princípio para acelerar os processos de liberação de
recursos. Da mesma forma, para situações que envolverem trabalhos externos e subcontratações,
quanto antes estes membros forem envolvidos na equipe, melhor.
3. Descrição da peça e função: uma das primeiras informações que a equipe deve buscar é sobre a peça
em questão. Qual seu nome? Como é a geometria? Onde é utilizada? Qual a função específica? Se
possível, tenha uma peça de exemplo em mãos para que todos se familiarizem com o objeto da
investigação e com seu funcionamento. Desenhos esquemáticos da peça e de como interage com outros
componentes durante o uso também podem ser de grande ajuda.
4. Condições de uso e do ambiente de utilização: Como parte do processo de familiarização com a peça
em questão, é importante saber as condições em que é usada. Sob qual temperatura ela trabalha? É
exposta à radiação ultravioleta e outros elementos de intempéries? Existem substâncias químicas em
contato com a peça? Se sim, qual a concentração e tempo de exposição? Quais os esforços mecânicos
envolvidos (tipo, intensidade, duração, direção etc.)? Nessas primeiras fases, informações muito
importantes serão coletadas para lançar alguma luz sobre as possíveis causas da falha. Não raro já nesta
fase algumas causas prováveis serão identificadas.
5. Identificação e rastreabilidade do material: saber qual o material utilizado na fabricação pode parecer
algo básico – e é. Porém, por ser básico, muitas vezes é tomado como algo certo e garantido e, assim
negligenciado. Qual o material especificado para uso em projeto? Qual o material de fato utilizado? Há
fabricantes homologados? Houve alteração no fabricante ou fornecedor? Qual o lote de material
específico utilizado na fabricação das peças falhadas? São vários lotes de material envolvidos ou são
poucos lotes específicos? Quais os aditivos presentes?
6. Identificação e rastreabilidade das condições do processo: outro ponto fundamental é saber sobre o
processo de fabricação. Este é um ponto crítico onde podem ser introduzidas causas para a falha
posterior. Assim, poder rastrear os dados do processo é fundamental. Quando as peças falhadas foram
fabricadas? Qual máquina foi utilizada? Houve alteração de máquina entre lotes bons e ruins? Houve
309
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
alteração de ferramental? Quais as condições de processo para o lote de peças falhadas? Houve
alteração nos parâmetros de processo? Há registros confiáveis das condições de processamento?
7. Determinação do modo de falha: é absolutamente essencial determinar como a peça falhou. Saber o
ciclo de eventos que levaram uma peça a falhar pode lançar muita luz sobre as causas possíveis. Quanto
tempo após o início da utilização ocorreu a falha? A falha ocorre espontaneamente ou sob aplicação de
algum esforço? É uma falha súbita ou ocorre durante um longo intervalo de tempo? Como se reconhece
a falha (é visível, há algum efeito secundário)? Qual a implicação desta falha?
8. Determinação do índice de falha: o índice de falha, apesar de muitas vezes não mostrar a causa
específica pode ajudar a excluir outras causas suspeitas. Quando, por exemplo, ocorre apenas uma falha
em um milhão de peças, as chances são que não há um problema com o material ou com o design,
podendo haver algo na utilização ou instalação da peça.
9. Outras condições relevantes: quaisquer dados estatísticos referentes à peça em investigação e à falha
específica devem ser levantados e considerados. Existe alguma correlação entre a falha e as cavidades
do molde (p. ex. uma cavidade quebra mais do que a outra)? Peças de um lote específico quebram mais
do que de outros lotes? Peças de um mesmo lote quebram em um determinado cliente ou região e não
quebram em outros? Peças utilizadas em uma posição específica apresentam maior índice de falha do
que outras? Existem contrapeças envolvidas? Se sim, quais as variações nas contrapeças que possam
estar correlacionadas com a quebra?
10. Ações de contenção: durante a investigação, o problema ainda está potencialmente ativo. Sendo
assim, é muito importante definir ações de contenção para evitar que novos casos de falhas ocorram.
Embora isso pode ser uma atividade difícil se a causa real ainda não tenha sido identificada, algo deve
ser feito para evitar que o problema, custos e riscos associados continuem aumentando. Cada caso
exigirá uma avaliação diferente, porém alguns exemplos de contenção podem ser: inspeção de 100%
das peças produzidas; troca temporária de fornecedor; troca do lote defeituoso; parada total de
utilização etc.
11. Coleta de amostras: como parte do processo de investigação, além de se familiarizar com as peças
investigadas, é necessário ter em mãos exemplos das peças falhadas. Tanto para conhecimento do modo
de falha e suas consequências, quanto para a realização de eventuais testes e inspeções nestas peças.
Sempre que possível, uma quantidade suficiente de peças deve ser coletada para a realização de todos
os testes necessários. Também é interessante ter amostras de peças boas, tanto novas quanto utilizadas
sem falhas. Isto dará não só mais subsídios para conhecer a aplicação e suas particularidades, mas
também amostras para testes laboratoriais comparativos entre peças boas e falhadas. Finalmente, é
fundamental coletar amostras do material que deu origem às peças falhadas (o lote específico que gerou
310
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
o problema). Também pode ser interessante coletar amostras de outros lotes do material para eventuais
testes comparativos.
12. Determinar a necessidade e tipo de testes laboratoriais a executar: tidas como a atividade típica de
uma investigação de falha, a análise laboratorial, apesar de ser muito importante, é apenas uma parte
de todo o processo investigativo. Algumas vezes pode, inclusive, nem ser necessária. Com um
levantamento de dados realizado com excelência, muitas vezes as causas do problema podem ser
definidas apenas analisando estes dados. Muitas vezes, porém, os testes mais precisos ajudarão a
responder algumas perguntas e provar algumas premissas levantadas por esses dados
(veja aqui e aqui vídeos sobre análises laboratoriais produzidos por este autor). Testes
de laboratório podem ter custo elevado e tomam tempo, tornando essencial definir quais são as análises
mais relevantes e que realmente trarão as respostas faltantes à investigação para que não sejam
desperdiçados tempo e recursos. Obviamente, quanto mais crítica for a situação, mais espaço para testes
haverá e vice-versa.
13. Realização dos testes e geração de relatórios: uma vez definidos os testes a realizar, as amostras
devem ser enviadas ao laboratório escolhido. Os analistas não devem simplesmente extrair uma amostra
da peça e ensaiá-la aleatoriamente, mas dedicar um tempo na escolha das regiões apropriadas das peças
que sejam representativas do processo de falha. Como muitas análises utilizam apenas poucos
miligramas de material, definir o local onde coletar amostras para ensaio é crucial. O analista também é
a melhor pessoa para decidir se apenas uma rodada de análises é suficiente ou se várias análises
comparativas serão necessárias para uma resposta definitiva. Finalmente, o analista deve gerar um
relatório consistente, que ilustre os pontos de retirada de amostra, as regiões analisadas da peça e
conecte os resultados ao problema em investigação.
14. Discussão dos dados levantados com a equipe: após todos os dados estarem disponíveis e análises
realizadas, a equipe de investigação pode avaliar estes dados e determinar como se relacionam com o
problema em análise. A ideia é encontrar a causa raiz da falha da peça. Ferramentas como o diagrama
de Ishikawa ou Espinha de Peixe podem ajudar bastante neste processo (veja aqui um vídeo
sobre o diagrama de Ishikawa).
15. Elaboração da solução proposta: após a identificação da causa raiz e somente após esta
identificação, prepara-se uma proposta de solução. Note que para alguns tipos de causas raízes, pode
haver várias soluções possíveis. A ideia é encontrar a mais adequada em função da criticidade do
problema, dos recursos disponíveis e do prazo desejado para implementação. É sempre importante,
após a execução da solução, instituir um programa de avaliação para certificar-se de que as ações
tomadas, de fato eliminaram a causa dos problemas.
311
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Estudos de casos
A seguir, alguns casos reais de investigação de falhas serão apresentados, nos quais o protocolo
foi aplicado com sucesso. Nem sempre, sucesso significa que o problema foi resolvido. Em algumas
situações, embora a causa raiz tenha sido identificada, os projetos foram interrompidos devido aos altos
custos envolvidos para implantação das ações corretivas.
Descrição da peça: roda automotiva moldada por injeção em plástico de engenharia (Poliamida 6.10)
reforçado com 30 % de fibras de vidro. As poliamidas são um dos principais polímeros usados em
aplicações de engenharia pois possuem um excelente balanço de propriedades como rigidez e
tenacidade, além de boa resistência ao calor. A incorporação de fibra de vidro incrementa o
comportamento térmico, a rigidez e a resistência à tração, em detrimento de uma menor tenacidade.
Detalhes da investigação: a falha foi identificada como severa, inviabilizando totalmente o projeto caso
uma solução viável não seja implantada. Uma equipe de investigação foi formada, envolvendo
fornecedores de material, do molde, do processo de moldagem e especialistas em design. Após análise
da certificação da qualidade do material e aferição do índice de quebra (que foi de ~80 %) decidiu-se
pela realização de testes laboratoriais para aprofundamento da investigação e tomada de decisão.
Ensaios realizados: viscosidade do fundido comparativa (grânulos x peça) por reometria capilar, teor de
umidade em grânulos virgens e microscopia ótica
312
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Resultados obtidos: (1) o teor de umidade dos grânulos estava de acordo com padrão para o material,
sendo descartada degradação por hidrólise durante o processamento; (2) testes reológicos sinalizaram
uma redução de 50% da viscosidade do melt após processamento em comparação com a viscosidade do
material original - 132 Pa.s para os pellets vs 67 Pa.s para a peça. Essa redução é muito significativa,
sugerindo degradação do material no processo de injeção, com redução da massa molar; (3) microscopia
ótica na região de fratura identificou alguma porosidade e linhas de solda pronunciadas.
Ações propostas: a degradação térmica durante o processamento pode ser devido ao elevado tempo de
residência do material na máquina de injeção e/ou temperatura elevada de processamento. Como a
janela de processamento das poliamidas é bastante estreita, existe pouca margem para alterar as
temperaturas, devendo-se considerar redução no tempo de residência como a principal alternativa para
reduzir a degradação. O principal procedimento seria a readequação do tamanho de máquina e tempos
de ciclo para minimizar as reações degradativas do polímero. Os outros dois problemas, porosidade e
linhas de solda proeminentes, seriam minimizados por ajuste na fase de recalque para evitar a
porosidade e redesenho do projeto da ferramenta, eliminando linhas de emenda e melhorando saídas
de gases do molde.
Resultado final: após readequação de design de peça e molde o modo de falha apresentou alguma
melhoria, mas ainda com elevado índice de falha. Aparentemente, a degradação térmica seria fator mais
decisivo do que a porosidade ou a linha de solda – o que demandaria a substituição do maquinário.
Entretanto, em função de indisponibilidade de máquinas em tamanho diferente e do aparecimento de
outras falhas de projeto em sistemas adjacentes, o projeto foi finalizado pelo fabricante sem que a
solução definitiva tenha sido aplicada. Evidentemente, trata-se de uma opção estratégica por parte do
produtor, que não considerou a aquisição de novos equipamentos como uma solução viável, preferindo
abandonar a intenção em fabricar esse tipo de produto.
313
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Ensaios realizados: além de análises visuais para diagnóstico de um padrão de falha, realizou-se
microscopia ótica na região das fissuras apresentadas.
314
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Ações propostas: (1) melhoria dos caminhos de fluxo do molde e das saídas de gases na região da linha
de emenda; (2) processo de injeção readequado para ajuste de temperaturas de material e molde além
das condições de recalque.
Resultado final: com a adequação do molde e processo o problema foi completamente eliminado. A
rastreabilidade adequada do produto injetado permitiu identificar o ponto de corte das peças antes e
depois das modificações em estoque evitando o envio de peças com problema para o cliente final. Note
que a solução encontrada envolveu ajuste na ferramenta e condições de injeção, sem alteração no
projeto da peça ou no tipo de material.
Detalhes da investigação: falha identificada como grave uma vez que comprove a segurança do
caminhão em processo de frenagem. Equipe de investigação composta por fornecedores de material e
do processo de moldagem. Como a falha não ocorre em todos os casos de contato com as substâncias
químicas, sugeriu-se a realização de ensaios laboratoriais para identificação das condições específicas
que levam à falha.
315
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
um campo de tensão na região inferior do tubo dobrado, que foi exposta ao agente químico por imersão.
Resultados obtidos: os ensaios de DSC e FTIR não apresentaram alterações significativas entre o material
e peça final, indicando a não ocorrência de degradação ou outras mudanças no material. Os testes de
imersão química indicaram que, na presença de tensão mecânica e em concentrações acima de 20% do
agente químico, houve uma frequência significativa de tubos danificados. Isso indica a falha causada por
stress cracking, tema abordado na seção 7.5.4 deste livro.
Ações propostas: devido à impossibilidade de controle das condições de lavagem dos caminhões
durante o uso final, a recomendação de não utilizar o agente químico causador da falha seria de pouca
eficácia. A ação corretiva proposta foi a de utilizar um material alternativo com maior resistência
química.
Resultado final: material alternativo (Nylon 6.12 modificado ao impacto e plastificado) apresentou
resultado positivo nos testes de imersão química ao ser introduzido na aplicação.
Bibliografia
Diversos vídeos do canal Ricardo Cuzziol sobre polímeros de engenharia – Disponível em:
http://www.youtube.com/ricardocuzziol
Sobre o autor
Ricardo é técnico em plásticos pelo SENAI ”Mario Amato”, Engenheiro Químico pela E. E. Mauá e Mestre
em Engenharia Química com ênfase em ciência e tecnologia de polímeros pela FEQ/Unicamp. Também
é Master Practitioner em PNL pela Ápice Desenvolvimento Humano e Master Coach de Carreira pelo IBC
e pelo Instituto Maurício Sampaio com reconhecimento internacional. Co-autor do livro ”Ação
Transformadora - Coaching como Ferramenta de Mudança”, tem 20 anos de experiência como
especialista técnico em transformação de polímeros, líder de projetos de crescimento e líder de equipes
de desenvolvimento de aplicações. Atua como treinador e consultor técnico na área de polímeros além
de gerenciar seu canal do Youtube e cursos online na plataforma Udemy sobre polímeros.
316
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
317
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
O problema de falha ocorreu por fratura na base de um dos dutos (círculo tracejado em verde
na imagem acima) durante a montagem e acoplamento de uma mangueira no bico de distribuição. Isso
foi observado em teste interno de qualidade realizado pelo fabricante. Posteriormente, a falha foi
detectada também em outros canais.
Os resultados da análise por MEV estão mostrados na sequência abaixo. Na imagem (a) tem-se
uma visão geral da região do duto onde o círculo “poroso” representa a região de fratura e na parte
plana adjacente tem-se a superfície interna. Esta superfície é vista com maior aumento em (b), indicando
uma característica lisa, uniforme e com as fibras de vidro distribuídas aleatoriamente na superfície.
Como a região não é tensionada diretamente durante a montagem da mangueira, permaneceu intacta,
reproduzindo a superfície moldada por injeção. Por outro lado, na parede do distribuidor observou-se a
superfície fraturada, com característica de alta porosidade (imagens (c) e (d)), semelhante a uma
esponja, que seria a causa para a fragilização da peça. Essa porosidade pode estar relacionada a várias
causas: (i) processamento (injeção) do material com umidade, que pode tanto acumular gases como
gerar degradação por hidrólise, (ii) degradação do polímero durante o processo de injeção devido a
condições inadequadas de processamento (alta temperatura, alto cisalhamento) ou (iii) utilização de
material previamente degradado. Note também que a região porosa não apresentou indícios de
estiramento molecular típico de crazing ou escoamento plástico (ver seção 6.1.3 deste livro), sugerindo
que foi causada pela moldagem e não pelo tensionamento mecânico. Assim, sua presença fragiliza o
produto pela elevada concentração de tensão na região.
318
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
(a) (b)
(c) (d)
Análise complementar foi realizada por FTIR, que apenas confirmou se tratar de uma poliamida
modificada, composta por hidrocarbonetos alifáticos (CH2 e CH3), aromáticos, grupamentos amida
(HN─C═O) e amina (>N-H). A combinação desses grupos indica se tratar da polifitalamida.
319
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
70
65
60
55
50
862 655
45
732
40 3080 2862 698
1474
35
%T
1286
30 1498
2935
25
20
15
10
3302
1545
5
0
1625
-5
-10
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
Wavenumbers (cm-1)
Também foi realizada análise de reometria capilar comparando resultados de matéria prima e
da peça acabada, apresentado a seguir. O comportamento pseudoplástico, típico dos polímeros, é
observado pela redução da viscosidade aparente com a taxa de cisalhamento. Observa-se também que,
para todas as taxas de cisalhamento utilizadas, a viscosidade da amostra retirada da peça foi menor do
que a viscosidade da matéria prima. Trata-se de uma forte evidência de que o processamento causou
degradação química no polímero, resultando em redução na massa molar – o que afeta diretamente as
propriedades mecânicas do material. Como a poliamida é um polímero hidrolisável (ver seção 7.5.2), a
degradação pode estar associada a uma combinação de temperatura excessiva com presença de
umidade na matéria prima. Além de causar hidrólise, a umidade presente pode também ser responsável
pela porosidade no produto, o que foi evidenciado na região de fratura mostrada por MEV.
320
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
1000
100
Peça
10
Materia prima
10 9271,25 3026,25
100 3241,87 845,13
200 1948,87 760,00
500 1093,65 380,95
700 937,95 290,12
1000 732,25 218,85
2000 436,14 126,77
Conclusão e sugestão
As análises reportadas acima sugerem tratar-se de uma falha mecânica causada, provavelmente,
por gases formados durante o processamento que induziram uma estrutura interna porosa. Para a
solução do problema sugere-se, em primeiro lugar, dar especial atenção na secagem da matéria prima
e o uso de periféricos como secador e umidificador acoplados à injetora, além de melhor controle dos
parâmetros de injeção, como temperatura nas diversas zonas e tempo de residência. Caso não seja
solucionado por completo dessa forma, o molde de injeção precisaria ser modificado, com a introdução
321
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
de canais de ventilação para saída de gases durante o preenchimento da cavidade nas proximidades do
elemento dutado.
Sobre o autor
Marcio Kobayashi possui graduação em Engenharia de Materiais com ênfase em polímeros, pela
Universidade Federal de São Carlos (2004) e mestrado e doutorado em Ciências e Engenharia de
Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (2006 e 2011). Trabalha há mais de 15 anos com
identificação, caracterização e análise de falha em polímeros e compósitos poliméricos. Desde 2104 é
sócio e diretor técnico na AFINKO Soluções em Polímeros.
322
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
323
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
fabricados, sendo uteis para situações cotidianas de controle de qualidade e resolução de problemas.
Alguns desses procedimentos serão descritos a seguir.
324
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Resistência química
O método de sonda química (chemical probe) utilizado para aferir o nível de tensões internas
consiste na imersão da peça moldada em um reservatório contendo um agente químico causador de
stress cracking. Como abordado na seção 7.5.4 deste livro, a combinação de um agente químico
agressivo com tensão mecânica pode vir a causar fissuras no produto.
Neste método deve-se escolher um agente químico apropriado para o tipo de polímero como,
por exemplo, o ácido acético em contato com o ABS ou o
etanol em contato com o PMMA. Logo após a peça ser
extraída do molde, mergulha-se no banho com o agente
químico e retira-se em seguida. Observa-se visualmente o
aparecimento de fissuras, como na imagem ao lado.
Quanto mais tempo levar o surgimento das fissuras, menos
tensionada encontra-se a peça. Se o tempo de formação de
fissuras for menor do que o padrão de qualidade exigido
para a situação, deve-se adotar procedimentos de correção, que envolve mudança nas condições de
processamento, escolha de um grade de massa molar mais elevada ou alteração no projeto do produto.
Em casos extremos, quando a solução não é alcançada facilmente, pode-se também utilizar
procedimentos de recozimento em estufa que, em temperatura e tempo apropriados, pode aliviar as
tensões internas – mas deve-se ter uma atenção especial para esse tratamento térmico não empenar o
produto (ver o próximo teste).
Teste de distorção
325
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Um teste simples de controle de qualidade das tensões internas é pela colocação da peça em
um forno ajustado com determinada temperatura (que depende do tipo de polímero) e determinar
quanto tempo a peça suporta sem distorcer. Quanto mais rápido aparecer o empenamento mais
tensionada encontra-se a peça. Em função desses resultados, ajusta-se o processo de injeção:
temperaturas do equipamento e do molde, tempos e pressões para minimizar o nível de tensões.
Testes mecânicos
No caso da avaliação das tensões de moldagem, utiliza-se comumente o teste de queda livre,
em que um peso pre-estabelecido, a partir de uma altura determinada, cai livremente sobre a peça.
Pode-se variar a massa e a altura do peso para definir o padrão de
qualidade específico do produto. A avaliação pode ser qualitativa,
com percepção dos danos causados pelo impacto ou quantitativa,
com medidas de energia absorvida – quando realizada em
equipamento específico como o da imagem ao lado para a
avaliação de um capacete de segurança. Quanto mais tensionada
for a peça em regiões críticas, menor será a sua resistência e mais
danos ocorrerá no produto. O teste de queda livre não
necessariamente tem que ser feito em equipamento padronizado
uma vez que a indústria pode definir um padrão interno de qualidade, considerando, por exemplo, o
peso, a altura e a posição de impacto no produto.
326
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Exemplo de peça poliestireno trincada após teste de queda livre. Neste caso o tensionamento excessivo
foi causado por refrigeração inadequada e extração do molde muito forçada. Fonte: acervo do autor.
Muitas vezes o tensionamento da peça é tão alto que a simples extração do molde já causa a
fratura mecânica. No exemplo ao lado de uma peça
moldada em blenda de poliestireno com SBS (acervo do
autor) observa-se esse fato, com rachaduras que
ocorreram a partir do ponto de injeção. As principais
causas desse tensionamento excessivo seriam, por
exemplo, molde muito frio, temperatura da massa mal
distribuída, má homogeneização do melt pela baixa
contrapressão, entre outras variáveis.
Sobre o autor
328
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Entretanto, apesar da grande utilidade dos ensaios de impacto normatizados, eles podem não
ser suficientes para prever o comportamento de um produto acabado e em condição de uso. Isso porque
uma peça final pode ter uma geometria bastante diferente de um corpo de prova, com variações de
espessura, cantos vivos, orifícios, insertos, etc. (ver Figura 1.3, capítulo 1, deste livro), além de variações
estruturais que podem ser causadas pelo processamento. Em muitas situações, inclusive, objetiva-se
aferir não a energia de ruptura, mas o máximo de energia que a peça resiste sem a formação de fissuras
329
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
e trincas que comprometam o desempenho do produto. Ou, alternativamente, se a peça resiste a uma
determinada condição de impacto sem apresentar sinais de comprometimento mecânico. Por exemplo,
no caso de embalagens, o requisito é que não haja fratura quando derrubadas sob as condições de uso
da aplicação. Para isso, de forma a se ter uma avaliação mais fiel do comportamento do produto (e não
do corpo de prova) é comum se adotar procedimentos conhecidos como “ensaios de aplicação”, o que
pode ser definido como testes simulando as condições reais de uso utilizando o próprio produto. No
caso de testes de impacto, dois procedimentos adotados podem ser o teste de impacto de torre, ou o
teste de queda da peça, cujos esquemas estão mostrados a seguir. No primeiro caso utiliza-se um peso
acoplado a uma célula de carga que afere a energia que impacta o produto. No segundo caso tem-se
uma situação mais real, em que o recipiente cheio sofre impacto de uma altura determinada. Em ambos
os casos, verifica-se visualmente o estado de danos causados pelo teste, determinando se o produto
está aprovado (ou não) pelo controle de qualidade.
Os dois tipos de procedimento, teste normatizado e ensaio de aplicação, têm a sua importância
técnica na indústria e ambos são amplamente utilizados. Um questionamento que pode ser feito é:
um grade ou uma formulação que apresenta o melhor desempenho nos testes normatizados
tem garantida a melhor performance nos ensaios de aplicação?
Apresentaremos aqui um exemplo comparando resultados com dois diferentes grades de polipropileno
copolímero utilizados na fabricação de potes de sorvete.
A Figura 1 mostra o resultado de impacto Izod segundo a norma ISO 180 de dois diferentes
polipropilenos copolímeros heterofásicos. O grade B apresentou uma resistência ao impacto 33% menor
do que a do grade A quando testado nas mesmas condições experimentais. Assim, utilizando apenas
330
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
este procedimento um fabricante optaria pelo grade A visando uma melhor performance dos seus
produtos caso a propriedade de impacto fosse um requisito importante.
Figura 1. Resistência ao impacto Izod de acordo com a norma ISO 180 de dois polipropilenos copolímero.
As imagens à direita representam as morfologias de cada composição, obtidas por microscopia.
Para melhor entender esse tipo de comportamento, análises de microscopia nos corpos de prova
moldados foram realizados e as morfologias observadas (também mostradas na Figura 1) indicam que o
grade A possui domínios borrachosos menores do que o grade B, o que pode explicar o melhor
desempenho de resistência ao impacto Izod.
331
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Figura 2. Resultados de teste de queda de potes de sorvete para os dois grades utilizados e as morfologias
correspondentes.
𝑑𝑣
𝛾̇ =
𝑑𝑦
Assim, a taxa de cisalhamento atuante durante a injeção do pote, com menor espessura, é muito maior
do que para o caso dos corpos de prova, e isso possibilita uma melhor dispersão da fase borrachosa no
produto final. A dispersão das partículas no grade A, provavelmente, já atingiu a situação ideal mesmo
para o caso dos corpos de prova, não apresentando melhoria adicional na injeção de menor espessura
de parede. Isso é dependente do comportamento reológico de cada material. Infelizmente, não dipomos
dos dados reométricos dos grades que possam comprovar essa hipótese.
332
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Em conclusão, evidenciou-se neste estudo de caso que para uma avaliação mais precisa do
comportamento do polímero e produto final é sempre recomendável complementar os testes
normatizados com ensaios de aplicação, que melhor simulam as condições finais de uso.
333
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Um vídeo bastante conhecido por quem trabalha com tanques de armazenagem é este,
que mostra testes de queda comparando dois produtos – um fabricado com o polietileno
convencional (PEAD) e outro com o polietileno reticulado (XLPE). Os resultados são “impactantes”,
evidenciando que o XLPE proporciona um tanque muito mais resistente do que o PE. Veja abaixo algumas
imagens extraídas do vídeo citado.
Tanque de PE após o teste, totalmente fraturado. Tanque de XLPE após o teste, intacto.
334
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
À primeira vista, o que nos surpreende nos testes acima é a sua elevadíssima resistência ao
impacto quando comparado ao PEAD. Como se trata de um material reticulado, as ligações cruzadas
poderiam reduzir a tenacidade do produto devido à menor mobilidade molecular, o que resultaria em
menor capacidade de deformação. Embora essa linha de raciocínio esteja correta, outras influências
podem existir na estruturação deste material.
No caso dos tanques mostrados no vídeo, o processamento ocorre por rotomoldagem, uma
técnica que consiste em rotacionar biaxialmente um molde em um forno durante um tempo e
temperatura especificadas. Após o melt uniformizar no interior do molde, este é resfriado e o produto
desmoldado. Isso permite produzir peças ocas de elevado tamanho, que seria virtualmente impossível
por técnicas usuais como o sopro. As etapas do processo estão esquematizadas a seguir.
335
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Uma vez que a rotomoldagem não envolve cisalhamento como nos processos convencionais de
injeção, extrusão e sopro, uma das grandes dificuldades é o correto preenchimento dos detalhes do
molde e a eliminação de porosidades. O melt, altamente viscoso, se espalha lentamente pelas cavidades
do molde para reproduzir a sua superfície interna – o que pode levar de 20 minutos a 2 horas (ou mais)
dependendo do polímero e do tamanho e espessura do produto. Os grades utilizados para esse tipo de
processo não possuem uma massa molar muito alta pois, dessa forma, dificultaria bastante a
conformação. Como consequência do uso de um grade mais fluido, o produto final tenderia a ter
limitações na densidade de emaranhados moleculares e no número de moléculas atadoras inter-
esferulíticas, com consequências negativas no comportamento mecânico, incluindo a resistência ao
impacto (como abordado em vários momentos neste livro). A possibilidade de ocorrer degradação
oxidativa durante o (longo) processo é ainda outro fator relevante para reduzir o comportamento
mecânico do produto final. Um guia prático para a moldagem rotacional pode ser encontrado
aqui.
336
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello
Como o caso tratado aqui refere-se a um vídeo do YouTube, não tivemos acesso aos produtos
moldados para aferição de suas estruturas físicas. No entanto, iremos reportar a seguir um estudo
científico realizado com o XLPE moldado a 200°C e utilizando várias concentrações de peróxido
orgânico (butyldioxyisopropyl)benzenehexane – BIPB). Confira o artigo completo aqui.
A Tabela 1 mostra como a concentração de reticulantes afeta o teor de gel. Trata-se de uma
medida da fração de material não solúvel, sendo relacionado ao grau de reticulação 1. Quanto mais
reticulado estiverem as moléculas, menos cristalizáveis elas serão, o que se observa por uma redução
progressiva do grau de cristalinidade com a concentração de BIPB, atingido um valor de apenas 42,2%
para 1,5% de reticulante adicionado. Trata-se de uma redução muito significativa, o que, certamente,
contribui para uma maior tenacidade do produto final. A diminuição na espessura lamelar também é
considerável, o que deve causar uma maior densidade de moléculas atadoras, provocando amarração
na estrutura do material e, assim, possibilitando maior resistência ao impacto. Os autores do artigo
argumentam também que as reticulações dificultam os mecanismos de formação de dobras nas
superfícies dos cristais devido à
menor mobilidade molecular. Isso
resulta em menor perfeição
cristalina e menor definição da
estrutura esferulítica, como
mostram os exemplos ao lado.
1
O teor de gel está relacionado com o grau de reticulação mas não se trata de um mesmo parâmetro. O primeiro
indica a fração do material insolúvel, podendo ser de 100% se houver uma reticulação a cada duas moléculas. O
grau de reticulação, por outro lado, representa percentual das unidades repetitivas que foram reticuladas, o que
tende a ser bastante baixo no caso do XLPE.
337
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello
Em conclusão, e baseando-se nos dados do artigo citado, a maior tenacidade dos tanques de
XLPE em comparação com os de PEAD deve-se, provavelmente, a uma combinação de menor grau de
cristalinidade, menor tamanho dos cristais e maior densidade de cadeias atadoras proporcionadas pela
reticulação molecular.
Esse entendimento está bem alinhado com os princípios tratados aqui neste livro, mostrando
como o controle da estrutura interna do material pode ser importante na confecção de produtos de
ótima qualidade técnica.
338