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LIVRO DIDÁTICO E E-GUIDE

ESTRUTURA E
PROPRIEDADES
DE POLÍMEROS

2ªEDIÇÃO
MARCELO SILVEIRA RABELLO
Marcelo Silveira Rabello
Engenheiro de Materiais, Mestre em Engenharia Química, Doutor em Engenharia de Materiais

Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande (PB)

Estrutura e Propriedades de Polímeros

Texto didático e e-guide

2ª edição

Campina Grande, Maio de 2023.

Lançamento da primeira edição do livro: 01/04/2021, no canal Professor Polímeros para


Jovens Cientistas.
Como referenciar este livro: Rabello, M.S. Estrutura e Propriedades de Polímeros, 2ª edição, Ed.
do autor, Campina Grande, 2023. ISBN 978-65-00-69331-7 

Arte da capa: Camila Petrucci dos Santos Rosa


Dedico este livro a todos aqueles que me
acompanham na jornada da vida, em especial
Célia (esposa), Neli (filha) e Rafael (filho).
Prefácio (1ª edição)

Prefaciar o livro Estrutura e Propriedades de Polímeros do Prof. Marcelo Rabello é uma enorme honra.
Primeiramente, pela grande experiência e competência comprovadas do autor e, ainda, pela inovadora
metodologia que esta obra representa.

O livro está “aparentemente” organizado em 7 capítulos, a saber: 1. Introdução, 2. Conceitos e estruturas


básicas, 3. Estados físicos e transições, 4. Estrutura dos polímeros cristalinos, 5. Cinética de cristalização
e fusão cristalina, 6. Comportamento mecânico e 7. Fatores que controlam as propriedades. Uso a
palavra “aparentemente” pois, quando comecei a leitura, já no primeiro capítulo, pude perceber que ele
nos traz uma amplitude de informações que nos faz viajar por referências e fontes nacionais e
internacionais, ampliando os conceitos e ideias sobre os temas que estamos lendo. Alguns dos sites aos
quais nossa leitura é direcionada mostram, de forma descontraída e com uma linguagem simples,
aspectos fundamentais da área de materiais poliméricos. Além disso, neste capítulo são apresentados
dados de mercado dos materiais, desenvolvidas discussões e mostradas inovações em desenvolvimento,
tanto nas Universidades como nos demais setores da economia. Esses são alguns dos pontos que tornam
o livro do Prof. Rabello atemporal, pois algumas informações são atualizadas na origem
automaticamente, o que garante ao leitor que ele terá acesso a conteúdo sempre renovado.

Esse livro, pelo que percebi, traz também os temas trabalhados de forma prática e vai se aprofundando
à medida que se avança na leitura dos capítulos. Esse aprofundamento provavelmente se dá pois o Prof.
Marcelo usa, em alguns momentos, artigos originais que são clássicos da literatura. Além disso, temos
em cada capítulo quadros que nos provocam sobre o entendimento que tivemos acerca dos temas
apresentados, além de nos propor experimentos simples, práticos e seguros. Adorei verificar o cuidado
na diagramação dos rodapés - coloridos – um verdadeiro convite a verificar as informações ali contidas,
sempre relevantes e não apenas genéricas.

Desde a capa, o livro conta com um design gráfico sofisticado, cujos elementos, como figuras e gráficos,
contemplam um planejamento visual que facilita nosso entendimento sobre os temas abordados. O fato
de ser digital, nos permite ampliá-los para ver detalhes do que está sendo apresentado.

No capítulo 1 você verá, de forma resumida, mas servindo de motivação para os próximos capítulos, os
fatores que afetam o comportamento de um material; os temas são abordados em diferentes níveis,
para que possamos entender desde as transições físicas e químicas até o desempenho dos produtos
acabados.

Os conceitos iniciais de polímeros, as suas estruturas básicas e as arquiteturas moleculares, são


apresentadas no Capítulo 2. De forma contextualizada e mostrando aspectos fundamentais das ligações
químicas, as configurações e transições são mostradas.

As transformações dos polímeros amorfos e semicristalinos e as suas influências cinéticas, regadas de


exemplos práticos, estão discutidas nos capítulos 3, 4 e 5. O autor relaciona mudanças ambientais com
eventuais alterações na morfologia dos materiais e as decorrentes alterações das suas propriedades.
Apresenta também, de forma simplificada e direta, o efeito da estrutura molecular sobre a cristalinidade
dos polímeros. Em seguida, se aprofunda na cinética de cristalização e evidencia como as propriedades
de produtos acabados são alteradas, a depender do mecanismo de cristalização desenvolvido por um
material cristalino, em função da natureza do processo ou das condições operacionais nas quais o
processamento foi conduzido.

O Capítulo 6 inicia apresentando um gráfico de propriedades mecânicas, evidenciando sua relação com
a morfologia dos materiais. Além disso, apresenta os mecanismos de deformação e discorre sobre os
principais conceitos associados às propriedades mecânicas. São evidenciadas, ainda, as formas pelas
quais fraturas podem ocorrer nos polímeros, em função de suas características estruturais.

No último capítulo do livro você vai encontrar discussões acerca dos demais fatores que definem as
propriedades dos polímeros. Tópicos não abordados anteriormente como, por exemplo, a degradação
química, são apresentados. O ensaio de stress cracking, para a previsão e prevenção das falhas
inesperadas em polímeros termoplásticos, é discutido por um dos maiores especialistas do país.

É claro que em um prefácio não posso falar muitos detalhes do livro, mas posso garantir que você ficará
animado em utilizar essa importante contribuição para a área de materiais poliméricos e, quando
perceber, já leu ele todo.

Parabenizo ao Prof. Marcelo Rabello também pelo desprendimento de nos brindar com uma excelente
obra - e quando falo presentear me refiro ao tremendo altruísmo na gratuidade da distribuição desse
livro. Isso mostra a nobreza e sensibilidade do Professor de Campina Grande, que doa uma experiência
de mais de 30 anos, para um país que precisa tanto de uma educação para todos.

Prof. Marcelo Rabello, seu pioneirismo no novo modelo de livro didático, sua coragem e inovação, serão
sempre lembrados.

Prof. Derval dos Santos Rosa


Apresentação (1ª edição)

Esse livro é o resultado do trabalho de muitos anos... Como estudante, como Engenheiro de Materiais,
como pós-graduando, como pesquisador e como docente vivi (e vivo) o mundo dos polímeros,
procurando entender todas as suas facetas. É fascinante compreender como o resultado final na forma
de um produto acabado é dependente de uma simples (ou complexa) combinação de fatores que se
interconectam (ou se “emaranham”) em um conjunto de influências. A partir dessa compreensão, tudo
faz sentido, como se fossemos desfiando, linha a linha, uma rede de conceitos que compõem o
entendimento dos materiais poliméricos.

Como docente, procuro transmitir esses ensinamentos de modo prático, que faça sentido para os alunos
e, assim, contribua para a formação dos mesmos. Ministro a disciplina “Estrutura e Propriedades de
Polímeros” na Universidade Federal de Campina Grande e, ao longo dos anos, fui amadurecendo esse
assunto na perspectiva de ensino-aprendizagem. Não “inventei” o conteúdo, mas dei uma versão ao
mesmo e que, acredito, atinge os objetivos propostos para a disciplina. Com a evolução dessa
abordagem, chegou o momento disponibilizar essa perspectiva na forma de um livro didático.

Essa é a ideia central de Estrutura e Propriedades de Polímeros, que lhes apresento. Um livro
essencialmente didático – escrito para o aluno. Para o aluno aprender o conteúdo proposto e ir além,
com estímulos para adquirir mais conhecimento e ampliar os seus horizontes. Acredito ser útil também
para professores, igualmente envolvidos no desafio e nobreza de formar pessoas preparadas para os
desafios da vida. Profissionais atuantes no vasto mercado de materiais poliméricos poderão fazer uso
das considerações e exemplos aqui contidos para entender melhor essa classe de materiais e, assim,
solucionar problemas e desenvolver produtos ainda melhores.

O livro não tem, absolutamente, a pretensão fazer uma revisão do estado da arte, muito menos de dar
a última palavra. Sendo repetitivo, é um livro concebido para o aluno aprender mais. Muitos dos
assuntos aqui presentes, como cinética de cristalização e mecânica da fratura, apenas para citar dois
exemplos, são tão importantes e tem conteúdo tão vasto que até poderiam ser tema de livros
independentes. Estão aqui como partes de um todo – nessa teia de conhecimentos – em nível de
profundidade compatível com a proposta geral do livro.
Há alguns anos, ministrando curso para profissionais de indústria, um dos participantes (que tinha 40
anos de experiência em polímeros) me falou que, durante as aulas, sempre refletia “como posso utilizar
isso que estou aprendendo agora?” Essa reflexão “catalisou” o meu propósito de tornar o ensino mais
direcionado à realidade prática, explicitando a importância de cada conceito, cada equação, cada gráfico,
cada representação esquemática... Esse livro tem muito dessa filosofia! Evitei abordar teorias muito
complexas e equações sem propósito prático, concentrando todos os meus esforços na aplicabilidade
de cada tópico aqui abordado. Espero ter conseguido.

Estrutura e Propriedades de Polímeros não é apenas um livro didático. É também um guia eletrônico
para outras fontes de informação, como sites e vídeos, em que o leitor poderá dinamizar o seu estudo
com informações complementares, casos correlatos e tecnologias envolvidas. Dessa forma, mesmo
preferindo estudar pela versão impressa, recomenda-se que mantenha a versão digital para fazer uso
dos inúmeros links disponibilizados.

Por ser eletrônico, o livro pretende ser dinâmico, com atualizações frequentes, e posso até considerar
sugestões de conteúdo para edições futuras. Preciso da sua ajuda também na identificação de
incorreções e imprecisões, links inválidos, etc., o que pode ser feito neste site.

Por fim, gostaria de dizer que oferecer esse trabalho no formato digital, totalmente gratuito, foi uma
forma de agradecimento por muito que a vida me deu, tanto no âmbito pessoal quanto profissional.
Mais ou menos próximo do tempo de aposentadoria e refletindo sobre tudo que me ocorreu ao longo
da minha trajetória, posso dizer que sou muito feliz profissionalmente e compartilho com você esse
momento através desse livro. Espera que lhe seja útil.

Marcelo Silveira Rabello

Campina Grande, 22 de Março de 2021


Novidades da 2ª edição

A primeira edição deste livro foi muito bem aceita pela comunidade de polímeros do Brasil, com milhares
de downloads registrados pelo site oficial (sem contar, evidentemente, compartilhamentos informais e
os downloads através de sites alternativos). Espero que tenha sido de valia para profissionais, docentes
e, principalmente, estudantes que desejam se aprofundar na área. A partir da minha própria prática
utilizando o livro como ferramenta pedagógica, além de sugestões de alunos e colegas professores, achei
importante lançar uma segunda edição, cujas principais novidades são:

• Correção de algumas imprecisões, melhoria de texto em determinadas seções e incremento de


novas informações;
• As legendas das figuras foram repensadas, fornecendo mais informações específicas do conteúdo
ilustrado;
• Projeto gráfico (um pouco) mais ousado, com mais ilustrações, textos em destaque para denotar
relevância de conteúdo, etc;
• Abertura dos capítulos com imagem que representa uma aplicação de material polimérico
relacionada com o teor do capítulo;
• Encerramento dos capítulos com um quadro intitulado “PARA DISCUSSÃO”, que busca instigar o
debate. Não se trata de uma “pergunta de prova”, que tenha resposta certa e imediata. Trata-se de
um tema questionador, que pode ter diferentes possibilidades e estratégias. Ou que sequer tenha
solução... Enfim, você vai ver...
• Inserção de QR-CODES no texto para os links externos, o que facilita a consulta por aqueles que
fizeram a sua versão impressa;
• Algumas sugestões adicionais de atividades práticas;
• Inclusão do Capítulo 8, com 6 estudos de casos, em que problemas reais são solucionados utilizando
princípios apresentados aqui neste livro. Para este capítulo, tive a imensa honra de contar com a
ajuda de vários colegas engenheiros atuantes no mercado de trabalho (Ricardo Cuzziol, Marcio
Kobayashi, Julio Harada e Ricardo Calumby). A todos, meu muitíssimo obrigado pela valiosa
colaboração.
Sumário

1. Introdução ............................................................................................................ 13

2. Conceitos e estruturas básicas .............................................................................. 24

2.1. Arquitetura molecular e forças coesivas .................................................................... 27

2.2. Orientação molecular e anisotropia ........................................................................... 33

2.3. Configurações moleculares ........................................................................................ 38

2.4. Conformações e flexibilidade da cadeia polimérica .................................................. 40

2.5. A transição vítrea ....................................................................................................... 44

Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 53

Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 54

Referências .................................................................................................................................. 54

3. Estados físicos e transições .............................................................................................. 56

3.1. Transições em polímeros amorfos ............................................................................ 57

3.2. Transições em polímeros semicristalinos .................................................................. 67

3.3. Os copolímeros e seus estados físicos e transições. Alguns exemplos ...................... 73

Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 81

Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 82

Referências .................................................................................................................................. 82

4. Estrutura dos Polímeros Cristalinos ................................................................................. 83

4.1. Cristalinidade e cristalizabilidade ......................................................................................... 84

4.2. Cristalinidade vs. propriedades – exemplos ......................................................................... 91

4.2.1. O polietileno e os seus tipos ...................................................................................... 92

4.2.2. O polipropileno copolímero ....................................................................................... 95


4.3. Determinação do grau de cristalinidade ............................................................................... 98

4.3.1. Cristalinidade por densidade ............................................................................... ...... 99

4.3.2. Cristalinidade por DSC ............................................................................................... 101

4.3.3. Cristalinidade por difração de raios-X ........................................................................ 106

4.3.4. Comparação entre os métodos para determinar a cristalinidade ............................. 107

4.4. Morfologia dos polímeros .................................................................................................... 108

4.4.1. Teorias para explicar a cristalinidade dos polímeros ................................................. 109

4.4.2. Células cristalográficas em polímeros ........................................................................ 114

4.4.3. Cristais lamelares e fibrilares ..................................................................................... 116

4.4.4. Esferulitos .................................................................................................................. 117

4.4.5. Conexões interlamelares e interesferulíticas ............................................................. 122

4.4.6. Esferulitos por microscopia ótica ............................................................................... 126

Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 129

Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 130

Referências .................................................................................................................................. 130

5. Cinética de cristalização e fusão cristalina ........................................................................ 133

5.1. Cinética de cristalização ........................................................................................................ 134

5.2. Agentes nucleantes ............................................................................................................... 139

5.3. Acompanhamento da cristalização ....................................................................................... 147

5.3.1. Acompanhamento por observação direta ................................................................. 150

5.3.2. Cinética de cristalização isotérmica por DSC ............................................................. 152

5.3.3. Cinética de cristalização não isotérmica por DSC ...................................................... 156

5.4. Cristalização a frio e recozimento ......................................................................................... 160

5.5. Cristalização durante o processamento ............................................................................... 167

5.5.1. Efeitos térmicos ......................................................................................................... 168

5.5.2. Efeitos de pressão e de fluxo ..................................................................................... 171

5.5.3. A estrutura “skin-core” e outras variações ................................................................ 173

5.6. Fusão cristalina ..................................................................................................................... 179

5.6.1. A faixa de fusão e a temperatura de fusão de equilíbrio ........................................... 181


5.6.2. Picos duplos em termogramas de DSC ....................................................................... 184

5.6.3. HDT e Tvicat – propriedades alternativas .................................................................. 187

Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 190

Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 191

Referências .................................................................................................................................. 192

6. Comportamento mecânico .............................................................................................. 195

6.1. Mecanismos de deformação ................................................................................................ 196

6.1.1. Deformação hookeniana ........................................................................................... 199

6.1.2. Deformação borrachosa ............................................................................................ 202

6.1.3. Microfrilamento (crazing) .......................................................................................... 205

6.1.4. Escoamento plástico (yielding) .................................................................................. 211

6.1.5. Deformação pseudo-dúctil (elástica forçada) ............................................................ 216

6.1.6. Viscoelasticidade ....................................................................................................... 222

6.2. Fratura .................................................................................................................................. 234

6.2.1. Etapas da fratura ....................................................................................................... 234

6.2.2. Noções de mecânica da fratura ................................................................................. 235

6.2.3. Falha prematura de polímeros .................................................................................. 243

6.2.4. Topografia da fratura ................................................................................................. 246

Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 252

Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 254

Referências .................................................................................................................................. 254

7. Fatores que controlam as propriedades ........................................................................... 257

7.1. Natureza química ....................................................................................................... 258

7.2. Massa molar. .............................................................................................................. 261

7.3. Estrutura física ........................................................................................................... 263

7.4. Aspectos de projeto ................................................................................................... 266

7.5. Fatores ambientais .................................................................................................... 267

7.5.1. Efeito da temperatura ................................................................................................ 268

7.5.2. Efeito da umidade ...................................................................................................... 270


7.5.3. Degradação oxidativa ................................................................................................. 279

7.5.4. Agentes químicos ....................................................................................................... 285

7.6. Aditivos presentes ..................................................................................................... 291

7.7. Sumário dos fatores que afetam as propriedades dos polímeros ............................. 297

Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 299

Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 300

Referências .................................................................................................................................. 301

8. Estudos de casos .............................................................................................................. 302

8.1. Como o polipropileno se tornou viável na fabricação de copos descartáveis............... 303

8.2. Investigação de peças falhadas. Protocolo e casos reais .............................................. 308

8.3. Falha prematura de componente automotivo crítico................................................... 317

8.4. Tensões de moldagem em produtos plásticos............................................................. 323

8.5. Avaliação do comportamento mecânico: corpo de prova ou produto?...................... 329

8.6. Tanques “inquebráveis” de polietileno reticulado...................................................... 334


Nas aplicações de engenharia, a escolha dos materiais é fundamental para o bom desempenho do
produto final. No exemplo acima tem-se um painel automotivo, com diversos componentes
funcionais e estéticos. Para uma adequada performance desses produtos, é necessário considerar
uma gama de influências, como o polímero base, seus aditivos, projeto das peças, técnicas e
condições de processamento e as possíveis influências ambientais.

Capítulo 1

Introdução
Um panorama geral da importância dos materiais poliméricos no mundo atual e como os diversos aspectos
estruturais podem influenciar as suas propriedades de engenharia.
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello

Os materiais poliméricos adquiriram, ao longo dos anos, uma importância tão significativa
para a sociedade que seria praticamente impossível imaginar a nossa vida sem a existência dessa classe
de materiais. Dos plásticos de uso geral aos de alto desempenho, dos polímeros biodegradáveis aos
condutores de eletricidade, das fibras especiais aos plásticos de engenharia, das embalagens
corriqueiras aos sensores poliméricos, das espumas aos revestimentos e adesivos, os polímeros estão
presentes em todos os aspectos da atividade humana. O processo de substituição dos materiais
tradicionais pelos polímeros foi acontecendo progressivamente com crescimento vertiginoso de
consumo dos polímeros (Figura 1.1), dado às inúmeras vantagens que esses materiais apresentam, tais
como:

o facilidade de fabricação;
o baixa densidade;
o amplas possibilidades de aditivação, atingindo propriedades sob medida;
o bom balanço de propriedades mecânicas;
o disponibilidade de tipos (grades) sintetizados pelas indústrias
petroquímicas, incluindo os copolímeros;
o facilidade de reciclagem;
o durabilidade;
o custo compatível com o tipo de aplicação;
o isolamento térmico e acústico;
o características de amortecimento.

Figura 1.1. Consumo


global de materiais
plásticos ao longo da
história. Clique aqui para a
fonte.

14
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Evidentemente, como ocorre com todo tipo de material, os polímeros apresentam as suas
deficiências, especialmente no que se refere ao comportamento mecânico quando comparado com os
metais ou a estabilidade ao calor em comparação com os materiais cerâmicos. Entretanto, um dos
princípios mais importantes da ciência dos materiais é que não existe material perfeito – e sim aquele
mais apropriado para uma aplicação específica. Nesse contexto, os polímeros vêm desempenhando o
seu papel na história, oferecendo uma diversidade de produtos para atender às necessidades da
indústria e, consequentemente, da sociedade. Já imaginou como seria a nossa vida sem os
polímeros? Veja nesta matéria algumas das nossas dificuldades diárias caso os plásticos
não existissem.

Alguns exemplos de polímeros e suas aplicações estão apresentados de modo


bastante interessante no site “The Macrogalleria”, desenvolvido por membros da University
of Southern Mississippi. No conceito desenvolvido, o mundo dos polímeros é reportado como
um passeio em um shopping, aonde os diversos pavimentos e lojas retratam as várias instâncias de
produção, propriedades e aplicações dos produtos poliméricos Um panorama geral da
indústria de polímeros no Brasil pode ser visualizado no site da Abiplast, que publica
anualmente o perfil da indústria plástica, com dados relevantes do setor. Canais do
YouTube também podem ser importantes fontes de aprendizagem, inclusive alguns mantidos por
brasileiros, como, por exemplo, Professor Polimeros para Jovens
Cientistas, UP – Universo Plástico e Ricardo Cuzziol.

Por ser uma classe mais recente de materiais, os polímeros ainda carecem de um
entendimento pleno do seu comportamento. As suas estruturas macromoleculares têm inúmeras
implicações para o comportamento físico e mecânico dos produtos que, aliado aos aspectos
estruturais, irão definir o sucesso (ou não) de suas aplicações. Entender os diversos fatores que
governam as propriedades dos polímeros e como esses podem ser utilizados para potencializar o
desempenho é essencial para a seleção, produção e aplicação desses
Conceito de materiais. O desempenho de um produto deve ser encarado como algo
“produto” versus
dependente de uma variedade de fatores e isso difere do que,
“material”
academicamente, se refere ao desempenho do material. Um produto
apresenta um nível de complexidade muito mais elevado do que seria a sua matéria-prima ou mesmo
um corpo de prova, utilizado nos laboratórios para análise e caracterização. Um produto acabado,

15
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello

como utilizado pelo consumidor, tem o seu desempenho dependente de um conjunto de fatores,
descritos a seguir e resumidos na Figura 1.2.

Polímero
(incluindo o grade )
Aditivos

Ambiente Produto Projeto

Temperatura Dimensional
Umidade Cantos vivos
Agentes químicos Insertos
Radiações Orifícios
Processamento Linhas de solda

Técnica Condições

Cristalinidade
Morfologia
Sistema cristalográfico
Orientação molecular

Figura 1.2. Resumo dos fatores que afetam o comportamento de um produto acabado (elaborado pelo
autor).

Polímero base. Esse é o principal fator de influência – o tipo de polímero,


aquele que melhor atende às necessidades da aplicação. Nessa escolha deve-
se levar em consideração, além dos aspectos técnicos, os fatores
mercadológicos, como o custo e a disponibilidade de fornecedores, além das
questões ambientais envolvidas. Evidentemente, quanto mais especializada for a aplicação mais
restritas serão as opções de escolha do material base. Além da seleção do polímero em si, é
preciso fazer a opção do grade (tipo) a ser utilizado. Considerando que as petroquímicas
sintetizam variações de um mesmo polímero para atender aos vários tipos de processamento e
aplicação, a escolha do grade em específico também deve ser considerada. Os grades variam
entre si de acordo com a massa molar e sua distribuição, presença e distribuição de co-
monômeros e, em alguns casos, o uso de aditivos específicos como fotoestabilizantes
ou agentes deslizantes. Todos as petroquímicas disponibilizam nos seus sites os grades
disponíveis e as suas fichas técnicas, como neste exemplo.

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Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Aditivos presentes. Praticamente nenhum polímero comercial é utilizado na


sua forma pura. Os aditivos estão sempre presentes com o objetivo de ajustar
as suas propriedades para atingir os requisitos da aplicação. Isso pode alterar
significativamente o comportamento de um polímero de uma maneira muito
Efeitosmais
negativos
versátil de aditivos
e viável economicamente e mercadologicamente do que o desenvolvimento de um
novo polímero (a partir de novos monômeros). Os aditivos compreendem desde os mais básicos,
como os estabilizantes e os lubrificantes até os mais específicos, como os espumantes, as fibras de
reforço e os retardantes de chama. Uma vez presentes, os aditivos podem modificar ligeiramente
ou radicalmente as propriedades de um material polimérico, levando-o a novos patamares de
aplicação. Esse tema é de grande importância tecnológica e alguns dos aditivos comumente
empregados serão abordados nesta publicação, como os nucleantes heterogêneos e os
modificadores de impacto. Para uma visão mais detalhada sobre a aditivação de polímeros,
sugere-se uma outra publicação deste autor 1.

Técnica e condições de processamento. O objetivo principal do


processamento é conferir uma forma final para a matéria-prima com taxas de
produção adequadas para a competitividade industrial. No entanto, a
transformação da matéria-prima em um produto também confere uma
estrutura interna e, portanto, tem efeito decisivo nas propriedades finais do produto. Os
principais aspectos estruturais definidos pelo processamento são: orientação molecular, grau de
cristalinidade, morfologia e retículo cristalográfico. No desenvolvimento do produto e no controle
de qualidade, os profissionais envolvidos precisam estar conscientes dessas influências que, uma
vez desfavoráveis, podem causar falha prematura. Por exemplo, uma tubulação produzida por
extrusão tende a ter uma orientação axial das suas macromoléculas, seguindo a direção de
extrusão e de puxamento do tubo na saída da matriz. Quanto mais elevada a velocidade da rosca,
maior o diâmetro do tubo devido ao fenômeno reológico de inchamento (die swell). Para ajustar a
dimensão, pode-se aumentar a velocidade de puxamento. Na perspectiva da produção, trata-se
de um ótimo procedimento, que aumenta a
produtividade da indústria. No entanto, o tubo adquire
orientação molecular preferencial na direção
longitudinal. Quando essa tubulação é pressurizada
hidrostaticamente, os componentes multiaxiais de
tensão encontram regiões de baixa resistência mecânica, causando falha na direção axial do tubo,
conforme imagem mostrada na imagem acima.

1
Rabello MS, de Paoli MA. Aditivação de Termoplásticos. São Paulo: Artliber; 2013.
17
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello

Aspectos de projeto. Diferentemente de um corpo de prova, que tem uma


geometria simples e uniformidade de espessura, um produto final pode conter
inúmeros elementos de projeto, incluindo: variações de espessura, cantos
vivos, insertos, linhas de solda, orifícios, reforços estruturais (ribs), impressões,
baixo/alto relevo, campos de fluxo variáveis, etc. Um exemplo dessa diferença está mostrado na
Figura 1.3. Esses elementos estão presentes para contemplar as necessidades do produto, mas
também interferem no comportamento mecânico. Os campos de tensões existente variam
consideravelmente de ponto a ponto, ao contrário de um simples corpo de produto, com suas
características de maior uniformidade. Dessa forma, deduzir o comportamento final de um produto
apenas a partir das propriedades aferidas em corpos de prova é uma grande simplificação para uma
questão de alta complexidade. Os softwares mais modernos de CAD (computer aid design)
permitem uma melhor estimativa de comportamento a partir das propriedades da matéria-prima e
das características do projeto.

Ambiente de utilização. Todos os materiais têm as suas propriedades


alteradas em função das condições ambientais. No entanto, nos polímeros essa
influência é muito mais evidente do que nas cerâmicas e nos metais. Isso
devido a maior sensibilidade dos polímeros com a variação de temperatura e a
uma certa instabilidade das ligações químicas. Os principais fatores do ambiente que alteram as
propriedades dos produtos poliméricos são: temperatura, radiação ultravioleta ou de alta energia,
umidade e agentes químicos. Esses fatores podem causar alterações nas propriedades sem efeito
nas macromoléculas, como no caso de oscilações na temperatura e presença de humidade em
polímeros higroscópicos ou podem causar reações nas moléculas do polímero, resultando em
degradação química, por exemplo.

Figura 1.3. Ilustrações de corpo de prova e de um produto final em imagens CAD. Observe-se que o
produto final é muito mais completo geometricamente. Clique na imagem para hiperlink.

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Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Em referência ao título deste livro – Estrutura e Propriedades de Polímeros – cabe algumas


considerações sobre o termo “Estrutura”. A relação entre a estrutura interna de um material e as suas
propriedades é a premissa mais relevante da ciência dos materiais. Em geral, os autores tratam a
questão “estrutura” principalmente sob a perspectiva cristalográfica, enfatizando os retículos
cristalinos, planos, defeitos, arranjos, etc. Neste livro adotaremos um conceito de estrutura mais
amplo, envolvendo basicamente as influências em 3 eixos:

Eixo 1: tipo de polímero. Esse é o aspecto estrutural mais básico e mais importante, que é definido
pela estrutura química da unidade repetitiva – o “DNA” do polímero, o que mais caracteriza a sua
identidade. Por que um polietileno é tão diferente de um PVC ou de um PET? Em primeira análise, por
sua estrutura química!

Eixo 2: polimerização. A polimerização define a estrutura molecular do polímero, como a massa molar
e sua distribuição, configuração, presença e arranjo de co-monômeros, ocorrência de defeitos
(incluindo ramificações). São essas características que irão definir os grades que as petroquímicas
fabricam para atender às necessidades das indústrias de transformação e os requisitos das aplicações.
Por exemplo, grades para injeção de paredes finas possuem massa molar mais baixa e distribuição de
massa molar mais estreita do que grades para a fabricação de filmes por extrusão. Grades de
polipropileno para uso em baixas temperaturas contém o etileno como co-monômero, o que reduz a
sua temperatura de fragilização.

Eixo 3: processamento. Como mencionado anteriormente, o processamento, além de conferir uma


forma física ao material, também confere uma estrutura interna. Os principais aspectos estruturais
definidos pelo processamento são: grau de cristalinidade, morfologia, retículo cristalográfico e
orientações molecular e cristalina. Esses fatores são dependentes, além da técnica escolhida para o
processamento, das condições de operação. Influências importantes são: temperatura (do cilindro, do
molde de injeção ou da unidade de resfriamento pós-extrusão),
pressão (de injeção e de recalque), velocidade (de puxamento pós-
O processamento
confere a forma e extrusão, da rosca ou de injeção), tempos diversos, etc. Por exemplo,
também a estrutura
interna ao se fazer a injeção de um polímero cristalizável em um molde
gelado, o produto obtido será menos cristalino e terá maior
orientação molecular em comparação com um produto injetado em molde aquecido. Além desses
aspectos da estrutura física obtida, o processamento também define o grau de reticulação, para o caso
de elastômeros e termofixos, uma vez que a formação de reticulações ocorre principalmente durante a
etapa de processamento.

19
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello

Esses fatores estruturais impactam em todas as propriedades dos materiais poliméricos: físicas,
mecânicas, químicas, transições térmicas, etc. Ao longo dos próximos capítulos essas relações serão
abordadas detalhadamente.

De um modo geral, as propriedades dos polímeros podem ser divididas em duas classes: as que
dependem da natureza orgânica e as que têm implicações da natureza macromolecular.

Propriedades gerais que dependem da natureza orgânica:

• baixa densidade – em geral na faixa 0,9 a 1,5g/cm3;


• baixas condutividades térmica e elétrica;
• baixa temperatura limite de uso;
• combustibilidade (existem exceções);
• sofrem deterioração ambiental.

Implicações da natureza macromolecular:

• formação de novelos e emaranhados;


• são amorfos ou semi-cristalinos;
• as regiões amorfas apresentam uma transição vítrea;
• propriedades mecânicas dependem do tempo de aplicação do esforço;
• podem apresentar grandes deformações permanentes;
• facilidade de formação de filmes e fibras;
• orientação molecular pode ocorrer durante o processamento.

A abrangência dos polímeros sintetizados é muito grande – e crescente, com centenas de


novos polímeros (ou suas variações) patenteados a cada ano. No entanto, por questões
mercadológicas e tecnológicas, são relativamente poucos os que dominam as aplicações dos produtos
plásticos. A Figura 1.4 mostra os principais tipos de termoplásticos, subdivididos de acordo com o
desempenho esperado nas aplicações. Embora seja difícil ser muito categórico na diferenciação entre
as várias classes e exista certa controvérsia no posicionamento de um determinado material em uma
classe, algumas características gerais podem ser descritas. Os plásticos de uso geral, ou commodities,
são aqueles mais corriqueiros, de custo mais baixo e facilidade de processamento. Possuem limitações
nas propriedades mecânicas e temperatura limite de uso relativamente baixa. Em um nível mais
elevado de qualidade estão os plásticos de engenharia, que suportam temperaturas mais altas e
possuem um balanço de propriedades mecânicas. São selecionados para aplicações que requerem
maior confiabilidade, como nas indústrias automobilística e eletroeletrônica. Note que o PET está

20
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

posicionado tanto no lado dos amorfos como nos semicristalinos, uma vez que esse material pode ser
produzido industrialmente das duas formas. De custo mais alto, os
plásticos avançados são, em geral, materiais estruturais,
resistentes ao desgaste e com excelente estabilidade química e ao Lembre-se: não existe
material “melhor”. Existe
calor, mas, por outro lado, possuem maior dificuldade de sim o mais adequado
processamento do que os das classes anteriores. Componentes para determinada
aplicação.
críticos, em que o desempenho é muito mais importante do que o
custo, como componentes médicos e partes de equipamentos da
indústria aeroespacial, utilizam esses tipos de materiais. Em caso extremo tem-se os polímeros de alta
performance, com altíssima resistência mecânica e até ao fogo. Por terem estruturas químicas
aromáticas e polares tem no processamento a grande barreira de utilização em larga escala.

Figura 1.4. Principais termoplásticos industriais, classificados de acordo com o desempenho mecânico e
térmico. Imagem adaptado deste site.

A escolha de um material polimérico para aplicações específicas é um procedimento que pode


ser muito complexo pois envolve várias variáveis, incluindo as questões mercadológicas, econômicos e
ambientais. Um site muito útil para auxiliar na escolha do polímero e até do grade com base em
especificações técnicas é o campusplastics.com, que possui milhares de fichas técnicas de fabricantes
em seu banco de dados. Por exemplo, na pesquisa abaixo (Figura 1.5) aplicou-se dois filtros – em busca

21
1 – Introdução Marcelo Silveira Rabello

de grades com módulo elástico superior a 3000MPa e HDT superior a 220°C. A busca resultou em 1251
grades que atendeu aos dois critérios, dos mais diversos fabricantes, muitos contendo aditivos como
fibras de reforço. O uso de mais filtros ou uma definição mais estreita de limites das propriedades
resultaria em um menor número de grades adequados. O acesso à ficha técnica do material é feita
diretamente no site.

Figura 1.5. Exemplo de resultados de busca pelo site www.campusplastics.com.

PARA DISCUSSÃO

O PVC é um polímero que apresenta inúmeras dificuldades práticas,


especialmente relacionadas com a sua instabilidade térmica e a consequente
necessidade de receber vários tipos de aditivos (e em elevadas concentrações).
Como consequência, tecnologias e equipamentos foram desenvolvidas
especialmente para a mistura e processamento desse material. Apesar de todas
as dificuldades, o PVC é um dos polímeros mais utilizados pela indústria,
contribuindo com cerca de 13% de todo o consumo de materiais plásticos.
Por que o PVC, apesar das dificuldades de produção, ainda é um dos polímeros
relevantes na indústria, considerando que existem várias alternativas para a sua
substituição?

22
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Os próximos capítulos...

A partir dos próximos capítulos deste livro, os temas serão apresentados de modo coerente
com o nível de entendimento requerido, iniciando-se com uma revisão sobre as estruturas básicas,
seguido da importância dos estados físicos e transições. A estruturação dos polímeros semi-cristalinos
e as influências cinéticas serão descritos nos capítulos 4 e 5. No capítulo 6 as propriedades mecânicas e
de fratura serão abordados com base na influência das características estruturais. O capítulo final
resume os fatores que definem as propriedades e inclui alguns outros conceitos não abordados
anteriormente, como a degradação química e o stress cracking.

O leitor pode aprofundar os temas tratados aqui através da literatura clássica sobre física e
propriedades de polímeros, recomendada ao final de cada capítulo. Os sites da internet também são
importantes fontes de consulta e serão citados oportunamente.

Como você sabe que é um polímero?

Uma questão simples: quando você está diante de um “plástico”, como você sabe que se trata de um
polímero e não de uma substância de baixa massa molar?
Você pode determinar a massa molar da substância e, se for maior do que, digamos, 10.000g/mol... Como
nem sempre fazer esse tipo de determinação é possível, eis dois experimentos simples.
1. Amoleça o material e, com uma pinça ou alicate, faça um esforço de estiramento na região
amolecida. Se formar fibra, é um polímero!
2. Dissolva o material e entorne a solução em uma superfície plana. Ao evaporar o solvente, se formar
um filme (e não partículas), trata-se de um polímero.
Esses testes valem para polímeros termoplásticos. Os termofixos devem inchar no contato com solventes.

23
Em algumas aplicações críticas, o desempenho mecânico confiável é absolutamente fundamental. Na imagem
acima a escalada seria um esporte de (ainda mais) alto risco se os materiais de sustentação rompessem durante
o uso. As fibras das cordas são produzidas por um processo de extrusão seguido de estiramento. Durante o
estiramento. ocorre grande alinhamento das macromoléculas do polímero, o que confere altíssima resistência na
direção do esforço aplicado. Trata-se de um exemplo de como a manipulação da estrutura física pode controlar
as propriedades e possibilitar a produção de artigos de alta qualidade.

Capítulo 2

Conceitos e estruturas básicas


A estruturação de um produto final à base de polímeros é resultado de uma combinação de fatores, sendo os
mais elementares o tipo de unidade repetitiva, o tamanho da macromolécula e como as unidades repetitivas
estão dispostas. Neste capítulo, esses conceitos serão abordados e as consequências gerais para as propriedades
e aplicações dos materiais poliméricos serão discutidos. O significado de transição vítrea será apresentado,
enfatizando a sua importância prática e como a estrutura química do polímero afeta essa importante
propriedade. Esse entendimento será essencial para os capítulos subsequentes.
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Os polímeros compreendem uma classe de materiais, de natureza orgânica, que incluem:

• plásticos • adesivos
• resinas • tintas
• borrachas • vernizes
• espumas • fibras sintéticas
• produtos naturais como amido, celulose, proteína, madeira, couro, cabelo, DNA, unha, chifre...

O que todos esses produtos têm em comum é que são constituídos por grandes moléculas,
com massa molar que podem variar de, digamos, 10.000 a 10.000.000g/mol. Os polímeros são
formados por unidades repetitivas (“polímero” vem do grego: poli=muitos; mero= repetição), unidas
por ligações químicas covalentes. A alta massa molar, portanto, é a principal característica dos
polímeros, que afeta direta ou indiretamente a maioria de suas propriedades físicas e químicas. A
grande importância da massa molar para o comportamento mecânico e as aplicações dos polímeros
pode ser exemplificado para o caso do polietileno. Esse polímero é comercializado em uma ampla faixa
de massas molares, que definem as características dos grades produzidos pelas petroquímicas. Veja
abaixo algumas aplicações:

Cola quente: utiliza-se massa molar relativamente baixa


(até 50.000g/mol) para permitir boa fluidez durante o
uso. Alta resistência mecânica não é um requisito
indispensável para a aplicação, já que é utilizado como
um adesivo rápido e prático, mas de baixa resistência;
Os diversos
“grades” Utilidades domésticas e recipientes: utiliza-se massa molar média (até
produzidos
pelas 100.000g/mol). Os produtos precisam ter desempenho mecânico compatível com a
petroquímicas
aplicação, mas, principalmente, boa processabilidade para que sejam competitivos
permitem uma
grande em um ramo onde o baixo custo de venda é essencial;
variedade de
aplicações Filmes e fibras: utiliza-se massa molar mais alta (até 300-400.000 g/mol). Como são
processados por extrusão, necessita-se de resistência no estado fundido, além de
alta resistência à tração dos produtos finais;

Tanques de combustível: são produzidos com


grades de alta massa molar (até
700.000g/mol). Nesse caso, embora o
processamento por extrusão-sopro seja
dificultado por uma massa molar tão alta, o

25
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

nível de exigência da aplicação é altíssimo por se tratar de um componente crítico


da indústria automobilística onde se requer altíssima resistência mecânica, além de
resistência ao stress cracking devido ao contato direto com o
combustível. Clique aqui e aqui e veja como esse tipo de
produto é fabricado.

Implantes ortopédicos: utiliza-se o polietileno de ultra alta massa molar (acima de


1.000.000g/mol). Trata-se de um grade especial com massa molar tão elevada que
o processamento pelos procedimentos convencionais torna-se inviável. Os grandes
tamanhos moleculares resultam em valores muito altos de
resistência ao impacto, resistência química e resistência ao
desgaste. O custo muito mais elevado desse grade, aliado à
dificuldade de processamento, restringe a sua aplicação a
produtos muito especiais, como o copo acetabular da imagem
ao lado.

Classificação dos polímeros

Por serem uma classe de materiais bastante abrangente, a tarefa de classificar os polímeros
pode ser complexa e não definitiva. A literatura adota várias formas de classificação, como nos
exemplos a seguir:

o estrutura química: olefínicos, clorados, fluorados, estirênicos, acrílicos, poliésteres,


poliamidas, siliconados, etc.;
o arquitetura molecular: lineares, ramificados e reticulados;
o comportamento térmico: termoplásticos e termofixos;
o configuração: isotáticos, sindiotáticos, atáticos, cis-trans, etc.;
o ordem estrutural: amorfos e semi-cristalinos;
o tipo de unidade de repetição: homopolímeros e copolímeros;
o aplicação: uso geral, de engenharia, de alto desempenho, biomaterial, etc.;
o tipo de reação de polimerização: de adição e de condensação;
o origem: naturais, naturais modificados e sintéticos;

Devido à relação mais direta com o conteúdo deste livro, serão descritos a seguir os tipos de
polímeros quanto à arquitetura molecular e quanto ao tipo de arranjo e algumas de suas
consequências.

26
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

2.1. Arquitetura molecular e forças coesivas

Dependendo de dois fatores, funcionalidade (número de pontos reativos do monômero) e


controle durante a polimerização, os polímeros podem apresentar uma arquitetura molecular do tipo
linear, ramificada ou reticulada, conforme representação esquemática da Figura 2.1. Os lineares e
ramificados apresentam comportamento do tipo termoplástico, que são solúveis e fusíveis. Esse tipo
de estrutura favorece as etapas de processamento e reciclagem pois envolvem apenas processos de
fusão/amolecimento e solidificação. Como consequência, os termoplásticos compreendem o maior
volume de produção em bens de consumo, com cerca de 80% da fatia de
mercado (Biron 2014). As ramificações que ocorrem em polímeros
Termoplásticos
são solúveis e termoplásticos decorrem, em geral, de desvios das reações de polimerização.
fusíveis.
Por exemplo, quando o etileno é polimerizado em baixa pressão e com
Termofixos não.
sistema catalítico apropriado, forma-se um polímero com arquitetura
essencialmente linear – o polietileno de alta densidade (PEAD). Por outro
lado, quando é polimerizado em alta pressão e alta temperatura, a
seletividade da reação é reduzida e forma-se, durante a síntese, cadeias ramificadas que constituem o
polietileno de baixa densidade (PEBD). Esses e outros tipos de polietilenos e suas peculiaridades
estruturais e consequência para as propriedades serão discutidos posteriormente (seção 4.2.1).

Figura 2.1. Representação esquemática de estruturas moleculares linear (a), ramificada (b) e reticulada
(c) (Bower 2002)

Os polímeros chamados termofixos (ou termorrígidos) têm arquitetura reticulada, com


ligações covalentes entre as cadeias e, uma vez formadas, torna o material infusível e insolúvel. Nessa
classe de materiais, as reticulações são geradas durante a polimerização ou, mais frequentemente,
durante o processamento. Os elastômeros podem ser considerados um tipo especial de termofixo em
que as cadeias são flexíveis e possuem um número relativamente pequeno de reticulações, fatores

27
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

que, aliados, permitem grande elasticidade. Os polímeros reticulados têm algumas limitações para a
reciclagem, em virtude das ligações intermoleculares covalentes. Isso difere dos termoplásticos, que
possuem as cadeias moleculares conectadas entre si por ligações químicas secundárias. Sobre essas
forças de ligação existentes nos polímeros, as forças coesivas, vale aqui uma rápida revisão.

As ligações químicas existentes nos polímeros podem ser de dois tipos: ligações covalentes
(primárias) e ligações secundárias, cujas energias de dissociação estão mostradas na Tabela 2.1. Nos
termoplásticos as ligações primárias estão presentes apenas na cadeia principal, enquanto que estas
cadeias permanecem unidas umas às outras por ligações secundárias, com nível de interação muito
menor do que nas ligações covalentes. Nos termofixos, incluindo os
elastômeros, existem ligações primárias também entre as cadeias adjacentes
(Figura 2.1c), o que os tornam mais estáveis dimensional e termicamente. Nos
Ligações
termoplásticos, a fusão (ou amolecimento) ocorre quando a energia do sistema químicas
primárias e
supera a energia de dissociação das ligações secundárias, isto é, quando a secundárias
temperatura atinge certos níveis. Como a diferença de energia de dissociação
das ligações primárias e secundárias é muito alta, esse amolecimento ocorre, a
princípio, sem afetar as ligações primárias, daí o termoplástico poder ser reprocessado repetidas vezes.
Nos termofixos não ocorre o amolecimento após o material estar reticulado, pois a energia das
ligações intermoleculares (covalentes) é da mesma ordem de magnitude das ligações intramoleculares
(também covalentes). Assim, caso a temperatura seja muito elevada, ocorrerá a decomposição do
material sem o amolecimento, resultado da ruptura das ligações covalentes – tanto entre as cadeias
quanto ao longo da cadeia principal. Embora existam procedimentos químicos especiais para romper
seletivamente apenas as reticulações (La Rosa et al. 2018), os termofixos não são reprocessáveis com
as mesma facilidade dos termoplásticos.

Tabela 2.1. Energia de dissociação e comprimento da ligação de diferentes tipos de ligação química.
Fonte: (Gedde 1995).

Tipo de ligação Energia (KJ/mol) Comprimento (nm)

Covalente 300-500 0,15 (ex.: C-C, C-N, C-O)

Secundária

Van der Waals 10 0,4

Dipolo-dipolo 30-50 0,4

Ponte de hidrogênio 50-100 0,3

28
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Borracha: desvulcanização e reciclagem

Se o lixo plástico é motivo de preocupação para os ambientalistas e para a sociedade em geral, o


que se dirá sobre o lixo de borrachas, em que os processos de reciclagem não são tão simples
quanto os utilizados para termoplásticos? Descarte em aterro e incineração já não são
procedimentos mais aceitos atualmente, sendo necessário a utilização de rotas de recuperação
do material, o que pode envolver processos de desvulcanização. As ligações de reticulação de um
elastômero podem ser quebradas por procedimentos como termo-mecânico, micro-ondas,
ultrassom ou por agentes químicos específicos (Gursel, Akca, and Sen 2018), tornando viável o
reprocessamento da borracha. No caso dos vulcanizados com enxofre, a quebra das ligações
cruzadas é bem mais fácil do que nos reticulados com peróxido, uma vez que a magnitude das
ligações S-S (27-60kcal/mol) é consideravelmente menor que das ligações da cadeia da borracha
(300-500kcal/mol), favorecendo a desvulcanização em detrimento da degradação da molécula
principal. O processo, entretanto, precisa ser otimizado pois é dependente de várias variáveis
como tempo, temperatura, tipo e concentração dos agentes químicos, etc. (Sabzekar et al. 2015)
e, além disso, ocorrem muitas reações simultâneas, nem sempre favoráveis à desculvanização.
Um procedimento tecnológico de reciclagem de pneus pode ser visualizado nesse link, e o
material resultante pode ser utilizado também para fabricação de asfalto.

As ligações intramoleculares

As ligações covalentes ao longo das cadeias (intramoleculares) têm importância menor do que
se possa aparentar. Com exceção dos casos em que se tem alta orientação molecular, a influência das
ligações covalentes nas propriedades mecânicas é relativamente pequena uma vez que os processos
de fratura ocorrem principalmente por mecanismos de formação e propagação de trincas e não por
cisão das cadeias poliméricas (ver seção 6.2). Essas ligações, por outro lado, irão definir a estabilidade
térmica do material – a sua temperatura de decomposição. A degradação de um polímero ocorre
através de processos auto catalíticos que são iniciados a partir da cisão de ligações covalentes e são

29
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

acelerados na presença de oxigênio. Nesse contexto, vale o princípio de que a estabilidade térmica é
dependente do seu elo mais fraco. A intensidade das ligações covalentes, dessa forma, irá definir a
temperatura de início da decomposição de um material polimérico – aspecto extremamente
importante a ser considerado na definição das condições de processamento e, em alguns casos, na
temperatura máxima de uso. Quando a cisão molecular ocorre na cadeia principal o efeito negativo nas
propriedades é muito maior pois a redução na massa molar é muito mais drástica. Isso ocorre, por
exemplo, quando existem heteroátomos na cadeia principal e as energias de dissociação são menores
do que as de carbono-carbono. No caso das poliamidas, a ligação C-N é mais instável do que a ligação
C-C (292 e 347kJ/mol, respectivamente), sendo o local mais provável de início das reações de
degradação. Esse problema se torna mais crítico quando as ligações são hidrolisáveis, como nas
poliamidas e poliésteres, em que a presença de umidade leva às reações de cisão por hidrólise, que
ocorrem em temperaturas mais baixas do que as de decomposição térmica. Esse último caso tem
grande influência prática e será tratado posteriormente neste livro (seção 7.5.2).

As ligações intermoleculares

As ligações intermoleculares têm efeitos diferentes nos termofixos e termoplásticos. Nos


termofixos (incluindo os elastômeros), as reticulações (ligações covalentes) são formadas durante o
processamento e afetam diretamente todas as propriedades físicas, químicas e mecânicas. Quanto
maior o número de reticulações, mais conectadas estarão as moléculas poliméricas, resultando em
maiores módulo de elasticidade, dureza, resistência ao calor, resistência química e menor deformação
na ruptura. Nos termoplásticos a intensidade das forças intermoleculares (secundárias) afetam
principalmente as transições térmicas e as propriedades mecânicas. As ligações secundárias presentes
nos polímeros serão descritas a seguir. Para facilitar o entendimento, sugere-se visualizar
este vídeo, que mostra através de animação os fenômenos moleculares descritos.

Forças de dispersão (van der Waals). Presente entre moléculas de baixa polaridade, como polietileno,
poliestireno e polipropileno, é formada pelos momentos de dipolo, que oscilam de positivo para
negativo ao longo do tempo, como resultado de configurações
instantâneas diferentes dos elétrons e núcleos. Isso gera uma
polarização temporária e, consequentemente, uma atração entre
grupos de átomos adjacentes. Quando existem mais de um tipo de ligação secundária em
um polímero (por exemplo, força de dispersão e ponte de hidrogênio), esse tipo de atração
torna-se desprezível. Neste vídeo, observa-se que a ligação do tipo van der Waals é

30
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

responsável pela grande habilidade do lagarto Gecko aderir em superfícies diversas e isso tem
inspirado a criação de robôs e outros produtos baseados no mesmo princípio.

Forças de dipolo. Estão presentes em átomos carregados com cargas opostas, H H


H H CH3
como ocorre em polímeros polares como o PVC e o poli(fluoreto de vinila), H3C+ H
d -
Cl d
H
Cl
criando um momento permanente cuja intensidade aumenta com a diminuição
d- Cl H Cl +
da distância entre os átomos carregados. Este tipo de interação é muito H dCH 3
HC
3 H H
H H
dependente da temperatura pois a agitação térmica desalinha os dipolos.

Pontes de hidrogênio. Esse tipo de ligação secundária é mais forte do que as demais, estando presente

O em poliamidas, proteínas, álcool polivinílico, celulose, etc. A ponte de hidrogênio


H3C N CH3 ocorre entre dois grupos funcionais: um grupo ácido (doador de prótons), como
H
O
hidroxil, carbonil ou amina, em que o hidrogênio está ligado covalentemente e

H3C N CH3 um grupo básico, como (i) oxigênio em carbonila, éter ou hidroxila ou (ii)
H
nitrogênio em aminas ou amidas. Assim, o hidrogênio serve de ponte entre dois
grupos diferentes, o que é facilitado pelo seu pequeno tamanho, que possibilita o seu posicionamento
em pequenas distâncias, viabilizando a transferência de prótons. O maior exemplo desse tipo de
ligação é a água – por ter uma massa molar muito baixa, a água não deveria ser líquida na temperatura
ambiente se não fosse pela existência das pontes de hidrogênio.

A medida das forças intermoleculares é dada pela densidade de energia coesiva (CED), que
significa a energia necessária para remover uma molécula de um líquido ou sólido para uma posição
longe dos seus vizinhos, ou seja, para separar os grupos químicos que estão sendo atraídos entre si.
Exemplos de CED para alguns polímeros estão mostrados na Tabela 2.2, onde se
observa que a CED aumenta com a polaridade dos grupos substituintes. Casos
extremos ocorrem em que essas forças são tão fortes que o polímero não Densidade de
energia coesiva
funde/amolece durante o aquecimento, apresentando um comportamento é uma medida
das forças
térmico semelhante ao de um termofixo (decomposição sem amolecimento) –
intermoleculares
mesmo sem possuir reticulações. É o que ocorre, por exemplo, com celulose,
poliimidas e poliamidas aromáticas (aramida), que possuem também cadeias
poliméricas extremamente rígidas (Figura 2.2), dificultando a movimentação e, assim, o afastamento
dos grupos polares para ocorrer a fusão/amolecimento.

31
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

O O
H H
O N N C C N N
O O
O O

(a) (b) (c)

Figura 2.2. Estruturas químicas da celulose (a), poliimida (b) e aramida (c).

Tabela 2.2. Densidade de energia coesiva (CED) de alguns polímeros comerciais (Billmeyer 1984).

Polímero Estrutura química CED (J/cm3)

Polietileno CH2 CH2 259

Poliestireno 310

Policloreto de vinila – PVC 381

Politereftalato de etileno- PET 477

O O
Poliamida 66 NH (CH2)6 NH C (CH2)4 C 774

CH2 CH
Poliacrilonitila 992
C N

Os polímeros apolares, como polietileno e polipropileno, necessitam alta massa molar para
que apresentem um bom comportamento mecânico, como mencionado anteriormente. A razão para
isso é que a coesão mecânica do material é muito dependente dos emaranhados moleculares nas
regiões amorfas e das cadeias atadoras, que unem os cristalinos às regiões desordenadas. A densidade
de energia coesiva desses materiais, sendo baixa, não é suficiente para a obtenção de propriedades
mecânicas adequadas. Por outro lado, os polímeros polares, como poliamidas e poliésteres, por
possuírem cadeias mais fortemente unidas entre si, são menos dependentes de alta massa molar para
desenvolverem boas propriedades. Não que para esses materiais os emaranhados não sejam
importantes, absolutamente, mas as altas forças de atração auxiliam na coesão macromolecular,
tornando-os menos dependentes dos grandes tamanhos moleculares. Além disso, quanto maior a
massa molar, maior o número de pontos de contato (conexões polares) por cadeia e isso dificulta os
processos de fusão/amolecimento pois a quantidade total de energia para superar essa maior

32
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

densidade de energia coesiva pode, eventualmente, ser suficiente para iniciar a ruptura das ligações
covalentes intramoleculares, provocando a decomposição antes ou durante a fusão/amolecimento.
Vale observar que, do ponto de vista de processamento, a janela de operação
(isto é, a diferença entre as temperaturas de decomposição e de
Nem sempre fusão/amolecimento) deve ser larga o suficiente para permitir um
massa molar
muito alta é processamento seguro. Em geral os polímeros polares possuem alta
ideal! temperatura de fusão e, por possuírem heteroátomos na cadeia principal,
apresentam temperatura de decomposição relativamente baixa. Se a massa
molar for muito alta, é necessário realizar o processamento em altas
temperaturas para que a viscosidade seja compatível, o que aumenta consideravelmente os riscos de
decomposição térmica. Assim, enquanto os polímeros comerciais de baixa polaridade possuem massa
molar acima de 100.000 g/mol, para os polares esses valores dificilmente são superiores a 50.000
g/mol.

2.2. Orientação molecular e anisotropia

Além do comportamento térmico de termoplásticos e termofixos, uma das principais


consequências da diferença de magnitude entre as forças coesivas primárias e secundárias existentes
nos polímeros é a anisotropia decorrente da orientação molecular. A maioria das técnicas de
processamento envolve o escoamento do polímero fundido (melt) entre canais do equipamento ou
mesmo em operações de estiramento, resultando em orientação molecular preferencial na direção do
fluxo/estiramento, conforme ilustração da Figura 2.3. Parte da orientação gerada durante o
processamento pode ser perdida por relaxações moleculares, que tendem a manter as
macromoléculas no estado enovelado (de baixa energia). No entanto, o choque térmico que ocorre no
resfriamento do melt resulta em uma orientação molecular congelada (frozen-in orientation). Esse
fenômeno pode ser bastante complexo, com grandes variações estruturais em função da posição no
produto moldado e será abordado com maiores detalhes na seção 5.4. Por hora, é importante
considerar que a orientação molecular gerada durante o processamento gera anisotropia de
propriedades, especialmente no comportamento mecânico. O termo anisotropia denota uma
diferença de propriedades em função da direção em que essa propriedade é medida, ao contrário da
isotropia, que independe da direção em que é aferida.

33
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

Figura 2.3. Representação esquemática da orientação molecular como consequência do estiramento


durante o processamento (Ahmed 2014). Inicialmente a estrutura molecular é enovelada e
emaranhada, adquirindo uma orientação preferencial das macromoléculas. Embora seja uma
representação esquemática, note que alinhamento molecular não é perfeito, existindo dobras, falhas e
descontinuidades.

A origem da anisotropia de propriedades está na diferença de intensidade entre as ligações


covalentes intramoleculares e as secundárias intermoleculares (ver Tabela 2.1). Ao longo da orientação
preferencial se tem um maior predomínio das ligações mais fortes, resultando em maiores valores de
módulo elástico e de resistência tênsil nessa direção. Caso a solicitação mecânica seja feita na direção
das ligações secundárias (transversal à orientação preferencial) a força necessária para a deformação e
ruptura é muito mais baixa do que quando o esforço é aplicado na direção paralela à da orientação. A
Figura 2.4 exemplifica essa diferença de comportamento para o caso do polietileno estirado a frio, que
causa orientação molecular na direção da deformação. Note-se que quanto maior a razão de
estiramento maior a resistência na direção da orientação em detrimento da resistência na direção
ortogonal. Nesse exemplo observou-se um amento de mais de 400% na resistência à tração para peças
com elevada razão de estiramento.

Figura 2.4. Efeito do estiramento a frio na resistência à tração do polietileno linear de baixa densidade,
medida na direção do estiramento e na direção ortogonal (Razavi-Nouri and Hay 2004). Razão de
estiramento é razão entre o comprimento final e comprimento inicial do produto deformado.

34
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

A anisotropia de propriedades pode ser utilizada na fabricação de produtos com extraordinário


desempenho mecânico se valendo de uma alta orientação molecular gerada durante o processamento
– muito mais alta do que o do exemplo da Figura 2.4. Os maiores exemplos são as fibras e, em menor
intensidade, os filmes. Nesses casos, os produtos extrudados recebem uma força axial de puxamento
logo após a saída da matriz. Na produção de fibras, esse puxamento é
aplicado com uma velocidade de até 3000m/min, provocando uma
altíssima orientação molecular no sentido axial, resultando em
propriedades mecânicas extremamente elevadas. Isso pode ser
realizado a partir do melt (melt spinning) ou a partir de soluções
concentradas com simultânea evaporação do solvente (gel spinning).
Dentre os diversos usos das fibras poliméricas, tem-se os produtos de
alto desempenho, em aplicações como cordas e cintas para amarração
de navios e tecidos para esportes náuticos de alta performance. Esses
e outros casos estão exemplificados neste link. Os principais polímeros utilizados para essas
aplicações são o polietileno de alta ou altíssima massa molar, as aramidas (como o Kevlar®)
e poliésteres (como o Mylar®). A grande diferença de comportamento entre um polímero
ultraorientado e normal está ilustrado na Figura 2.5 para o caso do módulo elástico. Nesse caso, o
módulo elástico do polietileno ultraorientado foi mais de 100 vezes superior ao do mesmo polietileno
em condição não orientada.

Figura 2.5. Módulo elástico do PE em diferentes condições: (A) não orientado; (B) orientação
intermediária; (C) ultraorientado (Birley, Haworth, and Batchelor 1992).

35
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

Proteção à prova de bala!

Um dos materiais mais extraordinários utilizados na forma de fibra é a poliamida aromática


(Figura 2.2c), cujo principal nome comercial é o Kevlar®,
desenvolvido pela DuPont em 1965 pela pesquisadora
polonesa/americana Stephanie Kwolek. A combinação de
grupos amida polares (que formam pontes de hidrogênio)
com grupos aromáticos na cadeia principal o torna um
material com alta resistência ao calor. Isso dificulta o
processamento e, assim, a sua produção na forma de
fibras a partir de soluções é praticamente a única
viabilidade industrial. Nesse processamento, o
alinhamento molecular é extremamente elevado,
resultando em altíssima resistência à tração. A combinação de um material fibrilar de baixa espessura
(e, portanto, com flexibilidade) e resistência mecânica muito alta, direcionou o uso em aplicações de
alto valor agregado, como no recobrimento trançado de fibras óticas, cordas para amarração crítica,
luvas e vestuário para contato em altas temperaturas e coletes à prova de bala. Nesse último caso, o
traçado especial das fibras na confecção das vestes, juntamente com as propriedades intrínsecas de
resistência tênsil do Kevlar®, possibilita uma alta absorção de energia. Os fabricantes produzem
diversos tipos de coletes, com diferentes camadas de proteção, em função das
necessidades possíveis dos usuários. Veja nesse vídeo uma descrição do processo de
fabricação.

Em aplicações como fibras, o produto se beneficia da alta orientação molecular para


potencializar a performance uma vez que a direção de solicitação mecânica é pré-determinada e
coincidente com a direção de orientação. No entanto, em produtos em que a direção da solicitação é
incerta, a ocorrência de orientação preferencial quase sempre é indesejável. Esse é o caso de, por
exemplo, produtos injetados utilizados nas indústrias automobilística ou de eletroeletrônicos. A maior
resistência em uma direção ocorrerá em detrimento de um comportamento inferior na direção
ortogonal (conforme mostrado na Figura 2.4) e isso pode ser inaceitável do
ponto de vista de projeto do produto. A situação é ainda pior se o
componente for submetido a esforços de impacto uma vez que nesse tipo de
solicitação não existe a direcionalidade da força. A energia aplicada pelo
impacto de um corpo sobre o produto é decomposta em esforços multiaxiais
como ilustrado na imagem ao lado. Quando vetores de força encontram orientação desfavorável, i.e.,
36
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

com predominância das ligações intermoleculares, ocorre a iniciação e propagação de trincas


resultando em falha catastrófica com baixa absorção de energia de impacto. Os resultados
experimentais da Figura 2.6 exemplificam esse tipo de comportamento, onde uma queda substancial
na energia de fratura é observada quando se tem maior orientação
molecular. Essa é a razão pelo qual se almeja a produção de artigos que

Orientação tenha pouca ou nenhuma orientação molecular quando esses são sujeitos
molecular pode ser a esforços de impacto. Para que isso seja alcançado, o projeto do molde de
indesejável
injeção, por exemplo, é extremamente importante pois os fluxos de melt
existentes nas cavidades do molde dependem principalmente do projeto
da ferramenta. As condições de processamento também exercem
influência neste aspecto. Um outro exemplo em que a alta orientação molecular resulta em situação
desfavorável é o caso de tubos produzidos por extrusão, já mencionado no Capítulo 1, em que a
pressão hidrostática, de natureza multiaxial, induz a geração e propagação de trincas ao longo do eixo
longitudinal.

Figura 2.6. Energia de fratura do poliestireno produzido com diferentes níveis de orientação molecular,
medida pela birrefringência (Curtis 1970). Birrefringência é a diferença do índice de refração de um
corpo de prova, medido em duas direções ortogonais. Trata-se de uma medida indireta da orientação
molecular. A propósito, a despeito da grande importância que a orientação molecular tem para as
propriedades dos polímeros, não se trata de um parâmetro facilmente avaliado experimentalmente.
Além de medidas de birrefringência, pode-se também utilizar determinações especiais por
espectroscopia de infravermelho e a orientação cristalina pode ser determinada por difração de raios-X.

37
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

2.3. Configurações moleculares

As cadeias poliméricas, graças a um controle estereoespecífico durante a síntese, podem existir


em diferentes configurações. O termo significa que os arranjos dos átomos ou grupo de átomos ao
longo da cadeia não podem ser alterados sem que haja cisão das ligações químicas primárias. Ou seja,
determinadas características moleculares são, essencialmente, definitivas. Os principais tipos de
configuração são (i) as que envolvem o carbono assimétrico, como a taticidade e as configurações do
tipo cabeça-cauda e (ii) as que envolvem ligações duplas carbono-carbono, cis ou trans.

A Figura 2.7 mostra as formas de taticidade, exemplificadas para o polipropileno. A estrutura


isotática possui os grupos substituintes arranjados predominantemente em um mesmo lado planar da
cadeia. Se esses grupos estiverem dispostos de forma alternada em relação ao plano da cadeia
principal, a estrutura é dita sindiotática e, caso não haja ordem da disposição dos grupos substituintes,
o polímero é atático. Vale observar que apenas após o surgimento dos sistemas catalíticos por
mecanismos de coordenação, como os do tipo Ziegler-Natta ou metalocenos, foi possível sintetizar
polímeros com configurações regulares como os isotáticos e os sindiotáticos. Isso representou uma
grande evolução na tecnologia de polimerização uma vez que os polímeros estereoregulares, como o
PP isotático, possuem um balanço de propriedades muito mais favorável do que os não regulares. O PP
atático, por exemplo, pode ser sintetizado facilmente por reações via radicais livres mas apresenta
muito pouca importância comercial. Isso é consequência da sua impossibilidade de cristalizar, o que
será discutido na seção 4.1.

CH2 CH CH2 CH CH2 CH CH2 CH


(a)
CH3 CH3 CH3 CH3

CH3 CH3

CH2 CH CH2 CH CH2 CH CH2 CH (b)


CH3 CH3

Figura 2.7. Formas de taticidade do polipropileno. (a) Isotático e (b) sindiotático. Na configuração
atática não existe ordem no posicionamento dos grupos substituintes.

A posição de adição da unidade monomérica durante a síntese também pode gerar um outro
tipo de arranjo configuracional. A Figura 2.8 mostra que a posição relativa do grupo substituinte pode
levar à estruturas diferentes, dependendo de qual carbono do monômero é adicionado à cadeia em

38
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

crescimento. O tipo cabeça-cauda é mais favorável tanto por razões espaciais quanto energéticas.
Pode haver também adição aleatória, não existindo ordem pré-definida de posicionamento.

CH2 CH CH2 CH CH2 CH CH2 CH


(a)
CH3 CH3 CH3 CH3

CH2 CH CH CH2 CH CH CH2 (b)


CH3 CH3 CH3 CH3

Figura 2.8. Configurações cabeça-cauda (a) e cabeça-cabeça (b) do polipropileno.

Um último tipo de estereoisomerismo é a variedade cis-trans, presente em polímeros com


insaturações na cadeia principal, como em muitos elastômeros (Figura 2.9) e resulta do fato da rotação
atômica não ser livre ao redor de uma ligação dupla. Os segmentos de cadeia em cada átomo de
carbono da ligação dupla podem estar localizados no mesmo lado da ligação dupla na configuração cis
(Figura 2.9a) e em lados opostos na configuração trans (Figura 2.9b). Esse tipo de configuração
também é definido pela síntese.

H H H
CH2 CH2
CH2 CH2
CH2 CH2
(a)
CH3 CH3 CH3

H3C H H3C H H3C H


CH2 CH2 (b)
CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2

Figura 2.9. Configurações cis (a) e trans (b) do poli(isopreno).

O tipo de configuração é de extrema importância para a formação estrutural do polímero e,


consequentemente, para as suas propriedades. A influência mais direta é na capacidade de
cristalização (cristalizabilidade), com consequências para as propriedades físicas e mecânicas, o que
será tratado no próximo capítulo. Por exemplo, o polipropileno isotático é um plástico dúctil e
semicristalino na temperatura ambiente e funde por volta de 160°C, enquanto que a configuração
atática deste mesmo polímero tem um aspecto de cera na temperatura ambiente e não tem aplicações
comerciais. Por outro lado, o poliestireno sindiotático é semicristalino e muito quebradiço enquanto

39
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

que a sua forma atática é amorfa e apresenta um balanço de propriedades mais favorável, sendo o tipo
utilizado comercialmente. Um outro exemplo é o poli(isopreno), que na sua forma trans é um plástico
semicristalino muito rígido enquanto que a configuração cis é um elastômero com excelentes
propriedades elásticas.

Apesar de todos os avanços que as tecnologias de síntese têm alcançado, são raros os casos
em que a estrutura molecular possui apenas um tipo de configuração (por exemplo, totalmente
isotático). A perfeição configuracional dificilmente é atingida, dado ao elevado número de reações que
ocorre entre monômeros para formar uma molécula de alta massa molar. Assim, a depender do
controle durante a polimerização e também da estrutura química do monômero, se obtém polímeros
com um percentual de estereoregularidade. Por exemplo, 97% isotático, 90% trans ou 99% cabeça-
cauda.

2.4. Conformações e flexibilidade da cadeia polimérica

Devido à natureza das ligações covalentes, aliado à energia térmica existente, as cadeias
poliméricas podem assumir diferentes conformações, que são arranjos moleculares espaciais que
podem ser alterados por rotações em ligações covalentes simples. Em outras palavras, o arranjo
espacial não é fixo, podendo ser modificado inúmeras vezes em frações de segundo. Isso ocorre pois
há uma certa liberdade de movimentação dos grupos da cadeia, que depende do caráter da ligação
química na cadeia principal e dos substituintes laterais. Nos polímeros, os principais tipos de
conformações são as trans-gauche e as helicoidais.

A conformação do tipo trans-gauche é a mais comum. Uma molécula


trans
orgânica pode assumir formas em zig-zag, estendida, caracterizando a conformação
trans. O ângulo de equilíbrio entre os átomos de carbono é mantido, assim como a 

disposição espacial dos átomos e grupos substituintes. No entanto, como



existe a possibilidade de rotação das ligações covalentes, esse ângulo de
 
equilíbrio pode ser alcançado em uma outra disposição espacial da molécula,
trans/gauche
conforme esquema ao lado. As conformações podem ser alteradas
livremente, resultando em um arranjo molecular não fixo. Como o número de arranjos
conformacionais possíveis aumenta com o número de ligações químicas na cadeia principal, pode-se
considerar que, no caso dos polímeros com milhares (ou centenas de milhares) de ligações covalentes,

40
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

a probabilidade desta molécula possuir apenas conformações trans (com a consequente cadeia
completamente estendida) é extremamente baixa1.

A alternância contínua de conformações trans e gauche, aliada aos grandes tamanhos


moleculares, resulta em arranjos moleculares enovelados – por razões
termodinâmicas, uma vez que a forma esférica é mais favorável
energeticamente. Esse tipo de arranjo é predominante no estado fundido,
em solução e nas frações amorfas dos polímeros sólidos. No caso dos
cristais poliméricos, ocorrem sequências de conformação trans para favorecer a acomodação dos
segmentos moleculares durante a cristalização.

O fato de uma molécula polimérica apresentar a tendência a formar novelos e, além disso,
possuírem grandes comprimentos e, por fim, coexistirem com inúmeras outras macromoléculas, existe
a forte tendência dessas moléculas se enroscarem entre si, formando os
chamados emaranhados moleculares. Esses emaranhados criam uma
interdependência física entre as macromoléculas, com inúmeras
consequências práticas, tais como: alta viscosidade do estado fundido e
em solução, tenacidade e resistência tênsil dos polímeros, grande
extensibilidade dos elastômeros, resistência ao stress cracking e
limitação nos processos de cristalização. A densidade de emaranhados
moleculares, portanto, é fator decisivo para o comportamento mecânico e reológico dos polímeros,
sendo dependente essencialmente dos tamanhos moleculares, conforme os dados mostrados na
Figura 2.10. A tendência dos polímeros de alta massa molar apresentarem comportamento mecânico
superior é atribuído, em grande parte, aos emaranhados moleculares. O outro fator, a ser abordado
posteriormente, é a formação de moléculas atadoras, unindo os cristais com as regiões amorfas, que
também são fortemente dependentes do tamanho das cadeias.

1
Foi calculado que uma molécula de polietileno com massa molar 280.000g/mol teria 10 9542 possíveis
conformações. Um número absurdo de 10, seguido por 9542 zeros. Todo o universo não possui tantas moléculas
quanto uma simples cadeia de polietileno pode ter em possibilidades de arranjos espaciais! (Elias 1987)
41
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

Figura 2.10. Relação entre a massa molar (Mw) do poli-isopreno e o número de emaranhados por
molécula. Baseado nos dados apresentados por (Auhl et al. 2008).

Um outro tipo de conformação é a do tipo helicoidal, que ocorre quando o polímero tem
grupos laterais volumosos. As cadeias assumem um perfil de hélice, com as ligações
alternando nas formas trans e gauche, permitindo a acomodação das moléculas em
distâncias mais próximas sem distorção das ligações da cadeia, isto é, mantendo os
ângulos de equilíbrio. Esse tipo de conformação ocorre com estruturas moleculares
regulares como os polímeros isotáticos e sindiotáticos e se mantém no estado cristalino.
O passo da hélice depende do tamanho do substituinte lateral. Por exemplo, no
polipropileno tem-se 3 unidades repetitivas por volta, enquanto no PMMA tem-se 5
unidades em 3 voltas. O perfil da hélice pode ser alterado com a temperatura, como
ocorre no PTFE.

Um fator bastante importante e inerente às formas conformacionais das moléculas é a


flexibilidade da cadeia polimérica. A ideia de que as cadeias poderiam ser flexíveis e não cilindros
rígidos, como se pensava até 1934, surgiu para explicar as grandes deformações reversíveis dos
elastômeros. De fato, as rotações que ocorrem em torno das ligações na cadeia principal denotam uma
natureza flexível dessas cadeias. Entretanto, essa facilidade de rotação molecular, alterando as
conformações, varia de acordo com a estrutura química do polímero e é controlada pelo fator
denominado “barreira de energia para rotação”.

Tome-se como exemplo a Figura 2.11, em que uma molécula possui os níveis mais baixos de
energia nos ângulos 60, 180 e 300°. Para que haja rotação molecular e o ângulo seja alterado de 60
para 180°, por exemplo, é preciso vencer a barreira de energia, indicada na figura. Essa barreira de
energia pode ser fornecida pelo movimento térmico da molécula, caso a temperatura seja

42
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

suficientemente elevada para isso. Agora imagine que essa molécula possua um grupo substituinte
volumoso em que, para haver a rotação molecular, seria preciso
vencer uma barreira de energia mais elevada para conseguir
“arrastar” esse grupo. A cadeia, dessa forma, se torna menos flexível
Grupos polares e do que no caso anterior, com menos rotações moleculares. De modo
volumosos aumentam a semelhante, quando existem grupos mais polares será preciso
barreira de energia para superar a energia de interação intermolecular do grupo polar para
rotação, resultando em haver rotação. Novamente, a cadeia se torna menos flexível. Assim,
cadeias mais rígidas. polímeros com grupos volumosos, como poliestireno e
poli(metacrilato de metila), possuem cadeias mais rígidas as do o
polietileno e as do polibutadieno, por exemplo. PVC, poliamidas e
poliésteres, devido à presença dos seus respectivos grupos polares,
têm cadeias mais rígidas do que os apolares como polietileno, polipropileno e poli-isopreno.

12

10
Energia (kJ/mol)

6 barreira de energia
4

0
0 60 120 180 240 300 360
Ângulo (°)
Figura 2.11. Exemplo de dependência da energia com o ângulo de ligação em uma molécula orgânica.
Os níveis de energia correspondem a cada ângulo variam muito com o tipo de molécula, seguindo os
princípios básicos da química orgânica.

Grupos volumosos (na cadeia principal ou lateral) e polares, como é de se esperar, têm
efeitos aditivos, tornando a cadeia com rigidez extrema, como no caso das
O
poliamidas aromáticas e poliimidas (Figura 2.2). Por outro lado, caso esses NH C (CH2)5

grupos estejam bem espaçados ao longo da cadeia, o enrijecimento será PA6

menor. Por exemplo, a poliamida 11, que tem 10 grupos CH2 entre os grupos O
NH C (CH2)10
polares de amida, é mais flexível do que a poliamida 6, que possui apenas 5 PA11

43
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

grupos CH2 entre os amida. Em outro exemplo, a flexibilidade da cadeia do copolímero estireno-
butadieno (estrutura química abaixo), aumenta com o aumento no percentual de butadieno no
copolímero, e o copolímero resultante terá propriedades de
plástico ou de borracha conforme a predominância de um
ou do outro mero. Outros fatores que afetam a barreira de
energia para rotação são a presença de reticulações e de
solventes ou plastificantes. No primeiro caso, as ligações cruzadas ancoram as cadeias entre si,
reduzindo a capacidade de movimentação e, assim, elevam a barreira de energia necessária para a
rotação molecular. No caso da presença solventes e plastificantes tem-se um aumento no
espaçamento molecular e maior volume livre, resultando em cadeias muito mais flexíveis.

2.5. A transição vítrea

A barreira de energia para a rotação e, consequentemente, a flexibilidade da cadeia


polimérica, é refletida em um dos mais importantes parâmetros que determinam o comportamento
dos polímeros – a temperatura de transição vítrea (Tg). As fases amorfas dos
polímeros apresentam comportamento diferente em função da temperatura.

A transição Em temperaturas suficientemente baixas, as moléculas poliméricas não


vítrea é possuem mobilidade suficiente para que ocorram rotações nas ligações
exclusiva das
regiões amorfas. químicas da cadeia principal, ou seja, a energia interna é insuficiente para
romper a barreira de energia para a rotação. Nessa condição, os segmentos
moleculares encontram-se “congelados”, embora existam movimentações
atômicas e vibração de grupos de átomos. A partir de certa temperatura, a energia interna supera a
barreira de energia para rotação e, assim, os segmentos moleculares adquirem mobilidade. A
temperatura (ou faixa de temperaturas) em que ocorre essa alteração é a temperatura de transição
vítrea – Tg2. O estado de mobilidade abaixo da Tg lembra um vidro (amorfo e com rigidez) e, acima da
Tg, lembra uma borracha (amorfo e flexível). Assim, Tg demarca uma transição térmica das fases
amorfas, de vítrea para borrachosa durante o aquecimento e de borrachosa para vítrea durante o
resfriamento. Como a transição vítrea define o comportamento geral do polímero, a Tg é considerada
também uma referência para a temperatura limite de aplicação. Se o uso do material for como um
plástico rígido, a temperatura máxima de uso será a T g (respeitando-se os limites de temperatura em

2
O “g” da Tg vem do inglês “glass”, que significa vidro.
44
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

que a transição ocorre), enquanto que se o produto for utilizado como uma borracha ou, caso seja
semicristalino, um plástico dúctil, Tg deverá ser a temperatura mínima de uso.

Importante: A transição vítrea não é uma temperatura isolada, mas ocorre em uma faixa de
temperaturas que pode ser muito larga, de até 50°C. Por essa razão, T g deve ser encarada como uma
temperatura de referência, nunca como um limite estreitamente bem definido.

Embora o tema seja tratado no próximo capítulo, cabe aqui uma rápida diferenciação entre a
temperatura de transição vítrea (Tg) e a temperatura de fusão cristalina (T m). Enquanto Tg é uma
transição das fases amorfas, relacionada com o início do movimento segmental das macromoléculas,
Tm é uma transição das fases cristalinas, relacionada com a fusão dos cristais presentes. Um polímero
completamente amorfo não possui Tm (pois não possui cristais), enquanto um polímero semi-cristalino
possui as duas transições.

A limitação do PVC

Um dos principais usos do PVC é na fabricação de tubos para água e esgoto. A sua tecnologia
amplamente desenvolvida, aliada às suas características reológicas, torna o PVC especialmente
atrativo para esse tipo de processamento e aplicação. No entanto, quando a tubulação é utilizada
em temperaturas acima da ambiente, existem restrições quanto a esse material. Isso ocorre, por
exemplo, em instalações industriais e em equipamentos domésticos como lavadoras de roupas e
de louças que possuem um estágio de aquecimento. Como a T g do PVC situa-se em torno de 80°C,
o amolecimento do tubo pode ocorrer já a partir de 55-60°C, podendo comprometer a sua
funcionalidade nessas aplicações. Uma das alternativas para isso é a utilização do PVC clorado
(CPVC), também de grande importância comercial, em que parte dos átomos de hidrogênio dos
carbonos secundários são substituídos por cloro, aumentando a polaridade geral da molécula e,
assim, elevando a Tg para ~105-115°C.

45
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

Como a transição vítrea está intimamente associada à barreira de energia para a rotação
molecular, é dependente dos mesmos fatores discutidos anteriormente – volume dos grupos
presentes, polaridade, reticulações, comonômeros, etc. Tg é, portanto, uma propriedade intrínseca dos
polímeros e, com efeito, uma das mais importantes e com grande apelo prático. A seguir, serão feitas
algumas análises comparativas.

Polietileno (PE) vs polipropileno (PP) vs poliestireno (PS).

PE: Tg~ -150°C PP: Tg~ -10°C PS: Tg~ 100°C

CH2 CH2 CH2 CH CH2 CH


CH3

O PE possui estrutura linear, com apenas átomos de hidrogênio na cadeia lateral e baixa polaridade. Os
átomos de hidrogênio são pequenos e as forças intermoleculares de van der Waals são fracas,
resultando em Tg~-150°C – uma das mais baixas existentes. O PP, por outro lado, possui um grupo
pendente metil que, por ser relativamente volumoso dificulta a movimentação molecular,
necessitando mais energia para o movimento segmental, com Tg~-10°C. Em uma situação mais extrema
tem-se o poliestireno, com grupo pendente aromático, representando uma dificuldade ainda maior
para rotação e, consequentemente, maior Tg em comparação com o PP, ~100°C. As diferenças entre
esses polímeros se refletem nas aplicações. O PS, sendo amorfo e com elevada T g, tem uso como
plástico rígido e transparente, com limite de temperatura de até 70-75°C. O PE e o PP, semicristalinos,
são utilizados como plásticos dúcteis, respeitando os limites inferiores para manterem a ductilidade, o
que requer atenção especial no caso do PP uma vez que abaixo de ~10°C já apresenta tendência à
fragilidade.

Polietileno vs poli(cloreto de vinila) (PVC) vs poli(cloreto de vinilideno) (PVDC).

PVDC: Tg~ -15°C


PE: Tg~ -150°C PVC: Tg~ 80°C
Cl
CH2 CH2 CH2 CH CH2 C

Cl Cl

Comparando-se com o PE, o PVC possui um átomo de cloro como grupo substituinte. Em termos
espaciais, o cloro não é significativamente diferente do hidrogênio, mas, por ser muito eletronegativo,
resulta em grande aumento na densidade de energia coesiva devido às ligações dipolo. Para superar
esse efeito, é necessário fornecer mais energia para o movimento segmental, o que eleva a Tg do PVC
46
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

para ~80°C. O poli(cloreto de vinilideno) (PVDC), por outro lado, possui uma simetria dos grupos
polares, gerando efeitos repulsivos e, assim, Tg mais baixa (~-15°C).

Poli(tereftalato de etileno) (PET) vs poli(etileno adipato) (PEA).

PET: Tg~ 70°C PEA: Tg~ -50°C

O C C O CH2 CH2 O C (CH2)4 C O CH2 CH2


O O O O

Tratam-se de dois poliésteres com estruturas químicas “semelhantes”, tendo o PET grupos aromáticos
e alifáticos na cadeia principal enquanto o PEA possui apenas grupos alifáticos. A estrutura mais rígida
do PET dificulta a movimentação, elevando a Tg: ~70°C vs. ~-50°C.

Poliestireno (PS) vs poli(oxi-fenileno) (PPO).

PS: Tg~ 100°C PPO: Tg~ 210°C CH3

CH2 CH O

CH3

O PPO possui o grupo aromático na cadeia principal, ao contrário do PS em que esse grupo encontra-se
na cadeia lateral. Isso torna a cadeia do PPO muito mais rígida, dificultando as mudanças
conformacionais, refletindo-se em Tg mais elevada (~100°C para o PS e ~210°C para o PPO). A
propósito, o PPO possui, dentre os polímeros comerciais, um dos mais elevados valores de Tg que,
juntamente com a sua Tm também alta (260°C), torna esse material especialmente adequado para
aplicações que requer alta estabilidade ao calor, como em disjuntores e outros dispositivos para a
indústria elétrica.

Poli(metilacrilato) (PMA), poli(metil metacrilato) (PMMA) e série de metacrilatos.

PMMA: Tg~ 100°C


PMA: Tg~ 6°C
CH3
CH2 CH CH2 C
C O C O
O O
CH3 CH3

O grupo substituinte metil no mesmo carbono do grupo metacrilato elevada a rigidez da cadeia,
tornando a Tg do PMMA bem mais alta do que a do PMA (~100°C vs ~6°C). Isso faz do PMMA um
plástico muito mais utilizado comercialmente do que o PMA, dado a sua grande rigidez e
transparência. Os metacrilatos são uma família de polímeros com mesma estrutura química básica,
variando-se o número de carbonos do grupo R da estrutura ao lado. Se R=1 tem-se o grupo metil (–
47
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

CH3), sendo, portanto, o PMMA. Se R=2, tem-se o grupo etil, com dois carbonos (–CH2-CH3). A Figura
2.12 mostra que o tamanho do grupo R tem influência marcante na T g do polímero. Na medida em que

CH3
o grupo lateral se torna mais longo, aumenta-se a mobilidade geral desse grupo
CH2 C substituinte, reduzindo assim a influência do grupo polar metacrilato. Em
C O
relação ao tamanho dos grupos substituintes, vale a regra geral de que a
O
R presença de grupos flexíveis em cadeia rígida (como no caso da Figura 2.12)
reduz Tg, enquanto que grupos laterais (mesmo flexíveis) em cadeia flexível aumentam a Tg. Esse
último é o caso do polietileno ramificado, que tem uma T g mais elevado do que a do PE linear.

CH3
CH2 C
C O
O
R

Figura 2.12. Valores de Tg em função do número de carbonos do grupo R do metacrilato (Gedde 1995).

Transição vítrea em Blendas e copolímeros. As misturas poliméricas (blendas) e os copolímeros


podem possuir uma única Tg ou mais de uma. Quando esses sistemas formam apenas uma fase – como
nas blendas miscíveis e copolímeros alternados e aleatórios, haverá apenas uma T g, em valor
intermediário entre as Tg´s dos componentes individuais e proporcional à fração de cada um. Existem
diversos modelos para se prever esse valor, como a equação de Fox:
1 𝑊𝑎 𝑊𝑏
= + (2.1)
𝑇𝑔 𝑇𝑔𝑎 𝑇𝑔𝑏

onde a Tg final (em K) está relacionada com as frações mássicas dos componentes a e b (Wa e Wb) e
com as suas temperaturas vítreas individuais (Tga e Tgb), em K.

48
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

No caso de blendas imiscíveis e copolímeros do tipo blocos ou enxerto, haverá a formação de


duas fases (considerando a existência de apenas dois componentes). Nesse caso, cada fase terá uma
resposta individual e independente quanto às rotações moleculares, exibindo 2 T g´s com valores
correspondentes às Tg´s dos polímeros isolados. Esse é o caso, por
exemplo, dos copolímeros em blocos estireno-butadieno (SBS),
esquematizado na imagem ao lado, em que os domínios vítreos de PS
atuam ancorando a fase borrachosa do polibutadieno em uma espécie
de “reticulação física”. Trata-se de um tipo especial de elastômero que
não precisa de reticulação química para desenvolver suas propriedades
elastoméricas. Como a fase vítrea de PS pode ser amolecida acima da Tg do PS (e reversivelmente),
esse material é chamado de borracha termoplástica. Existe ainda o caso dos sistemas parcialmente
miscíveis e, nesses casos, apresentam duas Tg´s, mas com valores deslocados dos seus originais.
Baseando-se nesse princípio, note que a miscibilidade de copolímeros e blendas pode ser inferida
através da determinação dos valores de Tg.3

Efeito da massa molar. Comparando-se o mesmo polímero com diferentes massas molares (diferentes
grades) a estrutura química da unidade repetitiva permanece a mesma e, assim, não se tem alterações
na barreira de energia para a rotação molecular. Esse fato excluiria a influência da massa molar na T g
dos polímeros. Por outro lado, a reação de polimerização utiliza os iniciantes, que têm estrutura
química diferente da unidade repetitiva e, sendo presentes nas extremidades da cadeia, resulta em um
aumento no volume livre total. O maior volume livre confere mais liberdade de movimentação dos
segmentos moleculares e, assim, resulta em menor Tg. Para tamanhos maiores de cadeia, reduz-se
proporcionalmente essa influência. O resultado é uma dependência da T g com a massa molar conforme
ilustrado na Figura 2.13. Em baixas massas molares, Tg aumenta progressivamente até atingir um nível
onde aumentos posteriores de tamanho de cadeia não mais interferem. Esse limiar de massa molar,
em geral, encontra-se abaixo das massas molares usuais em que os polímeros são comercializados.
Assim, pode-se considerar que, na prática, salvo casos especiais, a massa molar não tem interferência
na Tg dos polímeros.

3
A temperatura de transição pode ser determinada por métodos térmicos, como DSC e DMA, sendo este último
o mais preciso para o caso de polímeros com elevado grau de cristalinidade. Esse assunto será tratado nas
secções 4.3.2 e 6.1.6.
49
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

Figura 2.13. Representação esquemática da influência da massa molar na T g dos polímeros. A linha
vertical indica a massa molar mínima em que os polímeros são produzidos industrialmente. Na grande
maioria das situações dos polímeros comerciais, não se observa efeito da massa molar na T g.

Presença de aditivos. Quando aditivos estão presentes, vale a regra geral de que tudo aquilo que
favorece a movimentação das cadeias reduz Tg e tudo o que dificulta a mobilidade causa elevação na
temperatura de transição vítrea. No primeiro caso tem-se os plastificantes, que atuam separando
(“solvatando”) as cadeias pela redução da intensidade das forças intermoleculares, com as moléculas
de plastificantes se posicionando entre os grupos polares do polímero. Como consequência, reduz-se a
barreira de energia para a rotação molecular. Um exemplo desse efeito está mostrado na Figura 2.14,
com redução progressiva e significativa da T g do PVC quando da adição de plastificantes. A adição de
plastificantes torna o PVC extremamente versátil em propriedades e aplicações, podendo ser utilizado
como um plástico rígido (Tg~80°C) ou até como um produto extremamente flexível.

50
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 2.14. Efeito do plastificante dioctil ftalato (DOP) na Tg do PVC. Dados baseados em (Martin and
Young 2003). Existem vários tipos de plastificantes comerciais par ao PVC e o DOP é um dos principais.

Exemplos de aditivos que elevam a Tg são as cargas e os agentes de reticulação. As cargas


atuam como barreiras físicas pelo ancoramento das cadeias nas suas superfícies. O efeito final
depende da concentração e do nível de dispersão das cargas na matriz polimérica, mas é esperado que
se tenha um efeito localizado, isto é, próximo à superfície da carga se tenha uma interfase com T g mais
elevado e, em regiões mais distantes da partícula, a T g do polímero seja inalterada. No caso dos
agentes reticulantes, ocorre uma restrição na mobilidade das cadeias pela presença das ligações
cruzadas, resultando em um aumento na Tg. Esse efeito pode ser quantificado pela equação proposta
por Nielsen:

3.9𝑥104
𝑇𝑔 − 𝑇𝑔𝑜 = (2.2)
𝑀𝑐

Onde Tg e Tgo são as temperaturas de transição vítrea do polímero reticulado e não reticulado,
respectivamente, e Mc a massa molar entre as reticulações, que é inversamente proporcional ao grau
de reticulação. O efeito da reticulação na rigidez pode ser exemplificado com os produtos à base de
elastômeros:

o luvas cirúrgicas – macias e flexíveis – 100-150 meros entre as reticulações;


o luvas domésticas (mais rígidas que as cirúrgicas) – 50-80 meros entre as reticulações;
o pneus – borracha rígida – 10-20 meros entre as reticulações;
o ebonite – borracha extremamente dura – até 5 meros entre as reticulações.

51
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

Flexibilizando para melhorar!

Existem diversas situações corriqueiras em que a presença de solventes interfere na T g do polímero


e, portanto, na sua aplicabilidade. Por exemplo, um selo de carta (outrora bastante utilizado) ao ser
umedecido adquire características adesivas. Isso ocorre pois o selo possui uma película de
poli(álcool vinílico) que, sendo solúvel em água, reduz a sua Tg original de ~50°C para uma
temperatura abaixo da ambiente, tornando-o pegajoso. Caso semelhante, mas não tão intenso
ocorre com as fibras de algodão (celulose). Para passar a ferro um tecido de algodão sugere-se
umedecê-lo para facilitar a “deformação”. A umidade atua entre as moléculas polares e rígidas de
celulose, aumentando a sua mobilidade e, assim, permitindo um passar a ferro mais suave. Essa
também é a razão pela qual produtos à base de poliamidas têm tenacidade superior em ambientes
com maior umidade atmosférica. Tanto no caso da celulose quanto dos náilons, a água não chega a
solubilizar o polímero, mas reduz um pouco as interações intermoleculares das regiões amorfas,
reduzindo a Tg e, assim, afetando o comportamento. Em todos os exemplos acima tem-se
polímeros e solvente com ligações por pontes de hidrogênio.

PARA DISCUSSÃO

Os materiais celulósicos são dos mais abundantes na natureza e possuem uma


estrutura molecular polimérica. Muitos, como a madeira a as fibras vegetais,
estão associados à lignina, formando um tipo de compósito natural. Por terem
estruturas químicas rígidas e polares, apresentam dificuldade de amolecimento
pelos processos convencionais e, assim, não são elencados como “plásticos”
usuais.
Quais seriam as alternativas para tornar os materiais celulósicos viáveis
industrialmente e, como consequência, se tornarem competitivos com os
plásticos industriais? Quais as dificuldades práticas para isso?

52
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Sugestões de atividades práticas

Efeito da massa molar. Selecione diversos grades de uma petroquímica, correspondentes a uma série
de produtos sintetizados do mesmo polímero. Como as petroquímicas, em geral, não informam as
massas molares dos seus produtos, isso geralmente é refletido por diferenças no índice de fluidez4.
Prepare corpos de prova e avalie as diferenças nas curvas tensão-deformação ou na resistência ao
impacto. Atente que, como os grades também podem variar em termos de distribuição de massas
molares e composição, a diferença de comportamento pode não ter uma única explicação. Claro, o
ideal seria medir a massa molar das amostras para correlacionar com as propriedades mecânicas.

Comportamento térmico de termoplásticos e termofixos. Aqueça uma peça à base de polímero


termoplástico (como PE ou PP), observando o amolecimento/fusão. Em seguida, resfrie e observe a
solidificação/cristalização. Realize o mesmo procedimento com uma peça de termofixo (uma borracha
ou uma resina epóxi endurecida) observando que, nesse caso, não ocorre amolecimento. Caso o
aquecimento prolongue, haverá decomposição do material.

Anisotropia pelo aquecimento. Um produto com orientação molecular tende a sofrer retração após
atingir a temperatura vítrea ou de fusão. Ao aquecer um copinho descartável de PS até acima de
100°C, observe a direção de retração predominante. Isso é resultado de uma orientação molecular
preferencial gerada durante a fabricação. Caso o copinho senha de PP (aquele tipo mais transparente)
esse fenômeno só vai ocorrer acima de 160°C – a Tm do PP.

Anisotropia por propriedades. Existem diversas maneiras de observar esse efeito. Por exemplo,
comparando as propriedades mecânicas do PP ou PE na forma de fibras e na forma moldada. Observe-
se uma diferença significativa nas curvas tensão-deformação e nas propriedades finais, como
resistência tênsil, alongamento máximo e módulo elástico. O copinho descartável também pode
ilustrar esse comportamento, onde o rasgamento do copinho é mais fácil em uma das direções.

Emaranhados moleculares. Uma analogia simples para se verificar a influência do tamanho da cadeia
nos emaranhados moleculares e, por consequência, na coesão mecânica do material, seria desenovelar
completamente um carretel de linha – ou vários carreteis, com cores diferentes. Observe que
facilmente as linhas se entrelaçam, comportando-se como uma grande massa interconectada

4
O índice de fluidez (melt flow index, MFI) é um parâmetro amplamente adotado pela indústria petroquímica
para diferenciar os vários grades produzidos. Expresso em g/10min, o MFI é uma medida do escoamento do
polímero fundido através de um capilar em temperatura e pressão pré-estabelecidos. Quanto maior a massa
molar, menor o índice de fluidez. Um exemplo de procedimento pode ser visualizado nesse link.
53
2 – Conceito e estruturas básicas Marcelo Silveira Rabello

mecanicamente. Compare essa situação com o mesmo tipo de linha, mas com os fios cortados em
pequenos comprimentos, digamos 10cm. Nessa última situação o nível de inter-dependência é muito
menor, resultando em menos coesão mecânica – assim como ocorre com as moléculas poliméricas.

Transição vítrea. Os exemplos comparativos citados na seção 2.5 podem ser observados pelas técnicas
de DSC, TMA ou DMA. Uma maneira mais simples, e sem o rigor científico, pode ser realizado pelo
aquecimento de uma amostra em uma placa, observando-se, com a ajuda de um termômetro
infravermelho, a faixa de temperatura em que o material deixa de ser vítreo/rígido e passa a
borrachaso/flexível. Esse último procedimento é mais recomendado para polímeros totalmente
amorfos, onde essa transição térmica é mais evidente.

Sugestões para estudo complementar

Akcelrud, L. 2007. Fundamentos da ciência dos polímeros (Manole: São Paulo).

Billmeyer, F.W. 1984. Textbook of Polymer Science (Wiley: New York).

Canevarolo Jr., S.V. 2010. Ciência dos Polímeros (Artliber: São Paulo).

Elias, Hans-Georg. 1987. Mega Molecules (Springer: Berlin).

Gedde, U. W. 1995. Polymer Physics (Chapman & Hall: London).

Rudin, A. 2014. Ciência e Engenharia de Polímeros (Elsevier: São Paulo).

Tager, A. 1978. Physical Chemistry of Polymers (Mir Publishers: Moscow).

Referências
Ahmed, D.; Hongpeng, Z.; Haijuan, K.; Liu Jing; Yu, M. 2014. 'Microstructural developments of poly (p-
phenylene terephthalamide) fibers during heat treatment process: a review', Mat.Res., 17.

Auhl, D., J. Ramirez, A. E. Likhtman, P. Chambon, and C. Fernyhough. 2008. 'Linear and nonlinear shear
flow behavior of monodisperse polyisoprene melts with a large range of molecular
weights', Journal of Rheology, 52: 801-35.

Billmeyer, F.W. 1984. Textbook of Polymer Science (Wiley: New York).

Birley, A. W., B. Haworth, and J. Batchelor. 1992. Physics of Plastics (Hanser: Munich).

Biron, M. 2014. Thermosets and Composites (Elsevier: Oxford).

54
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Bower, D. I. 2002. An Introduction to Polymer Physics (Cambridge University Press: New York).

Curtis, J. W. 1970. 'The effect of pre-orientation on the fracture properties of glassy polymers', Journal
of Physics D: Applied Physics, 3: 1413-22.

Elias, Hans-Georg. 1987. Mega Molecules (Springer: Berlin).

Gedde, U. W. 1995. Polymer Physics (Chapman & Hall: London).

Gursel, Ali, Enes Akca, and Nuri Sen. 2018. 'A Review on Devulcanization of Waste Tire Rubber',
Periodicals of Engineering and Natural Sciences, 6: 154-60.

La Rosa, A. D., I. Blanco, D. R. Banatao, S. J. Pastine, A. Bjorklund, and G. Cicala. 2018. 'Innovative
Chemical Process for Recycling Thermosets Cured with Recyclamines (R) by Converting
Bio-Epoxy Composites in Reusable Thermoplastic-An LCA Study', Materials, 11.

Martin, T. A., and D. M. Young. 2003. 'Correlation of the glass transition temperature of plasticized PVC
using a lattice fluid model', Polymer, 44: 4747-54.

Razavi-Nouri, M., and J. N. Hay. 2004. 'Effect of orientation on mechanical properties of metallocene
polyethylenes', Iranian Polymer Journal, 13: 521-30.

Sabzekar, Malihe, Mahdi Pourafshari Chenar, Seyed Mohammadmahdi Mortazavi, Majid Kariminejad,
Said Asadi, and Gholamhossein Zohuri. 2015. 'Influence of process variables on chemical
devulcanization of sulfur-cured natural rubber', Polymer Degradation and Stability, 118:
88-95.

55
Os elastômeros têm as suas aplicações viabilizadas pela formação de reticulações químicas entre as cadeias, o
que confere elasticidade. Isso ocorre durante a etapa de conformação e torna o produto de difícil reciclagem. No
entanto, existe um outro tipo de elastômero que não possui ligações químicas cruzadas – a chamada borracha
termoplástica (TR), cujo principal exemplo é o copolímero em blocos SBS – à base de estireno e butadieno. No
SBS os blocos de PS formam domínios que atuam como “reticulações físicas” e a sua temperatura limite de uso é
a própria Tg do PS. Além de um processamento muito mais rápido do que o da borracha tradicional, a TR também
pode ser facilmente reciclada. Possui inúmeras aplicações, incluindo solados e demais componentes de tênis e
calçados, como na foto acima.

Capítulo 3

Estados físicos e transições


A variedade de estruturas químicas e moleculares torna a classe de materiais poliméricos bastante diversificada
em termos de estruturas físicas. Existem polímeros amorfos e semicristalinos, que sofrem transformações
relevantes em função da temperatura. Temperaturas características como Tg e Tm, e Tf serão abordados neste
capítulo, com discussões sobre as consequências para as propriedades e aplicações dos polímeros.
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Dos conceitos básicos de química, é sabido que são três os estados físicos da matéria: sólido,
líquido e gasoso, que diferem, essencialmente, no estado de agregação dos átomos e moléculas. Em
polímeros, devido às especificidades de sua estrutura macromolecular e comportamento geral, esse
conceito será ampliado e subdivido em transições que ocorrem em polímeros amorfos e nas fases
cristalinas.

3.1. Transições em polímeros amorfos

Dependendo da temperatura, os polímeros amorfos não reticulados podem existir em três


estados de agregação: vítreo, borrachoso ou fluidoviscoso.

O estado vítreo e a transição vítrea.

O estado vítreo é caracterizado pelo movimento vibracional dos átomos sem movimento dos
segmentos ou da cadeia como um todo. Nessa situação, as regiões amorfas não possuem mobilidade
suficiente para superar a barreira de energia para rotações moleculares (ver
seção 2.4), permanecendo em um estado “congelado”. Como consequência,
o produto é rígido e frágil1, sendo semelhante ao vidro (vítreo). Ao aquecer
um polímero no estado vítreo, os átomos adquirem movimentação Tg é a
progressiva até atingir o nível de energia em que é possível haver rotações propriedade
isolada mais
nas ligações covalentes da cadeia principal. Isso ocorre na faixa de importante de
temperatura denominada transição vítrea, sendo a temperatura de transição um polímero.

vítrea (Tg) uma das mais importantes propriedades intrínsecas de um


material polimérico. Propriedades de engenharia como módulo elástico,
resistência tênsil e ao impacto, coeficiente de expansão térmica e outras são
bastante diferentes acima e abaixo da Tg. As características dessa transição térmica e os fatores que
afetam foram abordadas com maiores detalhes no capítulo 2.

1
Existe uma situação especial em que o polímero, mesmo no estado vítreo, apresenta alta ductilidade. Isso é
devido às transições vítreas secundárias e será abordado no capítulo 6.
57
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

Os estados borrachoso e fluidoviscoso

Ao adquirir mobilidade suficiente para possibilitar rotações moleculares com alterações


frequentes das conformações trans-gauche, as moléculas poliméricas das regiões amorfas passam a
exibir comportamento borrachoso, com alta ductilidade e deformações reversíveis. Esse estado requer
mais energia e maior volume livre para a movimentação segmental. Conforme a representação
esquemática da Figura 3.1, ao ultrapassar Tg, o volume livre torna-se progressivamente mais
significativo, permitindo a movimentação intensa das moléculas poliméricas. A natureza elastomérica
no estado borrachoso é consequência combinada dos grandes tamanhos das cadeias e da formação de
novelos e emaranhados moleculares. Acima da Tg, o aumento da temperatura confere cada vez mais
mobilidade molecular, tanto pela maior energia envolvida quanto pelo maior volume livre disponível.

Figura 3.1. Dependência do volume específico com a temperatura em um polímero amorfo. Como
ocorre com todo tipo de material, o aquecimento provoca dilatação mas, nos polímeros, ocorre uma
descontinuidade de comportamento na faixa da transição vítrea. A propósito, esse é um dos métodos
para determinação a Tg.

A partir de certa temperatura, o polímero passa a exibir um comportamento de líquido e não


mais de borracha. Como esse “líquido” geralmente apresenta altíssima viscosidade, não convém
associa-lo a um líquido convencional, adotando-se o termo fluidoviscoso para caracterizar um estado
acima da Tg em que o polímero deixa de exibir comportamento borrachoso e passa a escoar como um
líquido de alta viscosidade. A temperatura em que isso ocorre é a temperatura de fluxo (Tf). Ao
contrário da Tg, que depende quase exclusivamente da estrutura química da unidade repetitiva, a T f é
fortemente dependente dos tamanhos moleculares, ou seja, da massa molar. Quanto maior a massa

58
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

molar, maior a densidade dos emaranhados e, como consequência, maior deverá ser o volume livre
para que os emaranhados reduzam a sua influência e permitam o escoamento do material. Como um
elevado volume livre requer maiores temperaturas (Figura 3.1), a temperatura de fluxo é sempre maior
para massas molares mais elevadas2. Uma representação esquemática das estruturas
macromoleculares em diferentes faixas de temperatura está mostrada na Figura 3.2. Note que em
temperaturas mais elevadas o espaçamento entre as cadeias é maior, reduzindo a densidade de
emaranhados moleculares e, assim, permitindo o fluxo viscoso.

T<Tg Tg<T<Tf T>Tf


Figura 3.2. Representação esquemática (elaborada pelo autor) das estruturas macromoleculares em
diferentes faixas de temperatura. Note que o volume livre é progressivamente maior com o
temperatura e, acima de Tf, os emaranhados moleculares exercem uma menor influência.

A Figura 3.3 ilustra as curvas termomecânicas (testes em que a deformação é medida em


função da temperatura, com aplicação de uma tensão constante) de um mesmo polímero com
diferentes massas molares. Os grades de baixas massas molares (M1 e M2) existem apenas nos
estados vítreo e fluidoviscoso, indicando uma única transição nas curvas, que se caracteriza por um
grande aumento na deformação ao passar do estado vítreo para o fluido.
Ou seja, a transição vítrea coincide com a temperatura de fluxo, sem exibir
a condição borrachosa. Com massa molar mais elevada (M3), ocorre a
Tf é fortemente separação entre essas duas transições, com o desenvolvimento de platô
dependente do
tamanho borrachoso, que se torna mais largo (ou seja, maior diferença entre T f e Tg)
molecular. para grades de massas molares mais elevadas. Note que o aumento da
massa molar deixa de influenciar na transição vítrea, mas a temperatura de
fluxo é sempre crescente. A massa molar em que a transição se divide em
Tg e Tf depende da flexibilidade da cadeia; polímeros com cadeias mais
rígidas apresentam essa separação com massas molares mais elevadas. Por exemplo, no
poli(isobutileno) isso ocorre com massa molar ~1.000g/mol, enquanto que no poliestireno ocorre com

2
Na verdade, as questões que envolvem as deformações e fluxos dos polímeros no estado fundido são muito
mais complexas do que simplesmente uma definição de Tf e fogem do escopo deste livro. Isso é tratado em uma
ciência chamada de reologia, assunto extremamente importante para o projeto de roscas, moldes e matrizes,
detalhes construtivos de maquinário e até mesmo para a otimização do processamento.
59
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

~40.000g/mol (Tager 1978). Ressaltamos que os grades comerciais, em geral, são produzidos em faixas
de massas molares que a dependência da T g com a massa molar não é muito perceptível (conforme
mostrado na Figura 2.13).

Figura 3.3. Curvas termomecânicas de uma séria homóloga de polímeros com massas molares
crescentes – M1<M2<M3<M4<M5 (Tager 1978). A partir de uma certa massa molar observa-se um
platô borrachaso, que se torna mais amplo para tamanhos moleculares maiores.

A decomposição térmica

Enquanto a Tg tem uma importância crucial nas temperaturas limites de uso dos polímeros
amorfos, o valor da Tf é de grande importância para a produção industrial uma vez que, em geral, é a
temperatura mínima de processamento. Isso é verdade para a grande maioria das técnicas, que
envolvem escoamento da massa fundida, como extrusão, injeção, sopro, etc. Temperaturas elevadas
de processamento têm influência em diversos aspectos relevantes, incluindo a possibilidade de
decomposição do polímero e/ou de seus aditivos, consumo de energia, desgaste do maquinário, etc.
Desses aspectos mencionados, o principal a ser considerado é a decomposição do polímero. A
temperatura de decomposição (Tdec), portanto, assume uma importância crítica pois é a temperatura
limite superior para o processamento. Essa temperatura depende fundamentalmente da intensidade
das ligações químicas primárias na cadeia principal e grupos laterais, mas pouco influenciada pela
massa molar. Não é objetivo deste livro detalhar esse tópico, que se refere à química de degradação
térmica dos polímeros, mas, a título de ilustração, pode-se exemplificar os casos a seguir3:

3
Esses dados referem-se às temperaturas de decomposição na ausência de oxigênio. Quando o oxigênio estiver
presente, tem-se reações oxidativas, que reduzem consideravelmente as temperaturas de início de
60
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

• Polietileno de alta densidade. Possui apenas átomos de carbono na cadeia


principal, com elevada energia de dissociação. Existe simetria na estrutura química
da unidade repetitiva, com átomos de hidrogênio nas demais posições, o que não
gera desbalanceamento de cargas elétricas. O resultado é uma temperatura de
decomposição elevada, de cerca de 400°C.
• Polipropileno. Assim como o PEAD, possui apenas átomos de carbono na cadeia principal, mas a
estrutura química não é simétrica. O grupo substituinte metil provoca um
desbalanceamento energético no carbono terciário, reduzindo a energia de
dissociação da ligação C-H (indicado pela seta na imagem ao lado). Quando
ocorre essa cisão, os radicais livres formados provocam uma série de reações
subsequentes que levam à degradação térmica do material. Comparativamente ao PEAD, a
temperatura de decomposição é mais baixa, de cerca de 360°C.
• Poliamida 6. Por possuir heteroátomos na cadeia principal, com
O
energia de dissociação mais baixa do que as ligações C-C, as poliamidas
NH C (CH2)5
apresentam menor temperatura de decomposição do que as
poliolefinas. No caso da poliamida 6, é ~300°C.

Em virtude da decomposição térmica, não existem polímeros no estado gasoso. As elevadas


massas molares iriam requerer uma grande quantidade de energia para possibilitar os movimentos
translacionais característicos dos gases – o que seria suficiente para provocar a ruptura das ligações
covalentes da cadeia principal e, portanto, a decomposição molecular.

Implicações e influências nas transições dos polímeros amorfos

Os estados físicos e transições térmicas dos polímeros amorfos podem ser visualizados pelo
esquema da Figura 3.4. Em temperaturas abaixo da Tg, o material é vítreo, com características como
alta rigidez e fragilidade. Acima da Tg (e abaixo da Tf), as moléculas adquirem mobilidade, o que
caracteriza o estado borrachoso, com elevada flexibilidade, grandes deformações reversíveis, maciez e
baixa dureza. Acima da Tf existe condição propícia para grandes deformações permanentes e
escoamento molecular, sendo a temperatura mínima para o processamento. A partir da temperatura
de decomposição, o material deixa de ser polimérico devido à intensa degradação, gerando
substâncias de baixa massa molar e gases como produtos da degradação térmica. A figura abaixo,
assim como as subsequentes, é apenas esquemática, no sentido em que as transições ocorrem em
faixas de temperaturas e não em temperaturas discretas.

decomposição dos polímeros. Além disso, a degradação térmica também é fortemente influenciada por outros
fatores, como impurezas químicas na cadeia do polímero, aditivos e contaminações diversas.
61
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

vidro borracha fluidoviscoso (decomposição)

Tg Tf Tdec

Temperatura
Figura 3.4. Representação esquemática dos estados físicos dos polímeros amorfos e suas temperaturas
de transição características. As áreas hachuradas ilustram as regiões em que as transições ocorrem,
mas a magnitude dessas regiões depende do tipo de polímero, grade e outros fatores.

Como a transição vítrea influenciou na explosão da Challenger

Um dos casos mais trágicos na história da tecnologia foi a explosão do ônibus espacial Challenger,
ocorrido em 28/01/1986. 76 segundos após a decolagem, a nave explodiu, levando 7 tripulantes a
óbito, incluindo uma professora, não astronauta. A causa mais provável para essa explosão está
relacionada com um anel de vedação de borracha (o-ring), que faz parte da junção dos módulos dos
foguetes propulsores. Na baixa temperatura ambiente no momento do lançamento, os ventos
sopravam em uma determinada direção que atingiam o tanque externo refrigerado (ver setas
ilustrativas em uma das imagens acima) e levaram ao resfriamento acentuado do anel de vedação. Em
baixa temperatura (relativamente próxima a Tg), a expansão da borracha foi insuficiente para a
vedação apropriada (ver Figura 3.1) e, como consequência, houve vazamento dos gases combustíveis
em um dos foguetes propulsores, provocando ignição e consequente explosão do sistema. Uma
reportagem completa sobre esse acidente pode ser assistida aqui.

Destaque-se a importância dessas transições para a definição dos limites de comportamento


do material polimérico. Caso o polímero amorfo seja utilizado como uma borracha, a temperatura
mínima de uso será a Tg, mas destacando-se sempre que a transição vítrea ocorre em uma faixa de
temperaturas. Com a redução da temperatura, seja pelas condições ambientais ou pela operação de
um equipamento em que envolve refrigeração, o elastômero reduz progressivamente a sua
flexibilidade e isso pode, eventualmente, comprometer as suas características de borracha. O quadro
apresentado acima exemplifica essa situação, em que a redução da temperatura do ambiente, e
62
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

consequente enrijecimento de anéis de vedação de borracha, foi considerada a origem da falha que
levou à explosão da nave espacial Challenger em 1986. Por outro lado, se a utilização do produto for
como um plástico rígido, a temperatura máxima de uso será a T g, uma vez que, acima dela, haverá
grande redução na dureza e rigidez. Esse é o caso, por exemplo,
de polímeros comerciais como o poliestireno, PMMA, PVC não
plastificado, policarbonato, copolímero SAN, etc. A imagem ao
lado mostra uma estrutura de coberta utilizando placas de
policarbonato, em substituição a placas de vidro. A rigidez,
tenacidade e alta transparência são propriedades relevantes
para essa aplicação. Como a Tg do PC é elevada (~145°C), não
existe risco de amolecimento ou distorção do produto devido à temperatura ambiental.

As temperaturas em que ocorrem as mudanças de estado físico podem ser influenciadas por
diversos fatores, como a massa molar (Figura 3.5) e presença de reticulações (Figura 3.6), além da
própria estrutura química da unidade repetitiva, claro. Na representação esquemática da Figura 3.5
observa-se que quanto mais elevada for a massa molar, maiores serão as temperaturas de fluxo,
enquanto as temperaturas de transição vítrea e de decomposição têm pouca alteração. O efeito da
massa molar na Tg foi comentado no capítulo 2, ocorrendo uma certa independência entre massa
molar e Tg a partir de valores relativamente baixos de tamanhos moleculares (Figura 2.13). A
temperatura de decomposição, conforme comentado anteriormente, é dependente das energias de
ligação intramoleculares, sendo, portanto, pouco influenciada pelo tamanho da cadeia.

vidro fluidoviscoso (decomposição)

Tg ,Tf Tdec
Maior massa molar

vidro borracha fluidoviscoso (decomposição)

Tg Tf Tdec

vidro borracha fluidoviscoso (decomposição)

Tg Tf Tdec

vidro borracha fluidoviscoso


(decomposição)

Tg Tf Tdec

vidro borracha fluido-


viscoso (decomposição)

Tg Tf Tdec

Temperatura

Figura 3.5. Influência da massa molar nas transições térmicas de um polímero amorfo. As temperaturas
de transição vítrea e de decomposição são pouco afetadas pela massa molar, enquanto que a
temperatura de fluxo apresenta forte dependência, pelo efeito dos emaranhados moleculares.

63
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

A maior influência na Figura 3.5 é para a temperatura de fluxo, que é fortemente dependente
do tamanho das cadeias e dos consequentes emaranhados moleculares. Nota-se na ilustração que a
faixa de comportamento borrachoso (Tf–Tg) é ampliada com o aumento da massa molar, mas a
diferença entre a temperatura de decomposição e de fluxo é reduzida. Embora o primeiro efeito possa,
a princípio, ser importante na aplicação do polímero amorfo como elastômero, na prática não é tão
relevante pois os elastômeros, em geral, são reticulados 4, o que elimina a temperatura de fluxo (Figura
3.6). O segundo efeito, redução na diferença Tdec—Tf, tem uma grande
importância prática pois é nessa faixa de temperaturas que o
processamento deve ser realizado – abaixo de Tf o fluxo viscoso é restrito e
acima de Tdec a degradação térmica é intensa. Essa faixa de temperaturas
está relacionada com a chamada “janela de processamento” e, sendo Muita atenção com
a “janela de
muito estreita, reduz bastante a processabilidade do material. Nesse
processamento”!
aspecto, é preciso buscar uma relação de compromisso, uma vez que
massas molares mais elevadas resultam em produtos com melhores
propriedades mecânicas, mas com processamento menos favorável –
tanto pela maior viscosidade no estado fundido quanto pela janela de
processamento mais estreita.

Existem alguns processos em que a conformação ocorre com o polímero no estado borrachoso,
como é o caso da termoformagem, em que uma chapa é aquecida entre a Tg e a Tf do polímero e é
aplicado ar comprimido ou vácuo contra um molde. Essa chapa pode ser produzida por extrusão ou
por polimerização in situ (também chamado casting). No primeiro caso, utilizado para diversos tipos de
polímeros como poliestireno, ABS, policarbonato e PET, o processo de extrusão também requer uma
larga janela de processamento e, assim, a alta massa molar poderá ser um fator limitador. No caso de
chapas produzidas por polimerização in situ, como ocorre com o PMMA, não se requer fluxo viscoso
em nenhuma fase do processo e, como consequência, uma alta temperatura de fluxo é
benéfica para que a chapa aquecida mantenha a sua consistência durante a conformação.
O processo de termoformagem pode ser visualizado neste link.

4
Uma exceção importante é a “borracha termoplástica”, à base de copolímeros em blocos, que será abordada
posteriormente, neste capítulo.
64
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Como já mencionado, os polímeros amorfos podem ser utilizados como plásticos rígidos ou
como borrachas. No último caso, é quase sempre
necessário a incorporação de reticulações químicas
(“ligações cruzadas”) para conferir as propriedades
elastoméricas. No esporte (radical!) bungee jumping
da imagem ao lado, a resistência e elasticidade da
borracha são exigidas ao extremo e são alcançáveis
pela presença das reticulações, possibilitando
deformações controladas de 350-400% durante o
esforço mecânico do salto. Caso esse esporte fosse
praticado em locais com temperaturas muito baixas (tipo, 40°C negativos), o polímero poderia estar
muito próximo da Tg e, assim, seu comportamento elastomérico ser comprometido, com sérios riscos
para o praticante.

As reticulações são introduzidas durante o processamento e têm efeito direto nas


propriedades mecânicas, químicas e transições térmicas. A Figura 3.6 ilustra essa última influência em
comparação com o polímero base (não reticulado). Inicialmente, note-se que a presença de
reticulações químicas eleva o valor da Tg, devido ao ancoramento das macromoléculas, o que requer
mais energia para as rotações moleculares, conforme já abordado no Capítulo 2. A temperatura de
decomposição, que depende fundamentalmente das ligações intramoleculares, tem pouca alteração
com as reticulações e, como consequência, a Tg tende a se aproximar da Tdec. Isso indica que a faixa de
comportamento borrachoso é progressivamente reduzida até uma situação extrema em que o material
possa estar tão densamente reticulado que a sua transição vítrea não é mais perceptível. Isso ocorre
com os polímeros termofixos, como fenólicos, melamínicos, epoxídicos, etc. A propósito, a alta
estabilidade dimensional em temperaturas elevadas é a principal vantagem dos termofixos
densamente reticulados. Observa-se também na Figura 3.6 que, se o grau de reticulação for muito
baixo, ainda pode haver o estado fluidoviscoso (que ocorre a partir de temperaturas mais elevadas)
mas, com a progressão das ligações cruzadas, o material deixa de fluir, caracterizando o
comportamento termofixo propriamente dito.

65
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

Figura 3.6. Influência de reticulações nas transições térmicas de um polímero amorfo.

Um caso especial de comportamento ocorre em sistemas heterofásicos, como blendas


imiscíveis, copolímeros em blocos ou do tipo enxerto, em que, pelo fato de as fases serem imiscíveis,
têm-se as transições vítreas individuais preservadas. O esquema da Figura 3.7 ilustra o caso de
copolímeros em blocos ou do tipo enxerto constituídos de estireno e butadieno. Se a fase vítrea de PS
for predominante, a fase elastomérica funciona como modificador de impacto e o produto é utilizado
como plástico rígido e tenaz na faixa de temperaturas entre as T g´s individuais. Esse tema será
abordado no capítulo 6. Em uma outra situação, esses monômeros podem ser combinados na forma
de blocos com predominância da fase elastomérica. Nesse caso, se tem o copolímero SBS, em que a
fase vítrea de poliestireno restringe a movimentação da fase borrachosa, funcionando como uma
espécie de “reticulação física” – daí esse tipo de copolímero ser chamado de “borracha termoplástica”
sendo, novamente, utilizado entre as duas Tg´s dos componentes individuais. Esse sistema heterofásico
apresentará uma única temperatura de fluxo, diretamente relacionada com a massa molar do
copolímero, e uma única temperatura de decomposição, dependente das ligações intramoleculares da
fase mais instável.

vidro (PS) +
vidro (PB) + vidro (PS) borracha (PB + PS) fluidoviscoso
borracha (PB) (decomposição)

Tg(PB) Tg(PS) Tf Tdec


Temperatura
Figura 3.7. Estados físicos e transições térmicas características em sistema heterofásico constituído de
poliestireno (PS) e polibutadieno (PB).

66
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

O termoplástico mais usual pode ser também termofixo!

É fato comum que o polietileno é um dos principais polímeros utilizados pela indústria, nos mais
variados campos de aplicação. Além do baixo custo e bom balanço de propriedades, o PE tem
vantagens competitivas como excelente processabilidade, boas propriedades dielétricas e elevada
resistência química. No entanto, um fator limitante, principalmente nas aplicações críticas das
indústrias elétrica e química, é a sua baixa resistência ao calor. Tanques de armazenagem de
produtos químicos, tubos para transporte de fluidos quentes e isolamento de cabos de alta tensão
são exemplos de aplicações em que a baixa estabilidade ao calor limita o seu uso. A opção adotada
pela indústria foi o da reticulação do polietileno. Mesmo de natureza termoplástica, esse material
pode ser reticulado com radiação de alta energia ou com agentes químicos como peróxidos
orgânicos e silanos. No uso de agentes químicos, a reação ocorre durante (e logo após) o
processamento, envolvendo a abstração de hidrogênio da cadeia principal e consequente
acoplamento dos radicais livres (ver esquema acima). Detalhes desse tipo de aditivo podem ser
obtidos no livro Aditivação de Termoplásticos (Rabello and de Paoli 2013). Este vídeo mostra que a
produção de tubos de PE reticulado segue o mesmo princípio da extrusão convencional, mas existe
a necessidade de unidades térmicas pós extrusão para que as reações de reticulação se consolidem.

3.2. Transições em polímeros semicristalinos

Os materiais podem existir nos estados amorfo, semicristalino ou cristalino, dependendo do


seu grau de cristalinidade – a fração de material cristalizado em um produto ou corpo de prova. Por
definição, um material cristalino é aquele que apresenta ordem a longas distâncias, constituído de
elementos estruturais que se repetem em todas as direções. Ao contrário, um material amorfo não

67
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

apresenta arranjo espacial definido e regular5. Os polímeros, devido às grandes dimensões de suas
moléculas e os consequentes emaranhados moleculares, têm dificuldade em cristalizar, não atingindo,
em condições normais, a cristalização total. Nessa classe de materiais, portanto, pode-se considerar
que podem existir apenas no estado amorfo ou semicristalino.

Os polímeros semicristalinos possuem 2 fases, com suas transições térmicas características – a


fase amorfa, desordenada, e a fase cristalina, com ordem a longas distâncias. As características desse
estado ordenado com as especificidades da estrutura macromolecular serão descritas no capítulo 4,
enquanto no capítulo 5 os mecanismos e cinética de cristalização serão abordados. Neste momento
faremos apenas uma breve consideração sobre as implicações da coexistência dessas duas fases em
determinados tipos de materiais poliméricos.

Como consequência da estrutura macromolecular, uma mesma molécula faz parte de fases
amorfas e cristalinas e, portanto, as duas fases não se dissociam fisicamente, mas podem ser,
didaticamente, consideradas como fases de comportamentos independentes. A fase amorfa possui a
temperatura de transição vítrea como temperatura característica de
transformação do estado vítreo para borrachoso – da mesma forma que
ocorre com os polímeros amorfos. A fase cristalina tem como temperatura
de transição relevante a temperatura de fusão (Tm), que corresponde à
Polímeros
destruição dos cristais existentes. Sendo a temperatura de fusão uma totalmente
amorfos não
transição relacionada com a fase cristalina, um polímero amorfo não possuem Tm.
possui Tm, assim como um (eventual) polímero 100% cristalino, não possui
Tg (por ser uma transição das fases amorfas). Como nos cristais o
empacotamento molecular é maior, os segmentos moleculares estão mais
próximos entre si, o que eleva a intensidade das forças intermoleculares
(interação é inversamente proporcional à distância, como em um imã) e, consequentemente, Tm é
sempre maior do que Tg.

Essencialmente, os mesmos fatores que afetam a T g influenciam na Tm, com a mesma


tendência6, embora não necessariamente na mesma proporção. Assim, polímeros mais polares e com
grupos mais volumosos terão maior Tm quando comparado a polímeros de baixa polaridade e com

5
A definição de um material amorfo como aquele que não possui ordem estrutural a longas distâncias é a mais
clássica e simplista. Investigações realizadas por técnicas como difração de elétrons, aliadas a teorias diversas,
têm encontrado elementos suficientes para considerar a existência de ordem a curtas distâncias em materiais,
incluindo os polímeros, tido como amorfos (Arrighi et al. 2004; Mills, Jenkins, and Kukureka 1994). Embora essas
teorias possam ter importância do ponto de vista científico, aparentemente, apresentam pouca influência prática
nas propriedades finais dos polímeros. Por essa razão, essa abordagem não será adotada no presente livro.

6
Uma exceção importante a essa tendência é o caso comparativo do polietileno de baixa densidade (PEBD) com
o polietileno de alta densidade (PEAD). Apesar de possuir maior Tg, o PEBD possui Tm menor do que a do PEAD.
Esse caso será discutido em detalhes na seção 4.2.1.
68
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

maior flexibilidade na cadeia principal ou lateral. A Tabela 3.1 e a Figura 3.8 exemplificam alguns casos
de polímeros usuais.

Tabela 3.1. Tg e Tm de alguns polímeros comerciais. Dados compilados de várias fontes.

Polímero Estrutura química Tg (°C) Tm (°C)

PEAD CH2 CH2 -150 135

PP CH2 CH
-10 165
CH3

CH2 CH

PS isotático1 100 240

PET O C C O CH2 CH2 70 260


O O

Poli(etileno O C (CH2)4 C O CH2 CH2


-50 45
adipato (PEA) O O
(1) O poliestireno comercial possui configuração atática e, sendo amorfo, não apresenta Tm.

Figura 3.8. Tg e Tm de alguns polímeros comerciais. Dados compilados de várias fontes.

69
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

Implicações e influências nas transições dos polímeros semicristalinos

A Figura 3.9 mostra esquematicamente os estados físicos e as transições térmicas


características de um polímero semicristalino. A fase cristalina, por ter maior empacotamento atômico,
será sempre rígida, enquanto que a fase amorfa será rígida ou flexível dependendo da temperatura.
Abaixo da Tg a fase amorfa é vítrea que, juntamente com a rigidez dos cristais, torna o polímero
semicristalino rígido e frágil nessa faixa de temperaturas. Acima da Tg as
fases amorfas se tornam borrachosas e isso confere ductilidade ao
O grau de material. Entre Tg e Tm o polímero semicristalino possui o melhor balanço
cristalinidade é
altamente de propriedades entre rigidez e tenacidade. Nessa faixa de temperaturas
relevante para os
as propriedades possuem uma forte dependência com o grau de
polímeros
semicristalinos. cristalinidade; quanto maior esse parâmetro, maiores serão a dureza, o
módulo elástico e a resistência à tração, em detrimento de uma menor
tenacidade. Acima da Tm os cristais são destruídos e o polímero se torna
borrachoso e, posteriormente, fluidoviscoso. Para um polímero cristalino, em geral, a temperatura
máxima de uso é a Tm7, enquanto a Tf e a Tdec permanecem como as temperaturas mínima e máxima de
processamento, respectivamente.

vidro + cristal borracha + cristal borracha fluidoviscoso (decomposição)

Tg Tm Tf Tdec
Temperatura
Figura 3.9. Estados físicos e transições térmicas em um polímero semicristalino.

Quando se alia um elevado grau de cristalinidade


com uma temperatura vítrea baixa, se obtém um
excelente balanço de propriedades, potencializando
tanto a rigidez quanto a tenacidade. Um exemplo
clássico é o poli(oxido de metileno), também conhecido
como poliacetal. Esse material geralmente atinge alta
cristalinidade nas condições usuais de processamento e,
por possuir uma Tg abaixo da temperatura ambiente (~-60°C) suas regiões amorfas são borrachosas,

7
Além da Tm, outros parâmetros foram adotados pela indústria como referência para o limite superior de uso de
um material plástico. São as temperaturas de amolecimento Vicat e a temperatura de deflexão térmica, que
serão tratadas na seção 5.3.3.
70
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

garantindo uma alta resistência ao impacto. Trata-se de um material nobre, usado em aplicações
importantes de engenharia.

Assim como a Tg, a temperatura de fusão tem pouca influência da massa molar (o
comportamento é semelhante ao mostrado na Figura 2.13) pois é muito mais dependente de fatores
como polaridade e rigidez dos grupos químicos presentes. O efeito da massa molar nos estados físicos
e transições dos polímeros semicristalinos está mostrado esquematicamente na Figura 3.10. As
temperaturas de transição vítrea, de fusão e de decomposição sofrem pouca influência, enquanto que
a temperatura de fluxo é mais afetada. Novamente, massas molares mais elevadas resultam em
maiores valores de temperatura de fluxo, se aproximando da temperatura de decomposição. Por outro
lado, caso a massa molar seja suficientemente baixa o material pode apresentar comportamento
fluidoviscoso logo acima da fusão. Isso, de fato, ocorre em alguns grades comerciais de polímeros
semicristalinos e polares como o PET, PBT e poliamidas.

vidro + cristal borracha + cristal fluidoviscoso (decomposição)

Tg Tm,Tf Tdec
Maior massa molar

vidro + cristal borracha + cristal borracha fluidoviscoso (decomposição)

Tg Tm Tf Tdec

vidro + cristal borracha + cristal borracha fluidoviscoso (decomposição)

Tg Tm Tf Tdec

vidro + cristal borracha + cristal borracha fluido


viscoso (decomposição)

Tg Tm Tf Tdec

Temperatura
Figura 3.10. Representação esquemática do efeito da massa molar nos estados físicos e transições
térmicas de um polímero semicristalino.

Uma outra ilustração do efeito da massa molar em polímeros está mostrada na Figura 3.11 em
que se observa que para baixos tamanhos de cadeia o material pode cristalizar completamente e
adquire condição fluida de um líquido convencional. Para cadeias maiores, como nos polímeros, a
cristalização já não é completa e a fusão ocorre em uma faixa de temperaturas (isso será tratado com
mais detalhes na seção 5.6.1). Nessas situações, acima da Tm, o material pode estar no estado
fluidoviscoso ou borrachoso, a depender da massa molar.

71
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

Figura 3.11. Ilustração do efeito da massa molar na temperatura de fusão e no estado viscoso. Fonte:
adaptado de (McCrum, Buckley, and Bucknall 1997).

Alguns polímeros serão sempre amorfos enquanto outros podem cristalizar a depender das
condições. Isso está relacionado com uma importante propriedade dos materiais poliméricos, a
cristalizabilidade e será abordado em detalhes no Capítulo 4. Por hora, cabe ilustrar algumas condições
em que os polímeros apresentam diferentes estados físicos e transições. A Figura 3.12(a) mostra
exemplos do que pode ocorrer durante o resfriamento de um polímero a partir do melt. Se um
polímero não cristalizável, como PS e PMMA, for resfriado até abaixo de sua T g (linha MG), obtém-se
um plástico vítreo – rígido e transparente. Por outro lado, se o material for cristalizável, duas situações
distintas podem ocorrer: (i) poliamidas e poliésteres, como o náilon 6 e o PET, são resfriados
rapidamente durante o processamento até abaixo de suas Tg´s, (que são relativamente elevadas) e,
como consequência, cristalizarão pouco (linha MC) ou não cristalizarão (linha MG); (ii) polímeros
muitos cristalizáveis e com baixo T g, como o polietileno, apresentam um comportamento seguindo a
linha MD. As diferentes composições possíveis estão ilustradas na Figura 3.12(b). A transição vítrea
(aresta MG) ocorre reversivelmente com o aquecimento/resfriamento. Pode existir uma situação
(ponto E) em que a fase vítrea coexiste com uma fase borrachosa, que seria o caso dos copolímeros em
blocos (como o SBS, já citado no capítulo anterior e na Figura 3.7). A aresta MX refere-se à transição
melt-cristal, que é reversível, mas envolve fenômenos diferentes – fusão no aquecimento e
cristalização no resfriamento. O ponto D representa um material semicristalino normal, enquanto E’
seria o caso dos polímeros líquidos cristalinos (LCP) 8, em que domínios cristalinos existem no melt
polimérico. Na aresta GX pode ainda haver uma transição relevante chamada de cristalização a frio,
em que um polímero vítreo pode cristalizar mediante aquecimento a partir do estado sólido, tema que
será apresentado na seção 5.4.

8
Ver o quadro explicativo sobre esses materiais na secção 4.4.5.
72
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 3.12. Estados físicos e transições em polímeros. (a) Relação com temperatura; (b) Diagrama de
composição. Ver explicações no texto. Fonte: adaptado de (Rodriguez 1984).

3.3. Os copolímeros e seus estados físicos e transições. Alguns exemplos

Uma das grandes vantagens na utilização de matérias primas à base de polímeros é a sua
ampla possibilidade de modificação para atingir propriedades específicas e, assim, atender aos
requisitos de projeto. De fato, a modificação de polímeros é atualmente um caminho muito mais viável
mercadologicamente do que a introdução de novos polímeros, a partir de novos monômeros.
Centenas, ou milhares, de novos polímeros são sintetizados e patenteados a cada ano, mas
pouquíssimos se tornam realidade comercial. É fácil entender porque isso ocorre:

A produção industrial de novos polímeros, a partir de novos monômeros, deve seguir um

1 rígido processo de aprovação por órgãos de controle governamental, envolvendo aspectos


ambientais, toxicológicos, etc.;

Os equipamentos de processamento, via de regra, são projetados visando a otimização de


produção de polímeros específicos, de acordo com as suas propriedades térmicas, reológicas,
2 etc. Uma extrusora projetada para polietileno, por exemplo, certamente não apresentará
uma produção otimizada caso se utilize o náilon. Da mesma forma, moldes de injeção são

73
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

projetados considerando as propriedades reológicas do polímero, curvas P-V-T9, etc. A substituição de


um polímero existente por um novo, poderá implicar em mudança no maquinário de produção,
envolvendo custos bastante significativos;

A produção de componentes requer todo um conhecimento adquirido ao longo do tempo


por parte de técnicos e engenheiros. Os diversos tipos de defeitos de produção são
3 resolvidos com base nessa experiência, assim como os sistemas de controle de qualidade
adotados. Novamente, a substituição de matérias-primas terá implicações nessa temática,
com treinamentos e, principalmente, a necessidade de adquirir experiência prática na solução de
problemas e na obtenção de produtos atendendo aos requisitos de qualidade;

Pode haver certa desconfiança por parte de clientes, distribuidores ou mesmo do

4 consumidor final com relação ao novo material. O “novo” sempre desperta reações
diversas; pode ser encarado como evolução/avanço, mas também como incerteza;

Por fim, mas talvez o mais importante, para um novo polímero conquistar mercado é
preciso “deslocar” polímeros já existentes, com seus conhecimentos consolidados e,
5 principalmente, com o mercado amadurecido. Um novo polímero, muito provavelmente,
irá ser sintetizado (a nível de petroquímica) em pequena escala e, como resultado, o
custo de produção tenderá a ser consideravelmente mais elevado do que aqueles produzidos em larga
escala. Nesse aspecto, tome-se o exemplo do PET: quando passou a ser utilizado em embalagens de
refrigerantes e águas, a produção industrial desse material aumentou exponencialmente e, mesmo
sendo um polímero de engenharia, possui atualmente preço competitivo com os commodities, como
polietileno e polipropileno. Do ponto de vista comercial, a tendência de preço bem mais elevado para
um novo polímero é muito forte, o que pode inviabilizar a sua inserção no mercado – a não ser que a
petroquímica subsidie parte do custo para facilitar a comercialização. Um outro entrave mercadológico
também relevante é a (provável) síntese desse novo polímero por uma única petroquímica, o que as
indústrias de processamento tendem a rejeitar pois, dessa forma, se reduz as possibilidades de
negociação e a própria disponibilidade de matéria-prima.

Somando-se os fatores acima, entende-se a dificuldade no surgimento de novos polímeros no


mercado, a não ser nos casos em que o novo material possua propriedades tão diferenciadas que
todas as barreiras justificam o seu uso. Como exemplo, têm-se os polímeros utilizados como

9
Relação pressão, volume e temperatura, em que as dimensões da ferramenta são projetadas (em geral com
software CAD) considerando as variações dimensionais do material em função das condições de processo para
atingir a dimensão final de um componente injetado.
74
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

biomateriais e aqueles de propriedades muito específicas como os condutores de eletricidade ou


piezoelétricos. Nos demais casos, a indústria tem adotado o procedimento da modificação de
polímeros já existentes, onde destacam-se a aditivação e a copolimerização. A aditivação, incluindo a
preparação de blendas e de compósitos, é uma rota mais rápida, mais versátil e, geralmente, mais
econômica do que a copolimerização. Como desvantagem, existe, em alguns casos, a possibilidade de
ocorrer migração de aditivos de baixa molar, o que pode causar efeitos toxicológicos em determinadas
situações. A versatilidade da aditivação é, sem dúvidas, um grande atrativo, pois permite, até mesmo a
nível de indústria de processamento, ajustar as propriedades desejadas em função do tipo e teor de
aditivos, sem depender de rotas químicas que ocorrem na polimerização de outros polímeros ou
grades.

Copolímeros são materiais poliméricos formados por mais de um tipo de monômero como, por
exemplo, na combinação do propileno com o etileno. O objetivo é a obtenção de um outro material
com propriedades diferenciadas – não atingidas pelos homopolímeros individuais. O copolímero
resultante pode ter diferentes arquiteturas: ao acaso, em blocos, alternados e enxertia, conforme
mostra ilustração da Figura 3.13. Esses tipos são definidos na copolimerização e depende de fatores
como a seletividade reativa, sistema catalítico e condições de síntese. Ao contrário da aditivação, que
possui grande versatilidade, a copolimerização é um procedimento da petroquímica e, portanto, não é
tão versátil. Caso seja necessário alterar a concentração ou o tipo de comonômero, é preciso realizar
uma nova polimerização, com todas as exigências do procedimento. Para se ter uma ideia
da complexidade de uma planta petroquímica, veja este vídeo.

AAAAAAAAAA
ABABABABAB AAAAAAABBBBBB ABBAABAABABB BB
BB
alternado em blocos aleatório BB
enxerto B

Figura 3.13. Tipos de copolímeros. A e B representam as unidades monoméricas.

Uma vez que a inserção de um comonômero altera a estrutura química do material, espera-se
que tenha grandes consequências para os estados físicos e transições. Para ilustrar esse tipo de efeito,
será utilizada a família de polímeros e copolímeros de estireno, butadieno e acrilonitrila (ver Figura
3.14).

75
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

CH2 CH
C N

Poliacrilonitrila

NB
R
N
SA

ABS

Poliestireno HIPS Polibutadieno


CH2 CH
SBR, SBS
CH2 CH CH CH2

Figura 3.14. Polímeros e copolímeros baseados em estireno, butadieno e acrilonitrila (ver descrição
completa no texto). Esquema elaborado pelo autor.

Poliestireno (PS). A partir da polimerização do estireno, o homopolímero é


produzido comercialmente apenas na sua configuração atática. Com
o grupo aromático volumoso na cadeia lateral, o PS tem uma Tg
relativamente elevada (~100°C) e, sendo amorfo, não possui Tm. Os
produtos de PS são rígidos e transparentes, mas apresentam baixa
resistência ao impacto. O PS é um polímero de baixo custo e fácil
processamento, sendo utilizado em aplicações diversas como utensílios
domésticos, brinquedos, descartáveis, caixas de CD´s, etc. Também é muito
utilizado na sua forma expandida, em que o Isopor® é a marca comercial mais
conhecida.

Poliacrilonitrila (PAN). A elevada polaridade da ligação CN resulta em Tg~100°C e Tm=320°C. Por


possuir uma temperatura de fusão tão elevada, muito próxima da temperatura de decomposição, a
PAN apresenta grande dificuldade de processamento pelas técnicas convencionais. Praticamente o
único uso desse homopolímero é na produção de fibras por fiação úmida para uso em sistemas que
necessitem elevada estabilidade ao calor, mas também tem a importante função como precursor na
produção de fibras de carbono (ver quadro a seguir). As chamadas fibras acrílicas são baseadas em

76
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

copolímeros de acrilonitrila com metil acrilato (ou outros comonômeros) e são amplamente utilizadas
em têxteis.

Polibutadieno (PB). O polibutadieno, ou borracha de butadieno (BR), é utilizado como elastômero,


principalmente na fabricação de pneus. O material é predominante
amorfo, visto que a estrutura resultante possui configurações aleatórias
das formas trans e cis. Sua baixa Tg (-80°C) indica que o PB pode ser
borrachoso ou fluido na temperatura ambiente, a depender da sua massa
molar. Em geral, é sintetizado com elevada massa molar e, portanto, é
borrachoso na temperatura ambiente, mas, para adquirir propriedades
elastoméricas e evitar a pegajosidade típica, o PB é vulcanizado durante o
processamento através da quebra das ligações duplas na cadeia principal e reação com enxofre ou
peróxidos – os agentes de reticulação mais comuns. A fabricação de pneus é um processo
bastante complexo e envolve inúmeros tipos de materiais, que pode ser visualizado neste
vídeo.

Copolímero estireno-acrilonitrila (SAN). Considerando que a baixa resistência ao impacto é a principal


deficiência do PS, a presença do comonômero de acrilonitrila visa reduzir a fragilidade, visto que os
grupos aromáticos ficam mais espaçados no copolímero, facilitando a deformação e, como
consequência, melhorando a tenacidade. Apresenta também melhor resistência
química e uma temperatura de amolecimento ligeiramente mais elevada. O SAN
é um copolímero do tipo aleatório e contem, em geral 15 a 30% de acrilonitrila.
Como a predominância é de estireno, o copolímero é processado no mesmo tipo
de equipamento do PS e mantém a transparência característica, embora adquira
tonalidade azulada ou amarelada para maiores teores de acrilonitrila. As aplicações são mais nobres do
que as do PS, incluindo componentes transparentes para uso médico e em dispositivos eletrônicos e
eletrodomésticos.

Copolímero butadieno-acrilonitrila (NBR). NBR, ou borracha nitrila ou Buna-N, é um copolímero


aleatório contendo 25 e 50% de acrilonitrila e sua principal vantagem em relação ao polibutadieno é a
maior resistência química, especialmente a óleos e combustíveis. A presença de acrilonitrila, por ser
polar, eleva a temperatura de transição vítrea dessa borracha, o que pode limitar as aplicações em
baixas temperaturas. Os principais usos incluem tubos e mangueiras em contato com combustíveis,
luvas, gaxetas e também em blendas com o PVC.

Copolímero estireno-butadieno – HIPS. A baixa tenacidade do PS pode ser melhorada com a


introdução de 4-10% do comonômero butadieno. Em sua forma enxertada, o copolímero resultante

77
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

possui cadeias de poliestireno ligadas quimicamente às moléculas de polibutadieno. As duas fases são
imiscíveis e, assim, são segregadas durante o processamento, obtendo-se uma estrutura principal de
poliestireno com partículas dispersas (mas quimicamente unidas) de borracha. As partículas de
borracha induzem um mecanismo de tenacificação chamado crazing, resultando em maior resistência
ao impacto, daí ser chamado de poliestireno de alto impacto (HIPS,
na sua abreviatura em inglês). A matriz de poliestireno mantém a
elevada rigidez do produto, tendo-se assim um bom balanço entre
módulo elástico e tenacidade. Por formarem fases separadas, o
copolímero resultante possui duas Tg´s, correspondentes às Tg´s do
PS e do PB. As aplicações principais do HIPS são aquelas em que se
requer uma boa resistência ao impacto e que a transparência não seja necessária, incluindo
componentes da indústria eletroeletrônica, produtos descartáveis e utensílios. A imagem ao lado
mostra uma microscopia eletrônica do HIPS com fases separadas (borracha é a fase mais escura) e
crazes formadas a partir das partículas do elastômero (Correa 1996).

Copolímero estireno-butadieno – SBR. O módulo elástico de um elastômero está intimamente


associado ao seu grau de reticulação (além, claro, de sua estrutura química). Caso seja necessário se
confeccionar um produto com módulo elástico mais elevado uma das opções seria aumentar o grau de
reticulação. Esse procedimento, entretanto, reduz a elasticidade da borracha, o que pode ser
indesejável para determinadas aplicações. A presença do comonômero de estireno possibilita um
aumento na rigidez do elastômero sem que seja necessário ter
um maior número de ligações cruzadas. Isso ocorre devido à
estrutura química do estireno, que é bem mais rígida do que a
do butadieno. O copolímero SBR é do tipo aleatório, contendo
10-25% de estireno e é utilizado comumente em calçados, pneumáticos, gaxetas e anéis de vedação.
Por ser um copolímero aleatório, forma-se apenas uma fase, com Tg intermediária entre a do PS e a do
PB, seguindo a equação 2.1 (Capítulo 2). Caso se utilize teores excessivos de estireno, a borracha se
torna demasiadamente rígida, pouco elástica e, devido à Tg elevada, com limitações em aplicações em
baixas temperaturas.

Copolímero estireno-butadieno – SBS. Um elastômero convencional necessita reticulações para


eliminar a pegajosidade e adquirir propriedades borrachosas. Essas ligações cruzadas são formadas
durante o processamento e têm dois inconvenientes: (i) o processamento se torna consideravelmente
mais longo uma vez que as reações químicas de reticulação são relativamente lentas; (ii) a reciclagem
de uma borracha reticulada, embora possível, não é tão simples quando comparada com a dos

78
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

termoplásticos10. O copolímero SBS é do tipo “em blocos”, com domínios vítreos de PS embebidos na
matriz borrachosa de PB. Os domínios, com concentração mássica de 20-40%, impedem o livre
movimento das cadeias elastoméricas, fazendo a função das ligações cruzadas e, por isso, são
considerados como “reticulações físicas”. No entanto, como a fase
PS amolece acima da sua Tg, as reticulações físicas são reversíveis e
o SBS, para todos os efeitos, é um material termoplástico e, assim,
também chamado de “borracha termoplástica”, ou TR (de
thermoplastic rubber)11. O SBS, portanto, não apresenta as
desvantagens da borracha convencional citadas acima, mas, por
outro lado, possui a grande limitação de uma baixa temperatura
limite de uso, que é a própria Tg do PS. Como forma fases segregadas, o SBS possui duas T g´s,
correspondentes às do PS e do PB. As aplicações são basicamente as de elastômeros, incluindo
calçados, componentes automotivos, vedações, etc., com a ressalva da limitação da temperatura
máxima de uso.

Copolímero acrilonitrila-butadieno-estireno – ABS. O ABS é também um copolímero do tipo enxerto,


semelhante ao HIPS, mas com o copolímero SAN enxertado na cadeia do polibutadieno. A proporção
dos comonômeros varia de 15-35% acrilonitrila, 5-30% butadieno e 40-60% estireno. O produto
resultante é considerado um material de engenharia, por suas excelentes propriedades mecânicas –
geralmente bastante superiores às do HIPS. A necessidade de aliar alta rigidez com tenacidade requer
uma predominância do SAN, estando o PB na forma de
partículas de borracha segregadas da matriz vítrea.
Novamente, a fase elastomérica induz mecanismos de
deformação por crazing. Maiores detalhes dos
mecanismos de tenacificação do HIPS e do ABS podem
ser obtidos no livro Aditivação de Termoplásticos
(Rabello and de Paoli 2013). As aplicações são inúmeras, como corpos de eletroeletrônicos,
componentes da indústria automobilística, materiais esportivos, tubulações, etc.

10
Ver quadro no capítulo 2 sobre esse tema.

11
Diversos outros materiais são enquadrados na terminologia de borracha termoplástica, tais como alguns tipos
de poliuretanos, copoliésteres, copolímeros de olefinas e outros copolímeros a base de butadieno.
79
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

Da PAN à fibra de carbono

Como abordado acima, a baixa estabilidade térmica da poliacrilonitrila dificulta o seu


processamento pois a fusão ocorre quase simultaneamente com a decomposição. Assim, a
alternativa viável para a sua produção envolve a dissolução em solvente apropriado seguido de
fiação e evaporação do solvente. As fibras de PAN são a única aplicação prática desse material.
Essas fibras podem ser utilizadas como percussores das famosas fibras de carbono, através de um
processo que envolve várias etapas (Buckley and Edie 1993). Inicialmente tem-se a oxidação, em
que as fibras são expostas sob tensão e vapor em temperaturas de 200-300°C por até 2h,
adquirindo tonalidades mais escuras e uma estrutura química cíclica. Um novo tratamento térmico
é realizado a ~600-700°C para eliminar átomos de hidrogênio, obtendo-se uma estrutura
aromática. Em seguida tem-se a carbonização, realizada em temperaturas de 1000-1300°C por
alguns minutos em ambiente inerte, quando se elimina a maior parte dos átomos de nitrogênio,
obtendo-se uma estrutura carbonácea. A etapa final é a grafitização, a 2000-3000°C, em que
ocorre a cristalização do carbono na direção da fibra. O material resultante possui altíssima
resistência mecânica, sendo utilizado em compósitos de alto desempenho para as indústrias
aeroespacial, esportes de alto desempenho, biomateriais, estruturas de plataformas de petróleo,
etc. Uma visão geral da fabricação dessas fibras e algumas aplicações dos seus compósitos podem
ser observadas neste vídeo.

PARA DISCUSSÃO

A estrutura química do poli(óxido de fenileno), PPO, é muito rígida, com grupo


aromático na cadeia principal e grupos metil na lateral. A consequência imediata
são altos valores de Tg e de Tm.
Quais as vantagens e desvantagens de se ter polímeros com valores elevados de
Tg e de Tm e como as desvantagens podem ser superadas?

80
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Sugestões de atividades práticas

Transformações térmicas. Com peças de poliestireno (ou acrílico), polietileno e borracha, diferencie os
estados físicos e transições através de aquecimento em placa ou resfriamento ao ar ou mesmo no
nitrogênio líquido. O PS e o PMMA são rígidos na temperatura ambiente e amolecem por volta de
100°C. Um pouco acima desta temperatura, tracione manualmente a peça e observe a reversibilidade
da deformação. No resfriamento ao ar as peças voltam a adquirir rigidez, sendo a Tg o limite entre da
diferença de comportamento. Ao aquecer continuamente acima da Tg, esses polímeros adquirem
comportamento fluidoviscoso e, posteriormente, iniciam a decomposição12. No caso do polietileno, a
peça (“leitosa” ou translúcida, conforme o tipo de polietileno) se torna transparente ao ultrapassar a
sua temperatura de fusão. No resfriamento ao ar, a opacidade é readquirida durante a cristalização.
No resfriamento em nitrogênio líquido o PE adquire fragilidade por estar abaixo da sua T g. No caso da
borracha, esta é flexível na temperatura ambiente por estar acima da sua Tg. No resfriamento em
nitrogênio líquido a borracha se torna rígida e quebradiça. Ao aquecer a borracha, caso esteja
reticulada, ela não irá adquirir fluidez mas haverá decomposição se o aquecimento prosseguir.
Determinação de Tg e Tm de forma mais precisa pode ser feita com equipamentos apropriados, como o
DSC.

Comportamento fluido viscoso. Compare o comportamento de uma parafina (vela) com o de um


polietileno, que são quimicamente muito semelhantes, em uma placa de aquecimento. Aqueça a peça
até a fusão e observe que a parafina flui facilmente enquanto que o PE, por possuir massa molar muito
mais elevada, funde, mas não adquire fluidez evidente.

Fusão vs. decomposição. Com uma placa de aquecimento e um termômetro infravermelho, observe
que no polietileno de alta densidade a temperatura de fusão (medindo aproximadamente através da
perda de opacidade) é muito menor do que a temperatura de decomposição (medida
aproximadamente pela eliminação de vapores do material aquecido) 12. Por outro lado, uma peça de
poliamida ou PET apresenta temperatura de decomposição bem mais próxima da sua fusão. Observe
que a temperatura de fusão da poliamida (ou PET) é mais elevada do que a do PEAD, enquanto que
este último se decompõe em temperaturas mais elevadas. Esse experimento também pode ser
conduzido por DSC.

12
Ao realizar o experimento de decomposição, faça-o em capela ou em ambiente ventilado, já que os vapores
emitidos na decomposição do polímero podem apresentar toxicidade. Use EPI!
81
3 – Estados físicos e transições Marcelo Silveira Rabello

Comportamento mecânico. Prepare corpos de prova de tração do poliestireno, SAN e HIPS (ou ABS).
Observe as diferenças de comportamento, especialmente a deformação na ruptura e o padrão das
curvas tensão-deformação. Relacione os resultados com a estrutura química desses materiais e os seus
estados físicos e transições. Analise semelhante também pode ser feita com o polibutadieno e o SBR,
desde que se assegure terem o mesmo grau de reticulação.

Sugestões para estudo complementar

Akcelrud, L. 2007. Fundamentos da ciência dos polímeros (Manole: São Paulo).

Canevarolo Jr., S.V. 2010. Ciência dos Polímeros (Artliber: São Paulo).

Elias, Hans-Georg. 1987. Mega Molecules (Springer: Berlin).

Gedde, U. W. 1995. Polymer Physics (Chapman & Hall: London).

Pearson, R.A., and L. H. Sperling. 2019. Introduction to Physical Polymer Science (Wiley: New York).

Tager, A. 1978. Physical Chemistry of Polymers (Mir Publishers: Moscow).

Referências

Arrighi, V., P. F. Holmes, I. J. McEwen, H. Qian, and N. J. Terrill. 2004. 'Order in amorphous di-n-alkyl
itaconate polymers, copolymers, and blends', Journal of Polymer Science Part B-Polymer
Physics, 42: 4000-16.
Buckley, J.D., and D.D. Edie. 1993. Carbon-carbon materials and composites (Noyes: New Jersey).
Correa, C. A. 1996. "Estudos de Mecanismos de Tenacifica‡ao em Polimeros por Microscopia Eletr“nica
de Transmissao." In, 1338-41. Aguas de Lindoia: 12ø Cbecimat.
McCrum, N. G., C. P. Buckley, and C. B. Bucknall. 1997. Principles of Polymer Engineering (Oxford
University Press: New York).
Mills, N. J., M. Jenkins, and S. Kukureka. 1994. Plastics: Microstructure, Properties and Applications
(Butterworth-Heinemann: London).
Rabello, M. S., and M. A. de Paoli. 2013. Aditivação de Termoplásticos (Artliber: São Paulo).
Rodriguez, F. 1984. Principios de Sistemas de Polimeros (Manual Moderno: Mexico).
Tager, A. 1978. Physical Chemistry of Polymers (Mir Publishers: Moscow).

82
O polipropileno é um dos polímeros mais versáteis que existem, aliando rigidez, resistência à tração, resistência
química e estabilidade ao calor. Entretanto, a sua Tg relativamente elevada (~-10°C) limita algumas aplicações,
especialmente quando se requer tenacidade elevada em temperaturas um pouco abaixo da ambiente. Uma
alternativa que viabiliza aplicações como em tanques de armazenagem de produtos químicos da foto acima é o
uso o PP copolímero, em que a utilização de comonômero de etileno reduz a temperatura vítrea e a cristalinidade,
aumentando a resistência ao impacto do material. Na produção do copolímero, um balanço adequado entre rigidez
e tenacidade deve ser alcançado em função das exigências da aplicação. Tanques de PP são particularmente
atrativos para aliar resistência química, leveza, isolamento térmico e facilidade de fabricação/montagem.

Capítulo 4

Estrutura dos Polímeros Cristalinos


Por que alguns polímeros cristalizam e outros não? Como quantificar o grau de cristalinidade e qual a importância
prática? Como uma estrutura cristalina se organiza em seus elementos estruturais e morfológicos? Como é a
coexistência de regiões cristalinas e amorfas em um mesmo produto?

Esses e outros tópicos de grande interesse prático serão abordados neste capítulo.
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Em temperaturas maiores do que a temperatura de fusão cristalina (T m), os segmentos


moleculares de um polímero têm energia cinética suficiente para se moverem relativamente
independentes e o estado físico é amorfo, com as moléculas dispostas aleatoriamente. Ao resfriar o
material, a energia cinética diminui progressivamente e, assim, diminui o movimento macromolecular.
Com a redução da distância média entre os grupos químicos, a intensidade das forças intermoleculares
aumenta e os segmentos moleculares tendem a se alinhar, produzindo um arranjo uniforme. Se essas
forças intermoleculares forem suficientemente fortes e se as cadeiras poliméricas regulares (como na
configuração isotática), o polímero irá cristalizar, formando regiões com padrão repetitivo no estado
sólido. Uma vez cristalizado, o material permanece sólido independentemente de qualquer ciclo de
temperatura submetido abaixo de sua temperatura de fusão. A presença de cristais tem profunda
influência em praticamente todas as propriedades dos materiais poliméricos.

Neste capítulo alguns aspectos estruturais serão apresentados, como a habilidade dos
polímeros em cristalizar e como medir o grau de cristalinidade, a importância prática da cristalização e
a forma física (morfologia) dessas estruturas cristalinas. No próximo capítulo a cristalização sob o ponto
de vista cinético será abordada em maiores detalhes.

4.1 . Cristalinidade e cristalizabilidade

A cristalização requer a formação de um pequeno núcleo sólido no meio líquido e posterior


difusão de segmentos moleculares para o alinhamento com o núcleo, formando assim os cristais.
Moléculas orgânicas e inorgânicas de baixa massa molar geralmente cristalizam completamente e de
forma rápida. Por outro lado, o melt polimérico, em virtude da alta massa molar, possui geralmente alta
viscosidade devido às longas cadeias emaranhadas mecanicamente que, aliado ao fato da existência de
certas imperfeições moleculares, tem maior dificuldade em formar cristais. A não ser em casos muito
particulares em que utiliza técnicas especiais de laboratório e com amostras bastante seletivas, os
polímeros, quando cristalizam, não formam estruturas completamente cristalinas e sim uma
combinação de regiões amorfas e regiões ordenadas. Ou seja, os polímeros podem ser completamente
amorfos ou podem ser semi-cristalinos, dificilmente totalmente cristalinos. O modo mais evidente de
diferenciar estruturas amorfas, cristalinas ou semi-cristalinas, é pela técnica de difração de raios-X

84
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

(Figura 4.1), em que um material cristalino possui picos de difração bem definidos correspondentes à
difração dos planos cristalográficos e uma linha base plana, enquanto que um material amorfo possui
apenas uma ou mais bandas difusas1. Por outro lado, um material semi-cristalinoapresenta
características dos dois primeiros casos, em que os picos de difração são perfeitamente visíveis mas não
retornam à linha base, sendo uma combinação das duas fases presentes. Isso está ilustrado na Figura
4.1(c) para o caso do polipropileno.

10 20 30 40
2q (o)

(a) (b) (c)


Figura 4.1. Difração de raios-X de um material cristalino (a), amorfo (b) e semi-cristalino (c).(Agasti and
Kaushik 2014; Musi , Filipovi -Vincekovi , and Sekovani 2011; Rabello 1996).

Considerando que os polímeros são, no máximo, semi-cristalinos, o grau de cristalinidade (Xc)


assume um papel extremamente importante na definição de suas
propriedades físicas, mecânicas e químicas. O termo significa o percentual,

O grau de mássico ou volumétrico, de cristais em uma amostra, podendo variar de


cristalinidade é poucos % para polímeros como o policarbonato e o PVC, até próximo de 90%,
importante, mas
não é para o poli(tetrafluoretileno) e o polietileno de alta densidade. O grau de
propriedade
intrínseca de um cristalinidade não é uma propriedade intrínseca de um material polimérico,
polímero! visto que depende fortemente das condições de processamento, isto é, de
como a cristalização ocorre. Tome-se o exemplo do PET: quando injetado em
molde quente (50-60°C), ele cristaliza até cerca de 50%, mas quando injetado
em molde gelado (10-15°C) o produto é transparente e praticamente amorfo.

Um material mais cristalino possui maior empacotamento molecular, o que resulta em maiores
valores de densidade, módulo de elasticidade, resistência à tração, resistência química e ao calor. Por
outro lado, as regiões amorfas contribuem para a deformação, maciez e tenacidade do produto. Essa
diferença de comportamento entre as fases amorfas e cristalinas é muito dependente da temperatura:

1
Para maiores detalhes sobre esse assunto, sugere-se a literatura básica de ciência dos materiais ou de
cristalografia. Por exemplo, (Calister and Rethwisch 2016)
85
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

abaixo da Tg as fases amorfas são vítreas e, com baixa mobilidade, apresentam comportamento mais
próximo das fases cristalinas. Acima da Tg, as regiões amorfas estão em um estado borrachoso, com
comportamento muito diferente das empacotadas regiões cristalinas. Nos cristais as moléculas estão
fortemente unidas entre si, garantindo a coesão do material. Com isso, são necessários maiores esforços
mecânicos para a deformação e ruptura por tração, dificultando também a difusão de líquidos ou gases
para a permeabilidade e solubilização. Um exemplo da influência da temperatura na resistência ao
impacto de poliamidas está mostrado na Figura 4.2. Note que a tenacidade apresenta uma elevação
significativa após a transição vítrea da PA 6, que se situa em torno de 45-60°C. No caso da amostra de
PA 66, que possui maior cristalinidade, o aumento na resistência ao impacto ao ultrapassar a T g é
proporcionalmente menor.

Figura 4.2. Efeito da temperatura na resistência ao impacto de dois tipos de poliamidas comerciais,
conforme dados do fabricante. O aumento da tenacidade de um polímero em temperaturas acima da T g é
fortemente dependente do grau de cristalinidade.

Esquematicamente, a Figura 4.3 mostra que a tenacidade de um polímero semicristalino é


dependente do grau de cristalinidade, mas a magnitude dessa dependência é bastante diferente abaixo
e acima da Tg. Devido à falta de mobilidade molecular nas regiões amorfas abaixo da T g, essas regiões
têm mais semelhança (do ponto de vista de mobilidade) com as regiões cristalinas e, assim, a tenacidade
varia pouco com a cristalinidade. Acima da Tg, por outro lado, a diferença de mobilidade entre as regiões
é muito grande e, para materiais mais cristalinos, o efeito na redução da tenacidade é muito mais
evidente. Note que para amostras muito cristalinas, a diferença de comportamento acima e abaixo da
transição vítrea é pequena.

86
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 4.3. Efeito esquemático (elaborado pelo autor) do aumento da cristalinidade na tenacidade de
polímeros abaixo e acima da temperatura vítrea. Na medida em que o grau de cristalinidade é muito
alto, o efeito da Tg no comportamento mecânico é proporcionalmente reduzido.

Para se ter um equilíbrio adequado entre rigidez/resistência à tração e


tenacidade em um polímero semicristalino, muitas vezes é desejável se ter
Propriedades
materiais com grau de cristalinidade intermediário, conforme a representação balanceadas pelo
controle da
esquemática da Figura 4.4. Enquanto uma propriedade é reduzida com a cristalinidade
cristalinidade, a outra é aumentada. Em função da natureza da aplicação, deve-
se buscar a potencialização de uma ou outra propriedade ou, alternativamente,
o balanço adequado entre a rigidez/resistência tênsil e a tenacidade. Isso é possível a partir de pleno
entendimento dos fatores que definem o grau de cristalinidade de um produto.

Figura 4.4. Representação esquemática (elaborada pelo autor) do efeito da cristalinidade na resistência
tênsil (e módulo elástico) e na resistência ao impacto (e alongamento). Muito frequentemente é preciso
alcançar um equilíbrio entre essas influências para a produção de artigos com propriedades balanceadas.

87
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Como mencionado anteriormente, o grau de cristalinidade de um produto irá depender das


condições em que o processo de cristalização acontece. Entretanto, um outro fator exerce grande
influência nesse parâmetro: a cristalizabilidade. O termo significa a tendência que um material tem em
cristalizar sob condições ideais. Enquanto a cristalinidade (ou grau de cristalinidade) é o grau de ordem
conseguido sob determinadas condições, a cristalizabilidade é o grau de
cristalinidade máximo que uma amostra pode alcançar sob condições

Cristalizabilidade ideais2. Por exemplo, polímeros puros estericamente e quimicamente


são 100% cristalizáveis, mas suas cristalinidades raramente são tão
altas. Outros polímeros, como o poliestireno atático, são incapazes de
cristalizar mesmo nas condições mais favoráveis. A cristalizabilidade é determinada pela estrutura
química do polímero, enquanto que o grau de cristalinidade por dois fatores: (i) pelas condições de
cristalização e (ii) pela cristalizabilidade das suas moléculas. Um polímero vinílico como o polipropileno
isotático, por exemplo, atinge cristalinidade de até 60-65% quando resfriado lentamente a partir do
estado fundido, mas, quando resfriado bruscamente (“quenched”) até abaixo de -10°C (sua temperatura
vítrea), o material é praticamente amorfo, apesar de ser um polímero cristalizável. Por outro lado, o
polietileno de alta densidade cristaliza com tanta facilidade que é muito difícil ser obtido no estado
amorfo, mesmo quando resfriado bruscamente.

Os fatores que definem a cristalizabilidade de um polímero serão descritos abaixo e a Figura 4.5
resume esquematicamente as principais influências.

Regularidade molecular. Esse é, de longe, o fator mais importante que afeta a cristalizabilidade. Um
cristal possui ordem a longas distâncias, o que só é possível quando os seus elementos constituintes –
os segmentos moleculares – também possuem ordem. Assim, polímeros atáticos e copolímeros
aleatórios são, a princípio, não cristalizáveis. O poli(metacrilato de metila) atático, por exemplo, não
forma cristais mesmo quando submetido às mais favoráveis condições de resfriamento. A presença de
um comonômero disposto aleatoriamente reduz a cristalizabilidade da molécula, podendo inibir a
cristalização, a depender da concentração desse comonômero. Outras fontes de irregularidades
moleculares são: ramificações, extremidades das cadeias, configurações aleatórias do tipo cabeça-
cauda, impurezas químicas provenientes de desvios da polimerização e contaminações diversas. Alguns
exemplos que ilustram esses efeitos são mostrados na Tabela 4.1. Vale destacar que o efeito da
irregularidade na cristalizabilidade é relativo, no sentido em que moléculas menos regulares cristalizam

2
Embora, por definição, a cristalizabilidade seja uma expressão quantitativa, normalmente utiliza-se esse conceito
apenas para fins qualitativos como, por exemplo, na comparação de tendências que determinados polímeros têm
em cristalizar.
88
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

menos, mas ainda podem formar cristais dependendo das condições. Assim, irregularidades ocasionais,
como um pequeno percentual de comonômero ou ramificações, reduzem a cristalinidade, mas não a
impedem totalmente.

Tabela 4.1. Exemplos de irregularidades e o efeito na cristalinidade de alguns polímeros. Os valores de


cristalinidade devem ser interpretados apenas como exemplos, já que dependem do grade específico e
das condições de obtenção.

Irregularidade Polímero Xc (%) - exemplo


PEAD 80
PP 55
Copolimerização
Copolímero etileno-propileno
0
aleatório (50-50)
PP isotático 55
Taticidade
PP atático 0
PB trans 40
Cis-trans PB cis 30
PB cis-trans aleatório (50-50) 0
PEAD (linear) 80
Linearidade
PEBD (ramificado) 40

Volume dos grupos químicos. Como será abordado no Capítulo 5, o processo de cristalização é,
essencialmente, de natureza cinética e, como tal, a mobilidade dos segmentos que comporão o cristal
em crescimento tem grande influência. Se a cadeia polimérica é flexível, a sua alta mobilidade facilita a
inserção dos segmentos no cristal, favorecendo o crescimento do mesmo. Por outro lado, grupos
volumosos presentes na cadeia principal ou lateral enrijecem a molécula e, com isso, dificulta o
crescimento cristalino. Assim, o PET, com um grupo aromático na cadeia principal, é menos cristalizável
do que o poli(etileno adipato)3, que possui estrutura semelhante mas apenas com grupos alifáticos. Da
mesma forma, o polipropileno isotático é mais cristalizável do que o poliestireno isotático, por ter uma
estrutura química mais flexível. O PP atinge de 45 a 65% de cristalinidade, a depender das condições e
do grau de estereoregularidade, enquanto que o PS, mesmo isotático, raramente chega a 40% de
cristalinidade.

Polaridade. A cristalização resulta em maior empacotamento molecular, com maior aproximação entre
os segmentos moleculares. Moléculas regulares e polares, como as do poli(tetrafluoretileno), do
poliacetal e de algumas poliamidas, são altamente cristalizáveis. Por outro lado, quando estruturas
irregulares são combinadas com elevada polaridade, pode haver alguma cristalização. É o caso do

3
Ver estruturas químicas do PET e do PEA na Tabela 3.1.
89
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

poli(álcool vinílico) e do PVC que, mesmo atáticos, podem atingir ainda 10-15% de cristalinidade, uma
vez que a alta polaridade favorece o ordenamento cristalino e, ao mesmo tempo, os grupos presentes
não são volumosos. Nesses casos, os cristais formados tendem a possuir um elevado grau de
imperfeições.

Estrutura molecular

é regular?

sim não

grupos alta
volumosos polaridade
não sim não sim
resfriamento
semicristalino resfriamento
amorfo
lento brusco lento brusco

semicristalino amorfo semicristalino amorfo


(baixa Xc )

Figura 4.5. Principais efeitos moleculares na cristalizabilidade dos polímeros, elaborado pelo autor. Esse
esquema sumariza as diversas influências, conforme texto desta secção.

Massa molar. As moléculas poliméricas, por suas grandes dimensões, têm bem mais dificuldade em
cristalizar do que as de menor tamanho, como consequência da formação dos emaranhados
moleculares. Na escala de tempo em que a cristalização ocorre, o desentrelaçamento das cadeias
dificilmente ocorre e, assim, a capacidade de cristalização do material é
reduzida pois os emaranhados são focos de imperfeição, dada a aleatoriedade
na disposição dos segmentos. A Figura 4.6 ilustra essa influência para os casos
Emaranhados
moleculares do poli(trimetileno tereftalato) (PTT) e do polietileno. Observa-se que, nos
dificultam a
cristalização. dois casos, a cristalinidade é reduzida para massas molares mais elevadas, mas
a magnitude do efeito é maior para o polietileno, com uma variação de quase
30 pontos percentuais entre os extremos, enquanto que no PTT a variação é
de apenas 8 pontos percentuais. Comparando-se a magnitude de valores de
massa molar, observa-se que para o polietileno tem-se valores de até 150.000 g/mol, enquanto no PTT
o máximo é de 28.0000g/mol. Com cadeias mais longas, se tem uma maior densidade de emaranhados
e, assim, uma menor capacidade de cristalização.

90
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 4.6. Relação entre massa molar e cristalinidade para o poli(trimetileno tereftalato) e polietileno.
Dados adaptados de (Chen et al. 2007) e (Tränkner, Hedenqvist, and Gedde 1994).

Como a polimerização, em geral, produz uma diversidade de tipos moleculares, com uma
distribuição de tamanhos de cadeia, presença de defeitos químicos, taticidade variável, ramificações,
etc., as moléculas poliméricas possuem uma distribuição de cristalizabilidades. Isso resulta em um
processo de cristalização heterogêneo, com os segmentos mais regulares cristalizando primeiro e de
forma mais perfeita, enquanto que regiões menos cristalizáveis tenderão a segregar para cristalizaram
posteriormente. Além de consequências para a cinética de cristalização e morfologia, essa
heterogeneidade também afeta a fusão do material, que ocorre em uma faixa larga de temperaturas.
Essas consequências serão abordadas posteriormente, neste e no próximo capítulo.

4.2. Cristalinidade vs. propriedades – exemplos

Uma vez que a cristalinidade tem relação direta com as propriedades do polímero, a sua
manipulação é uma das rotas mais importantes para a obtenção de produtos com propriedades
controladas. Nesta seção iremos exemplificar dois casos importantes mercadologicamente: (i) o
polietileno e os seus tipos e (ii) os copolímeros ao acaso de propileno.

91
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

4.2.1. O polietileno e os seus tipos

Os dois principais tipos de polietileno são o de alta densidade (PEAD) e o de baixa densidade
(PEBD), cujas propriedades características estão exemplificadas na Tabela 4.2. É sempre bom lembrar
que as propriedades dos materiais poliméricos devem ser consideradas com certa reserva uma vez que
variam significativamente conforme o grade, formulação, processamento, etc. Os valores reportados na
Tabela 4.2, portanto, devem ser entendidos apenas como exemplificação. O PEAD, com sua estrutura
molecular essencialmente linear é mais cristalizável do que o PEBD, que tem cadeias ramificadas. As
consequências nas propriedades dos dois tipos basicamente refletem as diferenças na cristalinidade
obtida. Quanto mais cristalino, maior o empacotamento molecular, resultando em produtos mais
rígidos, com maior resistência à tração e mais resistente quimicamente. Por outro lado, as regiões
amorfas conferem maior capacidade de deformação e, assim, contribuem para uma maior resistência
ao impacto.

Tabela 4.2. Propriedades típicas do PEAD e do PEBD (Billmeyer 1984).

Propriedade PEAD PEBD

Estrutura molecular Linear Ramificada


Cristalinidade (%) 70-90% 30-50%
Temperatura de fusão (°C) 130-138 110-115
Temperatura vítrea (°C) ~-150 ~-80 a -204
Resistência à tração (MPa) 24-38 4-16
Módulo de elasticidade (MPa) 500-1100 100-400
Resistência ao impacto (J/m) 25-200 500-1000
HDT (@1,8MPa, °C)5 44-55 32-40
Absorção de benzeno (%) 5 14,6

Com relação às temperaturas de transição vítrea e de fusão, também mostradas na Tabela 4.2,
observa-se que os valores são bastante diferentes, apesar de a unidade repetitiva ser a mesma para os

4
A Tg do PEBD pode variar consideravelmente, a depender do tamanho e número de ramificações por molécula.

5
HDT é heat deflection temperature, ou temperatura de deflexão ao calor. Na prática, significa a temperatura
máxima que um produto pode suportar, com pouca deformação, sob efeito de uma tensão. Trata-se uma
propriedade considerada arbitrada, cujo procedimento para determinação pode ser obtido aqui. O HDT é um
parâmetro muito utilizado pela indústria no desenvolvimento de grades, formulações e em situações de projeto,
mas pouco aceito no meio científico. Esse parâmetro será descrito com maiores detalhes na seção 5.6.3.
92
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

dois materiais. No caso da Tg, a presença de ramificações no PEBD causa um ancoramento nos pontos
de conexão com a cadeia principal, elevando a rigidez da cadeia de modo semelhante a um grupo lateral.
Note que a maior rigidez das cadeias de PEBD em relação ao PEAD não se reflete em maior rigidez do
produto (maior módulo de elasticidade) pois este depende também do grau de cristalinidade. Essa maior
rigidez molecular do PEBD, que eleva a sua T g em relação à do PEAD, também não causa um efeito
semelhante na temperatura de fusão – e esta é uma importante exceção aos fatores que afetam T g e
Tm, discutidos no capítulo 3. A menor Tm do PEBD em relação ao PEAD é atribuída à formação de cristais
mais imperfeitos pois as ramificações distorcem o empacotamento cristalino. Cristais imperfeitos são
instáveis e fundem mais facilmente.

Comparando os dados mostrados na Tabela 4.2 nota-se claramente que os dois tipos de
polietileno possuem propriedades extremas: o PEAD muito mais rígido e com menor tenacidade,
enquanto o oposto é observado para o PEBD. A questão que se coloca é: e se quisermos propriedades
intermediárias, ou seja, um balanço entre tenacidade e rigidez? Considerando que as propriedades são
uma consequência da cristalinidade, o caminho seria a utilização de um polietileno que cristalize em
nível intermediário. Como nesse exemplo, o fator “controlador” da cristalização é a presença de
ramificações, o caminho para obter um polímero com cristalizabilidade intermediária seria a síntese de
um polietileno com ramificações menos intensas, mas presentes. O problema para atingir esse objetivo
é que a polimerização do eteno para obter o PEBD é feita em alta pressão e temperatura, o que torna a
síntese pouco seletiva, ou seja, não se tem muito controle sobre as
ramificações formadas. Para o PEAD, a síntese é em baixa pressão e
temperatura, com catalizadores estereo-específicos (tipo Ziegler-Natta ou Co-monômeros
metalocenos), que é bastante seletiva, mas o crescimento da cadeia é podem regular a
cristalinidade do
essencialmente linear. A alternativa encontrada para se alcançar esse PE.
objetivo foi a adição de comonômeros na síntese do PEAD. Por exemplo, se
o 1-hexeno for adicionado ao reator de polimerização, a estrutura do
copolímero se assemelha à do polietileno com “ramificações” curtas:

CH2 CH2 + CH2 CH CH2 CH2 CH2 CH


CH2 CH2
CH2 CH2
CH2 CH2
CH3 CH3

Note que o copolímero possui grupos laterais com 4 carbonos, que, sendo aleatoriamente distribuídos,
irão reduzir a cristalizabilidade do material. Quanto maior o teor de 1-hexeno adicionado, maior o

93
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

número de “ramificações”. Caso se utilize um comonômero maior (como 1-octeno, 1-deceno ou 1-


dodeceno), as “ramificações” serão também maiores, reduzindo ainda mais a cristalizabilidade das
moléculas do copolímero, com efeito direto nas propriedades. Essa
família de copolímeros foi denominada pela indústria petroquímica como
“polietileno linear” (PEL) ou polietileno linear de baixa densidade
O PEL tem grande (PELBD)6. A influência do tipo e concentração do comonômero na
importância
comercial. cristalinidade do PE está ilustrado na Figura 4.7. Note que se teores
elevados forem empregados, o material resultante pode não ser
cristalizável, não atingindo os objetivos para esse tipo de proposta.
Atualmente, o comonômero mais utilizado industrialmente é o 1-hexeno,
seguido pelo 1-buteno e o 1-octeno, com teores que variam de 5 a 15% (em massa).

Figura 4.7. Representação esquemática da influência do tipo e teor de comonômero na cristalinidade do


polietileno. Por se tratar de copolímeros aleatórios, a cristalinidade é drasticamente reduzida com o
aumento no teor de comonômero presente. O tamanho do grupo lateral também exerce grande
influência.

6
Isso gera uma certa confusão na terminologia pois o verdadeiro polietileno linear é o PEAD, que possui, de fato,
cadeias lineares. O chamado polietileno linear é um copolímero, mas, como o grupo lateral provém do monômero,
também pode ser considerado como de estrutura linear.
94
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Que polietileno é esse?!

Imagine um material dúctil, mas tão dúctil que no teste de impacto ele não quebra... Tão dúctil que um

novo teste foi desenvolvido especialmente para ele, em que se faz um entalhe duplo e, mesmo assim,
muitas vezes ele não quebra durante o teste. Esse material existe e a composição química dele é a
mesma do mais elementar dos plásticos – o polietileno. A diferença é que ele é sintetizado com uma
massa molar altíssima – acima de 1.000.000g/mol, podendo chegar a 10.000.000g/mol. Com tamanhos
moleculares tão elevados, a densidade de emaranhados moleculares é muito elevada – e isso justifica as
suas propriedades mecânicas. Outras características de alto interesse são o baixo coeficiente de fricção,
alta resistência ao desgaste e estabilidade química. A grande limitação desse material é a dificuldade de
processamento, como consequência da altíssima massa molar, o que torna a sua temperatura de fluxo
muito alta, acima da temperatura de decomposição. Assim, o PEUAMM (ou UHMWPE), como é
denominado, não é processado pelos métodos convencionais como extrusão, injeção e sopro. A
conformação dele só possível por técnicas como gel spinning (para fibras), compressão (placas) e
extrusão por impacto (tarugos). Nos dois últimos casos, as peças moldadas são posteriormente
usinadas para obtenção do produto final (veja um exemplo aqui).
Além de fibras de altíssima resistência (o principal produto comercial é o Spectra®), o PEUAMM é
utilizado em biomateriais (em juntas e copo acetabular, por exemplo), engrenagens e outras peças
técnicas, revestimentos de silos, etc. O principal competidor do PEUAMM é o poli(tetrafluoretileno) – Teflon®.

4.2.2. O polipropileno copolímero

O polipropileno é um dos mais versáteis polímeros do mercado, uma vez que possui excelente
balanço de propriedades, boa processabilidade e custo de commodity. A sua configuração comercial é
isotática e atinge um grau de cristalinidade de até 60-65%, o que lhe confere boa rigidez, resistência à
tração e estabilidade ao calor (HDT). Com um percentual relativamente elevado de frações amorfas e

95
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

uma temperatura vítrea abaixo da ambiente (~–10°C), o PP deveria ser um material de alta ductilidade.
De fato, o PP é um material dúctil, no entanto, a sua Tg é relativamente próxima da temperatura
ambiente, considerando que a transição vítrea ocorre em faixa de temperaturas. Isso implica em uma
certa fragilidade de produtos de polipropileno quando a temperatura ambiente está um pouco mais
baixa – digamos, 10-15°C. O efeito da temperatura no comportamento
mecânico está exemplificado com as curvas tensão-deformação da Figura
4.8. A 30°C o PP é um típico polímero altamente dúctil, com grandes
deformações permanentes. Em temperaturas um pouco mais baixas, deixa O PP é dúctil,
mas...
de existir a estricção durante o ensaio e a ruptura ocorre com deformações
bastante inferiores, caracterizando uma maior fragilidade. Um outro efeito
importante que interfere fortemente nesse comportamento e que será
abordado na seção 6.1.6, é o da viscoelasticidade, em que as moléculas de polímero podem não ter
tempo suficiente para se deformar durante esforços de curta duração, como os de impacto. Em algumas
aplicações, como na indústria automobilística, por exemplo, essa possibilidade de fragilização de
produtos de PP é uma séria limitação. Para superar essa deficiência, dois procedimentos podem ser
adotados: (i) adição de um modificador de impacto (que será tratado no capitulo 6) ou (ii) uso de
copolímeros de PP, que será discutido a seguir.

Figura 4.8. Exemplos de curvas tensão deformação do polipropileno, ensaiados em várias temperaturas.
Com a redução da temperatura de uso, tem-se uma maior rigidez do material, maior resistência à tração
e grande redução na deformação máxima. Dados do autor, não publicados.

A ideia de se utilizar um comonômero é para a redução da Tg do PP, estendendo a faixa de


temperatura de uso do material. Para que esse objetivo seja alcançado, seria preciso utilizar um
monômero que seja mais flexível do que o propileno. Além disso, é preciso que esse comonômero seja
compatível com a química de síntese do PP, ou seja, polimerize sob as mesmas condições e tenha

96
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

reatividade com a cadeia crescente do polipropileno. O monômero mais adequado para atingir esses
objetivos é o etileno e o copolímero resultante é do tipo
CH2 CH2 CH2 CH
aleatório7. A redução na Tg do PP copolímero é proporcional
CH3
a fração de etileno presente, conforme mostra a Figura
4.9(a). Teores muito elevados de etileno, entretanto, não são sempre desejáveis uma vez que, sendo um
copolímero aleatório, haverá uma redução na cristalizabilidade do polímero, o que causa grandes
implicações nas propriedades mecânicas e térmicas dos produtos. Em geral, se utiliza 3-6% de etileno
para se ter um bom balanço de propriedades que, aliado a uma redução na Tg, alcança-se os objetivos
desse desenvolvimento. A dependência do teor de etileno com a cristalinidade do copolímero está
mostrada de forma ilustrativa na Figura 4.9(b). Note que teores intermediários de etileno resultam em
um copolímero amorfo, que é conhecido como EPR (ethyelene-propylene rubber) – um material
borrachoso mas que adquire propriedades elastoméricas após a reticulação com peróxidos orgânicos. A
cristalinidade volta a aumentar quando se tem a predominância de etileno, mas, nesse caso, não existe
interesse comercial pois os comonômeros do “polietileno linear” já atendem bem a esse tipo de
necessidade.

Figura 4.9. Representação ilustrativa (isto é, não baseada em dados experimentais), elaborada pelo
autor, para o efeito do teor de etileno na Tg (a) e cristalinidade (b) do polipropileno.

A Tabela 4.3 exemplifica algumas propriedades obtidas com a inserção do etileno na estrutura
molecular do polipropileno. A menor cristalinidade causa um aumento na resistência ao impacto e
redução no módulo elástico, enquanto que a presença de unidades flexíveis reduz tanto a temperatura
de fusão quanto a de transição vítrea. As principais aplicações do PP copolímero incluem, além de

7
A indústria petroquímica também produz o copolímero em blocos propileno-etileno, chamado de “heterofásico”,
que tem adquirido importância crescente. Sendo constituído por duas fases, esse copolímero possui duas
transições vítreas.
97
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

componentes da indústria automobilística, embalagens de produtos alimentícios, baldes, caixas, tubos


e outros produtos em que a tenacidade e/ou transparência sejam requisitos fundamentais.

Tabela 4.3. Exemplo de propriedades de copolímeros propileno-etileno em comparação com o


homopolímero (Gahleitner et al. 2005).

Cristalinidade Módulo de Resist. ao


(%) Tm (°C) Tg (°C) flexão (MPa) impacto (kJ/m2)

Homopolímero 49,5 164 3 1300 3,5


Copolímero
41,3 153 -4 1000 5
(2,2% etileno
Copolímero
33,9 139 -10 605 14
(4,9% etileno)

4.3. Determinação do grau de cristalinidade

Pelo que foi discutido nas secções anteriores, não restam dúvidas sobre a importância do grau
de cristalinidade para as propriedades dos materiais poliméricos. Como a cristalinidade obtida depende
da cristalizabilidade das moléculas e das condições de processamento, esse parâmetro pode variar
consideravelmente de grade para grade e de produto para produto. Conhecer essa relação entre a
cristalinidade e as propriedades finais é fundamental para o desenvolvimento de produtos, controle de
qualidade, procedimentos de formulação e até mesmo para as análises de falha em serviço. O grau de
cristalinidade pode ser determinado pela aferição de uma determinada propriedade que varie de forma
sensível com a presença de cristais. Das diversas técnicas desenvolvidas, as principais utilizadas são:
densidade, difração de raios-X e DSC. Espectroscopia de infravermelho, RMN e métodos indiretos como
permeabilidade e resistividade elétrica também são empregados, mas em menor proporção. Todos eles
utilizam suposições simplificatórias, geralmente com relação ao grau com que defeitos e regiões
desordenadas são levadas em conta na determinação da região amorfa. Os resultados obtidos por
diferentes métodos, em termos absolutos, em geral, não apresentam uma boa concordância quando
comparados quantitativamente. Por outro lado, em termos de tendência sobre uma determinada
influência, as diferentes técnicas apresentam resultados consistentes. Por exemplo, em um estudo sobre
o efeito do índice de isotaticidade sobre a cristalinidade de um polímero vinílico, os diferentes métodos
diferem nos valores absolutos obtidos, mas todos eles indicam a tendência de que quanto mais isotático
for o polímero, maior a sua cristalinidade.

98
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

4.3.1. Cristalinidade por densidade

A fase cristalina é mais densa do que as regiões amorfas devido ao empacotamento molecular,
consequência da ordenação. Quanto maior a densidade do material polimérico, maior o seu grau de
cristalinidade, e isso pode ser quantificado pela regra das misturas – considerando que um polímero
semi-cristalino é uma mistura de duas fases:

𝜌 = 𝜌𝑐 . 𝑋𝑐 + 𝜌𝑎𝑚. (1 − 𝑋𝑐 ) (4.1)

onde , c e am são as densidades da amostra, das fases cristalinas e amorfas respectivamente.
Rearranjando a Equação 4.1, tem-se:
𝜌−𝜌𝑎𝑚
𝑋𝑐 = 𝜌 (4.2)
𝑐 −𝜌𝑎𝑚

As densidades dos cristais e das regiões amorfas são valores fixos e são encontrados na literatura para
os polímeros comerciais (Brandrup et al. 2005) e alguns exemplos são exemplificados na Tabela 4.4.
Evidentemente, quanto maior for a diferença de densidade entre as duas fases, maior a precisão do
método. De acordo com a Equação 4.2, conhecendo-se as densidades das duas fases, a cristalinidade
passa a depender apenas da densidade determinada experimentalmente, o que pode ser feito por 3
principais técnicas:

Método de flutuação (ASTM D-792). Pelo princípio de Arquimedes, o corpo de


prova afundado em um líquido de densidade conhecida causa uma força de
empuxo que depende de sua densidade. O procedimento experimental é
bastante simples, necessitando apenas de uma balança analítica (precisão de,
pelo menos, 0,0001g). O método completo está descrito na norma citada e o
arranjo experimental pode ser conferido aqui, que é utilizado em corpos de prova
retirados de peças moldadas.

Método do picnômetro (ASTM D-854). Método adequado para amostras em pó ou


granulada, em que um dispositivo de vidro (picnômetro) é utilizado para determinar o
volume ocupado por uma massa de material, conforme mostrado aqui. Novamente, a
norma completa deve ser consultada para detalhamento. Este artigo mostra o
procedimento para determinação.

99
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Coluna gradiente (ASTM D-1505). É o mais trabalhoso dos métodos citados, requerendo um longo
tempo para estabilização térmica e de vibração. Consiste basicamente
em uma coluna de vidro contendo uma mistura de líquidos com
diferentes densidades. No interior da coluna são colocadas amostras
(padrões) de densidades conhecidas que flutuam até estabilizarem em
uma determina altura. O material a ser medido, geralmente granulado
ou uma pequena amostra retirada de uma peça moldada, é colocado na
coluna e a sua altura relativa aos padrões é utilizada na determinação da
densidade. O equipamento tem custo elevado e, em geral, é utilizado
pelas indústrias petroquímicas para controle de qualidade, pesquisa e
desenvolvimento. Veja aqui e aqui exemplos do procedimento.

Tabela 4.4. Valores padrão de densidade das fases cristalinas e amorfas de alguns polímeros. (Ehrenstein
and Theriault 2001)

Densidade fase cristalina Densidade fase amorfa


Polímero
(g/cm3) (g/cm3)
Polietileno 1,011 0,850

PP isotático 0,936 0,860

PET 1,455 1,335

PTFE 2,350 2,040

Poliamida 66 1,240 1,090

Apesar de ser um procedimento simples e de baixo custo (com exceção da coluna gradiente), a
determinação da cristalinidade por densidade é bastante precisa, sendo a técnica mais recomendada na
maioria dos casos. No entanto, possui existem importantes restrições: (i) quando a amostra possui
bolhas ou porosidades internas, pois isso reduz a densidade medida, dando a falsa informação de menor
cristalinidade; (ii) quando a amostra contém uma grande quantidade de aditivos, como cargas ou
retardantes de chama. Se forem mais densos do que o polímero, os aditivos irão aumentar a densidade
da amostra, mascarando o valor da cristalinidade correta. Em baixos teores de aditivos isso também
ocorre, evidentemente, mas pode ser de pouca influência e o efeito é proporcional à diferença de
densidades entre os componentes. Um alerta deve ser dado para a escolha do líquido, que deve ser

100
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

sempre inerte ao polímero e sem interações físico-químicas. Por exemplo, para polímeros solúveis em
água ou higroscópicos não se pode utilizar soluções aquosas nessa determinação. O método de
densidade se torna ineficiente quando as densidades das duas fases são numericamente muito
semelhantes, como no caso do poli(4-metil-1-penteno) que, inclusive possui a densidade dos cristais
menor do que a da fase amorfa8 – 0,812g/cm3 vs. 0,838g/cm3 (Elias 2008).

4.3.2. Cristalinidade por DSC

A calorimetria exploratória diferencial (DSC) é uma das principais ferramentas para


caracterização de materiais poliméricos. Uma
amostra de pequenas dimensões (5-7mg) é
colocada no porta amostra do equipamento (ver
imagem ao lado), que então é aquecido sob taxa
constante. Durante o aquecimento, a amostra
pode sofrer transformações endotérmicas ou
exotérmicas, causando uma diferença de
temperatura em relação ao porta amostra de
referência. Na sua versão mais usual, o
equipamento converte essa diferença de
temperatura em entalpia (energia absorvida ou liberada durante a transição), quantificando
energeticamente a transformação. A curva obtida, chamada de termograma, mostra as variações
energéticas que ocorrem durante o aquecimento ou resfriamento na forma de picos ou inflexões na
linha base, conforme o exemplo da Figura 4.10. As principais transformações térmicas observadas
durante a análise por DSC de polímeros são: transição vítrea, fusão, cristalização e decomposição. O
detalhamento deste e de outros tipos de análise térmica está além dos objetivos deste livro, mas existem
boas publicações nacionais neste tema (Lucas, Soares, and Monteiro 2001; Canevarolo 2004).

8
A explicação para isso é que esse polímero possui grupos laterais volumosos e cristaliza na forma de hélices
bastantes espaçadas, dificultando o empacotamento, mas mantendo a ordem a longas distâncias.
101
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Figura 4.10. Exemplo de DSC de um PET semi-cristalino, com as indicações de transição vítrea e de fusão.
Na figura, a seta no lado superior esquerdo indica a direção das transformações endotérmicas. Assim,
nesta convenção, picos para baixo são endotérmicos e picos para cima são exotérmicos. A direção dos
picos é invertida se a endotermia for indicada pela forma inversa. Como ambas convenções são muito
utilizadas, é preciso indicar a direção da endotermia (ou exotermia). Termograma obtido pelo autor.

Observe no termograma da Figura 4.10 que a transição vítrea mostra-se como uma região de
inflexão, ou seja, apresenta uma alteração na linha base, devido a uma mudança gradual na entalpia, e
não uma mudança brusca na forma de pico, como ocorre na fusão. Assim, enquanto a fusão é uma
transição térmica de primeira ordem, a transição vítrea é de segunda ordem. Ambas são transformações
endotérmicas, isto é, necessitam de energia para ocorrer, já que envolvem a mudança de um estado de
energia mais baixa (menor mobilidade molecular) para um
Tg1
estado com mais alta energia (alta mobilidade molecular). Na
imagem ao lado tem-se um recorte da região de transição Tg

vítrea da Figura 4.10 com a indicação de como a determinação


Tg2
é realizada. Como a transição vítrea ocorre em uma faixa larga
de temperaturas, o início ou o final da transição podem ser de interesse prático conforme o tipo de
aplicação. Alternativamente, reporta-se o valor médio entre as duas temperaturas indicadas.

Em um polímero semi-cristalino, a Tg nem sempre é facilmente


observada por DSC pois, primeiramente, envolve pouca energia, já que se
Em polímeros trata de uma transição de segunda ordem. Além disso, como é uma resposta
semicristalinos, a
Tg pode não ser apenas das fases amorfas, o percentual dessas fases em um polímero semi-
visível. cristalino é menor do que 100% e, assim, apenas uma fração da massa
utilizada durante o teste irá contribuir para essa transição. Evidentemente,
quanto mais cristalina a amostra, maior a dificuldade em observar a transição
102
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

vítrea. Por exemplo, suponha que seja feita uma análise por DSC com 6mg de um polímero 60%
cristalino. Nessa amostra, 40% da massa (apenas 2,4mg) irá contribuir para a transição vítrea, o que é
uma massa muito pequena e, como consequência, a inflexão se confunde com a oscilação da curva (o
chamado “ruído”), dificultando ou impossibilitando a determinação da Tg. De fato, a técnica mais precisa
para terminar Tg é por análise dinâmico-mecânica (DMA), assunto que será abortado na seção 6.1.6
deste livro.

O pico de fusão da Figura 4.10 envolve uma quantidade de energia absorvida pela amostra para
causar a destruição dos cristais, que é relacionada com o grau de cristalinidade pela equação 4.3:

∆𝐻𝑚
𝑋𝑐 = 4.3
∆𝐻𝜇

onde Hm é a entalpia de fusão da amostra, medida a partir do termograma9, e H é a entalpia de fusão
dos cristais do polímero em questão, um valor encontrado na literatura. Por exemplo, para o polietileno
H é 290J/g, para o PP é 209J/g e para o PET é 140J/g 10.

Nem sempre o pico de fusão é bem definido como o mostrado na Figura 4.10, em que a linha
base antes e após a fusão praticamente coincidem. Em muitos casos, o termograma na região de fusão
tem as suas linhas de referência não coincidentes, como exemplificado na Figura 4.11, sendo preciso
adotar um procedimento padrão para sistematizar a medida do grau de cristalinidade. O método mais
comum, é traçar duas tangentes – uma antes e outra após a transição. Nos pontos aonde as tangentes
desviam do termograma, marca-se como o início e o final da fusão, como ilustrado, determinando-se a
entalpia nesse intervalo. Por esse procedimento, pequenas diferenças entre a marcação do início e o
final da transição podem resultar em diferença significativa da medida da entalpia de fusão, sendo esta
uma das principais fontes de erro da técnica para determinação da cristalinidade de materiais
poliméricos.

9
Isso é feito com o próprio software do equipamento, devidamente calibrado para essa determinação quantitativa.
O procedimento de calibração geralmente envolve um teste com o metal índio, com propriedades térmicas bem
definidas.

10
Os valores de entalpia de fusão dos cristais podem variar bastante conforme a fonte. Por exemplo, para o PP,
valores de 209, 195, 165J/g e outros são reportados na literatura (Varga 1995). A escolha do valor de referência,
evidentemente, tem influência direta no grau de cristalinidade determinado experimentalmente.
103
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Figura 4.11. Termograma de fusão (obtido pelo autor) de uma amostra de polietileno. O termograma
não registra a transição vítrea, que ocorre em temperaturas muito baixo da ambiente.

A técnica de DSC tem ganho crescente popularidade, não apenas no meio acadêmico, mas
também nas indústrias – mesmo naquelas de porte médio. Isso tem sido facilitado pela redução do custo
de aquisição do equipamento, dado à produção em maior escala nas últimas décadas. Para a
determinação da cristalinidade por DSC, esta técnica tem a vantagem de se obter outras propriedades
do material durante a análise, como as temperaturas de transição vítrea, fusão, cristalização, etc. Na
presença de aditivos e vazios, não apresenta as limitações observadas na técnica por densidade, a não
ser nos casos em que o aditivo sofra transformações térmicas na faixa de temperatura de fusão do
material. Por outro lado, o DSC tem a desvantagem de a determinação da cristalinidade ocorrer
mediante o aquecimento do material, o que pode causar transformações (como cristalização ou
mudança de fase) durante o aquecimento, alterando a estrutura cristalina e o grau de cristalinidade
originais. As fontes de imprecisão nessas medidas recaem nos erros de pesagem 11, na arbitragem do
início e final da fusão e nos casos em que a decomposição ocorre durante ou imediatamente após a
fusão12. O procedimento experimental, incluindo a preparação de amostras, pode ser visualizado aqui e
um treinamento online sobre a técnica está disponível neste link.

11
Como se trata de massas muito pequenas, é necessário se utilizar uma balança com precisão de, pelo menos,
0,00001g.

12
As análises por DSC devem ser feitas sempre em atmosfera inerte, com purga de gás nitrogênio ou argônio,
evitando-se a oxidação do polímero durante a análise. A exceção, claro, é quando se deseja obter informações
sobre a decomposição do material em ambiente oxidante. É preciso alertar, no entanto, que o equipamento, em
geral, não possui uma resistência elevada ao contato com vapores e outras substâncias oxidantes oriundas da
decomposição de polímeros. Assim, estudos de decomposição por DSC devem ser evitados para prolongar a vida
útil do equipamento. Análise termogravimétrica (TGA) é uma técnica mais recomendada para esses casos.
104
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

A inflexão na linha base mostrada na Figura 4.10 é a forma mais usual de manifestação da
transição vítrea durante uma análise térmica por DSC. Entretanto, em alguns casos, pode ocorrer um
pico associado a esse ponto de inflexão, conforme ilustrado na Figura 4.12 para o PET. Embora esse
comportamento não seja muito reportado nos livros didáticos, trata-se de um fenômeno muito comum
quando o material possui orientação molecular causada pelo processamento. No exemplo da Figura
4.12, a chapa de PET foi produzido por extrusão plana seguido de um resfriamento em cilindro
refrigerado (veja o processo aqui). O resfriamento brusco causa o congelamento das moléculas
com orientação preferencial (frozen-in orientation) e, como o PET possui uma baixa velocidade
de cristalização devido aos grupos aromáticos, a estrutura resultante é amorfa e orientada. Durante o
ensaio por DSC, ao atingir a região da transição vítrea, os segmentos
moleculares passam a ter maior mobilidade e, como consequência, tendem a
Relaxação
molecular vs. relaxar sua orientação, adquirindo uma forma enovelada, que é mais estável
transição vítrea
termodinamicamente. Isso está associado a uma mudança endotérmica, que
é registrada no termograma. Efeito semelhante foi observado pelo autor em
outros polímeros processados com orientação molecular e que possuem T g
elevada, como o poli(metacrilato de metila), o poliestireno e o policarbonato. Polímeros com Tg abaixo
da ambiente não apresenta esse efeito pois a relaxação molecular ocorre logo após o processamento
devido à mobilidade das regiões amorfas. A Figura 4.12 também mostra um pico exotérmico entre a
transição vítrea e a fusão que corresponde à chamada cristalização a frio, que será apresentada na seção
5.4. Na seção 5.3 o uso do DSC será novamente abordado, dessa vez como uma técnica de grande
importância para os estudos de cristalização durante o resfriamento.

Figura 4.12, DSC de uma amostra de uma chapa de PET obtida por extrusão. Termograma obtido pelo
autor. Duas características do termograma não foram observadas nos anteriores: os picos referentes à
relaxação molecular e à cristalização a frio.

105
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

4.3.3. Cristalinidade por difração de raios-X

A difração de raios-X é a principal técnica para caracterizar o estado cristalino dos materiais,
sendo utilizada para determinar os planos cristalográficos,
orientação dos cristais, tamanho dos cristais, tipo de retículo
cristalográfico, etc. Um exemplo de um difratômetro comercial
está mostrado na imagem ao lado, enquanto que um vídeo
mostrando o experimento em laboratório pode ser conferido
aqui.

Nos polímeros semicristalinos, o difratograma obtido indica particularidades tanto de um


material cristalino, com os picos característicos do sistema cristalográfico, quanto de um produto
amorfo, com uma banda difusa (ver Figura 4.1). O grau de cristalinidade determinado por esta técnica
está relacionado com a proporção entre as respostas das duas fases:
𝐴𝑐
𝑋𝑐 = 𝐴 (4.4)
𝑐 +𝐴𝑎𝑚

Onde Ac e Aam são as áreas correspondentes às duas fases, conforme ilustrado na Figura 4.13. O método
baseia-se na separação entre as duas contribuições e, assim, a linha divisória entre elas é de fundamental
importância para a precisão das medidas. Existem alguns procedimentos para isso, incluindo: (i)
realização de um experimento com o polímero isento de cristais para obter o difratograma da curva
amorfa. Com esse formato, faz-se a escala correspondente até atingir a base dos picos cristalinos. Esse
procedimento só é viável quando for possível obter um material totalmente amorfo e, ao mesmo,
tempo, ele se mantiver assim durante a fase pós-moldagem e experimentos – o que nem sempre é
possível. (ii) Através da deconvolução das curvas correspondentes aos picos e determinação de suas
áreas, procedimento realizado através de softwares adequados, como o Mathematica® ou mesmo os
softwares de fabricantes de difratômetros. (iii) Através de um traçado subjetivo, compreendendo as
regiões de vale dos picos, em linhas suavizadas. Isso pode ser feito manualmente ou através de softwares
como o Origin®, como neste exemplo. (iv) Para alguns polímeros, existem procedimentos
predefinidos, com marcações indicando algumas posições no traçado da linha de separação,
como para o caso do polipropileno (Weidinger and Hermans 1961).

106
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 4.13. Exemplo de um difratograma do polipropileno, mostrando as respostas das duas fases
presentes – cristalina e amorfa. Difratograma obtido pelo autor.

A dificuldade em traçar a separação entre as fases é, indiscutivelmente, a maior limitação do


método uma vez que pequenas variações na posição da linha de separação podem resultar em grandes
diferenças na cristalinidade medida. Apesar disso, a difração de raios-X é de grande importância pois
também se obtém outras informações sobre o material, como mencionado acima. O custo do
equipamento é muito alto, limitando o seu uso praticamente em instituições acadêmicas e de pesquisa
e desenvolvimento.

4.3.4. Comparação entre os métodos para determinar a cristalinidade

Pelo exposto, verificou-se que todos os 3 métodos de determinação do grau de cristalinidade de


polímeros apresentam vantagens e limitações, sendo a escolha mais apropriada dependente do
material, tipo de amostra e eventuais outros objetivos envolvidos na caracterização. A Tabela 4.5 resume
essas características.

107
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Tabela 4.5. Comparação entre os métodos para determinação da cristalinidade.

Técnica Vantagens Limitações

Simplicidade
Baixo custo de equipamento (exceto
Imprecisão quando existirem bolhas ou
coluna gradiente)
porosidades
Densidade Alta precisão
Pode ser inviável em grandes
Rapidez (exceto coluna gradiante)
concentrações de aditivos
Adequado para todos os formatos de
amostras
Grande versatilidade do experimento, O aquecimento da amostra pode
com vários parâmetros alterar a estrutura cristalina do
DSC determinados material
Pode ser utilizado com aditivos, desde Certa imprecisão na determinação dos
que sejam inertes termicamente limites de fusão
Outros parâmetros estruturais podem
Altos custos de aquisição e de
ser determinados
manutenção do equipamento
Pode ser de boa precisão se linha de
Difração de Certa imprecisão na separação entre
separação entre as fases for traçada
raios-X frações amorfas e cristalinas
de modo sistemático
Determinação pode ser dificultada com
Ensaio realizado sem aquecer a
altos teores de aditivos
amostra

4.4. Morfologia dos polímeros

Morfologia é a maneira como os cristais poliméricos se estruturam e se apresentam visualmente,


por exemplo, quando vistos em um microscópio ótico ou eletrônico. Na descrição morfológica completa
se inclui as formações estruturais, seus arranjos mútuos e hierarquia (isto é, como as formações mais
complexas são constituídas a partir de elementos mais simples). Existem inúmeras formações
morfológicas reportadas na literatura, que dependem de vários fatores, como o tipo de polímero, de
suas características moleculares e, principalmente, das condições de cristalização. Um excelente registro
das mais diversas formas morfológicas dos polímeros foi compilado por (Woodward 1989). O principal
tipo de morfologia, presente também em produtos produzidos industrialmente, é o esferulito, conforme
o exemplo e a representação esquemática mostrados na Figura 4.14. Os esferulitos são estruturas
complexas, formadas por unidades intermediárias (lamelas ou fibrilas) que, por sua vez, são constituídas
por células unitárias. Esses elementos serão descritos na presente seção, iniciando-se pelas duas
principais teorias que buscam conciliar a estrutura macromolecular com a formação cristalina. Demais

108
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

formas morfológicas, além das lamelas, fibrilas e esferulitos, por terem menor importância prática, não
serão abordadas neste livro.

50m
(a) (b)

Figura 4.14. Exemplo de esferulitos de poli(etileno sucinato) (Wu et al. 2014) e representação
esquemática de um esferulito polimérico com a coexistência de regiões cristalinas e amorfas (McCrum,
Buckley, and Bucknall 1997). Note, pela barra de escala da figura (a), que o tamanho do esferulito pode
ser bastante elevado – em alguns casos, chega a alguns milímetros de diâmetro.

4.4.1. Teorias para explicar a cristalinidade dos polímeros

Existem basicamente duas teorias para explicar a disposição das cadeias macromoleculares nos
cristais poliméricos: a teoria da micela franjada e a teoria dos cristais de cadeia enrolada. Em ambas, a
dimensão do cristalito (pequeno cristal que representa as regiões ordenadas) na direção da cadeia é
muito pequena em comparação com o comprimento total da molécula estendida, de modo que a
continuidade da estrutura ocorre pela participação de uma mesma molécula em muitos cristalitos. Essas
são as chamadas moléculas atadoras (tie chains), que mantém os cristais presos entre si e são de
extrema importância para o desempenho mecânico dos polímeros semicristalinos.

A imagem ao lado mostra a representação


esquemática da micela franjada, que foi o primeiro modelo
coerente surgido para explicar a coexistência de cristais
poliméricos com regiões amorfas e o padrão difuso de
difração de raios-X observado em polímeros (Figura 4.15).
Esses padrões são geralmente caracterizados por (i) grande
alargamento de linha, indicando a existência de cristais
pequenos e imperfeitos e (ii) difração difusa, indicando a
presença de regiões amorfas. Embora conceito semelhante tenha sido originalmente proposto por
109
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Herman (em 1930) para explicar as estruturas da gelatina e da borracha natural, foi Bryant (em 1947)
quem associou esse modelo com a estrutura dos polímeros semicristalinos, em que os pequenos
cristalitos são embebidos em uma matriz amorfa. No modelo da micela franjada, as franjas representam
o material de transição entre as fases amorfas e cristalinas e uma cadeia polimérica passa
sucessivamente por diversas regiões desordenadas e por regiões organizadas (“micelas”).

(a) (b)
Figura 4.15. Imagens de difração de raios-X obtidas pelo método do pó. (a) poliestireno atático (amorfo);
(b) polietileno (semicristalino) (Bower 2002). O método do pó é um procedimento mais antigo para
análises por difração de raios-X, mas ainda hoje é utilizado em algumas situações, especialmente para
deduções de orientação cristalina.

Estimou-se, a partir da largura dos anéis do padrão de difração de raios-X, que o tamanho dos
cristalitos não excederia algumas centenas de angstrons. Assim, uma molécula que teria um
comprimento totalmente estendida de até 50.000 Å, por exemplo, poderia participar de até 100
cristalitos de acordo com o modelo da micela franjada. Por esse modelo, um polímero não seria jamais
totalmente cristalino uma vez que, a medida em que a cristalização progredisse, as porções das
macromoléculas nas regiões amorfas se tornariam sob tensão, impedindo a continuidade da
cristalização. O modelo explica bem o comportamento mecânico dos polímeros como dependente de
uma estrutura com percentuais de regiões amorfas e cristalinas. Explica também a formação das fibras
como um processo de alinhamento molecular e o fato de a fusão ocorrer em uma faixa de temperaturas,
devido à existência de cristais de diferentes tamanhos. Sendo um conceito coerente, simples e de grande
facilidade de entendimento, esse modelo teve aceitação absoluta na comunidade científica da época.
Até que chegou o ano de 1957...

110
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Em investigações por microscopia eletrônica de transmissão com cristais únicos de polietileno


(Figura 4.16), o pesquisador húngaro radicado na Inglaterra, Andrew Keller 13, observou em 1957 que
esses cristais em forma de lâminas (lamelas), romboédricos e regulares, com espessura da ordem de
100-200Å e alguns micrometros de dimensões laterais tinha um fato curioso. Medidas por difração de
elétrons revelaram o surpreendente fato de que o eixo da cadeia do polímero era perpendicular à
superfície do cristal. Uma vez que as moléculas poliméricas estendidas medem vários milhares de
angstrons, sendo, portanto, muito maiores do que a espessura dos cristais únicos analisados, a única
explicação aceitável para esse fato seria de que as cadeias estariam dobradas como uma fita e
reentrando no cristal com um ângulo de 180°. Em outras
palavras, a conformação das moléculas poliméricas
nesses cristais é caracterizada pela ocorrência de dobras
repetidas e regulares. Essa descoberta levou à
formulação do modelo da cadeia enrolada (ver imagem
ao lado) para representar esquematicamente a
disposição das cadeias poliméricas nos cristais únicos lamelares observados na Figura 4.16.

Figura 4.16. Microscopia eletrônica de cristais únicos de polietileno (Mv=50.000g/mol) cristalizados


isotermicamente a 89°C a partir de soluções diluídas em tetralina. (Mandelkern 2002)

13
Muito embora as publicações de A. Keller tenham se tornado as maiores referências nesse tema, estudos
anteriores por Storks (1938) foram realizados com a gutta-percha, chegando-se, essencialmente, nas mesmas
deduções de Keller. No mesmo ano de 1957, estudos independentes por Fischer & Naturforschg e Till também
indicaram a existência de cristais lamelares em polímeros (Elias 2008).
111
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Esse modelo se contrapôs ao da micela franjada – até então absoluto – e mostrou ser
estericamente (isto é, espacialmente) possível. No polietileno, por exemplo, apenas cinco átomos de
carbono participam da dobra, possibilitando a “volta” da cadeia em um empacotamento muito estreito.

As décadas seguintes registraram intensas discussões entre especialistas em estrutura e


morfologia de polímeros sobre a precisão e limitações de cada modelo. Um fato muito questionado no
modelo da cadeia enrolada é se a molécula, após formar a dobra,
reentra no cristal de forma regular ou irregular (ver imagem ao lado) –
em que a cadeia retorna em posições não definidas ou simplesmente
não retorna ao cristal, gerando um grande número de imperfeições. Há
evidências estruturais e cinéticas que favorecem a reentrada regular das
cadeias no cristal, como a existência de cristais únicos de forma
piramidal, com suas faces e ângulos que são cristalograficamente
determinados pelo empacotamento regular das dobras. Por outro lado, existem grandes evidências do
empacotamento irregular, tais como: (a) a densidade dos cristais únicos é menro do que a densidade
calculada pela célula unitária; (b) o padrão de difração de raios-X desses materiais também apresentam
um aspecto difuso. Ambos os argumentos são consequência do grande número de defeitos nos cristais,
causados pelo empacotamento irregular. Na evolução do entendimento dessas estruturas, chegou-se a
uma interpretação mais racional, em que dobras mais regulares
podem ocorrer em condições mais favoráveis, como em cristalização
isotérmica a partir de soluções diluídas e em tempos consideráveis,
enquanto que em condições mais “normais” a tendência de formação
de dobras irregulares é preponderante. Assim como no modelo da
micela franjada, as cadeias atadoras exercem função importante
também no modelo da cadeia enrolada, conectando os cristalitos,
conforme a ilustração ao lado (Pearson and Sperling 2019). A
literatura específica de cristalização e morfologia de polímeros dedica
grande atenção às discussões e teorias sobre as dobras, superfícies
dos cristais, empilhamento de lamelas, cristais únicos, etc. Como esse
tipo de aprofundamento transcende os objetivos principais deste
livro, deixo para o leitor algumas sugestões clássicas de literatura
complementar (Elias 2008; Mandelkern 2002; Bassett 1981; Wunderlich 1976; Gedde 1995).

Embora as discussões iniciais sobre a teoria mais adequada para explicar a disposição das
macromoléculas em um polímero cristalino tenham sido muito acirradas, atualmente (e já há um bom
tempo!) existe um consenso de que a teoria da cadeia enrolada é muito mais coerente e compatível com
as evidências experimentais. Esse modelo tem sido aplicado em quase todas as morfologias dos

112
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

polímeros, inclusive em casos complexos como os esferulitos. Talvez as únicas exceções sejam os
polímeros de cristalinidade muito baixa, como o PVC, e os cristais de cadeia estendida, em que o modelo
da micela franjada parece ser mais adequado.

Um jovem pesquisador que mudou o entendimento dos cristais poliméricos

No excelente livro “Polymer Physics” (Gedde 1995), o autor reproduz um


depoimento de Andrew Keller, quando estava em início de sua carreira. Em
versão mais livre, faço a transcrição abaixo:
“Eu era relativamente novo no H.H.Will Physics Laboratory (Bristol, UK),
aonde as pessoas, altamente preparadas, tinham a mente aberta para
aprender e fazer correlações entre os vários campos da física. Por outro
lado, a dificuldade era a quase total falta de equipamentos... As condições
experimentais eram frustrantes ao extremo, embora isso nos forçasse a
extrair o máximo daquilo que tínhamos disponível.
Outro aspecto negativo era a ausência de colegas com conhecimento em polímeros. Eu estava
sozinho e, como era ainda desconhecido, ninguém de fora vinha me visitar. E eu tampouco tinha
recursos para visitar outros pesquisadores. Para completar, meu acesso à literatura de polímeros
era altamente limitado. Dessa forma, eu vivi por dois anos em total isolamento da comunidade
científica relevante...
Quando eu disse a Sir Charles Frank que, pelos estudos combinados de microscopia eletrônica de
transmissão, difração de elétrons e SAXS, eu não via como as longas cadeias não serem
perpendiculares à superfície basal dos cristais (muito mais finas em relação ao comprimento das
cadeias) e, assim, darem voltas, ele disse: “é claro!”, e me estimulou a publicar o estudo
imediatamente(a).
Foi assim que, em 1957, em um “escritório” com fumaça, centelhas e raios-X espalhados, em total
isolamento e até ignorando o que estava acontecendo na ciência dos polímeros, os cristais únicos e
as cadeias dobradas foram reconhecidas”.
Andrew Keller (1925-1999)

(a) A. Keller, A note on single crystals in polymers: evidence for a folded chain configuration. Phil. Mag. 2, 1171-1175 (1957).

113
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

4.4.2. Células cristalográficas em polímeros

Deduzidas a partir de análises por difração de raios-X e com base nos ângulos e comprimentos
das ligações químicas da cadeia principal, as células unitárias dos polímeros não diferem, em princípio,
das existentes nos compostos usuais, de baixa massa molar. As células unitárias representam a estrutura
cristalográfica de um material que possui ordem a longas distâncias, se constituindo na menor
representação do cristal. Assim, qualquer forma estrutural pode ser descrita como um conjunto de
células unitárias, que são formadas por vários átomos e possuem dimensões estritamente definidas, que
são os parâmetros da célula. Caso o leitor não tenha familiaridade com essa área, sugere-se uma consulta
aos livros de ciência de materiais como, por exemplo, (Calister and Rethwisch 2016).

Um exemplo de célula unitária, a do polietileno, está mostrado ao lado. O PE cristaliza no sistema


ortorrômbico, cujos parâmetros de célula são: a=7,41Å, b=4,94 Å e
c=2,55Å e a densidade do cristal que corresponde a essas dimensões
é 1g/cm3. As moléculas do polietileno, como ocorre com outras n-
parafinas, estão em conformação planar zig-zag (conformação trans),
onde os átomos de carbono estão arranjados em um mesmo plano,
de modo que o parâmetro c da célula corresponde a 1 zig-zag. Essa
conformação é mais estável pois há menor impedimento estérico do
que em alternâncias trans-gauche. Por suas grandes dimensões, uma
molécula polimérica pode participar de muitas células consecutivas,
inclusive de formas cristalográficas diferentes e ainda de regiões amorfas. Como, em geral, existe
facilidade em rotação das ligações da cadeia principal, são raros os casos em que a conformação é
mantida a mesma ao longo de toda a extensão da molécula.

Células cristalinas de qualquer polímero semi-cristalino podem ser descritas de forma similar ao
polietileno, citado acima. Entretanto, cadeias lineares com substituintes laterais (como o polipropileno
e o poliestireno) não cristalizam na conformação zig-zig, especialmente quando os substituintes são
volumosos, mas sim na conformação helicoidal (ver seção 2.4) pois, assim, possibilita uma melhor
acomodação dos átomos no cristal. O passo da hélice nesses materiais pode conter um diferente número
de unidades monoméricas, dependendo da natureza do polímero. Uma outra situação favorável para a
formação de cristais com moléculas em conformação helicoidal é o de polímeros com alta polaridade,
como o PTFE, em que ocorre repulsão estérica na conformação trans.

114
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Assim como ocorre em alguns compostos de baixa massa molar, os polímeros são caracterizados
por polimorfismo, ou seja, podem formar cristais em sistemas cristalográficos diferentes conforme as
condições ou composição, e alguns exemplos estão mostrados na Tabela 4.6. Por exemplo, a forma
cristalina mais comum para o polipropileno é a monoclínica, mas quando cristalizado sob cisalhamento
e em determinada faixa de temperaturas, a fase hexagonal predomina. Na presença de determinados
aditivos, que atuam como agentes nucleantes heterogêneos, o PP pode formar cristais monoclínicos ou
hexagonais. Por outro lado, moléculas de PP menos regulares e com
baixa massa molar formam também a fase triclínica. Transições entre as
várias formas polimórficas podem ocorrer, tanto por ação de uma força
Mudanças
externa ou por mudança de temperatura. Por exemplo, o estiramento a cristalográficas
frio do polietileno altera as dimensões da célula unitária, para a=8,09Å e podem ocorrer

b=4,79Å, e pode haver também mudança do retículo cristalográfico – de


ortorrômbico para monoclínico. As várias formas cristalográficas afetam
as propriedades físicas e mecânicas desses materiais, como mostra o exemplo da Figura 4.17 para o PP.
Por fim, vale observar que, assim como ocorre com os cristais convencionais, os cristais poliméricos
também possuem defeitos diversos, como os de ponto ou de linha, sendo bastante influenciados por
imperfeições químicas na cadeia como ramificações, desvios de síntese, sequências atáticas, etc.

Tabela 4.6. Exemplos de sistemas cristalográficos em que alguns polímeros comerciais cristalizam (Elias
2008; Pearson and Sperling 2019).
Unidades
Sistema Conformação Densidade do
Polímero repetitivas por
cristalográfico molecular cristal (g/cm3)
célula unitária
Ortorrômbico 2 1,000
Polietileno Monoclínico 2 Zig-zag 0,998

Monoclínico 12 0,936
PP isotático Hexagonal 18 Helicoidal 0,922
Triclínico 12 0,939

PP sindiotático Ortorrômbico 8 Helicoidal 0,930

PS isotático Trigonal 18 Helicoidal 1,130

Monoclínico 8 Helicoidal 1,170


PA 6 Hexagonal 1 Zig-zag 1,240

PA 66 triclínico 1 Zig-zag 1,248

115
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Resist. Impacto (KJ/m)


8

0
Monoclinico Hexagonal
Tipo de célula unitária

Figura 4.17. Efeito da estrutura cristalográfica na resistência ao impacto do polipropileno (Tjong, Shen,
and Li 1996). A diferença de comportamento mecânico pode estar relacionada com o fator de
empacotamento, mais elevado na forma monoclínica – restringindo a deformação.

4.4.3. Cristais lamelares e fibrilares

Apesar das células unitárias serem a constituição básica de qualquer cristal e, portanto, das
morfologias ocorrentes, na maioria das vezes os estudos da relação entre a estrutura e propriedades dos
polímeros, cinética de cristalização, recozimento, etc., são realizados considerando formações
superiores, como as morfologias lamelares e esferulíticas.

Os cristais únicos lamelares são unidades monocristalinas, ou seja, são compostos apenas por
células unitárias coincidentes umas com as outras e que mantém um paralelismo periódico nas direções
apropriadas. Fisicamente, se apresentam como o mostrado na Figura 4.16, que representou o marco da
teoria da cadeia enrolada, e são obtidos em condições muito especiais, como soluções diluídas
(concentração de polímero menor do que 1%) e em temperaturas elevadas (próximo da própria
temperatura de fusão do material). Os cristais lamelares, que são elementos estruturais primários,
podem ser arranjados entre si para formar uma grande
diversidade de formas morfológicas mais complexas dos
polímeros semi-cristalinos. Isso ocorre em situações menos
propícias para a formação de cristais únicos, como em soluções
mais concentradas ou em temperaturas de cristalização mais
baixas. Exemplos dessas formações são os cristais piramidais,
“shish-kebab” (ver imagem ao lado), axialitos, dendritos, etc.
(Woodward 1989). Na imagem mostrada do shish-kebab se
observa um tronco central, que é formado por cristais de
cadeia estendida e cristais lamelares que crescem em direção perpendicular ao núcleo central.
116
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Um caso especial são os cristais únicos fibrilares, com a aparência de fitas ou fios, formados em
condições que impedem a formação de lamelas, quais sejam: altas taxas de evaporação do solvente em
soluções de concentração moderada ou pelo resfriamento a partir do melt. Nesses cristais o crescimento
cristalino ocorre predominantemente em uma direção cristalográfica e as cadeias são perpendiculares a
eixo maior do cristal, semelhante aos cristais lamelares, mas com comprimento maior do que a largura
e espessura. As estruturas fibrilares são a base principal de constituição dos esferulitos, que serão
descritos a seguir.

4.4.4. Esferulitos

Embora do ponto de vista científico os cristalitos sejam as unidades estruturais mais importantes
pois são a base de formações mais complexas, a entidades morfológicas chamadas esferulitos (o termo
significa “pequenas esferas”) são de muito maior interesse prático pois são obtidos a partir de condições
mais usuais, inclusive por técnicas de processamento industriais. Além disso, a morfologia esferulítica
tem uma influência muito mais direta nas propriedades mecânicas e óticas dos polímeros semi-
cristalinos.

Os esferulitos são estruturas compostas por lamelas cristalinas que crescem radialmente em 3
dimensões a partir de um núcleo comum e são conectados entre si por segmentos moleculares – as
cadeias atadoras. Assim, representam um conjunto de unidades cristalinas
e não um só cristal. As dimensões finais alcançadas dependem fortemente

São estruturas das condições de cristalização, podendo variar de poucos micrômetros até
complexas, alguns centímetros. Na maioria dos polímeros, entretanto, os esferulitos
formadas por
elementos básicos e não excedem 100m de diâmetro nas condições normais de
intermediários
processamento. Conceitualmente, as estruturas complexas dos esferulitos
são formadas por elementos básicos (como células unitárias e cristalitos)
e intermediários (como os cristais lamelares), caracterizando uma
hierarquia estrutural conforme a representação esquemática da Figura 4.18.

117
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Figura 4.18. Representação esquemática da hierarquia dos elementos cristalinos em um polímero


(Osswald 2012).

Os esferulitos são facilmente observados através da microscopia ótica de luz polarizada (ver
secção 4.4.6), exibindo o padrão característico de cruz de malta (Figura 4.14), com áreas birrefringentes
circulares. São formados sob condições de alta viscosidade ou de grande saturação do meio, ou seja,
quando o polímero cristaliza a partir do estado fundido (melt) ou a partir de soluções concentradas. A
formação da estrutura ocorre a partir de 3 estágios:

1. nucleação;
2. crescimento, ou cristalização primária;
3. cristalização secundária.

A nucleação é o ponto inicial (“marco zero”) da cristalização, que significa formação de um


núcleo. Isso pode ocorrer de forma homogênea (espontânea) ou heterogênea. A nucleação espontânea
é resultado de uma auto-orientação de segmentos moleculares, formando um pequeno ponto sólido no

118
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

meio líquido (melt) que funciona como sítio para posterior incorporação de novos segmentos e, assim,
consolidar o núcleo e iniciar o crescimento cristalino. Na maioria das situações, entretanto, o núcleo é
heterogêneo, se formando a partir de superfícies sólidas presentes no melt, como impurezas, pigmentos,
cargas e outros aditivos, resíduos de catalisador ou mesmo através de substâncias adicionadas
propositadamente para acelerar a etapa de nucleação – os chamados “agentes nucleantes”. Quando a
nucleação ocorre de forma heterogênea tem-se, como consequência, um maior número de núcleos, o
que reduz o tamanho médio dos esferulitos e isso tem grande influência nas propriedades mecânicas e
até nas propriedades óticas. Mesmo semi-cristalino, os polímeros com esferulitos pequenos podem ser
translúcidos ou até transparentes, o que pode ser altamente atrativo em determinadas aplicações, como
em embalagens alimentícias, por exemplo. O uso de agentes nucleantes será abordado com maiores
detalhes na seção 5.2.

Após a nucleação, com o núcleo consolidado, e, assim, menos imune a ser destruído pelo
movimento térmico, tem-se início à cristalização primária, que é o crescimento radial do esferulito na
forma de estruturas lamelares ou fibrilares,
conforme a representação esquemática ao
lado (Chan and Li 2005). A estrutura interna
do esferulito, portanto, é composta por
elementos lamelares ou fibrilares, que podem também ser denominados “cristalitos”, e por regiões
desordenadas entre os cristalitos (ver a representação esquemática da Figura 4.14). Considerando que
as cadeias poliméricas são muito grandes e, como consequência, partes dessas cadeias (que
chamaremos de “segmentos moleculares”) podem participar simultaneamente de várias formações
cristalinas, os cristalitos são mantidos unidos por moléculas que fazem parte de vários cristais – as
cadeias atadoras (tie-chains). Quando o esferulito atinge o tamanho suficiente para se encontrar (como
já mencionado, o tamanho depende do número de núcleos formados), as lamelas de esferulitos
adjacentes que se encontram atravessam os contornos dos esferulitos, preenchendo algumas regiões
no interior deles que ainda não tinham sido cristalizadas. Assim, os contornos dos esferulitos ficam
distorcidos e a estrutura assume a forma de um poliedro e não de uma esfera (Figura 4.14). A Figura 4.19
mostra esferulitos em estágios variados de crescimento, com alguns ainda na forma esférica e outros
com o formato poliédrico consolidado. As regiões de cor lilás na
imagem, não preenchidas com esferulitos, são frações ainda
completamente amorfas, no estado de melt. Um vídeo mostrando
o crescimento esferulítico com detalhes pode ser visto aqui.
Observe, a partir da posição 2min25seg no vídeo, que se visualiza
claramente o crescimento na forma fibrilar na periferia dos
esferulitos. No final do crescimento, todo o corpo do material

119
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

estará preenchido com esferulitos. Observa-se também na Figura 4.19 que existem esferulitos de
diferentes tamanhos, uma vez que tiveram os núcleos consolidados em diferentes tempos e, além disso,
alguns tiveram o crescimento restringido pelo contato com esferulitos adjacentes. Um outro vídeo,
produzido com aumento menor e, portanto, uma visão mais ampla dos diferentes momentos em que os
esferulitos são nucleados está mostrado aqui.

Ainda não
cristalizado
(melt)

Figura 4.19. Microscopia ótica de luz polarizada do polipropileno, obtido em estágio intermediário de
cristalização (Rabello 1996). Esse tipo de captação é realizado através de um microscópio ótico de luz
polarizada acoplado a um estágio de aquecimento, em que que se pode controlar as condições de
cristalização.

Com o encontro dos esferulitos tem-se o fim da cristalização primária e o início da chamada
cristalização secundária, demonstrada ocorrer durante algum tempo após o esferulito estar formado.
Essa etapa ocorre principalmente no interior do esferulito, na região inter-lamelar, através da
cristalização de segmentos moleculares menos cristalizáveis como, por exemplo, mais imperfeitos ou
que se encontram em regiões com maior nível de emaranhados moleculares. Esta etapa só é possível
ocorrer se o material estiver acima de sua temperatura de transição vítrea, uma vez que a cristalização
envolve a mobilidade das cadeias poliméricas.

120
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

A cristalização secundária pode ser completada alguns minutos após a cristalização primária
ou pode transcorrer durante horas ou dias. Essa escala de tempo está relacionada com a taxa de
cristalização do material, que depende de fatores como flexibilidade molecular, temperatura,
regularidade, etc. Uma vez que a cristalização secundária aumenta o grau de perfeição do material, isto
é, o seu grau de cristalinidade, as propriedades mecânicas podem ser alteradas durante esse processo.
Esse fato tem grande implicação prática, como, por exemplo, no controle de qualidade industrial em que
o tempo transcorrido entre o processamento e os testes mecânicos de qualidade causa alteração nas
propriedades do produto. Outra consequência relevante é na relação entre produtor e cliente. Se por
exemplo, a indústria de processamento realiza os testes mecânicos logo após o processamento e a
empresa contratante faz a sua inspeção de qualidade após dias ou semanas da produção, os resultados
podem ser diferentes caso a cristalização secundária seja significativa e ocorra lentamente durante a
armazenagem.

A cristalização secundária também tem influência nas dimensões dos produtos, uma vez que a
sua ocorrência implica em contração adicional, o que pode comprometer a precisão dimensional no caso
de peças técnicas que serão montadas em dispositivos contento vários componentes de encaixe (como
na imagem ao lado). Se isso ocorre, o projeto do
componente deve contemplar a contração adicional e/ou
o processamento deve ser ajustado para que o máximo de
cristalização ocorra durante a moldagem como, por
exemplo, pelo uso de agentes nucleantes ou por um ciclo
de resfriamento mais prolongado. No caso de polímeros
que possuam uma temperatura de transição vítrea acima da ambiente, como muitas poliamidas e
poliésteres, a cristalização secundária pode ocorrer durante o uso do artefato. Por exemplo, um
componente interno de um produto eletrônico produzido em PA6 (T g~50°C) pode completar a sua
cristalização durante o uso nesse ambiente aquecido, resultando em
contração adicional da PA6. Por essa razão, algumas indústrias adotam um
procedimento de recozimento, que consiste em aquecer o produto em
Recozimento para
estufa por tempo e temperaturas pré-determinados, acelerando a acelerar a
cristalização
cristalização secundária e, assim, evitando alterações durante o uso do
secundária
componente. Alguns dados estão mostrados na Figura 4.20, indicando que
aumento na resistência do material está intimamente associado com o
incremento no grau de cristalinidade. O procedimento de recozimento
pós-moldagem também pode ser realizado com o objetivo de aliviar as tensões internas causadas pelo
processamento, e um exemplo de equipamento industrial está mostrado aqui.

121
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Figura 4.20. Efeito do tempo de recozimento a 60°C na resistência à tração do polipropileno. O gráfico
interno mostra a evolução na cristalinidade (Rabello 1989).

Considerando a complexidade da estrutura molecular de um polímero, com cadeias de


diferentes tamanhos, graus de perfeição variados, emaranhados, defeitos químicos diversos e
aleatoriamente distribuídas, impurezas etc., é de se esperar que o processo de cristalização reflita essa
realidade e que a estrutura esferulítica tenha as suas heterogeneidades. Como a cristalização é um
processo seletivo14, o cristal em crescimento tende a incorporar segmentos moleculares mais propensos
a fazer parte do cristal, ou seja, mais cristalizáveis. Os segmentos menos cristalizáveis são segregados
pelos cristalitos em crescimento e deverão cristalizar nas regiões inter-lamelares ou mesmo durante a
cristalização secundária. As consequências dessas heterogeneidades terão também influência na
cinética de cristalização e na fusão dos cristais, que serão abordados no Capítulo 5.

4.4.5. Conexões interlamelares e interesferulíticas

Na secção anterior ficou claro que os esferulitos são morfologias complexas, formadas por
elementos intermediários, e não são completamente cristalinos. A menos que o grau de cristalinidade
seja muito baixo, o volume de um material é completamente preenchido com os esferulitos e, assim, o
grau de cristalinidade do esferulito é, em média, igual ao do polímero. Como a cristalinidade dos
polímeros é sempre menor do que 100%, conclui-se que há um volume de material amorfo no interior

14
De fato, a cristalização é um dos processos mais utilizados para a purificação de substâncias químicas. Por
exemplo, o açúcar “cristal” é resultado de um procedimento de purificação industrial por cristalização.
122
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

do esferulito, que pode ser na forma de: (i) falha de entrada das cadeias de volta às lamelas para formar
as dobras, gerando “loops”; (ii) moléculas atadoras entre os cristais; (iii) material amorfo nas regiões
interlamelares e (iv) defeitos no interior dos cristais.

A representação da estrutura esferulítica mostrada na Figura 4.14(b) indica que as regiões entre
os cristais lamelares são regiões amorfas e que existem conexões entre os cristais, que são compostas
por moléculas atadoras. As conexões interlamelares (ou intraesferulíticas) foram demonstradas em
muitos experimentos, que geralmente envolvem a extração de um segundo componente, co-cristalizado
com o polímero, e um exemplo está mostrado na Figura 4.21(a). Essas conexões visualmente observadas
na imagem são, provavelmente, cristais de cadeia estendida em forma fibrilar, com alguns micrômetros
de comprimento e cerca de 10nm de largura. Há também a possibilidade de haver moléculas atadoras
sem a ordenação na forma de cristal fibrilar.

(a) (b)

Figura 4.21. (a) Conexões interlamelares (intraesferulíticas), observadas por microscopia eletrônica de
transmissão (Tager 1978). (b) Conexões interesferulíticas, observadas por microscopia eletrônica de
varredura (Gedde 1995).

Os esferulitos também são conectados entre si por cristais fibrilares e moléculas atadoras (Figura
4.21(b). A formação dessas conexões deve seguir os mesmos princípios apresentados acima para o caso
das ligações interlamelares, baseando-se no próprio mecanismo em que ocorre o encontro dos
esferulitos (ver Figura 4.19). Existe um procedimento de dissolução e extração seletiva chamado de
“etching” (Bassett and Patel 1994) que pode ser aplicado para a remoção parcial das frações amorfas,
deixando os esferulitos mais visíveis em uma análise por microscopia eletrônica. Esse tipo de
procedimento deixa os contornos dos esferulitos mais bem definidos, como na Figura 4.21(b),
mostrando a intersecção dos esferulitos e como eles se conectam entre si.

123
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

O número de moléculas atadoras é substancialmente maior em polímeros com massas molares


elevadas em comparação com grades de menor tamanho molecular. Isso é consequência de a
cristalização acontecer simultaneamente em várias partes de uma macromolécula de grande tamanho.
Um bom exemplo para esse efeito está mostrado na Figura 4.22, em que amostras de polietileno de
diferentes massas molares foram cristalizadas nas mesmas condições e grandes alterações nas regiões
interesferulíticas foram observadas. Com massas molares mais baixas, os
contornos ficam mais espaçados, mostrando claramente as conexões entre
Cadeias atadoras os esferulitos. Com tamanhos moleculares maiores, os esferulitos se tornam
são fortemente
dependentes do mais presos entre si, reduzindo a percepção de descontinuidade em seus
tamanho contornos. Essa é a principal razão por que, em materiais semi-cristalinos, a
molecular
massa molar possui significativa influência nas propriedades mecânicas dos
polímeros. Por outro lado, essas conexões devem diminuir quando a
cristalização ocorre em temperaturas mais elevadas, em que, nessas
condições, a taxa de nucleação é baixa, o que resulta em um menor número de esferulitos e, assim, com
menos conexões interesferulíticas.

Figura 4.22. Esferulitos de polietileno de diferentes massas molares vistos por microscopia eletrônica de
varredura após etching (Greco and Ragosta 1988). Em polímeros semicristalinos, as conexões
interesferulíticas são determinantes para o comportamento mecânicos dos produtos.

124
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

SIM, líquido e cristalino ao mesmo tempo!

Existe uma classe especial de termoplásticos que exibem propriedades intermediárias entre os sólidos
ordenados e os líquidos comuns – são os polímeros líquidos cristalinos (LCP). São materiais que, por
sua anisotropia, se assemelham aos cristais e, por sua mobilidade, aos líquidos. Podem ser do tipo
termotrópico, caso o estado líquido cristalino ocorra em uma faixa de temperaturas, ou liotrópico,
caso ocorra em solução.
Os polímeros que formam cristais líquidos são os que possuem forma plana alongada com grupos
aromáticos e polares. Exemplos comuns são as poliamidas e poliésteres aromáticos e copolímeros
desses. Durante a fusão (ou dissolução) parte das cadeias poliméricas permanecem ordenadas em
forma fibrilar, que atuam como reforço à sua própria estrutura, isto é, são auto-reforçantes. Isso
ocorre devido à combinação de rigidez molecular com polaridade. O ordenamento no estado líquido
pode ocorrer em vários arranjos, como esmético, nemático, colestérico, etc.
As principais propriedades dos LCP´s combinam elevada resistência mecânica com resistência ao
calor, sendo também considerados como “super plásticos”. Nomes comerciais importantes são o
Vetra® (estrutura química acima) e o Kevlar®, utilizados respectivamente como componentes para as
indústrias eletrônica e automotiva e como fibras de alto desempenho.

A presença das conexões intra- e interesferulíticas são as grandes responsáveis pelas


propriedades mecânicas de resistência a tração e tenacidade dos polímeros semicristalinos uma vez que
elas atuam como transdutores de tensão entre os cristalitos, mantendo a coesão mecânica da complexa
estrutura morfológica. Dessa forma, em situações em que o número de moléculas atadoras for reduzido,
como em massas molares mais baixas, cada uma delas deve suportar uma força proporcionalmente
maior, o que diminui a resistência mecânica do material. Considerando que o número de conexões nos
contornos dos esferulitos é muito menor do que no seu interior, as moléculas atadoras interesferulíticas
são os elementos estruturais mais críticos para definir as propriedades mecânicas. De forma não
surpreendente, a fratura de um material semi-cristalino ocorre, na maioria das vezes, a partir de trincas
iniciadas nos contornos dos esferulitos e não no interior dos mesmos, pois o número de conexões é

125
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

muito menor na periferia dos esferulitos. Como a área superficial de uma partícula é inversamente
proporcional ao seu diâmetro, esferulitos menores possuem maior área superficial, com maior área de
contato com outros esferulitos e, assim, uma maior concentração de cadeias atadoras. Isso tem
consequência direta nas suas propriedades, conforme mostram os dados da Figura 4.23. Observa-se
também que a resistência ao impacto foi menor em amostras mais cristalinas, já que são as regiões
amorfas as maiores responsáveis pela absorção da energia aplicada no esforço de impacto.

Amostras menos
cristalinas são
mais resistentes
ao impacto

Figura 4.23. Efeito do tamanho do esferulito de polipropileno e de sua cristalinidade na resistência ao


impacto. Dados baseados em (Xu, Yu, and Jin 2001). Esse estudo foi realizado com o PP contendo agentes
de nucleação e cristalizado sob diferentes condições, obtendo-se diferentes morfologias e cristalinidades.

4.4.6. Esferulitos por microscopia ótica

Embora os esferulitos possam ser visualizados por microscopia eletrônica de varredura (Figura
4.21(b)) e por microscopia de força atômica – como na imagem ao lado
para esferulitos de EVA (Chan and Li 2005), o procedimento mais comum
e mais prático de observação é por microscopia ótica de luz polarizada
(Figura 4.14 e Figura 4.19), utilizando polarizadores transversos. Os
polarizadores são acessórios de um microscópio ótico de transmissão,
que permitem a vibração de luz em apenas uma direção. No caso do uso
de polarizadores transversos, os feixes de luz são emitidos em duas
direções ortogonais, possibilitando a observação do efeito ótico. A visualização de esferulitos por esse
tipo de equipamento ocorre em virtude da simetria radial de sua estrutura, em que os índices de refração

126
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

nas direções radial e tangencial são diferentes, caracterizando a natureza birrefringente. Isso é
consequência da orientação dos eixos cristalográficos das lamelas, que mudam continuamente ao longo
da coordenada angular. Assim, várias regiões de um esferulito transmitem diferentemente a luz
polarizada e o resultado é uma aparência de cruz de malta, cujos braços são paralelos às direções da luz
incidente.

A Figura 4.24(a) esquematiza esse tipo de efeito, em que as lamelas perpendiculares ao


polarizador A, cuja moléculas se encontram paralelas ao feixe de luz incidente, irão provocar extinção
de luz e, assim, aparecerem escuras. Da mesma forma, isso vai ocorrer também com as lamelas
perpendiculares ao polarizador B. Assim, as regiões dos esferulitos aparecem escuras nas regiões
paralelas aos feixes de luz dos dois polarizadores e aparecem claras nas demais posições, em que não
ocorre a extinção15. Observa-se na Figura 4.24(b) que o esferulito mostrado possui grande semelhança
com a representação esquemática, mas notam-se algumas microrregiões escuras, presentes em
conjunto com as áreas claras e também pontos claros nas regiões escuras. Acredita-se que isso ocorre
devido à orientação não perfeitamente radial das lamelas, juntamente com as ramificações das lamelas
que ocorrem durante um crescimento menos controlado (ver exemplos de ramificações lamelares na
Figura 4.25). Os esferulitos da Figura 4.26(a), por exemplo, mostram um padrão de cruz de malta muito
mais perfeito do que o da Figura 4.24(b).

(a) (b)

Figura 4.24. (a) Representação esquemática da visualização de esferulitos com polarizadores


transversos. (b) Esferulito de poliestireno isotático (Young and Lovell 2011).

15
As imagens originais obtidas pelo microscópio ótico de luz polarizada são em preto e branco, resultado do
fenômeno ótico de extinção. No entanto, é comum o registro de esferulitos coloridos (como nas Figura 4.14 e
Figura 4.19), o que ocorre devido a inserção de filtros de cor (tint plate) no equipamento.
127
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

(a) (b)

Figura 4.25. Exemplos de ramificações de lamelas no interior de esferulitos de poly(bisfenol A-co-decano)


cristalizados em duas condições: (a) 35°C e (b) 70°C (Chan and Li 2005). Observe que em temperatura
mais elevada a frequência de ramificações é bem menor, resultado de uma cristalização mais controlada.

(a) (b)

Figura 4.26. Imagens de esferulitos de polietileno em crescimento (a) e de esferulitos de PS do tipo anel
(b). (Mirau 2002). (c) Representação esquemática de uma lamela em esferulito do tipo anel.

Além do formato radial, o esferulito também pode cristalizar com uma textura em anel (Figura
4.26(b)). Esse tipo de morfologia também é constituído por cristais lamelares, mas a cruz de malta não
é visualizada como na morfologia convencional e sim como anéis alternados escuros e claros. Acredita-
se que esse efeito seja consequência da mudança de orientação de dois dos três eixos cristalográficos
em cada direção radial. Conforme a Figura 4.26(c), o eixo b do cristal é orientado ao longo do raio,
enquanto que a orientação dos eixos a e c variam helicoidalmente com o raio. O mesmo polímero pode
formar esferulitos dos dois tipos, radial e anel, dependendo das condições de cristalização. Esferulitos
do tipo anel são formados, em geral, em temperaturas mais elevadas, enquanto os esferulitos com
textura radial são formados em temperaturas mais baixas, conforme o exemplo da Figura 4.27.

128
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

(a) (b)

Figura 4.27. Esferulitos de tri(metileno tereftlato) cristalizados a 190°C (a) e 210°C (b) (Chen et al. 2007).

PARA DISCUSSÃO

Considerando que a cristalização secundária pode ter uma importante influência


nas propriedades do produto final, quais procedimentos as empresas devem
realizar para garantir a uniformidade de propriedades e evitar eventuais conflitos
com entre fornecedores e clientes?

Sugestões de atividades práticas

Estrutura e propriedades do PEAD e do PEBD. Prepare corpos de prova por injeção ou compressão do
PEAD e do PEBD, utilizando as mesmas condições de moldagem. Faça determinações de cristalinidade
pelos métodos disponíveis (densidade, DSC e/ou DRX) e realize ensaios mecânicos de tração e de
impacto. Compare os resultados obtidos com aqueles mostrados na Tabela 4.2.

Fusão e cristalização do polipropileno. Realize o ensaio de DSC em uma amostra de PP, determinando
o grau de cristalinidade pela entalpia de fusão. Após a fusão, programe o equipamento para resfriar a
uma taxa de 10°C/min e determine o grau de cristalinidade pela entalpia de cristalização. Repita o
procedimento de cristalização a duas outras taxas: 1°C/min e 30°C/min.

129
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

Efeito da temperatura do molde na injeção do PET. Realize a injeção de corpos de prova do PET
utilizando duas temperaturas de molde: 10°C e 40°C. Observe a transparência/opacidade obtida em cada
situação. Realize a difração de raios-X, DSC e ensaios mecânicos de tração, relacionando as propriedades
obtidas com o tipo de estrutura.

Esferulitos de polipropileno. Por compressão, produza filmes finos de PP sob diferentes condições de
resfriamento: (i) choque térmico em água gelada; (ii) resfriamento ao ar; (iii) resfriamento na própria
prensa, apenas desligando o aquecimento. Compare as diferentes morfologias por microscopia ótica de
luz polarizada. Determine a cristalinidade de cada filme por densidade ou DSC.

Cristalização secundária. Produza corpos de prova de PP e PEAD por injeção, utilizando uma
temperatura de molde de 20-25°C. Imediatamente após a injeção, faça a determinação da cristalinidade
por densidade e repita o procedimento (com as mesmas amostras) após 1h, 2h, 3h e 24h. Compare a
evolução da cristalinidade nos dois tipos de polímeros.

Sugestões para estudo complementar

Bower, D. I. 2002. An Introduction to Polymer Physics (Cambridge University Press: New York).

Elias, Hans-Georg. 2008. Macomolecules. Volume 3. Physical Structures and Properties (Wiley-VCH:
Weinheim).

Gedde, U. W. 1995. Polymer Physics (Chapman & Hall: London).

Mandelkern, Leo. 2004. Crystallization of Polymers: Volume 2: Kinetics and Mechanisms (Cambridge
University Press: Cambridge).

Pearson, R.A., and L. H. Sperling. 2019. Introduction to Physical Polymer Science (Wiley: New York).

Young, R. J., and P.A. Lovell. 2011. Introduction to Polymers (CRC Press: London).

Referências
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American Journal of Nanomaterials, 2: 4-7.
Bassett, D. C. 1981. Principles of Polymer Morphology (Cambridge University Press: Cambridge).
Bassett, D. C., and D. Patel. 1994. 'Isothermal Lamellar Thickening and the Distribution of Thermal
Stability in Spherulitic Isotactic Poly(4-methylpentene-1)', Polymer, 35: 1855-62.

130
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Billmeyer, F.W. 1984. Textbook of Polymer Science (Wiley: New York).


Bower, D. I. 2002. An Introduction to Polymer Physics (Cambridge University Press: New York).
Brandrup, J., E. H. Immergut, E. A. Grulke, A. Abe, and D. R. Bloch. 2005. Polymer Handbook (Wiley: New
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Paulo).
Canevarolo, S.V. 2004. Técnicas de caracterização de polímeros (Artliber).
Chan, C. M., and L. Li. 2005. 'Direct Observation of the Growth of Lamellae and Spherulites by AFM',
Adv.Polym.Sci., 188: 1-41.
Chen, X., G. Hou, Y. Chen, K. Yang, Y. Dong, and H. Zhou. 2007. 'Effect of molecular weight on
crystallization, melting behavior and morphology of poly(trimethylene terephalate)', Polymer
Testing, 26: 144-53.
Ehrenstein, G.W., and R.P. Theriault. 2001. Polymeric Materials: Structure, Properties, Applications
(Hanser Publishers).
Elias, Hans-Georg. 2008. Macomolecules. Volume 3. Physical Structures and Properties (Wiley-VCH:
Weinheim).
Gahleitner, Markus, Pirjo Jääskeläinen, Ewa Ratajski, Christian Paulik, Jens Reussner, Johannes
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Comonomer effects on crystallinity and application properties', Journal of Applied Polymer
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Gedde, U. W. 1995. Polymer Physics (Chapman & Hall: London).
Greco, R., and G. Ragosta. 1988. 'Isotactic Polypropylene of Different Molecular Characteristics:
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Lucas, E.F., B. G. Soares, and E. Monteiro. 2001. Caracterização de polímeros: determinação de peso
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Mandelkern, L. 2002. Crystallization of Polymers. Volume 1. Equilibrium Concepts (Cambridge University
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McCrum, N. G., C. P. Buckley, and C. B. Bucknall. 1997. Principles of Polymer Engineering (Oxford
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Osswald, T.A.; Menges, G. 2012. Materials Science of Polymers for Engineers (Hanser: Munich).
Pearson, R.A., and L. H. Sperling. 2019. Introduction to Physical Polymer Science (Wiley: New York).
Rabello, M. S. 1989. 'Comportamento F¡sico de Comp¢sitos Polipropileno-Atapulgita. Um Estudo
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Rabello, M. S. 1996. 'The Properties and Crystallization Behaviour of Photodegraded Polypropylene',
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Tager, A. 1978. Physical Chemistry of Polymers (Mir Publishers: Moscow).
Tjong, S. C., J. S. Shen, and R. K. Y. Li. 1996. 'Mechanical Behavior of Injection Moulded á-Crystalline Phase
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Tränkner, T., M. Hedenqvist, and U. W. Gedde. 1994. 'Molecular and lamellar structure of an extrusion-
grade medium-density polyethylene for gas distribution', Polymer Engineering & Science, 34:
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Varga, J. 1995. 'Crystallization, Melting and Supermolecular Structure of Isotactic Polypropylene.' in J.
Karger-Kocsis (ed.), Polypropylene: Structure, Blends and Composites (Chapman & Hall: London).
Weidinger, A., and P. H. Hermans. 1961. 'On the Determination of the Crystalline Fraction of Isotactic
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Woodward, A.E. 1989. Atlas of Polymer Morphology (Oxford University Press: New York).

131
4 – Estrutura dos Polímeros Cristalinos Marcelo Silveira Rabello

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dependence of physical properties of biodegradable poly(ethylene succinate) urethane ionenes',
RSC Advances, 4: 54175-86.
Wunderlich, B. 1976. Macromolecular Physics. Vol. 1: Crystal Structure, Morphology, Defects (Academic
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Xu, Tao, Jie Yu, and Zhihao Jin. 2001. 'Effects of crystalline morphology on the impact behavior of
polypropylene', Materials & Design, 22: 27-31.
Young, R. J., and P.A. Lovell. 2011. Introduction to Polymers (CRC Press: London).

132
Em uma planta industrial de produção de materiais plásticos, como na imagem acima, pode-se ter dezenas (ou
centenas) de máquinas injetoras – uma das principais tecnologias empregadas. O processo de injeção possui várias
etapas, sendo a fase de resfriamento/solidificação a mais longa e a que limita a produtividade industrial. No caso
dos polímeros semicristalinos, é na etapa de resfriamento que ocorre a cristalização do material, um fenômeno
fortemente dependente do tempo. A cinética de cristalização de polímeros, portanto, influi diretamente na
produtividade industrial, além de determinar também a morfologia, cristalinidade e, como consequência, as
propriedades físicas e mecânicas desses materiais.

Capítulo 5
Cinética de cristalização e fusão cristalina
Este capítulo trata da descrição da cristalização de polímeros sob a perspectiva cinética, e implicações para a
morfologia e propriedades dos produtos. O fenômeno também será abordado como dependente do
processamento, com suas dependências com a temperatura, pressão e fluxo. A fusão cristalina será descrita como
uma transformação abrangente e dependente da história de cristalização.
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

No capítulo anterior abordou-se a estrutura macromolecular e sua capacidade de cristalização


– a cristalizabilidade – com as implicações no grau de cristalinidade e em algumas propriedades críticas
dos materiais poliméricos. Tratou-se também das estruturas morfológicas, especialmente os esferulitos,
e as etapas de formação. Neste capítulo, os aspectos estruturais serão aprofundados, com maior
detalhamento nos seguintes tópicos:

• cinética de cristalização;
• agentes nucleantes;
• acompanhamento experimental da cristalização;
• cristalização a frio e recozimento;
• relação do processamento com a cristalização dos polímeros;
• a fusão cristalina e a temperatura de fusão de equilíbrio.

5.1. Cinética de cristalização1

A transformação de um polímero cristalizável do estado fundido (amorfo) em um material


semicristalino não é instantânea, mesmo nas condições mais favoráveis. O assunto “cinética de
cristalização” relaciona-se com a descrição temporal desse processo, tanto do ponto de vista
fenomenológico quanto do ponto de vista molecular. Como a cristalização ocorre em uma escala de
tempo, e é também função da temperatura, a cinética de cristalização terá grande influência não apenas
no grau de cristalinidade obtido, mas também nos detalhes morfológicos e orientação preferencial.

O mecanismo geral de cristalização é basicamente o mesmo dos compostos de baixa massa


molar, que consiste na formação de núcleos em uma fase líquida amorfa e o seu crescimento. Ambas as
etapas são fortemente dependentes da temperatura, conforme os gráficos da Figura 5.1, e todo o
processo de cristalização ocorre entre os limites Tg e Tm. Em temperaturas abaixo da transição vítrea não
ocorre nucleação devido à baixa mobilidade dos segmentos moleculares, enquanto em temperaturas
acima da Tm, haveria destruição dos eventuais núcleos e cristais formados. O crescimento cristalino é
favorecido em temperaturas mais elevadas, pois é mais dependente da mobilidade molecular. Por outro
lado, a nucleação é mais rápida em temperaturas mais baixas, pois é mais sensível à estabilidade dos

1
Como o objetivo deste livro está bem mais voltado para o interesse prático na aplicação dos produtos poliméricos
do que propriamente na descrição de teorias e modelos matemáticos, os tópicos aqui envolvidos serão
apresentados de forma objetiva, cobrindo os aspectos mais essenciais. Para necessidades específicas de
aprofundamento, recomenda-se a busca da literatura mais clássica neste assunto como, por exemplo, (Bassett
1981; Wunderlich 1976; Mandelkern 2004).
134
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

núcleos. Assim, os máximos desses dois processos são deslocados para os “lados” da Tg e da Tm,
respectivamente. A cristalização global, que depende dos dois processos, ocorre com máximo entre os
máximos anteriores.

Figura 5.1. Velocidades de nucleação (A), crescimento (B) e cristalização geral (C) em função da
temperatura. Abaixa da Tg não ocorre cristalização devido ao baixo movimento molecular, enquanto
acima da Tm ocorria destruição de cristais.

As taxas de cristalização também são muito dependentes da viscosidade do meio e, assim, a


cristalização a partir do melt é bastante diferente da cristalização que ocorre a partir de soluções. Outros
fatores que exercem grande influência na cinética de cristalização são a massa molar do polímero, a
flexibilidade e a regularidade molecular, etc. Em alguns polímeros, como o polietileno de alta densidade,
as taxas de nucleação e de crescimento são tão altas que os lados esquerdos das curvas da Figura 5.1
não são observados nos experimentos e isso praticamente impede o PE de ser produzido no estado
amorfo.

Como mencionado no Capítulo 4, o processo de nucleação pode ser homogêneo ou


heterogêneo. A nucleação homogênea (ou nucleação esporádica ou ainda
nucleação espontânea) ocorre por junção espontânea e ordenada de
segmentos moleculares no melt (ou solução) devido às flutuações térmicas
O tamanho
crítico para a (ou de concentração para o caso de soluções) que possibilitam continuamente
estabilização do
a formação e desagregação dos aglomerados moleculares que constituem o
núcleo
embrião do núcleo. Até que este embrião atinja um tamanho crítico, ele pode
ser destruído pelo movimento térmico, reiniciando o processo de nucleação.
No entanto, quando o núcleo atinge esse tamanho crítico, que é diretamente
relacionado com a temperatura em que a cristalização ocorre, ele se consolida e não mais é destruído

135
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

pelo movimento térmico. A partir daí, inicia-se o crescimento do cristal. A consolidação do núcleo é mais
favorável em temperaturas de cristalização mais baixas pois se tem menos energia para a destruição
desses embriões. No entanto, algum movimento molecular precisa existir para a junção dos segmentos
moleculares, daí a forma de sino (bell-shape) da Figura 5.1(A).

A Figura 5.2 representa, do ponto de vista termodinâmico, a relação entre a energia livre do
núcleo e o seu tamanho (ou do número de segmentos presentes no núcleo). Se o tamanho do embrião
for menor do que um valor crítico, que é fortemente dependente da temperatura de cristalização, o
processo é termodinamicamente desfavorável, com uma variação de energia livre positiva. A partir desse
tamanho crítico, a incorporação de novos segmentos moleculares resulta em redução na energia livre, e
assim, o embrião torna-se estável e não mais destruído pelo movimento térmico, passando a ser um
núcleo de cristalização consolidado que cresce espontaneamente.

Figura 5.2. Energia livre em função do tamanho do núcleo (Gedde 1995). A partir do tamanho crítico, o
processo se torna termodinamicamente favorável.

A nucleação homogênea, que ocorre pela agregação de segmentos moleculares sem a


interferência de substâncias sólidas estranhas, é considerada bastante rara em polímeros. Na nucleação
heterogênea, impurezas ocasionais, cristais poliméricos não completamente fundidos, cargas,
pigmentos ou o próprio recipiente de cristalização (que no processamento é o molde) podem atuar como
elementos externos que promovem uma condição energeticamente mais favorável para a consolidação
do núcleo. Nessa situação, a energia livre crítica para a formação do núcleo é menor do que para o caso
da nucleação homogênea e, assim, o tamanho crítico é atingido mais facilmente. Esse efeito é tão
significativo que aditivos podem ser incorporados exclusivamente com esse objetivo – são os agentes
nucleantes, que serão tratados na seção 5.2. É preciso energia para a formação do núcleo. Na nucleação
homogênea, essa energia é fornecida pelo super-resfriamento (diferença entre a temperatura de fusão

136
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

de equilíbrio2 e a temperatura em que ocorre a cristalização), enquanto na nucleação heterogênea parte


dessa energia pode ser fornecida pela superfície do agente de nucleação, aumentando a temperatura
de cristalização, a velocidade global de cristalização e, em muitos casos, também o grau de cristalinidade.
Portanto, a facilidade de haver nucleação heterogênea é sempre maior do que a formação de núcleos
homogêneos.

Uma vez consolidado o núcleo, tem-se início ao crescimento cristalino, com a adição de novos
segmentos moleculares ao cristal crescente. O crescimento pode ser uni- bi- ou tri-dimensional,
formando-se respectivamente cilindros (fibras), discos ou esferas. No conceito desenvolvido por
Lauritzen-Hoffman (Lauritzen and Hoffman 1960)3, o crescimento cristalino se dá pela deposição de
curtos segmentos moleculares (“steams”) na face frontal do
cristal em crescimento, em um processo semelhante à
nucleações sucessivas sobre as lamelas existentes, conforme
imagem ao lado. No final do processo de crescimento, os
elementos formados colidem e o crescimento é interrompido
nos locais de contato, como já descrito com os esferulitos (seção
4.4.4). Se a cristalização for realizada em uma temperatura
constante, o crescimento ocorre, em geral, de forma linear, ou seja, com uma mesma velocidade. No
crescimento esferulítico, por exemplo, o raio do esferulito aumenta linearmente com o tempo, conforme
os dados mostrados na Figura 5.3, onde a velocidade de crescimento é simplesmente a variação do
diâmetro do esferulito em um dado intervalo de tempo.

Se o experimento de cristalização for realizado em diferentes temperaturas, a taxa de


cristalização é substancialmente modificada. A Figura 5.4, por exemplo, mostra o efeito da temperatura
na velocidade de crescimento cristalino do PET, com curva similar à mostrada na Figura 5.1(B). Isso é
resultado dos efeitos combinados da nucleação e crescimento em cada temperatura, como já abordado.
Essa curva em forma de sino (bell-shape) nem sempre é observada na prática uma vez que diversos
polímeros possuem alta velocidade de cristalização em temperaturas mais baixas, que são controladas
pela taxa de nucleação, e, assim, a cristalização ocorre antes de atingir o equilíbrio térmico na
temperatura desejada.

2
A temperatura de fusão de equilíbrio representa o limite superior da fusão, quando os últimos traços de cristais
são destruídos. Esse conceito será descrito na seção 5.5.1.

3
Existem várias teorias para descrever o crescimento de cristais poliméricos do ponto de vista cinético, com
diferentes regimes de crescimento em função da temperatura, mas esse tema está além dos objetivos deste livro.

137
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Figura 5.3. Evolução do raio de esferulito durante a cristalização isotérmica do polipropileno a 125°C
(Rabello and White 1997b). Até que ocorre o contato entre as bordas dos esferulitos, o crescimento tende
a ser linear.

Figura 5.4. Efeito da temperatura de cristalização na velocidade de crescimento cristalino do PET


(Pearson and Sperling 2019). Note a semelhança desses dados experimentais com a curva esquemática
mostrada na Figura 5.1(C).

A velocidade de crescimento esferulítico é fortemente dependente da cristalizabilidade do


polímero, e um exemplo dessa influência está mostrado na Figura 5.5
para diferentes graus de isotaticidade. Quanto mais regulares forem as
moléculas, mais rapidamente ocorre a cristalização, seguindo a mesma Regularidade
molecular afeta a
tendência da cristalizabilidade. Moléculas menos perfeitas apresentam
cinética de
dificuldade em se ajustar às lamelas em crescimento na deposição dos cristalização
steams de forma ordenada sobre o cristal em crescimento. Nos dados
mostrados, observa-se também a grande influência da temperatura de
cristalização – uma redução de apenas 6°C resultou em velocidades de crescimento 4 vezes maiores. Isso

138
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

tem grande importância prática para o processamento, uma vez que nos polímeros semi-cristalinos a
etapa da produção correspondente à solidificação do produto é a mais lenta e mais limitante para a
produtividade industrial. Evidentemente, nem sempre se pode realizar um procedimento baseando-se
apenas em um aspecto envolvido. Por exemplo, ao se conduzir a cristalização em temperatura mais baixa
para acelerar a sua ocorrência, pode-se resultar em um material com menor grau de cristalinidade,
levando à redução em determinadas propriedades físicas e mecânicas. Além disso, uma baixa
temperatura de molde também dificulta o preenchimento durante a injeção. Um compromisso de
efeitos precisa ser definido para obter um melhor balanço possível entre propriedades e produtividade.
Felizmente, existe um caminho interessante para se ter o benefício de ambos esses fatores – que é pelo
uso de agentes nucleantes, que será tratado a seguir.

Figura 5.5. Efeito do percentual de isotaticidade na velocidade de crescimento esferulítico do


polipropileno em duas diferentes temperaturas. Dados baseados em (Keith and Padden 1964). O
percentual de isotaticidade é um parâmetro que define a regularidade molecular em termos de
posicionamento dos grupos laterais e é definido pelo controle durante a polimerização.

5.2. Agentes nucleantes

Como mencionado anteriormente, a nucleação pode ocorrer de forma espontânea, nucleação


homogênea, ou de forma heterogênea, a partir de partículas sólidas presentes no melt. Dada a grande
importância da nucleação heterogênea e os seus efeitos sempre positivos, passou-se a desenvolver
aditivos especialmente para esta finalidade – os agentes nucleantes. As vantagens no uso de agentes
nucleantes heterogêneos para acelerar a cristalização de polímeros estão mostradas a seguir.

139
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Maior transparência do produto

Os agentes nucleantes aumentam o número de núcleos ativos durante a cristalização do polímero,


acelerando a taxa de nucleação. Assim, forma-se um maior número de
esferulitos e o tamanho médio dos cristais lamelares são também
reduzidos. O menor tamanho das lamelas e dos esferulitos interferem
menos no caminho ótico da luz visível sobre o produto, reduzindo o
espalhamento. Na prática o produto se torna mais transparente, o que
pode ser um grande atrativo para determinadas aplicações. Por exemplo,
seringas médicas e recipientes, ambos em polipropileno, utilizam agentes
nucleantes com essa finalidade. Devido a esse efeito, os nucleantes são
também chamados de “clarificantes”. Esse efeito quebra o conceito usual de
que um produto transparente é sempre amorfo uma vez que os cristais
tendem a espalhar a luz incidente. Essa é um importante exceção e de grande interesse para muitos
campos de aplicação.

Ciclo mais curto de injeção

O grande limitador no tempo de ciclo de injeção de materiais plásticos é a etapa de resfriamento. A


máquina injetora, que possui vários movimentos durante o ciclo (dosagem, injeção, recalque, extração,
etc), fica, em determinado momento, literalmente parada,
aguardando a solidificação da peça para possibilitar a abertura
do molde, a extração do produto e o reinício do processo. Um
exemplo esquemático do ciclo completo de operação de uma
injetora industrial pode ser observado neste link. No
caso de polímeros cristalizáveis, a etapa de molde
fechado envolve não apenas o resfriamento do melt, mas
também a cristalização do material. O tempo de resfriamento se torna ainda mais longo (e mais limitante
para a produtividade) no caso de produtos com elevada espessura, uma vez que a troca de calor entre o
molde e o interior da peça é lenta devido à baixa condutividade térmica dos polímeros. Caso se retire a

140
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

peça não completamente cristalizada do molde, poderá haver empenamento do produto. Ao acelerar a
nucleação e, consequentemente, a cristalização do polímero, os agentes nucleantes viabilizam a
abertura do molde e extração da peça em uma temperatura mais elevada, mas com a cristalização
concluída. Isso resulta em uma redução no ciclo de injeção (ou de outros processos, como a
rotomoldagem), economizando alguns segundos no tempo de molde fechado e, assim,
aumentando a produtividade industrial. Por exemplo, ao reduzir o tempo de ciclo de injeção,
de 27 para 22 segundos, haverá uma produção adicional (em potencial) de aproximadamente 260.000
peças ao ano em cada injetora (considerando um regime de produção de 24h/dia, 360dias/ano).
Transforme esses números em lucro industrial e constate a importância econômica desse efeito...

Maior estabilidade dimensional

Uma questão importante com relação à produção e aplicação dos produtos plásticos é a estabilidade
dimensional. Produtos com baixa estabilidade dimensional têm alterações dimensionais e, mais
frequentemente, empenamento. A mudança dimensional refere-se à contração pós moldagem que o
produto apresenta, que é resultado de sua cristalização
secundária. A distorção, por outro lado, pode ser devido à vários
fatores4, mas quando ocorre durante o uso e não logo após o
processamento, está relacionada com as relaxações
moleculares que o material apresenta caso seja submetido à temperatura elevada em serviço. Nesse
caso, o uso de agentes nucleantes aumenta a estabilidade dimensional do produto uma vez que (i) a
cristalização estaria mais completa durante o processamento, reduzindo a fração de material ainda apto
a cristalizar durante o uso; (ii) uma estrutura com esferulitos menores e, assim, com maior número de
cadeias atadoras é mais interconectada, reduzindo os efeitos negativos das relaxações moleculares e,
além disso, (iii) os polímeros com nucleantes possuem, frequentemente, maiores grau de cristalinidade,
o que já aumenta a estabilidade dimensional.

4
O empenamento durante (ou logo após) o processamento é um dos mais frequentes problemas industriais, sendo
relacionado com uma grande variedade de fatores, que incluem características de projeto do produto, projeto do
molde, condições de processamento e tipo de material. Isso pode ser previsto pelos softwares de simulação de
processamento e, assim, ser minimizado durante a produção. Veja este vídeo explicativo do fenômeno e das
possibilidades de solução.
141
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Melhores propriedades mecânicas

Como apresentado anteriormente (Capitulo 4), as propriedades mecânicas dos polímeros semicristalinos
são muito dependentes do número de cadeias atadoras inter-esferulíticas. Um maior número dessas
cadeias é conseguido utilizando grades de alta massa molar ou cristalizando o polímero em uma
condição em que se obtenha esferulitos de pequeno tamanho. A primeira alternativa recai no
inconveniente de resultar em uma viscosidade muito elevada no estado fluidoviscoso, o que pode
dificultar o processamento, especialmente nos casos em que se necessita altas velocidades, como na
injeção de paredes finas e longas. A segunda alternativa pode também não ser a ideal pois as condições
de cristalização nas quais se obtém esferulitos pequenos, como altas taxas de resfriamento, restringe o
desenvolvimento da cristalinidade, o que pode ser indesejável quando se requer elevada rigidez,
resistência tênsil ou HDT. O uso de agentes nucleantes força a ocorrência da nucleação heterogênea,
com um maior número de pontos de
nucleação. Assim, esferulitos menores são
formados e, frequentemente, se tem também
um maior grau de cristalinidade. Na imagem
ao lado, a figura da esquerda é o polipropileno
normal (sem agentes nucleantes) e a da direita
é o mesmo grade, cristalizado sob as mesmas
condições, mas contendo agentes de
nucleação. Observe a grande diferença no tamanho dos esferulitos – com nucleante, os esferulitos são
tão pequenos que são pouco perceptíveis no aumento utilizado. A alternativa de se incorporar agentes
nucleantes em polímeros cristalizáveis para controlar suas propriedades mecânicas e HDT é considerada
ideal uma vez que não tem as desvantagens mencionadas acima. Com um maior número de cadeias
atadoras se tem um produto mais resistente – tanto na tração quanto no impacto – e, sendo ele mais
cristalino, apresentará maiores valores de módulo elástico, HDT e Tvicat.

Os principais agentes nucleantes comerciais são compostos orgânicos à base de sais de ácidos
carboxílicos e os inorgânicos, como cargas minerais. Certos pigmentos e cargas também podem ter esse
tipo de atuação. O efeito nucleante obtido depende da combinação polímero-aditivo uma vez que o melt
polimérico necessita “molhar” a superfície sólida do nucleante para este funcionar como ponto de
ancoragem dos segmentos moleculares e, assim, iniciar a cristalização. Como é preciso haver uma
afinidade química entre o polímero e o agente nucleante, um determinado aditivo pode ser um

142
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

excelente nucleante heterogêneo para um determinado polímero, mas não ser efetivo em outro. Em
geral são utilizados em baixas concentrações (0,05 a 0,5%) e são incorporados durante o processamento
através de master batches5. Maiores detalhes sobre esse tipo de aditivo pode ser encontrado na
literatura específica sobre o tema (Rabello and de Paoli 2013; Zweifel 2001).

Os principais polímeros que recebem o agente nucleante são aqueles que, além de cristalizáveis,
apresentam uma velocidade de cristalização intermediária e, em virtude disso, o aumento na velocidade
implica em efeitos significativos. Por exemplo, o polipropileno e poliamidas têm as suas estruturas
cristalinas fortemente dependentes das condições de cristalização, que ocorre em velocidade
relativamente baixa, o que limita a produtividade industrial. Esses são os polímeros que mais recebem
aditivos nucleantes. Como o PET também possui as mesmas características, também é aditivado com
nucleantes caso de deseje produzi-lo no estado semicristalino. Por outro lado, polímeros que cristalizam
muito rapidamente, como o polietileno de alta densidade, não apresentam grandes vantagens no uso
de nucleantes pois o ganho em velocidade de cristalização não é significativo. De forma análoga,
polímeros que, embora cristalizáveis, possuam uma baixíssima velocidade de cristalização, como o
policarbonato, também não necessitam nucleantes pois a presença destes não o tornaria um produto
semicristalino na escala de tempo do processamento industrial. Na prática o policarbonato é utilizado
no estado amorfo ou com baixíssimo grau de cristalinidade.

Não é incomum o agente nucleante induzir uma determinada fase cristalográfica no polímero.
Por exemplo, o polipropileno, na maioria das situações, cristaliza no sistema monoclínico mas, na
presença de certos aditivos nucleantes, forma também a fase hexagonal.
A Figura 5.6 exemplifica esse efeito, observado por difratogramas de raios-
X. Note que a fase  está pouco presente no polímero original mas é
Nucleante pode
induzir fase predominante no PP com nucleante. Esse tipo de efeito tem algumas
cristalográfica
consequências práticas. Para o caso do PP, por exemplo, a fase hexagonal
possui menor temperatura de fusão e gera produtos com maior
tenacidade e menor resistência à tração em relação a situações em que a
fase monoclínica é predominante. Os dados na Figura 5.7 mostram que, mesmo em pequenas
concentrações, o teor da fase hexagonal é significativo, o que altera consideravelmente a resistência ao
impacto do polímero. Observe que, para esse exemplo, a concentração desta fase não aumenta
proporcionalmente com o teor do nucleante e que existe uma forte correlação entre o teor da fase  e

5
Master batch, ou simplesmente master, é um concentrado de determinado(s) aditivo(s) em um polímero-veículo
e são adicionados diretamente no processamento. Em geral são utilizados quando se requer uma concentração
final relativamente baixa de aditivos e, como são previamente dispersos no polímero-veículo, não requerem uma
etapa adicional de mistura dispersiva.
143
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

a tenacidade do material. O teor de fase  (B)é calculada através dos difratogramas como uma simples
relação entre as intensidades dos picos correspondentes (Turner-Jones, Aizlewood, and Beckett 1964):

h
B= (5.1)
h1 + h2 + h3 + h

onde h é a altura, acima da linha do background amorfo, do pico correspondente ao plano (300) e h1,
h2 e h3 são as alturas correspondentes às reflexões monoclínicas (110), (040) e (130), respectivamente.

Figura 5.6. Difratogramas de raios-X do polipropileno puro e contendo 0,05% de BCHE30, um composto
dicarboxilato, que induz a fase hexagonal () (Zhao, Cai, and Xin 2008). Note que o PP sem nucleante
possui apenas uma pequena resposta da fase , como observado pelo pico (300), sendo
predominantemente monoclínico ().

Figura 5.7. Efeito da concentração do agente nucleante BCHE30, um composto dicarboxilato, no teor de
fase hexagonal e na resistência ao impacto do polipropileno (Zhao, Cai, and Xin 2008).

144
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Caso uma carga fibrosa tenha ação nucleante, haverá o chamado crescimento epitaxial,
conforme a imagem ao lado (Abdou et al.
2016). Nesse caso, os pontos de nucleação
ocorrem ao longo do comprimento da fibra
e, devido a isso, os cristais não crescem nas
3 direções e sim na direção ortogonal às
fibras (ver imagem menor) pois eles se
tocam lateralmente. Note na imagem que o
polímero adquire dois tipos de morfologia:
(i) a de crescimento epitaxial, próximo à
fibra e (ii) morfologia esferulítica convencional em posições mais distantes da fibra. Existe, portanto,
uma diferença na orientação dos eixos cristalográficos e pode haver também, a depender da ação
nucleante da fibra, uma diferença no tipo de fase cristalográfica. Observe ainda na imagem acima que a
região de crescimento transcristalino está completa, enquanto as regiões distantes da fibra ainda não
completaram a sua cristalização no instante em que a imagem foi capturada.

Pelo reportado nesta seção, é inegável a grande importância dos agentes nucleantes para
determinados polímeros cristalizáveis – tanto do ponto de vista tecnológico quanto no alcance de
determinadas propriedades estratégicas. Para a aplicação coerente do tipo e teor desse aditivo é
necessário desenvolver uma formulação adequada e, para isso, testar a eficiência do nucleante. Na
prática pode haver grandes diferenças nos efeitos obtidos conforme a natureza do polímero e do aditivo
adicionado. Os principais procedimentos para avaliação do efeito de nucleantes recaem nas seguintes
possibilidades:

• Avaliação da textura morfológica, principalmente por microscopia ótica de luz polarizada. Pode-se
comparar o tamanho médio dos esferulitos das várias composições em estudo.

• Avaliação da transparência. Como uma das principais consequências da redução no tamanho dos
cristais é o aumento na transparência, esta propriedade pode ser utilizada como critério de
eficiência do agente nucleante. Além dos métodos tradicionais usando espectroscopia no visível,
existem aparelhos mais simples e baratos para medir a transparência de filmes e produtos
moldados com o uso de medidores portáteis. Esse é o método mais utilizado quando o nucleante é
utilizado com o objetivo de reduzir a opacidade dos produtos.

145
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

• Efeito nas propriedades. O balanço de propriedades, que é função da combinação do grau de


cristalinidade e da morfologia, pode ser um dos critérios a serem adotados, utilizando as medidas
tradicionais de, por exemplo, resistência tênsil e ao impacto, módulo elástico, HDT, etc.

• Calorimetria exploratória diferencial (DSC). De todas as opções, esse é método mais prático, rápido
e quantitativo. O procedimento mais direto é pela determinação da temperatura de cristalização
durante o resfriamento, conforme o exemplo da Figura 5.8. Nesse caso, a amostra é aquecida até
acima da temperatura de fusão e, em seguida, resfriada a uma
velocidade constante. O deslocamento do pico de cristalização para
temperaturas maiores é consequência da ação do agente nucleante,
Método mais
que viabiliza um maior número de núcleos estáveis em temperaturas recomendado para
mais altas, situação em que a taxa de crescimento é mais significativa avaliar a eficiência
de nucleantes
(Figura 5.1). A consequência final é uma velocidade maior de
cristalização, que se completa em temperaturas mais elevadas. Com
a crescente utilização do DSC como ferramenta usual de
caracterização de polímeros, tanto em ambientes acadêmicos como em indústrias, essa técnica é a
mais difundida para o desenvolvimento de formulações contendo agentes nucleantes.

Figura 5.8. Termogramas de DSC obtidos durante o resfriamento do polipropileno puro e com talco
(Rabello 1996). O talco atua como nucleante para o PP, deslocando a temperatura de cristalização para
valores mais altos.

Um exemplo comparativo da importância do DSC para diferenciar o efeito obtido com vários
tipos e concentrações de aditivos está mostrado na Figura 5.9. Nota-se uma grande diferença nos
146
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

resultados comparando-se os três tipos de nucleantes, em que um deles confere valores mais elevados
de temperatura de cristalização com a adição de quantidades bem reduzidas – apenas uma fração do
que seria necessário adicionar do aditivo menos eficiente. Nesse aspecto, vale também o princípio geral
da aditivação de polímeros, em que o mais desejável é se obter o máximo de efeito com a mínima
concentração adicionada; dessa forma, se reduz os eventuais problemas de efeitos negativos em outras
propriedades, de interações antagônicas entre aditivos e, por último, mas não menos importante, com
maior tendência de a formulação ser mais econômica (mesmo que o aditivo tenha um custo mais
elevado por Kg). Além da temperatura de cristalização, a técnica de DSC também permite outras
determinações, como grau de cristalinidade, transição vítrea, faixa de fusão, temperatura de
decomposição, etc. O DSC também pode ser utilizado para medições cinéticas mais complexas, tema
que será abordado na próxima seção.

Figura 5.9. Efeito do tipo e concentração de agente nucleante na temperatura de cristalização do PP.
PVCH: poli(vinil ciclo hexano); M 3988: derivado de sorbitol; NA 21E é um produto comercial com
composição química não revelada (Menyhárd et al. 2009).

5.3. Acompanhamento da cristalização

O acompanhamento experimental no decorrer da cristalização é um fundamento necessário


para se determinar a cinética do processo e pode ser realizado por dois diferentes tipos de
procedimento: (i) acompanhando uma propriedade do material que varia com a cristalinidade
instantânea em função do tempo – a uma temperatura constante ou não; (ii) pela observação direta da

147
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

formação e crescimento dos cristais em um microscópio ótico de luz polarizada com estágio de
aquecimento. No primeiro caso, usa-se a relação:

𝑃𝑖 = 𝑋𝑐𝑖 . 𝑃𝑐 + (1 − 𝑋𝑐𝑖 )𝑃𝑎 (5.2)

onde Pi é a propriedade investigada instantaneamente e Pc e Pa são os valores desta propriedade do


polímero em questão para as condições de totalmente cristalino e totalmente amorfo, respectivamente,
e Xci é o grau de cristalinidade instantâneo. Para usar essa relação, assume-se que as propriedades das
fases amorfas e cristalinas do material sejam independentes de suas proporções, o que nem sempre é
verdade devido à interferência dos emaranhados moleculares, dobras irregulares, etc.

O uso da Equação 5.2 para o acompanhamento da cristalização de forma instantânea, ou seja,


no momento em que ela está ocorrendo, só é possível com a escolha de uma propriedade que seja
claramente dependente da fração dos componentes amorfos e cristalinos presentes e, igualmente
importante, que seja mensurável experimentalmente. Por exemplo, o módulo elástico atende ao
primeiro requisito, mas não é prático determiná-lo de forma instantânea durante a transformação de
melt para sólido semi-cristalino. Além disso, o módulo também depende de outros fatores, como a
orientação molecular e o tipo de sistema cristalográfico, o que poderia, eventualmente, mascarar os
resultados. Combinando os dois requisitos acima, os principais procedimentos para acompanhar a
cristalização de forma instantânea estão descritos abaixo. Em nenhum dos acompanhamentos
mencionados é necessário determinar exatamente o grau de cristalinidade em um determinado tempo,
uma vez que se considera valores proporcionais à cristalinidade instantânea.

(a) medidas de volume específico. A densidade é o método mais preciso para aferir o grau de
cristalinidade de polímeros (seção 4.3.1) mas a sua determinação instantânea não é fácil. O volume
específico, que é o inverso da densidade e tem um outro princípio para a determinação experimental,
pode ser acompanhado com relativa facilidade por métodos dilatométricos, utilizando dilatômetro ou
por análise termo-mecânica. Exemplos de curvas obtidas por este procedimento estão mostrados na
Figura 5.10(a) que, pelo formato característico, são chamadas de curvas em “S”. Nesse tipo de ensaio
observa-se que, a partir de certo tempo, o volume estabiliza, o que caracteriza o final da cristalização
para uma dada temperatura. A partir desses dados se pode realizar estudos de cinética de cristalização,
utilizando modelos cinéticos, como o de Avrami (ver adiante, na seção 5.3.2). De modo mais simplificado,
se pode também determinar a taxa de cristalização em uma dada temperatura como o inverso do tempo
para se atingir metade da cristalinidade nesta temperatura (Figura 5.10(b)). Nesse exemplo, em
particular, a cristalização ocorre de modo bastante lento (escala de horas) devido à baixa
cristalizabilidade da borracha natural. Mesmo assim, como a borracha cristaliza, a temperatura de

148
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

armazenagem deve ser considerada, pois uma borracha cristalizada tem o processamento dificultado.
No exemplo dado, não se recomenda armazenar a borracha bruta em temperaturas de -40 a -10 °C.

Figura 5.10. (a) Redução do volume em função do tempo de cristalização da borracha natural em várias
temperaturas, determinados por dilatometria. As setas indicam os tempos em que a cristalização está
completa pela metade (t1/2). (b) Taxa de cristalização, determinada como o inverso de t1/2. (Billmeyer
1984). Note a semelhança da curva em (b) com a representação esquemática mostrada na Figura 5.1.

(b) Difração de raios-X. Em equipamentos que possuam um acessório de aquecimento, é possível


monitorar a intensidade de raios-X durante a cristalização. Para isso, escolhe-se um determinado plano
cristalino e fixa-se o goniômetro no ângulo de difração correspondente. A medida em que a cristalização
progride a intensidade correspondente ao plano escolhido aumenta progressivamente até o
encerramento da cristalização, obtendo-se uma curva com formato
semelhante ao mostrado na Figura 5.10(a). Um outro procedimento,
mais sofisticado, é a realização da varredura completa de difração
de raios-X durante a cristalização utilizando radiação síncroton.
Nesse caso, obtém-se difratogramas completos em vários tempos de
cristalização, conforme imagem ao lado (Hsiao et al. 1999).

(c) Medidas óticas. Durante a cristalização ocorrem alterações nas propriedades óticas do material, que
dependem do percentual cristalizado. Esse acompanhamento pode ser feito por medidas de
transparência/opacidade ou por medidas de birrefringência.

(d) DSC. Sem dúvidas, esse é o procedimento mais amplamente utilizado e que será descrito com
maiores detalhes nas subseções 5.3.2 e 5.3.3.

149
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

5.3.1. Acompanhamento por observação direta

O acompanhamento da cristalização diretamente por microscopia ótica de luz polarizada visa


estimar as taxas de nucleação e de crescimento utilizando microscópio com estágio de aquecimento e
registros fotográficos ou de filmagem.

A taxa de nucleação é medida pela determinação do número de esferulitos ao longo do tempo


de observação. Considerando que cada esferulito é originário de um núcleo consolidado, o número de
esferulitos é numericamente igual ao número de núcleos. A velocidade de nucleação é a razão entre o
número de núcleos detectados e o intervalo de tempo de observação. Embora a técnica original se baseie
em observações meramente visuais, novos procedimentos são adotados para evitar a subjetividade na
detecção dos esferulitos formados, utilizando sistemas óticos com células fotovoltaicas. Um exemplo
desse tipo de determinação está mostrado na Figura 5.11. Observe que a tendência da curva é a
estabilidade no número de esferulitos (ou de núcleos), onde tempos mais prolongados não afetam a
taxa de nucleação. Esta, evidentemente, é calculada considerando o tempo limite em que novos
esferulitos são observados. Para o exemplo mostrado, a taxa de nucleação foi de aproximadamente 106
núcleos/min para a temperatura de 123°C e de apenas 2 núcleos/min quando a cristalização foi realizada
a 136°C. Caso agentes nucleantes sejam adicionados, esses valores tendem a aumentar
consideravelmente. Uma observação importante é que a taxa de nucleação determinada desta forma
leva em consideração apenas as ocorrências que resultam na formação de esferulitos bem
desenvolvidos. Cristais que se formam nas regiões intraesferulíticas, incluindo aquelas gerados na
cristalização secundária, não são detectados por este tipo de procedimento.

Figura 5.11. Número de esferulitos observados durante a cristalização isotérmica do PP em várias


temperaturas (Campbell and Qayyum 1980). A taxa de nucleação é medida na região linear da curva.

150
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

A velocidade de crescimento esferulítico também é determinada por microscopia ótica de luz


polarizada com estágio de aquecimento. Nesse caso, se determina a dimensão linear (raio ou diâmetro)
do esferulito ao longo de tempo e em temperatura constante. Observe neste link que é
perfeitamente possível realizar esse tipo de determinação – basta selecionar um esferulito
no campo de visão e acompanhar as suas dimensões. O crescimento do esferulito, quando realizado em
uma temperatura constante, ocorre de forma linear e, assim, o coeficiente angular da reta é a taxa de
crescimento (Figura 5.12).

Figura 5.12. Evolução do tamanho de esferulitos de polipropileno cristalizado isotermicamente a 125 °C


(Rabello and White 1997b).

Podem ocorrer situações em que o crescimento não progride de forma linear durante toda a
cristalização, conforme mostra o exemplo da Figura 5.13. Neste caso, existe linearidade no crescimento
esferulítico até um determinado tempo e, a partir deste, um desvio é claramente observado antes que
ocorra o encontro dos contornos dos esferulitos. Esse tipo de desvio não é raro acontecer, tendo sido
registrado como resultado da presença de um segundo polímero, não
cristalizável (Canevarolo and Candia 1994) ou outras impurezas que são

Como a segregação segregadas durante a cristalização para a periferia dos esferulitos


de impurezas pode (Calvert and Ryan 1984). No final do processo de cristalização a
afetar e cinética de
cristalização concentração dessas impurezas pode ser significativa a ponto de alterar
a cristalizabilidade do polímero nessas regiões. Esse efeito também pode
causar uma mudança na textura dos esferulitos, como mostra a Figura
5.13 – em que nas extremidades dos esferulitos observa-se um aspecto
“serrilhado”, supostamente resultado da interferência de uma grande quantidade de impurezas pouco
cristalizáveis. Nesse exemplo, as impurezas foram resultado de um processo oxidativo causado pela

151
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

degradação do polímero exposto à radiação ultravioleta. Quando a segregação de impurezas não ocorrer
em grandes proporções, não provoca modificações significativas na textura dos esferulitos nem na taxa
de crescimento. A localização dessas impurezas, entretanto, irá depender das condições de cristalização.
Caso a taxa de crescimento seja elevada e a taxa de migração das impurezas seja baixa, estas ficarão
concentradas no interior dos esferulitos. Caso ocorra o inverso, elas tenderão a serem expurgadas pelos
esferulitos em crescimento e, assim, se concentrarem nos contornos.

.
Figura 5.13. Crescimento esferulítico em uma amostra de PP previamente degradada por radiação
ultravioleta e a textura esferulítica correspondente ao final do processo de cristalização (Rabello and
White 1997b). A seta indica o tempo em que ocorre o desvio da linearidade, o que corresponde ao início
da formação de textura “serrilhada” mostrada na microscopia.

5.3.2. Cinética de cristalização isotérmica por DSC

O acompanhamento da cristalização pode ser feito de forma (i) isotérmica, em que o melt
polimérico é resfriado rapidamente até uma determinada temperatura (constante) e as transformações
são acompanhadas ao longo do tempo; ou (ii) não isotérmica, em que o melt é resfriado com uma taxa
constante e as transformações são monitoradas em função da temperatura. Em ambas as situações, o
método mais utilizado para esse tipo de estudo é o DSC, por ser um procedimento relativamente simples,
de custo acessível e, caso o equipamento e os seus acessórios sejam apropriados, por possibilitar um
bom controle do processo de cristalização.

Em estudos de cristalização isotérmica por DSC, em geral, se submete o material a diferentes


temperaturas de cristalização, obtendo-se termogramas como os mostrados na Figura 5.14. Os
termogramas são particionados em tempos intermediários de cristalização, obtendo-se as
cristalinidades em tempos parciais (Xct) como uma relação entre a área parcial (a um tempo t) e a área
total:

152
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Xc(t ) Area(t )
Xct = = (5.3)
Xc Areatotal

A partir desses dados, a curva de cristalinidade relativa em função do tempo pode ser construída e, daí,
determina-se a velocidade de cristalização isotérmica como o inverso do tempo necessário para atingir
50% da cristalinidade relativa (ver imagem ao
lado). Observe que a cristalinidade relativa
máxima possui o valor 1, mas isso não significa
que o polímero tenha atingido 100% de grau de
cristalinidade, uma vez que a cristalinidade
relativa é medida como uma proporção ao valor
máximo atingido naquela temperatura
(Equação 5.3).

Figura 5.14. Exemplos de termogramas de cristalização obtidos em diferentes temperaturas. Dados do


autor. No ensaio realizado a 135°C observa-se um maior “ruído”, com maior número de pontos
detectados. Isso ocorre meramente como consequência do tempo de ensaio e do número de dados
coletadas por segundo (que é definido na configuração do equipamento).

153
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

O valor da velocidade de cristalização isotérmica assim determinado é bastante simplista.


Diversos modelos foram desenvolvidos para tratar matematicamente os dados obtidos em uma
cristalização isotérmica, o que é também utilizado para outros materiais. O mais conhecido dos modelos
é o de Avrami (Avrami 1939), que em sua versão reduzida possui a expressão:

1 − Xct = exp( −Kt n ) (5.4)

onde K é a constante de velocidade de cristalização, t é o tempo de cristalização e n é o chamado


expoente de Avrami, um valor inteiro que depende da forma de crescimento cristalino e do mecanismo
de nucleação. A Tabela 5.1 mostra esse tipo de dependência para o expoente de Avrami. Muitas vezes
valores de n não inteiros são observados em polímeros, e isso é atribuído, além das várias aproximações
e simplificações da teoria de Avrami, a processos de cristalização com características mistas. Por
exemplo, valor n entre 5 e 6 está relacionado com um material de morfologia esferulítica que apresentou
tanto a nucleação homogênea quanto a heterogênea.

Tabela 5.1. Valores de expoente de Avrami para vários tipos de processos de cristalização. (Wunderlich
1976).

Valor de n Tipo de nucleação Forma de crescimento

1 Heterogêneo Fibrilar

2 Homogêneo Fibrilar

3 Heterogêneo Discoide-esferulítico

4 Homogêneo Discoide-esferulítico

5 Heterogêneo Esferulítico

6 Homogêneo Esferulítico

A equação de Avrami pode ser linearizada aplicando-se a função logarítmica:

log[−ln(1− Xct )] = n.logt + logK (5.5)

Assim, plotando-se log t versus log[-ln(1-Xct)] deve se obter uma linha reta com inclinação n e que atinge
as ordenadas no valor log K, como mostra a Figura 5.15(a). A constante de velocidade K é muito sensível
à temperatura de cristalização, como se observa na Figura 5.15(b):

154
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 5.15. Exemplo de uma curva de Avrami (a) e da dependência da constante de velocidade K com a
temperatura de cristalização (b) (Rabello 1996). Nesse caso, apenas um lado da curva de velocidade
versus temperatura (Figura 5.1) foi observado. Isso pode ocorrer se o escopo experimental for limitado a
poucas temperaturas de cristalização e/ou dificuldade de estabilização da temperatura desejada antes
do início da cristalização.

É bastante frequente a observação de curvas de Avrami não completamente lineares, como nos
exemplos da Figura 5.16(b). Esse tipo de comportamento é atribuído a um processo de cristalização que
ocorre em dois estágios – a cristalização primária e a secundária. A cristalização primária é responsável
pela primeira parte da curva de Avrami, ocorrendo até o encontro dos
esferulitos. Após essa etapa, a cristalização continua ocorrendo, mas
em velocidade mais baixa – no interior dos esferulitos. Nessas regiões
os segmentos moleculares menos cristalizáveis são os principais A cristalização pode
ocorrer em dois
responsáveis por esse estágio da cristalização (Bassett 1981). De
estágios
acordo com esse princípio, o segundo estágio não afeta o tamanho dos
esferulitos e, assim, difere substancialmente do efeito de segregação
que altera a velocidade de crescimento, mostrado na Figura 5.13,
embora também seja influenciado pela segregação de impurezas e material menos cristalizável. Uma
observação importante é que as transformações que ocorrem no interior dos esferulitos não são
detectadas por microscopia ótica de luz polarizada, representando uma grande vantagem de
determinações cinéticas por DSC.

155
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Figura 5.16. Cristalinidade relativa em função do tempo para várias temperaturas de cristalização e as
correspondentes curvas de Avrami (Rabello and White 1997b). Quando a curva de Avrami apresenta dois
estágios, os parâmetros n e K podem ser determinados para as duas etapas.

5.3.3. Cristalização não isotérmica por DSC

Ao se resfriar um polímero cristalizável a partir do estado fundido (melt), a cristalização ocorre


em uma determinada faixa de temperaturas. O máximo na taxa de cristalização ocorre em uma
temperatura intermediária, entre a temperatura que corresponde à máxima taxa de nucleação (que,
conforme a Figura 5.1, situa-se mais próximo da Tg) e a temperatura que corresponde à máxima taxa de
crescimento (que se situa mais próximo da Tm). Essa temperatura, que se posiciona entre Tg e Tm, é a
temperatura de cristalização não isotérmica, Tc. Nos sólidos comuns, a temperatura de cristalização
coincide com a de fusão, mas nos polímeros, Tc é sempre menor do que Tm, devido à pouca mobilidade
das cadeias poliméricas causada pelos emaranhados e a necessidade de consolidação de um núcleo, que
é pouco provável ocorrer em temperaturas próximas à de fusão.

Ao longo do resfriamento, o polímero é submetido a diversas condições cinéticas de nucleação


e de crescimento – a cada mudança infinitesimal da temperatura. Assim, a cristalização não isotérmica
possui uma maior complexidade de fenômenos em comparação com
a isotérmica. A velocidade de resfriamento exerce uma função decisiva
A cristalização não nessa cinética e, como consequência, na cristalinidade, morfologia e
isotérmica é mais
propriedades do produto final. A Tabela 5.2 mostra essa influência
complexa
para o caso do polipropileno. Enquanto a velocidade de resfriamento
exerce uma influência direta e proporcional na cristalinidade, dureza e
temperatura de amolecimento, a resistência à tração também
depende do tamanho dos esferulitos obtidos. Em velocidades de resfriamento mais baixas, o material se

156
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

torna mais cristalino, mas os esferulitos podem ficar muito grandes, o que reduz o número de cadeias
atadoras nas regiões interesferulíticas, limitando o aumento na resistência tênsil.

Tabela 5.2. Influência da taxa de resfriamento na cristalinidade e propriedades do polipropileno. As


micrografias abaixo referem-se às taxas de resfriamento indicadas (Rabello 1989). A velocidade de
resfriamento é um aspecto extremamente relevante para a produtividade industrial, mas impacta
também nas propriedades do produto.

Velocidade de Resist. tração Dureza Shore Temperatura de


resfriamento (°C/min) Xc (%) (MPa) amolecimento Vicat (°C)
D

300 40,3 28,6 63 91

40 50,4 32,9 67 96

10 54,3 33,8 69 101

3 57,1 31,1 69,5 101,5

Já foi comentado que a etapa de crescimento é iniciada quando o núcleo cristalino atinge um
tamanho crítico e se consolida, e que esse tamanho crítico é menor quando a temperatura for mais
baixa. Esse raciocínio vale também para a cristalização não isotérmica. Se o resfriamento for rápido, em
determinadas temperaturas muitos núcleos subitamente atingem o tamanho crítico e a cristalização
prossegue rapidamente com muitos cristalitos formados simultaneamente. Se o resfriamento for lento,
poucos núcleos se consolidam e, assim, os esferulitos formados têm amplo espaço para o crescimento,
se tornando maiores do que no resfriamento rápido.

Uma observação importante é que, caso se queira fazer uma cristalização isotérmica
submetendo o material no estado fundido até uma certa temperatura, e este material cristalize em
temperatura maior – antes de atingir o equilíbrio térmico na temperatura desejada – o mecanismo foi
essencialmente o de cristalização não isotérmica. De fato, a tendência à cristalização durante o
resfriamento varia significativamente de acordo com a natureza do polímero, definida por sua
cristalizabilidade. A Figura 5.17 faz esse comparativo entre vários polímeros usuais. Nesse ranking, o

157
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

poli(tetrafluoretileno), com sua estrutura altamente regular, simétrica e polar, possui maior habilidade
em cristalizar não isotermicamente, enquanto o PET, com um grupo volumoso na cadeia principal é o
menos propenso desse grupo.

Figura 5.17. Facilidade de cristalização, avaliado por CRC, para alguns polímeros comerciais. CRC significa
“crystallization rate coeficiente”, medido como a inclinação da curva taxa de resfriamento vs.
temperatura de cristalização não isotérmica (Di Lorenzo and Silvestre 1999).

Embora os estudos envolvendo a cristalização isotérmica sejam preferidos sob a perspectiva do


rigor científico e, assim, possibilitar um entendimento mais profundo dos mecanismos de cristalização e
suas diversas influências, a cristalização não isotérmica possui um forte apelo prático uma vez que é o
que ocorre durante o processamento dos polímeros cristalizáveis. Esses estudos podem ser realizados
pelas outras técnicas mencionadas anteriormente (dilatometria e difração de raios-X, por exemplo), mas
o DSC é o procedimento mais amplamente
utilizado. O simples ensaio de resfriamento do melt
e registro do pico exotérmico de cristalização já
fornece algumas informações úteis, como mostra o
termograma ao lado. Observa-se nesse
termograma: (a) a temperatura de cristalização não
isotérmica Tc, que é o parâmetro mais direto para
aferir a capacidade de cristalização de um material
nas condições empregadas, inclusive o mais
utilizado para o desenvolvimento de formulações contendo agentes nucleantes; (b) faixa de
cristalização, com o início e final do processo. Caso o produto seja retirado do molde antes do término
da cristalização, há sério risco de empenamento, conforme já discutido; (c) a largura do pico em meia
158
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

altura (W) está relacionado com a distribuição de tamanho dos cristais formados; (d) a inclinação da
reta tangente ao termograma no início da cristalização (Si) está relacionada com a taxa de nucleação.

De forma similar ao procedimento de Avami para a cristalização isotérmica, vários modelos


foram propostos para o estudo da cinética não isotérmica de polímeros (Di Lorenzo and Silvestre 1999),
sendo o de Osawa o mais conhecido, que será tratado aqui. O método baseia-se na obtenção de picos
exotérmicos por DSC utilizando-se diferentes taxas de resfriamento. Para cada pico de cristalização,
secciona-se a curva, obtendo-se áreas parciais em função da temperatura, daí constrói-se as curvas em
S (Figura 5.18).

Figura 5.18. Exemplo de um pico exotérmico de cristalização obtido por DSC, seccionado para várias
temperaturas, e as curvas correspondentes em S, para várias taxas de resfriamento (Wellen 2002).

O modelo de Osawa considerou que a cristalização não isotérmica é controlada pelos mesmos
mecanismos da cristalização isotérmica e descritos por Avrami, sendo a equação de Osawa definida
como:

 
= exp − 
K'
1− X (5.6)
rel  dT/dt
m
 

Onde Xrel é a cristalinidade relativa parcial (medida em cada temperatura durante o resfriamento (Figura
5.18), dT/dt é a taxa de resfriamento, K´ é a constante cinética e m o coeficiente de Osawa que, similar
ao coeficiente n, de Avrami, define o tipo de nucleação e crescimento. Linearizando a Equação 5.6, tem-
se:

 (
ln − ln 1 − X
rel
)= lnK' + m.ln dT/dt
1 

(5.7)
 

Assim, o gráfico de ln[-ln(1-Xrel)] versus ln [1/(dT/dt)] deve ser uma reta (Figura 5.19), tendo inclinação
m e K´ como interseção no eixo das ordenadas. Cada curva de Osawa da Figura 5.19 representa uma

159
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

temperatura específica de cristalização e os pontos de cada reta correspondem aos dados obtidos com
as diferentes taxas de resfriamento, de modo que, quanto maior o número de experimentos realizados
em diferentes velocidades de resfriamento, mais representativa será a abordagem.

Figura 5.19. Curvas de Osawa, construídas a partir de termogramas obtidos em diferentes taxas de
resfriamento (Wellen and Rabello 2005).

5.4. Cristalização a frio e recozimento

Como já mencionado, para que ocorra a cristalização de polímeros, duas condições devem ser
atendidas: (i) o polímero deve ser cristalizável e (ii) as condições oferecidas para a cristalização devem
ser apropriadas. Assim, mesmo polímeros cristalizáveis podem não produzir cristais se, por exemplo, a
taxa de resfriamento durante a moldagem for muito elevada. Nesses casos, o produto obtido poderá ser
essencialmente amorfo. Alguns polímeros são mais propensos a
manifestarem esse tipo de efeito, como o PET, o PEEK e, em menor
intensidade, o PBT, as poliamidas e poliésteres lineares como o
Produtos amorfos a
poli(ácido lático) e o poli(hidroxibutirato). São polímeros que contém partir de polímeros
cristalizáveis
grupos aromáticos na cadeia principal, o que limita a mobilidade
molecular durante a cristalização, ou que possuam grupos polares. Em
todos eles, têm-se temperaturas de transição vítrea acima da
temperatura ambiente. Durante o processamento por injeção, por exemplo, pode-se utilizar moldes
gelados para obter produtos amorfos ou moldes quentes para produzir artigos semicristalinos. No
primeiro caso, a produtividade industrial é muito elevada, enquanto no uso de moldes quentes a
cristalização deve ocorrer durante o processamento que, sendo um fenômeno de natureza cinética,

160
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

requer um tempo maior para completar. Além da questão da produtividade, a escolha da temperatura
do molde deve considerar outros aspectos, como as propriedades requeridas na aplicação do produto
final. Sendo amorfo, o artefato poderá ser transparente, mais dúctil, menos resistente à tração e com
menor temperatura limite de uso, enquanto um produto semicristalino teria as tendências opostas.
Trata-se, portanto, de uma escolha que vai além das questões de produtividade e, na prática, as duas
opções são utilizadas.

Considere agora que um polímero cristalizável, como o PET ou o PEEK, foi produzido no estado
amorfo através do resfriamento brusco. Se esse material (amorfo) for aquecido lentamente acima de
sua temperatura de transição
vítrea, as moléculas adquirem
progressiva mobilidade e podem
iniciar um processo de cristalização,
envolvendo nucleação e
crescimento. Esse fenômeno é
chamado de cristalização a frio (ver
representação ao lado) e é
facilmente observado visualmente
ao aquecer uma chapa amorfa e
transparente de PET, que se torna
maleável acima de 70°C (a sua Tg) e,
posteriormente, adquire um aspecto “leitoso” e rígido, devido à cristalização. Por DSC, a cristalização a
frio é observada como um pico exotérmico acima da Tg (Figura 5.20). Nesse exemplo, o material possui
a transição vítrea, a cristalização a frio e a posterior fusão. A entalpia de cristalização a frio pode ser
determinada por DSC, sendo uma medida do percentual de cristalinidade atingida durante o
aquecimento6. Caso a entalpia de fusão seja superior à entalpia de cristalização a frio, isso indica que o
material original não era completamente amorfo e, assim, a entalpia de fusão seria um somatório da
cristalinidade original do material com a cristalinidade desenvolvida pela cristalização a frio. A estrutura
cristalina após o tratamento térmico que causa a cristalização a frio também é detectada por difração
de raios-X, conforme a Figura 5.21 para o caso do PET.

6
Utiliza-se o mesmo procedimento para determinação a cristalinidade a partir da entalpia de fusão – é só dividir a
entalpia medida experimentalmente pela entalpia de fusão dos cristais (equação 4.3), um valor padrão para cada
tipo de material.
161
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Figura 5.20. Termograma de DSC durante o aquecimento do PET amorfo, com indicação das transições
térmicas e entalpias (dados do autor).

Figura 5.21. Difratogramas de raios-X para amostras de PET amorfo e após tratamento térmico na
condição indicada (Wellen and Rabello 2005). Nessa condição, o material atingiu um grau de
cristalinidade de cerca de 27%.

Como a cristalização a frio altera a estrutura interna do material, é de se esperar também a


ocorrência de mudanças em suas propriedades físicas e mecânicas. A Figura 5.22 mostra essa influência,
indicando o aumento na resistência à tração e módulo elástico e redução na elongação, que são
consequências diretas do aumento na cristalinidade. Até determinados limites, pode-se produzir peças
amorfas utilizando molde gelado e, posteriormente, realizar um tratamento térmico no produto para
induzir a sua cristalização. Com isso, se pode aliar a alta produtividade industrial com um balanço de

162
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

propriedades mais apropriado. Esse procedimento, entretanto, é limitado pela possibilidade de


distorção do produto ao superar a temperatura vítrea do polímero e, assim, provocar relaxação
molecular caso a orientação tenha sido elevada durante o processamento.

Figura 5.22. Efeito do tempo de cristalização a frio a 80°C no grau de cristalinidade e propriedades
mecânicas do PET (Wellen and Rabello 2005). As mudanças nas propriedades mecânicas são
consequência direta do aumento na cristalinidade do material.

O fenômeno de cristalização a frio também pode ser estudado pelos procedimentos usuais de
cinética de cristalização isotérmica ou não isotérmica, utilizando os modelos tradicionais como os de
Avrami ou Osawa (Wellen and Rabello 2005; Wellen, Canedo, and Rabello 2011). A estrutura cristalina
formada nesse tipo de condição tende a ter maior imperfeição quando comparada com a estrutura
produzida pela cristalização a partir do melt, mas, nos dois casos, características como grau de
cristalinidade, espessura lamelar, tamanho dos cristais e perfeição cristalina, irão depender das
condições empregadas na cristalização.

163
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

A cristalização a frio é um fenômeno importante para alguns tipos de polímeros e pode ser
desejável ou altamente indesejável. Desejável se o material for cristalizado posteriormente ao
processamento para adquirir determinadas propriedades. Nesse caso, os agentes nucleantes podem ser
de grande valia, já que aceleram o processo de cristalização a frio de forma semelhante à cristalização
convencional (Alvaredo et al. 2019). Por outro lado, se o objetivo for obter produtos amorfos e esses
produtos sofrerem conformações posteriores mediante novo aquecimento acima da T g, a cristalização a
frio inviabiliza o processo (ver quadro nesta seção). Esse seria o caso das garrafas de PET, em que, para
reduzir a tendência a cristalização a frio, se utiliza grades de PET chamados de “grau garrafa”, que são
copolímeros – menos cristalizáveis do que os homopolímeros. Algumas características do PET utilizados
na fabricação de garrafas foram compiladas aqui.

Por outro lado, existem situações em que o envase é realizado em temperaturas altas e a
cristalinidade do PET na região do suporte e rosca da garrafa
são desejáveis para que não ocorra amolecimento durante o
envase. Veja o resultado da imagem ao lado, em que apenas
o gargalo da pré-forma está esbranquiçada pela cristalização.
Isso é conseguido por um procedimento de aquecimento
seletivo e um vídeo do processo pode ser conferido aqui.

Um procedimento correlato à cristalização a frio é o recozimento (“annealing”), que consiste em


submeter o produto acabado à temperatura acima da ambiente com os objetivos de:

1. aliviar as tensões de moldagem;


2. acelerar a cristalização secundária;
3. alterar as dimensões dos cristais, com aumento na espessura lamelar.
O processamento quase sempre provoca tensões internas nos
produtos, resultado de efeitos diversos como contração excessiva, pressão
de injeção ou de recalque, orientação, etc. Peças com elevadas tensões de
moldagem podem apresentar problemas em serviço, incluindo fragilidade,
empenamento e baixa resistência ao stress cracking 7. Para esses casos, o
procedimento de recozimento pode ser necessário. No caso de polímeros

7
Fenômeno em que ocorrem fissuramentos superficiais quando o produto polimérico estiver em contato
simultaneamente com um agente químico agressivo e tensões mecânicas. Esse tipo de efeito é de grande
importância prática e será abordado posteriormente, no Capítulo 7.
164
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

amorfos ou muito pouco cristalizáveis, como o poliestireno, o copolímero SAN e o policarbonato, o


recozimento é realizado para alívio das tensões de moldagem, abaixo da temperatura vítrea (20 a 50°C
mais baixo) por tempos que variam de 30 minutos a algumas horas. Um exemplo de forno industrial para
esta finalidade pode ser visualizado aqui.

Defeitos em pré-formas e agentes “anti-nucleantes”

A produção das garrafas de PET ocorre em duas etapas: (1) injeção da pré-forma em molde gelado,
obtendo-se um material amorfo (ver processo aqui); (2) aquecimento da pré-forma entre a Tg e o início
da cristalização a frio ver termograma acima), seguido de estiramento e sopro (ver processo aqui). O
controle da temperatura de aquecimento das pré-formas antes do sopro é parte crucial no processo; se
for muito baixa, a deformação pode ser insuficiente para a formação da garrafa, mas, se for muito alta,
a cristalização a frio ocorre durante esse aquecimento, o que inviabiliza o sopro. Uma das imagens acima
mostra uma pré-forma esbranquiçada, que sofreu a cristalização a frio durante o aquecimento. De fato,
esse é o maior problema em uma fábrica desse tipo, representando a maior parte do refugo industrial.
Em estudos desenvolvidos com participação deste autor (Wellen, Canedo, and Rabello 2012; Wellen and
Rabello 2009), através de análises de cinética de cristalização isotérmica e não isotérmica, observou-se
que a adição de pequenas quantidades de impurezas reduz a tendência à cristalização a frio do PET, o
que confere uma maior janela de processamento e, assim, reduz os defeitos de fabricação. Essas
impurezas, na forma de moléculas de poliestireno e copolímero SAN, foram chamadas de “anti-
nucleantes”, uma vez que provocam o efeito oposto dos agentes nucleantes em polímeros.

No caso de polímeros semicristalinos, o recozimento pode ser conduzido para acelerar a


cristalização secundária e, assim, estabilizar o material em termos dimensionais e de propriedades físicas
e mecânicas, uma vez que a cristalização secundária continua provocando transformações no material
ao longo do tempo. Nesse caso, o recozimento é realizado entre a Tg e a Tm, permitindo a mobilidade
molecular, mas sem destruição dos cristais existentes. O efeito conseguido depende do potencial para a
cristalização secundária, que pode variar de acordo com a cristalizabilidade do polímero e do seu grau
165
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

de cristalinidade atingido no processamento, e deve ser otimizado em termos de tempo e temperatura


de tratamento térmico. Os materiais que sofrem mais transformações com a cristalização secundária e,
assim, são mais sensíveis aos efeitos do recozimento, são aqueles que possuem uma velocidade de
cristalização mais lenta, como o polipropileno (veja dados mostrados na Figura 4.20), ou que possuem a
temperatura vítrea acima da ambiente, como as poliamidas. Por outro lado, polímeros que cristalizam
rapidamente, como o PEAD, tem a sua cristalização secundária praticamente concluída durante o
processamento e, dessa forma, o recozimento teria pouca influência.

Vale observar que, nos casos de polímeros com Tg acima da ambiente, o procedimento de
recozimento pode resultar também em cristalização a frio, já que os dois fenômenos são resultado da
mobilidade molecular induzida pelo aumento da temperatura.
Convenhamos, é até difícil diferenciar os limites da cristalização a frio
propriamente dita (formação de novos cristais a partir de um material
Recozimento amorfo) e o aperfeiçoamento da estrutura com a cristalização
versus
cristalização a frio secundária, mesmo considerando que esta última representa um
aumento pequeno no grau de cristalinidade do material. No exemplo da
Figura 5.23 tem-se a evolução da cristalinidade do PLA com o tempo de
tratamento térmico em diferentes temperaturas. A 65°C, mais próximo
da Tg, a mudança estrutural é muito mais lenta, resultado da pouca mobilidade dos segmentos
moleculares. Embora os autores do trabalho utilizem o termo “annealing” para descrever o estudo, os
efeitos são, claramente, também relacionados com a cristalização a frio pelo grande incremento na
cristalinidade com o procedimento– o que é evidenciado também com picos de exotérmicos durante
ensaios por DSC reportados pelos autores (Srithep, Nealey, and Turng 2013).

Figura 5.23. Efeito do tempo de tratamento térmico no grau de cristalinidade do poli(ácido lático)
submetido a diferentes temperaturas de recozimento (Srithep, Nealey, and Turng 2013).

166
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Por fim, se o recozimento for realizado próximo da temperatura de fusão do polímero, poderá
haver a destruição da ordem cristalina existente e subsequente recristalização em lamelas mais
espessas. Esse procedimento é algumas vezes utilizado em estudos mais aprofundados sobre a
cristalinidade e morfologia de polímeros (Bassett and Patel 1994), mas não possui muito interesse
prático.

5.5. Cristalização durante o processamento

A transformação da matéria prima (polímeros e aditivos) em um produto acabado é um processo


tecnológico que viabiliza a inserção do material no mercado e deve atender a uma série de requisitos
técnicos, econômicos, ambientais, energéticos, mercadológicos etc. O processamento é o elo
fundamental entre a concepção do material/produto e a sua aplicação prática, em contato direto ou
indireto com o consumidor. O processamento é a tecnologia envolvida, é o maquinário, com todas as
suas complexidades, é a dinâmica da transformação, o que dá a forma final ao material.

Entretanto, o processamento não confere apenas a forma física, mas também uma estrutura
interna e, sendo assim, terá uma influência direta nas propriedades do produto. Técnicas como injeção,
extrusão, sopro, rotomoldagem, termoformagem, compressão, etc, são amplamente utilizadas pela
indústria na produção dos artefatos plásticos, mas não é objetivo deste livro descrever esses processos.
Existem inúmeras (boas) publicações, mesmo em português, sobre as tecnologias de processamento de
polímeros, por exemplo: (Manrich 2013; Harada and Ueki 2012; Machado and Harada 2015; Harada
2022).

Nesta seção abordaremos a influência do processamento na estruturação do material e algumas


consequências para as propriedades do produto. O tipo de técnica de processamento, o projeto do
produto e do molde, juntamente com as condições operacionais, como temperatura, pressão,
cisalhamento, etc. terão efeitos diversos na estrutura interna do produto. Essas influências estão
relacionadas com os efeitos térmicos, efeitos de pressão, efeitos de fluxo e a combinação destes.
Mostraremos nesta seção que um produto final possui diversos tipos de heterogeneidades
microestruturais e, assim, as suas propriedades também variam localmente. O processamento também
pode afetar as propriedades do produto em outros aspectos (que não serão abordados aqui), tais como:
(i) causar degradação térmica, com redução da massa molar; (ii) gerar tensões residuais; (iii) não
dispersar corretamente os aditivos, mantendo aglomerados concentradores de tensões; (iv) não fundir
complemente o material.

167
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

O princípio básico do processamento de polímeros consiste em: (1) aquecimento até uma
temperatura, em geral, acima da temperatura de fluxo; (2) conformar o melt em uma forma pré-
determinada; e (3) resfriar até a sua solidificação:

Aquecimento (T>Tf) Conformação Resfriamento (T<Tg ou Tc)

No caso de polímeros não cristalizáveis, a única influência microestrutural do processamento é a


orientação molecular, mas, no caso de polímeros semicristalinos, haverá consequências também na
cristalinidade e morfologia. Diferenças básicas e importantes entre o processamento de polímeros
amorfos e semicristalinos estão muito bem explicadas nesse vídeo.

5.5.1. Efeitos térmicos

A cristalização durante a fase de resfriamento no processamento de um polímero cristalizável,


em geral, ocorre em uma condição não isotérmica. Durante a injeção, por exemplo, o molde é mantido
a uma temperatura constante pelo fluido circulante (que pode ser quente ou frio). Quanto maior a
temperatura do melt e menor a temperatura do molde maior será o gradiente térmico que a massa
fundida será submetida e, consequentemente, maior a taxa de resfriamento. O nível de complexidade
nesse tipo de cristalização é maior do que em experimentos de laboratório uma vez que a taxa de
resfriamento não é constante ao longo do processo. Uma descrição mais precisa do que ocorre em
termos cinéticos durante o processamento requer a aplicação de modelos matemáticos mais complexos
(d'Ávila, Ahrens, and Bretas 1997), que está além dos objetivos deste livro.

168
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Como mostra a Figura 5.24, quando uma amostra de polímero for submetida a um gradiente
térmico a sua taxa de resfriamento efetiva varia instantaneamente durante o resfriamento que,
portanto, terá a sua cinética de cristalização não isotérmica variável durante a solidificação. No exemplo
mostrado, a taxa de resfriamento é de aproximadamente 210°C/s quando o material está à 180°C, mas
de apenas 90°C/s quando está à 80°C. Esse princípio é descrito pela Lei de Fourier, tópico importante da
disciplina de Fenômeno de Transportes. Essa é a primeira grande influência do processamento na
cristalização, de natureza meramente térmica. Em função das temperaturas envolvidas no
processamento, a taxa de cristalização terá efeito no grau de cristalinidade, morfologia e na própria
cinética de cristalização. A Tabela 5.2 mostrou um exemplo dessa influência.

Figura 5.24. Exemplo da variação da taxa de resfriamento durante o resfriamento da poliamida 6 (Cavallo
et al. 2011). A seta indica o sentido da variação da temperatura.

A Figura 5.25, dos mesmos autores dos dados mostrados na Figura 5.24, indica que a perfeição
da estrutura cristalográfica do material, deduzida a partir de difratogramas de raios-X, apresenta
variação durante o resfriamento, que é consequência das condições pontuais de cristalização. Nas fases
iniciais do resfriamento, i.e., com choque térmico elevado, o material pode não cristalizar ou formar uma
estrutura hexagonal altamente imperfeita (mesofase). No decorrer do resfriamento a condição se torna
mais favorável para a formação cristalina e, assim, cristais monoclínicos mais perfeitos são obtidos. Essas
transições de comportamento, entretanto, podem ser mais complexas se houver mudanças nos
mecanismos de nucleação e crescimento em diferentes fases do resfriamento. São esperadas também
mudanças na cristalinidade e na morfologia do material.

169
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Figura 5.25. Formações cristalinas durante o resfriamento da poliamida 6, com indicação da variação da
temperatura de cristalização em função da velocidade pontual de resfriamento. Dados baseados em
(Cavallo et al. 2011). Cristais  referem-se a fase cristalográfica do tipo monoclínica, enquanto a
mesofase são cristais hexagonais altamente imperfeitos. As transições entre os tipos de fase
cristalográfica não são bem definidas, tendo-se observado combinações de cristais em várias condições
experimentais.

Uma outra consequência de natureza térmica é o que ocorre no interior do produto em


comparação com a sua superfície. Como os polímeros possuem baixa condutividade térmica, a troca de
calor entre a superfície do produto e o seu interior é pouco eficiente. A superfície tem o contato direto
com a cavidade do molde (exemplificando para o caso de injeção) e resfria mais rapidamente. Logo
abaixo dessa pele solidificada, a troca de calor ocorrerá através dessa superfície, formando uma nova
camada, mais espessa, solidificada. Ao longo do resfriamento, com o aumento da região solidificada, a
troca de calor no interior do produto ficará cada vez mais difícil (ver
esquema representativo na Figura 5.26). Isso resulta em uma estrutura

Estrutura diferenciada entre a superfície (“skin”) e o interior (“core”),


“skin-core” denominada de “skin-core”, em que a pele possui menor cristalinidade
e cristais menores e o núcleo é mais cristalino e com esferulitos
maiores – consequências das condições de cristalização em cada local.
Como se trata de um fator relacionado à baixa condutividade térmica
do polímero, essa diferença entre a pele e o núcleo será maior para espessuras maiores. Evidentemente,
ocorrerá uma variação contínua de morfologia e cristalinidade entre a superfície e o interior e não
apenas duas únicas morfologias. Esse é o segundo efeito do processamento – um gradiente de
morfologia ao longo da profundidade, também meramente pelo efeito térmico.

170
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 5.26. Modificações na pele solidificada e no núcleo durante o resfriamento de um produto


polimérico (elaborado pelo autor). A depender da espessura do produto e das condições de resfriamento,
pode ocorrer grandes variações de morfologia e cristalinidade entre as várias camadas do produto
solidificado.

5.5.2. Efeitos de pressão e de fluxo

Um terceiro efeito do processamento é o da pressão aplicada durante o resfriamento, que


ocorre em processos como injeção, sopro e compressão. A principal consequência da pressão na
cristalização é o de aumentar a taxa de nucleação e o grau de cristalinidade, uma vez aumenta o contato
entre os segmentos moleculares, facilitando a etapa de nucleação. A consequência disso é uma maior
velocidade global de cristalização, como mostram os dados da Figura 5.27, em que a cristalização em
pressão mais elevada se mostrou mais rápida.

Figura 5.27. Evolução da cristalinidade relativa do PP em condição isotérmica e com aplicação de


pressões variadas (Watanabe et al. 2003).

171
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

O fato de a pressão acelerar a cristalização, e isso resultar em maior produtividade industrial,


não significa que o uso de pressões elevadas deva, necessariamente, ser o procedimento mais adequado
no processamento. Isso porque pressões elevadas têm dois efeitos que podem ser indesejáveis: (i) alta
orientação molecular e (ii) tensões internas elevadas. Ambos podem resultar em comportamento
mecânico deficiente.

Finalmente, um quarto efeito do processamento na estrutura do produto está relacionado com


os efeitos de fluxo. Processos como injeção, extrusão e sopro, envolvem tensões de cisalhamento em
alguma etapa do processamento. Tome-se, como exemplo, um
molde de injeção, esquematizado ao lado. A massa polimérica,
fluidificada no cilindro de injeção é empurrada (“injetada”)
através do bico de injeção para o interior do molde,
percorrendo o caminho do canal de injeção para os canais de
distribuição, ponto de injeção e, finalmente, a cavidade do
molde, que confere a forma do produto. Esse percurso é feito
em poucos segundos, utilizando altas velocidades e pressões de injeção. A massa polimérica é submetida
à altas taxas de deformação, especialmente quando atravessa o ponto de injeção (também chamado de
“garganta”), que possui uma menor área de seção transversal. A consequência desse fluxo é uma forte
orientação molecular do melt ao adentrar na cavidade8. A pressão de injeção e a pressão de recalque
são responsáveis, respectivamente, pelo preenchimento do molde e pela manutenção do volume de
material na cavidade. O produto injetado tem uma tendência a possuir orientação molecular
preferencial na direção do fluxo – e isso gera anisotropia das propriedades mecânicas, com maior
resistência tênsil observada na direção do fluxo e menor resistência na direção ortogonal. Esse tipo de
efeito ocorre tanto com os polímeros semicristalinos quanto com os amorfos. A orientação molecular
obtida é fortemente dependente, dentre outros fatores, das condições de processamento. Temperatura
do melt e do molde e pressão de injeção são os principais fatores operacionais que afetam.

A existência de tensões cisalhamento durante a cristalização pode induzir um mecanismo


próprio de nucleação e crescimento. Por exemplo, as garrafas de PET produzidas por injeção-sopro
possuem uma estrutura semicristalina, apesar de serem transparentes e não conterem agentes
nucleantes. Provavelmente, o processo de estiramento-sopro durante a sua produção induz a formação
de muitos núcleos de cristalização, que resulta em cristais com tamanho pequeno e, assim, com pouco
espalhamento de luz.

8
Existe uma certa complexidade na análise das tensões e fluxos que ocorrem durante o processamento de
polímeros, que corresponde a um tema chamado reologia, de grande interesse para projetistas de moldes e demais
equipamentos de processamento (Bretas and D´Avila 2000; Navarro 1997).
172
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

A ocorrência de cristalização induzida por fluxo pode ser observada indiretamente por métodos
reométricos, em que se mede, por exemplo, como o torque varia durante o processo de cristalização.
Em uma condição isotérmica, o aumento de torque (ou de tensão de cisalhamento) pode significar que
o material cristaliza durante o cisalhamento. Em estudos com o polipropileno verificou-se que a
cristalização induzida por fluxo ocorre e é determinante e fortemente dependente dos parâmetros de
processo, como temperatura e taxa de deformação (Farah and Bretas 2004). Os autores verificaram que
existe um padrão de comportamento, representado esquematicamente na Figura 5.28. Na região 1 a
tensão de cisalhamento diminui com o tempo e é meramente um efeito reológico chamado de
pseudoplasticidade, causado pela tendência ao desemaranhamento das moléculas, reduzindo a
viscosidade. Na região 2 tem-se um pequeno aumento na tensão de cisalhamento devido ao início da
cristalização (nucleação induzida pelo fluxo). Na medida em que a cristalização prossegue, tem-se dois
efeitos opostos: (i) a exotermia de cristalização, que reduz a viscosidade devido ao aumento da
temperatura localmente (região 3) e (ii) crescimento cristalino, o que eleva a proporção de material
sólido (região 4).
Tensão de cisalhamento

1 2 3 4

Tempo de cisalhamento

Figura 5.28. Representação esquemática da variação da tensão de cisalhamento com o tempo para o
polipropileno. Figura baseada em (Farah and Bretas 2004). Ver texto para o significado da numeração.

5.5.3. A estrutura “skin-core” e outras variações

A orientação molecular obtida não é uniforme em todo o produto. Em primeiro lugar, existe uma
forte variação com a profundidade. Próximo à superfície, a orientação tende a ser elevada devido ao
congelamento da orientação provocada pelo fluxo cisalhante que atinge o molde refrigerado. Um pouco

173
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

abaixo da superfície a orientação é ainda mais alta pois a nova camada de material é submetida um fluxo
elongacional, de maior intensidade do que o fluxo cisalhante. Camadas posteriores tendem a ser menos
orientadas devido ao tempo disponível entre o preenchimento do molde e a solidificação do produto, e
nesse intervalo, ocorre a relaxação molecular – pelo menos parcialmente. Se o produto for
suficientemente espesso, as camadas mais ao centro poderão estar com suas moléculas não orientadas.
A Figura 5.29 exemplifica essa influência para o caso do polietileno, mostrando a variação da orientação
molecular com a profundidade.

Figura 5.29. Variação da orientação molecular, medida por infravermelho/dicroísmo, ao longo da


profundidade de uma peça injetada de polietileno com 3mm de espessura (Mendoza et al. 2003). O limite,
ao longo da profundidade, de onde se considera o “skin” e camadas posteriores, é uma questão subjetiva.

No caso de polímeros semicristalinos, os efeitos de fluxo também podem afetar a cristalização


do material, com consequências tanto para a cristalinidade quanto para a morfologia. Veja o caso do
polipropileno moldado por injeção, mostrado na Figura 5.30. A microscopia ótica de uma amostra
removida ao longo da espessura indica uma estrutura bastante estratificada na direção da profundidade,
com uma primeira camada com alguns m de espessura consistindo de uma pele pouco orientada e a
última seção constituída por um núcleo de esferulitos não orientados.
Logo abaixo da superfície observa-se uma camada de cerca de 80-
120m de espessura, altamente birrefringente – sugerindo uma Variações estruturais
ao longo da
elevada orientação. É uma região caracterizada por uma morfologia
profundidade
mais fibrilar. Em seguida tem-se uma camada espessa, com cerca de
350m, contendo esferulitos bastante brilhantes de retículo
cristalográfico do tipo hexagonal (que foi observado por difração de
raios-X). Essa camada corresponde ao máximo teor de cristais hexagonais (tipo ), que, no polipropileno,
são formados preferencialmente quando existe, durante a cristalização, uma combinação de

174
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

cisalhamento com determinada faixa de temperaturas (Norton and Keller 1985), mas também podem
ser formados a partir da presença de certos agentes nucleantes (Zhao, Cai, and Xin 2008). O teor da fase
hexagonal, determinado por difração de raios-X (equação 5.1) em função da profundidade (também
mostrado na Figura 5.30), indica uma grande heterogeneidade, com ausência desse tipo de estrutura
em profundidades abaixo de 600m. Observe a simetria do gráfico, consequência de similaridade
estrutural nas duas faces da amostra.

Figura 5.30. Microscopia ótica de luz polarizada da seção transversal de uma amostra de PP injetado
com 3,1mm de espessura e variações teor fase hexagonal (índice B) ao longo da profundidade (Rabello
1996). A imagem mostrada na microscopia corresponde a uma profundidade de ~2,1mm

Vale fazer a observação de que a estrutura skin-core com suas diversas camadas de
estratificação, depende de diversos fatores, como condições
de processo, tipo de material, massa molar e espessura do
produto, etc., não existindo um padrão válido para todos os
casos. Em algumas situações, morfologias do tipo “shish-
kebab” são observadas em determinadas camadas, como
resultado da combinação de esforços de cisalhamento com a
temperatura de cristalização. Isso é relativamente comum
com o polietileno, exemplificado na imagem ao lado (Liu et al. 2018).

Excelentes artigos científicos abordaram no passado esse tema de estrutura skin-core de


polímeros e, ainda hoje, são referências obrigatórias. Para citar alguns: (Fujiyama 1995; Fitchmun and
Mencik 1973; Trotignon and Verdu 1987; Kantz, Newman, and Stigale 1972; Murphy, Thomas, and Bevis
1988). Por exemplo, o estudo mostrado na Figura 5.31 indica que a fração da camada orientada
(somatório da primeira e a segunda camadas a partir da superfície) é fortemente dependente da
temperatura de injeção e da pressão aplicada. Quanto menor a temperatura, menor o gradiente térmico
e, assim, menor o tempo disponível para a relaxação molecular. O efeito de uma maior pressão é o de

175
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

inibir a relaxação das cadeias, mantendo uma orientação mais elevada. O autor sugere que,
extrapolando a temperatura de processamento para valores baixos – que seria a própria temperatura
de fusão do polímero – se teria um percentual de material orientado próximo de 100%.

Figura 5.31. Efeito da temperatura do cilindro de injeção e da pressão de injeção na proporção da camada
orientada no polipropileno. As linhas tracejadas representam extrapolações para a temperatura de fusão
do polímero (Kantz, Newman, and Stigale 1972).

A orientação molecular (e a morfologia) também são influenciadas pela pressão ao longo da


distância do ponto de injeção – e não apenas ao longo da
profundidade. Os efeitos de atrito da massa polimérica
com o molde reduzem a pressão efetiva exercida na
cavidade, com valores máximos próximo ao ponto de
injeção e valores mínimos na extremidade oposta (ver
imagem ao lado). Assim, por essa influência, a orientação
molecular, a cristalinidade e a morfologia variam também
com a distância do(s) ponto(s) de injeção. Esse tipo de
efeito tem uma grande consequência prática nas propriedades mecânicas, com variações de ponto a
ponto em um produto acabado. Em outras palavras, o comportamento mecânico de uma peça injetada
não é uniforme, muito longe disso.

Um exemplo bastante didático está mostrado na Figura 5.32. Em chapas injetadas, corpos de
prova foram removidos por usinagem em diferentes posições e ensaiados por resistência ao impacto.
Os dados mostram que a tenacidade foi 3 vezes menor em regiões próximas ao ponto de injeção em
comparação com regiões mais extremas. Isso é uma consequência direta dos efeitos de processamento,
especialmente a orientação molecular. As consequências disso são várias. Em primeiro lugar, o produto

176
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

não possui propriedades uniformes, podendo ocorrer fratura em regiões mais vulneráveis. Além disso,
esse fato tem influência também em procedimentos de controle de
qualidade industrial e de interação entre fornecedor e cliente. Ciente
deste tipo de comportamento, é preciso uniformizar o local da peça que
Produto injetado não será submetido ao teste mecânico para que a aferição de qualidade
é uniforme!
possa ser consistente. Isso também afeta diretamente projetos de
pesquisa e desenvolvimento, em que as variações experimentais
poderão ser muito altas se não padronizar a localização e a direção de
retirada dos corpos de prova de uma peça injetada. Por fim, essas variações levam ao questionamento
da validade na utilização propriedades aferidas em corpos de prova simplificados para fins de projeto de
componentes mais complexos.

Figura 5.32. Resistência ao impacto do PP em corpos de prova retirados de diferentes posições. Baseado
nos dados de (Murphy, Thomas, and Bevis 1988). A orientação molecular é mais elevada próximo ao
ponto de injeção, tornando o produto anisotrópico. Essa diferença de comportamento depende da
direção em que os corpos de prova são removidos da chapa injetada.

A orientação dos cristais também é afetada pelo processamento. A Figura 5.33 mostra uma
grande diferença na orientação dos planos cristalográficos do PP de acordo com a técnica de moldagem.
Em peças produzidas por compressão, observa-se uma camada superficial transcristalina (causada pela
ação nucleante da superfície do molde) e uma grande intensidade do plano (110), enquanto no produto
injetado o plano (040) é mais intenso. Também é possível quantificar a orientação cristalina através de
índices apropriados. Por exemplo, para o PP, o índice A110 quantifica a orientação dos plano (110) através

177
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

da relação entre a intensidade deste plano e os demais planos (Zipper, Janosi, and Wrentschur 1993). A
Figura 5.34 mostra que esse índice é reduzido progressivamente com a distância do ponto de injeção –
exatamente o que seria esperado para a orientação molecular (que é muito menos simples de ser
medida).

Figura 5.33. Efeito do tipo de processamento no padrão na morfologia (ao longo da seção transversal) e
no padrão de difração de raios-X (obtido na face principal dos corpos de prova) do polipropileno. Superior:
amostra produzida por injeção; inferior: amostra por compressão (Rabello 1996).

Figura 5.34. Fator de orientação cristalina dos planos (110) do PP em várias distâncias a partir do ponto
de injeção (Rabello 1996).

178
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Linhas de solda reveladas pela degradação: é possível?

A depender do design e do tamanho do produto, muitas vezes se projeta um molde com mais de um ponto
de injeção, para facilitar o preenchimento da cavidade. As linhas de fluxo seguem um determinado padrão,
do tipo “fountain”, conforme imagem acima. Nesse exemplo, as duas frentes de fluxo, ao se encontrarem,
formam uma região de solda com reduzida interdifusão entre as frentes, resultado da alta viscosidade da
massa polimérica. No final do preenchimento forma-se também um vértice, chamado de entalhe “V”. O
entalhe V, juntamente com a região de baixa interdifusão e uma orientação molecular desfavorável
(ortogonal ao fluxo) são responsáveis pela redução na resistência mecânica de polímeros contendo linhas de
solda. Existem procedimentos que podem minimizar esse tipo de efeito, que incluem as variáveis de
processamento e o posicionamento dos pontos de injeção para gerar linhas de solda em locais menos críticos.
Em estudos sobre a degradação de polímeros contendo linhas de solda, este autor observou que o padrão de
fissuramento resultante da degradação tem grande semelhança com o fluxo “fountain”, conforme imagem
acima. Postulou-se que a orientação molecular durante o processamento determina a localização e o formato
das trincas geradas durante a exposição, podendo este padrão ser um tipo de impressão digital do que ocorre
durante o processamento (Rabello et al. 2000; Rabello and White 1996). O fissuramento causado pela
exposição é devido à cristalização superficial do material, um fenômeno chamado de “quemi-cristalização”
(Rabello and White 1997a).

5.6. Fusão cristalina

Como abordado no Capítulo 3, a fusão é o processo oposto da cristalização, ou seja, é a transição


do estado sólido ordenado para o estado “liquido” (ou fluidoviscoso), desordenado. Assim como a
cristalização, a fusão é uma transição de fase de primeira ordem, caracterizada por mudanças bruscas
no volume específico e entalpia. Como se trata de uma “destruição” dos cristais existentes, apenas os
polímeros semicristalinos possuem esse tipo de transição.
179
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Ao aquecer um material a partir do estado sólido, seus átomos e moléculas vibram


proporcionalmente ao aumento da temperatura até chegar a uma amplitude de vibração crítica,
determinada pela distância entre as moléculas. Nesse ponto, as forças intermoleculares que mantém o
cristal unido são superadas pela energia de vibração e ocorre a separação das moléculas, com a
destruição da ordem cristalina. A temperatura em que ocorre essa mudança é a temperatura de fusão
cristalina, Tm, que depende, essencialmente dos mesmos fatores que afetam T g, como o volume dos
grupos presentes na cadeia, polaridade, etc. Por exemplo, a Tm do PET é maior do que a do polipropileno
(265°C vs. 165°C) e a Tm da PA 6 é maior do que a do polietileno (215°C vs. 135°C). Assim como ocorre
com a Tg, a massa molar afeta a Tm até um certo valor, de forma semelhante ao gráfico mostrado na
Figura 2.13. A Figura 5.35 mostra termogramas de DSC obtidos durante o aquecimento do PEAD e do
PEBD, indicando uma maior temperatura de fusão do PEAD, que possui uma estrutura mais regular,
possibilitando um maior empacotamento molecular, o que resulta também em maior cristalinidade. A
figura também evidencia que a fusão do PEBD é menos simétrica do que a do PEAD e ocorre em uma
ampla faixa de temperaturas, possivelmente por possuir uma diversidade muito maior de entidades
cristalinas, com populações de cristais sendo destruídas em temperaturas diversas.

Figura 5.35. Termogramas de DSC do PEAD e do PEBD. Dados obtidos por J.E. Silva Neto, PPGCEMAT,
UFCG.

Do ponto de vista termodinâmico, a energia livre de fusão Gm é dada pela expressão

Gm=Hm – T.Sm (5.8)

onde Hm e Sm representam a entalpia e a entropia de fusão, respectivamente. Na temperatura de


fusão, a variação de energia livre é nula e, assim,
∆𝐻𝑚
𝑇𝑚 = (5.9)
∆𝑆𝑚

180
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Dessa forma, quanto o polímero apresenta pouca mudança de entropia durante a fusão e os seus cristais
precisam de uma maior quantidade de energia para fundir, a temperatura de fusão é maior. Por
exemplo, estruturas muito aromáticas tendem a apresentar relativamente pouca mudança de entropia
durante a fusão e, como consequência, têm elevados valores de
temperatura de fusão. É o caso do PEEK (estrutura química ao lado),
com Tm próximo de 340°C.

5.6.1. A faixa de fusão e a temperatura de fusão de equilíbrio

Nos materiais usuais, a fusão acontece em uma faixa de temperaturas relativamente estreita,
como, por exemplo, o metal índio, que ocorre em um intervalo de 4-6°C. Nos polímeros a faixa de fusão
(diferença entre as temperaturas de início e fim da fusão) é, geralmente, muito larga, podendo chegar
até a 100°C em alguns casos. A
sequência de imagens ao lado foi
registrada durante o aquecimento
de uma amostra de PP (Rabello
1996), observando-se um
desaparecimento gradual dos
esferulitos presentes. Mesmo na
última imagem ainda se observa
alguma birrefringência, indicando
traços de material cristalino. Em um
termograma de DSC (Figura 5.36), o
pico de fusão é visualizado como uma transformação endotérmica, em que os cristais menores e menos
perfeitos fundem em temperaturas mais baixas e os cristais maiores e mais perfeitos em temperaturas
mais elevadas. Os cristais defeituosos requerem menos energia para fundir, pois os defeitos atuam como
redutores de empacotamento, diminuindo a intensidade das forças intermoleculares nos cristais. Os
cristais pequenos têm alta energia superficial em virtude da maior área específica, necessitando menos
energia por volume para fundir pois a troca de calor é mais eficiente9. Assim, apesar da fusão ocorrer
em uma faixa de temperaturas, convencionou-se indicar a Tm no termograma de DSC como o ponto de

9
Fazendo uma analogia simplista, considere 1Kg de gelo na forma de um bloco único, compacto. Se você moer um
bloco idêntico e comparar o tempo para o gelo derreter nos dois casos, é óbvio que o gelo moído irá derreter muito
mais rápido do que o bloco compacto – consequência de uma maior área superficial.
181
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

máxima transformação (ver Figura 5.36), e isso correspondente a uma determinada população,
predominante, de cristais.

Figura 5.36. Termograma de DSC de uma amostra de PET, mostrando o pico endotérmico de fusão e a
indicação dos tipos de cristais que fundem em cada faixa de temperatura (elaborado pelo autor). Note
ocorre fusão abaixo e acima da Tm, sendo este um parâmetro convencional para reportar a estabilidade
térmica dos cristais.

A existência dessa heterogeneidade de cristais presentes, que causa a ocorrência da fusão em


uma faixa de temperaturas, tem a sua origem no processo de cristalização do polímero. São várias as
razões para isso:

a) As moléculas poliméricas são heterogêneas, em termos de massa molar, regularidade, grupos


terminais, ramificações, impurezas químicas, etc.;
b) Os emaranhados moleculares restringem a cristalização nas suas proximidades;
c) Os núcleos de cristalização, sejam homogêneos ou heterogêneos, não são uniformemente
distribuídos em todo o material e se tornam ativos em tempos/temperaturas diversas;
d) Impurezas externas, como aditivos e resíduos de cristalização, interferem na cristalização, podendo
haver segregação dessas impurezas;
e) Mesmo em cristalização isotérmica, existe oscilação de temperatura, alterando instantaneamente
a cinética de cristalização e, assim, a natureza dos cristais. Em cristalização não isotérmica, a
variação do tamanho e perfeição do cristal durante o resfriamento é substancial;
f) O processamento provoca variações localizadas na estrutura do material, devido a efeitos de
temperatura, pressão, fluxo e combinações destes fatores.

Assim, por essas inúmeras causas de heterogeneidades na cristalização, os cristais formados


variam em tamanho e grau de perfeição e, como consequência, a fusão do polímero ocorre em uma
ampla faixa de temperaturas. Claro que, quanto mais uniforme for o material e quanto mais controlada
182
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

for a cristalização, menor será a faixa de fusão observada. No termograma da Figura 5.36 tem-se a
indicação da Tm como o sendo o ponto de máxima transformação, mas que, na verdade, a fusão iniciou
antes da Tm e continua ocorrendo em temperaturas acima da Tm. Assim, surge o questionamento:

Tm é uma propriedade intrínseca do polímero, como é a Tg?

A resposta é: não!

Ao se cristalizar um material em uma condição diferente, o valor observado da T m (como medida


no termograma de DSC) será, obviamente, diferente pois os cristais
tendem a ser diferentes. Em virtude disso, é comum se utilizar a
Temperatura
temperatura de fusão de equilíbrio (𝑇𝑚𝑜 ), como um parâmetro mais
de fusão
intrínseco para caracterizar a fusão de um polímero semicristalino.
de equilíbrio
Conceitualmente, 𝑇𝑚𝑜 representa a temperatura em que desaparecem
os últimos traços de cristalinidade ou a temperatura de fusão de cristais
de tamanho “infinito”. Isso pode ser determinado experimentalmente por dois métodos:

(a) Baseando-se na equação 5.10 abaixo, plota-se o inverso da espessura lamelar 1/L vs. Tm e extrapola-
se a reta obtida para 1/L=0 (ou L→∞). A temperatura de fusão de equilíbrio é obtida como a
interseção da reta com o eixo das ordenadas (Figura 5.37).

2𝜎
𝑇𝑚 = 𝑇𝑚𝑜 (1 − 𝐿.∆𝐻𝑒 ) (5.10)
𝜇

onde e é a energia livre superficial e H a entalpia de fusão dos cristais, ambos característica do
polímero, e L é a espessura das lamelas. A energia livre superficial pode ser determinada, na mesma
curva, como a inclinação da reta, que é igual a 2.e. 𝑇𝑚𝑜 /H.

(b) Pelo método de Hoffman/Weeks, plotando-se a temperatura de fusão Tm em função da


temperatura de cristalização isotérmica Tc e extrapolando para interceptar a reta Tm=Tc (Figura
5.37).

Note que para ambos os métodos é preciso cristalizar isotermicamente o material em diferentes
temperaturas e medir a Tm (convencional) por DSC. Os resultados pelos dois métodos, em geral,
coincidem, mas o segundo procedimento é muito mais prático e rápido pois depende apenas do
equipamento de DSC, enquanto medidas de espessura lamelar requerem o uso de espalhamento de
raios-X em pequeno ângulo (SAXS), muito menos disponível nos laboratórios de polímeros. A princípio,
também se poderia determinar 𝑇𝑚𝑜 por microscopia ótica de luz polarizada com o acessório de estágio

183
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

de aquecimento, observando a temperatura em que os últimos traços de cristalinidade desaparecem.


No entanto, trata-se de um procedimento de baixa precisão uma vez que a medida depende do aumento
utilizado e até da percepção, subjetiva, do analista. Auxílio de medidas óticas, como índice de refração,
reduzem a subjetividade, mas, ainda assim, o procedimento é pouco preciso quando comparado com os
demais métodos.

Figura 5.37. Métodos para determinação da temperatura de fusão de equilíbrio de polímeros (ver texto).
Nos gráficos, a temperatura de fusão seria a Tm convencional, medida por DSC, por exemplo.

Nota importante: apesar da temperatura de fusão de equilíbrio ser o parâmetro mais correto para aferir
a estabilidade térmica dos cristais poliméricos e, assim, servir de base para seleção de materiais,
desenvolvimento de produtos, etc., na prática a Tm convencional é mais utilizada para esses fins. A razão
para isso é a simplicidade de medida, através de um único termograma de DSC, aliada ao fato de ser
mais tradicionalmente utilizado por autores em livros, artigos, handbooks, boletins técnicos, etc. De toda
forma, sendo Tm ou 𝑇𝑚𝑜 , é preciso estar ciente de que a fusão ocorre em uma faixa (larga) de
temperaturas.

5.6.2. Picos duplos em termogramas de DSC

Um fato relativamente comum em termogramas de fusão é a observação de picos duplos, como


mostra o exemplo da Figura 5.38. Existem basicamente duas explicações principais para esse tipo de
termograma:

184
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

(a) Durante a cristalização formam-se duas fases cristalográficas, com faixas de fusão distintas. Isso
pode ocorrer, por exemplo, no caso de blendas imiscíveis entre dois polímeros cristalizáveis, ou no
caso de um polímero que cristalize em dois sistemas cristalográficos que possuam diferentes
temperaturas de fusão. Dessa forma, cada fase cristalina terá a sua faixa de fusão característica,
que será detectada por DSC. De acordo com este mesmo princípio, moléculas muito defeituosas
podem segregar durante a cristalização, formando, na cristalização secundária, uma fase muito
instável, com menor Tm em relação aos cristais formados na cristalização primária. A depender da
proporção entre os componentes, o pico duplo pode estar bem definido, como na Figura 5.38, ou
se apresentar apenas como um ombro adjacente ao pico principal.

(b) Pode haver reorganização cristalina durante o aquecimento. Por exemplo, se a fase cristalina do
material for instável, ela funde ou recristaliza durante o aquecimento, formando uma fase mais
estável ou com maior espessura lamelar. Finalmente, essa nova fase funde em temperaturas mais
elevadas. Como essa transformação tem uma dependência cinética, o aquecimento realizado
durante o ensaio em diferentes velocidades pode confirmar (ou não) essa hipótese. Por exemplo,
se a intensidade relativa dos picos forem alteradas ao se aplicar uma diferente taxa de aquecimento,
trata-se, provavelmente, de uma transformação cristalina durante o teste (Varga 1995). Caso a
intensidade relativa do primeiro pico não seja alterada, é provável que duas fases cristalinas
coexistam na amostra.

Figura 5.38. Exemplo de picos duplos de fusão durante o aquecimento do poli(hidroxibutirato) (Wellen et
al. 2015).

185
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

Um exemplo do primeiro caso é dado na Figura 5.39, em que uma camada transcristalina de
cristais hexagonais de PP, que crescem epitaxialmente em uma fibra, fundem em temperatura mais
baixa do que os cristais que estão mais distantes da fibra. A temperatura de fusão do PP hexagonal é de
~145°C, enquanto a do PP monoclínico (o mais comum) é de ~165°C. Note também na Figura 5.39 que
os demais esferulitos têm a sua textura alterada pelo aquecimento, possivelmente com uma mudança
sinal de birrefringência. 10

Figura 5.39. Exemplo de fusão parcial de uma camada transcristalina de PP (Li et al. 2004).

O caso de reorganização durante o aquecimento como a explicação para os picos duplos em


termogramas de DSC é muito mais comum do que se possa parecer, com inúmeros registros na literatura
(Alamo and Mandelkern 1986). Técnicas auxiliares como difração de raios-X e SAXS auxiliam nesse tipo
de interpretação (Tagashira et al. 2019). A observação da fusão por microscopia ótica também pode ser
interessante, como mostram as imagens da Figura 5.40. Observe na imagem (c) que os esferulitos
praticamente deixam de ser observados, reaparecendo com mais nitidez na imagem (d). Nessa mesma
figura também se nota na imagem (a) alguns esferulitos mais brilhantes (possivelmente com estrutura
hexagonal) que deixam de existir na imagem (b). Nesse caso, em particular, é possível que os dois
fenômenos – fusão de diferentes espécies cristalinas e reorganização durante o aquecimento – estejam
acontecendo simultaneamente.

10
A birrefringência de um esferulito é definida como a diferença dos índices de refração ao longo das direções
radial e tangencial. Esferulitos de birrefringência positiva tem uma maior concentração de lamelas tangenciais,
enquanto que nos esferulitos negativos as lamelas radiais predominam (Norton and Keller 1985). Durante o
aquecimento o sinal do esferulito pode ser alterado pela fusão das lamelas tangenciais que são menos espessas do
que as radiais, alterando a textura da morfologia.
186
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 5.40. Mudanças morfológicas durante o aquecimento de uma amostra de PP, com fusão quase
total em (c) e reaparecimento dos cristais em (d) (Rabello and White 1997b).

5.6.3. HDT e Tvicat – propriedades alternativas

Apesar da grande importância e significado das transições térmicas T g e Tm como referências


para o comportamento geral dos polímeros, a indústria adotou outras temperaturas para definir o limite
superior de utilização dos produtos – são a temperatura de distorção ao calor (HDT: heat deflection
temperature) e a temperatura de amolecimento Vicat.

O HDT (ASTM D-648) mede a temperatura em que um corpo de prova com dimensões padrão
(12,7cm x 1,3cm x 3cm) deflete 0,25mm quando submetido a uma
tensão de 0,45MPa ou de 1,8MPa em um banho termostatizado sob
aquecimento a uma taxa constante. Ver procedimento
aqui. Conceitualmente, o HDT avalia a temperatura em que
o material perde sua capacidade de suportar tensões sem
defletir significativamente, e as duas opções de tensão contemplam
situações em que o produto pode estar sujeito a esforços mecânicos
menores ou maiores. O ensaio tornou-se amplamente utilizado em
todas as partes do mundo, sendo um dos principais critérios de seleção de materiais poliméricos. Tanto

187
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

o HDT quanto a temperatura de amolecimento Vicat são testes arbitrados, com condições determinadas
que, a princípio, poderiam ter sido criados com valores diferentes.

A temperatura de amolecimento Vicat (ASTM D-1525) tem semelhanças com o HDT, medindo a
temperatura em que uma agulha de 1mm2 de seção circular sob carga
de 1Kg ou de 5Kg penetra 1mm em um corpo de prova aquecido em
banho termostatizado a uma taxa constante. O corpo de prova não
precisa ter o rigor dimensional do HDT, apenas a espessura deve ser
superior a 2mm. A aparelhagem, assim como a execução do
teste, é bastante simples, como se pode observar neste vídeo.
A Tvicat avalia a temperatura em que o material perde sua
estabilidade de forma.

Essas duas propriedades são amplamente empregadas por petroquímicas, desenvolvedores de


formulações, projetistas e processadores. Tornaram-se, para o setor produtivo, até mais importantes do
que as temperaturas de transição vítrea e de fusão, constando em fichas técnicas e catálogos de
produtos. Veja aqui um exemplo de ficha técnica de um material polimérico, com todas as
informações e propriedades relevantes para a indústria. HDT e T vicat são utilizados
indistintamente para polímeros amorfos e semicristalinos, para o desenvolvimento de grades, controle
de qualidade, aditivação de polímeros, especificações de projeto, análise de falha prematura, etc. As
duas temperaturas são influenciadas pelos mesmos fatores, que incluem: cristalinidade, presença de
aditivos como cargas e plastificantes, reticulações químicas, etc., além, claro, da própria estrutura
química do polímero.

A Tabela 5.3 mostra valores típicos de HDT e Tvicat de alguns polímeros comerciais, em
comparação com as suas transições térmicas. Algumas observações são relevantes, considerando não
apenas os dados da tabela, mas também as informações técnicas sobre o tema:

1. A Tvicat é sempre maior do que a HDT, em alguns casos, muito maior.


2. Na comparação do PEBD com o PEAD, tem-se o efeito do grau de cristalinidade, que aumenta tanto
o HDT quanto a Tvicat. No PEAD, a Tvicat se aproxima da temperatura de fusão.
3. Os valores de HDT e a Tvicat situam-se entre Tg e Tm para os polímeros semicristalinos e um pouco
abaixo da Tg para os amorfos.
4. A presença de fibra de vidro tem pouco efeito nas transições térmicas, mas tem uma significativa
influência no HDT/Vicat, sendo um dos principais objetivos na utilização deste tipo de aditivo,
especialmente em plásticos de engenharia.
5. No caso de polímeros amorfos e de compósitos, a HDT situa-se relativamente próxima da Tvicat.
188
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Tabela 5.3. Valores típicos de temperaturas de transição, HDT e Tvicat para alguns polímeros comerciais,
em comparação com Tg e Tm. Dados obtidos de fontes diversas.

Polímero Tg (°C) Tm (°C) HDT @ 1.8MPa (°C) Tvicat (°C)

PEBD -20 110 40 85

PEAD -150 135 85 125

Poliestireno 100 - 80 90

PBT 55 225 60 175

PBT, 30% FV 55 225 200 205

A degradação química e a temperatura de fusão

A degradação oxidativa causa grandes transformações químicas nos polímeros, como cisões moleculares
e formação de determinados grupos químicos. Existem diversas técnicas para quantificar esses efeitos,
como medidas de massa molar e espectroscopia de infravermelho.
Quando um polímero semicristalino e degradado funde e é recristalizado, os cristais formados tendem
a ser muito mais defeituosos em comparação com o material original. Isso porque ele incorpora os
defeitos gerados na oxidação, como grupos carbonila e hidroperóxidos, a depender da química da
degradação. Dessa forma, a temperatura de fusão desse polímero tende a ser depreciada, em proporção
ao teor de impurezas químicas presentes nessas moléculas degradadas.
Os trabalhos deste autor envolvendo a fotodegradação do polipropileno (Rabello and White 1997c)
mostraram que a temperatura de fusão pode ser uma medida indireta da extensão da degradação
química de polímeros semicristalinos. Ensaios de DSC mostraram que a Tm no segundo aquecimento está
proximamente relacionada com outras técnicas utilizadas para aferir a degradação do polímero, como
mostram os gráficos acima. Nesse caso, foram feitas medidas de massa molar e de T m em diferentes
profundidades no corpo de prova degradado.

189
5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

PARA DISCUSSÃO

Considere um material reciclado à base de um polímero cristalizável pós consumo.


A depender de uma série de fatores, as moléculas podem apresentar
características muito diferentes das originais, com mudanças como redução da
massa molar, reticulações e alterações na estrutura química. Além disso, pode
ocorrer contaminações diversas, inclusive de outros polímeros.
Como esse material reciclado irá se comportar em relação à cristalização –
morfologia e cinética? Como será a cristalização secundária? E as implicações nas
propriedades? Como diferenciar os efeitos nas propriedades causados pela
cristalização dos efeitos meramente físicos das contaminações? Quais as
consequências para a fusão?

Sugestões de atividades práticas

Agentes nucleantes. Realize mistura do talco industrial com alguns polímeros cristalizáveis – PP, PE,
poliamidas, poliésters, etc. Avalie a ação nucleante do talco por DSC para as várias misturas, observando
as diferenças de eficiência do nucleante conforme a natureza do polímero.

Tempo de ciclo de injeção. Prepare misturas de PP ou de poliamida com agente nucleante e realize ciclos
de injeção. Determine o tempo mínimo de resfriamento em que o molde pode ser aberto sem que ocorra
empenamento. Relacione os resultados com a composição do material.

Cristalização epitaxial. Em uma lâmina de microscópio, funda uma película de polipropileno e, sobre ela,
deposite uma fibra de vidro ou de Kevlar®. Aqueça novamente essa lâmina e observe por microscopia
ótica o crescimento esferulítico próximo e longe da fibra. Repita o procedimento realizando
manualmente um deslocamento axial da fibra.

Cinética de cristalização e temperatura de fusão de equilíbrio. Realize a cristalização isotérmica do


PEAD e do PEBD em várias temperaturas usando o DSC – através da fusão, seguido do resfriamento
brusco até a temperatura alvo. Determine a taxa de cristalização e trace as curvas de Avrami. Compare
os resultados obtidos, relacionando com a cristalizabilidade desses dois materiais. Após conclusão da

190
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

cristalização, a amostra pode ser aquecida novamente até a fusão, determinando-se a Tm. Com as várias
medidas de Tm para cada temperatura de cristalização, determine a temperatura de fusão de equilíbrio
dos dois tipos de polietileno.

Cristalização a frio do PET. Muitos produtos de informática, como mouses e pen drives, são
comercializados em embalagens de PET, do tipo blisters (ver imagem ao lado).
Aqueça uma amostra dessa embalagem em placa de aquecimento ou em uma
chama e observe a mudança gradual na transparência durante o aquecimento,
com o embranquecimento, seguido da fusão em temperaturas mais elevadas.
Realize um ensaio por DSC, observando a inflexão da transição vítrea, o pico de cristalização a frio e a
fusão. Determine o grau de cristalinidade da embalagem original com base na diferença entre a entalpia
de fusão e a entalpia de cristalização a frio. Nota: essas embalagens também podem ser feitas com PET
copolímero e pode não ser cristalizável – a depender da composição. Nesse caso, a cristalização a frio
não será observada

Recozimento. Prepare 3 amostras: PP puro, PP com nucleante e poliamida pura. Determine a


cristalinidade logo após o processamento e após tratamento térmico a 50°C e 80°C por 1h. Observe a
diferença na evolução da cristalização secundária para os três casos.

Heterogeneidades em produto. Em um produto injetado de polímero semicristalino, retire amostras de


várias posições diferentes e determine o grau de cristalinidade (por DSC, densidade ou difração de raios-
X). Determine a dureza do material para cada uma dessas posições. Tente relacionar os resultados
obtidos com a possível estruturação do polímero durante o processamento.

Temperatura de amolecimento Vicat. O princípio do experimento é muito simples e um equipamento


de medida pode ser construído com certa facilidade. Construa um dispositivo para medir a T vicat de
polímeros e determine essa propriedade para alguns polímeros comerciais. Compare os resultados
obtidos com os valores padrão informados pelas petroquímicas.

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5 – Cinética de Cristalização e Fusão Cristalina Marcelo Silveira Rabello

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University Press: Cambridge).
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Zipper, P., A. Janosi, and E. Wrentschur. 1993. 'Scanning X-Ray Scattering of Mouldings from
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194
Um produto industrial, como uma motocicleta, pode apresentar uma grande variedade de componentes
poliméricos, cujas propriedades mecânicas requeridas dependem da funcionalidade. Pneus, carenagem,
paralamas, painéis, lanternas, assento, protetores diversos e tanque de combustível são apenas alguns
exemplos desses componentes no exemplo acima. O comportamento mecânico requerido para cada
uma dessas peças é bastante específico, podendo incluir características tão diversas como: (i) maciez e
amortecimento, (ii) alta rigidez e tenacidade; (iii) resistência ao desgaste; (iv) baixa vibração e resistência
à fadiga. Além do comportamento mecânico, outras propriedades são incluídas no rol de especificações,
como estabilidade ao calor, propriedades elétricas e resistência química.

Capítulo 6
Comportamento mecânico
Os polímeros, com sua diversidade de estruturas físicas e químicas têm comportamento mecânico bastante
diversificado. Este capítulo visa descrever os vários mecanismos de deformação dos materiais polímeros,
enfatizando as peculiaridades físicas e moleculares, e apresentar os princípios gerais da fratura e análise de falha
dessa classe de materiais.
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

O comportamento mecânico dos materiais poliméricos, assim como dos demais tipos de
materiais, possui uma grande importância prática uma vez que as suas propriedades limites definem,
em grande percentual, os critérios de seleção e aplicação em diversos campos de utilização. Polímeros
que apresentam baixos valores de propriedades mecânicas são, geralmente, preteridos em aplicações
críticas em que a elevada performance mecânica é exigência fundamental. Em linha com esse tipo de
abordagem, muitos dos novos desenvolvimentos dos materiais poliméricos visam a melhoria das
propriedades mecânicas sem prejuízo das outras propriedades. Esse objetivo também ocorre na
modificação de polímeros existentes, como em compósitos, blendas e copolimerização.

As propriedades mecânicas dos materiais poliméricos dependem de muitos fatores, como massa
molar, cristalinidade, orientação, etc. Vários exemplos foram mostrados ao longo dos capítulos
anteriores e no Capítulo 7 as diversas influências serão novamente abordadas. No presente capítulo o
tema será tratado sob uma outra perspectiva, e com dois tópicos principais:

1. mecanismos de deformação. Entender como os polímeros se comportam mecanicamente implica,


inicialmente, no entendimento básico sobre como eles se deformam. Muito mais do que as
propriedades limite, como resistência à tração e deformação na ruptura, trataremos aqui sobre os
diversos modos de deformação dessa classe de materiais;
2. fratura. O caso limite da deformação é a fratura final, que pode ser provocada por diversos fatores,
como defeitos internos, orientação desfavorável ou projeto inadequado. De modo simplificado, o
mecanismo geral de fratura será apresentado, assim como algumas estratégicas na investigação da
topografia de fratura.

Não abordaremos aqui os procedimentos e equipamentos para os ensaios mecânicos de


materiais. Além das normas técnicas como as da ABNT e ASTM, o leitor poderá consultar a literatura
específica sobre o tema (Garcia, Spim, and Santos 2012). O leitor também é convidado a revisar os
conceitos mecânicos relacionados com a ciência dos materiais (Calister and Rethwisch 2020).

6.1. Mecanismos de deformação

Os principais testes mecânicos, de interesse para os produtos poliméricos, são:

• ensaio de tração;
• ensaio de resistência ao impacto;
• ensaio de dureza.

196
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Outros ensaios, como fadiga, flexão, compressão, fluência e relaxação de tensão, possuem
menor importância em relação aos anteriores, mas podem ser determinantes, a depender do tipo de
aplicação.

Consideramos que o ensaio de tração, ilustrado com a


imagem ao lado, seja o mais significativo para uma descrição geral
do comportamento mecânico dos polímeros e, em função disso,
utilizaremos este tipo de teste para tratar os mecanismos de
deformação que serão descritos nesta seção.

A partir de uma curva tensão-deformação (Figura 6.1),


determina-se as propriedades limite, como resistência à tração, tensão ruptura, deformação máxima,
etc., assim como o módulo de elasticidade e a tenacidade. A tenacidade obtida a partir de uma curva
tensão deformação pode ser relacionada com a resistência ao impacto do material 1. Por exemplo, os
efeitos de procedimentos que visam aumentar a resistência ao impacto de um polímero, como a
incorporação de aditivos ou de comonômeros, também podem ser estimados a partir das curvas tensão-
deformação.

Figura 6.1. Curva tensão-deformação de um polímero dúctil, com a indicação de alguns parâmetros que
podem ser obtidos. Na verdade, o padrão do diagrama tensão-deformação é uma consequência direta
dos mecanismos de deformação existentes no polímero – tema principal deste capítulo.

1
Existe, entretanto, uma questão importante neste tipo de comparação que é o efeito do tempo de aplicação do
esforço. Em testes de impacto, a taxa de deformação é muito mais elevada do que em ensaio tensão-deformação
convencional e isso leva à discrepâncias que podem ser relevantes em alguns casos. Esse fenômeno está
relacionado com os efeitos viscoelásticos, tema que será abordado na seção 6.1.6.
197
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

De forma análoga, o módulo de elasticidade está relacionado com a dureza, no sentido em que
os mesmos fatores que levam a um aumento na dureza, como cristalinidade, adição de cargas, rigidez
da cadeia, etc., também elevam o módulo elástico. Similarmente, a presença de plastificantes e o
aumento da temperatura reduzem a dureza e o módulo elástico. As medidas de dureza são
especialmente importantes em dois tipos de materiais: os
elastômeros e os polímeros plastificados, como o PVC. Como
os testes são rápidos, os equipamentos de custo
relativamente baixo e necessita-se amostras de pequeno
tamanho (ver imagem ao lado), o ensaio de dureza tornou-
se um procedimento muito utilizado no controle de
qualidade desses materiais. Em uma indústria de borrachas,
por exemplo, a dureza está diretamente relacionada com o grau de reticulação, mas também com os
tipos e concentrações de aditivos utilizados. Veja neste link algumas características dos teste
de dureza e os efeitos do tipo de processamento.

O princípio geral de um ensaio mecânico de tração é a aplicação de uma deformação crescente


com velocidade constante e o monitoramento contínuo da tensão necessária para provocar a
deformação. No limite do ensaio tem-se a fratura do corpo de prova, que pode ser de natureza frágil ou
dúctil, refletindo o tipo de deformação dominante.

De acordo com os conceitos clássicos da ciência dos materiais, a deformação pode ser de dois
tipos: elástica (ou reversível) ou plástica (ou permanente). Em polímeros, entretanto, esse princípio
precisa ser expandido e os seguintes tipos de deformação serão considerados para os polímeros sólidos:

• elástica, ou hookeniana;
• borrachosa, ou altamente elástica;
• microfibrilamento, ou crazing;
• elástico-forçada, ou pseudo-dúctil;
• escoamento plástico;
• viscoelástica.

198
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

O tipo de deformação reflete determinadas características do material e depende da


temperatura do teste e temperaturas de transições térmicas, estrutura química, cristalinidade, presença
de aditivos, etc. Algumas curvas tensão-deformação típicas para alguns tipos de polímeros estão
mostradas na Figura 6.2. As curvas indicam que, além das diferenças entre valores limite – como
resistência à tração e deformação máxima – os diversos tipos de polímeros diferem no formato da curva,
ou seja, no mecanismo de deformação. Esse é o principal tema desta seção, que será abordado nas
subseções seguintes.

Figura 6.2 Diagramas tensão-deformação típicas para vários tipos de polímeros. Fonte: notas de aula
MSE 470 / MAE 455, MIT (EUA). As curvas são apenas esquemáticas, representando os vários tipos de
materiais poliméricos.

6.1.1. Deformação hookeniana

O princípio da deformação hookeniana é o mais próximo do que entendemos, em ciência dos


materiais, por deformação elástica. Ocorre com todos os tipos de polímeros e é a deformação que
precede todas as demais, quando existirem. O conceito desse tipo de deformação é o da Lei de Hooke,
cuja analogia é uma mola, que se deforma elasticamente (isto é, reversivelmente) ao se aplicar um
esforço mecânico. A deformação é proporcional à tensão aplicada e a constante de proporcionalidade é
o módulo elástico (também chamado módulo de Young) do material:

𝜎
𝐸= (6.1)
𝜀

199
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Os segmentos moleculares da macromolécula podem ser considerados como uma mola,


atendendo à analogia da Lei de Hooke, em que os ângulos de equilíbrio das ligações covalentes são
alterados pela força externa:

 ’

Como o princípio da deformação é a alteração dos ângulos de equilíbrio, essa é a primeira deformação
que os polímeros apresentam quando solicitados mecanicamente (por tração), que corresponde a
valores de 1-3%. Trata-se do início da curva tensão-deformação, na porção linear do diagrama (ver Figura
6.1). De acordo com a Lei de Hooke, quanto maior o módulo elástico, menor a deformação observada
para uma mesma tensão aplicada. Dessa forma, todos os fatores que dificultam a alteração dos ângulos
de equilíbrio, ou seja, que levam a uma maior rigidez molecular, resultam em maiores valores de módulo
de elasticidade, conforme a ilustração da Figura 6.3. As principais influências na deformação hookeniana
e, por consequência, no módulo elástico dos polímeros estão listadas a seguir e alguns exemplos
mostrados na Tabela 6.1.

• Temperatura. O aumento da temperatura resulta em maior mobilidade das moléculas, facilitando


as mudanças conformacionais, o que resulta em menor módulo elástico. Grandes diferenças
ocorrem acima e abaixo das temperaturas de transição (T g e Tm);
• Volume dos grupos presentes. Grupos volumosos, seja na cadeia principal ou na lateral, reduzem
a capacidade de movimentação dos segmentos, o que resulta em maior módulo;
• Polaridade. Segue o mesmo princípio de influência da transição vítrea. Grupos polares elevam o
nível de interação intermolecular, com necessidade de maior energia (ou tensão) para a
movimentação, o que eleva também o módulo;
• Reticulações químicas. Assim como os grupos polares, as ligações cruzadas ancoram as cadeias
entre si, resultando em maior módulo;
• Cristalinidade. A ordem cristalina implica em maior empacotamento molecular, o que dificulta a
deformação dos segmentos moleculares presentes nos cristais. O efeito resultante é um maior
módulo elástico;
• Orientação molecular. Moléculas previamente orientadas possuem estados conformacionais
alterados e em não equilíbrio. Deformações posteriores tornam-se mais difíceis, pela maior
dificuldade em alterar ainda mais os ângulos de ligação. Ou seja, o módulo elástico aumenta com o
grau de orientação, atingindo valores realmente significativos para o caso de fibras altamente
orientadas (ver ilustração da Figura 6.2 e o caso do polietileno na Tabela 6.1);

200
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

• Copolimerização. A depender do tipo de comonômero, o módulo pode aumentar ou reduzir,


conforme seja mais volumoso (ou polar) do que o homopolímero de referência. Esse conceito vale
também para copolímeros em blocos, que afetam a transição vítrea de um modo especial (ver seção
2.5). Uma influência indireta e relevante é o caso de copolímeros aleatórios, em que se tem uma
menor cristalizabilidade em relação ao homopolímero e, nesse aspecto, o módulo poderia ser
reduzido, a depender do balanço entre os dois tipos de influência (rigidez do comonômero e grau
de cristalinidade);
• Aditivos. Vale o princípio geral de que os aditivos que promovem a mobilidade, como os
plastificantes, reduzem o módulo, enquanto aditivos rígidos, como as cargas e fibras, restringem a
movimentação molecular em suas vizinhanças, aumentando o módulo. Note que os plastificantes
têm forte influência na Tg – assim como no módulo, mas as cargas e fibras alteram o módulo elástico,
mas têm pouca influência na transição vítrea.

Figura 6.3. Representação dos efeitos que afetam a inclinação (i.e., módulo de elasticidade) da curva
tensão-deformação em sua região elástica. Como o objetivo aqui é o de apenas ilustrar as influências no
módulo elástico, apenas esta região foi representada na figura.

O módulo de elasticidade pode ser considerado como uma propriedade intrínseca de um


polímero, embora possa ser influenciada por fatores diversos, inclusive
causados pelo processamento, como o grau de cristalinidade, a
orientação molecular e o grau de reticulação. Por essa razão, nos bancos
É propriedade
intrínseca mas... de dados e em fichas técnicas, o módulo elástico é, invariavelmente,
reportado como intervalo de valores, contemplando essas influências.
Veja um exemplo aqui.

201
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Tabela 6.1. Exemplos típicos das diversas influências no módulo elástico de polímeros. Dados coletados
de fontes diversas.

Polímero Módulo elástico (MPa) Tipo de efeito

Poliamida 6 a 20°C 2700


Temperatura
Poliamida 6 a 50°C 1400
PEAD 800 Grupos
Poliestireno 3100 volumosos

PEAD 800
Polaridade
PVC 3000
PET amorfo 1400
Cristalinidade
PET 40% cristalino 2000
PEAD injetado 800
Orientação
PEAD fibra (ultraorientado) 90000
PVC 3000
PVC com plastificante (20% DOP) 120 Aditivos
PVC com carga (30% mica) 4200

6.1.2. Deformação borrachosa

A deformação borrachosa, ou altamente elástica, ocorre predominantemente nos elastômeros,


especialmente nos vulcanizados. Ou seja, em polímeros amorfos, com baixa Tg e que tenham ligações
cruzadas. À primeira vista poder-se-ia considerar que um elastômero, sendo um material “elástico”,
deveria apresentar a deformação hookeniana e com grandes extensões. No entanto, a curva tensão-
deformação de um elastômero vulcanizado, com comportamento “elástico”, não é uma reta, como
ocorre na deformação hookeniana (ver Figura 6.4 e um teste mecânico aqui). Na verdade, a
curva compreende três regiões distintas:

Região I. Deformação hookeniana, como nos demais tipos de materiais poliméricos, com pequena
deformação reversível e que se determina o módulo de Young.

Região II. Deformação borrachosa, que predomina na maior parte da curva tensão-deformação. Note
que nesta região a tensão e a deformação não são diretamente proporcionais, ou seja, a curva não
representa uma reta e, assim, o “módulo elástico” não é constante.

202
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Região III. Observa-se um maior aumento na tensão para que o corpo de prova continue a se deformar.
Isso ocorre devido a uma elevada orientação molecular causada pela deformação, necessitando de
tensões proporcionalmente maiores para a continuidade do ensaio. Nessa região pode haver
cristalização induzida pela tensão aplicada. A região III também pode ser chamada de “strain hardening”
e pode-se obter um tipo de módulo, o “módulo hardening”, mas trata-se de um parâmetro pouco
utilizado na prática.

Figura 6.4. Curva tensão-deformação de um composto de borracha vulcanizada. Dados do autor. É na


região II em que os elastômeros possuem suas propriedades de interesse, com grandes deformações
reversíveis.

Para se compreender a região II, correspondente à deformação borrachosa, considere uma


estrutura enovelada e emaranhada e que tenha mobilidade molecular (isto é, que esteja acima da T g).
Essa forma conformacional enovelada é mais estável termodinamicamente e, portanto, deve prevalecer
na ausência de forças externas. Ao se aplicar um esforço mecânico, os segmentos moleculares se
alinham parcialmente na direção do esforço:

Esse alinhamento altera o estado de equilíbrio da macromolécula que, devido à força entrópica, exerce
uma tendência de retorno à sua conformação original. Se a força for removida, a forma enovelada é
readquirida e, assim, o corpo de prova retorna às suas dimensões iniciais. Entretanto, algum
escorregamento molecular pode existir se as cadeias não estiverem conectadas entre si. As conexões
entre as cadeias podem ser de duas formas (i) pelos emaranhados moleculares e/ou (ii) pelas

203
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

reticulações químicas. Na ausência de reticulações, borrachas com altas massas molares podem
apresentar comportamento borrachoso com reversibilidade dimensional, mas apenas com deformações
baixas ou moderadas. Ou seja, borrachas sem ligações cruzadas não têm força entrópica suficiente para
atenderem às necessidades reais, onde, em geral, se requer deformações de 300 a 1000%. Assim, um
elastômero precisa ter reticulações químicas (ou físicas para o caso dos copolímeros em blocos – ver
seção 2.5) para restringir o escorregamento molecular em grandes deformações e, assim, apresentar o
desejável comportamento altamente elástico para essa classe de materiais.

Nesse tipo de deformação a temperatura tem uma influência diferente pois o maior movimento
térmico aumenta também a força entrópica, o que poderia resultar em um aumento no módulo com o
aumento da temperatura – e não o oposto, que ocorre normalmente. Essa relação é descrita pela
equação 6.2:
3𝑅𝑇𝜌
𝐸= (6.2)
𝑀𝑐

onde R é a constante universal dos gases, T a temperatura absoluta,  a densidade e Mc a massa molar
média entre as reticulações. A elasticidade da borracha e seus aspectos termodinâmicos são, na verdade,
uma ciência de elevada complexidade, podendo o leitor consultar a literatura mais especializada (Ward
and Sweeney 2004; Tager 1978), caso desejável.

Uma questão prática e importante sobre os elastômeros é a utilização do módulo de


elasticidade. Como os produtos à base de borracha devem sofrer grandes deformações em serviço, o
uso do módulo de Young, determinado em deformações (muito) pequenas, não seria representativo
para situações de projeto e especificação de componentes. Em vista disso, projetistas e desenvolvedores
utilizam parâmetros alternativos para descrever a relação entre tensão e deformação durante aplicação
de esforços mecânicos mais elevados. Como a curva tensão-deformação na região II (Figura 6.4) não é
uma reta, o “módulo elástico” não é
constante, variando de ponto a ponto. A
alternativa encontrada foi especificar um
“módulo” convencional para uma
deformação específica. Por exemplo, o E300 é
a relação entre tensão e deformação para
uma deformação de 300% (ver imagem ao
lado); o E500, para uma deformação de 500%.
A rigor, qualquer “módulo” pode ser
especificado para situações de projeto, mas os mais comuns são o E300 e o E500.

204
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

O efeito do teor de agente de vulcanização nas curvas tensão-deformação de um elastômero


está exemplificado na Figura 6.5. Note que tanto o módulo elástico (em pequenas deformações) quanto
o E300 nitidamente aumentam com a concentração de agente de cura – que afeta diretamente o grau de
reticulação de uma borracha.

Figura 6.5. Curvas tensão-deformação de um copolímero a base de isopreno com vários teores de dicumil
peróxido, usado como agente de vulcanização (Lei et al. 2015). “pcr” significa “partes por cem de resina”
e é uma maneira usual que a indústria utiliza para dosar os aditivos.

6.1.3. Microfrilamento (crazing)

Em um ensaio tensão-deformação de um polímero frágil como o poliestireno, obtém-se uma


curva como a mostrada na Figura 6.6(a). À primeira vista pode-se considerar que se trata de um material
que apresenta apenas deformação hookeniana. No entanto, uma análise mais precisa indica a ocorrência
de um pequeno desvio da linearidade nos estágios finais da deformação (Figura 6.6(b)). Esse desvio é
acompanhado por um efeito visual no corpo de prova, caracterizado com pequenas fissuras na direção
ortogonal à da tensão aplicada. O número e intensidade dessas fissuras depende de vários fatores, e
uma análise por microscopia eletrônica de transmissão dessa região indica a existência de uma estrutura
como a mostrada na Figura 6.7.

205
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

(a) (b)

Figura 6.6. (a) Curva tensão-deformação do poliestireno. (b) Indicação do início da deformação por
crazing. Dados do autor.

Figura 6.7. Aspecto geral de um corpo de prova de um polímero frágil após ensaio de tração e imagem
por microscopia eletrônica do interior de uma fissura, indicando uma estrutura composta por fibrilas
intercaladas por vazios (Mills, Jenkins, and Kukureka 1994).

Essa morfologia peculiar é composta aproximadamente por 50% de polímero orientado e 50%
de vazios, sendo comumente conhecida por crazing, cuja tradução mais apropriada para o português é
“microfibrilamento”. Os “riscos” verticais da Figura 6.6 representam o aspecto macroscópico das crazes
e são observadas visualmente pois os vazios internos espalham a luz
visível, conferindo esse aspecto esbranquiçado. São as regiões orientadas
que intercalam os vazios as responsáveis por prolongar o processo
Fibrilas intercaladas
deformação, adiando a falha catastrófica do material. Trata-se, portanto, com vazios
de um mecanismo próprio de deformação que, evidentemente, absorve
a energia aplicada, contribuindo para um aumento na tenacidade do
polímero (o aumento é pequeno, mas... veja adiante). Os polímeros que se deformam por esse
mecanismo são os amorfos abaixo da Tg e os semicristalinos em temperaturas abaixo ou próximas da Tg,
como o PP na temperatura ambiente. Nesse último caso, a deformação por crazing ocorre em conjunto
com outros tipos de deformação (ver adiante).

206
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Pela curva da Figura 6.6, percebe-se que o aumento na tenacidade proporcionado pelo crazing
é pouco significativo, uma vez que o polímero vítreo tem reduzida capacidade de deformação por sua
baixa mobilidade molecular. Depois da formação dos crazes, as microfibrilas podem sofrer ruptura,
gerando uma estrutura mais aberta, similar a uma
trinca, que concentra a tensão mecânica, causando
a fratura. A imagem ao lado ilustra a diferença entre
a craze e a trinca (Calister and Rethwisch 2020).
Observa-se na Figura 6.8 parte da superfície de
fratura de um corpo de prova de poliestireno, onde
resta evidente a estrutura contendo vazios, material fibrilar e o rompimento das fibrilas, no centro da
imagem. Essa transformação de microfibrila em trinca também está ilustrada na Figura 6.9, mostrando
a imagem geral na ponta de um entalhe com ruptura de fibrilas e uma estrutura contendo vazios no seu
interior. Observe que a representação esquemática é bastante fiel ao que foi observado na peça real.

Figura 6.8. Corpos de prova de poliestireno após ensaio mecânico de tração em presença de etanol e
imagem por microscopia eletrônica de varredura da superfície de fratura (Sousa et al. 2006). Observa-se
o rompimento das fibras, dando origem à trinca e, em seguida, falha catastrófica.

Figura 6.9. Microscopia eletrônica na região de uma trinca, mostrando estrutura fibrilar no seu interior
e o modelo ilustrativo (Damasceno 2010; Lagarón et al. 2000; Wright 1996)

207
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Pelas imagens mostradas acima, torna-se claro a ocorrência de um mecanismo especial de


deformação, que contribui para uma elevação na tenacidade de um polímero frágil. É verdade que esse
aumento é bastante modesto, uma vez que as trincas são formadas logo em seguida, causando a falha
catastrófica. Como será descrito posteriormente neste capítulo (seção
6.2), o processo de fratura (que pode envolver o crazing) é iniciado a

“Defeitos” partir de defeitos presentes no produto – sejam internos ou de superfície.


adicionados para Os defeitos atuam como concentradores de tensão, o que eleva
tenacificar
localmente a tensão aplicada, resultando em fratura após pouca
liberação de energia. Caso o material contenha muitos defeitos internos,
e esses defeitos possuam características semelhantes, a tensão aplicada
poderia ser distribuída nesses muitos defeitos e não mais concentrada em alguns poucos. Se isso
acontecer, cada defeito presente atuaria como uma região de iniciação do microfibrilamento, como na
imagem a seguir.

Nesse caso, o material tenderia a se deformar mais, resultando em maior tenacidade. É baseado nesse
princípio que se utiliza os chamados modificadores de impacto, que são aditivos que atuam como
“defeitos”, concentrando tensões e, assim, gerando muitos locais de microfibrilamento. Em geral são
elastômeros, adicionados em concentração de 5 a 15% e são utilizados em diversos polímeros
comerciais, como poliestireno, SAN, polipropileno, PMMA, PVC, etc.

A curva tensão-deformação de um polímero tenacificado está exemplificada na Figura 6.10 em


comparação com o polímero original. Observa-se um aumento significativo na deformação máxima,
resultado da maior absorção de energia pelos mecanismos de crazing. Por outro lado, a resistência à
tração é reduzida, devido à maior vulnerabilidade causada pelos defeitos presentes, e o módulo elástico
também é menor, uma vez que reflete a combinação de dois materiais – um rígido e um elastomérico.
A redução do módulo elástico, entretanto, é consideravelmente menor quando comparado com a adição
de plastificantes uma vez que, no caso dos modificadores de impacto, a matriz rígida é responsável por
essa característica.

208
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 6.10. Curvas tensão-deformação do PS puro e do PS contendo elastômero (HIPS) (Rabello and de
Paoli 2013). Observa-se que, no HIPS, o módulo elástico é reduzido (como visto pela inclinação da curva
no início da deformação), assim como a resistência à tração. Por outro lado, a deformação na ruptura e
a tenacidade (proporcional à área sob a curva), são muito maiores – consequência do mecanismo de
crazing.

Como atuam como concentradores de tensão, os modificadores de impacto devem,


necessariamente, formar uma fase imiscível com o polímero-base, mas uma boa adesão entre eles é
desejável. Um exemplo da importância da adesão interfacial está mostrado nos dados da Figura 6.11,
em que blendas de PA6 e AES apresentaram significativo aumento na resistência ao impacto quando um
agente de compatibilização foi adicionado.

Figura 6.11. Efeito da adição de AES (copolímero acrilonitrila-etileno-propileno-dieno) e compatibilizante


(copolímero metacrilato de metila-anidrido maleico) na resistência ao impacto da PA6. Dados baseados
em (Oliveira et al. 2017).

209
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Vale reforçar o conceito de que as partículas de borracha tenacificam o polímero não porque
elas absorvam a energia aplicada e sim porque elas
induzem os mecanismos de deformação por
crazing. Isso ocorre a partir da concentração de
tensão na periferia da partícula. A imagem ao lado
mostra microfibrilas formadas a partir de partículas
de borracha em uma matriz de poliestireno (Correa
1996), em diferentes estágios de desenvolvimento
uma vez que dependem do tamanho da partícula de
borracha. Maiores detalhes sobre esse assunto
podem ser obtidos em literatura mais específica sobre aditivos (Rabello and de Paoli 2013; Zweifel 2001)
ou sobre blendas poliméricas (Utracki and Wilkie 2014).

No caso de polímeros tenacificados, o embranquiçamento por tensão 2, ou “stress whitening”


durante uma solicitação mecânica é muito mais evidente do que
no caso dos polímeros puros que apresentam deformação por
crazing, e um exemplo está mostrado a imagem ao lado para o
PMMA aditivado com elastômero (Sousa 2008). Nesse caso, o
corpo de prova foi tracionado apenas na região da amostra fora
das garras do equipamento de ensaios, evidenciando o efeito da
formação de crazes nessa região do corpo de prova.

2
Não é raro polímeros cristalizáveis, como o polipropileno, apresentarem embranquecimento quanto
tensionados mecanicamente (veja exemplo aqui). Muitas vezes esse efeito é associado a uma cristalização
induzida por tensão. Embora isso possa ocorrer, a opacidade causada pelo crazing ou formação de
porosidades diversas são as explicações mais prováveis.
210
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Capacetes de ABS devem ser substituídos após impacto?

O ABS é um dos principais polímeros utilizados na fabricação de


capacetes de segurança, juntamente com o policarbonato e o
polipropileno. Como apresentado na seção 3.3, trata-se de um
terpolímero constituído de uma matriz de copolímero estireno-
acrilonitrila (SAN) contendo partículas de borracha conectadas por
reações de enxertia. O ABS é um polímero de engenharia, com
excelente balanço entre rigidez e tenacidade, daí seu uso em
dispositivos como capacetes.
Como a elevada ductilidade do ABS é atribuída à deformação por crazing, microfibrilações são formadas
no interior do produto em caso de alguma solicitação mecânica, como esforços de impacto. Mesmo que
a peça não sofra fratura catastrófica, a estrutura interna do capacete poderá conter defeitos internos
críticos, oriundos do mecanismo de crazing, que atuarão como elementos concentradores de tensão.
Isso pode levar à fratura em impactos subsequentes devido à formação das trincas a partir dos crazes
preexistentes. Assim, a recomendação dos fabricantes e das normas específicas é que, sim, eles sejam
substituídos quando impactados. A grande questão é a diferenciação entre um impacto que seja forte
o suficiente para comprometer a peça ou um impacto de menor intensidade e que mantenha a
performance do componente. Como o usuário não teria condições de inferir sobre esse limite aceitável
e, sendo um dispositivo de segurança, a prudência passa a ser a atitude recomendada, com a substituição
do capacete após sofrer qualquer tipo de impacto.
Veja aqui e aqui, mais detalhes sobre essa importante aplicação. Este vídeo
mostra como são feitos os testes exigidos pelo Inmetro.

6.1.4. Escoamento plástico (yielding)

Esse é o tipo de deformação que ocorre, com grandes extensões, em polímeros semicristalinos
acima da temperatura de transição vítrea. Uma curva tensão-deformação típica está mostrada na Figura
6.12, juntamente com as transformações que ocorrem no corpo de prova durante o ensaio mecânico.
As etapas indicadas na curva compreendem os seguintes mecanismos/fenômenos:

(1) Região de pré-escoamento, em que ocorrem a deformação hookeniana, juntamente com


deformação reversível dos esferulitos e outros elementos cristalinos. Nessa região ocorre também
uma forte influência do comportamento viscoelástico (ver seção 6.1.6 ) e, dependendo do tipo de
polímero, pode ocorrer também crazing, de tal forma que a curva não é, necessariamente, uma
linha reta. Esse trecho da curva tensão-deformação é fortemente dependente da temperatura do
ensaio e da taxa de deformação.

211
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

(2) Ponto de escoamento, seguido de empescoçamento (estricção). No ponto de escoamento, tem-se


duas propriedades muito importantes que, muitas vezes, são utilizadas como parâmetros de
projeto – a tensão de escoamento e a deformação no escoamento. Nesse ponto tem-se início a
grandes transformações estruturais no material, que serão descritas a seguir. O local no corpo de
prova em que ocorre o empescoçamento depende de uma combinação de fatores favoráveis a isso,
que inclui, cristalinidade, orientação cristalina, concentradores e campos de tensão, densidade de
emaranhados, morfologia, etc.
(3) Estiramento a frio (cold drawing). A região que sofreu a estricção tem uma menor seção transversal
e, assim, uma maior tensão atuante localmente (lembre-se: tensão= força/área), mas, por outro
lado, apresenta uma elevada orientação molecular e, como consequência, se torna mais resistente
à deformação. Assim, são as regiões adjacentes à de estricção que se deformam progressivamente,
aumentando a seção orientada, “consumindo” as regiões que não sofreram estricção.
(4) Fibrilação e fratura. Após todo o corpo de prova ter sido orientado durante o ensaio, é preciso
exercer um esforço mecânico mais elevado para a deformação prosseguir, uma vez que teria que
deformar a região central, já bastante orientada. O resultado é a elevação na curva tensão-
deformação nos estágios finais do ensaio (chamado strain hardening), com as moléculas altamente
orientadas na direção do esforço aplicado. Nesse caso do exemplo da Figura 6.12, a tensão de
ruptura é a resistência à tração do material, sendo superior à tensão de escoamento – mas não
necessariamente a mais importante para fins de projeto de produto. Nessa região se pode calcular
o “módulo hardening”, mas tem pouca importância prática.

Figura 6.12. Diagrama tensão-deformação de um polímero semicristalino que apresenta a deformação


por escoamento plástico. Ver texto para significado da numeração.

212
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Veja neste vídeo um ensaio mecânico em uma amostra de PEAD em que o ponto de escoamento
é claramente observado pela redução brusca da área de seção transversal. É
visível também a alteração na tonalidade de cor, com o aumento do
embranquecimento durante o ensaio. Esse embranquecimento é causado por
crazing e/ou por trincas e porosidades formadas no processo de deformação.

O ponto crucial para o entendimento do escoamento plástico são as transformações estruturais


durante a aplicação do esforço. Considere a
figura ao lado, representando
esquematicamente um polímero
semicristalino, em que a fase amorfa possui
baixo módulo elástico e os cristais um alto
módulo. Se uma tensão for aplicada, as
regiões de módulo mais baixo irão
apresentar, localmente, uma deformação
maior em relação às regiões de alto módulo. Isso provoca um alinhamento inicial nas regiões amorfas
na direção do esforço aplicado. Como se trata de uma estrutura complexa, contento regiões amorfas e
cristalinas, cadeias atadoras, orientações variadas dos cristais, tamanhos diferentes, etc., o mecanismo
completo de deformação pode compreender vários estágios, conforme o modelo ilustrativo da Figura
6.13. Os cristalitos adjacentes tendem a deslizar sobre a região
deformada e as cadeias atadoras se tornam distendidas. Com a
progressão da deformação, estágio II, as lamelas cristalinas se inclinam
na direção do esforço, sofrendo rotações cristalográficas. O próximo Uma completa
reestruturação
estágio (III) envolve uma fragmentação das lamelas em vários cristalitos cristalina
menores que se mantém conectados por cadeias atadoras e esses
cristalitos se tornam mais alinhados na direção do esforço aplicado. Nos
estágios finais se tem uma grande orientação – tanto dos micro-cristais
formados quanto das regiões amorfas e cadeias atadoras, com uma estrutura em forma de fibrilas
direcionadas. Como resultado dessas transformações, vazios são gerados internamente, o que justifica
o embranquecimento dos corpos de prova durante o ensaio mecânico.

213
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Estágio III
Estágio I Estágio II

Figura 6.13. Representação esquemática das transformações que ocorrem durante o escoamento
plástico de um polímero semi-cristalino (Calister and Rethwisch 2020). Ver texto no parágrafo anterior
para explicação dos vários estágios.

Essa transformação cristalina durante a deformação também ocorre nas morfologias


esferulíticas, que se alongam nos estágios iniciais da deformação, e, posteriormente, sofrem as
transformações citadas, com a destruição total da morfologia
característica. Em estágios intermediários, trincas podem ser
formadas no interior do esferulito, conforme imagem ao lado,
obtida por microscopia ótica de luz polarizada durante o
estiramento (Nitta and Takayanagi 2003). Neste caso, as trincas
foram formadas inicialmente na direção equatorial e
perpendiculares à direção do esforço, mas isso pode ser diferente
conforme a predominância de lamelas radiais ou tangenciais. A deformação dos esferulitos e a sua
destruição para a formação de uma estrutura fibrilar é fortemente dependente do tamanho dos
mesmos, assim como da orientação das lamelas, massa molar, sistema cristalográfico, etc.

Um dos modelos mais clássicos para representar tanto a estrutura de um polímero estirado a
frio quanto a de fibras à base de polímeros semicristalinos foi desenvolvido por Peterlin (1965) e está
mostrado na Figura 6.15. As principais características desse modelo são:

(a) Divisão da estrutura em micro-fibrilas com diâmetro de 10-20nm;

214
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

(b) Alteração transversal dos cristalitos com manutenção da conformação das cadeias dobradas e
separadas por camadas defeituosas;
(c) Presença de um grande número de moléculas atadoras intrafibrilares e um número bem menor no
posicionamento interfibrilar. Essa é uma das principais características desse modelo, tornando o
material (após o estiramento a frio) altamente resistente no sentido axial e com baixa resistência
no sentido transversal.
(d) Orientação preferencial das moléculas ao longo do eixo das fibrilas.

Figura 6.14. Modelo de Peterlin para as transformações cristalinas durante o estiramento (Peterlin 1965).

Como mencionado anteriormente, a tensão de escoamento é talvez o principal parâmetro de


projeto para um polímero que se deforma por esse mecanismo – até mais importante do a resistência à
tração (que pode coincidir com a tensão de ruptura). Isso porque, em muitas aplicações, após o
escoamento o produto pode estar inutilizado devido à extensa deformação permanente. A tensão de
escoamento depende basicamente de dois fatores: (1) mobilidade molecular, em que a presença de
grupos volumosos ou polares exercem forte influência. Por exemplo, a tensão de escoamento do
polipropileno tende a ser bem mais elevada do que a do polietileno; (2) grau de cristalinidade, que
aumenta a dificuldade no realinhamento das lamelas cristalinas sob a aplicação do esforço (ver Figura
6.15).

215
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Figura 6.15. Efeito do grau de cristalinidade na tensão de escoamento do polietileno (Mills, Jenkins, and
Kukureka 1994).

A deformação por escoamento plástico é fortemente dependente da mobilidade das regiões


amorfas durante o ensaio, além da taxa de deformação. A mobilidade dos segmentos moleculares é
função da natureza do polímero, mas também da temperatura de teste. Para um corpo de prova fraturar
antes ou após a estricção pode ser uma diferença bastante tênue na sua habilidade em sofrer as
transformações características do mecanismo de escoamento plástico. O polipropileno, por exemplo,
pode ter estricção e se deformar bastante (mais de 300%) quando ensaiado
a 25°C e com uma taxa de deformação de 5mm/min, mas pode romper

Condições durante o desenvolvimento do pescoço se ensaiado a 20°C ou com uma


operacionais taxa de 50mm/min. Por esse motivo, é necessário se adotar alto rigor nos
podem levar ao
escoamento procedimentos de ensaios mecânicos dos polímeros. A sala deve ser
plástico – ou não!
climatizada e as amostras serem mantidas na sala por, pelo menos, 12
horas antes dos ensaios a fim de se alcançar o equilíbrio térmico. Outra
influência relevante na ocorrência do escoamento plástico é o tamanho dos
esferulitos. Se estes foram muito grandes, o escoamento é dificultado pela ocorrência de fratura nos
contornos, devido ao reduzido número de cadeias atadoras interesferulíticas, que exercem função
essencial nesse mecanismo de deformação.

6.1.5. Deformação pseudo-dúctil (elástica forçada)

A temperatura de transição vítrea do PET é de ~70°C. Isso implica que, na temperatura ambiente,
as regiões amorfas desse polímero estão no estado vítreo, com baixa mobilidade dos segmentos

216
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

moleculares e, como consequência, o material seria frágil. No entanto, todos sabemos que isso não é
verdade. As garrafas de refrigerante, por exemplo, são altamente dúcteis e, nesse aspecto, substituíram
as frágeis embalagens de vidro com grande sucesso. O teste de qualidade de garrafas de PET
baseia-se na queda livre da garrafa envasada de uma altura de 2m (veja aqui). A ductilidade
do PET – e de inúmeros outros polímeros, como PBT, policarbonato, PEEK, poliamidas, etc. –
advém de um mecanismo especial de deformação denominado pseudo-dúctil, ou elástica forçada.

Considerando a estrutura química do PET


ao lado, a sua Tg relativamente alta é consequência
da presença de um grupo aromático na cadeia
principal, que confere rigidez à molécula polimérica. No entanto, entre os grupos rígidos, existem grupos
flexíveis, constituídos pelo conjunto éster + etil, que, mesmo abaixo da Tg, terá movimentos moleculares.
Dessa forma, pode-se considerar uma molécula como a do PET formada por dois blocos distintos – um
bloco rígido, responsável pela Tg principal, e um bloco flexível, com movimentação abaixo da T g, mas
limitada pelo bloco rígido. Esquematicamente, seria algo do tipo:

C O CH2 CH2 O C C O CH2 CH2 O C


O O O O

Ao reduzir a temperatura do PET, eventualmente esses grupos flexíveis também perderão a capacidade
de rotação molecular. Isso ocorre em uma temperatura, que é considerada uma segunda transição vítrea
– a transição vítrea secundária, Tg que, para o PET é de ~–60°C. Fazendo
um outro recorte no grupo flexível, observe que ele pode ser dividido em
dois – um polar, com o grupo éster, e outro apolar. Abaixo da T g o grupo
Transições vítreas
secundárias perde a mobilidade, mas ainda existirá movimentação do grupo metil; esta
movimentação cessará em temperatura ainda mais baixa, que seria a T g.
Assim como a Tg principal, as transições vítreas secundárias são
propriedades intrínsecas do polímero e são afetadas pelos mesmos
fatores que definem a Tg. Trataremos esse tema um pouco mais adiante.

217
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

De acordo com o exposto acima, um polímero como o PET apresenta fragilidade em


temperaturas abaixo da sua Tg, que se torna a temperatura de referência em termos de tenacidade.
A questão relevante é, então, como explicar a tenacidade desse e de outros polímeros em temperaturas
entre Tg e Tg?

A deformação macroscópica de um material para conferir a tenacidade ocorre, a nível molecular,


como consequência da mudança de posição dos segmentos moleculares. Na Figura 6.16(a) observa-se
que o descolocamento da posição A para a posição B envolve uma barreira de energia que precisa ser
superada. Quando existem grandes movimentos segmentais, acima da Tg principal, essa barreira de
energia é conferida pelo movimento térmico, mas, abaixo da T g, isso não é suficiente para superar essa
barreira e possibilitar a movimentação dos grupos volumosos (ou polares). No entanto, em polímeros
como o PET, que possuem transição vítrea secundária relevante, a barreira de energia é diminuída pois
a movimentação dos grupos flexíveis causa alterações localizadas no volume livre que, com o auxílio da
força mecânica, reduz a barreira de energia a valores que possam ser superados durante a deformação
(Figura 6.16(b)). Esse é o princípio da deformação pseudo-dúctil que, dependendo da proporção entre
os grupos rígidos e flexíveis, volume livre, interações intermoleculares e temperatura, possibilita a um
polímero como o PET grandes deformações permanentes.

Figura 6.16. Relação entre a posição de um grupo químico e a energia interna. (a) Sem força externa, (b)
na presença de força externa (Young and Lovell 2011). A redução da barreira de energia é facilitada pela
movimentação dos grupos flexíveis abaixo da T g, viabilizando a deformação pseudo-dúctil.

218
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

A Figura 6.17 mostra um exemplo de diagrama tensão-deformação do PET, com alongamento


total de mais de 700%, resultado da deformação pseudo-dúctil. A semelhança entre essa curva e a de
um material que se deforma por escoamento plástico (Figura 6.12) é muito grande e, devido a isso, pode-
se confundir o tipo de deformação que ocorre. Ambas são deformações permanentes, mas os
mecanismos são completamente diferentes. Talvez devido a essa semelhança entre as curvas, cunhou-
se o termo pseudo-dúctil. Esse tipo de deformação não envolve o deslizamento das moléculas como no
fluxo viscoso ou no estiramento a frio, mas algo semelhante à deformação borrachosa, com orientação
dos novelos e emaranhados, causado pela força aplicada. Mas, ao contrário da deformação borrachosa,
a pseudo-dúctil não é reversível na temperatura do ensaio pois o tempo de relaxação 3 abaixo da Tg é
muito grande. Pela semelhança com deformação borrachosa (ou altamente elástica) adotou-se também
o termo “elástica forçada”. De fato, ao aquecer um corpo de prova de PET deformado na temperatura
ambiente até uma temperatura acima da sua T g, o tempo de relaxação é drasticamente reduzido e o
corpo de prova tende a retornar às suas dimensões originais – como em um elastômero.

Figura 6.17. Curva tensão-deformação de uma amostra de PET realizada na temperatura ambiente, que
não rompeu durante o ensaio. Dados baseados em (Teofilo and Rabello 2015).

∆𝑈
3
O tempo de relaxação (𝜏) é dado pela relação 𝜏 = 𝜏𝑜 𝑒 𝑅𝑇 , onde 𝜏𝑜 é o período de vibração dos átomos e U é a
energia de ativação, i.e., a diferença entre as energias dos estados ativo (intermediário) e inicial das moléculas
(Tager 1978). Assim, para temperaturas baixas, o tempo de relaxação pode ser muito alto, especialmente para
macromoléculas abaixo da Tg. Por exemplo, o tempo de relaxação para líquidos de baixa massa molar na
temperatura ambiente é de cerca de 10-10 segundos, para polímeros no estado borrachoso esse valor pode ser de
10-4-10-6 segundos, enquanto que polímeros abaixo da Tg têm tempos de relaxação que podem chegar a 1020
segundos (Tager 1978; Ngai et al. 2014).
219
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Outro exemplo de curva tensão-deformação está mostrado


neste vídeo para o policarbonato. Esse polímero também se
deforma pelo mecanismo pseudo-dúctil e apresenta uma elevada
ductilidade. No vídeo, observa-se também a imagem do corpo de
prova utilizando um polariscópio, em que é possível visualizar as
bandas de birrefringência oriundas das tensões locais durante a
aplicação do esforço.

A deformação pseudo-dúctil, que ocorre nas regiões amorfas abaixo da T g, está intimamente
associada com a existência de transições vítreas secundárias. Como explicado acima, entre a Tg e a Tg o
polímero pode exibir ductilidade e, assim, a temperatura de referência para a transição de um
comportamento dúctil para frágil (i.e., a temperatura de fragilização) pode ser adotada como a T g e não
a Tg, como é usual se considerar. A Tabela 6.2 mostra valores da temperatura vítrea secundária de alguns
polímeros comerciais, juntamente com os da Tg principal. Alguns desses materiais, como o PET e o
policarbonato, têm destacada ductilidade que, juntamente com elevada rigidez, tornam-se
especialmente atrativos para as aplicações de engenharia.
Nota-se que até o poliestireno, um material conhecido por sua
elevada fragilidade, possui a transição vítrea secundária.
Em algumas situações,
Tg pode ser mais Entretanto, a pequena diferença entre a Tg e a Tg para o
importante poliestireno reduz a sua importância prática para conferir
do que Tg
ductilidade aos produtos, uma vez que apenas acima de 80°C e
abaixo de 100°C haveria esse mecanismo de deformação.
Considerando que ambas as transições ocorrem em uma faixa
de temperaturas e não em temperaturas discretas, a importância dessa transição para o poliestireno
praticamente inexiste. A magnitude da transição vítrea secundária – e não apenas a temperatura em
que ocorre – também exerce forte influência no aumento da ductilidade. O PP, por exemplo, possui um
baixo valor de Tg mas a magnitude do fenômeno é relativamente modesta e, juntamente com sua
elevada cristalinidade, apresenta pouco efeito prático na tenacidade do produto. A técnica experimental
mais utilizada para determinar esta propriedade é a análise dinâmico mecânica (DMA), que será
abordada na seção 6.1.6.

220
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Tabela 6.2. Valores de Tg e Tg para alguns polímeros comerciais. Dados obtidos de fontes diversas.

Polímero Tg (°C) Tg (°C)

PET 70 -60

PBT 55 -100

Policarbonato 145 -90

PVC 80 -20

PMMA 105 10

PA 6 50 -20

Polipropileno -10 -60

Poliestireno 100 80

Caso o polímero seja semicristalino, como as poliamidas e poliésteres, a fase cristalina não tem
influência nesse tipo de transição (da mesma forma que ocorre com a T g) e a diferença de
comportamento acima e abaixo da Tg irá depender do grau de cristalinidade do material. Quanto mais
cristalino, menor a tenacidade do produto nessa faixa de temperaturas e, portanto, menor a influência
da deformação pseudo-dúctil. Na presença de cristais, o mecanismo de deformação será um pouco mais
complexo, podendo haver fragmentação de lamelas, mudança cristalográfica no estado sólido
reorientação cristalina, etc.

A Figura 6.18 mostra uma curva tensão-deformação de uma amostra de PBT com cristalinidade
de ~35%. Observa-se a região de estricção bastante larga e com dois estágios, possivelmente devido às
alterações cristalográficas que ocorrem durante a deformação. Ainda assim, o material apresenta
elevada ductilidade, mas que tende a diminuir para amostras com maior grau de cristalinidade. Outro
exemplo está mostrado na Figura 6.19, em um comparativo entre o PET amorfo e semicristalino (este
último com 38% de cristalinidade). Nesse caso, a região de estricção também é bastante larga, mas o
comportamento pseudo-dúctil não chega a ser plenamente desenvolvido.

221
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Figura 6.18. Curva tensão-deformação do poli(butileno tereftalato) – PBT semicristalino (Braz and
Rabello 2021).

Figura 6.19. Diferença de comportamento mecânico do PET amorfo e semicristalino (Chabert et al. 2001).

6.1.6. Viscoelasticidade4

Uma particularidade muito interessante dos materiais poliméricos é que eles possuem, ao
mesmo tempo, características de sólido elástico e de fluido viscoso. Por possuir, em maior ou menor
grau, propriedades de fluido, o comportamento mecânico dos polímeros é influenciado pelo tempo em
que o esforço é aplicado. Algumas consequências práticas dessa característica são:

4
Os fenômenos viscoelásticos são manifestados tanto no estado sólido quanto durante o processamento.
Trataremos aqui apenas da viscoelasticidade no estado sólido.
222
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

• Em testes de tração, flexão ou compressão, a velocidade de deformação tem grande efeito nos
parâmetros obtidos (exceto o módulo elástico). Muitas vezes, polímeros que se mostram dúcteis
nesses ensaios apresentam fragilidade em esforços de impacto (que são realizados em alas
velocidades);
• Em testes de dureza, o tempo de aplicação da carga para a medida final é um parâmetro importante,
influenciando nos resultados;
• Polímeros sofrem considerável fluência (deformação sob carga constante), mesmo na temperatura
ambiente;
• Em esforços cíclicos, existe uma diferença de fase entre a tensão aplicada e a deformação;
• A relaxação de tensão ocorre em peças plásticas tensionadas, como parafusos, porcas, gaxetas, etc.
Isso impede, por exemplo, que brinquedos contenham parafusos plásticos, apesar do risco de
segurança ao utilizar parafusos metálicos para esse tipo de aplicação;
• Fenômeno de histerese em borrachas, em que parte da energia aplicada em esforço mecânico é
convertido em calor. Em esforços cíclicos, como em pneus de automóveis, pode haver energia
acumulada, aumentando a pressão interna dos pneus – com risco de estouro;
• Produtos poliméricos apresentam características de amortecimento.
Por exemplo, o copo plástico não “estala” como o de vidro,
engrenagens e outras peças mecânicas trabalham silenciosamente,
borrachas aplicadas em calçados reduzem os danos na estrutura
óssea e muscular do usuário.

Dessa dualidade de comportamento elástico e viscoso, tem-se o termo viscoelasticidade.


Modelos mecânicos são comumente utilizados para descrever esse fenômeno. Inicialmente, considera-
se o sólido elástico representado por uma mola, que segue a lei de Hooke, enquanto o fluido viscoso é
representado por um pistão (dashpot), descrito pela lei de Newton para viscosidade:

Esses dois modelos podem ser combinados em série ou em paralelo para representar um material
viscoelástico. O primeiro foi proposto por Maxwell e explica, por exemplo, a relaxação de tensão,
enquanto o segundo foi apresentado por Kelvin-Voight e explica, por exemplo, o fenômeno de fluência
elevada:

223
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Na proposta de Maxwell, a tensão aplicada é a mesma nos dois elementos e gera uma deformação
constante. Ao longo do tempo, o elemento viscoso alivia a tensão pela movimentação local do pistão,
reduzindo a tensão do conjunto, que se manifesta pela relaxação de tensão, representado na Figura
6.20(a). No modelo de Kelvin-Voight, se uma tensão constante for aplicada, ocorre a deformação inicial,
mas o elemento viscoso continua a se deformar com o tempo, causando um aumento de deformação
do conjunto, o que caracteriza a fluência (Figura 6.20(b)). Modelos mais elaborados foram
posteriormente desenvolvidos para representar ambos os fenômenos, combinando os elementos
descritos acima (Ward and Sweeney 2004; Navarro 1997).

Figura 6.20. (a) Fenômeno de relaxação de tensão, em que a tensão é reduzida sob deformação
constante. No caso da fluência (b), a deformação aumenta progressivamente sob uma tensão constante.
Ambos têm grande importância prática no projeto e aplicação de componentes poliméricos.

O comportamento viscoelástico dos polímeros é consequência da existência de um componente


viscoso que, por sua vez, está relacionado com a movimentação de segmentos moleculares ou grupos
de átomos na fase amorfa do polímero. Para explicar a relaxação de tensão, considere que a mobilidade
molecular reduz o estado de tensão entre os grupos de átomos, causando um rearranjo molecular mais
favorável e, assim, alivia a força aplicada ao longo do tempo 5. As cadeias retornam lentamente (ou

5
Uma analogia simples para esse fenômeno de relaxação de tensão seria uma corda com um nó bem apertado.
Para soltar esse nó uma técnica usual é “movimentá-lo” várias vezes, provocando uma certa mobilidade da corda
no interior do nó. Após vários movimentos nesse sentido, o nó vai, naturalmente, sendo afrouxado. Algo
semelhante ocorre com as macromoléculas sob ação de uma força externa e a movimentação interna dos grupos
de átomos reduz localmente o tensionamento, provocando a relaxação da tensão aplicada.

224
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

rapidamente, a depender da temperatura) para as conformações mais favoráveis, o que caracteriza a


relaxação molecular6. Esse efeito é, em grande parte, consequência da natureza macromolecular, onde
nem os segmentos moleculares nem as cadeias como um todo são fisicamente independentes.

Em uma situação de tensão constante (fluência) ou em testes de tração com baixa velocidade
de deformação, a mobilidade molecular favorece os rearranjos segmentais, levando a um processo de
escorregamento das cadeias semelhante ao fluxo viscoso, mas, a depender do material e da
temperatura, em uma escala de tempo muito maior.

Todas as manifestações práticas da viscoelasticidade, listadas no início desta seção, resultam da


mobilidade molecular nas regiões amorfas, que se comportam, respeitada a escala de tempo, como um
líquido viscoso. A magnitude dos efeitos, entretanto, varia consideravelmente com cada situação, o que
é dependente dos seguintes fatores:

Magnitude dos efeitos viscoelásticos

• Temperatura. Quanto maior a temperatura, maior a mobilidade dos grupos de átomos, segmentos
moleculares e cadeia como um todo. Grandes variações de comportamento ocorrem nas
temperaturas de transição vítrea principal e secundária. Entretanto, mesmo abaixo da T g e da Tg,
os polímeros apresentam comportamento viscoelástico, embora em proporção menor do que
acima dessas temperaturas;
• Grau de cristalinidade. Uma vez que a origem do comportamento viscoelástico está nos efeitos
viscosos da fração amorfa, o fenômeno é reduzido para produtos mais cristalinos. Na fase cristalina
o empacotamento molecular impede maiores movimentações dos grupos de átomos e segmentos
moleculares;
• Estrutura química. Todos os fatores que causam menor mobilidade molecular, como grupos
volumosos, polaridade, comonômeros rígidos, etc., reduzem os efeitos viscoelásticos;
• Reticulações. Segue o mesmo raciocínio do item anterior. O ancoramento das cadeias pelas ligações
cruzadas reduz a movimentação das mesmas. Em casos extremos, como nos termofixos
densamente reticulados, os efeitos viscoelásticos são pouco observados.
• Massa molar. Grades de alta massa molar possuem uma maior densidade de emaranhados
moleculares e cadeias atadoras, causando um maior número de interconexões entre as cadeias.
Isso limita a movimentação de longos segmentos moleculares e, assim, a viscoelasticidade tem

6
A relaxação molecular não pode ser confundida com um fenômeno bastante comum em elastômeros, que é a
perda das propriedades elásticas com o tempo. Uma banda de borracha, por exemplo, pode deixar de ser “elástica”
após alguns anos tensionada. Isso é consequência de cisões nas ligações cruzadas, em um processo de
desvulcanização, que pode também causar pegajosidade na borracha.
225
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

menor manifestação dos seus efeitos. No caso dos polímeros semicristalinos, a massa molar tem
um efeito indireto uma vez que afeta também a cristalinidade do material;
• Aditivos. Componentes que restringem a movimentação molecular – como cargas e retardantes de
chama – reduzem os efeitos viscoelásticos. O oposto ocorre com os que facilitam a mobilidade,
como os plastificantes, modificadores de impacto e, em menor escala, os lubrificantes e
antiestáticos. Os agentes nucleantes, que alteram a morfologia e o grau de cristalinidade, têm efeito
indireto.

Dentre as várias consequências da viscoelasticidade, a alteração nas propriedades tênseis com


a taxa de deformação aplicada é uma das principais para situações de projeto, de controle de qualidade
ou de pesquisa e desenvolvimento de materiais poliméricos. Dependendo da magnitude do fenômeno
em determinado tipo de material e condições, a diferença pode ser bastante significativa, conforme os
dados mostrados na Figura 6.21 para a poliamida 12. A resistência à tração aumenta com a taxa de
deformação, mas o módulo permanece pouco alterado, já que este é uma propriedade do componente
elástico e, portanto, que não varia com o tempo de aplicação do esforço. Devido a esse tipo de efeito, é
preciso ter rigor na padronização dos testes mecânicos, importante no controle de qualidade,
desenvolvimento de formulações, relações entre cliente e fornecedor, etc.

Figura 6.21. Efeito da velocidade de deformação nas curvas tensão-deformação da poliamida 12 (Şerban
et al. 2013). Observe que a variação na tensão máxima pode ser bastante significativa, com
consequências diretas para o projeto e aplicação dos componentes, relação entre fornecedor e cliente,
etc.

226
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Em materiais que possuem pouca resposta viscoelástica, como os polímeros vítreos abaixo da
Tg, a diferença de comportamento com a velocidade de aplicação do esforço tende a ser mais baixa,
como nos casos do poliestireno (Sousa et al. 2006) e do poli(hidroxibutirato) (Farias et al. 2015). No
polipropileno, por outro lado, que possui cristalinidade intermediária e T g abaixo da ambiente, o efeito
viscoelástico é significativo – a ponto do material poder apresentar um comportamento dúctil em testes
de tração (com velocidade de, digamos, 10mm/min) mas mostrar-se frágil em testes de impacto (que
envolve grandes taxas de deformação). Para o PP, que também tem sua tenacidade reduzida em
temperatura pouco abaixo da ambiente, é comum se utilizar grades de copolímero quando a resistência
ao impacto for uma propriedade crítica, conforme discutido na seção 4.2.2.

A influência da temperatura e da cristalinidade na relaxação de tensão do PS e do PBT, estão


mostrados na Figura 6.22. Um polímero vítreo como o poliestireno e com alta temperatura de transição
vítrea secundária apresenta pouca relaxação de tensão na temperatura ambiente mas esse efeito
aumenta substancialmente em temperaturas um pouco mais elevadas. A 55°C, tem-se apenas ~65% da
força aplicada após 20 minutos de teste. Apenas uma fração da força inicial estaria presente após dias
sob tensão nessa temperatura. No caso do PBT, a cristalinidade também exerce uma influência
relevante, como mostram os dados da Figura 6.22(b). Lembrando que, embora a Tg do PBT seja acima
da temperatura ambiente, a sua Tg situa-se em temperatura negativa (Tabela 6.2), daí esse polímero
possuir significativo comportamento viscoelástico, especialmente para produtos com baixa
cristalinidade.

Figura 6.22. (a) Efeito da temperatura na relaxação de tensão do poliestireno (Trindade and Rabello
2021). (b) Relaxação de tensão do PBT com diferentes cristalinidades (Braz and Rabello 2021).

Um produto que apresenta forte comportamento viscoelástico é o chamado Silly Putty®, um tipo
de “geleca” à base de polidimetilsiloxano que se deforma quase como um líquido viscoso mas
que, quando arremessado, quica como uma borracha. Veja nesse vídeo o seu comportamento.

227
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Observe que, se deformado lentamente, ocorre grande escoamento, mas em uma deformação mais
rápida a fratura é mais frágil.

Uma consequência importante do comportamento viscoelástico é o fato da tensão e a


deformação estarem fora de fase em esforços cíclicos, ao contrário do que ocorre com um material
elástico (Lucas, Soares, and Monteiro 2001):

Na aplicação de esforços cíclicos senoidais com amplitudes máximas o e o, a deformação e a tensão
instantâneas variam em função do tempo:

=o.sen wt (6.3)

=o.sen (wt+) (6.4)

onde  é o ângulo de fase e w a frequência.

No desdobramento da equação 6.4, tem-se:

=(o.cos ).sen wt + (o.sen ).cos wt (6.5)

ou seja, a tensão tem dois componentes:

o.cos  (em fase com a deformação)

o.sen  (90° fora de fase com a deformação)

Da mesma forma o módulo elástico:


𝜎𝑜 .cos 𝛿
𝐸1 = (6.6)
𝜀𝑜

𝜎𝑜 .sen 𝛿
𝐸2 = (6.7)
𝜀𝑜

228
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

onde E1 é chamado de “módulo de armazenagem”, representando a energia elástica armazenada, e E 2 é


o módulo de perda, representando energia viscosa dissipada durante os
esforços cíclicos. Uma representação do significado desses dois módulos está
mostrada na imagem ao lado (Pearson and Sperling 2019). Quando uma bola é
arremessada em um piso perfeitamente elástico, ela retorna até uma altura E 1,
que seria uma medida da energia elástica armazenada durante essa colisão,
enquanto E2 representaria a energia perdida durante a colisão.

A relação entre esses dois módulos é a chamada tangente de perda:


𝐸
tan 𝛿 = 𝐸2 (6.8)
1

A tangente de perda, ou, simplesmente, “tan delta”, avalia a magnitude da dissipação viscosa durante
os esforços cíclicos e, portanto, está intimamente associada com o fenômeno viscoelástico dos
polímeros.

A resposta do material aos esforços cíclicos pode ser aferida durante uma fase de aquecimento
(ou resfriamento) e isso é normalmente realizado por análise
dinâmico-mecânica (DMA, ou DMTA), um tipo de análise térmica
em que se aplica deformações cíclicas, que podem ser de tração,
flexão, cisalhamento ou torção, e mede-se a tensão necessária
para exercer esses esforços7. O equipamento faz essas medições
em frequência pré-definida e fornece os dados, por exemplo, do
módulo de armazenagem (E1) e a tangente de perda (tan ) em
função da temperatura, como mostra o exemplo da Figura 6.23
para um polímero amorfo, que apresenta os estados vítreo, borrachoso e fluidoviscoso. Em geral o
módulo é reportado em escala logarítmica e, devido a isso, pouca variação na propriedade (como em
temperaturas abaixo da Tg) não é muito perceptível visualmente. Uma visão geral do equipamento e
procedimentos podem ser vistos neste vídeo.

7
Maiores detalhes sobre esse tipo de experimento, recomenda-se consultar a literatura mais especializada (Lucas,
Soares, and Monteiro 2001; Canevarolo 2004).
229
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Figura 6.23. Análise dinâmico-mecânica de polímero, indicando as transições de fase durante o ensaio.
Dados baseados em (Reddy and Reddy 2014). Em geral, o módulo de armazenagem é reportado em
escala logarítmica e, devido a isso, pode as variações podem ser pouco perceptíveis visualmente em
determinadas faixas de temperaturas. Por exemplo, abaixo da Tg, o módulo aumenta com a redução da
temperatura, mas, visualmente, isso não é muito percebido no termograma.

A resposta viscoelástica é mais intensa quanto menor o grau de cristalinidade do material,


especialmente em temperaturas próximas ou acima da transição vítrea. Isso pode ser facilmente
percebido pelo ensaio de DMA da Figura 6.24, onde os valores tan  são mais elevados em produtos de
cristalinidade menor. Dessa forma, as características de amortecimento são reduzidas para produtos
mais cristalinos.

Figura 6.24. Curvas de tan  para o poli(ácido láctico), PLA, de diferentes cristalinidades. Essas amostras
foram produzidas por tratamento térmico (cristalização a frio) a 80°C por tempos variados (Srithep,
Nealey, and Turng 2013).

230
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Como o módulo de armazenagem é equivalente ao módulo de Young, esse tipo de teste tem
grande importância caso se deseje conhecer essa propriedade em várias temperaturas (para fins de
projeto de componentes, por exemplo). Pelo ensaio mecânico convencional, seria preciso utilizar
câmaras de aquecimento/resfriamento e conduzir muitos testes, com uma quantidade imensa de corpos
de prova para levantar um comportamento como o reportado em uma análise por DMA. Isso poderia
levar dias, ou semanas, de trabalho experimental, em contraste com o tempo necessário para conduzir
um ensaio de DMA que, dependendo da taxa de aquecimento e da variação da temperatura, leva,
digamos, de 30 a 180 minutos.

A Figura 6.23 mostra claramente a região de transição vítrea e o valor da Tg, o que é determinado
de modo muito mais preciso do que pelas outras técnicas, como DSC ou TMA. Caso o polímero possua
transições vítreas secundárias, estas também podem ser determinadas caso as respostas de
amortecimento sejam grandes o suficiente para serem detectadas. A Figura 6.25 ilustra
esquematicamente a diferença de magnitude entre a transição vítrea principal e as transições vítreas
secundárias. Evidentemente, a intensidade dos picos observados será dependente da resposta
viscoelástica que o polímero possui nessas faixas de temperaturas e, portanto, nem sempre são
detectados com precisão.

Figura 6.25. Curva dinâmico mecânica, mostrada esquematicamente, de um polímero amorfo com sua
transição vítrea e transições secundárias.

As curvas de DMA, especialmente E1 versus temperatura, também são bastante úteis para o
entendimento dos estados físicos e transições dos polímeros e os fatores que afetam. Por exemplo, a
Figura 6.26 mostra, de forma esquemática, o efeito da massa molar no módulo de armazenagem. Note
que a temperatura vítrea é pouco alterada, mas a temperatura de fluxo aumenta progressivamente para
tamanhos de cadeia maiores, sendo esse o principal efeito observado. O módulo no estado borrachoso,
entre as temperaturas vítreas e de fluxo tenderia também a aumentar, devido ao maior número de
231
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

emaranhados moleculares, mas, como o registro de E1 geralmente é em escala logarítmica, essa


diferença fica pouco perceptível visualmente.

Figura 6.26. Representação esquemática do efeito da massa molar na curvas dinâmico-mecânicas.


Enquanto a Tg é pouco afetada, a temperatura de fluxo é muito dependente do tamanho das cadeias do
polímero.

No caso de polímeros contendo reticulações (Figura 6.27), ocorrem grandes mudanças na região
de platô borrachoso, com o módulo aumentando significativamente com o número de ligações cruzadas.
Observe também que, com a presença de muitas reticulações, o polímero
deixa de apresentar o estado fluidoviscoso, sendo essa uma das
principais características desse tipo de material. Abaixo da T g, o aumento

Reticulações no número de reticulações deve elevar o valor do módulo, mas,


provocam grandes novamente, isso pode ser pouco perceptível na escala logarítmica.
mudanças
Abaixo da Tg, os segmentos moleculares estão imóveis e, portanto, com
elevado valor de módulo, de forma que o ancoramento proporcionado
pelas reticulações não teria efeito tão determinante. Caso os dados
sejam plotados na escala normal, essas diferenças abaixo da Tg seriam
mais facilmente percebidas visualmente. Por fim, observe que, a medida em o número de reticulações
aumenta, a mudança de comportamento acima da Tg é comparativamente menor.

232
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 6.27. Efeito esquemático do grau de reticulação no módulo de armazenagem. Com mais
reticulações, o material deixa de apresentar o estado fluidoviscoso e a diferença de comportamento
abaixo e acima da Tg é reduzida.

No caso de polímeros semicristalinos, as transições Tg e Tm, além da Tf, são facilmente percebidas
na curva de E1 versus temperatura (Figura 6.28). O material amorfo possui apenas a temperatura vítrea
e a temperatura de fluxo, enquanto o semicristalino apresenta também uma mudança de
comportamento na temperatura de fusão. Em temperaturas abaixo da Tg, o grau de cristalinidade exerce
relativamente pouca influência e, novamente, é pouco perceptível na curva devido à plotagem em escala
logarítmica. Acima da Tm, evidentemente, a cristalinidade não exerce nenhuma influência pois os cristais
já estão todos destruídos. A grande diferença de comportamento ocorre entre a Tg e a Tm, com o módulo
elástico aumentando progressivamente com o aumento na cristalinidade do material. Observe também
que para cristalinidades muito altas, a diferença de comportamento acima da T g deixa de ser tão elevada,
consequência desta transição envolver apenas as regiões amorfas do polímero.

Figura 6.28. Curvas dinâmico-mecânicas de um material polimérico com diferentes graus de


cristalinidade.

233
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

6.2. Fratura

A fratura de produtos plásticos é um dos aspectos mais importantes na aplicação desse tipo de
material, que ocorre quando se ultrapassa as propriedades limites do produto, como a sua resistência à
tração ou ao impacto. Algumas vezes, entretanto, a fratura ocorre em situação prematura, ou seja, com
valores de tensão abaixo do que seria esperado para o produto. O entendimento dessa situação é grande
relevância para projetistas, desenvolvedores e produtores de artigos poliméricos. Nesta seção
abordaremos, de forma bastante resumida, os princípios gerais da fratura e a análise topográfica. A
literatura mais específica deverá ser consultada para aprofundamento no tema (Kausch 1987; Williams
1984).

6.2.1. Etapas da fratura

De modo simplificado, a fratura compreende três etapas: iniciação, propagação e falha


catastrófica, representada esquematicamente na figura abaixo (Calister and Rethwisch 2020):

A etapa da iniciação ocorre a partir da concentração de tensão em determinados defeitos


presentes, sejam internos ou de superfície, que gera uma trinca. Existe um tamanho crítico para que
esses defeitos induzam uma iniciação da falha. Em seguida tem-se a propagação da trinca formada na
etapa anterior, que pode ser de natureza dúctil ou frágil. A diferença é que a propagação dúctil envolve
deformação permanente na vizinhança da trinca, em função do mecanismo de deformação
predominante do polímero. Isso reduz a velocidade de propagação, em um processo de absorção interno
de energia que pode até interromper o processo de falha. Nessa situação, a trinca só cresce com o
aumento da tensão aplicada. Por outro lado, a propagação frágil não envolve deformação permanente
234
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

na vizinhança da trinca, e esta se torna instável e com alta velocidade de crescimento. Nessa condição,
a trinca propaga mesmo se a tensão aplicada for mantida
constante. Finalmente a falha catastrófica ocorre com a
separação física de partes do produto, cuja característica
principal é resultado da etapa de propagação. Por exemplo,
na imagem ao lado (Birley, Haworth, and Batchelor 1992)
tem-se um vaso de pressão de polipropileno que fraturou
em serviço devido à aplicação de pressão excessiva, que
causou escoamento plástico antes da fratura final. Nesse
caso, ocorreu propagação dúctil com a pressurização do vaso. A análise da superfície fraturada tem
grande importância pois a sua topografia reflete as etapas da falha, com importantes indicativos sobre
a sua ocorrência, local de iniciação, presença de defeitos, tipo de propagação, etc. Os mecanismos de
falha são intimamente relacionados com a natureza do polímero, suas transições térmicas, massa molar,
presença de aditivos, temperatura, etc.

6.2.2. Noções de mecânica da fratura

A resistência mecânica de um material (e isso vale para todos os materiais, não apenas para os
poliméricos) é muito menor do que o valor teórico de resistência,
calculado a partir das energias de ligação entre os átomos. Em 1921,
o engenheiro inglês Alan Arnold Griffith desenvolveu uma teoria, que
é a base da mecânica da fratura até hoje, propondo que a resistência
Concentração de
tensão em defeitos mecânica muito mais baixa observada seria devido à defeitos
presentes
presentes, que amplificam localmente a tensão aplicada (Griffith and
Taylor 1921). Esse é o princípio da concentração de tensão,
mostrado esquematicamente na Figura 6.29 para um tipo de
geomtria. Os defeitos podem ser de vários tipos, incluindo
porosidades, inclusões, aglomeração de aditivos ou defeitos de superfície, conforme alguns exemplos
mostrados na Figura 6.30.

235
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Figura 6.29. Representação esquemática da consequência de um defeito na tensão amplificada


localmente (Calister and Rethwisch 2020). Nesse exemplo se tem um defeito elíptico e a tensão
amplificada m pode ser calculada pela equação 6.9.

Figura 6.30. Exemplos de defeitos presentes em polímeros com consequências para a fratura de
componentes (Rabello and White 1997a; Rabello 1996; Timoteo, Fechine, and Rabello 2008; Ezrin 2013).
A origem desses defeitos podem ser as mais variadas, como falhas de processamento, mistura ineficiente
ou degradação ambiental.

Observe na Figura 6.29 que a tensão aplicada no produto (o) é amplificada na proximidade do
defeito, atingindo um valor máximo m, que pode ser muitas vezes maior do que o valor original. Para o
caso de um defeito elíptico, como o mostrado na Figura 6.29, essa relação é dada por:

 a 
 m = 2 0   (6.9)
 t 

236
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

onde a é o tamanho do defeito e t o seu raio de curvatura. Por essa relação, o valor da concentração
de tensão pode ser maior em defeitos menores, mas que tenham menor raio de curvatura. Por exemplo,
um pequeno entalhe pode concentrar mais tensão do que uma porosidade grande e esférica. A
magnitude da concentração de tensão em relação à tensão de trabalho é dada pelo fator de
concentração de tensão K:
𝜎𝑚
𝐾= (6.10)
𝜎𝑜

É razoável se esperar que um produto contenha defeitos diversos, com diferentes tamanhos e
formas e, em consequência, o fator de concentração de tensão varie de defeito para defeito. A
propagação da trinca deve ocorrer a partir do defeito com maior valor de K.

Um aspecto relevante no entendimento da propagação de trincas é a sensibilidade do material


à concentração de tensões. Intuitivamente, pode-se considerar que um
polímero dúctil como o polietileno, por exemplo, seja menos sensível à
presença de defeitos do que um polímero frágil como o poliestireno. No
Defeitos iguais,
caso dos dúcteis, a deformação permanente distribui a tensão na efeitos diferentes!
vizinhança do defeito, reduzindo a velocidade de propagação, com o
aprisionamento da trinca. O oposto ocorre com polímeros frágeis, onde a
energia aplicada é utilizada para a crescimento dos defeitos. Em ambos os casos, existe um valor crítico
(Kc) para que a concentração de tensão cause fratura frágil ou, ao contrário, haja propagação dúctil.
Assim:

K > Kc, ocorre fratura frágil

K < Kc, ocorre fratura dúctil

O fator de concentração de tensão crítico (Kc) é uma propriedade do material, também é


chamado de tenacidade à fratura. Quanto maior a capacidade do material tem em se deformar na
vizinhança do defeito (onde existe a maior concentração de tensão), maior o valor de K c. Esse parâmetro
depende de fatores, tais como:

• temperatura / transições térmicas;


• mobilidade molecular;
• cristalinidade e morfologia;
• massa molar;
• presença de aditivos;
• presença de umidade e outros agentes químicos;
• mecanismos de deformação;
• taxa de deformação.
237
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Alguns exemplos de KIc (KIc é o Kc específico para esforços de tração uniaxial) estão mostrados
na Tabela 6.3. Note que a tendência de variação deste parâmetro é a mesma da resistência ao impacto.
Por exemplo, o polipropileno é mais dúctil do que o poliestireno; a poliamida seca é mais frágil do que a
úmica – a mesma tendência do KIc.

Tabela 6.3. Exemplos de KIc (a 20°C) para alguns polímeros usuais. Dados obtidos de fontes diversas. Esta
propriedade é fortemente dependente da temperatura e também depende do grade específico, já que é
função da massa molar e composição.

Polímero KIc (MPa.m½)


Epóxi 0,6
Epóxi tenacificado 2,3
PA 66 (seca) 3,0
PA 66 (úmida) 7,7
Poliestireno 0,7
Polipropileno 3,3
Poliacetal (POM) 4,0

Como ilustração da sensibilidade ao entalhe de dois filmes poliméricos veja o vídeo


mostrado aqui. Nesse exemplo simples, um filme de polipropileno biorientado (utilizado na
embalagem de salgadinhos) tem uma rápida propagação da trinca, com pouca deformação
nas vizinhanças do defeito, enquanto um filme de polietileno (utilizado para sacolas de supermercado e
com orientação multiaxial) apresenta uma maior dificuldade em propagar a trinca, com a ocorrência de
bandas de deformação nas proximidades do defeito. Em outras palavras, o
filme de polietileno é muito mais tolerante à presença de defeitos
concentradores de tensão do que o filme de PP biorientado. Atente-se que,
em algumas situações, a embalagem de PP pode ser preferível pois permite
uma abertura muito mais simples para o consumidor. Em um outro extremo,
tem-se o tipo de embalagem mostrada ao lado (fabricada em PET), em que é
praticamente impossível para o consumidor rasgá-la sem o auxílio de um
objeto cortante.

238
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Polímeros que auto regeneram???

Imagine que você tenha passado a tarde do sábado para dar um


polimento no seu carro, deixando-o novinho e com a superfície
impecável. Para o seu azar, algum maluco resolveu arranhar a
pintura do seu amado automóvel. A solução tradicional seria levá-lo
ao lanterneiro para o reparo, que leva alguns dias e, claro, vai pesar
no seu bolso. Agora, imagine que esse arranhão fecha sozinho e a
pintura volta ao normal após alguns minutos, tal como a cicatrização de uma pele...

Sim, isso é possível e já existe comercialmente (veja aqui) – são os p olímeros auto-reparantes
(self healing), uma classe dos chamados materiais inteligentes (smart materials). Existem
diversas tecnologias para isso, incluindo sistemas que precisam de estímulo externo (como luz
ultravioleta e temperatura) e sistemas que se regeneram sozinhos. Esse último caso tem um potencial
maior pela praticidade e consiste basicamente na inserção de pequenas cápsulas contendo uma resina
polimerizável ou curável que são rompidas
durante o processo de fratura e, assim,
preenchem o espaço deixado pelo dano. Veja
nesse link uma revisão geral sobre
o tema. Além do uso desses sistemas
em revestimentos e dispositivos eletrônicos,
existe potencial de aplicação em estações
espaciais, conforme estudos desenvolvidos pela
NASA (ver vídeo aqui).

Evidentemente, o fechamento de trincas por um processo de auto-regeneração reduz também os


danos mecânicos causados pelas trincas (Weihermann, Meier, and Pezzin 2019), tendo efeitos que não são
apenas meramente estéticos.

Na abordagem da mecânica da fratura, se considera que existam duas contribuições energéticas


relevantes durante um processo de propagação de trincas (Figura 6.31):

(a) energia elástica deformacional, que representa a energia armazenada e que é liberada na
propagação da trinca;
(b) trabalho para a formação de novas superfícies durante a propagação da trinca.

239
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Figura 6.31. Representação das energias envolvidas em função do tamanho do defeito presente
(McCrum, Buckley, and Bucknall 1997).

Como dependente do tamanho do defeito na Figura 6.31, a energia resultante pode ser positiva
ou negativa; sendo positiva, ocorre efeito tenacificante durante o processo de falha. Assim, a presença
de defeitos pode contribuir para uma maior ductilidade do material (que é o mesmo princípio da ação
dos modificadores de impacto descritos na seção 6.1.3 mas que também ocorre quando defeitos como
vazios estão presentes em materiais frágeis) até um certo tamanho am, que é dado por:

𝐸.𝐺
𝑎𝑚 = 𝜋.𝜎𝑐2 (6.10)
𝑜

onde E é o módulo elástico, Gc representa a energia necessária para criar novas superfícies durante a
deformação e o é a tensão aplicada. Dependendo da importância da aplicação, pode-se monitorar por
ensaios não destrutivos a distribuição de tamanhos dos defeitos presentes e, assim, programar ações de
reparo ou substituição do componente antes que o tamanho crítico seja atingido.

A dissipação de energia causada por processos de deformação e fratura pode ser utilizada na
proteção do usuário como, por exemplo, na indústria automobilística, em que as partes de segurança de
um automóvel são projetadas para sofrerem deformações e até fratura, consumido a energia de impacto
e, como consequência, protegendo os ocupantes do carro. Uma situação extrema ocorre na Fórmula 1,
em que os carros são completamente destruídos sob impacto elevado (veja vídeo aqui).

O desprendimento de energia por processos de deformação também pode ser observado por
um aumento local na temperatura do material, conforme os dados de termografia da Figura 6.32. Nesse
caso, um corpo de prova foi entalhado nas duas extremidades, gerando uma alta concentração de tensão

240
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

na parte central. O alto nível de deformação permanente nesta região elevou localmente a temperatura
em mais de 2°C.

entalhes

região de
deformação

Figura 6.32. Variação local da temperatura realizada por termografia de infravermelho em um corpo de
prova de PP com fibra de madeira (Santos 2012).

As noções de mecânica de fratura descritas nesta seção foram bastante simplificadas


considerando que existe uma grande diversidade de abordagens e procedimentos que o tema requer.
Tópicos como mecânica de fratura linear, trabalho essencial de fratura, integral-J, condições “plane
stress” e “plane strain”, esforços cíclicos etc., foram omitidas pois estão além dos objetivos deste livro.
Recomenda-se aos interessados consultar a literatura mais especializada no tema, por exemplo, (Bárány,
Czigány, and Karger-Kocsis 2010; Brostow and Corneliussen 1986; Ward and Sweeney 2004; Williams
1984).

241
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Emissão acústica: é possível “ouvir” os polímeros!

Um processo de fratura, com iniciação e propagação de trincas e falha final, é acompanhado por efeitos
sonoros, com emissão de ondas acústicas de intensidades e frequências variadas durante essas etapas.
Quando um produto de vidro é fraturado, esses efeitos são extremos, como todos nós já presenciamos
inúmeras vezes. Existe um tipo de ensaio não destrutivo em que é possível quantificar as ondas sonoras
geradas durante o tensionamento de um produto – o ensaio por emissão acústica. Nesse tipo de
procedimento, colocam-se sensores em locais
estratégicos do produto e monitora-se os sinais
emitidos ao longo do tempo pelas trincas que se
propagam internamente ou na superfície,
conforme esquema ao lado. É uma técnica muito
utilizada em peças metálicas como vasos de pressão, reatores, tubulações, asas de aeronaves, etc. Veja um
caso de teste em campo aqui. A partir das informações obtidas avalia-se o estado geral e pode-se
decidir por reparo ou mesmo substituição da estrutura.

Em polímeros a técnica de emissão acústica é pouco difundida, mas alguns estudos foram realizados na
análise da interface em compósitos. Este autor utilizou a
técnica na análise de falha de materiais poliméricos por stress
cracking e por degradação química, além do efeito da presença
de aditivos. Na imagem ao lado tem-se uma análise do PET
(Teofilo and Rabello 2015), mostrando a sobreposição da curva
tensão-deformação (convertida para tensão-tempo) e os
efeitos acústicos (chamados hits, indicados pelos pontos
discretos na curva). Observa-se que a maior parte dos efeitos ocorreu na região de pre-estrição e um hit de
intensidade muito elevada no momento da fratura. No caso do
polipropileno contendo modificadores de impacto, a fase dispersa
induz mecanismos de deformação e, consequentemente, um
elevado número de hits (ver imagem ao lado) é observado ao
longo de todo o processo de tensionamento (da Silva, Cavalcanti,
and Rabello 2020). Com a técnica também se pode medir a
energia dos hits, a taxa de sua formação, localização dos eventos
mais críticos, etc.

242
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

6.2.3. Falha prematura de polímeros

A redução da vida útil de um produto plástico é um dos grandes problemas que projetistas,
desenvolvedores e a própria indústria enfrentam, causando prejuízos financeiros, ações judiciais, danos
físicos, etc., e pode denegrir terrivelmente a reputação da empresa. Além da fratura catastrófica, outros
aspectos da aplicação podem ser considerados como determinantes no encurtamento da vida útil de um
produto, incluindo: alteração nos aspectos visuais (como cor, brilho e transparência), alteração nas
propriedades elétricas, empenamento, delaminação, desgaste, etc. O tema é de alta importância para
profissionais com atuação em polímeros, compreendendo praticamente todos os envolvidos com os
materiais poliméricos. Alguns livros foram publicados com o objetivo de analisar causas da falha e propor
soluções preventivas, por exemplo: (Scheirs 2000; Ezrin 2013; Moalli 2001). Uma publicação
nacional sobre o tema está disponível gratuitamente neste link.

De modo simplificado, os fatores que levam à falha prematura de produtos poliméricos podem
ser resumidos nos seguintes:

(a) Causas relacionadas com a matéria-prima. Neste campo tem-se, por exemplo, a seleção inadequada
do material em vista das necessidades exigidas pela aplicação, a escolha do grade, efeitos
degradativos que podem ocorrer durante a mistura e processamento do material, excesso de
material reciclado e efeitos negativos na adição de
determinadas combinações de aditivos. Alguns
exemplos: (1) o uso de pigmentos para conferir cor ao
produto pode reduzir consideravelmente a resistência
ao impacto do policarbonato, conforme a imagem ao
lado (dados baseados em (Saron et al. 2008); (2) em
moldagem por injeção de paredes finas, a alta viscosidade dos grades de alta massa molar dificulta
bastante o processamento, sendo inevitável se optar por grades de massa molar mais baixa e,
portanto, menos resistentes mecanicamente; (3) a imagem ao
lado (Chávez 2005) mostra uma peça utilizada para regular o
fluxo em uma mangueira de aplicação de soro em pacientes.
Originalmente produzido com ABS, a presilha apresentou fissuras
nas regiões de tensionamento e, em seguida, fratura catastrófica.
Isso é resultado do tipo de mecanismo de deformação desse
polímero, que é predominantemente por crazing. A substituição por polipropileno resolveu o
problema.

243
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

(b) Efeitos do processamento. Como mencionado anteriormente (seção 5.5) o processamento confere
uma forma final ao material, mas também define a sua estrutura interna, sendo, assim, é fator
determinante para as propriedades. Problemas surgem quando o foco do processamento está
voltado apenas para a produtividade industrial, em detrimento de uma garantia de qualidade técnica.
As principais causas de falha relacionadas com a transformação são: vazios internos por recalque
inadequado, reticulação imprópria (excessiva ou insuficiente), excesso de tensionamento no produto,
orientação molecular durante a etapa de pós-
extrusão, cristalização insuficiente ou excessiva, fusão
incompleta, degradação química durante o
processamento, etc. Na imagem ao lado tem-se uma
tubulação de PEAD que falhou em serviço
(Schouwenaars et al. 2007). Observe que a fratura
ocorreu ao longo da direção longitudinal do tubo, o que sugere que tenha sido causada por excesso
de orientação molecular durante a fabricação.

(c) Fatores de projeto. No projeto da peça define-se o dimensional e a


geometria, enquanto no projeto do molde especifica-se como
ocorrerá o fluxo durante a injeção, por exemplo, com a posição e
dimensões dos canais e pontos de injeção. Problemas podem
ocorrer, por exemplo, no dimensionamento inadequado
(especialmente da espessura), cantos vivos, orifícios e outros detalhes geométricos concentradores
de tensão, localização das linhas de solda, etc. Os softwares de
simulação podem ser de grande utilidade na previsão dos níveis
de tensão, orientação molecular, contrações, etc. A imagem ao
lado mostra um quadro de bicicleta fabricada em epóxi
reforçado com fibra de carbono que fraturou em serviço,
provavelmente devido à baixa espessura do produto ou ao
baixo teor de fibras.

(d) Causas ambientais. O ambiente de utilização dos produtos, sem dúvidas, é dos fatores complicadores
na utilização de produtos plásticos e uma das principais causas da falha prematura. Em geral, testes
em ambientes reais ou simulados para prever a vida útil são realizados de modo muito simplificado
ou, simplesmente, não são realizados. A consequência é que o projeto/desenvolvimento de um
produto deixa, frequentemente (mas não sempre) de contemplar as inúmeras interferências do
244
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

ambiente de uso. As principais causas ambientais são relacionadas com (i) temperatura (muito baixa
causa fragilização e outros efeitos8; muito alta causa empenamento, amolecimento e degradação
térmica), (ii) radiação ultravioleta e outros constituintes naturais (como ozônio, poluentes e névoa
salina), que podem causar degradação química, (iii) agentes químicos, que causam ataque químico,
solubilização ou stress cracking; (iv) umidade, que, em alguns polímeros, tem efeito plastificante,
causa hidrólise e, no caso de compósitos, provoca alteração na adesão entre a carga e a matriz. Esse
último caso está exemplificado na Figura 6.33, em que um compósito com fibra de vidro apresenta
uma boa adesão interfacial logo após a produção, mas, após algum tempo de exposição em
temperatura elevada e na presença de umidade, ocorre uma mudança radical na adesão entre os
componentes, o que leva a uma grande perda de
propriedades mecânicas. Considerando que, muitas vezes,
os compósitos são utilizados em ambientes desse tipo,
trata-se de um problema grave de falha prematura e que é
de difícil solução. Na imagem ao lado (Ratner, 1996 ) tem-
se o caso de um isolamento elétrico de um marca-passo
implantado no paciente que apresentou intensas rachaduras após algum tempo de uso. Análises
detalhadas sugeriram que o dano foi causado por oxidação do polímero, acelerada por íons metálicos
presentes no fio do aparelho. Algumas dessas causas ambientais serão descritas com maiores
detalhes na seção 7.5 deste livro.

Figura 6.33. Efeito da exposição em ambiente saturado com umidade e temperatura de 100°C na adesão
interfacial entre o PBT e a fibra de vidro, inspecionados por microscopia eletrônica de varredura (Ishak,
Ariffin, and Senawi 2001). Em compósitos, a adesão interfacial é visualizada por MEV como o
recobrimento da fibra pelo polímero após a fratura. Note na imagem da direita, as fibras bem lisas, o
que caracteriza uma baixa adesão entre os componentes.

8
Reveja o caso da explosão da nave espacial Challanger, descrito na seção 3.1, que foi relacionada com a baixa
temperatura do ambiente no momento do lançamento.
245
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

6.2.4. Topografia da fratura

Como abordado desde o início deste capítulo, o comportamento mecânico depende de um


mecanismo de deformação e que, eventualmente, haverá a falha catastrófica do produto. A fratura
também ocorre sob um mecanismo próprio, que depende da natureza do material, tipo de
carregamento, escala de tempo em que ocorre, ambiente de utilização e muitos outros fatores. A fratura
deixa uma espécie de “rastro”, com características que permitem fazer algumas inferências sobre o
modo como ocorreu. Isso é transcrito na topografia9 da fratura, que é normalmente realizada por
microscopia eletrônica de varredura (MEV). A necessidade de realizar a análise fratográfica por MEV e
não por microscopia ótica não é tanto pela ampliação possível e sim pela maior profundidade de campo.
Como na superfície de fratura os
elementos presentes possuem
diferentes alturas em relação às
lentes, por microscopia ótica não
se observa todos esses elementos
em foco, uma vez que a técnica
oferece baixa profundidade de
campo – ao contrário do MEV. Veja nas duas imagens ao lado a diferença entre as duas técnicas (por
MEV é a imagem da direita).

A análise da topografia da fratura pode oferecer respostas à diversas questões, tais como:

• como ocorreu a fratura?


• quais as suas características gerais?
• qual o local provável de iniciação?
• existem falhas internas no produto?
• ocorreu de forma predominantemente frágil ou dúctil?
• os aditivos estão aglomerados?
• em compósitos, existe adesão interfacial?
• como é a distribuição de fases em blendas?

9
Pode-se fazer um paralelo com a análise topográfica de um terreno, que é necessário para o projeto arquitetônico
e melhor aproveitamento dos espaços. O topógrafo faz o levantamento do relevo do terreno, indicando as alturas
do solo em relação a um ponto de referência em toda a área analisada e posiciona outros detalhes existentes
(como árvores, calçadas, muros, elementos construtivos, etc.).
246
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Embora cada processo de fratura seja único com relação ao histórico de carregamento, tipo de
material, etc., existem algumas características típicas de uma superfície de fratura, que estão mostradas
esquematicamente na Figura 6.34. Por serem regiões “típicas”, não implica que todas as fraturas irão
apresentar essas características e da forma como estão representadas. Na análise topográfica se busca
elementos gerais que auxiliam nas respostas acima, mas jamais se consegue interpretar cada detalhe de
uma superfície fraturada. As características principais dessas regiões são (Wolock and Newman 1964):

Zona espelho. A zona espelho, ou “mirror zone” é uma região lisa e plana caracterizada por uma
propagação frágil de crescimento em baixa velocidade. Na análise por MEV, faz-se uma varredura inicial
de toda a superfície de fratura (em pequeno aumento) e se busca a localização da(s) zona(s) espelho,
uma vez que é nessa região em que se localiza o ponto de iniciação da
fratura, que pode ser no interior ou na superfície do produto. Quanto
maior a proporção da zona espelho em relação ao total da superfície, Primeira região a se
maior a natureza frágil da fratura. Quanto mais plana, menor o desvio localizar na análise
topográfica
das trincas em diferentes trajetórias e, como consequência, menor o
consumo de energia durante a falha, caracterizando a fragilidade do
material. Em algumas situações, essa região pode ser visível com uma
pequena lente de aumento ou mesmo a olho nu. Por MEV, aumentos maiores na zona espelho revelam
marcas de fraturas, como estrias e corrugações.

Zona de transição. A fratura propaga na zona espelho com baixa velocidade, mas, eventualmente, a
frente de propagação é desviada para diferentes planos. Isso ocorre porque as trincas perderam a força
para propagação, são aprisionadas e reiniciam em diferentes frentes, ou porque encontram, ao longo
do caminho, material com maior Kc e, portanto, menos propenso à propagação frágil. Essa é a região de
transição, que se mostra com maior rugosidade em comparação com a região espelho. Nessa zona, a
tensão aplicada e a velocidade de propagação são provavelmente maiores do que na zona espelho,
ocorrendo também a nucleação de outras frentes de propagação. As marcas de fratura são mais
numerosas e mais visíveis, mesmo em pequenos aumentos.

Zona áspera. Com o aumento da tensão e velocidade de propagação, as trincas crescem de forma mais
aleatórias, gerando muitas frentes de propagação, em diferentes planos topográficos, formando a
chamada zona áspera. As marcas geométricas de fratura se tornam intensas, produzidas pela interseção
de diferentes caminhos de propagação. Assim, as marcas de fratura são predominantes, com formações
como estrias, corrugações, zonas de rasgamento, parábolas, hipérboles, fibrilas, etc. Algumas dessas
marcas, como fibrilas e zonas de rasgamento, representam significativos processos de deformação
durante a fratura. Os caminhos percorridos pelas trincas são muitos maiores do que nas zonas
247
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

anteriores, sendo responsável pela maior parte da absorção de energia durante a falha catastrófica. A
zona áspera, portanto, é caracterizada por rápida velocidade de propagação e grandes desvios dos
caminhos das trincas, resultando em grande absorção de energia e ductilidade. A habilidade que um
material tem em apresentar esse tipo de comportamento depende de suas características moleculares
e estruturais, da temperatura, do nível e tipo de tensão aplicada, etc. Devido às diversas
heterogeneidades internas que os polímeros possuem (ver seção 5.5.3) as suas características de fratura
e, como consequência, a topografia da falha podem sofrer alterações localizadas, por exemplo, quando
a frente de propagação alcança uma região com diferente K c (menos cristalina ou mais orientada, por
exemplo). Isso também contribui para formações das diferentes marcas de fratura nessa região.

Zona de fibrilação. Embora não seja propriamente uma zona típica de fratura constante na ilustração da
Figura 6.34, a formação intensa de fibrilas causada pelo processo
de deformação altera radicalmente a natureza da fratura,
impedindo a formação das zonas anteriores. Fratura
completamente fibrilar ocorre em polímeros com grandes
deformações por escoamento plástico ou pseudo-dúctil, como na
imagem ao lado, obtida com o polipropileno (Rabello 1996).
Regiões com zonas de fibrilação também podem ser observadas em conjunto com outras zonas de
fratura.

Figura 6.34. Regiões típicas de uma superfície de fratura.

A análise da topografia de fratura tem dois grandes objetivos: (i) no desenvolvimento de


materiais e produtos poliméricos, para entender melhor o comportamento mecânico e, em função disso,
fazer correções de composição, massa molar, projeto, etc., visando atender determinadas estretégias

248
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

da aplicação; (ii) na análise de produtos que apresentaram falha em serviço, visando identificar as
possíveis causas da fratura e adotar medidas de prevenção. É essencial preservar corretamente a
superfície de fratura, uma vez que a dureza dos polímeros é baixa, podendo suas características
topográficas serem alteradas pela manipulação.

Mostraremos a seguir alguns exemplos de micrografias feitas por MEV com comentários sobre
suas principais características. Ressaltamos que nesse tipo de análise é impossível explicar todo e
qualquer elemento presente na imagem, fazendo-se uma interpretação mais abrangente da natureza da
fratura.

Corpo de prova de polipropileno contendo talco como


agente nucleante (Rabello and White 1997a), que
apresentou resistência à tração inferior aos demais corpos
de prova da mesma série. Observa-se a zona espelho
(circular) com um elemento no seu interior, de onde,
provavelmente, a fratura foi iniciada. A inclusão é
composta por partículas aglomeradas de talco, que não
foram bem dispersas no processamento, dando início à
fratura. A topografia apresenta grande semelhança com a imagem esquemática da Figura 6.34, incluindo
uma zona de transição entre a região espelho e a zona rugosa. Observa-se também que o aglomerado
de aditivos apresentou pouca adesão com a matriz de PP.

Amostra de PET exposto ao ambiente natural por 6


semanas (Fechine, Rabello, and d'Almeida 1999),
mostrando que a zona espelho está próxima à
superfície exposta à radiação ultravioleta, que
provoca intensa degradação química no material.
Uma ampliação (imagem menor) mostra a transição de zona espelho
para zona rugosa, com derivação de diferentes planos de
propagação).

249
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

A primeira imagem é o aspecto geral de uma peça que fraturou em


serviço, indicando o provável local de início (na aresta da peça) e
mostrando marcas de fratura na forma de arcos concêntricos. Esse
tipo de característica é bastante sugestivo de falha causada por
esforços cíclicos, como tensões de fadiga. Um aumento maior dessa
região mostra detalhes da alternância entre regiões lisas e rugosas,
com indicativo da direção de propagação da falha (Parrington
2002).

Uma amostra de polipropileno exposta à


radiação ultravioleta em laboratório por 12
semanas apresentou uma complexidade de
características de fratura (Rabello and White
1997b). Na lateral, próximo à superfície, tem-se
uma zona lisa e plana, similar à zona espelho. Em camada mais
profunda, observa-se intensa fibrilação (indicada pela seta),
antecedida por uma zona de transição. No interior tem-se uma nova
zona espelho (marcada com X) indicado um novo processo de propagação após as trincas iniciais terem
sido aprisionadas na camada dúctil. Esse tipo comportamento é resultado da natureza da degradação
do polímero, que é limitada às camadas superficiais e é responsável por uma recuperação parcial nas
propriedades mecânicas após tempos intermediários de degradação (Rabello and White 1997a).

Nesse caso, tem-se a superfície de fratura de uma peça


de policarbonato recém moldada (imagem da esquerda)
e após recozimento a 120°C (imagem da direita) (Scheirs
2000). O recozimento é realizado por algumas horas em
temperatura abaixo da Tg com o objetivo de aliviar as
tensões de moldagem e, assim, aumentar a tenacidade
do material. A topografia de fratura indicou que a
amostra recozida apresentou muito mais zonas ásperas,
resultado da maior tenacidade.

250
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Esse é um caso típico de fratura por


morfologia desfavorável. O PP foi moldado
por compressão seguido de resfriamento
muito lento e, como consequência, grandes
esferulitos foram formados. No ensaio
tensão-deformação esse tipo de amostra não apresentou
estricção, com pouca deformação até a falha final. A superfície
de fratura indica fragilidade quando comparada com a um
material verdadeiramente dúctil, mas sem uma zona espelho bem definida. Apresenta algumas regiões
de porosidade que, em aumento maior, mostram facetas arredondadas no interior, o que pode ser
justamente as paredes dos esferulitos (Rabello 1996).

PARA DISCUSSÃO

Como apresentado neste capítulo, o módulo elástico de um polímero está


relacionado com a facilidade/dificuldade de alteração no ângulo de equilíbrio das
ligações primárias. Isso é influenciado, por exemplo, pela polaridade e pela
cristalinidade. Em comparação com o PEAD, o PTFE é mais polar e tão ou mais
cristalino. A diferença de polaridade é refletida na temperatura de fusão – muito
maior para o PTFE (327°C vs 135°C).
A questão que se coloca é: apesar das considerações acima, por que o módulo
elástico do PTFE tende a ser mais baixo do que o do PEAD? (dados em
omnexus.specialchem.com/polymer-properties)

E (GPa) Resist. tração (MPa)


PEAD 0,5-1,10 30-40
PFTE 0,4-0,8 0-10

251
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Sugestões de atividades práticas

Entropia na deformação borrachosa. Como a deformação borrachosa é de natureza entrópica, o


aumento da temperatura, desde que moderado, pode aumentar o módulo elástico, ao contrário do que
normalmente ocorre com os demais materiais. Um experimento simples para constatar esse fenômeno
é colocar peso morto e aquecer levemente uma banda de borracha (tipo câmera de ar de pneus),
observando a diminuição na dimensão do produto.

Escoamento plástico em filme de PE. O processo de deformação de polímeros semicristalinos acima da


Tg é facilmente observado em ensaios mecânicos de tração. No entanto, um procedimento bastante
simples pode ser utilizado para constatar esse mecanismo, através da deformação (manual) de tiras
cortadas de uma sacola plástica de polietileno. A depender da orientação molecular na sacola, a
observação da estricção e escoamento plástico pode depender do ângulo de retirada da amostra.

Caçadores de Mitos. Uma questão colocada nesse capítulo é se os capacetes de segurança precisam ser
descartados quando sofrem impacto. Essa pode ser uma questão que Os Caçadores de Mitos
poderiam resolver e você foi contratado para auxiliar no procedimento. Solte um peso
determinado (por exemplo, uma garrafa PET cheia de areia) de uma altura fixa sobre um capacete de
ABS. Se ele não fraturar, repita o procedimento várias vezes até a ruptura ou até você se convencer que
a peça não irá fraturar nessa condição. Refaça com um peso maior ou de uma altura maior.

Efeitos do crazing. Em amostras de HIPS ou ABS, faça um teste tensão-deformação até a ruptura. Em
novas amostras, tracione até 50, 60, 70, 80 e 90% da tensão máxima. Após cada um tensionamento,
realize novo ensaio mecânico até a ruptura. Compare os resultados com a amostra que foi ensaiada até
a falha final sem tensões intermediárias. Se possível, analise a superfície de fratura por MEV em cada
situação. Registre por fotografia o eventual embranquecimento após cada tensionamento. Para melhor
revelar as fissuras, você pode passar um marcador de quadro branco sobre a superfície, removendo o
excesso logo em seguida. Repita o procedimento para polímeros que se deformam por outros
mecanismos, como o PEAD e o PC.

Viscoelasticidade do queijo (baseado em (Pearson and Sperling 2019)). Um queijo tipo “prato” pode ser
utilizado para demonstrar o comportamento viscoelástico de fluência sob compressão. O queijo é
constituído por gordura, carboidratos, proteínas, água, etc. As proteínas, que são poliméricas, são
responsáveis pela resposta viscoelástica, auxiliadas pela água, que atua como plastificante. Coloque um
252
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

peso sobre meia peça de queijo prato e meça com um paquímetro a deformação instantânea. A cada
minuto meça novamente, aumentando o tempo de medida após ~20 minutos. Construa a curva de
deformação versus tempo. É possível calcular parâmetros viscoelásticos como viscosidade, tempo de
relaxação, etc. (Pearson and Sperling 2019).

Relaxação de tensão por dureza. Corte amostras de diversos materiais (PS, PP, PVC, PVC plastificado,
termofixo, compósitos) e faça ensaios de dureza, anotando os valores observados em função do tempo
de aplicação do penetrador sobre a amostra. Plote os dados obtidos para cada material, mostrando o
decaimento nos valores com o tempo. Compare os dados dos vários materiais correlacionando com as
suas tendências ao comportamento viscoelástico.

Resistência à punctura. A fratura de um filme a partir da perfuração de um objeto pontiagudo (punctura)


é um dos grandes problemas da indústria de embalagens e tem relação com os princípios da mecânica
da fratura. Se você trabalha em uma indústria de embalagens e não possui laboratório para controle de
qualidade, é possível desenvolver um procedimento simplificado para aferir, de forma comparativa, a
qualidade dos filmes produzidos. Proponha um teste para isso e avalie o comportamento de alguns
filmes comerciais.

Viscoelasticidade e topografia de fratura. Realize ensaios de tração em várias velocidades de


deformação com amostras de PP e com a amostras de poliestireno. Compare as diferenças de valores e
padrão das curvas nos dois casos, relacionando com a viscoelasticidade. Inspecione as superfícies de
fratura e correlacione com os resultados dos ensaios mecânicos.

Fotoelasticidade e concentração de tensão. A localização das tensões internas em um produto


polimérico transparente pode ser facilmente visualizada com um par de películas polarizadoras, que
podem ser adquiridas com baixo custo em sites de vendas pela internet. Isso é consequência da
birrefringência, que altera a polarização da luz em função do estado de tensão de suas moléculas. Com
as películas polarizadoras, observe as bandas de cores em produtos transparentes (régua escolar ou capa
de CD, por exemplo) e tente relacioná-las com o preenchimento do molde de injeção. Faça um
tratamento de recozimento em temperatura abaixo da Tg do polímero e observe eventuais mudanças.
Em uma régua, produza um entalhe (com uma serra manual) e aplique um esforço manual de flexão (ou
utilize uma máquina de tração para controlar a tensão de tração aplicada), observando as mudanças nas
características fotoelásticas. Repita este procedimento com entalhes de várias dimensões. Registre tudo
fotograficamente.

253
6 – Comportamento mecânico Marcelo Silveira Rabello

Sugestões para estudo complementar

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Ferry, J.D. 1980. Viscoelasticity Properties of Polymers (Wiley: New York).

Kausch, C.H. 1987. Polymer Fracture (Springer: Berlin).

McCrum, N. G., C. P. Buckley, and C. B. Bucknall. 1997. Principles of Polymer Engineering (Oxford
University Press: New York).

Osswald, T.A.; Menges, G. 2012. Materials Science of Polymers for Engineers (Hanser: Munich).

Sperling, L. H. 2006. Introduction to Physical Polymer Science (Wiley: New York).

Strobl, G. 2013. The Physics of Polymers: Concepts for Understanding Their Structures and Behavior
(Springer: Berlim).

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256
A performance dos materiais utilizados em produtos industriais depende de uma combinação de fatores,
como o tipo de polímero, grade, estrutura interna, aditivos, aspectos de projeto e... ambiente de
utilização. Seria virtualmente impossível projetar componentes poliméricos apropriados sem levar em
consideração o ambiente de utilização. Influências importantes são a radiação solar, temperatura,
umidade e presença de determinados agentes químicos. O grande desafio é garantir desempenho
adequado de produtos que estarão expostos à vários ambientes diferentes, como componentes
automotivos da imagem acima.

Capítulo 7
Fatores que controlam as
propriedades
Ao longo dos capítulos anteriores o conteúdo foi sendo apresentado e, concomitantemente, muitas
exemplificações feitas sobre as diversas influências nas propriedades dos materiais poliméricos. Este capítulo tem
dois objetivos: (i) resumir e sistematizar os diversos fatores (já mostrados anteriormente) que governam as
propriedades dos polímeros; (ii) apresentar a influência de dois outros fatores, de grande importância prática: os
efeitos ambientais e a presença de aditivos.
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

7.1. Natureza química

A natureza química do polímero, ou seja, os tipos de átomos e grupos presentes nas moléculas
é a base fundamental para o entendimento das propriedades dos produtos, e um resumo esquemático
das diversas influências relacionadas a esse aspecto está mostrado na Figura 7.1.

Figura 7.1. Resumo das influências da natureza química do polímero em suas principais propriedades
(elaborado pelo autor).

A estrutura química da unidade repetitiva de um polímero é a sua essência, o seu “DNA”, o


que o diferencia de outros tipos de polímeros. Essa estrutura química define as forças que unem os
átomos da cadeia principal (forças intramoleculares), as energias de ligação entre as cadeias (forças
intermoleculares) e a flexibilidade (ou rigidez) da cadeia. Um grupo aromático na cadeia principal, como
no PET e no policarbonato, por exemplo, torna a molécula mais rígida, com consequências diretas nas
temperaturas de transição vítrea e de fusão e no módulo elástico. A mesma tendência ocorre quando
258
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

grupos polares estão presentes, como no caso das poliamidas. Se os dois efeitos – grupos volumosos e
polares – são combinados, e um exemplo são as poliamidas
aromáticas como o Kevlar® da estrutura química ao lado, o
material resultante é excepcionalmente resistente
mecanicamente e ao calor.

A intensidade das forças intermoleculares também exerce uma grande importância na


relevância dos tamanhos moleculares para a obtenção de alta performance dos produtos. Nos materiais
pouco polares, como polietileno, polipropileno e poliestireno, a alta massa molar é essencial para dar
coesão mecânica, seja pelos emaranhados moleculares ou pelas cadeias atadoras, estas últimas
presentes nos polímeros semicristalinos. Por outro lado, polímeros que possuem forças intermoleculares
muito fortes, como as poliamidas, poliésteres e poliacetais, a massa molar deixa de ser tão importante
(quanto para os apolares) para se obter um bom desempenho mecânico, uma vez que a coesão
estrutural é conferida também pelas forças intermoleculares. Nessa situação, grades com elevada alta
massa molar podem não ser desejáveis devido a um aumento na temperatura de fluxo, que pode se
tornar muito próxima da temperatura de decomposição, dificultando o processamento. Evidentemente,
se for possível combinar alta massa molar com alta polaridade, os efeitos nas propriedades mecânicas
são potencializados.

As forças intramoleculares, por outro lado, têm uma influência maior na estabilidade térmica
dos polímeros, e uma influência muito menor nas propriedades mecânicas. Isso porque os processos de
fratura são muito dependentes da presença de defeitos e outros elementos concentradores de tensão
(ver seção 6.2) do que propriamente da energia que une os átomos da cadeia principal. Uma exceção a
essa regra seria o caso das fibras, em que a altíssima orientação molecular alcançada durante o
processamento faz com que as ligações principais sejam solicitadas diretamente pelos esforços
mecânicos. A estrutura química também define características como absorção seletiva de luz
(propriedades óticas), movimentação de elétrons (propriedades elétricas) e capacidade de interação
com agentes químicos (propriedades químicas).

Se existir mais de um tipo de unidade repetitiva na molécula, tem-se os copolímeros, cujas


propriedades são definidas pelo tipo e concentração de comonômeros, além da forma como estão
arranjados na estrutura – ao acaso, alternado, em blocos ou por enxertia. De fato, o desenvolvimento
de copolímeros é um dos principais procedimentos que a indústria adota para obter materiais
poliméricos com propriedades controladas. Alguns desses tipos, à base de estireno, butadieno e
acrilonitrila, foram descritos na seção 3.3. Os copolímeros de propileno com etileno (ver seção 4.4.4) são
também um grande e importante exemplo, em que a presença de uma pequena fração de etileno reduz
a temperatura vítrea e a sua cristalizabilidade, aumentando a tenacidade do produto, o que o torna mais
viável para muitas aplicações. Mesmo polímeros de engenharia, como as poliamidas e poliésteres,
259
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

podem incluir comonômeros, visando atingir um balanço adequado de propriedades como rigidez e
tenacidade, além de melhorar a processabilidade. A Tabela 7.1 mostra um exemplo de copolímero de
poliamida 6 com poliamida 66 onde, em comparação com o homopolímero, a tenacidade do copolímero
foi substancialmente elevada às custas de pequena redução nas propriedades tênseis, mas uma redução
maior na temperatura de distorção (HDT). Esses resultados são uma consequência da menor
cristalinidade do copolímero.

Tabela 7.1. Comparação entre as propriedades de uma poliamida 6 com copolímeros PA 6/66. Fonte:
www.technyl.com.

Propriedade PA 6 Copolímero PA 6/66

Resistência à tração (MPa) 77 75

Módulo de Young (MPa) 3400 3300


Resistência ao impacto Charpy
12 Não quebra
não entalhado (kJ/m2)
HDT, 1,8MPa (°C) 75 55

Quando presentes, as reticulações químicas mudam a natureza do material, tornando-o infusível


e insolúvel. Isso ocorre normalmente com os chamados termofixos e com os elastômeros, mas até
polímeros termoplásticos tradicionais, como o polietileno, podem receber ligações cruzadas através da
uma aditivação especial (ver quadro na seção 3.1). Em todos os casos, as reticulações restringem os
movimentos moleculares, com consequências como maior temperatura de transição vítrea, maior
módulo de elasticidade, maior dureza, resistência química e ao calor, etc. Reveja na Figura 6.26 essa
influência nas curvas dinâmico-mecânicas.

A natureza química de um polímero é também influenciada por eventuais defeitos de


polimerização. Os mais comuns são as ramificações e os defeitos relacionados com as configurações
(tipo, taticidade, cis-trans e cabeça-cauda). Esses defeitos afetam principalmente a cristalizabilidade do
material. Por exemplo, polímeros 100% isotáticos atingem elevados graus de cristalinidade, enquanto
os atáticos são amorfos. O caso mais conhecido da influência de ramificações é o polietileno. Na sua
versão linear (PEAD), este polímero é altamente cristalino, com elevada rigidez e resistência à tração,
enquanto o PE ramificado (PEBD) cristaliza muito menos e, como consequência, é mais flexível e tenaz
(veja a Tabela 4.2, com dados comparativos). As impurezas químicas oriundas da polimerização, como
grupos hidroperóxido, carbonila ou vinil, podem ter grande influência nos processos de degradação
química, que serão descritos na seção 7.5.3.

260
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

7.2. Massa molar

É fato comum que a massa molar tem grandes consequências para o comportamento dos
produtos plásticos. Afinal, o grande tamanho das moléculas é a principal característica dessa classe de
materiais que, em geral, em maior ou menor grau, transcende todas as demais influências. Quanto maior
a massa molar, maior o número de emaranhados moleculares, que são responsáveis pela coesão
mecânica do material, mas também exerce forte influência no comportamento reológico. Como
discutido no Capítulo 2, a indústria petroquímica produz diversos grades para cada tipo de polímero,
visando atender determinados requisitos de aplicação e de processamento 1. Os grades de massa molar
mais baixa tendem a ser mais facilmente processáveis por técnicas como injeção ou rotomoldagem, mas
possuem comportamento mecânico inferior quando comparados com os grades de alta massa molar.
Por outro lado, no processamento por extrusão grades de alta massa molar são geralmente utilizados
devido à necessária alta resistência do melt para esse tipo de processo.

Para o caso de polímeros cristalizáveis, o tamanho das cadeias exerce duas influências
relevantes: (i) por um lado, os emaranhados moleculares reduzem a cristalizabilidade do material e, com
menor grau de cristalinidade, tem-se as consequências nas propriedades mecânicas e físicas; (ii) por
outro lado, tamanhos maiores de cadeia geram um maior número de cadeias atadoras, que unem os
cristais e os esferulitos entre si e, assim, são responsáveis pelo bom balanço de propriedades mecânicas
dos polímeros semicristalinos (ver seção 4.4.4). Um caso extremo da influência da alta massa molar é o
polietileno de ultra-alta massa molar (na faixa de 1.000.000 a 10.000.000g/mol), que possui
propriedades extraordinárias e aplicações diferenciadas (ver quadro na seção 4.2.1), mas tem na sua
dificuldade de processamento a grande desvantagem prática.

Um exemplo comparativo de grades de poliacetal está mostrado na Tabela 7.2. Observe que a
temperatura de fusão não variou com a massa molar, conforme já discutido na seção 5.6. As demais
propriedades apresentadas dependem da influência relativa do grau de cristalinidade (que, infelizmente,
o fabricante não informou nas fichas técnicas consultadas) e do tamanho das cadeias. Quanto maior o
índice de fluidez, menor a massa molar, o que facilita a cristalização e, como consequência, influencia
positivamente propriedades como HDT e módulo de Young. Por outro lado, massas molares mais
elevadas dificultam a cristalização e, além disso, formam mais emaranhados moleculares. A combinação
desses dois efeitos resultou em grande aumento na tenacidade, como se observa para os grades de
menor índice de fluidez. Por outro lado, essas duas influências têm efeitos opostos na resistência tênsil
e, devido a isso, essa propriedade mostrou ser pouco variante com o índice de fluidez.

1
Lembrando que a indústria petroquímica, em geral, não especifica as massas molares dos seus grades, e sim o
índice de fluidez, que uma medida inversa da massa molar.
261
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Tabela 7.2. Propriedades de alguns grades de poliacetal, com diferentes índices de fluidez. Fonte aqui.
Grades com diferentes índices de fluidez (em g/10min)
16,0 11,0 6,6 1,0
Tm (°C) 177 177 177 177
HDT (1,8MPa; °C) 125 122 124 123
Resist. Impacto Izod (J/m) 59 69 75 107
Módulo elástico (MPa) 3500 3500 3200 2900
Resist. tração (MPa) 70 69 68 68

Poliacetal: a simplicidade de um material diferenciado!

A sua estrutura química é simples, muito simples. O poliacetal, ou poli(óxido de


CH2 O
metileno) ou ainda poliformaldeído é um poliéter e foi um dos primeiros
plásticos de engenharia lançados no mercado, em 1958, pela DuPont. Possui um conjunto de propriedades
que permite substituir os materiais metálicos em muitas aplicações, tendo sido chamado de “o desafio do
aço”. Comparativamente ao polietileno, a presença do oxigênio na cadeia principal confere uma maior
polaridade, resultando em uma maior Tg (-80°C) e maior Tm (180°C). Por sua estrutura química regular e
flexível é um material altamente cristalizável, atingindo mais 80% de grau de cristalinidade em condições
usuais de processamento (que utiliza temperatura de molde de ~80°C). A Tg bem abaixo da ambiente,
polaridade intermediária e alta cristalinidade resultam em produtos com uma excelente balanço entre rigidez
(uma das maiores, dentre os materiais poliméricos), resistência à tração e tenacidade. Destaca-
se também pela elevada resistência química, à fadiga e alta estabilidade dimensional.
Suas principais aplicações são em peças técnicas das indústrias automobilística,
eletroeletrônica e dispositivos diversos. Um grande atrativo entre as suas propriedades é a alta
resistência ao desgaste e baixo coeficiente de fricção, daí uma aplicação
que representa bem a importância desse material é em engrenagens e
outras peças móveis como propulsores, hélices, esteiras transportadoras, etc. O
poliacetal é processado, principalmente, por injeção e extrusão e pode conter aditivos
como fibras de reforço e foto estabilizantes. Alguns dos grades disponíveis foram
mostrados na Tabela 7.2. A indústria também polimeriza a versão copolímero (com óxido de etileno), visando
reduzir a tendência à degradação intensa que ocorre em temperaturas elevadas. No entanto, a presença do
comonômero reduz o grau de cristalinidade, o que pode comprometer algumas propriedades críticas.
Os principais nomes comerciais do poliacetal são o Delrin® e o Hostaform® para homopolímeros e Celcon®
para o copolímero e custam, no mercado internacional, cerca de US$5,00/kg. Confira aqui as tendências de
mercado. O Brasil não produz esse polímero, mas ele é relativamente bem utilizado na indústria nacional, em
suas aplicações clássicas. Veja nesse vídeo algumas de suas características e recomendações.

262
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

7.3. Estrutura física

Conforme a Figura 7.2, a estrutura física de um material polimérico compreende o grau de


cristalinidade, morfologia, retículo cristalográfico e orientação (molecular e cristalina). Evidentemente,
os polímeros amorfos são bem menos complexos nesse aspecto do que os semicristalinos, já que não
possuem ordem a longas distâncias. Muitas das propriedades relevantes para aplicação dos polímeros
são, em maior ou menor grau, dependentes de sua estrutura física, com destaque para as propriedades
mecânicas e a estabilidade ao calor. A estrutura interna é formada durante o processamento, sendo
altamente dependente de suas condições, como velocidade de resfriamento, tensões de cisalhamento,
pressões, etc. Essas dependências foram discutidas com maiores detalhes na seção 5.5, mostrando as
principais influências na orientação molecular, grau de cristalinidade e morfologia dos polímeros.

Figura 7.2. Representação dos aspectos estruturais e suas principais influências, elaborada pelo autor.
No caso dos polímeros amorfos, a estrutura física é determinada apenas pela orientação molecular.

A estrutura física também é influenciada pela estrutura química e molecular do polímero, como
já revisado nas duas seções anteriores. Por exemplo, copolímeros aleatórios possuem estrutura
molecular irregular e, como consequência, têm maior dificuldade em cristalizar do que os
homopolímeros regulares. O polietileno, com suas moléculas flexíveis, cristaliza muito mais rapidamente

263
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

do que o polipropileno que, por sua vez, tem cristalização mais rápida do que o poliestireno isotático,
que possui grande rigidez molecular. A velocidade de cristalização
afeta não apenas o grau de cristalinidade alcançado durante o
processamento, mas também influencia no tamanho das cristalitos
e estruturas morfológicas (ver seção 5.1). No caso da morfologia
esferulítica, o tamanho desses elementos exerce grande influência
sobre as propriedades mecânicas uma vez que define, junto com a
massa molar, a concentração de cadeias atadoras. Na imagem ao
lado, observa-se a junção de dois esferulitos durante a cristalização,
com a consequente região de conexões interesferulíticas.

Muitas vezes é difícil se separar os efeitos da cristalinidade e do tamanho dos cristais nas
propriedades dos polímeros semicristalinos. Esferulitos muito grandes têm
baixa superfície específica e, por consequência, um número relativamente
Efeitos combinados pequeno de cadeias atadoras. Assim, para um mesmo grau de
da cristalinidade e
do tamanho dos cristalinidade, amostras com cristais maiores resultam em menores
cristais resistência à tração, ao impacto e, também, menor elongação. Polímeros
com cristais muito grandes geralmente falham por fratura frágil nos
contornos dos esferulitos (ver seção 6.2.4), onde existem poucas moléculas
atadoras, alta concentração de impurezas e cadeias com baixa massa molar – resultado dos efeitos de
segregação durante a cristalização.

Uma compilação dos principais efeitos do grau de cristalinidade nas propriedades dos polímeros
está mostrada na

Tabela 7.3. Quanto mais cristalino for o material, maior o empacotamento molecular, resultando em
maior rigidez, resistência tênsil e ao calor, enquanto as regiões amorfas conferem maciez, tenacidade e
transparência. Na maioria dos casos se busca um equilíbrio de propriedades e, sendo assim, graus de
cristalinidade muito elevados podem não ser desejáveis para determinadas aplicações. Exemplos mais
diretos da cristalinidade foram mostrados nas Figuras 4.4, 4.23, 5.22, 6.19 e o efeito nas curvas dinâmico
mecânicas na Figura 6.27. Lembre-se que o grau de cristalinidade alcançado em um produto depende
de dois fatores essenciais: (i) cristalizabilidade de suas moléculas e (ii) condições utilizadas durante a
cristalização.

264
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Tabela 7.3. Principais influências da cristalinidade nas propriedades dos polímeros.

Propriedade Efeito de maior grau de cristalinidade

Módulo elástico e dureza Aumentam

Resistência à tração Aumenta

Elongação e resistência ao impacto Diminuem

Resistência química Aumenta

Transparência Diminui

Retração na moldagem Aumenta

Tg e Tm Não afetam

HDT e Tvicat Aumentam

Fluência e relaxação de tensão Diminuem

Permeabilidade Diminui

Propriedades elétricas Pouco efeito

Por fim, a orientação molecular, que também é definida pelo processamento, é igualmente
relevante e determinante para as propriedades de todos os
polímeros – sejam amorfos ou semicristalinos. Isso tem sido
abordado praticamente ao longo de todo este livro – veja, por
exemplo, Figuras 2.4, 2.5, 2.7 e 5.30. O material orientado se torna
anisotrópico, com alta resistência no sentido da orientação e baixa
resistência no sentido ortogonal à orientação. Mais um exemplo
está mostrado na Figura 7.3 para o caso do poliestireno (amorfo), em que a resistência à tração é muito
superior quando o esforço é aplicado na direção do alinhamento molecular. Isso é resultado da diferença
de energia das ligações químicas primárias (no sentido da orientação) e secundárias (no sentido
transversal). Salvo nos casos em que se sabe o sentido da solicitação mecânica (por exemplo, em fibras),
a orientação molecular é indesejável pois torna o produto mais vulnerável em determinadas direções de
aplicação da força, especialmente quando solicitado por esforços de impacto, que são multidirecionais
(ver Figuras 2.6 e 2.7).

265
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Figura 7.3. Comportamento tensão-deformação de um polímero amorfo quando solicitado na direção


paralela e perpendicular em relação à orientação molecular (Nielsen 1974). Devido ao baixo desempenho
na direção perpendicular, uma orientação elevada conferida pelo processamento pode ser indesejável
quando se quer isotropia de desempenho mecânico.

7.4. Aspectos de projeto

Em pelo menos duas instâncias o projeto influencia no comportamento de produtos plásticos:


(i) projeto do produto e (ii) projeto da ferramenta de fabricação, como molde de injeção ou matriz de
extrusão.

O projeto do produto compreende todo o detalhamento dimensional, que inclui espessura,


cantos vivos, junções, elementos de reforço, orifícios, curvatura, insertos, alto e baixo relevo, e muitos
outros detalhes. Esse dimensional influenciará nos campos de tensões reais aplicados, concentração de
tensão, etc., que, em última instância, determinará o comportamento real do produto – e não apenas a
“expectativa” de desempenho baseada em estudos com corpos de prova. O projeto de produto é um
procedimento que pode ser extremamente complexo e, evidentemente, deve levar em consideração
outros fatores além do desempenho, tais como:
processabilidade, aspectos ambientais e energéticos,
reciclabilidade, custo, etc. Existem softwares
comerciais que auxiliam consideravelmente o projeto
do produto e levam em consideração as propriedades
dos polímeros e grades alimentados ao banco de
dados do sistema. Pode-se simular, por exemplo, a

266
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

distribuição de tensões quando uma força específica é aplicada em determinada posição no produto, ou
as tensões internas geradas pelo processamento. As indústrias e empresas que lidam com esse tipo de
desenvolvimento, geralmente denominam o setor responsável como “Engenharia de Produto”. Diversos
guias de projeto podem ser encontrados na internet, com diretrizes gerais ou específicas para
determinados polímeros. Veja exemplos aqui e aqui.

A outra influência relevante refere-se ao projeto da ferramenta de fabricação, como o molde de


injeção ou de termoformagem e a matriz de extrusão. Como discutido anteriormente (seção 5.5.2),
durante a injeção ocorre o fluxo do melt por diversos canais e pontos de injeção até alcançar a cavidade.
A localização do ponto (ou pontos) de injeção é determinante para o sucesso do processo – seja do ponto
de vista do enchimento do molde e, portanto, da produtividade e da ausência de defeitos, seja em
relação às propriedades do produto final. Essa localização define os campos de fluxo, afetando
diretamente a distribuição de orientação molecular ao longo do produto e afeta também a cristalinidade
e morfologia do polímero. Além disso, a posição do(s) ponto(s)
de injeção é determinante para a localização das linhas de
solda e de sua própria resistência. Como apresentado
anteriormente (seção 5.5.3), as linhas de solda são formadas
no encontro de fluxos, gerando regiões com menor resistência
mecânica e, portanto, mais propensas à falha prematura,
conforme exemplo ao lado (Parrington 2002).

7.5. Fatores ambientais

Em qualquer tipo de desenvolvimento e projeto envolvendo os materiais poliméricos, é


absolutamente imprescindível se considerar o ambiente de utilização do produto. Seria completamente
utópico assumir como absolutas as propriedades dos polímeros aferidas em condições padrão de
laboratório, com temperatura, umidade, condicionamento, etc. controlados. Em situações reais, os
produtos estão sujeitos às mais diversas condições, como variações de temperatura (algumas vezes
extremas), umidade, contato com agentes químicos, campos elétricos, exposição às intempéries e outras
influências. Tudo isso dificulta bastante qualquer previsibilidade de comportamento, considerando

267
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

também a possibilidade da combinação de diversos desses elementos simultaneamente. Dos vários


fatores ambientais, faremos uma breve descrição da influência dos seguintes:

• temperatura;
• umidade;
• radiação ultravioleta e outras causas de degradação;
• agentes químicos agressivos.

7.5.1. Efeito da temperatura

Ao contrário dos materiais metálicos e cerâmicos, os polímeros são consideravelmente sensíveis


às variações de temperatura, que afetam especialmente as propriedades mecânicas, mas também
influenciam as propriedades elétricas, químicas e estabilidade dimensional. Grandes mudanças ocorrem
próximo às temperaturas de transições térmicas, como Tg, Tg e Tm, como foi amplamente exemplificado
através das curvas dinâmico-mecânicas (seção 6.1.6). A influência é bastante clara – temperaturas mais
elevadas aumentam a mobilidade atômica e dos segmentos moleculares, resultando em cadeias mais
flexíveis, o que reduz o módulo elástico, a resistência à tração e aumenta a tenacidade. A Figura 7.4
mostra como diferentes temperaturas afetam as curvas tensão-deformação da PA 66. Sendo um plástico
de engenharia, esse polímero pode estar sujeito à diferentes condições ambientais, devendo a sua
performance nessas situações ser previstas. A Figura 4.8 também mostrou com a temperatura afeta as
curvas tensão-deformação do PP.

Figura 7.4. Curvas tensão-deformação da PA 66 obtidas em diferentes temperaturas (Campo 2008). A


tendência geral é de aumento no módulo e na deformação e redução na resistência à tração. Grandes
diferenças podem ocorrer acima e abaixo das temperaturas de transição como T g e Tg.

268
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Além de determinar as propriedades limite, a temperatura pode afetar também os mecanismos


de deformação. Por exemplo, um polímero amorfo abaixo da temperatura vítrea pode ser deformar por
crazing mas, acima da Tg, por deformação borrachosa. O escoamento plástico que ocorre em polímeros
semi-cristalinos acima da Tg, certamente não ocorre se a solicitação mecânica for feita em baixas
temperaturas. A magnitude da resposta viscoelástica, com todas as consequências advindas, também
varia fortemente com a temperatura, como mostrado na Figura 6.22. Na
combinação da influência da temperatura com a cristalinidade, tem-se o

A cristalinidade diagrama esquemático da Figura 7.5. Para polímeros amorfos ou de baixa


reduz a cristalinidade, grandes mudanças na tenacidade ocorrem na região da
dependência com a
temperatura transição vítrea (ou na região de transição vítrea secundária), justamente
pela maior mobilidade molecular após essa importante transição térmica.
A presença de mais cristais reduz a resistência ao impacto, uma vez que as
cadeias presentes na fase cristalina estão em estado de maior empacotamento e, assim, com restrições
na mobilidade. Observa-se também na Figura 7.5 que a diferença de propriedades abaixo e acima da Tg
tende a diminuir para amostras mais cristalinas uma vez que a transição vítrea afeta apenas as regiões
amorfas.

Figura 7.5. Representação esquemática (elaborada pelo autor) do efeito combinado da temperatura e
da cristalinidade na resistência ao impacto de polímeros. Variações similares ocorrem com outras
propriedades mecânicas, embora possam ser em sentido inverso (por exemplo, o módulo elástico diminui
com o aumento da temperatura e aumenta para maiores cristalinidades).

269
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Como reportado acima e em várias outras seções deste livro, o comportamento mecânico dos
polímeros é extremamente dependente da temperatura – em maior ou menor grau, e é preciso
considerar também situações limite (ou seja, em temperaturas muito baixas ou muito elevadas).
Enquanto que a redução da temperatura implica em menor tenacidade e, eventualmente, fragilização
do produto, a utilização em temperaturas elevadas tem várias consequências:

• redução na rigidez e na resistência à tração, como consequência da maior mobilidade molecular;


• empenamento, que é resultado de alívio de tensões de moldagem e/ou relaxações moleculares;
• amolecimento, quando a temperatura de uso se aproxima das temperaturas de transição vítrea
(para os polímeros amorfos) ou da temperatura de fusão (para os semicristalinos);
• degradação térmica, especialmente em uso prolongado, tema que será tratado na seção 7.5.3.

Relembramos que a indústria e os desenvolvedores de materiais poliméricos adotaram a


temperatura de distorção (HDT) e a temperatura de amolecimento Vicat como parâmetros para definir
o limite superior de aplicação dos materiais plásticos – e não necessariamente a Tg e a Tm desses
materiais. Essas propriedades foram apresentadas e discutidas na seção 5.6.3.

7.5.2. Efeito da umidade

A umidade ambiental pode ser inócua para alguns tipos de materiais poliméricos, mas, para
outros, pode causar três tipos de efeitos:

(i) nos materiais higroscópicos, afeta as propriedades mecânicas e estabilidade dimensional, além de
causar problemas no processamento;
(ii) provoca delaminação entre a fibra e a matriz nos compósitos;
(iii) nos polímeros hidrolisáveis, causa a degradação química por hidrólise.

A origem da higroscopicidade está no tipo de ligação química secundária. A água, que forma
pontes de hidrogênio, pode interagir com grupos polares presentes em poliamidas, poliéteres,
poliésteres e poliuretanos, se posicionando entre esses grupos e, assim, reduzindo localmente a
densidade de energia coesiva e aumentando (um pouco) o espaçamento molecular. Com isso, o material

270
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

higroscópico tem as suas dimensões alteradas – com expansão em ambientes úmidos e contração em
ambientes secos. Essa instabilidade pode ser indesejável em aplicações como peças técnicas, em que se
requer grande precisão dimensional. Como a umidade ambiental é cíclica, as dimensões de um produto
higroscópico flutuam com essa variação, mas a experiência mostra que o total de variação dimensional
raramente ultrapassa 0,5% em uma dada direção (Campo 2008) – um valor aparentemente baixo, mas
pode ser inaceitável em produtos de alta precisão. No caso das poliamidas, por exemplo, que é a classe
de polímeros comerciais mais afetada por esse tipo de fenômeno, o teor de umidade absorvida depende
da concentração dos grupos amida (que varia conforme o tipo de poliamida), da cristalinidade, do tempo
de exposição e da umidade ambiental.

A Figura 7.6(a) mostra que o teor de umidade absorvido depende da umidade atmosférica, mas
também do tipo de unidade repetitiva. O ambiente de exposição também exerce uma forte influência
(Figura 7.6(b)) na cinética de absorção. Vale lembrar que o processo de absorção (e posterior
desidratação) de umidade é, geralmente, bastante lento, podendo levar meses para atingir a sua
saturação, a depender da temperatura de exposição e da espessura do produto. A presença de cargas,
fibrosas ou particuladas, tem o efeito de reduzir a umidade absorvida pois funcionam como barreiras
para a difusão. Todos os detalhes dos efeitos de umidade nas poliamidas, além de muitas outras
informações de importância prática e industrial foram muito bem descritos em um publicação nacional
recente (Ferro et al. 2022).

(a) (b)

Figura 7.6. (a) Efeito da umidade relativa do ar no teor máximo absorvido para vários tipos de poliamidas
e (b) efeito da condição de exposição no teor absorvido de umidade pela PA 66 (Brydson 1999). Como se
trata de um processo difusional, a umidade absorvida progride com o tempo e pode atingir um valor de
saturação que depende dos grupos higroscópicos presentes no material.

271
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Poli(tetrafluoretileno): o material e suas polêmicas

O PTFE, cujo principal nome comercial é o Teflon® possui propriedades bastante especiais, como uma
temperatura de fusão elevada (327°C), características hidrofóbicas e baixo coeficiente fricção. A alta
Tm é resultado da eletronegatividade conferida pelos 4 átomos de flúor na unidade repetitiva. A sua
Tg, entretanto, é assunto controverso – alguns reportam ~115°C, outros ~-110°C mas a sua alta
cristalinidade (que pode alcançar mais de 90% devido às cadeias muito regulares e sem ramificações) dificulta
determinações muito precisas. Foi proposto (Calleja et al. 2013) que esse polímero possui duas Tg´s – uma mais
elevada, devido às regiões desordenadas próximas aos cristais e a outra correspondente às regiões longe dos
cristais. As propriedades gerais do material e a forma como variam com a temperatura sugerem que a T g “real” é
a mais baixa.
O PTFE comercial é sintetizado com alta massa molar (superior a 1.000.000 g/mol) que, de forma similar
ao polietileno de ultra alta massa molar, resulta em grande dificuldade de processamento. A produção de tarugos
para posterior usinagem e de fitas para estiramento são as formas mais
comuns. Além de peças técnicas com baixo coeficiente de fricção e fitas veda-
rosca, o PTFE é muito utilizado em revestimentos diversos, como partes
internas de funis de alimentação, silos, componentes de bombas e motores,
dispositivos médicos e... panelas. O comportamento antiaderente do PFTE
advém da estrutura balanceada e altamente eletronegativa dos átomos de
flúor, que repelem os outros átomos que se aproximam da sua superfície. O seu coeficiente de fricção é 0,04, muito
mais baixo do que o do alumínio (1,9) e o do polietileno (0,2). No mercado internacional, o PFTE custa cerca de
US20,00/Kg e não é produzido no Brasil.
A grande polêmica desse material é no seu uso como revestimento de panelas (ver aqui o processo
completo de fabricação), evitando a adesão de gorduras e, claro, facilitando a limpeza. Na polimerização por
emulsão do tetrafluoretileno utiliza-se um surfactante chamado ácido perfluorooctanóico (PFOA ou C8) que não é
completamente eliminado após a polimerização, com possibilidade de migrar e contaminar os alimentos. Além
disso, a manipulação dos insumos e o descarte dos resíduos de polimerização podem ter severos impactos aos
trabalhadores e ao ambiente. O documentário “The devil we know” aborda toda a problemática envolvida no tema.
As indústrias produtoras do PTFE, por outro lado, afirmam que a espessura da camada do polimero nas panelas é
muito baixa e o desprendimento de C8 é desprezível para causar qualquer dano à saúde das pessoas. A polêmica
permanece...

272
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Polímeros higroscópicos requerem uma atenção especial no processamento, uma vez que a
umidade presente na matéria-prima provoca uma série de problemas, como manchas, porosidade,
perda de brilho e até degradação química (no caso daqueles polímeros que são hidrolisáveis). Materiais
que apresentam esse tipo de problema devem ser comercializados em embalagens especiais e serem
submetidos a secagem antes do processamento, assegurando baixo nível de umidade. Veja na Tabela
7.4 exemplos de condições de secagem para alguns tipos de
polímeros. As máquinas de processamento podem também conter
periféricos como desumidificadores e secadores (ver imagens ao
lado) para garantir a entrada da matéria prima no equipamento
com percentual muito baixo de umidade.

Tabela 7.4. Condições típicas de secagem para alguns polímeros comerciais e teor máximo de umidade
aceitável (Simielli and Santos 2010). Na prática, os processadores consideram que, mesmo com risco de
hidrólise, a umidade não pode ser muito baixa pois a massa polimérica ficaria com pouca plasticidade
durante o processamento.

Polímero Temperatura (°C) Tempo (h) Teor máximo (%)

ABS 80-100 2-4 0,1

Poliamidas 90-110 4-8 0,2

Policarbonato 120 2-4 0,02

PET 140-160 4-6 0,02

PBT 120 2-4 0,04

Além dos efeitos no processamento e na estabilidade dimensional, a umidade pode provocar


grandes mudanças nas propriedades mecânicas de alguns polímeros, especialmente nas poliamidas e,
em menor proporção, nos poliésteres. A absorção de umidade pelos grupos polares resulta em um efeito
que lembra o de plastificantes, mas em menor intensidade, com um certo afastamento das cadeias pela
presença das moléculas de água e, assim, reduzindo a intensidade das (fortes) forças intermoleculares.
O resultado disso é a diminuição no módulo elástico e na resistência à tração e aumento na tenacidade,
conforme ilustram as curvas tensão-deformação da Figura 7.7. Na amostra sem umidade a ruptura
ocorreu com alto valor de tensão e sem a ocorrência de grandes deformações. Em ambiente úmido, a

273
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

deformação foi bastante significativa, mas a resistência tênsil apresentou valor bem mais baixo em
comparação com o material seco. A importância prática desse tipo de
comportamento é muito grande, uma vez que os produtos plásticos podem
A grande
ser aplicados nos mais diversos ambientes. Por exemplo, imagine uma peça importância em
de motocicleta produzida na Zona Franca de Manaus, onde a umidade conhecer como as
propriedades
relativa média é próxima de 100%, e o produto utilizado em Brasília, com variam com a
umidade
umidade atmosférica que pode ser inferior a 15% em algumas épocas do ambiental
ano. O controle de qualidade após a produção e os testes de campo podem
aprovar o componente, mas este apresentar falha em serviço por baixa
ductilidade em ambientes secos. Como lidar com essa questão na realidade industrial? Esse tema foi
escolhido para discussão, no final deste capítulo.

Figura 7.7. Comparativo das curvas tensão-deformação da PA 66 seca e condicionada em dois ambientes,
com diferentes umidades relativas do ar (Campo 2008). Note que a resistência à tração no ambiente com
elevada umidade foi menor da metade quando comparado com o ambiente seco.

Além de sérios problemas de desempenho, a variação de propriedades mecânicas com a


umidade relativa do ar pode resultar também em conflitos entre fornecedor e cliente, caso os
procedimentos de inspeção de qualidade não tenham sido bem alinhados. A dependência das
propriedades desses tipos de polímeros com a
Propriedade Seco Condicionado
umidade é tão importante que as petroquímicas
Módulo elástico (MPa) 2000 1750
Tensão de escoamento 49 42 especificam em suas fichas técnicas se as
(MPa) propriedades mecânicas foram medidas em
Deformação no 4 6
escoamento (%) ambiente seco ou úmido e, frequentemente,
informam os valores para as duas situações, conforme tabela ao lado para uma blenda de poliamida

274
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

(arkema.com). Evidentemente, a diferença de propriedades depende do tipo de material, sendo


influenciado por sua higroscopicidade e pelo tipo de ligação química secundária.

No caso dos materiais compósitos, independentemente de a matriz polimérica ser higroscópica


ou não, a interface entre a fibra e o polímero pode ser rompida em ambientes úmidos, especialmente
quando submetidos à temperaturas elevadas. As moléculas de água migram para a região interfacial
provocando alteração na resistência adesiva e, eventualmente, ruptura da interface. Isso foi
exemplificado por MEV na Figura 6.32. Um outro caso está mostrado na Figura 7.8, em que compósitos
de polipropileno com fibra de vidro apresentaram baixa adesão interfacial após exposição em ambiente
natural de alta umidade relativa do ar. Esse tipo de efeito não aconteceu quando os mesmos tipos de
amostras foram expostos em ambiente seco.

Figura 7.8. Superfícies de fratura de compósitos de PP com fibra de vidro, mostrando a consequência da
exposição ambiental na adesão interfacial entre a matriz e o reforço (Rabello et al. 2000). No produto
exposto, a interface entre a fibra e a matriz mostra-se descolada, o que favorece a formação e
propagação de trincas nesta região.

Para as exposições higrotérmicas, em que os produtos são submetidos à temperaturas elevadas


em ambiente saturado ou imerso em água, as consequências negativas são observadas muito mais
rapidamente, como mostram os dados da Figura 7.9 para o caso de compósitos de PET. Após cerca de
50h de exposição, a resistência ao impacto do compósito foi apenas uma fração do valor original quando
a exposição foi conduzida em temperatura mais elevada, e esse fato assume uma importância muito
grande uma vez que uma das maiores aplicações dos compósitos de matriz polimérica é justamente em
situações em que os produtos são utilizados em ambientes de altas temperaturas e por tempos
prolongados.

275
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Figura 7.9. Efeito da temperatura de exposição higrotérmica na resistência ao impacto de compósitos de


PET com fibra de vidro (Bergeret et al. 2001). Nesse tipo de procedimento, a exposição é realizada em
temperaturas elevadas (e presença de água) mas os ensaios mecânicos são feitos na temperatura
ambiente. Ou seja, os resultados refletem as consequências causas pela exposição apenas.

Finalmente, um último – mas não menos importante – efeito da umidade/água são as reações
de hidrólise, que ocorrem com alguns tipos de polímeros. Determinados grupos químicos, como éster,
éter e amida, podem reagir quimicamente com as moléculas de água, causando cisões moleculares, em
um processo denominado de degradação por hidrólise. Por exemplo, um poliéster é polimerizado pelas
reações de diácidos carboxílicos com um diálcoois, com liberação de moléculas de água:

polimerização
HOOC R COOH HO R' OH C R C O R' O H2O
hidrólise O O

Durante a síntese, a água tem que ser removida ou neutralizada para forçar a reação ocorrer para o
“lado direito”. Caso a água esteja presente, irá haver competição com reações no sentido inverso,
reduzindo o rendimento da polimerização e limitando o tamanho das cadeias obtidas. No entanto, se,
posteriormente, esse polímero for utilizado em ambiente contendo umidade/água, poderá haver reação
química dos grupos éster com as moléculas de água, provocando cisão das cadeias e até reversão ao
estado monomérico.

As reações hidrolíticas são fortemente dependentes da temperatura, seguindo a equação de


Arrhenius, em que a velocidade de reação dobra a cada aumento de 10°C na temperatura. Assim, a
hidrólise pode ser desprezível na temperatura ambiente para a maioria dos polímeros hidrolisáveis, mas
é bastante significativa na temperatura de processamento (daí a grande exigência de secagem da
matéria-prima) ou mesmo durante o uso prolongado em temperaturas mais elevadas. Veja nos gráficos
da Figura 7.10 como o teor de umidade dos pellets durante o processamento afeta a viscosidade (e,

276
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

assim, a massa molar) e as consequências nas propriedades mecânicas. Assim, para os polímeros
hidrolisáveis, a correta secagem antes e durante o processamento é fator crucial para a qualidade dos
produtos – muito mais do que para aqueles que são apenas higroscópicos.

Figura 7.10. Efeito do teor de umidade durante o processamento na retenção da viscosidade inicial do
PET (a) e nas propriedades de compósitos PET-fibra de vidro (b) (Simielli and Santos 2010).

Na esterilização de produtos, a hidrólise pode ocorrer e causar grandes efeitos. O caso mais
clássico é o das mamadeiras de policarbonato (PC). Esse material
substituiu o vidro com grande
sucesso a partir dos anos 70,
dada a sua combinação de propriedades – alta tenacidade,
transparência e alta temperatura de amolecimento. Entretanto,
a hidrólise do PC libera moléculas de bisfenol-A, uma substância
altamente tóxica, com inúmeros riscos à saúde humana (veja
matéria aqui). As mamadeiras são esterilizadas e,
frequentemente, submetidas a choque térmico por imersão em água gelada após a esterilização,
o que causa fissuras no produto, aumentando a chance do bisfenol-A migrar para o alimento e
contaminar o bebê. Por esse motivo, o policarbonato foi banido nessa e nas demais aplicações em
contato com alimentos e brinquedos, embora o risco e a metodologia de avaliação possam ser
contestados. Nas aplicações como biomateriais, os polímeros hidrolisáveis apresentam
problemas adicionais pois as reações de hidrólise são aceleradas em meio ácido e na presença
de enzimas e eletrólitos. Diversos casos de falha foram reportados nessas aplicações, como na fratura
de tubos de poliuretano durante a retirada em ambiente gástrico (Ezrin 2013).

277
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Os polímeros biodegradáveis
Os polímeros sintéticos são tidos como materiais não biodegradáveis e que, diz a grande imprensa, podem
levar “centenas” de anos para serem absorvidos pela natureza. Essas estimativas são por demais alarmistas
e, em geral, sem nenhum amparo científico, mas não iremos entrar no mérito dessa discussão. Uma classe
muito especial de polímeros podem ser rapidamente biodegradados e se constitui em importante opção para
atender aos apelos “ambientalistas”, mas, principalmente, para conferir funcionalidades especiais em
determinadas aplicações.
Algumas polímeros naturais, como celulose, amido e quitosana, e outros sintéticos como poli(ácido láctico),
poli(hidroxibutirato) e poli(caprolactona) são intrinsicamente biodegradáveis, podendo se decompor pela
ação enzimática de micro-organismos em meio adequado de temperatura, pH, umidade e oxigênio. Todos
esses polímeros são hidrofílicos e hidrolisáveis, pois é através de reações de hidrólise em condições
adequadas que a ação degradativa acontece2. A biodegradação pode ocorrer em duas etapas: (i)
despolimerização, em que as enzimas dos micro-organismos rompem as ligações hidrolisáveis, gerando
cadeias menores e (ii) mineralização, em que as cadeias suficientemente pequenas são transportadas para o
interior dos organismos, transformados em biomassa e geram produtos como CO2, N2, CH4, água e sais
minerais. Descrições detalhadas desses processos e dessa classe de materiais estão disponíveis em bons livros
nacionais, (Fechine 2010; Rosa and Pantano Filho 2003)
A questão que se coloca no uso dos plásticos biodegradáveis é a expectativa de vida útil. Em produtos duráveis
e de alto valor agregado, não tem sentido utilizar materiais que podem sofrer deterioração ambiental em
pouco tempo, comprometendo a performance dos produtos. No setor de
embalagens e descartáveis, com a proibição do uso de plásticos tradicionais em
algumas cidades, os polímeros biodegradáveis têm encontrado um nicho
promissor de aplicação, mas o custo elevado desses materiais representa uma
dificuldade mercadológica. Existem também os polímeros tradicionais com
aditivos oxi-bio-degradáveis, mas são opções bastante polêmicas (veja aqui) – seja pelos resultados práticos
alcançados seja por potenciais riscos toxicológicos que podem apresentar.
As aplicações mais importantes dos polímeros biodegradáveis são aquelas em que essa característica resulta
em funcionalidade especial ao produto, como no caso de biomateriais usados como veículo para liberação
controlada de fármacos, como fios de sutura bioabsorvíveis ou em implantes, em que a biodegradação do
polímero no organismo ocorre concomitantemente com a regeneração dos tecidos ósseos, por exemplo.

2
Não confundir os polímeros biodegradáveis com aqueles que se originam de fontes renováveis. Por exemplo, o
polietileno é sintetizado a partir do monômero etileno. Esse monômero é, tradicionalmente, obtido de derivados
do petróleo, mas também pode ser sintetizado a partir de fontes renováveis como a cana de açúcar. Nesse último
caso, o polietileno obtido é denominado de “polietileno verde”, mas isso não resulta em capacidade de
biodegradação pois a molécula final (polietileno) é a mesma da obtida pelo petróleo. Casos similares ocorrem com
poliuretanos e resinas epoxídicas.
278
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

7.5.3. Degradação oxidativa

O termo “degradação” significa reações químicas, geralmente indesejáveis, provocadas pelo


meio externo e que alteram as propriedades dos polímeros. A degradação pode ser provocada por
diferentes meios, como temperatura, radiação ultravioleta, radiação gama, etc., e, quando ocorre com
participação do oxigênio, tem-se as degradações oxidativas: termo-oxidativa, foto-oxidativa, radio-
oxidativa, etc. Ao contrário da degradação por hidrólise, que é restrita a alguns tipos de materiais, todos
os polímeros – indistintamente – sofrem os efeitos da degradação oxidativa, cujo mecanismo geral está
mostrado na Figura 7.11.

Iniciação RH 
R [1]

+ O2 ROO [2]
Propagação R

ROO + R'H ROOH + R' [3]

Ramificação ROOH  RO + OH [4]

2ROOH ROO + RO + H2O [5]

RO + RH ROH + R [6]
HO + RH R + H2O [7]

Terminação R + R R R [8]
ROO + R R O O R [9]
ROO + ROO R O O R + O2 [10]

Figura 7.11. Mecanismo geral da degradação oxidativa. As reações específicas que cada tipo de polímero
sofre depende da natureza química do material, com seus grupos químicos característicos, além das
condições reacionais.

A iniciação ocorre quando a energia fornecida externamente (por temperatura, radiação, etc.)
supera a energia de dissociação das ligações químicas presentes na
molécula polimérica, seja na cadeia principal ou na cadeia lateral, gerando
os chamados radicais livres. Quando o oxigênio estiver presente, o que
Radicais livres são
os principais normalmente ocorre, este reage rapidamente com os radicais livres
elementos
degradativos (reação 2) pois ambos os componentes são altamente reativos. Formam-se

os radicais peróxido (ROO•) (reação 3) que, igualmente reativos, atacam


outras moléculas poliméricas (reação 4) e formam novos radicais livres e os

279
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

chamados hidroperóxidos. Estes são compostos não radicalares mas contém ligações peróxido (O–O),
que são extremamente instáveis e, certamente, se decompõem nas condições de exposição em que a

degradação foi iniciada (reações 4-5). Radicais peróxi e alcoxi (ROO• e RO•) são formados, gerando
outros ataques degradativos (reações 6-7). Finalmente, quando radicais livres se encontram, tem-se as
reações de terminação (8-10) que, conceitualmente, significa a eliminação do centro ativo. No entanto,
observa-se que as reações de terminação 9 e 10 formaram grupos peróxido, que são pouco estáveis e,
certamente, darão início a novas reações de iniciação. Algumas observações abaixo sobre o mecanismo
descrito são relevantes:

(a) a iniciação ocorre preferencialmente em pontos mais fracos da cadeia, que podem ser nas ligações
químicas normais (das unidades repetitivas) ou em qualquer outro tipo de ligação, incluindo
defeitos de polimerização, extremidades da cadeia ou mesmo em impurezas e aditivos presentes.
Um resíduo de polimerização, um contaminante de processamento ou moléculas de pigmento, por
exemplo, podem ser o local de iniciação. Uma vez iniciada, os radicais livres gerados atacam as
moléculas poliméricas, mesmo que a iniciação não tenha ocorrido nelas;
(b) pode haver reações de reacoplamento dos radicais livres, um fenômeno chamado de “efeito
gaiola”. Na ausência de oxigênio, esse efeito é mais significativo;
(c) em produtos sólidos, ocorre uma grande diferença na extensão da degradação química na
superfície em comparação com o interior. Isso é resultado de uma concentração muito maior de
oxigênio nas camadas superficiais. Assim, uma região altamente degradada pode ser formada na
superfície, e o interior do produto degradas menos ou até permanecer intacto. A imagem abaixo
(elaborada pelo autor) ilustra esquematicamente essa diferença;

280
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

(d) a presença de íons metálicos, provenientes de cargas e outros aditivos, resíduos de polimerização
ou o próprio substrato (como fios de cobre), catalisam as reações degradativas, sendo um problema
adicional que deve ser considerado;
(e) o mecanismo descrito nas reações da Figura 7.11 é uma versão simplificada para o entendimento
geral do processo degradativo, mas cada tipo de polímero possui suas reações específicas que
ocorrem durante uma exposição térmica ou fotoquímica. Por exemplo, o polietileno forma grupos
vinil e carbonil, enquanto o PET forma ácidos carboxílicos. As reações que levam à cisão da cadeia
principal também são específicas para cada tipo de polímero e tudo isso está fartamente
documentado na literatura científica.

A degradação causa cisões moleculares, formação de grupos químicos (como carbonilas e


hidroperóxidos) e, em algumas situações, reticulações. As principais consequências da degradação são:
perda nas propriedades mecânicas, alteração
nas características superficiais como brilho, cor,
formação de fissuras, etc., alteração nas
propriedades elétricas e mudanças no
comportamento reológico. A imagem ao lado
(foto do autor) mostra um eletrodoméstico novo
em comparação com um outro, de mesma marca
e modelo, após alguns anos de uso. O estado de
deterioração superficial pode ser tão significativo que, mesmo mantendo a sua funcionalidade, o
produto pode ter a sua vida útil encurtada.

Com relação às suas influências principais, a degradação química oxidativa depende de uma série
de fatores, tais como:

(a) condições de exposição, como temperatura, intensidade de radiação ultravioleta, presença de íons
metálicos, umidade, poluentes, etc. Um produto exposto em ambiente tropical como no Brasil terá
uma degradação muito mais intensa quando comparado com uma exposição realizada em clima
temperado, como no Canadá;
(b) estrutura química do polímero. As maiores influências são a energia das ligações químicas na cadeia
polimérica, presença de pontos “frágeis” como ramificações, defeitos químicos e comonômeros. Por
exemplo, o polipropileno é muito mais degradável do que o polietileno de alta densidade pois a
presença de carbonos terciários no PP reduz a intensidade das ligações C-H, ao contrário da simetria
energética que existe no PEAD. O PEBD, com suas ramificações, possui um certo número de carbonos

281
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

terciários e, como consequência, apresenta estabilidade intermediária entre o PEAD e o PP. A Figura
7.12 mostra a diferença de comportamento do PEAD e do PP, expostos ao intemperismo natural,
observando-se que, enquanto o PEAD manteve sua resistência mecânica por todo o período de
exposição, o PP, embora mais resistente inicialmente, apresentou redução significativa nessa
propriedade após algumas semanas;
(c) Estrutura física do polímero. A oxidação ocorre basicamente na fase amorfa e na superfície dos
cristalitos, uma vez que a difusão do oxigênio para o interior dos cristais é dificultada pelo elevado
empacotamento das moléculas. Assim, produtos mais cristalinos e mais orientados tendem a
apresentar menor extensão da degradação química. No entanto, o processo degradativo nos
polímeros semicristalinos apresentam grandes heterogeneidades, com inúmeras consequências para
as propriedades (Rabello and White 1997a) e, assim, essa relação não é tão direta quanto possa
parecer. A morfologia do material tem também uma grande influência no comportamento mecânico
dos polímeros semicristalinos degradados. A Figura 7.13(a) mostra que o polipropileno com
esferulitos grandes teve suas propriedades mecânicas deterioradas muito mais rapidamente do que
o mesmo material produzido com esferulitos menores, apesar dos primeiros terem apresentado
menor quantidade de degradação química Figura 7.13(b). A explicação para isso é que as cisões
moleculares que ocorrem nos contornos dos esferulitos são especialmente prejudiciais para o
comportamento mecânico devido à ruptura das cadeias atadoras. Como nos esferulitos maiores o
número de cadeias atadoras é bem menor do que nos esferulitos menores, o efeito de cisão dessas
cadeias é proporcionalmente mais significativo;
(d) Presença de aditivos e impurezas. Como comentado anteriormente, impurezas podem atuar como
promotores da degradação, assim
como determinados aditivos. As
imagens ao lado (fotos do autor)
mostram compósitos de PP com fibra
de madeira, antes e após exposição ao
intemperismo em laboratório. Note a
intensa deterioração superficial dos compósitos após a exposição, em que os inúmeros componentes
dessas cargas, como lignina, celulose e ceras naturais, podem atuar como iniciadores e promotores
da degradação da matriz. Por outro lado, existem os aditivos que atuam como retardantes da
degradação como determinados tipos de pigmentos e, principalmente os estabilizantes. Estes
últimos estão presentes na grande maioria das composições poliméricas e podem atuar por diversos
mecanimos: (i) reagindo com os radicais livres (antioxidantes primários), (ii) desativando os
hidroperóxidos (antioxidantes secundários) ou ainda (iii) neutralizando os íons metálicos presentes
(desativadores de metais) ou (iv) absorvendo radiação ultravioleta. Dada a instabilidade química das

282
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

moléculas poliméricas, a adição de estabilizantes é absolutamente essencial para conferir proteção


durante o processamento e/ou durante o uso de artefatos plásticos, sendo considerados como
aditivos obrigatórios;
(e) história. Como já mencionado, a degradabilidade de um material polimérico é muito dependente de
pontos frágeis presentes na cadeia. O que ocorreu durante a síntese, processamento ou uso anterior
terá como consequência a incorporação de determinados elementos que podem atuar como
promotores da degradação. Por exemplo, muitos sistemas catalíticos utilizam titânio que, na forma
iônica, catalisa a degradação do material. Como a purificação dos resíduos de síntese não é muito
viável economicamente, esses íons permanecem no material e, assim, terão forte influência na
cinética de degradação dos polímeros sintetizados com esse tipo de catalisador. De fato, a rota de
síntese mostrou ter forte influência na estabilidade térmica de polímeros (Tikuisis and Dang 1998).
Considere também um produto reprocessado – seja pela
reciclagem pós-consumo ou pela reciclagem industrial. A cada
(re)processamento ou pela própria história de utilização, novos
grupos sensíveis (como os hidroperóxidos) são gerados, que
tornarão o material mais susceptível aos efeitos degradativos. Por
essa razão é absolutamente essencial se fazer uma re-estabilização nos materiais reciclados para
torná-los minimamente viáveis tecnologicamente.

Figura 7.12. Efeito da exposição natural da resistência à tração do PP e do PEAD (Fechine, Santos, and
Rabello 2006). Os dois tipos de materiais foram expostos simultaneamente e com o mesmo padrão de
corpo de prova, permitindo uma comparação mais coerente dos efeitos ambientais.

283
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Figura 7.13. (a) Variação da resistência à tração em função do tempo de exposição à radiação ultravioleta
para o PP com dois diferentes tamanhos de esferulitos. (b) Para esses mesmos materiais, extensão da
degradação química, medida por espectroscopia de infravermelho. As amostras com os esferulitos
maiores são também as mais cristalinas (Rabello and White 1997b).

No desenvolvimento de formulações e produtos poliméricos adequados para as aplicações em


longo prazo – expostos à temperatura elevada e/ou às intempéries naturais – pode ser necessário
realizar estudos experimentais de exposição prévia desses
materiais. Isso normalmente é realizado com várias formulações
na busca pela otimização do tipo e concentração dos aditivos
estabilizantes. Quando a necessidade da aplicação requer
estabilidade térmica, essas exposições são realizadas em estufa
elétrica com circulação forçada de ar, garantindo uma maior uniformidade de temperatura em toda a
região interna do equipamento.

No caso da necessidade de avaliar a durabilidade quanto às intempéries, pode-se realizar


exposições naturais – em ambiente compatível com os
possíveis locais de utilização do produto – ou exposições
simuladas em câmaras de intemperismo artificial. Existem
empresas especializadas em fazer exposições naturais e a
mais conhecida (veja aqui) tem
campos de exposição em vários
locais do mundo, sendo os da
Flórida (representando ambiente quente e úmido) e o do Arizona
(ambiente quente e seco) os mais requisitados. Para a avaliação da
degradação por procedimento simulado, as câmaras têm a grande
vantagem de se poder repetir exposições em condições reprodutíveis, o
que é impossível no ambiente natural. Nas câmeras se pode controlar as
284
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

condições de exposição, como temperatura, intensidade de radiação ultravioleta, presença de umidade


e poluentes, ciclos, etc. Assim, a degradação pode ser acelerada em
relação à exposição natural, encurtando o período de desenvolvimento e
avaliação do produto. A grande questão que se discute bastante é o nível
Correlação entre
envelhecimento de correlação (ou fator de aceleração) entre os dois tipos de exposição. Os
natural e artificial é
assunto estudos comparativos mostram que um fator de aceleração universal –
controverso! válido para todos os materiais e todos os critérios de avaliação – é muito
difícil de ser determinado, mas que as melhores formulações deduzidas
de uma exposição artificial parecem valer também para as exposições
naturais (White and Turnbull 1994; Espi et al. 2007; Fechine, Santos, and Rabello 2006).

7.5.4. Agentes químicos

A presença de agentes químicos em contato com um produto polimérico durante a sua aplicação
também pode alterar o comportamento do mesmo. Os casos da hidrólise e da degradação oxidativa
mostram as grandes consequências que essas reações químicas que podem causar, a depender do
material e das condições de exposição. Quando substâncias líquidas (simplificando aqui para
“solventes”) entram em contato com produtos plásticos as várias possibilidades de interação estão
resumidas na imagem a seguir:

285
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Partindo do questionamento mais clássico – dissolve ou não dissolve? – vale o princípio da físico-
química, em que a dissolução ocorre quando existe uma boa interação entre os componentes, com certa
similaridade de forças intermoleculares. Um solvente polar não dissolve um polímero apolar, por
exemplo, e o resultado é a inércia química. Caso haja boa interação entre os componentes, poderá haver
a solubilização (ou plastificação, que é um caso especial de solubilização), com uma etapa intermediária
de inchamento. Conhecer os agentes químicos que provocam solubilização (e outros efeitos) é um dos
requisitos importantes na seleção do material.

Diversas tabelas de resistência química são disponibilizadas na internet indicando os efeitos


esperados de interação polímero-solvente. Observe nesta tabela como a resistência química
varia conforme a natureza do polímero. Por exemplo, o PTFE mostra-se como um polímero
extremamente resistente quimicamente, sendo inerte em relação a todos os solventes indicados. Por
outro lado, o policarbonato, que é um dos polímeros comerciais mais completos em termos de
propriedades, apresenta limitada resistência química a muitos solventes usuais como etanol e acetona.

Situações especiais acontecem quando o agente ataca quimicamente as moléculas poliméricas


(a hidrólise é um exemplo) ou quando ocorre o chamado stress cracking (ESC, de enviromental stress
cracking). Em ambos os casos, ataque químico ou stress cracking,
efeitos extremamente prejudiciais podem ocorrer, encurtando a vida
útil dos produtos. O ataque químico não é de ocorrência muito
comum (exceto a hidrólise), mas os seus efeitos bastante
devastadores, como no ataque de poliamidas por soluções
concentradas de ácido sulfúrico ou do PET por soluções aquosas de
hidróxido de sódio. Além de deterioração superficial, como na
imagem ao lado para o caso do PE em contato com ácido crômico
(Scheirs 2000), o ataque químico provoca redução na massa molar,
com grandes consequências para as propriedades mecânicas, como
no exemplo da Figura 7.14 para a resistência à fadiga do poliacetal em contato com soluções de ácido
clorídrico. Observa-se que o aumento da concentração de HCl reduziu essa propriedade em várias ordens
de grandeza.

286
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Figura 7.14. Efeito da concentração de ácido clorídrico na resistência à fadiga do poliacetal, testado em
ciclos com tensão máxima de 35MPa (Scheirs 2000). Neste tipo de teste, o corpo de prova é submetido
a ensaios cíclicos de tensão e determina-se o número de ciclos até a falha catastrófica. O ensaio é,
geralmente, de longa duração e de grande importância prática pois muitos produtos são submetidos a
esse tipo de situação como, por exemplo, engrenagens, eixos de motores, etc. Nos dados acima, note
que a resistência à fadiga do poliacetal foi reduzida de ~1.000.000 ciclos para menos de 1.000 ciclos em
presença de HCl.

O efeito ambiental mais frequente, que corresponde a cerca de 25% de todas as falhas dos
materiais poliméricos em serviço, é o stress cracking. Esse tipo de fenômeno é de natureza apenas física,
i.e., não envolve reações químicas, e ocorre quando se tem a combinação de um agente químico
agressivo simultaneamente com a aplicação de tensão mecânica, conforme as etapas mostradas na
Figura 7.15.

Figura 7.15. Estágios de desenvolvimento de fissuras e trincas por stress cracking (Jansen 2004).

287
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

A tensão pode ser exercida externamente ou mesmo na forma de tensões de moldagem – o que
torna o problema ainda mais difícil de ser contornado. Não é todo agente químico que é causador do
ESC, sendo preciso possuir alguma afinidade com a estrutura molecular do polímero, com interação
intermediária entre a inércia total e a solubilização. O agente químico consegue atuar pontualmente,
nos locais em que existe alta concentração de tensão, provocando um tipo de plastificação localizada,
que resulta no desenvolvimento de crazes e, eventualmente, trincas. A Tabela 7.5 mostra alguns
exemplos de combinação polímero-fluido que resulta em ESC. Como se trata de um fenômeno que é
consequência da interação entre moléculas, um agente de stress cracking para um determinado
polímero pode ser totalmente inerte, ou ser solvente, para outro tipo de polímero. Observe nesta tabela
que muitos agentes causadores de stress cracking, são fluidos corriqueiros, como etanol e até alimentos.
Esse tipo de informação é essencial na escolha do material para, por exemplo, embalagens diversas e
peças em contato com agentes lubrificantes ou fluidos de refrigeração.

Tabela 7.5. Exemplos de combinações que causam stress cracking em alguns polímeros. Dados de fontes
diversas. Todos esses agentes exemplificados são fluidos comuns que podem perfeitamente manter
contato com produtos fabricados com esses polímeros. Caso o produto esteja sob tensão (inclusive tensão
de moldagem), a falha por stress cracking pode ocorrer.

Polímero Agente químico Observação

Fluido de limpeza de Um exemplo em que a falta de informação por parte


Policarbonato
vidros do consumidor pode ser prejudicial
Tratamento térmico de recozimento pode resolver o
PMMA e SAN Tintas para serigrafia
problema para o caso de tensões de moldagem
O vinagre é utilizado para “mapear” os locais de
ABS Vinagre
concentração de tensão em capacetes de ABS
Esse problema na indústria alimentícia pode ser
PS e HIPS Manteiga e sorvete resolvido com laminados de poliestireno com PEBD,
com este último funcionando como barreira
Nem os mais completos plásticos de engenharia
Polisulfona Gasolina
estão livres do problema
Peças de PC em contato com PVC plastificado podem
Policarbonato Plastificantes ftálicos sofrer ESC pela migração do plastificante presente
no PVC
Um dos mais importantes critérios de controle de
Polietileno Fertilizantes
qualidade de PEAD soprado é a resistência ao ESC
Além de agente de limpeza, o
etanol está presente em bebidas
PMMA Etanol alcoólicas, não podendo ser
utilizadas em copos e
embalagens de acrílico

288
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

O resultado visível do stress cracking é a formação de fissuras superficiais que, além de


prejudicar a aparência do produto, funcionam como concentradores de tensão e, eventualmente, levam
à fratura catastrófica. A Figura 7.16 mostra o caso do poliestireno em
contato com o butanol, com muitas fissuras formadas na superfície e uma
redução considerável na sua resistência mecânica e no alongamento. Existe
Fissuras, trincas e
uma condição crítica de tensão (e deformação) para o ESC se manifestar, fratura!
que depende também da escala de tempo em que ocorre. Um fluido menos
agressivo pode causar stress cracking se o tempo de contato for
suficientemente longo, mesmo se a tensão for muito baixa. Por exemplo,
no caso do PMMA em contato com a umidade atmosférica, fissuras começam a aparecer apenas após
alguns anos sob ação de tensões, que podem ser tensões internas.

Figura 7.16. Fissuramento superficial do poliestireno em contato com o butanol durante ensaio mecânico,
cujas curvas tensão-deformação estão mostradas ao lado (Sousa et al. 2006).

Um outro exemplo é mostrado ao lado (Braz, Wellen, and Rabello 2017), em que corpos de prova
de policarbonato foram submetidos a 3 diferentes forças
sob contato com o etanol: 600N (amostra a), 1200N
(amostra b) e 1800N (amostra c). A diferença de efeitos
observados com o valor da força aplicada é notória,
indicando a forte dependência do stress cracking com a
condição de tensionamento.

289
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

É possível que o stress cracking ocorra simultaneamente com ataque químico, como se verificou
em estudos do PET com soluções aquosas de hidróxido de sódio (Figura
7.17). Além do intenso fissuramento superficial, a massa molar foi
significativamente reduzida, mesmo após o curto tempo de contato
Stress cracking
+ durante os experimentos. Evidentemente, esse tipo de ocorrência
ataque químico
potencializa os efeitos pois, além da presença das trincas
concentradoras de tensão, causadas pelo ESC, a redução da massa
molar, devido ao ataque químico, contribui ainda mais para a
depreciação nas propriedades mecânicas desse material.

45000
40000
35000
Mw (g/mol)

30000
25000
20000
15000
10000
PET puro NaOH 1M NaOH 3M

Figura 7.17. Efeito da presença de soluções aquosas de hidróxido de sódio e tensão mecânica no
fissuramento superficial e massa molar do PET (Teofilo et al. 2009).

Apesar de toda as consequências negativas do ESC para a performance de produtos plásticos,


esse tema é pouco investigado na literatura especializada, com poucos artigos publicados anualmente.
Um livro que revisa o tema, compilando teorias, dados experimentais e procedimentos de teste foi
publicado há vários anos (Wright 1996) e ainda é uma das mais importantes referências nessa área.
Infelizmente não existem aditivos nem soluções simples que possam contornar o problema, mas
algumas medidas podem ser adotadas para minimizar as chances de falha:

• seleção adequada do polímero, em vista da possibilidade de contato com agentes químicos


agressivos;
• utilização de grades de alta massa molar e baixa polidispersidade;
• evitar a utilização de aditivos concentradores de tensões;

290
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

• minimizar as tensões de moldagem, pelo projeto adequado de produto e de molde, pelas condições
de processamento ou por procedimentos de recozimento pós-moldagem;
• evitar elementos concentradores de tensão no produto, como cantos vivos, variações bruscas de
espessura, insertos, etc.

7.6. Aditivos presentes

O uso de aditivos para o ajuste das propriedades dos polímeros é considerado como a alternativa
mais rápida, fácil, versátil e econômica quando comparado com a síntese de novos polímeros ou mesmo
com a copolimerização. Pode-se considerar que praticamente nenhum produto polimérico seja
comercializado sem a presença de aditivos e, assim, esse tema é de grande importância técnica,
mercadológica e econômica para a área. Os aditivos são adicionados com três objetivos principais: (i)
proteger o material, seja durante o processamento ou ao longo de sua vida útil; (ii) melhorar o
processamento e/ou (iii) modificar as suas propriedades.

A escolha do tipo e da concentração do aditivo a ser adicionado deve ser feita de forma bastante
criteriosa e com estudos experimentais de desenvolvimento de formulações, uma vez que não existem
receitas prontas que sejam apropriadas para todos os casos. Além disso, podem ocorrer efeitos
antagônicos e sinérgicos entre aditivos diferentes. Por exemplo, a ação de um foto estabilizante pode
ser inibida pela presença de determinados pigmentos ou cargas minerais; um plastificante pode
interferir quimicamente na ação de um retardante de chama.

Quem utiliza aditivos deve ter sempre em mente o gráfico esquemático da Figura 7.18. Seja qual
a for a propriedade de interesse, a tendência geral é que haja um ganho até um certo limite onde, a
partir dele, o benefício seja desprezível ou, pior, haja um decréscimo no desempenho. Utilizar um teor
de aditivo acima do limiar indicado não faz sentido pois representaria um custo desnecessário e, além
disso, aumenta-se as chances de interferência em outras propriedades ou em outros tipos de aditivos.
Na verdade, o objetivo talvez nem seja o que atingir o teor limiar e sim de
alcançar a propriedade desejada – que pode ser de um valor menor do que o
máximo. Apenas testando as composições pode-se conhecer o real
comportamento do material aditivado, fazendo-se as escolhas mais racionais,
técnicas e econômicas. Existem empresas especializadas em preparar
composições já prontas, contendo pacotes de aditivos, recomendadas para
determinados campos de aplicação.
291
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Teor limiar

não há efeito adicional


Propriedade do polímero

Efeito efeito contrário


crescente ao esperado

Teor de aditivo

Figura 7.18. Representação esquemática das possibilidades de efeitos de aditivos nas propriedades de
um polímero (Rabello and de Paoli 2013). A não ser nos casos em que se adiciona aditivos para reduzir
custos (como cargas minerais), a tendência é que a adição do aditivo resulta em melhoria das
propriedades de controle. Existe uma tendência de o comportamento geral ser como indicado no gráfico
acima. Conhecer esse tipo de comportamento para combinações específicas é a essência da aditivação
otimizada e racional.

Faremos a seguir uma breve descrição dos principais tipos de aditivos utilizados em polímeros e
suas funções. Como o assunto é bastante vasto e transcende os objetivos deste livro., recomenda-se aos
leitores a busca pela literatura mais especializada (Rabello and de Paoli 2013; Zweifel 2001).
Recomendamos também este site, que possui um vasto acervo de informações técnicas e
detalhes de produtos comerciais.

Estabilizantes. São aditivos considerados obrigatórios, que atuam na proteção das moléculas, evitando
(ou retardando) os efeitos degradativos (ver seção 7.5.3). Os principais são os antioxidantes primários e
secundários, que, respectivamente reagem com os radicais livres e desativam os hidroperóxidos.
Estabilizantes como os desativadores de metais, os foto-estabilizantes e os estabilizantes térmicos para
o PVC também são muito importantes mercadologicamente. A maioria dos grades de polímeros são
comercializados pelas petroquímicas já contendo antioxidantes primários e secundários, que visam dar
estabilidade durante a armazenagem da matéria-prima e durante o processamento. Caso o produto seja
utilizado por longos períodos em temperaturas elevadas ou em ambientes externos, dosagem adicional
de antioxidantes e adição de foto-estabilizantes poderá ser necessária. O PVC, que possui uma química
de degradação completamente diferente dos outros tipos de polímeros, requer uma classe especial de
estabilizantes térmicos.

292
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Plastificantes. São utilizados para aumentar a flexibilidade do material, em uma atuação semelhante a
de um solvente comum, com a incorporação em temperaturas elevadas, durante o processamento. As
moléculas de plastificante neutralizam as forças intermoleculares do polímero, aumentando o
espaçamento entre as cadeias, com consequente redução na temperatura de transição vítrea. São
utilizados principalmente para o PVC, mas alguns outros polímeros, como poliamidas e poli(ácido lático),
também podem receber esse tipo de aditivo. As propriedades mecânicas do material plastificado são
radicalmente modificadas, com redução no módulo elástico, na resistência
à tração e na dureza, e aumento no alongamento. O uso de plastificantes
requer uma condição especial de mistura, envolvendo equipamentos como
o dry-blend. O PVC plastificado tem uma ampla gama de aplicações,
incluindo calçados, mangueiras, recobrimento de fios e cabos, filmes,
bolsas para uso hospitalar, etc.

Lubrificantes. Uma das grandes questões relacionadas com a seleção dos grades de polímeros é o dilema
de opção entre a facilidade de processamento e o bom balanço de propriedades mecânicas. No caso da
injeção, um alto índice de fluidez (baixa massa molar) é muitas vezes necessário para o correto
preenchimento das cavidades na escala de tempo para uma produção adequada. Ao selecionar um tipo
de baixa fluidez e aumentar a temperatura de injeção para reduzir a viscosidade, tem-se o risco de
provocar degradação das cadeias. O uso de lubrificantes é uma alternativa viável pois é possível, dentro
de certos limites, reduzir a viscosidade sem sacrificar a alta massa molar e sem a necessidade de
aumentar a temperatura de processamento. Por outro lado, o excesso de dosagem deste tipo de aditivo
pode causar outros problemas, como a redução da taxa de cisalhamento (que é necessário para a correta
ação de mistura) e a obtenção de superfícies oleosas. A ação dos lubrificantes ocorre basicamente de
duas formas: (i) reduzindo a fricção entre as cadeias do polímero, o que se denomina “lubrificação
interna” ou (ii) reduzindo o atrito entre a massa
polimérica e a máquina de processamento,
denominada “lubrificação externa”. A figura ao
lado ilustra essas duas possibilidades. Como os
dois efeitos são importantes, é comum se
utilizar uma mistura de dois tipos de
lubrificantes. Em geral, as petroquímicas fornecem os grades previamente aditivados com lubrificantes,
mas uma dosagem adicional pode ser necessária para atender necessidades mais específicas.

293
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Antiestáticos. O fato de os materiais plásticos serem isolantes elétricos resulta em alguns problemas de
eletricidade estática, o que pode causar acúmulo de poeira em componentes, danos eletrostáticos,
aderência em filmes e geração de faísca com risco de explosão. Os antiestáticos são aditivos, com seus
elementos hidrofílicos e hidrofóbicos, que migram para a superfície e absorvem a umidade do ambiente,
criando uma fina camada de água
que dissipa a carga elétrica estática,
conforme imagem ao lado. Eles
podem também interferir no
processamento de modo
semelhante a um lubrificante
externo e, portanto, devem ser utilizados com concentração bastante controlada. Cargas condutoras,
como o negro de fumo e pós metálicos, também têm ação antiestática, mas por um mecanismo
diferente, que seria a geração de caminhos internos de condução.

Anti-chamas. A alta inflamabilidade da maioria dos plásticos, dificulta a seleção em determinados


aplicações que, por norma, precisam ter características auto-
extinguíveis. Por exemplo, produtos utilizados nas indústrias de
eletroeletrônicos, química, construção civil e automobilística,
se tiverem contato com o fogo ou desenvolveram auto-ignição,
representam riscos reais. Para essas e outras situações
definidas em normas e leis, os polímeros precisam conter os
aditivos anti-chama se eles não forem intrinsicamente auto-extinguíveis3. Os retardantes de chama
podem atuar por diferentes mecanismos, como, por exemplo, a alumina tri-hidratada que absorve o
calor do ambiente por reações endotérmicas e, na decomposição, liberam moléculas de água, além de
formarem uma camada protetora. Outros aditivos, como os compostos clorados e bromados interferem
quimicamente nas reações de combustão. Os anti-chama são adicionados em teores relativamente
elevados (até 20% em peso) e, devido a isso, influenciam também nas propriedades físicas e mecânicas
do polímero.

3
O PVC, as resinas fenólicas e o poli(tetrafluoretileno) são exemplos de materiais intrinsicamente retardantes de
chama e podem atender às normas de segurança sem o uso dos aditivos anti-chama.
294
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Pigmentos. Os pigmentos são, certamente, um dos aditivos mais desafiadores para a indústria plástica.
A tonalidade de cor é uma questão estética por demais importante
e o nível de exigência por parte do controle de qualidade pode ser
bastante elevado, a depender do tipo de indústria e do valor
agregado do produto. O princípio básico da coloração é a absorção
(e reflexão) seletiva da luz visível pelos grupos químicos presentes
no material. Em função da estrutura química da molécula do
pigmento uma determinada tonalidade de cor será conferida ao produto. Os fabricantes de pigmentos
comercializam diversos grades, com coloração pré definida, mas a indústria de transformação ou de
desenvolvimento pode combinar pigmentos para alcançar tonalidades não oferecidas pelos fabricantes.
Para isso se faz uso de softwares especiais e colorímetros, além da valiosa colaboração de coloristas –
os especialistas em cor. Dependendo da interação entre esse aditivo e o polímero, os pigmentos podem
ser solúveis ou insolúveis, gerando produtos translúcidos ou opacos, respectivamente. Problemas
surgem na indústria quando os pigmentos têm suas estruturas químicas ligeiramente alteradas pelo
processamento, provocando um deslocamento na tonalidade da cor. Essa alteração também pode ser
causada pelas intempéries, especialmente a radiação ultravioleta. Os pigmentos também podem ter
outras funções quando adicionados aos polímeros, tais como: ação nucleante, foto estabilizante, conferir
textura, funcionar como sensor térmico ou fotoquímico, etc.

Agentes nucleantes. Já descritos na seção 5.2, os nucleantes heterogêneos aceleram a velocidade de


nucleação de polímeros cristalizáveis, com três principais consequências: (i) redução no tempo de ciclo
de processamento, aumento da produtividade industrial; (ii) aumento na transparência, devido ao
menor tamanho de cristalitos e esferulitos formados; (iii) melhores propriedades mecânicas devido ao
maior número de cadeias atadoras nas regiões inter-esferulíticas.

Modificadores de impacto. Também descritos anteriormente (seção 6.1.3), os modificadores de


impacto são borrachas, imiscíveis com o polímero matriz, que atuam
como concentradores de tensão, potencializando os mecanismos de
deformação. Polímeros tenacificados mantém o módulo elástico
relativamente elevado por formarem uma mistura imiscível e
apresentam alguma perda na resistência tênsil mas ganhos acentuados
na tenacidade. Muitos polímeros comerciais recebem esse tipo de
aditivo, como o poliestireno, poliamidas, PET, poliacetal, polipropileno, etc.

295
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Agentes de expansão. São aditivos que alteram radicalmente as características dos materiais plásticos,
com a geração de uma estrutura celular. Isso é conseguido basicamente com dois tipos de aditivos: (i) o
agente físico de expansão, que é adicionado durante o processamento e volatiliza em alguma fase do
processo ou (ii) o agente químico de expansão, que se decompõe durante o processamento gerando
produtos voláteis que expandem a massa polimérica. A estrutura resultante pode ser de célula aberta
ou fechada e apresentam vantagens como
leveza, isolamento térmico e acústico, além de
economia de material. As imagens ao lado
mostram espumas de EVA obtidas por
compressão (Alpire et al. 2013). Praticamente
qualquer tipo de material – termoplástico,
termofixo ou elastômero – pode ser obtido na
forma expandida e tecnologias específicas foram desenvolvidas para potencializar esse tipo de
produção, como injeção a gás, extrusão de filmes expandidos, aplicação de espuma de
poliuretano, produção do poliestireno expandido, etc. Em alguns casos, como no uso de
baixas concentrações de agentes químicos de expansão, os equipamentos convencionais
de processamento podem ser utilizados.

Cargas de enchimento e fibras de reforço. As pás eólicas da imagem ao lado são fabricadas com
materiais compósitos, aliando vantagens como facilidade de
fabricação, leveza e elevado desempenho mecânico. Essa classe
de materiais denominada de “compósito” refere-se a uma
estrutura interna heterofásica, formado por uma fase contínua
(matriz polimérica) e partículas dispersas na forma de cargas
particuladas ou fibras, sendo um dos mais importantes
procedimentos de aditivação de polímeros. Basicamente são três os tipos de cargas, classificadas
conforme os objetivos: (i) cargas de enchimento, com redução no custo final do produto, mas melhoria
em algumas propriedades, como módulo elástico e temperatura de distorção (HDT); (ii) cargas de
reforço, principalmente na forma de fibras, em que a resistência tênsil é melhorada, além do aumento
no módulo e HDT; (iii) cargas funcionais, que alteram determinadas propriedades muito específicas,
como a condutividade térmica e elétrica, conferem textura, etc. Os compósitos podem ser materiais
bastantes nobres, de alto valor agregado e com propriedades que competem com materiais metálicos
em aplicações críticas como em componentes aeroespaciais, automotivos, elétricos, etc. Aspectos
importantes para o alcance de excelentes propriedades são a razão de aspecto (relação entre a maior e

296
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

a menor dimensão) da carga, sua orientação e, fator crucial, a adesão com a matriz polimérica. Na
imagem ao lado (Sawyer and Grubb 1996) tem-se a
superfície de fratura de um compósito com baixa adesão
interfacial (sem silano) e de um outro em que, após a
aplicação do agente de acoplamento silano, a adesão
entre as fases aumentou significativamente. As principais
cargas utilizadas comercialmente em polímeros são:
carbonato de cálcio, talco e microesferas de vidro, como
cargas particuladas, e fibras de vidro, de carbono e de
aramida. Mais recentemente, tem-se utilizado cargas que conferem texturas
especiais, resultando em plásticos que se assemelham a madeira, a pedra, o
mármore, etc., um tipo de desenvolvimento com grande apelo estético e, em
alguns casos, de importância ambiental e social.

7.7. Sumário dos fatores que afetam as propriedades dos polímeros

Embora seja muito difícil sumarizar em poucas palavras todos esses fatores aqui discutidos que
definem as propriedades dos polímeros, pode-se indicar algumas tendências mais frequentes na Tabela
7.6. Deve-se considerar que se trata apenas de um indicativo geral e que exceções podem ocorrer.
Considere, por exemplo, que exista a necessidade de se desenvolver um material com maior resistência
à tração através da modificação de um polímero já existente. Isso pode ser alcançado por uma maior
massa molar, maior cristalinidade ou pela adição de fibras de reforço. Esse benefício pode ocorrer às
custas da redução de algumas outras propriedades, como a tenacidade, por exemplo, ou por uma maior
dificuldade no processamento. Compete ao desenvolvedor encontrar um equilíbrio entre as várias
propriedades requeridas ao material final, considerando também as aplicações em potencial, custo e
aspectos mercadológicos, ambientais, etc. O mercado de materiais poliméricos oferece inúmeros
grades, dos mais diversos tipos de polímeros e copolímeros, alguns já previamente aditivados com fibras
de reforço, retardantes de chama ou modificadores de impacto. Para a seleção de um tipo “ideal”,
existem sistemas que facilitam a busca, como neste site, em que se pode filtrar por diversos
critérios, como propriedades mecânicas, reológicas, térmicas, elétricas, etc.

297
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Tabela 7.6. Tendência geral de alteração nas propriedades dos polímeros para as diversas influências
(elaborado pelo autor). O significado dos símbolos é autoexplicativo.

Resistência à Módulo de Viscosidade


Tenacidade HDT
tração elasticidade do melt
Maior massa
molar
Ramificações*

Reticulações**
Grupos
polares
Grupos
volumosos
Maior
cristalinidade
Orientação
molecular //
Orientação
molecular
Maior temp.
Não aplicável Não aplicável
de uso
Umidade***
Degradação
química
Stress cracking
Agentes
nucleantes
Modificadores
Variável
de impacto
Plastificantes
Cargas de
enchimento
Fibras de
reforço
(*) para o caso de polímero semicristalinos.
(**) para o caso de elastômeros.
(***) para o caso de polímeros higroscópicos.

298
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

PARA DISCUSSÃO

Como as propriedades dos polímeros dependem fortemente da temperatura de


uso e, no caso dos polímeros higroscópicos, também da umidade, as condições
ambientais exercem forte influência no desempenho dos produtos plásticos. Ou
seja, um mesmo produto pode ser rígido e frágil em determinado ambiente e
macio e tenaz em outra região do planeta (ou do país, ou do estado...).
Assim, temos uma dificuldade prática no projeto de componentes, o que implica
na seleção dos polímeros e aditivos e no dimensionamento do produto (dentre
muitas outras considerações, claro!).
A questão que se coloca é: como projetar componentes poliméricos que tenham
performance ideal tanto em locais quentes, frios, secos e úmidos?

Sugestões de atividades práticas

Teste simplificado de impacto e efeito da temperatura. Desenvolva um teste simplificado para aferir se
um determinado produto apresenta resistência ao impacto adequada. Esse teste pode ser do tipo
“aprovado” ou “não aprovado”, ou seja, se ele suportar um determinado esforço de impacto sem fratura
catastrófica ou sem trincas visíveis, está aprovado pelo controle de qualidade. Utilizando esse teste
desenvolvido, compare os resultados obtidos com um mesmo tipo de peça (ou corpo de prova) exposta
a três condições: (i) temperatura de um freezer (~-20°C), temperatura ambiente e temperatura de uma
estufa regulada em 60°C. Lembre-se de condicionar o material por algumas horas na temperatura
escolhida antes do teste de impacto, que deve ser realizado de modo bastante rápido para que a
temperatura da peça não mude significativamente. Avalie os resultados obtidos com diferentes tipos de
polímeros.

Efeito da umidade. Submeta peças ou corpos de prova de poliamida à imersão em água por alguns dias.
Após rápida secagem com papel toalha, realize teste mecânico e compare os resultados com o mesmo
tipo de amostra previamente seca em estufa por algumas horas a 60°C. Repita o procedimento com
amostras de PET e de polietileno e observe as diferenças.

299
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

Degradação química. Utilize uma estufa elétrica, preferencialmente com circulação forçada de ar, para
expor corpos de prova ou peças de PP utilizando uma temperatura de 100-120°C. Em intervalos de
exposição predeterminados, registre por fotografia as mudanças observadas, como formação de
fissuras, perda de brilho, alteração na cor, etc. A depender do nível de tensões de moldagem, pode haver
também empenamento da peça.

Stress cracking. Em peças de poliestireno (uma régua escolar, por exemplo) aplique um esforço de flexão
e, sob tensão, goteje etanol na superfície tensionada, observando o aparecimento de fissuras após
alguns segundos devido ao fenômeno de stress cracking. Repita o procedimento para alguns outros tipos
de fluidos, como água, detergente, etc. Se fizer esse experimento em corpos de prova, avalie o
comportamento mecânico do material antes e após o contato com os agentes agressivos.

Efeito de plastificantes. Compare as propriedades mecânicas (curva tensão-deformação e dureza, por


exemplo) de um cano convencional de água com uma mangueira de jardim, avaliando a influência da
presença de plastificantes na mangueira. Se certifique que ambos foram produzidos com o PVC através
de testes simplificados de identificação de polímeros (veja um procedimento aqui).

Expansão de PU. Em loja de material de construção, adquira um tubo de “espuma expansível” de


poliuretano. Aplique uma quantidade sobre uma superfície plana, observando a expansão progressiva
do material com o tempo. É possível filmar o processo e quantificar a expansão por medições de altura
da camada expandida em função do tempo. Repita o procedimento em um ambiente mais frio, como no
congelador de uma geladeira (após condicionar o produto por algumas horas nesse ambiente). Se
certifique de retirar todos os alimentos do congelador para evitar algum tipo de contaminação e só
recolocá-los depois de algumas horas do experimento.

Sugestões para estudo complementar

Campo, E.A. 2008. Selection of polymeric materials (William Andrew Inc.: Norwich).

De Paoli, M. A. 2009. Degradação e estabilização de pol¡meros (Artliber: SÆo Paulo).

Ehrenstein, G.W., and S. Pongratz. 2013. Resistance and Stability of Polymers (Hanser: Munich).

Osswald, T.A., E. Baur, S. Brinkmann, K. Oberbach, and I.E. Schmachtenberg. 2006. International Plastics
Hanbook (Hanser: Munich).

Rabello, M. S., and M. A. de Paoli. 2013. Aditivação de Termoplásticos (Artliber: São Paulo).

Wright, D. C. 1996. Environmental Stress Cracking of Plastics (Rapra: Shawbury).


300
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Referências

Alpire, M. C., J. B. Azevedo, R. F. S. Freitas, and M. S. Rabello. 2013. 'Heterogeneities and physical
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301
7 – Fatores que controlam as propriedades Marcelo Silveira Rabello

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Zweifel, H. 2001. Plastics Additives Handbook (Hanser: Munich).

302
Capítulo 8

Estudos de casos
Os conceitos e discussões desenvolvidas ao longo desse livro podem, e devem, ser utilizados
para entender com maior profundidade o comportamento de produtos à base de polímeros, propor
soluções e resolver problemas industriais. O conhecimento envolvendo o tema “estrutura e
propriedades de polímeros” é bastante amplo e possui diversas facetas, podendo ser de grande utilidade
prática para um profissional envolvido com materiais poliméricos.

O objetivo deste capítulo é apresentar alguns estudos de casos – situações práticas em que
soluções foram encontradas com base na teoria da ciência dos polímeros. Sim! O entendimento teórico
é essencial para prática! Os seguintes casos serão apresentados, com os respectivos autores:

- Como o polipropileno se tornou viável na fabricação de copos descartáveis, por Marcelo Rabello

- Investigação de peças falhadas. Protocolo e casos reais, por Ricardo Cuzziol

- Falha prematura de componente automotivo crítico, por Marcio Kobayashi

- Tensões de moldagem em produtos plásticos, por Julio Harada

- Avaliação do comportamento mecânico: corpo de prova ou produto?, por Ricardo Calumby

- Tanques “inquebráveis” de polietileno reticulado, por Marcelo Rabello


8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

8.1. Como o polipropileno se tornou viável na fabricação


de copos descartáveis
Por Marcelo Silveira Rabello

É notória a importância econômica de plásticos descartáveis, representando um setor que


movimenta globalmente quase US$11.000.000.000 anualmente e cresce mais de 4% ao ano.
Nesse tipo de aplicação, as principais propriedades requeridas ao produto são:

• Rigidez, para suportar o peso do seu conteúdo e do empilhamento sem deformação apreciável;
• Resistência mecânica, especialmente ao rasgamento;
• Resistência química ao conteúdo, incluindo resistência ao stress cracking;
• Boa performance tanto em baixas temperaturas (conteúdo gelado) quanto em temperaturas
elevadas (conteúdo quente, como café);
• Natureza não tóxica, já que o conteúdo é um produto alimentício;
• Baixo custo de matéria prima;
• Facilidade de fabricação, inclusive com parede fina;
• Reciclabilidade. Importante não apenas para os copos descartados, mas também para
reprocessamento das aparas oriundas do processo de fabricação.

Trata-se de um segmento de mercado em que o consumidor, em geral, busca baixo preço e


pouca atenção à “qualidade” do produto. Tradicionalmente, o material polimérico mais utilizado nesse
tipo de aplicação é o poliestireno de alto impacto (HIPS), que atende bem a maioria dos itens acima,

303
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

especialmente no que se refere à facilidade de fabricação pelo processo de termoformagem. No entanto,


apresenta alguma deficiência na resistência ao rasgamento e à temperaturas mais elevadas.

Na técnica de termoformagem se produz inicialmente uma chapa plana por extrusão e, em


seguida, a chapa é aquecida em temperatura abaixo da temperatura de fluxo (T f) e conformada contra
um molde fêmea com múltiplas
cavidades. Dessa forma, a
produtividade é altíssima, com
formação de (até) mais de 100
copos em poucos segundos.
Considerando o altíssimo custo das
instalações industriais de uma
fábrica dessa natureza, apenas uma produtividade desse patamar torna o produto viável
mercadologicamente. O HIPS é um polímero muito adequado para termoformagem pois o seu melt tem
uma boa resistência em temperaturas elevadas e, por ser amorfo, precisa apenas ser resfriado abaixo
da Tg do poliestireno. A baixa espessura de parede é um requisito importante, tanto para economia de
material quando pela maior eficiência de troca térmica durante o resfriamento.

A exclusividade do HIPS na indústria de descartáveis, não poderia ser eterna. Petroquímicas


concorrentes vislumbraram nesse vasto mercado boas oportunidades de negócios e, assim, buscaram
alternativas ao HIPS. A princípio, pode-se considerar as seguintes possibilidades de substituição:

PEAD. Trata-se de um commodity de baixo custo, não tóxico e amplamente disponível. No entanto, o
módulo elástico é mais baixo do que o do HIPS e, como consequência, iria necessitar maior espessura de
parede para manter a “firmeza” do produto, com maior custo de matéria prima e menor produtividade.

PVC. O material poderia atender bem a maioria os requisitos, mas está envolvido em algumas polêmicas
no que se refere à toxicidade e impacto ambiental. Dificilmente seria um consenso para esse tipo de
aplicação.

PET. Com o amplo uso em garrafas, o PET tornou-se um material de custo mais baixo do que era no
passado, tornando-se competitivo com os commodities, apesar de ser
considerado um plástico de engenharia. Poderia atender bem para o
caso de descartáveis, mas, para maximizar a produtividade, precisaria
ser produzido no estado amorfo, podendo cristalizar durante o uso
(cristalização a frio) com conteúdos quentes. Apesar disso, o PET é
utilizado em alguns países na fabricação de descartáveis diversos. No
Brasil é mais empregado em copos diferenciados, moldados por injeção com parede mais espessa, e para
ocasiões especiais, como na imagem acima.
304
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Poli(ácido lático) – PLA. Por se tratar de um polímero biodegradável, possui um grande apelo ambiental
e, devido a isso, é utilizado por algumas marcas de fast food e cafeterias diferenciadas, em que o produto
vendido ao consumidor possui elevado valor agregado. Se for produzido com estrutura semicristalina,
suporta temperaturas elevadas do conteúdo (veja matéria aqui). Devido ao elevado custo da
matéria prima, não compete com o poliestireno e tem pouco uso no Brasil.

Polipropileno. O PP atende bem a praticamente todos os critérios considerados, exceto a facilidade de


fabricação. Por ter velocidade de cristalização relativamente baixa, duas consequências poderiam advir:
(i) o produto teria uma baixa cristalinidade e, assim, baixo módulo elástico – recaindo no mesmo
problema mencionado para o polietileno e/ou (ii) a produtividade ficaria muito limitada pela etapa de
solidificação durante a conformação, comprometendo a competitividade industrial em relação ao HIPS.
Esses entraves foram superados com o uso de agentes nucleantes, que
aceleram a cristalização do PP (ver seção 5.2 deste livro). Como efeitos
adicionais e, importantes para esse tipo de aplicação, o PP com agente
nucleante teria também maior módulo elástico (consequência de uma
maior cristalinidade), melhor comportamento mecânico (por ter esferulitos
menores) e maior transparência (também por ter cristalitos menores). A
alta transparência do produto final representa um grande diferencial uma
vez que possibilita um apelo visual na exposição do produto ao consumidor,
como na imagem acima.

Considerando o uso com produtos gelados, o PP copolímero seria mais apropriado do que o
homopolímero por ter uma temperatura vítrea mais baixa (ver seção 4.2.2 deste livro), garantindo uma
maior ductilidade e resistência ao rasgamento durante o uso.

O esquema a seguir mostra o resumo dos fatores envolvidos nessa substituição, com a
desvantagem inicial do PP e a solução alcançada com o agente nucleante. Segundo este estudo,
o uso de agentes nucleantes corretos pode aumentar a produtividade no processo de
termoformagem em até 25%

305
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Não identificamos trabalhos técnicos ou científicos que fundamentasse a substituição do HIPS


pelo PP em copos descartáveis. No entanto, o segmento de embalagens industriais de laticínios, água
mineral, etc., pode ser considerado como bastante correlato. Neste artigo, os autores fazem um
comparativo entre os dois tipos de polímeros para uso em embalagens de iogurte e alguns dados
levantados estão sumarizados na Tabela 8.1. O PP é superior ao HIPS no aspecto mecânico e como
barreira a gases, propriedade importante nesse tipo de segmento. Por outro lado, a embalagem de PP,
apesar de sua menor densidade, é mais pesada do que a de HIPS, o que impactaria no consumo de
material e consequente custo de fabricação. Os autores do artigo, no entanto, consideraram que, por
ter uma maior resistência mecânica, a embalagem de PP poderia ter a sua espessura reduzida em, pelo
menos, 10%, reduzindo assim a massa do produto, tornando-a menor do que a do HIPS.

Tabela 8.1. Dados experimentais de potes plásticos utilizados em iogurte (Aggarwal and Langowski 2020).
HIPSa PP
Força de compressão (N)b 131 174
Permeabilidade a oxigênio (cm3/(m2.d.bar) 13,95 3,55
Massa do polímero na embalagem (g) 3,28 3,48
Densidade do polímero (g/cm3) 1,05 0,91
(a) Os autores não explicitam se utilizaram o HIPS ou o PS homopolímero. Como nesse segmento apenas o HIPS é empregado,
assumimos se tratar deste material.
(b) Avaliada pela norma DIN 55440-1, representando a força máxima que uma embalagem pode suportar sem sofrer colapso.

A substituição pura e simples de um material por outro em uma fábrica já operando com o HIPS
pode não ser um procedimento trivial, por vários motivos:

(a) A indústria produtora possui capacidade instalada para o HIPS, com equipamentos que, em geral,
são otimizados para determinados tipos de polímeros. A substituição iria implicar em substituição
do maquinário ou, no mínimo, a sua adaptação para processar o PP;
(b) O uso do PP como matéria prima básica pode requerer da petroquímica fornecedora o
desenvolvimento de um grade específico para a aplicação, inclusive com a adição otimizada do
agente nucleante. Além do tempo de desenvolvimento, pode haver certo problema de
disponibilidade enquanto muitas indústrias não utilizam esse grade;
(c) A indústria produtora possui um domínio de conhecimentos com o material utilizado. Otimização
de processo, resolução de problemas de produção e controle de qualidade fazem parte desse
conhecimento. A substituição do material precisa envolver novos treinamentos para a equipe de
colaboradores e tempo para adquirir experiência consolidada com o material substituto;

306
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

(d) No aspecto mercadológico, a indústria (produtora e/ou petroquímica) precisa interagir com
representantes comerciais e lojistas para discutir a substituição do material de fabricação.
Invariavelmente, contratam consultorias e pesquisas de mercado para avaliar a receptividade por
parte do consumidor final.

Concluindo...

O uso do polipropileno copolímero em copinhos e demais produtos descartáveis tornou-se viável


como alternativa ao HIPS não apenas por suas características intrínsecas, mas também pela maior
produtividade e pelo incremento de propriedades ao incorporar agentes nucleantes. O HIPS continua
sendo utilizado, tonando a competição mercadológica bastante acirrada, o que beneficia o consumidor
final.

Por fim, note que esse estudo de caso aplica diversos conhecimentos adquiridos ao longo deste
livro, especialmente envolvendo cristalização, estrutura física e propriedades finais do produto.

Referência

Aggarwal, Ankit, and Horst-Christian Langowski. 2020. 'Packaging Functions and Their Role in Technical
Development of Food Packaging Systems: Functional Equivalence in Yoghurt Packaging',
Procedia CIRP, 90: 405-10.

307
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

8.2. Investigação de peças falhadas. Protocolo e casos


reais
Por Ricardo V. Cuzziol de Carvalho, Me. Eng.

ricardocuzziol@me.com

Introdução

A investigação de peças falhadas (sejam elas plásticas ou não) é um dos desafios mais complexos
que um profissional pode enfrentar, pois pode envolver muitos aspectos da fabricação e uso do produto
e requerer uma equipe robusta e multidisciplinar para avaliar todos os ângulos possíveis do problema.
Apesar dessa complexidade, é muito comum os investigadores adotarem soluções “padrão” ou
solicitarem uma lista considerável de análises laboratoriais. Ainda que, em certos casos, a solução possa
sim ser bastante direta e até simples e que em outros, análises laboratoriais sejam fundamentais, sem
uma investigação apropriada e sistemática corre-se o risco de implementar ações:

1 – Que não sejam 100 % efetivas e incorram em reincidência do problema no futuro;

2 – Que sejam apenas paliativos e que incorram na geração de outros problemas, custos adicionais
desnecessários e perda de produtividade.

Ao longo dos meus 30 anos de experiência na indústria do plástico, muitos dos quais investigando
falhas em peças, identifiquei alguns aspectos que podem ajudar a minimizar a ocorrência desses dois
problemas. Com base nessa experiência, consolidei um protocolo de análise de falhas de peças plásticas
que serve como um roteiro para profissionais envolvidos nesse tipo de problema. Não se trata de algo
definitivo, mas, acredito, pode ajudar a garantir robustez ao processo de investigação e implementação
de ações corretivas.

O protocolo
As etapas apresentadas neste protocolo não necessariamente seguem uma ordem cronológica.
De fato, muitas delas podem ser realizadas em paralelo de forma a ganhar tempo na investigação.

308
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

1. Definição da criticidade do problema e custos envolvidos: algumas falhas de peças são mais críticas
que outras. Por exemplo, um vazamento em uma garrafa de água mineral pode não ser algo muito sério,
mas um vazamento de combustível em um automóvel pode ser muito grave. Esta diferenciação ajuda a
definir quanto esforço precisa ser aplicado na investigação, o tamanho e diversidade da equipe envolvida
e recursos alocados tanto na investigação quanto na implementação de soluções. Finalmente, esta
definição também ajuda na determinação do prazo para conclusão das investigações.

2. Definição da equipe de investigação: em função da criticidade definida no ponto 1, a equipe pode ser
maior ou menor. Quanto maior a criticidade e complexidade do problema, mais indicada a utilização de
equipes multidisciplinares. Nos casos em que altos investimentos sejam necessários, executivos com
poder de aprovação podem ser envolvidos desde o princípio para acelerar os processos de liberação de
recursos. Da mesma forma, para situações que envolverem trabalhos externos e subcontratações,
quanto antes estes membros forem envolvidos na equipe, melhor.

3. Descrição da peça e função: uma das primeiras informações que a equipe deve buscar é sobre a peça
em questão. Qual seu nome? Como é a geometria? Onde é utilizada? Qual a função específica? Se
possível, tenha uma peça de exemplo em mãos para que todos se familiarizem com o objeto da
investigação e com seu funcionamento. Desenhos esquemáticos da peça e de como interage com outros
componentes durante o uso também podem ser de grande ajuda.

4. Condições de uso e do ambiente de utilização: Como parte do processo de familiarização com a peça
em questão, é importante saber as condições em que é usada. Sob qual temperatura ela trabalha? É
exposta à radiação ultravioleta e outros elementos de intempéries? Existem substâncias químicas em
contato com a peça? Se sim, qual a concentração e tempo de exposição? Quais os esforços mecânicos
envolvidos (tipo, intensidade, duração, direção etc.)? Nessas primeiras fases, informações muito
importantes serão coletadas para lançar alguma luz sobre as possíveis causas da falha. Não raro já nesta
fase algumas causas prováveis serão identificadas.

5. Identificação e rastreabilidade do material: saber qual o material utilizado na fabricação pode parecer
algo básico – e é. Porém, por ser básico, muitas vezes é tomado como algo certo e garantido e, assim
negligenciado. Qual o material especificado para uso em projeto? Qual o material de fato utilizado? Há
fabricantes homologados? Houve alteração no fabricante ou fornecedor? Qual o lote de material
específico utilizado na fabricação das peças falhadas? São vários lotes de material envolvidos ou são
poucos lotes específicos? Quais os aditivos presentes?

6. Identificação e rastreabilidade das condições do processo: outro ponto fundamental é saber sobre o
processo de fabricação. Este é um ponto crítico onde podem ser introduzidas causas para a falha
posterior. Assim, poder rastrear os dados do processo é fundamental. Quando as peças falhadas foram
fabricadas? Qual máquina foi utilizada? Houve alteração de máquina entre lotes bons e ruins? Houve

309
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

alteração de ferramental? Quais as condições de processo para o lote de peças falhadas? Houve
alteração nos parâmetros de processo? Há registros confiáveis das condições de processamento?

7. Determinação do modo de falha: é absolutamente essencial determinar como a peça falhou. Saber o
ciclo de eventos que levaram uma peça a falhar pode lançar muita luz sobre as causas possíveis. Quanto
tempo após o início da utilização ocorreu a falha? A falha ocorre espontaneamente ou sob aplicação de
algum esforço? É uma falha súbita ou ocorre durante um longo intervalo de tempo? Como se reconhece
a falha (é visível, há algum efeito secundário)? Qual a implicação desta falha?

8. Determinação do índice de falha: o índice de falha, apesar de muitas vezes não mostrar a causa
específica pode ajudar a excluir outras causas suspeitas. Quando, por exemplo, ocorre apenas uma falha
em um milhão de peças, as chances são que não há um problema com o material ou com o design,
podendo haver algo na utilização ou instalação da peça.

9. Outras condições relevantes: quaisquer dados estatísticos referentes à peça em investigação e à falha
específica devem ser levantados e considerados. Existe alguma correlação entre a falha e as cavidades
do molde (p. ex. uma cavidade quebra mais do que a outra)? Peças de um lote específico quebram mais
do que de outros lotes? Peças de um mesmo lote quebram em um determinado cliente ou região e não
quebram em outros? Peças utilizadas em uma posição específica apresentam maior índice de falha do
que outras? Existem contrapeças envolvidas? Se sim, quais as variações nas contrapeças que possam
estar correlacionadas com a quebra?

10. Ações de contenção: durante a investigação, o problema ainda está potencialmente ativo. Sendo
assim, é muito importante definir ações de contenção para evitar que novos casos de falhas ocorram.
Embora isso pode ser uma atividade difícil se a causa real ainda não tenha sido identificada, algo deve
ser feito para evitar que o problema, custos e riscos associados continuem aumentando. Cada caso
exigirá uma avaliação diferente, porém alguns exemplos de contenção podem ser: inspeção de 100%
das peças produzidas; troca temporária de fornecedor; troca do lote defeituoso; parada total de
utilização etc.

11. Coleta de amostras: como parte do processo de investigação, além de se familiarizar com as peças
investigadas, é necessário ter em mãos exemplos das peças falhadas. Tanto para conhecimento do modo
de falha e suas consequências, quanto para a realização de eventuais testes e inspeções nestas peças.
Sempre que possível, uma quantidade suficiente de peças deve ser coletada para a realização de todos
os testes necessários. Também é interessante ter amostras de peças boas, tanto novas quanto utilizadas
sem falhas. Isto dará não só mais subsídios para conhecer a aplicação e suas particularidades, mas
também amostras para testes laboratoriais comparativos entre peças boas e falhadas. Finalmente, é
fundamental coletar amostras do material que deu origem às peças falhadas (o lote específico que gerou

310
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

o problema). Também pode ser interessante coletar amostras de outros lotes do material para eventuais
testes comparativos.

12. Determinar a necessidade e tipo de testes laboratoriais a executar: tidas como a atividade típica de
uma investigação de falha, a análise laboratorial, apesar de ser muito importante, é apenas uma parte
de todo o processo investigativo. Algumas vezes pode, inclusive, nem ser necessária. Com um
levantamento de dados realizado com excelência, muitas vezes as causas do problema podem ser
definidas apenas analisando estes dados. Muitas vezes, porém, os testes mais precisos ajudarão a
responder algumas perguntas e provar algumas premissas levantadas por esses dados
(veja aqui e aqui vídeos sobre análises laboratoriais produzidos por este autor). Testes
de laboratório podem ter custo elevado e tomam tempo, tornando essencial definir quais são as análises
mais relevantes e que realmente trarão as respostas faltantes à investigação para que não sejam
desperdiçados tempo e recursos. Obviamente, quanto mais crítica for a situação, mais espaço para testes
haverá e vice-versa.

13. Realização dos testes e geração de relatórios: uma vez definidos os testes a realizar, as amostras
devem ser enviadas ao laboratório escolhido. Os analistas não devem simplesmente extrair uma amostra
da peça e ensaiá-la aleatoriamente, mas dedicar um tempo na escolha das regiões apropriadas das peças
que sejam representativas do processo de falha. Como muitas análises utilizam apenas poucos
miligramas de material, definir o local onde coletar amostras para ensaio é crucial. O analista também é
a melhor pessoa para decidir se apenas uma rodada de análises é suficiente ou se várias análises
comparativas serão necessárias para uma resposta definitiva. Finalmente, o analista deve gerar um
relatório consistente, que ilustre os pontos de retirada de amostra, as regiões analisadas da peça e
conecte os resultados ao problema em investigação.

14. Discussão dos dados levantados com a equipe: após todos os dados estarem disponíveis e análises
realizadas, a equipe de investigação pode avaliar estes dados e determinar como se relacionam com o
problema em análise. A ideia é encontrar a causa raiz da falha da peça. Ferramentas como o diagrama
de Ishikawa ou Espinha de Peixe podem ajudar bastante neste processo (veja aqui um vídeo
sobre o diagrama de Ishikawa).

15. Elaboração da solução proposta: após a identificação da causa raiz e somente após esta
identificação, prepara-se uma proposta de solução. Note que para alguns tipos de causas raízes, pode
haver várias soluções possíveis. A ideia é encontrar a mais adequada em função da criticidade do
problema, dos recursos disponíveis e do prazo desejado para implementação. É sempre importante,
após a execução da solução, instituir um programa de avaliação para certificar-se de que as ações
tomadas, de fato eliminaram a causa dos problemas.

311
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Estudos de casos
A seguir, alguns casos reais de investigação de falhas serão apresentados, nos quais o protocolo
foi aplicado com sucesso. Nem sempre, sucesso significa que o problema foi resolvido. Em algumas
situações, embora a causa raiz tenha sido identificada, os projetos foram interrompidos devido aos altos
custos envolvidos para implantação das ações corretivas.

Caso 1 – Roda automotiva em plástico de engenharia

Descrição da peça: roda automotiva moldada por injeção em plástico de engenharia (Poliamida 6.10)
reforçado com 30 % de fibras de vidro. As poliamidas são um dos principais polímeros usados em
aplicações de engenharia pois possuem um excelente balanço de propriedades como rigidez e
tenacidade, além de boa resistência ao calor. A incorporação de fibra de vidro incrementa o
comportamento térmico, a rigidez e a resistência à tração, em detrimento de uma menor tenacidade.

Descrição da falha: o produto foi moldado


por injeção, aparentando ser adequado
para a aplicação mas, durante teste de
impacto padronizado pela indústria
produtora, apresentou rompimento total
ou parcial, conforme exemplo da imagem
ao lado.

Detalhes da investigação: a falha foi identificada como severa, inviabilizando totalmente o projeto caso
uma solução viável não seja implantada. Uma equipe de investigação foi formada, envolvendo
fornecedores de material, do molde, do processo de moldagem e especialistas em design. Após análise
da certificação da qualidade do material e aferição do índice de quebra (que foi de ~80 %) decidiu-se
pela realização de testes laboratoriais para aprofundamento da investigação e tomada de decisão.

Ensaios realizados: viscosidade do fundido comparativa (grânulos x peça) por reometria capilar, teor de
umidade em grânulos virgens e microscopia ótica

312
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Resultados obtidos: (1) o teor de umidade dos grânulos estava de acordo com padrão para o material,
sendo descartada degradação por hidrólise durante o processamento; (2) testes reológicos sinalizaram
uma redução de 50% da viscosidade do melt após processamento em comparação com a viscosidade do
material original - 132 Pa.s para os pellets vs 67 Pa.s para a peça. Essa redução é muito significativa,
sugerindo degradação do material no processo de injeção, com redução da massa molar; (3) microscopia
ótica na região de fratura identificou alguma porosidade e linhas de solda pronunciadas.

Ações propostas: a degradação térmica durante o processamento pode ser devido ao elevado tempo de
residência do material na máquina de injeção e/ou temperatura elevada de processamento. Como a
janela de processamento das poliamidas é bastante estreita, existe pouca margem para alterar as
temperaturas, devendo-se considerar redução no tempo de residência como a principal alternativa para
reduzir a degradação. O principal procedimento seria a readequação do tamanho de máquina e tempos
de ciclo para minimizar as reações degradativas do polímero. Os outros dois problemas, porosidade e
linhas de solda proeminentes, seriam minimizados por ajuste na fase de recalque para evitar a
porosidade e redesenho do projeto da ferramenta, eliminando linhas de emenda e melhorando saídas
de gases do molde.

Resultado final: após readequação de design de peça e molde o modo de falha apresentou alguma
melhoria, mas ainda com elevado índice de falha. Aparentemente, a degradação térmica seria fator mais
decisivo do que a porosidade ou a linha de solda – o que demandaria a substituição do maquinário.
Entretanto, em função de indisponibilidade de máquinas em tamanho diferente e do aparecimento de
outras falhas de projeto em sistemas adjacentes, o projeto foi finalizado pelo fabricante sem que a
solução definitiva tenha sido aplicada. Evidentemente, trata-se de uma opção estratégica por parte do
produtor, que não considerou a aquisição de novos equipamentos como uma solução viável, preferindo
abandonar a intenção em fabricar esse tipo de produto.

313
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Caso 2 – Tampa do sistema de refrigeração automotivo

Descrição da peça: tampa plástica para sistema de


refrigeração automotivo, moldada em material de
engenharia (PPA – poliftalamida) reforçado com 35% de
fibras de vidro. Insertos metálicos (peça dourada na
imagem ao lado) são introduzidos após a moldagem. Além
de pressão interna, a peça tem que suportar temperaturas
elevadas pela passagem de fluidos de refrigeração. Os
insertos metálicos são essenciais para permitir encaixe
adequado com demais componentes do sistema.

Descrição da falha: trinca na região do furo ocorrida no


momento da inserção do inserto metálico levando à
fragilização na região da montagem com posterior soltura
da peça. A região trincada é indicada na imagem anterior
(quadrado amarelo) e, em maior detalhe, ao lado.

Detalhes da investigação: falha identificada como grave


uma vez que impossibilita totalmente a utilização do
componente. Equipe de investigação foi formada, envolvendo fornecedores de material e do processo
de moldagem. Realização da rastreabilidade do produto injetado mostrou índice de quebra virtualmente
de 100 %.

Ensaios realizados: além de análises visuais para diagnóstico de um padrão de falha, realizou-se
microscopia ótica na região das fissuras apresentadas.

Resultados obtidos: microscopia ótica indicou a presença de falta de


homogeneidade do material na região da linha de emenda do furo
onde o inserto é introduzido, conforme micrografias ao lado. Na
imagem da esquerda observa-se nitidamente a ocorrência de
mudanças na orientação das fibras em função da posição no produto.
Na região de linhas de emenda a descontinuidade se torna mais
crítica, sendo o local mais vulnerável do produto (círculo amarelo na
imagem da direita). A presença de linhas de solda em compósitos
poliméricos é potencialmente vulnerável à falha mecânica justamente
pela orientação conferida às fibras nessa região durante o
processamento.

314
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Ações propostas: (1) melhoria dos caminhos de fluxo do molde e das saídas de gases na região da linha
de emenda; (2) processo de injeção readequado para ajuste de temperaturas de material e molde além
das condições de recalque.

Resultado final: com a adequação do molde e processo o problema foi completamente eliminado. A
rastreabilidade adequada do produto injetado permitiu identificar o ponto de corte das peças antes e
depois das modificações em estoque evitando o envio de peças com problema para o cliente final. Note
que a solução encontrada envolveu ajuste na ferramenta e condições de injeção, sem alteração no
projeto da peça ou no tipo de material.

Caso 3 – Tubulação de freio a ar para caminhões

Descrição da peça: tubulação monocamada extrudada em elastômero


termoplástico de engenharia (copolímero em blocos éter-ester) para
aplicação em freio a ar para caminhões. O produto é testado após a
produção e não apresenta histórico de falhas, permitindo o seu uso nessa
aplicação, que é considerada crítica para a segurança do veículo.

Descrição da falha: trincas e rompimento observados na tubulação após


contato com substâncias químicas específicas utilizadas no processo de lavagem do caminhão.

Detalhes da investigação: falha identificada como grave uma vez que comprove a segurança do
caminhão em processo de frenagem. Equipe de investigação composta por fornecedores de material e
do processo de moldagem. Como a falha não ocorre em todos os casos de contato com as substâncias
químicas, sugeriu-se a realização de ensaios laboratoriais para identificação das condições específicas
que levam à falha.

Ensaios realizados: realizou-se ensaios por DSC e FTIR, comparando-se


a matéria prima com o material final, visando identificar possíveis
efeitos degradativos, mudanças estruturais ou contaminações diversas
que poderiam induzir a falha observada. Realizou-se também um teste
de imersão sob tensão das peças extrudadas em diferentes
concentrações da solução problema. Conforme imagem ao lado, seções
da tubulação foram dobradas em condições padronizadas, induzindo

315
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

um campo de tensão na região inferior do tubo dobrado, que foi exposta ao agente químico por imersão.

Resultados obtidos: os ensaios de DSC e FTIR não apresentaram alterações significativas entre o material
e peça final, indicando a não ocorrência de degradação ou outras mudanças no material. Os testes de
imersão química indicaram que, na presença de tensão mecânica e em concentrações acima de 20% do
agente químico, houve uma frequência significativa de tubos danificados. Isso indica a falha causada por
stress cracking, tema abordado na seção 7.5.4 deste livro.

Ações propostas: devido à impossibilidade de controle das condições de lavagem dos caminhões
durante o uso final, a recomendação de não utilizar o agente químico causador da falha seria de pouca
eficácia. A ação corretiva proposta foi a de utilizar um material alternativo com maior resistência
química.

Resultado final: material alternativo (Nylon 6.12 modificado ao impacto e plastificado) apresentou
resultado positivo nos testes de imersão química ao ser introduzido na aplicação.

Bibliografia

DuPont – apresentações técnicas – polímeros de engenharia, processamento e design

DuPont – apresentação técnica – Failure analysis in polymers

Böhme, E. – Failure analysis using microscopic techniques, DuPont Engineering Polymers

Relatórios técnicos de investigação de falhas da DuPont Engineering Polymers

Ashby, M. F., - Material selection in mechanical design, 3 Ed. Elsevier, 2005

Diversos vídeos do canal Ricardo Cuzziol sobre polímeros de engenharia – Disponível em:
http://www.youtube.com/ricardocuzziol

Sobre o autor

Ricardo é técnico em plásticos pelo SENAI ”Mario Amato”, Engenheiro Químico pela E. E. Mauá e Mestre
em Engenharia Química com ênfase em ciência e tecnologia de polímeros pela FEQ/Unicamp. Também
é Master Practitioner em PNL pela Ápice Desenvolvimento Humano e Master Coach de Carreira pelo IBC
e pelo Instituto Maurício Sampaio com reconhecimento internacional. Co-autor do livro ”Ação
Transformadora - Coaching como Ferramenta de Mudança”, tem 20 anos de experiência como
especialista técnico em transformação de polímeros, líder de projetos de crescimento e líder de equipes
de desenvolvimento de aplicações. Atua como treinador e consultor técnico na área de polímeros além
de gerenciar seu canal do Youtube e cursos online na plataforma Udemy sobre polímeros.

316
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

8.3. Falha prematura de componente automotivo crítico


Por Marcio Kobayashi, Afinko Polímeros, com colaboração de Marcelo Rabello

Produto e natureza da falha

A peça acima é uma carcaça de válvula termostática, utilizada em automóveis. Trata-se de um


componente por demais importante no sistema de arrefecimento uma vez que a válvula termostática
controla a temperatura do motor, garantindo a combustão adequada e evitando o superaquecimento.
Através dos dutos mostrados na imagem, o fluido de refrigeração circula pela carcaça possibilitando a
troca térmica. Segundo o fabricante, o material utilizado é a poliftalamida (PPA) modificada com fibra
de vidro. A PPA é um tipo especial de poliamida,
contendo grupos alifáticos e aromáticos, o que
confere um bom balanço entre propriedades
mecânicas e estabilidade ao calor. A combinação de grupos polares e aromaticidade eleva as
temperaturas de transição vítrea e de fusão em comparação com a PA66, por exemplo. A incorporação
de fibra de vidro aumenta ainda mais a rigidez e a resistência ao calor do produto, requisitos importantes
para esta aplicação.

317
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

O problema de falha ocorreu por fratura na base de um dos dutos (círculo tracejado em verde
na imagem acima) durante a montagem e acoplamento de uma mangueira no bico de distribuição. Isso
foi observado em teste interno de qualidade realizado pelo fabricante. Posteriormente, a falha foi
detectada também em outros canais.

Ensaios de laboratório para análise da falha

Para auxiliar no diagnóstico do problema, foram realizados os seguintes ensaios experimentais:

1. Microscopia eletrônica de varredura (MEV), em locais específicos – na base do distribuidor e na


parede fraturada do duto – com o objetivo de inferir sobre os mecanismos de falha e estado geral
do componente.
2. Espectroscopia de infravermelho (FTIR), para confirmação do material utilizado.
3. Análise reológica, comparando a viscosidade aparente da matéria prima com a do produto após
moldagem.

Os resultados da análise por MEV estão mostrados na sequência abaixo. Na imagem (a) tem-se
uma visão geral da região do duto onde o círculo “poroso” representa a região de fratura e na parte
plana adjacente tem-se a superfície interna. Esta superfície é vista com maior aumento em (b), indicando
uma característica lisa, uniforme e com as fibras de vidro distribuídas aleatoriamente na superfície.
Como a região não é tensionada diretamente durante a montagem da mangueira, permaneceu intacta,
reproduzindo a superfície moldada por injeção. Por outro lado, na parede do distribuidor observou-se a
superfície fraturada, com característica de alta porosidade (imagens (c) e (d)), semelhante a uma
esponja, que seria a causa para a fragilização da peça. Essa porosidade pode estar relacionada a várias
causas: (i) processamento (injeção) do material com umidade, que pode tanto acumular gases como
gerar degradação por hidrólise, (ii) degradação do polímero durante o processo de injeção devido a
condições inadequadas de processamento (alta temperatura, alto cisalhamento) ou (iii) utilização de
material previamente degradado. Note também que a região porosa não apresentou indícios de
estiramento molecular típico de crazing ou escoamento plástico (ver seção 6.1.3 deste livro), sugerindo
que foi causada pela moldagem e não pelo tensionamento mecânico. Assim, sua presença fragiliza o
produto pela elevada concentração de tensão na região.

318
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

(a) (b)

(c) (d)

Análise complementar foi realizada por FTIR, que apenas confirmou se tratar de uma poliamida
modificada, composta por hidrocarbonetos alifáticos (CH2 e CH3), aromáticos, grupamentos amida
(HN─C═O) e amina (>N-H). A combinação desses grupos indica se tratar da polifitalamida.

319
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

70

65

60

55

50
862 655
45
732
40 3080 2862 698
1474
35

%T
1286
30 1498
2935
25

20

15

10
3302
1545
5

0
1625

-5
-10
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
Wavenumbers (cm-1)

Número de Onda (cm-1) Grupamento Característico

3302 Deformação axial assimétrica de N─H


3080 Deformação axial simétrica de N─H
Deformação axial de CH alifático
2935 – 2862 2935 cm-1 – assimétrica de CH3
2862 cm-1 – simétrica de CH2
1625 Deformação axial de N─C═O
Deformação angular de N─H e deformação axial de C─N
1545 - 1498
do grupo C─N─H
1474 Deformação axial no plano de CH2
1417 Deformação axial de C─N
1286 Deformação vibracional CH2
862 - 698 Vibração C=C anel aromático
732 - 655 Deformação angular de C─Cl

Também foi realizada análise de reometria capilar comparando resultados de matéria prima e
da peça acabada, apresentado a seguir. O comportamento pseudoplástico, típico dos polímeros, é
observado pela redução da viscosidade aparente com a taxa de cisalhamento. Observa-se também que,
para todas as taxas de cisalhamento utilizadas, a viscosidade da amostra retirada da peça foi menor do
que a viscosidade da matéria prima. Trata-se de uma forte evidência de que o processamento causou
degradação química no polímero, resultando em redução na massa molar – o que afeta diretamente as
propriedades mecânicas do material. Como a poliamida é um polímero hidrolisável (ver seção 7.5.2), a
degradação pode estar associada a uma combinação de temperatura excessiva com presença de
umidade na matéria prima. Além de causar hidrólise, a umidade presente pode também ser responsável
pela porosidade no produto, o que foi evidenciado na região de fratura mostrada por MEV.

320
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Viscosidade Aparente (Pa*s)


10000

1000

100

Peça
10
Materia prima

10 100 1000 10000


Taxa de Cisalhamento Aparente (1/s)

Taxa de Cisalhamento Viscosidade Aparente (Pa.s)


Aparente (1/s) Matéria prima Peça

10 9271,25 3026,25
100 3241,87 845,13
200 1948,87 760,00
500 1093,65 380,95
700 937,95 290,12
1000 732,25 218,85
2000 436,14 126,77

Conclusão e sugestão

As análises reportadas acima sugerem tratar-se de uma falha mecânica causada, provavelmente,
por gases formados durante o processamento que induziram uma estrutura interna porosa. Para a
solução do problema sugere-se, em primeiro lugar, dar especial atenção na secagem da matéria prima
e o uso de periféricos como secador e umidificador acoplados à injetora, além de melhor controle dos
parâmetros de injeção, como temperatura nas diversas zonas e tempo de residência. Caso não seja
solucionado por completo dessa forma, o molde de injeção precisaria ser modificado, com a introdução

321
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

de canais de ventilação para saída de gases durante o preenchimento da cavidade nas proximidades do
elemento dutado.

Sobre o autor

Marcio Kobayashi possui graduação em Engenharia de Materiais com ênfase em polímeros, pela
Universidade Federal de São Carlos (2004) e mestrado e doutorado em Ciências e Engenharia de
Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (2006 e 2011). Trabalha há mais de 15 anos com
identificação, caracterização e análise de falha em polímeros e compósitos poliméricos. Desde 2104 é
sócio e diretor técnico na AFINKO Soluções em Polímeros.

322
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

8.4. Tensões de moldagem em produtos plásticos


Por Júlio Harada, com colaboração de Marcelo Rabello

Tensões em peças plásticas

Os processos de transformação de polímeros mais utilizados são injeção, termoformagem,


injeção-sopro, extrusão-sopro, extrusão de perfis, extrusão com matriz plana, extrusão com matriz
tubular, rotomoldagem, laminação e compressão. As peças plásticas conformadas por qualquer um
desses processos adquirem tensões internas, que podem afetar a qualidade das mesmas, causando
mudanças dimensionais, fragilização ou com efeito na resistência química.

O nível das tensões adquirido depende do processo de transformação em si e das condições de


processamento, além do projeto da matriz e/ou molde, que devem ser coerentes com o design da peça.
O desbalanceamento das tensões de moldagem ocasionará distorções e quebra das peças durante o seu
uso.

A avaliação do nível de tensões existente adquire grande importância na prevenção da falha,


correção de defeitos de moldagem e outros
problemas práticos de aplicação. Diversos
reviews foram publicados na literatura científica
sobre os mecanismos de formação de tensões
internas em polímeros e métodos de
determinação, como este e este.
Na imagem ao lado tem-se um
exemplo de determinação desse tipo,
mostrando que o valor das tensões residuais
varia de ponto a ponto ao longo da profundidade (nesse caso, uma peça de ABS). Note nesse exemplo
que as tensões são compressivas na superfície e tênseis em camadas mais abaixo. Por outro lado, a
indústria, em geral, adota técnicas simplificadas para aferição das tensões residuais dos produtos

323
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

fabricados, sendo uteis para situações cotidianas de controle de qualidade e resolução de problemas.
Alguns desses procedimentos serão descritos a seguir.

Análise visual com lâminas polaroides

Como as tensões internas afetam as características de birrefringência dos materiais, o


posicionamento de uma peça transparente entre duas lâminas polaroides e iluminação adequada indica
o nível de tensionamento adquirido durante o processamento, como mostram as imagens a seguir para
o caso de pré-formas de PET. Embora existam procedimentos para converter o padrão de cores em valor
quantitativo de tensão, a indústria, em geral, adota o método apenas como visual – qualitativo. No
exemplo abaixo, a pré-forma do centro está fora do padrão exigido, com um nível de tensionamento
muito elevado. Como se trata de um procedimento de rotina, uma vez detectado o problema, deve-se
ajustar imediatamente o processo de injeção, alterando, por exemplo, temperatura, tempo e/ou pressão
para minimizar o nível de tensões adquirido durante o processo.

Fonte: acervo do autor.

324
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Resistência química

O método de sonda química (chemical probe) utilizado para aferir o nível de tensões internas
consiste na imersão da peça moldada em um reservatório contendo um agente químico causador de
stress cracking. Como abordado na seção 7.5.4 deste livro, a combinação de um agente químico
agressivo com tensão mecânica pode vir a causar fissuras no produto.

Neste método deve-se escolher um agente químico apropriado para o tipo de polímero como,
por exemplo, o ácido acético em contato com o ABS ou o
etanol em contato com o PMMA. Logo após a peça ser
extraída do molde, mergulha-se no banho com o agente
químico e retira-se em seguida. Observa-se visualmente o
aparecimento de fissuras, como na imagem ao lado.
Quanto mais tempo levar o surgimento das fissuras, menos
tensionada encontra-se a peça. Se o tempo de formação de
fissuras for menor do que o padrão de qualidade exigido
para a situação, deve-se adotar procedimentos de correção, que envolve mudança nas condições de
processamento, escolha de um grade de massa molar mais elevada ou alteração no projeto do produto.
Em casos extremos, quando a solução não é alcançada facilmente, pode-se também utilizar
procedimentos de recozimento em estufa que, em temperatura e tempo apropriados, pode aliviar as
tensões internas – mas deve-se ter uma atenção especial para esse tratamento térmico não empenar o
produto (ver o próximo teste).

Teste de distorção

O resfriamento após a moldagem gera tensões internas no produto devido à diferença de


contração na superfície e no interior. Caso haja fluxo intenso durante o processamento, a orientação
molecular adquirida também contribui para o tensionamento da peça. Se o produto moldado for
aquecido, o alívio de tensões provoca relaxações moleculares que resultam no desbalanceamento das
tensões adquiridas e, como resultado, a peça empena.

325
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Um teste simples de controle de qualidade das tensões internas é pela colocação da peça em
um forno ajustado com determinada temperatura (que depende do tipo de polímero) e determinar
quanto tempo a peça suporta sem distorcer. Quanto mais rápido aparecer o empenamento mais
tensionada encontra-se a peça. Em função desses resultados, ajusta-se o processo de injeção:
temperaturas do equipamento e do molde, tempos e pressões para minimizar o nível de tensões.

Testes mecânicos

Os testes mecânicos tradicionais utilizam corpos de prova e padrões definidos em normas


(ASTM, DIN, ABNT, etc.). No entanto, um produto real é muito mais complexo do que um corpo de prova
(ver Figura 1.3 deste livro) e, portanto, os testes usuais podem não representar de modo preciso o seu
comportamento mecânico.

No caso da avaliação das tensões de moldagem, utiliza-se comumente o teste de queda livre,
em que um peso pre-estabelecido, a partir de uma altura determinada, cai livremente sobre a peça.
Pode-se variar a massa e a altura do peso para definir o padrão de
qualidade específico do produto. A avaliação pode ser qualitativa,
com percepção dos danos causados pelo impacto ou quantitativa,
com medidas de energia absorvida – quando realizada em
equipamento específico como o da imagem ao lado para a
avaliação de um capacete de segurança. Quanto mais tensionada
for a peça em regiões críticas, menor será a sua resistência e mais
danos ocorrerá no produto. O teste de queda livre não
necessariamente tem que ser feito em equipamento padronizado
uma vez que a indústria pode definir um padrão interno de qualidade, considerando, por exemplo, o
peso, a altura e a posição de impacto no produto.

326
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Exemplo de peça poliestireno trincada após teste de queda livre. Neste caso o tensionamento excessivo
foi causado por refrigeração inadequada e extração do molde muito forçada. Fonte: acervo do autor.

Muitas vezes o tensionamento da peça é tão alto que a simples extração do molde já causa a
fratura mecânica. No exemplo ao lado de uma peça
moldada em blenda de poliestireno com SBS (acervo do
autor) observa-se esse fato, com rachaduras que
ocorreram a partir do ponto de injeção. As principais
causas desse tensionamento excessivo seriam, por
exemplo, molde muito frio, temperatura da massa mal
distribuída, má homogeneização do melt pela baixa
contrapressão, entre outras variáveis.

Sobre o autor

Julio Haradda é Doutor em Nano Ciências e Materiais Avançados, pós-


graduado em: Administração Industrial pela USP, Plásticos no Japão pela
OMTRI (Osaka Municipal Technical Research Institute) Comercio Exterior
pela UNIP. Experiências Profissionais, desde 1972: Professor da Escola
Técnica do Plástico Frederico Jacob (SENAI), Professor da Escola Técnica
Lauro Gomes, Gerente de Produção da DIXIE S. A., Gerente de Serviços
Técnicos da Monsanto S. A., Gerente de Serviços Técnicos da Cia Brasileira de Estireno, Gerente
Especialista da BASF S A. Autor dos livros: Moldagem por Injeção, Projetos e Princípios Básicos, Moldes
para Injeção de Termoplásticos, Projetos e Princípios Básicos, Plásticos de Engenharia, Tecnologia e
327
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Aplicações, Injeção de Termoplásticos - Produtividade com Qualidade em Peças Plásticas Injetadas,


Extrusão de Plásticos – Tecnologias e Processamentos, Moldagem Rotacional - Tecnologias e
Processamentos. Atualmente ministra Cursos e Serviços de consultoria na área de Matérias Primas e
Transformação de Plásticos, na USP, na SPE (Society Plastics Engineers) Seção Brasil, na ABPOL –
Associação Brasileira de Polímeros, na Faculdade Oswaldo Cruz e em várias empresas. Diretor e s
membro da ABPOL, Diretor e membro da SPE. Pesquisador no IPEN (Instituto de Pesquisas de Energia
Nuclear - SP).

328
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

8.5. Avaliação do comportamento mecânico: corpo de


prova ou produto?
Por Ricardo Calumby (Global Marketing Manager at SOLVAY), com colaboração de Marcelo Rabello

Quando se deseja comparar as propriedades mecânicas de diferentes polímeros ou diferentes


composições, normalmente utiliza-se procedimentos normatizados por padrões bem estabelecidos
como as normas internacionais ISO ou ASTM. Esses métodos definem todas as variáveis de ensaio,
incluindo geometria do corpo de prova, condicionamento e condições de teste, e são muito eficientes
como um indicativo do comportamento mecânico dos materiais poliméricos, especialmente quando se
compara diferentes polímeros produzidos e
testados nas mesmas condições. Por exemplo, na
determinação das propriedades de impacto, os
métodos ISO 179 e ISO 180 normatizam,
respectivamente, as resistências ao impacto
Charpy e IZOD, conforme ilustração ao lado. Os
corpos de prova possuem dimensões
padronizadas e são entalhados também com
entalhe especificado. A propriedade medida é a energia absorvida durante a fratura do corpo de prova,
quando atingidos com um martelo de massa pré-definida. O teste normatizado possibilita a
reprodutibilidade do ensaio em diferentes períodos e até em diferentes laboratórios, sendo bastante
utilizado na indústria com as mais diversas finalidades, incluindo o desenvolvimento de formulações,
comparação entre polímeros e grades, controle de qualidade e relação entre cliente e fornecedor.

Entretanto, apesar da grande utilidade dos ensaios de impacto normatizados, eles podem não
ser suficientes para prever o comportamento de um produto acabado e em condição de uso. Isso porque
uma peça final pode ter uma geometria bastante diferente de um corpo de prova, com variações de
espessura, cantos vivos, orifícios, insertos, etc. (ver Figura 1.3, capítulo 1, deste livro), além de variações
estruturais que podem ser causadas pelo processamento. Em muitas situações, inclusive, objetiva-se
aferir não a energia de ruptura, mas o máximo de energia que a peça resiste sem a formação de fissuras

329
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

e trincas que comprometam o desempenho do produto. Ou, alternativamente, se a peça resiste a uma
determinada condição de impacto sem apresentar sinais de comprometimento mecânico. Por exemplo,
no caso de embalagens, o requisito é que não haja fratura quando derrubadas sob as condições de uso
da aplicação. Para isso, de forma a se ter uma avaliação mais fiel do comportamento do produto (e não
do corpo de prova) é comum se adotar procedimentos conhecidos como “ensaios de aplicação”, o que
pode ser definido como testes simulando as condições reais de uso utilizando o próprio produto. No
caso de testes de impacto, dois procedimentos adotados podem ser o teste de impacto de torre, ou o
teste de queda da peça, cujos esquemas estão mostrados a seguir. No primeiro caso utiliza-se um peso
acoplado a uma célula de carga que afere a energia que impacta o produto. No segundo caso tem-se
uma situação mais real, em que o recipiente cheio sofre impacto de uma altura determinada. Em ambos
os casos, verifica-se visualmente o estado de danos causados pelo teste, determinando se o produto
está aprovado (ou não) pelo controle de qualidade.

Impacto de torre Teste de queda

Os dois tipos de procedimento, teste normatizado e ensaio de aplicação, têm a sua importância
técnica na indústria e ambos são amplamente utilizados. Um questionamento que pode ser feito é:

um grade ou uma formulação que apresenta o melhor desempenho nos testes normatizados
tem garantida a melhor performance nos ensaios de aplicação?

Apresentaremos aqui um exemplo comparando resultados com dois diferentes grades de polipropileno
copolímero utilizados na fabricação de potes de sorvete.

A Figura 1 mostra o resultado de impacto Izod segundo a norma ISO 180 de dois diferentes
polipropilenos copolímeros heterofásicos. O grade B apresentou uma resistência ao impacto 33% menor
do que a do grade A quando testado nas mesmas condições experimentais. Assim, utilizando apenas

330
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

este procedimento um fabricante optaria pelo grade A visando uma melhor performance dos seus
produtos caso a propriedade de impacto fosse um requisito importante.

Figura 1. Resistência ao impacto Izod de acordo com a norma ISO 180 de dois polipropilenos copolímero.
As imagens à direita representam as morfologias de cada composição, obtidas por microscopia.

Para melhor entender esse tipo de comportamento, análises de microscopia nos corpos de prova
moldados foram realizados e as morfologias observadas (também mostradas na Figura 1) indicam que o
grade A possui domínios borrachosos menores do que o grade B, o que pode explicar o melhor
desempenho de resistência ao impacto Izod.

Quando estes mesmos grades de polipropileno foram utilizados na fabricação de potes de


sorvete por injeção e os produtos submetidos ao teste de queda após condicionamento a -20°C, os
resultados mostraram que tanto o grade A como o grade B resistiram bem a queda de 1m de altura e
apresentaram níveis de falha bastante similares quando derrubados a 2m, conforme os dados da Figura
2. Diferentemente do que ocorreu com os corpos de prova, os dois grades apresentaram performance
equivalente – podendo ambos serem utilizados nesta aplicação. Na análise microscópica desses dois
produtos observou-se uma morfologia bastante diferente para o grade B em comparação com aquela
dos corpos de prova, onde os domínios borrachosos estão bem dispersos e menores (Figura 2).

331
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Percentual de embalagens com rachaduras/trincas

Figura 2. Resultados de teste de queda de potes de sorvete para os dois grades utilizados e as morfologias
correspondentes.

Pelas diferencias geométricas e de projeto, seria esperado que um teste de aplicação


apresentasse comportamento mecânico diferente em comparação com um teste normatizado utilizando
corpos de prova, mas por que um grade que apresentou melhor performance no teste normatizado não
teria também um melhor desempenho no produto final? As análises microscópicas indicaram uma
grande diferença de morfologia nas duas situações. Claramente, há uma influência do processamento
na estrutura dos dois polipropilenos testados, com as partículas dispersas muito menores no grade B
quando produzidos na forma de pote de sorvete. O tamanho de partícula em uma fase dispersa de
blenda ou copolímero é muito dependente da taxa de cisalhamento atuante durante a injeção. No caso
do pote a espessura de parede é de 0,4mm – muito menor do que os 4mm de espessura dos corpos de
prova. Considerando o escoamento de um fluido entre placas paralelas (simplificando, apenas para
facilitar o entendimento), a taxa de cisalhamento é dependente da variação de velocidade (v) e da
distância entre as placas (ou espessura do produto, y):

𝑑𝑣
𝛾̇ =
𝑑𝑦

Assim, a taxa de cisalhamento atuante durante a injeção do pote, com menor espessura, é muito maior
do que para o caso dos corpos de prova, e isso possibilita uma melhor dispersão da fase borrachosa no
produto final. A dispersão das partículas no grade A, provavelmente, já atingiu a situação ideal mesmo
para o caso dos corpos de prova, não apresentando melhoria adicional na injeção de menor espessura
de parede. Isso é dependente do comportamento reológico de cada material. Infelizmente, não dipomos
dos dados reométricos dos grades que possam comprovar essa hipótese.

332
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Em conclusão, evidenciou-se neste estudo de caso que para uma avaliação mais precisa do
comportamento do polímero e produto final é sempre recomendável complementar os testes
normatizados com ensaios de aplicação, que melhor simulam as condições finais de uso.

333
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

8.6. Tanques “inquebráveis” de polietileno reticulado


Por Marcelo Rabello

Um vídeo bastante conhecido por quem trabalha com tanques de armazenagem é este,
que mostra testes de queda comparando dois produtos – um fabricado com o polietileno
convencional (PEAD) e outro com o polietileno reticulado (XLPE). Os resultados são “impactantes”,
evidenciando que o XLPE proporciona um tanque muito mais resistente do que o PE. Veja abaixo algumas
imagens extraídas do vídeo citado.

Setup do teste, com o tanque,


pesando 5 toneladas, suspenso
por um munck de uma altura de
14m.

Tanque de PE após o teste, totalmente fraturado. Tanque de XLPE após o teste, intacto.

334
8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

O polietileno reticulado é um material de grande utilidade pois as reticulações formadas durante


ou após o processamento possibilitam uma maior resistência ao calor – uma das grandes desvantagens
do PE – sendo utilizados em isolamento de cabos de alta tensão, tubulações, tanques para armazenagem
de produtos químicos, etc. Esse material foi mencionado brevemente em um quadro da seção 3.1 deste
livro.

À primeira vista, o que nos surpreende nos testes acima é a sua elevadíssima resistência ao
impacto quando comparado ao PEAD. Como se trata de um material reticulado, as ligações cruzadas
poderiam reduzir a tenacidade do produto devido à menor mobilidade molecular, o que resultaria em
menor capacidade de deformação. Embora essa linha de raciocínio esteja correta, outras influências
podem existir na estruturação deste material.

Em primeiro lugar, o número de reticulações por molécula em um produto à base de XLPE é,


geralmente, baixo. Isso não gera uma estrutura tão “travada” mecanicamente como em um termofixo
tradicional como uma resina fenólica. Outro fator de relevância é a influência das reticulações na
estrutura física do material final.

Existem duas formas principais de realizar a reticulação do polietileno:

(1) por reações com aditivos reticulantes durante o processamento;


(2) por tratamento do produto com alta energia (tipo raios gama), após a moldagem. Nesse caso o
material também é aditivado com agentes reticulantes, como peróxidos mas estes não reagem
durante a moldagem.

No segundo caso, os agentes reticulantes podem ser segregados durante a cristalização do


polietileno e se posicionarem nas regiões interlamelares e interesferulíticas. Durante o tratamento com
alta energia as reticulações irão ocorrer na periferia dos cristais (para onde os reticulantes foram
segregados), reforçando o efeito das cadeias atadoras, que são extremamente importantes para o
desempenho mecânico dos polímeros semicristalinos. Entretanto, essa segunda opção é menos comum
pois necessita investimentos muito mais robustos para esse procedimento, especialmente no caso de
tanques de elevado volume como no caso em questão. Assim, iremos considerar que o PE foi reticulado
segundo a primeira opção acima, ou seja, reticulações são formadas durante o processamento.

No caso dos tanques mostrados no vídeo, o processamento ocorre por rotomoldagem, uma
técnica que consiste em rotacionar biaxialmente um molde em um forno durante um tempo e
temperatura especificadas. Após o melt uniformizar no interior do molde, este é resfriado e o produto
desmoldado. Isso permite produzir peças ocas de elevado tamanho, que seria virtualmente impossível
por técnicas usuais como o sopro. As etapas do processo estão esquematizadas a seguir.

335
Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Alimentação Aquecimento Resfriamento Desmoldagem

Uma vez que a rotomoldagem não envolve cisalhamento como nos processos convencionais de
injeção, extrusão e sopro, uma das grandes dificuldades é o correto preenchimento dos detalhes do
molde e a eliminação de porosidades. O melt, altamente viscoso, se espalha lentamente pelas cavidades
do molde para reproduzir a sua superfície interna – o que pode levar de 20 minutos a 2 horas (ou mais)
dependendo do polímero e do tamanho e espessura do produto. Os grades utilizados para esse tipo de
processo não possuem uma massa molar muito alta pois, dessa forma, dificultaria bastante a
conformação. Como consequência do uso de um grade mais fluido, o produto final tenderia a ter
limitações na densidade de emaranhados moleculares e no número de moléculas atadoras inter-
esferulíticas, com consequências negativas no comportamento mecânico, incluindo a resistência ao
impacto (como abordado em vários momentos neste livro). A possibilidade de ocorrer degradação
oxidativa durante o (longo) processo é ainda outro fator relevante para reduzir o comportamento
mecânico do produto final. Um guia prático para a moldagem rotacional pode ser encontrado
aqui.

Na produção de tanques de XLPE, o aditivo reticulante mais comum é o peróxido, que se


decompõe em determinada faixa de temperaturas (a depender do tipo de peróxido), gerando radicais
livres que reagem com as moléculas de PE, formando as ligações cruzadas. Existem algumas
recomendações especiais no uso de reticulantes durante a rotomoldagem, buscando, essencialmente,
evitar a reticulação antes da completa conformação do material do interior do molde e a ocorrência de
reações de oxidação. O mais importante, é que o sistema tenha um excelente controle de temperatura
para que possibilite um adequado preenchimento da cavidade após a fusão das partículas de polímero.
No início do processo, a temperatura é elevada gradualmente até ~195°C para que o melt polimérico
fique uniforme e livre de bolhas. É desejável que as reações de reticulação não iniciem antes da completa
conformação do material e saída de gases – isso vai depender do tempo de meia vida do peróxido
utilizado na temperatura de processamento, daí a escolha criteriosa do aditivo e das condições de
processamento. É comum se aumentar a temperatura no final do processamento e manter por alguns
minutos adicionais para acelerar a reticulação.

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8 – Estudos de casos Marcelo Silveira Rabello

Durante o resfriamento do molde ocorre a cristalização do XLPE, com grandes mudanças em


relação ao PE convencional. Com suas moléculas parcialmente reticuladas se espera uma maior
dificuldade em cristalizar e que os cristais tenham menor grau de perfeição. Além disso, as reticulações
resultam em maior massa molar média, o que seria altamente benéfico para as cadeias atadoras. Com
as reticulações unindo os cristais do PE, tem-se uma maior conexão entre os esferulitos, resultando em
melhor balanço de propriedades, como resistência ao impacto e resistência ao rasgamento. Esse tipo de
material também possui uma maior resistência ao stress cracking, o que é altamente desejável para o
caso de armazenagem de produtos químicos. A propriedade prejudicada com esse procedimento seria
o módulo elástico, devido ao menor grau de cristalinidade atingido.

Como o caso tratado aqui refere-se a um vídeo do YouTube, não tivemos acesso aos produtos
moldados para aferição de suas estruturas físicas. No entanto, iremos reportar a seguir um estudo
científico realizado com o XLPE moldado a 200°C e utilizando várias concentrações de peróxido
orgânico (butyldioxyisopropyl)benzenehexane – BIPB). Confira o artigo completo aqui.

A Tabela 1 mostra como a concentração de reticulantes afeta o teor de gel. Trata-se de uma
medida da fração de material não solúvel, sendo relacionado ao grau de reticulação 1. Quanto mais
reticulado estiverem as moléculas, menos cristalizáveis elas serão, o que se observa por uma redução
progressiva do grau de cristalinidade com a concentração de BIPB, atingido um valor de apenas 42,2%
para 1,5% de reticulante adicionado. Trata-se de uma redução muito significativa, o que, certamente,
contribui para uma maior tenacidade do produto final. A diminuição na espessura lamelar também é
considerável, o que deve causar uma maior densidade de moléculas atadoras, provocando amarração
na estrutura do material e, assim, possibilitando maior resistência ao impacto. Os autores do artigo
argumentam também que as reticulações dificultam os mecanismos de formação de dobras nas
superfícies dos cristais devido à
menor mobilidade molecular. Isso
resulta em menor perfeição
cristalina e menor definição da
estrutura esferulítica, como
mostram os exemplos ao lado.

1
O teor de gel está relacionado com o grau de reticulação mas não se trata de um mesmo parâmetro. O primeiro
indica a fração do material insolúvel, podendo ser de 100% se houver uma reticulação a cada duas moléculas. O
grau de reticulação, por outro lado, representa percentual das unidades repetitivas que foram reticuladas, o que
tende a ser bastante baixo no caso do XLPE.
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Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello

Tabela 1. Efeito do BIPB no teor de gel, cristalinidade e tamanho dos cristais.


BIPB (%) Teor de gel (%) Xc (%) Espessura cristal (nm)
0 0 74,3 22
0,3 42,5 64 17,4
0,7 88,1 53,9 12,7
1,5 94 42,2 10

No mesmo artigo mostra-se as consequências observadas nas propriedades mecânicas,


resumidas na figura abaixo. Note que a resistência ao impacto aumentou mais de 10x com a
incorporação do teor ideal de peróxido (~0,7%), às custas de uma redução não tão significativa (~50%)
no módulo elástico de flexão quando utilizado esse mesmo teor.

Em conclusão, e baseando-se nos dados do artigo citado, a maior tenacidade dos tanques de
XLPE em comparação com os de PEAD deve-se, provavelmente, a uma combinação de menor grau de
cristalinidade, menor tamanho dos cristais e maior densidade de cadeias atadoras proporcionadas pela
reticulação molecular.

Esse entendimento está bem alinhado com os princípios tratados aqui neste livro, mostrando
como o controle da estrutura interna do material pode ser importante na confecção de produtos de
ótima qualidade técnica.

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