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FISIOLOGIA

HUMANA

Kamile Pavani
Contração muscular:
organização das miofibrilas
e dos sarcômeros
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Explicar a composição e a organização das miofibrilas na contração


muscular.
„„ Descrever os elementos que constituem os sarcômeros.
„„ Diferenciar e comparar a organização de um sarcômero no estado
de repouso e no estado contraído.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar a fisiologia básica da contração muscular
e seus componentes, como miofibrilas e sarcômeros. Vários princípios
da contração muscular aplicam-se aos três tipos de tecido muscular: o
cardíaco, o esquelético e o liso.

Fibras musculares
As células musculares representam unidades altamente especializadas que
produzem energia mecânica por meio de energia química, convertendo a
energia do trifosfato de adenosina (ATP) em força para realização de trabalho
(por exemplo, para ejeção do sangue, locomoção e peristaltismo). No corpo
humano, podemos encontrar basicamente três tipos de tecido muscular: o
cardíaco, o esquelético e o liso. Em torno de 40% da massa corporal é consti-
tuída por tecido muscular esquelético e aproximadamente 10% pelos tecidos
muscular cardíaco e muscular liso.
2 Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros

Observe a Figura 1 a seguir.

(a) As fibras do músculo esquelético são


células grande e multinucleadas Núcleo
que apresentam um aspecto listrado
ou estriado na microscopia.
Fibra muscular
(célula)

Estriações

(b) As fibras do músculo cardíaco também Núcleo


são estriadas, mas são menores, Fibra
ramificadas e mononucleadas. muscular
Essas células estão unidas em
série por junções, chamadas Disco
de disco intercalares.
intercalar
Estriações

(c) As fibras do músculo liso são pequenas


e não apresentam estriações
Núcleo

Fibra muscular

Figura 1. Tipos de fibras musculares.


Fonte: Silverthorn (2017, p. 378).

Ao microscópio, todos os tecidos musculares são formados por moléculas


de actina e miosina, mas apenas o tecido muscular esquelético e o cardíaco
estão organizados de modo a produzir estriações transversais. Em todos os
três tipos, temos a produção de força pela interação entre as moléculas de
actina e miosina, mediada pelo aumento transitório da concentração de cálcio
intracelular.
Veja a Figura 2 a seguir.
Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros 3

Mitocôndrias
Retículo
sacoplasmático
Filamento
Núcleo
grosso Filamento
fino

Túbulos T

Miofibrila
Sarcolema

Figura 2. Estrutura das fibras musculares.


Fonte: Silverthorn (2017, p. 381).

Os músculos estriados podem ser subdivididos em fascículos constituídos


por fibras musculares, que, por sua vez, são formadas por milhares de miofi-
brilas compostas por cerca de 1.500 filamentos de miosina e 3.000 filamentos
de actina organizados em disposição hexagonal.
O tecido muscular esquelético age sobre o esqueleto de forma voluntária
(controlado pelo sistema nervoso central), participando de inúmeras atividades
importantes, como respiração, locomoção, manutenção da postura e fala. Por
sua vez, o tecido muscular cardíaco, responsável pelo bombeamento do sangue,
é controlado por um marcapasso intrínseco e pelo sistema nervoso autônomo,
sendo considerado um músculo de ação involuntária.
Neste capítulo, nosso objetivo é dirigido à contração muscular do mús-
culo estriado (esquelético e cardíaco). Para isso, é importante revisarmos a
organização estrutural do músculo estriado tanto no seu estado de repouso
quanto no estado contraído.

Composição e organização das miofibrilas na


contração muscular
O sistema muscular esquelético é composto por fascículos que consistem
em feixes de fibras musculares. Por sua vez, a fibra muscular representa uma
célula muscular individual composta por feixes de filamentos chamados de
miofibrilas, sendo que cada miofibrila é dividida, longitudinalmente, em
sarcômeros (Figura 3).
4 Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros

Portanto, conforme Silverthorn (2017, p. 382):

As principais estruturas intracelulares dos músculos estriados são as mio-


fibrilas, que são feixes extremamente organizados de proteínas contráteis
e elásticas envolvidas no processo de contração. Os músculos esqueléticos
também contêm um extenso retículo sarcoplasmático. [...] Cada fibra muscular
contém milhares de miofibrilas que ocupam a maior parte do volume intrace-
lular, deixando pouco espaço para o citosol e as organelas. Cada miofibrila é
composta por diversos tipos de proteínas organizadas em estruturas contráteis
repetidas, chamadas de sarcômeros.

A estriação da célula é resultado do padrão repetido dos filamentos grossos


e finos nas miofibrilas, assim como pelo padrão de alinhamento das fibrilas
adjacentes, conferindo aparência estriada ao músculo esquelético. As mio-
fibrilas são compostas por filamentos de actina e miosina. A miosina são
filamentos mais espessos e a actina são filamentos delgados.

O disco Z (não) Sarcômero


mostrado na parte (c) Banda A
possui proteínas Banda I Zona H Banda I
acessórias que unem
os filamentos finos,
de modo similar às
proteínas acessórias
mostradas na linha M.
As cabeças da
miosina foram (a)
Linha M
Disco Z

Disco Z

omitidas para
simplificação.

(b)

LEGENDA
Actina

Miosina (c) Banda I Zona H Linha M Banda A


Apenas actina Apenas miosina Miosina ligada com (extremidade)
proteínas acessórias Sobreposição de
actina e miosina

Figura 3. Organização do sarcômero.


Fonte: Silverthorn (2017, p. 384).
Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros 5

A distrofina é um complexo proteico formado por muitas glicoproteínas. Esse complexo


é essencial no ancoramento do sarcômero, particularmente da actina ao sarcolema e
à matriz extracelular, sendo importante na manutenção da estrutura e da estabilidade
dos sarcômeros. O gene que codifica esse complexo da distrofina é grande e está
suscetível a mutações que podem gerar disfunções da musculatura esquelética,
chamadas de distrofia muscular.
A distrofia muscular é uma doença caracterizada por fraqueza muscular progressiva
em razão da perda da integridade estrutural própria das fibras musculares. É uma
doença hereditária, que pode atingir diversos grupos musculares.
Já a distrofia muscular de Duchenne é um tipo de distrofia que se caracteriza por
uma ausência completa da proteína distrofina, gerando um declínio rápido na função
muscular esquelética e morte precoce.

Os elementos constituintes dos sarcômeros


Como já descrito, os sarcômeros representam as unidades funcionais das
miofibrilas (visto anteriormente na Figura 1). Cada sarcômero é delimitado
por duas linhas escuras, as linhas Zs, e representa a unidade contrátil do
músculo. Ao lado de cada linha Z temos uma faixa clara, a banda I, que contém
os filamentos finos, constituídos principalmente pela proteína actina. Cada
filamento fino é composto pela agregação de moléculas de actina globular
que formam filamentos de dois cordões em hélice, a actina filamentosa, e
são ancoradas por um citoesqueleto proteico de nebulinas, responsáveis pela
regulação do comprimento desses filamentos.
Portanto, conforme Vanputte et al. (2017, p. 272–273):

O sarcômero é a unidade estrutural e funcional básica do músculo esquelético,


porque é sua menor porção capaz de contrair. Cada sarcômero estende-se
de um disco Z a um disco Z adjacente. [...] A principal função das células
musculares esqueléticas é gerar força pela contração, ou encurtamento. Uma
disposição paralela dos miofilamentos em um sarcômero permite que eles
interajam, o que leva à contração muscular. Essa interação é descrita pela
teoria dos filamentos deslizantes.
6 Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros

A área delimitada por duas bandas Is é chamada de banda A, que contém


os filamentos grossos, constituídos principalmente pela proteína miosina. Os
filamentos grossos são compostos por polímeros da molécula miosina formados
por um par de cadeias pesadas e dois pares de cadeias leves em configuração
cauda-cauda, estendendo-se a partir do centro do sarcômero. Cada molécula
apresenta uma região de cauda e uma região de pontes cruzadas. A região
de pontes cruzadas é composta por braço e cabeças globulares, sendo esta
a porção que se liga à actina e que, em suas cadeias leves, tem importante
função de ATPase na miosina. Os filamentos grossos são ancorados às linhas
Zs por um citoesqueleto proteico formado por titina, estendendo-se da linha
Z até o centro do sarcômero.
A área escura na extremidade de cada banda A representa a sobreposição
dos filamentos finos e grossos. A área clara presente no centro do sarcômero
representa a porção da banda A que contém apenas filamentos grossos. Uma
linha escura no centro do sarcômero, chamada de linha M, contém proteínas
essenciais para a organização dos filamentos de miosina (Figura 2 anterior). Os
filamentos finos se estendem da linha Z para o centro do sarcômero, enquanto
que os filamentos grossos estão localizados no centro, sobrepondo-se à parte
dos filamentos de actina. Ambos os filamentos estão dispostos de modo que
cada filamento grosso esteja cercado por filamentos finos em disposição
hexagonal. A interação Ca++-dependente entre os filamentos gera a força de
contração muscular após o estímulo.
Cada miofibrila é circundada pelo retículo sarcoplasmático, uma rede
intracelular que exerce papel fundamental na concentração de concentração
de Ca++ intracelular. Ao longo de todo o comprimento dos filamentos de actina
temos dímeros de tropomiosina. O complexo de troponinas (troponinas T, C
e I) presentes em cada dímero de tropomiosina influencia em sua capacidade
de inibir a ligação da actina ao filamento de miosina. A troponina T se liga à
tropomiosina; a troponina I facilita a inibição da ligação da actina à miosina
pela tropomiosina; e a troponina C se liga ao Ca++, promovendo o movimento
da tropomiosina sobre a actina e expondo os sítios de ligação de miosina,
levando à contração do sarcômero.
Veja a Figura 4 a seguir.
Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros 7

A Sarcômero

Banda I Banda A
B Zona H

Linha Z Linha Z
Titina Filamento Linha M Filamento
fino grosso

Figura 4. O sarcômero e os filamentos de actina e miosina.


Fonte: Raff e Levitzky (2012, p. 84).

A fonte de energia da contração muscular


Na contração muscular, o ATP é a fonte de energia necessária para realizar três impor-
tantes funções descritas a seguir:
„„ grande parte do ATP é usada na ativação do mecanismo de caminhar adiante da
contração muscular;
„„ o cálcio é bombeado de volta para dentro do retículo sarcoplasmático, interrom-
pendo a contração;
„„ os íons sódio e potássio são bombeados por meio da membrana da fibra muscular
para criar um meio iônico apropriado para a propagação dos potenciais de ação.
8 Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros

Diferenças na organização de um sarcômero no


estado de repouso e no estado contraído
O aumento da concentração de Ca++ intracelular leva ao processo de contração
do músculo esquelético, regulado pelo filamento de actina. Uma vez liberado o
Ca++, a troponina C promove o movimento da tropomiosina, expondo os sítios
de ligação de miosina nos filamentos de actina, permitindo que se formem
pontes cruzadas, gerando tensão.
Após a ligação miosina-actina, alterações ATP-mediadas na molécula de
miosina levam ao movimento dos filamentos finos em direção ao centro do
sarcômero, diminuindo seu comprimento e contraindo a fibra muscular. O
mecanismo de encurtamento do sarcômero pela miosina é conhecido como
ciclo das pontes cruzadas, subdividido em quatro estados:

1. Estado A: miosina em repouso hidrolisa parcialmente o ATP.


2. Estado B: liberação de Ca++ leva a sua ligação à troponina C, levando
ao movimento da tropomiosina no filamento de actina e expondo os
sítios de ligação da miosina no filamento de actina, permitindo que a
cabeça “energizada” da miosina se ligue à actina adjacente.
3. Estado C: alteração na conformação da miosina, chamada “ação de
catraca”, leva o filamento de actina em direção ao centro do sarcômero.
4. Estado D: durante a transição para o estado C, a miosina libera ADP +
P; a ligação ATP + miosina diminui a afinidade da miosina pela actina,
levando ao seu desprendimento; a miosina hidrolisa parcialmente o
ATP e parte da energia produzida é utilizada para reerguer a cabeça
da miosina, retornando ao estado de repouso.

O ciclo continua até que o Ca++ retorne para o retículo sarcoplasmático.


Diminuindo a concentração de Ca++ intracelular, o íon se dissocia da troponina
C e o complexo troponina-tropomiosina volta a bloquear os sítios de ligação
da miosina no filamento de actina.
Esgotado o suprimento de ATP, como ocorre na morte, o ciclo interrompe
no “estado C”, sem ocorrer o desprendimento do complexo actina-miosina,
levando ao estado de rigidez permanente, conhecido como rigor mortis.
O músculo cardíaco tem algumas particularidades quando falamos em
contração e relaxamento. Sua organização celular ocorre de modo a formar
um sincício elétrico com fortes conexões elétricas e mecânicas com as células
adjacentes, permitindo que o potencial de ação seja estimulado e propagado
por um sistema específico formado por nós (nó sinoatrial e nó atrioventricular)
Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros 9

e feixes (feixe de His e fibras de Purkinje), permitindo que a contração seja


sincrônica entre as câmaras, característica importante para que o bombeamento
seja efetivo e se tenha um débito cardíaco adequado. Assim como no músculo
esquelético, a contração também é dependente de Ca++, mas é necessário o
influxo extracelular de Ca++ durante o potencial de ação para que ocorra a
liberação de Ca++ pelo retículo sarcoplasmático, promovendo a interação
actina-miosina. O relaxamento também ocorre com o influxo de Ca++ de volta
para o retículo sarcoplasmático.

A contração do músculo cardíaco origina a pressão arterial e o coração bom-


beia o sangue para si por meio de um sistema de vasos sanguíneos na parte
externa do coração. Como em qualquer outro tecido, a pressão arterial deve
ser mantida para assegurar o suprimento adequado de sangue para o músculo
cardíaco (VANPUTTE et al., 2016, p. 11).

Comparando a força de contração, podemos dizer que ambas se distinguem


pelo seu mecanismo. Enquanto o músculo esquelético modula sua força de
contração pelo recrutamento de fibras, o músculo cardíaco o faz pela chamada
lei de Frank-Starling e por estimulação simpática. A lei de Frank-Starling
consiste em modular a força contrátil pelo estiramento da fibra. Quanto maior
o estiramento (aumento da pré-carga, seja pelo aumento do retorno venoso ou
pelo aumento do tempo de enchimento), maior sua força contrátil.

Uma jovem de 17 anos chega ao posto de saúde queixando-se de muito cansaço.


Durante a avaliação ela explica que é atleta da escola e que está se preparando para
um campeonato de futebol no próximo final de semana. Ela conta que tem treinado
todas as tardes e noites nas duas últimas semanas, e segue treinando, mesmo sentindo
muito cansaço e desconforto muscular.
Pelo relato da jovem, podemos pensar que ela está em processo de fadiga muscular,
induzida, neste caso, pelo excesso de exercício. A fadiga pode ocorrer em qualquer
um dos pontos envolvidos na contração muscular, do cérebro às células musculares,
ou mesmo nos sistemas cardiovascular e respiratório, que mantêm os suprimentos de
energia e a distribuição de oxigênio para o músculo em exercício.
A fadiga tem sido descrita como um mecanismo de proteção para minimizar o risco
de lesão ou morte da célula muscular.
10 Contração muscular: organização das miofibrilas e dos sarcômeros

RAFF, H.; LEVITZKY, M. Fisiologia médica: uma abordagem integrada. Porto Alegre:
AMGH, 2012.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2017.
VANPUTTE, C. L. Anatomia e fisiologia de Seeley. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016.

Leituras recomendadas
FERREIRA, A. T. Fisiologia da Contração Muscular. Revista Neurociências, v. 13, n. 3, supl.,
p. 60-62, jul./set. 2005. Disponível em: <http://www.revistaneurociencias.com.br/
edicoes/2005/RN%2013%20SUPLEMENTO/Pages%20from%20RN%2013%20SUPLE-
MENTO-15.pdf>. Acesso em: 04 maio 2018.
HALL, J. E. Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2017.
KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy: fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2009.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA. Hipertermia Maligna. 2009. Disponí-
vel em: <https://diretrizes.amb.org.br/_BibliotecaAntiga/hipertemia-maligna.pdf>.
Acesso em: 04 maio 2018.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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