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Isabelle do Nascimento Pessoa

DO CÁRCERE À INTEGRAÇÃO

Experimentação tipológica e proposta de um


módulo penal para o futuro

João Pessoa
Novembro 2018
Isabelle do Nascimento Pessoa_ autora

DO CÁRCERE À INTEGRAÇÃO
Experimentação tipológica e proposta de um
módulo penal para o futuro

Trabalho final de graduação apresentado como


requisito para a conclusão do curso e obtenção do
título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade Federal da Paraíba.

Dr. Carlos Alejandro Nome_ orientador

João Pessoa_ PB
Novembro de 2018
Banca examinadora

____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Alejandro Nome
orientador

____________________________________________________
Prof. Dr. Geovany Jesse Alexandre da Silva

____________________________________________________
Prof. Dr. Pablo de Soto Suárez

P475c Pessoa, Isabelle do Nascimento.


Do cárcere à integração: experimentação tipológica e
proposta de um módulo penal para o futuro / Isabelle do
Nascimento Pessoa. - João Pessoa, 2018.
169 f. : il.

Orientação: Carlos Alejandro Nome.


Monografia (Graduação) - UFPB/CT.

1. Sistema penal. 2. Prisões. 3. Tipo edilício. 4.


Arquitetura penitenciária. 5. Arquitetura especulativa.
I. Nome, Carlos Alejandro. II. Título.

UFPB/BC
Monólogo de uma prisão

Eu sou do futuro. Em algumas palavras vou te contar um pouco


do que eu vejo, dia após dia. Sou um pouco diferente do que estás acostu-
mado a ver — ou não tão acostumado assim, já que as pessoas tendiam a
não me enxergar. Venho de uma arquitetura esquecida, de um “não lugar”
para “não pessoas”. Mesmo sendo contemporâneos a ti, meus ancestrais
são quase invisíveis. Poucos querem vê-los ou discuti-los.
Mas vou te dizer: é muito mais fácil olhar para mim do que para eles.

Pode-se dizer que sou uma prisão do futuro, ou que eu gerencio


uma. Não importa muito para ti de quão futuro estamos falando, mas as
coisas estão diferentes agora. Eu não sou, de forma alguma, uma cria-
ção perfeita. Sei muito bem que o ideal é que eu nem existisse. Mas esta
sociedade ainda necessita de mim, e felizmente aprendeu a me imaginar
de outra maneira.

Quando eu olho para fora, uma cidade a pleno vapor, que não
para nunca. Dentro de mim desenvolve-se uma comunidade com dinâmi-
cas próprias. Eu tenho um pouco de tudo, e sou eu quem separa e junta
este tudo com o resto do mundo. O que nos separa não são mais mu-
ros, como em outros tempos. Na verdade, não sei bem se a cidade e eu
estamos desjuntadas. Ao ser construída no seio de uma cidade edificada,
aproveitei sua infraestrutura e proximidade para inseri-la em minhas dinâ-
micas internas e inserir-me nas suas.

Eu sou casa, sou trabalho, sou escola, sou lazer, sou castigo. As
interações que em mim ocorrem são complexas e fundamentais. Tenho
espaços compartilhados e segregados e meus usuários têm enredos e
heterogeneidade abismais.

Abrigo alguns detentos, não muitos, cada um com sua história


que me antecede e com seus motivos que os trouxeram até mim. Para eles
eu sou uma cidade completa, eu sou tudo. Abrigo também o que tu talvez
conhecesses como agentes, que passam boa parte das horas de seus dias
aqui, e ofereço espaços acessíveis à comunidade, compartilhados com
alguns prisioneiros. Todo este contato é espacializado em minhas células.
Antes com caráter monofuncional, visando apenas a reclusão e punição do
detento, agora eu comporto atividades que podem e devem ser divididas
com os demais cidadãos. Esta mescla me dinamizou e me ajudou a mini-
mizar a inócua segregação que existia entre minha tipologia e a socieda-

7
de. O maior ou menor contato com a comunidade ocorre de acordo com a cisam ser resolvidos e caminhos que devem ser encontrados e seguidos.
própria progressão penal: quanto maior o avanço obtido, maior liberdade Depois de mim, elas devem estar prontas para sair e voltar melhor prepa-
de ações e contatos externos. radas para enfrentar este realidade.

Eu gosto de me ver como um circuito: as pessoas que em mim Ao contrário do que estava sendo construído, com pressupostos
entram, percorrem etapas até me deixarem. A progressão de pena de eficiência e racionalização extrema do espaço edificado, este complexo
comportada toda em uma única edificação, no caso em mim, possibilita de progressão penal que em mim se instaura prevê maior flexibilização de
arranjos espaciais que facilitam a classificação dos indivíduos confinados percursos e ordenamentos espaciais menos rígidos. Com as facilidades de
e permitem maior individualização penal, moldando-os de acordo com as controle proporcionadas por recursos de automatização, foca-se menos
necessidades intrínsecas a cada etapa do percurso. na fácil apreensão visual de cada pedaço do organismo e mais na vivência
Minha gestão é descentralizada e a sociedade tem participação que em mim ocorre, assim como na quebra da monotonia de uma paisa-
em minha administração. Meus presos se organizam em conselhos e gem estática e imutável. Eu sou mais complexa e dinâmica, um organismo
também têm voz ativa em minha gerência. Talvez mais importante, eles vivo. Eu vejo diariamente meus usuários tomarem escolhas, caminho a ou
participam do meu funcionamento, aumentando seu sentimento de apro- b. Alguns variam sempre que podem, outros mantém rituais mais rígidos.
priação e reduzindo custos operacionais. Eu sou um caos ordenado, cheia de pontos cegos. Mas cegos para quem?
Afinal, eu vejo tudo.
Ao longo dos anos eu vi o uso da tecnologia de maneira cada vez
mais incisiva. Eu sou a tecnologia. Eu sou usada tanto para a recuperação A própria ideia de rotina que eu assisto permite aos meus usuá-
do detento quanto para seu controle disciplinar. Os agentes penitenciá- rios alterar e moldar suas atividades de acordo com suas vontades. Meus
rios que conheces não existem mais. Não existem vigias que buscavam espaços são modificáveis para novas apropriações. Os cronogramas são
personificar a hierarquia de poder. Existem profissionais que gerenciam e cheios, e precisam ser para evitar o ócio, mas são menos rígidos e ofere-
direcionam as atividades em mim existentes. cem possibilidades de escolhas.
Eu assisto a dor humana, vejo o quanto eu posso ser nociva e o
O controle se dá através de mim, arquitetura e tecnologia: eu quanto eles podem odiar estar em mim. Sempre é um processo de difícil
vejo tudo e sei tudo que ocorre em mim e ao meu redor. Uso monito- adaptação, em que eles precisam aprender a lidar consigo mesmos.
ramentos visuais, de presença e rastreio, análises sonoras, de coleta e Alguns demoram mais do que outros a começarem a achar seus rumos,
cruzamento de dados biológicos… Quando eu olho novamente para fora, vocações, propósitos, objetivos. Alguns se doam mais, outros imergem
a cidade toda é fiscalizada de maneira onipresente. Como em mim seria menos. Em percursos e progressões mais ou menos lentas, eu vejo as
diferente ? pessoas melhorarem. Elas gradativamente se deslocam em meu circuito
interno, ganham progressivamente mais liberdade e conexão com o mun-
As prisões do teu tempo, minhas ancestrais, trabalham com a do lá fora. É como cumprir meu propósito.
“mortificação do eu”. Os usuários são objetificados. Aqui eu vejo as coisas
tomarem formas diferentemente. Meus usuários precisam participar ati- Esta é a melhor parte em ser eu.
vamente em mim e dedicarem-se ao próprio percurso de reinserção. Por
isso sou mais flexível, eu preciso ser. Eu preciso oferecer possibilidades de
arranjos e re-arranjos. Isabelle Pessoa

As pessoas daqui não são mais bem-vindas lá fora. Ao menos Crônica elaborada pela autora em
agora. Elas chegam em mim, cada uma com conflitos pessoais que pre- uma das etapas deste trabalho.

8 9
Resumo

O cenário atual do sistema penitenciário


brasileiro é um prenúncio de catástrofe: tem-se
consciência de suas falhas, de seus custos e de
sua ineficiência. Contudo, as transformações no
domínio da arquitetura prisional se dão de maneira
extremamente lenta e dificultada pelos próprios
limites e complexidades do tipo penal, contribuindo
para a manutenção de sua obsolescência.
Este trabalho buscou aproveitar seu cunho
acadêmico para criar uma oportunidade de debate,
reflexão e prospecção de como fazer prisões
funcionarem e reintegrarem indivíduos, a partir
do entendimento da lógica social por trás do tipo
edilício e desprendimento de pré concepções do que
conhecemos como cárcere. Assim, adentrou-se em
uma natureza especulativa, ambientada em um futuro
possível ou provável, com uma margem temporal que
permite uma mobilização interdisciplinar e holística.
A resolução e programação de um módulo base,
passível de desdobramentos e adaptações, viabiliza
uma argumentação mais abstrata, contemplando
questões que precedem a materialidade da edificação
em termos programático-funcionais.
Por fim, a experimentação deste novo
tipo penal em um modelo unitário permitiu que
avançássemos as reflexões do micro para o macro
funcionamento prisional, com possibilidades de
integrações a sistemas externos.

Palavras-chave: Sistema penal. Prisões. Tipo edilício.


Arquitetura penitenciária. Arquitetura especulativa.

11
Abstract

The current scenario of the Brazilian


penitentiary system is a harbinger of catastrophe: one
is aware of its failures, its costs and its inefficiency.
However, transformations in the field of prison
architecture occur extremely slowly and are hampered
by the very limits and complexities of the criminal type,
contributing to the maintenance of their obsolescence.
This work sought to take advantage of its
academic profile to create an opportunity for debate,
reflection and exploration of how to make prisons work
and reintegrate individuals, from the understanding
of the social logic behind the type of building and
detachment of preconceptions of what we know as jail.
Thus, it has entered into a speculative nature, set in a
possible or probable future, with a temporal edge that
allows an interdisciplinary and holistic mobilization.
The resolution and programming of a base
module, capable of unfolding and adapting, makes
possible a more abstract argument, contemplating
questions that precede the materiality of the building
in programmatic-functional terms.
Finally, the experimentation of this new
criminal type in a unitary model allowed us to advance
the reflections of the micro to the macro functioning
prison, with possibilities of integrations to external
systems.

Keywords: Criminal system. Prisons. Type of building.


Penitentiary architecture. Speculative architecture.

12 13
Résumé

Le scénario actuel du système pénitentiaire


brésilien annonce une catastrophe: on est conscient
de ses défaillances, de ses coûts et de son inefficacité.
Cependant, les transformations dans le domaine de
l’architecture pénitentiaire se produisent extrêmement
lentement et sont entravées par les limites mêmes
et les complexités du type criminel, contribuant au
maintien de leur obsolescence.
Ce travail cherchait à tirer parti de son profil
académique pour créer une opportunité de débat,
de réflexion et d’exploration sur la manière de faire
fonctionner les prisons et de réintégrer les individus,
à partir de la compréhension de la logique sociale à
la base du type de construction et du détachement
des idées préconçues de ce que nous savons comme
prison. Ainsi, il est entré dans une nature spéculative,
inscrite dans un futur possible ou probable, avec
une limite temporelle permettant une mobilisation
interdisciplinaire et holistique.
La résolution et la programmation d’un module de
base, capable de se déplier et de s’adapter, permet
un argument plus abstrait, envisageant des questions
qui précèdent la matérialité du bâtiment en termes de
fonction programmatique.
Enfin, l’expérimentation de ce nouveau type criminel
dans un modèle unitaire nous a permis de faire
avancer les réflexions du micro vers la prison macro-
fonctionnelle, avec des possibilités d’intégration à des
systèmes externes.

Mots-clés: Système pénal. Prisons. Type de bâtiment.


Architecture pénitentiaire. Architecture spéculative.

14 15
Sumário

17 CAPÍTULO 1

Introdução

33 CAPÍTULO 2

Investigação teórico-conceitual

49 CAPÍTULO 3

Estudo de correlatos

63 CAPÍTULO 4

Investigação propositiva: módulo penal

de reintegração social

109 CAPÍTULO 5

Experimentação propositiva de uma unidade

prisional

161 CAPÍTULO 6


Considerações finais

The ambition of this project is to rid 164 BIBLIOGRAFIA


architecture of responsibilities it can no longer
sustain and to explore this new freedom
aggressively. It suggests that, liberated from its
former obligations, architecture’s last function
will be the creation of the symbolic spaces
that accommodate the persistent desire for


collectivity.

(KOOLHAAS, 1995)

16 17
1 Introdução

No entrecho vigente de aumento de


criminalidade e violência, é natural altear e sublinhar-
se o sistema penitenciário brasileiro, constante
alvo de críticas por seu grave desprovimento de
infraestrutura e consequente ineficiência. Condições
de superlotação e descumprimento da classificação
dos estabelecimentos penais e sua devida destinação
têm trazido agravos substanciais para o próprio
funcionamento do sistema, detentor de altas taxas de
reincidência que criam um ciclo de aprisionamento
infindável. As diversas rebeliões e tomadas de poder
que ocorrem nas penitenciárias de todo o país
demonstram a fragilidade deste complexo sistema que
não consegue assegurar minimamente a segurança do
interno, nem tampouco suas demais responsabilidades
(SUN, 2008, p.16).
Sob os influxos do pensamento positivista,
tem-se pregado a humanização da vivência nas
prisões e o correto cumprimento da pena através do
tratamento individualizado. No entanto, a despeito
desta transferência de propósitos, poucos países têm
logrado conciliar seus estabelecimentos penais com
a Penalogia Moderna1. Mundialmente o Sistema
Penitenciário atual tem sido posto em questão em
debates e políticas públicas, evidenciando o edifício-
prisão como detentor de muitas das expectativas
e esforços populares e governamentais a respeito
da problemática abordada. Países como Noruega e
Alemanha têm avançado na transformação de seus
sistemas e outros, como Estados Unidos, França e
Reino Unido, têm investido em pesquisas que buscam
aproximar cada vez mais o apenamento da reintegração
social. A atual conjuntura jurídico-penal brasileira
por sua vez vem faceando, desde o período pré-crise

18 19
(2008), um raro momento de investimento no setor se a penalogia. No entanto, esta evolução carente de
prisional, amparando uma singular oportunidade de reflexões espaciais que corroborassem o planeamento
revisão e exercício da arquitetura no referido domínio do edifício tem se dado de maneira cíclica, moldando-
(ESTECA, 2010, pp.1-24). se para o cumprimento do objetivo da pena a partir
de necessidades inferidas, sem prospecções ou
Não obstante o interesse e debate pelo
conjecturas (SUN, 2008, p.17; CORDEIRO, 2011,
assunto tenha aumentado nos últimos anos, um
p.124). Ainda, devido às características inerentes ao
aspecto marcante da Arquitetura Penitenciária
próprio domínio da arquitetura —como o longo tempo
brasileira atual é a ausência de estudo e atualização
de construção —, a aplicação de sua atualização
de sua ciência e de sua perícia. Tem-se, por um lado,
teórica não é simultânea aos avanços da ciência
um deslocamento da ênfase na análise de aspectos
penal, contribuindo para a manutenção constante
técnicos do edifício para o estudo das relações
de edificações prisionais fundamentadas em ideias
entre indivíduo e a intervenção arquitetônica, o que
ultrapassadas.
propicia, teoricamente, propostas mais coerentes
no que tange ao usuário e às suas relações sociais.
Em contrapartida, presencia-se uma importante
lacuna no conhecimento da Arquitetura Penitenciária
devido à inópia, generalidade ou superficialidade
do material disponível, compendiados a regras e
recomendações para a edificação sem uma prévia
retomada de reflexões acerca da eficácia do sistema
em questão (ESTECA, 2010, p.4; CORDEIRO, 2011,
p.123). No âmbito da Criminologia, desde as últimas
décadas várias pesquisas solevaram o conhecimento
acerca de avaliações de risco, causalidades criminais
e classificação penal do recluso, alinhando-o ao
diagnóstico de tratamento recuperativo para evitar
e prevenir reincidências. Carece, no entanto, de
espacializações desta ciência que atualizem a prática
e teoria da arquitetura penal, mantendo-se, assim,
o existente descompasso entre os estabelecimentos
construídos e o estado da arte atual da problemática
estudada.
No campo do planejamento, depara-se
com órgãos também desprovidos de infraestrutura
e de profissionais com conhecimentos específicos
sobre o assunto, proporcionando uma deficiência Figuras 1 e 2:
Fotografias da já demolida
no próprio ato de projetar, construir e reformar
Casa de Detenção de São Paulo,
os estabelecimentos penais. Observa-se, sobre popularmente chamada de
a arquitetura penal, que a prisão não adveio de Carandiru, ícone da falha do
uma programação espacial, e sim da emergência sistema penitenciário brasileiro.
da necessidade de espaços para o cumprimento Fonte: https://istoe.com.br/348671.
da pena de reclusão e foi sendo progressivamente Acesso em 22 de setembro de
2018.
modificada e aperfeiçoada à medida que progredia-

20 21
Com a Reforma Jurídico-Penal, marcada de ocupação de 197,4%. Além da superlotação, outro
pela transição de um sistema de justiça despótica dado alarmante é o percentual de prisioneiros sem
e de castigo corpóreo para um sistema de justiça condenação (40%), assim como a inadequação da
social e de castigo humano visando, principalmente, oferta de vagas para as necessidades reais. Ainda, o
a defesa da sociedade no lugar da punição vingativa, não cumprimento consentâneo das progressões penais
foi instaurada a pena de privação de liberdade. Esta previstas em lei agravam a conjuntura encontrada
prevê o encarceramento do indivíduo por um tempo principalmente em penitenciárias de regime fechado
determinado em um local especializado — no caso, (INFOPEN, 2017, p. 9-62). Estes dados podem ser
a prisão —, visando a recuperação do criminoso melhor visualizados nos gráficos a seguir.
através da mudança de sua moral e temor de nova
pena e funcionando como prevenção de delitos e
mecanismo de reinserção social. Augura, ainda, a
individualização da pena, através da classificação
criminológica e a separação dos diversos tipos de
presidiários em estabelecimentos distintos: de regime
fechado, semiaberto e aberto. Contudo, observando-
POPULAÇÃO PRISIONAL 726.712
se a legislação penal brasileira, torna-se evidente
NO SISTEMA PENITENCIÁRIO 689.510
quão destoantes e descompassados encontram-se os
EM CÁRCERES PROVISÓRIOS 36.765
estabelecimentos prisionais da finalidade da penalogia
NO SISTEMA PENIT. FEDERAL 437
moderna, que é a reinserção social de um indivíduo
moralmente recuperado. Enquanto as teorias
Nesta página VAGAS DISPONÍVEIS 368.049
Gráficos elaborados pela autora a
penitenciárias têm como prevalecente os princípios partir de informações coletadas no
DÉFICIT DE VAGAS 358.663
humanistas reformistas no âmbito teórico, as técnicas INFOPEN 2017. TAXA DE OCUPAÇÃO 197,4%
penitenciárias detêm o método de poder na prática Fonte: Depen TAXA DE APRISIONAMENTO 352,6
prisional (ESTECA, 2010, p. 9-13).
De acordo com o INFOPEN de junho de 2014,
fazem-se necessárias profundas reflexões acerca do
sistema penitenciário brasileiro, da qualidade de
nossas prisões, do perfil das pessoas que têm sido EVOLUÇÃO DAS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE ENTRE 1990
E 2016
encarceradas e das práticas de gestão dos serviços
penais. O Depen propõe uma melhoria destes serviços 726,7
em quatro eixos principais: alternativas penais e gestão
de problemas relacionados ao hiperencarceramento;
496,3
apoio à gestão dos serviços e redução do déficit
401,2
carcerário; humanização das condições carcerárias
e integração social; e modernização do sistema
penitenciário nacional (INFOPEN, 2014, p.6). 148,8
90,0
Em junho de 2016, a população encarcerada no
Brasil ultrapassou o marco de 700 mil pessoas privadas
de liberdade, um aumento de mais de 700% em relação 1995 2006 2010 2016

ao registrado no começo da década de 90. Contudo o


sistema brasileiro conta com capacidade para quase
metade deste número, apresentando, pois, uma taxa

22 23
11% 1%4% 1% 0%
17% 1% 9% 6% 7%
26%
5%
2% 19% 30%
3% 15%
49%
8% 11%
2%
3% 14%
24% 12% 26% 51% 19%
25%
TIPO DE ESTABELECIMENTO POR DESTINAÇÃO DISTRIBUIÇÃO POR CRIME DOS PRESOS MASC. ESCOLARIDADE FAIXA ETÁRIA DAS PESSOAS PRESAS NO
estab. regime tráfico homicídio BRASIL
estab. regime aberto analfabeto Ensino médio
provisório quadrilha ou banco latrocínio 18 a 24 anos 35 a 45 anos
afalbetizado sem incompleto
estab. regime outros
fechado roubo desarmamento cursos regulares Ensino médio completo 25 a 29 anos 46 a 60 anos
estab. regime furto violência doméstica Ensino fundamental 30 a 34 anos 61 a 70 anos
semiaberto Ensino superior ou
receptação outros incompleto Mais de 70 anos
acima
Ensino fundamental
completo

1% 2% 1%
6%
11%
15% 21%
5%
3%
1%
40%

20%
26%
7%
41%
38%
POPULAÇÃO PRISIONAL POR TIPO DE REGIME UNIDADES PRISIONAIS POR FAIXA DE RAÇA, COR OU ETNIA DOS PRESOS NO BRASIL
TAXA DE OCUPAÇÃO
sem condenação regime aberto branca
menor que 100% entre 301% e 400% negra
regime fechado internação e
tratamento entre 101% e 200% 401% ou maior amarela
regime semiaberto
ambulatorial entre 201% e 300% sem informação indígena

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Gráficos elaborados pela autora a partir
de informações coletadas no INFOPEN
2017.
Fonte: Depen. Editado pela autora.

24 25
EXPECTATIVA PRISIONAL SOB A ÓTICA CENÁRIO PRISIONAL NO BRASIL
DA PENALOGIA MODERNA

segurança segurança
e controle e controle

reintegração punição, reintegração punição,


social castigo social castigo

progressão progressão
dignidade dignidade
penal penal
humana humana

inserção e inserção e
contato contato
social social

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Figuras 3 e 4: Diagramas comparativos
entre expectativa e realidade prisionais
no Brasil.
Fonte: elaborado pela autora.

26 27
Observa-se que, mesmo em condições distintas SUN, 2008, p. 23; ESTECA, 2010, p.3; GOFFMAN, 1961
de apenamento, superlotação e sistema carcerário, apud CORDEIRO, 2011, p. 124-126; BENELLI, 2014,
existem similitudes entre detentos de diferentes p.4).
países, devido à recorrência dos mesmos fatores de
Além dos reflexos do ambiente construído na
risco principais que levam à conduta criminosa. Em
vida e recuperação do preso, deve-se ainda por em
nações com maiores índices de desigualdade social,
questão os impactos dos estabelecimentos no entorno
observa-se maior incidência de crimes de propriedade
urbano e no imaginário da população a respeito do
e tráfico — com acentuada presença de analfabetismo,
próprio sentenciado. As instalações de novos presídios
educação incipiente e falta de capacitação —, enquanto
acompanham, geralmente, recusa e oposição da
países mais igualitários detém maiores percentuais de
comunidade devido ao temor de consequências
crimes contra indivíduo. A presença majoritária de
negativas como desvalorização de propriedades,
grupos étnicos e sociais marginalizados no sistema
aumento de violência e estigmatização da área. Em
penitenciário é recorrente, assim como condições
algumas cidades britânicas, por outro lado, têm-se
de superlotação e incongruência penal. Estes dados
locado prisões estrategicamente para fomentar e
fornecem, no campo da criminologia, indícios de
estimular o desenvolvimento econômico local com o
fatores causais e pistas de intervenção para o processo
aproveitamento de mão-de-obra conveniente, sendo
recuperativo.
esta, porém, uma conjuntura ainda incipiente mas
O próprio caráter perverso do aprisionamento passível de experimentação (JEWKES et al., 2014, p.9).
detém consequências decisivas para a sanidade e
Quanto a aspectos qualitativos e espaciais, vê-
vida do sentenciado e, assumindo-se a existência de
se a promulgação de uma prática de arquitetura penal
uma relação simbiótica entre arquitetura prisional e
engessada, pouco funcional, com altíssimos custos
o comportamento humano, assim como a influência
operacionais — que ultrapassam amplamente os
que as multideterminações espaciais têm nas
dispêndios de construção —, e que trata de maneira
ações e características do indivíduo, a importância
completamente homogeneizada seus usuários. Os
da utilização de espaços adequados às atividades
materiais e técnicas construtivas empregadas, visando
segundo as demandas do sujeito é latente. Contudo,
o menor gasto possível de instalação, dificultam a
as necessidades do indivíduo encarcerado raramente
flexibilização do estabelecimento, tanto para suprir
são levadas em conta visto que, por este não fazer
necessidades emergidas pós-ocupação, como para
papel de cliente, os programas de necessidades
eventuais expansões e adaptações. Os prisioneiros,
decorrem de imposições do Estado. Para Foucault
aqui tratados como objetos, raramente deparam-
(1999, p. 141), a prisão foi materializada como uma
se com possibilidades de ajustamentos espaciais ao
instituição e aparelho disciplinar exaustivo. Desde
próprio processo de individualização e progressão
o surgimento dos primeiros espaços carcerários, as
penal. Presos que já deveriam estar em regime semi-
conformações espaciais são moldadas a partir de
aberto comumente permanecem em penitenciárias
inferências que perseguem a segurança, vigilância e o
de regimes fechados, sem nenhuma mudança de
controle incessante de pessoal, como pode ser visto
encadeamento e de vivência. Segundo Jewkes e Moran
nos diversos tipos consolidados de edifício prisão
(2014, p. 10), ainda que a relevância das considerações
ao longo da história. Por sua vez, um dos maiores
estéticas para a qualidade de vida dos prisioneiros seja
problemas concernente à arquitetura penitenciária
muitas vezes questionada e minorada, as condições
está no paradoxo inerente à própria execução da pena,
arquitetônicas das instalações estão intrinsicamente
através da qual faz-se mister ressocializar o indivíduo
relacionadas à penúria do cárcere. Semelhantemente,
pela privação das relações sociais, ao mesmo tempo
circunspeções arquitetônicas e plásticas têm grande
em que se exerce a punição vingativa (SÁ, 1990, p.9;
importância para a comunidade, oscilando entre o

28 29
ensejo de prisões que aparentem cumprir seus papeis e Jewkes (2015, p.176) sugerem que estudos no
punitivos mas que também se misturem de maneira âmbito da arquitetura, design e tecnologia (ADT)
discreta ao seu entorno, com uma arquitetura branda, deveriam testar e simular novas iniciativas projetuais.
funcional e ao mesmo tempo austera. Destarte, é imprescindível que se repense o sistema
e sua consequente materialização e que arquitetos
A adaptação de edificações prisionais aos
também tomem papel principal no ato conjecturar, de
estudos mais promissores da penalogia contemporânea
prospectar e propor novas alternativas.
se dá de forma dificultada pela própria dinâmica de
construções arquitetônicas. A carência de trabalhos Deve-se levar em conta, ainda, o descompasso
na Academia que busquem espacializar estes novos existente entre a velocidade de construção de
preceitos, assim como a falta de inovação e mudança na arquitetura e a de mudança social e evolução da
construção de novas penitenciárias, contribuem para a penalogia, que contribui para a obsolescência do
consolidação deste descompasso entre temporalidade edifício. Para Koolhaas (2016), arquitetos devem
arquitetônica e temporalidade penal. Desta forma, buscar compensar os passos lentos de sua profissão,
ganham destaque abordagens do tema que buscam mirando e adequando suas propostas ao tempo
aproximar a prática da teoria, através da extrapolação em que elas serão de fato utilizadas, promovendo
de regras e conformidades contemporâneas e da adaptação e aumentando o ciclo de vida do edifício,
prospecção e proposição de novas ideias e aplicações. invertendo a sequência de ações instaurada há tempos,
em que a arquitetura surge apenas como resposta
A condição antagônica do tema conduz à
sempre atrasada para precisões consolidadas, rígidas
crença de que não se poderia ter um espaço
e urgentes.
prisional completamente condizente à condição
humana, tanto por aspectos substanciais da reclusão,
como por questões econômicas. Segundo Foucault
(1987), a prisão ideal seria justamente a “não-
prisão”. Contudo, apesar desta conjuntura bastante
desmotivadora, teóricos importantes da área,
como Alessandro Baratta, inferem a importância
da busca desta reinserção do sentenciado através,
principalmente, de sua reinterpretação e reconstrução
sobre bases diferentes. Se os alicerces sobre os quais se
estrutura todo o sistema penal são frágeis e detentores
de diretrizes equivocadas, os estabelecimentos
construídos estarão fadados, por conseguinte, ao
fracasso (SUN, 2008, p.21; ESTECA, 2010, p. 204).
Segundo Davidson (1931, p.33, apud MORAN
e JEWKES, 2016, p. 25), as autoridades governamentais
nunca conseguirão extrair o melhor de seus arquitetos
até que as demandas sejam feitas não mais na
forma de planos e materiais, mas sim em termos de
performance e atividades. Para ele, projetar prisões
baseando-se na atuação do tipo edilício, no lugar de
apenas aceitar e replicar o que já foi construído, é a
chave parar alcançar melhores resultados. Moran

30 31
O B J E T I V O G E R A L O B J E T I V O S
E S P E C I F I C O S
Propor, em nível de estudo preliminar, um módulo Atualizar o programa de necessidades proposto
penal a partir da conjectura e definição de novos pelo Estado, moldando-o de maneira mais coerente
princípios e diretrizes de funcionamento prisional. às demandas e necessidades dos usuários do
estabelecimento penal, através de métodos de
programação arquitetônica.

Propor diretrizes de funcionamento da unidade


prisional edificada, a partir de prospecções do
sistema penal.

Relacionar e espacializar premissas de reintegração


social e arquitetura da prisão.

Testar e catalogar variações do módulo penal base,


propondo associações e arranjos de acordo com as
classificações prisionais.

Experimentar, em nível de estudo preliminar, uma


aplicação do tipo edilício proposto em uma unidade
prisional.

Empregar princípios de modulações que viabilizem


flexibilizações do estabelecimento acordadas com
carecimentos pós ocupacionais.

32 33
2 Investigação teórico-conceitual

Penalogia Moderna

A composição de grupos sociais sustenta-


se no estabelecimento de contratos sociais que
fundamentam o direito de punir do Estado. Criam-se
ferramentas, as leis, que tentam regrar e condicionar
as ações humanas, assim como sanções para os
eventuais infratores. Diferentes povos detêm leis
e penalidades diversas, algo visto ao longo de toda
história do homem.
Com a formação do Estado Moderno Liberal,
fruto das Revoluções liberais francesa e inglesa,
o direito-poder de punir medieval é revisto e
reconfigurado, passando por copiosas modificações e
culminando no deslocamento da vingança do soberano
para a busca da defesa da sociedade (FOUCAULT,
1987, p.76). A Reforma Jurídico-Penal, baseada em um
sistema de justiça social e castigos humanizados, foi
influenciada pela filosofia iluminista e renascentista,
com caráter antro-centrista, liberal-individualista e
utilitarista (ESTECA, 2010, p. 8).
De modo geral, as práticas punitivas
tornaram-se pudicas. Não tocar mais no corpo,
ou o mínimo possível, e para atingir nele algo que
não é o corpo propriamente dito. […] O sofrimento
físico, a dor do corpo não são mais os elementos
constitutivos da pena. O castigo passou de uma
arte das sensações insuportáveis a uma economia
dos direitos suspensos (FOUCAULT, 1987, p. 15).

A Reforma estabeleceu a pena de privação


de liberdade como uma das punições humanas e

34 35
úteis, assim como a retenção de bens e perda de (1990, p.9), as consequências do caráter perverso do
direitos civis. Os estabelecimentos de encarceramento aprisionamento chegam a ser deveras drásticas para
perderam seu caráter de transição — antes utilizados a reconstrução do sentenciado, que retorna, muitas
enquanto aguardava-se a punição em si — e passou vezes, em condições sociais piores que no ingresso.
a ser a própria sanção, através, teoricamente, do Pesquisas sobre a psicologia da punição
isolamento e recuperação individual. Com esta nova apontam indicadores dos motivos pelos quais o
acepção, surgiu a necessidade de construir-se novos encarceramento possui um efeito de intimidação
edifícios adaptados ao novo propósito de reclusar limitado. Para que a punição obtenha êxito na
muitos indivíduos concomitantemente, mantendo-os supressão de comportamentos, ela requer aplicação
em plenas condições de saúde e segurança. imediata em níveis intensos, captura e execução da
A Ciência Penitenciária alteia a humanização punição de criminosos por cada crime cometido,
da vivência nos estabelecimentos penais e a adequada impedimento do escape das consequências devidas
aplicação penal a partir de abordagens customizadas por parte do infrator, correta dosagem de acordo
e individualizadas. Isto se dá através da classificação com o mau comportamento e adequação da mesma
criminológica e apartação dos detentos segundo tipos às características do ofensor. Contudo, as condições
de crime, faixa etária e gênero. Esta categorização, necessárias para que a punição seja efetiva são de
segundo Esteca (2010, p. 13), do ponto de vista da difícil aplicação no sistema de justiça criminal, tanto
prevenção positiva é uma garantia de justiça, pois pela impossibilidade de um policiamento onipresente
separa presos que influenciariam nocivamente os quanto pela burocracia do próprio sistema (JAMES,
demais e melhor orienta sua posterior reinserção. 2015, p.15).
Ainda, no âmbito da prevenção negativa e utilidade Quanto à intervenção, faz-se necessário
da pena, esta ordenação permite a aplicação e teste o fortalecimento social e psíquico do indivíduo
de diferentes punições sobre os prisioneiros, segundo encarcerado, promovendo-o como pessoa e cidadão a
crimes e outros condicionantes, facilitando avançar na partir de diretrizes e princípios de reintegração social,
descoberta dos métodos mais eficazes. de intercâmbio sociedade-cárcere, pondo o preso como
Instrumentos foram produzidos para regularizar sujeito e não como objeto (SÁ, 2005, p.5). Alessandro
a relação entre instituição e presidiários, com o Baratta criou este conceito no fim do século XX, que
estabelecimento dos direitos do preso, principalmente constituiria o início de um processo de comunicação
a partir da década de 1930. Concomitantemente, mútuo visando o reconhecimento do próprio preso
foram instauradas entidades internacionais, sob na comunidade, e a recognição desta na prisão. Esta
incumbência da ONU, para uniformização das integração está condicionada ao envolvimento e
técnicas penitenciárias, monitoramento das prisões e corresponsabilização da comunidade pelos delitos que
proposições de recomendações (ESTECA, 2010, p.15). nela ocorrem. “A abertura da sociedade para o cárcere
e do cárcere para a sociedade possibilitaria que ambos
compartilhassem e dividissem a responsabilidade pela
Reintegração social
restauração da relação entre sociedade e aqueles
que, geralmente, possuem com ela uma história de
Um dos problemas decorrentes do modelo conflitos” (BRAGA, 2012, p.4). Assim, a recuperação
penal reformista que suscitou diversas críticas ao só seria viável com o combate a este antagonismo,
longo dos anos é o resultado principal da privação de buscando a superação deste conflito.
liberdade: a devolução de um indivíduo destituído de
valores devido ao adestramento e não uma pessoa
moralmente modificada (ESTECA, 2010, p. 26). Para Sá

36 37
A prisão associar intimamente a concepção penitenciária
à idealização arquitetônica do estabelecimento,
relacionando reforma, recuperação e segurança
A privação de liberdade e o estabelecimento
de prisioneiros a aspectos formais da edificação e
prisional tornaram-se, assim, o cerne do sistema
produzindo o primeiro tipo consciente de edificação
punitivo que temos vigente. Somados a eles, tem-se
penal: o Panóptico, que serviu de modelo, durante
desenvolvido e aprimorado as técnicas penitenciárias,
muitos anos, para diversos estabelecimentos penais
que são conjuntos de métodos empregados à
construídos no mundo, principalmente nos Estados
administração prisional e tratamento dos delinquentes,
Unidos (GARCÍA BASALO, 1959, p.60 apud ESTECA,
como regras e rotinas, buscando sempre a contenção
2010, p.9). Diversos morfologias foram estabelecendo-
de pecúlios e auferir melhores desempenhos e
se em seguida, de maneira isolada ou combinadas
resultados (CARVALHO FILHO, 2002, p. 22).
entre si, a saber: formas radiais, circulares, espinhal,
Aspectos projetuais dos presídios são pavilhonar, blocos paralelos, entre outros
substanciais para o entendimento de espaços
Conquanto o campo da arquitetura,
carcerários, visto que correspondem à materialização,
design e tecnologia (ADT) prisionais permanece
em grande parte, dos objetivos e interpelações de um
insuficientemente explorado e teorizado (MORAN e
sistema de justiça criminal (MORAN e JEWKES, 2015, p.
JEWKES, 2015, p. 163), com carência principalmente
164). Esta apreensão, por sua vez, mostra-se também
na investigação e produção de material empírico que
fundamental para a compreensão das experiências
auxilie na construção de uma abordagem holística do
vivenciadas nestes espaços e para a proposição de
problema em questão.
outras alternativas. Segundo Wener (2012, p.7):
Segundo Thompson (1980, p. 134), se o
(…) prisões representam mais do que
objetivo principal do aprisionamento é o preparo do
apenas depósitos de camas para homens e
indivíduo para reinseri-lo na sociedade, é óbvio que o
mulheres presos ou condenados. São ambientes
mesmo só pode ser alcançado com o combate e alívio
mais complicados do que apenas bom ou ruim,
do que provoca a criminalidade e, assim, a prisão deve
confortável ou não. O desenho de uma cadeia ou
tentar remediar estes desajustes. Assim, para Gill
prisão está criticamente relacionado à filosofia da
(1972, p.120), a arquitetura penitenciária deve auxiliar
instituição, ou talvez até mesmo a todo o sistema
este processo, provendo ambientes que simulem, o
de justiça criminal. É a manifestação física de
mais próximo possível, uma vivência convencional,
objetivos e abordagens de uma sociedade para
sem prejudicar nem priorizar, com relação aos demais
lidar com presos e/ou condenados, e é um palco
cidadãos, programas educacionais, vocacionais,
para a realização de planos e programas para
profissionais, entre outros.
aplicações futuras (…) (tradução da autora).
Nesta página
A história da arquitetura da prisão mostra-se
Figura 5: Diagrama com exemplos como um testamento desencorajador da nossa
A aceitabilidade das instituições correcionais, morfológicos de modelos capacidade, por vezes intencional e por outras
assim como seu impacto nos usuários, advém da consolidados de prisão. acidental, de degradar nossos semelhantes. As
junção de questões psicológicas e sociológicas com Fonte: elaborado pela autora. estruturas das prisões têm continuado a serem
questões físicas dos estabelecimentos. A eficiência construídas de uma maneira que acaba, por um
de uma unidade penal está atrelada intimamente e, meio ou outro, brutalizando seus ocupantes e
por conseguinte, limitada ao próprio sistema no qual privando-os de sua privacidade, dignidade e auto-
está inserido. É evidente um reconhecimento histórico estima, enquanto concomitantemente fortalece
da importância destes espaços desde os primeiros sua criminalidade. […] A prisão contemporânea
experimentos de Bentham, o primeiro teórico a parece permitir a disposição mecânica de

38 39
dominância do sentenciado. Arquitetos no futuro e Dinamarca, de ideias formais mais progressivas,
devem compartilhar alguma responsabilidade para que exploram aberturas, flexibilidade e normalização
as indignidades não-intencionadas decorrentes de no planejamento espacial. Algumas das estratégias
suas obras (JOHNSTON, 1973, p. 53, tradução da utilizadas são: substituição de texturas duras de
autora). mobiliários por acabamentos mais confortáveis,
Desde a década de 1960, houve um utilização da psicologia das cores para personalização
distanciamento de estudos criminológicos que espacial, exploração de iluminação natural e artificial
abordassem o projeto e desenho penitenciário e os para criação da ambiência almejada, manuseio de
que sucederam abordaram principalmente aspectos relações entre interior, exterior e elementos naturais,
históricos e impactos negativos do aprisionamento. assim como experimentações de materiais, artes e
Recentemente novas linhas de pesquisa têm intervenções que minimizem a monotonia do lugar.
introduzido e balançado a prática da prisão, com novos Não obstante a importância de ambientes seguros
discursos acerca de legitimação, segurança, qualidade e adequados para prisioneiros e funcionários, nem
de vida e saúde na cadeia, entre outros (MORAN sempre as estratégias supracitadas são libertadoras
e JEWKES, 2015, p. 168). Contudo, percebe-se a e suficientes para criar prisões eficientes e que
constante exclusão da arquitetura, design e tecnologia potencializem a recuperação do detento. Uma das
(ADT) penal como pontos chaves na discussão. justificativas é a condição altamente restritiva dos
Estudos no campo da psicologia ambiental programas que os arquitetos devem responder,
apontam correlações e impacto de condições de condicionando suas propostas a pressupostos não
superlotação em espaços prisionais no aumento de revisitados. Outro fator que contribui é a correlação
estresse dos detentos (SCHAEFFER et al., 1988 apud entre edifício prisão e demais estratégias penais,
MORAN e JEWKES, 2015, p. 168). Segundo Moran e partes componentes do sistema penitenciário cujo
Jewkes (2015, p. 169), existe uma aceitação cautelosa sucesso está atrelado a uma abordagem holística e
de que o desenho de espaços carcerários têm efeito multidisciplinar do problema.
direto no comportamento e controle dos prisioneiros. Regimes que facilitam bons relacionamentos
Esta ideia tem sido amplamente aplicada nas pesquisas entre os diferentes usuários, assim como a oferta de
que têm focado, principalmente, nos aspectos condições decentes de habitação e trabalho dentro
negativos do ambiente na recuperação dos presos, das penitenciárias, tendem a compor instalações de
em como suprimir comportamentos não desejados custódia mais saudáveis (MORAN e JEWKES, 2015,
— como auto mutilações — e menos em como p. 170-178). Gill explora o uso de monitoramento
potencializar a recuperação do usuário, através, por eletrônico como uma extensão das estratégias
exemplo, da exploração do potencial da experiência carcerárias, sugerindo que o confinamento pode
positiva individual e em grupo, que tem sido em parte ser alcançado independentemente de restrições
negligenciada. Para Siserman (2012, apud MORAN físicas e que formas alternativas de punição — não
e JEWKES, 2015, p. 169), estudos de prisões como necessariamente apoiadas no sistema prisional
edificações e ambientes nos quais o comportamento atual — podem ser tão repressivas quanto o modo
de detentos pode ser dramaticamente mudado tradicional (2013, p.26 apud MORAN e JEWKES,
— e que investiguem como isso pode acontecer — 2015, p.165). Outra inferência que se tem é a do
permanecem escassos. cárcere como algo a mais do que apenas espaços
Existe um crescente reconhecimento global de confinamento, mas também uma ferramenta de
da relativa ineficácia e condições inumanas do reconstrução social e psicológica que extrapola os
modelo prisional modernista, e a experimetação, muros de uma penitenciária.
em alguns países europeus como Noruega, Islândia

40 41
Classificação penal na criminologia moderna O princípio de riscos infere que
comportamentos criminosos podem ser previstos e
que o nível de tratamento deve ser coerente ao nível
A classificação de comportamentos
de risco de reincidir, devido à presença dos fatores que
criminosos é uma prática que visa desafiar, direcionar
influenciaram à conduta criminosa. Reclusos com altas
e corrigir comportamentos criminosos em regimes
chances de reincidência precisam ser alocados em
de custódia. Mundialmente, a avaliação de ofensores
programas de tratamento mais intensivo, enquanto
é principalmente utilizada para classificação,
os de baixa ou nenhuma, devem receber intervenções
intervenção, gestão de riscos e condicionais. A
mínimas. O princípio de necessidades afirma que
avaliação de detentos é a base da intervenção
tratamentos efetivos devem focar em transformar
criminológica e sua aplicação direciona terapeutas e
deficiências criminogênicas, isto é, fatores dinâmicos
agentes de custódia para reabilitar os ofensores de
altamente relacionados à conduta criminosa, e não
maneira adequada. Esta perspectiva é consistente com
em questões não criminogênicas, pois estes não
pesquisas que apontam avaliação de ofensores como
estão relacionados à redução de reincidência. Já o
ferramenta efetiva na continência e direcionamento
princípio da responsividade firma que programas
de comportamentos criminosos e reincidentes.
de reabilitação devem ser aplicados de maneira
O RNA (risk and needs assessment) é um consistente à habilidade individual de aprendizado e
instrumento utilizado na criminologia e consiste que as formas mais eficazes de terapia são a Cognitivo
em uma série de itens usados para coletar dados Comportamental, TCC, e as de aprendizagem social
sobre comportamentos e atitudes relacionados à (JAMES, 2015, p.6-9).
ação criminosa, assim como ao risco de cometerem
Oito fatores de risco e necessidades compõem
crimes novamente. Ele pode servir como mecanismo
as principais variáveis de causalidade na análise de
de classificação dos detentos — em baixo, médio ou
comportamentos criminais de indivíduos. Os quatro
alto risco de reincidência — e de direcionamento
principais — histórico de comportamento antissocial,
a programas de reabilitação mais adequados. Os
padrão de personalidade antissocial, cognição
instrumentos de avaliação exploram riscos estáticos
antissocial e associações interpessoais antissociais —
— como acontecimentos passados, gênero, idade
estão vinculados à Terapia Cognitivo-Comportamental,
de primeira reclusão, por exemplo — e dinâmicos —
e os demais, a outras atividades específicas.
estado civil, nível de educação estabilidade financeira,
entre outros. Os primeiros são imutáveis e os segundos,
passíveis de intervenção, devendo estar em coerência
com as atividades que buscam recuperar e reinserir
socialmente o ofensor.
O paradigma mais creditado na literatura da
predição de risco é o RNR (Risks - Needs - Responsivity
ou Riscos - Necessidades - Responsividade), baseado
em três princípios fundamentais: avaliação de riscos,
direcionamento de necessidades criminogênicas e
aplicação de tratamentos responsivos às características
individuais. Baseia-se na Psicologia Social, que postula
que indivíduos e fatores sociais e situacionais se
cruzam, criando valores, cognições e orientações de
personalidades que condizem à conduta criminosa
(JAMES, 2015, p.5).

42 43
FATOR DE RISCO/ INDICADORES ALVO DE FATOR DE RISCO/ INDICADORES ALVO DE
NECESSIDADE INTERVENÇÃO NECESSIDADE INTERVENÇÃO

Histórico de Isso inclui o envolvimento A história não pode ser Circunstâncias Relacionamentos de baixa Reduzir conflitos,
comportamento precoce em várias alterada, mas os alvos familiares / qualidade entre a criança e construir relacionamentos
antissocial atividades antissociais. de mudança incluem o maritais os pais (no caso de jovens positivos e aprimorar
Os principais indicadores desenvolvimento de novos infratores) ou cônjuges o monitoramento e a

FATORES DE RISCO MODERADOS


FATORES DE RISCO PRINCIAPIS

incluem ser preso em comportamentos não (no caso de agressores supervisão.


uma idade jovem, um criminais em situações de adultos) em combinação
grande número de ofensas alto risco e a construção de com expectativas neutras
anteriores e violações da crenças de autoeficácia que em relação ao crime ou às
regra durante a liberação apóiem a reforma. expectativas procriminais.
condicional.
Padrões de As pessoas com esse Desenvolver habilidades Educação/trabalho Baixos níveis de Melhore o desempenho,
personalidade fator são impulsivas, para lidar com o desempenho e envolvimento, recompensas
antissocial aventureiras, que buscam autocontrole fraco, o envolvimento e baixos e satisfação.
o prazer, envolvem-se em gerenciamento da raiva níveis de recompensas e
problemas generalizados, e a má resolução de satisfação.
são impiedosamente problemas.
agressivas e demonstram
um desrespeito insensível
pelos outros.

Cognição As pessoas com esse fator Reduzir o pensamento Lazer e recreação Baixos níveis de Aumentar o envolvimento
antissocial mantêm atitudes, crenças, anti-social e sentimentos envolvimento e satisfação e a satisfação de atividades
valores, racionalizações e através da construção e de atividades de lazer não de lazer não criminosas.
identidade pessoal favo- praticando pensamentos criminosas.
ráveis ao crime. Indicado- e sentimentos menos
res específicos incluem a arriscados.
identificação com crimino-
sos, atitudes negativas em
relação à lei e ao sistema
de justiça, crenças de que Dependência de Problemas com o abuso de Reduzir o abuso de
o crime trará recompensas substâncias álcool e / ou outras drogas substâncias, reduzir
e racionalizações que justi- (excluindo o tabaco). Os os apoios pessoais e
fiquem o comportamento problemas atuais com interpessoais para o
criminoso (por exemplo, a abuso de substâncias comportamento orientado
“vítima mereceu”). indicam um risco maior do para a substância e
que os problemas de abuso melhorar as alternativas ao
de substâncias no passado. abuso de substâncias.
Associações Este fator inclui tanto a Reduzir a associação com
antissociais associação com outros outros procriminais e
procriminais como aumentar a associação com
isolamentos de outros outros anticriminais. Tabela elaborada pela autora, a partir de dados encontrados
anticriminais. em JAMES, 2015, p. 8

44 45
Vigilância e controle

Enquanto estratégias contemporâneas de


vigilância através de instrumentos tecnológicos
permitem maior segurança de pessoal, também
reforça a ausência de privacidade e demanda maior
autocensura dos funcionários, que podem ser afetados
por emoções conflitantes de controle e poder (MORAN
e JEWKES, 2017, p. 176).
As prisões, assim como diversas outras
tipologias edilícias, passam por mudanças que miram
o monitoramento de todos os usuários através de
interfaces tecnológicas que encorajem flexibilidade
de movimentos, enquanto mantêm altos níveis de
segurança. Os principais instrumentos mobilizados
atualmente são câmeras sem fio com transmissão
de imagens digitais, com detecção de objetos e
FH FL movimentos atípicos; monitoramento biométrico e
eletrônico de prisioneiros e visitantes, permitindo
o rastreamento de corpos em quaisquer lugares
FA FE FQ dos edifícios; dispositivos de escuta e patrulha para
identificar o uso ilícito de aparelhos telefônicos, sinais
precoces de comportamentos agressivos, entre outros
(MORAN e JEWKES, 2015, p. 177).
Nesta página Evidências indicam que desenhos podulares
Figura 6: Diagrama com a assistidos por tecnologia e descentralizados
incidência possível dos tipos de aproximam-se mais da normalidade de espaços não
fatores de risco, com gradação
prisionais, proporcionando maior segurança e conforto
crescente de cima para baixo.
e diminuindo a quantidade de portões, grades e
barreiras físicas de controle, além de permitir que
Legenda:
agentes penitenciários tenham papel mais importante
FA- Fator de risco principal, na recuperação de detentos do que simplesmente a
relacionado a histórico, patrulha (SPENS, 1994, apud MORAN e JEWKES, 2015,
personalidade, relacionamentos e
p.177). O uso positivo da tecnologia poderia extrapolar
cognição antissociais
noções de hierarquia prisional, transformando
FH- Circunstâncias do habitar e complexas relações verticais e horizontais existentes
relações interpessoais
entre prisioneiros, oficiais e visitantes.
FE- Educação e capacitação Embora a falta de privacidade tenha sido
profissional amplamente reconhecida como uma das maiores
FL- Recreação e lazer penúrias do cárcere, estudos escassos têm explorado
FQ- Abuso de substâncias químicas e testado os potenciais que estes instrumentos
não personificados de poder têm de modificar
Fonte: elaborado pela autora.
pressupostos espaciais da tipologia estudada.

46 47
Pesquisas apontam e identificam maneiras pelas quais copiado. Partindo-se de um mesmo tipo, podem-
prisioneiros na França e na Rússia conscientemente se obter diversos modelos, mas não o contrário.
praticam manobras táticas de negociação espacial (BORBA, 2008, pp. 25 - 26).
para encontrar momentos de isolamento em prisões
superlotadas (MILHAUD e MORAN, 2013 apud Algumas teorias contemporâneas aceitam a
MORAN e JEWKES, 2015, p. 165), cuja arquitetura, relevância e o impacto que as motivações sociais têm
rígida e expositiva, inviabiliza todos os momentos de na arquitetura e as expectativas sociais de utilização
privacidade precisos pelo homem. Este cruzamento do objeto arquitetônico. Uma delas é a teoria da lógica
levanta o questionamento : como poderiam ser estes social do espaço (HILLIER & HANSON, 1984), segundo
espaços, quando o controle e vigilância não se dão a qual o mecanismo de formação e funcionamento
mais apenas por conformações arquitetônicas? mais primário do ambiente edificado é justamente a
mediação de relações sociais, amparadas por barreiras
Revolta aborta abruptamente os procedimentos e permeabilidade. A arquitetura poderia ser descrita,
normais de projeto. De repente, nauseado pela por conseguinte, a partir dos conjuntos de relações
aparente obrigação da “minha” profissão de engendradas pela conformação espacial e não pelo seu
fabricar diferenças, de “criar” interesse, de lidar aspecto físico-material. Antes de sua materialização, a
com o aparentemente infinito tédio que existe por produção da arquitetura é antecedida por expectativas
aí, inventar. Por que eu? Por que não todo mundo? da sociedade de se viabilizar como estrutura material
(KOOLHAAS, 1995, p. 616) (BORBA, 2008, p.40). Para Thomas Markus (apud
BORBA, 2008, p.40), a ideia dessas convenções é
Uma linha de pensamento semelhante sugere semelhante a um texto que precede o edifício e que
a dissolução da arquitetura penitenciária como única este é ele próprio um discurso onde podemos ler estas
responsável pelo controle dos detentos e a atribuição expectativas.
deste a diversos domínios que poderiam contribuir (…) a arquitetura é sistema de relações
de maneira conjunta à melhor performance do tipo entre indivíduos e espaço e entre indivíduos e
edilício. a/c
indivíduos no espaço, antes mesmo de ser um
objeto edificado; essas relações são viabilizadas
Tipo edilício e arquitetura por uma estrutura espacial na qual, quando
b d b descrita, podem ser identificados padrões que
Arquitetura é produto de expectativas sociais. refletem as prescrições sociais que motivaram o
(…) Quatremère de Quincy afirma que seu estabelecimento (BORBA, 2008, p. 41).
a/c Considerando o caráter do evento que
existe na arquitetura uma essência particular
a cada exemplar edificado, algo subjacente ao se deseja promover, edifícios com mais alto nível
aspecto físico ou à imagem que a obra assuma. Nesta página de complexidade programática podem subdividir,
Existe uma ‘regra que precede o modelo’ ou a Figura 7: Diagrama elaborado pela multiplicar ou mesmo inverter aquele padrão de
‘razão original da coisa’, um conteúdo sem forma autora com os elementos físicos relação entre usuário do edifício elementar. Sendo
definida, mas plenamente reconhecível — algo que controlam as relações sociais, assim, dependendo de como e onde ocorrem
segundo a teoria da lógica social do
como o ‘espírito do edifício’. (…) Quincy faz uma tais diferenciações, distintos tipos edilícios são
espaço de Hillier e Hanson (1984).
clara distinção entre o tipo e o modelo. Enquanto o elaborados. O raciocínio dos autores sugere um
tipo é algo ‘vago’, o modelo é um produto ‘preciso’. Legenda: caminho para que se descreva a arquitetura
O modelo é reprodutível, é aquilo que é passível de (a) barreira ao movimento a partir do conjunto de relações geradas pela
cópia. Já o tipo, por ser anterior a qualquer imagem (b) permeabilidade ao movimento organização espacial, não por seu aspecto físico-
(c) opacidade à visibilidade material (HILLIER & HANSON, 1984; STEADMAN,
realizada, não permite ser detalhadamente
(d) transparência à visibilidade
1998; apud BORBA, 2008, p. 39).

48 49
3 Estudo de correlatos

O estudo de caso e os correlatos foram


escolhidos tomando-se como critérios a temporalidade,
destaque e importância no meio, índices de
reincidência, entre outros, cada um contribuindo com
algum dos pontos discutidos neste trabalho. São eles:

PENITENCIÁRIA DESEMBARGADOR PANÓPTICO - J. BENTHAM


FLÓSCOLO DA NÓBREGA - PRESÍDIO
DO ROGER, JOÃO PESSOA - BRASIL

PRISÕES APAC, BRASIL HALDEN FENGSEL, NORUEGA

50 51
Penitenciária Desembargador Flóscolo da
Nóbrega - Presídio do Roger

O Presídio do Roger, localizado no bairro do


Roger, em João Pessoa - PB, foi escolhido como estudo
de caso da conjuntura atual das prisões de nosso
sistema penal.
A penitenciária abrigava, em 2016, 1.460
internos (CEDH, 2016, p.3), a despeito da capacidade
para apenas 540 detentos.
Não obstante a destinação da unidade seja a priori
para presos provisórios, a classificação penal não é
respeitada e boa parte dos mesmos são sentenciados
cumprindo regime fechado ou que deveriam estar em
regime semiaberto.
Segundo o relatório do CEDH (2016), os blocos
componentes da unidade são antigos, construídos
na década de 1940. É composta por uma construção
central, que comporta a área administrativa, quatro
pavilhões mais velhos e dois mais recentes.

(…) as pequenas janelas de ventilação Nesta página


existentes nas celas destes pavilhões estão sendo Figura 8: implantação do Presídio
fechadas com tijolo, como forma de castigo, do Roger, em João Pessoa.
ficando o ambiente insuportável pela falta de Fonte: extraída do Google Earth e
editada pela autora.
ventilação e pelo extremo calor (…)
(…) no meio da área encontra-se um Figura 9: croqui aéreo do Presídio
prédio que abriga a capela ecumênica, hoje do Roger, implantado em um plano
salão multiuso, e também as celas de castigo e mais alto que seu entorno.
de reconhecimento, que são minúsculos espaços Fonte: elaborado pela autora.
sem ventilação e sem nenhuma condição de vida,
que amontoam seres humanos junto à grande
quantidade de insetos (…) (CEDH, 2016, p. 3).
espaços abertos, superlotação, punições coletivas,
Muitos dos espaços do presídio não funcionam aplicação de medidas disciplinares de maneira
como previsto no programa: o antigo refeitório foi incoerente com o previsto em lei, falta de tratamento
transformado em uma única cela que comporta mais médico e assistência da defensoria, revista íntima
de 130 presos, a PB4; a sala de aula foi transformada vexatória e péssimas condições dos banheiros e
na “Cela da Diversidade Homoafetiva”. Os pavilhões infraestrutura da construção (CEDH, 2016, p. 6).
são divididos segundo facções criminosas e potencial Rebeliões e conflitos internos são frequentes,
ofensivo dos detentos. seja em virtude das condições precárias da unidade,
Segundo o mesmo relatório, as principais seja por desavenças entre facções.
queixas são : falta de liberação dos detentos para os

52 53
Nesta página
Figura 10: sanitários do pavilhão
de visitas íntimas.
Fonte: CEDH, 2016.

Figura 11: foto interna de uma cela


de isolamento.
Fonte: CEDH, 2016.

Nesta página
Figura 12: sanitário de um dos
pavilhões de isolamento.
Fonte: CEDH, 2016.

54 55
Panóptico

O Panopticon foi a primeira prisão idealizada da


qual se tem registro, apresentado pelo filósofo e jurista
Jeremy Bentham — em 1791, na obra The Inspection
House — como a utopia do encarceramento ideal.
Apesar da dificuldade encontrada inicialmente para
sua aplicação, tornou-se o programa arquitetônico da
maior parte das prisões construídas durante os anos
1830-1840, em sua forma original ou miscigenado a
outros estilos, tendo-se transformado em um marco
na teoria da arquitetura penitenciária.
A moral reformada; a saúde preservada; a
indústria difundida; os encargos públicos aliviados;
a economia assentada, como deve ser, sobre uma Nesta página da visibilidade organizada em torno de um olhar
Figuras 15 e 16: Fotografias dominador e vigilante que, para Foucault (2006,
rocha; o nó górgio da Lei sobre os pobres não
do Presidio Modelo, construído
cortado, mas desfeito — tudo por uma simples na década de 1920 na Ilha da
p.215), agiria em proveito de um poder rigoroso e
ideia arquitetural (BENTHAM, 2000, p.15 apud Juventude, Cuba. É uma das meticuloso. Para ele, ainda, a vigilância transforma-se
ESTECA, 2010, p. 35). materializações mais conhecidas em observação, avaliação e aprendizagem.
do Panóptico.
Seu desenho consiste em uma estrutura Fonte: Friman, 2015. Editadas pela
Assim, a ideia do Panóptico vai além da
circular, cujo centro hospeda uma “casa de inspeção”, autora. estrutura de separação hierárquica e do eficiente
da qual um único vigilante conseguiria ter acesso sistema de vigilância. O fato de servir a mais de
visual a toda as celas dispostas ao seu redor — o que um programa edifício só reforça o argumento de
reduz o número de inspetores requisitados —, dando Foucault de que o poder é algo que se torna, de
origem ao seu nome (pan- tudo; óptico - visão). Ao forma difusa, onipresente em meio às diversas
mesmo tempo, esta deve ter seu interior invisível instituições que moldam a sociedade (WHITAKER,
para os detentos, criando um sistema de controle de 1999 apud BORBA, 2008, p. 79).
pessoal exaustivo. Percebe-se o sustento do modelo A ideia do tipo arquitetônico do Panóptico
na formação de um hierarquia clara entre indivíduos, manifesta-se através de um sistema de relações entre
Nesta página de uma nova ordem social que prevê a vigilância indivíduos — estes alocados em lugares precisos da
Figuras 13 e 14: Ilustrações onipresente do indivíduo pelas estruturas de poder edificação — e entre indivíduo e espaço. Constrói-
da proposta do Panopticon de
(BORBA, 2008, p. 77). se a partir da compartimentação e categorização
Bentham.
Fonte: BORBA, 2008. Um espaço vazio, que Bentham chama de de indivíduos, cada um com seu papel e posição na
espaço intermediário ou anular (BENTHAM, 2000, hierarquia do sistema espacial do edifício.
p.19), deve existir entre as celas periféricas e a casa de O Panóptico foi extremamente estudado e
vigilância central, o que viabiliza uma inspeção entre discutidos por nomes importantes, como Giddens
pavimentos. (2003), Goffman (2007) e Foucault (1978), não
A inovação de sua proposta “consistia na necessariamente tratando-se da arquitetura em si, mas
instituição de dois sentidos: um geral — a espacialização abordando de maneira geral questões de vigilância e
de uma situação de vigilância ininterrupta do indivíduo controle.
por uma instituição formalmente estabelecida”
(BORBA, 2008, p. 78) e outro específico: o problema

56 57
Centros de Reintegração Social (CRS) - APAC

O segundo correlato escolhido para estudo


foi o modelo do Centro de Reintegração Social (CRS)
disponibilizado pela APAC — Associação de Proteção
e Assistência aos Condenados, uma entidade civil de
direito privado que funciona de maneira autônoma
jurídica, administrativa e financeiramente. Para atuar
nos presídios, está amparada pelo Código Civil e pra
Lei de Execução Penal — n 7.210/84. As APACS são
coordenadas e fiscalizadas pela FBAC — Fraternidade
Brasileira de Apoio aos Condenados —, que visa
orientar e assistir suas instituições, mantendo em vista
os propósitos das associações (FERREIRA, 2016, p. 20).
Visando a reintegração do preso, os CRSs
apoiam-se em doze pilares fundamentais: 1.
participação da comunidade; 2. o recuperando
ajudando o recuperando; 3. trabalho; 4. espiritualidade;
5. assistência jurídica; 6. assistência à saúde; 7.
valorização humana; 8. a família; 9. o voluntário e o
curso para sua formação; 10. CRS; 11. mérito e 12.
jornada religiosa. Os detentos devem passar por um
processo progressivo de recuperação , da admissão
à soltura, com atividades exercidas que visam prever
assistência à família, educação, saúde, bem-estar,
profissionalização, reintegração social, pesquisas
psicossociais e recreação (FERREIRA, 2016, p.53).

Nesta página
Figura 17: Mapa com unidades de
CRS - APAC existentes em território Nesta página
nacional. Figuras 18, 19, 20 e 21: Imagens de
Fonte: Elaborado pela autora a um CRS - APAC.
partir de dados encontrados em 500km Fonte: FBAC -
http://www.fbac.org.br http://www.fbac.org.br

58 59
Nesta página e na seguinte

Figura 22: Mapas chaves - a


da esquerda para a direita: b
1- área coberta
2- pátio regime fechado
3- área descoberta
4- setorização: a - regime fechado, b
- semi-aberto, c - aberto, d - serviços c
gerais, e - administração d
e

Fonte: elaborados pela autora a REGIMES:

partir de dados fornecidos pela


FECHADO ADMINISTRAÇÃO

SEMI-ABERTO SERVIÇOS GERAIS

FBAC.
ABERTO (ALBERGADO)

PRISÃO ABERTA E CONTATO A comunidade deve se fazer presente, estabelecido SEGURANÇA E PRIVACIDADE visita íntima. Dentro dos setores, os prisioneiros po-
COM A COMUNIDADE laços com os recuperandos e participando do dia a dia dem circular com maior autonomia, sem celas tranca-
da instituição, promovendo fortalecimento social e das e com acesso aos equipamentos oferecidos
prevenindo rupturas. Deve facilitar, ainda, a criação de
vínculos empregatícios pós soltura, entre outros. A rotina dos detentos é rigorosa e preenchida com ati-
vidades educativas, religiosas, sociais, de capacitação,
A inserção de novos CRS deve ocorrer de modo a faci- reuniões, gincanas, atendimentos especializados indi-
INSERÇÃO litar o contato com a comunidade, que tem papel de ROTINA, FLUXOS E PERCURSOS vidualizados, visitas íntimas etc. As atividades são se-
grande importância na recuperação dos detentos. torizadas de acordo com os usuários e tipo de regime
(fechado, semi-aberto e aberto), compartilhando-se
Existem modelos disponíveis para CRSs de 84 e 120 de- área administrativa e de serviços gerais. Cada bloco
tentos. O modelo maior comporta espaços destinados de regime é composto por espaços fechados e aber-
CLASSIFICAÇÃO, TAMANHO para diferentes classificações de detentos — regime tos, além de funcionarem de maneira independente.
E ABRANGÊNCIA fechado, semiaberto e aberto —e possui processo de A mudança entre espaço de regime semi-aberto para
admissão padrão da APAC. o fechado se dá a partir de espaços de transição, como
eclusas, que separam e delimitam os fluxos. Estes são,
A progressão penal apoia-se na ideia de mérito do por sua vez, racionalizados em corredores ortogonais.
detento, que o leva da admissão à soltura através do
PROGRESSÃO PENAL percurso de atividades de recuperação. Segundo Fer-
reira et al. (2016, p. 76), destaca-se a importância de
uma CTC (Comissão Técnica de Classificação) que via-
bilize, ao longo do trajeto, o correto acompanhamento
e classificação quanto às necessidades de tratamento
individualizado, alterações de apenamento, entre ou-
tros.

Nos regimes fechado e semi-aberto, as celas têm 13,70


m2, compartilhadas por 6 detentos, com quartos para

60 61
Halden Fengsel com televisão, mesas, frigobar, banheiro com chuveiro
e janelas de vidro que permitem maior entrada de luz
A Prisão Halden é uma penitenciária de natural. Grupos de 10 ou 12 celas têm espaço comum
segurança máxima, localizada em Halden, na Noruega. com cozinha e espaço de estar, com sofás modulares
É a segunda maior prisão do país, tendo sido construída e entretenimentos digitais. Eles ficam trancados
Nesta página em 2010, ambicionando e mirando o principal nestes pavilhões durante 12 horas por dia, sendo
Figura 23: croqui de implantação
propósito da Penalogia Moderna: a reabilitação e aconselhados a socializarem e utilizarem os demais
da prisão Halden.
Fonte: Archdaily. reintegração social. É um projeto de autoria de dois ambientes compartilhados durante o resto do dia.
escritórios Erik Møller Arkitekter e HLM arkitektur. São ofertadas atividades recreativas,
Figura 24: implantação da prisão Para isso, seu funcionamento é bastante esportivas, de trabalhos manuais com madeira,
Halden. semelhante ao mundo exterior. Diversas atividades Nesta página cozinha, aulas de música, bibliotecas, capelas.
Fonte: Imagem produzida pela
são compartilhadas entre detentos e funcionários Figuras 25, 26, 27: Prisão Halden, As refeições podem acontecer no refeitório
autora a partir do Google Earth.
desarmados, proporcionando uma atmosfera mais Noruega. ou os usuários podem comprar seus ingredientes no
comunitária. Os detentos condenados por crimes Fonte: Archdaily mercado interno do estabelecimento e cozinhar suas
graves compõem cinquenta por cento de sua próprias comidas.
população carcerária, cerca de 250 presos, e um terço As visitas são permitidas duas vezes na
é composto por traficantes de drogas. semana, um benefício que pode ser retirado dado o
Os que necessitam de cuidados psiquiátricos descumprimento de regulamentos internos. Existem
ficam separados dos demais, assim como os que espaços para visitas individuais, com quartos equipados
passam por recuperação de dependência química. Os com cama, pia, sanitário e preservativos , e para visitas
demais presos habitam outros dois blocos, em celas de família, com apoio para crianças. Visitas de longa
de aproximadamente dez metros quadrados, todas duração também são viabilizadas em pequenas casas
isoladas, com mais de um cômodo, cozinha e espaços
de lazer.

62 63
4 Investigação propositiva:
módulo penal de reintegração
social

A importância da separação de detentos para


melhor performance de sua recuperação sugere a
manutenção de diferentes tipos edilícios responsivos
às características comuns de conjuntos de presos.
Segundo James (2015, p.6-9), a eficácia do trabalho
de reinserção está combinada ao nível de risco de
reincidência do ofensor, isto é, detentos de médio e alto
risco respondem melhor às atividades recuperativas
que os de baixo risco, que deveriam ter menos contato
com os demais. Assim, os crimes cometidos seriam
divididos em violentos e não violentos, e os presos, em
baixo, médio e alto risco de reincidência, baseando-se
na quantidade de índices sinalizados.
Prisioneiros de baixo risco condenados por
crimes não violentos poderiam — como diretriz geral
— passar por penas e acompanhamentos alternativos,
não necessariamente o encarceramento. Os demais
passariam por circuitos de tratamento personalizados.
Devido à alta incidência de crimes de propriedade,
e à menor complexidade causal destes delitos
comparando-os com os cometidos contra outro
indivíduo, este trabalho contempla o estudo do
tipo destinado a prisioneiros de médio e alto risco
condenados por crimes não violentos. Este ensaio deve
ser entendido em sua temporalidade, classificação dos
detentos sob a ótica da criminologia, progressão penal
e atividades realizadas no centro de recobro.

64 65
Temporalidade

Para construção de um marco de referência


que deve ser perseguido e alcançado com as
proposições projetuais, faz-se necessário seu
entendimento em termos de temporalidade. A ideia de
repensar o edifício penal nos desprende do presente e
nos conduz à ideia de como ele poderia ser em um
futuro possível ou provável e como este experimento
idealizado pode nos levar, de alguma forma, a ajudar
a firmar uma nova realidade acerca do tema. Para

NV V
isso, buscou-se cruzar prospecções do que poderia ser
este novo sistema e performance do edifício com seu
tempo de funcionamento — um futuro social passível
de ser imaginado a partir da coleta de informações do
BR passado e do presente.
Uma imersão em obras de grandes nomes da
Futurologia, ou nas suas ramificação e revisões, fornece

MR x
pistas dos pontos de interesse que demandam maior
atenção, como a maior participação de máquinas nas
atividades do homem e sua espacialização, a contínua
substituição do homem por robôs para a realização
AR x de determinadas tarefas e o impacto de avanços
tecnológicos nas dinâmicas sociais. Isaac Asimov, acerca
da Feira Mundial de Nova Iorque de 1964, devaneia a
respeito do que poderia ser um futuro próximo de 50
anos, caso o homem mantivesse distância de armas
nucleares. Para ele, o caminho que a humanidade tem
percorrido — principalmente relacionado à tecnologia
—, é esperançoso, construindo uma perspectiva mais
otimista do que está por vir (ASIMOV, 1964, p.2).
A incorporação de tecnologias inteligentes
pode assumir papel de grande importância tanto
no funcionamento de um edifício prisional quanto
Nesta página de demais tipologias arquitetônicas. Ferramentas
Figura 28: Destinação dos presos já existentes de monitoramento, coleta e análise de
por classificação em baixo, médio dados podem ser integrados em um único sistema
e alto índice de reincidência e de acompanhamento dos detentos, de maneira
violentos/não violentos.
Fonte: elaborado pela autora.
a eximir a arquitetura penitenciária de ser regida
majoritariamente por critérios de segurança e controle,
Figura 29: Diagrama com ocupação permitindo-lhe responder de maneira mais adequada
de carga horária dos detentos de à performance almejada (MORAN e JEWKES, 2015, p.
tempo livre atividades
acordo com classificação RNR. TEMPO ATIVIDADES
177).
Fonte: elaborado pela autora. LIVRE OBRIGATÓRIAS

66
obrigatórias 67
Imagina-se que — desde que se pense em
hierarquias da dualidade privacidade e vigilância
—, quando o domínio não é alcançado através de
conformações arquitetônicas, mas sim por mecanismos
digitais, as prisões podem assumir formas diferentes,
que tenham melhor participação na recuperação de
detentos.
As atividades internas também devem ser
pensadas sob uma visão prospectiva, em como elas
podem ser alteradas pelas novas dinâmicas sociais
e como podem ser assistidas por instrumentos
tecnológicos, por exemplo na individualidade e
especificidade do usuário. A substituição cada vez
maior de determinadas ocupações por equipamentos
nos leva a crer que as atividades laborais que
ocorrem nas penitenciárias — geralmente atreladas à
manutenção da mesma — deverão ser transformadas.
Uma série de questionamentos podem ser levantados
e incorporados nas etapas de idealização afim de
aumentar o ciclo de vida útil da edificação e sua
eficiência: Para que situação as pessoas devem ser
capacitadas? Quais atividades laborais serão realizadas
por máquinas e quais, por homens? Como responder
espacialmente a novas dinâmicas entre homem e
máquina? Respostas a estas perguntas devem facilitar
o processo de aplicação criativa de conceitos como
flexibilidade, modulação e adaptabilidade.

Mesmo assim, a humanidade sofrerá muito com


a doença do tédio, uma doença se espalhando
mais amplamente a cada ano e crescendo em
intensidade. Isso vai ser mentalmente grave,
com consequências emocionais e sociológicas, e
ouso dizer que a psiquiatria estará longe de ser a
especialidade médica mais importante em 2014.
Os poucos sortudos que podem ser envolvidos
Na página seguinte no trabalho criativo de qualquer tipo serão a
Figura 30: Colagem com verdadeira elite da humanidade, pois só eles farão
referências icônicas de
mais do que servir uma máquina (ASIMOV, 1964,
futurologistas.
Fonte: Elaborada pela autora.
p.3, tradução da autora).

68 69
Progressão penal individual. Sublinha-se a importância da participação
ativa de usuários externos na recuperação de detentos,
O processo de recuperação do condenado, tanto dentro quanto fora do complexo. Assim, dividiu-
assim como diversas atividades praticadas pelo se o percurso em quatro etapas principais:
homem, tem seu êxito apoiado, em parte, na
participação ativa do mesmo. Além da oferta de
diferentes ocupações, o atrelamento de sua prática à
progressão da pena se mostra, segundo Pazzian (2014,
p.13), uma ferramenta bastante eficaz no estímulo de
participação dos recuperandos.
Hoje a ideia de progressão penal já é aplicada
em nosso sistema penitenciário, porém apenas
E1 Esta deve ser uma parte
obrigatória da pena de todos os
ingressantes do complexo, pois
E3 Diferentemente da etapa
anterior, esta fase é composta
por atividades internas e
ligada ao bom comportamento, como forma de deve comportar a avaliação, externas, tendo também
recompensa. Funciona como uma promessa distante classificação e triagem dos uma maior interação com
de melhoria, sendo, no entanto, pouco convidativa prisioneiros. É um momento a comunidade. Seus presos
devido a todo o processo estático e incerto do sistema, em que devem ser coletados são majoritariamente de
corroborando para o ócio dominante dos presídios dados, montados perfis médio risco, isto é, com
atuais. Quando atrela-se a pena não apenas a uma classificatórios e construídos maior flexibilidade de agenda
condição temporal, mas também a atividades mínimas programas individualizados de semanal e mais tempo livre.
obrigatórias e crescimento individual do prisioneiro, o tratamento.
condicionamento da soltura pode servir de fomento
ao investimento de ânimo e esforços para sua própria
evolução.
É importante que se tenha consciência do
circuito a ser percorrido e que os diferentes detentos, Nesta fase, dá-se início às Funcionando como um período
nas diferentes fases, percebam-se e interajam entre
si. A aplicação da ideia de progressão no circuito
de um mesmo complexo prisional visa justamente
E2 atividades recomendadas
precedentemente de acordo
E4 de pré-soltura, aqui devem ser
destacados esforços movidos
com as identificações para a reinserção do detento
criar um contato visual e interpessoal que possa criminológicas, englobando em uma extensão do sistema
alavancar a eficácia das atividades propostas. A principalmente detentos com penitenciário, externo ao
partir de ferramentas de avaliação de prisioneiros, o alto risco de reincidência. As complexo edificado, que
monitoramento do progresso dos mesmos deve ser incumbências devem estar proporcione maior estabilidade
feito imperativamente e com constância rigorosa, cerceadas no complexo penal, para o combate à reincidência —
que ateste sua evolução, eventuais retrocessos ou o contato com visitantes deve como segurança habitacional,
problemas que deverão ser solucionados com novas ser mais restrito e controlado e pecuniária e emocional.
estratégias. Neste sentido, o avanço na ciência da as horas úteis semanais, mais
inteligência artificial e técnicas de monitoramento preenchidas com atividades
faz-se necessário para viabilizar um acompanhamento mínimas obrigatórias. Os
individualizado e personalizado. reclusos devem ter menos
Assumindo o papel preventivo do horários livres e menos
encarceramento, o contato com a comunidade livre tempo vago em seus módulos
também deve ocorrer de maneira gradativa, atrelado residenciais.
aos riscos de reincidência e ao próprio progresso

70 71
Classificação criminológica dos detentos

A partir dos princípios de avaliação e


classificação criminológica do RNR, adotou-se-se cinco
fatores de risco principais que levam pessoas a condutas
criminosas: I. Fator de risco principal, relacionado a
histórico, personalidade, relacionamentos ou cognição
antissociais (FA); II. Circunstâncias do habitar e
relações interpessoais (FH); III. Educação e capacitação MÓDULO DE
profissional (FEC); IV. Recreação e lazer (FRL); V. Abuso TERAPIA COGNITIVO
de substâncias químicas (FQ). COMPORTAMENTAL
A incidência destes nos detentos pode ocorrer
de forma simultânea — em presos de alto risco de
reincidência — ou não, afetando a intensidade com a
qual o tratamento deve ser aplicado e a variedade das
MÓDULO DE EDUCAÇÃO
atividades prescritas. Para determinação dos possíveis
E CAPACITAÇÃO
usuários do tipo estudado, simulou-se através de
combinação simples de análise combinatória todos
os potenciais perfis de criminosos. Cada perfil está
atrelado a módulos correspondentes de atividades
de recuperação, que busquem atuar diretamente nos MÓDULO DE
HABITAÇÃO E RELAÇÕES
fatores de risco que conduziram-no ao comportamento INTERPESSOAIS
criminoso. Dentro de cada módulo de atividade existe
o progresso naquele tratamento. Simultaneamente,
Na página seguinte
Figura 31: Diagrama de
a avaliação e classificação dos mesmos permite-nos
classificação criminológica e locá-los na etapa correspondente da pena proposta. MÓDULO DE
destinação aos módulos referentes Desta forma, temos uma categorização dos RECUPERAÇÃO
de atividades obrigatórias. apenados por tipos de fatores de risco e estágio no QUÍMICA E SAÚDE
Fonte: elaborado pela autora. circuito progressivo.

MÓDULO DE LAZER E
RECREAÇÃO

72 73
Atividades, pessoas e relações Devido à alta variabilidade dos usuários, cujos
perfis e número mínimo de atividades obrigatórias
As principais atividades propostas para o são inconstantes, as atividades devem ser pensadas
circuito penal são destinadas a responder os principais em grupos — em quantas pessoas participam
fatores de risco que conduzem ao comportamento simultaneamente — e em carga horária, para
criminoso, visando a reintegração social do indivíduo viabilizar indicações posteriores de quantificação
para gradual reinserção na sociedade. Devem ser e dimensionamento. Em caso eventual de maior
pensadas em módulos, considerando cada um dos incidência de presos de médio risco, com menor
usuários do espaço (detento, equipe, visitante e quantidade de atividades obrigatórias, os espaços
externo) e como abrigar suas relações: ociosos devem ter usos exportados para a comunidade.
Os quatro principais fatores de risco Para melhor incentivar e amparar relações, os
relacionados a comportamento, cognição, grupos devem ser pensados em números divisores de
relacionamentos e personalidade antissociais (FA) 16 — 1,2,4,8,16 —, conforme performance almejada
devem ser trabalhados com sessões de TCC (Terapia de cada atividade. Ainda, deve-se levar em conta o
cognitivo-comportamental). Os fatores de risco tempo sugerido de cada uma das práticas. Assim,
relacionados à educação e capacitação (FE) devem torna-se possível criar relações quantitativas entre os
conduzir ao módulo de aprendizado e formação, diferentes módulos componentes de tratamento.
compartilhado por todos os quatro tipos de usuários.
Problemas relacionados ao abuso de substâncias
Nesta página químicas (FQ) devem guiar a módulos de saúde, e
Figura 32: Diagrama com módulos os de lazer (FL), ao de recreação. A maneira como os
de atividades e usuários possíveis.
detentos habitam e interagem entre si e com visitantes
Legenda: amarelo - detentos; azul
- profissionais atuantes; vermelho - compõe o módulo habitacional, que deve atuar sobre
visitantes; verde: externos. fatores de risco relacionados às circunstâncias do
Fonte: elaborado pela autora. habitar e relações interpessoais (FH).

MÓDULO DE MÓDULO
TERAPIA COGNITIVO EDUCAÇÃO E MÓDULO DE LAZER E MÓDULO
COMPORTAMENTAL CAPACITAÇÃO DE SAÚDE RECREAÇÃO HABITACIONAL

74 75
Terapia Cognitivo-comportamental

Segundo James (2015, p.7), os objetivos das


intervenções quanto aos quatro principais fatores
de risco antissociais incluem: desenvolver novos
comportamentos não criminosos em situações de alto
risco e construir crenças de autoeficácia que suportem
uma reforma individual; desenvolver habilidades
para lidar com o autocontrole fraco, o gerenciamento
da raiva e a má resolução de problemas; reduzir o A D
pensamento e sentimentos antissociais através da
construção e prática de pensamentos e sentimentos 0 1 5

Nesta página
Figura 33: Colagem espaço TCC
menos arriscados; reduzir as associações interpessoais
individual. relacionadas ao crime e aumentar as associações
Fonte: Imagem elaborada pela não criminosas. Para tanto, devem ser realizadas
autora. sessões semanais de TCC com os detentos, de maneira
Na página seguinte
individual e compartilhada — em grupos de quatro e
Figura 34: oito detentos.
A - Isométrica espaço TCC em grupo As sessões individuais acontecem em
B- Planta baixa espaço TCC em ambientes para uma ou duas pessoas. As em grupo,
grupo por sua vez, possibilitam arranjos diferentes de até 8
C- Corte espaço TCC em grupo
pessoas.
D- Isométrica espaço TCC individual
E- Planta baixa espaço TCC É importante que a arquitetura responda com
individual equilíbrio à dualidade de barreiras e permeabilidade, B E
F- Corte espaço TCC individual proporcionando intimidade e conforto privativo,
Fonte: elaborado pela autora. ao mesmo tempo que foge de uma ambiência

C F 1:150

0 1 5

de confinamento. Esses espaços permitem maior


isolamento para introspecção, distrações positivas —
como integração com elementos da natureza — e caso
possível, ampla possibilidade de entrada controlada
de luz natural.

76 77
Nesta página Recuperação do corpo - dependência de substâncias
Figura 35: Colagem com quartos
individuais do módulo de
recuperação de dependência
Ações devem ser mobilizadas para reduzir a
química. dependência de substâncias dos que forem afetados
Fonte: elaborada pela autora. por este fator de risco, visando diminuir os apoios
pessoais e interpessoais relacionados a elas e melhorar
Na página seguinte as alternativas individuais. Devem ser fornecidos
Figura 36:
A- Sala de reuniões em grupo
amparo para desintoxicação e tratamento progressivo
B- Corte sala reuniões em grupo individual e em grupos. Os ambientes deste módulo
C- Suítes individuais também devem estar fundamentados na Teoria de
D- Corte suítes individuais Projeto de Suporte, de Roger Ulrich (1997, p.99),
E- Sala de acolhimento amparando relações sociais, conferindo controle sobre
multiprofissional e recepção
o espaço e sobre níveis de exposição e privacidade, A C
F- Sala multiuso
G- Sala de procedimentos
luminosidade e temperatura. Deve incorporar a
H- WC PCD estação de serviços de saúde do edifício, demandando
I- Consultório odontológico maior controle sobre a mobilidade dos usuários.
J- Consultório de atendimento A presença deste setor no módulo penal não
multiprofissional deve substituir uma transferência para um centro de
K- Estoque
L- Dispensação de medicamentos
reabilitação, se necessário, mas prover cuidados e
e estoque atendimentos emergenciais, assim como espaços que
Fonte: elaborado pela autora. abriguem atividades coletivas contra a dependência. B D

E G H

K L

0 1 5
I J

78 79
Habitar a prisão e relações interpessoais 208) parte do comportamento e das atividades que
ocorrem em um lar e, para contornar as funções
indeterminadas culminadas pelo caráter genérico
Este é um dos módulos mais complexos, em do usuário para o qual se projeta, deve-se empregar
termos de performance, e importantes do sistema, padronizações com variabilidade. A performance
onde os usuários passarão maior parte de seus dias. da moradia deve ser analisada quanto a aspectos
Buscando maior semelhança entre realidades interna ambientais e princípios organizacionais — sistemas
e externa ao cárcere e contrapondo-se à conjuntura hierárquicos dos ambientes e a interrelação entre
atual em que a cela, ao invés de comportar o habitar, é os elementos componentes ou subsistemas. Utiliza-
um gerador de problemas e inibidor ou desestimulador se conceitos de modulação (comportamental e
de melhorias, este espaço deve amparar o permanecer espacial), ordens hierárquicas e flexibilidade. Espaços
e viabilizar relações interpessoais, parte essencial funcionais são compostos por zonas de atividade
da recuperação individual. Assim, o que deve ser com determinados requisitos, a saber: questões
este residir, como responder espacialmente a suas espaciais, como dimensões mínimas ou desejadas;
demandas e como uma moradia pode auxiliar o detento localização e demandas de armazenamento; controle
em seu processo de recuperação? Para Heidegger Nesta página de privacidade visual, acústica e de acesso; requisitos
(1971, p.42), a compreensão do habitar se traduz no Tabela com o cruzamento de técnicos de equipamentos, serviços, climatização; e
modo poético como o homem se encontra sobre a espaços funcionais e zonas de conforto ambiental, acústico e lumínico.
atividades dominantes (preto) e
terra, no princípio básico da existência humana. recomendadas ou alternativas
Os espaços funcionais que ele descreve são:
(cinza). 1. Hall de entrada 2. Banheiro 3. Lavabo 4. Cama de
O habitar, a partir do construir, não se Fonte: elaborada pela autora a casal 5. Cama de solteiro 6. Espaço multiuso 7. Cozinha
restringe a somente possuir uma residência, mas partir de informações coletadas em 8. Refeições 9.Estar. Cada um destes espaços está
é a própria condição em que o homem se encontra Hebert (1977, pp. 199- 208). associado a zonas de atividade:
no mundo. Esta condição é compreendida por
ele como um cultivo, resguardo (…) O habitar
traduz-se em uma morada junto às coisas, já que Espaço funcional Zonas de atividade Espaço funcional Zonas de atividade
elas revelam, por si mesmas, o que é próprio da
existência. (…) traduz o fazer-se no mundo (…) HALL DE ENTRADA entrada/saída ESPAÇO MULTIUSO máquina de lavar
(JESUS, 2007, p. 6). livre circulação tanque lavagem
Uma ponte, um hangar, um estágio, uma manutenção
usina elétrica são construções e não habitações: BANHEIRO ablução armazenamento
a estação ferroviária, a auto-estrada, a represa, lavagem de roupas COZINHA preparação alimentos
o mercado são construções e não habitações. refeições leves
Na auto-estrada, o motorista de caminhão está LAVABO necessidades
em casa, embora ali não seja a sua residência; fisiológicas refeições em grupo
REFEIÇÕES
na tecelagem, a tecelã está em casa, mesmo não
sendo ali a sua habitação. Nelas, o homem de
CAMA DE CASAL dormir: dupla
certo modo habita e não habita, se por habitar
entende-se simplesmente possuir uma residência
armazenamento ESTAR recebimento de
mesa de trabalho visitas
(HEIDEGGER, 2002, p.125).
CAMA DE SOLTEIRO dormir: individual tv em grupo
Para delinear um escopo performático exigido armazenamento lazer em grupo
por um espaço de habitação, Herbert (1977, p. 199- mesa de trabalho
recreação

80 81
Em espaços de reclusão, o paradoxo entre não Os principais núcleos de atividades definidos
ficar só e ainda assim estar em um lugar muito solitário foram:
deve-se à inexistência de gradações ou hierarquias de 1. íntimo, dormir: cama, armazenamento
privacidade e níveis de individualidade que acaba por de objetos importantes, maior autonomia e menor
criar, muitas vezes, altos níveis de tensão e problemas interação;
relacionados à alta exposição. Esta tensão é ainda Nesta página
2. sanitários, banho, manutenção, dml
potencializada pela característica mutável dos usuários Figura 37: Organogramas de 3. estudo, lazer individual, distração
já potencialmente fragilizados. Pesquisas indicam que relações de atividades e de positiva: escrivaninha, armazenamento
um bom habitar pode ajudar a reconstruir e manter ambientes referentes ao módulo 4. lazer em grupo, tv, pequenas e médias
independência, rotinas diárias, confiança e relações habitacional. interações
Fonte: elaborados pela autora.
sociais. 5. cozinhas e pequenas refeições

“A falta de privacidade era nada mais do que ser


denegrido sem motivo, mas tudo faz parte do
sistema prisional.” (FOSTER, 2017)
DORMIR

Além de responder como promover e


espacializar habitações na condição de cárcere, este ESTAÇÕES DE ABLUÇÃO MANUTENÇÃO E LAZER EM GRUPO
módulo deve apoiar-se na Teoria de Projeto de Suporte, TRABALHO LAVAGEM
de Roger Ulrich (1997, p.99), que sustenta — a partir
de técnicas baseadas em evidências — a relação entre REFLEXÕES, ARMAZENAMENTO DE TV REFEIÇÕES
espaço e desenvolvimento pessoal de usuários. Para APRENDIZADO, LAZER OBJETOS PESSOAIS EM EM GRUPO
ele, deve-se promover o suporte social para pacientes, INDIVIDUAL GRUPO
funcionários e visitantes, incluindo acomodações
e espaços de socialização que ajudem a reduzir o NECESSIDADES REFEIÇÕES
estresse. Deve-se, ainda, trabalhar intencionalmente FISIOLÓGICAS LEVES
com o sentimento de controle dos usuários sobre o
ambiente, como questões relacionadas à privacidade, RELAXAMENTO,
iluminação, temperatura, acústica e outros elementos RECREAÇÃO
de projeto. Por fim, relações entre espaço e PREPARAÇÃO DE
ALIMENTOS
natureza, além de outras distrações positivas, devem
estar incorporadas na discussão do habitar como
fomentador do progresso holístico do homem.
Os módulos habitacionais foram divididos
conforme estágio no circuito do apenamento, por 1 1 1 1
comportarem condições diferentes de habitar e
convívio interpessoal, como condições distintas de 2 4 5 4 2
compartilhamento e contato com visitantes e maior 3 3
ou menor tempo de encarceramento obrigatório. A 1 1 1 1
rotatividade dos usuários, e com isto dos companheiros
de moradia, deve ser levada em conta em cada uma
das etapas.

82 83
Nesta página H1: Este espaço deve abrigar durante curta duração
Figura 38: Isométrica de um detentos que passarão por triagens, avaliações
módulo habitacional H1 para 16
reclusos.
e classificações criminológicas, com muitas das
Fonte: elaborada pela autora. atividades de tratamento obrigatórias não iniciadas.
O nível de interação entre eles deve ser controlável,
Na página seguinte
permitindo que os usuários determinem níveis de
Figura 39:
A1- Célula individual - V I
exposição e intimidade. Utensílios de armazenamento
B1- Célula individual - V II e estações individuais podem fazer a conexão entre os A1 B1 C1
C1-Célula dupla - V I núcleos mais privativos e os espaços compartilhados
D1- Célula individual - V III devem ser privilegiados quanto a aspectos qualitativos
D2- Corte célula individual - V III (iluminação, conforto ambiental, visuais etc.) e não
E1- Célula individual - V IV
F1- Célula dupla - V II
fomentadores de estresse.
G - Isométrica variações células Propõe-se células moduladas para um e duas pessoas,
individuais um sistema para abrigar as necessidades mais íntimas A2 B2 C2
H - Isométrica variações células do indivíduo, que permite diferentes formações de
duplas. mobiliários, como mesas de apoio e de estudo, assim
Fonte: elaborado pela autora.
como a composição de aberturas e fechamentos.

D1 E1 F1

D2 E2 F2 1:150
0 1 5

G H

0 1 5

84 85
H2: Neste módulo, os presos devem estar agrupados
em grupos menores, de quatro a oito detentos,
favorecendo uma melhor interação entre os mesmos.
Este não deve ser acessível a visitantes externos
Na página anterior e as interações devem acontecer nos espaços de
Figura 40: Colagem do módulo visitas íntimas ou de socialização. Assim como no H1,
habitacional H1. ambientes compartilhados devem ser valorizados
Fonte: Imagem elaborada pela quanto à iluminação, vista e espacialidade.
autora.
O bloco deve ser composto por células íntimas
Nesta página moduladas, espaços de estar compartilhados
Figura 41: Colagem do módulo
conectados por aberturas geradas pelos próprios
habitacional H2.
Fonte: Imagem elaborada pela
usuários, espaço para preparo de alimentos e refeições,
autora. além de banheiros.

86 87
Nesta página Nesta página
Figura 42: Figura 43:
A- Planta baixa módulo D- Planta baixa módulo
habitacional H2 - tipo a habitacional H2 - tipo b
B e C- cortes do módulo E e F- cortes do módulo
habitacional H2 - tipo a. habitacional H2 - tipo b.
Fonte: elaborado pela autora. Fonte: elaborado pela autora.

A D

B E

C F
1:150 1:150

0 1 5 0 1 5

88 89
Na página anterior
Figura 44: Isométricas módulo
habitacional H2.
Fonte: elaborado pela autora.

Nesta páginas
Figura 45: Colagem módulo
habitacional H2.
Fonte: elaborada pela autora.

0 1 5

90 91
H3: Este estágio confere maior autonomia ao detento,
com mais horas livres de atividades obrigatórias e
maiores possibilidades de interação com terceiros.
Visitantes autorizados podem acessar estes ambientes
em horas programadas, demandando maior
privacidade compartilhada. Assim, os módulos H3
devem ser individuais, equipados com banheiro e
utilitários para o dia-a-dia.

Nesta página
Figura 46:
A- isométrica H3
B - planta baixa H3 Nesta página
C- cortes módulo H3 Figura 47: colagem módulo H3.
Fonte: elaborado pela autora. Fonte: elaborada pela autora.

A B C

B C
1:150
A 0 1 5

92 93
Nesta página H4: O quarto módulo deve fornecer amparo aos
Figura 48: detentos que estão em processo de liberação mas não
A- isométrica módulo habitacional
H4.
têm moradia estável para retornar, funcionando como
B- planta baixa módulo um tipo de albergado. A privacidade para as atividades
habitacional H4. mais íntimas deve ser conferida com mobiliários
Fonte: elaborado pela autora. adequados, como beliches e camas com fechamento
para conferir privacidade mais íntima.

0 1 5
Nesta página
Figura 47: colagem módulo H3.
Fonte: elaborada pela autora.

0 1 5

94 95
Aprender, capacitar

Este módulo deve comportar atividades de


ensino e capacitação profissional, buscando melhorar
o desempenho, envolvimento, recompensas e
satisfação individuais (JAMES, 2015, p.8). Quanto mais
coerentes com as necessidades e vocações específicas
dos usuários, mais efetivos serão os esforços
realizados neste domínio. Assim, sugere-se a aplicação
de princípios de estilos de aprendizado e instrução
experimental para melhor performance espacial.
Segundo teoria do aprendizado experimental
(KOLB, 1984, p. 194), o ato de aprender é melhor
concebido como um processo, e para potencializá-lo,
A o foco principal deve ser o engajamento dos alunos
no mesmo, incluindo feedbacks dos seus esforços
de aprendizagem. Para Dewey (1987, apud KOLB,
1984, p.197), a educação deve ser concebida como
uma reconstrução da experiência individual e todo
aprendizado é um re-aprendizado, facilitado por
um procedimento que trabalha em cima de ideias e
crenças estabelecidas, examinando-as e integrando
novas e mais refinadas concepções. Ainda, afirma
a importância de contrastes e conflitos dentro de
um processo holístico de adaptação ao mundo,
mobilizando todo o funcionamento individual —
pensar, sentir, perceber e comportar-se. Conforme
termos de Piaget (apud KOLB, 1984, p. 198), aprender
acontece através do equilíbrio de processos dialéticos
B da assimilação de novas experiências dentro de
conceitos existentes e da acomodação de conceitos
existentes em novas experiências.
Os diferentes estilos de aprendizado podem
ser melhor adequados às características individuais
com o uso de tecnologia ou de sistemas de mobiliários
projetados para responder a uma variedade
determinada de atividades. Os grupos de atividades
Nesta página devem ser pensados de forma a facilitar interações
Figura 49: Módulo para visitas e individualização, com poucos detentos por equipe.
íntimas. Devem ser criados espaços hospitaleiros e acolhedores,
C
A - isométrica módulo visitas
espaços para aprendizagem conversacional,
B- planta baixa módulo visitas
C- corte módulo visitas
1:150
para desenvolvimento de expertises, para ação e
0 1 5
Fonte: elaborado pela autora. reflexão, sentir e pensar e para desenvolvimento de

96 97
responsabilidade pelo próprio progresso. à distância ou assistida. Propõe-se uma subdivisão
Para Kolb (2006, p. 52), o método de instrução em atividades de educação básica, de educação
experimental pode ser visto como um modo de especializada/vocacional, educação situacional,
Nesta página
Figura 50: Módulo educação básica. locomoção entre diferentes regiões de aprendizado, capacitação prática e ocupações laborais. Alguns
A - isométrica mobiliário educação influenciado pelas características individuais de destes serviços devem ser prestados e compartilhados
básica para 8 pessoas assimilação. Ao invés de ser um processo universal, com a comunidade, isto é, com todos os quatro tipo de
B- planta baixa mobiliário funciona como um mapa de territórios de treinamento usuários: detentos, equipe, visitante, externo. Espaços
educação básica para 8 pessoas
distintos que viabiliza a prosperidade de e interrelação ociosos podem ser exportados ou redimensionados
C- corte mobiliário educação básica
para 8 pessoas
de diferentes estilos. Assim, sugere-se que estes conforme potenciais e necessidades do entorno.
D - isométrica mobiliário educação espaços sejam fluidos, podendo acomodar diferentes A fragmentação da atividade em grupos pequenos
básica para 6 pessoas estilos de ensino e apreensão sem muito esforço. Nesta página
permite até que profissionais de educação e
E - planta baixa mobiliário A assistência tecnológica permite maior Figura 51: colagem módulo capacitação externos possam atuar no espaço por
educação básica para 6 pessoas adequação do treinamento e direcionamento às educação básica. interesses específicos, como a preparação de detentos
F - corte mobiliário educação
carências individuais, através, por exemplo, de Fonte: elaborada pela autora. para inserção no mercado.
básica para 6 pessoas
Fonte: elaborado pela autora. computadores ou óculos digitais que viabilizam ensino

A D

B E

C F 1:150

0 1 5

98 99
Recreação

O setor de recreação busca aumentar o


envolvimento e satisfação de atividades de lazer não
criminosas, devendo fornecer amparo para atividades
esportivas, de lazer compartilhado, meditativas etc.
(JAMES, 2015, p.8).
Para Gutierrez e Almeida (2008, p.100),
lazer e presídios expõem-se em opostos, no qual o
primeiro pode ser caracterizado pela busca de um
A C prazer, partindo-se da ideia do sujeito como agente
histórico, agindo por vontade própria em um contexto
de limitações materiais e conflitos individuais ou entre
grupos. Para Goffman (1996), a estaticidade tenebrosa
de presídios e a reprodução do ilícito pelos padrões
de força, linguagem e grupos são questões que devem
ser levadas em conta no funcionamento da dinâmica
interna do sistema prisional.
B D O entendimento a partir da dicotomia lazer-
trabalho dificulta a abordagem entre lazer e presídios
convencionais, visto que a reclusão promove o
ócio e as atividades desenvolvidas têm mais cunho
terapêutico que de lazer. “(…) o tempo das obrigações
na reclusão não teria um contraponto, isto é, o preso
só possui o tempo de privação de liberdade; o espaço,
em uma instituição fechada, impede a existência do
lazer, por não existir a característica de livre escolha e
movimento” (ALMEIDA E GUTIERREZ, 2008, p. 102).
Autores que discutem o sistema prisional,
como Playfard (1969) e Goffman (1996), e o lazer, como
Dumazedier (1979) e Marcellino (1987), insinuam
pontos chaves pelos quais o lazer surge como algo
inviável na conjuntura atual de presídios: a partir
Na página anterior da ideia de trabalho como contraponto e elemento
E
Figura 52: Módulo educação
constituinte fundamental do lazer, os presos, por não
especializad, capacitação e
educação situacional. trabalharem, não possue-no; e as atividades realizadas
A - planta baixa educação são recreativas e não de lazer, apesar de também
vocacional funcionarem como mitigador de tensões. Segundo
B- corte educ. vocacional Gutierrez (2008, p. 103):
C- planta baixa capacitação prática
D - corte capacitação prática
(…) Refere-se às atividades dos presos
E - planta baixa educação
F 1:150
como recreativas e não de lazer. A busca do prazer
0 1 5
situacional
F - corte educação situacional é o elemento fundamental para a constituição
Fonte: elaborado pela autora. do lazer e recrear-se parte também desse

100 101
pressuposto. Esta separação foi idealizada pelos ambientes devem ser compartilhados com usuários
autores das teorias dicotômicas, com o intuito adventícios, de modo a diminuir o impacto da privação
de dividir as atividades lúdicas no ambiente de de liberdade e reclusão neste âmbito individual e e
obrigação social, isto é, as atividades de lazer aproximar a realidade interna da externa ao cárcere.
seriam as atividade das obrigações sociais. Por O lazer mais informal também deve ser
isso as atividades lúdicas dos presídios poderiam sublinhado na discussão do sistema, devendo ser
ser consideradas recreativas. (…) incorporado na forma de nichos multifuncionais e
adaptáveis. A oferta e disponibilidade igualitária
Este módulo deve amparar recreações de destes recursos pode impactar positivamente sobre
cunho terapêutico e diferentes atividades de lazer o convívio e tensão entre usuários, além de diminuir
enquanto busca de prazer, que tem importância seu uso como ferramenta de poder e dominância de
reforçada por trabalhar com a ideia de grupos e suas presos sobre outros.
relações sociais. A inserção do mundo de fora da prisão
nestas atividades pode ser vista como uma barreira à
criação de uma identidade intramuros definida pela
delinquência (ALMEIDA E GUTIERREZ, 2008, p. 117).

A reabilitação deveria promover a


incorporação das regras compartilhadas no
mundo da vida. Porém, ocorre um distanciamento
das normas compartilhadas porque os reclusos
não possuem um ambiente propício para a
transformação. Deste modo a reclusão serve
como instituição de valorização das normas,
tendo como objetivo ser o espelho social para
reforçar nos indivíduos livres as regras impostas
(ALMEIDA E GUTIERREZ, 2008, p. 116).

O processo de envolvimento dos detentos


com atividades recreativas e distrativas também deve
perseguir a ideia de um mapeamento de performances
para grupos de diferentes tamanhos (divisores ou
múltiplos de 16, preferencialmente). Diferentes
estratégias de monitoramento podem viabilizar uma
flexibilização do determinismo programático rígido,
permitindo o uso deste território de maneira mais
dinâmica e volátil, conferindo certo grau de poder
de decisão aos recuperandos, como qual atividade
realizar e horário de preferência.
Estão sendo propostos para responderem
demandas recreativas: espaços de leitura, de
atividades audiovisuais, de atividades artísticas e
trabalhos manuais, de hobbies e de esportes ou
atividades físicas. Devido a seu caráter social, estes

102 103
A C
0 1 5

Na página anterior e nesta página


Figura 53: Módulo recreação
A - isométrica audiovisual e leitura
B- planta baixa audiovisual e
leitura
C- planta baixa espaço hobbies e
oficinas manuais
D - planta baixa exercícios do 1:250
corpo D 0 1 5
Fonte: elaborado pela autora.

1:200

B 0 1 5

104 105
Outros A atribuição de grupos menores para o
funcionamento das atividades descritas demanda
O conjunto de atividades e ambientes uma lógica mais complexa de desempenho espacial,
correspondentes proposto deve ser complementado visto que as incumbências deverão se dar em um
com componentes auxiliares mais variáveis, como número maior de sessões distribuídas ao longo da
o módulo administrativo, apoio para profissionais e semana para cobrir a totalidade de detentos incididos.
funcionários, sanitários a serviço da unidade, entre Em contrapartida, oferece melhores condições de
outros. interações interpessoais, individualização aplicada e
O programa deve ser alterado conforme dinâmica de rotina menos enrijecida, grande vantagem
potencialidades e problemas do entorno no qual dentro do contexto de reclusão e cárcere.
estará sendo implantada a unidade penal. A lógica de ocupação pode ser comparada à
Ainda, devem ser previstos repostas distribuição de salas disponíveis, aulas necessárias e
programáticas para questões como acessibilidade turmas existentes na montagem de um componente
dos ambientes e módulo habitacional adaptado, curricular.
restaurante e cozinha, nichos de convivência e Nas páginas seguintes ilustrou-se um exemplo
encontros, incluindo um módulo para encontro de composição de rotina de um dia de diferentes
familiar com crianças, pontos de controle de acessos e usuários possíveis da unidade. É importante salientar,
circulação, entre outros. por fim, que o gerenciamento integrado assistido por
tecnologias de monitoramento e processamento de
dados, assim como inteligências artificiais, tornam-se
extremamente bem vindos para otimizar e viabilizar o
exercício alvidrado.

Nesta página
Figura 54: Módulo habitacional
B Na página seguinte
acessível
A - planta baixa Figura 55: Diagrama exemplo de
B- corte
0 1 5 rotinas de um dia por usuário.
Fonte: elaborado pela autora. Fonte: elaborado pela autora.

106 107
HORAS 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23

DETENTO
ADMINISTRAÇÃO RECUPERAÇÃO VISITAS ÍNTIMAS E ESTÁGIO 1
DEPENDÊNCIA FAMILIARES
QUÍMICA E SAÚDE

DETENTO
ESTÁGIO 2

EDUCAÇÃO E ESPAÇOS DE HABITAÇÃO


CAPACITAÇÃO CONTROLE E ESTÁGIO 2
ÁREAS TÉCNICAS

DETENTO
ESTÁGIO 3

LAZER E HABITAÇÃO HABITAÇÃO


RECREAÇÃO ESTÁGIO 1 ESTÁGIO 3 DETENTO
ESTÁGIO 4

VISITANTE
TERAPIA RESTAURANTE HABITAÇÃO
COGNITIVO ESTÁGIO 4
COMPORTAMENTAL

108 109
5 Experimentação propositiva de
uma unidade prisional

O tipo proposto, entendido aqui como uma


relação entre expectativas sociais e estrutura espacial
edilícia, deve ser ajustado conforme necessidades e
oportunidades de seu entorno.
Assim, o programa descrito pode compor
respostas de diferentes tamanhos — determinados
pelos agrupamentos de atividades e usuários — e
organizações formais. A integração e vinculação de
sistemas inteligentes possibilitam melhores respostas
às necessidades locais e otimização de recursos.
Espaços compartilhados, como os módulos de
educação e capacitação, o de recreação e lazer, ou até
mesmo o de saúde, podem ser redimensionados para
comportar um número mais expressivo de usuários
externos. Da mesma forma, oportunidades extrínsecas
de capacitação, integração profissional, espaços
de lazer, entre outras, podem ser incorporadas no
sistema. A proposta deve ser vista como um sistema
em si que deve ser vinculado a sistemas externos para
melhorar ambas performances.

110 111
P Para quantificar-se os núcleos de atividades
Na =
Hu explanados, adicionou-se critérios de tempo e
x (Oa) espaço, determinando-se quais os usuários, ocupação
Ha por uso — número de detentos — e carga horária
mínima semanal para sua realização. As incumbências
Onde:
Na : Número de ambientes principais relacionadas ao tratamento, com exceção
P: População prisional total do módulo habitacional, devem estar contempladas
Hu: Horas úteis semanais nas 12 horas úteis diárias, de segunda à sexta. Criou-
disponíveis se uma equação para determinação do número de
Ha: Horas por sessão de atividade ambientes necessários para a realização de cada
Oa: Ocupação de detentos por
sessão de atividade
atividade, buscando maior economia e otimização do
espaço edificado.
Fonte: Equação elaborada pela Devido à recomendação de um máximo
autora. de 250 presos por unidade federal — o menor
dos tipos existentes —, optou-se por adotar um
número semelhante para simulação do estudo
piloto, facilitando posteriores comparações entre
produto proposto e realidade existente. Também, de
maneira geral recomendam-se números reduzidos
de reclusos por organismo prisional, facilitando sua
operação. A ideia de modulação, além de aplicada
na espacialização e técnicas de construção, deve ser
também incorporada na quantificação de ambientes,
de modo a criar uma relação clara entre número de
detentos e demanda espacial por tipo atividade.
A tabela na página seguinte é um subproduto
da etapa de programação arquitetônica, conferindo
dados quantitativos de ambientes em uma escala de
macro funcionamento. O estudo piloto programático
foi simulado para um total de 240 presos, com
agrupamentos por atividade variáveis entre 1, 2,
4, 8 e 16 e + detentos por atividade, promovendo
diferentes níveis de interação, privacidade e dinâmicas
programático-funcionais.

112 113
ESTUDO PILOTO PROGRAMÁTICO
DE UMA UNIDADE PRISIONAL
CAPACIDADE: 240 PRESOS

A B C A B C
HABITAR ESTÁGIO 1 EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO
550 m2 84 16 3 1800 m2
48 detentos educação básica 20 8 10
11,00 m2/detento educação especializada 10-20 4 20
educação situacional 4 8 2
capacitação especializada
HABITAR ESTÁGIO 2
900 m2 84 8 10
80 detentos
11,25 m2/detento
RECUPERAÇÃO QUÍMICA
175 m2
HABITAR ESTÁGIO 3
6 detentos
1000 m2 84 1 80
desintoxicação 24 1 6
80 detentos
reuniões em grupo 4 8 1
12,50 m2/detento
módulo de saúde

TERAPIA COGNITIVO
HABITAR ESTÁGIO 4
COMPORTAMENTAL
45 m2 12 16 2
275 m2
32 detentos
salas de apoio individual e 2 1 4
1,50 m2/detento
em grupos 2 8 2
RECREAÇÃO E LAZER
OUTROS
1200 m2
750 m2
esportes 7 16 1
restaurante 10 300 1
atividades artísticas 7 8 1
administração
audiovisual 16 2 apoio equipe
leitura 32 1
áreas técnicas
hobbies 7 8 1
espaços espirituais e
meditativos

A: HORAS POR SEMANA | B: OCUPAÇÃO DE DETENTOS POR ATIVIDADE | C: NÚMERO DE AMBIENTES A: HORAS POR SEMANA | B: OCUPAÇÃO DE DETENTOS POR ATIVIDADE | C: NÚMERO DE AMBIENTES

114 115
116 117
Tomemos como campo de experimentação
Santiago del Chile, cidade que enfrenta grave
superlotação de seus presídios. A ideia de
descentralizar o sistema em unidades menores
permite uma distribuição estratégica das mesmas ao
longo do território, adaptando-se às potencialidades
e características do entorno e abrangendo uma
maior parcela da população. Mesmo terrenos mais
longínquos podem ser viabilizados condicionados à
oferta de transportes de alta velocidade que têm o
feliz impacto de encurtar distâncias.
A sudeste da capital temos Puente Alto,
fronteira de expansão da urbe para as montanhas de
San José del Maipo. Se escolhêssemos um dos muitos
terrenos vazios de sua periferia com potencial de
crescimento, a implantação de um equipamento deste
tipo poderia ser dimensionado conforme demanda
do entorno e tendo, inclusive, maior possibilidade de
Na página seguinte
ocupação do terreno e exploração de integração com
Figura 61: Colagem ilustrando a natureza. Sistemas de monitoramento inteligentes
a periferia de Santiago, com e automatizados, junto a uma ocupação espacial
transportes de alta velocidade. decentralizada, podem criar amparo para dinâmicas
Fonte: elaborada pela autora. funcionais mais complexas.

118 119
Em uma abordagem diferente teríamos, por
exemplo, uma cidade como Nova Iorque, com grande
potencial e tendência à verticalização. Em um lugar
cujo solo tem valores eminentes, a ocupação de um
terreno com apenas uma unidade penal poderia
levar à subutilização do mesmo. Se imaginássemos
a locação de um módulo penal na ilha de Manhattan,
o mesmo poderia estar ocupando o espaço aéreo,
acoplado a um complexo de uso misto. Se tomássemos
como exemplo a área do pavimento da torre do One
World Trade Center, maior arranha-céu das Américas,
um módulo para 240 detentos poderia ser implantado
em três lâminas da mesma, ocupando cerca de 2% de
sua área construída. O controle de acesso ao módulo
se daria apenas pelos núcleos centrais de circulação
vertical.
Com a banalização e expansão de sistemas de
Na página seguinte
monitoramento e rastreamento, algumas atividades
Figura 62: Colagem ilustrando a recuperativas podem ocorrer até mesmo fora deste
ocupação de Manhattan. recorte, em outros pavimentos da edificação, ou em
Fonte: elaborada pela autora. outros lugares da cidade.

120 121
A implantação em áreas de meio urbano
adensado sugere uma ocupação compacta,
otimizando o uso dos terrenos disponíveis. Entornos
complexos, de uso miscigenado e com justaposição
de sistemas distintos que compõem a urbe devem
ser encarados como maiores potenciais de integração
do composto penal do qual a unidade proposta faz
parte. A incorporação da fiscalização penal a sistemas
de vigilância da cidade robustece a possibilidade de
extravasar as atividades programáticas da edificação.
O terreno escolhido para a experimentação
propositiva de um modelo a partir do tipo definido ao
longo deste trabalho está localizado no distrito Itaim
Bibi, em São Paulo, cidade com destaque mundial por
sua verticalidade e adensamento. Situa-se na Zona
1. Informação disponibilizada no Oeste, sob administração da Prefeitura Regional de
mapa interativo do Código Urbano. Pinheiros. É um bairro nobre, de alto gabarito e que
Fonte: <https://www.codigourbano. comporta sedes de grandes empresas.
org/nao-acabou-o-espaco-para- O lote está atualmente subutilizado, de
construir-em-sao-paulo/)>. Acesso
propriedade do INSS1 e possui cerca de 9.300 m².
em 06 de setembro de 2018.
Em seu entorno próximo temos o Parque Povo,
Na página seguinte o Shopping Iguatemi JK e complexos empresariais. Faz
Figura 63: Colagem ilustrando o fronteira com o túnel Pres. Jânio Quadros, com a Av.
cenário de São Paulo. Henrique Chamma e com a Rua Professor Geraldo
Fonte: elaborada pela autora.
Ataliba.

122 123
Figura 64:
Itaim Bibi, São Paulo, 2018. Entorno
do terreno escolhido.
Fonte: Google Earth. Editado pela
autora.

124 125
Figura 65:
Ilustração do entorno. Itaim Bibi, São
Paulo, futuro.
Fonte: Elaborado pela autora.

126 127
Nesta página Neste cenário, a ocupação limitada do solo ATIVIDADES | USUÁRIOS FUNCIONÁRIOS PROFISSIONAIS EXTERNOS VISITANTES DETENTOS
Figura 66: Planta de situação do nos direcionou a uma ideia de arranjo compacto, como I II III IV
terreno e entorno. Em projeção,
proposta de implantação do modelo
um cubo ou uma esfera, sendo o primeiro escolhido TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL

penal. para esta exploração. Definiu-se, assim, uma projeção RECUPERAÇÃO E DEPENDÊNCIA QUÍMICA
HABITAR E RELAÇÕES INTERPESSOAIS
Fonte: elaborado pela autora. quadrada de 40m x 40m.
H1 - HABITAR ESTÁGIO 1
Na página seguinte
A distribuição do programa ao longo do H2 - HABITAR ESTÁGIO 2
Tabela de relações entre os volume seguiu dois critérios principais. O primeiro H3 - HABITAR ESTÁGIO 3
diferentes usuários e as atividades deles refere-se aos diferentes usuários dos módulos H4 - HABITAR ESTÁGIO 4
abrigadas. componentes da unidade: detentos, visitantes, VISITAS ÍNTIMAS
Legenda: Preto - relação forte; externos e profissionais. ENCONTROS
Hachurado - relação média; Branco -
Uma gradação da mobilidade dos usuários ao EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO
relação fraca. EDUCAÇÃO BÁSICA
Fonte: elaborada pela autora. longo do eixo vertical sugeriu três blocos principais: EDUCAÇÃO ESPECIALIZADA OU VOCACIONAL
um primeiro, com atividades compartilhadas entre EDUCAÇÃO SITUACIONAL

Na página seguinte detentos, visitantes, profissionais e pessoas externas; CAPACITAÇÃO ESPECIALIZADA OU VOCACIONAL

Figura 67: Diagrama de distribuição um intermediário, sem acesso a indivíduos forasteiros LAZER

vertical do programa. não vinculados a reclusos; e por fim, um restrito a OUTROS

Fonte: elaborado pela autora. visitantes e pessoas sem conexão. ADMINISTRAÇÃO

ÁREAS TÉCNICAS
RESTAURANTE

O primeiro bloco, responsável pela conexão


do edifício ao seu entorno, é formado pelo térreo,
primeiro e segundo pavimentos. Neste contexto,
recebe em quase totalidade os módulos de educação/
capacitação e recreação/lazer, assim como setor
administrativo, restaurante e módulo habitacional H4.
R. P
O segundo pavilhão pode ser transitado por
ROF. G
ERAL
DO
ATA
detentos, visitantes e funcionários, sendo restrito a
LIBA
usuários desvinculados. Deve comportar o módulo
MA

habitacional H3 (terceiro estágio), amparo para


HAM

encontros com visitas autorizadas — como família,


EC
IQU

advogados, entre outros —, setor de visitas íntimas e


R
HEN

familiares.
AV.

Por fim, o terceiro e último compartimento


deve ser acessível apenas a detentos e profissionais
TÚN
relacionados, amparando os módulos de habitação
EL P
RES
. JÂ
NIO
QUA
H1 e H2, setor de Terapia Cognitivo-comportamental
e saúde/recuperação de dependência química. Os
DRO
S

espaços de aprendizado situacional também foram


T
AFE

posicionados neste bloco, por não servirem a usuários


J
DID

externos e fazerem parte das atividades de todo o


CHE

percurso do circuito penal proposto.


AV.

0 50
ESCALA 1:3000

128 129
O segundo critério parte do questionamento
do que as pessoas vêem e como isso pode contribuir
no processo de reintegração individual. O que elas
vêem de fora e o que observam internamente ?
O tempo que passamos confinados em
construções não é, necessariamente, o problema.
A sociedade contemporânea já encara a míngua
progressiva do usufruto de espaços externos, sejam
eles públicos ou privados, e o aumento da reclusão em
ambientes fechados. A monotonia do confinamento,
no entanto, é uma das consequências negativas do
engessamento arquitetônico — principalmente nos
modelos construídos almejando-se a simplicidade
e racionalidade formal por preceitos de vigilância e
contenção. Manter o miolo do edifício interessante é
um desafio que necessita mobilizar o experimentalismo
do usuário, as relações entre indivíduo-espaço e as
interpessoais, sejam elas contatos visuais ou de livre
mobilidade.
Para isso, o vazio de seu âmago, o espaço
Nesta página remanescente a partir da distribuição do programa
Figura 68: Diagrama de relações da nas lâminas do volume, ganha grande importância
unidade com o exterior e interior.. por sua potencialidade de entreter e de transformar a
Fonte: elaborado pela autora. ambiência interna da unidade.

Nas páginas seguintes


será apresentada de maneira
diagramática a distribuição
programática ao longo do edifício
-- em plantas e cortes --, de
maneira relacionada à forma do
vazio remanescente deste arranjo.
As plantas em maior escala
podem ser encontradas no QR
code ao lado ou em anexo.

130 131
RECUPERAÇÃO EDUCAÇÃO E ESPAÇOS DE HABITAÇÃO - HABITAÇÃO - HABITAÇÃO -
DEPENDÊNCIA CAPACITAÇÃO CONTROLE E ÁREAS ESTÁGIO 1 ESTÁGIO 3 ESTÁGIO 4
QUÍMICA E TÉCNICAS
MÓDULO DE SAÚDE

ADMINISTRAÇÃO VISITAS RECREAÇÃO E HABITAÇÃO - TERAPIA RESTAURANTE


FAMILIARES LAZER ESTÁGIO 2 COGNITIVO
COMPORTAMENTAL

132 133
TÉRREO PRIMEIRO PAVIMENTO SEGUNDO PAVIMENTO

1 2 3 4 5

e e

d d

c c

b b

a a

1 2 3 4 5

0 50 0 50

134 135
TERCEIRO PAVIMENTO QUARTO PAVIMENTO QUINTO PAVIMENTO SEXTO PAVIMENTO

0 50 0 50

136 137
SÉTIMO PAVIMENTO OITAVO PAVIMENTO NONO PAVIMENTO COBERTURA

0 50 0 50

138 139
Nesta página Nesta página
Figura 75: Cortes esquemático com Figura 76: Cortes temáticos com
distribuição vertical do programa. marcação do vazio interno.
Fonte: elaborado pela autora. Fonte: elaborado pela autora.

5 4 3 2 1 5 4 3 2 1

e e e e

d d d d

c c c c

b b b b

a a a a

5 4 3 2 1 5 4 3 2 1

140 141
O vazio e suas adjacências

O vazio foi encarado como um espaço com potencial


de gerar conexões e atração. A ideia de compacidade
formal pode ser encontrada em diversos modelos
penais, inclusive no próprio Panóptico. Nesta
Na página anterior exploração, porém, o miolo deve receber atividades
Figura 77: programa explodido.
diferentes de apenas circulação e vigilância, como
Fonte: elaborada pela autora.
nichos de encontro e permanência compartilhada.
Nesta página Espera-se que a colocação do homem neste elemento
Figura 78: diagramas formais de formal possa criar dinâmicas que combatam o
cheio e vazio. desinteresse gerado pela estaticidade e estagnação da
Fonte: elaborados pela autora. arquitetura.

142 143
Na página anterior e nesta
Figuras 79, 80, 81: fotografias
maquetes volumétricos de estudo.
Fonte: tiradas pela autora.

144 145
146 147
Nas páginas anteriores Nestas páginas
Figuras 82, 83, 84 e 85: fotografias Figuras 86, 87: fotografias maquete
maquetes volumétricos de estudo. programática de estudo.
Fonte: tiradas pela autora. Fonte: tiradas pela autora.

148 149
150 151
Circulação vertical

A circulação vertical ao longo do edifício


deve ocorrer pelos elevadores — entre os três blocos
explanados — e por escadas distribuídas de maneira
a criar circuitos de percursos dentro de cada setor. A
ideia é que mecanismos automatizados de vigilância
possam aumentar a mobilidade individual dentro de
compartimentos isoláveis.

Rotas de fuga

Atualmente a questão da evacuação de


edificações prisionais em caso de sinistros tem
fomentado grandes discussões. Além da tipologia
não ser contemplada em normas para cálculo e
dimensionamento de saídas de emergência, algumas
das características físicas mais recorrentes, como o
uso de grades para delimitar ambientes, não impedem
a propagação de fumaça e fogo entre os pavilhões
componentes. Um dos empecilhos encontrados está
em como desocupar a construção dado que seus
usuários têm liberdade de locomoção comprometida.
Nesta experimentação, optou-se por fazer
a soma da população da lâmina com os parâmetros
mais restritivos: o segundo pavimento, com módulos
de educação/capacitação e recreação/lazer.
A NBR 9077/2001 prevê a utilização de áreas
de retenção — espaços com resistência a fogo de pelo
menos quatro horas e com acesso direto às saídas de
emergência — para reduzir o dimensionamento das
rotas de fuga e facilitar a evacuação de tipologias com
fluxos complexos, como hospitais. Este elemento foi
inserido acima do primeiro bloco, abaixo dos módulos Nesta página
habitacionais, em um pavimento técnico que, além de Figuras 89, 90: diagrama de
receber a área de retenção, deve prever um espaço circulações verticais (superior) e
para concentrar equipamentos responsáveis pelo de rota de fuga para evacuação da
funcionamento de subsistemas da edificação. edificação, com uso de áreas de
retenção.
Fonte: elaborados pela autora.

152 153
154 155
Sistemas

Somados a este objeto arquitetônico


definido por barreiras e permeabilidade, opacidade e
transparências, temos uma série de outros sistemas que
devem ser ajuntados e integrados entre si para prover
soluções técnicas que contribuam positivamente para
a performance do tipo edilício. A mesma lógica de
ordenamento modular deve ser adotada, facilitando
esta compatibilização de componentes.
Entende-se que existem diversas respostas
possíveis para materializar a dinâmica edificada que
tem sido proposta e, com a produção de conhecimento
e avanços tecnológicos correntes e iminentes,
acredita-se que estas deverão ser cada vez mais
otimizadas para melhoria de desempenhos e redução
de custos operacionais. Esta integração não precisa
acontecer apenas dentro da unidade, mas também
com elementos e sistemas externos a ela. Temos, por
exemplo, a possibilidade de criar uma unidade que,
além de autossuficiente em consumo energético,
também seja geradora e exportadora para seu entorno.
Outro exemplo possível seria a utilização do subsolo
do terreno como estacionamento para servir à cidade,
ou com outro tipo de prestação de serviço. Em ambos
os casos, existem diferentes possibilidades de inserção
do edifício penal nas dinâmicas da cidade de maneira
vinculada.

Nas páginas anteriores


Figuras 91, 92, 93 e 94: fotografias
maquete programática de estudo.
Em vermelho, blocos de circulação
vertical.
Fonte: elaborados pela autora.

156 157
158 159
6 Considerações finais

O caminho que alguns governos têm tomado


na interpelação do problema penitenciário ao redor
do mundo é assustador. O grande aumento da taxa
de aprisionamento e consequente superlotação dos
estabelecimentos demanda a construção urgente de
novos presídios, que surgem majoritariamente na
forma de modelos ultrapassados. Ainda que exista um
grande descompasso entre o desempenho esperado
do tipo prisão pela penalogia moderna e sociedade
contemporânea e o resultado obtido, a inovação se dá
de maneira dificultada, com respostas arquitetônicas
engessadas a um programa denso e intricado.
Sob a ótica do conceito de tipo edilício de
Quatremère de Quincy e da teoria da lógica social
do espaço de Hillier e Hanson, existe uma regra que
antecede a materialização da arquitetura, como um
texto que poderá ser lido através da edificação. Este,
por sua vez, está fundamentado nas expectativas e
relações sociais que deverão ser abrigadas na mesma
e no papel do espaço tanto de intermediador destas
interações como de agente atuante.
A complexidade do tipo edilício penal dificulta
o processo de mudança dos modelos construídos,
corroborando para a manutenção de conformações
práticas sobrepujadas pelos estudos que comprovam
sua ineficácia. É importante que seja feita uma
reconstrução da narrativa que se quer erguer através
da arquitetura penal, e mais imprescindível ainda que
isto seja feito de maneira holística e interdisciplinar,
potencializando o alcance de melhores resultados.
Diante desta perspectiva, este trabalho
buscou contribuir com a construção de um raconto
especulativo possível, definindo um novo texto —

160 161
um tipo arquitetônico para uma classificação penal
específica — que pode servir de base para inovar e
conduzir a uma nova realidade acerca da problemática
abordada. Devido à lentidão inerente à própria
arquitetura, assim como sua capacidade de perpassar
e servir a diferentes épocas, assume-se a importância
do papel que o arquiteto tem em levar em conta a
temporalidade do edifício, incorporando-a em seu
escopo.
Planejamentos a longo prazo podem viabilizar
uma mobilização interdisciplinar, com respostas
integradas que permitam o compartilhamento
das obrigações e expectativas de desempenho das
edificações prisionais. Assim, pôde-se alcançar uma
espacialização mais livre de pré concepções do que
deveria ser um espaço de reclusão, aproximando-a de
preceitos de reintegração social.
A racionalização e modulação das relações
e atividades inerentes ao programa permitiu a
formulação de um tipo com grande margem para
exploração. O mesmo processo propositivo adotado
pode ser aplicado para outras variações de classificações
penais, construindo um panorama mais geral do que
deve ser alcançado. A aplicação e experimentação
propositiva de um organismo programático completo
possibilitou ainda o entendimento e visualização de
como o módulo proposto pode ser incorporado em
uma unidade total, e ainda como vínculos externos
podem contribuir e viabilizar a aplicação deste tipo de
equipamento.
Acreditamos que as prisões como conhecemos
estão fadadas ao fracasso e torna-se extremamente
necessário que nos esforcemos para encontrar
respostas melhores. Ao longo deste trabalho, ficou
ainda mais evidente o longo percurso que deve ser
trilhado na reformação da conjuntura atual e como nós,
responsáveis por desenhar soluções para problemas,
precisamos tomar papel mais ativo na proposição de
alternativas diferentes que viabilizem a idealização de
um novo escopo penal que possa ser aplicado frente às
iniciativas de investimento no referido domínio.

162
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