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MODA (HTTPS://WWW1.FOLHA.UOL.COM.

BR/ILUSTRADA/MODA/)

Conheça Airon Martin, o estilista e criador da Misci,

marca vestida por Janja


Designer fala da nova grife que vai lançar este ano e diz querer estimular os
consumidores a comprarem moda, não roupa

27.fev.2023 às 10h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2023/02/28/)

João Perassolo (https://www1.folha.uol.com.br/autores/joao-perassolo.shtml)

SÃO PAULO Quando era criança, Airon Martin ouvia sua avó dizendo que ele só
seria homem se fosse identificado com um "dr." na frente. Para ela, o neto
deveria seguir uma profissão tradicional.

"Tentei ser médico, tentei ser advogado, tudo que tivesse um 'dr.', mas a moda
foi mais forte", conta o criador da Misci, talvez a marca mais comentada da
moda nacional hoje.

Foram necessárias décadas e duas mudanças de carreira até que o estilista de 31


anos visse suas criações sendo desfiladas pela primeira-dama, Rosângela da
Silva, a Janja, e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/01/quem-sao-os-estilistas-e-designers-que-vestem-as-lideres-do-governo-

lula.shtml),
em entrevistas na televisão e em eventos oficiais do governo, colocando
a sua etiqueta, até então mais conhecida por quem acompanha moda, na boca
do povo.

Airon Martin na loja da Misci em Pinheiros; ele veste peças da própria marca - Bruno Santos
-20.jan.23/Folhapress

Muito mais gente passou a acessar o site e frequentar as lojas da marca —uma
na rua Mateus Grou, celeiro de novos estilistas no bairro de Pinheiros, e outra
no shopping Cidade Jardim, ambas em São Paulo— depois que as líderes de
esquerda vestiram as peças, ele conta, numa conversa em um café de São Paulo.
Na entrevista para o programa de TV, Janja usava uma camisa off-white de seda
com estampas em vermelho mostrando um mapa do Brasil desconstruído e
pequenas imagens de personagens do folclore nacional, como o Saci Pererê. Na
cerimônia de posse, a ministra apareceu com uma camisa em que se via a
cangaceira Maria Bonita (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/09/maria-bonita-ganha-biografia-que-
desafia-associacao-entre-a-cangaceira-e-o-feminismo.shtml) junto a tatus e árvores sem folhagens.

Desfiladas numa edição passada da São Paulo Fashion Week, as duas peças
foram estampadas pela carioca Isabel Moura, que trabalha para a marca. A
primeira teve como inspiração a destruição da Amazônia, e a segunda a
personagem bíblica de Eva, segundo a ilustradora. As camisas fazem parte da
coleção "Eva - Mátria Brasil", que versa sobre filhos de mãe solo, como o
próprio estilista.

À esquerda, camisa da Misci usada por Janja; ao centro, peça vestida por Fernanda Santiago, do
Ministério da Fazenda; à direita, camisa de Marina Silva - Divulgação
Martin foi criado pela mãe e pela avó em uma casa nos fundos de um cabaré de
beira de estrada em Sinop, cidade de 150 mil habitantes no interior de Mato
Grosso, convivendo diariamente com prostitutas. "Era tudo muito natural para
mim, entender as histórias daquelas mulheres. Eu tinha nove anos de idade e a
prostituta falava 'que pau grande do cacete' [em referência a um cliente], ela
falava 'eu tô assada'", ele diz, com bom humor.

Às segundas, Martin ia com a mãe e as prostitutas para lojas de roupa de Sinop,


onde as profissionais compravam vestimentas sensuais que usariam para
conquistar clientes. Este ritual colocou o garoto em contato com a moda, num
momento em que ele já desenhava vestidos.

Sua história de vida já o fez sentir muita vergonha, ele conta, mas hoje seu
passado inusual, transferido para as criações da Misci, é um grande ativo da
marca no mercado, o que Martin diz considerar melhor do que qualquer
"storytelling" publicitário.

Por exemplo, a bolsa mais vendida da grife, chamada Nine, teve o formato
inspirado numa lancheira de sua infância e o nome derivado da transexual
Nina, uma profissional do cabaré. "As marcas grandes têm muito trabalho para
se incluir dentro dos princípios do novo mundo, diverso. Eu nasci e cresci nesse
mundo diverso, mesmo sendo no interior do Mato Grosso, em uma cidade
super bolsonarista (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/03/cidade-de-sinop-mt-proibe-ideologia-de-
genero-em-escolas-e-locais-publicos.shtml), racista para cacete."
A bolsa Nine - Divulgação Misci/Patricia Ikeda

Outro fator decisivo no sucesso da Misci, afirma o estilista, é a qualidade dos


produtos, de execução e acabamentos bem cuidados e feitos com matéria-
prima brasileira tipo exportação. O fio de seda das camisas de Janja e Marina
Silva é o mesmo usado por Dior e Hermès. O couro de pirarucu empregado em
algumas bolsas vem do mesmo curtume que atende Rick Owens.

A Misci —de "miscigenação"— foi seu projeto de conclusão do curso de desenho


industrial no Istituto Europeo di Design, em São Paulo. Sua ideia inicial era
desenvolver uma linha de mobiliário, mas o então estudante acabou mudando
o rumo e optou por criar a marca de roupas, que seria "uma pesquisa do que
era a identidade brasileira".

A criança que desenhava vestidos começava, assim, a materializar seu sonho de


criar moda. As primeiras peças da Misci foram vendidas na multimarcas
descolada Cartel 011, em 2018, e a loja inaugural, em Pinheiros, veio dois anos
mais tarde, em meio à pandemia.
Martin faz questão de dizer que a etiqueta, que hoje emprega 34 pessoas, foi
fundada de maneira independente, sem um investidor bancando os custos.
Este ano o empreendedor está concentrado na internacionalização da marca,
com a criação de um site para atender o mercado externo e a contratação de
influenciadores em Paris, e no lançamento de uma nova etiqueta no segundo
semestre.

A grife vai levar seu nome e será dedicada à criação de vestidos em


pequeníssimas quantidades, na linha de marcas de alta-costura, com produtos
menos comerciais e que demandam mais tempo para serem confeccionados.

Assim como Rafella Caniello, da Neriage, e Isaac Silva, da marca de mesmo


nome (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/11/estilista-negro-isaac-silva-conquista-o-gosto-de-divas-como-elza-
soares.shtml), Martin é um dos jovens designers que estão dando uma nova cara à

moda nacional —não por acaso, as etiquetas têm lojas na mesma rua da Misci.
O estilista tem tentado reunir estes e outros criadores em torno de um
movimento que chama de "ressignificação da moda", para criar uma nova
cultura de consumo.

"Moda é uma coisa e roupa é outra. A gente não faz só roupa —a roupa é um dos
reflexos da moda que a gente apresenta. É meio filosófico isso, mas temos que
mostrar para o consumidor que existe diferença. Roupa muita gente faz, o fast
fashion faz. Moda poucas pessoas fazem no Brasil. É entender quem está
fazendo moda e valorizar isso."
Modelos vestem looks da Misci - Anthenor Neto
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