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Cascavel – Paraná
2005
11 11
SEBASTIÃO CALDEIRA
Cascavel - Paraná
2005
12 12
SEBASTIÃO CALDEIRA
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Jacó Fernando Schneider
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Orientador
______________________________________________
Profa. Dra. Carmen Célia Barradas Correia Bastos
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Co-orientadora
______________________________________________
Profa. Dra. Marieta Fernandes Santos
Centro Universitário de Maringá – CESUMAR
_______________________________________________
Prof. Dr. Wander Amaral Camargo
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
13 13
Dedico em especial,
Agradeço de coração,
A Deus e ao meu anjo da guarda, âncoras em que me apóio sempre que minha estrutura
balança.
Ao meu orientador, Enfermeiro com orgulho, Professor Doutor Jacó Fernando Schneider, que
soube, com a sua competência, sabedoria e paciência, nortear-me para alcançar o objetivo
proposto nesta pesquisa e principalmente soube me entender quando percebia minhas
limitações e dificuldades tanto na questão científica quanto nas questões pessoais, sendo estas
últimas as que me fazem admirá-lo sempre pelo ser humano iluminado que é, desde que o
conheci na minha graduação.
À Carmen Célia Barradas Correia Bastos, minha Co-orientadora, que lançou seu olhar
fenomenológico enquanto educadora e que, com carinho, deu seu apoio e rica contribuição na
pesquisa desenvolvida e que, depois que a conheci pessoalmente, passei a admirá-la também
pelo ser humano maravilhoso que é.
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À banca examinara que, além do meu Orientador e Co-orientadora, foi composta pela
Professora Doutora Marieta Fernandes Santos, Professor e Doutor Wander Amaral Camargo
e pela suplente Professora e Doutora Tânia Maria Rechia.
A todos os amigos e colegas, funcionários da UNIOESTE e do HUOP que, por serem tantos,
não citarei aqui os nomes, mas tenham certeza que estão bem aqui do lado esquerdo do peito,
vocês que indiretamente contribuíram para o alcance desse objetivo de ser mestre
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cuidado do outro. Esta pesquisa tem por objetivo investigar o enfermeiro sobre
como o mesmo compreende a linguagem e o cuidado do outro. Ao pesquisar as
questões da linguagem, da corporeidade e do cuidado do outro, além de fazer
uma abordagem histórica e conceitual em alguns autores, optei por um
embasamento teórico metodológico no universo da fenomenologia em Maurice
Merleau-Ponty, que trata aspectos da linguagem, do corpo e da corporeidade.
Para o referido autor, o método fenomenológico procura descrever e
compreender os fenômenos, os processos e as coisas a partir de sua essência. No
entanto, para que houvesse de fato a compreensão sobre a linguagem e o
cuidado do outro no contexto da enfermagem, se fez necessária uma pesquisa de
campo baseada numa atitude fenomenológica a fim de se chegar à essência
expressa nas descrições dos enfermeiros. Para tanto, foram realizadas
entrevistas com 10 enfermeiros que atuam no serviço de enfermagem do
Hospital Universitário do Oeste do Paraná – HUOP, em Cascavel, no estado do
Paraná, com uma questão norteadora: “Qual a sua compreensão sobre a
linguagem e o cuidado do outro no contexto da enfermagem?” As descrições
obtidas proporcionaram uma análise que trouxe à luz a essência do fenômeno
estudado, a linguagem e o cuidado do outro. Foi possível apreender, da
compreensão dos enfermeiros, que o paciente, enquanto ser-cuidado, não é
apenas um corpo no aspecto psicobiológico, mas corpo como resultante das
questões sociais e culturais, corpo como algo indivisível vinculado ao ser como
ser-no-mundo, ser-aí, ser-com-o-outro. Esta pesquisa contribuirá para a
formação tanto dos enfermeiros em seu campo de atuação no cuidado do outro,
como para os docentes e também profissionais da saúde e, principalmente, aos
graduandos de enfermagem, que muito têm a apreender no universo do cuidado
do outro. Houve a possibilidade de uma reflexão sobre a corporeidade, a
linguagem e o cuidado do outro, a questão da subjetividade e do envolvimento
com o ser cuidado no contexto da atuação do enfermeiro. Ressalta-se que esta
pesquisa não se dá por estanque, pois em uma pesquisa fenomenológica sempre
haverá novos olhares lançados sobre a essência em estudo, que é a linguagem e
o cuidado do outro enquanto corporeidade.
ABSTRACT: The interest for this investigation emerged from my own worry
as a professor and as a nurse, and also from the reduced number of research
about the language and one’s care themes in the nursing context. I believe this
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................. 10
CAPÍTULO I
O Corpo, a Corporeidade, a Linguagem e o Cuidado do Outro......................................... 17
CAPÍTULO II
A Fenomenologia...................................................................................................................... 39
O Método Fenomenológico..................................................................................................... 46
O Percurso Metodológico........................................................................................................ 52
CAPÍTULO III
Análise Fenomenológica.......................................................................................................... 59
Compreendendo a linguagem dos enfermeiros numa aproximação à perspectiva de
Merleau-Ponty......................................................................................................................... 72
Referências Bibliográficas....................................................................................................... 86
APRESENTAÇÃO
que cuida e os seres cuidados, sendo esses últimos, na maioria das vezes,
ainda a limitação que tenho, bem como a dos enfermeiros frente ao cuidado do
ser que cuida e ser-cuidado e pode ser concebida segundo Polak (1997) citada
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que o profissional enfermeiro enquanto ser que cuida desempenha seu papel,
linguagem esta manifesta nas suas descrições, para, a partir de uma análise
enfermagem prestado.
É importante ressaltar que este está sendo o meu primeiro contato com a
obtenção das descrições dos enfermeiros, foi realizada a partir de uma questão
enfermagem.
volto-me para o que emergiu nas descrições dos enfermeiros sobre a linguagem
enfermagem que trata o paciente como um ser holístico, como um todo, numa
perspectiva de corporeidade.
possibilidade de investigação.
26 26
CAPÍTULO I
OUTRO
como Bakhtin (2000), Boff (1999), Maluf (2002), Gonçalves (2002), Labronici
Verbal.
Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e
saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora
de mim e à minha frente, não pode ver: as partes de seu corpo
inacessíveis ao seu próprio olhar, a cabeça, o rosto, a expressão do
rosto, o mundo ao qual ele dá as costas [...] acessíveis a mim e
inacessíveis a ele [...] é possível reduzir ao mínimo essa diferença dos
horizontes, mas, para eliminá-la totalmente, seria preciso fundir-se em
um, tornar-se um único homem. [...] Esse excedente constante de
minha visão e de meu conhecimento a respeito do outro é
condicionado pelo lugar que sou o único a ocupar no mundo.
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contexto, o eu, a pessoa capaz de observar, não pode ser vista da mesma forma
por ela própria, porque o personagem principal não vive no mesmo plano dos
outros personagens.
pelo eu interior e diz que os corpos interior e exterior são corpos à parte,
diferenciados pelo que representam, mas que se unem para formar o todo, e,
nesse sentido:
não é expressa enquanto objeto totalmente externo, em meio aos outros objetos.
os demais objetos.
29 29
do outro para mim é o corpo exterior. Sendo assim, todos nós somos dotados de
eu sei que existe, mas que serve de objeto para quem o observa e visualiza,
forma fragmentária, sem utilizar-se dos órgãos dos sentidos. Dessa forma, o
corpo é visto conforme o que ele representa, pois, por exemplo, a percepção que
individualizado.
valores e de estética. A esse respeito, o corpo não é algo que baste a si mesmo,
pois tem necessidade do outro, de outro que o reconheça e lhe proporcione sua
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exterior do outro é apenas pré-dado e deve ser objeto de uma atividade criadora.
que, para Bakhtin (2000), esse valor do corpo sadio é vazio, carente de
cultura.
palavra, que contrapõe corpo à alma, matéria a espírito. Corpo seria uma parte
inaugura uma visão mais globalizante. Entre matéria e espírito está a vida que é
o anima”. Conforme este autor, podemos dizer que o corpo é aquela porção do
provavelmente mais velho que o sistema solar e a própria terra. O ferro que
verdadeiramente cósmicos.
homem; corpo não é fonte complementar das nossas práticas, senão o núcleo
como vidente e sensível. O corpo realiza uma reflexão, segundo Carmo (2000),
aparência mútua, não apenas uma aparência externa, mas uma aparência ou
perspectiva um do outro, onde a minha visão dos outros, bem como a visão que
palavra, bem como pela lacuna deixada por ela. O corpo é nosso meio geral de
comunicação com o tempo e o espaço, com o mundo visto não mais como soma
ciências sociais, humanas, exatas e, principalmente, da saúde. Mas, para nós que
atuamos na área da saúde, talvez seja mais fácil visualizar o corpo como objeto
como:
no mundo mediante uma presença natural, ou seja, pelo “estar aí”, ou como uma
pessoa que nele se realiza. O corpo, segundo o autor, não é objeto para um “eu
corporeidade.
contradição, a de ser homem (corpo vivente, ser cultural), e ser animal (corpo
enquanto corpo e seu relacionamento com o mundo, mundo que não é aquilo
que penso, mas aquilo que vivo, pois sou aberto ao mundo, comunico-me
ser humano enquanto é um ser vivo, parte da criação e da natureza. Não se deve
antropológica dualista que interpreta o ser humano como a união de duas partes
todas as dimensões humanas, não sendo algo objetivo, pronto e acabado, mas
deixar fluir, falar, viver, escutar, permitir ao corpo ser o ator principal, é vê-lo
uma separação que, na verdade, é apenas aparente, já que é pela linguagem que
ouvidas.
que está entre as palavras, ou seja, nas lacunas, como pelas próprias palavras, e
pelo que não é dito, pela linguagem do corpo, tanto quanto como pelo que é
dito.
as ações de cuidado.
reutilizações.
uma sintaxe diferente para alterá-la, porque toda a expressão aparece como
que compreendo o outro e também é por ele que percebo as coisas e sendo
O gesto verbal nesse sentido visa uma paisagem mental que, em primeiro
lugar, não está dada a todos e que ele tem por função justamente comunicar,
realidade enquanto gesto linguístico e os sentidos que ela institui, embora não
se esgotem na verificação das proposições, devem ter sempre uma certa relação
com os fatos. Mas a linguagem também cria o mundo. Não cria no sentido
idealista, entretanto produz novas formas compreensivas de ser que não estão
dadas na verificação formal dos objetos, e com isso estimula modos plurais de
espaço livre para mais nada. Sempre que se quiser captar o pensamento, depara-
haver inscrita no ser uma espécie de texto original de que a linguagem seria
mais que um ato; é uma atitude que abrange mais que um momento de atenção,
O mesmo autor refere que um modo-de-ser não é um novo ser, mas é uma
pois pelo cuidado não vemos a natureza e tudo que nela existe como objetos,
seres como sujeitos, como valores, como símbolos que remetem a uma realidade
fontal. A natureza não é muda, ela fala, evoca e emite mensagens de grandeza,
coisas, junto delas e a elas sente-se unido. Não existe, senão co-existe com
Boff (1999) afirma que cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las
pois os objetos não nos são dados por inteiro; nós os vemos por perfis, onde
global, ou seja, numa intercomunicação onde ver é tocar, ouvir é ver, tocar é
outro, deve aguçar seus sentidos para a relação figura-fundo, onde ao mesmo
tempo pode haver um desvelar, mas também um velar, sendo este velar aquilo
que o paciente muitas vezes não manifesta por meio da linguagem verbal, mas
No entanto, o ser que cuida e o ser cuidado devem interagir numa relação
tem o corpo como base de todo o processo de cuidar. Também faz a vinculação
em enfermagem.
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decorre de alguns pressupostos: para cuidar é preciso ser presença; para cuidar é
enfermeiro-paciente e enfermeiro-família.
O referido autor enfatiza que o ser enfermeiro em seu cotidiano não está
simplesmente no mundo, mas está neste mundo com uma maneira de ser que
Para nós, enfermeiros, que temos como objeto do nosso fazer o cuidado
manifestações.
No entanto, pode-se dizer que não é possível cuidar e ser cuidado se não
CAPÍTULO II
A FENOMENOLOGIA
Giles (1975), Wagner (1979), França (1989), Bicudo (2000), Martins (1992),
fenômenos que são experienciados pela consciência, sem teorias sobre a sua
em si. Como Husserl pôde perceber, essa tentativa oferecia a única saída do
deve voltar-se, declarou Husserl, à pura descrição da coisa em si. Ao tomar tal
posição, Husserl se tornou a força mais influente sobre toda uma geração de
Mundial.
ser humano reconhece como sua experiência, a verdade do que lhe é dado. A
por toda sua vida, ele estava, em vários níveis, buscando a atomicidade do
logicismo, enquanto que este nos conduz a uma verdade sem contanto
com a experiência contingente (HUSSERL, 1988).
das ciências do seu tempo. Para ele, a teoria da ciência precisa esclarecer como
Para Giles (1975) é através do corpo que inicio o meu diálogo com os
outros. Diálogo que se amplia com os outros estratos que formam o homem,
emocional com o que o cerca, ser mais sensorial ou intelectivo na resolução dos
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história de vida, falar das mais variadas formas, dirigir-se ao outro de muitos
mundo.
O que vai tornar algo relevante não é a sua simples tipificação, não são as
tipo. É o sistema de relevância que vai dar ênfase à situação pré-vivenciada que
contato direto com o ser absoluto das coisas e, todavia, já que o absoluto só
pode ser o essencial da coisa tal como se apresenta na sua realidade, toda a
essencial.
fenômenos, ou seja, ela nunca se orienta para fatos e formas, mas, sim, para as
também com o que está por trás da aparência, uma vez que esta pode esconder o
que realmente se é.
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O MÉTODO FENOMENOLÓGICO
mas está numa situação dada, toma conhecimento do mundo que ele próprio
fenomenológica.
aquelas que não o são. Este momento tem como propósito isolar o objeto da
1
Pré reflexivo ou antepredicativo para Bicudo (2000, p. 39), é o que ainda não foi tematizado e pode ser
desdobrado em ações de análise e reflexão; o que ainda não foi expresso em linguagem proposicional que afirma
o compreendido e refletido.
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mas que apontam para a experiência do sujeito, isto é, que aponta para a
ingênuos, feitos por indivíduos vivendo uma realidade múltipla. Diante disso,
norteadora.
ver aquilo que é essencial, embora este não seja o principal critério a ser
busca incessante das essências dos fenômenos, sendo que, para alcançá-las, o
como objetivo, na maioria das vezes, dados estatísticos. No entanto, para que
o qualitativo, isto é, com o que faz sentido para o sujeito, com o fenômeno
O PERCURSO METODOLÓGICO
enriquece a pesquisa.
A entrevista
o que posso chamar como campo perceptual, pois é a própria descrição que
este em que esclareci sobre a pesquisa a ser realizada, bem como sobre o
deu por meio da entrevista (Anexo 2), sendo esta realizada com uso de
gravador, onde elaborei uma questão norteadora, sendo essa: “Qual a sua
enfermagem?.”
ao qual chamamos de teste piloto, sendo este um estudo prévio com dois
enfermeiros que participaram deste estudo prévio não foram utilizados como
descrições.
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sujeitos pesquisados, foi preservado, sendo estas descrições obtidas por meio
O Sentido do Todo
estudado.
Bicudo (2000, p. 81) refere que, ao ler as descrições com o olhar atento
sendo que:
63 63
o cuidado do outro.
concreta.
significativas.
66 66
CAPÍTULO III
ANÁLISE FENOMENOLÓGICA
por meio das descrições dos enfermeiros, a partir das unidades de significado,
coisas”.
enfermeiros: “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se
unidades de significado:
“[...] nós temos que conversar com ele, com palavras que ele entenda, objetivas
“[...] às vezes você chega, você conversa com o paciente, mas não dirige o olhar
chamá-lo pelo nome, isso faz com que ele se sinta importante.”2
“[...] a gente tem que usar uma linguagem que a população entenda; se a gente
usar uma linguagem que aprende na universidade fica difícil para lidar com os
pacientes daqui porque são humildes, um pouco diferente dos pacientes das
situação.”4
pouquinho mais difícil e a gente tenta traduzir ao paciente o que vai ocorrer,
“[...] ela expressou isso, que na verdade ela não queria ir embora, ela queria
continuar o tratamento, mas era tão estranho pra ela, ela estava tão insegura.”7
68 68
“[...] eu tenho que lidar com a mãe ou o acompanhante e com a criança que seria
“Às vezes a mãe está ali sentada no sofanete com a criança no colo, então eu
procuro me abaixar ali pra ficar na altura dela e da criança para passar pra ela
que eu estou ali preocupada, que eu quero ajudar e como eu posso fazer isso.”9
em serviço.
“[...] às vezes você vai atender alguém sem ter paciência e vai com aquela cara e
o paciente percebe.”5
“[...] ela está muito longe daquilo que a gente vê nos livros, a gente se volta
muito para o objetivo, para aquela coisa de fazer só aquilo que está vendo da
necessidade [...]”7
que quer dizer nas entrelinhas, isso eu acho que ainda não temos preparo.”7
“Eu acho que fica muito a desejar essa questão da interpretação, do que
“[...] o que ele quer dizer quando diz que está com dor, ou quando diz que está
“Essa questão da linguagem subjetiva do paciente que às vezes está ali com um
se exprime tanto pelas palavras, bem como pelo que está entre as palavras, ou
seja, pelo que não é dito. Para tanto, é preciso estar atento às manifestações do
esconde.
que está escondido, o que está velado, para de fato haver o cuidado do outro
corporeidade.
“[...] é à maneira de como a gente se expressa com o paciente, pode ser por
“[...] eu acredito que seja tudo o que a gente está expressando, né. Tudo o que a
gente tá falando, tudo o que a gente está transmitindo para o paciente, seja por
palavras, por gestos, o tato, o olhar, a maneira de como a gente trata, isso faz
parte da linguagem.” 3
“[...] perceber também não só a fala, mas a linguagem não verbal, perceber o
gesto do paciente, como ele está, a gente deve estar percebendo na hora de
“[...] eu lido com bebês e, independente deles não entender, a gente tem que
estar conversando, colocando para que eles não recebam como um trauma, a
“[...] é preciso ficar atento não só ao que ele relata, mas ao que ele não relata, a
expressão dele ou o estado de ansiedade que ele se encontra, pra mim poder
“[...] eu acho que a linguagem acontece de várias maneiras, não muitas vezes
com a comunicação verbal, mas com gestos, atitudes, expressões, tanto nossa
comportamento”[...]”9
“A linguagem, assim, às vezes ele olha pra ti de uma forma que ele está
linguagem no toque, na expressão facial, nos gestos, no olhar, nas atitudes, nos
“[...] e todo mundo de branco, então a pessoa não sabe quem está ali, se é um
que está acontecendo, o que vai fazer, e quem é você, se ele fizer isso ou deixar
de fazer isso.”7
“[...] aí eu consigo fazer com que a mãe se abra em todos os aspectos, porque
aqui não é só a doença física, ela traz outros problemas como os sociais,
estar por inteiro no cuidado, é ocupar-se, é preocupar-se com o outro, pelo outro
funde com o outro, que também é corpo vivente, que traz na sua bagagem
“É a maneira como você fala com o paciente, como você toca o paciente, tudo
“[...] se fala que nós somos seres humanos que trabalha com seres humanos e
“[...] ele tem ações isoladas, mas não uma continuidade da assistência no que
diz respeito à questão da humanização, de ver aquela outra pessoa que tem os
“[...] eu entendo como ver o ser humano e cuidar dele como um todo, de uma
maneira holística; não só o ato do cuidado em si, mas o fato de você entender o
indivíduo como um todo, na sua vida como um todo, e ver ele de forma
divisível.
bagagem tanto a sua patologia manifesta pela história da doença atual, como
também tráz a sua cultura, a sua crença, os seus valores, os seus medos,
um ser único e cada situação por ele vivenciada também é uma situação única,
vida.
“Lidar com amor e dedicação, porque sempre vai ter uma pessoa, uma auxiliar
ou uma enfermeira que vai dar uma palavra de conforto pra ele, que vai ajudar
“[...] o cuidado exige tanta responsabilidade, tanta concentração que você acaba
se empolgando; eu acho que o cuidar do outro é você se entregar, mas pra fazer
“[...] não é qualquer pessoa que tem o dom de cuidar, porque é zelar, é
vida enquanto cuida, e, nesse sentido, podemos observar, nas descrições, o que
anteriormente foi discutido, de que o homem não tem um corpo, mas é seu
muito mais que um ato, é uma atitude que abrange mais que um momento de
privacidade.
76 76
“A gente comenta muitas coisas, mas no cuidado todos nós temos esse pudor e
tem que ser respeitado. A gente tem que dar privacidade pra ele, respeitando o
“[...] no meu caso que lido com puérperas, tento dar privacidade, não estar
expondo a paciente frente várias pessoas no quarto; expondo parte do corpo [...]
”4
“[...] eu acho que na verdade esse respeito inicia a partir do momento em que a
gente começa a manipular esse paciente, a maneira com que a gente aborda, até
o simples banho. Aqui é muito comum o banho no leito, que eu acho uma
agressão, se o paciente não for bem orientado, bem abordado, ele se sente
perspectiva de Merleau-Ponty
Neste momento da análise, faço uma interlocução das idéias dos sujeitos
algo essencial no cuidado com o paciente, com a família e com a equipe, num
sentido de interação.
necessidades do paciente.
imóvel consigo, pois, para ser subjetividade, é-lhe essencial, assim como ao
enfermeiros, quando deixa vir à luz que o corpo fala pelos gestos, pela
expressão facial, pelo toque, pelo olhar, pelas atitudes e não somente pela
O mesmo autor refere também que o corpo fala por si mesmo, pois vemos
modo de ser-no-mundo.
impregnada no corpo.
consciência; ele não expressa somente para os outros, expressa para saber ele
mesmo o que visa, sendo esse expressar não somente pela articulação verbal.
81 81
A fala significa não apenas pelas palavras, mas ainda pelo sotaque, pelo
tom, pelos gestos e pela fisionomia, e assim, como esse suplemento de sentido
revela não mais os pensamentos daquele que fala, mas a fonte de seus
que o corpo se abre a uma conduta nova e faz com que testemunhos exteriores a
compreendam.
envolvido com o ser cuidado, é ocupar-se, é estar por inteiro no que faz.
paciente e/ou seus familiares, quer se trate do corpo do outro ou de meu próprio
corpo:
[...] não tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivê-lo,
quer dizer, retomar por minha conta o drama que o transpassa e
confundir-me com ele. Portanto, sou meu corpo, exatamente na
medida em que tenho um saber adquirido e, reciprocamente, meu
corpo é como um sujeito natural, como um esboço provisório do meu
ser total. Assim, a experiência do corpo próprio opõe-se ao
movimento reflexivo que destaca o objeto do sujeito e o sujeito do
objeto, e que nos dá apenas o pensamento do corpo ou o corpo em
idéia, e não a experiência do corpo ou o corpo em realidade
(MERLEAU-PONTY, 1994, p. 269).
O cuidado para o enfermeiro emergiu nas descrições como algo que deve
uma contradição, a de ser homem (corpo vivente, ser cultural), e ser animal
homem enquanto corpo e seu relacionamento com o mundo, mundo que não é
aquilo que penso, mas aquilo que vivo, pois sou aberto ao mundo, comunico-me
total da pessoa que nele se realiza. O corpo, segundo o autor, não é objeto para
84 84
corporeidade.
autor fala sobre o corpo como sendo o resultado de uma construção social e
mesmo tempo corpo e alma, e, nesse sentido, é unidade sem haver uma
enfermeiro.
pudor e privacidade.
consegue perceber que o cuidado do outro envolve mais que a simples técnica,
pois foi possível, por meio de suas descrições, perceber que estes não
corporeidade.
outro, sendo possível perceber que a linguagem está no cuidado, bem como o
com o paciente.
enfermagem.
corpo como resultante das questões sociais e culturais, corpo como algo
enquanto corporeidade.
que o corpo, assim como os objetos é visto por perfis, pois, quando uma parte se
ser-no-mundo.
onde o corpo é tratado e estudado por partes, divisível. O que procurei mostrar
pelos leitores, pelos sujeitos pesquisados, bem como por outros pesquisadores.
enfermagem.
traçar novos horizontes para pesquisadores que queiram beber nesta fonte,
90 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1999.
2000.
CARMO, P.S. de. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: Educ, 2000.
GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1996.
EPV/EDUSP, 1975.
Pensadores).
92 92
1990.
2002.
_____. A natureza. Trad. de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
EDUNIOESTE, 2001.
ANEXO 1
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ANEXO 2
Entrevista Nº 1
patologia dele, é, nós temos que conversar com ele com palavras que ele
96 96
quando o doutor passa ele fala outra linguagem ou da patologia que tem, mas
não explica como que é e como vai proceder, em termos de antibiótico, que a
recuperação demora, o tempo de internamento é lento, talvez eles falam que vai
internar, mas não fala se é por 15 ou 20 dias. Então cabe a nós dar informação e
todo do paciente, estamos aqui para prestar cuidado, mas a gente tem que ter
muito amor nos cuidados prestados aos pacientes, tem que se dedicar ao
máximo, porque o paciente é como um filho pra gente, tem que gostar do que
faz, porque se ele estiver bem cuidado e bem tratado, a gente vai ter retorno e
sobre o cuidado do outro, cuidar do paciente como um todo, dar muito carinho e
dedicação ao paciente, é, a gente tem que dar privacidade pra ele, porque tem
vez que o paciente interna todo estressado, e a gente não sabe o que está
acontecendo com ele. Apesar dele internar com uma patologia, a gente tem que
entender, dar uma de psicóloga, né, conversar com ele, deixar ele tranquilo, né.
Nós temos que entender ele, ele entender a gente pra nós termos um retorno. Eu
acho que a gente tem que se dedicar ao máximo ao paciente, prestar bons
cuidados, porque assim, às vezes eles não quer internar nesse hospital porque a
enfermeira é ruim. Lidar com amor e dedicação porque sempre vai ter uma
97 97
pessoa, uma auxiliar ou uma enfermeira que vai dar uma palavra de conforto pra
Entrevista Nº 2
ser por palavras, por gestos, o toque, a maneira de tocar o paciente. Eu percebo
assim como linguagem, porque às vezes você chega, você conversa com o
98 98
paciente, mas não dirige o olhar para ele, ele sente que você faz um ato
você cumprimentá-lo, chamá-lo pelo nome, isso faz com que ele se sinta
paciente é mais um aqui dentro, e se a gente não souber tratá-lo com essa
distinção, ele vai se sentir mais um, e daí vai desencadear todo aquele processo
gente comenta muitas coisas, mas no cuidado todos nós temos esse pudor, e tem
que ser respeitado. Então tratar com cuidado, tratar com carinho, não usar de
outro, dentro das suas condições. Mesmo que ele é, tenha passado dos limites,
mesmo que você perdeu a paciência, mas você não pode perder o respeito pela
pessoa. Quanto ao cuidado do outro, Ah, eu acho essa parte mais bonita!!!
com o paciente, é a maneira como você toca o paciente, tudo isso é o cuidado, o
cuidado com que você tem com o outro. Então é isso que enriquece a profissão,
99 99
eu penso, porque a maneira como você cuida, a maneira como você cultiva esse
cuidado, a maneira como você desenvolve, como você aprende, como você se
quando você consegue fazer tudo isso, você se realiza como profissional. Só
que tem muitas coisas que a gente enfrenta no dia-a-dia, né, até conseguir
ponto”.
Entrevista Nº 3
“Linguagem eu acredito que seja tudo o que a gente está expressando, né, tudo
o que a gente tá falando, tudo o que a gente está transmitindo para o paciente,
100 100
seja por palavras, por gestos, o tato, olhar, a maneira de como a gente trata, isso
sobre a corporeidade, nunca pensei sobre, porque quando a gente pensa sobre
cuidado a gente pensa na pessoa como um todo, como a gente lida. E o cuidado
benefícios pra aquela pessoa, benefícios que a gente vai dando no seu
tratamento, que vai ajudar nas suas necessidades. Eu nunca parei pra pensar
sobre. Na linguagem, sim, porque a gente fala mais sobre a linguagem, o que a
gente diz, o que a gente às vezes diz e transmite ao paciente, mas corporeidade
eu nunca parei pra pensar, mas agora eu vou pensar sobre corporeidade”.
Entrevista Nº 4
“No dia-a-dia o que a gente percebe assim, é que a gente tem que usar uma
universidade, fica um pouco difícil pra gente lidar com os nossos pacientes
situação. Então a gente procura assim reportar a eles conforme eles entendam o
que a gente está falando, né, e perceber também não só a fala, mas a linguagem
não verbal, perceber o gesto do paciente, como ele está, a gente deve estar
pacientes de UTI, bebês, eu lido com bebês, independente deles não entender, a
gente tem que estar conversando, colocando pra eles, para que eles não receba
como um trauma a assistência que a gente está prestando a eles. A gente tenta
difícil, a gente tenta traduzir ao paciente o que vai ocorrer, facilitar ao máximo.
Corporeidade, é quanto ao cuidado com o corpo, assim? A gente tem que estar
respeitando o paciente, no meu caso que a gente lida com puérperas, a gente
tenta estar dando uma privacidade à paciente, a gente não pode estar expondo a
paciente, né, é obrigando a fazer que não quer expor parte do corpo, e a gente
acaba falando com o nosso corpo também, através de gestos, de atitudes, né,
expondo o paciente. E quanto ao cuidado do outro, pra que a gente possa listar
102 102
cada um tem uma situação, então a gente avalia, e tenta fazer o máximo, para
realizar a situação que o paciente está passando, a patologia, para tentar estar
ajudando esse paciente, nos cuidados, a gente cuidar o que ele pode fazer por
ele, o que a gente pode estar fazendo. A gente precisa aprofundar um pouquinho
mais, né. A gente tem muito pouco na faculdade e a gente chega e na hora de
atuar, a gente tem muitas realidades, então a gente vê muito pouco na faculdade
Entrevista Nº 5
uma troca de informação para poder cuidar mesmo, né, e não só a linguagem
falada, muitas vezes a linguagem corporal, porque tem muita gente que não está
podendo falar naquele momento, né, está impossibilitado e tem uma barreira
que não permite ele falar, então já compreende que ele está sendo bem aceito,
que pode ficar tranquilo que tem alguém por ele, cuidando. A corporeidade é
linguagem corpórea, como o corpo fala, né. O paciente demonstra, às vezes está
morrendo de dor e não abre a boca para falar nada, mas você olhando. A
você já percebe aquilo que ele quer dizer. Um bebê muitas vezes, não fala, né é
alguém sem paciência e vai com aquela cara, e o paciente percebe. O cuidado
do outro, é uma coisa complexa, né. O outro, às vezes a gente se esqueça, mas o
outro acaba estando nas suas mãos mesmo. Às vezes não permite
sendo essencial, pra gente às vezes a gente não percebe aquilo que a gente está
fazendo, a gente percebe talvez depois de dias que chega uma cartinha ali
Entrevista Nº 6
preciso ficar atento não só o que ele relata, mas o que ele não relata, a expressão
dele ou o estado de ansiedade que ele se encontra, pra mim poder basear a
minha assistência no que ele está sentindo, e poder ir sanando as dúvidas dele
corporeidade, eu não sei muito bem o que é, mas assim eu procuro quando a
gente tem que expor o paciente a um procedimento, alguma coisa, a gente tem
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que se estar colocando no lugar dele, e estar procurando estar observando como
Tentar não expor ele, expor o mínimo possível. Cuidado do outro é uma coisa
formada, eu não tenho muita dúvida, mas logo que a gente começou a gente
teve muitas dúvidas, e, mesmo assim, é preciso estar tentando passar para o
pouco passado não pela equipe de enfermagem, mas por outras profissões, é
muito pouco passado para o paciente o que vai ser feito para ele. Então, além da
gente estar falando sobre o que a gente está fazendo, a gente tem que correr
Entrevista Nº 7
“Eu acredito que na nossa realidade ela está muito longe, ela está ainda muito
longe daquilo que a gente vê nos livros que seria o cuidar, né... a gente se volta
muito para o objetivo, pra aquela coisa de fazer aquilo que está vendo da
precisando, o que ele quer dizer nas entrelinhas, isso eu acho que ainda não
temos preparo. Não a capacidade, capacidade a gente tem muito, mas até pela
lado para o outro, pela questão de estar em vários setores, de estar apagando
fogo mesmo, né... Eu acho que fica muito a desejar essa questão da
dizer quando ele diz que está com dor, ou quando ele diz que quer ir embora,
que ele está cansado, que quer ir embora, que não quer mais ficar que ele, de
corredor com uma paciente, ela expressou isso, que na verdade ela não queria ir
embora, ela queria continuar o tratamento, mas era tudo tão estranho pra ela, ela
estava tão insegura, né. E quanto à questão do saber o tratamento que vai
acontecer, e o que está acontecendo, com essa pouca humanização que a gente
chega, não só a enfermagem, a parte médica também, que vai invadindo o outro,
vai chegando e vai fazendo e muitas vezes nem questiona o teu nome, não
pessoa nem sabe quem que está ali, muitas vezes, né... Se é um funcionário da
que a gente não ouve o paciente, você desrespeita bastante ele, eu já fui
paciente e sei, porque a gente se enxerga enquanto paciente você tem a tua
explicação. E enquanto profissional nós pecamos muito com isso, né... Pouco se
vê essa questão de conversar com o paciente, de explicar para ele o que está
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acontecendo, o que se vai fazer e quem é você, o que pode estar fazendo, se ele
fizer isso ou deixar de fazer isso. As regras, por exemplo, não pode trazer
comida de casa, por que não pode, só porque eu quero que não pode, né... Não
pode sentar na cama, ou faça isso e faça aquilo, vai e daqui a pouco vai para o
banho, vamos levantar e vamos para o banho. Então essas coisas, eu acho que a
porque ele precisa desse contexto, de se situar, de reconhecer onde ele está, de
conversar com a mãe, atende o bebê lá na sala do recém-nato, não que ele não
passou, passou mas a mãe não viu. Aí essa questão dos médicos substitutos, que
vêm prescrever para os outros, chega e passa, não conversa, não se identifica, e
aí a paciente diz que o seu médico não veio, ele veio, veio outra pessoa. E nós
gente peca por isso, também, né por achar que está ali e ele sabe quem você é,
você deixa essa... Até a questão das terminologias, que às vezes é tão óbvia e
clara pra gente, mas você fala uma palavra às vezes até considerada comum, por
exemplo o paciente está grave... Mas ele vai sair bem... Então aí você vê que a
pessoa não entendeu o que quer dizer estar grave, né. Então isso são exemplos
assim, que eu vejo que a gente fica meio que robotizado... Às vezes você
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responde, mas você não está respondendo, às vezes você nem entendeu o que a
Essa questão da linguagem subjetiva do paciente que às vezes está ali com um
muito a ver com a questão da maneira com que a gente trata ele, né, não
interpretando realmente, não dando essa base para ele do que está acontecendo,
não compreendendo ele... O cuidado em si, na minha visão, ele é ainda muito
maioria das vezes, aquela atenção, aquele toque, como você está hoje, melhorou
a tua dor, é, enfim, atenção mesmo, ao meu ver é isso que a gente ainda faz. E
não é porque não se tem vontade, a maioria das pessoas tem vontade, eu vejo o
que ele se torna na rotina e no dia-a-dia, mecânico, até porque ele não vê, ele é
único, ele tem ações isoladas, mas não uma continuidade da assistência no que
diz respeito à questão da humanização mesmo, né, de ver aquela outra pessoa
que tem os mesmos sentimentos que ele, né. Quando se fala que nós somos
seres humanos que trabalham com seres humanos e para os seres humanos não
cansado, eu estou com medo, eu estou com raiva, sempre eu. E a gente quer que
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mesmo que a gente e o paciente também... E isso as pessoas não se dão conta...
Então num momento mais, até por empatia com o paciente é essa pessoa muda
Entrevista Nº 8
gente que atua como enfermeiro, né... Acho que o enfermeiro às vezes tem
muito mais sensibilidade do que os outros profissionais, e acho que pode ter
eu acho que a linguagem acontece de várias maneiras, não muitas vezes com
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comunicação verbal, mas com gestos, atitudes, expressões, tanto nossa quanto
do paciente. Muitas vezes é difícil pra gente estabelecer uma linguagem, uma
muitas vezes a gente se abstém pra não se envolver de uma maneira mais
profunda com este paciente. No setor crítico eu vejo assim, quando o paciente
entra na UTI, paciente consciente que está contactuando e tudo mais, ele entra
fragilizado e muitas vezes tem o apoio das pessoas que está acompanhando ele
aqui dentro... Ele entra sozinho, sem roupa, sem documento, sem nada, né e às
vezes a única coisa que ele precisa muito naquele momento é o apoio de alguém
e nesse caso o apoio de alguém como nós, tanto enfermeiros quanto os técnicos,
mas principalmente por nós enfermeiros. Eu vejo que entra muito fragilizado,
ele exige muito, ele conta muito, ele quer ouvir muito a opinião e a gente às
vezes por receio, a gente acaba é, se distanciando pra não se envolver com o
paciente. Uma coisa que estou aprendendo ainda, porque antes eu fazia essa
associação com o ser humano dizendo, que esse paciente podia ser meu avô,
essa criança podia ser minha prima... E uma amiga minha dizia, que eu
precisava discernir essa pessoa que está ali naquele leito, ela tem uma vida, tem
uma história, tem os familiares dela. Ela merece o teu respeito e o teu trabalho,
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mas ela não é o seu avô ou a sua prima, eu acho que a gente confunde isso e
mas com os gestos, expressões, porque às vezes não fala, nós temos que abordá-
lo, e tentar convencê-lo e até descobrir por que dessa fragilidade tão grande. O
respeito pelo paciente inicia quando a gente realiza os nossos cuidados, eu acho
que na verdade esse respeito inicia a partir do momento em que a gente começa
a manipular esse paciente, a maneira com que a gente aborda, até o simples
banho, e aqui é muito comum o banho no leito, que eu acho uma agressão, se o
paciente não for bem orientado, bem abordado, o paciente se sente agredido,
gente invade a privacidade dele com todos pré-conceitos que ele tinha até ele
entrar aqui. Eu acho que o cuidado em si ele deve ser feito, mas é preciso
Entrevista Nº 9
enfermagem. A linguagem, ela está implícita nas nossas falas, na nossa escrita,
com a criança que seria o paciente, então existem diversas formas de linguagem
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momento em que você entrou no setor, desde um sorriso, um bom dia, até a
corporeidade, eu acho também, uma coisa importante, a forma com que você se
coloca, a tua postura, acho que isso muito é muito importante, ainda mais no
alojamento que às vezes você chega assim de uma forma mais assim, como que
eu posso dizer, se impondo, a altura, você pode inibir a mãe e ela não vai
colocar pra você o que realmente está acontecendo. Ela vai ver você como uma
figura assim, ah, não me toque - tudo isso né. Às vezes a mãe está ali sentada no
sofanete com a criança no colo, então eu procuro me abaixar ali pra ficar na
altura dela e da criança para passar pra ela que eu estou alí preocupada, que eu
quero ajudar, e como eu posso fazer isso... Aí eu consigo fazer com que a mãe
se abra né, em todos os aspectos, porque aqui não é só a doença física, ela traz
auxiliar com quem ela se identifique que consiga passar isso pra ela, ela vê
como uma referência, e isso é bom porque você consegue transmitir essa
confiança pra mãe e ela te dá liberdade pra você fazer todos os cuidados com a
criança e com isso você consegue respeito e tudo mais. Mas assim, falando
ela é assim, a gente já percebeu que a escrita é tudo... Então, nem que você
tenha que sair daqui mais tarde, mas nunca deixa de escrever, de registrar,
porque no outro dia aquilo que você trouxe, te livrou de alguma coisa, né. Então
a comunicação escrita na enfermagem, tudo o que você fez com paciente, tudo o
que o médico falou, não adianta só falar, a gente tem que registrar e na
assim que às vezes a gente está com tantos problemas em casa, e eu chego aqui
empolgando, eu acho que o cuidar do outro é você se entregar né, mas pra fazer
isso, pra cuidar do outro, eu acho que é questão de dom mesmo, não é qualquer
um que faz isso, não é qualquer pessoa que tem o dom de cuidar né – porque é
higiene... Nossa, eu trabalho com pacientes com câncer também e eu vejo que à
noite a gente só acaba fazendo assistência, né. Então você vê aquele curativo
Nossa... como que aquilo é bom, por mais que ele esteja sofrendo, você vê a
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satisfação nos olhos dele e isso pra gente também é gratificante, eu me sinto
muito bem. Eu acho que cuidar seria a essência da profissão, então, mas é tão
Entrevista Nº 10
como um todo de uma maneira holística, não só o ato do cuidado em si. Não só
o fato de você estar prestando um cuidado físico, mas o fato de você entender o
indivíduo como um todo, na sua vida como um todo, e ver ele como, de forma
indivíduo não só naquele momento, mas entender ele de forma total e holística
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mesmo. A linguagem, assim, às vezes ele olha pra ti de uma forma que ele está
querendo saber alguma coisa pelo olhar, pelo toque, é eu acho que isso, a
um cuidado físico. Por exemplo fazer uma assepsia no local onde você vai fazer
uma punção, de forma de ele entender porque você faz esse cuidado, mas assim,
um curativo por exemplo, ele está todo envolto numa situação que você, às
vezes, ele está trazendo um problema de casa num problemas de casa e às vezes
a ferida aí não está melhorando porque ele tem um problema maior por trás
mental, então você tem que ver o cuidado de forma a trabalhar todos esses
ANEXO 3