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O Integralismo Lusitano e o nacionalismo musical de Luís de Freitas Branco:


dois estudos de caso

Article  in  Bulletin of Spanish Studies · April 2021


DOI: 10.1080/14753820.2021.1901405

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Aarón Pérez-Borrajo
Universidad de Salamanca
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Bulletin of Spanish Studies
Hispanic Studies and Researches on Spain, Portugal and Latin America

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O Integralismo Lusitano e o nacionalismo musical


de Luís de Freitas Branco: dois estudos de caso

Aarón Pérez-Borrajo

To cite this article: Aarón Pérez-Borrajo (2021): O Integralismo Lusitano e o nacionalismo


musical de Luís de Freitas Branco: dois estudos de caso, Bulletin of Spanish Studies, DOI:
10.1080/14753820.2021.1901405

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Bulletin of Spanish Studies, 2021

O Integralismo Lusitano e
o nacionalismo musical de
Luís de Freitas Branco:
dois estudos de caso*
AARÓN PÉREZ-BORRAJO
Universidad de Salamanca

1 O Integralismo Lusitano como marco teórico


O Integralismo Lusitano contribuiu para a consolidação de um imaginário
nacionalista específico em que o compositor e musicólogo português Luís de
Freitas Branco se moveu ao longo da sua carreira profissional e vida
pessoal: é por isso que deve ser de especial importância para nós. Apesar da
breve história deste movimento, mais ideológico do que político, o seu
impacto no desenvolvimento do nosso autor foi tão profundo que mesmo
décadas após a sua dissolução podemos encontrar referências implícitas no
seu discurso. No entanto, a origem do Integralismo Lusitano precede o
início da Primeira Guerra Mundial. A Universidade de Coimbra, a entidade
académica historicamente mais significativa no meio lusófono, é o cenário
em que este movimento assume um papel de liderança. Devo salientar que
Coimbra, até à segunda metade do século XX, foi o epicentro intelectual,
cultural e político em Portugal por excelência. Sem a atração deste contexto
espacial e académico, a materialização deste projeto político seria
impossível. A intensa atividade universitária e cultural desta cidade é a
que torna possível que todos estes sujeitos, os quais partilham as mesmas
preocupações ideológicas, entrem em contacto uns com os outros.

* Uma primeira versão deste artigo foi desenvolvida no meu Trabajo de Fin de Máster
do Máster en Música Hispana da Universidad de Salamanca: ‘El Integralismo Lusitano en la
historiografía musical portuguesa (1910–1933): Luís de Freitas Branco y su interés en la
música antigua (2018)’. Foi dirigido pela Prof. Dra Amaya Sara García Pérez (Universidad
de Salamanca) e pela Prof. Dra María Jesús Pena Castro (Universidad de Salamanca).
Gostaria de agradecer a Ana I. Nistal Freijo (Universidade de Coimbra) e a Jose Rodríguez
Gómez (Universidade de Vigo) pelos seus comentários e observações sobre este artigo.

ISSN 1475-3820 print/ISSN 1478-3428 online/21/00/000001-25


© 2021 Bulletin of Spanish Studies. https://doi.org/10.1080/14753820.2021.1901405
2 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

No seu início, o Integralismo Lusitano consistia unicamente num clube de


debate político ligado a uma publicação periódica de conteúdo cultural e
político. Este agrupamento era composto por jovens intelectuais
monárquicos e católicos, muitos dos quais se posicionaram
verdadeiramente após o triunfo sociopolítico dos republicanos. A
proclamação da Primeira República em 1910 retirou-os do nível intelectual
e universitário, atirando-os para um cenário político convulsionado e
complexo.1 É neste ponto que o Integralismo Lusitano começa a ser
politicamente constituído, quando começa a representar o ‘outro’, quando
começa a gerar uma oposição real a um novo regime democrático em vias
de ser implementado.
Este grupo estava firmemente contra os processos de industrialização.
Eles optaram por uma espécie de ruralismo, ambicionando uma ordem
socioeconómica já obsoleta no início do século XX. Adeptos do uso da
violência, a aplicação prática das suas doutrinas estava longe de ser
habitual, apesar da participação dos Integralistas em revoltas realistas.
Por outro lado, o modelo monárquico que procuraram reimplantar nada
teve a ver com a monarquia constitucional presente em Portugal no século
XIX. Eles estavam a favor de uma espécie de monarquia orgânica,
sustentada por um modelo social corporativista e contrária ao liberalismo
do século XIX, concebendo mesmo o socialismo e o marxismo como uma
variedade deformada de liberalismo e democracia.2
O sucesso do Integralismo Lusitano na difusão da sua proposta política
e social foi extremamente limitado. Ao elitismo cultural que o caracterizou,
uma primeira barreira nas suas tentativas de comunicar a sua visão,
juntou-se o seu empenho na restauração monárquica, o que também
impediu a sua relação com forças políticas conservadoras com,
presumivelmente, objetivos semelhantes. Por outro lado, a sua
reconhecida participação em débeis intentos de golpe de estado apenas
contribuiu para o seu isolamento político. Um exemplo disto é o exílio
realizado por grande parte dos seus membros na Bélgica, sendo
influenciado pelas doutrinas do movimento nacionalista Action Française,
e só podendo regressar a Portugal após a amnistia republicana em 1916.3
A posição extrema e marginal do Integralismo Lusitano implicou um
impacto social e real muito escasso. Não só foi incapaz de atingir uma
grande massa social, como dificilmente conseguiu colaborar com forças
políticas análogas.

1 António C. Pinto, Os Camisas Azuis: ideologia, elites e movimentos fascistas em


Portugal, 1914–1945 (Lisboa: Editorial Estampa, 1994).
2 Veja Pinto, Os Camisas Azuis.
3 Sobre a relação entre os dois movimentos, pode ser de interesse a seguinte fonte
bibliográfica: Stewart Lloyd-Jones, ‘Integralismo Lusitano and Action Française’, Portuguese
Journal of Social Science, 2:1 (2003), 39–59.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 3

Anticentralista e tradicionalista, o Integralismo Lusitano foi um


completo fracasso quando se tratou de passar do nível teórico para o
prático. Esta incapacidade de se materializar como um projeto político
viável deveu-se à assunção de um credo ideológico radical e dogmático,
incapaz de coexistir num cenário baseado num complexo equilíbrio de
forças. O Integralismo Lusitano pode ser catalogado como um movimento
puramente ideológico, uma vez que a sua materialização estrutural e
política não teve sucesso. Composto por intelectuais elitistas, a sua
capacidade organizacional era extremamente débil. O seu compromisso
com o catolicismo foi esbatido por uma espécie de racismo e
antissemitismo que, embora não façam parte do discurso oficial, estão
presentes nas obras de António Sardinha (1888–1925). Nas palavras de
Paulo de Archer Carvalho:

[ … ] o integralismo, ideologia agrária de intelectuais mais ou menos


aristocratas, terratenentes e latifundiários, ou candidatos, escava no
discurso nacionalista do século XX [ … ] entre o minimalismo
tradicionalista dos sinos da aldeia, pequena pátria barresiana da
pequena casa lusitana [ … ], e a trombetas na fanfarra maximalista e
ecuménica da aventura planetária e imperial lusíada.4

O fim do Integralismo Lusitano viria em 1932, quando o seu Conselho


Central concordou em dissolver o movimento, antecipando assim à
instituição do Estado Novo. Face a esta situação, os agentes culturais e
políticos que ainda faziam parte dele, tiveram principalmente três
alternativas: o desaparecimento da cena política, a sua integração no
Movimento Sindicalista Nacional criado por Rolão Preto, ou a colaboração
na nova estrutura proposta pelo Estado Novo. Neste sentido, um exemplo
paradigmático desta última via seria a figura de Marcelo Caetano.5 O
interesse de António Salazar—aluno e professor na Universidade de
Coimbra entre 1917 e 1926—na aglutinação de todas as forças políticas
de orientação antirrepublicana, tornou possível esta
transferência. P. Archer de Carvalho resume a monopolização do
salazarismo do espaço político de direita, uma estratégia que restringiu
qualquer tentativa de desenvolvimento integralista, do seguinte modo: ‘O
salazarismo hegemonizou assim, constitucionalizando-se no Estado
Novo, o discurso ideológico e não deu espaço, mesmo à direita (e

4 P. Archer de Carvalho, ’Integralismo Lusitano: Reacção, Recristanização, Retorno’,


Locus. Revista de História, 18:1 (2012), 13–31 (p. 30; a ênfase no original).
5 Marcelo Caetano (1906–1908) foi o último Presidente do Conselho de Ministros de
Portugal durante o Estado Novo. Ligado ao Integralismo Lusitano no início da sua carreira
política, a sua intensa atividade dentro da estrutura salazarista levou-o a suceder a António
Salazar desde 1968 até à Revolução dos Cravos em 1974.
4 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

não necessariamente à sua direita), à alteridade, menos ainda a


alternativas’.6
Por outro lado, intelectuais contrários ao Integralismo Lusitano,
como Raul Proença (1884–1941), aproveitaram plataformas como a Seara
Nova7 para comparar e questionar as teses integralistas, apontando a
imitação e dependência de modelos extranacionais.8 Este autor considerou
que a doutrina integralista não era mais do que uma cópia do
reacionismo francês proposto por autores como Charles Maurras (1868–
1952), Maurice Barrès (1862–1923) ou Henri Vaugeois (1864–1916).9 O
esforço de Proença para enfrentar o Integralismo Lusitano foi tal que,
entre 1921 e 1922, dedicou-lhe uma série de artigos na referida revista,
na qual, num estilo altamente pessoal e intelectual, expôs e refutou os
fundamentos ideológicos integralistas. Diferenciando entre a verdadeira
democracia e o reacionismo que o Integralismo Lusitano representava,
não se deteve na superfície e no óbvio, mas aprofundou o combate da sua
estrutura teórica.
Contudo, esta profunda rejeição da posição ideológica integralista, a qual
pode ser extrapolada para as suas preferências por sistemas de organização
social ou para perceções completamente opostas da realidade nacional, não
o impediu de apreciar a capacidade intelectual e literária de António
Sardinha, assim como as virtudes de unidade e espírito de luta que este
movimento encarnava.10 De certa forma, Proença encontrou no
Integralismo Lusitano o antagonista perfeito para ser enfrentado, o meio
adequado para desenvolver o seu discurso social, progressista e republicano

6 Carvalho, ‘Integralismo Lusitano’, 16.


7 Seara Nova é uma revista, ainda ativa, fundada em 1920 graças à ação de intelectuais
como Raúl Proença, Raúl Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira Macedo, Jaime Cortesão,
Câmara Reis ou António Sérgio. Sobre o seu processo de criação, a seguinte fonte fornece
informação extremamente interessante: Paulo Braga, ‘Uma entrevista con Câmara Reys
sôbre a “Seara Nova” ’, Seara Nova, 513 (1937), 162 & 177. Esta plataforma, ao contrário
das dinâmicas elitistas e estritamente académicas que até representam o Integralismo
Lusitano, propôs uma aproximação pedagógica à sociedade lusa. Como representante da
dimensão musical portuguesa, nas suas páginas esteve presente o musicólogo e compositor
Fernando Lopes-Graça (1906–1994), aluno do próprio Freitas Branco no Conservatório
Nacional. A trajetória deste meio durante o Estado Novo foi muito complicada devido às
dificuldades económicas e, sobretudo, à censura derivada da sua forte oposição ao
Salazarismo. Sobre o seu trabalho de resistência intelectual, artística, social e simbólica, o
seguinte artigo é de grande interesse: A. Rafael Amaro, ‘A Seara Nova e a resistência
cultural e ideológica à ditadura e ao Estado Novo (1926–1939)’, Revista de História das
Ideias, 17 (1995), 405–38.
8 Carvalho, ‘Integralismo Lusitano’, 17.
9 Raúl Proença, ‘Acerca do Integralismo Lusitano. O que é o integralismo’, Seara Nova,
5 (1921), 132–36.
10 Olga de Freitas da Cunha Ferreira, ‘As doutrinas do integralismo lusitano no
pensamento e na teoria de acção de Raúl Proença’, Revista de História das Ideias, 7 (1985),
671–83.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 5

a partir de uma posição fundamentada na resistência. O autor justifica a sua


iniciativa combativa da seguinte forma:

Discutir o integralismo é, pois, uma operação necessária de profilaxia


intelectual. Ferida a democracia pelos actos dos que se dizem seus
partidários e pelas palavras dos que são seus inimigos, era preciso que
alguem erguesse entre nós o facho da esperança democrática, e
opusesse al torpe realismo republicano e à sofistica ideologia
conservadora novas afirmações da consciência republicana, alargando-
lhe os quadros, abrindo-lhe os horizontes e mostrando aos olhos dos que
acordam para a vida do sentimento colectivo perspectivas mais
longíquas e mais puras.11

Porém, a ligação de Luís de Freitas Branco ao Integralismo Lusitano não


foi permanente e indissolúvel. Sobretudo, pode ser resumida como uma
relação ativa e mantida ao longo da segunda década do século XX. No
entanto, a sua percepção e relação com o fenómeno musical ficou
condicionada pelo papel político e público que desempenhou durante este
período. Por esta razão, é de notar o discurso amável da maioria dos seus
biógrafos, quem não abordam nem a dimensão política de Freitas Branco
nem o impacto que esta teve na sua produção musical e musicológica.
Teresa Cascudo comenta como a maioria deles e delas, incluindo os seus
descendentes, qualificam a simpatia do nosso autor pelo Integralismo
Lusitano como um pecado de juventude, para além de o valorizarem como
uma verdadeira afinidade ideológica com um movimento protofascista.12
Esta última questão explica, como indica Maria Isabel Amaro da Silva
Pina, que a ligação e coordenação entre a sua postura estética neoclássica e
o seu nacionalismo político continuem a ser uma campo de estudo
pendente: as fontes bibliográficas existentes apenas as contemplam como
facetas separadas e desconexas.13 De facto, o interesse de Freitas Branco
pela música antiga portuguesa, traduzido numa estética neoclássica, liga-o
diretamente ao nacionalismo musical e a uma inquestionável revalorização
de um grande passado nacional. Paradoxalmente, tendo em conta a sua
admiração por Wagner, isto o aproxima a posições antialemãs. Em suma,
Freitas Branco propõe um empoderamento no seu tempo presente baseado
na valorização de um passado longínquo.

11 Proença, ‘Acerca do Integralismo Lusitano’, 133.


12 Teresa Cascudo, ‘Por amor do que é portugués: el nacionalismo integralista y el
renacimiento de la música antigua entre 1924 y 1934’, em Concierto barroco: estudios sobre
música, dramaturgia e historia cultural, ed. Juan José Carreras & Miguel Ángel Marín
(Logroño: Univ. de La Rioja, 2004), 309–30.
13 Maria Isabel Amaro da Silva Pina, ‘Neoclassicismo, nacionalismo e latinidade em
Luís de Freitas Branco, entre as décadas de 1910 e 1930’, Dissertação de Mestrado
(Universidade Nova de Lisboa, 2016).
6 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

A sua ligação intelectual com este agrupamento foi eficaz desde a origem e
a surgimento deste movimento. Freitas Branco participou no ciclo de
conferências de 1915 intitulado ‘A Questão Ibérica’, através do qual os
intelectuais do Integralismo Lusitano se apresentaram à sociedade
lisboeta. O elemento que motivou este evento foi a necessidade de mostrar
uma forte reação portuguesa contra a dinâmica a favor da criação de uma
federação peninsular em conjunto com Espanha. Por esta razão, podemos
observar uma linha comum entre todas as intervenções dos oradores que
participaram: a de destacar e apontar a identidade portuguesa
independentemente da área de estudo, ligando-a ao conceito de ‘lusitano’,
de modo a adquirir um maior significado histórico.
A incorporação de Freitas Branco no Integralismo Lusitano marca o início
de uma relação bidirecional e duplamente frutuosa. Ele proporciona aos
Integralistas um projeto e um discurso musicológico de acordo com a sua
doutrina política e, ao mesmo tempo, aproveita o quadro ideológico que o
Integralismo Lusitano fornece para construir e fundamentar os seus juízos
musicais. A prova definitiva da sua participação no evento acima referido é
o seu capítulo ‘Música e Instrumentos’, uma transcrição da palestra
proferida em 5 de Maio de 1915, integrada no volume intitulado A Questão
Ibérica: Integralismo Lusitano.14 Podemos considerar esta fonte como o
manifesto fundador e intelectual do grupo, pelo que a sua presença dentro
deste círculo restrito e limitado o posiciona como um sujeito intelectual com
transcendência, para além da sua colaboração na imprensa e em
publicações periódicas relacionadas.
Neste capítulo, Freitas Branco estabelece a existência de um notável e
valioso passado musical português no qual é possível identificar
características diferenciadoras e específicas do ser musicalmente português.
Para as apontar, segue as características que António Sardinha fornece e
atribui no capítulo inicial do referido livro—‘O Território e a Raça’15—à
cultura portuguesa: lirismo, idealismo, sentimentalismo etc.16 O nosso
autor explica a existência de práticas musicais portuguesas próprias e
exclusivas, presentes mesmo na altura da separação de Castela,
permitindo-lhe postular a tradição musical erudita portuguesa como o meio
adequado para inverter a desnacionalização musical ocorrida durante o
século XIX. Em suma, Freitas Branco adapta e apropria-se dos postulados

14 Luís de Freitas Branco, ‘Música e Instrumentos’, em A Questão Ibérica: Integralismo


Lusitano (Lisboa: Almeida Miranda & Sousa, 1916), 119–43.
15 António Sardinha, ‘O Território e a Raça’, em A Questão Ibérica, 9–76.
16 Teresa Cascudo, ‘Historiografía y composiciones en Portugal en el período de
entreguerras: dos casos de estudio’, em Cruces de caminos: intercambios musicales y
artísticos en la Europa de la primera mitad del siglo XX, ed. Gemma Pérez Zalduondo & Mª
Isabel Cabrera García (Granada: Univ. de Granada, 2010), 299–318.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 7

teóricos integralistas quando se trata de criar uma nova perspetiva sobre a


história musical de Portugal.17
Luís de Freitas Branco não só diferencia as duas tradições musicais
ibéricas, como também explica as razões que o levam a afirmar a
superioridade da música portuguesa. Combina esta afirmação com as suas
aspirações monárquicas, analisando o papel que o fenómeno musical
desempenhou nas cortes dos reis portugueses, mais uma vez com um
interesse especial pela figura do rei D. João IV,18 uma das personagens
mais relevantes e icónicas para o Integralismo Lusitano ao longo da
história portuguesa.19 Nesta fonte, Freitas Branco não só se limita a
posicionar Portugal como a primeira potência musical da Península Ibérica,
como ousa confirmar o seu carácter inovador e a sua atitude de liderança
dentro de um cenário europeu, sublimando repetidamente o contraponto
polifónico português e apontando a sua preeminência num contexto global.
No entanto, a sua contribuição para este trabalho coletivo, A Questão Ibérica:
Integralismo Lusitano, não será um dos dois estudos de caso desenvolvidos nesta
investigação. Esta, após de uma necessária introdução sobre o Integralismo
Lusitano como o marco teórico e contexto político em que o nosso autor se move,
centrar-se-á na análise e no comentário de dois artigos publicados em 1924 em
duas plataformas radicalmente diferentes. Assim, será possível apreciar como
Freitas Branco adapta o mesmo discurso musicológico de caráter nacionalista
de acordo com a sua percepção sobre a audiência a que se dirige.

17 Pina, ‘Neoclassicismo, nacionalismo e latinidade em Luís de Freitas Branco’, 54–55.


18 D. João IV (1604–1656), o Rei Músico, foi um notável intérprete, compositor e
proprietário de uma das mais relevantes bibliotecas musicais da Europa, a qual desapareceu
em 1755 devido ao terramoto de Lisboa. Almonte Howell e Rui Viera Nery também apontam
a sua obra como mecenas de uma série de compositores nacionais que, por coincidência,
compõem a chamada Escola de Évora (Almonte Howell & Rui Viera Nery, ‘João IV, King of
Portugal’, em The New Grove Dictionary of Music and Musicians, ed. Stanley Sadie & John
Tyrrell, 29 vols [London: Macmillan/New York: Grove, 2001], XIII, 128–29).
19 O reinado de João IV marcou a separação definitiva entre Espanha e Portugal, um
acontecimento de grande impacto na história da Península Ibérica conhecido como a
Restauração de 1640. O Integralismo Lusitano estava consciente da magnitude deste evento
e tentou transferir esta dinâmica sociopolítica disruptiva para o âmbito músico-cultural.
Assim, encontraram na Escola de Évora o equivalente perfeito, afirmando veementemente o
seu papel no estabelecimento e materialização de uma identidade cultural nacional
diferente da do resto dos países europeus, sob a premissa de que uma forma específica de
ser implica uma forma específica de arte. Definitivamente, a figura deste monarca funcionou
como um instrumento de legitimação, como um princípio de auctoritas incontestável no
imaginário nacionalista português. As tentativas integralistas de ligar ambas dimensões
não se basearam apenas na sua coincidência cronológica, ou no interesse de João IV pela
música e arte, mas também na relação pessoal entre este último e alguns dos compositores
que fizeram parte deste movimento como João Lourenço Rebello (1610–1661).
8 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

2 ‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’


O artigo intitulado ‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’, da autoria
de Luís de Freitas Branco, é o primeiro estudo de caso que analisaremos
nesta investigação.20 Foi publicado a 2 de Fevereiro de 1924 no Diário de
Notícias, um jornal português fundado em 1864 por Eduardo Coelho (1835–
1889) e Tomás Quintino Antunes (1820–1898). É, portanto, uma publicação
diária, de grande consistência e regularidade histórica, que legitima as
mensagens que dela são difundidas. O Diário de Notícias estava
empenhado numa prática jornalística desligada das estruturas de poder e
dos seus interesses: por isso foi uma referência para a sociedade
portuguesa no final do século XIX e início do século XX. No entanto, em
1919 este meio foi transferido para a Companhia Industrial de Portugal e
Colônias. A mudança de propriedade significou que a linha editorial do
jornal foi orientada para a defesa da sua imagem e interesses; marcou
também o início das relações com o establishment político, económico e
militar. Não podemos esquecer que só dois anos após a publicação deste
artigo foi instaurada uma ditadura militar em Portugal. O âmbito
contextual turbulento deste período deve ser apreciado quando se analisa
esta fonte.
Ao longo deste breve artigo, Luís de Freitas Branco, com toda a autoridade
que possui, constrói um discurso de génio criativo em torno da figura do
também compositor português Ivo Cruz (1901–1985).21 O objetivo desta
fonte nada mais é do que legitimar e divulgar a atividade musical pela qual
este último é responsável, uma vez que estava em sintonia com a posição
musicológica e ideológica de Freitas Branco. Podemos até percebê-lo como o
interesse na materialização prática e musical dos postulados teóricos do
nosso autor, como o facto de ‘trazê-los para o palco’. A história que Freitas
Branco aqui desenha transcende um mero artigo jornalístico de opinião,
integrando um conjunto de conotações ideológicas que estão mesmo
presentes na seleção léxico-semântica que faz.

20 Teresa Cascudo fez uma tradução parcial deste artigo para o espanhol, a qual está
disponível na seguinte fonte bibliográfica: Teresa Cascudo, ‘Música, política y sociedad desde
los años de entreguerras hasta la Guerra Fría’, em La música moderna y contemporánea a
través de los escritos de sus protagonistas (una antología de textos comentados), ed. Jose
María García Laborda (Sevilla: Doble J, 2004), 142–58.
21 A Prof. Dra María Palacios (Universidad de Salamanca) desenvolveu este conceito em
profundidade na sua comunicação ‘Género y análisis del discurso en la crítica musical’, no
Seminario ‘Intercambios Metodológicos Aplicados a los Estudios de Postgrado en Género,
Etnomusicología y Antropología’ (Universidad de Salamanca, 2020). Ela compreende que a
ideia de criação, inevitavelmente ligada à do génio criativo, está associada ao masculino.
Cada sexo tem os seus próprios elementos: embora elas possuam beleza, eles estão situados
num domínio estritamente intelectual. Isto é: eles criam, elas recriam e imitam. As
hierarquias entre os géneros no campo musical são estabelecidas a partir dos seus próprios
fundamentos.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 9

A comutação de valores provocada pela transição entre o sistema


republicano e o novo regime estabelecido pela Ditadura Militar em 1926
não é real, não existe. Os agentes culturais associados ao Integralismo
Lusitano—como Luís de Freitas Brancos ou o próprio Ivo Cruz—não têm
qualquer problema em acomodar o seu discurso cultural e musicológico ao
que é levantado na esfera política. A exaltação nacional e os valores
promovidos ao longo da Primeira República Portuguesa continuam em
vigor durante a Ditadura Militar. Por esta razão, a proposta musical
encabeçada por Freitas Branco, a mesma que Ivo Cruz timidamente
concretiza nas atividades de que se fala nesta fonte, não tem qualquer
problema de adaptação a um novo ecossistema sociopolítico
pós-republicano. No entanto, isto não implica que a posição pública que
ambos adotam—tornando-se verdadeiros sujeitos políticos—não tenha
repercussões pessoais. Neste ponto, devo referir a exclusão de
Freitas Branco da Administração no final da década de 1930, facto que
contrasta com o apoio institucional recebido por Ivo Cruz durante o
mesmo período.
No primeiro parágrafo deste artigo, Freitas Branco faz uma referência
geral ao interesse e qualidade dos concertos que foram dirigidos pelo já
referido Ivo Cruz, os quais foram organizados e apoiados por Elisa Baptista
de Sousa (1881–1958) e Sara Mota Vieira Marques no papel de mecenas ou
protetoras. A primeira questão que me surpreende é a permanência do
formato de concerto privado como meio de restringir o acesso às elites
intelectuais portuguesas: aqui encontramos uma correspondência total com
o elitismo promovido pelo Integralismo Lusitano. Estas duas mulheres, de
grande consideração artística e social, bem como as que têm o estatuto de
‘dama de’, trabalham como verdadeiras benfeitoras e protetoras: uma
dinâmica partilhada noutros países vizinhos, como a Espanha. Pianista e
cantora, não só se movimentam em altos círculos sociais e políticos, como
também fazem dos seus espaços próprios um ponto de encontro para
facilitar as atividades músico-artísticas de outros.22
No entanto, porquê utilizar salas privadas como meio de realizar este tipo
de atividade musical? Porquê recorrer à intermediação e à proteção das
mulheres da alta sociedade para as poder levar a cabo? Neste ponto, devo
salientar que as instituições públicas portuguesas não costumavam
financiar ou patrocinar as atividades da alta cultura musical portuguesa.
Assim, os responsáveis destas iniciativas musicais estiveram expostos,
numa elevada percentagem, ao fracasso económico e pessoal devido à
ausência de apoio e meios públicos. Neste sentido, Freitas Branco escreve
as seguintes palavras de agradecimento ao referir-se e valorizar o trabalho

22 Raúl Brandão, Memórias, 3 vols (Braga: Edições Vercial, 2012–2014 [1ª ed. 1919–
1933]), I, 109.
10 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

dos gestores do Teatro de S. Carlos, uma das mais importantes entidades da


área cultural e artística portuguesa:

Da actual Direcção do Teátro de S. Carlos que é de não se tratar de um


grupo de profissionais da indústria dos teátros, ou de individuos cujo
principal fim seja o ganho, o lucro comercial; nenhum dos directores
meteu ombros a uma empreza desta responsabilidade, para procurar
uma fortuna, uma consideração, uma categoria que já possuem, pelo
contrário puzeram a sua posição social ao serviço da sua pátria [ … ],
rodeádos da simpatia e da consideração de todos [ … ].23

Um aspeto interessante neste primeiro parágrafo é a alusão direta e


deliberada que Freitas Branco faz à origem geográfica do repertório
programado nestes concertos, o qual é composto exclusivamente por música
portuguesa. Pode parecer que não existe outra música de interesse, pelo
que podemos deduzir que o processo de seleção do material musical está
completamente subordinado a um olhar e a um exame ideológico. Esta
questão, aparentemente inofensiva e mesmo impercetível, é
manifestamente evidente a partir da escolha semântica feita por Freitas
Branco. Ele não duvida em acompanhá-lo ao longo do seu discurso com um
conjunto de adjetivos superlativos, exaltando verbalmente o seu valor e
qualidade. Contudo, o único argumento utilizado para justificar este tipo de
frases categóricas é a alegada origem geográfica das obras programadas, o
qual está ligada a toda uma constelação sociopolítica baseada em
considerações estritamente extramusicais. Do meu ponto de vista, a
componente ideológica e nacionalista é conotada através do processo de
seleção e inclusão da música portuguesa no repertório do concerto, tendo
como justificação a sua origem geográfica.
A última observação que quero fazer neste primeiro parágrafo é a
persistência, mesmo neste período, da ideia de ‘génio criativo’ estabelecida
durante o século XIX, com base na imagem de Beethoven. Neste caso, ao
associar o conceito de génio criativo à figura de Ivo Cruz, refiro-me à
capacidade que Freitas Branco percebe na proposta musical do primeiro de
elevar a música portuguesa aos seus mais altos padrões estéticos e
artísticos, sempre com base na sua inspiração nas práticas musicais
portuguesas associadas ao século XVII. Ele compreende que o talento deste
jovem compositor reside na sua capacidade de se apoderar da música
nacional do passado—previamente trabalhada por musicólogos como o
próprio Freitas Branco—para aplicá-la no presente e projetá-la no futuro,
gerando uma sensação nacional de continuidade histórica também no
âmbito musical. Esta perspetiva eminentemente nacionalista, baseada na

23 Luís de Freitas Branco, ‘O mez musical’, Atlántida. Mensário Artístico Literário e


Social para Portugal e Brazil, 48 (1920), 348–50 (p. 348).
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 11

musicologia, implica afastar-se da procura de referências estrangeiras,


destacando pela originalidade do procedimento. Freitas Branco refere-se a
este facto da seguinte forma:

Até aqui, quando um compositor português procurando o seu caminho,


estudava, não tinha senão modelos clássicos estrangeiros porque
doutros não se falava em Portugal. A sua sensibilidade podia reclamar
os meios da tecnica adequados á expansão lírica, á constante
intensidade de emoção, mas como não podia saber que os nossos
músicos do seculo XVII já se distinguiam dos seus contemporaneos por
essa inclinação especial, esforçava-se por adquirir as qualidades de
construção germanicas, de graça e justa proporção francesas e outras
igualmente adversas ao feitio português, em vez de se colocar perante a
linguagem musical de agora como os contrapontistas da escola de Evora
se colocaram perante a linguagem musical do seu tempo: como
portugueses, o que neste caso equivale a dizer com sinceridade e com
originalidade.24

No entanto, para além deste conceito de ‘génio criativo’, Freitas Branco


também explora e utiliza conscientemente o conceito de juventude quando
se refere a Ivo Cruz. Em Espanha, críticos de música e filósofos como
Adolfo Salazar (1890–1958) e José Ortega y Gasset (1883–1955) moveram-
se em dinâmicas semelhantes.25 O nosso autor exalta a Ivo Cruz social e
intelectualmente, denominando-lhe como um jovem empenhado na ‘ideia de
levantamento nacional’ (‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’, 3).
Do seu ponto de vista, a juventude é o maior estímulo à transformação, pois
equivale ao sucesso da modernidade e ao destaque das ferramentas que ela
proporciona e oferece, estimulando assim um debate e uma renovação
positiva da tradição musical nacional portuguesa. No entanto, Freitas
Branco distancia-se das novas correntes que começam a surgir na Europa e
opta por um itinerário menos transgressivo: considera que a obra da
juventude portuguesa só pode ser o resgate e a reescrita do passado
musical e nacional português. Limita a agência e o âmbito de atuação das
novas gerações de compositores portugueses.
O segundo parágrafo é a confirmação do anterior, elogiando e aclamando a
nova geração representada por Ivo Cruz, modelo autêntico e verdadeiro de
como ser musicalmente português. Como se fosse uma metáfora, Freitas

24 Luís de Freitas Branco, ‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’, Diário de


Notícias, 2 de Fevereiro de 1924, p. 3
25 Francisco Parralejo, ‘Jóvenes y selectos: Salazar y Ortega en el entorno europeo de su
generación (1914–1936)’, em Los señores de la crítica: periodismo musical e ideología del
modernismo en Madrid 1900–1950, ed. Teresa Cascudo & María Palacios (Sevilla: Doble J,
2012), 55–94.
12 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

Branco utiliza uma fábula do escritor francês Jean de La Fontaine


(1621–1695) com a intenção de destacar a prática defeituosa e as
interpretações históricas incorretas feitas pelas gerações anteriores sobre a
música portuguesa. Nesta história, o confronto entre dois galos leva-nos ao
inesperado fracasso do favorito: a mensagem e a atribuição de papéis que o
compositor e musicólogo português faz é evidente. Freitas Branco, em
apenas quatro linhas, aborda duas ideias muito interessantes que iremos
desenvolver mais tarde: ‘a verdade portuguesa’ e ‘onde se afirmou pela
primeira vez em Portugal o sentido moderno do nacionalismo’ (‘Música.
Concertos Históricos na Liga Naval’, 3). Ele incentiva definitivamente o
conflito ao assinar frases que se assemelham a verdades categóricas:
Freitas Branco afirma, não propõe. A partir da sua posição de professor de
toda uma geração, ele estabelece o que é apropriado e o que não é.
O primeiro conceito acima mencionado—a verdade portuguesa—
corresponde a um interesse restritivo, consequência direta do pensamento
monolítico do autor: este conceito justifica e legitima todas as declarações e
ações futuras feitas sob a sua influência. O segundo conceito designado, por
outro lado, aproxima-nos da dinâmica de sublimação estética da tradição
da linguagem sinfónica com o único objetivo de constituir e definir uma
arte verdadeiramente nacional. Contudo, o que Freitas Branco quer dizer
vai muito mais longe: refere-se ao facto de que o mesmo palco onde Ivo
Cruz conduz os seus concertos também acolheu as conferências através das
quais os intelectuais integralistas se apresentaram à sociedade lisboeta em
1915, um evento no que Freitas Branco participou.26 Recordemos que este
evento foi a produção e definição do que seria o corpus ideológico do
Integralismo Lusitano, embora pudéssemos também visualizá-lo como uma
tentativa de expor a qualidade e particularidade da idiossincrasia
portuguesa em todas as esferas e campos de ação.
No terceiro parágrafo, Freitas Branco defende que a fratura e a inovação
propostas por esta nova geração de músicos e compositores portugueses
assentam no axioma anteriormente estabelecido: ser jovem é ser moderno.
Para isso, para gerar um sentido de mudança coletivo, menciona os agentes
culturais mais interessantes que, juntamente com Ivo Cruz, participam no
desenvolvimento desta iniciativa. Alguns deles tornar-se-ão realmente
figuras relevantes no panorama musical português do século XX, como é o
caso de Evaristo Coelho (1903–1988), Eduardo Libório (1900–1946) e
Fernando Amado (1899–1968). Freitas Branco aproveita este parágrafo
para sintetizar uma das ideias mais importantes da sua abordagem
musical nacionalista: a utilização de sistemas musicais estrangeiros
interfere com o desenvolvimento de uma proposta nacional. Por isso afirma,
como foi discutido acima, que o uso continuado de modelos musicais

26 Cascudo, ‘Por amor do que é portugués’, 314.


O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 13

alemães e franceses levou a um desconhecimento histórico dos sistemas


portugueses do século XVII. Compreende que é necessário constituir-se
musicalmente num contexto internacional baseado na sua própria
idiossincrasia e tradição musical portuguesa.
Assim, a partir da exploração do seu próprio ser, os portugueses poderiam
voltar a colocar-se na vanguarda da arte musical europeia, tal como a Escola
de Évora supostamente fez no seu momento histórico. A alusão sistemática e
contínua a este grupo é uma constante no discurso musical promovido pelo
Integralismo Lusitano. Dentro desta dinâmica, Freitas Branco adota
constantemente um papel paternalista, aconselhando com a autoridade
concedida por ter percorrido anteriormente o caminho em que se encontra a
nova geração de compositores portugueses. Tudo isto são os avisos de uma
figura extremamente influente, educada num sistema musical alheio ao
que ele entende como identidade portuguesa, e por isso forçada a
redescobrir-se a si próprio pelos seus meios. Com base na sua experiência,
exorta as novas gerações a não caírem nos seus erros, a realizarem-se
musicalmente como verdadeiros portugueses.
Para Freitas Branco, a Escola de Évora representa a música polifónica
portuguesa composta nos séculos XVI e XVII. No seu livro A música em
Portugal,27 o musicólogo coloca-a no período intermédio entre a etapa do
estilo vocal acompanhado e a do baixo cifrado, associando as suas práticas
de contraponto ao estilo a capella.28 O autor português, no capítulo ‘Les
Contrepointistes de l’École d’Évora’,29 identifica e aprofunda nas figuras
mais importantes deste movimento: Manoel Mendes (1547–1605), Duarte
Lobo (1564?–1646), Manoel Cardoso (1566–1650), Filipe de Magalhães
(1571–1652), João Lourenço Rebello (1610–1661) e Diego Dias de Melgaço
(1638–1700). Apesar de afirmar a existência de um conjunto de parâmetros
musicais partilhados por todos eles, não acaba por desenvolvê-los. A partir
destas figuras, Freitas Branco gera todo um modelo de carácter orgânico no
qual cada artista, dependendo da sua posição cronológica, desempenha um
papel. Ligados de uma forma ou de outra às práticas iniciadas por Manoel
Mendes, o musicólogo esforça-se por configurar uma espécie de
continuidade musical ao longo de dois séculos. Apesar de virem de lugares
diferentes, Évora é o espaço onde os seis compositores coincidem, o que, na
sua opinião, faz desta cidade o epicentro do contraponto polifónico
português. Portanto, aludir à Escola de Évora equivaleria a referir-se a
uma espécie de escola nacional.

27 Luís de Freitas Branco, A música em Portugal (Lisboa: Imprensa Nacional, 1929).


28 Cascudo, ‘Historiografía y composiciones en Portugal en el período de entreguerras’.
29 Luís de Freitas Branco, ‘Les Contrepointistes de l’École d’Évora’, em Actes du Congrès
d’Histoire de l’Art. Paris, 26 septembre–5 octobre 1921, 5 vols (Paris: Presses Universitaires de
France, 1924), III, 846–52.
14 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

De volta ao nosso estudo de caso, o terceiro parágrafo é provavelmente o


mais poderoso de todos. Nele, Freitas Branco e Ivo Cruz abordam
especificamente quais são as suas referências quando se trata de
reivindicar um espaço próprio para Portugal no âmbito europeu: a Escola
de Évora. Teresa Cascudo também reflete sobre esta questão, salientando
as distorções que as posições nacionalistas podem gerar na construção de
discursos históricos. Referindo-se ao contexto português e a compositores
que fizeram parte da Escola de Évora, afirma que os erros ou defeitos se
tornaram singularidades identitárias e que os desvios de um supradialeto
musical europeu foram erroneamente valorizados como manifestações
musicais de elevadíssimo valor nacional.30 Em suma, esta fonte demonstra
a elevada estima pessoal e artística que Freitas Branco professou por Ivo
Cruz, apesar dos diferentes caminhos que ambos percorreram ao longo do
Estado Novo Salazarista. O nosso autor percebeu na atividade e nas
iniciativas musicais de Cruz a materialização dos seus postulados teóricos
sobre o caminho que Portugal deveria seguir no futuro para regressar à
vanguarda da música europeia.
No quarto parágrafo, Freitas Branco apresenta uma mensagem baseada no
otimismo sobre o futuro musical português. O ‘periodo das trevas’ associado ao
domínio musical estrangeiro que devastou Portugal durante o século XIX, bem
como ‘da inconsciencia quanto á nossa musica’ (‘Música. Concertos Históricos na
Liga Naval’, 3), só pode ser superado graças ao tipo de iniciativas descritas por
esta fonte. Os processos de colonização musicais europeus, bem como as
dinâmicas de aculturação permitidas pelos próprios agentes musicais
portugueses, podem ser evitados. Freitas Branco sintetiza perfeitamente o
papel que o conceito de tradição deve assumir neste novo período histórico,
afirmando-se como o epicentro do ensino e da criação musical. No entanto, a
sua percepção errónea desta dimensão artística e nacional, intimamente
ligada à crença num passado fictício e manipulado do ponto de vista subjetivo,
torna-se o pilar sobre o qual ele desenha o futuro musical português. A sua
procura da essência portuguesa, de um passado cultural glorioso,
paradoxalmente nos leva a um verdadeiro desconhecimento da história
musical portuguesa para além dos séculos XVI e XVIII, uma questão
desenvolvida em profundidade por autores como Paulo Ferreira de Castro.31
Na minha opinião, a importância desta fonte reside nas possibilidades que
oferece de filtrar as chaves e as pedras angulares de um discurso musicológico
nacionalista complexo para uma linguagem simples e acessível a todos os
leitores. Sob a aparência de uma crónica ou crítica musical, podemos conhecer
e aceder à visão de Freitas Branco sobre a música portuguesa contemporânea,

30 Cascudo, ‘Por amor do que é portugués’, 323.


31 Paulo Ferreira de Castro, ‘O que fazer com o século XIX? Um olhar sobre a
historiografia musical portuguesa’, Revista Portuguesa de Musicologia, 2 (1992), 171–83.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 15

os seus objetivos ao criar música, os modelos ou antecedentes a imitar, a sua


posição ideológica, a existência de outros agentes músico-culturais com quem
partilha uma posição estética e política, etc. Realmente, através de um
discurso positivo e esperançoso, publicado num meio de comunicação de
massas, podemos compreender como o seu discurso musicológico se enquadra
perfeitamente na história musical estabelecida pelo Integralismo Lusitano.
Definitivamente, a justificação que suporta a seleção desta fonte é a poderosa
carga teórica que se esconde por detrás de uma aparência inofensiva.

3 ‘Guitarristas portuguezes’
O segundo estudo de caso no qual aprofundaremos nesta investigação
corresponde a ‘Guitarristas portuguezes’, artigo publicado em 1 de
Setembro de 1924 no segundo número da Música. Revista de Artes, uma
plataforma cultural dirigida por Gastão de Bettencourt (1894–1962) e João
de Campos Silva. Esta fonte, apesar de ter sido publicada no mesmo ano do
primeiro estudo de caso, dirige-se a um público completamente diferente.
Embora a leitura e interpretação de Freitas Branco sobre o passado
musical português permaneça a mesma, existe uma diferença óbvia entre
os dois artigos. Se em ‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’ estamos
a referir-nos a uma crítica musical publicada num jornal de grande alcance,
aqui nos encontramos perante uma revista especializada dirigida a um
público muito mais específico. O autor está consciente da mudança de perfil
e, por esta razão, adapta o seu discurso e a sua exposição, bem como o grau
e a profundidade do conteúdo técnico e histórico que fornece.
Música. Revista de Artes foi uma revista portuguesa que esteve ativa
entre 1924 e 1925, gerando um total de seis números e cinco fascículos em
que participaram autores portugueses e internacionais. Este último caso
poderia ser o do musicólogo espanhol Adolfo Salazar, o qual,
paradoxalmente, tornou-se em internacional ao ir para o exílio em México
após o início da Guerra Civil espanhola.32 O principal objetivo desta

32 Adolfo Salazar (1890–1958) foi um crítico, musicólogo e compositor espanhol. Ideólogo


do nacionalismo musical espanhol da primeira metade do século XX, ele tentou ligá-lo às
primeiras vanguardas europeias. Relacionado com todas as gerações de compositores
espanhóis deste período, foi uma figura chave na construção da história da música
espanhola no século XX. Empenhado no impressionismo francês e no neoclassicismo de
Stravinsky, foi um defensor convicto de Manuel de Falla e de Ernesto Halffter após a morte
do primeiro. No nacionalismo ocupou uma fação progressista, denominada por Elena Torres
como ‘nacionalismo das essências’ (Elena Torres Clemente, ‘El “nacionalismo de las
esencias”: ¿una categoría estética o ética?’, em Discursos y prácticas musicales nacionalistas
[1900–1970], ed. Pilar Ramos [Logroño: Univ. de La Rioja, 2012], 27–51). Este processo
baseou-se na europeização da música nacional, na adaptação dos referidos modelos europeus
de vanguarda à língua musical espanhola, meio de sublimação estética e de progresso
artístico-musical.
16 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

publicação periódica foi o de realizar uma crítica cultural construtiva e


estimulante, entendendo que este era o meio adequado para melhorar e
renovar a atividade musical portuguesa. Por outro lado, além do valioso
trabalho editorial desenvolvido, Bettencourt e Campos Silva também
incentivaram a criação de uma estrutura complementar baseada em
conferências e na organização de concertos e exposições de arte.33 Ambos,
apesar de demonstrarem um interesse proto-interdisciplinar inicial,
abrangendo todo o tipo de manifestações artísticas portuguesas, acabaram
por se centrar no estudo da ‘música clássica’.
‘Guitarristas portuguezes’ está longe de ser um mero artigo de opinião:
torna-se um manifesto pseudonacionalista através do qual Freitas Branco
exorta o leitor a valorizar a grandeza do passado musical português. O
principal objetivo desta fonte é denunciar a indiferença e o desinteresse da
musicologia europeia e, sobretudo, portuguesa no estudo da escola de
guitarristas da Renascença portuguesa. Ao utilizar uma sintaxe complexa e
confusa, questão também ligada ao uso constante de um pluralis
majestaticus que aparentemente lhe confere a condição de porta-voz,
Freitas Branco prossegue distorcendo alguns factos históricos ocorridos
durante os séculos XVI e XVII a partir de uma leitura sobredimensionada
da história musical portuguesa. O seu discurso contradiz e discorda de um
macro-relatório europeu, uma reação que apenas demonstra a existência de
um sentimento de inferioridade nacional.
Ao longo do primeiro parágrafo deste artigo, Freitas Branco desenha e
estabelece um conjunto de níveis, diferenciados entre eles de acordo com
uma suposta qualidade musical, que utiliza para se referir à música de
cordas portuguesa: ‘Soceguem os leitores que não nos vamos ocupar de
fados’.34 Mais uma vez, percebemos o elitismo intelectual do Integralismo
Lusitano. O leitor não deve estabelecer ligações e semelhanças entre a
admirável música dos violonistas portugueses e uma música popular sem
tradição histórica e sem um significado transcendente imposto pela sua
classificação como entretenimento: o fado.35 Embora os instrumentos
musicais utilizados em ambas as dimensões possam ter características
semelhantes, a sua transcendência nacional e o seu contributo para a
elevação do ‘espírito português’ foi completamente oposto. Freitas Branco

33 Esta informação pode ser contrastada na seguinte fonte: Luís de Freitas Branco, ‘A
música. Liga Naval’, Diário de Lisboa, 10 de março de 1925, p. 2.
34 Luís de Freitas Branco, ‘Guitarristas portuguezes’, Música. Revista das Artes, 2 (1 de
setembro de 1924), 55–57 (p. 55).
35 O fado tornou-se um campo de batalha artística em Portugal durante a primeira
metade do século XX. A posição dos Integralistas a este respeito, tendo Luís de Freitas
Branco como porta-voz, é firme: o fado nunca será o reflexo da arte nacional portuguesa, pois
é simplesmente um género de canção popular sem trajetória histórica, configurado num
período histórico marcado pela desnacionalização das práticas artísticas e musicais.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 17

exalta a música dos séculos XVI e XVII como o verdadeiro reflexo do ser
musicalmente português, opondo-se a todos aqueles que viram na música
popular a autêntica ‘essência’ nacional portuguesa. Recordemos que, mais
uma vez, o interesse musical de Freitas Branco e do Integralismo Lusitano
nos leva ao mesmo período já assinalado no início deste artigo: ‘nos
comprazemos com o quinhentismo e o seiscentismo’ (‘Guitarristas
portuguezes’, 55).
Após um segundo parágrafo sem conteúdo real, com uma função
meramente organizativa e transitória, o terceiro parágrafo apresenta o
primeiro grande debate nacionalista deste artigo: ‘a origem portuguêsa da
dança Folia’ (‘Guitarristas portuguezes’, 55). Freitas Branco não pretende
assumir o mérito desta sentença, que é da responsabilidade de Bernardo
Valentim Moreira de Sá.36 No entanto, refuta e corrobora aquilo que, na sua
perspetiva nacionalista, é um facto comprovado. Com base na denúncia do
desprezo e esquecimento a que foram submetidos os violistas do
Renascimento português, ele revive uma profunda discussão histórica entre
França, Espanha e Portugal. Podemos pensar que se trata de uma polémica
isolada e menor, mas creio que por detrás deste conflito existe toda uma
infraestrutura discursiva e política cujo objetivo é recuperar o espaço negado a
Portugal na história da música pela musicologia europeia durante a primeira
metade do século XX. A influência do nosso autor é tal que pode mesmo ser
observada duas décadas após a publicação deste artigo. Macario Santiago
Kastner continua a apoiar as teses apresentadas por Freitas Branco,
entendendo que a abordagem filológica é a melhor ferramenta para abordar
esta questão:

La palabra ‘Folía’ ni siquiera existe en el idioma castellano. Es ésta una


palabra portuguesa antiquísima como lo son las palabras ‘foliar’ y
‘folião’, palabras que se refieren a los actos de ‘folgar’, lo que quiere
decir divertirse y por lo tanto lógicamente: bailar.37

Finalmente, no quarto parágrafo, há o inevitável confronto entre a


dimensão musical portuguesa e a do seu vizinho peninsular. A Espanha e
Portugal, devido à sua proximidade geográfica e quase cultural, poderiam
desempenhar uma posição semelhante num contexto internacional. Por
esta razão, o primeiro país torna-se uma figura de referência, um modelo
para Portugal não só a nível criativo, mas também num campo

36 Moreira de Sá (1853–1924) foi uma grande figura da cena musical de Porto durante o
período de transição entre os séculos XIX e XX. Musicólogo e intérprete musical de muito
prestígio, fundou o Conservatório de Música de Porto e a Sociedade de Concertos ‘Orpheon
Portuense’.
37 Macario Santiago Kastner, Contribución al estudio de la música española y
portuguesa (Lisboa: Editorial Ática, 1941), 116.
18 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

musicológico e discursivo. No entanto, não é menos paradigmático que


Portugal e a sua tradição histórico-musical ocupem tão pouco espaço nos
escritos dos musicólogos espanhóis. É como se ambos os países olhassem
exclusivamente para a Europa, com os Pirenéus como barreira natural,
representando a Espanha uma primeira paragem para Portugal no seu
caminho para o reconhecimento internacional. Neste sentido, Freitas
Branco assume a relevância da escola espanhola de violistas para a história
da música europeia e da Península Ibérica. Porém, ele compreende que este
mérito se deve em grande parte: ‘A propaganda tenaz de Pedrell e Mitjana
sábios musicólogos espanhois’ (‘Guitarristas portuguezes’, 55).
O nosso autor considera que o impacto da escola espanhola de violistas
não se deve apenas à sua qualidade musical, mas ao discurso interessado e
eminentemente nacionalista de Felipe Pedrell38 e Rafael Mitjana.39 Ao
contrário do que acontece em Portugal, estes dois musicólogos espanhóis
atingem o seu objetivo, o qual é materializado e legitimado por publicações
científicas em Espanha e na Europa. Neste sentido, a mensagem de Freitas
Branco pretende ser esperançosa: se formos capazes de identificar erros, se
tivermos um modelo próximo e relativamente bem-sucedido a examinar, só
os ‘maus hábitos’ terão de ser corrigidos. Por outras palavras, parece
realmente que estamos a ouvir um raciocínio extremamente simplista
baseado na máxima: ‘se eles podem fazê-lo, nós também podemos’
(‘Guitarristas portuguezes’, 55).
Neste ponto, uma vez que Freitas Branco apresenta Pedrell e Mitjana,
penso que é conveniente fazer um pequeno esclarecimento. Alguns anos

38 Felipe Pedrell (1841–1922) foi um compositor e musicólogo espanhol. Investigador


prolífico, o seu profundo estudo abrangeu áreas muito diferentes: o passado musical
espanhol, a música sacra, a música popular, a questão da ópera nacional espanhola etc.
Através de um discurso altamente nacionalista, introduziu a Espanha na musicologia
moderna e europeia. Dentro da sua produção musicológica destacam as seguintes fontes: Los
músicos españoles antiguos y modernos en sus libros … (1888); Por nuestra música …
(1891); Diccionario biográfico y bibliográfico de músicos y escritores de música españoles,
portugueses y hispano-americanos antiguos y modernos (1894–1897); Emporio científico e
histórico de organografía musical española antigua (1901); Antología de organistas clásicos
españoles (siglos XVI, XVII y XVIII) (1908); La lírica nacionalizada. Estudios sobre folklore
musical (1913); ou Tomás Luis de Victoria Abulense … (1918).
39 Rafael Mitjana (1869–1921) foi um musicólogo e diplomático espanhol cujo trabalho
lhe permitiu conhecer a realidade musicológica europeia. Os seus principais interesses
musicais estavam ligados às grandes figuras musicais espanholas dos séculos XVI e XVII.
Na sua produção sobressaem as seguintes fontes: Sobre Juan del Encina, músico y poeta
(nuevos datos para su biografía) (1895); La música contemporánea en España y Felipe
Pedrell (1901); Histoire du développement du théâtre dramatique et musical en Espagne
depuis ses origines (1906); Cincuenta y cuatro canciones españolas del siglo XVI: cancionero
de Uppsala, ahora de nuevo publicadas, acompañadas de notas y comentarios (1909);
Estudios sobre algunos músicos españoles del siglo XVI (1918); Cristóbal de Morales: estudio
crítico biográfico (1920); ou Francisco Guerrero (1528–1599): estudio crítico-biográfico (1922).
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 19

antes da publicação de ‘Guitarristas portuguezes’, estes dois autores


publicaram duas obras de grande impacto na musicologia espanhola e
europeia. O primeiro publicou em 1922 o seu Cancionero musical popular
español, uma fonte em que coexistem músicas espanholas dos séculos XVII
e XVIII e recolhidas de música popular de tradição oral. A partir desta
compilação, Pedrell constrói e dignifica, quase pela primeira vez, a história
musical nacional espanhola. Rafael Mitjana, por outro lado, escreveu La
Musique en Espagne (1920), um livro de grande difusão internacional
escrito em francês e publicado em Paris. Embora a sua obra gozasse de
grande autoridade e prestígio para a musicologia espanhola e europeia, a
fonte de Pedrell tornou-se um manual de referência e um modelo de
inspiração para a nova geração de compositores espanhóis.40
Apesar de partirem os dois musicólogos espanhóis da mesma dimensão
nacionalista, como também faz Freitas Branco no caso de Portugal, não
deve ser feita qualquer comparação entre eles. Enquanto Felipe Pedrell
encarna a defesa e a exaltação da música que considera espanhola, Rafael
Mitjana procura integrar-se numa história musical aparentemente
europeia e democraticamente pluralista. O último, nas palavras de Pilar
Ramos, evita cair na seguinte tentação: ‘la pedrelliana exaltación de la raza
como esencia de la música popular y la música española’.41
Definitivamente, Pedrell prossegue a criação da uma arte própria que lhe
permita constituir uma escola nacional com formas e mecanismos de
expressão de afetos previamente estipulados e definidos.42 Este desejo
baseia-se no mesmo conceito de tradição aglutinadora, constante e
duradoura no tempo utilizado por Freitas Branco, no que a ideia de raça—
ou de latinidade—se torna um elemento distintivo.
Voltando à análise do artigo, Freitas Branco aproveita o quinto parágrafo
para situar aos guitarristas da Renascença portuguesa dentro da
classificação e do modelo de evolução musical histórica que ele próprio
desenvolveu em Elementos de Sciências Musicais (1922), publicado apenas
dois anos antes.43 Estes músicos estão inseridos no ‘estilo vocal
acompanhado’, o qual corresponde a um dos períodos de maior esplendor da
história musical portuguesa. Apesar de constituírem uma posição anterior
ao ‘estilo vocal capella’ liderado pela Escola de Évora, representante
absoluto da música portuguesa para o Integralismo Lusitano, contribuem
também para alargar a sua tradição nacional a partir de uma dimensão

40 Pilar Ramos López, ‘José Subirá en el contexto de la historiografía musical española’,


em Pasados presentes: tradiciones historiográficas en la musicología europea (1870–1930), ed.
Andrea Bombi (Valencia: Univ. de València, 2015), 105–27.
41 Ramos López, ‘José Subirá en el contexto de la historiografía musical española’, 107.
42 Francesc Bonastre, ‘El nacionalisme musical de Felip Pedrell. Reflexions a l’entorn de
Por nuestra música … ’, Recerca Musicològica, 11–12 (1991–1992), 17–26.
43 Luís de Freitas Branco, Elementos de Sciências Musicais (Lisboa: Sassetti, 1922).
20 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

secular. Com todo este discurso, Freitas Branco pretende recuperar e


restaurar um período esquecido após o desenraizamento nacional
promovido pela influência musical italiana na Península Ibérica durante o
século XIX.
Contudo, devemos refletir sobre se Freitas Branco está em condições de
exigir o reconhecimento internacional quando mesmo a musicologia
portuguesa não tem uma percepção adequada de si própria. O nosso autor
fornece-nos, sem os colocarmos num contexto biográfico adequado, uma
longa lista de violistas portugueses ligados ao ‘estilo vocal acompanhado’.
Esta questão, aparentemente sem importância, serve de base histórica para
a denúncia nacional que ele apresente. Nesta altura histórica, encontramos
aos mais destacados agentes musicais portugueses, bem como os diferentes
géneros musicais por eles desenvolvidos. A pergunta que Freitas Branco
está a fazer é a seguinte: por que razão ninguém fala deles, ao contrário do
que acontece em Espanha, se há tantos criadores e tanto material musical?
Por outro lado, também é curioso que, apesar de todos os dados que oferece,
conclua associando de forma genérica a categoria de ‘estilo vocal
acompanhado’ a: ‘todos quantos em Portugal no fim do século XV e no XVI
tenham escrito tonos, trovas ou bailes’ (‘Guitarristas portuguezes’, 56).
As razões que tornam o sexto parágrafo o mais complexo para o leitor
estão relacionadas com o seu desenho sintático e com a relevância do
conteúdo que o compositor e musicólogo português expõe. Assistimos a uma
construção baseada numa ligação sistemática entre cláusulas
subordinadas, conduzida por uma falta de direccionalidade no discurso,
através da qual se espalham um conjunto de distorções históricas de
motivação nacionalista. Ao longo deste parágrafo, Freitas Branco combina e
coordena a exposição de três grandes ideias: a comparação recorrente e
temível com os guitarristas espanhóis, a influência do ‘estilo vocal
acompanhado’ português na constituição da suite instrumental europeia, e
a presença de elementos musicais pertencentes às práticas musicais dos
guitarristas portugueses do Renascimento nas futuras forma de sonata e
formas de variação. Estas duas últimas afirmações são, no mínimo,
tendenciosas e arriscadas.
No entanto, Freitas Branco não ousa fazer uma abordagem musicológica e
histórica das afirmações acima. Talvez seja consciente de que são declarações
difíceis de sustentar, ainda mais em fóruns de debate internacionais. Por este
motivo, esconde-se atrás das limitações apresentadas pelo formato do artigo
para evitar esta tarefa incómoda. Finalmente, podemos pensar que o seu
discurso procura afirmações e manchetes espetaculares, em vez de
argumentos sólidos para dignificar a história da música portuguesa num
contexto global. Por outro lado, é muito notável perceber que não se sente
parte da má prática da musicologia portuguesa, mas veja-a como os
‘outros’—nas suas palavras: ‘que dos nossos nem os portuguêses
actualmente falam’ (‘Guitarristas portuguezes’, 56). Neste sentido, a
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 21

comparação que sistematicamente faz entre violistas portugueses e


espanhóis apenas alimenta a sua frustração perante os danos nacionais
causados por uma injustiça perpetrada pela Europa e face a qual Portugal
se limitou ao papel de espectador passivo. É compreensível que tenha
dificuldade em sentir-se parte deste coletivo.
Freitas Branco considera que o ‘estilo vocal acompanhado’ a que nos
referimos anteriormente quando falávamos dos guitarristas portugueses foi
responsável da constituição da forma da suite instrumental devido ao seu:
‘enorme desenvolvimento de formas instrumentais’ (‘Guitarristas
portuguezes’, 56). No entanto, é surpreendente que forneça informação
sobre a verdadeira intervenção dos violistas da Renascença portuguesa—
presumivelmente o centro temático deste artigo—na configuração desta
nova forma musical. Este relato distorcido e inequívoco subscreve
definitivamente a convicção de Freitas Branco sobre a posição privilegiada
que Portugal ocupou na vanguarda musical europeia durante os séculos XVI
e XVII. Por esta razão, o facto de lhe ser negada desde o século XX a
responsabilidade e o mérito de certos acontecimentos históricos é uma
afronta nacional, o qual implica a necessidade de fazer uma revisão
historiográfica. Rui Vieira Nery e Paulo de Castro definem e esclarecem
perfeitamente a situação de ambiguidade, claramente condicionada pela
dimensão nacionalista, em que se encontram os investigadores deste
período: ‘[situated] between nostalgia for past glories and anxiety for reform
and [ … ] [in] the present (of coming into line with the technical, scientific,
industrial and cultural transformations of contemporary Europe)’.44
Freitas Branco adota uma posição de demissão perante a ausência de
colaboração do coletivo teórico ao qual pertence. Considera que este é um
comportamento antinacional que contribui para colocar Portugal num
espaço marginal num contexto internacional. A deformação da realidade
que realiza é tão evidente que chega a perceber que o aspeto mais relevante
de um acontecimento histórico como a Entrevista de Guadalupe (1576)45
entre Sebastião I e Felipe II foi a grande admiração e impressão que as
práticas musicais portuguesas causaram na corte espanhola. Para o
discurso nacionalista de Freitas Branco, a futura subordinação da Coroa
Portuguesa à Espanhola acordada neste evento não é uma questão
relevante. Prefere ignorar a má gestão de Sebastian I, centrando-se no
reconhecimento dos espanhóis das mesmas técnicas musicais que mais

44 Rui Vieira Nery & Paulo de Castro Ferreira, History of Music, trans. Kenneth Frazer
(Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999), 112.
45 A Entrevista de Guadalupe foi um importante evento no que participaram Felipe II e
Sebastião I, no que o primeiro tentou dissuadir ao segundo de começar uma cruzada contra o
Reino de Marrocos. Persistente na sua empresa nacional, Sebastião I faleceu na Batalha de
Alcazarquivir em 1758, iniciando uma crise sucessória que deixaria a Coroa Portuguesa nas
mãos do seu tio Felipe II.
22 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

tarde: ‘haviam de tirar as mais ricas fórmas instrumentais de camara: a


sonáta e a variação’ (‘Guitarristas portuguezes’, 56).
O sétimo parágrafo aparentemente consiste numa compilação dos
músicos e compositores que podem ser colocados dentro do ‘estilo vocal
acompanhado’. No entanto, é curioso que o mesmo interesse que Freitas
Branco demonstra em reforçar a suas teses musicológicas nacionalistas,
omita a inclusão das composições e obras musicais mais relevantes deste
período. Não as conhece? Será que se perderam no tempo? Será que nem
sequer existiram como tal? Contudo, o nosso autor ousa ligar
historicamente, ignorando os séculos de diferença, ao músico renascentista
Peixoto da Pena ( fl. 1526–1539)46 e ao seu admirado José Vianna da Motta
(1868–1948): ‘como faz hoje Vianna da Motta ao piano, [Peixoto da Pena]
encantou a mais poderosa côrte estrangeira do século XVI com sólos de
guitarra’ (‘Guitarristas portuguezes’, 57). Freitas Branco estabelece um
conjunto de paralelos entre dois grandes artistas que são completamente
separados no tempo, espaço e condições socioculturais, a fim de retratar e
legitimar a posição do primeiro com base no conhecimento que se tem no
momento presente sobre o segundo. São músicos exemplares, com
influência nas elites nacionais e internacionais, o que serve para projetar
uma perpetuação de papéis e criar uma espécie de tradição ou património
histórico mantido entre os dois.
Por último, Freitas Branco procede à síntese de todos os conteúdos
tratados em ‘Guitarristas portuguezes’, no oitavo parágrafo. Esta é uma
mensagem direta à musicologia portuguesa, uma comunidade cujo
principal objetivo deveria ser apresentar internacionalmente a música
portuguesa e introduzi-la no discurso histórico europeu. No entanto, a
incompetência e a incapacidade dos musicólogos portugueses, do seu ponto
de vista, parecem ser as únicas razões que os separam do mesmo sucesso
individual que outros estados vizinhos têm. Porém, nós sabemos que isto
não é assim tão simples.
Em suma, ‘Guitarristas portuguezes’ é um artigo muito diferente do que
foi analisado acima—‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’. Trata-
se de uma fonte com um desenho discursivo muito mais complexo do que a
anterior, exigindo uma maior formação teórico-musical e uma preparação
intelectual por parte do leitor. São, sem dúvida, dois públicos

46 Peixoto da Pena foi um músico renascentista português de enorme fama como


instrumentista. Natural de Trás-os-Montes, é amplamente conhecida a história de como com
uma viola destemperada impressionou à corte do Imperador Carlos I de Espanha e V do
Sacro Império Romano. Esta informação é extraída da entrada que o musicólogo português
Joaquim de Vasconcelos (1849–1936) dedica a Peixoto da Pena numa das primeiras
contribuições académicas para o estudo da história da música portuguesa: Joaquim de
Vasconcelos, Os músicos portuguezes. Biografia—bibliografia, 2 vols (Porto: Imprensa
Portuguesa Editora, 1870), II, 22–23.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 23

completamente diferentes. Freitas Branco não só aponta, com toda a


autoridade à sua disposição, os erros cometidos pela musicologia histórica
portuguesa até ao seu momento histórico, como também indica quais as
soluções adequadas para inverter a sua situação nacional. O objetivo final
deste artigo, portanto, será traduzir a compreensão passiva da mensagem
de Freitas Branco numa atitude ativa estabelecida na prática efetiva do
nacionalismo português proposto pelo nosso autor: Quando será feito o
mesmo trabalho de dignidade nacional em Portugal? Quando terão os
nossos guitarristas renascentistas o reconhecimento internacional que
merecem?

4 Considerações finais
O Integralismo Lusitano, resultado de uma profunda reação antirrepublicana
e antirromântica, foi um movimento nacionalista e de extrema-direita
português a favor do restabelecimento de uma espécie de monarquia
orgânica. O seu desaparecimento antes da criação do Estado Novo
Salazarista ficou a dever-se ao facto de não corresponder à realidade social
portuguesa da época, passando do radicalismo ao residual. O seu
extremismo político foi acompanhado por um projeto cultural e musical
extremamente elitista que assumiu um passado musical renascentista
distorcido como a exposição definitiva do ser musicalmente português. No
entanto, apesar de tudo, as posições musicológicas dos agentes musicais
associados ao Integralismo Lusitano—o caso de Freitas Branco, Sampaio
Ribeiro, Ivo Cruz—tiveram uma grande relevância no seio da
intelectualidade portuguesa durante a primeira metade do século XX.
A vida musical e musicológica em Portugal, no início do século, é
consideravelmente perturbada pela existência de diferentes pontos de vista
e perspetivas polarizadas. País periférico e inserido na dinâmica do
nacionalismo musical prevalecente na Europa durante esse período,
enfrenta um duplo debate musical de transcendência ideológica e
metodológica. Por um lado, enquanto o Integralismo Lusitano aposta na
sublimação do contraponto renascentista português, o salazarismo
defendeu a utilização da música popular de tradição oral como elemento
identificador da dimensão musical portuguesa.47 Embora o Estado Novo

47 A fim de aprofundar o interesse do salazarismo na música popular portuguesa e no


canto coral como instrumentos educativos e doutrinadores, bem como nas suas
possibilidades simbólicas e metafóricas em termos da nova organização social imposta pelo
Estado Novo, as seguintes fontes podem ser relevantes: Manuel Deniz Silva, ‘ “Orfeonizar a
Nação”, o Canto Coral como instrumento educativo e político nos primeiros anos da
Mocidade Portuguesa (1936–1945)’, Revista Portuguesa de Musicologia, 11 (2001), 139–73; e
Maria de São João Côrte-Real, ‘Musical Priorities in the Cultural Policy of Estado Novo’,
Revista Portuguesa de Musicologia, 12 (2002), 227–52.
24 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO

tolerasse institucionalmente a existência de uma realidade musical talvez


próxima dos postulados elitistas integralistas—Instituto de Alta Cultura—,
desde o início compreendeu que todos os seus esforços tinham de ser
orientados para a música de tradição oral, verificando que apenas ela seria
útil como instrumento de controlo social.48 Por outro lado, também
encontramos modelos de análise musical tão diferentes como o estético
praticado por Freitas Branco e o analítico proposto pelo seu discípulo
Fernando Lopes-Graça. Todos estes debates e disputas acabam por
provocar uma grande tensão dentro da cena musical portuguesa sobre o
caminho a seguir.
Neste sentido, a ligação de Freitas Branco ao Integralismo Lusitano,
corroborada pela sua posição política pública e pelo seu discurso
musicológico, é demonstrada por diferentes aspetos. A sua conformidade
com a doutrina integralista é verificada tanto através da sua relação
pessoal com fundadores integralistas como António Sardinha e Hipólito
Raposo (1885–1953), através da seleção de material extramusical de origem
integralista ao longo das suas primeiras composições,49 como da realização
de uma prática musicológica altamente politizada de acordo com o credo do
Integralismo Lusitano ao longo da sua vida. A percepção social do
posicionamento político de Freitas Branco também pode ser vista ao
analisar as dificuldades e obstáculos que teve na sua vida profissional após
a criação do Estado Novo. Provavelmente, este influiu em questões como o
processo de sanção que o próprio Ivo Cruz, diretor do Conservatório
Nacional, dirigiu contra ele em 1939. Também poderíamos mencionar a sua
destituição da Emissora Nacional em 1951 por não ter respeitado o luto
oficial pela morte de António Óscar de Fragoso Carmona, Presidente da
República.
Finalmente, a análise aprofundada das duas fontes documentais
assinadas por Freitas Branco demonstra e evidencia a sua visão e
percepção da música e da história da música portuguesa: os seus objetivos
musicológicos, o seu discurso nacionalista, os períodos e estilos musicais
mais importantes do seu ponto de vista, os principais agentes culturais, etc.

48 Aarón Pérez-Borrajo, ‘Discrepancias musicales entre el Integralismo Lusitano y el


Estado Novo: el elitismo del Renascimento Musical frente a la hegemonía del folclore en el
Salazarismo’, ArtyHum. Revista de Artes y Humanidades, 75 (2020), 152–73 (p. 167),
<https://www.artyhum.com/revista/75/#p=152> (acessado 4 de Março de 2021).
49 O corpus musical de Freitas Branco mostra uma afinidade evidente com o
Integralismo Lusitano e os seus agentes culturais se tivermos em conta a proveniência do
material pré-existente que o compositor toma como referências literárias. Neste sentido, o
oratório As tentações de S. Frei Gil: Fragmentos sinfónicos (1911) é baseado num poema de
António Correia de Oliveira (1879–1960). Por outro lado, Hipólito Raposo também figura
como o autor do programa do seu poema sinfónico Viriato (1916). Até usa diferentes poemas
de António Sardinha para compor canções como Minuete (1915), O motivo da planície (1915)
ou o Soneto dos repuxos (1915).
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 25

Tratámos do estudo de dois artigos que, apesar de ser publicados no mesmo


ano, mostram diferenças em termos de público e do tipo de discurso
utilizado para interagir corretamente com ele. A prolífica e diversificada
atividade musicológica de Freitas Branco mostra o seu interesse em obter
uma ampla difusão, mas revela também uma progressiva vulgarização da
sua mensagem, que questiona e contradiz uma atitude elitista inicial
sustentada pelos dogmas integralistas.
Definitivamente, embora a afinidade e o ativismo integralista de Freitas
Branco possam ser circunscritos à segunda década do século XX, a
influência da doutrina ideológica do Integralismo Lusitano pode ser
identificada na sua posterior produção musicológica e musical. De certa
forma, a relação entre ambos era bidirecional: o nosso autor concebeu um
projeto musical na linha do dogma integralista, mas também o utilizou
como marco teórico a partir do qual desenvolveu a sua própria atividade
musicológica. O conteúdo teórico destas duas fontes documentais evidencia
as ligações indiretas, embora explícitas, entre o corpus musicológico de Luís
de Freitas Branco e o Integralismo Lusitano.*

* Cláusula de divulgação: o autor declarou que não existe um possível conflito de


interesses.

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