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Aarón Pérez-Borrajo
Universidad de Salamanca
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Aarón Pérez-Borrajo
O Integralismo Lusitano e
o nacionalismo musical de
Luís de Freitas Branco:
dois estudos de caso*
AARÓN PÉREZ-BORRAJO
Universidad de Salamanca
* Uma primeira versão deste artigo foi desenvolvida no meu Trabajo de Fin de Máster
do Máster en Música Hispana da Universidad de Salamanca: ‘El Integralismo Lusitano en la
historiografía musical portuguesa (1910–1933): Luís de Freitas Branco y su interés en la
música antigua (2018)’. Foi dirigido pela Prof. Dra Amaya Sara García Pérez (Universidad
de Salamanca) e pela Prof. Dra María Jesús Pena Castro (Universidad de Salamanca).
Gostaria de agradecer a Ana I. Nistal Freijo (Universidade de Coimbra) e a Jose Rodríguez
Gómez (Universidade de Vigo) pelos seus comentários e observações sobre este artigo.
A sua ligação intelectual com este agrupamento foi eficaz desde a origem e
a surgimento deste movimento. Freitas Branco participou no ciclo de
conferências de 1915 intitulado ‘A Questão Ibérica’, através do qual os
intelectuais do Integralismo Lusitano se apresentaram à sociedade
lisboeta. O elemento que motivou este evento foi a necessidade de mostrar
uma forte reação portuguesa contra a dinâmica a favor da criação de uma
federação peninsular em conjunto com Espanha. Por esta razão, podemos
observar uma linha comum entre todas as intervenções dos oradores que
participaram: a de destacar e apontar a identidade portuguesa
independentemente da área de estudo, ligando-a ao conceito de ‘lusitano’,
de modo a adquirir um maior significado histórico.
A incorporação de Freitas Branco no Integralismo Lusitano marca o início
de uma relação bidirecional e duplamente frutuosa. Ele proporciona aos
Integralistas um projeto e um discurso musicológico de acordo com a sua
doutrina política e, ao mesmo tempo, aproveita o quadro ideológico que o
Integralismo Lusitano fornece para construir e fundamentar os seus juízos
musicais. A prova definitiva da sua participação no evento acima referido é
o seu capítulo ‘Música e Instrumentos’, uma transcrição da palestra
proferida em 5 de Maio de 1915, integrada no volume intitulado A Questão
Ibérica: Integralismo Lusitano.14 Podemos considerar esta fonte como o
manifesto fundador e intelectual do grupo, pelo que a sua presença dentro
deste círculo restrito e limitado o posiciona como um sujeito intelectual com
transcendência, para além da sua colaboração na imprensa e em
publicações periódicas relacionadas.
Neste capítulo, Freitas Branco estabelece a existência de um notável e
valioso passado musical português no qual é possível identificar
características diferenciadoras e específicas do ser musicalmente português.
Para as apontar, segue as características que António Sardinha fornece e
atribui no capítulo inicial do referido livro—‘O Território e a Raça’15—à
cultura portuguesa: lirismo, idealismo, sentimentalismo etc.16 O nosso
autor explica a existência de práticas musicais portuguesas próprias e
exclusivas, presentes mesmo na altura da separação de Castela,
permitindo-lhe postular a tradição musical erudita portuguesa como o meio
adequado para inverter a desnacionalização musical ocorrida durante o
século XIX. Em suma, Freitas Branco adapta e apropria-se dos postulados
20 Teresa Cascudo fez uma tradução parcial deste artigo para o espanhol, a qual está
disponível na seguinte fonte bibliográfica: Teresa Cascudo, ‘Música, política y sociedad desde
los años de entreguerras hasta la Guerra Fría’, em La música moderna y contemporánea a
través de los escritos de sus protagonistas (una antología de textos comentados), ed. Jose
María García Laborda (Sevilla: Doble J, 2004), 142–58.
21 A Prof. Dra María Palacios (Universidad de Salamanca) desenvolveu este conceito em
profundidade na sua comunicação ‘Género y análisis del discurso en la crítica musical’, no
Seminario ‘Intercambios Metodológicos Aplicados a los Estudios de Postgrado en Género,
Etnomusicología y Antropología’ (Universidad de Salamanca, 2020). Ela compreende que a
ideia de criação, inevitavelmente ligada à do génio criativo, está associada ao masculino.
Cada sexo tem os seus próprios elementos: embora elas possuam beleza, eles estão situados
num domínio estritamente intelectual. Isto é: eles criam, elas recriam e imitam. As
hierarquias entre os géneros no campo musical são estabelecidas a partir dos seus próprios
fundamentos.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 9
22 Raúl Brandão, Memórias, 3 vols (Braga: Edições Vercial, 2012–2014 [1ª ed. 1919–
1933]), I, 109.
10 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO
3 ‘Guitarristas portuguezes’
O segundo estudo de caso no qual aprofundaremos nesta investigação
corresponde a ‘Guitarristas portuguezes’, artigo publicado em 1 de
Setembro de 1924 no segundo número da Música. Revista de Artes, uma
plataforma cultural dirigida por Gastão de Bettencourt (1894–1962) e João
de Campos Silva. Esta fonte, apesar de ter sido publicada no mesmo ano do
primeiro estudo de caso, dirige-se a um público completamente diferente.
Embora a leitura e interpretação de Freitas Branco sobre o passado
musical português permaneça a mesma, existe uma diferença óbvia entre
os dois artigos. Se em ‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’ estamos
a referir-nos a uma crítica musical publicada num jornal de grande alcance,
aqui nos encontramos perante uma revista especializada dirigida a um
público muito mais específico. O autor está consciente da mudança de perfil
e, por esta razão, adapta o seu discurso e a sua exposição, bem como o grau
e a profundidade do conteúdo técnico e histórico que fornece.
Música. Revista de Artes foi uma revista portuguesa que esteve ativa
entre 1924 e 1925, gerando um total de seis números e cinco fascículos em
que participaram autores portugueses e internacionais. Este último caso
poderia ser o do musicólogo espanhol Adolfo Salazar, o qual,
paradoxalmente, tornou-se em internacional ao ir para o exílio em México
após o início da Guerra Civil espanhola.32 O principal objetivo desta
33 Esta informação pode ser contrastada na seguinte fonte: Luís de Freitas Branco, ‘A
música. Liga Naval’, Diário de Lisboa, 10 de março de 1925, p. 2.
34 Luís de Freitas Branco, ‘Guitarristas portuguezes’, Música. Revista das Artes, 2 (1 de
setembro de 1924), 55–57 (p. 55).
35 O fado tornou-se um campo de batalha artística em Portugal durante a primeira
metade do século XX. A posição dos Integralistas a este respeito, tendo Luís de Freitas
Branco como porta-voz, é firme: o fado nunca será o reflexo da arte nacional portuguesa, pois
é simplesmente um género de canção popular sem trajetória histórica, configurado num
período histórico marcado pela desnacionalização das práticas artísticas e musicais.
O INTEGRALISMO LUSITANO DE LUÍS DE FREITAS BRANCO 17
exalta a música dos séculos XVI e XVII como o verdadeiro reflexo do ser
musicalmente português, opondo-se a todos aqueles que viram na música
popular a autêntica ‘essência’ nacional portuguesa. Recordemos que, mais
uma vez, o interesse musical de Freitas Branco e do Integralismo Lusitano
nos leva ao mesmo período já assinalado no início deste artigo: ‘nos
comprazemos com o quinhentismo e o seiscentismo’ (‘Guitarristas
portuguezes’, 55).
Após um segundo parágrafo sem conteúdo real, com uma função
meramente organizativa e transitória, o terceiro parágrafo apresenta o
primeiro grande debate nacionalista deste artigo: ‘a origem portuguêsa da
dança Folia’ (‘Guitarristas portuguezes’, 55). Freitas Branco não pretende
assumir o mérito desta sentença, que é da responsabilidade de Bernardo
Valentim Moreira de Sá.36 No entanto, refuta e corrobora aquilo que, na sua
perspetiva nacionalista, é um facto comprovado. Com base na denúncia do
desprezo e esquecimento a que foram submetidos os violistas do
Renascimento português, ele revive uma profunda discussão histórica entre
França, Espanha e Portugal. Podemos pensar que se trata de uma polémica
isolada e menor, mas creio que por detrás deste conflito existe toda uma
infraestrutura discursiva e política cujo objetivo é recuperar o espaço negado a
Portugal na história da música pela musicologia europeia durante a primeira
metade do século XX. A influência do nosso autor é tal que pode mesmo ser
observada duas décadas após a publicação deste artigo. Macario Santiago
Kastner continua a apoiar as teses apresentadas por Freitas Branco,
entendendo que a abordagem filológica é a melhor ferramenta para abordar
esta questão:
36 Moreira de Sá (1853–1924) foi uma grande figura da cena musical de Porto durante o
período de transição entre os séculos XIX e XX. Musicólogo e intérprete musical de muito
prestígio, fundou o Conservatório de Música de Porto e a Sociedade de Concertos ‘Orpheon
Portuense’.
37 Macario Santiago Kastner, Contribución al estudio de la música española y
portuguesa (Lisboa: Editorial Ática, 1941), 116.
18 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO
44 Rui Vieira Nery & Paulo de Castro Ferreira, History of Music, trans. Kenneth Frazer
(Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999), 112.
45 A Entrevista de Guadalupe foi um importante evento no que participaram Felipe II e
Sebastião I, no que o primeiro tentou dissuadir ao segundo de começar uma cruzada contra o
Reino de Marrocos. Persistente na sua empresa nacional, Sebastião I faleceu na Batalha de
Alcazarquivir em 1758, iniciando uma crise sucessória que deixaria a Coroa Portuguesa nas
mãos do seu tio Felipe II.
22 BSS, (2021) AARÓN PÉREZ-BORRAJO
4 Considerações finais
O Integralismo Lusitano, resultado de uma profunda reação antirrepublicana
e antirromântica, foi um movimento nacionalista e de extrema-direita
português a favor do restabelecimento de uma espécie de monarquia
orgânica. O seu desaparecimento antes da criação do Estado Novo
Salazarista ficou a dever-se ao facto de não corresponder à realidade social
portuguesa da época, passando do radicalismo ao residual. O seu
extremismo político foi acompanhado por um projeto cultural e musical
extremamente elitista que assumiu um passado musical renascentista
distorcido como a exposição definitiva do ser musicalmente português. No
entanto, apesar de tudo, as posições musicológicas dos agentes musicais
associados ao Integralismo Lusitano—o caso de Freitas Branco, Sampaio
Ribeiro, Ivo Cruz—tiveram uma grande relevância no seio da
intelectualidade portuguesa durante a primeira metade do século XX.
A vida musical e musicológica em Portugal, no início do século, é
consideravelmente perturbada pela existência de diferentes pontos de vista
e perspetivas polarizadas. País periférico e inserido na dinâmica do
nacionalismo musical prevalecente na Europa durante esse período,
enfrenta um duplo debate musical de transcendência ideológica e
metodológica. Por um lado, enquanto o Integralismo Lusitano aposta na
sublimação do contraponto renascentista português, o salazarismo
defendeu a utilização da música popular de tradição oral como elemento
identificador da dimensão musical portuguesa.47 Embora o Estado Novo