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F I T O SS A N I D A D E

Regulação

O controle biológico
das pragas da soja
Flávio Moscardi, Beatriz Spalding Corrêa-Ferreira e José Roberto Postali Parra*

HERALDO NEGRI/USP ESALQ


dessas espécies de ovos e/ou lagartas de
A. gemmatalis. Experimento em lavou-
ra constatou alta predação de ovos do
percevejo-verde (Nezara viridula), va-
riando entre 24% e 75%.

LEPIDÓPTEROS
Ovos da lagarta-da-soja são parasitados
por pelo menos cinco espécies de Hyme-
noptera, sendo Trichogramma pretio-
sum a mais prevalente. Em algumas re-
giões, esse parasitóide pode provocar
mais de 90% de mortalidade de ovos do
inseto. Os parasitóides mais freqüentes
em larvas de A. gemmatalis são os hime-
nópteros Microcharops bimaculata e
Euplectrus chapadae e o díptero Pate-
lloa similis. O primeiro ataca larvas em
fases iniciais, matando-as no terceiro ou
quarto estádio, quando ainda têm capa-
Percevejo predador de insetos-praga da soja cidade de consumo foliar muito reduzi-
da. Sua maior incidência coincide com o
pico de estádios larvais iniciais, no iní-
cio do desenvolvimento da soja, e pode
O controle dos insetos que afetam a soja inclusive a aplicação de inseticidas, des- provocar de 20% a mais de 80% de mor-
pode ser feito de forma natural, pois tan- de que as técnicas preconizadas pelo talidade do inseto.
to os predadores como os parasitóides manejo integrado de pragas (MIPSoja) Em Pseudoplusia includens (lagarta-
e os entomopatógenos exercem papel sejam seguidas. falsa-medideira), nove espécies de para-
importante na regulação dessas pragas. Os predadores mais freqüentes dos sitóides foram constatados, sendo Lito-
Muitas vezes, mesmo para as pragas insetos-praga que atacam a soja são es- mastix (Copidosoma) truncatellus o
principais – como a lagarta-da-soja (An- pécies de aranhas, os hemípteros Tropi- mais prevalente. Ele, juntamente com
ticarsia gemmatalis) e os percevejos –, conabis spp., Geocoris spp., Orius spp. fungos entomopatógenos, tem sido res-
em determinados anos e regiões, esses e Podisus spp. e os coleópteros Callida ponsável pela manutenção dessa praga
agentes podem manter as populações spp., Calosoma granulatum e Eriopsis como secundária na soja. No entanto,
de insetos em níveis que não implicam connexa. Estudos em laboratório de- provavelmente devido a aplicações an-
danos econômicos, podendo-se evitar monstraram o alto potencial de predação tecipadas de inseticidas químicos de

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amplo espectro (em mistura com herbi- mente com os predadores e parasitói- usados em particular no controle da la-
cidas pós-emergentes) e a aplicações des, as populações desses insetos. Por- garta-da-soja (A. gemmatalis) (Moscar-
recentes de fungicidas, esse inseto pas- tanto, no contexto do MIPSoja, é impor- di, 1986). A principal via de infecção do
sou a ter importância econômica em vá- tante a seleção de inseticidas químicos VPNAg e de outros baculovírus é a oral,
rias regiões. e fungicidas, quando necessários, com o quando larvas se alimentam de folhas
menor impacto possível sobre esses ini- contaminadas com corpos poliédricos
PERCEVEJOS migos naturais. Além disso, há outros de inclusão (CPI) contendo as partículas
Ovos de percevejos são hospedeiros de fungos, como Metarhizium anisopliae virais. No intestino médio, os CPI são dis-
muitas espécies de parasitóides, como e Beauveria bassiana, que infectam di- solvidos, liberando os virions e inician-
Trissolcus basalis (Corrêa-Ferreira, ferentes pragas da soja. do o processo infectivo – primeiro em
2002) e Telenomus podisi, que se desta- células epiteliais, depois atingindo a he-
cam pela eficiência e abundância em soja. CONTROLE APLICADO molinfa do inseto e causando infecções
Em geral, as maiores taxas de parasitismo Um vírus de poliedrose nuclear (VPNAg em vários tecidos. Nesse processo, o in-
ocorrem entre novembro e dezembro e – Baculoviridae, gênero Nucleopolie- seto é debilitado, perdendo sua capaci-
no final dos ciclos da cultura (março e drovirus) foi isolado do inseto no Bra- dade motora e de alimentação, o que o
abril – Figura 1). Durante a safra, o para- sil, na década de 1970. Esse tipo de vírus faz deslocar-se para as partes superio-
sitismo varia de 30% a 70%, sendo os ovos se caracteriza pela alta especificidade ao res da planta, onde morre em cerca de
de Euschistus heros (percevejo-mar- inseto hospedeiro, não afetando inimi- sete a oito dias (Figura 3). Em dois ou três
rom) os mais parasitados, especialmente gos naturais e não representando riscos dias, o corpo da lagarta se rompe, libe-
por T. podisi. Também é comum o parasi- às plantas, aos vertebrados (incluindo a rando grande quantidade de CPI sobre
tismo em adultos, especialmente por espécie humana) e o ambiente. São por- partes da planta, o que constitui fator
moscas (Tachinidae) e himenópteros tanto ideais para uso em programas de inoculante que vai contaminar lagartas
(Encyrtidae). A mosca mais comum é Tri- manejo integrado de pragas e têm sido eclodidas após a aplicação do vírus.
chopoda nitens, em N. viridula, com
menor freqüência em outras espécies.
Sua maior contribuição ocorre na popu-
lação de inverno do inseto, quando atin-
FIGURA 1 | INCIDÊNCIA NATURAL DO PARASITISMO EM OVOS E EM ADULTOS DOS PERCEVE-
ge até 95% de parasitismo. O microhime- JOS-PRAGA DA SOJA PIEZODORUS GUILDINII, NEZARA VIRIDULA E EUSCHISTUS HEROS; LON-
nóptero Hexacladia smithi é o principal DRINA, PR
parasitóide em adultos de E. heros, que
normalmente ocorre em populações ele- 100 EM OVOS
P. guildinii
vadas entre dezembro e janeiro, reduzin-
80 N. viridula
do drasticamente a capacidade reprodu- E. heros

tiva das fêmeas do percevejo. 60

40

ENTOMOPATÓGENOS
20
Vários microrganismos incidem sobre
para sitismo (%)

insetos da soja. O principal deles é o fun-


go Nomuraea rileyi (Figura 2), que pro- EM ADULTOS
100
move alta mortalidade em lepidópteros,
80
como A. gemmatalis e P. includens. Em
condições de temperatura e umidade 60

elevadas, com a soja fechando nas en-


40
trelinhas, esse fungo pode dizimar popu-
lações de lagartas, dispensando medidas 20

de controle, quando seu processo epizo-


ótico é iniciado. Outros fungos, como Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
meses
Pandora gammae e Zoophthora radi-
cans, incidem principalmente em lagar-
tas falsas-medideiras, regulando, junta- Fonte: Corrêa-Ferreira e Panizzi (1999)

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FIGURA 2 | LAGARTA FALSA-MEDIDEIRA (PSEU- param de comer, antes de atingir sua o controle da lagarta-da-soja e outros
DOPLUSIA INCLUDENS), MORTA PELO FUNGO
maior capacidade de consumo foliar. lepidópteros. São eficientes e resultam
NOMURAEA RILEYI.
Por isso, são necessários acompanha- em rápida parada alimentar do inseto.
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mentos cuidadosos da lavoura, em Conseqüentemente, em reduzida desfo-


amostragens semanais, para que a apli- lha. O problema principal de Bt é seu alto
cação seja feita quando a maior parte custo em relação aos inseticidas quími-
das lagartas seja pequena (até 1,0 cm), a cos. Com o crescente aumento da impor-
partir do momento em que forem encon- tância de lagarta falsas-medideiras
tradas, no mínimo, cinco lagartas/m, e (principalmente P. includens) e das di-
não mais que 12 lagartas/m. Desse modo, ficuldades para seu controle por meio de
o controle será muito bom e evitará a inseticidas químicos, um baculovírus
desfolha elevada da soja, com produti- (VPN) de P. includens será testado para
vidade semelhante à que ocorre com a controle desse inseto. O VPN já vem sen-
aplicação de produtos químicos, mas do produzido na Embrapa Soja, para tes-
com a vantagem de ser necessária ape- tes em campo.
nas uma aplicação do VPNAg durante a Com relação a parasitóides de ovos da
FIGURA 3 | LAGARTA-DA-SOJA (ANTICARSIA safra. Isso porque as lagartas que mor- lagarta-da-soja, estudos mostraram que
GEMMATALIS ) MORTA POR BACULOVÍRUS rem liberam grande quantidade do vírus podem ser realizadas liberações “inun-
(VPNAG)
sobre as plantas, contaminando as la- dativas” de T. pretiosum, na proporção
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gartas que surgem posteriormente, o de 5,3 parasitóides por ovo da praga,


que não ocorre com inseticidas quími- com excelentes taxas de parasitismo.
cos, que têm ação residual entre curta e Sua dispersão é de 8 m em 24 horas, cor-
média, levando geralmente à necessida- respondendo a uma área de dispersão
de de mais de uma aplicação. de 77 m2. Portanto, pode ser liberado em
É importante mencionar que, até 130 pontos por hectare, com uma efici-
2003, o VPNAg era produzido somente ência de controle de 64,8%. Esse parasi-
em campo, por meio da sua aplicação e tóide afeta também P. includens, mas os
coleta de lagartas mortas pelo vírus, estudos referentes ao seu modo de ação
para posterior processamento e formu- encontram-se ainda em fase inicial, indi-
lação pelas empresas privadas produto- cando porém ter grande potencial de
ras do inseticida biológico. A partir de controle, já que poderia ser usado contra
dados gerados pela Embrapa Soja, foi ambas as lagartas da soja. Por outro lado,
possível viabilizar a produção comercial como o VPNAg já é utilizado para contro-
desse agente em laboratório, o que pro- lar A. gemmatalis, será mais fácil, onde
O VPNAg foi desenvolvido como inse- piciou a inauguração da maior biofábri- se utiliza o patógeno, compatibilizar o uso
ticida biológico pela Embrapa e disponi- ca mundial voltada à produção de um do parasitóide com esse vírus.
bilizado a sojicultores na safra 1982/ vírus entomopatogênico, pela empresa
1983, após comprovação de sua eficiên- Coodetec, em Cascavel, PR, hoje com ca- CONTROLE DE PERCEVEJOS
cia em regiões do Paraná e do Rio Gran- pacidade de inocular 600 mil lagartas/ O controle de percevejos por meio da uti-
de do Sul. Como precisa ser ingerido dia, gerando produto para entre 1,2 e 1,4 lização dos parasitóides de ovos T. basa-
para provocar a mortalidade da lagarta, milhões ha/ano. Atualmente, esse inse- lis e T. podisi (Figuras 4 e 5) tem como
é necessária uma aplicação que propor- ticida biológico é utilizado em cerca de principal objetivo restaurar o equilíbrio
cione boa cobertura das plantas, pois as dois milhões de hectares de soja no entre as pragas e seus inimigos naturais,
lagartas pequenas (de até 1,0 cm), que país, área que tende a crescer, com a vi- buscando um controle mais estável, pelo
são as mais suscetíveis ao vírus, geral- abilização da sua produção comercial aumento populacional em lavouras dos
mente se localizam nas partes média e em laboratório. agentes benéficos à sua preservação. Es-
inferior da planta. Essas lagartas apenas ses parasitóides são pequenas vespas,
raspam as folhas e consomem área foliar OUTROS AGENTES com cerca de 1 mm de comprimento. Os
insignificante. Se forem contaminadas Formulações da bactéria Bacillus thu- adultos depositam seus ovos no interi-
pelo vírus ainda pequenas, as lagartas ringiensis (Bt) podem ser utilizadas para or dos ovos dos percevejos, matando o

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embrião da praga. Parasitam ovos de di- quando na forma de ovos parasitados FIGURA 6 | CARTELA COM OVOS DE PERCEVE-
ferentes espécies de percevejos, consta- (Figura 6), possibilitando sua multiplica- JO PARASITADOS POR TRISSOLCUS BASALIS,
EM PLANTA DE SOJA
tando-se, entretanto, preferência de T. ção no próprio campo e sua dispersão

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basalis pelos ovos de N. viridula, e de T. para o interior da lavoura.
podisi pelos ovos de E. heros. O ciclo de O controle biológico de ovos de per-
ovo a adulto é completado em um perío- cevejos é uma tecnologia desenvolvida
do de 10 a 12 dias, sendo facilmente per- pela Embrapa Soja e validada por meio
ceptível externamente pela mudança na de parcerias com assistências técnicas e
coloração do ovo hospedeiro que, da to- produtores de soja. Está intimamente
nalidade clara (como nos casos dos ovos integrada a outras táticas do MIPSoja,
de N. viridula, E. heros e D. melacan- com resultados promissores no contro-
thus), passam a cinza e ao preto, quando le dessas pragas (Hoffmann-Campo,
próximos da emergência dos adultos. 2000). O uso dessa tecnologia em culti-
Cada ovo parasitado dá origem a um pa- vos convencionais ou orgânicos garan-
rasitóide, e cada fêmea do parasitóide te melhores condições de sucesso quan-
coloca, em média, 200 ovos. do os parasitóides são liberados em áre-
Utilizando ovos de percevejos, esses as contínuas ou em comunidades de pro-
parasitóides são multiplicados em labo- dutores. Isso ocorre em função do uso de
ratório e liberados a campo, visando a inseticidas de baixo impacto sobre os
incrementar as populações naturais parasitóides e de condições de manejo
desses agentes biológicos em lavouras. adotadas pelos produtores, que possibi-
Assim, é possível obter-se maior eficiên- litam a preservação e o incremento po-
cia no combate aos insetos. As libera- pulacional desses agentes no sistema.
ções são realizadas nas bordas das la- Entretanto, para atender à demanda exis-
vouras, no final do florescimento da tente, há ainda necessidade de que se ve-
soja, época em que normalmente os per- rifique um incremento no setor de multi-
cevejos estão colonizando a cultura. plicação desses agentes biológicos, de
*Flávio Moscardi
Para o controle, recomenda-se a libera- modo a viabilizar que um número cada
(moscardi@cnpso.embrapa.br) e
ção de 5.000 vespinhas/ha, quando libe- vez maior de produtores disponha, com Beatriz Spalding Corrêa-Ferreira
rados como adultos, ou três cartelas/ha, facilidade, dessa tecnologia. (beatriz@cnpso.embrapa.br) são pesquisa-
dores da Embrapa Soja, Londrina, PR;
José Roberto Postali Parra
(jrpparra@esalq.usp.br) é professor do
Departamento de Entomologia, Fitopatolo-
gia e Zoologia Agrícola da USP ESALQ.

FIGURA 4 | ADULTO DE TRISSOLCUS BASALIS FIGURA 5 | ADULTO DE TELENOMUS PODISI


PARASITANDO OVOS DO PERCEVEJO-VERDE PARASITANDO OVOS DO PERCEVEJO-MAR- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(NEZARA VIRIDULA) ROM (EUSCHISTUS HEROS) CORRÊA-FERREIRA, B. S. Trissolcus basalis para
o controle de percevejos da soja. In: PARRA
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et. al. (Eds). Controle biológico no Brasil:


parasitóides e predadores. São Paulo: Mano-
le, 2002. p. 449-476.
CORRÊA-FERREIRA, B. S.; PANIZZI, A. R. Perceve-
jos da soja e seu manejo. Londrina: Embra-
pa-CNPSo, 1999. 45p. (Embrapa-CNPSo. Cir-
cular Técnica, 24).
HOFFMANN-CAMPO, C. B. et al. Pragas da soja
no Brasil e seu manejo integrado. Londri-
na: Embrapa Soja, 2000. 70p. (Embrapa Soja.
Circular Técnica, 30).
MOSCARDI, F. Utilização de vírus para o contro-
le da lagarta da soja. In: ALVES, S. B. (Ed.).
Controle microbiano de insetos. São Paulo:
Manole, 1986. p. 188-202.

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