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TOXICOLOGIA

Roberto Marques Damiani


Toxicologia
ambiental:
poluição do ar
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Descrever os efeitos tóxicos da poluição ambiental.


>> Reconhecer características associadas a evidências epidemiológicas de
efeitos tóxicos sobre a saúde.
>> Identificar a síndrome dos edifícios doentes e doenças relacionadas.

Introdução
Se existe um tipo de exposição que é quase impossível evitar é a poluição do
ar. Não passamos mais do que poucos minutos sem respirar durante toda a
vida e, por isso, todas as substâncias que estão presentes no ar terão contato
com nosso aparelho respiratório e causarão danos, não somente locais, mas
também sistêmicos. Há um enorme apanhado de evidências mostrando a
problemática que envolve saúde ambiental no contexto da poluição atmos-
férica. É importante conhecer as questões toxicológicas e epidemiológicas
que identificam e evidenciam as consequências terríveis para a saúde pública
dessa questão ambiental.
Neste capítulo, você vai estudar os principais contaminantes da atmosfera
e como eles contribuem para elevar as taxas de mortalidade. Também vai ver
as diferenças entre os efeitos de exposições agudas e crônicas aos poluentes.
Por fim, você vai ler sobre exposições a poluentes do ar em ambientes internos.
2 Toxicologia ambiental: poluição do ar

Características toxicológicas dos poluentes


atmosféricos
A importância da toxicologia ambiental é evidenciada pelo fato de, diaria-
mente, estarmos expostos às mais variadas substâncias químicas, seja pela
água — praguicidas, hormônios, medicamentos, ciano toxinas, etc. —, seja pelo
alimento — fungicidas, inseticidas, herbicidas, conservantes, edulcorantes,
aromatizantes, estabilizantes, etc. — ou pelo ar — em ambientes externos e
internos com diferentes composições de elementos. Ao considerarmos so-
mente as exposições em ambientes externos, a poluição atmosférica causou,
mundialmente, no ano de 2016, cerca de 4,2 milhões de mortes prematuras:
58% desses óbitos foram por doença cardíaca isquêmica ou por acidente
vascular encefálico, 18% foram por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
e infecções pulmonares, e 6% por câncer de pulmão (WHO, 2018).
Desde 2013 a poluição atmosférica é classificada como carcinogênica pela
Agência Internacional de Pesquisa para o Câncer (IARC, International Agency
for Research on Cancer) (STRAIF; COHEN; SAMET, 2013). A grande maioria da
população do nosso planeta, especificamente 91% dos seres humanos vivos
na Terra, vive em áreas com níveis de poluentes do ar acima do que é reco-
mendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Embora países com
menores níveis de desenvolvimento sofram mais com esse contexto, a poluição
atmosférica é um enorme problema de ordem global. As principais fontes de
emissão de contaminantes do ar são as antropogênicas, representadas por
veículos automotores, emissões residenciais (cozinhar ou aquecer a casa),
agricultura, incineração de lixo, processos industriais e geração de energia.
Ou seja, essas fontes estão presentes em tudo que fazemos para manter
nosso modo contemporâneo de vida (WHO, 2020).
Entre todos os compostos que são lançados na atmosfera, os principais
poluentes são o material particulado, dióxido de enxofre, dióxido de nitrogênio
e ozônio, o qual é considerado um poluente secundário.
O material particulado (MP), uma mistura heterogênea de materiais sólidos
e líquidos suspensos no ar, divide-se de acordo com o diâmetro aerodinâ-
mico em MP10 (partículas inaláveis menores que 10µm), MP2,5 (partículas finas
com diâmetro menor que 2,5µm) e MP0,1 (partículas ultrafinas com diâmetro
menor que 0,1µm). As fontes de emissão são as mais variadas, podendo ser,
por exemplo, emissões por tráfego veicular, processos industriais a base de
combustão, geração de energia por uso de combustíveis fósseis, poeiras do
solo, aerossóis marinhos, pulverização de pesticidas, queimadas, vulcões,
além dos chamados bioaerossóis (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2008).
Toxicologia ambiental: poluição do ar 3

Quanto menor for a partícula, maior é a capacidade de penetrar nas vias


aéreas inferiores e causar danos. Com tamanhos inferiores a 2,5µm, o MP tem
a capacidade de penetrar na corrente sanguínea e induzir o desenvolvimento
de lesões em diferentes órgãos. A exposição crônica ao MP aumenta o risco
de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e de câncer de pulmão
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2008; WHO, 2018). Como mecanismo de ação
tóxica do MP, há a geração de espécies reativas de oxigênio (EROs) por rea-
ções bioquímicas envolvendo os metais (principalmente o ferro), que ficam
adsorvidos em sua superfície. As EROs reagem com as biomoléculas, levando
à morte celular e inflamação tecidual.
A composição dos diferentes tipos de MP (poeiras, fumos, fumaça, névoas
e neblinas) é mais bem detalhada no Quadro 1.

Quadro 1. Tipos de material particulado

Dispersoides sólidos gerados por desagregação mecânica.


Têm a mesma constituição química do material que os
Poeiras
originou, por exemplo, amianto, talco, óxido de ferro. Variam
de diâmetro aerodinâmico entre 0,01 e 100µm.

Dispersoides sólidos gerados por combustão, sublimação,


fundição. Resultam em partículas de composições diferentes
Fumos do material originário. Têm maior potencial de causar
intoxicação, por terem diâmetro muito reduzido, 0,1µm no
caso de fumos metálicos.

Aerodispersoides formados pela combustão de matéria


orgânica, com diâmetro inferior a 0,5µm. Entram facilmente
Fumaça
em contato com os alvéolos e podem chegar à circulação
sanguínea.

Partículas líquidas oriundas de processos mecânicos, com


Névoas
diâmetro variável, dependendo do sistema.

Partículas líquidas originadas do processo de condensação


de vapores. Por exemplo, a neblina de ácido sulfúrico,
Neblina
formada em virtude do aquecimento de cubas eletrolíticas
que contenham esse ácido.

Fonte: Adaptado de Oga, Camargo e Batistuzzo (2008).


4 Toxicologia ambiental: poluição do ar

O dióxido de enxofre (SO2) se apresenta como um gás de coloração amare-


lada ou incolor e se caracteriza pelo cheiro característico de enxofre. É emitido
por fontes naturais, como vulcões, e também por atividades humanas que
utilizam combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão. Após a inalação,
o SO2 reage com a camada de muco que reveste o epitélio respiratório das
vias superiores para formar outros compostos, como sulfitos, bissulfitos e
sulfatos. A entrada de SO2 pela respiração oral é maior do que pelo nariz;
como consequência disso, a prática de exercício físico próxima a uma fonte
emissora faz com que se inale mais gás. Altas concentrações de SO2 atmosférico
acarretam desde irritação ocular na nasofaringe e orofaringe, até inflama-
ção, necrose e hemorragia, no trato superior até nos alvéolos. Asmáticos,
pessoas com bronquite crônica e cardiopatas são os que apresentam maior
susceptibilidade aos efeitos desse gás. Além disso, a inalação crônica de
SO2 aumenta o risco de infecções no trato respiratório, por causar redução
na atividade de macrófagos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2008; KLAASSEN;
WATKINS III, 2012; WHO, 2018).
O dióxido de nitrogênio (NO2), assim como outros óxidos de nitrogênio
(NOx), tem a coloração marrom e um forte odor característico, além de ser
irritante. Esses gases estão ligados diretamente aos processos de combus-
tão e a reações com elementos da atmosfera. Além disso, contribuem para
a formação de MP e ozônio (O3) na atmosfera. A toxicidade do NO2 envolve
efeitos agudos, como edema pulmonar, exacerbação de crises em asmáticos
e aumento na susceptibilidade às infecções respiratórias virais. (O NO2 leva
à diminuição de batimento ciliar no epitélio respiratório, além de afetar o
funcionamento de linfócitos T CD8+ e células natural killer [NK].) Em longo
prazo, a inalação de NO2 pode levar a quadros de enfisema pulmonar (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2008; KLAASSEN; WATKINS III, 2012; WHO, 2018).
O ozônio (O3) é considerado um poluente secundário, por ser formado a
partir de reações químicas entre o oxigênio atmosférico, a radiação solar e
os poluentes primários (por exemplo, o NO2). É um gás sem odor e cor, encon-
trado na estratosfera (onde forma uma barreira para a passagem da radiação
ultravioleta) e na troposfera (consequência de atividades antropogênicas).
É extremamente tóxico para as células, devido ao seu elevado poder oxidante,
que leva a alterações morfológicas, bioquímicas, imunológicas e funcionais.
Esse gás é um dos elementos principais da chamada poluição atmosférica
fotoquímica, também chamada de smog fotoquímico. Nos humanos, é capaz
de induzir crises em asmáticos, aumentar a propensão ao desenvolvimento de
infecções respiratórias, além de levar à perda de função pulmonar no longo prazo
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2008; KLAASSEN; WATKINS III, 2012; WHO, 2018).
Toxicologia ambiental: poluição do ar 5

Aspectos epidemiológicos da poluição do ar


Estar exposto diretamente a algum xenobiótico pode trazer efeitos para a
saúde do indivíduo ou de uma população, dependendo da magnitude da ex-
posição. Avaliar os efeitos da exposição ambiental aos poluentes atmosféricos
em uma comunidade ou em maior escala não é tarefa simples e demanda
estudos epidemiológicos e análises estatísticas muito robustas. Além disso,
é necessário separar o que são efeitos de curto e de longo prazo que estão
associados com episódios de aumento de concentrações de poluentes do ar.
Quando são avaliadas as exposições agudas e ocasionais, são separados
grupos de pessoas, por exemplo, crianças com idade escolar, idosos em lares
de repouso e jovens universitários, nos lugares em que são expostos. Essas
pessoas passam por métodos avaliativos minimamente invasivos ou não
invasivos, como provas de função pulmonar ou cardíaca, sintomas clínicos e
exames de ar exalado e de sangue. Para avaliações de exposições crônicas,
são utilizados estudos retrospectivos e transversais, embora haja, nesses
delineamentos, uma chance de obtenção de dados incertos sobre as variáveis
estudadas e os dados históricos relacionados à exposição dos indivíduos
(KLAASSEN; WATKINS III, 2012).
Já foi demonstrado que aumentos, mesmo que de curto período, nos níveis
de poluição do ar são capazes de desencadear síndromes coronarianas agudas
(PETERS et al., 2001). Em uma metanálise que revisou os fatores que influenciam
na incidência de infarto do miocárdio em uma população, o tráfego rodoviário
e a poluição do ar foram as variáveis mais importantes na indução desse
evento (NAWROT et al., 2011). Evidências apontam que pequenos aumentos,
em 24 horas, nas concentrações de MP2,5, NO2 e O3 são suficientes para causar
alterações eletrocardiográficas. Esses estudos sugerem que mudanças em
níveis de MP2,5 estão mais relacionadas às alterações em idosos, de NO2 em
crianças e de O3 em adultos de meia idade (BOURDREL et al., 2017).
Outro estudo de metanálise encontrou uma associação entre aumentos de
curto período nos níveis de NO2, SO2 e de MP e um aumento no risco de hospi-
talização ou morte por insuficiência cardíaca congestiva. As associações mais
fortes eram observadas no dia da exposição, e os efeitos mais persistentes
eram para o MP2,5 (SHAH et al., 2013). Um aumento de 10µg/m3 na média diária
de MP2,5 já é capaz de elevar a mortalidade por eventos cardiovasculares em
0,84% (ATKINSON et al., 2014).
Um grande estudo que avaliou a exposição ao MP e a mortalidade por
eventos cardiovasculares e respiratórios em 652 cidades no mundo corroborou
o achado de que um aumento de 10µg/m3 na média diária é suficiente para
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elevar a taxa de óbitos por esses eventos (LIU et al., 2019). O mesmo aumento
de 10µg/m3 na média diária, mas dessa vez de NO2, incrementa em até 0,88% a
mortalidade por problemas cardiovasculares (MILLS et al., 2015). A associação
entre aumento nas concentrações de MP e gases poluentes atmosféricos e
o incremento em hospitalizações e mortes por acidente vascular encefálico
(AVE) também já foi revisada e referendada por Shah et al. (2015).
No Brasil, diversos estudos são conduzidos em diferentes estados para
avaliar a epidemiologia das consequências da exposição à poluição atmosfé-
rica ambiental. Rodrigues et al. (2017) verificaram, em Cuiabá e Várzea Grande,
no estado do Mato Grosso, que a exposição ao MP2,5 aumenta a mortalidade,
e que esse efeito é potencializado pelo calor e pela baixa umidade do período
de estação seca. Ferreira et al. (2016) observaram, em São José dos Campos,
estado de São Paulo, que tanto o MP10 quanto o MP2,5 estão associados com
o aumento de admissões hospitalares por problemas respiratórios ou car-
diovasculares. Costa et al. (2017) concluíram que, na cidade de São Paulo,
a exposição ao MP10 e NO2 está associada a mortes por patologias do sistema
circulatório em idosos.
Embora os efeitos agudos tóxicos para o sistema cardiovascular sejam os
que se evidenciam com maior importância, as manifestações respiratórias
podem também levar ao aumento na procura por atendimento em unidades
de saúde. Já foi demonstrado que existe relação entre aumento de internações
hospitalares de crianças com pneumonia com elevações nas concentrações
de MP10, MP2,5, NO2, SO2 e O3 (NHUNG et al., 2017). Outro estudo apontou que
um aumento de 10µg/m3 na média diária de MP10 pode causar redução na
capacidade funcional dos pulmões em pacientes com DPOC (BLOEMSMA;
HOEK; SMIT, 2016).
Recentemente, Gao et al. (2020) demonstraram, em um estudo prospectivo
realizado entre os anos de 2015 e 2017 em Pequim, na China, que há correlação
entre elevações diárias em concentrações de MP2,5, NO2, SO2 na atmosfera e
redução de função nos pulmões e aumento de inflamação sistêmica em indiví-
duos com DPOC (GAO et al., 2020). Aqui no nosso continente, os resultados de
uma revisão com metanálise, avaliando trabalhos realizados em cidades do
Brasil, Chile e México, mostraram associações significativas entre a exposição
de curto prazo ao PM2,5 e o aumento do risco de mortalidade respiratória e
cardiovascular em todas as faixas etárias (FAJERSZTAJN et al., 2017).
No que se refere a exposições crônicas aos poluentes do ar, as pesquisas
apontam para uma maior mortalidade por doenças cardíacas e do sistema
circulatório do que por problemas pulmonares, exceto câncer de pulmão.
Em uma metanálise avaliando grandes estudos de coorte, os quais objetiva-
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ram traçar uma correlação entre exposições de longo período aos poluen-
tes atmosféricos e mortalidade, os autores concluem que há aumento em
número de mortes, principalmente por doença cardíaca isquêmica, quando
são observadas elevações de 10µg/m3 nas concentrações de MP2,5 ou NO2
(HOEK, 2013). Um artigo de revisão sistemática com metanálise analisou a
influência da exposição à poluição atmosférica, de curto ou longo período,
nos índices de hipertensão arterial na população. Os resultados apontam
para uma correlação entre exposição crônica ao MP2,5 e hipertensão. Além
disso, há ênfase da relação entre exposição de curto período a MP10, MP2,5,
SO2 e NO2 (YANG et al., 2018).
A literatura mais recente vem apresentando evidências sobre os processos
de carcinogênese envolvidos com os poluentes atmosféricos, mais especifi-
camente o MP. Li e colaboradores (2018) apontam para o envolvimento direto
do estresse oxidativo e do processo inflamatório na patogênese do câncer
de pulmão associado à exposição crônica ao MP2,5. Santibáñez-Andrade et al.
(2019) foram além — revisaram os mecanismos de toxicidade do MP e traçaram
um paralelo com as assinaturas para o câncer (os hallmarks of cancer, descritos
por Hanahan e Weinberg em 2000 e 2011). A conclusão é de que a exposição
crônica ao MP contribui ativamente com o processo de tumorigênese no câncer
de pulmão. A associação de exposição crônica ao MP2,5 e câncer de pulmão
já foi verificada, também, em estudo de revisão sistemática com metanálise,
o qual apontou que há correlação entre a variável e o desfecho, corroborando a
inclusão desse poluente na classificação da IARC em 2013 (HAMRA et al., 2014).
De acordo com um estudo desenvolvido em São Paulo, o MP10 pode au-
mentar a incidência de alguns tipos de câncer (pele, pulmão, tireoide, laringe
e bexiga) e, também, pode contribuir para o aumento da mortalidade por
câncer. Segundo os autores, os resultados evidenciam que é preciso adotar
medidas para reduzir os níveis atmosféricos de MP e que é muito importante
realizar seu monitoramento contínuo (YANAGI; ASSUNÇÃO; BARROZO, 2012).

São muitas as evidências epidemiológicas que colocam a poluição


atmosférica como um elemento causador de muitos danos à saúde
pública mundialmente. Exposições agudas ou crônicas, efeitos a curto ou longo
prazo, todas essas variantes já foram abordadas em estudos e, em todos os
casos, há correlação entre morbimortalidade e concentrações de poluentes. Mais
especificamente, o MP 2,5 aparenta ser o elemento mais danoso nessa mistura
complexa que compõe o ar atmosférico, seguido por MP 10, NO2 e SO2.
8 Toxicologia ambiental: poluição do ar

Os estudos de revisão sistemática com metanálise analisados para este


capítulo não foram capazes de confirmar a participação do O3 nos desfechos
avaliados, não importando as condições (exposições de curto ou longo prazo).
Porém, é preciso ter cautela ao interpretar esse tipo de trabalho, pois apre-
senta algumas limitações e elevada heterogeneidade entre os dados analisa-
dos. No entanto, mesmo com esses fatores limitantes, podemos concluir que
a questão da poluição atmosférica ambiental gera transtornos e continuará a
gerar, a menos que se diminuam as emissões de gases e partículas nos grandes
aglomerados urbanos. Para isso é necessária uma mudança enorme na maneira
como vivemos e, principalmente, nos movimentamos nas grandes cidades.
Ao observar a epidemiologia relacionada ao tema dos poluentes atmos-
féricos em associação com eventos cardiovasculares e respiratórios severos,
chegamos à conclusão de que medidas de prevenção devem ser planejadas e
adotadas em nível local e global. Refletindo sobre esse problema, percebemos
que é necessário alterar as matrizes energéticas que são utilizadas, desde a
revolução industrial, para manter a forma como a sociedade vive. Já é passada
a hora de mudar e adotar formas de geração de energia limpa, sustentável e
não poluente, ou estaremos fadados a perecer cada vez mais por problemas
associados a poluição do ar.

Síndrome dos edifícios doentes


A OMS aponta que, em 2016, a exposição à poluição atmosférica em ambiente
interno (indoor) causou 3,8 milhões de mortes, o que representa 7,7% do total
de mortes no mundo. Na população mundial, 40% utiliza madeira, carvão,
esterco, resíduos de colheita e carvão vegetal para cozinhar os alimentos,
e isso representa uma importante fonte de exposição aos resíduos tóxicos
da combustão que são liberados no ar, dentro dos domicílios. Os níveis de
concentração dos contaminantes do ar nesses ambientes fechados chegam
a valores 20 vezes acima do recomendado pela OMS. A maioria das mortes
causadas por exposição indoor são por derrame, infarto, DPOC e câncer de
pulmão (WHO, 2018).
A exposição à poluição do ar em ambiente interno responde por 45% de
todas as mortes de crianças e por 28% das mortes de adultos por pneumonia.
Cerca de 25% das mortes em adultos por DPOC, em países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento, são em consequência da exposição a gases e partí-
culas oriundas da combustão em ambientes internos. Ainda sobre poluição
atmosférica indoor, estatísticas apontam para essa ser a causa de 11% de
todas as mortes no mundo por infarto do miocárdio.
Toxicologia ambiental: poluição do ar 9

Das mortes por acidente vascular encefálico, a queima de combustíveis


fósseis dentro de casa (para cozinhar) causa 12% desse total. Além disso,
aproximadamente 17% dos óbitos por câncer de pulmão ocorridos no globo
são em virtude da exposição a carcinógenos lançados no ar pelo ato de
cozinhar usando combustíveis como querosene, lenha, esterco ou carvão.
Outras consequências de respirar ar poluído em ambientes internos são as
seguintes: inflamação pulmonar, redução da resposta imunológica, redução
do transporte de oxigênio pelas hemácias, baixo peso ao nascer, tuberculose,
catarata e câncer de laringe e nasofaringe (WHO, 2018).
Existe outro problema relacionado aos ambientes internos, que é a cha-
mada síndrome dos edifícios doentes, do inglês sick-building syndrome. Essa
síndrome é constituída por um conjunto de sintomas que são persistentes,
durando duas ou mais semanas, e atinge cerca de 20% das pessoas que são
expostas. Existe dificuldade na determinação da origem dos sintomas, porém
eles diminuem quando o indivíduo passa um tempo afastado do prédio. Em
geral, os prédios são novos, com pouca circulação de ar e com atividade em-
presarial. Há suspeita de que produtos de combustão, produtos químicos de
uso doméstico, materiais biológicos, vapores e substâncias que são emitidas
pelo próprio mobiliário presente na edificação estejam relacionados às emis-
sões de substâncias tóxicas que permanecem no ar interior desses prédios.
A sintomatologia que se apresenta mais frequentemente é a irritação dos
olhos, nariz e garganta. A persistência desses sintomas pode acabar se tor-
nando insuportável após uma alta frequência de exposição a esse ambiente.
Além disso, existem fatores inerentes ao indivíduo que podem afetar a sua
susceptibilidade, como dieta, estresse, fadiga e consumo de bebidas alcoólicas.
A literatura recente sobre esse tema demonstra que as mulheres são as
que mais apresentam sinais associados à essa síndrome. Além disso, pessoas
jovens sofrem mais do que as idosas, e a comorbidade mais associada é a
rinite alérgica. Os principais sinais clínicos apresentados pelos pacientes
que são acometidos pela síndrome dos edifícios doentes são os seguintes
(KLAASSEN; WATKINS III, 2012):

„„ irritação de olhos, nariz e garganta;


„„ cefaleia;
„„ fadiga;
„„ tempo de atenção reduzido;
„„ irritabilidade;
„„ congestão nasal;
„„ dificuldade de respirar;
10 Toxicologia ambiental: poluição do ar

„„ sangramento nasal;
„„ pele seca;
„„ náusea.

Há, também, um grupo de doenças cuja etiologia é determinável e os


critérios de diagnóstico são bem definidos, e que são classificadas como
doenças relacionadas com edifícios. Muitas dessas têm relação com agentes
biológicos — doença dos legionários, pneumonites hipersensíveis —, com
alergias associadas com pelos de animais, ácaros e poeiras. Além desses,
contaminantes clássicos do ar em ambiente externo também acabam por trazer
problemas nos interiores das edificações. Um exemplo disso é a exposição ao
monóxido de carbono (CO) proveniente de aquecedores mal instalados e com
sistemas de ventilação deficientes. Indivíduos asmáticos são particularmente
mais suscetíveis ao NO2 concentrado nesses ambientes internos.

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12 Toxicologia ambiental: poluição do ar

Leituras recomendadas
LI, R.; ZHOU, R.; ZHANG, J. Function of PM2.5 in the pathogenesis of lung cancer and
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MANAHAN, S. E. Química ambiental. 9. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013.
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www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/household-air-pollution-and-health.
Acesso em: 24 out. 2020.

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