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Beatriz Mendonça MUSICISTAS NEWS Victor Manoel

ENTRE CORAÇÕES ELÉTRICOS E VERÕES TRISTES


O FENÔMENO DAS “SAD GIRLS” NA MÚSICA POP

VERÕES TRISTES E
CORAÇÕES ELÉTRICOS
COMO A TRISTEZA E A VULNERABILIDADE DE DIVERSAS
MULHERES SE TORNARAM O SINÔNIMO E A FORÇA DE UM
GERAÇÃO INTEIRA DE JOVENS GAROTAS
Imagine o seguinte cenário: você é uma garota pré
adolescente de 12 anos no início dos anos 2010s que
acabou de chegar da escola, liga a TV e se depara com o
MTV Hits tocando as músicas do momento. Certamente você
escutará “Summertime Sadness” de Lana Del Rey, “Royals”
de Lorde, “Colors” da Halsey, “Do I Wanna Know?” de
Arctic Monkeys. Enquanto isso, você liga o computador e
entra no website Tumblr que criou escondida da sua mãe,
já que ela não pode sonhar com o conteúdo que há ali. E é
assim que foram grande parte dos seus anos de
adolescência, compartilhando suas experiências em uma
rede social bombada e em que parecia encontrar pessoas
que te entendiam mais do que qualquer pessoa ao seu
redor, escutando músicas que pareciam expressar todas
suas frustrações de anos tão difíceis. Apesar de parecer
uma situação particular, essa era rotina de milhares de
garotas ao redor do mundo que viveram o fenômeno do
“tumblr aesthetic”.

"Elas sustentam a noção de que música não precisa ser


Mas afinal, o que são as músicas de “sad girls”? alegre para ser bonita, não que esta seja uma nova ideia.”
Segundo Rachel Hynds no seu artigo “Get to Know the Sad
Girls of Indie” de 2019: “Não há um som, instrumento ou
Explicando um pouco desse momento da cultura da internet,
idade específicos para o indie sad girl music [...].
ele envolveu toda a influência da rede social Tumblr na
Entretanto, suas músicas devem envolver letras
vida de milhares de jovens que encontraram em um lugar o
incrivelmente introspectivas e profundas com
conforto para expressar suas vivências em um momento tão
guitarras/qualquer meio necessário para expressar da
conturbado como a adolescência. Entretanto, nem todo
melhor forma esta emoção. Um toque de angústia
conteúdo era devidamente adequado para pessoas tão
despreocupada não machuca, também. Seja uma tristeza
jovens, como por exemplo, exposição explícita de
indefinida, raiva, o patriarcado, confusão ou qualquer
automutilação, abuso de drogas, romantização de problemas
outro sentimento conflituoso, elas encontram uma
psicológicos e claras referências a suicídio. Para isto,
maneira de explorar seus sentimentos, trazê-los à
era forte o uso de mídias que retratam tais situações
superfície e canalizá-los através da música. Elas
como o filme Vidas Interrompidas, a série Skins e livros
sustentam a noção de que música não precisa ser alegre
como Lolita de Vladimir Nabokov e As Virgens Suicidas de
para ser bonita, não que esta seja uma nova ideia.”
Jeffreys Eugenides, e claro, músicas e artistas que
expressavam tal estilo. Nesse meio surge a artista que
Imagem: Cantora Lana Del Rey em ensaio fotográfico. até hoje é vista como a responsável por popularizar o
fenômeno das “sad girls”: Lana Del Rey.
Beatriz Mendonça MUSICISTAS NEWS Victor Manoel

ENTRE CORAÇÕES ELÉTRICOS E VERÕES TRISTES


O FENÔMENO DAS “SAD GIRLS” NA MÚSICA POP

OS CAMINHOS PERCORRIDOS
PELAS GAROTAS TRISTES
É nos anos 90 que esse estilo musical ganha força, com artistas
femininas querendo mudar o cenário musical extremamente dominado por
homens, surgindo assim o Lilith Festival que possui como artista
lançada de mais destaque, Fiona Apple, que já é aclamada desde seu
primeiro álbum Tidal, e serve de inspiração para artistas que
surgiriam no próximo século. Na primeira década do século XXI, o
gênero sofre uma baixa, dando lugar ao pop chiclete e às pop stars do
momento. Não é até 2011, quando Lana Del Rey lança seu primeiro álbum
Born To Die, que passa por um momento de estouro em que volta a ser
tocado em rádios e disparar nos charts. É nesta época que surgem
artistas como Lorde, com seu primeiro álbum Pure Heroine que chega a
ganhar Álbum do Ano no Grammys, a cantora Marina and the Diamonds que
Imagens: "Ofélia" de John Everett Millais
ganha destaque pelo seu álbum Electra Heart, que gira em torno de uma
e a cantora Billie Holiday em show.
persona e aborda diversos temas problemáticos, além de outras
artistas como Halsey e Melanie Martinez que ganham uma enorme
Não é de hoje que podemos ver esta nuance triste
notoriedade.
da feminilidade. Desde obras de Shakespeare, que
podemos observar mulheres como Julieta e Ophelia
com seus finais trágicos, até mesmo o movimento
literário do Romantismo, que ocorre entre os
séculos XVIII e XIX, em que as mulheres são
vistas como musas tristes e distantes, por vezes
até mesmo mortas, elas serviam como inspiração
para seus admiradores e eram consideradas tão
“perfeitas” pelo seu caráter passivo. Olhando
para a realidade, tal comportamento também era
esperado das mulheres reais, que se por ocasião
não seguissem tal conduta, eram diagnosticadas
com histeria feminina.

Ao longo da história e com as conquistas feministas dos


direitos das mulheres, aos poucos ganhou-se o espaço e
visibilidade para expressar seus pensamentos e
sentimentos, Principalmente dentro da arte. Uma das
pioneiras na área da música foi a cantora de jazz afro-
americana Billie Holiday que posteriormente influenciou
toda uma geração de musicistas. Em décadas subsequentes,
a cantora canadense Joni Mitchell também ganha destaque
pela sua sonoridade folk e letras melancólicas,
principalmente em seu álbum Blue lançado em 1971. Imagens: Cartaz do Lilith Fair; Capas dos álbuns Tidal. Born to Die e
Electra Heart; Cantora Lorde na premiação Grammys em 2014.
Beatriz Mendonça MUSICISTAS NEWS Victor Manoel

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O FENÔMENO DAS “SAD GIRLS” NA MÚSICA POP

Na rede social Tumblr era possível encontrar diversas


frases de músicas desses álbuns, frames de videoclipes,
fotografias inspiradas nas estéticas de tais artistas e
diversos outros conteúdos. Todavia, é importante
considerar que grande parte deste cenário não era
saudável para as adolescentes entre 10 e 16 anos que
estavam ali inseridas. Muitas das músicas abordavam abuso
de drogas, relacionamentos com homens mais velhos,
alegorias a distúrbios alimentares e até mesmo suicídio.
Apesar da “arte da tristeza” ser importante para poder
ser meio de expressão, resistência e até mesmo
identificação de comunidades, é inevitável ponderar em
como ela foi mal administrada em uma época de ascensão de
redes sociais e que os responsáveis ainda não sabiam como
lidar com essa relação de jovens e internet. Esse
fenômeno perdura até meados de 2017 e aos poucos vai
perdendo a força. Apesar da rede social ter ficado para
trás, o termo “estética tumblr” continuou na linguagem
jovem e é utilizada com frequência na bolha sad girl.

Ao longo da história e com as conquistas feministas dos


direitos das mulheres, aos poucos ganhou-se o espaço e
visibilidade para expressar seus pensamentos e
sentimentos.

Após seu breve declínio, o “sad girl indie” volta com


força na voz calma da jovem Billie Eilish que em seu
álbum de estreia When We All Fall Asleep, Where Do We
Go? foi aclamada com vários hits e uma legião de fãs.
Eilish então dá o pontapé inicial para o reconhecimento
de artistas com o estilo semelhante ao seu.
Impulsionadas também pelo TikTok, artistas como Mitski,
Phoebe Bridgers e Clairo alcançaram um novo nível de
público. O revival desse estilo, podemos afirmar, tem
certa relação com a pandemia global de Covid-19 que nos
deixou isolados e tendo que nos acostumar com um novo
estilo de vida.

Imagens: Imagem com capturas de telas referentes a rede


social Tumblr e capa do álbum When We All Fall Asleep, Where
Do We Go?
Beatriz Mendonça MUSICISTAS NEWS Victor Manoel

ENTRE CORAÇÕES ELÉTRICOS E VERÕES TRISTES


O FENÔMENO DAS “SAD GIRLS” NA MÚSICA POP

O RETORNO DO ESTILO
"SAD GIRL" E SUAS
CAUSAS E
CONSEQUÊNCIAS
Com mais tempo sozinhos, em constante estresse
pelo trabalho remoto e instabilidade quanto ao
cenário mundial, foram significativos os
números de diagnósticos de ansiedade e
depressão, desencadeados por sentimentos como
melancolia e nostalgia. Novamente, a música é
recorrentemente um remédio para enfrentar
situações desafiadoras, neste caso, para ter um
senso de reconhecimento e validação dos
próprios sentimentos. Um exemplo é a cantora
pop Taylor Swift que durante o isolamento
inovou e fez dois álbuns do gênero folk e
evidentemente influenciados pelo sad girl,
tendo músicas predominantemente ballad e letras
introspectivas.

Em síntese, o estilo musical “sad girl” está envolto em


várias controvérsias, como um histórico de glamourização de
transtornos mentais, além do dilema da generalização da
indústria ao colocar o mesmo rótulo para uma variedade de
artistas que produzem seus trabalhos de formas únicas, de
forma a categorizar todas em uma caixa limitada enquanto elas
vão muito além disso. Apesar de tudo, é empoderador escutar
mulheres ganhando controle sobre sua identidade e cantar sobre
suas mais diversas vivências e angústias de forma poética e
inspiradora de forma que milhares de outras possam se ver e se
encontrar no mundo. Depois de séculos tendo suas ações e
sentimentos controlados e ditados pela sociedade, agora temos
vozes para manifestar a fantástica complexidade feminina.

Imagens: Capa do álbum Folklore e as cantoras Clairo e Phoebe


Bridgers.

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