Você está na página 1de 14

Border Brujo: uma teoria linguística de fronteiras e de consciência social

identitária

Border Brujo: a border-crossed theory on language and social identity


consciousness
Tiago J. Lessas (UFPE/Mestrado/Bolsista Capes)1

Resumo: Este artigo visa discutir o papel da linguagem no que tange às discussões acerca da constituição da
identidade do indivíduo. Para tanto, eu analiso o poema Border Brujo: A Performance Poem de Gómez-Peña
(1993) o qual discute temas como comunidade international, o papel da língua e da troca de linguística, bem
como a noção de pós-modernismos como fatores determinante na constituição desse novo indivíduo, nascido
de uma sociedade em derretimento de ideais e conceitos. As análises linguisticas no que se refere à code-
switching (NILEP, 2006) demonstram como o autor provoca uma mudança no conceito de hereditariedade e
origem territorial, ao passo que ele brinca com a gramática e prosódia das línguas (especificamente Inglês e
Espanhol). O texto de Gómez-Peña é um protesto poético ao processo de dominação e propõe uma tomada de
consciência epistemológica por todos, pois todos coexistem num território mundial misto.
Palavras-chave: Code-switching; Pós-modernimo; Identidade.

Abstract: This paper discusses the role of language regarding the discussions about the constitution of the
individual's identity. To this end, I analyze the poem Border Brujo: A Performance Poem (GÓMEZ-PEÑA,
1993) which discusses topics such as international community, the role of language and the changing of
linguistic and post- modernism notion as determining factors in the creation of this new individual, born in a
society where ideals and concepts are melting. The linguistic analysis on code-switching (NILEP, 2006)
demonstrate how the author makes a change on the concept of heredity and territorial origin, while he plays
with grammar and prosody (especially English and Spanish). Gómez-Peña’s text is a poetic protest to the
domination process and proposes an epistemological awareness, for we all coexist in a mixed world territory.
Key-words: Code-switching; Post-modernism; Identity.

Introdução
Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura 2, no dia 19 de novembro de
2015, a jornalista e escritora Adriana Carranca lembra que guerra civil na Síria só passou a
ser divulgada pela como “crise dos refugiados na Europa” após uma grande quantidade de
imigrantes afluir ao continente europeu, gerando um certo incõmodo xenofóbico. Mais uma
vez, o mundo parece voltar seus olhos para uma situação absurda quase cinco anos depois
de uma guerra absurda estourar, e convenientemente quando os resultados dessa guerra
colidem com as fronteiras e interesses políticos de países ricos. Ser imigrante se tornou
sinônimo para “desterritorializado”; “sem pátria”, e mais do que nunca uma reflexão a
cerca do papel da linguagem nesse contexto é fundamental para o enfretamento de
injustiças sociais.

1
Aluno de Mestrado em Linguística pelo Departamento de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Email: lessas.tiago@gmail.com
2
A entrevista completa pode ser conferida no YouTube através do link: https://www.youtube.com/watch?
v=LHQJtv2Rl3Y
A partir desse novo cenário mundial, resgato um texto que se mostra extremamente
atual para tal contexto: Border Brujo: A Performance Poem por Guillermo Gómez-Peña
(1991). Minha discussão nesse trabalho tem por objetivo compreender como a poética
desse texto, em harmonia com os conceitos propostos pela Border Theory3 (GÓMEZ-
PEÑA, 1993) e a conexão entre a ideia de espaço fronteiriço, abstrato ou físico. Com isso,
estabeleço um contraponto entre a ideia de identidade linguística e o conceito de
cruzamento territórios sociais e éticos, pois tais conceitos são essenciais quando analisamos
o processo de múltiplas consciências sociais (DU BOIS, 2006). Para o desenolvimento
desse estudo, parto da premissa de que língua e identidade estão intrinsecamente ligadas, e
portanto, são partes indissociáveis da constituição social humana. De acordo com Gloria
Anzaldúa, (1987), tanto a língua como a identidade são parte de um contínuo que define
que “a identidade étnica é pele gêmea da identidade linguística - Eu sou a minha língua” 4
(p. 898).
Tendo em vista essas perspectivas, minha análise se concentra no texto Border
Brujo: A Performance Poem (GÓMEZ-PEÑA, 1991), que faz parte do livro Warrior for
Gringostroika (GÓMEZ-PEÑA, 1993). Todo o livro se apresenta como uma espécie de
tratado, e protesto, a favor das questões sócio-culturais ligadas ao papel das fronteiras na
formações humana. Apesar de o texto se focar nas questões de identidade dos latinos
americanos, nativos e mestiços, o texto expande o seu conceito de Fronteira e provoca uma
tomada de consciência quanto ao nosso papel como cidadãos em um mundo duplamente
múltiplo e segregado. Também procuro destacar como os aspectos linguísticos ajudam na
construção poética do texto, especialmente através do code-switching como um recurso
estilístico. Para tanto, o artigo levanta algumas perguntas norteadoras para se proceder com
a análise: Será que o processo de code-switching em Border Brujo: A Performance Poem
representa linguisticamente um processo cruzamento cutural-fronteiriço? Se sim, como é
que isso se caracteriza no texto?
Começo minha análise, apresentando um panorama do conceito de code-switching a
partir do campo da linguística e sua correlação com os seus aspectos sociais/culturais. Mais
tarde, passo a discutir algumas questões importantes sobre Border Studies Theory, ou
Border Theory, tal como compreendido por Niday e Allender (2000). Essa teoria nasce a
partir dos estudos pós-colonialistas no que tange a questão mexicana e ajuda a articular os

3
Teoria de Fronteiras.
4
Do original: “[…] ethnic identity is twin skin to linguistic identity − I am my language.”
2
aspectos étnicos e culturais sobre as implicações territoriais e o processo linguístico de
mudança de idioma, intersectando tais apectos numa compreensão mais culturalmente
ampla de consciência identitária. Na segunda parte do artigo, argumento que língua e
identidade estão ligadas e que ambas têm uma epistemologia múltipla, não fixa, uma vez
que derivam da concepção do pós-modernismo e da dupla consciência dialógica
(BAKHTIN, 2010; DU BOIS, 2006). Assim, busco analisar Border Brujo de Gómez-Peña
(1991) para levantar algumas hipóteses quanto ao code-switching como uma representação
metafórica multilíngue da formação de identidade.
1 Code-switching e a Border Theory
O poema/solilóquio começa por apresentar o seu discurso ou narrativa (em alguns
pontos o autor mistura os estilos, seja contando uma história ou discutindo um assunto de
forma mais elaborada) como sendo modular, ou flexível/variável. O autor utiliza um estilo
que funde diferentes exteriorizações de representações culturais. Norte e do Sul, por
exemplo, não são apenas um aspecto geográfico de um país. Na realidade o autor os usa
como metáforas para a construção de uma representação social imaginária, ressaltanto os
seus aspectos supostamente opostos, mas necessários para a existência um do outro.
Gómez-Peña (1991) explica que Border Brujo “[...] é um ritual, uma viagem
linguística e performativa da fronteira EUA-México”5 (p. 49). Dessa forma, o autor
contextualiza todo o seu discurso com base nas questões mexicano-americanas e todos os
efeitos sócio-culturais sobre essa discussão numa duplamente constituída sociedade
desterritorializada (DELEUZE & GUATARRI, 2010). A problemática do hispanismo nos
EUA tem sido alvo de críticas e debates a respeito da representação social da camada
denominada de chicana no país, que nesse caso se refere aos descendentes de mexicanos
nascidos em solo americano. De um lado, se defende o papel social dos descentes de latino-
americanos exercerem sua identidade e língua em território norte-americano. Para os mais
segregadores, no entanto, existiria uma ameça ao idioma inglês, uma vez que se aceitaria o
inglês e o espanhol como línguas oficiais, em detrimento de uma nação anglofôna. Em seu
texto O pesadelo hispânico de Samuel Huntington, Frédérick Douzet (2005) comenta as
palavras o próprio Huntington marcadamente cheias de um preconceito infundado e
motivadas por uma repugnância à aproximação cultural hispânico-norteamericana. Segundo
Huntington “[...] não há sonho americano. Só existe o americano criado pela sociedade

5
“[…] is a ritual, linguistic, and performative journey across the U.S.-Mexico border”
3
angloprotestante. Os mexicano-americanos só partilharão esse sonho e essa sociedade se
sonharem em Inglês” (DOUZET, 2005, p. 37).
É contra pensamentos assim que Border Brujo protesta. O ideal de americano e a
idealização do inglês como idioma canonizado, que apenas serve para canonizar mas não
poderia ser tocado, é subvertido durante todo o texto de Gómez-Peña. Para tal efeito o autor
recorre repetidamente a um recurso estilítico e articulatório, sendo o code-switching um
aspecto visível na composição discursiva de Gómez-Peña, exercendo uma presença
constante. O texto na realiadade faz parte de uma apresentação intinerante apresentada por
Goméz-Peña na década de 90 nos Estados Unidos. Enterpretando uma espécie de Brujo
(feiticeiro), o autor desenvolve o seu discurso-poema-protesto em monólogo para uma
plateia. Ele utiliza uma língua mista que comuta códigos entre o inglês, espanhol e algumas
línguas indígenas.
No que se refere ao processo de code-switching, alguns autores costumam associar
essa concepção tanto ao fato de uma pessoa bilíngue lançar mão de transições entre duas
línguas distintas, como também às mudanças em qualquer variedade de linguística (NILEP,
2006). No entanto, o termo envolve um campo mais complexo de estudo e lida com
discussões sociolinguísticas também, considerando diversos aspectos sociais, discursivos e
contextuais, bem como as diferentes situações de uso da linguagem, alterações dialetais e as
implicações metafóricas. É interessante notar que tal processo não se refere apenas a uma
mudança de estilo por conveniência, mas abrange uma necessidade linguística de
compreensão e expressão das enunciações. Segundo Gumperz (1982), o interlocutor que
recorre ao code-switching busca maximizar as potencialidades das línguas, para melhor
transmitir significados.
Nilep (2006) define que “a alternância de linguagem pode fornecer um meio para os
falantes sinalizarem como suas declarações devem ser interpretadas – isto é, fornecendo
informações que ultrapassam o conteúdo referencial”6 (p. 9). De acordo com Cole (2011), o
conceito de alternância linguística dialoga com as trocas no nível da sentença e isso
incluiria o codeswitching intersentencial e intrasentencial. O processo intersentencial se
refere às mudanças ocorridas na alternância de línguas em sentenças diferentes. O segundo
aspecto, o codeswitching intrasentencial, se realiza nas mudanças dentro uma mesma
sentença. Nesse segundo caso, existe a permanência de uma língua como base, ou matriz,

6
“[…] language alternation may provide a means for speakers to signal how utterances are to be interpreted—
i.e. provide information beyond referential content”.
4
para a formação das sentenças, mas a variação se dá ao longo dela, sende essa variação de
nível gramatical, léxico ou prosódico. É importante notar que a existência dessa matriz não
é estática; ela apenas se reconhece como matriz na sentença em questão, podendo deixar de
ser matriz na próxima sentença (KEBEYA, 2013).
Gómez-Peña (1991) afirma desenvolver o seu discurso numa matriz chamada de
espanglês, o que implica uma troca gramatical não-padrão de inglês-espanhol e espanhol-
inglês. No entanto, espanglês não pode ser considerado como matriz, mesmo se levando em
consideração sua recorrência no texto, pois o inglês permanece predominante. É
compreensível a escolha pelo inglês como matriz, afinal Gómez-Peña está falando a uma
audiência norteamericana. A título de exemplo, em certo ponto Border Brujo diz “I speak
Spanglish therefore she speaks ingleñol”7. Ele continua repetindo a frase ao longo de
algumas passagens. Ao que parece que ele está tentando enfatizar seu poder discursivo de
falar em línguas diferentes, cruzando uma barreira concreto abstrato, onde ninguém pode
impedi-lo de fazê-lo, pois ele sabe ambas as línguas e é proficiente o suficiente para
articular suas ideias nessa mistura linguística.
O processo de mudança de idiomas em uma frase, ou seja, o fato de se de misturar
linguagens para completar uma sentença, representa mais do que apenas um processo de
proficiência bilíngue. É possivel comparar isso com alguns conceitos herdados dos Estudos
de Fronteira (GÓMEZ-PEÑA, 1993). Primieramente, esses estudos se referem a um
conjunto de discussões sociais, étnicas, culturais e históricas que remetem aos conflitos
políticas e culturais entre mexicanos e americanos durante o período pós-colonial. Além
disso, os Estudos de Fronteira expandem a compreensão de uma constituição da sociedade
multicultural, pois consideram os processos de cruzamentos e mestiçasgens entre diferentes
contextos fronteiriços como movimentos necessários para a tomada de consciência
identitária. O indivíduo nessa perspectiva é visto como parte de um processamento pós-
moderno de construção da sua própria identidade, à medida que as “fronteiras” são
constamtemente cruzadas (NIDAY & ALLENDER, 2000). Dessa forma, hoje não nos
parece mais possível falarmos de um indivíduo originário de um determidado lugar
unicamente, pois somos todos cruzados e mistamente constituídos, seja ideológica e
etnicamente.
Essa discussão proposta pelo texto de Gómez-Peña remete às discussões levantadas
por Gloria Evangelina Anzaldúa (26 de setembro de 1942-15 de maio de 2004). A autora
7
Eu falo Espanglês e ela fala inglenhol.
5
foi uma estudiosa americana que discutiu muito profundamente as questões de identidade
dos Chicanos (mexicano-norteamericanos mestiços). Seus estudos lidam com a teoria
cultural Chicana, a teoria feminista e a teoria Queer. A autora tornou-se uma autoridade no
campo dos estudos sociais especialmete pelo seu posicionamento ideológico em rejeitar
rótulos éticos pré-estabelecidos.
Anzaldúa ilustra o conceito de cruzamento de fronteiras quando ela “rejeita escolher
entre suas influências raciais e históricas ou entre se posicionar, quer como uma mexicana
ou como norteamericana”8 (HENRÍQUEZ-BETANCOR, 2012, p. 40). Ela se torna, assim,
um indivíduo duplo, uma identidade plural que já não pode pertencer a um determinado
território. Ela passa a se identificar com muitos outros aspectos provenientes de diferentes
culturas, gêneros e/ou etnias. Tais conceitos são o que constitui o que podemos chamar de
uma “identidade híbrida” (HENRÍQUEZ-BETANCOR, 2012, p. 40), que pode ser
compreendida como uma espécie de consciência fronteriça, em associação com uma
linguagem também híbrida. Tais conceitos ficam evidentes no discurso de Border Brujo nas
seguintes linhas:
ser bilingiie, bihemisferico
macizo, sereno, proto-hist6rico
ininteligible luego expedi-mental
e incompatible con usted
sr. Monochromatic
victima del melting plot (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p. 51).
Ser culturalmente híbrido é uma consequência para o personagem Border Brujo,
resultado de um processo globalizado de americanização. Sua identidade é atravessada e ele
se sente vitimado por um colonialismo histórico que reverbera até o período pós-
colonialista, onde as identidades étnicas foram esmagadas por causa de uma cultura
dominante. Ele se faz menção a esse melting pot (caldeirão) que derrete todos os
indivualismos sociais e tenta uniformizar culturas. Talvez esse pós-modernismo seja o
Senhor Monocramático, que apaga as cores da diversidade, nas palavras do autor.
No entanto, é interessante notar a que o termo usado não é exatamente pot (panela),
o qual remete às discussões sobre migração e territorialidade (O’CONNOR, 2008). O autor
brinca com o termo plot (trama). A palavra “plot” em Inglês está comumente associada a
ideia de um plano maléfico, ou armadilha. Esse recurso de codeswitching intrasentencial
confirma a necessidade de potencializar a expressão, criando uma plasticidade retórica que

8
“[…] rejects choosing between her racial and historical influences or positioning herself as either a Mexican
or North American.”
6
dialoga com a formação histórico-social de proporções econômicas e territoriais, as quais
são grandemente provocadas pela globalização. Border Brujo parece enfatizar, portanto,
que ainda não superamos o pós-colianismo afinal.
2 Identidade linguística: o indivíduo e a língua
Há muitos assuntos em discussão ao longo de todo o discurso de Border Brujo e
Gómez-Peña (1991) menciona o fato de que ele tem essa “dupla identidade”, que mais
tarde pode ser adicionada a muitas outras identidades também. Ele transforma sua persona
ao longo do texto em algo mais do que apenas uma representação de um tipo social
específico. Ele encarna um conjunto de tudo com o que ele vem entrando em contato,
explorarando e cruzando consciências e perspectivas diferentes. Du Bois (2006) chamaria
isso de “dupla consciência”, que se assemelha a um processo de identidade em construção,
não finito em si. A consciência de um indivíduo nunca estaria acabada, por assim dizer,
pois existe um processo dialético dentro do devir desse indivíduo desterritorializado.
De acordo com Deleuze & Guatarri (2010), o modelo moderno de produção tem um
impacto nas identidades dos indivíduos, considerando-os como parte de um processo de
produção ou de produção da produção (DELEUZE & GUATARRI, 2010, 30 p.). Eles são o
processo de produção de consumo na sociedade. Eles servem de alimentação e estão sendo
alimentados por essa sociedade. Este conceito compreende o indivíduo como “um sujeito
estranho, sem identidade fixa” (DELEUZE & GUATARRI, 2010, p. 30).
Como Bauman (2000) explica, os critérios (pós)modernos deixaram os limites
individuais descobertos, sem o individualismo necessário à medida que há uma ‘fusão dos
sólidos’, deixando todo o sistema de relação social e de atividades “despregado” 9 (p. 4).
Além disso, é importante destacar que consideramos o ethos social desse novo indivíduo
que atravessa fronteiras como um contínuo de conflitos com a sua própria identidade
social/histórica/cultural. Ele é derretido pelo pós-modernismo.
Por outro lado, Border Brujo parece lançar luz sobre a possibilidade de a sua
identidade ser recriada pelo seu património histórico-cultural diversificado e por suas
potencialiadades de formação, isto é, se o indivíduo estiver disposto a atravessar algumas
de suas próprias fronteiras. A partir dessas discussões, podemos concluir que essa
identidade múltipla está interdependentemente conectada à linguagem, pois “[...] a
identidade é incompleta se não for comunicada em um determinado idioma” 10

9
“[…] unstuck”.
10
“[…] identity is incomplete if it is not communicated in a given language”.
7
(ANCHIMBE, 2007, p. 12). Gómez-Peña (1991) concorda com Anchimbe (2007) quando
escreve:
Tequila Guero . . . with menthol
the new breath of old Mexico
for the contemporary warrior
who doesn't
want to give up
his language, his identity, or his . . . mmhhjj
[He then proceeds to announce a shampoo
bottle in an Indian dialect.] (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p. 55).
Border Burjo afirma ser um warrior (guerreiro) e logo em seguida ele diz não
querer desistir de sua língua. Negar uma língua significa negar uma identidade. Border
Brujo luta uma guerra identitária e sua língua é uma arma. Ele troca as línguas para
demonstrar sua herança fronteiriça, ao mesmo tempo em que está tentando dialogar com
diferentes indivíduos, sejam eles sociais ou institucionalizados. Ele está comunicando sua
determinação de não se prender ao imperialismo linguístico pós-colonial norteamericano,
Em seguida, ele lança mão de recursos intersentenciais para reforçar o papel emotivo da
língua:
I speak in English therefore I hate you
pero cuando hablo en espanol te adoro
but when I speak Spanish I adore you (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p.52).
No discurso de Boder Brujo, o imperialismo é identificado como intríseco à cultura
americana (a saber, o American Way of Life) que se impõe com base em seu conceito pós-
colonialista de domínio sobre as comunidades economicamente mais fracas. Gómez-Peña
afirma que “nossas comunidades foram fragmentadas pela distribuição assimétrica de
financiamento & espaço; todos nós sabemos disso ... & sofremos com isso”11 (1991, p. 63).
A distribuição do espaço e da definição de fronteiras são historicamente
estabelecidas com base em muitas coisas, menos a igualdade. No início do texto, o
personagem de Gómez-Peña lembra a data de 01 de janeiro 1847 – “é 01 de janeiro de 1847
& os EUA ainda não invadiram o México” 12 (p 50). Esse foi um evento importante na luta
mexicano-americana pela ocupação do território pertencente ao México e hoje parte do
território americano.
Este período é conhecido como a Batalha de Rio San Gabriel. Durante a Guerra
Mexicano-Americana, que durou cerca de dois anos, as forças norte-americanas
rapidamente ocuparam o Novo México e a Califórnia. Em seguida, eles invadiram partes do
11
“[…] our communities were fragmented by the asymmetrical distribution of funding & space we all know it
... & suffer it”.
12
“[…] it's January Ist, 1847 & the U.S. hasn't invaded Mexico yet”.
8
Nordeste e do Noroeste do México e tomaram uma ação militar que foi decisiva na luta,
mais tarde chamada de Campanha Califórnia. As consequências desta campanha
reverberaram na vitória do exército americano sobre os mexicanos e sua posterior
liquidação naquela região, sendo mais tarde ocupada pelos americanos.
Apesar desse refencial hitórico, essa divisão territorial é tomada através de uma
ótica abstrata e Border Brujo não apenas protesta contra isso, mas ele também argumenta
que não deveria existir nenhuma fronteira, nem a representação social da mesma. Nessas
fronteiras subjaz a ideia de divisão de pessoas, obviamente uma invenção discursiva de
segregação e posse, que é constantemente associada às características étnicas. À medida
que o texto de Border Brujo é escrito em espanglês, este processo de desterritorialização
linguística pinta uma metáfora em relação à noção de um devir também desterritorializado:
this is Mexico carnales13!
there is no border
we are merely divided
by the imprecision of your memory (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p. 50).
Gómez-Peña (1991) compreende que sua cultura coexiste numa constituição mista
de fronteiras. “A fronteira não está localizada em qualquer local geopolítico fixo. Eu
carrego a fronteira comigo, e eu encontro novas fronteiras onde quer que eu vá” 14 (1996, p.
5). Portanto, um indivíduo no contexto social pós-moderno mistura constantemente sua
língua em praticamente qualquer situação de interação verbal, especialmente no que tange à
linguagem digital. Com o advento da internet, novas interações multilíngues são possíveis,
proporcionando uma variada construção linguística nas interações verbais digitais.
(BARTON & LEE, 2015). Em um recente estudo com universitários japoneses bilíngues,
se percebeu como suas interações verbais em mídias digitais foram construídas numa
constante alternância entre “Inglês padrão”, “Chinês escrito padrão”, “Cantonês em
caracteres”, “Cantonês romanizado e tradução literal morfema por morfema” (BARTON &
LEE, 2015, p. 72). Isso exemplifica as possibilidades linguísticas múltiplas que esse
indivíduo tem diante de si e como ele utiliza esses recursos para romper fronteiras.
Em termos de identidade linguística, Cole (2011) explica: “Ao seguir algumas das
noções mais comumente compreendidas de code-switching, Gómez-Peña tende a usar
monolinguamente, ora o inglês, ora o espanhol, em diferentes domínios.” Ainda podemos
notar como a escolha linguística exerce uma função comunicativa no sentido de reinterar
13
Any family member by blood relation.
14
“The border is no longer located at any fixed geopolitical site. I carry the border with me, and I find new
borders wherever I go”.
9
um discurso, pois Gómez-Peña parece recorrer ao inglês para tecer sua crítica de forma
mais veemente. (COLE, 2011). A seguir, eu seleciono alguns exemplos que demonstram a
forma peculiar como Gómez-Peña caracteriza pessoas e lugares por nomes em code-
switiching. O personagem principal Border Brujo não foge à regra, tendo o seu nome
completo formando a partir de um léxico em inglês e um segundo no idioma espanhol. Isso
ajuda a demonstrar como essa hibridade de códigos gera uma metáfora que sintetiza a ideia
de idioma miscigenado.
“Amigou Country” (p. 51)
“Mexico City ñero” (p. 51)
“weapons maestro” (p. 53)
“computer pirata” (p. 54)
“Mexico City urban mestizo” (p. 57)
“intelligent migra” (p. 57)
“deterritorialized ‘chilango’” (p. 58)
“fleshy señoritas” (p. 58)
“Chicano compadre” (p. 63)
Alguns desses nomes – por exemplo, mestiço urbano da Cidade do México/nero da
Cidade do México – representam o que Gómez-Peña afirma que Border Brujo incorpora
durante sua performânce (ao todo 15 personagens diferentes). Podemos compreeder o uso
desses nomes em espanglês/ingleñol como uma representação de um indivíduo que
atravessa fronteiras morfossintáticas, que está se desdobrando em diferentes consciências e
lidando com a sua própria transformação cultural na fronteira de uma sociedade limitada.
Ao discutir as questões de identidade dos afro-americanos, Du Bois (2006) aborda a
questão psicológica de uma pessoa de dupla herança que experimenta viver em um espaço
culturamente duplo, onde o conceito de território torna-se mais complexo e tênue.
É esta dupla consciência, esta sensação de sempre olhar para si mesmo
através dos olhos dos outros, de medir a alma com a trena de um mundo, o
qual olha com divertido desprezo e piedade. O indivíduo sempre sente a
sua dualidade – um americano, um negro; duas almas, dois pensamentos,
dois esforços inconciliáveis; dois ideais em guerra em um só corpo
escuro, cuja força tenaz apenas o impede de se dilacerar (p. 9).
É possivel estabelecermos uma relação entre o conceito de alteridade de Du Bois
(2006) com as discussões de Bakhtin (1984), principalmente porque ambos investigam o
processo dialético da consciência interdependente. Evidentemente Bakhtin (1984) elabora
sua discussão através de estudos literários, principalmente nas suas pesquisas sobre o
romance e a perspectiva do personagem em relação ao dialogismo construído pelo autor. O
dialogismo de Bakhtin é o estabelecimento de uma relação polivalente, na qual tanto o

10
autor como o personagem coexistem em um continuum, isto é, suas vozes e suas
consciências dialogam e são autênticas em si mesmas.
Esse conceito literário de Bakhtin (1984) nasce da sua filosofia da linguagem de
abordagem pautada no materialismo dialético e centra-se no aspecto discursivo da interação
linguística humana. Para o autor, o socialismo de Marx seria a completude de uma
sociedade dialógica, que respeita a diversidade e o individualismo, e que ao mesmo tempo
agrega os opostos. Para Bakhtin, seria num contexto social assim onde ele encontraria a
expressão mais bem desenvolvida de como a pluralidade de vozes pode coexistir. Cada
palavra deveria ser enunciada a partir um sujeito posicionado e consciente na sociedade. As
consciências existiriam em formação de horizontalidade, no sentido de que cada uma tem o
seu lugar e não se sobreporia às outras.
De acordo com Marx, o materialismo histórico e dialético refere-se a uma teoria
filosófica que compreende a realidade através da atividade humana com a matéria. Ele
também interpreta o desenvolvimento histórico como sendo um processo de conflitos de
teses que mudam essa realidade. Isso quer dizer que a linguagem altera os avanços
históricos e muda o entendimento da realidade a posteriori (IGLESIAS, 2014). De acordo
com essas perspectivas dialéticas, a história seria um resultado do conflito de teses e
antíteses. A partir desta sucessão de argumentos e contra-argumentos, a sociedade
desenvolve a sua historicidade através de um processo de “síntese” (IGLESIAS, 2014, p.
1).
É essa consiência conflituosa e dialética que interessa a Border Brujo. Du Bois
(2006) ainda considera uma espécie de dupla epistemologia (FOUCAULT, 2002) existente
na consciência de um indivíduo que atravessou fronteiras na construção de sua própria
cosmogonia. Perspectivas distintas são combinadas para gerar um novo ponto de vista
(teses e antíteses). O indivíduo pós-moderno compreende seu papel como duplamente
pertencente a uma cultura local e mundial e aprende a respeitar a polifonia social
(BAKHTIN, 1984).
Gómez-Peña continua:
I can turn your pesos into dollars
your "coke" into flour
your dreams into nightmares
your penis into a clitoris
you name it Califa
if your name is Guillermo Gómez-Pena
I can turn it into Guermo Comes Penis
11
or Bill "the multi-media beaner"
or even better, Indocumentado #00281431
because here Spanish becomes English ipso facto
& life becomes art with the same speed
that mambo becomes jazz
tostadas become pizza
machos become transvestites
& brujos become performance artists (1991, p. 52)
Nesta passagem, Border Brujo descreve sua capacidade de transformar coisas. Essa
capacidade “mágica” dialoga com o poder da propaganda e do comércio (Eu posso virar
pesos para dólares/seu “coke” em farinha). O poder econômico e a necessidade de consumo
numa sociedade marcada pelos bens de consumo são metódos eficazes na colonização da
consciência. Border Brujo reafirma seu poder de fazer o inverso; de capturar os símbolos
da cultura americana e transformá-los em representações culturais pessoais. Mais uma vez,
essa capacidade é demonstrada através de poderes sócio-discursivos das palavras (porque
aqui Espanhol torna-se Inglês torna-se ipso facto).
Desse modo, sua cosmogonia sem fronteiras tem o poder de representar as coisas
através de múltiplas perspectivas. Ele não é limitado em um único discurso. Seu discurso
interpreta a possibilidade de transvestir discursos através de seu multilinguismo (seus
sonhos em pesadelos/seu pênis em clítoris). Tudo isso é potencializado e metaforicamente
caracterizado por essa nova linguagem hibridamente construída.
3 Considerações finais
Obviamente, o texto Border Brujo é um protesto. É um protesto linguístico. Sua
raiva é marcada pela força discursiva do seu léxico misto. Como um indivíduo sem
fronteiras, Border Brujo nos convida para a discussão, para o diálogo. “Vamos dialogar”,
ele diz repetidamente ao longo do texto. Todo mundo está atravessando fronteiras e está
igualmente desterritorializado. Todos devem pensar na relevância social de ser multi-
consciente. Espanglês e ingleñol estão presentes em toda a performance de Border Brujo e
caracteriza uma representação literária de uma sociedade Latina pós-moderna e pós-
colonial.
A relação América-México poderia facilmente ser expandida para outras fronteiras
étnicas, culturais, históricas e sociais. Tais fronteiras estão em toda parte, especialmente em
nossa era digital, quando as barreiras físicas ja não fazem mais sentido e os ideais estão em
constante transformação. Nosso esforço deve ser o de compreender tais divisões e falar

12
sobre elas, sem medo de cruzá-las, se necessário. Cole (2001) admite que “a exclusão não
permitiria que ninguém entendesse sua posição política [de Gómez-Peña]”15 (p. 88).
A exclusão é um sintoma de sociedade pós-moderna. Nossa identidade linguística
não “permite a exclusão linguística que força todos [...] a se tornarem forasteiros” 16 (COLE,
2006, p. 89). As fronteiras existem para conter as pessoas, deixando os outros de fora das
suas cercas, como párias. Border Brujo demonstra que a língua pode nos transformar em
uma sociedade mais interdependente, falando sobre nossos problemas e compartilhamento
nossos mundos. Pensar nessas questões é fundametal, especialmente em tempos de crise
mudial de migração com os quais nos confrontamos. Aceitar que somos todos parte de uma
mesma fronteira, por assim dizer, nos ajuda a ter mais empatia e menos segregação para
com os que necessitam.
Referências

ANCHIMBE, E. A. Multilingualism, Postcolonialism, and Linguistic Identity: Towards a


New Vision of Postcolonial Spaces. New Castle: Cambridge Scholars Publishing, 1-23.
2007. Disponível em: http://anchimbe.webs.com/TOC%20Anchimbe%202007%20ed.pdf

ANZALDÚA, G. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Aunt Lute
Book Company, 1987.

BAKHTIN, M. M. Problems of Dostoievski’s Poetics. Tradução Caryl Emmerson.


Minneapolis: University of Minnesota Press, 1984. Available at:
<http://www.mohamedrabeea.com/books/book1_7956.pdf>

BARTON, D.; LEE, C. Linguagem Online – textos e práticas digitais. Tradução Milton
Camargo Mota. 1 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.

BAUMAN, Z. Liquid Modernity. Cambridge: Polity, 2000.

COLE, D. A Linguistic journey to the border. Northeastern Illinois University. Apples –


Journal of Applied Language Studies. Vol. 5, 1. 2011. pp 77–92.

DELEUZE, G.; GUATARRI, F. O Antiédipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1. (L. B. L.


Orlandi, Trans.) São Paulo: Editora 34, 2010. Disponível em:
http://copyfight.me/Acervo/livros/DELEUZE,%20Gilles%3B%20GUATTARI,%20Fe
%CC%81lix.%20O%20Anti-E%CC%81dipo%20%2834%29.pdf

DOUZET, F. O pesadelo hispânico de Samuel Huntington. In LACOSTE, Yves (Org.). A


Geopolítica do Inglês. São Paulo: Parábola, 2005. pp 33-55.

15
“[…] exclusion would not allow anyone to understand his [Gómez-Peña’s] political position”.
16
“[…] allow the linguistic exclusion that forces everyone […] to become the outsider”.
13
DU BOIS, W. E. B. The Souls of the Black Folks. An Electronic Classics Series
Publication. Hazleton: PSU-Hazleton, 2006. Disponível em:
http://www2.hn.psu.edu/faculty/jmanis/webdubois/duboissoulsblackfolk6x9.pdf

FOUCAULT, M. The Order of Things: An Archaeology of the Human Sciences. London:


Routledge, 2002.

GUMPERZ, John. Discourse strategies. Cambridge, UK: Cambridge University Press,


1982.

GÓMEZ-PEÑA, G. Border Brujo: A Performance Poem. The MIT Press, Vol. 35, No. 3.
1991 pp. 48-66. Disponível em http://www.jstor.org/discover/10.2307/1146131?
sid=21105718457973&uid=3737664&uid=2&uid=4

______. Warrior for Gringostroika. Saint Paul, MI: Graywolf Press, 1993.

______. The New World Border: Prophecies, Poems, and Loqueras for the End of the
Century. San Francisco: City Light Books, 1996.

HENRÍQUEZ-BETANCOR, M. Anzaldúa and ‘the new mestiza’: A Chicana dives into


collective identity. Language Value 4, number 2. 2012. pp. 38-55. Disponível em:
http://www.languagevalue.uji.es/index.php/languagevalue/article/download/73/65

IGLESIAS, E. Dialectical Materialism and Economic Determinism: freedom of the will


and the interpretation of behavior. In: Athene Noctua: Undergraduate Philosophy Journal
Issue No. 2. pp. 1-3. 2014.

KEBEYA. H. Inter- and Intra-Sentential Switching: Are they really Comparable? In:
International Journal of Humanities and Social Science Vol. 3 No. 5; Março, 2013. pp. 225-
233. Disponível em: http://www.ijhssnet.com/journals/Vol_3_No_5_March_2013/22.pdf

NIDAY, D.; ALLENDER, D. Standing on the Border: Issues of Identity and Border
Crossings in Young Adult Literature. The Alan Review, Volume 27, Number 2. 2000. pp
60-63. http://scholar.lib.vt.edu/ejournals/ALAN/winter00/niday.html

NILEP, C. “Code Switching” in Sociocultural Linguistics. Colorado Research in


Linguistics. Vol. 19. 2006. pp. 1-22. Boulder: University of Colorado. Disponível em:
http://www.colorado.edu/ling/CRIL/Volume19_Issue1/paper_NILEP.pdf?q=sociocultural

O’CONNOR, J. V. Resisting the melting pot through ethnic newspapers: History and
function of the "Irish Echo". 2008. Tese [Dissertação de Doutorado]. Departamento de Pós-
Graduação em Filosofia. Philadelphia: Temple University, 2008, pp. 293.

14

Você também pode gostar