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SEMIÓTICA DISCURSIVA E ENSINO:

EDUCAÇÃO COMO DESAFIO


POLÍTICO E SOCIAL
ENTREVISTA COM JACQUES
FONTANILLE1

Por Luiza Helena Oliveira da Silva - UFNT


luiza.to@uft.edu.br

Naiane Vieira dos Reis - IFMA


naiane.vieira@uft.edu.br
Tradução e Notas: Gustavo Henrique Rodrigues Castro - Unesp
g.castro@unesp.br
e Matheus Nogueira Schwartzmann - Unesp
matheus.schwartzmann@unesp.br

No Brasil, tivemos recentemente um maior interesse pela semiótica no domínio


do ensino, muito provavelmente em razão de proposições sobre uma “análise semiótica”,
concebida de maneira bastante imprecisa — algo que a distinguiria de uma “análise
linguística” —, evocada com insistência no documento que normaliza o ensino da língua
e da literatura, o BNCC – Base Nacional Curricular Comum (BRASIL, 2018). Nesse
documento, a palavra semiótica e suas derivações são citadas 102 vezes. Então, aproveitamos
esse momento privilegiado para explorar mais de perto as contribuições da teoria Semiótica
ao ensino e à aprendizagem.
ASEL - Como você estava à frente das publicações em torno da semiótica didática,
poderia nos falar sobre o que era proposto, inicialmente, pelos semioticistas que
trabalharam ao lado de Greimas nos anos 1970 e 1980, no que concerne às suas
contribuições no campo pedagógico?

Jacques Fontanille – Nessa época, a semiótica estrutural se debruçava sobre a


teoria das modalidades, bem como sobre as diferentes fases do esquema narrativo canônico,
especialmente as fases inicial e final (teoria da manipulação, teoria da sanção), que poderiam
ser reconsideradas graças à análise modal. A Semiótica do discurso didático tinha então
como horizonte essa exploração modal das fases da manipulação, da ação e da sanção.
Como a Semiótica das paixões também era emergente, a partir da teoria das modalidades, o
discurso didático também poderia ser objeto da análise das paixões (o que era a proposição
de Fabbri no Bulletin consagrado à didática, em 1979).
Mas havia paralelamente na França uma produção muito forte de manuais de
semiótica (os de Courtés, de Hénault e do Groupe d’Entrevernes), consequentemente
nós assistíamos à emergência de uma didática da semiótica. Não se tratava, apenas, de
formar e de conduzir novos semioticistas, pois, além dessa dimensão institucional da

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aprendizagem de uma teoria e de uma metodologia disciplinares, era preciso assegurar
também a compreensão dos trabalhos de pesquisa semiótica junto aos novos públicos: é
assim que em 1990, em seu livro Sémiotique, marketing et communication, Floch julgou
útil inserir um último capítulo “didático” para fornecer aos seus leitores, oriundos do
mundo da comunicação e do marketing, alguns elementos de compreensão. Mas somente
recentemente, vinte anos mais tarde, provei eu mesmo do desejo de acrescentar a meu livro
Formes de vie (FONTANILLE, 2015) um glossário substancial para orientar os leitores
em seus esforços: tipicamente, isso também é um “motivo” do discurso didático.
De fato, houve pouquíssimas interações ou mesmo intersecções entre essas duas
maneiras semióticas de abordar a didática: a análise semiótica do discurso didático não
influenciou a maneira como fazíamos didática para transmitir a semiótica. Um exemplo,
para ser mais concreto: Hammad fez uma análise da topologia didática do seminário de
Greimas2, que pouco chegou, no meu conhecimento, a consequências observáveis na
organização e no funcionamento do seminário. Durante longos anos, a didática da semiótica
repousou (1) sobre a apresentação sintética e simplificada de conjuntos conceituais da
semiótica greimasiana, fundando-se sobre a organização proposta pelo Dicionário de
Greimas e Courtés, a saber o Percurso Gerativo do Sentido, e (2) sobre exemplos de
análises concretas, com cuja apresentação metódica se supunha ensinar os leitores a fazer
em seguida, sem dúvida por imitação, suas próprias análises semióticas. Paralelamente,
as pesquisas sobre o discurso didático (1979, 1984 e 1987) propunham pistas de reflexão
muito mais diversas, originais e estratégias bem menos convencionais que aquelas adotadas
pelos didaticistas da semiótica!
Foi preciso esperar os anos 2000 para ver surgir, na França, um novo tipo de
manual, que não resultasse de uma aplicação direta e estereotipada desses dois princípios
mencionados. Um deles, o Caminhos de Semiótica Literária, de Denis Bertrand, certamente
se refere ao Percurso Gerativo do Sentido, mas para assumir certa distância em seu ponto
de vista, e sobretudo para propor um outro percurso, um verdadeiro percurso didático
constituído de “blocos” problemáticos e conceituais próprios ao domínio de interesse de
seus leitores, a literatura. Por outro lado, seu livro comporta estudos concretos de textos
literários, que não são ilustrações de “blocos” de conceitos e que desenvolvem, em último
plano, um discurso segundo sobre a literatura, sobre a concepção de literatura que Denis
Bertrand deseja compartilhar com seus leitores, e essa concepção é um projeto didático que
não aplica os conceitos semióticos de base. Nesse sentido, fiz recentemente uma análise
dessa estratégia didática de Bertrand, comparando-a aos manuais precedentes em “Denis
Bertrand didatician: la sémiotique en partage. Quelle stratégie didactique pour transmettre
la pratique sémiotique?”, contribuição minha às homenagens que lhe foram feitas na obra
coletiva Sens à l’horizon! Hommage à Denis Bertrand.
No mesmo período, publiquei eu mesmo um “manual” bastante diferente, Semiótica
do discurso, cuja construção não repousava, de forma alguma, sobre o Percurso Gerativo do
Sentido, mas, como o de Floch, sobre uma série de “blocos” conceituais para os quais me
parecia que os estudantes e os jovens pesquisadores da época teriam necessidade de uma

2. N.T.: Trata-se do artigo Espaces didactiques: analyse et conception, publicado no Bulletin de 1979 do número 42 da
Actes Sémiotiques organizado por Manar Hammad (HAMMAD, 1979b).

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reatualização. Além disso, esse manual não contém nenhum estudo detalhado concreto,
apenas exemplos para fins de ilustração da proposta teórica e metodológica.
Do lado da semiótica do discurso didático, a tentativa de Greimas e de seu grupo de
então, impulsionada pelo número 7 do Bulletin (HAMMAD, 1979a) e pelo número 42 da
Actes Sémiotiques (VINCENSINI, 1987), ambos consagrados a esse assunto, permaneceu
quase sem desenvolvimento posterior, apesar da realização de um ateliê permanente durante
vários anos. Nessa época, no começo dos anos de 1980, produzi e publiquei um pequeno
número de estudos sobre os discursos didáticos e um deles foi a respeito de um córpus
gravado em sessões de aula, em salas escolares, mas Greimas me encorajou a me dedicar
a assuntos “mais ambiciosos” para preparar minha tese de doutorado. De fato, o “discurso
didático” não chegou jamais a beneficiar um conjunto de pesquisas suficientes sobre córpus
para se tornar um domínio coerente da semiótica em geral. E no que me cabe, respondendo
agora à questão, me interessei de novo pelo discurso didático apenas trinta anos mais tarde!
Poderíamos considerar que a necessidade de uma didática para a transmissão da
semiótica dificultou o desenvolvimento de uma semiótica do discurso e das práticas didáticas,
mobilizando as competências e as energias em proveito da primeira e em detrimento
da segunda. Em 1984 tentei relançar o assunto, associando as duas orientações em um
número da revista Langue Française intitulado “Sémiotique et enseignement du français”
(FONTANILLE, 1984), mas esse reavivamento também não ocorreu.
Mas a meu ver, o objetivo era estimulante: tratava-se de escapar da tentação de aplicar
modelos semióticos aos objetos do ensino e, mais ainda, de escapar do ensino da semiótica
por si mesmo, de forma que a via utilizada por todos os contribuintes foi a das intervenções
semióticas sobre as práticas pedagógicas, em classe, seminário ou terapia. No ensino do
francês, quais são as práticas escolares empregadas? Como a semiótica pode ajudar a melhor
compreendê-las ou mesmo transformá-las? Podemos entender isso mais claramente hoje:
não se trata nem de uma didática da semiótica, nem de uma análise semiótica do discurso
didático, mas precisamente das diversas modalidades de intervenção da semiótica nas
práticas didáticas. Essa terceira via está no cerne da entrevista com Greimas que conclui
o volume; mas quando a relemos hoje, vê-se claramente que o entrevistador (eu mesmo)
insiste sistematicamente sobre as modalidades dessa terceira via, e que Greimas não está
confortável com o assunto. Disso resta ao menos uma denominação possível para essa
terceira via que ele propõe, no curso da entrevista, como sendo aquela de uma semiótica
didática. Infelizmente, essa denominação é em si bastante ambígua, aparentemente simples,
mas pouco cômoda e, portanto dificilmente utilizável, pois ela pode designar tanto uma
das duas primeiras vias quanto a terceira, ou mesmo o conjunto das três ao mesmo tempo!
Até onde eu saiba, a situação é a mesma na Itália: vários manuais, muitos esforços
em didatizar a semiótica, mas pouquíssimas pesquisas sobre o discurso didático. No Brasil
a situação é diferente, pois pesquisas substanciais (Portela, Pessoa de Barros e outros)3
foram conduzidas sobre os manuais de linguística e de semiótica: não sei se podemos falar
da existência de uma “semiótica do discurso didático brasileira”, mas há, ao menos, uma
corrente de estudos bem identificados que se interessam pelas estratégias didáticas dos
manuais de semiótica.

3. N.T.: Cf. por exemplo, Portela (2019; 2008; 2003); Barros (2019; 2004) e Barros, Teixeira e Lima (2019).

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ASEL - Greimas disse que a “semiótica didática, se porventura se se concretizasse,
seria essencialmente uma maiêutica” (1979, p. 8). Você pode falar sobre essa
formulação? Por que a semiótica didática seria maiêutica?

Jacques Fontanille – Essa sugestão de Greimas é difícil de interpretar, pois ela é a


última frase da entrevista, completamente dissociada dos desenvolvimentos que precedem sua
introdução, no número do Bulletin de 1979. Relendo essa introdução, percebe-se que todo o
desenvolvimento é consagrado aos conjuntos conceituais que Greimas propõe mobilizar para
descrever o discurso didático, e que a última frase parece escapar a esse desenvolvimento
como uma espécie de intuição, que deveria provocar outros desenvolvimentos sobre
outras dimensões. Sem buscar concluir o desenvolvimento introdutório, poderia assumir
prontamente a hipótese de que essa evocação da maiêutica é uma confissão: a da prática
didática à qual Greimas dava mais valor no contexto ideológico do final dos anos de 1970,
e essa preferência se acomoda mal no edifício conceitual da semiótica narrativa daquela
época. De certa maneira, essa confissão mobiliza também a “terceira via” (cf. supra), da
intervenção da semiótica nas práticas didáticas.
Se a semiótica didática deve ser uma arte de dar à luz as mentes, de lhes ajudar a
identificar e a exprimir seus conhecimentos (uma maiêutica), a questão se coloca no lugar
da extensão e do perímetro dos conhecimentos em questão. Com efeito, essa concepção
pressupõe que a semiótica não contém conhecimentos próprios e que deveriam ser ensinados,
ou ainda, que se ela os comporta, eles não fazem parte dos conhecimentos pertinentes para
uma semiótica didática interessada pela população em geral, e não apenas pelo círculo
estreito de aprendizes semioticistas. Essa posição parece inclusive racional: os ensinamentos
escolares que tratam dos aspectos da semiótica em si, dificilmente são sustentáveis a longo
prazo: as poucas tentativas de “ensinar” os actantes, o quadrado semiótico, a enunciação
ou o esquema narrativo canônico restaram marginais ou pontuais, em geral efêmeras, pois
raramente resistem às reformas periódicas dos programas de ensino, por uma razão que
parece evidente: a semiótica não constitui plenamente uma disciplina de ensino escolar.
Portanto, seria preciso supor que a semiótica didática permite dar à luz a conhecimentos
pertencentes a outros domínios, a verdadeiras disciplinas de ensino: a literatura, a geografia
ou a matemática, dentre outras tantas possíveis. Nesse caso, o que a maiêutica atualiza são
formas significantes desses diferentes tipos de conhecimento: por exemplo, a organização
dos níveis da fala em um texto literário, os efeitos de sentido de uma topografia urbana ou
paisagística, ou mesmo a estrutura narrativa de um problema de matemática. Como disse
Greimas na entrevista publicada no número da Langue Française (cf. supra) (GREIMAS;
FONTANILLE, 1984), a semiótica é portanto um adjuvante: sua intervenção consiste em
reconfigurar ou em influenciar um exercício próprio a esta ou àquela disciplina (explicação
ou comentário de textos, resolução de um problema matemático, leitura de cartas ou de
fotografias etc.) para fazer advir à mente do aluno essas “formas significantes” emergentes.
Não se trata então de fazer reconhecer e denominar, por exemplo, tal papel actancial, mas
de ajudar a perceber nesse exercício a existência, a eficiência e as propriedades, de maneira
a completar a tarefa atribuída pela prática pedagógica: por exemplo, um aluno não precisa
fazer uma análise semiótica de um problema matemático, mas ele precisa construir para

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si uma imagem precisa do cenário e dos papéis sobre os quais o problema se funda para
então resolvê-lo.
Assim, tenho a hipótese de que a semiótica didática, concebida como uma maiêutica,
corresponderia a essa “terceira via” que evoquei linhas antes: uma semiótica que não se
preocupa nem com sua própria transmissão, nem com a análise do discurso didático, mas
que se esforça para intervir na prática pedagógica e modificar ou reconfigurar as situações
e os exercícios que ela propõe.
ASEL - As primeiras reflexões sobre a semiótica didática, que se iniciaram com
as primeiras edições do Bulletin (1979), da Actes Sémiotiques (1987) e da Langue
Française (1984) teriam formulações e princípios comuns? Quais caminhos essas
publicações teriam indicado?

Jacques Fontanille – Eu já antecipei as respostas a essas questões, então vou


recapitulá-las rapidamente. O número do Bulletin de 1979 era puramente exploratório: era
preciso realizar um inventário de pesquisas e pistas de trabalho existentes ou imagináveis
para lançar um novo ateliê, cujo nascimento é evocado em uma curta página desse número.
Nessa perspectiva, Greimas traçou o quadro conceitual que poderia ser mobilizado em
proveito da análise do discurso didático; Fabbri fez um inventário das problemáticas e
dificuldades a tratar e os outros contribuintes mencionaram brevemente alguns temas de
pesquisa possíveis (as estratégias discursivas, a arquitetura dos espaços pedagógicos, a
topologia dos espaços de interação, a terapia). A orientação dominante foi a da teoria das
modalidades (competência modal e competência semântica; existência modal e existência
semântica), à qual se somaram a da manipulação (estratégias, táticas etc.).
O número da Actes Sémiotiques (1987), dirigido por Jean-Jacques Vincensini,
aborda diretamente dois aspectos essenciais da semiótica didática: (1) a especificidade
semiótica e antropológica — a matriz fundamental — da troca didático-pedagógica que
a diferencia de todas as outras (um regime geral de transações, em que a relação didática
entre professor, aluno e saber se organiza globalmente como uma “doação participativa”);
(2) a maneira por meio da qual podemos controlar, planejar ou ajustar uma intervenção
de natureza semiótica sobre um exercício escolar como a análise do diálogo em um texto
(graças a uma teoria da enunciação) ou o comentário do texto tal qual foi previsto pelo
exame do baccalauréat de então (combinando uma análise lexicossemântica e uma análise
semionarrativa). Esse é visivelmente o fruto dos trabalhos do ateliê de semiótica didática.
O número da Langue Française (VISCENCINI, 1987) é para mim o momento
em que se constitui uma nova via para a semiótica didática, que vai tratar das práticas
de construção, de transmissão e de apropriação dos saberes didáticos. O conjunto do
percurso evocado precedentemente e as contribuições à Semiótica e ao ensino do francês,
em particular, mostram em suma que a “terceira via” em questão só pode se desenvolver se
as duas outras forem igualmente mobilizadas, ao menos como pré-requisitos da abordagem
“maiêutica”: de um lado, a reconfiguração didática dos saberes e do saber-fazer semióticos
é uma condição prévia de sua mobilização nas intervenções sobre as práticas e, de outro,
só se pode intervir com discernimento sobre as práticas se já se tem ao mesmo tempo um
conhecimento preciso disponível.

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ASEL - Eric Landowski publicou no Brasil a tradução de uma conferência
apresentada na Letônia, sobre os regimes de sentido e as formas de educação. Nesse
trabalho, ele articula sua proposta de regimes interacionais com concepções de
ensino/aprendizagem e com as dinâmicas que se estabelecem no contexto da sala de
aula. Além desse trabalho de Landowski, há semioticistas que se interessam ainda
pela didática hoje?

Jacques Fontanille – Essa contribuição de Landowski, que conheço desde sua


origem, foi elaborada na perspectiva de uma iniciativa que tomei em 2015, a organização
de um colóquio sobre como a semiótica poderia participar da resposta aos grandes desafios
sociais do nosso tempo. Várias temáticas, vários desafios foram previstos: a educação foi
um deles, como a saúde, o meio-ambiente, a comunicação digital, o patrimônio cultural e
a gestão dos comportamentos coletivos e individuais. Sobre o tema do desafio educativo,
Landowski (2015) apresentou em novembro daquele ano seu estudo e sua tipologia dos
diferentes regimes de interações educativas, que sem dúvida retomou em outras ocasiões,
inclusive na Letônia, esquecendo talvez a origem limusina.
Mas, na origem — pois não sei o que esse estudo apresentado em Limoges se
tornou em seguida, não conheço a versão em português mais recente —, esse estudo não
era especificamente uma contribuição à semiótica didática, na verdade ele era desejável
e previsto por ampliar consideravelmente a perspectiva na direção de uma abordagem
semiótica dos grandes regimes educativos suscetíveis de ajudar a superar um desafio
mundial, o da educação de todas as populações em falta nesse quesito.
Em 2015, o estudo de Landowski operou uma especificação graças a duas
reduções que lhe permitiriam permanecer no domínio de pertinência dos modelos que
havia desenvolvido e retomá-los nessa ocasião. Primeira redução: todos os aspectos, aí
compreendidos o estatuto dos saberes a se transmitir e/ou compartilhar, são apreendidos do
ponto de vista dos regimes de interação. É a opção geral da semiótica tal como Landowski
a concebe. Ela se aplica sem esforço a um domínio que, com efeito, somente se manifesta
por interações práticas, mas deixa na sombra, dentre outros aspectos, a dimensão semântica
do modo como os saberes didáticos são construídos, manipulados e transmitidos, isto é, o
que mais habitualmente chamamos de “conteúdos cognitivos”. Esse ponto provavelmente
resulta de um mal-entendido ou de um deslocamento discretíssimo entre o objetivo visado,
a educação, e o objeto tratado, a didática e as interações “em sala de aula”, isto é, os
regimes de sentido das situações pedagógicas. Nesse contexto da educação, a questão
das interações é central e a dos conteúdos dos saberes, bastante secundária. Landowski
mobiliza nesse caso, um modelo actancial estabelecido em 2009 em “Avoir prise, donner
prise” (Actes Sémiotiques n. 112, 2009), no qual, em torno da noção fecunda de “ligação”
(o equivalente interacional da noção narrativa de “junção”), ele distinguia e articulava
o operator, o operans e o operandum, noções que fornecem depois a transposição para
educação: educator, educans e educandum. Mas, na tensão entre a ambição e o desafio
educativos e a análise de regimes pedagógicos, uma espécie de hibridização se produz,
que não permite ao autor se consagrar inteiramente seja à educação seja à didática escolar.

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Segunda redução: o conjunto da abordagem se funda sobre as variações da relação
com o Mestre e, mais precisamente, as variações do “respeito” e do “desrespeito” para com
o ele e aquilo que tem a transmitir e revelar; certamente, essa dimensão é uma componente
essencial do que Greimas chamava de “otimização” (positiva ou negativa) do discurso
didático, mais vemos claramente que ela se refere apenas a uma faceta da didática, não
às outras, e não à educação, que não comporta necessariamente Mestres. Além disso,
poderíamos muito bem nos interessar pelo respeito ou pelo desrespeito do professor por
seus alunos, o que é totalmente diferente de se interessar pelo respeito ou desrespeito em
relação ao Mestre e aos Saberes. Isso traz consequências drásticas sobre a relação com os
saberes escolares, e por transposição para a vida adulta, com todos os saberes instituídos.
Evidentemente, há outras dimensões do respeito ou da impertinência que produzem outras
paixões didáticas, por exemplo a indiferença (ou a apatia) por este ou aquele tipo de saber, o
desprazer (ou o prazer) de aprender e compreender, o ódio (ou o amor) proporcionados pelos
conhecimentos controlados pela “elite”. Disso resulta que seu estudo foi uma contribuição
importante à semiótica didática, circunscrita à questão da pertinência e da impertinência
nas interações próprias às situações pedagógicas.
Além disso, mesmo sem o apresentar ostensivamente na sua proposta geral
e no seu título, em 2017 Landowski se dedicou a uma notável análise dos efeitos da
didática sobre a semiótica e, mais geralmente, sobre as diferentes maneiras de conservar
a aprendizagem semiótica, no artigo em homenagem a Greimas, escrito pela ocasião do
centenário de seu nascimento: “Interactions (socio-)sémiotiques” (Actes Sémiotiques,
n°120, 2017). Na primeira parte dessa homenagem, ele analisa e defende a complexidade
do pensamento greimasiano, a coabitação entre vias diferentes, dificilmente compatíveis
às vezes, e até mesmo contraditórias, mais ou menos visíveis e institucionalizadas. Diante
dessa complexidade, Landowski mostra que a publicação da semiótica de Greimas pela
maior parte de seus discípulos foi, essencialmente, de natureza didática, não apenas em
uma perspectiva de ensino, em diferentes situações pedagógicas, mas no seio de uma
reprodução cada vez mais fixa, restrita e redundante do discurso greimasiano “standard”:
a didática, nesse caso, não é um componente de uma situação de ensino, mas uma espécie
de processo discursivo de conformação, que substitui o discurso semiótico científico. No
lugar de simplificar, diz Landowski, essa didatização contribuiu ao mesmo tempo para
reduzir o campo do pensamento greimasiano, enrijecer o conjunto conceitual adotado e
comprometer a longo prazo a recepção e a compreensão públicas do discurso semiótico.
Nesse caso, mesmo sob o título de “Interações”, a análise da prática didática (e não
pedagógica) incide sobre a dimensão semântica dos saberes propostos, no caso, sobre as
distorções semânticas impostas aos conteúdos.
Se no lugar de responder à questão menciono esses vários trabalhos de Landowski
que vocês já conhecem, é porque evidentemente não tenho uma grande resposta a dar: não
conheço atualmente semioticistas que se dedicam à semiótica didática. Quando consultamos,
por exemplo, a indexação nocional da revista Actes Sémiotiques, que percorre mais de uma
dezena de anos, “didático(a)” não aparece, o que significa que não foi escolhida como
palavra-chave por nenhum dos autores dos artigos publicados!

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ASEL - Uma semiótica didática pode fornecer algo para além dos fundamentos de
uma pedagogia da leitura de textos?

Jacques Fontanille – Penso que tenho insistido nesse ponto desde o começo desta
entrevista. A semiótica didática não se resume à pedagogia de leitura dos textos: elas se
confundiram, entretanto, no início dos anos de 1970 do século passado, mas por motivos que
decorrem da posição então dominante do estruturalismo: todas as ciências humanas e sociais
“estruturalistas” pretendiam reformar em profundidade, ao mesmo tempo, os conteúdos
dos programas pedagógicos e as maneiras de transmiti-los: a “matemática moderna” (a
teoria dos conjuntos), a linguística estrutural e gerativa, a histórica “sincrônica”, a análise
estrutural dos textos se tonariam a bandeira das vanguardas pedagógicas.
Como já indiquei precisamente, a semiótica didática é também a reflexão sobre as
situações pedagógicas, sobre a conformação dos conhecimentos disponíveis em “saberes
didáticos” e especialmente sobre um projeto ao mesmo tempo social, educativo e político
de intervenção nas e sobre as práticas didáticas. Vou tentar desdobrar aqui o conjunto
dessas dimensões, sem as hierarquizar, explorando a composição que já propus em Práticas
Semióticas para a “cena prática” (ou, no meu jargão pessoal, a “cena predicativa das
práticas”). Essa cena prática é constituída ao menos de quatro instâncias: no centro, de
modo bastante evidente, está o predicado organizador, o “ato”; e em torno dele, os actantes:
(i) operador, o praticante, (ii) o objetivo visado (iii) o Outro no horizonte, sobretudo os
outros praticantes, as outras práticas e seus agenciamentos estratégicos. O resultado é uma
composição em que seis relações são possíveis entre as quatro instâncias:

Para a semiótica didática:


• O ato é aquele da enunciação do discurso didático e/ou da realização da prática
didática;
• O actante operador é o didaticista;
• O objetivo é a transformação (aprendizagem, desenvolvimento, competência
etc.) do aluno;

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• O Outro e o horizonte estratégico é tudo o que, do exterior do campo didático,
interage com a cena didática, em particular tudo o que, dentro ou em torno do
aluno, se relaciona com outras práticas, outros interesses, de seu passado e de
seu futuro. O horizonte é ao mesmo tempo cultural, profissional, aquele da
vida futura do aluno.
As seis relações correspondem às diferentes dimensões de uma semiótica didática
“ideal” e completa:

1. A relação entre o operador e seu ato é principalmente caracterizada pelas


competências, os engajamentos axiológicos, as paixões que o didaticista investe
em seu ato. Tudo o que se relaciona com as “artimanhas do ofício” (...de
pedagogo), com a “arte de educar” (...dos pais) e com as aprendizagens prévias
para o exercício da didática se situa sobre essa relação. Nesse sentido, a semiótica
didática pode, por exemplo, ser um adjuvante das práticas pedagógicas: ela
fornece competências complementares ao didaticista.
2. A relação entre o operador e o horizonte/outro interessa globalmente à interação
entre o projeto do didaticista e todos os aspectos de seus alunos que não se
relacionam, diretamente, com o ato didático: é, de fato, a relação educativa
por excelência, a estratégia por meio da qual o didaticista ajusta sua prática a
uma “formação para a vida” mais global. A semiótica didática pode intervir aí
com sua capacidade de discretizar e de colocar em relação descontinuidades e
continuidades. Mais que competências didáticas, ela forneceria habilidades e
aptidões sociais, culturais e diplomáticas; é preciso se lembrar, a esse respeito,
do papel dos preceptores nos vilarejos e comunidades de outrora: chefes do coro
municipal, conselheiro agrícola, animador esportivo, autoridade moral e cultural...
3. A relação entre o operador e o objetivo (e os resultados) estabelece, ao mesmo
tempo, uma relação de eficiência (no sentido do engajamento do operador no
sucesso da transformação do aluno), mas também, e sobretudo, uma relação de
identidade ou de identificação: o didaticista-educador se reconhece nos conteúdos
que transmite, nos tipos de transformações que espera, se identifica com tal
ou tal conteúdo de saber especializado, com tal ou tal tipo de resultado obtido
ou esperado (a alegria de seus alunos, seu sucesso nos exames, sua inserção
profissional, o florescer de futuros adolescentes ou jovens adultos etc.). O
didaticista encontra ou afirma sua identidade na orientação dos seus objetivos
e, inversamente, a organização do objetivo oferece uma imagem (um éthos) do
didaticista. Para essa relação, a semiótica didática consiste, principalmente, na
análise do discurso e da prática didática, análise axiológica, passional, actancial.
4. A relação entre o ato didático e o horizonte educativo é fundamentalmente
erística e estratégica, porque as práticas concernidas são de naturezas diferentes,
sobre isotopias diferentes, e demandam ajustamentos permanentes, não no
sentido unionista habitual em sociossemiótica, mais no sentido quase mecânico
dos golpes de lima, plaina ou martelo, dos compromissos e alterações que é

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preciso conduzir para que “isso se ajuste”: há atritos, isso resiste, isso se discute
ou isso se disputa, é preciso encontrar acomodamentos temporais e espaciais
(qual o melhor lugar, o melhor momento para determinada prática e qual o
melhor momento para outra? em qual ordem? etc.). Do lado do ato didático, a
composição do processo integra táticas, truques, incitações, impulsos, subsídios...
A semiótica didática encontrará aqui um campo de exercício perfeitamente
adaptado à semiótica dos modos de persuasão e de incitação, e dos modos de
acomodações práticas. Além disso, é uma das relações em que a “terceira via”,
a da intervenção na prática, seria bastante útil.
5. A relação entre ato didático e o objetivo/resultado precisamente tem a ver com
a eficácia, que Greimas chamava de otimização do discurso didático. O desafio
dessa relação é, primeiramente, o grau de normatividade do objetivo: essa norma
é forte? fraca? Estamos lidando com outra aspectualidade ou outra modalização
que não a da norma? Da ordem do querer mais que do dever? Da ordem da
imperfeição mais que da perfeição? Da ordem da manutenção indefinida de um
curso de interação, mais que da ordem da obtenção de um resultado? De um lado,
a maneira por meio da qual o ato é conformado (modalizado, aspectualizado,
ritmado, acentuado), modeliza e influencia o objetivo e, de outro, a maneira por
meio da qual o objetivo é valorizado confere uma dimensão ética para o ato.
Estamos agora no que eu chamei de “terceira via” da semiótica didática, a da
intervenção: compreender e, eventualmente, modificar a maneira como o ato
é conformado como como ele influencia o objetivo; compreender e recolocar
em questão a ética que o objetivo comporta.
6. A relação entre o horizonte educativo e objetivo/resultado é tipicamente de
natureza política: como a transformação do aluno produzirá um cidadão e para
qual sociedade? Para qual ideal humano, para qual vida e para qual meio ambiente
essa transformação do aluno o prepara? As maiores dificuldades, os mais graves
fracassos dos sistemas educativos encontram seu regime na disfunção ou na
ruptura dessa relação. Por exemplo, como analisar a desesperança exprimida
pelos alunos de escolas populares para o sucesso escolar? Ou, mais geralmente,
para as tentativas de didaticistas de transformá-los de alguma maneira? Essa
resistência se nutre da confrontação entre duas cenas incomensuráveis: aquela
em que eles vivem no quotidiano e em que sabem que viverão ulteriormente, e
aquela, didática, no interior da qual queremos transformá-los; se a transformação
obtiver sucesso, eles se tornarão estrangeiros em seu próprio mundo, em sua
cena prática quotidiana.
Tudo isso é ainda muito pouco semiótico, pois improvisei uma proposição para
lhes responder. Mas de todo modo, o quadro é semiótico e nos permite ver um pouco mais
claramente como as diferentes concepções e dimensões da semiótica podem, nele, assumir
uma posição.

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ASEL - Suas proposições sobre os níveis de pertinência da análise semiótica
superiores ao texto, dentre os quais estão objetos, práticas, estratégias, formas de
vida, podem contribuir com a reflexão sobre a escolarização? Nesse caso, poderia
nos falar um pouco sobre?

Jacques Fontanille – Aqui, também acredito já ter antecipado sua questão nas respostas
precedentes. Mas retorno ao próprio fundamento da minha proposição, para compreender
em que as questões de didática, de escolarização e de educação estão concernidas.
Há bastante tempo a semiótica estrutural sofre de uma fixação improdutiva sobre
a questão do texto. Quando relemos hoje os artigos ou livros de Marrone, de Landowski,
de Badir, de Klinkenberg e de alguns outros, compreendemos que o slogan “— Fora
do texto não há salvação!”, que Greimas criou se endereçando certo dia a professores e
estudantes brasileiros que trabalhavam com literatura, causou alguns prejuízos, e causa
ainda hoje. Provavelmente, Greimas pensava “— Fora da imanência, não há salvação!”,
mas ele optou por uma fórmula aparentemente mais abstrata (mais didática!), e os prejuízos
começaram pouco depois. Como é evidente para (quase) todos os semioticistas do mundo,
que a semiótica não pode e nem deve se limitar aos textos, duas estratégias se opõem: (1)
a que consiste em sair do texto e a ele não mais retornar (é a escolha de Landowski, desde
a época em que criou a “semiótica das situações”, de Klinkenberg, desde que adotou uma
perspectiva neuro-cognitivista, e de muitos sociossemioticistas e etnossemioticistas mais
jovens) e (2) a que consiste em estender a noção de texto de maneira que ela possa recobrir
todas as entidades semióticas possíveis e imagináveis.
No primeiro caso, renunciamos a aprofundar as fontes específicas da textualidade,
seja ela verbal, visual, gestual, pouco importa, e ao mesmo tempo renunciamos a
dialogar com outros especialistas dessas textualidades (os literatos, historiadores da
arte, especialistas do gesto esportivo ou dançado etc.). No segundo caso, estendemos a
textualidade à totalidade de semioses, fazendo disso o princípio teórico e metodológico
de uma semiótica completa, a semiótica “textualista”, que considera que a significação
deve ter uma forma textual, quaisquer que sejam suas expressões, sua composição e suas
substâncias. Em outros termos, qualquer que seja o objeto analisado, a análise estrutural
da significação desse objeto se produz da “textualidade”. Grosso modo, considerar uma
cidade como um conjunto construído, habitável e habitado por viventes, e percorrido por
fluxos de movimento, é fazer urbanismo. Declarar que tudo isso deve ser tratado como
um texto seria, pois, fazer semiótica.
Consequentemente, o que eu desejei fazer com essas distinções entre vários planos
de pertinência foi propor uma solução que distinga várias maneiras possíveis de significar
e que não decrete que apenas uma, dentre todas, é pertinente. O modelo dos “planos de
imanência” (ou “níveis de pertinência”) propõe, nesse sentido, considerar que os objetos de
análise se apresentam sob tipos de expressão e de organizações diferentes, que demandam
blocos conceituais e métodos específicos. O organon semiótico é globalmente a mesma
ferramenta para todos, mas as variáveis particulares são solicitadas por cada plano. E
para que essa proposição não conduzisse a uma fragmentação incontrolável, propus (em
2008, em Práticas Semióticas) limitar o inventário à cinco tipos, entre os quais podemos

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identificar rupturas maiores — signos, textos, objetos, práticas, estratégias e formas de
vida —, e procedimentos explícitos de integração de uns com os outros.
Continuei a trabalhar nessa tipologia, e propus, em seguida (no ano de 2018, em Terres
de sens, com Nicolas Couégnas) (1) reagrupar os textos e os objetos em uma única categoria
mais geral, as das obras (semioses de “totalização”), (2) fundir as práticas, as estratégias e as
formas de vida em uma categoria mais geral, a dos processos (semioses de “fluxo”) e, enfim,
(3) acrescentar um terceiro tipo, as existências (semioses existenciais coletivas).
Se voltarmos agora à semiótica didática, podemos conceber que ela incide sobre
um conjunto heterogêneo e multidimensional, um “universo de sentido” cujo tamanho,
diversidade e a variedade de facetas e de aspectos impede uma apreensão global, homogênea
e pertinente. Se desejamos tratar, ao mesmo tempo, das (1) propriedades dos conteúdos
manipulados, das (2) estratégias discursivas e retóricas que eles comportam, dos (3) tipos de
objetos que caracterizam os diferentes domínios didáticos, das (4) sequências pedagógicas
em cursos, seminários ou apresentações de formação profissional, dos (5) desafios educativos
e da construção de identidades sociais, somos conduzidos a selecionar uma das dimensões
e a relegar todas as outras ao “contexto”. Obteríamos o mesmo resultado se, por exemplo,
quiséssemos apreender o universo jurídico em uma semiótica jurídica (os textos das leis,
os sistemas de normas, as instituições jurídicas, o tribunal, as audiências, as defesas e os
julgamentos, os encarceramentos e prisões etc.).
Ora, o objetivo que se busca é, ao contrário, o de integrar o que chamamos, por
renúncia, de “contexto”, a um conjunto significante suscetível de ser submetido a uma
análise semiótica, e não o de relegá-lo para fora do texto, em um espaço não semiótico.
Portanto, devemos postular que, para a semiótica didática, há também diferentes maneiras
de significar, articuladas entre si, mas situadas em níveis diferentes, mobilizando blocos
conceituais e métodos diferentes. No que diz respeito à última versão da tipologia dos
planos de imanência e dos tipos de expressão, a semiótica didática é principalmente
contemplada, de um lado, pelas obras (textos e objetos) e, de outro lado, pelos processos
(práticas, estratégias e formas de vida).
Aquém desses níveis, não faltam signos didáticos, certamente, mas eles não me
parecem especificamente didáticos. Além disso, os modos de existência coletivos estão
precisamente no universo didático: são as implicações culturais e sociopolíticas das escolhas
educativas. Nos perguntamos, por exemplo, se podemos hoje educar e formar a juventude
independentemente das mudanças climáticas, das modificações de nossa relação com o
meio ambiente e com o planeta inteiro: essa interrogação participa de uma escolha de modo
de existência coletivo. Mas, suas consequências didáticas devem ser buscadas nos textos,
nos objetos, nas práticas, nas estratégias e nas formas de vida: escolha de textos utilizados,
reflexões sobre os impactos ambientais dos objetos que nos contornam e de nossas práticas
quotidianas, introdução estratégica dessa temática nos programas, antigas e novas formas
de vida definindo nossa relação com os outros seres vivos etc.
No que concerne às obras, elas foram as primeiras de que a semiótica se ocupou:
intervenção no estudo dos textos, ampliação do domínio dos textos a formas como a história
em quadrinhos, o filme, o jornal, o desenho. Além do mais, observamos uma dominante
no universo didático: cada especialidade seleciona textos ou objetos tipo, que são, de

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algum modo, os emblemas de cada disciplina, ao mesmo tempo que seleciona o simulacro
figurativo de um saber didático: as recolhas de trechos e ontologias literárias; o documento
de arquivos, a fotografia e a pintura em história, o mapa de geografia, o falso esqueleto na
sala de ciências naturais; a maquete de uma molécula em física etc. Seguramente, esses
estereótipos são periodicamente questionados e substituídos por outros, e constituem
assim, em alguma medida, uma dimensão quase-autônoma possível (mas anedótica) para
pesquisas relacionadas à semiótica didática.
O nível das práticas acolhe toda a diversidade de situações concretas da transformação
didática (a “cena” que evoquei linhas antes), compreendidas aí as dimensões didáticas
que estão ancoradas em outras práticas além da prática de ensino: encontramos também
práticas didáticas nas campanhas de comunicação do Estado no tocante às políticas públicas
(saúde, economia, consumo energético segurança etc.); nas estratégias de mercado e nas
campanhas de comunicação publicitárias; participamos igualmente de práticas didáticas
quando consultamos um médico, quando buscamos materiais e ferramentas em uma loja
de insumos para reforma e construção. Sob esse ponto de vista, a prática didática se torna
um esquema prático nômade, que constitui uma espécie de “motivo” capaz de ser inserido
em outros cursos práticos.
O nível das estratégias é aquele em que as práticas são agenciadas entre si para
formar conjuntos e encadeamentos mais ou menos controlados ou controláveis. É aquilo
que comporta alta taxa de conflitualidade, como já indiquei de outro ponto de vista, em
minha resposta anterior. É aquilo a que os professores de hoje dedicam mais energia e
capacidade tática: se trata, por exemplo, da gestão das interferências entre a prática didática
e todas as práticas quotidianas que os alunos podem exercer, a todo momento, graças às
tecnologias portáteis contemporâneas; mas se trata também das interferências entre os
tipos de interações esperadas em uma prática didática, e as outras interações sociais que
se desenvolvem nos grupos de alunos. Compreendemos então que o nível das estratégias
toca a educação em geral, além da didática dos saberes, saber fazer e saber ser. A gestão
estratégica dessas interferências entre as práticas antecipa, com efeito, todas as situações
de uma vida social futura, em que os alunos serão ainda mais solicitados, mais vivamente,
por tarefas concorrentes, comovidos e passionalizados pelos desafios da igualdade, do
respeito, da dignidade nas relações com o outro.
O nível das formas de vida é aquele em que as escolhas educativas serão diretamente
apreensíveis. A semiótica didática, como lembrou Jean-Jacques Vincensini em 1987, não
pode negligenciar os aspectos antropossemióticos. É nesse nível de pertinência que se
desenham as dominantes antropológicas: estamos lidando com um mundo regido pela
troca? pela transmissão? pelo dom? pela proteção? ou pela copresença sensível, como
gostaria Landowski? As paixões são mobilizáveis e analisáveis em todos os níveis evocados,
mas no nível das formas de vida elas configuram uma vida inteira, tornando-se paixões
dominantes de um vasto actante coletivo.
Se nos colocamos, por exemplo, a hipótese de que a emulação é um esquema
prático e passional dominante no universo didático, postulamos por princípio que todas
as situações didáticas serão comparativas (cada uma tem como perspectiva apreciar sua
própria competência, medindo-a em relação à das outras) e competitivas (cada um deve ao

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menos se igualar, de preferência ultrapassar todos os outros). Vemos então imediatamente
todas as consequências antropossemióticas: uma possível generalização da rivalidade e
do conflito, em uma vertente “liberal”; um vetor de frustração e de ressentimento durável
para todos aqueles que não podem esperar nada de uma comparação definitivamente
desfavorável, em uma vertente “discriminatória”; uma depreciação dos objetos de valor
próprios à didática, em benefício das hierarquias sociais, em uma vertente “elitista”; uma
descentralização da subjetividade, que não pode mais ser sua própria instância de referência
e que deve necessariamente se referir ao outro etc. E, mais geralmente, a emulação só poder
ser duravelmente eficiente quando ela é recíproca e, consequentemente, contagiosa, de
modo que ela possa se estender ao conjunto do coletivo. Ora, a reciprocidade é um esquema
relacional muito específico, de um ponto de vista antropossemiótico: a troca generalizada,
o dom cooperativo, a circulação dos valores no conjunto de um coletivo inteiro são formas
e condições de uma reciprocidade generalizada, que são difíceis de reunir. Essas condições
estão longe de ser satisfeitas pela concepção tradicional da emulação didática!
Tenho, finalmente, a impressão de ter esboçado um largo programa de pesquisas:
podemos discuti-lo, podemos ter outras opções, outras dimensões, mas esse é, ao menos, um
programa de pesquisas aberto, multidimensional e suscetível de mobilizar várias abordagens
ou tendências semióticas diferentes. Eu gostaria de finalizar tratando de um princípio, que
vou formular prontamente como um desejo. Bem notei que sua iniciativa e a intervenção que
me foi endereçada de com ela contribuir encontram sua fonte na leitura e em um desejo de
apropriação crítica de um documento oficial, que menciona profusamente a semiótica. Não
tenho mais informações sobre esse documento, mas podemos por princípio considerar que
comentar um documento oficial prescritivo é converter a sequência “prescrição/aplicação”
e uma outra, que é um diálogo, uma discussão da qual esperamos reações. Logo, sua
iniciativa de pesquisa concerne bem mais ao público e às autoridades da educação em seu
país que ao pequeno mundo da semiótica.
Ora, quando os semioticistas permanecem prudentemente entre seus iguais, mesmo
e sobretudo quando demonstram estarem interessados pelo vasto mundo exterior, eles se
autorizam às vezes algumas facilidades que mais ninguém observa, porque, justamente,
enquanto facilidades, não impactam ninguém e passam desapercebidas. Dentre essas
facilidades, há uma que seria muito penalizante para o renascimento da semiótica didática,
em particular no Brasil, onde o desejo de educação é hoje um desafio político e social
considerável: trata-se da facilidade que consiste em trabalhar sem córpus, fora do terreno
da investigação, e sem nenhum método de recolha e de construção dos dados analisados.
No pior dos casos, isso produz uma semiótica puramente especulativa. Em outros, temos
o sentimento que o semioticistas não tem outro córpus além de suas recordações, suas
experiências pessoais, suas opiniões, seus próprios estereótipos, para não dizer suas próprias
obsessões íntimas: inteiramente concentrado sobre sua introspecção, o semioticista modeliza
apenas suas próprias representações.
Para uma semiótica didática, o resultado pode ser desastroso, não apenas “entre
semioticistas”, mas sob o ponto de vista de outros públicos: muito frequentemente, o
semioticista que se lança a esse tipo de introspecção dificilmente tem muitas outras
experiências didáticas recentes, além de seminários de pesquisa ou conferencias, e suas
lembranças de experiências escolares e de diferentes tipos de alunos ou de professores não

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são mais que simpáticos fantasmas, pequenos personagens engraçados e obsoletos, presos
na memória de um mundo ultrapassado já há algumas décadas. Os “outros públicos” que
evoquei linhas antes esperam que a abordagem semiótica seja uma abordagem resolutamente
empírica, repousando sobre dados contemporâneos e adequadamente estabelecidos,
ancorados nas problemáticas de hoje: é o desejo que manifesto, que a semiótica didática
que vocês objetam possa dialogar dignamente com todas as ciências e os públicos que se
ocupam da educação.
Vocês poderiam me dizer que, em minhas respostas, eu não parti de dados empíricos,
pacientemente construídos (o gênero dificilmente se adequava a isso e suas perguntas
menos ainda). Mas, ainda assim, me apoiei sobre muitas experiências espalhadas ao longo
de cinquenta anos de exercício da profissão docente: experimentei todo tipo de ensino (nas
salas de escolas primária, secundária, superior, na formação profissional de estudantes, em
cursos universitários em todos os ciclos da formação etc.), e isso sem interrupção desde
1972 (exceto entre 2012-2013).

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