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1. CNRS-Fr.
2. N.T.: Trata-se do artigo Espaces didactiques: analyse et conception, publicado no Bulletin de 1979 do número 42 da
Actes Sémiotiques organizado por Manar Hammad (HAMMAD, 1979b).
3. N.T.: Cf. por exemplo, Portela (2019; 2008; 2003); Barros (2019; 2004) e Barros, Teixeira e Lima (2019).
Jacques Fontanille – Penso que tenho insistido nesse ponto desde o começo desta
entrevista. A semiótica didática não se resume à pedagogia de leitura dos textos: elas se
confundiram, entretanto, no início dos anos de 1970 do século passado, mas por motivos que
decorrem da posição então dominante do estruturalismo: todas as ciências humanas e sociais
“estruturalistas” pretendiam reformar em profundidade, ao mesmo tempo, os conteúdos
dos programas pedagógicos e as maneiras de transmiti-los: a “matemática moderna” (a
teoria dos conjuntos), a linguística estrutural e gerativa, a histórica “sincrônica”, a análise
estrutural dos textos se tonariam a bandeira das vanguardas pedagógicas.
Como já indiquei precisamente, a semiótica didática é também a reflexão sobre as
situações pedagógicas, sobre a conformação dos conhecimentos disponíveis em “saberes
didáticos” e especialmente sobre um projeto ao mesmo tempo social, educativo e político
de intervenção nas e sobre as práticas didáticas. Vou tentar desdobrar aqui o conjunto
dessas dimensões, sem as hierarquizar, explorando a composição que já propus em Práticas
Semióticas para a “cena prática” (ou, no meu jargão pessoal, a “cena predicativa das
práticas”). Essa cena prática é constituída ao menos de quatro instâncias: no centro, de
modo bastante evidente, está o predicado organizador, o “ato”; e em torno dele, os actantes:
(i) operador, o praticante, (ii) o objetivo visado (iii) o Outro no horizonte, sobretudo os
outros praticantes, as outras práticas e seus agenciamentos estratégicos. O resultado é uma
composição em que seis relações são possíveis entre as quatro instâncias:
Jacques Fontanille – Aqui, também acredito já ter antecipado sua questão nas respostas
precedentes. Mas retorno ao próprio fundamento da minha proposição, para compreender
em que as questões de didática, de escolarização e de educação estão concernidas.
Há bastante tempo a semiótica estrutural sofre de uma fixação improdutiva sobre
a questão do texto. Quando relemos hoje os artigos ou livros de Marrone, de Landowski,
de Badir, de Klinkenberg e de alguns outros, compreendemos que o slogan “— Fora
do texto não há salvação!”, que Greimas criou se endereçando certo dia a professores e
estudantes brasileiros que trabalhavam com literatura, causou alguns prejuízos, e causa
ainda hoje. Provavelmente, Greimas pensava “— Fora da imanência, não há salvação!”,
mas ele optou por uma fórmula aparentemente mais abstrata (mais didática!), e os prejuízos
começaram pouco depois. Como é evidente para (quase) todos os semioticistas do mundo,
que a semiótica não pode e nem deve se limitar aos textos, duas estratégias se opõem: (1)
a que consiste em sair do texto e a ele não mais retornar (é a escolha de Landowski, desde
a época em que criou a “semiótica das situações”, de Klinkenberg, desde que adotou uma
perspectiva neuro-cognitivista, e de muitos sociossemioticistas e etnossemioticistas mais
jovens) e (2) a que consiste em estender a noção de texto de maneira que ela possa recobrir
todas as entidades semióticas possíveis e imagináveis.
No primeiro caso, renunciamos a aprofundar as fontes específicas da textualidade,
seja ela verbal, visual, gestual, pouco importa, e ao mesmo tempo renunciamos a
dialogar com outros especialistas dessas textualidades (os literatos, historiadores da
arte, especialistas do gesto esportivo ou dançado etc.). No segundo caso, estendemos a
textualidade à totalidade de semioses, fazendo disso o princípio teórico e metodológico
de uma semiótica completa, a semiótica “textualista”, que considera que a significação
deve ter uma forma textual, quaisquer que sejam suas expressões, sua composição e suas
substâncias. Em outros termos, qualquer que seja o objeto analisado, a análise estrutural
da significação desse objeto se produz da “textualidade”. Grosso modo, considerar uma
cidade como um conjunto construído, habitável e habitado por viventes, e percorrido por
fluxos de movimento, é fazer urbanismo. Declarar que tudo isso deve ser tratado como
um texto seria, pois, fazer semiótica.
Consequentemente, o que eu desejei fazer com essas distinções entre vários planos
de pertinência foi propor uma solução que distinga várias maneiras possíveis de significar
e que não decrete que apenas uma, dentre todas, é pertinente. O modelo dos “planos de
imanência” (ou “níveis de pertinência”) propõe, nesse sentido, considerar que os objetos de
análise se apresentam sob tipos de expressão e de organizações diferentes, que demandam
blocos conceituais e métodos específicos. O organon semiótico é globalmente a mesma
ferramenta para todos, mas as variáveis particulares são solicitadas por cada plano. E
para que essa proposição não conduzisse a uma fragmentação incontrolável, propus (em
2008, em Práticas Semióticas) limitar o inventário à cinco tipos, entre os quais podemos
7. Referências
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e discursivos no ensino-aprendizagem na escola. Estudos Semióticos, v. 15, n. 2, p. 1-14,
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em: mai. 2021.
BARROS, Diana Luz Pessoa de; TEIXEIRA, Lucia; DE LIMA, Eliane Soares. Contribuições
da Semiótica e de outras teorias do texto e do discurso ao ensino. Estudos Semióticos, v.
15, n. 2, p. i-ix, 2019.
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v. 7, n. 14, p. 33-40, 2004.
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(Org.). Sémiotique didactique. Actes Sémiotiques. Bulletin, vol. 2, n. 7. 1979b.
LANDOWSKI, Eric; A. Antes da interação, a ligação. Trad. Luiza Helena da Silva, Murilo
Scóz e Yvana Fechine. Documentos de estudo do Centro de Pesquisas Sociossemióticas,
v. 9, 2019.